Uma Tentativa Sociolinguística de Decifrar o Enigma Da Língua Portuguesa

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UMA TENTATIVA SOCIOLINGUÍSTICA DE DECIFRAR O

ENIGMA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Mônica Maria Soares Rosário1

Resumo: Decifra-me ou te devoro: Que disciplina durante a manhã nós já sabemos, ao meio-dia
não temos certeza de que sabemos e à noite constatamos que a ignoramos completamente? Será
que teremos que nos transformar em Édipos para que seja solucionado esse mistério? E quando
a resposta vier, receberemos uma praga da gramática normativa de que deveremos cair em
desgraça, com práticas homicidas e incestuosas? Não será preciso que ninguém tenha destino
tão nefasto. Qualquer falante nativo seria capaz de responder a essa questão: A Língua
Portuguesa. Difícil é, atualmente, encontrar soluções satisfatórias para uma nova metodologia
do ensino desta disciplina. O que ensinar? Como ensinar? O presente ensaio tem por ousadia
tentar decifrar esse enigma através de reflexões da prática hodierna dos educadores e propor
alternativas norteadoras para um novo ensino da Língua Portuguesa, pautadas numa
pedagogia variacionista da língua.
Palavras-chave: Língua Portuguesa. Gramática. Sociolinguística. Novo Ensino.

Sociolinguistic an attempt to decipher the riddle of the Portuguese language


teaching

Abstract: Decipher me or I'll devour: What discipline during the morning we already know, at
noon we are not sure of what we know and see that the evening completely ignored? Do we
have to transform ourselves in Oedipus order to be solved this mystery? And when the answer
comes, we will receive a plague of grammar rules that we should fall into disgrace with
incestuous and murderous practices? You will not need nobody has such a wicked fate. Any
native speaker would be able to answer this question: The Portuguese Language. Difficult is
currently finding satisfactory solutions to a new methodology of teaching this subject. What to
teach? How to teach? This essay is a bold attempt to unravel this enigma through reflections of
today's practice of educators guiding and propose alternatives for a new teaching of
Portuguese, based on a variational language pedagogy.

Keywords: Portuguese. Grammar. Sociolinguistics. New Teaching.

1 INTRODUÇÃO2
Tomando-se por parâmetro o pensamento de Perini (2001) sobre a concepção de
língua dos mais variados sujeitos, sobre a qual ele versa que “O interesse pela
linguagem não é privilégio dos profissionais – é algo que todos nós sentimos em maior
ou menor grau”, não se ficará surpreso em saber que também os professores de outras
áreas de ensino resolvem se envolver nas questões de linguagem. Do mesmo modo,
não é de se espantar a constatação de como eles se sentem à vontade para comentar
sobre o nível de escrita e de leitura de seus alunos. Problema este que é de

1
Graduada e Mestranda em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: [email protected]
2
Texto apresentado como requisito de avaliação à disciplina Estudos Sociolinguísticos, ministrada pela Profa. Dra.
Raquel Meister Ko. Freitag, no Mestrado em Letras da Universidade Federal de Sergipe, semestre 2010.1.

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responsabilidade dos pesquisadores da linguagem porque constituiu e constitui objeto


