Artigo - Espaço, Industrialização e Acumulação Capitalista - Edilson Pereira Junior

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ESPAÇO, INDUSTRIALIZAÇÃO E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA:


UMA ABORDAGEM PARA O NORDESTE E O CEARÁ
Prof. Ms. Edilson Alves Pereira Júnior
Departamento de Geociências da Universidade Estadual do Ceará
[email protected]
RESUMO ABSTRACT

No artigo enfocam-se as novas combinações que se con- This paper are focused the new combinations that are
figuram na dinâmica econômica mundial e no espaço geo- configured in the world economical dynamics and in the
gráfico, tentando compreender a particularidade do caso geographical space, trying to understand the particularity
cearense, especialmente através da industrialização que of the case from Ceará, especially through the
ora se consolida. A investigação do processo é desenvol- industrialization that for now if it consolidates. The
vida com base na análise da acumulação capitalista e no investigation of the process is developed with base in the
papel desempenhado pelo espaço, posto como um meca- analysis of the capitalist accumulation and in the paper
nismo de exploração do grande capital. Todavia, os bene- carried by the space, position as a mechanism of exploration
fícios oferecidos pelas externalidades no Ceará são inter- of the great capital. Though, the benefits offered by the
pretados na mesma dimensão de importância que os de- externalidades in Ceará they are interpreted in the same
mais componentes do processo, buscando-se reconhecer dimension of importance that the other components of the
a ação eficiente da política econômica cearense na atração process, being looked for to recognize the efficient action
de investimentos industriais. of the from Ceará economical politics in the attraction of
industrial investments.

Palavras chave: Espaço, acumulação capitalista, industri- key words: Space, capitalist acumulation, industrialization
alização do Ceará. of Ceará.

Introdução

Os vários aspectos da realidade são responsáveis pela renovada percepção de tempo e espaço que
atualmente presenciamos. A partir dos valores impostos pelos novos acontecimentos no plano global, a
sociedade reorganiza a sua realidade e incorpora novas velocidades que se difundem pelo espaço sem em
nenhum momento homogeneizá-lo. A multiplicidade de questões econômicas e espaciais trazidas a partir
da emergência de todas essas transformações vem redefinindo velhos esquemas de organização
socioespacial que parecem substituir sistemas anteriores.
Pretende-se nesse artigo fornecer algumas indicações para a leitura das novas configurações que se
materializam na dinâmica econômica mundial e no espaço geográfico, moldados, cada vez mais, pelas
diferentes combinações engendradas através da acumulação capitalista.
Outro eixo de discussão construirá a interface da dinâmica mundial com a sua representação na
escala regional e local, onde a problemática será trazida ao Estado do Ceará através de sua recente
industrialização. Tentar-se-á compreender a periodização da indústria no Nordeste e no Ceará através da
investigação das principais fases de desenvolvimento do setor secundário nessas regiões. O recente
processo de industrialização da economia cearense e a compreensão da lógica espacial assumida pelos
novos investimentos conduzirão o debate à sua análise final.

A Dinâmica da Organização Desigual do Espaço e a Acumulação Capitalista

O mundo deste início de século se depara com um turbilhão de transformações sem precedentes.
Estamos experimentando um momento de complexidade em que as ações confundem pela velocidade
e atingem aqueles que, por uma ousadia a mais, procuram esgotar a realidade com previsões. Até mesmo
a terminologia disposta a dar conta do processo é variada e parece algumas vezes construir um quadro
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confuso na interpretação do período que se forma. Entre os “rótulos” atribuídos à sociedade atual e aos
estágios evolutivos de transição, é comum ouvirmos os mais diversos termos, de “sociedade programada”
a “sociedade do capitalismo avançado”, passando por “sociedade pós-materialista”, “sociedade
tecnotrônica”, “sociedade pós-industrial”, entre outros.
A maioria dessas expressões objetiva explicar as conseqüências produtivas e comportamentais de
um novo jogo de relações responsável por transformações significativas no entendimento dos processos
sociais. É assim que fenômenos como a dinamização das relações financeiras internacionais, o avanço
acelerado das tecnologias e a aplicação cada vez maior da informação como elemento na produção
material impõem-se como razão determinante de um novo quadro que vem redesenhando as relações
socioespacias.
No plano espacial, o que se vê é uma nova definição de distância, na qual as antigas barreiras físicas
não são mais restrições importantes ao sistema produtivo. Temos um avanço tecnológico preparando o
ambiente para o conjunto de trocas globais. Podemos falar até mesmo de uma rede mundial de
competitividade ou de um mercado financeiro globalizado, um sistema de interação que elege o momento
atual como o mais avançado no processo das relações econômicas internacionais.
Entretanto, não há razões concretas para uma deflagração metafórica acerca do desmoronamento
de uma “era”. Conforme aponta Soja (1993: 206)

[...] a geografia histórica do capitalismo não tem sido marcada por grandes reviravoltas e substituições
completas de sistemas, mas, antes por uma seqüência evolutiva de reestruturações parciais e seletivas,
que não apagam o passado nem destroem as condições estruturais profundas das relações sociais e
espaciais capitalistas.

