A Dimensão Prescrita e Real de Práticas

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Artigo de Pesquisa

Original Research Siman AG, Brito MJM


Artículo de Investigación

DOI: http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2018.23703

A dimensão prescrita e real de práticas de profissionais de saúde no


contexto da segurança do paciente
Dimension prescribed and realyity of practices of health professionals in the context of patient safety
La dimensión prescrita y real de prácticas de profesionales de la salud en el contexto de la
seguridad del paciente

Andreia Guerra SimanI; Maria José Menezes BritoII

RESUMO
Objetivo: compreender a dimensão prescrita e real das práticas de profissionais de saúde no contexto da segurança do paciente.
Método: estudo de caso qualitativo. Os participantes foram 31 profissionais: membros do Núcleo de Segurança do Paciente e a
equipe de enfermagem de um hospital de ensino, localizado em Minas Gerais, Brasil. Os dados foram coletados por meio de entre-
vistas com roteiro semiestruturado, observação e dados secundários. Foi realizada triangulação de dados e a análise de conteúdo. O
projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa, CAAE 44109015.0.0000.5149. Resultados: as transformações ocorridas, como
a criação do núcleo, plano de segurança do paciente e protocolos, foram evidenciadas mais na concepção prescritiva. A segurança
do paciente não foi priorizada como diretriz estratégica do hospital. Falta capacitação da equipe e avaliação das ações. Conclusão: a
segurança do paciente foi evidenciada mais no âmbito prescrito. O trabalho realizado não corresponde exatamente àquele proposto
pelas regras e protocolos.
Descritores: Segurança do paciente; hospitais; gestão da qualidade; serviços de enfermagem.

ABSTRAT
Objective: to understand the prescribed and real dimensions of daily patient safety practice by health personnel. Method: the
participants in this qualitative case study were 31 members of the Patient Safety Center and the nursing staff at a teaching hospital
in Minas Gerais, Brazil. Data collected in 2015 by scripted, semi-structured interview, were complemented by observation and sec-
ondary data. Data triangulation and content analysis were used. The project was approved by the research ethics committee (CAAE
44109015.0.0000.5149). Results: changes were more evident in the prescriptive conception (introduction of the center, patient safety
plan and protocols). Patient safety was not prioritized as a strategic guideline at the hospital, where team training and evaluation of
actions were lacking. Conclusion: patient safety was more evident as a prescription. The work being done does not correspond exactly
to what is proposed by the rules and protocols.
Descriptors: Patient safety; hospitals; quality management; nursing services.

RESUMEN
Objetivo: comprender la dimensión prescrita y real de las prácticas de profesionales de salud en el contexto de la seguridad del pa-
ciente. Método: estudio de caso cualitativo. Los participantes fueron 31 profesionales: miembros del Núcleo de Seguridad del Paciente
y el equipo de enfermería de un hospital de enseñanza, ubicado en Minas Gerais, Brasil. Los datos fueron recolectados por medio
de entrevistas, con guion de entrevistas semiestructuradas, observación y datos secundarios. Se realizó la triangulación de datos y el
análisis de contenido. El proyecto fue aprobado en el Comité de Ética en Investigación, CAAE 44109015.0.00.00.500. Resultados: las
transformaciones que ocurrieron, como la creación del núcleo, plan de seguridad del paciente y protocolos, se volvieron más evidentes
en la concepción prescriptiva. La seguridad del paciente no fue priorizada como directriz estratégica del hospital. Falta capacitación
del equipo y evaluación de las acciones. Conclusión: la seguridad del paciente quedó más evidente en el ámbito prescrito. El trabajo
realizado no corresponde exactamente a aquél propuesto por las reglas y los protocolos.
Descriptores: Seguridad del paciente; hospitales; gestión de la calidad; servicios de enfermería.

Introdução
O objeto deste estudoIII são as práticas cotidianas Segurança do Paciente1 e publicada uma resolução que
de profissionais de saúde no contexto da segurança do institui ações para a promoção da segurança do paciente
paciente, as dimensões prescritas e reais em um hospital e a melhoria da qualidade nos serviços de saúde2. Cada
de ensino de Minas Gerais. serviço deve constituir o Núcleo de Segurança do Pacien-
No Brasil, considerando a magnitude dos eventos te (NSP) e disponibilizar recursos humanos, financeiros,
adversos, em 2013 foi instituído o Programa Nacional de equipamentos, insumos e materiais.