de tantas pesquisas.
Os profissionais de outras áreas de ensino culpam explicitamente os
profissionais de Língua Portuguesa pela pouca desenvoltura escrita dos alunos. É
desalentador quando profissionais comprometidos com a matéria de Língua
Portuguesa são responsabilizados pelo fracasso dos seus alunos no âmbito das outras
disciplinas, quanto ao desinteresse pela leitura, baixa habilidade escrita e
incompreensão textual. Afinal de contas, e infelizmente, cabe ao professor de Língua
Portuguesa proporcionar a concretização desses fatores.
Contudo, conteúdos estão sendo ministrados. Mas de que conteúdos se tratam?
Ora, acredita-se que, dadas as principais críticas desenvolvidas nas últimas décadas
por renomados linguistas como Possenti (1996), Perini (2001), Geraldi (1997), Bortoni-
Ricardo (2004), dentre outros, e até mesmo pelas instruções fornecidas pelos PCNs
(BRASIL, 1998), todos os professores de Língua Portuguesa já se tenham convencido de
que: o ensino exclusivo de gramática não viabiliza a produção de texto, deleite pela
leitura e muito menos compreensão daquele. No entanto, o que se vê em algumas
escolas públicas e particulares da cidade de Aracaju, por exemplo (e não seria diferente
em outras cidades), foge a essas diretrizes. Por isso, a insatisfação perdura e os
questionamentos se reerguem, em meio às ruínas desse Império Gramatical: Por que
esses professores, mesmo depois das inúmeras pesquisas linguísticas, e da elaboração
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, continuam priorizando, na sua prática diária, a
gramática normativa em detrimento do texto? Ou mesmo, ocasionando a utilização do
texto para aplicar conceitos metalinguísticos?
Considerando que a gramática que se ensina é inadequada ou o modo como se
ensina a gramática não atende às expectativas, e constatando-se que a aprendizagem
da teoria gramatical não tem sido garantia de domínio da norma culta, qual
metodologia se deve adotar para o aprimoramento da língua materna? Este trabalho
pretende, inicialmente, teorizar acerca do aparecimento dessa disciplina que se
encontra tão arraigada aos profissionais de Língua Portuguesa, tentando demonstrar o
porquê dessa inclinação e que aspecto deste ensino contribui com o preconceito. Em
seguida, tratar-se-á dos tipos de gramática que existem para se poder empregar o
termo com a propriedade que o estudo evoca. Posteriormente, pretende-se trilhar o
caminho linguístico que tentou desconstruir este preconceito e mostrar a importância

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de um conhecimento sociolinguístico para se adotar um ensino voltado para as


variações presentes na língua portuguesa.

2 O SURGIMENTO DA GRAMÁTICA E SUAS DIVISÕES DEPOIS DA


LINGUÍSTICA

(...) saber uma língua é, entre outras coisas, dispor de um conjunto


articulado de hipóteses sobre as regras que a língua segue. (...) parece
certo que o nosso conhecimento de uma língua não é um rol de frases
prontas, mas um conjunto de regras que acionamos conforme as
circunstâncias. (POSSENTI, 1996, p.80)

Há 3.200 a. C., surgiu a escrita e, durante esse período, a humanidade


letrada/alfabetizada passou a escrever e ler textos sem o auxílio de um manual que
lhes ditasse regras, uma vez que o aparecimento da gramática se deu bem depois, no
século II a. C., há 2300 anos (BAGNO, 2001). Constata-se, pois, que foi a Gramática
Tradicional que precisou da ajuda de textos para existir e não o contrário. As obras
clássicas foram consideradas exemplares da língua grega, mas é importante lembrar
que os seus autores não lançaram mão de nenhuma gramática prescritiva. Dionísio de
Trácia, com o intuito de preservar o purismo da linguagem grega, escreveu a primeira
gramática, a partir da descrição linguística destes escritos.
Na época das Grandes Navegações, Elio Antônio de Nebrija propôs, à rainha da
Espanha, Isabela de Castela, que unificasse a língua do seu reino, pois de nada
adiantaria, colonizar terras se os povos conquistados não sucumbissem à hegemonia,
portanto, consoante Dutra(2004):

Era preciso colonizar não só por meio de armas, mas também por
meio de letras, e que a união de ‘armas y letras’ era fundamental para
que a rainha conseguisse unificar a Península Ibérica num verdadeiro
império espanhol. (DUTRA, 2004, p. 16)

Para ele, a língua do povo era uma língua desgovernada e traduzia os


sentimentos locais, portanto, deveria ser substituída pela língua da rainha, que era uma
língua culta.
Este posicionamento de Nebrija, que dá superioridade a um falar da realeza e
desprestigia o dialeto popular, foi o principal responsável por todos esses anos de
preconceito linguístico que se sucederam através da criação daquela que foi o veículo

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disseminador da discriminação linguística: a primeira gramática do ocidente, a


Gramática Castelhana, que se baseou em orientações latinas e dos escritores clássicos
para explicar os fatos linguísticos da atualidade.
Há mais de 500 anos, nossa gramática, por intermédio destes estudiosos, retrata
a mesma orientação política do final da Idade Média e continua atestando que o povo
perverte a língua e os eruditos preservam as línguas clássicas, como fica bem claro no
pronunciamento de Almeida (1979, p.7):

O professor deve ser guia seguro muito senhor da língua; se outra for
a orientação de ensino, vamos cair na “língua brasileira”, refúgio
nefasto e confissão nojenta de ignorância do idioma pátrio, recurso
vergonhoso de homens de cultura falsa e de falso patriotismo.

