47760-Texto Do Artigo-185987-1-10-20220310
47760-Texto Do Artigo-185987-1-10-20220310
47760-Texto Do Artigo-185987-1-10-20220310
462
ENCARCERAMENTO FEMININO, SELETIVIDADE PENAL E
TRÁFICO DE DROGA
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-
NãoComercial 4.0 Internacional.
400%
300%
200%
105%
100%
18% 14%
0%
-2%
Estados Unidos China Rússia Tailândia Brasil
-100%
Fonte: Brasil (2017b).
2 A instituição que realizou a pesquisa para o Infopen utilizou para o cálculo das taxas globais de aprisio-
namento as estimativas intercensitárias disponibilizadas pelo Departamento de Informática do Sistema Único
de Saúde (Datasus), baseadas em estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Para o cálculo das taxas de aprisionamento com recorte etário e por raça/cor, foram utilizados os dados
da Pesquisa por Amostra de Domicílios – Pnad.
Não queremos dizer com isso que a motivação das mulheres para praticar um crime
se encerre apenas nas privações socioeconômicas, nem vincular mecanicamente a
pobreza à violência. O que queremos é chamar a atenção para o grau maior de vulne-
rabilidade das mulheres pobres, sua exposição maior ao atrativo de ganho fácil exer-
cido pelo mundo do crime. Nesse sentido, pesariam tanto a necessidade da mulher
em prover seu próprio sustento como sua crescente responsabilidade na manutenção
da família, fazendo com que a busca por alguma forma de rendimento se torne pre-
mente. Com a necessidade de se garantir o presente, limitam-se as expectativas para
[…] o controle social sobre os grupos urbanos – escravos, libertos, homens e mulheres
pobres e livres, convivendo no mesmo cenário – tornou-se a principal preocupação das
Resta salientar que Rosa Del Olmo (1975) elabora a noção de ruptura
criminológica ao criticar veemente o colonialismo cultural e as cópias de
pautas que desvirtuam a realidade.
Também é Rosa quem irá analisar como a “questão drogas” entra no Brasil a partir
da “guerra contra as drogas” dos EUA, sem ter qualquer relação com um problema
brasileiro. Rosa Del Olmo (1975) é contundente ao denunciar as pautas, relatórios e
verdades divulgadas, difundidas e financiadas com recursos que subordinarão os estu-
dos acadêmicos na América Latina. Ela assinala o processo de transnacionalização do
controle social e suas implicações na produção criminológica brasileira, o que atual-
mente é mais notório. (QUADRADO, 2014, p. 39).
Desse modo, fui sentindo que também na dogmática jurídica havia algo que não
encaixava. Não demorei muito para advertir que a chave estava na política crimino-
lógica e em sua estreita dependência da política geral, em perceber que a dogmática
jurídico-penal é um imenso esforço de racionalização de uma programação irrealizá-
vel e que a criminologia tradicional ou etiológica é um discurso de poder de origem
racista e sempre colonialista. (ZAFFARONI, 1988, p. 11).
Além disso,
[…] uma das técnicas do poder é o monopólio da informação que impede a comunica-
ção com as margens: é o isolamento internacional e intramarginal. Por que incorpo-
ramos acriticamente a ideologia das prisões de segurança máxima norte-americanas
e não sabemos quase nada da questão criminal em países europeus, africanos ou asi-
áticos? (ZAFFARONI, 1988, p. 21).
[…] o modelo liberal burguês sobre o qual se assentam as legislações de direitos humanos
é meramente simbólico, visto que incompatíveis com o Estado liberal. Dessa forma,
não há uma crise do Estado de direito, ou sua desfiguração. Ele é irrealizável. A pro-
teção dos direitos humanos só faz sentido em sistema, articulada especialmente aos
direitos sociais. Portanto, ao verificar a desigualdade entre a dimensão normativa e
efetiva do direito, a desproteção institucional dos direitos sociais demonstra que não
há direitos iguais para todos. (CASTRO, 2002, p. 56).
[…] tudo isso nos demonstra que em nossa margem é necessário um saber que nos
permita explicar quais são os nossos sistemas penais, como operam, que efeitos pro-
duzem, por que e como ocultam de nós esses efeitos, que vínculo mantêm com o
resto do controle social e do poder, que alternativas existem a essa realidade e como
se podem instrumentalizar. (ZAFFARONI, 1988, p. 19).
3 O levantamento do Infopen utiliza as cinco categorias propostas pelo IBGE para classificação quanto à
cor ou raça: branca, preta, parda, amarela ou indígena. A categoria negra é construída pela soma das categorias
preta e parda pelo Infopen. É importante ressaltar que os dados coletados pelo IBGE acerca da cor ou raça da
população são autodeclarados, enquanto os dados coletados pelo Infopen para essas variáveis são cadastrados
pelos gestores responsáveis pelo preenchimento do formulário de coleta do Infopen, não havendo controle
sobre a autodeclaração das características.
0%
2%
1%
6%
1% 6% Tráfico
Quadrilha ou bando
Roubo
9% Furto
Receptação
Homicídio
11% 62% Latrocínio
Desarmamento
2% Violência doméstica
Outros
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,
para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – Advertência sobre os
efeitos das drogas; II – Prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa
de comparecimento a programa ou curso educativo.
[…]
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuita-
mente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (BRASIL, 2006, grifos nossos).
[…] nada simboliza melhor a seletividade do que a clientela da prisão ao nos revelar
que a construção (instrumental e simbólica) da criminalidade – a criminalização –
incide seletiva e estigmatizantemente sobre a pobreza e a exclusão social, majorita-
riamente masculina, e apenas residualmente (embora de forma crescente) feminina.
5 Considerações finais
O tráfico de drogas se tornou o crime que mais aprisiona mulheres na
quase totalidade dos países da América Latina, os índices de encarcera-
mento aumentaram muito nas últimas décadas em comparação a períodos
anteriores. Nesse sentido, é urgente e necessário estudar, debater mais
sobre a formação e desenvolvimento do fenômeno social das drogas,
do recente paradigma do proibicionismo e a consolidação da política crimi-
nal de drogas em âmbito nacional e internacional.
Referências
ANDRADE, V. R. P. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no
tratamento da violência sexual contra a mulher. Direito Público, Brasília, DF,
v. 4, n. 17, p. 52-75, 2007.
DAVIS, A. Are prisons obsolete? New York: Seven Stories Press, 2003.