I
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Departamento de Medicina e Enfermagem: Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected].
II
Enfermeira. Pós-doutorado. Departamento de Enfermagem Aplicada. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail [email protected]
III
Estudo derivado da Tese Práticas de profissionais de saúde na implantação do programa de segurança do paciente: entre o prescrito e o real. Agradecimentos ao Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, ao CNPq, a FAPEMIG e à CAPES pelo financiamento da pesquisa

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Segurança do paciente: dimensão prescrita e real Original Research
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Nesse sentido, os profissionais de saúde e os os níveis institucionais, organizacional e comportamental


gerentes, necessitam da implantação e apropriação permitindo as interseções com as ações humanas7.
de ferramentas para garantir que todas as etapas de
um processo sejam cumpridas e, consequentemente, Metodologia
falhas sejam evitadas. Entretanto, como tem sido a im-
plantação do núcleo? É uma estratégia suficiente para O estudo é de abordagem qualitativa, delineado
subsidiar mudanças nas práticas dos profissionais? A pela estratégia de pesquisa estudo de caso, que objetiva
legislação, o controle, a organização, as normas estra- analisar uma unidade social, buscando responder como
tégicas, os protocolos garantem mudança nas práticas e por que os fenômenos ocorrem. A natureza do pro-
cotidianas dos profissionais? blema e os detalhes do fenômeno a serem analisados
justificam a escolha da realização de um estudo de caso8.
As padronizações podem não garantir adequa-
damente a segurança do paciente, e há evidências de Para definição do cenário de estudo, levou-se em
que são necessários mais esforços para melhorar os consideração ser um hospital zeloso pela a qualidade
processos dentro das instituições de saúde, no foco da e segurança do paciente, participante da Rede de Hos-
segurança3. Parte-se do pressuposto que há lacunas pitais Sentinela, e, portanto, possuir uma comissão de
no que tange à instituição de protocolos, à execução gerenciamento de riscos. Trata-se de um hospital filan-
efetiva e à avaliação do processo para subsidiar ações trópico, vinculado com hospital de ensino, localizado na
gerenciais e assistências, como um distanciamento entre Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil. Possui 116 leitos
as dimensões prescritas do planejamento das práticas e média de 5.232 pacientes-dia ao mês. É um serviço
de segurança do paciente no hospital e o real trabalho de referência de uma microrregião composta por nove
dos profissionais. Nessa perspectiva, os gerentes e municípios e possui seis alas de internação.
administradores das instituições devem diminuir bar- Os participantes da pesquisa foram profissionais
reiras e reunir esforços para desenvolver uma cultura membros do NSP e a equipe de enfermagem das alas
de segurança por meio da informação e aprendizagem. de internação – clínica médica e cirúrgica, tendo por