Ora, se a língua de um povo reflete as suas idiossincrasias, sua tradição, seus


costumes, como a língua do povo brasileiro, sabidamente influenciada por povos de
culturas diversas, deveria refletir o “patriotismo” ou a “cultura” de uma única nação,
Portugal, como se quer fazer aceitar Napoleão Mendes de Almeida? A miscigenação de
tradições a que fora o Brasil submetido acaso torna a sua cultura e o seu patriotismo
falsos?
De acordo com Dutra (2004, p. 21), as explicações de algumas regras
Gramaticais abalizam-se no que preconizavam o ensino do latim e o uso da língua nos
escritos literários. Disso, infere-se que as regras da língua não eram, destarte,
explicadas a partir dos “fatos da linguagem cotidiana, pois as explicações oferecidas
eram calcadas na gramática do latim, e não na gramática da língua em questão.” Com
esse pensamento, compactua Lyons (1979) quando assevera:

Os gramáticos tradicionais se preocuparam mais ou menos


exclusivamente com a linguagem literária padrão; e tendiam a
desconsiderar ou a condenar como “incorreto” o emprego de formas
não consagradas ou coloquiais, tanto no falar como no escrever. Com
frequência, deixavam de compreender que a linguagem padrão é, de
um ponto de vista histórico, tão somente o dialeto regional ou social
que adquiriu projeção, tornando-se o instrumento da administração,
da educação e da literatura. (LYONS, 1979, p.21)

Arremata-se, acerca do que se viu até agora, que as regras que as gramáticas
descrevem até hoje e preconizam, nas escolas, são basicamente as mesmas que
surgiram através da descrição de textos cuja linguagem era aceita como correta.

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Seguindo essa mesma trilha, a gramática de Nebrija passou a “ser a língua correta, o
falar da Coroa a ser emulado por todos os súditos” (DUTRA, 2004, p. 17)
Desses dois momentos de criação da gramática, deduz-se a capacidade que o
ser humano tem de refletir a linguagem através dos tempos. Há indícios de que,
mesmo em momentos anteriores à Antiguidade Clássica, os estudiosos pensavam
acerca da linguagem, afinal de contas, a linguagem é uma situação corriqueira, inata às
situações sociais nas quais o ser humano está inserido.
Enquanto Saussure, (1997) divide os estudos da linguagem, que precederam o
advento da Linguagem, em três fases: Filosófica, Filológica e Histórico-Comparativa,
das quais se falará posteriormente, Câmara Jr. (1979) afirma que o desenvolvimento do
estudo da linguagem, no decorrer do tempo, deu-se a partir de alguns fatores sociais e
culturais:

a) Diferenciação de classe.
b) Contato de uma dada sociedade com comunidades estrangeiras.
c) Necessidade de se compreender textos antigos.
d) Desenvolvimento da ciência no seu sentido mais amplo.
e) Conceito de sociedade humana como fenômeno histórico.
f) Todo fato social possui uma função social atual.
g) Tomada da linguagem como traço cultural da sociedade.

Cada um destes fatores determina um tipo de estudo da linguagem. Dos sete


fatores listados acima, o primeiro foi aquele que mais negativamente influenciou os
estudos da linguagem porque contribuiu para a preponderância de um falar sobre o
outro. O fator da diferenciação de classe leva os falantes a perceberem que, numa
sociedade complexa, a linguagem reflete o comportamento do grupo social que dela se
manifesta. Esse tipo de reflexão da linguagem originou o preconceito linguístico, à
medida que se constatou que existe uma maneira diferenciada de falar para cada
segmento da sociedade. As classes dominantes, cientes de que a sua linguagem tinha
alguns traços distintivos, trataram de tentar preservá-los para poderem manter-se
diferentes. A partir daí, os traços que a elas pertencem passam a ser considerados
superiores, portanto, corretos, e os concernentes às camadas populares, denominados
errados.
Embora Câmara Jr. (1979, p.10) ateste que esse “estudo do certo e do errado”
“nada mais é que uma prática de conhecimento linguístico” e não possa ser
considerado ciência, o que se viu, no decorrer da história linguística, foi uma adoção a

