2016 JanaynaMariaDeRochaCarvalho VOrig
2016 JanaynaMariaDeRochaCarvalho VOrig
2016 JanaynaMariaDeRochaCarvalho VOrig
São Paulo
2016
i
JANAYNA MARIA DA ROCHA CARVALHO
São Paulo
2016
ii
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação da Publicação
Serviço de Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
iii
FOLHA DE APROVAÇÃO
Aprovado em:
Banca Examinadora:
iv
Esta pesquisa foi apoiada pelo CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, por meio da concessão de duas bolsas de estudo.
v
À minha mãe, por muitas e muitas coisas que não
caberiam aqui, inclusive sua existência. Especialmente,
por me proteger de mim mesma nos tempos difíceis e
nunca ter deixado que pão de queijo faltasse (aqui ou na
Alemanha).
vi
AGRADECIMENTOS
‘Let everything happen to you: beauty and terror
Just keep going. No feeling is final. (…)
Nearby is the country they call life (…)
Give me your hand.’
Book of Hours, I 59, Rainer Maria Rilke
Na música O meio de Luiz Tatit, é dito que o início das experiências é um pouco difícil
porque as coisas ainda estão incertas (Por isso que sempre no início/A gente não sabe como
começar/Começa porque sem começo/Sem esse pedaço não dá pra avançar). O bom é
quando chegamos no meio, porque no meio não temos que começar nada e ‘o meio é seguro
pra gente cantar /primeiro, acaba o bloqueio/ E até o que era feio começa a soar’. Não se
fala sobre o fim na música, a não ser o fim do começo e a transição do começo para o meio,
que é também é dada como incerta, ‘porque tem começo que às vezes demora/que passa um
bom tempo/inda não está na hora/tem gente que nunca sai do começo/mas tem esperança de
sair agora.’ Resolvi começar meus agradecimentos com esta música, porque é exatamente
assim como eu me sinto. Eu espero não estar mais no começo ao entregar esta tese, mas sei
que estou longe do fim... de vários fins possíveis. Em vários momentos, vi que as análises
que eu desenvolvia só tocavam em questões muito maiores e me ressenti de só perceber isso
quando eu estava já no meio do meio. Apesar dos pesares de fazer uma tese, em alguns
momentos, também senti que estava me divertindo montando um texto que era meu e acho
que essa foi uma das melhores partes desse meio. Por fim, este meio em que eu estou agora
me mostrou o aprendizado mais significativo enquanto eu escrevia esta tese: quando eu ler
de novo, não vou mais achar que está bom, completo ou certo, nunca vai estar, a tese é sempre
um meio de virar uma pesquisadora melhor. As pessoas listadas abaixo, de um modo ou de
outro, me ajudaram a chegar neste meio e sou extremamente agradecida a elas por tudo que
fizeram, conscientemente ou não, por mim.
Primeiramente, agradeço minha orientadora Ana Paula Scher pela convivência nestes quatro
anos, por ter me acolhido no GREMD mesmo sem me conhecer, quando todas as minhas
ideias para desenvolver esta tese não passavam de uma leve intuição. Sua leitura sempre
detalhada dos meus textos, a paciência e a ajuda com a minha versão do Word que
desformatou capítulos formatados mais de 20 vezes e com a minha inconsistência de
codificação da tese foram essenciais. A Ana me ajudou a esclarecer vários pontos obscuros
dos capítulos que seguem, os que ficaram são de minha inteira responsabilidade. Obrigada,
Ana, não só pela ajuda com este trabalho, mas por ser tão amiga.
Além da Ana, preciso agradecer ao Departamento de Linguística, em geral, pela estrutura
que me foi dada para que eu pudesse fazer meu trabalho. Agradeço à Erica Flávia, ao Robson
Dantas, ao Ben Hur e à Denise Campos por toda a ajuda nestes quatro anos. Agradeço aos
professores do DL em geral, pelas sugestões e conselhos em uma série de ocasiões que eu
não poderia citar aqui. Em especial, agradeço aos professores cujos cursos eu frequentei: Ana
Müller, Ana Scher, Esmeralda Negrão, Jairo Nunes, Luciana Storto e Sônia Cyrino
(UNICAMP).
vii
Desse grupo de pesquisadores, gostaria ainda de agradecer, em especial, à professora
Esmeralda Negrão por uma série de motivos. Primeiro, a maioria dos textos que me
apontaram caminhos de análise para as questões que eu tinha foram lidos na aula dela.
Segundo, o fato de eu ter incorporado a esta tese construções pelas quais a Esmeralda se
interessa e desenvolver uma análise diferente nunca foi impedimento de diálogo. Pelo
contrário, a Esmeralda leu e comentou o meu projeto de sanduíche, o que, com certeza, me
ajudou a conseguir a bolsa. E finalmente, no final desta tese, enquanto eu oscilo entre a
tranquilidade e a paranoia, uma coisa que ela me falou algumas vezes sempre ecoa na minha
cabeça: ‘Fazer tese é um pouco como ser artista, é uma criação. Essa é a que você fez, tem
outras possíveis. ’
Já que estou falando de professores, agradeço, imensamente, aos professores que aceitaram
fazer parte da banca deste trabalho como titulares, Artemis Alexiadou, Charlotte Galves,
Esmeralda Negrão e Marcello Modesto, e como suplentes, Alessandro Boechat, Jairo Nunes,
Paulo Chagas, Sérgio Menuzzi e Sônia Cyrino.
Agradeço, ainda, aos professores que não participaram diretamente deste trabalho, mas me
ajudaram a chegar até aqui: Thais Cristófaro, por ter sido minha primeira professora de
Linguística, Heliana Mello, com quem fiz iniciação científica por três anos, Tommaso Raso,
de cujo projeto eu fiz parte nos três anos de iniciação científica, e Mário Perini, meu
orientador de mestrado, cujos ensinamentos ainda são um guia para mim. Eu não sei se você
gostaria da cara desta tese como ela está, Perini, mas agora eu já sei usar ‘explicit feliciter’.
Agradeço, ainda, à professora Jane Brasil, que me inspirou a fazer Letras.
Devo agradecer também aos meus colegas do DL pela amizade e por todas as discussões que
ajudaram o meu trabalho direta ou indiretamente. Aos colegas do GREMD, Aline Garcia
Rodero-Takahira, Indaiá Bassani, João Paulo Cyrino, Júlio Barbosa, Klauber Renan, Mayara
Espadaro, Ivan Rocha, Paula Armelin, Rafael Minussi e Vitor Nóbrega, pelas discussões e
encontros sempre muito produtivos. Aos colegas do DL em geral, em especial Lara Frutos,
Paula Bauab Jorge e Suzana Fong. Ainda, aos que acabaram virando amigos próximos e com
os quais tive prazer de conviver fora dos muros da universidade, Aline Garcia Rodero-
Takahira, Bruna Polachini, Indaiá Bassani, Jéssica Costa, Júlia Sales, Karin Vivanco, Karina
Bertolino, Patrícia Borges, Rafael Minussi, Rafael Veloso e Vitor Nóbrega. Desculpem-me
se eu esqueci de alguém dá tempo de consertar ainda na versão definitiva.
Às minhas roommates em todas as edições do Jaguaré por terem transformado a necessidade
de co-habitar em um verdadeiro lar. Primeiramente, agradeço à Jéssica Costa e à Patrícia
Borges, minhas primeiras roommates, por tornarem o Jaguaré um lar, pela amizade, pelas
comidas compartilhadas e por serem, em variadas ocasiões, o contraponto necessário à minha
ansiedade. Agradeço ainda à Larissa Fernandes e à Bruna Polachini, as minhas roommates
da segunda edição do Jaguaré, por manterem um clima de alegria na casa enquanto eu estava
de mau humor fazendo esta tese, pelo espírito jovial, as festas da vela, as pizzas e chopps do
Habib’s. 2015 teria sido muito mais difícil sem vocês. Obrigada! Tenho que agradecer
também, enormemente, à minha “vizinha” Ana Regina de Vaz Calindro, que se tornou uma
grande amiga neste último ano. Agradeço à Ana por um milhão de caronas, por nunca ficar
brava com os meus atrasos, pelas tardes e noites estudando juntas, por me emprestar a
máquina de lavar roupas dela, pelas saídas, pelas conversas sobre a vida acadêmica e amorosa
e pelas parcerias. Enquanto eu escrevo estes agradecimentos, eu fico feliz de perceber que
amigos nunca me faltaram. Obrigada a todos vocês!
Agradeço, ainda, aos meus amigos acadêmicos e linguistas de outras instituições ou os não-
acadêmicos ou não-linguistas que sempre estiveram a um clique de distância. Em especial:
viii
Cíntia França, Rafaela Lamas, Priscila Brasil e Igor Guimarães. A Cíntia e a Rafa, em
especial, nunca desistiram de mim, mesmo eu sendo tão relapsa ;-).
Switching to English, I would like to thank the people I got to know in Germany during the
year I spent in Stuttgart to develop part of thesis. First, a huge thank-you to Artemis
Alexiadou, my supervisor in Stuttgart. I could enlist a hundred things for which I am thankful
to Artemis, but to keep it short, I thank Artemis for making sure I was adapted and well in
Stuttgart and for taking my ideas seriously and treating me like a researcher with interesting
things to say. This helped me a lot, more than she can possibly imagine. I must also thank
Florian Schäfer for taking an afternoon to discuss my ideas with me and for reading two
previous versions of Chapter 5. Florian is a very generous person with his time and his
knowledge and I can’t thank him enough for that. Gianina Iordachioaia fed me, took me to
walks, and naturally became a good friend. Even though everyone is advised not to mess with
Gianina, she is a very sweet and loyal friend/mama. I also want to thank the boys, Marcel
Pitteroff and Giorgos Spathas, for sharing an office with me, for being a good companionship
and for amusing me in their own way (you know, boys…).
When I was in Stuttgart for 6 months already, Jeannique Darby arrived. Gianina, Jeannique
and I formed the J/G-group (now J-crew on Whatsapp). I thank Jeannique and Nick, her
husband, for the coffees, the New Year’s eve, and their friendship. Good talk! All the other
members of the Department also deserve a big thank you for helping me with several things:
warming up my soup (and not setting the building alarm off), getting the residence permit,
sharing their offices with me, and being receptive to a Brazilian girl who could not speak
German. Thus, I thank Amanda Karsch, Fabian Schubö, Heidi Altmann, Jutta Eichholz,
Katerina Zombolou, Nino Grillo, Patrick Lindert, Sabine Mohr, Silke Fischer, and Zeljka
Caruso.
In May 2015, I had the lucky to know Jonathan MacDonald and Matthew Leroy, from
University of Illinois at Champaign-Urbana, who work on SE-constructions in Spanish. Their
approach to these constructions enriched my view on SE-constructions in BP and I am
extremely grateful to them for all the e-mails and discussions we have had since then. This
thesis greatly benefited from the work we did together. Thank you, guys.
Quase por último (mas não menos importante – MESMO!), agradeço à minha família. Como
a maioria das pessoas que eu conheço, devo muito à minha mãe e os agradecimentos a ela,
com certeza, poderiam ser um segundo tomo desta tese. Como não tenho energia para
escrever este outro tomo no momento, vou ser breve. Obrigada, mãe, por cultivar meus
sonhos como se fossem seus e me apoiar em todas as empreitadas a que eu me dispus até
agora, sem me questionar sobre a plausibilidade delas. Obrigada por aguentar minhas
oscilações de humor, pelos apoios logístico, emocional e financeiro e por muitos outros
pequenos gestos de amor cotidiano que muito me animaram, como viajar para me ajudar a
arrumar minha mala quando eu ia pra Alemanha. Eu sou muito sortuda por ter você na minha
vida, te amo muito. Ao meu Tio Luís, que sempre se preocupou comigo como se eu fosse
uma filha. Ao Arthur, meu irmão, por ser, no mínimo, original. Ao meu pai e à minha irmã
Camila, pela reaproximação discreta. Ao Papiro, meu cachorro, por ser tão bom
companheirinho e por continuar dando indícios de que gosta de mim, mesmo quando eu só
apareço em BH de 3 em 3 meses.
Finalmente, agradeço ao CNPq, que, por meio da bolsa de Doutorado no país e de sanduíche
possibilitou que essa pesquisa fosse concretizada.
ix
(Grant Snyder, http://www.incidentalcomics.com/2015/06/nothing.html)
Mar
(Gonçalo Tavares, 1)
x
RESUMO
Esta tese estuda quatro construções que tiveram/estão tendo mudanças em sua sintaxe no
português brasileiro (PB). São elas: anticausativas, como em (1) O prato (se) quebrou:
médias, como em (2) Essa roupa (se) lava fácil, o membro inacusativo da alternância
agentiva, (3) Essa roupa lavou (*se) ontem e impessoais, como (4) Nesse lugar (se) vende
bota. Afirmo que as mudanças nas estruturas desses eventos possuem uma origem em
comum: a perda de SE que nucleia um tipo de projeção Voice específica. Essa projeção de
Voice pode ou não projetar um especificador em que um argumento implícito pro é alocado.
Quando essa projeção de Voice tem o especificador projetado, origina-se a interpretação de
que um humano é responsável pelo evento. Essa é a interpretação em médias e impessoais
com SE. Nos casos em que a projeção de Voice não tem o especificador projetado, a leitura
que se tem é de um evento espontâneo que aconteceu sem que um Agente o promovesse,
como em anticausativas. Em relação a esse argumento implícito em alguns dos eventos
tratados, no Capítulo 2, demonstro que uma série de diferenças dos eventos estudados em
relação a outras línguas românicas está relacionada ao tipo de argumento implícito projetado
em Voice. O argumento implícito em PB é forte, comportando-se como um DP e funcionando
como um interventor em função da sua constituição. Em contraste, o argumento implícito em
espanhol, por exemplo, é fraco e não é um interventor em relações de Agree de uma sonda
com mais de um argumento (nos casos em que essas relações são lícitas). Essa característica
é responsável por diferenças significativas entre os eventos com SE do PB e de outras línguas
românicas, algumas das quais foram exploradas nesta tese.
Um caminho analítico empregado em vários dos capítulos desta tese é cotejo das variantes
marcadas e não marcadas dos eventos estudados acima. No Capítulo 3, lido com
anticausativas marcadas e suas contrapartes não marcadas e demonstro que nada mudou na
estrutura desse evento com a perda de SE. Isso é esperado, já que anticausativas só possuem
um argumento e SE tem o único papel de nuclear Voice. No Capítulo 4, estudo médias
marcadas e não-marcadas e demonstro que houve uma alteração substancial na sintaxe desses
eventos. Médias não-marcadas não possuem nenhum argumento implícito e são inacusativas
para todos os testes relevantes. Isso mostra que as médias não-marcadas em PB se distanciam
de médias não-marcadas do inglês, por exemplo, que são descritas como sentenças
transitivas. Nesse caso, a perda de SE levou à perda de Voice. No Capítulo 5, estudo o
membro inacusativo da alternância agentiva, exemplo em (4), e mostro que, apesar de esse
tipo de evento não se combinar com SE, o que aponta que não há Voice nucleada por SE nas
sentenças que expressam esse tipo de evento, elas são um subproduto da existência de médias
inacusativas não-marcadas no PB. Isto é, sentenças como Essa roupa lavou ontem são uma
generalização dos contextos em que uma estrutura como Essa roupa lava fácil pode entrar.
Nesse sentido, essas sentenças também estão relacionadas com a perda de um tipo de Voice
específico no PB, mas de uma forma indireta. Por último, no Capítulo 6, estudo sentenças
impessoais e mostro que a variante não-marcada é talvez um dos eventos estudados nesta
tese em que mais houve mudanças, porque essas sentenças sinalizam também uma mudança
em TP. Ao contrário de médias e o membro inacusativo da alternância agentiva, todavia,
sentenças impessoais necessitam de um argumento externo. Em sentenças como Nesse lugar
xi
(se) vende bota, o locativo é o especificador de Voice. Esse elemento é usado nesse tipo de
sentença locativa justamente porque locativos geram leituras existenciais.
Em suma, este estudo descreve uma série de mudanças em eventos do PB que acontecem,
em última análise, em virtude da perda de morfologia nessa língua. O estudo contribui, assim,
para dois debates maiores: i) de que forma mudanças de parâmetro podem afetar os eventos
da gramática; ii) se eventos são melhor descritos por abordagens lexicais ou sintáticas. Os
resultados aqui reportados mostram que mudanças de parâmetros podem afetar eventos,
embora não essa não seja uma característica definidora do parâmetro pro-drop, por exemplo.
Além disso, os dados do PB mostram que eventos concebidos como fruto de alternâncias
lexicais em muitas abordagens atuais, como anticausativas e médias, mudam de acordo com
tendências sintáticas da língua e são melhor tratadas em abordagens sintáticas em virtude
disso.
xii
ABSTRACT
In this thesis, I study four constructions that have changed in Brazilian Portuguese (BP),
namely anticausatives, as in (1) The plate (se) broke; middles, as in (2) These clothes (se)
wash easily; the unaccusative member of the agentive alternation, (3) This cloth (*se)
washed yesterday and impersonals, as in (4) In this place (se) sell boots. I argue that all these
changes are related to the loss of a Voice projection whose nucleus is the clitic SE. The said
projection can or cannot project a specifier, in which pro is merged. When pro is present, the
interpretation of an entity responsible for the event originates. This is found in middles and
impersonal sentences with SE. As anticausatives are spontaneous events, in this particular
case, this type of Voice does not project a specifier. In respect to the implicit argument in
some of these events, in Chapter 2, I show that several contrasts among these events in
Romance languages can be accounted for if there are different types of implicit arguments.
Whereas the implicit argument in BP is strong, i.e. it behaves as a regular DP and intervenes
in Agree relations, in Spanish it is a weak implicit argument and does not intervene when the
probe enters in a relationship with more than one goal. These constituency differences are
responsible for the differences between events with SE in BP and other languages, some of
them are treated in this thesis.
Throughout the analysis, I compare the SE-variant with its alternative realization without the
clitic. In Chapter 3, I deal with marked anticausatives and their unmarked counterparts. I
claim that nothing really changed in this case despite the loss of SE. This is expected, since
Voiced anticausatives do not project an implicit argument. In Chapter 4, I deal with marked
and unmarked middles, showing a substantial change in their structure. There is no implicit
argument in unmarked middles and they behave as generic unaccusative for all relevant tests.
This shows that unmarked middles in BP differ from English middles, which are normally
analyzed as transitive or unergatives. In this case, the loss of SE led to the loss of Voice. In
Chapter 5, I study the unaccusative member of the agentive alternation, exemplified by (3).
I argue that, although SE is not licensed in this type of event, which shows that there is no
Voice in it, they are a byproduct of unmarked middles in BP. In other words, sentences like
This cloth washed yesterday (lit.) are a generalization over the contexts in which This cloth
washes easily is licensed. For this reason, these sentences are also related to the loss of a
specific type of Voice in BP, albeit in an indirect way. Finally, in Chapter 6, I study
impersonal sentences. The unmarked variant of this type of event is perhaps the most affected
one, since the changes do not affect only Voice, but also T. Unlike middles and the
unaccusative member of the agentive alternation, however, impersonal sentences need an
external argument. In sentences such as (4), the locative is the specifier of Voice. This
element is used because locatives generate existential readings.
To sum up, this study describes a series of changes in BP events that happened ultimately
due to the loss of morphology in this language. This study contributes to two major debates:
i) in which way changes of parameter can affect events; ii) if events are better described by
lexical or syntactic approaches. The results reported in this thesis indicate that parametrical
changes can affect events, even though this is not a defining property of the pro-drop
parameter. In respect to (ii), BP data shows that events traditionally treated by lexical
xiii
approaches, as anticausatives and middles, are tied in with general morphossyntactic changes
in the language and are thus better explained by syntactic approaches.
xiv
LISTA DE FIGURAS
Cap. 1
Figura 1: Arquitetura da Gramática pela MD, 30
Cap.5
Figura 1: Restrição verbal comparada em médias, AA e passivas, 199
LISTA DE TABELAS
Cap.2
Tabela 1: Marcação de verbos anticausativos, 60
Tabela 2: Reflexivas inerentes não-marcadas em dois dialetos do PB, 71
LISTA DE QUADROS
Elementos pré-textuais
Quadro 1: Algumas convenções de nomenclatura, xx
Cap.1
Quadro 1: Comparação PB/PE (cf. Galves, 2001:46), 4
Cap.2
Quadro 1: Propriedades de pro, 53
Quadro 2: Licenciamento e identificação de pro,55
Quadro 3: SE-sentenças em PB e em outras línguas românicas, 74
Cap.3
Quadro 1: Resumo das abordagens para alternância causativa, 93
Quadro 2: Tipologia de pronomes, 115
Cap. 4
Quadro 1: Tipos de médias, 120
Quadro 2: propriedades de sentenças médias contrastadas, 136
Quadro 3: propriedades de médias vs. Presença/falta de Voice, 144
xv
Quadro 4: Formação da implicatura de agente, 152
Cap.5
Quadro 1: Diagnósticos para a presença de um agente, 178
Quadro 2: propriedades de sentenças médias contrastadas, 195
Apêndice Cap.5
Quadro 1: grupo de verbos resultativos de acordo com Whitaker-Franchi, 210
Cap.6
Quadro 1: tempo e interpretação de pronomes arb, 220
Quadro 2: Tipos de INFL e sua relação com a marcação do DP, 251
Cap.7
Quadro 1: presença /ausência de VoiceP nas línguas, 255
xvi
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO, 1
1.1 Foco da pesquisa, 1
1.2 A perda do SE e infinitivas, 3
1.3 Eventos e mudança linguística, 7
1.4 Voice e a mudança linguística do PB, 10
1.4.1 A projeção Voice, 11
1.4.2 A perda de Voice em PB, 16
1.4.3 SE e pro, 18
1.4.4 SE e pro no PB, 24
1.5 Estrutura de eventos, 29
1.6 As gramáticas do PB, 36
1.7 Resumo, 38
3. ANTICAUSATIVAS NO PB, 77
3.1 Introdução, 77
3.2 Grandes linhas de tratamento de sentenças anticausativas,77
3.2.1 Levin & Rappaport, 79
3.2.2 Hale & Keyser (2002), 84
3.2.3 Alexiadou, Anagnostopolou e Schaefer,89
3.2.4 Conclusão da seção, 93
3.3 Outras propriedades de sentenças anticausativas,94
3.4 SE-anticausativas e ø-anticausativas, 98
3.4.1 Presença de v-cause, 98
3.4.2 Leituras restitutivas e repetitivas com ‘de novo’, 99
3.5 Avaliando argumentos sobre o papel de se em anticausativas, 100
3.5.1 SE e classes verbais, 100
3.5.2 Diferenças semânticas entre anticausativas marcadas e não-marcadas, 101
3.6 Voice em anticausativas, 106
3.6.1 Voz expletiva, 106
3.6.2 Transitividade e voz expletiva, 108
xvii
3.6.3 Voz expletiva em PB (e línguas românicas), 112
3.7 Conclusão do capítulo, 116
xix
ALGUMAS CONVENÇÕES
Durante grande parte do texto, cotejo derivações alternativas com e sem o clítico SE
no PB. Como forma de evitar repetição e me referir a esses eventos de forma
simplificada, adotei algumas nomenclaturas que estão listadas abaixo. Se os termos
têm sentido equivalente, podem ter uso intercambiável.
