Texto Complementar 4
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RESUMO
A partir de uma roda de conversa informal entre pais de uma turma de crianças
do quinto ano do Ensino Fundamental, percebeu-se que lidar com os limites e
frustrações na relação com seus filhos é um tema desafiador e angustiante. O
objetivo deste ensaio é ampliar as possibilidades de reflexão e manejo na
relação entre pais e filhos, com vistas a um desenvolvimento emocional e
relacional saudável. A metodologia utilizada é a revisão narrativa - pesquisa
bibliográfica - fundamentada teoricamente nos principais conceitos da Gestalt
Terapia sobre o desenvolvimento humano. Apresentamos alguns exemplos de
experiências para articular a compreensão teórica com orientações de apoio aos
pais e responsáveis pela educação de crianças. Como resultado, destacamos a
importância de respeitar as crianças em suas necessidades genuínas de
acolhimento e também de apoiar o seu aprendizado em lidar com os limites e
frustrações como aspectos imprescindíveis ao seu desenvolvimento saudável.
Palavras-chave: Limites; Educação; Crianças; Gestalt Terapia.
ABSTRACT
Rev. Nufen: Phenom. Interd. | Belém, 10(2), 144-164, mai. – ago., 2018.
DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10.n02ensaio39 145
RESUMEN
A partir de una rueda de charla entre padres de una clase de niños del quinto
año de la Enseñanza Fundamental, se percibió que tratar con los límites y
frustraciones en la relación con sus hijos es un tema desafiante y angustiante. El
objetivo de este ensayo es ampliar las posibilidades de reflexión y conducción en
la relación entre padres e hijos, mirando a un desarrollo emocional y relacional
saludable. La metodología utilizada es la revisión narrativa - investigación
bibliográfica - fundamentada en los principales conceptos de la Terapia Gestalt
sobre el desarrollo humano. Presentamos algunos ejemplos de experiencias
para articular la comprensión teórica con orientaciones de apoyo a los padres y
responsables por la educación de niños. Como resultado, destacamos la
importancia de respetar a los niños en sus necesidades genuinas de acogida y
también de apoyar su aprendizaje en tratar con los límites y frustraciones como
aspectos imprescindibles para su desarrollo saludable.
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cultural pois, conforme afirma Philippi (2010), a família é uma parte de um campo maior que
também impõe uma série de exigências quanto à responsabilidade pela educação das
crianças.
Buscando, por outro lado, semelhanças entre a frustração habilidosa numa
relação terapêutica e aquela que pode auxiliar a relação entre pais – ou responsáveis – e
seus filhos, podemos ressaltar que, em ambas as situações, frustrar não significa humilhar,
constrangendo ou envergonhando o outro, muito menos diminuir, invalidar ou mostrar
indiferença àquilo que há de valioso e espontâneo da pessoa em terapia ou da criança em
desenvolvimento. Estabelecer limites que façam sentido e possam ser sustentados de forma
coerente é uma forma de confirmar para a criança que alguém está cuidando da sua
integridade. Confirmar, aqui, situa-se numa perspectiva dialógica, num “contexto relacional
total em que a singularidade de cada pessoa é valorizada; relações diretas, mútuas e
abertas entre as pessoas são enfatizadas, e a plenitude e presença do espírito humano são
honradas e abraçadas” (Hycner e Jacobs, 1997, pp. 29-30). Os pais precisam confirmar a
presença da criança, sem que isso implique numa concordância passiva ou indiscriminada
com tudo o que a criança demanda, e sem que a frustração signifique violência ou opressão.
Outra compreensão gestáltica fundamental do desenvolvimento do ser humano,
e que nos esclarece a importância dos limites nesse processo, é a concepção de
heterossuporte e autossuporte. Conforme Aguiar (2014), “o ser humano desloca-se
gradativamente da utilização de um heterossuporte ou suporte ambiental para satisfação de
suas necessidades e escolhas no mundo, para um parâmetro pessoal e singular,
denominado autossuporte” (p. 74). A clareza dos pais em relação a esse processo facilita
também o caminho da criança da sua condição de dependência “a uma maior e progressiva
diferenciação e autonomia em relação ao outro” (Aguiar, 2014, p. 74).
Lidar com os limites permite à criança encontrar formas próprias de se apoiar em
seus recursos. Frente a uma frustração, discordância ou impossibilidade real de realizar o
que deseja, ela pode desenvolver maneiras criativas de portar-se diante das situações da
vida, fazendo e assumindo escolhas frente ao novo. Esse processo vai promover autonomia
crescente da criança e se alicerça nos limites que a ensinam a presença do outro na relação
– a colocam em contato com a existência de outras pessoas e outras situações que também
precisarão respeitar.