O que vem se configurando nas últimas décadas, segundo esse autor (ibid), não são substitutos
completos das “antigas divisões”, haja vista que elas não só permanecem vivas como também estão em
plena atividade. A nova organização espacial evidenciada pelo capital aplica-se muito mais à tentativa
deste último de estabelecer novas condições de lucratividade e reforçar o ataque aos direitos
conquistados pela classe trabalhadora.
Nesse sentido, o novo quadro de relações regionais e internacionais não “justifica uma corrida ingênua
e simplista ‘ao pós’ – pós-industrialismo, pós-capitalismo, pós-marxismo – que insista no derradeiro fim
de uma era, como se o passado pudesse ser descascado e jogado fora” (idem, ibid.: 206). Fundamentado
numa lógica de expansão territorial, o capital continua produzindo diversidades regionais, seja no centro,
seja na periferia do capitalismo, o que comprova a continuidade de um modelo excludente e
geograficamente desigual.
Não poderia, contudo, ser diferente. Em decorrência da própria natureza do capitalismo, toda
organização territorial produzida sob a égide desse sistema se destaca como uma estrutura hierárquica de
níveis diferentes de produtividade. O desenvolvimento geograficamente desigual é uma parte essencial
da espacialidade capitalista, sendo característica de fundamental importância para o crescimento
de suas taxas de acumulação.
Esse fenômeno é confirmado por Mandel (1982), quando analisa o desenvolvimento experimentado
pelo capitalismo desde suas origens até a fase atual(1). Na concepção do autor, esse modo de produção
apresenta múltiplas seqüências de expansão e estagnação, no qual o móvel para a superação das crises
será sempre a procura por superlucros.
Ao interpretar Mandel, Soja (1993) informa que “a busca de superlucros gira em torno de três
fontes fundamentais, duas delas primordialmente definidas em torno da diferenciação espacial (subnacional
e internacional), e a terceira, em torno do desenvolvimento setorialmente desigual”. É conveniente,
todavia, esclarecer que, embora cada uma dessas fontes alcance uma proeminência particular
nas diferentes fases do capitalismo, todas elas estão presentes na história desse modo de produção,
mantendo entre si uma ligação estrutural(2).
Para uma compreensão mais clara da importância da diferenciação espacial na conquista
de superlucros, é preciso ver como cada uma das fontes citadas se destaca nas três fases de
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desenvolvimento do capitalismo. Segundo Mandel (apud SOJA, ibid.: 1993), durante a fase em que ele
denomina de era do capitalismo de livre concorrência, “a forma predominante dos superlucros derivou
da justaposição regional da indústria e da agricultura nos países então capitalistas avançados,
justaposição essa que estava profundamente imbricada nas relações entre a cidade e o campo”. Isso se
deu por conta de fatores importantes, naquele momento concentrados nos primeiros países
industrializados, como, por exemplo, a abundância do exército industrial de reserva; a fragilidade das
lutas operárias; a troca desigual de mais-valia entre a jovem indústria e a agricultura e a disposição de
áreas de livre acesso para os investimentos. O que ocorreu durante o século XIX, nesse sentido, foi muito
mais um desenvolvimento desigual e combinado, estruturado numa escala regional; uma expansão
fundamentada na relação cidade/campo que marca as origens do capitalismo.
Toda essa situação de relativa imobilidade espacial começou a se alterar no final do século XIX. A
partir de novos elementos como o reforço da luta operária e o rápido acréscimo no volume do capital,
iniciou-se forte movimentação de investimentos para as regiões menos desenvolvidas, o que
caracterizou a fase imperialista do capitalismo(3). Os superlucros passaram, então, a ser extraídos
principalmente por intermédio da exportação de capitais ociosos para a agricultura/mineração de países
periféricos, aumentando a composição orgânica nesses setores e diminuindo os preços das
matérias-primas. Da mesma forma, em função do enorme exército industrial de reserva, iniciou-se uma
pressão pela queda dos preços da força de trabalho nos países dependentes (BEHRING, 1998).
Assim, ao mesmo tempo em que assume uma feição monopolista e oligopolista, o capital se recupe-
ra da depressão do final do século XIX, configurando num plano internacional o seu modelo de
desenvolvimento desigual e combinado. “A justaposição internacional de desenvolvimento (nos Estados
imperialistas) e subdesenvolvimento (nos territórios coloniais e semicoloniais) tornou-se mais importante
para o capitalismo do que a diferenciação regional subnacional” (SOJA, 1993, p.200).
É preciso enfatizar o fato de que, apesar de assumirem envergadura internacional, os superlucros
continuam a ser extraídos a partir da diferenciação regional subnacional, mesmo que sua importância vá se
tornando gradativamente decrescente. A internacionalização do capital, nesse sentido, não elimina as
disparidades regionais nos países centrais. O que ocorre é muito mais uma redução das antigas
desigualdades, haja vista que as periferias agrárias passaram a ser urbanizadas, mas, em contrapartida, as
regiões que continham as principais capitais imperialistas tenderam a crescer em grau mais acelerado.
Malgrado, porém, a acumulação evidenciada pela sua fase imperialista (primeiras décadas do
século XX), o capitalismo logo voltou a mergulhar numa outra crise, sendo esta de proporção muito
significativa, resultando na Grande Depressão da década de 1930. Para Mandel (1982, p. 70), esse foi
o momento de importantes mudanças na fonte primordial dos superlucros. Ele marca a redução
dos ganhos proporcionados pela desigualdade espacial e o início de maior acumulação a partir da
“justaposição industrial global de desenvolvimento em setores dinâmicos e subdesenvolvimento em