A referência aos trabalhos dos quais os exemplos foram retirados encontra-se após a
glosa e a tradução do exemplo, vide (1). Por vezes, a glosa e a tradução também são
do trabalho original, por vezes, quando adaptações são necessárias para o
entendimento, são minhas.
1. Exemplo
Glosa
Tradução
(REFERÊNCIA)
xx
1. INTRODUÇÃO
1
Para abordagens históricas, veja-se, entre outros, Nunes (1990), Cyrino (2007) e Cyrino (2013a).
2
Como se sabe, evento é uma caracterização semântica de uma sequência de palavras com significado em uma
dada língua e sentença é uma caracterização sintática. É uma regra tácita chamar de ‘sentença X’ uma dada
sentença em que o ‘evento X’ esteja expresso. Nesta tese, sigo essa prática.
1
(3) Não (se) usa saia mais no Brasil sentença impessoal
À primeira vista, duas observações parecem ser válidas frente a esses dados. A primeira
delas é a de que as sentenças de (1) a (3) não parecem ter nenhuma mudança significativa em
sua estrutura. A breve caracterização de cada uma dessas sentenças parece corresponder tanto
a sua contraparte marcada quanto à não-marcada. Em outras palavras, poderia ser dito que há
um clítico nulo nas contrapartes não-marcadas de (1) a (3). A segunda observação, relacionada
à primeira, é a de que o clítico não traz nenhuma contribuição para a estrutura de tais sentenças,
razão pela qual sua omissão não afeta a gramaticalidade das sentenças de (1) a (3). Esta tese vai
argumentar contra essas ideias.3 Meu objetivo é mostrar, com dados do PB, que os eventos
também sofrem alterações estruturais quando há mudanças de parâmetro em curso. Portanto, as
contrapartes não-marcadas de (1) a (3) tiveram mudanças significativas e (4) é, inclusive, um
reflexo dessa mudança, como se verá no Capítulo 5.
Este capítulo apresentará um panorama geral das ideias presentes na tese, as quais serão
retomadas e explicadas mais extensamente à medida que a argumentação avança. Ele está
organizado da forma descrita a seguir. Na seção 1.2, comento o caso de aumento do uso do SE
em infinitivas e a relação disso com o objeto empírico deste trabalho, de forma a deixar claro,
de antemão, quais serão os dados estudados. Na seção 1.3, comento sobre o papel dos eventos
aqui estudados na mudança linguística do PB. Na seção 1.4, discorro sobre a projeção Voice e
a mudança linguística. Para tanto, na seção 1.4.1, defino a projeção Voice, com base em
3
Vale, ressaltar, todavia, que nos trabalhos examinados nesta tese, essa ideia nunca foi levantada.
2
trabalhos prévios; na seção 1.4.2, discorro sobre a perda de Voice em PB e na seção 1.4.3, sobre
a interação de SE e pro em Voice. A seção 1.5 traz algumas informações elementares sobre a
estrutura de evento e o modelo de gramática assumidos nesta tese. A seção 1.6 pontua sobre a
existência de mais uma gramática em PB e, finalmente, a seção 1.7 conclui o capítulo.
4
Cabe ressaltar que a omissão (para usar um termo descritivo) do clítico com verbos pronominais é talvez o único
dos casos em que a preferência ou não pelo uso de SE é claramente sujeita à variação dialetal, portanto a sentença
em iiia não reflete as preferências dos falantes do PB como um todo.
3
i. Indeterminado
PB Nos nossos dias, não usa mais saia
PE Não se usa mais saia
ii.Médio
PB Essa camisa lava facilmente.
PE Essa camisa lava-se facilmente.
iii.Pronominal
PB Joana não matriculou ainda.
PE Joana não se matriculou ainda.
iv.Reflexivo
PB Maria fez a lista de convidados, mas esqueceu de incluir ela.
PE Maria fez a lista de convidados, mas esqueceu de se incluir.
v.Indeterminação de infinitivas
PB É impossível se achar lugar aqui
PE É impossível achar lugar aqui.
vi.Estruturas difíceis
PB O João é difícil de se convencer
PE O João é difícil de convencer
Quadro 1: Comparação PB/PE (cf. GALVES, 2001:46).
Ao apresentar tal tabela, a autora pontua que “uma explicação em termos do fenômeno
geral de supressão de clíticos em PB não dá conta deste contraste” (p.46), já que as sentenças
infinitivas parecem estar caminhando em direção contrária às sentenças finitas no que diz
respeito à marcação com o clítico SE. Na mesma esteira, Cavalcante (2006:3) pontua que o uso
de SE indeterminador com infinitivo é de 8% nos textos do PE examinados pela autora,
enquanto no PB gira em torno de 20% na fala culta e de 50% na escrita culta. A autora observa
que o uso de SE em infinitivas é favorecido em casos de infinitivas encabeçadas por uma
preposição (p.29-30). Galves (2001) e Cavalcante (2006) apresentam uma análise bastante
parecida para o curioso fato de, nas infinitivas, o uso de SE aumentar durante os séculos, como
demonstrado no trabalho de Cavalcante (2006), e diferir do sistema de sentenças infinitivas em
PE, como discutido em Galves (2001). Em ambos trabalhos, as autoras apostam que isso está
relacionado à perda da especificação de pessoa na morfologia do PB. Isso leva à checagem
dessa categoria por um pronome aberto. Que essa é uma característica do PB, mas não de PE,
é exemplificado nos dados abaixo. A autora contrasta as interpretações que uma sentença como
(5) pode ter em PB e em PE. Enquanto no PB tal sentença pode significar tanto que ‘João é um
mau pagador’ quanto que ‘é difícil alguém conseguir pagar ao João. Em PE, só a última
interpretação é lícita.
4
PB: a. ‘João é um mau pagador’
b. ‘É difícil alguém conseguir pagar o João’
PE: a.’ ‘João é um mau pagador’
b.’ ‘É difícil alguém conseguir pagar o João’
(GALVES, 2001:51)
5
mostram. Em outras palavras, há uma diferença quantitativa em relação à presença do SE em
sentenças impessoais finitas e não-finitas, mas não há diferença distribucional. 5
Por último, cabe ressaltar que Galves (2001), ao apresentar os dados do Quadro 1, além
de afirmar que o simples desuso do clítico não daria conta de explicar a distribuição mostrada,
afirma que “[o]nde o se reflexivo cai em desuso, ele pode ser substituído por ele” (p.46). A
autora passa, então, a discutir os exemplos categorizados como ‘Reflexivo’ na tabela acima em
que pode haver uma substituição do SE por ele. Isso não se verifica, todavia, com os usos
indeterminado e médio de SE, para usar termos da autora, como o uso de ele nas sentenças
acima correspondentes aos usos do PB deixa entrever.
(10) Nos nossos dias, ele não usa mais saia. ≠ impessoal.
(11) Esta camisa ele lava facilmente.≠ média
Com relação, ainda, a verbos categorizados como pronominais na tabela acima, nem
sempre o uso de um pronome como ele é possível, como a agramaticalidade de (12), na leitura
relevante, acusa.
Nesta tese, ao me concentrar em sentenças de (1) a (4), pretendo dar uma explicação
mais acurada para essas estruturas após a perda do clítico SE, visto que elas não seguem o
caminho de outras construções do PB em que a perda de clíticos levou ao uso de pronomes
plenos.
5
Na verdade, a contraparte infinitiva, no caso especifico de sentenças SE-impessoais, é uma subparte dos contextos
finitos. Observe o caso de sentenças encabeçadas pelo conectivo como, por exemplo.
6
1.3 Eventos e mudança linguística
Como se sabe, o PB não pode ser mais caracterizado como uma língua de sujeito nulo
(cf. Capítulo 1 dos trabalhos de DUARTE, 1995; FERREIRA, 2000; RODRIGUES, 2004;
MODESTO, 2000, entre muitos outros). Diferentemente do italiano e do espanhol, os sujeitos
nulos, em sentenças simples nessa língua, são restritos à primeira pessoa, como se vê em (13),
e sujeitos nulos em orações encaixadas só são licenciados se c-comandados pelo sujeito de uma
oração principal, como se vê em (14), ou um tópico, como se vê em (15). Vejamos os exemplos
abaixo.
6
Como se sabe, a forma sem concordância, nós comeu, também é possível. Com referência à 1ª pessoa do plural,
*Comeu um bolo ontem também é agramatical porque a referência do sujeito não é recuperada, qualquer que seja
ela, já que essa é uma forma default. Portanto, o fato de eu não ilustrar as possibilidades de usar a morfologia de
3ª pessoa como uma opção default para várias pessoas do discurso no paradigma acima em nada muda o argumento
de que, em raros casos, se consegue recuperar o sujeito das sentenças em PB.
7
Especialmente em relação aos dados que se vêem em (14) e (15), há variadas análises e
debates, os quais eu não poderei discutir em detalhes, já que esse não é o propósito desta tese.
O que é um acordo geral, todavia, é que uma entidade como pro, que tem seu conteúdo
licenciado e identificado com uma categoria funcional (cf. RIZZI, 1986), é problemática no PB.
Se essa categoria estivesse ativa no sistema, não se esperaria que somente alguns sujeitos nulos
pudessem ser licenciados, como se vê em (13). As instâncias de sujeito nulo em PB devem,
então, ser derivadas de outra forma. Uma das análises é de que elas se comportam como o
sujeito nulo do chinês, por exemplo, que é licenciado por um tópico e não por concordância
(NEGRÃO, 2000; MODESTO, 2000; BARBOSA, 20137 para uma abordagem mais recente).
Ainda, em alguns contextos, essas instâncias de sujeito nulo são derivadas por movimento
(FERREIRA 2000; RODRIGUES, 2004).
Neste trabalho, não tenho o objetivo de apresentar uma visão nova sobre esse debate,
pelo menos, não diretamente. Ao estudar construções SE-anticausativas, SE-impessoais, SE-
médias e suas mudanças, além de uma construção que chamo de alternância agentiva, mostro
que essas construções também foram, de uma forma ou de outra, atingidas pela mudança de
parâmetro do PB.
Mais especificamente, mostro que as variantes não-marcadas dessas construções
existem também por causa da mudança quanto ao parâmetro do sujeito nulo no PB. Ao fazer
isso, almejo contribuir para a descrição gramatical do PB e para os estudos que visam a mapear
e entender as características do PB na mudança paramétrica em curso. Ao descrever as
mudanças pelas quais os eventos do PB vêm passando, pretendo ressaltar algumas
especificidades dessa língua que ficam obliteradas em uma classificação como parcialmente
pro-drop. Embora descritivamente útil, um rótulo como parcialmente pro-drop pouco diz sobre
a real estrutura do PB, já que línguas que se encaixam nessa categoria são aquelas que têm uma
distribuição de pro (ou de sujeito nulo) mais restrita do que línguas pro-drop. Assim, além de
línguas tipologicamente diferentes poderem ser agrupadas sob esse mesmo rótulo, línguas que
apresentam tendências pronunciadamente diferentes no que tange a essa mudança de parâmetro
acabam também por ser enquadradas no mesmo grupo.8
Frente a esse objetivo, uma pergunta que pode surgir é: por que a descrição dos eventos
de (1) a (4) esclareceria, de algum modo, os caminhos do PB em relação à mudança
7
BARBOSA, P. Pro as a minimal NP: towards a unified theory of pro-drop. Disponível em:
http://ling.auf.net/lingbuzz/001949. Manuscrito. Universidade do Minho, 2013.
8
Veja-se, por exemplo, a diferença entre impessoais nulas do PB e do finlandês apontada no capítulo 6.
8
paramétrica? Repare que, ao apresentar esses exemplos, eu ressaltei que os eventos de (1) a (3)
eram marcados em outras sincronias do PB e podem, hoje, não ser marcados.
Embora a perda morfológica em eventos seja algo notável em línguas que passaram de
não pro-drop para pro-drop no curso de sua história, isso não é uma característica definidora
dessa mudança paramétrica. A título de exemplificação, consideremos o exemplo (16), que
mostra que verbos psicológicos do inglês eram marcados com reflexivos em sincronias
anteriores.9
Em uma direção diferente, uma língua que continua a ser pro-drop, como grego, também
perdeu a marcação em alguns verbos, como os exemplos em (17), de Lavidas (2010), mostram.
No século 5 AC, o verbo apodrecer possuía a marcação não-ativa no grego, a julgar pela
ocorrência em (17)a. Na virada do século 5 para o 4, todavia, essa marcação não era mais
obrigatória, a julgar pelo exemplo (17)b.
9
Segundo van Gelderen (2014), essa estratégia parece ser um “reparo” da perda de uma estratégia anterior: a
marcação com o sufixo – en. Para mais detalhes, sobre a mudança de marcação de verbos psicológicos na história
do inglês, consultar van Gelderen (2014).
9
‘A calmaria apodrece o estado de uma cidade’
(LAVIDAS, 2010:53)
Friso que estou falando de ‘marcação de uma forma geral’ neste ponto. Há casos particulares que serão tratados
10
posteriormente: por exemplo, a marcação em sentenças impessoais tem sido tomada como uma das características
de uma língua pro-drop.
10
1.4.1 A projeção Voice
Um ponto pacífico nas teorias de estrutura argumental é que o argumento externo não é
um argumento do verbo. Esse argumento é introduzido por uma projeção funcional chamada
Voice.11 Há uma série de evidências para se afirmar isso. Nos parágrafos abaixo, apresento
algumas delas.
Marantz (1984) observou que o tipo de argumento externo de um VP é influenciado pela
combinação entre o verbo e um argumento interno. Vejamos os exemplos em (22).
Muitos desses exemplos não possuem uma tradução que mantenha o mesmo verbo no
PB, mas uma discussão de alguns deles pode deixar claro que o VP, a depender do objeto
selecionado, terá um argumento externo com papel temático diferente. A título de
exemplificação, consideremos os dados em (22)d e (22)e: throw a party e throw a fit. O VP
throw a party equivale ao VP fazer uma festa, em que o argumento externo é claramente um
Agente, já que ele executa as ações que caracterizam fazer uma festa: compras, fazer uma lista
de convidados, convidar as pessoas listadas, etc. Por outro lado, throw a fit é uma expressão
idiomática e significa ficar bravo ou irritado. Em contraposição à tarefa de fazer uma festa, que
implica consciência e atividades por parte de quem faz a festa, ficar bravo ou irritado pode
acontecer à revelia de uma pessoa. Portanto, os argumentos externos de throw a fit e throw a
party não podem ser avaliados da mesma forma. Essa diferença, como os exemplos em (22)
ilustram, parece estar ligada ao tipo de complemento selecionado pelo verbo. Em outras
11
Voz, em português, mas manterei a nomenclatura original neste trabalho quando estiver me referindo ao nó da
estrutura arbórea.
11
palavras, a depender do DP que é complemento do verbo nesses casos, um argumento externo
diferente, do ponto de vista de atribuição de papel temático, surge.
Marantz, então, sugere que o argumento externo não faz parte da entrada lexical do
verbo. Um verbo como comprar, então, possuiria, em sua entrada lexical, somente informação
sobre o papel temático do seu argumento interno, como representado em (23).
Kratzer (1996) observa que Marantz não implementa como o argumento externo seria
separado do VP. Nesse trabalho, então, a autora se dedica a essa implementação. Kratzer propõe
que o argumento externo não é um argumento do verbo e sim um argumento que deve ser
integrado à estrutura sintática por uma aplicação funcional (Functional Application) como um
predicado secundário. Mais especificamente, a autora afirma que o argumento externo é
introduzido na derivação pelo núcleo Voice. Assim, o argumento externo deixa de ser
argumento do verbo para ser argumento dessa projeção funcional. A representação em (24) visa
capturar essa mudança do argumento externo como argumento do verbo para argumento de
uma projeção de Voice.12
12
Mesmo que essa ideia seja amplamente usada atualmente, a referência ao argumento externo como argumento
externo do verbo persiste. Neste trabalho, também me referirei, por vezes, ao argumento externo como um
argumento do verbo e não como um argumento de Voice. Como a própria Kratzer (1996) pontua, essa
caracterização do argumento externo deve ser entendida como uma caracterização informal.
12
A representação em (24) mostra que a relação entre o verbo e seu argumento externo é
mediada pelo argumento evento. Isso acontece por meio de uma operação de Identificação do
evento, que, informalmente falando, significa que a projeção de Voice identifica o VP como
compatível com suas propriedades aspectuais e compõe, junto com o VP, um evento. Assim,
na representação em (24), Voice introduz um agente para o evento, porque, ao se fazer a
identificação do evento, somente argumentos externos agentivos serão licenciados. Já que Voice
identifica o tipo aspectual do evento, Kratzer prevê que há pelo menos dos tipos de Voice:
Voiceagent e Voiceholder.O último tipo de Voice é encontrado em eventos estativos.
Com relação à sua posição e suas características sintáticas, a autora observa que Voice
deve ser a projeção imediatamente acima de VP uma vez que essa projeção faz parte do evento.
Portanto, Voice não poderia ser uma projeção acima de TP, por exemplo, já que TP quantifica
existencialmente o evento. Uma vez quantificado, nada mais pode ser adicionado ao evento.
Para a autora, Voice também é o núcleo que atribui Caso acusativo. Assim, a autora captura a
generalização empírica de que Caso acusativo só é atribuído se um Agente estiver presente.
Atualmente, essa proposta de Kratzer (1996) se mantém na literatura, mas o conceito de
Voice foi expandido para dar conta de outras construções. A ideia de Voice desenvolvida em
Kratzer (1996) contempla o argumento externo de sentenças transitivas, como o exemplo em
(24) mostra. Um caminho tomado na literatura, no entanto, é assumir que Voice é também uma
projeção em sentenças que não são do mesmo tipo de (24). Nesse sentido, uma das atividades
na agenda de estrutura argumental de 1996 até hoje é mostrar que a estrutura do VP/vP13 é mais
articulada do que se imaginava e projeções como Voice participam em uma gama de estruturas
que ou são inacusativas (anticausativas, médias, passivas) ou são transitivas de uma forma
diferente de sentenças transitivas canônicas (sentenças impessoais, por exemplo).
De forma resumida, apresento alguns argumentos da literatura para mostrar que
sentenças com o clítico SE, estudadas nesta tese, apresentam Voice. Alguns desses argumentos
foram feitos para outras línguas, mas que podem, facilmente, se estender ao PB.
Alexiadou e Anagnostopoulou (2004) discutem a proposta de Embick (1998) para casos
de sincretismo do grego. Para Embick (1998), a morfologia não-ativa do grego é inserida no
componente morfológico por uma regra que é sensível à falta de um argumento externo.
Alexiadou e Anagnostopoulou (2004) apresentam a regra da seguinte forma.
Eu fiz referência a ‘VP’ ao comentar os trabalhos de Marantz (1984) e Kratzer (1996) para manter os termos da
13
13
(25) V-VOC[NonAct]/_____ No external DP argument
(ALEXIADOU & ANAGNOSTOPOLOULOU, 2004:119)
Assim, é possível afirmar que a marca não-ativa do grego (e por extensão, o clítico SE
em sentenças das línguas românicas) esteja na sintaxe. Embora esse argumento tenha que ser
feito explicitamente para sentenças anticausativas, em que a marca em questão não tem um
papel de participante no evento, parece ser um consenso que, pelo menos para as línguas
românicas, o clítico SE está presente na sintaxe de sentenças passivas e impessoais. Portanto,
uma projeção teria de abrigar esse elemento. A projeção de Voice seria a mais adequada haja
vista que: esse elemento faz parte do evento, então ele tem de estar em projeções argumentais.
Neste próprio trabalho, há exemplificação exaustiva do fato de que SE deve estar em Voice. No
capítulo 2, será mostrado que as microvariações de concordância, seleção de argumentos, etc.
em línguas românicas podem ser facilmente explicadas se houver um outro elemento na
14
Guardadas as devidas proporções, essa visão se assemelha ao trabalho de Pujalte e Saab (2012), para os quais o
clítico SE é inserido na morfologia toda vez que um traço de subcategorização do verbo não for satisfeito na
sintaxe. Em outras palavras, o clítico SE, em suas variadas manifestações, é uma forma de salvar a derivação . As
considerações no corpo do texto sobre a necessidade de SE estar na sintaxe argumentam em uma direção contrária.