É importante destacar “que autonomia não é sinônimo de autossuficiência e, por
isso, uma condição autônoma não é aquela que prescinde do outro, mas a que possui
condições de avaliar e escolher quando e de que forma esse outro é importante” (Aguiar,
2014, p. 74-75).
Considerando esse processo sob a perspectiva dos pais que manifestam
dificuldades e dúvidas quanto às condições da criança de lidarem com os desafios da vida,
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Essa compreensão nos encaminha para uma possível orientação inicial aos pais
quanto a limites: uma de suas funções é ajudar seus filhos nessa passagem de um maior
heterossuporte (ou apoio ambiental) para um maior autossuporte (auto apoio). Nesse
sentido, limites são também possibilidades de esse processo ocorrer de forma que a criança
tenha condições de “andar com suas pernas”, desenvolvendo gradativamente
independência e autonomia nas suas ações e escolhas, permitindo-se ousar e explorar o
novo, porém com segurança e suporte dos pais naquilo que ela ainda não dá conta de forma
independente.
A partir dessas considerações, algumas das dificuldades dos pais no que diz
respeito a esse assunto podem ser revisitadas sob um enfoque mais acolhedor dessas
angústias, permitindo novas possibilidades de estar com as crianças e lidar com os limites.
Vejamos alguns exemplos que os pais relatam.
Alguns pais dizem “não” frequentemente aos filhos, sem discernir de fato a
pertinência daquela negativa. É o famoso “não porque não”. Nessas situações, é muito
comum que os próprios pais não tenham clareza quanto aos seus limites e quanto às
necessidades que precisam ser ajustadas entre eles e as crianças. Esse “não” expresso
reiteradamente, sem verificar o que está envolvido na situação específica vivenciada, pode
ser uma forma de evitar “perder tempo” em avaliar novas situações e demandas. Torna-se
“mais fácil” dizer “não” de antemão, sem dar atenção ao que está ocorrendo.
Ora, se o “não porque não” está a serviço de impedir uma nova demanda para o
adulto num momento em que ele não tem condições de dirigir sua atenção ao pedido da
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criança, uma forma possível de estabelecer esse limite claro pode ser contextualizar à
criança o “não”. Um exemplo seria expressar a ela que naquele momento não é possível
atender ao seu pedido, deixando clara a necessidade do adulto de priorizar outra coisa na
situação em curso – e não simplesmente generalizando ou usando um “não” do tipo “cala a
boca”.
Quando esse tipo de “não” é a única forma que os pais conhecem e utilizam,
eles também se sentem desconfortáveis pois há alguma dificuldade em estabelecer
diferenciações entre suas necessidades e as demandas das crianças. Se dizer não para a
demanda da criança para não ser interrompido ou “atrapalhado” for um hábito ou tornar-se
rotineiro, os pais também irão se sentir perdidos, inseguros, confusos e distantes na sua
relação com os filhos. E, para a criança, esse “não” indiferenciado também não deixa claro o
sentido daquele “aparente” limite. Quando essa situação é reiterada ou automatizada na
convivência com a criança, uma das consequências pode ser uma sensação de desamor,
de descuido e, muitas vezes, até de abandono relatada pelos filhos. Eles acabam se
sentindo um peso, um estorvo para os pais. Outra forma é a criança ficar sem referência do
que poderá pedir e demandar dos pais, tornando-se “obediente” ou a “criança que não
incomoda”. Nessas condições, sua confirmação como um ser humano autêntico – com
demandas genuínas – pode ficar inviabilizada.
Um conceito gestáltico fundamental pode nos ajudar a refletir caminhos para os
pais nessas situações – que é o fluxo de awareness – expressão sem uma tradução literal
em português, cujo significado aproximado em nosso idioma seria “dar-se conta ou tomar
consciência de algo, no aqui-e-agora”. Para Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 33)
“awareness caracteriza-se pelo contato, pelo sentir (sensação/percepção), pelo excitamento
e pela formação de gestalten”. A noção central desse conceito é que para assimilarmos do
ambiente aquilo que precisamos para nosso desenvolvimento ou crescimento e rejeitarmos
aquilo que não nos serve ou nos é prejudicial, precisamos dispor de nossa capacidade
sensorial, motora e perceptiva de estar presentes no aqui-e-agora, na experiência como ela
se apresenta em nossa existência. Dessa maneira, poderemos, tanto agir espontaneamente
em busca das nossas necessidades genuínas – fisiológicas, emocionais, psicológicas,
sociais etc. – quanto discernir, organizar e priorizar nossas necessidades em relação às
possibilidades que encontramos no meio. Dito isso, compreendemos que, mesmo nas
circunstâncias nas quais o adulto deseja mais tempo livre para si e seus afazeres, ou está
ocupado em demasia, esse “não porque não”, aparentemente “mais fácil”, pode se tornar
um “não” melhor acordado e ajustado.