O objetivo deste estudo foi compreender a dimen- critério de inclusão possuir, no mínimo, um ano de
são prescrita e real das práticas de profissionais de saúde trabalho. A escolha por entrevistar a equipe das alas
no contexto da implantação da segurança do paciente. de internação se deu com base em resultados de uma
pesquisa, na qual o objetivo foi avaliar a incidência de
Revisão de Literatura eventos adversos em hospitais no Brasil. Seus resulta-
dos apontaram que a enfermaria foi o local com maior
Iniciativas voltadas para a segurança do paciente frequência de eventos adversos (48,5%)9. A escolha por
começaram com a publicação do relatório To err is human, profissionais do NSP se deu por se entender que são eles
o qual apontou que até 98 mil mortes por ano nos Estados quem gerenciam e prescrevem as ações para alcançar
Unidos poderiam ser evitáveis devido a erros médicos4 a segurança do paciente.
gerando alerta mundial às instituições sanitárias. O NSP era composto por 14 membros e todos
A Classificação Internacional de Segurança do foram convidados a participar, no entanto, dois profissio-
Paciente relaciona segurança do paciente à redução nais estavam de licença médica, totalizando, 12 sujeitos.
de riscos de danos ou lesões, associado ao cuidado em Os enfermeiros das alas de internação constituíam um
saúde, dentro de uma aceitação mínima5. grupo de nove profissionais, plantão noturno e diurno,
Neste estudo, foram adotadas algumas definições: sendo que dois não corresponderam ao critério de inclu-
risco, como a probabilidade de ocorrência de um aciden- são, reduzindo o conjunto a sete participantes. Quanto
te; erro é a falha, ação que ocorre fora do planejado ou aos técnicos de enfermagem, utilizou-se o critério de
aplicação incorreta do plano; os eventos adversos (EAs) saturação, o qual interrompe as entrevistas quando os
são considerados como qualquer dano ou lesão causado dados coletados se tornam repetitivos e redundantes.
ao paciente pela intervenção da equipe de saúde5. Os dados saturaram na 12ª entrevista. No total, parti-
Pesquisas têm demonstrado que as práticas co- ciparam da pesquisa 31 profissionais.
tidianas dos profissionais de saúde têm sido marcadas A coleta de dados foi realizada no período de
por elevadas taxas de erro, denúncia de lesões em pa- maio a novembro de 2015, com dados primários e
cientes, falhas nos sistemas de atendimento hospitalar, secundários. Os dados secundários foram obtidos por
danos permanentes e mortes. Nesse sentido, práticas meio de pesquisa documental (relatórios, protocolos,
inadequadas, inseguras e negligentes afetam um a cada indicadores e registros da qualidade e plano de ação do
dez pacientes em média em países desenvolvidos4,6. NSP), possibilitando o resgate de fontes prescritas. Os
No presente estudo, optou-se por trabalhar com o dados primários foram coletados mediante a realização
conceito de prática no sentido mais amplo, como práticas de entrevistas, com roteiro semiestruturado, e obser-
sociais dentro da perspectiva praxeológica. Trata-se de vação com registro em diário de campo. A observação
uma abordagem que possa agrupar a análise de gestão, e as entrevistas promoveram o resgate de fontes reais.