Para a apresentação dessa proposta e uma análise mais detalhada, consultar Carvalho ( manuscrito).
14
estrutura – que não SE – responsável por essas microvariações. Como o leitor verá, em especial,
nos capítulos 4, 5 e 6, nos casos em que SE, com a leitura de um participante arbitrário do
evento, é perdido, há mudanças significativas na estrutura do evento. Isso não aconteceria se
esse elemento não estivesse em camadas argumentais. Se ele fosse gerado em T, por exemplo,
não se esperaria que a sua perda, que seria somente morfológica, gerasse mudanças
significativas no evento.
Ademais, Rizzi (1986) e Cinque (1988), trabalhando em um quadro anterior à ideia de
que o sujeito é gerado internamente ao VP, observam que as distribuições do clítico SE
evidenciam que ele seria gerado em VP e não em TP.16 Para mencionar um exemplo, Rizzi
(1986) nota que si, em italiano, segue o clítico locativo Ci, que é gerado em TP. Para outros
argumentos de que SE/SI, veja D’Alessandro (2007), Schäfer (2008), Alexiadou,
Anagnostopoulou e Schäfer (2015) dentre muitos outros.
Como há evidências de que esse clítico está associado a Voice em suas variadas
manifestações, a ideia de Voice como introdutor de argumento externo em sentenças transitivas,
tal como originalmente proposta em Kratzer (1996), foi expandida. A categoria Voice é tida,
hoje em dia, como uma projeção que abriga o argumento externo, mas também morfologias
variadas que apontam para um continuum perceptual de transitividade. Com a ênfase em
perceptual, quero dizer que a nossa percepção acusa um continuum entre sentenças transitivas
plenas, com um DP animado na posição de argumento externo, e sentenças médias, por
exemplo, em que a leitura arbitrária é associada ao clítico SE. Ressalto, todavia, que esse
continuum é um efeito de percepção e, gramaticalmente, essas diferenças estão ligadas ao
elemento usado na posição de argumento externo. Explicando melhor, enquanto um DP como
‘O João’ em ‘O João fez um gol’ é um argumento externo prototípico, já que é referencial e
animado, o clítico SE está ligado aos casos em que o argumento externo é arbitrário ‘Se come
muita empadinha no Brasil’, ‘Faz-se empadinhas facilmente neste forno’ e aos casos em que
SE não denota um participante, como em anticausativas ‘O vaso se quebrou’. Há formas de se
modelar essa diferença entre SE interpretado como um argumento externo arbitrário e SE em
16
À época em que os autores escreveram seus trabalhos, VP era um termo que cobria fenômenos que, atualmente,
são desmembrados em Voice, vP e VP.
15
anticausativas, em que esse elemento não recebe nenhuma denotação. Isso será brevemente
tratado na seção 1.4.3 deste capítulo e detalhadamente no capítulo 3.
Tendo introduzido o conceito de Voice e o estendido aos casos que são estudados nesta
tese, passo à próxima seção, em que detalho a perda de Voice no PB.
Se a argumentação desenvolvida acima, está certa, uma pergunta deve ser feita: se SE
não aparece mais, obrigatoriamente, nas sentenças de (1) a (3), pode-se dizer que o PB está
projetando Voice sem SE nesses casos? Se sim, haveria alguma diferença entre esses casos e os
casos em que SE está manifesto? Em relação à primeira pergunta, como mostrarei nos próximos
capítulos, Voice deixa de ser projetada em anticausativas e médias com a perda do SE. Em
sentenças impessoais, Voice é projetada, mas com características bastante diferentes de
sentenças impessoais com SE, como se verá no Capítulo 6.
Em uma rápida exemplificação, consideremos os dados em (28) e (29), tirados de
Pacheco (2008). Pacheco (2008) considera que médias com e sem SE apresentam um tipo
diferente de Voice, ideia que eu não seguirei aqui. Portanto, a classificação que antecede esses
dados é minha.
16
língua não projetar mais Voice uma vez que clíticos e afixos sejam perdidos. Para continuar
com o exemplo de médias, os dados em (30) mostram que o inglês continua a projetar Voice
em médias, por exemplo, mesmo sendo uma língua que, como o PB, perdeu morfologia ao
longo de sua história (cf. dado em (16)). Nas médias do inglês, PPs experienciadores são
licenciados (30)a, orações gerundivas que necessitam de um controlador Agente são licenciadas
(30)b e anáforas são licenciadas, como se vê em (30)c.
As variadas análises para esses dados do inglês reconhecem que, embora a agentividade
presente em médias do inglês seja ‘mais fraca’ do que as presentes em médias marcadas de
línguas românicas, um tipo de agentividade é presente. Diversas estruturas foram propostas,
então, para esses dados, tais como: (i) Voice sem um DP manifesto (BRUENING, 2013); (ii) o
tema sobe para Voice (SCHÄFER, 2008); (iii) o agente é saturado no léxico (LEKAKOU,
2005).
A comparação entre os dados em (28) e (29) de um lado e (30) de outro deixam ver que,
com a perda morfológica, o PB não projeta mais Voice em médias. Como essa não é uma opção
tomada por todas as línguas que perdem morfologia, trata-se de uma mudança
microparamétrica, que pode ser formulada como se vê em (31). Essa é uma regra que novas
gerações de falantes do PB passaram a formular com a perda do SE, o clítico que nucleia um
tipo específico de Voice.
17
1.4.3 SE e pro
Assumo, nesta tese, que, em grande parte dos eventos, SE que está em Voice está junto
com pro,um pronome indefinido. Mais particularmente, essa é a configuração que se obtém em
SE-impessoais e SE-médias, já que há a leitura de um participante arbitrário, a qual atribuo a
pro, seguindo muitas das ideias da literatura prévia (cf. CINQUE, 1988; RIZZI, 1986,
MENDIKOETXEA, 2008: MACDONALD, 2015, etc). Para motivar, brevemente, a presença
de um pro em SE- médias e SE-impessoais, consideremos alguns argumentos de Mendikoetxea
(2008). Voltaremos a essa questão no Capítulo 2, em que a implementação apresentada é
inspirada em Mendikoetxea (2008), mas difere em aspectos cruciais.
Uma diferença crucial deve ser apontada de antemão, todavia: para Mendikoetxea
(2008), SE é um valor de T e não um tipo de Voice. Considerando a argumentação da seção
acima de que SE está presente em algumas sentenças anticausativas e não em outras e a perda
do SE levou a mudanças significativas nos eventos, continuaremos a manter que SE é o
expoente de Voice e não um valor de T. Mendikoetxea (2008) nota uma similaridade entre SE-
sentenças com interpretação arbitrária e sentenças infinitivas envolvendo PRO, elemento que
também tem interpretação arbitrária. Nesses dois casos, as sentenças possuem participantes
não-referenciais. Os exemplos (32) e (33) ilustram que o sujeito de sentenças infinitivas terá ou
não interpretação arbitrária a depender da existência de um antecedente. Em (32), por exemplo,
PRO tem interpretação arbitrária porque não tem nenhum antecendente, já em (33), ele é
correferente com o sujeito da sentença matriz e, por isso, sua referência não é arbitrária.
18
O padrão visto nesses exemplos encontra um paralelo em SE-sentenças. O clítico SE é
interpretado como arbitrário em (34) e como definido em (35), já que está ligado a João.
À primeira vista, uma ideia plausível para a similaridade entre os dois conjuntos de dados
acima é pensar que SE é a contraparte de PRO em T finito. Todavia, se isso for verdade, não
explicamos porque SE existe em sentenças anticausativas, sem que nenhuma interpretação,
anafórica ou arbitrária, seja evocada. Outra questão que fica sem resposta é a ‘variabilidade’ de
referência de SE, já que uma sentença como Comeu-se pastel pode ter uma série de referentes,
incluindo o próprio falante, ou um grupo de pessoas contextualmente saliente, o mesmo não se
observa com PROarb. Portanto, é natural pensar que a similaridade entre construções com SE,
de um lado, e PRO de outro é porque, nas primeiras, há também uma categoria vazia. Se há um
pro, em (34), por exemplo, SE é sempre uma espécie de bindee, como observa Rivero (2002),
ainda que relações anafóricas não sejam estabelecidas em todos esses casos. A interpretação
definida de SE só se obtém quando ele está ligado a uma expressão referencial, como em (35).
A estrutura de Voice em sentenças SE-impessoais e SE-médias é, então, como se vê
abaixo.17
17
Cabe notar que embora a leitura arbitrária em SE-sentenças seja atribuída a pro pelos autores listados acima,
além de outros, isso não quer dizer que todos assumam a estrutura em (36).
19
(36) Voice
3
pro Voice’
3
SE .....
18
Isso pode ser modelado se Voice em anticausativas não tiver o traço D, o traço que requer que o especificador
seja preenchido (cf. SCHÄFER, 2008:175)
20
tais como apresentados em Chomsky (2000, 2001) é que assumo que, nas sentenças estudadas,
pessoa e número são sondas independentes. Chomsky (2012: 448[2000]) afirma que:
Nós assumimos que apagamento acontece de uma vez só, lidando com o
conjunto de traços-φ como uma unidade. Seus traços não podem ser
seletivamente apagados: todos ou nenhum [devem ser apagados]. Os
traços- φ de T não entram em relações de agree com NPs diferentes, por
exemplo.19
19
Minha tradução para “We take deletion to be a ‘one fell swoop’ operation, dealing with the φ-set as a unit. Its
features cannot selectively delete: either all or none. The φ-features of T do not agree with different NPs, for
example.”
20
Minha tradução para: “Multiple Agree can only take place under non-conflicting feature specification of the
agreement elements”
21
(37) In televisione si vede spesso Maria/vedono spesso loro.
em televisão se vê.SG sempre Maria/vê.PL sempre eles.
‘Sempre se vê a Maria na televisão.’/‘Sempre se vêem eles na televisão. ’
Assim, em línguas que possuem Voice do tipo de (36), o traço de pessoa de T entra em
relação com pro, enquanto o traço de número entra em relação com o DP em algumas das
construções estudadas.
Em (39), (40) e (41), apresento as derivações assumidas para sentenças SE-impessoais,
SE-médias e SE-anticausativas. Em especial, sentenças SE-impessoais são sentenças transitivas
porque têm duas sondas (uma em T e outra em v), já que o objeto pode aparecer com caso
acusativo, cf. discussão na seção 2.6.3. Nas sentenças SE-impessoais, então, mantém-se que o
traço de pessoa só entra em relação com pro, mas os traços de pessoa e número estariam em
sondas separadas, T e v, respectivamente. Nas sentenças SE-médias, só uma sonda é presente,
então pro vai entrar em uma relação de Agree com os traços de pessoa e o DP com traços de
21
Mantive as terminações aparentadas a flexões do italiano para que o leitor verifique a agramaticalidade dessas
sentenças se mantém em PB pelas mesmas razões: a especificação em termos de traços-phi nas flexões dos verbos
que não são de 3ª pessoa. Quando esse é o caso, a derivação fracassa tanto em italiano quanto em PB (e em outras
línguas românicas também, embora eu não mostre exemplos compatíveis no corpo do texto).
Alguém poderia objetar que, se as terminações verbais de fato produtivas do PB fossem usadas, as sentenças se
tornam gramaticais ou, pelo menos, melhores, como se pode ver abaixo. Todas essas sentenças soam um pouco
marginais para mim, em especial as duas primeiras, em que os pronomes pós-verbais correspondem a 1ª e 2ª
pessoas do singular, respectivamente, mas imagino que elas possam soar como bem formadas para alguns falantes.
De qualquer forma, essas sentenças são claramente melhores que a tradução em (38).
Repare, todavia, que essas sentenças só são melhores porque o verbo na 3ª pessoa é usado. Ou seja, isso mostra
que uma condição necessária para as SE-construções é um T com traços de 3ª pessoa. Tendo em vista que essas
sentenças são marginais, mas possíveis em PB, uma questão em aberto é como os pronomes na posição de objeto
em (i) recebem Caso, questão que deixo para trabalhos futuros.
22
número. Nas sentenças SE-anticausativas, em que não há nenhum elemento que entre em uma
relação de checagem com o traço de pessoa, só há um traço de número em T.
Esquematicamente, as árvores abaixam mostram as diferentes configurações que correspondem
a sentenças SE-anticausativas, como em (39), SE-médias, como em (40), e SE-anticausativas,
como em (41).
(39) T
3
T
[-pessoa] VoiceP
3
Spec Voice Domínio da fase
Pro 3
[+pessoa] SE vP
3
v [-número] VP
3
V DP
[+número]
(40) TP
3
T
[-pessoa] VoiceP
[-número] 3
Spec Voice
pro 3
[+pessoa] SE vP
3
v VP
3
V DP
[+número]
23
(41) TP
3
T Voice
[-número] 3
SE vP
3
v VP
3
V DP [+número]
1.4.4 SE e pro no PB
24
como em (40). Deriva-se também a estranheza de concordância em construções médias ‘Esses
caldos se mexem facilmente’, que a maioria dos falantes não aceita.
Em outras palavras, com a emergência de um pro que se comporta como um pronome
pleno nas SE-sentenças do PB, alguns ajustes têm de ser feitos se essas SE-sentenças
continuarem no sistema. Os dados do PB mostram exatamente isso. As SE-passivas foram
extintas porque, com só uma sonda e um pro que se comporta como um pronome pleno, não há
como a sonda valorar seus traços com o DP mais baixo, já que há uma intervenção. Isso está
representado na derivação em (42).
(42)
TP
3
T
[-pessoa] VoiceP
[-número] 3
Spec Voice
Pro 3
[+pessoa] SE vP
[+número] 3
v VP
3
V DP
[+número]
A única opção, então, para o sistema é formar sentenças impessoais e não mais passivas,
já que sentenças impessoais têm duas sondas e a sonda de T não terá que valorar um constituinte
mais baixo. Assim, uma sentença como ‘Vende-se casas’, que parece ser formalmente idêntica
a ‘Vendem-se casas’, com exceção da variação de concordância, tem a derivação abaixo.
25
(43) T
3
T
[-pessoa] VoiceP
[-número] 3
Domínio da fase
Spec Voice
Pro 3
[+pessoa] SE vP
[+número] 3
v [-número] VP
3
V DP
[+número]
[O]s resultados apontados permitem, com efeito, afirmar que houve uma
reanálise da categoria vazia na posição de sujeito das passivas pronominais
(...). Assim, o fato de a categoria vazia passar a ser interpretada como um
pronome referencial e não um expletivo (...) forçou a interpretação do SN
posposto como objeto direto, portador de caso acusativo [isto é, uma
sentença impessoal /JC], e não mais como sujeito, portador de caso
nominativo e responsável pela concordância verbal [isto é, uma sentença
passiva/ JC].
Apesar das diferenças de análise e de termos, o que Nunes enfatiza é uma reanálise da
categoria vazia no PB – para mim, pro. Nos termos correntes, essa reanálise significa uma
reanálise em termos do ‘tamanho do pronome’: de um pronome deficiente para um pronome
pleno. Isso está em compasso com uma mudança geral, como se sabe, de línguas pro-drop para
não pro-drop. As últimas preferem pronomes plenos em funções argumentais. Então, essa
mudança do PB no status de pro das SE-sentenças pode ser motivada por isso. Cabe, ainda,
ressaltar uma particularidade do PB que deixa claro o fato de que Vendem-se casas não são
geradas pelo sistema como passivas, muito embora sejam assim classificadas de acordo com a
gramática normativa. Em PB, mas não em PE, em italiano, em espanhol e, com alguma
qualificação, em francês, o DP não pode ser preposto. *Casas vendem-se não é uma sentença
gramatical em nossa língua. Assim, é no mínimo estranho que, em uma língua em que a ordem
26
VS é extremamente restrita, o pretenso sujeito tenha de ser sempre posposto em uma construção
específica.
Até agora, as sentenças SE-passivas têm sido bastante exploradas nesta seção a fim de
exemplicar que: i) pro é presente nas SE-sentenças com interpretação arbitrária e ii) que o status
categorial de pro em PB difere do status desse pronome em outras línguas românicas. SE-
passivas não são objeto de estudo direto nesta tese, então cabe ressaltar as SE-sentenças, com
interpretação arbitrária, que são o foco primário da análise aqui desenvolvida. SE-impessoais
também já foram contempladas acima ao tratar de SE-passivas. Devo, então, mencionar
brevemente o status de SE-médias no PB atual. Como será detalhado no capítulo 4, as SE-
médias do PB também passaram por mudanças significativas.
Os exemplos de (43) a (46) abaixo, exemplificam uma das mudanças. Como a discussão
no Capítulo 4 vai mostrar, sentenças como as que se vêem de (43) a (46) ou foram julgadas
como agramaticais ou como estranhas pelos falantes. Não haveria razão para isso se esse DP
fronteado nascesse na posição de objeto e subisse para satisfazer EPP. Se esse DP, contudo,
nasce em uma posição de tópico, e recebe Caso default nessa posição, a agramaticalidade de
(43) a (46) é explicada. Como o pro em SE-sentenças do PB já satisfaz EPP, um DP gerado na
posição de objeto não teria como satisfazer EPP, daí a necessidade de que só alguns tipos de
DPs sejam licenciados em SE-médias, porque eles já nascem como tópicos.
Essa particularidade das sentenças médias do PB pode ser também atribuída ao fato de
que pro é um argumento implícito forte em PB: T só entra em uma relação de Agree com esse
elemento. Assim, para que SE-médias continuem existindo, o DP de médias tem de receber
Caso de outra forma. Não poderia ser do vezinho porque o Caso do DP, em médias, é
Nominativo. A solução é que só alguns DPs, que possam receber Caso default em uma projeção
de tópico sejam licenciadas em SE-médias. Isso será retomado no capítulo 2 com mais detalhes
e, exaustivamente, no capítulo 4.
Esse caminho que o PB tem tomado nas SE-sentenças se assemelha a de línguas
românicas, como o francês, que mudaram em relação ao parâmetro pro-drop. Cinque (1988)
27
observa que, em SE- sentenças do francês em que o expletivo Il é usado, o objeto não pode
estar no plural. Em (44), o objeto plural tem caso partitivo, que não é checado pela sonda em
T, porque é um caso inerente.
Embora diferente porque as sentenças SE-passivas são tidas como existentes em francês
vernáculo, esses exemplos mostram que o status categorial do tipo de pro em SE-construções
interfere nas outras relações de agree que T entraria. O status categorial de pro, então, parece
estar ligado à mudança em relação ao parâmetro pro-drop.
Por último, cabe ressaltar mais uma evidência para a presença de pro em sentenças com
interpretação arbitrária. Além dos exemplos acima do francês que atestariam que um outro
elemento pode ser foneticamente realizado em SE-sentenças. Em alguns dialetos do italiano e
em pelo menos um dialeto do PE, há DPs/pronomes em SE-passivas e SE-impessoais.
Obviamente, a especificação desses pronomes/DPs vai variar parametricamente, como venho
mostrando. O importante a ressaltar é: o pro que se propõe aqui pode ser encontrado
foneticamente realizado em alguns dialetos de línguas românicas.
(46) a. E depois, chegando ao tempo da poda, a gente sega-se esses olhos todos e deixa se
este só
b. Oh, era um pano que a gente se punha [na caixa do moinho].
( MARTINS, 2005: 30-31)
28
(47) U s drøma / mångia adman (Monregalese, Piedmontese)22
EXPL SE dorme/ come amanhã.
‘Vai se dormir/comer amanhã’
22
Sentença retirada de: http://media.leidenuniv.nl/legacy/pescarini.pdf
29
Figura 1: Arquitetura da Gramática pela MD (FREITAS, 2015:47)
Na figura 1, vemos que há 3 listas representadas. Essas três listas seriam o “léxico
explodido”, já que cada uma delas tem tarefas que, antes, eram atribuídas somente ao léxico.
Dito de outra forma, em algumas abordagens lexicalistas, o léxico contém: as palavras, os
significados especiais das palavras (já que é o léxico é tido como o lócus da arbitrariedade) e a
informação fonológica sobre as palavras. Para a MD, contudo, a palavra não é um primitivo
gramatical e é construída à medida que a derivação progride. Dessa forma, todas essas
informações relacionadas ao léxico em abordagens lexicalistas devem ser distribuídas pela
gramática. A Lista 1 é onde se encontram os traços gramaticais de uma língua, bem como as
raízes. As raízes são morfemas acategoriais e que guiarão toda a derivação, haja vista que o
primeiro merge se inicia com esses elementos. Após as raízes entrarem na sintaxe, elas estão
sujeitas aos mesmos princípios que guiam a derivação de sentenças, como a menção às
30
operações sintáticas como concatenação, movimento e cópia indica. Isso porque, após
categorizadas, as raízes são vistas como objetos sintáticos passíveis de passarem pelos mesmos
processos que palavras e sentenças. Dessa forma, a categorização das raízes é fundamental.
Essa necessidade de categorização das raízes foi formulada da seguinte forma em Embick e
Marantz (2008:6).
23
Categorization assumption: Roots cannot appear (cannot be pronounced or interpreted) without being
categorized; they are categorized by merging syntactically with category- defining functioning heads. If all
category-defining heads are phase heads in Chomsky’s (2001) sense – that is, if they are heads that initiate spell-
out – the categorization assumption would follow from the general architecture of the grammar (see Marantz 2007)
31
bonito a gato, porque esse significado só vai ser evocado em alguns contextos. É um significado
que depende, em larga medida, da derivação para ser evocado. Da mesma forma, a fonologia
das palavras pode mudar sensivelmente a depender dos morfemas que fizerem parte das
palavras e, portanto, a fonologia depende, também, da formação sintática da palavra.