Na relação dos pais com as crianças, as necessidades de ambos podem ser
integradas quando há contato genuíno e capacidade de estar presente. No entanto, para
essa conciliação se tornar possível e viável é preciso que os pais também ampliem sua
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Alguns comportamentos são mais valorizados pelo meio social, enquanto outros
são “mal vistos” ou considerados na “contramão” do que está vigente – na escola, famílias,
moda. Estes podem ser mais bem compreendidos à luz do conceito de introjeção em Gestalt
Terapia.
De acordo com os pressupostos gestálticos, “a introjeção é definida como o
processo primário de internalização de crenças, valores, pensamentos transmitidos pelos
pais, pela cultura e outros ambientes significativos, que interferem e também contribuem na
construção da subjetividade da criança” (Antony, 2009, p. 360). Essa assimilação – tão
relacionada aos aprendizados e à educação em seu sentido amplo – pode ocorrer de forma
criativa (saudável) ou disfuncional. No primeiro caso, as demandas do meio podem ser
mastigadas, digeridas, de modo a constituir uma nutrição cultural, social e moral com base
em valores que se integram à identidade da pessoa. Já na introjeção disfuncional, as
demandas do meio são “engolidas” à força, portanto os pais que não conseguem sustentar a
desaprovação do meio, provavelmente estão espelhando para a criança que ela deve “nadar
com a corrente”, custe o que custar.
Uma direção que pode auxiliar nesse contexto é que a família tenha condições
de identificar e discernir quais são os valores importantes que sustentam as decisões em
relação à educação das crianças. Ver o sentido disso, apoiar-se em seus valores genuínos e
incluir a criança – quando ela tiver condições – nas decisões em que isso for possível, é
fundamental. Além disso, manter certa flexibilidade para revisar e olhar sob novos ângulos
os valores introjetados, questionando e abrindo possibilidades de rever os nãos, quando
essa for uma necessidade da família e da criança diante de um novo contexto, também é de
uma importância ímpar.
É importante que muitos introjetos possam ser ressignificados como, por
exemplo, a máxima de que é preciso “Respeitar os pais”. Respeitar os pais não é ter medo
deles. Respeitar os pais implica poder discordar, construir uma visão de mundo diferente da
deles; em última instância, respeitar os pais é também percebê-los como falhos e, mesmo
assim, pessoas a quem amamos profundamente. Significa ter o direito de expressar que
sentimos raiva deles; que eles podem cometer injustiças, reconhecer isso e pedir desculpas.
Respeitar, inclusive, implica ser respeitado – ou seja, é uma relação de reciprocidade e se
constrói com a participação de todas as partes que estão nesse relacionamento. Assim, ser
respeitado pelos pais também envolve receber suas broncas, reconhecendo que firmeza e
gentileza podem caminhar juntas. Ser respeitado é se permitir argumentar sem culpa, medo
ou vergonha.
A respeito da vergonha, uma situação comum, em que os pais costumam sentir-
se constrangidos, é quando a criança tem um comportamento de “manha” ou “birra”, num
local público, repleto de pessoas. Alguns pais ficam extremamente desconcertados,
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preocupados com a reação e o julgamento alheio. Pedem para a criança parar de chorar,
chegam a fazer ameaças, mandam ficar quieta, sem, contudo, exercer uma autoridade
cuidadosa e efetiva. Nesse tipo de situação, quando o constrangimento dos adultos
perpassa muito mais uma preocupação com o meio, com o que as pessoas vão pensar de
sua atitude enquanto pais, novamente não há contato com a criança. Mergulhados nessas
preocupações, os pais perdem de vista a conexão com o filho, com o que é essencial, com
suas necessidades naquela situação. Embora não haja como prescrever uma atitude única
para essas circunstâncias, como tirar a criança do local, distrai-la, ignorar a “birra”, conter a
criança, ou qualquer outra forma, é essencial sentir-se presente e, novamente, identificar as
prioridades, para que as possibilidades de agir emerjam naquele contexto. De fato, o que
estamos descobrindo a respeito da lida com limites e seus desafios práticos é justamente a
importância de estarmos em condições de assumir as responsabilidades em cada situação
nova com que nos defrontamos. Responsabilidade, aqui, refere-se à habilidade de
responder frente a algo, noção gestáltica que se distingue da mera capacidade de cumprir
deveres ou obrigações (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).