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As entrevistas foram gravadas e transcritas na Em 2012, a instituição foi credenciada à Rede Bra-
íntegra e tiveram duração de dez a 100 minutos. Foram sileira de Hospitais Sentinela, coordenada pela Agência
numeradas de acordo com a sequência em que ocor- Nacional de Vigilância Sanitária, que visa à prevenção
reram e codificadas com a sigla NSP, E (enfermeiro) e de riscos associados ao consumo de produtos sujeitos
TE (técnico de enfermagem). As perguntas buscavam à vigilância sanitária. Os hospitais vinculados devem
compreender aspectos como conhecimento sobre segu- notificar, monitorar eventos adversos, queixas técnicas
rança do paciente, avaliação da segurança do paciente de produtos e promover medidas para reduzí-los. A
na instituição, práticas e notificações para alcançar a participação é voluntária e a principal finalidade é a
segurança, dificuldades e facilidades para alcançar as notificação de eventos adversos14.
metas internacionais e atividades do núcleo. O hospital tinha o Programa de Fortalecimento
Para tratamento dos dados foi utilizada a análise de e Melhoria da Qualidade dos Hospitais (Pro-HOSP) do
conteúdo, especificamente a categoria temática, a qual Sistema Único de Saúde (SUS), que já exigia a criação
consiste em um conjunto de técnicas de análise de comu- da comissão de gerenciamento de risco. Seus membros
nicações, realizada em torno de três pólos cronológicos: compuseram o NSP, criado em maio de 2013, sendo
a pré-análise, a exploração do material e tratamento dos acrescidos outros profissionais. Nesse período, foi reali-
resultados10. Segundo procedimentos sistemáticos, foram zado o mapeamento de risco de cada setor e instituídas
definidas unidades de codificação ou de registro que, por as fichas de notificações de queixas técnicas.
sua vez, foram agrupadas em duas categorias. Ressalta-se que é aceitável que a direção do ser-
Todos os participantes assinaram o Termo de viço de saúde empregue a estrutura de comitês, comis-
Consentimento Livre e Esclarecido, em cumprimento sões, gerências, coordenações ou núcleos já existentes
da Resolução nº 466/12, do Ministério da Saúde, sendo para o desempenho das atribuições do núcleo2.
o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesqui- O NSP foi nomeado pelo diretor administrativo
sa do Hospital e pelo Comitê de Ética em Pesquisa com nove enfermeiros representantes de todos os
da Universidade Federal de Minas Gerais, CAEE nº setores; um técnico de enfermagem; um nutricionista;
44109015.0.0000.5149. o coordenador da recepção; coordenador da manuten-
ção; o farmacêutico e gerente de apoio operacional.
Resultados e Discussão Chama a atenção o fato de não haver um represen-
São analisadas a seguir as duas categorias emer- tante médico, o que seria fundamental para atender
gentes do estudo. o princípio de disseminação sistemática da cultura de
segurança. Também não foram identificadas comissões
Histórico da implantação do núcleo de segurança do afins atuando como membros consultivos do núcleo15.
paciente Apesar da criação do núcleo, a instituição man-
Esta categoria foi construída, principalmente, a teve suas notificações, ações preventivas, educativas
partir da análise documental e da observação de campo. com foco nas queixas técnicas, e só em 2015 instituiu a
Em 2010, o hospital iniciou o Processo de Acreditação ficha de notificação de EA internos. O gerente de riscos
Hospitalar, pleiteando o certificado de Acreditado, nível 1 atualiza o registro das notificações no Sistema nacional
da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Foi orga- de Notificação da Vigilância Sanitária (NOTIVISA). Estu-
nizado o setor da qualidade, e, em 2010, solicitada a visita do aponta que 50% das notificações de EAS e queixas
diagnóstica de uma Instituição Acreditadora Credenciada. técnicas são provenientes da Rede Sentinela14.
Na ocasião, foi emitido um relatório sugerindo várias modi- Conforme preconiza a RDC nº 36, a instituição em
ficações no âmbito de estruturas, processos e resultados. estudo elaborou um Plano de Segurança do Paciente
Entretanto, a instituição passou por algumas dificuldades, (PSP), documento que aponta situações de risco e
o que impossibilitou dar prosseguimento ao processo. descreve as estratégias e ações para alcançar as metas
A acreditação hospitalar é uma das estratégias internacionais de segurança, visando à prevenção e à
utilizada para melhorar a qualidade e minimizar a mitigação dos incidentes2.
ocorrência de erros. As instituições precisam cumprir Estudo indica que o cumprimento de identificação
normas que incidem sobre a segurança do paciente, do paciente, a aplicação do check list para cirurgia segura,
sobre a padronização de procedimentos, mudanças no da segurança na administração de medicamentos, entre
gerenciamento do trabalho, criação de gestão de riscos, outros, representam melhoria dos processos nas institui-
protocolos e indicadores11,12. ções de saúde, visto que, para o atendimento dessas exi-
A segurança é considerada uma das dimensões gências, é necessária a adequação de diversos processos
da qualidade1, que são indissociáveis, e os serviços de gerenciais e assistenciais, permitindo não só a segurança
saúde que diminuem a um mínimo possível os riscos dos pacientes como também dos profissionais16.
de dano ao paciente (segurança) estão aumentando a A respeito de protocolos, constavam descritos al-
qualidade da assistência prestada13. guns, como o de prevenção de queda e de úlcera por pres-