Para dar um exemplo concreto de como a MD difere de correntes lexicalistas no que se
refere à informação armazenada antes da sintaxe, consideremos a seguinte entrada lexical para
run ‘correr’.24
(48) RUN
Label seen by PF: /r /\ n/
Label seen by narrow syn-sem computation: v, V
Continuous directed motion undergone by animate motion involves rapid
movement of legs, no continuous contact with ground
(RAMCHAND, 2008:15)
24
Como (48) não se trata de uma citação, mas sim de um exemplo teórico que faz uso de uma língua específica,
mantenho o original no texto e abaixo forneço a tradução.
RUN
Rótulo visto por PF: /r /\ n/
Rótulo visto pela computação sintático-semântica:v, V
Movimento direcionado contínuo experienciado por seres animados moventes.
Esse movimento envolve rápido movimento das pernas e nenhum contato contínuo com o solo.
32
significado enciclopédico – já estão listadas nesse item lexical. Ramchand (2008:14) afirma
que uma visão como a da Morfologia Distribuída de que raízes não possuem esses elementos
ou pelo menos, que não os possuem dessa forma, é muito forte e ignora questões de seleção de
argumentos. Além disso, deixa fora do seu escopo de atenção o fato de que itens lexicais são
uma rede associativa de propriedades de diferentes módulos.
Perceba, todavia, que Ramchand usa, como Wood (2012:10) cunha, um sistema
parcialmente determinístico de estrutura argumental. Isto é, a entrada lexical da autora mostra
que ela não acredita que todas as propriedades de seleção dos verbos, no caso, encontram-se
em sua entrada lexical.25 Obviamente, a autora credita a seleção de argumentos de run a uma
propriedade desse verbo, qual seja, qual das projeções aspectuais em que esse elemento é
concatenado. A diferença, então, é que a seleção dos argumentos do verbo se dá em virtude das
propriedades aspectuais que ele adquire na derivação. Em contraste, as diferentes correntes da
MD vão atribuir a seleção de argumentos a outras propriedades, como ao tipo de raiz. Ao
contrário do que Ramchand afirma, não é que a MD não se preocupe com a seleção de
argumentos, mas que, dadas algumas condições, como o tipo de raiz e o local de merge da raiz
na estrutura, isso se torna epifenomenal.
Além disso, o argumento de que itens lexicais são uma rede associativa, embora
plausível, não é uma evidência de como e se esses elementos são armazenados. Sentenças
também são redes associativas de propriedades de diferentes módulos e são concebidos como
um produto de uma derivação.
Cabe ressaltar, todavia, que algumas questões estão ainda em aberto no modelo em
relação ao papel das três listas e aos elementos que interagem mais diretamente com essas três
listas. Para dar um exemplo, na formulação original, de Hale e Marantz (1993), a raiz não possui
fonologia, mas em formulações de outros autores, como Harley (2014), a raiz ter fonologia
impede que ela entre em uma competição indevida em casos de supleção, por exemplo. Neste
trabalho, não vamos nos deter nessas questões. O leitor interessado pode ler o conjunto de
trabalhos na Revista Theoretical Linguistics, volume 40 de 2014, em que essas e outras
questões, como a propriedade ou não da raiz de selecionar complementos, são amplamente
25
Na verdade, a maioria das teorias de estrutura argumental, lexicalistas ou não, não assumem que tudo está no
verbo. Os maiores pontos de divergência estão no tamanho da codificação da estrutura argumental nos verbos e
seus argumentos. Isso, de alguma forma, fica exemplificado nos capítulos 3 e 4, em que reviso algumas teorias de
formação de anticausativas e médias. Nesses capítulos, o leitor verá que, pelo menos em teorias de estrutura
argumental com inspiração gerativista, não há uma codificação completa dos argumentos no verbo. Em termos
muito gerais, o que geralmente difere teorias é uma codificação de um argumento como o argumento do verbo
em abordagens mais lexicalistas e a codificação de uma propriedade que levará um verbo a entrar em uma
estrutura argumental em abordagens mais sintáticas.
33
discutidas. Por si só, isso mostra que a seleção de argumentos é uma preocupação do modelo e
sua implementação é alvo de constantes debates.
Com essa exposição, já fica claro que o principal ponto que queremos discutir neste
trabalho, com a ajuda do arcabouço da MD, é a estrutura argumental. A MD, além de estender
o arcabouço minimalista para a formação de palavras, tem como um de seus trunfos a
capacidade de explorar, com detalhes, a estrutura sintática dos eventos em virtude das unidades
de análise dessa teoria.
Se a MD concebe que a raiz é o primeiro elemento de uma derivação e precisa, por isso,
ser categorizada para que toda a derivação continue, naturalmente, presta-se muita atenção no
modelo para as propriedades da raiz e suas condições de licenciamento. Uma consequência
natural disso é que os estudos de estrutura argumental passam a prestar atenção nas
propriedades da raiz e não nas propriedades do verbo que, afinal, nada mais é do que uma raiz
categorizada e licenciada em uma dada estrutura. Assim, ao usar o arcabouço da MD, não falarei
que um verbo como comprar forma sentenças ativas e passivas, mas que a raiz √compr- é
licenciada nas estruturas ativas e passivas. Isso pode parecer só uma paráfrase, mas, na verdade,
o estudo de que núcleos licenciam quais raízes pode nos revelar características bastante
refinadas da estrutura argumental da língua.
A título de ilustração, consideremos a alternância agentiva, que será tratada no Capítulo
5. Os verbos que participam dessa alternância são aqueles que selecionam Agentes em
sentenças transitivas e esse é um dos pontos que difere essa alternância da tratada no Capítulo
3. À primeira vista, como os exemplos em (49)a e (49)b ilustram, essa alternância parece ser
idêntica à alternância causativa.
34
apesar de ser inacusativa como O prato quebrou, possui uma estrutura diferente. Nesse ponto,
a MD é extremamente útil, porque foi dentro desse quadro que muitos testes finos para
diagnosticar a estrutura de eventos foram propostos. Algumas das concepções-chave desse
modelo quanto à estrutura de eventos são exploradas abaixo.
Nesta tese, assumimos que as raízes, elementos mínimos manipulados pela sintaxe,
podem ser de dois tipos: raízes de modo ou de resultado. Cabe ressaltar que as raízes são dessa
forma classificadas porque raízes de modo veiculam o modo como uma ação é feita sem
especificar o resultado, enquanto raízes de resultado especificam o resultado de uma ação.
Testes estruturais podem demonstrar isso. Considere as sentenças (50) e (51) para
exemplificação.
(50) João esfregou o chão, mas ele não ficou bem limpo. Vamos ter que limpar de novo.
(51) #João quebrou o pote, mas ele não ficou bem quebrado. Vamos ter que quebrar de
novo.
(50) e (51) mostram que há algum componente que distingue um verbo como esfregar
de um verbo como quebrar. Enquanto a negação de resultado de uma ação expressa pelo verbo
esfregar não leva a uma contradição, como se vê em (50), ela leva se o verbo quebrar for usado
em (51). Isso se deve ao fato de que esfregar lexicaliza o modo da ação, enquanto quebrar
lexicaliza, obrigatoriamente, o resultado.
Em virtude dessa e de outras diferenças, acredita-se que as raízes possam lexicalizar
partes de modo ou de resultado da estrutura sintática. Afirmar que uma raiz pode lexicalizar
uma parte da estrutura sintática equivale, em grande medida, a dizer que ela é licenciada em
uma dada estrutura e, assim, modifica parte da estrutura sintática (Marantz, 2013). Assim, essa
diferença conceitual entre raízes de modo e resultado encontra um paralelo na estrutura
sintática. Como as raízes de modo só lexicalizam o modo da ação, como o nome diz, elas são
concatenadas como modificadores de v (à maneira de modificadores adverbiais), as raízes de
resultado são concatenadas como complemento de v, portanto, em uma porção mais baixa da
estrutura, lexicalizando o resultado. As representações em (52) exemplificam isso com dados
do inglês.
35
(52) a. modifiers of v b. complements of v
v e.g. 'hammer' v e.g. 'flatten'
3 manner 3 result
√hammer v v √flat
Dito de outra forma, raízes como √esfreg- e √quebr-, em virtude das propriedades que
têm, são licenciadas em camadas verbais diferentes e contribuem para o significado da estrutura
ao adicionarem elementos idiossincráticos – os significados dessas raízes – a essas estruturas.
Assim, as evidências para a ideia de que tipos diferentes de raízes licenciadas em porções
diferentes da estrutura sintática nos fazem abandonar a assunção de que a estrutura argumental
é do verbo e passamos, assim, a pensar que a estrutura argumental é da estrutura. Isso traz várias
consequências bem-vindas. A primeira é de que a estrutura argumental dos verbos é predizível
e não idiossincrática, porque as línguas não possuem muitas estruturas sintáticas diferentes nas
quais os verbos podem entrar (cf. HALE e KEYSER 1993, 2002: cap.1 para uma tipologia). A
segunda é de que a estrutura argumental pode ser parametrizada, o que explicaria algumas das
divergências entre as línguas no licenciamento dos verbos. Uma parametrização da estrutura
argumental é muito bem-vinda quando os dados do PB são levados em conta, como vimos
argumentando.
Para concluir, as seções 1.3 e 1.4 mostraram algumas das ferramentas analíticas
necessárias para estudar os eventos do PB. Desde a separação do argumento externo do verbo
por meio da projeção Voice, vários outros refinamentos foram feitos, como uma tipologia de
raízes (raízes de modo e de resultado, neste trabalho) e projeções verbais, especialmente dentro
da MD. Sem esse refinamento, deixaríamos de capturar várias das propriedades de eventos do
PB, como ficará claro no uso desses instrumentos nos próximos capítulos.
1.6 As gramáticas do PB
Ao usar o arcabouço detalhado nas seções acima, em última análise, esta tese
exemplificará, em um domínio um pouco diferente do que o que é geralmente estudado quando
se fala de mudança paramétrica do PB, algo largamente atestado: devido à mudança de
parâmetros do PB, há mais de uma gramática do PB coexistindo atualmente.
36
Os exemplos de Cavalcante (2006), abaixo, são bem ilustrativos nesse ponto. Uma
gramática que usa SE como indeterminador não deveria ter a mesma interpretação disponível
para sentenças sem SE, como (53)c-d. Repare que sentenças como (53)c-d teriam interpretação
definida em PE, italiano e espanhol e seria agramatical em francês. Em PB, todavia, duas
estratégias contraditórias – do ponto de vista do sistema - coexistem.
(53)
a. E como já se presumia tendências à medida insólita, não foi difícil encontrar a porta
de salvação ao estender a reeleição, que não podia ser um privilégio exclusivo do atual
ocupante do palácio presidencial.
b. Em situações como estas, pode-se aplicar metodologias de antecipação do cenário
eleitoral.
c. Diz que vão inaugurar um restaurante em frente ao R9 do Ronaldinho. Vai se chamar
Amarelô.
d. O que fez a diferença foi harmonia e evolução, os princípios básicos de um desfile de
escolas de samba. Não pode deixar buraco, não pode sair correndo pra cumprir o
tempo, não pode parar para deixar o relógio correr. Tem que evoluir. Todo mundo
tem que cantar o samba. Tem que ter harmonia.
(CAVALCANTE, 2006: 192-193)26
Ao estudar outros eventos nesta tese além das sentenças impessoais, mostro que uma
microvariação que se observa no PB é em relação à projeção Voice. Em SE-sentenças, essa
projeção é licenciada. Nas sentenças em estudo sem SE, ou Voice tem características
completamente diferentes, como se verá no capítulo 6, ou ela deixa de ser projetada, como se
verá nos Capítulos 3, 4 e 5. Em outras palavras, um dos pontos em que as gramáticas do PB
divergem é na projeção ou não de Voice nos eventos estudados.
26
A autora usa codificação própria para indicar a fonte da maioria desses dados. O leitor interessado nas fontes
deve consultar Cavalcante (2006).
37
1.7 Resumo
Neste capítulo, apresentei alguns pontos fundamentais da tese que serão retomados e
elaborados oportunamente. Ressalto os pontos principais. O objetivo desta tese é o estudo de
construções que, obrigatoriamente, eram formadas com o clítico SE em sincronias anteriores e,
hoje, possuem formações alternativas. À primeira vista, uma sentença como O vaso consertou
não deveria, então, estar nesse grupo porque o uso do clítico SE não é possível a não ser em
uma interpretação reflexiva: O vaso se consertou. Contudo, afirmo que a existência de
sentenças como O vaso consertou são causadas, indiretamente, pela perda do SE e merecem,
portanto, uma explicação nos mesmos termos que os outros eventos estudados.
Ao estudar quatro tipos de eventos diferentes, a generalização a que cheguei é a de que
a estrutura dos eventos que eram formados com SE e pro mudou. Mais particularmente, médias
e o membro inacusativo da alternância agentiva são sentenças inacusativas com só um DP
presente em toda a derivação. Sentenças impessoais desenvolveram um outro tipo de Voice e
sentenças anticausativas, porque eram formadas só com SE (sem a adição de um pro em seu
especificador), em nada mudaram. Dessa forma, muito da intuição geral de que as relações de
predicação em PB mudaram sensivelmente (NEGRÃO; 1999, cap.1; GALVES, 2001 em uma
série de capítulos) se deve ao fato, na minha análise, de que a perda de SE acarretou a perda de
projeção de um tipo de Voice específico, deixando alguns tipos de eventos da língua sem Voice,
mais particularmente, eventos que os exemplos (1) e (2) representam, ou propiciando o uso de
um tipo de Voice diferente, como em (3), ou, ainda, criando um novo tipo de evento, como (4),
em que, também, não há Voice.
Como ressaltado durante o capítulo, essa organização do PB não é causada diretamente
por uma mudança de parâmetro e, sim, de um microparâmetro que deve estar ligado às opções
paramétricas que o PB está tomando. Além disso, nesta tese também é notado que as SE-
sentenças em PB são diferentes de suas contrapartes em outras línguas românicas, o que sugere
que elas também foram afetadas pela mudança paramétrica em curso. Afirmo que essa diferença
se deve ao status de pro. Em línguas como espanhol, esse pro é um argumento implícito fraco,
ou seja, constituído somente de traços-phi. No PB, esse é um argumento implícito forte. Essa
diferença implica que, em espanhol, mas não em PB, os traços de uma sonda podem entrar em
relações de valoração separadamente para valorar o caso de dois elementos que possuam
especificação diferente em termos de traços-phi. Após esse sumário, passo à organização da
tese.
38
No Capítulo 2, contrasto o PB com outras línguas românicas, em especial o espanhol,
para mostrar que as SE-sentenças, tais como existem hoje em PB são diferentes de outras
línguas românicas.
No Capítulo 3, estudo as mudanças nas sentenças anticausativas, exemplificadas por
(1), O prato (se) quebrou, e mostro que nada mudou na estrutura desses eventos porque
anticausativas não possuem Agente de nenhum tipo. Ou seja, nunca houve pro na representação
dessas sentenças e a perda de SE só acarretou a perda de uma projeção sem importe semântico.
No Capítulo 4, estudo as estruturas das sentenças médias para mostrar que esses
eventos foram alterados. Mais especificamente, SE-médias possuem um agente projetado e Ø -
médias não o possuem. O capítulo também discute o fato de essa ser uma decisão do PB (e do
chinês), mas não do inglês e do holandês, por exemplo. Isso trará repercussões para a alternância
que será analisada no Capítulo 5.
No Capítulo 5, estudo a estrutura de sentenças como se vê em (4), Essa roupa (se) lava
facilmente. Descarto algumas representações possíveis para essas sentenças e chego à
conclusão de que elas são inacusativas com só um DP, ou seja, assemelham-se muito às
anticausativas, como (1). Todavia, um exame das raízes e da estrutura de evento em que
sentenças como (1) e (4) estão revelará que esses eventos são diferentes e (4) partilha mais
características com médias não-marcadas do que com anticausativas. É afirmado, então, que
essas sentenças são uma generalização sobre a estrutura de médias não-marcadas do PB, que
não projetam Voice. Assim, a predição é de que elas não existirão em línguas em que médias
projetam Voice mesmo na falta de marcação morfológica, como inglês e holandês, previsão que
se verifica.
Por último, no capítulo 6, estudo a estrutura de sentenças impessoais, como se vê em
(3), Não (se) usa saia mais no Brasil. A análise é que, com a perda de um tipo específico de
Voice e a demanda de que impessoais tenham um participante arbitrário, o PB passou a usar
outro tipo de Voice, empregando locativos, que derivam leituras existenciais, como argumentos
externos.
O Capítulo 7 conclui o texto, sumarizando os principais pontos e apontando questões
futuras.
39
2 O ESTATUTO DO CLÍTICO SE NAS LÍNGUAS
ROMÂNICAS E EM PB
2.1 Introdução
Este capítulo tem o objetivo de apresentar um panorama das construções com o clítico
SE no PB. Para tanto, primeiramente, arrolo construções em que esse clítico é empregado em
línguas românicas.
Descrever o uso de SE nessa língua a partir de um cotejo com outras línguas românicas
tem o objetivo de demonstrar algo já fartamente notado na literatura: as construções com SE
em PB estão em desuso. Embora essa ideia seja recorrente na literatura sobre mudança sintática
em PB (NUNES, 1990:13; KATO, 1999; HOLMBERG, 2005), ela ainda não foi, a meu ver,
suficientemente explorada na literatura sobre estrutura argumental nessa língua.1
Além do mais, em estudos sobre o PB, nota-se um descompasso entre a concepção do
clítico SE em trabalhos sobre a estrutura argumental, e em estudos em que as mudanças
sintáticas estão em foco. Normalmente, em estudos sobre estrutura argumental, a ocorrência ou
não de SE na sentença é vista como uma propriedade do verbo, sem consequências sintáticas.
Dessa forma, a aceitabilidade de uma dada construção com ou sem SE é, muitas vezes, usada
como um argumento para que um verbo seja visto como pertencente a uma ou outra classe de
alternâncias (cf. CANÇADO, GODOY E AMARAL, 2013:79).
Para Cançado, Godoy e Amaral (2013), por exemplo, o licenciamento de SE em uma
sentença anticausativa (incoativa, para as autoras) significa que ela se origina de uma sentença
causativa. O licenciamento de SE em anticausativas significa que ocorreu a supressão do
metapredicado CAUSE. Dessa forma, a sentença em (1)a seria a forma básica da qual se pode
suprimir o metapredicado CAUSE, originando sentenças como (1)b.
1
Em Ribeiro (2010) e Rodrigues (1998), algumas diferenças entre eventualidades com SE são aventadas, mas não
foram objeto de uma discussão sistemática.
40
(1) a. A mãe /A vivência em Paris afrancesou a moça.
b. A moça (se) afrancesou.
(CANÇADO, GODOY E AMARAL, 2013:105)
41
participante arbitrário. O segundo é demonstrar que, mesmo nos ambientes em que SE ainda
resiste no PB, a estrutura é diferente da que se propõe para sentenças que denotam
eventualidades correspondentes em outras línguas. Grande parte das diferenças entre
construções com SE em PB e nas outras línguas românicas se deve às diferenças nas
especificações de pro nessas línguas. Assumo que, em sentenças em que SE tem uma
interpretação arbitrária, pro é também projetado em Voice.
O capítulo está organizado da seguinte forma: na seção 2.2, introduzo a ideia de que SE
e pro podem estar juntos em alguns dos eventos estudados. Essa ideia vai ser mais elaborada
nas seções 2.3, 2.4 e 2.5. Mais especificamente, na seção 2.3, comparo o comportamento de
alguns dos eventos estudados frente a alguns testes de agentividade. Na seção 2.4, as
construções em que pro se combina com SE nas línguas românicas são descritas
comparativamente para mostrar que pro, embora sintaticamente projetado nos eventos médios,
impessoais e passivos, pode variar categorialmente, por assim dizer, entre as línguas. Em
algumas línguas, esse elemento é um argumento implícito forte e, em outras, fraco, como os
testes nessa seção demonstrarão. Por fim, na seção 2.5, discuto brevemente as características
desse argumento implícito projetado. Na seção 2.6, um panorama dos eventos com SE nas
línguas românicas é apresentado. O objetivo dessa seção, em particular, é justamente mostrar o
que já foi asserido aqui na introdução deste capítulo: as construções com SE em PB estão em
desuso e o contraste com outras línguas mostrará isso. Por fim, a seção 2.7 sumariza o capítulo
e define o escopo empírico da tese. Nessa seção, especificamente, comparo propriedades de
construções com ou sem pro2, em que SE está em Voice, em mais de uma língua para ressaltar
as peculiaridades do PB em tais construções.
2.2 SE e pro
É sabido que as variadas instâncias de SE são um caso de sincretismo. Assim sendo, não
é possível analisar todas as instâncias da mesma forma, porque os diferentes eventos de que SE
faz parte têm propriedades diferentes.
Para exemplificar as diferentes propriedades, consideremos o fato de que anticausativas
com SE não têm um Agente presente sintaticamente, visto que não licenciam advérbios
2
pro pode ser argumento interno em sentenças SE-impessoais, como: Se chegou tarde à casa. já que o verbo é
inacusativo.
42
orientados para agente, como (5) indica, ou orações de propósito, como (6) mostra. Entretanto,
em sentenças em que a mesma marca SE tem uma leitura arbitrária, como em (7) e (8),
advérbios orientados para agente (7) e orações de propósito (8) são licenciados.
O contraste entre essas sentenças deve-se ao fato de a sentença anticausativa não ter um
Agente implícito que possa licenciar o advérbio orientado para agente ou a oração de propósito,
diferentemente da sentença impessoal, que possui esse elemento. Essa diferença de leitura já
foi notada e modelada de variadas formas na literatura.