outros”. Entramos numa fase que o autor chama de capitalismo tardio, regime que, ao contrário de esgarçar
o capitalismo monopolista clássico, se sobrepõe a ele como uma camada, preservando todos os seus
antecedentes residuais.
No capitalismo tardio, a combinação diferenciada de fontes de superlucros continua envolvendo a
dimensão espacial (regional e internacional); todavia, o maior destaque agora passa a ser dado aos
diferentes setores da economia, sendo os mais inferiores responsáveis pela transferência de excedente
para os mais dinâmicos. Como acentua Mandel (1982, p.70), “sem a existência de ramos industriais
subdesenvolvidos, não teria havido transferência de excedente para os chamados setores dinâmicos, nem
a aceleração correspondente da acumulação do capital nos últimos 25 anos”.
A disponibilidade e a manipulação de novas tecnologias se transformam em base fundamental para a
reestruturação econômica experimentada no capitalismo tardio, uma vez que “determinadas indústrias,
bem como ramos e empresas específicos dos setores industriais, foram sendo cada vez mais diferencia-
dos em termos de produtividade, lucratividade e controle da força de trabalho” (SOJA, 1993, p.207).
Com efeito, verdadeira revolução tecnológica tomou forma nas últimas décadas, culminando na transfor-
mação dos caminhos seguidos pela indústria e pelos demais setores da economia.
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Somado a isso, o Estado também passa a intervir mais veementemente no sentido de disciplinar a
reprodução ampliada do capital. Por meio da administração das contradições sociais, mas, sobretudo,
possibilitando um melhor arranjo de produtividade e flexibilidade ao processo de trabalho, o Estado se
impõe como instância institucional imprescindível para disciplinar os ganhos proporcionados pelo
desenvolvimento setorialmente desigual (inclusive articulando a mobilidade de setores do capital para
lugares onde o barateamento dos custos da mão-de-obra é significativo).
Também é nessa fase que se verifica a industrialização acelerada de alguns países do mundo
subdesenvolvido, prova contundente de que o espaço não deixa de se apresentar como mecanismo
importante na busca de superlucros. Segundo Mandel (1982), isso se explica pelo deslocamento de
centros de produção das transnacionais para países com salários e preços de matérias-primas mais
baixos. Por apresentar um mercado interno reduzido, não constituindo uma via de absorção efetiva de
produção, esses países acabaram assumindo um modelo de industrialização baseado, principalmente, na
“superexploração dos trabalhadores”.
Mesmo com a importância crescente da reestruturação tecnológica e setorial, o capitalismo tardio
não eliminou a exploração do espaço como fonte de superlucros. As tendências que sugerem uma
transformação radical dos mecanismos de organização produtiva (ou mesmo do capitalismo) parecem
desconhecer ou ignorar esse fato, sendo muitas vezes até confundidas por estratégias que no fundo
representam novas roupagens do esquema de apreensão e consumo do espaço pelo capital.
Contudo, apesar de não representar uma ruptura definitiva com as velhas fontes de acumulação,
o novo quadro de reestruturação, de fato, implica mudanças expressivas na atual dinâmica de
organização do espaço. A especialização flexível e a desintegração de velhos obstáculos territoriais vêm
proporcionando ao capital uma mobilidade sem precedentes na escala mundial. Agora, tanto é possível
integrar o espaço mundial, através de uma rede de investimentos e financiamentos, como separar o
processo produtivo industrial em diferentes lugares. Os novos meios de conexões e telecomunicações
suplantam qualquer limite criado pela descontinuidade geográfica global.
Por conta da acentuação do desenvolvimento setorialmente desigual, “regiões centrais antes
altamente prósperas e industrializadas têm experimentado um declínio e desindustrialização econômicos
acelerados, enquanto muitas regiões periféricas pobres converteram-se em novos centros de crescimento
industrial e expansão econômica” (SOJA, 1993, p.208). Esse aspecto de reestruturação também ocorre
em escala subnacional, haja vista que uma série de investimentos industriais vem proporcionando aos
novos lugares (lugares ainda não orientados plenamente pela lógica do capital) mudanças significativas na
sua estrutura produtiva e setorial.
O processo se caracteriza, sobretudo, pela transferência de segmentos tradicionais da indústria para
lugares onde não estavam constituídas plenamente as condições necessárias de desenvolvimento capi-
talista. Verifica, a partir daí, uma reestruturação espacial (seja ela internacional ou subnacional) fundamen-
tada numa perspectiva de desigualdade setorial. Para Soja (1993, p.208), “é nesse ponto que os cenários
setoriais e espaciais da reestruturação contemporânea convergem e reverberam, acelerando os ciclos de
exploração nos planos vertical e horizontal do desenvolvimento desigual”.
Nesse sentido, ao procurar interpretar os movimentos que norteiam o atual processo de reestruturação
capitalista, não podemos esquecer o papel dos componentes que se mostram imprescindíveis para a
reprodução desse modo de produção.
Inserido no processo, o ordenamento desigual do espaço ainda se mostra crescentemente eficaz
como fonte de manutenção dos superlucros. Trta-se de uma evidência contundente de que , mesmo com
as recentes mudanças tecnológicas, sua importância política e econômica não deixa de se fazer
presente na organização da vida social. Por fim, com respaldo em Soja (1993, p.209), podemos
confirmar tal importância reconhecendo que “a instrumentalidade das estratégias espaciais e locacionais
da acumulação do capital está sendo revelada com mais clareza hoje do que em qualquer outra época dos
últimos cem anos”.
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Expansão do Capital e Industrialização do Nordeste e do Ceará