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este estudo da linguagem que prestigia o falar das camadas superiores e desmerece a
forma de se expressar do povo, com o intuito único de segregar-se, de manter-se
superior.
A todo o momento deste ensaio, proferiu-se exaustivamente a palavra
gramática, desde o momento em que ela surgiu, na cidade de Alexandria, no Egito,
com o intuito de preservar a pureza que os poetas e escritores clássicos haviam
alcançado, até a primeira gramática do ocidente, criada por Nebrija que via a
necessidade de se criar uma língua-padrão, já que os dialetos locais “não eram capazes
de traduzir ou expressar o conhecimento de forma adequada, sendo tidos, a partir de
então como ‘corrupção’ do falar padrão.”(DUTRA, 2004, p. 18)
Mas de que gramática se estava falando? Gramática é um termo geral? Nas
épocas descritas, sim. Hoje, no entanto, podem-se encontrar, atualmente, inúmeras
categorizações para a Gramática, isso por que, de acordo com Travaglia (1997), estas
classificações estão intrinsecamente ligadas às suas respectivas concepções de língua. A
este ensaio interessa esboçar a conceituação de três destas tipologias: gramática
descritiva, gramática internalizada e gramática normativa.
A gramática descritiva propõe-se a descrever as regras de como uma língua é
realmente falada e se liga a determinada comunidade linguística, reunindo as formas
gramaticais aceitas por esta comunidade. Possenti (1996, p.65) define a gramática
descritiva como “um conjunto de regras que são seguidas, e que orienta o trabalho dos
linguistas, cuja preocupação é descrever ou explicar as línguas como elas são faladas”.
Esta gramática não tem o objetivo de apontar erros, mas de identificar todas as formas
de expressão existentes e verificar quando e por quem são produzidas. Seu intuito é
simplesmente verificar o sentido, ou seja, a gramaticalidade de uma determinada
manifestação linguística.
A capacidade linguística do ser humano não é discricionária, pelo contrário, é
norteada por um conjunto de regras, denominada gramática internalizada, que o falante
usa naturalmente, nas mais diversas situações de interação. Subentende-se, portanto,
que todo sujeito detém este conhecimento gramatical. Para Possenti (1996 pp. 69-70):

(...) tal conhecimento é fundamentalmente de dois tipos: lexical e


sintático-semântico. O conhecimento lexical pode ser descrito
simplificadamente como a capacidade de empregar palavras
adequadas (...). O conhecimento sintático-semântico tem a ver com a

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distribuição das palavras nas sentenças e o efeito que tal distribuição


tem para o sentido.

Deste modo, um falante jamais proferiria frases que contrariassem sua própria
natureza linguística. Qualquer ser humano que jamais tenha passado pela escola,
perceberia uma frase distorcida da sua língua. Um falante nativo, por menor que fosse
sua escolaridade, automaticamente perceberia a agramaticalidade presente na frase:
Minha computador está na chão. A única explicação plausível seria deduzir que tal
interlocutor é estrangeiro. Exatamente. Somente um estrangeiro teria dificuldades para
articular corretamente uma língua.
Dizer que o objetivo de uma determinada gramática consiste em ensinar a
língua portuguesa aos falantes de português, parece contraditório, mas levando-se em
consideração o percurso feito até aqui, já se é perceptível que esta gramática de que se
falará agora é exatamente aquela da qual se falou no início desse ensaio. É esta
gramática que rege o ensino de língua portuguesa nas escolas, chegando ao ponto de
este ensino ser confundido como o ensino exclusivo de gramática normativa. Essa
gramática, que ainda reina, determina e se sobrepõe às demais, segundo Possenti (1996,
p. 64) é a gramática normativa, que determina “um conjunto de regras que devem ser
seguidas”, mesmo que estas regras não condigam com as realizações linguísticas do
cotidiano. Aquelas que estão presentes, de uma maneira, ou de outra, na interação das
pessoas, que falam tão naturalmente como andam, embora, como esclarece Câmara Jr
(1979, p. 9), não seja a linguagem “um fenômeno biológico como o caminhar, mas uma
capacitação social baseada nas capacitações biológicas.”
É tão nítida a confusão que se faz entre o ensino de língua materna e ensino de
gramática que se se fizer uma inocente pergunta a um grupo de pessoas sobre qual
conteúdo de língua portuguesa mais tiveram afinidade, não se haverá de surpreender
ao se ter como respostas a imensa lista de classes gramaticais ou funções sintáticas.
Nada mais natural, já que o que se vê em sala de aula, ainda hoje, é um ensino de
língua materna que rejeita a fala dos alunos, na medida em que lhes impõe que
decorem um arsenal metalinguístico de sujeitos, predicados e adjuntos que não os
levam a adquirir a sua competência comunicativa.
A ineficiência do ensino de língua portuguesa é notória porque este ensino
prioriza um estudo único de nomenclaturas gramaticais. A gramática, encerrada em si
mesma não tem pragmatismo. Os discentes conseguem “decorar” algumas regras, no