Nas situações em que sentimos vergonha, normalmente é difícil reagir, ou dispor
de habilidades para responder frente ao meio. Robine (2004) traz uma contribuição valiosa
acerca da vergonha que cabe muito bem nesta reflexão: “cada vez que estou em uma
situação que me faz sentir que seria melhor eu ser outro que não eu, estou em uma situação
de vergonha” (p. 36). Esse sentimento é vivenciado tanto pelos pais como pelas crianças,
em situações das mais variadas, mas quando as situações constrangedoras são a tônica,
acabam gerando uma sensação de que é vergonhoso ser quem eu sou.
Segundo Yontef (1998), há uma relação intrínseca entre a introjeção e o
processo de vergonha. Para o autor, a mensagem introjetada é geralmente: ‘Nunca é
suficiente’! ‘Seus impulsos, emoções e desejos são inaceitáveis’ (p. 372). Enfatiza ainda que
“a vergonha inclui um sentimento de defeito ou inferioridade e um sentido de não estar apto
para ser amado e merecedor de respeito” (Yontef, 1998, p. 370).
Sabemos que a criança ainda está desenvolvendo sua consciência crítica para
questionar as mensagens educativas de modo geral. Dessa forma, quando ela não é
confirmada, tanto em suas capacidades quanto em suas limitações, de maneira clara e
genuína, o que costuma se cristalizar é uma percepção inautêntica de si mesma e do
mundo. A habilidade para discriminar aquilo que lhe é imposto do que faz ou não sentido
para si mesmo está em construção.
O entendimento do porquê de uma regra de conduta em algum ambiente, como
no exemplo em que se vai a um local onde é necessário silêncio e a criança começa a falar
alto, chorar, gritar, permitirá que ela se aproprie da sua responsabilidade naquele contexto.
A presença do adulto, confirmando e acompanhando a criança naquela atitude, é
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fundamental – no caso exemplificado, o adulto pode conversar falando baixo com ela, sem
repreender, espelhando a conduta cabível naquele lugar. Regras que valem apenas para as
crianças, mas os adultos não respeitam tendem a passar uma mensagem contraditória de
desrespeito aos limites.
Nesse sentido, a importância da discriminação entre a criança e o meio é
construída a partir da clareza com que os adultos possam lidar com os limites de modo
seguro. Vivenciar os “nãos”, as diferenças entre o que ela de fato quer fazer e o que o meio
permite fornece às crianças possibilidades gradativas de questionamento das introjeções,
fundamental para “a construção e sedimentação do que é nutritivo do que é tóxico, de
aceitar, recusar ou transformar e de se perceber forte e segura para tal.” (Aguiar, 2014, p
80)
Dessa forma, alguns limites poderão ser sentidos como frustrações, sim. Mas
frustrações que são parte da vida, do amadurecimento, e promovem um desenvolvimento
saudável diante da aceitação de um obstáculo, de uma adversidade. Além disso, cabe aos
adultos responsáveis pelas crianças compreender, e de alguma forma ensiná-las, que a
realidade da vida não é o prazer sem limites, pois a aparente satisfação de todas as
vontades e desejos delas também pode trazer consequências danosas. Nas palavras de um
dos pais que participava da roda de conversa, quando há falta de limites na educação
infantil, em algum momento “a própria vida vai te cobrar”. Isto significa que, se os pais não
exercerem a sua função de autoridade respeitosa, colocando limites adequadamente, o
mundo vai se encarregar de realizar essa tarefa.
Num outro extremo, quando qualquer tipo de imposição verticalizada prevalece,
a espontaneidade – uma das características mais marcantes nas crianças – vai perdendo
espaço de expressão, culminando em sentimentos de inadequação, menos valia e
insegurança. Desta feita, é fundamental que a sustentação de um não ou de um sim passe
por uma coerência de sentido para ambas as partes.