Frente a essa discrepância, a pergunta subsequente seria, então: o que licencia a presença
de um Agente em sentenças impessoais, mas não em sentenças anticausativas? Uma primeira
tentativa de explicação para essa diferença poderia se pautar nos tipos de verbos licenciados em
sentenças impessoais e sentenças anticausativas, por exemplo. É sabido que a grande maioria
dos verbos licenciados em sentenças anticausativas possui um argumento externo
subespecificado (cf. REINHART, 2003). Quebrar é um verbo desse tipo, visto que tanto DPs
do tipo de João, quanto para DPs do tipo de o vento, poderiam quebrar alguma coisa. Repare,
entretanto, que o mesmo verbo, quebrar, pode ser licenciado em sentenças anticausativas ou
em impessoais. Portanto, não podemos atribuir as diferenças de interpretação para as sentenças
(5) e (7), de um lado, e (6) e (8), de outro, ao tipo de verbo licenciado na estrutura. Além disso,
o DP também é o mesmo em todas as sentenças de (5) a (8): o prato.
Deve haver, então, algum elemento sintático presente em (7) e (8), mas não em (5) e
(6), para que a leitura de um participante arbitrário seja licenciada. Esse elemento sintático deve
estar também ligado ao fato de que a sentença anticausativa é concebida como um evento com
um grau relativo de espontaneidade3, enquanto a sentença impessoal possui um Agente, como
os próprios testes sintáticos acusam.
3
A noção de espontaneidade parece ter sido usada primeiramente por Haspelmath (1993) e se refere à possibilidade
de uma ação acontecer sem um Agente ou Causa. Anticausativas são eventos com um grau de espontaneidade alto,
visto que só possuem um participante.
43
Neste capítulo, sigo a abordagem de MacDonald (2015) e MacDonald, Carvalho e
Maddox (em preparação) para as sentenças com SE.4 Em linhas gerais, a ideia dos autores é
que a estrutura de sentenças em que SE tem uma leitura arbitrária, como (7) e (8), contém um
pro. Essa ideia é presente em uma grande quantidade de trabalhos (cf. CINQUE, 1988 e
MENDIKOETXEA, 2008, por exemplo), mas o sistema aqui utilizado permite mapear as
diferenças entre o PB e outras línguas românicas no que diz respeito às características de pro.
4
MACDONALD, J., J. Carvalho e M. Leroy. An argument from Brazilian Portuguese for a syntactically
projected implicit argument. Poster apresentado no 46th NELS, Montreal, Canada. Outubro de 2015.
5 Optei por usar o presente habitual em SE-passivas porque, com o verbo especificado para o passado, elas
poderiam evocar uma interpretação anticausativa, já que SE-passivas são pouco usuais no PB (cf.discussão no
Capítulo 1).
44
outros testes comprovam que sentenças SE-impessoais e SE-passivas se comportam
diferentemente de sentenças passivas perifrásticas, no que tange à presença do agente.
Um teste que mostra essa diferença de comportamento é a disponibilidade da leitura de
posse inalienável para um objeto antecedido por um elemento humano (cf. MACDONALD,
2015 e as referências lá apontadas). Assim, por exemplo em (13), o DP a mão só pode referir a
uma parte do corpo do referente do DP o estudante. Vale notar, ainda, que o DP o estudante
ocupa a posição de sujeito da sentença e, portanto, c-comanda seu objeto, no caso, o DP a mão.
Se essa condição for verdadeira, esperaremos que tal interpretação nunca esteja
disponível para sentenças intransitivas, visto que só exibem um DP. (15) demonstra que essa
predição é verdadeira. Assim, uma sentença como (15) não teria a interpretação de posse
inalienável de alguém presente no contexto. Só (16) é pertinente em um contexto em que os
pais discutem o crescimento da filha, por exemplo.
45
(17) As pernas dela são grandes.
6
Como observa MacDonald (2015:16), com base em Landau (2010), a relação de posse inalienável pode ocorrer
entre um argumento e um dativo não selecionado (unselected dative) como mostra o exemplo abaixo:
A sentença em (i) mostra que a relação de posse não se obtém somente quando os dois DPs são argumentos. Isto
é, como vim mostrando exemplos em que uma relação de posse se configurava entre o sujeito e o objeto, seria
possível aventar a hipótese de que tal relação é derivada caso dois constituintes argumentais preencham os
requisitos para tal. Entretanto, a possibilidade de que tal relação se estabeleça mesmo entre um argumento (a mão
em (i)) e um dativo não-selecionado mostra que argumentalidade não é um requisito essencial.
46
(18) e (19) mostram que essa leitura está disponível para sentenças SE-impessoais e SE-
passivas, acusando a presença de um agente projetado na sintaxe. (20), por outro lado, mostra
que o agente, embora presente semanticamente em passivas perifrásticas, não é sintaticamente
projetado.
Frente a esse contraste, uma alternativa é dizer que o próprio SE seria o agente
sintaticamente projetado. Entretanto, essa não parece ser uma alternativa viável, visto que esse
mesmo elemento também pode ocorrer em anticausativas. Os mesmos verbos, inclusive, podem
ocorrer em anticausativas, de um lado, e sentenças impessoais e passivas, de outro, como vimos
nas discussões em torno dos exemplos de (5) a (10). Portanto, se não houver outro elemento
que não o clítico SE ligado à agentividade, não haverá como dar conta das diferenças
observadas entre essas construções. Ademais, é interessante perceber que, com anticausativas,
a leitura de posse inalienável com o DP presente não está disponível.
(21) Contexto: O pai fala sobre o fortalecimento do filho após um acidente de bicicleta.
#João está mais forte, apesar de que a perna (se) quebrou.
Uma objeção possível a essa proposta seria argumentar que SE tem traços diferentes em
construções anticausativas, de um lado, e impessoais e passivas, de outro. Ou seja, a
especificação diferente de traços, por si só, daria conta do fato de que SE-passivas e SE-
impessoais possuem um agente sintaticamente projetado, enquanto SE-anticausativas, não. Na
próxima seção, ficará clara a necessidade de pro em construções em que SE tem interpretação
47
arbitrária. Dessa forma, a hipótese de que o clítico tem propriedades diferentes em algumas
construções não é assumida neste trabalho.
48
b. argumentos implícitos fortes: D-ϕs
7
Abordagens que tentam capturar as diferentes leituras de SE por meio de traços semânticos (D’ALESSANDRO,
2007:193; LAZZARINI-CYRINO, 2015:41) ou por meio de operações semânticas (SCHÄFER, 2015) não
poderão explicar as diferenças de ordem e as variações nos testes de agentividade de língua para língua.
8
O licenciamento de uno como um anafórico em espanhol poderia, à primeira vista, enfraquecer o argumento.
Todavia, uno foi analisado como a contraparte linguística de uma variável em Maddox (2015). Estando essa análise
certa, uno é licenciado por outras motivações nos contextos em que aparece.
49
(29) Este cuadro se pintó por un experto retratista.
Este quadro se pintou por um expert retratista.
‘Um pintor expert pintou este quadro.’
(MACDONALD, 2015:39)
9
Assumo com Longobardi (1994) que DPs saturam posições argumentais. Casos em que nomes nus saturam
posições argumentais em PB, como Gato perambula à noite, mas sempre volta, podem ser analisados como DPs
com um D silencioso, cf. Munn e Schmitt (1999), Cyrino e Espinal (2014). Agradeço à Ana Paula Scher pela
questão.
50
(MACDONALD, 2015:40)
51
(37) Der Raum wurde wütend verlassen.
The room became angry left.
‘The room was left in an angry mood.’ (AAS, 2015:132)
Saiu-se do quarto de mau humor.
Frente a esse dado, os autores acreditam que é mais adequado assumir que um
argumento implícito não está presente na sintaxe. Essa é, certamente, uma possibilidade de
análise, mas existem outras. As passivas em alemão e inglês podem ser fruto de combinações
de elementos diferentes, o que derivaria a diferença de propriedades. Observe que a glosa
oferecida pelos autores mostra que uma tradução compatível para o auxiliar werden é become
e não be, o auxiliar usado em passivas do inglês. Então, pode ser o caso também de que, além
de um argumento implícito fraco (traços-phi) e um forte (D + traços-phi), haja opções
intermediárias para argumentos implícitos, como NPs.
Seja como for, a gramaticalidade da contraparte no PB dos dados do espanhol sugere
que argumentos implícitos em construções com SE nessa língua podem ser inequivocamente
classificados como fortes, seguindo a tipologia de Landau (2010). Por isso, embora mais casos
devam ser incorporados a essa tipologia, aparentemente, os dados do PB aqui estudados são um
exemplo fidedigno de argumentos implícitos fortes na tipologia de Landau (2010), razão pela
qual essa noção está sendo utilizada.
Some-se a isso, o fato que foi mencionado no começo desta seção: há uma diferença de
ordem entre sentenças SE-passivas em PB e em outras línguas. Uma possível explicação para
isso passa pelo fato de o pro em [Spec, Voice] em PB ser um DP e, por isso, T concordaria com
tal elemento. Em espanhol, a língua com que vim contrastando o comportamento do PB frente
aos testes de agentividade, pro seria constituído somente de traços-phi, ou seja, seria um
argumento implícito fraco, e não se qualificaria como interventor para a concordância entre T
e o argumento interno. Isso explica a possibilidade de médias concordando com o argumento
interno em espanhol, mas não em PB.
52
As propriedades elencadas nesta seção estão sumarizadas no Quadro 1.
Assim, a assunção de que sentenças com leitura arbitrária em que SE está presente têm
um pro que deriva essa leitura pode ser refinada agora, visto que as eventualidades denotadas
por essas sentenças não se comportam do mesmo jeito nas línguas românicas. (41) corresponde
à estrutura de sentenças com SE-arbitrário em PB e (42), a estruturas correspondentes ao mesmo
tipo de sentenças em espanhol.
53
tipo de objeto: uma maior quantidade de verbos com objeto nulo é licenciada em italiano e o
objeto nulo do italiano pode controlar elementos.
(43) In questi casi, di solito Gianni invita a [PRO mangiare con lui].
In these cases, generally Gianni invites to PRO eat with him.
‘*In these cases, generally Gianni invites _____to eat with him.’ (RIZZI, 1986:503)
‘Nesses casos, João geralmente convida para comer com ele. ’
Esse contraste entre italiano e inglês leva o autor a reformular sua teoria de pro para
acomodar esses dados. A diferença entre inglês e italiano se daria, então, no nível em que pro
arbitrário satura um argumento do verbo. No inglês, isso acontece no léxico, o que explica a
impossibilidade de controle e a restrição de verbos que poderiam selecionar um argumento pro
arbitrário. No italiano, como esse tipo de objeto é produtivo e pode controlar orações de
propósito, ele seria um processo sintático. Como o contraste entre o inglês e o italiano feito pelo
autor nos leva à conclusão de que um pro sintático será encontrado justamente nas línguas pro-
drop, uma teoria de pro deve acomodar mais essa ocorrência do elemento. Deve-se, pois,
determinar de que forma pro arbitrário, em posição de objeto, é licenciado e identificado. Sendo
essas as duas condições para que pro se realize, elas devem se verificar tanto em contextos em
que pro é referencial quanto nos contextos em que é arbitrário.
Em termos de licenciamento, pro na posição de sujeito é licenciado por Agr forte e pro
na posição de objeto é licenciado por V, nos termos da época. Assim como pro na posição de
sujeito, o licenciamento de pro na posição de objeto é condicionado a uma parametrização.
Mais especificamente, sua existência está condicionada à possibilidade de um núcleo, nesse
caso, V, poder licenciar pro.
Por sua vez, o valor de pro é recuperado em uma relação de binding, numa acepção
bastante ampla do termo, com o elemento que governa essa categoria. Na posição de sujeito,
esse elemento vai ter uma dada referência dependendo dos traços de Agr; já pro regido por V
terá uma interpretação arbitrária porque V não tem traços referenciais visíveis com os quais pro
entraria em uma relação de binding.
O Quadro 2: Licenciamento e identificação de pro sumariza os dois parágrafos anteriores.
54
Pro Licenciamento Identificação
Pro referencial Agr forte Traços de Agr referencial
Pro arbitrário V Interpretação arbitrária
default, já que V não tem
traços visíveis.
Quadro 2: Licenciamento e identificação de pro
(44) SI impessoal
a. Aspectos sintáticos
i. +/- argumento;
ii. Pronome clítico coindexado com [NP, IP] (e com Agr quando presente)
b. Aspectos morfológicos
i. Pessoa: não-especificado (logo, genérico ou arbitrário)
ii. Número: plural
iii. Gênero: masculino
c. Aspectos semânticos
[+humano]
(traduzido e adaptado de CINQUE, 1988:529)
10
Para Cinque (1988), por exemplo, a função do SE é identificar a referência do pro. Geralmente o elemento que
faz isso nas línguas românicas é a flexão verbal. As construções com SE, entretanto, ocorrem com terceira pessoa,
que pode fazer referência tanto a uma pessoa arbitrária quanto a uma pessoa não-arbitrária no discurso. Assim, um
elemento adicional seria o responsável por dar referência a pro em sentenças com flexão de 3a pessoa: SE. Repare,
todavia, que essa ideia decorre da noção de que o sujeito é gerado fora do VP, conforme era o consenso na época.
Tanto Rizzi (1986) quanto Cinque (1988) aventam a possibilidade de que SE fosse gerado dentro do VP (as noções
de vezinho e Voice também não existiam na época em que os textos foram escritos), o que daria conta de algumas
distribuições notadas pelos autores.
55
A atribuição de um traço plural para SI em italiano é embasada em dados como (45) e
(46). Repare que, em (45), uma anáfora plural é licenciada se SI for um antecedente; em (46),
uma expressão recíproca, que necessita de um antecedente plural, também é licenciada.
Repare, ainda, que o mesmo não pode ser dito para os traços de SE em PB, visto que a
tradução de sentenças como (47) e (48) são agramaticais.
Isso quer dizer que as diferenças entre as línguas não parecem decorrer das propriedades
de SI/SE em cada uma delas. Assim, ao invés de propor que SE tem um conjunto de traços
diferentes em todas as línguas em que notarmos pequenas variações, falamos que as
propriedades de pro em PB não licenciam anáforas com plurais, porque pro é especificado para
singular nessa língua, mas para plural em italiano.
Isso pode ser exemplificado por outras construções em que pro figura nessas línguas.
Considere as sentenças do italiano abaixo, em que predicados secundários predicam sobre um
objeto nulo com referência arbitrária (=pro).
56
(50) Di solito, Giani fotografa _____ seduti.
In general, Giani photographs seated.pl.masc
‘Em geral, João fotografa as pessoas sentadas.’
(RIZZI, 1986:505)
Para concluir, muito embora o PB possua construções com SE, vemos que elas se
distanciam cada vez mais de como essas mesmas construções se organizam nas línguas
românicas. Em alguma medida, pode-se dizer que as construções com SE em PB não são muito
diferentes de passivas eventivas, isto é, passivas com tempo especificado, do francês,
exemplificada em (55).
11
Agramatical para falantes escolarizados. Essa sentença foi julgada como possível para os falantes pouco
escolarizados que consultei.
57
Pro, em PB, guarda pelo menos dois elementos em comum com expletivos, como Il: i)
tal pronome funciona como um interventor entre o argumento interno e T, obrigando a
concordância de T com esse elemento pronominal, ou seja, pro possui uma especificação em
termos de traços-phi que impede que T entre em uma relação de sonda-alvo com outro elemento
abaixo de pro. Isso não acontece no espanhol e no italiano; ii) somente na presença desse
elemento vemos argumentos licenciados na ordem VS em PB e francês.
Dada a discussão presente nesta seção, seria possível pensar que as construções com SE
não estão em desuso no PB. Isto é, elas somente seriam mais restritas em virtude das
propriedades de pro nessa língua. Além da discussão nos capítulos seguintes, que mostra que
tal hipótese é problemática, na seção 2.6.3, trataremos de sentenças SE-impessoais e sentenças
impessoais sem SE no PB, já bastante atestadas e discutidas na literatura.
2.6.1 SE-anticausativas
Apesar de ser possível falar em uma grande uniformidade entre as línguas românicas no
que diz respeito à distribuição do SE, variações podem ser verificadas em certas construções,
algumas delas não sendo atestadas em uma ou outra língua.
Aparentemente, todas as línguas românicas possuem instâncias de SE-anticausativo.
Confira, abaixo, um exemplo do Francês:
Em PB, esse é um verbo que também pode ser marcado com o clítico SE, como a
tradução indica. Contudo, diferentemente de eventos em que SE está associado a uma
interpretação arbitrária, a marcação de anticausativas é uma das áreas em que mais se vê
variação entre línguas românicas (e entre outras línguas que possuem marcas sincréticas).
Continuemos com a comparação entre francês e PB para ilustrar isso. Na primeira língua
um verbo como agrandir (engrandecer/aumentar) pode ser marcado com SE (s’agrandir),
58
enquanto em PB essa marcação não é possível (ou, se possível, tem uma leitura literária): *A
massa/O mundo se engrandeceu. Variadas explicações já foram aventadas para a possibilidade
de marcação de anticausativas dentro de uma mesma língua ou translinguisticamente.
Haspelmath (1993), ao tratar da marcação de anticausativas, aventou a hipótese de que tal
marcação esteja relacionada com a noção de espontaneidade. Dito de outro modo, os verbos
marcados seriam aqueles vistos como espontâneos, isto é, que podem ocorrer sem a presença
de um Agente.
Embora essa tendência exista, ela nada mais é do que uma tendência. Não parece haver
uma explicação que, de fato, dê conta da variação da marcação de anticausativas, tanto intra-,
quanto translinguisticamente. Entretanto, um fator que propicia essa variação com
anticausativas, mas não com outros usos de SE, parece bastante evidente. O clítico em (56) tem
uma função diferente do que se vê em outras eventualidades marcadas com SE: ele não funciona
propriamente como uma anáfora ou como um argumento arbitrário. Mais explicitamente, sabe-
se que o clítico em questão não tem nenhuma interpretação em sentenças anticausativas, ou
seja, não é participante do evento descrito por elas. Isso se torna evidente pelo fato de que essas
sentenças não licenciam orações de propósito e advérbios orientados para Agente.
59
(59) *L'image agrandit
The picture Ø is widening
(60) L'image s'agrandit
The picture SE is widening
(MARTIN E SCHÄFER, 2014:2485)
12
Essa afirmação pode suscitar uma pergunta sobre os verbos psicológicos. De acordo com Belletti e Rizzi (1988),
duas classes de verbos psicológicos são verbos ditransitivos inacusativos que selecionam dois argumentos, pelo
menos nas línguas românicas. A pergunta que se coloca, então, é: se verbos psicológicos são inacusativos como
anticausativos, por que a marcação de verbos psicológicos é obrigatória (pelo menos em alguns dialetos) do PB?
O primeiro problema com os verbos psicológicos é o fato de que a inacusatividade dessa classe não é consensual.
Em Carvalho (2014), cuja referência se encontra ao final desta nota, observei que o dialeto mineiro permite tanto
verbos inerentemente reflexivos, quanto psicológicos sem SE e o dialeto paulista, de um modo geral, se comporta
da forma inversa. Também, Menuzzi e Lobo (2015) analisam alguns verbos psicológicos como inerentemente
reflexivos, possivelmente porque as duas classes têm comportamentos semelhantes quanto ao licenciamento de
anáforas no PB. Além do mais, trabalhos diacrônicos, como Gelderen (2014), sugerem que verbos psicológicos
passaram de inacusativos para transitivos na história do inglês. Assim, determinar por que alguns dialetos ainda
usam esse clítico com verbos psicológicos demanda uma pesquisa prévia sobre a estrutura sintática desses verbos.
CARVALHO; J. The psych alternation in Brazilian Portuguese. Trabalho apresentado em: Berlin-Stuttgart
Workshop on Psych verbs. 21/11/2014.
13
O exemplo em que o verbo ‘abrir’ aparece junto com SE é uma expressão idiomática: As portas se abriram para
mim.
60
psicológicos no primeiro dialeto e dados do corpus C-ORAL-BRASIL para estudar o segundo.
Extraí amostras aleatórias dos corpora com a ferramenta TexTSTAT, que possui, dentre outras
funções, um concordanceador, ferramenta que procura por palavras ou partes menores que
palavras nos arquivos dos corpora. Dessa forma, pude comparar o uso do SE em verbos
psicológicos nesses dois dialetos.
A lista de verbos constante na Tabela 1.Marcação de verbos anticausativos foi montada
com base no estudo de Ribeiro (2011) sobre o uso de SE em anticausativas no PE. Nesse estudo,
esses verbos eram apresentados em exemplos com a variante marcada, o que sugere que, em
PE, tais verbos são invariavelmente marcados.
A pesquisa pelos mesmos verbos nos corpora do PB mostra que a variante não-marcada
é a mais usual – ou a única usual – para tais verbos.
Em suma, nesta breve seção, procurei mostrar que, mesmo com a aparente idiossincrasia
na marcação ou não-marcação de anticausativas translinguisticamente, há casos em que esses
eventos são obrigatoriamente marcados nas línguas românicas. O PB destoa das demais línguas
românicas nesse sentido. Esse clítico é totalmente dispensável nessas sentenças.17
14
Sentença extraída do corpus CTP (Cetem Público) por Ribeiro (2011).
15
Sentença extraída do corpus CTP (Cetem Público) por Ribeiro (2011).
16
Sentença extraída do CDP (Corpus do Português) por Ribeiro (2011).
17
Em sentenças com verbos não tão frequentes como os mostrados acima, o clítico SE pode ser encontrado. Bauab
Jorge (2016) encontrou dados como os listados abaixo no corpus ProjetoSP2010:
61
Nas seções que seguem, examino a ocorrência de SE em sentenças em que um pro está
presente, isto é, em sentenças que denotam eventos em que se nota a presença de um
participante arbitrário.
(61) Média:
Le grec se traduit facilement.
the Greek SE translates easily
‘Grego (se) traduz facilmente.’
(62) Passiva (com aspecto) habitual
Les pommes se mangent en hiver.