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entanto, após as provas, não encontrando utilidade para nada que decoraram, acabam
por esquecer os conteúdos memorizados. Esquecem porque o professor optou por
trabalhar a Língua Portuguesa através de exercícios estanques de metalinguagem,
ignorando a linguagem como um lugar de interação, já que, de acordo com Geraldi
(1997, p.43), “o sujeito que fala, pratica ações que não conseguiria praticar a não ser
falando.”
Por isso a maioria dos alunos brasileiros diz não saber Português. Justamente
porque se quer fazer crer, a todo instante, que a língua é sinônima da gramática
normativa que prescreve, inibindo e, oprimindo. Assim sendo, pode-se até deduzir que
uma falante que nunca tenha passado pelos bancos escolares tenha mais liberdade
comunicativa do que aqueles que tiveram o contato impositivo da gramática
normativa, nas escolas.
É dever do professor, desfazer este equívoco e dizer, primeiramente, aos alunos,
conforme propõe Bagno (1999, p. 81), que eles já sabem português, não tanto para que
eles se conscientizem, mas, sobretudo, para que os professores fiquem convictos deste
fato e não continuem disseminando essa prática nefasta que leva nativos da língua ao
absurdo de negarem sua competência enquanto falante.

3 OS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA E A PRÁTICA DOCENTE NOS DIAS ATUAIS


O advento da gramática, pelos gregos, foi um momento que ficara conhecido
como “Fase Filosófica” (CARVALHO, 1980, p. 18), calcada na Lógica e na Filosofia,
trazia profundas reflexões sobre a origem da linguagem influenciando o pensamento
dos povos subsequentes séculos a fio, chegando inclusive à Idade Média (e por que não
dizer, até os nossos dias?). A segunda fase, a “Filológica” surgiu na Alexandria e
apesar de definir-se “historicamente como o estudo da elucidação dos textos” (idem), e
procurar “estudar os costumes, as instituições e a história literária de um povo”,
possuía uma preocupação notadamente gramatical, pois atinha-se “demasiadamente à
língua escrita, deixando de lado à língua falada” (idem). A terceira e última fase, que
influenciou inclusive os estudos de Saussure, foi a “Fase Histórico-Comparatista” que
se inicia com a descoberta do sânscrito que mostra que algumas línguas têm parentesco
com essa antiga língua da Índia. “A preocupação diacrônica em saber como as línguas
evoluem e não como funcionam é que vai marcar toda essa fase.” (p. 19)

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Todos esses períodos, pelos quais a linguagem passou, antes de se estabelecer


enquanto ciência compreendem um momento a que Lyons (1981) denomina
historicismo porque é:

(...) considerado como característico de um período anterior de


pensamento linguístico (...) o historicista adota o ponto de vista
segundo o qual o único tipo de explicação válido em linguística, na
medida em que é, ou aspira ser científica, é de caráter necessariamente
histórico. (LYONS,1981, pp. 201-202)

Mas, o que se pode constatar é que esses estudos não passavam de reflexões
que não podiam ser consideradas científicas, portanto não passavam de “um estudo
assistemático e irregular dos fatos da linguagem, de caráter puramente normativo ou
prescritivo” (CARVALHO, 1980, p. 17). A linguagem somente adquirira status de
ciência quando, em meados do século XX, mais precisamente em 1916, os alunos de
Saussure, Charles Bally e Albert Sechehaye publicaram o Curso de Linguística Geral
(CLG), organizado, postumamente, no qual foram postuladas as anotações de aulas do
mestre, na Universidade de Genebra.
É, a Saussure, dado o crédito de pai deste estudo científico da linguagem, a
partir do qual, pôde-se denominar ciência, já que ele foi o responsável por sua
sistematização:
O grande mérito de Saussure está, antes de tudo, no seu caráter metodológico,
um prolongamento da sua personalidade perfeccionista:

(...) Os linguistas, até então, tratavam de coisas diferentes com nomes


iguais e vice-versa. A ausência de uma terminologia adequada,
precisa, objetiva, de alcance universal (e sabemos desde Sócrates, que
só há ciência do universal), instrumento de trabalho imprescindível a
qualquer ciência, digna do nome, tolhia-lhes a expressão de ideias.
Por exemplo, o termo língua, tinha para alguns linguistas um
determinado sentido, para outros já adquiria conotação totalmente
diversa. A linguística ressentia-se de uma linguagem unívoca, de um
padrão linguístico, de uma metalinguagem, isto é de uma nova
linguagem para expressar suas elucubrações. (CARVALHO, 1980, PP.
24-25)

Apesar disso, não se deve esquecer de que as inúmeras considerações


encontradas no CLG serviram para que outros autores refletissem. Saussure foi o
elemento que deflagrou novas perspectivas de estudos linguísticos, à medida que

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teorias foram criadas a partir de reflexões que aceitavam, modificavam ou refutavam o


que ele preconizava:

Todos quantos se aprofundaram na pesquisa de suas postulações


adquirem consciência da importância do Cours para a Linguística
moderna e passam a compreender por que Saussure é considerado o
divisor de águas no estudo científico da linguagem. (CARVALHO,
1980, p. 24)

Além disso, Saussure optou por fazer um estudo sincrônico, fazendo um recorte
do momento atual e desconsiderando a ação do tempo, detendo-se somente em
analisar a estrutura da língua, daí por que os seus estudos ficaram conhecidos como
estruturalistas. Adotando esta forma de se estudar a língua, rejeitou o estudo
diacrônico, que era feito até então, através de um modelo histórico-comparativo, que,
de acordo com Lyons (1981, p. 181) é “a maneira padrão de demonstrar o
relacionamento genético entre as línguas”. É importante tornar saliente que Saussure
jamais usou o termo estrutura, mas sistema, que para ele, como se viu, são relações
cujos elementos devem ser estudados sincronicamente.
Após a publicação do CLG, formaram-se várias correntes, todas abalizadas pelo
pensamento “estruturalista” do mestre genebrino: Escola de Genebra, Escola
Fonológica de Praga, Escola Funcionalista de Paris, Escola de Copenhage, cujos
principais representantes, respectivamente, foram Charles Bally, Jakobson, Martinet e
Hejelmslev.
Bakhtin (1979) foi um dos autores que discordou das reflexões de Saussure no
que tangia ao aspecto homogêneo da língua postulado pelo mestre genebrino.
Saussure concebe a língua como um sistema imutável de signos e como “a parte social
da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só não pode nem criá-la, nem
modificá-la” (SAUSSURE, 1997, p. 22). O que significa dizer que a modificação da
língua não pode ser feita pelo indivíduo, mas pelo conjunto de fatores sociais e
temporais externos à língua. Quando em seu livro, Marxismo e Filosofia da
Linguagem, Bakhtin (1979) refuta as ideias de Saussure, talvez seja por que algumas
considerações que o segundo faz sobre fala e língua sejam divergentes, em alguns
aspectos. Primeiro Saussure articula que a língua é um sistema imutável, deixando
claro que ao falante não é dada a competência de modificar a língua; logo em seguida

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profere que “a fala é que faz evoluir a língua.” Ora, e onde se dá a fala? Quem fala? Os
indivíduos. São eles, portanto os responsáveis por modificar a língua, por fazê-la
evoluir. Para Bakhtin, é o enunciado e não a fala que é seu objeto, pois para ele, aquele
é algo que está em processo e que só pode ser analisado na interação. A linguagem,
para ele, portanto, é uma prática social que se concretiza na língua. Além disso,
Bakhtin acredita que Saussure não soube ver a ideologia que estava presente no signo.
Chomsky (1979) concorda com Saussure quanto à homogeneidade da língua
porque acredita que o homem tem uma capacidade inata de compreender o seu
sistema linguístico, no entanto, o objeto desse estudo que ficou conhecido como análise
gerativista da língua, é a competência linguística, que seria abstrata e inerente ao
falante e o desempenho linguístico, o qual chamou de uso concreto da língua.
Chomsky (apud WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, PP.3;4) afirma sobre a
homogeneidade da língua:

A teoria linguística se ocupa de um falante-ouvinte, numa


comunidade de fala completamente homogênea, que conhece sua
língua perfeitamente e não é afetado por condições gramaticais
irrelevantes tais como limitações de memórias, distrações, alterações
de atenção e interesse, e erros (aleatórios ou característicos) ao aplicar
seu conhecimento da língua em desempenho real.