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são; cirurgia segura; identificação do paciente; higienização e educação continuada, com todos os profissionais en-
das mãos; terapia enteral e parenteral; administração de volvidos no processo de cuidado ao paciente21,22.
hemocomponentes. Não havia protocolo de administração
de medicação com a justificativa de não haver uma farma- A segurança do paciente: do imaginário ao real
cêutica clínica. Esses achados são consistentes com estudo O estudo revelou uma distinção entre o prescrito
realizado com 14 gerentes de risco, o qual apontou que as e o real para o alcance da segurança do paciente. A
iniciativas menos utilizadas para a segurança do paciente despeito de existir, no âmbito prescrito, um núcleo bem
são as relacionadas ao controle e prevenção de EAs com estruturado, inferere-se que a sua concretização ainda
medicamentos. O farmacêutico clínico ainda não é uma não ocorreu, como se ainda estivesse no imaginário
realidade nos hospitais brasileiros17. dos seus idealizadores, ou apenas como cumprimento
Em relação à observação no setor de internação, as de normas para fins fiscalizadores.
seis unidades são localizadas do segundo ao quinto andar. O NSP é uma instância da instituição que tem como
Foram visualizados cartilhas e cartazes do Ministério da objetivo disseminar a cultura de segurança e a análise
Saúde sobre segurança do paciente, e pasta contendo o Pro- de incidentes notificados, identificando suas causas e
cedimento Operacional Padrão (POP) de notificação de EAs. adotando estratégias de prevenção2. Entretanto, alguns
Foi possível observar técnicos de enfermagem ata- profissionais desconheciam a existência do núcleo e suas
refados e mais sobrecarregados que outros profissionais. práticas, o que evidencia que formalmente ele estava
Geralmente os profissionais estavam agitados, muitos implantado, mas, com pouco impacto no âmbito real:
residentes, locais de grande circulação de pessoas, muitos Não conheço. Nem sabia desse núcleo, para ser sincero.
profissionais manipulando os prontuários. As enferma- (TEC 21)
rias apresentavam uma grande variedade diagnóstica e Não conheço na instituição. Ninguém nunca se apre-
de condições clínicas dos doentes. Ressalta-se que essa sentou para mim. Só se apresentou para alguma outra
variedade de condições clínicas pode dificultar a padroni- enfermeira. (E3)
zação das condutas, além disso, a demanda geralmente é
Eu desconheço alguma ação voltada especificamente
maior que a capacidade de atendimento de qualidade18. para a segurança do paciente. Não é formalmente
Em relação à rotina de trabalho, identificou-se realizada. (E1)
a desorganização no trabalho – técnicos tomavam Destaca-se a ausência de relação direta entre os
decisões sobre rotinas, escalas e divisões de tarefas, membros do núcleo e os demais profissionais de saúde,
sendo a falta de organização do serviço um aspecto não sendo reconhecidos como líderes:
que está relacionado aos EAs19. Os técnicos de enfer-
magem desenvolviam ações de higiene dos pacientes Essa semana a gente teve um problema, marquei a reunião
com as duas e conseguimos resolver. Foi uma notificação
e administração de medicações. Em algumas situações, que eu recebi e as meninas estranharam. O que você está
os técnicos se reportavam ao médico. O enfermeiro fazendo aqui? O problema é entre os dois setores e eu como
assumia dois setores localizados em andares distintos, enfermeira do controle de infecções não tinha nada a ver,
dificultando seu trabalho. mas eu como gerente de risco tinha (NSP2).
Observou-se comunicação escassa entre a equipe Durante a observação de campo e a análise do-
multiprofissional. Utilizavam caderno administrativo, cumental, foi possível identificar que as normas e os
passagem de plantão e mural de internação (instrumen- registros do núcleo constavam no âmbito prescritivo,
tos administrativos convencionais), mas parecia não ha- mas com ações tímidas e influenciaram em reduzidas
ver planejamento e condução do processo de trabalho. mudanças na prática profissional. É fundamental contar
As condutas dos enfermeiros eram pontuais e marcadas com recursos adicionais para melhorar a segurança do
pelas tentativas de implantação da Sistematização da paciente nos hospitais públicos e prioriza-la como dire-
Assistência de Enfermagem (SAE). Identificaram-se lacu- triz estratégica, que é definida pela liderança e adminis-
nas no conhecimento e ausência de ações pautadas nos tração do hospital23. Entretanto, os dados corroboram
princípios da qualidade e segurança. A enfermagem se a afirmativa – o cenário brasileiro dos hospitais ainda
sentia insegura devida à falta de recursos humanos, ma- está baseado em redução de custos13. Recomenda-se
teriais e de ausência de manutenção de equipamentos. promover a segurança do paciente e desenvolvê-la
Esses achados remetem à prática do enfermeiro em todos os níveis da organização, com líderes dando
em estabelecer relações pessoais como propriedade direção às ações de melhoria21.
indispensável para atingir os resultados, monitorar os Os participantes revelaram insatisfação por não
EAs, trabalhar pela qualidade e melhoria da segurança haver feedback da alta administração, após a análise dos
e assistência prestada ao paciente. Reforça-se a impor- EAs. As organizações de saúde devem medir sua cultura
tância de ele atuar frente aos problemas em busca de de segurança, dar retorno à liderança e à equipe, o que
soluções que proporcionem melhorias para a prática poderá reduzir riscos, buscando melhorias21.
clínica como revisar processos assistenciais20. É preciso Portanto, o núcleo deve ser operacional e ter apoio da
incluir o estudo sobre liderança e realizar treinamentos administração. Houve várias notificações de quedas. Só