O entendimento da inserção nordestina e cearense no ordenamento do capitalismo internacional


passa por uma interpretação concreta da realidade que aí se consubstanciou. Diante do exposto no item
anterior, observamos que o desenvolvimento capitalista envolve condições e efeitos que não se realizam
geográfica e historicamente da mesma maneira. Desse modo, é preciso evitar uma interpretação
“modelar” e situar em seu lugar uma investigação mais definida acerca da realidade que emergiu nas áreas
mencionadas.
O recente avanço das forças produtivas na região Nordeste está intimamente ligado à
industrialização experimentada pelo Brasil na fase do capitalismo tardio. É a partir desse processo que
começam a ser acentuadas diferentes posições regionais nos ramos de produção, garantindo ao capital
(nacional e internacional) maiores taxas de acumulação no Território nacional.
Iniciada em meados da década de 30 do século passado, a industrialização brasileira é resultado,
entre outros fatores, de um “afrouxamento” dos laços de submissão que atavam a economia nacional aos
centros hegemônicos do capitalismo imperialista. Foi nesse momento que o país começou a passar por
grandes mudanças em seu padrão de organização econômica, porquanto a recessão mundial no “entre
guerras” e o grau de capitalização gerado pelo café dinamizou o setor secundário através de um processo
crescente de substituição de importação. Nascia o domínio da indústria sobre o ritmo das atividades
econômicas brasileiras, uma reestruturação que gradativamente suprimia o antigo papel desempenhado
pelo modelo agrário-exportador. Entretanto, o novo processo ainda sofria várias restrições: a base
técnica, agora concentrada em São Paulo, era estreita e não dispunha de um adequado departamento
produtor de bens de produção.
Só a partir dos últimos anos da década de 50, o Brasil viu-se capturado pelas forças do capital
oligopolista. Este lhe aplicou vultosos investimentos e alterou radicalmente a sua estrutura produtiva.
O Estado também assumiu um papel atuante se responsabilizando pela montagem de uma infra-estrutura
condizente à reprodução dos pesados investimentos que começou a chegar do Exterior. Como não seria
de se espantar, a industrialização foi o meio utilizado para dar a luz ao conjunto de transformações que se
generalizava no País, a se destacar: o desenvolvimento qualitativo da tecnologia voltada para a elevação
da capacidade produtiva; a impressionante expulsão da população rural em procura das grandes cidades
e a maior integração do Território nacional.
O Nordeste brasileiro começou a se inserir nesse cenário logo a partir do começo dos anos 1960.
O acelerado impulso industrial na região se traduziu como um resultado da expansão dos investimentos
desse setor pelo Território nacional, mas a atividade industrial nordestina não nascia nesse momento.
Desde o final do século XIX, algumas cidades da região já possuíam um parque industrial pertencente a
um poder oligárquico familiar. Havia ponderável produção de charutos e cigarros, chapéus, carroças,
couros e peles, cimento, mas o grande destaque veio para as indústrias açucareira, têxtil e de óleos
vegetais (ANDRADE, 1981).
Naquele momento, as relações sociais e políticas na região se estruturavam de tal forma que o
Estado atendia apenas aos interesses das oligarquias locais. O que se via era um conjunto de lutas políti-
cas contracenadas pelas oligarquias canavieira (defensora dos interesses da burguesia industrial e comer-
cial urbana) e sertaneja (com base econômica centralizada no algodão/pecuária e política no “voto do
cabresto”). Segundo Smith (1985, p.4), “estas oligarquias exerciam pleno controle social, dentro das
condições de preservação de uma estrutura produtiva tradicionalista que foi se tornando gradativamente
impermeável às forças de mercado e de mudança”.
Na verdade, a forma como se processavam a expansão capitalista nacionalmente e o isolamento
relativo do Nordeste fazia com que os conflitos sociais na região se dessem de maneira específica sem que
o sistema econômico e político nacional sofresse maiores perturbações. Até 1950, esses conflitos
não constituíam ameaça para a consolidação e expansão nacional da dominação hegemônica
burguesa (MARANHÃO, 1991).

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Todo esse quadro começou a ser alterado em virtude da ascensão gradual e firme das forças popu-
lares, leia-se Ligas Camponesas e Sindicatos Rurais, responsáveis pelo rompimento da pax agraria e
pela ameaça à hegemonia burguesa nacional. Somado a tudo isso, “as secas de 1951-53 e de 1958 se
fazem acompanhar dos costumeiros clamores regionalistas, que incluem nesta última seca uma ênfase nas
diferenças regionais que começam a ser geradas com base no novo avanço da industrialização” (SMITH,
1985, p.107).
Com efeito, a maioria dos mecanismos básicos que asseguravam o sistema de dominação em escala
regional no Nordeste começou a ser destruída a partir dos anos 1960, com a instalação de um projeto
econômico para a região. Tal projeto partiu da discussão levantada pela CEPAL (Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe) de que o comércio internacional, da forma como estava posto, não
levaria à superação do atraso das economias periféricas. “Para tanto, esse novo modelo defendia uma
ação direta do Estado intensificando e coordenando a industrialização que vinha ocorrendo
espontaneamente através da substituição de importações” (COSTA, 1997: 13).
As teorias cepalinas, contudo, se materializaram na Região, de fato, com base no relatório do GTDN
(Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste). A idéia de criar um grupo nestes moldes
surgiu diante do discurso das disparidades socioeconômicas entre o Nordeste e o Sudeste, acentuado a
partir do avanço econômico deste último. Planejado pelo Governo Federal, mais especificamente pelo
Conselho de Desenvolvimento Econômico, o GTDN elaborou um diagnóstico, entre os anos de 1957 e
1959, em que propunha uma política para o desenvolvimento regional com base na industrialização(4).
A Superintendência de Desenvolvimento para o Nordeste – SUDENE, órgão de planejamento
destinado a orientar as ações do Estado na Região, foi a instância organizativa que legitimou essa política.
Através dos incentivos fornecidos pelos arts. 34/18, dispositivo que autorizava as empresas nacionais e
internacionais interessadas em implantar indústrias no Nordeste a reduzirem em até 50% o imposto de
renda devido à União, a SUDENE transformou a industrialização no eixo do crescimento econômico da
Região e diminuiu os vínculos de complementaridade desta última com o setor agrícola local e o mercado
regional.
Ao desvalorizar as atividades econômicas regionais, a SUDENE expôs claramente os reais
interesses do projeto, que se distanciavam da tentativa de reduzir as desigualdades socioeconômicas
regionais. Então, por trás de um discurso resistente estava o interesse de integrar o Nordeste a um
mercado nacional capitalista sob liderança do Sudeste do país, “daí a ênfase dada anteriormente à política
rodoviária e de implantação de grandes usinas hidrelétricas” (ANDRADE, 1981, p.52), pré-requisitos
para o processo.
É possível verificar, nesse sentido, que os investimentos industriais para o Nordeste consistiam num
instrumento de obtenção de superlucros com base na desigualdade regional. Utilizando-se do espaço
para garantir sua reprodução, o capital garantiu o domínio empresarial do Sudeste sobre a Região, levou
à falência atividades nordestinas tradicionais, incorporou milhões de camponeses a uma economia urbana
de mercado e resolveu o problema dos emergentes conflitos de classe que assustavam a hegemonia
burguesa nacional. Assim, de acordo com OLIVEIRA (1993), a burguesia industrial do Sudeste, ao
caminhar para a hegemonia, submeteu as classes populares do Nordeste sem atacar-lhes diretamente
num movimento que visava a evitar a confluência das forças populares em escala nacional. Estava
confirmado o ataque pelos “flancos”, desenvolvido pela SUDENE no intuito de garantir os interesses do
capital nacional e internacional na Região.
No final dos anos 1960 e início dos 1970, a deterioração do processo confirmou os reais interesses
do novo programa de industrialização, desmistificando as expectativas sobre o desenvolvimento regional.
No geral, a industrialização que se desenvolveu no Nordeste passou a acompanhar a dinâmica nacional,
assumindo um papel de dependência em relação à burguesia do Sudeste, uma vez que nem envolveu o
departamento de produção de bens duráveis de luxo nem o departamento dos bens de capital.
Finalmente, no tocante à localização das indústrias na Região, evidenciou-se acentuada
concentração espacial, na qual as vantagens comparativas locacionais destacaram as cidades de Salva-
dor, Recife e Fortaleza como capitais mais propícias à implantação industrial em decorrência de suas
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boas condições infra-estruturais. Segundo Ferreira (1995, p.161),