Corroborando com essa ideia, o conceito de dialogicidade na relação pais e
filhos mostra que a sustentação do “não” pode deixar de ser tão árdua e recheada de culpa,
na medida em que essa relação tenha uma base pautada no respeito às diferenças, na
valorização da autoridade das figuras parentais (ao contrário de um autoritarismo), na
abertura à expressão genuína das emoções e necessidades, independente de estarmos
falando de adultos ou crianças.
A culpa, de uma forma geral, quando pauta a relação entre pais e filhos,
normalmente denota um ambiente em que sentimentos como a raiva e expressões de
agressividade não são bem assimilados. Se os pais colocam limites sem clareza, ou mesmo
agem com violência e autoritarismo, por dificuldades pessoais, e, posteriormente, tentam se
redimir anulando qualquer possibilidade de a criança expressar raiva, agressividade ou
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mesmo seus próprios “nãos” frente àquela situação, é muito possível que a criança também
passe a rejeitar sua agressividade em forma de culpa. Oaklander (1980) aborda a culpa
infantil a partir de sua experiência clínica em terapia, relatando que há muitos adultos cuja
culpa recorrente tem origem na infância, são “sentimentos que se arraigaram há muito
tempo, permeiam todas as áreas de suas vidas, gerando muita aflição.” (1980, p. 308) Uma
das consequências dessa culpa introjetada, segundo a autora, já nas crianças, é sua baixa-
autoestima que, dentre outras formas, também se expressa pela “dificuldade de dizer não”.
Finalmente, um aspecto muito importante e pouco abordado é a noção de que
limites e cuidado caminham juntos. Boff (2008), citado por Cardoso (2013) fala do cuidado
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“Raízes e asas. Mas que as asas enraízem e que as raízes voem” nos diz o
poeta Jiménez (citado por Cardella, 2014, p. 111). Aos pais está lançado o desafio, de forma
permanente e dinâmica, caótica e poética, de possibilitar que as raízes dos filhos se tornem
asas e que as asas encontrem um solo firme e fértil onde possam se sustentar.
Muitas vezes, os voos dos filhos são fonte de celebração! Outras tantas, de
preocupação. A rota é curva, por vezes entortada, e os ventos são catalisadores de algumas
belas manobras, mas também são riscos que a natureza impõe, demandando resistência, e
pés no chão.
Os voos dos pais também merecem atenção: são sonhos, desejos, asas que
pretendem emprestar aos seus filhos. E, se, por um lado, as crianças não vêm ao mundo
para atender as expectativas dos adultos – familiares, educadores, e outros responsáveis
por seus cuidados – também não podemos ignorar as inúmeras projeções que lançamos
sobre elas. Escolhemos, sem sua participação, o nome que carregará, na maioria das
culturas, “para todo o sempre”. Decidimos que “time de futebol” – especialmente aqui no
Brasil – a levará às lágrimas ou ao êxtase da celebração vitoriosa. Imaginamos – e dirigimos
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seu caminho – para que seja da profissão que nos deixaria orgulhosos. Pretendemos,
inclusive, determinar suas escolhas mais íntimas: de quem será amigo, de quem se
afastará, quem vai amar e como vai reproduzir nossos valores e nossa imagem de família e
relação afetiva.
De certo modo, as pretensões adultas, em geral, são de que a trajetória da
criança avance em relação aos caminhos que já foram trilhados pelos pais, ou responsáveis,
mas que evite tropeços, pedras e percalços. É difícil crescer, como é difícil voar. E todo
adulto, de uma forma nem sempre tão clara, é verdade, sabe que há desafios pela estrada.
Não há mal em projetar – ou seja, planejar, antecipar, identificar perspectivas, visando lidar
da melhor forma possível com as situações abertas no meio; aliás, é inevitável. O que
precisamos, possivelmente, é assumir nossa autoria dessas criações e sonhos, em vez de
buscar a realização de um ideal através das crianças. Aqui, é preciso então criar raízes,
cuidar das nossas próprias asas, antes de mais nada. É preciso crescer. E crescer implica,
inevitavelmente, aprender a lidar com as pedras, desviar de alguns caminhos floridos e
ensolarados, para adentrar atalhos às vezes perigosos, dolorosos.
No entanto, assim como nos contos de fadas, ou histórias de heróis, o mais
importante não é evitar os erros e frustrações, mas sim, dispor de recursos – desde espadas
e cavalos, até amigos, ouvidos sábios, uma boa dose de humildade – para lidar com essas
trilhas árduas que tantas vezes tomamos. É vital crescer. Não há como impedir esse
processo. E os nossos recursos mais preciosos são aqueles que provêm de nosso
enraizamento – das experiências que nos sustentam e nutrem nossa confiança de que
podemos voar.