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preencho o papel. Já teve outras coisas mais graves. De- assistenciais. O plano deve expor atividades de moni-
pois que notifico aqui, não tive nenhum feedback. (E14) toramento, objetivando detectar problemas e controlar
Outro aspecto que evidencia o distanciamento en- a manutenção das melhorias atingidas13.
tre o prescrito e o real foi o fato de os membros do NSP Outro destaque, e um dos primeiros resultados
terem sido capacitados, mas não multiplicaram esse co- do trabalho do NSP, é representado pelos protocolos
nhecimento para os demais profissionais, confirmando de segurança. Embora a análise documental tenha evi-
uma desarticulação do núcleo com demais profissionais, denciado a existência desses protocolos, as práticas dos
acarretando descontinuidade dos processos: profissionais dizem respeito a ações isoladas e pessoais.
O curso que nós fizemos, tinha que expor para todos Os profissionais relataram:
os profissionais. Foi em São Paulo, foram oito pessoas Eu tento fazer isso informalmente. Como não existe for-
que fundaram o núcleo. Mas o que fizemos? Acho que malmente, eu tento conferir tudo, conferir se a medicação
tínhamos que chegar e passar [esses conhecimentos] está correta, conferir se os materiais estão corretos,
para todos os funcionários. (NSP5) orientar os funcionários a fazer a conferência correta. (E1)
O que mais temos tentado fazer é notificar. Acredito Não temos o protocolo ainda, mas eu acho que os
que tem muita gente, a maioria das técnicas, que não meninos conseguem identificar mais a questão da far-
sabem. Nós sabemos por que somos o núcleo. (NSP12) macovigilância que o evento interno. (NSP2)
A comunicação eficaz é determinante para a se- A análise dos dados permite inferir que os proto-
gurança do paciente, sendo fundamentais o trabalho e colos estavam no plano prescritivo da instituição, mas
a diversidade interdisciplinar, compartilhando saberes, na prática eram desconhecidos. Enfatiza-se que os pro-
com treinamento e educação adequada para desem- tocolos e a SAE são processos que auxiliam a padronizar
penho das funções21.. o tratamento, minimizar o erro e promover a segurança
Em relação à notificação de EAs, era realizada do paciente26. O descumprimento desses protocolos
manualmente e em impresso próprio, no entanto, assistenciais é um demonstrativo de falta de qualidade
58% dos participantes da pesquisa desconheciam o e segurança. Sua implantação melhora os resultados
processo e não tinham acesso à ficha de notificação. do tratamento e a qualidade dos cuidados, evitando
Principalmente, os técnicos de enfermagem relataram danos mais graves27. Os achados sinalizam que há ne-
desconhecer a existência do impresso. As auditorias dos cessidade de maiores investimentos técnico-científicos
EAs eram realizadas quase sempre no dia da ocorrência, e promoção da cultura de segurança na alta direção,
no entanto, suas implicações geralmente eram punitivas semelhantemente em estudo realizado recentemente28.
sem alterar a prática: Os resultados fornecem contribuições inovadoras
Nunca aconteceu comigo queda de paciente. Nenhum para maior compreensão dos desafios nos hospitais pú-
outro evento. Tem um para punção venosa lá na sala, blicos – a busca de uma prática cotidiana voltada para a
um impresso próprio. Agora, nunca aconteceu comigo. segurança do paciente. Além disso, o trabalho realizado
Nunca vi outro impresso. (E20) nem sempre corresponde exatamente àquele prescrito,
Que eu saiba não. Se tiver alguma folha aí para notificar, proposto pelas regras e protocolos. É grande e imprevi-
eu não sei. (TE21) sível a variabilidade da ação humana, no momento da
Conhecer os riscos institucionais é necessário para execução da tarefa, pois o trabalho se apresenta revestido
evita-los e gerencia-los24. No entanto, faz-se necessária de complexidade e envolvido pela atividade humana29. O
uma abordagem do erro de forma sistêmica25 e uma caráter qualitativo desta pesquisa e a ausência de estudos
avaliação baseada em indicadores25. similares limitam a comparação dos resultados.
A respeito do plano, observou-se que não continha Conclusão
ações e metas para alcançar a segurança do paciente.
Não foram evidenciados uso de ferramentas de avalia- O estudo mostrou que as transformações ocorri-
ção e nem estratégias para diminuir os EAs: das são mais evidenciadas nas concepções prescritivas
Eu vou ser muito sincera, se teve plano de ação eu não do que na prática. Faz-se necessária uma reorientação
me lembro de como ele foi executado. Tem alguns pro- efetiva, por parte do NSP, para a adoção de práticas de
tocolos que eu ajudei a fazer, mas já tem muito tempo, segurança do paciente, não só pela equipe de enfer-
foi de prevenção de ulcera e não me lembro. (NSP 9) magem, mas por todos os profissionais de saúde. Os
Eu já vi um pouco sobre o regimento interno, mas, o resultados indicam um longo caminho a ser percorrido
plano de ação, eu não cheguei a ver. (NSP10) para atingir os objetivos da Organização Mundial de
Os dados apontam que não houve uma construção Saúde no alcance das metas de segurança do paciente.
coletiva do plano e nem um trabalho multidisciplinar, Teoricamente os participantes referiram práticas
perdendo-se a oportunidade de valorizar o conhecimen- embasadas em metas internacionais de segurança
to de cada profissional, dificultando a disseminação e do paciente, no entanto, a realidade se mostrou para
adesão às propostas de aprimoramento dos serviços aquém do recomendado; uma dura realidade que pre-