[...] das 910 indústrias incentivadas através do mecanismo 34/18-FINOR, 63,6% se localizavam nos
estados da Bahia (19,5%), de Pernambuco (24,3%) e do Ceará (19,8%). Ademais, daquele total de
indústrias incentivadas, 46,9% se localizavam nas regiões metropolitanas daqueles respectivos Estados.
Sendo 17,4% na Região Metropolitana de Recife, 15,9% na de Fortaleza e 13,6% na de Salvador.

Somado a isso, no que se refere à origem do capital responsável para a instalação das indústrias
nestes estados, somente na Bahia predominou a presença de investimentos externos, pois para Ceará e
Pernambuco, o capital local foi o maior responsável pela consolidação das inversões (idem, ibid.).
Quanto ao período mais recente da industrialização nordestina, observamos que ele resulta das
novas realidades da política brasileira, assim como da crescente internacionalização econômica no País.
Esta última, hoje, consolida um processo de industrialização bem mais flexível em que o capital se articula
estrategicamente pelo espaço, razão pela qual a migração dos investimentos para o interior do Brasil
torna-se constante. Com efeito, nova modalidade de competição financeira se ergue, colocando as unida-
des de Federação numa arena onde a arma mais eficaz é o benefício fiscal. A análise do processo no
Estado do Ceará irá conceder uma noção mais completa para a atual situação.
Antes de explicitar as recentes estratégias industriais cearenses, necessário se faz compreender a
periodização da atividade no Estado. A formação econômica cearense do período colonial se distanciou
um pouco das outras economias nordestinas litorâneas. Enquanto os estados da Zona da Mata
apresentavam suas economias baseadas na lavoura canavieira, o Ceará fundamentava sua organização
econômica em função das necessidades de suprimento para as regiões agroexportadoras. Assim,
a pecuária foi a primeira grande atividade econômica cearense, “responsável pelas primeiras atividades
ligadas às transformações industriais”, bem como ao povoamento e à colonização do Estado (SILVA,
1994). Logo depois o algodão, produto bem adaptado ao clima semi-árido, se uniu às charqueadas
(atividades ligadas ao consumo de carne), compondo a base para a organização econômica e espacial
cearense. Nesse sentido, o sistema formado pelo tripé gado/algodão/cultura de subsistência não só
estruturou a economia espacial cearense como também marcou profundamente a distribuição fundiária e
o uso da terra no Estado.
Apesar de seu caráter agroexportador, vieram do algodão as primeiras iniciativas industrializadoras
do Ceará, representadas, principalmente, pelas empresas de fiação e tecelagem. Tais firmas, que se
distribuíram por diversos municípios do Estado, uniram-se a outras nos ramos de curtume, metalurgia,
tipografia etc., formando a identidade industrial cearense que predominou até a década de 60 do
século XX.
“A implantação industrial, nessa fase, processou-se espontaneamente e foi realizada por grupos
locais que conseguiram mobilizar os recursos financeiros disponíveis na região, adquiridos, sobretudo,
através das atividades agrícolas e comerciais” (AMORA, 1994, p.124). No geral, a atividade se deu
muito mais como um prolongamento da agricultura, porquanto se ocupou da transformação da
matéria-prima local e se concentrou nas mãos de grupos familiares.
A partir da inserção das práticas desenvolvidas pela SUDENE, o Estado assegura a implantação de
projetos industriais dentro das estratégias centralizadas do planejamento regional. Os incentivos fiscais
passaram então a ser aplicados tanto na “modernização e/ou ampliação de velhas atividades existentes e
implantação nos mesmos ramos dedicados ao beneficiamento de matérias-primas agrícolas, como
também na instalação de novas indústrias consideradas pela SUDENE como de substituição de
importações” (idem, ibid.: 127).
Esse novo momento começou, de fato, a consolidar o processo de industrialização no Ceará.
Segundo Nobre (1989), a criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), do Banco do
Nordeste do Brasil (BNB) e da Universidade Federal do Ceará possibilitaram, cada um a sua maneira,
um impulso econômico e industrial muito s ignificativo para o Estado, com destaque para a cidade
de