Apples SE eat during winter.
‘Maçãs são comidas durante o inverno. ’
(63) Passiva eventiva (com tempo especificado):
Il s’est traduit trois romans
it SE has translated three novels
‘Três romances foram traduzidos.’
(DOBROVIE-SORIN, 2006:122)
Todavia, esses exemplos não invalidam a observação de que anticausativas, em geral, podem ocorrer sem o clítico
em PB. Outra questão que deve ser levada em conta é o fato de que o ProjetoSP2010 é um corpus de entrevista.
Os falantes cuidam mais do que falam em contextos de fala monitorada.
62
Há ainda mais uma semelhança entre (61) e (62): ambas as sentenças estão no ‘presente’,
mas possuem distinções aspectuais. Na sentença (61), observamos o uso da forma de presente
como presente genérico. Isto é, (61) é uma asserção sobre uma propriedade da língua grega que,
idealmente, será tomada como verdade em qualquer situação não-genérica em que o evento de
traduzir tal língua ocorra. Na sentença em (62), a forma do presente é usada para expressar
presente habitual. Embora nenhuma distinção morfológica seja visível, não se pode dizer que,
na sentença em (62), tal como na sentença em (61), uma propriedade da maçã é tomada como
verdade em qualquer situação não-genérica em que o evento de comer maçã ocorra. Em outras
palavras, não pode ser atribuída a uma maçã a propriedade de ser comida somente no inverno,
por exemplo. Assim, pelo contraste com a sentença (61), percebemos que (62) é uma sentença
habitual, que descreve um hábito que ocorre em dadas condições, no caso, comer maçãs no
inverno.18 Como já estabelecido na literatura (cf. e.g. LEKAKOU, 2005:1, entre outros),
médias, em línguas românicas, são sentenças passivas com um operador genérico.
Dito isso, devemos nos perguntar como seriam as médias do PB, visto que as sentenças
SE-passivas são tidas como quase inexistentes nessa língua. Mais explicitamente, se a proposta
de que SE-médias são SE-passivas com um operador genérico está certa e levando em conta
que SE-passivas são (quase) inexistentes no PB, como derivar SE-médias nessa língua? A
estrutura das médias marcadas e não-marcadas no PB será explorada com detalhes no Capítulo
4, mas, por ora, cabe ressaltar que, mesmo as médias marcadas dessa língua são diferentes das
sentenças correspondentes em outras línguas românicas. Essa diferença se deve à estrutura de
pro em PB, como antecipado na seção 2.1.
Uma primeira diferença é a concordância do verbo com o argumento interno, promovido
a sujeito. Enquanto nas línguas românicas não há restrição quanto à presença de um DP plural
ou singular na posição de sujeito dessas orações, no PB só um DP singular é, geralmente,
licenciado nessa posição. Observe o contraste entre (64) e (65).
18
O leitor interessado pode consultar Cinque (1988) em que alguns testes sintáticos são oferecidos para distinguir
sentenças médias de passivas em italiano. Um deles é o fato de passivas nessa língua não aceitarem sentenças
infinitivas e médias aceitarem-nas marginalmente.
19
Em uma primeira consulta informal a falantes nativos de PB, todos os quatro falantes consultados julgaram (65)
como uma sentença agramatical. Durante a escrita da tese, entretanto, um falante julgou essa sentença boa, o que
63
A sentença em (65), se interpretada como possível, remete a uma interpretação reflexiva
e não a uma interpretação média. Além disso, a impossibilidade de (65) pode ser atribuída à
escassez – ou à agramaticalidade, para alguns falantes – de SE-passivas em PB. Assim, embora
uma sentença como (66) seja possível para alguns falantes do PB, ela é restrita à fala e à escrita
formais.
Nunes (1990), em um estudo que contempla tanto corpora escritos diacrônicos quanto
um corpus falado sincrônico, observa que o decréscimo de uso de construções como (66)
alinha-se à implantação da rigidez da ordem S-V-DP em PB. Dito de outra forma, a frequência
de ocorrência de (66) diminuiu drasticamente à medida que os sujeitos se especializaram na
posição pré-verbal em PB.
Com essa mudança, o DP brinquedos em (66) passou a ser analisado como um objeto
pelos falantes e não mais como um sujeito. Prova disso é o fato de que tal constituinte não pode
ser pré-verbal em PB, mas pode sê-lo em PE (cf. (67) e (68)).
Isso mostra que, no PB, diferentemente de outras línguas românicas, a formação de SE-
médias e SE-passivas não parece ser coincidente. Uma diferença entre os dois tipos de evento
é a de que a sentença em (64) é gramatical com um DP singular anteposto; por outro lado,
me fez perguntar sobre a boa formação de (65) para mais quatro falantes. Desses, um aceitou a sentença e três não.
Interessantemente, um dos falantes disse que se tratava de hipercorreção. Os dois falantes que julgam (65) como
uma boa sentença não aceitam, contudo, médias como ‘Os bolos se comem quentes’ e ‘Alimentos baratos se
compram naquele supermercado’, que deveriam ser gramaticais como (65), se a possibilidade de formar médias
com verbos concordando com o DP anteposto fosse, de fato, produtiva no PB. Hipotetizo, então, que a
gramaticalidade de (65) para alguns falantes é fruto de escolarização. Mais especificamente, a leitura de textos
formais expôs falantes a estruturas como (65), que passaram a ser consideradas como possíveis por alguns deles.
Todavia, a estrutura não é produtiva porque não faz parte da gramática adquirida do PB e só se manifesta em
alguns casos idiossincráticos.
64
sentenças com interpretação passiva não são gramaticais com um DP anteposto, como a
agramaticalidade de sentenças (67) e (68) em PB pode atestar.
Pode-se argumentar que essa diferença se dá porque o DP está em uma posição de tópico
em sentenças médias, mas em uma posição argumental em passivas. Isso será mais bem
discutido no Capítulo 4. Como essa diferença será examinada mais adiante, o importante a
ressaltar nesta seção é uma restrição para as sentenças SE-médias e SE-passivas aparentemente
só encontrada em PB: constituintes pré-verbais são inteiramente banidos em SE-passivas e
SE-médias só são possíveis se o constituinte pré-verbal estiver no singular.
Levando em conta que as construções com SE ainda existem no PB, teríamos de nos
perguntar porque SE-médias teriam essa distribuição tão atípica nessa língua. Minha resposta é
que isso se deve às propriedades de pro em PB.
Nunes (1990), ao investigar a reanálise de sentenças SE-passivas (em que o verbo
concorda com o argumento interno) para sentenças SE-impessoais (em que o verbo se mantém
invariavelmente no singular), defende que, além do enrijecimento da ordem S-V-DP ter
contribuído para a reanálise de passivas como impessoais, a categoria pro em PB foi também
reanalisada.
Para exemplificação de tal reanálise, levemos em conta uma sentença estruturalmente
ambígua como a que vemos em (69). Sabe-se que, além da diferença quanto à concordância,
sentenças impessoais são tidas como sentenças transitivas, já que clíticos acusativos podem
substituir o DP pleno, como se verá na próxima seção. Como o DP o material se encontra no
singular, a sentença pode corresponder, estruturalmente, tanto a uma sentença impessoal (em
que o verbo se mantém no singular, como em (69)b quanto a uma sentença passiva (em que há
concordância entre o verbo e o argumento interno, cf. (69)a.
20
pe = papel temático externo
pi=papel temático interno
p0= papel temático zero (sem papel temático).
65
A representação de uma sentença passiva, em (69)a, indica a presença de um expletivo
(opcional), caso o DP fique em posição pós-verbal. Nessa estrutura, SE recebe papel temático
externo e o DP o material, papel temático interno. Em sentenças impessoais, representadas por
(69), para o autor, há a presença compulsória de um pro, o qual recebe papel temático externo
e está em cadeia com SE. A diferença entre (69)a e (69)b se daria, então, pela presença
compulsória ou não de um elemento nulo que receberia nominativo. Nas passivas, haveria a
presença de um expletivo, caso o DP ficasse in situ, ambos os constituintes recebendo caso por
estarem em cadeia; nas sentenças impessoais, por outro lado, haveria a presença compulsória
de um pro que recebe nominativo. Isso deriva o fato de que o verbo pode concordar com o DP
plural, em sentenças passivas, se pro não estiver presente, na análise do autor, mas não pode
estabelecer concordância em sentenças impessoais.
A escassez de estruturas compatíveis com uma derivação como a exposta em (69)a
aponta para a reanálise de sentenças passivas em PB. Nunes afirma que essa mudança está
ligada ao papel de pro. Mais especificamente, a reanálise de sentenças passivas como
impessoais no PB seria como uma ‘gramaticalização’ de pro em PB como uma entidade
referencial.
Esse parece ser um bom caminho de análise, mas perceba que, com essa explicação, não
damos conta de dados de médias como os que vimos em (64) e (65), repetidos abaixo como
(70) e (71). Não podemos atribuir a agramaticalidade de (71) a uma interpretação de pro
referencial, visto que, em médias, o Agente implícito é concebido como uma entidade genérica.
66
(72) Essa camisa, ela lava fácil.
(72) mostra, então, que a derivação de sentenças médias parece ser bem diferente em
PB e em outras línguas românicas. Enquanto outras línguas românicas formariam médias a
partir de estruturas passivas, o PB teria uma formação independente para sentenças médias,
com um DP gerado como tópico. A estrutura das sentenças médias em PB será discutida com
mais detalhes no Capítulo 4.
Nesse quesito, o espanhol parece ser um caso extremo. No italiano, de acordo com
Cinque (1989), em certos casos, há opcionalidade de concordância. Compare (74) e (75), em
que o DP tema está no plural, mas a concordância do verbo com tal elemento varia.
67
Uma diferença entre o italiano e o PB, no entanto, é o fato de a opcionalidade ser
possível em todos os casos do PB, mas não do italiano.
(78) Espanhol
Se llamó a los bomberos para apagar el incendio
Se chamou aos bombeiros para apagar o incêndio.
‘Chamou-se aos bombeiros para apagar o fogo.’
(MACDONALD; 2015:12)
68
(79) Italiano
Qui, li si mangia spesso.
Aqui eles.ACC se come sempre.
‘Aqui se come eles(=os macarrões) sempre.’
(CINQUE, 1989:554)
(80) PE
%Comprou-se-os ontem.
‘Se comprou eles ontem.’
(MARTINS E NUNES, 2015:8)
Seria possível dizer que a agramaticalidade desses exemplos, quando traduzidos para o
PB, se deve ao fato de que o uso dos clíticos acusativos é bastante restrito nessa língua. Como
as próprias traduções dos exemplos acima evidenciam, pronomes pessoais são, muitas vezes,
sincréticos no PB, mantendo a mesma forma tanto no acusativo quanto no nominativo.
Todavia, um exemplo como (81) é gramatical tanto em PE, quanto em PB, nesta última
língua, em sua variedade formal.
Assim, muito embora não se possa dizer que DPs recebem Caso nominativo em
sentenças impessoais no PB, parece haver algum fator independente que impeça a realização
de clíticos acusativos nas contrapartes das sentenças de (78) a (80). No exemplo em (81), o
clítico acusativo recebe Caso do vezinho mais baixo, ligado ao verbo ‘comprar’ e não do
vezinho ligado ao verbo modal. Seja qual for a razão dessa restrição (fonológica ou sintática),
parece que vemos uma restrição independente em PB: por alguma razão, dois clíticos não
podem aparecer seguidamente, mas dois clíticos são licenciados se houver um elemento
interveniente entre eles.21
21 Repare que os dois clíticos em questão seriam o SE, em seu uso impessoal, e outro clítico com outra
especificação em termos de traços-phi. O fato de SE impessoal não poder ocorrer com SE reflexivo é uma restrição
69
Outra questão que distancia o PB de outras línguas românicas é a possibilidade de se
obter a interpretação de sentenças impessoais sem a morfologia característica: SE. Esse tipo de
construção é geralmente chamada de null impersonal, uma opção aparentemente presente em
todas as línguas parcialmente pro-drop. Essa construção vai ser mais explorada no Capítulo 6 .
Observe um exemplo em (82).
(82) Não usa mais esse estilo de redação. (MARTINS E NUNES, 2015:14)
Por ora, basta notarmos que SE-impessoais e null impersonals diferem, não só na
presença do SE como na presença de um pro. Se pro é o elemento responsável pela interpretação
humana em sentenças com SE, como vimos defendendo, outro elemento deve ser responsável
por essa interpretação em null impersonals, visto que essas sentenças são geralmente
agramaticais se expressões adverbiais orientadas para o agente são usadas (cf. (83)) entre outros
testes a serem discutidos pertinentemente.
comum a todas as línguas com esse clítico, como mostra a agramaticalidade do exemplo abaixo, tanto em PB
quanto em PE:
Em Martins e Nunes (manuscrito), essa restrição é analisada em termos de uma restrição de identidade (identity
avoidance). Em termos gerais, quando há dois expoentes do clítico SE ou ME ou TE na mesma fase, a forma
reflexiva do clítico, por ser a mais baixa, é deletada. Nos casos em que os clíticos estão em fases diferentes, o
apagamento não ocorre.
MARTINS, A.M.; NUNES, J. Co-occurrence restrictions on clitics in European Portuguese and Minimalist
approaches to Control. Ms. Universidade de Lisboa e Universidade de São Paulo. 2015
70
2.6.4 Sentenças reflexivas e inerentemente reflexivas
(84)
a. perda do SE em sentenças reflexivas inerentes;
b. uso do SE como uma marca reflexivizadora geral, que não concorda com os traços-phi
do argumento externo;
c. uso de pronomes plenos no lugar de SE.
22
Repare que, no caso de vestir, por exemplo, a porcentagem de ocorrências não-marcadas no dialeto paulista é
de 21%. No entanto, em julgamentos de gramaticalidade, falantes paulistas afirmam contundentemente que não
usam um verbo como ‘vestir’ sem SE. Frente a esse embate, há duas opções:
i. reflexivas inerentes não-marcadas no dialeto paulista começaram a ser usadas há pouco tempo e os
falantes não têm consciência da mudança em curso, visto que ela é recente;
ii. reflexivas inerentes não-marcadas são usadas somente por uma parte da população paulista.
71
Porcentagem 83 % não-marcados 14,04% não-marcados
O que essa pequena amostra parece sugerir é que, no dialeto mineiro, sentenças
reflexivas inerentes não-marcadas já são concebidas como possíveis por um grande número de
falantes (ou quase todos eles), enquanto no dialeto falado em SP, tendo a capital do estado como
representativa dessa variedade, essa é ainda uma opção que varia de falante para falante.
Os dois dialetos em questão, todavia, não divergem quanto ao empobrecimento do SE
– a possibilidade de que ele não concorde em traços-phi com o argumento externo – quando em
sentenças reflexivas ou reflexivas inerentes. Assim, embora uma sentença como (85) ainda soe
marginal para falantes escolarizados, (86) é frequentemente falada por esses mesmos falantes.23
(85) Eu se diverti.
(86) Nós se encontramos lá.
Isso nos mostra que, embora SE em contextos reflexivos seja mais usado do que em
contextos não-reflexivos, há também um enfraquecimento nessas formas. Outros contextos
podem ser explorados para mostrar esse enfraquecimento. Anáforas de longa distância, isto é,
que cruzam uma sentença, são possíveis em PE, como se vê em (87).
(87) Maria soube diretamente do João que alguém tinha falado mal de si.
(MENUZZI E LOBO, 2015:8)
Uma sentença como (87) é agramatical em PB. Todavia, como apontado por Menuzzi e
Lobo (2015), anáforas de longa distância são possíveis em PB em alguns contextos. Um deles
é se a anáfora estiver em uma oração infinitiva e/ou tiver como antecedente um quantificador
como ninguém, que desfavorece a presença de um pronome pleno.
23
Essa é a minha própria intuição, mas encontrei-a também, de forma indireta, em Menuzzi e Lobo (2015). Nesse
trabalho, várias formas pronominais do PB e do PE são comparadas, incluindo-se a anáfora SE. De acordo com os
autores, enquanto no vernáculo do PE, as formas anafóricas disponíveis são: me, te, se, nos, no vernáculo brasileiro,
elas seriam somente me e se. Repare, então, que, para o falante médio, a opção de usar SE quando o antecedente é
1ª pessoa do singular parece marginal.
72
(88) Ninguém jamais ouviu falar mal de si ??dele. (MENUZZI E LOBO, 2015:9)
Por último, outro indício de que sentenças reflexivas e reflexivas inerentes estão também
passando por um processo de mudança é a possibilidade de pronomes plenos estarem ligados
em alguns contextos no PB. (89) e (90) ilustram a possibilidade dessa ligação com verbos de
percepção quando um PP está presente.
Verbos que não fazem parte dessa classe não parecem tolerar essa ligação. Veja abaixo
exemplos de Menuzzi e Lobo (2015:6). Somente uma anáfora complexa como ele mesmo e SE
são licenciados com esses verbos.
Menuzzi e Lobo (2015) acreditam que as diferenças entre PB e PE no que diz respeito
a contextos anafóricos se devem ao fato de formas do SE terem pouca especificação em PB.
Portanto, para que elas sejam usadas, a ligação deve ocorrer em um contexto bastante local.
Isso explica os poucos contextos em que anáforas de longa distância são licenciadas em PB.
Em contraste, em PE, a ligação pode ocorrer em contextos de longa distância, portanto essas
formas, nessa língua, são mais especificadas.
73
Evento em PB Evento em outras línguas
românicas
Anticausativas Podem aparecer sempre não- Algumas são, obrigatoriamente,
marcadas (cf. Tabela 1.Marcação marcadas (cf. (59))
de verbos anticausativos)
SE-médias O DP pré-verbal não concorda O DP pré-verbal concorda com o
com o verbo (cf.(65)) verbo (cf. (39))
SE-impessoais Atribuição de Caso acusativo Atribuição de Caso acusativo não é
somente em alguns contextos restrita (cf.(78), (79) e (80)).
(cf.(81))
SE-passivas DP é sempre pós-verbal (cf.(66)) DP pode ser pré-verbal (cf.(67),
(68) e (62)).
SE-reflexivas Não precisam concordar em Concordam em traços-phi com o
traços-phi com o argumento argumento externo ((94) é
externo (cf.(94)) agramatical).
Quadro 3:SE-sentenças em PB e em outras línguas românicas
74
2009; BRITTO, 2009 para o PB). Sendo esse o caso, essa forma deveria ser analisada como
constituída de um ou mais traços-phi interpretáveis (como os pronomes geralmente são
analisados). Assim, levando-se em conta os contextos de distribuição de SE, parece precipitado
tratar esse elemento como uma anáfora e, a partir disso, derivar seu uso em contextos em que
ele seria um argumento externo. O que parece mais adequado é tratar SE como se fosse um
pronome, mas com menos traços-phi do que pronomes referenciais. Então, o uso desse elemento
como uma anáfora é uma consequência dessas propriedades de especificação desse clítico, mas
tal elemento não estaria inerentemente associado a uma função anafórica e ao Caso acusativo.
Se esse for o caso, uma pergunta que imediatamente se põe é: mas como a especificação
de traços-phi pode variar em contextos reflexivos? Isto é: como é possível que tenhamos formas
como Nós nos amamos, em que o argumento externo (Nós) e o argumento interno (nos) tem a
mesma especificação quanto a traços-phi?
Dados como esse, de fato, fomentam a suspeita de que a operação de Agree ocorre entre
o argumento externo e o argumento interno; então a ideia de que SE já nasce com traços-phi
especificados, como pronomes, parece errônea. Entretanto, é possível manter essa hipótese ao
examinar dados como (94). Se SE entra em uma relação de Agree com o argumento externo,
por que essa relação falharia em (94)?
(94) Eu se machuquei.
Uma alternativa para dar conta de dados como (94) é assumir uma teoria de pronomes
como a esboçada em Kratzer (2009). Essa autora menciona línguas como o russo, em que
pronomes reflexivos não fazem nenhuma distinção de número ou gênero, independentemente
do tipo de pronome que se encontre na posição de argumento externo. Nesses casos, a língua
não tem traços-phi disponíveis para vezinho e somente um traço reflexivo é transmitido para os
traços-phi na posição de complemento de V. Isso é precisamente o que parece estar ocorrendo
com o PB.
Embora SE tenha a mesma forma em suas versões nominativa e acusativa, elas são fruto
de relações diferentes com núcleos funcionais. SE como núcleo de Voice é o spell-out de um
traço-phi; já SE como complemento do verbo pode também ser o spell-out desse mesmo traço-
phi, mas é também a assinatura de reflexividade de vezinho (KRATZER, 2009). Caso a língua
possua traços-phi em vezinho, essa forma pode coincidir em traços-phi com o argumento
75
externo. Se a língua não possuir esses traços, ela será, tão somente, a assinatura de reflexividade
de vezinho.
Assim, essas formas parecem se manter mais em sentenças reflexivas porque o PB ainda
não tem um candidato alternativo para anáfora, embora pronomes plenos e anáforas complexas
sejam bons candidatos, como os dados acima mostraram. Todavia, como os exemplos também
mostram, as sentenças reflexivas em PB podem ser formadas somente com a assinatura
reflexiva, sem que vezinho entre com traços-phi na derivação, o que já caracteriza também uma
mudança no padrão de reflexivização do PB com relação às outras línguas românicas.
A direção de mudança que se observa, então, é, primeiramente, o desaparecimento de
SE, em contextos em que esse elemento está em Voice, mas não tem nenhum papel no evento,
como em anticausativas. Em seguida, percebe-se a afetação de eventos em que SE e pro são
responsáveis por derivar um participante arbitrário do evento (passivas, médias e impessoais)
e, em menor escala, contextos em que SE é usado para reflexivização são também afetados.
Esses últimos eventos são menos afetados porque SE é ainda a assinatura reflexiva de vezinho.