Como esse estudo gerativista abordou apenas aspectos sintáticos da língua,


desconsiderando os “desvios” exteriorizados no desempenho linguístico, sofreu
algumas críticas dos teóricos da sociolinguística, já que estes estudiosos estudam “a
língua em uso no seio da comunidade de fala, voltando a atenção para um tipo de
investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais.” (MOLLICA, 2008, p. 9)
De acordo com essa mesma autora, “todas as línguas apresentam um
dinamismo inerente, o que significa dizer que elas são heterogêneas” e não
homogêneas como Saussure fez crer.
Também partindo da dicotomia langue e parole, Weireinch, Labov & Herzog
(2006) formularam a sua teoria da linguagem mais precisamente da mudança
linguística, tomando como objeto de seus estudos, a fala, fizeram nascer uma corrente
conhecida como linguística variacionista. Aliás, faz-se necessário expor aqui que no
que tange à constatação de a variação ser inerente à língua e refletir variações sociais,
Bakhtin se antecipou em meio século à sociolinguística. (WEEDWOOD, 2002, p. 150)

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E se as línguas mudam, por que querer que se aceite, na escola, apenas uma
forma de expressão? Aquela preconizada pela norma padrão? Seria diferente se a
norma eleita fosse a tida como não-padrão? Certamente, não. Pelo menos não,
linguisticamente já que nenhuma variante é superior à outra.
O Ministério da educação, em 1997, reuniu num compêndio com as teorias
linguísticas, na tentativa de levar os professores a inseri-las em suas práticas
pedagógicas. Brito (2003) lembra que “O ensino tradicional da língua materna era

uma tentativa de aproximar o aluno da norma culta padrão, premiando a


aproximação e punindo o desvio.” (p.12)
Porém, após mais de duas décadas de transformações neste campo, a realidade
ainda se assemelha à descrição supracitada e há nas salas de aula professores confusos
ou pior, desconhecedores das revoluções propiciadas pela ciência linguística.
É evidente o desnorteamento do profissional de língua portuguesa! E agora, o
que fazer? Abolir a gramática? Trabalhar somente leitura com os alunos? Qual o
caminho?
Como confessar a um aluno de ensino fundamental que ele já sabe português?
Mesmo os professores que já assimilaram as ideias linguísticas, ainda usam a gramática
normativa porque, consoante Cereja (2002):

(...) apesar de todas as falhas nos conceitos e na terminologia da


gramática normativa (...), apoiar-se no modelo gramatical construído
pela tradição acabou se tornando, para muitos, uma espécie de porto
seguro, mesmo que seja para, a partir desse ponto, exercer uma crítica
ao próprio modelo. (2002, p. 248)

E eis o grande desafio: aceitar de uma vez por todas que a aula de português
não se resume à aula de gramática prescritiva. Não saber gramática normativa, não
significa desconhecer a própria língua. Perini (2001, p.11) assevera que “o ensino
escolar nos inculcou, durante longos anos, a ideia de que não conhecemos a nossa
língua; repetidos fracassos em redações, exercícios e provas não fizeram nada para
diminuir esse complexo”
O professor, sob a ótica das novas teorias, adquire liberdade e também maiores
responsabilidades. Tem a permissão para explorar o potencial dos seus alunos através
da leitura dos gêneros textuais, consequentemente, busca no estudante a sua
capacidade interpretativa e produtiva. Respeitando a realidade de cada discente e