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Fortaleza. Também foi a partir dessa fase que o Governo estadual se mobilizou no intuito de aparelhar o
Ceará para um maior acesso aos incentivos regionais e aos investimentos externos. Inicialmente, foi
depositado maior esforço no aperfeiçoamento das condições infra-estruturais, no qual os destaques
foram para a montagem de uma rede de distribuição de energia elétrica, a ampliação e melhoria de
estradas e a maior eficiência nos abastecimentos e, logo em seguida, somavam-se os dispositivos
prontos a fornecerem serviços de apoio técnico e financeiro ao setor(5).
Toda a mobilização empreendida pelos governos na tentativa de eliminar as barreiras para os
investimentos na indústria só evidencia o esforço do Estado no sentido de facilitar a penetração dos
mecanismos de produção/reprodução capitalista no espaço do Ceará. Orientado pelo processo
industrial, o capital aos poucos foi revelando sua inserção no ordenamento socioeconômico local,
culminando com o gradativo desgaste das práticas políticas conservadoras cearenses. Assim, lentamente,
as relações de produção foram assumindo uma natureza mercantil, da mesma forma como a racionalidade
capitalista foi suplantando obstáculos resistentes do ponto de vista da esfera política(6).
A ação das forças públicas se mostrou então imprescindível no que diz respeito a montagem e
consolidação dos mecanismos de mercado no Ceará(7). O processo foi lento mas gradativamente foi
evidenciando a materialização dos novos investimentos industriais. Com efeito, em 1978 a economia
cearense assistiu à passagem de um sistema produtivo agrário-exportador para outro centralizado na
indústria e no terciário. O que se observou a partir de então foi a superação do tradicional ordenamento
econômico, na qual a antiga proeminência das atividades agropecuárias abriram espaço para uma
economia moderna e dominada pelas relações eminentemente capitalistas.
Tal mudança, que vinha acompanhada no plano político por uma série de reformas, foi confirmada
através do uso de políticas emblemáticas de incentivo à industrialização. Esse representou o período do II
PLAMEG (II Plano de Metas Governamentais), plano elaborado no segundo governo de Virgílio
Távora (1979-1982) e que procurava transformar o Ceará no III Pólo Industrial do Nordeste a partir de
uma ação intensificada no setor.
Assumindo uma bandeira “desenvolvimentista”, o II PLAMEG concentrou suas propostas no
crescimento do parque industrial e na implantação/consolidação de “distritos industriais” (principalmente
em Fortaleza e Maracanaú). Segundo as palavras do próprio governador Virgílio Távora (GOVERNO
DO ESTADO DO CEARÁ, 1980, p.10), o plano visava a “efetuar a modernização e expansão do
parque industrial do Estado [...], promovendo a transformação e modernização da economia estadual
como um todo”.
A partir daí, diversos mecanismos financeiros foram criados na tentativa de garantir a materialização
do III Pólo Industrial do Nordeste. Dentre eles, um merece atenção especial. Estamos nos reportando ao
Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará (FDI), mecanismo que constituiu importante instrumento
de liberação de recursos para financiamento de projetos novos. O FDI, além de se ter mostrado o
elemento mais original criado pelo II PLAMEG, acabou se tornando um instrumento de atração industrial
mais eficiente do que as formas de apoio oferecidas pela SUDENE, BNDE, BNB etc. (CARLEIAL,
1983).
É preciso verificar, porém, que o crescimento das atividades industriais nesse período não trazem
alterações significativas na estrutura industrial do Estado. Os maiores privilégios ficaram para os ramos
têxtil, alimentar e de calçados, ou seja, vocações produtivas já tradicionais no Ceará(8). Situação
parecida ocorreu com a distribuição espacial das riquezas industriais, a maioria absoluta dos
investimentos se cristalizou no ambiente mais propício à sua reprodução, a Região Metropolitana de
Fortaleza.
Os elementos que consolidam a economia de mercado são definitivamente incorporadas pelo Ceará
a partir das mudanças políticas desencadeadas na década de 1980. Esse foi o momento no qual um
grupo de “jovens empresários”, autônomos do poder local, se disseram dispostos a reestruturar as
relações socioeconômicas do Estado e “libertá-lo” do domínio “anacrônico” dos “coronéis”. Acredi-
tando representar a vanguarda do movimento econômico no Ceará, esse novo grupo empresarial se
transformou num crítico do modelo de intervenção governamental, considerado por eles o maior entrave
na busca pelo livre interesse de capitalistas e trabalhadores.
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A primeira manifestação de rompimento se deu em 1978, com a revitalização do Centro Industrial
do Ceará (CIC). Segundo Gondim (2000, p.414), “até então, era praxe que o presidente da
conservadora Federação das Indústrias do Ceará (FIEC) assumisse também a presidência do CIC, mas
essa tradição foi alterada pelo empresário Flávio Costa Lima, que abriu mão daquele cargo em favor
de Benedito (Beni) Veras”. Esse era o “espaço” que os empresários “progressistas” precisavam para pôr
em prática suas idéias modernizadoras. Desde então, a ação de Beni Veras e de seus sucessores passou
a ser de objetivar a conquista do poder e com isso implementar políticas públicas que rompessem
com o “desenvolvimentismo” do governo local(9).
O projeto político-econômico do CIC consistia primeiramente na retirada dos investimentos diretos
do Estado, deixando a ele apenas o papel de propulsor do crescimento econômico. Num outro momento
foi necessária uma recuperação das finanças públicas a partir de uma flexibilização da ação estatal no
tratamento das demandas sociais. Foi exatamente isso que passou a ser implementado na “máquina
estatal” cearense, com a conquista do poder pelos “jovens empresários” em 1986. Ancorados na crise do
modelo econômico instituído pelas elites tradicionais, já não mais eficiente para os interesses do capital, e
contando com a mobilização de novos atores políticos e sociais, os “jovens empresários” conseguiram
eleger Tasso Jereissati para o cargo de governador, fazendo com que o projeto político do CIC fosse
aceito como representante dos interesses gerais da sociedade.
Iniciou-se, com efeito, uma nova fase na organização política e econômica no Ceará, na qual a
reprodução desse modelo de gestão, consubstanciada pela vitória de Ciro Gomes em 1990 e pela dupla
reeleição do mesmo Tasso Jereissati em 1994 e 1998, de fato materializou os interesses do capital naci-
onal e internacional no Estado. Fundamentadas numa filosofia burguesa/liberal, as práticas desse mais
novo governo, conhecido como “Governo das Mudanças”, se traduziram no fortalecimento das