Nesta tese, optamos por estudar os contextos de mudança de eventos nos dois primeiros
grupos: anticausativas, em que SE é o núcleo de Voice, e médias, impessoais, em que SE,
juntamente com pro, deriva a interpretação arbitrária. Esses são os contextos em que a perda
do SE e a reestruturação do sistema, por conta disso, estão a pleno vapor. Ademais, nesses três
casos, SE é o núcleo da projeção de Voice, o que suscita a questão sobre alguma similaridade
na perda do SE nas três eventualidades mencionadas.
Nos capítulos seguintes, serão comparadas as eventualidades citadas quando SE é
manifesto e quando não é para mostrar que a estrutura dessas eventualidades mudou com a
perda do SE e, consequentemente, de pro.
76
3. ANTICAUSATIVAS NO PB
3.1 Introdução
77
A forma intransitiva, que aparece no exemplo (2), é aqui chamada de anticausativa.1 Para
qualquer corrente que trate da geração dessas sentenças, a sentença anticausativa é aquela à
qual falta um argumento externo.
Todavia, não é o caso de se pensar que esse argumento externo está implícito nessas
sentenças. Vimos, no capítulo 2, que os argumentos implícitos de um verbo podem ser de
variadas formas. Categorias do tipo pro e PRO raramente representam adequadamente as
microvariações entre estruturas que têm argumentos implícitos. No entanto, anticausativas não
passam em nenhum dos testes que acusariam a presença de qualquer tipo de agente implícito,
como os exemplos abaixo mostram.2 Ademais, essas estruturas aceitam adjuntos como
‘sozinho’, que indicam que a ação descrita pelo verbo ocorreu sem que uma causa específica a
promovesse.
Sentenças anticausativas, então, não envolvem um agente. Entretanto, uma vez que
sentenças anticausativas fazem parte de uma alternância, como a que vimos em (1) e (2), esse
fenômeno aparentemente simples levanta uma série de questões quando se propõe um
tratamento teórico para ele. Dentre elas:
1
Vou usar o termo causativas me referir a sentenças como (1) e anticausativas para me referir a sentenças como
(2). Esse termo privilegia os aspectos semânticos dessas sentenças. Note, todavia, que, às vezes, será necessário
abordar essas sentenças de um ponto de vista puramente estrutural e termos como transitivas e inacusativas podem
ser usados para (1) e (2), respectivamente.
Esses mesmos termos estruturais são usados quando falo de sentenças transitivas e inacusativas em geral, as quais
não precisam ser, necessariamente, causativas e anticausativas.
2
Testes inspirados na discussão presente nas páginas 20 e 21 de Alexiadou, Anagnostopoulou & Schaefer (2015).
3
Uma tradução mais adequada para by itself é por si só, que opto por não usar porque soa muito formal em PB.
Em vez desse adjunto, utilizo sozinho, uma expressão que facilmente evoca a ideia de sem causa particular e é
mais corriqueira na linguagem cotidiana. Já me foi sugerido o uso de do nada, termo que não adoto nesse contexto,
porque equivale, muitas vezes, a de repente. Algo que acontece de repente não necessariamente acontece sem a
promoção de uma causa, por exemplo, João limpou a casa do nada.
78
d) Por que alguns verbos podem ter Agentes e Causas como argumento externo, outros, só
Agentes, e ainda outros, só Causas?
e) Essa distinção entre papéis temáticos do argumento externo é relevante?
f) Por que há um conjunto de verbos mais ou menos constante que alterna em várias
línguas?
g) Por que algumas línguas possibilitam a alternância de alguns verbos a mais do que
aqueles pertencentes ao conjunto, e outras não permitem que todos os verbos do
conjunto participem dessa alternância?
h) O que é a morfologia das sentenças anticausativas?
Essas questões são sempre debatidas, mesmo que uma ou outra ganhe mais destaque na
literatura em uma certa época. A revisão teórica que buscaremos fazer aqui mostrará a resposta
de, pelo menos, três grupos de autores para essas questões.
Uma das abordagens mais conhecidas para a alternância causativa é a que foi proposta
por Beth Levin & Malka Rappaport Hovav (ou vice-versa) em uma série de trabalhos. As ideias
mais conhecidas das autoras são as expressas em Levin & Rappaport (1995), que são
sumarizadas abaixo:
DCC: uma raiz que seleciona um único argumento pode ser expressa em uma
sentença com um verbo transitivo se o sujeito representa uma causa direta da
eventualidade expressa pelo verbo e seu argumento.
(RAPPAPORT & LEVIN, 2011:15)4.
PCC: Quando uma mudança de estado é apropriadamente contida dentro de um
ato causador, o argumento que representa esse ato deve ser expresso na mesma
sentença que o verbo que descreve a mudança de estado.
(RAPPAPORT & LEVIN, 2011:16).5
(7) My son wanted to annoy me, so he threw my precious vase against the wall and it
broke.
(8) Meu filho queria me irritar, então ele jogou meu vasoi precioso contra a parede e elei
quebrou.
(9) Sally kept tugging on the door until it finally opened.
Sally continuou puxando a portai até que elai finalmente abriu
(RAPPAPORT & LEVIN, 2011:9)
4
No original: “The Direct Causation Condition: A single argument root may be expressed in a sentence with a
transitive verb if the subject represents a direct cause of the eventuality expressed by the root and its argument.”
5
No original: “The Proper Containment Condition: When a change of state is properly contained within a causing
act, the argument representing that act must be expressed in the same clause as the verb describing the change of
state.”
80
Em português, além dos casos da alternância agentiva, que discutirei no Capítulo 5 deste
trabalho, há também sentenças que expressam eventos em que, claramente, só um agente
poderia fazer algo aparecem na forma anticausativa, como em (10):
(11) Early summer heat blossomed fruit trees across the valley.
O calor do início do verão floresceu os pomares no vale.
(12) Salt air and other common pollutants can decay prints.
Maresia e outros poluentes comuns podem decair marcas (impressas).
(13) Raindrops selectively erode clay particles.
Gotas de chuva podem erodir partículas de argila.
(14) The onset of temperatures of 100 degrees or more, on top of the drought,
O início de temperaturas de 100 graus ou mais, no auge da estação seca,
has withered drops.
murchou as gotas.
(RAPPAPORT & LEVIN, 2011:11)
81
Causação direta se verifica entre o causador e o resultado final em uma corrente
causal: (1) se não há nenhuma entidade intermediária no mesmo nível de
granularidade como Causa inicial ou Causa final, ou (2) se alguma entidade
intermediária que está presente pode ser concebida como uma condição facilitadora e
não uma Causa interveniente.
(WOLFF, 2003:4-5)6
Para as autoras, essa é uma condição que explica, muito bem, a relação entre o
argumento interno e o argumento externo do verbo em sentenças causativas. Não são todas as
combinações de verbos com argumentos internos que levam à alternância. Os exemplos abaixo
mostram que open não alterna se o objeto for jar, por exemplo. Para abrir um pote, é geralmente
necessário aplicar uma forca contínua sobre a tampa. Assumindo que o pote esteja, de fato,
vedado, é improvável que uma Causa como vento ou mesmo um terremoto abram o pote. Em
contraste, uma janela pode abrir mais facilmente se o vento soprar.
Além disso, essa seria uma boa condição para explicar as sentenças de (11) a (14),
mostradas acima, que só podem ocorrer com uma Causa como argumento externo.
Crucialmente, verbos internamente causados podem ter um evento na posição de argumento
externo porque esses eventos independentes o calor do início do verão, em (11), a maresia e
poluentes em (12), etc. – são vistos como facilitadores dos eventos descritos pelo verbo.
Sentenças como as que vemos de (11) a (14) são, assim, um interessante exemplo da parte (2)
da ideia de causação direta de Wolff (2003), apresentada acima. A título de exemplificação,
consideremos a tradução de (11): O calor do início do verão floresceu os pomares no vale. Os
pomares vão, inevitavelmente, florescer devido a alguma propriedade inerente ao pomar, mas,
como é observado que o calor do início do verão facilita essa ação, tal evento pode ser
conceitualizado (usando a terminologia das autoras) como um argumento externo.
À DCC, é acrescida mais uma condição na revisão sobre a alternância causativa em
inglês, nomeadamente, a PCC, vista anteriormente. Tal condição explicaria porque o verbo
clear, de acordo com o contexto abaixo, não alternaria, uma vez que o balcão só pode ser limpo
6
No original: “Direct causation is present between the causer and the final causee in a causal chain (1) if there are
no intermediate entities at the same level of granularity as either the initial causer or final causee, or (2) if any
intermediate entities that are present can be construed as an enabling condition rather than an intervening causer.”
82
por alguém, o que requer que o argumento que inicia a mudança de estado nesse objeto seja
expresso:
Essas duas condições, mais do que explicitar características de verbos que alternam,
explicitariam sob que condições conceituais verbos internamente causados podem aparecer em
sentenças causativas. São elas: a Causa, que é o argumento externo, seria o desencadeador mais
direto da ação e verbos normalmente tidos como agentivos não podem alternar, porque a
mudança de estado está contida dentro de um ato causador.
Do ponto de vista descritivo, o trabalho das autoras é adequado. Entretanto, mesmo se
considerarmos esses critérios conceituais como linguisticamente relevantes, eles não nos
parecem suficientes dado que, mesmo nas línguas em que, por exemplo, essa DCC se aplica,
pode haver diferenças na estruturação sintática. Observe o dado abaixo, do grego, em que um
clítico é necessário para que verbos internamente causados apareçam com uma causa como
argumento externo.
83
Olympic Airways nos viaja (lit.) pelo mundo todo. (ALEXIADOU, 2006:7)7
A teoria de Hale e Keyser (2002) (H&K, daqui em diante) sustenta que a estrutura
argumental é determinada por dois fatores concorrentes: propriedades lexicais e estruturas
sintáticas em que determinados itens lexicais podem ocorrer. Para os autores, uma teoria de
estrutura argumental deve se preocupar com essa relação e não relegar a interpretação da
estrutura somente à interface, uma clara crítica a algumas correntes minimalistas.
Com base nesse preceito de que as diferenças de estrutura argumental estão relacionadas
a propriedades lexicais e estruturas sintáticas, os autores identificam quatro estruturas nas
línguas do mundo, esquematizadas em (21). Essas estruturas se referem à relação entre os
verbos e seu(s) argumento(s) interno(s). O argumento externo é inserido na sintaxe, refletindo
estudos de que esse tipo de argumento não é dependente só do verbo, mas da combinação desse
elemento com o seu argumento interno.8 Em tese, todas as línguas têm essas quatro estruturas.
7
ALEXIADOU, A. http://www.diffusion.ens.fr/bonus/2006_09_22_alexiadou.pdf. Hand-out apresentado no
Ealing 2006.
8
Perceba as diferenças de interpretação do argumento externo nas sentenças João tomou um porre e João tomou
um tapa
84
c Head* d Head
3
Spec Head*
3
Head* Comp
(H&K:13)
Entre as quatro estruturas acima, a que merece menção nesta tese é a diádica composta,
(21)b, aquela em que entram os verbos que participam da alternância causativa. A estrutura
diádica composta é ilustrada por meio dos seguintes exemplos para o inglês:
Por meio desses exemplos, percebemos que a estrutura que abrigará os verbos alternantes terá
de dar conta do fato empírico de que esses verbos ocorrem em sentenças transitivas
(=causativas) e inacusativas(=anticausativas). A estrutura para esse tipo de verbo, chamada,
como vimos, de diádica composta, é a que se encontra abaixo:
(25) V
3
DP V
3
V AP
85
Cabe ressaltar que o elemento que está na posição de complemento de V, na estrutura
(25), pode ser de qualquer categoria – muito embora, H&K não formalizem isso. O que os
autores sugerem é que, em línguas como o inglês, esse elemento tem características adjetivais,
mas isso não é, necessariamente, verdade, translinguisticamente. Para simplificação do texto,
chamo esse elemento de adjetivo, como os próprios autores fazem inúmeras vezes no decorrer
do livro.
Na estrutura diádica composta, V e A(P) estão em uma relação parasítica. Isto é, o
adjetivo satisfaz o requerimento selecional do verbo e o verbo, por sua vez, oferece uma posição
estrutural para que a predicação do adjetivo seja possível. Isto é, como o adjetivo precisa de
uma entidade com a qual estabelece uma relação (o menino bonito, o santo homem, etc), o verbo
provê, estruturalmente, uma posição para que essa entidade se realize.
A estrutura em (25), todavia, só dará conta das sentenças inacusativas (=anticausativas)
da alternância, como se vê abaixo:
(26) V
3
DP V
the leaves 3
the coconut V AP
the liquid turn red
the safe split open
froze solid
blew open
A solução é adicionar mais uma camada verbal à estrutura, para que se derive a sentença
transitiva. A estrutura da sentença transitiva (=causativa) passa, então, a ser como em (27):
(27) V1
3
V1 V2
3
DP V2
3
V2 AP
Nós adotamos a hipótese de que o núcleo verbal mais alto em (21) [=minha
representação (27)] é vazio. Na realidade, dada a nossa proposta geral, esse deve ser
o caso, já que a configuração envolvida aqui é construída a partir de uma subestrutura
intransitiva nucleada por turn [no caso de the leaves turned red, JC], o único núcleo
verbal realizado. O núcleo acima, membro da classe de núcleos monádicos, não é
realizado fonologicamente em separado. Digamos, informalmente, (...) que o núcleo
V1 tem uma matriz fonológica nula. Assumamos, também, como um princípio geral,
que uma matriz fonologicamente nula deva ser eliminada da representação
morfossintática das sentenças. Assumimos que isso é feito por conflation. Conflation
pode ser um tipo específico de incorporação, uma versão especial da Regra de
Movimento de Núcleo (Travis, 1984; Baker, 1988; mas veja capítulo 3), de acordo
com a qual a matriz fonológica de um complemento toma o lugar da matriz
fonologicamente nula que a governa. (H&K:11)9.
Tendo esse paradigma geral em vista, posso, agora, fazer algumas considerações sobre
a proposta. Percebemos que, embora a sentença intransitiva seja a básica, um núcleo verbal
vazio tem de ser postulado para que a sentença transitiva seja formada. Além disso, uma
operação como conflation faz uso de núcleos vazios ou fonologicamente defectivos – como no
caso dos deadjetivais, por exemplo – quando, na verdade, há propriedades definitórias que
diferenciam um adjetivo de um verbo. Essas propriedades definitórias seriam adquiridas pelo
adjetivo somente com a incorporação em uma matriz fonológica nula de um verbo?
Além do mais, alguns exemplos dos próprios autores podem colocar em xeque a
existência de conflation, como as estruturas da língua Warlpiri abaixo:
9
No original: “We have adopted the hypothesis that the upper verbal head in (21) is empty. In fact, given our
general proposal, this must be the case, since the configuration involved here is built upon the intransitive
substructure headed by turn, the sole overt verbal head. The upper head, a member of the monadic class of heads,
is not separately realized phonologically. Let us say—perhaps only informally, but nonetheless conveniently for
our expository purposes—that the upper head, V1, has an empty phonological matrix. And let us assume further,
as a general principle, that an empty phonological matrix must be eliminated from the morphosyntactic
representation of sentences. This is accomplished, we assume, through conflation. Conflation may be a specific
kind of incorporation, conforming to an especially strict version of the Head Movement Constraint (Travis 1984;
Baker 1988; but see chapter 3), according to which the phonological matrix of a complement replaces the empty
matrix of the governing head.”
87
No espírito da análise de H&K, essas expressões teriam, possivelmente, a seguinte
análise: em (29), wiri representa a raiz que faz conflation com o núcleo que a governa (jarri) e
forma um núcleo verbal inacusativo; em (30), wiri também é um núcleo adjetival que faz
conflation com o núcleo verbal que o governa (nesse caso, nulo) e em seguida com o núcleo V1
(ma). Uma análise como essa parece levantar uma série de questões: (a) por que, em tal língua,
para a formação de inacusativas o núcleo V2 é aberto (jarri) e, para a formação de causativas,
não? Como definiremos o limite de um núcleo fonologicamente defectivo dado que, em (29),
jarri não parece ser fonologicamente defectivo?
Essas questões parecem trazer evidências de que, em (29) e (30), temos duas formações
independentes, sem conflation. Partindo desse pressuposto, cada uma delas seria estruturada da
seguinte maneira:
(31) VP
3
jarri NP10
wiri
(32) VP
3
ma NP
wiri
Com base nisso, o fato de, no inglês, vários adjetivos, verbos e nomes terem a mesma
forma fonológica, um dos argumentos a favor de conflation usado por H&K, se deve ao fato de
que essa língua pode não ter expoentes fonológicos para os categorizadores a, v e n. Portanto,
em vez de conflation, posso assumir que a forma fonológica de clean (v) e clean (adj) é a mesma
porque esses categorizadores não têm expoente fonológico. Observe as representações:
10
Essa é, obviamente, uma representação simplificada, já que NP é a projeção máxima do nome wiri. A não ser
quando necessário, não desmembrarei a estrutura interna de projeções máximas.
88
(33) V
3
v √clean
(34) A
3
a √clean
Com base nessa hipótese de que há estruturas independentes para sentenças inacusativas
e causativas e que o significado dos verbos é composto pela interação da raiz com núcleos
funcionais, passemos à próxima seção, em que os trabalhos de Alexiadou, Anagnostopolou e
Schäfer (2006) é discutido.
89
(35) He broke his promise / the contract / the world record.
Ele quebrou sua promessa/o contrato/ o recorde mundial.
‘Ele quebrou a sua promessa/ o contrato/ o recorde mundial.’
(36) *His promise / the contract / the world record broke.11
*Sua promessa/*seu contrato/ *o recorde mundial quebrou.
(37) He broke the vase.
Ele quebrou o vaso.
‘Ele quebrou o vaso.’
(38) The vase broke.
O vaso quebrou.
‘O vaso quebrou.’ (AAS, 2006:180)
11
Na sentença (36) acima, o asterisco está só no primeiro DP no texto original dos autores, mas os três DPs seriam
agramaticais nessa estrutura.
12
AAS (2006) se referem a abordagens lexicalistas como ‘derivacionais’ porque uma sentença é derivada da outra.
13
Translinguisticamente, observa-se que adjuntos causais são sempre aceitos em sentenças anticausativas. A
aceitação de adjuntos instrumentais varia de língua para língua.
90
A agramaticalidade de (40) sugere que a sentença anticausativa tem uma estrutura
própria, independente da sentença causativa. Ligada a essa sugestão, está a possibilidade de
alternância para verbos que só possuem argumentos externos Agentes, quando em sentenças
transitivas, como ocorre com os dados do grego em (41) (compare esses dados com (35) e (36),
do inglês):
Para Levin & Rapapport (1995) e Reinhart (2003), essas sentenças não deveriam
alternar porque o papel temático do argumento externo não pode ser variável. O fato de
alternarem em grego reforça que a alternância não deve estar ligada estritamente ao argumento
externo, desfavorecendo a proposta de detransitivização das duas autoras supracitadas.
A distribuição de PPs em anticausativas e passivas no grego e no alemão também é
investigada e os autores chegam ao seguinte quadro final: anticausativas licenciam PPs que são
Causas, em todas as línguas estudadas, ou Instrumentos, em algumas, enquanto passivas
licenciam PPs com variados papéis temáticos, inclusive o de Agente. Isso leva a três conclusões:
a) há uma camada causal nas anticausativas; b) a diferença entre passivas e anticausativas não
está relacionada à presença do argumento externo nas passivas e sua falta nas anticausativas; c)
a real diferença entre anticausativas e passivas se dá em virtude da presença de traços agentivos
somente no último tipo de evento.
Após levantarem essa série de problemas para as abordagens de detransitivização e de
transitivização, os autores apresentam sua própria proposta. A estrutura dos verbos de mudança
de estado seria como a seguir: [Voice [CAUS/v [Root ]]], em que CAUS é um tipo de vezinho.
O núcleo de Voice introduz argumentos externos e está ligado a duas noções temáticas: Agente
e Causa. Os autores entendem como Causa o DP que nomeia um evento causador14 e, como
Agente, a propriedade de um DP que inicia o evento. O núcleo Voice pode estar ativo e, assim,
14
Para mais detalhes da proposta de que Causa não é um papel temático que possa ser igualado à Agente, consultar
Pylkkänen (2002).
91
o papel temático relevante será realizado em seu especificador; se é passivo, o papel temático
relevante será implícito. As estruturas para as anticausativas possíveis nas línguas naturais são
as que se encontram abaixo15:
(42) vP
3
DP v’
3
v √ (ALEXIADOU, 2006:16)
(43) VoiceP
3
-ext.arg. Voice’
3
Voice vP
-AG 3
DP v’
3
v √
(ALEXIADOU, 2006:16)
15
Embora eu esteja apresentando a abordagem de AAS, as estruturas apresentadas não estão em um artigo, mas
em um hand-out de um curso dado por Artemis Alexiadou no Ealing 2006:
http://www.diffusion.ens.fr/bonus/2006_09_22_alexiadou.pdf. Apresentamos as estruturas aqui porque elas são
representações fidedignas da proposta e para facilitar o entendimento.
92
(44) √ agentiva (murder, assassinate) – não alternam geralmente, portanto só aparecem
em contextos em que Voice [+AG], ou seja, só aparecem em sentenças transitivas.
(45) √ causada internamente (blossom, wilt) – não alternam; só podem expressar
causação indireta, então não terão combinação de v+Voice para formar causativas.
(46) √ causada externamente (destroy, kill) – alternam em algumas línguas, então,
parametricamente, podem entrar em uma configuração com Voice [-AG] ou com
vezinho, se não houver morfologia envolvida.
(47) √ causa não especificada (quebrar, abrir) – alternam em todas as línguas, então
entram em uma configuração estrutural em que haja Voice [-AG] ou vezinho, a
depender da língua.