Os limites são raízes, recursos para os pais que os ajudam mesmo quando um
ímpeto irrefreável os tira da “linha”, quando querem embarcar nos voos dos filhos, em vez
de manter-se em terra firme. Limites enraízam quando o desejo dos pais de que “tudo dê
certo” e de que os filhos sejam muito mais “felizes” do que foram confunde-se com as
próprias dificuldades em lidar com as frustrações que vivenciaram. Os limites são amigos
dos pais quando permitem que se aproximem com carinho e certa coragem de suas próprias
frustrações, e de sua angústia com o que não é possível controlar, prever, saber de
antemão.
Aprender com os limites é outra grande oportunidade de, paradoxalmente,
estória de Fernão Capelo Gaivota, que devemos ultrapassar nossas limitações progressiva
e pacientemente. Fala que elas nos ensinam, justamente, a colocar de lado tudo o que nos
limita, a compreender nosso potencial perfeito e ilimitado quando as olhamos com
entendimento, para que possamos, enfim, descobrir o que já sabemos: Sim, podemos voar!
As raízes são nossa casa, nosso solo de pertencimento, do reconhecimento de
que ter asas não nos isola de nossa condição familiar, social. Podemos descobrir – quando
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as raízes e as asas são plenas, que existimos de forma autêntica, “que somos separados e,
ainda assim, que somos confirmados como um outro ser humano” (Hycner e Jacobs, 1997,
p. 46). O significado de confirmar uma criança ou um adulto não quer dizer concordar com
eles. Ao contrário, a confirmação, no sentido dialógico, fala de uma validação da alteridade
do outro, de sua singularidade.
Daí a importância dos limites para o estabelecimento de relações pautadas na
espontaneidade, na transparência de comunicação e expressão das emoções. Assim,
haverá um terreno propício à construção de um vínculo de segurança e confiança, em que
tanto pais quanto filhos poderão abrir suas asas, sem romper suas raízes. Poderão manter
uma conexão verdadeira e criativa, dispensando “falsos eus”, controles automatizados e
manipulativos. Outrossim, tenderão a sedimentar suas existências em relações cujos
sentimentos de fé e coragem para ser quem se é lhes acompanhem por todo o caminho!
Concluímos essa discussão e ensaio com a expectativa de que as reflexões aqui
apresentadas possam fomentar novas possibilidades, dentre as quais, futuras “rodas de
conversa” que ampliem e aprofundem um diálogo acolhedor e construtivo quanto à
importância dos limites para o desenvolvimento das crianças, sob o olhar diferenciado e
criativo da Gestalt Terapia.
Propomos ainda um convite a todos os pais e pessoas responsáveis pelo
cuidado e educação de crianças, para que se arrisquem em voos autênticos e também
busquem um reencontro com suas raízes – com sua humanidade. Que esse resgate seja
integrador da trajetória única e singular de cada um, da sabedoria e unidade entre o
passado, o presente e o futuro. Que, na vivência dos limites, o passado possa ser acolhido,
o presente seja vivido, e o futuro não seja temido.
Se estivermos abertos para encarar nossas frustrações com naturalidade e,
concomitantemente, se estivermos disponíveis para compartilhar essas vivências, de
maneira transparente com nossos filhos, os limites poderão ser compreendidos como a
chave mestra para o crescimento e o amadurecimento das relações.
Ao superarmos os desafios das frustrações nos caminhos do desenvolvimento,
pais e filhos, de mãos dadas, poderão se fortalecer e estreitar seus vínculos, aprendendo
um com o outro a se olharem com mais amorosidade e respeito às singularidades!
REFERÊNCIAS
Aguiar, L. (2014). Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. Campinas: Livro Pleno.
Rev. Nufen: Phenom. Interd. | Belém, 10(2), 144-164, mai. – ago., 2018.
DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10.n02ensaio39 163
Eduque crianças sem limites e elas lhe arrancarão os olhos. (2017). A Mente é Maravilhosa.
Recuperado em 15 de abril de 2018, de https://amenteemaravilhosa.com.br/criancas-
sem-limites.
Hycner, R. & Jacobs, L. (1997). Relação e cura em Gestalt-terapia (E. Plass e M. Portella
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Recebido: 20/04/2018.
Aprovado: 04/07/2018.
Rev. Nufen: Phenom. Interd. | Belém, 10(2), 144-164, mai. – ago., 2018.