tendências industrializadoras, na ampliação da infra-estrutura cearense, na atração de investimentos ex-
ternos e na reestruturação do Estado baseada numa política de “privatização”.
Evidenciou-se, pois, uma ação político-econômica intensa, na qual a intervenção do Governo
estadual aconteceu através de uma parceria com o capital privado. Segundo Abu-El-Haj (1997), entre os
aspectos mais importantes desse novo “desenvolvimentismo”, o destaque veio para a atuação marcante
do Estado na tentativa de conduzir o ordenamento econômico local à lógica do mercado, orientando
também o crescimento industrial e o mercado consumidor. O papel do Estado, nesse sentido, era agora o
de fomentar a abertura de espaços para assegurar a chegada/consolidação do capital industrial no Ceará.
Apesar da reforma administrativa e do saneamento nas finanças públicas, porém, os “governos das
mudanças” não instituíram mudanças radicais no que diz respeito à política industrial do Estado. No geral,
o que se verificou foi uma ênfase maior nas temáticas já abordadas e tratadas pelas elites tradicionais.
Como afirma Abu-El-Haj (ibid.:337), “apesar do discurso, os ‘Governos das Mudanças’ iniciam um
enfoque na área industrial com uma visão tipicamente desenvolvimentista e dependente da macro inter-
venção governamental”, uma posição que viola o princípio básico do CIC, segundo o qual a separação
entre o público e o privado era condição essencial para alcançar a modernidade. Observa-se, então, que,
mesmo se denominando responsáveis pela superação do anacronismo político dos “coronéis” Adauto
Bezerra, César Cals e Vírgilio Távora, os “governos das mudanças” não foram muito além de uma revisão
temática de seus métodos de industrialização.
Deve-se reconhecer, no entanto, o quanto as novas estratégias político-econômicas foram eficientes
no sentido de integrar o Ceará numa nova economia de trocas nacionais e globais. Reagindo de maneira
eficaz diante da gradativa falência dos programas regionais de apoio à industrialização, o Estado (e até
mesmo alguns municípios) se impôs solidamente na conquista de investimentos industriais externos,
desenvolvendo estratégias de financiamento e de benefícios fiscais. Com efeito, grupos empresariais já
consolidados nacionalmente, sobretudo nos ramos têxtil e de calçados, optaram por abrir (ou transferir)
grandes fábricas no território cearense (é o caso do Grupo Vicunha e Grendene). Além disso, projetos de
expressiva dimensão foram desenhados no intuito de aparelhar a infra-estrutura(10) do Estado e reestruturar
a natureza da sua produção industrial(11).
Por trás dessa significativa injeção de investimentos externos, encontrava-se um definido programa
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de atração industrial no qual o principal instrumento de financiamento ainda era o FDI. Assim, ligeiramente
alterado desde sua criação em 1979, o FDI passou a contar com um importante programa de subsídio e
atração industrial no qual o principal instrumento de financiamento ainda é o FDI. Assim, ligeiramente
alterado desde sua criação em 1979, o FDI passa a contar com um importante programa de subsídio e
ampliação da atividade industrial, o PROVIN (Programa de Incentivo ao Funcionamento de Empresas).
De acordo com Almeida e Silva (2000, p.164), os investidores beneficiados com o PROVIN fazem “jus
a um financiamento (empréstimo), após a quitação mensal do imposto (ICMS) devido, de 45% do valor
pago, no caso de plantas localizadas na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), e de 75% para
plantas localizadas fora daquela região”. Ainda segundo esses autores (2000, p. 164), “à época da
quitação do empréstimo, as empresas terão um rebate sobre o valor a pagar, variando este valor em
função da localização da planta. Ou seja, o rebate será de 40% para plantas localizadas na RMF e de
75% para as localizadas fora daquela região”. Por fim, ainda segundo Almeida e Silva , é possível
constatar que “na efetiva liquidação do empréstimo as empresas na realidade obtém um subsídio fiscal
(uma renúncia fiscal do Estado) de 18% e 56,2% do empréstimo devido, para plantas localizadas na
RMF ou fora dela, respectivamente”.
É preciso enfatizar que os investimentos ainda usufruem dos incentivos oferecido pelos órgãos
nacionais e regionais como o FINOR (Fundo de Investimento do Nordeste), o FNE (Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste) e o BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social), todos consumidos de maneira cumulativa aos já concedidos pelo FDI/PROVIN.
Podemos constatar, nesse sentido, que os novos caminhos tomados pela organização política no
Ceará desde 1986 tiveram papel fundamental na promoção/intensificação do processo de
industrialização do Estado. Dois componentes muito importantes, entretanto, precisam ser esclarecidos
antes que algumas conclusões sejam tomadas de forma precipitada. Primeiro, não podemos nos referir a
uma ruptura entre as políticas-econômicas organizadas pelos “governos das mudanças” e seus antecessores,
freqüentemente chamados de “coronéis”. Ao analisar o quadro de maneira processual, percebemos como
a modernização capitalista procura condições adequadas para garantir a sua acumulação, mesmo que
tenha de destruir e reconstruir elementos resistentes no plano local. O desgaste do modelo
político-econômico cearense no início da década de 1980, que também representava a falência de um
modelo nacional, e a emergência de novos atores dispostos a reduzir os obstáculos para a expansão do
capital evidenciam esse fenômeno.
Por outro lado, ao reconhecer o importante papel assumido pela política de incentivos na atração de
investimentos externos, não devemos desconsiderar as fontes elementares de acumulação de superlucros
pelo capital, na verdade as maiores responsáveis pela migração e fluidez deste último pelo espaço
geográfico. Orientado pelas suas formas de expansão, o capital consolidou uma relação de simetria com
os novos lugares, os quais permitem a sua penetração, mas, ao mesmo tempo, se apresentaram diante
dele como importante fonte de mais-valia.
Ao analisar a recente trajetória econômica cearense, não podemos deixar de perceber que essa
dinâmica também é uma manifestação bem projetada das atuais mudanças que se dão num plano nacional
e mundial. A força da modernização capitalista legitima em seu território as racionalidades ditadas pelo
mercado, erigindo novas organizações espaciais em benefício da produção e das trocas globais. No
Ceará, hoje, despontam, num plano mundial, os resultados da atual lógica flexível capitalista e, num plano
nacional, as conseqüências advindas da abertura econômica ao capital hegemônico.