Recebido em: 06/07/2016 – Aprovado em: 12/04/2018 Rev enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2018; 26:e23703. • p.5
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cisa ser transformada com apoio e envolvimento da alta Brasília (DF): ANVISA; 2013. [citado em 16 maio 2017]. Disponível
direção, atuação efetiva do núcleo e uma proposta de em: http://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/images/
documentos/livros/Livro1-Assistencia_Segura.pdf
educação permanente. 14. Ministério da Saúde (Br). Agência Nacional de Vigilância
Reduzir riscos envolve um trabalho de todas as Sanitária. Estratégias para segurança do paciente em hospitais
áreas do hospital e não só uma atribuição do núcleo. e clínicas. Brasília (DF): ANVISA; 2010 [citado em 15 nov 2017].
Disponível em: www.anvisa.gov.br
Entretanto, o cenário brasileiro ainda está baseado em
15. Nascimento Serra J, Barbieri AR, Cheade MFM. Situação dos
redução de custos e não há prioridade em segurança hospitais de referência para implantação funcionamento do Nú-
do paciente. São barreiras que precisam ser vencidas cleo de Segurança do Paciente. Cogitare enferm (Online). 2016;
para garantir uma cultura de segurança do paciente. 21(5):1-9. Doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v21i5.45925 .
16. Velho JM, Treviso P. Implantação de programa de qualidade
As principais limitações da pesquisa são decor- e acreditação: contribuições para a segurança do paciente e do
rentes da metodologia adotada, pois estudos de caso trabalhador. Rev. Adm. Saúde. 2013;15(60):90-4.
não permitem generalizações, assim, a realidade aqui 17. Souza RFF, Silva LD. Estudo exploratório das iniciativas acerca
encontrada não representa, necessariamente, a reali- da segurança do paciente em hospitais do Rio de Janeiro. Rev.
enferm. UERJ (Online). 2014 [citado em 7 jan 2018]; 22(1):22-8.
dade de outras instituições. Doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2014.11399.
18. Schout D, Novaes HMD. Do registro ao indicador: gestão da
Referências produção da informação assistencial nos hospitais. Ciênc. saúde
coletiva (Online). 2007 [citado em 12 dez 2017]; 12(4):935-44.
1. Ministério da Saúde (Br). Portaria nº 529, de 1º de abril de Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232007000400015.
2013 . Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente 19. Souza LP, Bezerra AL, Silva AE, Carneiro FS, Paranaguá TT,
(PNSP). Diário Oficial da União, 2 abr 2013 [citado em 23 nov Lemos LF. Eventos adversos: instrumento de avaliação do de-
2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ sempenho em centro cirúrgico de um hospital universitário. Rev.
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