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ensino de língua portuguesa

explorando a sua visão de mundo, o professor conseguirá resultados positivos na


produção textual, entretanto, não vislumbrará mais a gramática normativa como seu
referencial.
Antunes (2007, p.116) sugere que “admitir que os manuais de gramática não
são o único respaldo para as nossas decisões linguísticas teria os seus efeitos imediatos
na prática pedagógica.”; supõe-se ser esse o principal obstáculo, mas não o único. Se
muitos profissionais ainda resistem às novas ideias, o que dizer de alunos, pais de
alunos e da comunidade em geral que entendem aula de português como aula da
gramática normativa?
Brito (2003, p.11) alerta que “o ensino ideal não é aquele imposto, mas aquele
que nasce da relação dialógica de professores, alunos, pais, comunidades, enfim, de
todos os elementos humanos e materiais que integram o cotidiano escolar.” Faz-se
mister, pois, a urgência de uma conscientização coletiva.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para além destas dificuldades que assumirá o professor de levar o aluno a
escrever um texto com competência ou de acabar com uma tradição da gramática
normativa, o educador ainda tem um desafio muito maior: como ensinar a Língua
Portuguesa, se a finalidade da escola, no que tange esta disciplina, é ensinar o
português padrão? Possenti (1996, p. 17) acredita que “qualquer outra hipótese é
equívoco político ou pedagógico”.
O aprendizado do português padrão, do ponto de vista escolar, consiste no
domínio da escrita e da leitura, entretanto, esse domínio não se faz com a memorização
dos nomes. É necessário obedecer a algumas regras gramaticais que, consoante
Antunes (2007, p.71) são constantemente confundidas com nomenclatura gramatical:
“As regras são nomes que especificam os usos da língua que ditam como deve ser a
constituição de várias unidades em seus diferentes estratos (fonológico,
morfossintático, semântico e pragmático).”
Como ensinar o português padrão sem desprezar as outras modalidades
linguísticas? É preciso que o professor acredite que os alunos falem sem medo de errar,
assim como andam sem medo de cair. Isso não quer dizer que se expressar
linguisticamente é tão simples quanto andar ou que a aquisição da linguagem é finita
como o aprender a caminhar. O processo de aquisição da linguagem é infinito, mas ele

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não começa na escola. Pelo contrário, a escola é (ou deveria ser) o lugar onde o aluno
irá receber mais dispositivos para aumentar o seu repertório linguístico e melhorar a
comunicabilidade. Frise-se bem: aumentar! Ninguém aumenta seu patrimônio
destruindo o que tem. No caso da língua, os instrumentos linguísticos que se quer
acrescentar aos alunos já existem. E são justamente eles que a escola sugere excluir, em
detrimento daqueles que ela tem como corretos. Não se está querendo dizer aqui que
não se deva mais ensinar a norma padrão. Pelo contrário, que ela seja apresentada ao
aluno, respeitando as variedades que ele já traz consigo. O menosprezo ao que o aluno
traz, é que ocasiona o silêncio dele. Quando a escola dá ao aluno a oportunidade de
escolher a modalidade que quer usar, está contribuindo com a sua inclusão no meio
social e com a construção da sua identidade enquanto cidadão.
O professor que opte por este tratamento estará adotando um ensino de língua
pelo viés da variação linguística que, de acordo com Faraco (2007):

Se, como resultado da intervenção dos linguistas, o tema da variação


linguística acabou incorporado pelo discurso pedagógico, podemos
dizer que não conseguimos ainda construir uma pedagogia adequada
a essa área. Talvez porque não tenhamos ainda, como sociedade,
suficientemente, no espaço público, nossa heterogênea realidade
linguística, nem a violência simbólica que a atravessa.

Fazer o aluno aprender a norma culta deve ser prioridade do professor de


língua portuguesa. Como fazer, deve ser a sua maior preocupação. O modo de fazer
não é outro, senão através da valorização da variedade que o aluno já detém.
É necessário que o professor, ao receber a variedade do aluno em sala, deixe-
lhes cientes de que existem variedades que têm maior prestígio em nossa sociedade e
que dão às pessoas que as proferem um status superior e um tipo especial de
tratamento. Precisa demonstrar que as variedades expostas possuem um mesmo
sentido, mas devem ser usadas em contextos diferenciados. É o que coloca Mattos e
Silva (2006):

Os professores de português, por necessidades exigidas por nossa


sociedade discriminatória, têm de explicar a seus estudantes que
certos usos variáveis são censurados em certas situações
socioculturais (...) (o professor) se tiver uma boa formação linguística,
especificamente, sociolinguística, deverá demonstrar, por exercícios, o
valor social das variantes de um elemento variável no português do
Brasil. (MATTOS E SILVA, 2006, p. 282)

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ensino de língua portuguesa

E esta abordagem sociolinguística da língua deve começar nas séries iniciais,


junto aos alunos da mais tenra idade, pois se é verdade que se aprende e se aprimora a
língua falando, é proporcionando ao aluno oportunidades de fala que se alcançará este
objetivo.
No entanto, se ao chegar à escola, na Educação Infantil, os alunos, maravilhados
com a descoberta da linguagem, forem silenciados pelo professor que, insanamente
quer que o aluno já conheça as normas cultas da língua, será impossível aplicar um
ensino de línguas baseado na interação.

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