Considerações finais

Sabemos que as firmas capitalistas são constantemente impulsionadas à procura de novas


oportunidades de crescimento da produção e de aplicação do capital acumulado. Também sabemos que
todos os estratos do capital não possuem uma mesma lógica, fator que produz contradições na ordem
social e implica diferentes formas de apropriação do espaço pelas forças econômicas. Ora, interpretar a
ordem locacional da indústria a partir de um mercado equilibrado seria mera atividade de abstração, uma
construção mental isolada da realidade. O mesmo acontece com a industrialização, quando pensada
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meramente como resultado de atributos políticos e econômicos locais.
É preciso pensar tais questões a partir do processo de reprodução das relações sociais de
produção. Só assim é possível compreender os diversos elementos que reorganizam as forças
produtivas e verificar os instrumentos que orientam a ação do capital diante da apreensão de novas
parcelas do espaço.
A nova dinâmica industrial que se consubstancia no Ceará, portanto, não se desvincula do recente
processo de industrialização materializado no Nordeste. Integrado desde os anos 1960 a uma tendência
de acumulação privada em que a participação do Estado se fez fundamental, a região assume,
recentemente, nova articulação comercial e procura intensificar a exportação das suas indústrias a novos
segmentos do mercado nacional e internacional.
Percebe-se, a partir daí, que o Ceará tem aprofundado a sua inserção no quadro econômico
nacional, ficando a compreensão de suas atuais tendências remetida à compreensão do que se passa no
País como um todo. Por sua vez, verifica-se que as novas tendências nacionais apontam para um maior
controle dos investimentos a partir das decisões do mercado. Isso remete o Estado do Ceará a um
distanciamento das políticas regionais até então predominantes, abrindo espaço para a sua recente
política de atração de investimentos industriais na base de benefícios fiscais e programas estruturantes.
A industrialização do Ceará, um exemplo claro da deflagrada guerra fiscal assumida pelos estados
brasileiros na década de 1990, se evidencia materializando investimentos que migram do sul do País em
busca de novos lugares de reprodução e acumulação do capital. Esses investimentos, que definitivamente
não correspondem aos investimentos de maior envergadura no País, procuram vantagens comparativas
que lhes concedam maior competitividade diante de seus concorrentes externos. Aqui, acabam
encontrando uma super-oferta de mão-de-obra e baixos salários, além da maior possibilidade de implan-
tar racionalidades flexíveis nas relações de trabalho.
No Ceará, temos componentes que indicam muito mais do que uma simples anexação do lugar pelos
interesses do capital industrial. Os referenciais de aceitação do Estado apresentam um peso tão
significativo quanto o movimento de expansão da mais-valia. Sem as vantagens locacionais políticas e
infra-estruturais já citadas, provavelmente outros lugares favoráveis à instalação industrial teriam sido
privilegiados.
Isso concede ao Ceará um caráter seletivo, compreendido somente a partir de uma visão que
preserve a “unidade”, em Milton Santos (1999), articulação imprescindível entre o universal e o particular.
Essa seletividade só confirma a necessidade de uma apreensão que se fundamente no todo, óptica que
não vê o particular como movimento separado, nem o encara como mero resultado de forças externas.
Dessa forma, atentando para a conjuntura que indica maior acumulação do capital no espaço
brasileiro, mas, sobretudo, reconhecendo os componentes que garantem a sua aceitação no Ceará,
podemos afirmar que a industrialização, de fato, vem consolidando mudanças importantes na dinâmica
socioeconômica do Estado. O que vemos, a partir daí, são referenciais que apontam na direção de uma
reestruturação, delineada pela nova dinâmica de ordenação do capital e materializada no espaço,
condição, meio e concretização das relações sociais.
(3) “A concentração crescente do capital e os custos cada vez
NOTAS maiores de novos investimentos em setores que já haviam sido
industrializados acarretaram inevitavelmente um rápido
(1) Mandel (1982), ao organizar uma periodização para o acréscimo no volume de capital que exigia novos campos de
capitalismo, distingue três fases na história do sistema: a de investimento. (...) A intensa exportação de capitais para regiões
livre-concorrência (até o final do século XIX); a do imperialismo menos desenvolvidas (...), representou portanto uma resposta
clássico (até as depressões do entre-guerras); e a do capitalismo para todos esses problemas” (idem, ibid.: 55).
tardio (a partir do pós-guerra).
(4) Araújo (1984: 72) aponta que o GTDN via a industrialização
(2) “É preciso não esquecer que a exploração de regiões agrícolas, “como a única saída para combater o atraso do Nordeste. O
a exploração de colônias e semicolônias e a exploração dos setor industrial deveria, antes de mais nada, funcionar como o
ramos de produção tecnicamente menos desenvolvidos não se elemento dinâmico da economia nordestina, ou seja, conduzir o
limitam a suceder-se temporalmente como fontes principais de crescimento do PIB regional”.
superlucros, mas que, além disso, coexistem lado a lado em
cada uma das três fases do modo de produção capitalista” (5) Foram criadas no período a Superintendência de
(MANDEL, 1982, p.73). Desenvolvimento do Ceará (SUDEC), a Companhia de

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Desenvolvimento do Ceará (CODEC), o Banco do Estado do (8) “Desse modo, manteve-se a estrutura industrial existente
Ceará (BEC) e o Banco de Desenvolvimento do Ceará antes da política de incentivos fiscais, com o predomínio das
(BANDECE). atividades consideradas tradicionais que utilizam matérias-
(6) Até esse momento, o processo político cearense expressava primas locais” (AMORA, 1994, p. 127).
um perfil “coronelista”, no qual uma das principais (9) “Esses dirigentes tinham claro que a eles cabia a tarefa de
características era a existência de uma rede de relações pessoais libertar o Ceará do domínio dos ‘coronéis’, que impedia a
e diretas entre pessoas que ocupavam posições assimétricas na sociedade de marchar para a modernidade, para uma sociedade
dimensão política e econômica (GONDIM, 2000). da razão” (TEIXEIRA, 1995, p.4).
(7) “Numa região pobre onde dominavam relações de (10) Podemos usar como exemplo a construção do novo
trabalho pré-capitalistas, com baixíssimo níveis de aeroporto Pinto Martins e a montagem do complexo
qualificação da força de trabalho, um setor financeiro industrial e portuário do Pecém.
pouco desenvolvido, além da quase total ausência
deum setor produtor de bens de capital (máquinas, (11) A maioria deles, todavia, não saiu do papel, como é o caso da
equipamentos, instalações etc.), a acumulação de capital refinaria que seria aberta no Porto do Pecém e do SIDNOR
(Projetos de Laminados de Aços Planos).
dependia fundamentalmente dos recursos públicos”
(TEIXEIRA, 1995, p. 10).

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