Por que alguns verbos Por causa de Não mencionado. Para Propriedades derivadas
podem ter Agentes e condições os autores, a introdução da combinação de
Causas como argumento conceituais. de argumento externo é v+Voice.
sintática, enquanto as
93
externo, outros, só Agentes estruturas em que os
e ainda outros, só Causas? verbos e seus objetos
entram são manipuladas
no léxico.
Essa distinção entre papéis Sim, dado que os Não. Sim, porque é construída
temáticos do argumento verbos que são a partir de blocos de
externo é relevante? tidos como significação.
internamente
causados só
aceitam causas.
Por que há um conjunto de Questão não Questão não tratada Porque possuem uma
verbos mais ou menos tratada no texto. diretamente, mas, tipologia de raízes mais
constante que alterna em possivelmente, por ou menos constante.
várias línguas? serem mais ou menos os
mesmos verbos com um
componente escalar/de
medida nas línguas.
Por que algumas línguas Questão não Questão não tratada no Questão exemplificada no
possibilitam a alternância tratada no texto. texto. texto, mas não explicada.
de alguns verbos a mais do
que aqueles pertencentes
ao conjunto, e outras não
permitem que todos os
verbos do conjunto
participem dessa
alternância?
O que é a morfologia das Questão não Questão não tratada do Um tipo de VoiceP.
sentenças anticausativas? tratada do texto. texto.
As sentenças anticausativas, por outro lado, aceitam tanto adjuntos causais (50), quanto eventos
causadores (51).
94
Assumindo que adjuntos são licenciados em projeções que contenham traços semânticos
compatíveis com os do adjunto (cf. ALEXIADOU, 1997:17; CINQUE, 1999:cap.1), será
possível sugerir que há uma projeção v-CAUSE em sentenças anticausativas, como (50), mas
não no membro inacusativo da alternância agentiva, em (48).
Como observam AAS (2006, 2015), isso nos leva a pensar que causatividade não é uma
propriedade exclusiva de sentenças transitivas causativas, isto é, de sentenças que tenham um
argumento externo, mas uma propriedade de uma dada estrutura. Se isso for verdade, sentenças
anticausativas devem responder da mesma forma que sentenças causativas a testes sintáticos
que acusem a presença de causatividade. Um teste que pode mostrar isso é o comportamento
de sentenças anticausativas e causativas com o modificador de novo. Esse modificador evoca
duas leituras – uma repetitiva e uma restitutiva, se a estrutura tiver semântica causativa. O
exemplo (52), abaixo, mostra isso.
16
Salvo em casos em que esses verbos apareçam em sentenças resultativas, por exemplo. Mesmo assim, sentenças
resultativas sempre possuem uma camada de resultado e é em virtude disso que a leitura resultativa está presente
(cf. Embick, 2004).
95
(53) João pintou a porta de novo.
Leitura repetitiva: João pinta a porta de sua casa de 5 em 5 anos. Na última vez
em que pintou a porta da sua casa ainda era 2010. Como estamos em 2015, então,
ele pintou a porta de novo.
#Leitura restitutiva: A porta da casa de João estava descascando. João, então,
pintou a porta para que ela voltasse a ser como era antes de a pintura começar a
descascar.
Como o contraste com o verbo de atividade pretendeu mostrar, nos dois grupos de
sentenças, causativas e anticausativas, que são transitivas e intransitivas, esse modificador é
ambíguo, podendo se referir à repetição do evento todo ou de sua parte resultativa.17/18
17
Outro teste que mostra que anticausativas são bieventivas é a ambiguidade com o modificador quase. Por
exemplo, em A porta quase fechou, a porta quase começou a fechar ou quase terminou. Esse teste não foi aplicado
no corpo do texo, mas o leitor pode perceber que os mesmos resultados seriam obtidos.
18
Agradeço à Ana Paula Scher por me ajudar a melhorar os contextos em (54) e (55).
96
Leitura repetitiva: No dia da chuva, o vento abriu o portão com muita força.
Para evitar que ele quebrasse, o João colocou uma escora na base do portão, mas,
o vento abriu o portão de novo. (Outra vez, houve um evento em que o vento
abriu o portão)
Leitura restitutiva: No dia da chuva, o vento não deixava o portão parar
fechado: ele ficava abrindo e fechando o tempo todo. Aí, o João deixou o portão
aberto e escorado para que ele não ficasse batendo com a ventania. Quando a
Maria entrou, ela pensou que era para fechar o portão e fechou. Daí, como a trava
era frágil, o vento abriu o portão de novo e começou a bateção outra vez. O
portão estava aberto antes e, outra vez, ele voltou para o estado de aberto.
97
Portanto, a diferença clara de transitividade entre sentenças causativas e anticausativas
se dá em virtude de as primeiras introduzirem um argumento externo em Voice, mas não as
segundas. A alternância causativa é, então, uma alternância de Voice (cf. AAS,2015:29).19
Nesta seção, vimos então que as sentenças anticausativas têm propriedades definidoras
que se aplicam translinguisticamente: exibem a presença de um v-CAUSE que licencia adjuntos
causais e são bieventivas, com a presença de um evento causador e um evento resultante, o que
se nota pela ambiguidade de escopo de um operador como de novo. Se as sentenças
anticausativas marcadas e não-marcadas tiverem estrutura diferente, esperaremos que elas
reajam diferentemente a esses dois testes. Isso será investigado na próxima seção.
Nesta seção, faremos os dois testes que acusam a estrutura de anticausativas motivada
na seção anterior, presença de um v-CAUSE e de bieventividade, nas anticausativas marcadas
e não-marcadas. Veremos que os dois tipos de sentença não diferem quanto à estrutura sugerida
na seção anterior. A presença de SE em anticausativas marcadas, então, não impacta a estrutura
do evento, porque SE não é ‘computado’ como um argumento nesse tipo de evento. O papel de
SE em sentenças anticausativas vai ser mais detalhado nas seções seguintes a esta. Por ora,
concentro-me nos testes que acusam que a estrutura de eventos é a mesma em sentenças
anticausativas marcadas e não-marcadas.
19
Mesmo após demonstrar que tanto sentenças anticausativas, quanto causativas são causativas, continuo me
referindo a essas sentenças da mesma forma, já que esses nomes já estão consagrados na literatura.
98
(59) O portão (se) abriu com a força de Maria.
(60) O portão (se) fechou com o vento.
(61) A fábrica (se) modernizou com a reforma.
99
3.5 Avaliando argumentos sobre o papel de SE em anticausativas
Muito embora eu tenha defendido que o SE em anticausativas não têm nenhum importe
semântico, em PB e em outras línguas, já foram atribuídos diversos papéis para essa marca. Nas
subseções abaixo, discuto somente afirmações que foram feitas para o PB.
Essa proposta nos parece problemática por duas razões: a primeira são as evidências de
que a estrutura anticausativa se aplica, também, às causativas. Se o metapredicado CAUSE é
suprimido para que a estrutura anticausativa (incoativa, nos termos das autoras) seja gerada, há
de se encontrar uma explicação para o fato de que adjuntos causais sejam licenciados em
anticausativas. Além do mais, estruturas anticausativas são compostas de dois eventos como
sentenças causativas, como os testes com o advérbio ‘de novo’ deixam entrever. Assim, seria
estranho que, mesmo com a perda do metapredicado CAUSE, a ambiguidade de ‘de novo’ fosse
preservada. A diferença entre os dois eventos se deve à presença de uma projeção temática de
VoiceP em causativas, mas não em anticausativas (anticausativas podem ter Voice, mas não é
uma projeção temática, cf. seção 3.7).
A segunda razão é que, mesmo dentro de uma língua, não são todos os verbos que
alternam que são marcados. Geralmente, as línguas possuem verbos que são categoricamente
marcados com SE, verbos que não são marcados com SE e verbos que são, opcionalmente,
marcados com SE (cf. ALEXIADOU & ANAGNOSTOPOLOU 2004, entre outros). Como
Cançado, Godoy e Amaral (2013) não fazem uma divisão morfológica dos verbos alternantes,
mas sim semântica, as autoras apresentam mais classes do que as três mencionadas
(obrigatoriamente marcados, opcionalmente marcados, não-marcados). A classe de verbos de
mudança de estado opcionalmente volitivos, representada por quebrar, é uma das classes em
que a presença de SE seria possível. Todavia, um verbo como ferver, que participaria dessa
100
classe, não aceita a presença de SE: *O leite se ferveu. Além disso, Carvalho e Bassani (2014)
pontuam que um dos exemplos dados pelas autoras com o verbo fraturar, marcado como
pertencente a essa classe, não ocorre em sentenças anticausativas com SE. Além do julgamento
de Carvalho e Bassani (2014), que consideram agramatical a sentença A cabeça se fraturou,
oferecida como exemplo em Cancado, Godoy e Amaral (2013:193), 3 entre 4 falantes também
julgaram-na como agramatical e 1 falante mostrou incerteza.20
O que essa breve exposição mostra é que a presença ou a ausência de SE não parece
estar ligada à semântica de verbos na língua. De um ponto de vista formal, os verbos
anticausativos são marcados porque a língua possui meios de formar eventualidades com
inacusativas com SE e generaliza essa possibilidade de estruturas inacusativas na língua. De
um ponto de vista funcional/semântico, eventualidades com SE tendem a ser menos
espontâneas que aquelas denotadas por verbos internamente causados, como florescer,
murchar, apodrecer, que não precisam de nenhuma causa externa para acontecer (AAS,
2015:30; HASPELMATH,1993). Mesmo assim, a correspondência não é sistemática. Em
alemão, por exemplo, quebrar (zerbrachen) é da classe de verbos nunca marcados, muito
embora seja uma eventualidade menos espontânea do que as denotadas por verbos internamente
causados. Assim, não há relação entre a semântica de uma classe verbal e a presença de SE
dentro de uma mesma língua ou entre línguas.
Negrão e Viotti (2008, 2010, 2015 entre outros) aventam hipóteses para que a
alternância agentiva ocorra no PB (construções absolutas para as autoras, cf.discussão no
cap.5). Ao examiná-las, as autoras comparam sentenças anticausativas com e sem SE para
fomentar a hipótese de que o modo de conceitualização de eventos no PB tem mudado. Mais
especificamente, as autoras argumentam que sentenças anticausativas com SE possuem um
iniciador do evento (ainda que abstrato) e sentenças sem esse clítico não possuiriam esse
iniciador. Abaixo, examinamos alguns dados que mostrariam isso, de acordo com as autoras.
Em Negrão e Viotti (2008), por exemplo, são examinados alguns exemplos de verbos
que participam da alternância spray/load (cf. LEVIN,1993:117) em PB. Para as autoras, verbos
que participam dessa alternância em PB se comportam diferentemente com e sem o clítico SE.
O exemplo (65) mostra que a forma marcada licencia duas preposições: com e de.
20
Outros aspectos de Cançado, Godoy & Amaral (2013) são analisados em Carvalho e Bassani (2014).
101
(65) A blusa se impregnou toda com/de perfume.
(NEGRÃO E VIOTTI 2008:198)
Todavia, sentenças como (66) com a preposição com são aceitas pelos falantes.22
Exemplos encontrados na internet também mostram que a preposição com é usada com esses
verbos quando eles são não-marcados, tanto em acepções literais (67), quanto metafóricas (68).
No mesmo texto, são oferecidos dois contrastes entre anticausativas marcadas e não-
marcadas, apresentados abaixo. Primeiramente, uma diferença em relação ao licenciamento de
modificadores temporais. Esse contraste não existe para nenhum dos falantes que consultei.25
21
Jeannique Darby (comunicação pessoal) julgou a tradução de (66) para o inglês como agramatical. Em Levin
(1993), a possibilidade de verbos intransitivos serem licenciados na alternância spray/load não é mencionada. Isso
mostra que a alternância entre formas transitivas e intransitivas dos verbos constituintes dessa alternância não
encontra paralelo em inglês.
22
Em um encontro do grupo de pesquisa GREMD em que um texto meu com essa sentença foi discutido, todos os
participantes julgaram a sentença (66) gramatical se a preposição com fosse usada. João Paulo Cyrino, todavia,
não aceita verbos da alternância spray/load sem o SE em PB, portanto a sentença (66) seria agramatical
independentemente da preposição utilizada. Isso e o fato de essas sentenças não alternarem em inglês sugerem que
elas não sejam anticausativas.
23
Extraído de: http://www.brejas.com.br/cerveja/brasil/Biertruppe-Vintage-No-1/ Último acesso: 12 de setembro
de 2015.
24
Extraído de: http://ligarone.com.br/blog/testei-creative-crazy-colors/ Último acesso: 12 de setembro de 2015.
25
Novamente, essa sentença foi discutida em uma reunião do grupo de pesquisa GREMD.
102
Um outro contraste entre sentenças anticausativas marcadas e não-marcadas no que diz
respeito ao licenciamento de advérbios.
Embora esse contraste não exista para mim, ele existe para alguns falantes.26 Teríamos,
nesse caso, um exemplo da diferença entre anticausativas marcadas e não-marcadas. Essa
diferença, todavia, não aponta necessariamente uma diferença de sentido, mas uma diferença
estrutural entre (71) e (72). Em (71) e (72), vemos o mesmo tipo de advérbio, advérbios de
modo com e sem a terminação –mente. A literatura sobre essa variação no PB (cf. FOLTRAN,
2010; LEUNG, 2007:29-30, entre outros) notou que ela só ocorre com advérbios de modo e
não com advérbios orientados para o agente (Ela não fez o dever *deliberado/
✓deliberadamente), que estão em Voice, ou advérbios ligados ao ato de fala (*Franco/
✓Francamente, você não está ajudando!), que estão no complexo CP. Assim, a alternância
entre as duas formas de advérbios não significa uma mudança de significado, mas, por alguma
razão que não nos é clara, para alguns falantes, a forma com SE impediria a modificação com
o adjetivo, que é mais baixa, do que a modificação adverbial.27 Os dois tipos de modificação,
todavia, por estarem ligados à ideia de modo estariam na área vP/VP e não estariam ligados à
presença de um agente.
Em Negrão e Viotti (2010), são oferecidos outros exemplos que mostrariam o contraste
de modificação entre sentenças anticausativas marcadas e não-marcadas. Primeiramente,
observemos o contraste entre os dados abaixo.
26
Um julgamento parecido pode ser encontrado para sentenças médias do PB. Rodrigues (1998) reporta o seguinte
julgamento para sentenças médias marcadas do PB ‘Esses dentes se amolecem ??fácil/facilmente’ (RODRIGUES
1998:160). No caso de sentenças médias, essa diferença entre o adjetivo com uso adverbial e o advérbio
propriamente dito é mais clara para mim, provavelmente, em virtude da leitura arbitrária presente nesse tipo de
eventualidade. Não obstante, em Pacheco (2008), sentenças médias marcadas são apresentadas com modificadores
adjetivais. Uma breve discussão sobre isso se encontra no capítulo 4.
27
A razão não nos é clara porque, como vim argumentando, SE não está dentro do vP em anticausativas. Portanto,
sua presença não deveria favorecer um tipo de modificação que ocorre abaixo da projeção a que se concatena. Para
começar a responder essa questão, é necessário um mapeamento de várias questões a serem consideradas, como,
por exemplo, se a variação de julgamento entre falantes, nesse caso, se deve a algum contexto que propicie o uso
da forma –mente, por exemplo. Deixo essa questão para trabalhos futuros.
103
(NEGRÃO & VIOTTI, 2010: sem página, exs. (66) e (67)).
Uma busca em sites da internet (buscador google) pela oração (74), exatamente como
se vê no exemplo – ou seja, uma procura com aspas em torno da expressão, que retorna
sentenças com exatamente as mesmas palavras, na mesma ordem e sem elementos
intervenientes – retornou 1.750 exemplos. Devo salientar que muitos dos exemplos que li são
de obras literárias, porque, como apontado no capítulo 2, anticausativas marcadas não são
frequentes na língua falada.
Todavia, a sentença (74) pode causar estranhamento dependendo da leitura atribuída a
ela. Essa sentença é estranha, se a interpretação dada a ela for reflexiva e não anticausativa,
porque porta não é uma entidade animada para fazer uma ação sozinha (compare com O João
se pesou sozinho (na balança)).28 Outra questão é o uso de modificador sozinho. Como
mencionado na nota de rodapé 3, o modificador por si só é praticamente encontrado só em
textos formais (falados ou escritos). A modificação produtiva de anticausativas é com o
modificador sozinho. Há de se averiguar, então, se a estranheza atribuída a (74) não é pela
presença do modificador sozinho em vez do modificador por si só, já que anticausativas
marcadas são comuns em textos formais. Em outras palavras, (74) seria marginal por uma
questão de registro e não de gramaticalidade.
Em Negrão e Viotti (2015), exemplos com o verbo afundar são oferecidos para ilustrar
o contraste. Dois contrastes entre sentenças marcadas e não-marcadas com afundar estão
abaixo. Discutamos, primeiro, o licenciamento de sozinho em (75) e (76).
28
Em consultas sobre variados aspectos de sentenças anticausativas, eu ouvi de 3 falantes, em ocasiões diferentes,
que anticausativas marcadas soavam como sentenças reflexivas. Para esses falantes, haverá, obviamente, uma
diferença entre as sentenças em contraste neste capítulo. Repare, todavia, que a diferença não é de significado,
mas é uma diferença em virtude de que a variação aqui apontada já não existe mais para esses falantes: eles só
usam anticausativas não-marcadas.
104
Um claro exemplo disso é visto quando procuramos essa sentença no buscador google.
Apesar de 1.040 exemplos terem sido encontrados, após a restrição de país, somente 27
ocorrências são de sites brasileiros. Todavia, um exame detalhado das ocorrências mostra que
vários desses sites contêm material que não foi escrito no Brasil, apesar de esses sites
apresentarem a terminação ‘.com.br’. Isto é, independentemente do país de origem do material,
os servidores de alguns sites adicionam a terminação ‘.com.br’ ao site, porque a busca foi feita
no Brasil, portanto não sabemos o país de origem do texto. Isso fica claro ao ler as notícias em
que sentenças como O navio se afundou aparecem. Elas possuem expressões não usadas no
Brasil, como agência noticiosa.29 Assim, há claros indícios textuais para mostrar que, dessas
27 ocorrências, poucas, para não dizer nenhuma, devem ter sido escritas por falantes de PB.
Desse modo, o contraste entre as sentenças (77) e (78), também presente no texto das
autoras, já seria problemático porque afundar não é concebido como marcado pelos falantes.
(77) *O navio afundou como uma estratégia do capitão para driblar o inimigo.
(78) ?O navio se afundou como uma estratégia do capitão para driblar o inimigo.
(NEGRÃO E VIOTTI, 2015:49)
Assim, qualquer que seja a interpretação dada a (78), ela não é de uma sentença
anticausativa. Não estaríamos, assim, interpretando o mesmo evento nas sentenças acima. Outra
questão a se levar em conta é que anticausativas não possuem um agente implícito, como os
testes de (3) a (6), repetidos abaixo como (79) a (82), mostram.
O que o adjunto ‘como uma estratégia do capitão para driblar o inimigo’ introduz em
(77) e (78) é justamente uma ação feita por um humano (uma estratégia do capitão) para o
evento descrito pelo verbo. Todavia, sentenças anticausativas não possuem um agente implícito
e, portanto, rejeitarão adjuntos que apontam ações que dependem de um agente. A
29
Expressão encontrada na reportagem disponível no site:
http://noticias.uol.com.br/ultnot/lusa/2007/12/21/ult611u76125.jhtm. Último acesso: 15 de setembro de 2015.
105
agramaticalidade de (77) reside justamente nisso. Se (78) é julgada como uma sentença
possível, a interpretação dada a ela é relativa a um dos eventos em que SE tem leitura de
participante. Novamente, isso mostra que a comparação entre (77) e (78) é problemática.
Com essa exposição em que mostro que anticausativas marcadas e não-marcadas não
possuem uma semântica diferente, não quero dizer que SE não tem nenhuma semântica. Em
Carvalho (2014) defendi que SE tem uma semântica bastante vaga, semelhante à semântica de
plural. Assim, em sentenças anticausativas, em que esse elemento não é computado como um
participante do evento, a presença ou ausência de SE não tem nenhum impacto na estrutura do
evento e tentativas de mostrar diferenças entre anticausativas marcadas e não-marcadas não
apontarão para uma regularidade. Com essa visão em mente, na próxima seção, exploramos a
estrutura de anticausativas marcadas. A pergunta a ser respondida é: se a estrutura do vP é a
mesma em anticausativas marcadas e não-marcadas e não há um agente nesse tipo de sentença,
onde SE deverá ser concatenado em sentenças anticausativas?
Seguindo AAS (2006), além de Schäfer (2008), vou assumir que a morfologia de
anticausativas se encontra em Voice. Ou seja, anticausativas marcadas diferem de anticausativas
não-marcadas por terem uma projeção de Voice, onde SE é concatenado. As estruturas em (42)
e (43), apresentadas quando se discutia a representação de anticausativas marcadas, são
retomadas abaixo para ilustração de suas diferenças. Note que a estrutura em (84) é uma versão
adaptada da estrutura em (43), baseada em uma discussão mais atual sobre a estrutura desses
eventos, presente em AAS (2015).
A estrutura de Voice que vemos em (84) é chamada de Voz ativa expletiva (expletive
active Voice) em virtude de seu contraste com outros tipos de projeção de Voice. Os dois tipos
relevantes de Voice para a presente discussão que contrastam com a estrutura em (84) estão
representados abaixo.
O primeiro tipo de Voice com que (84) deve ser contrastado é (85). Nesse exemplo,
representa-se a Voz temática ativa (thematic active Voice), que é o núcleo de Voice tal como
definido em Kratzer (1996), o núcleo que introduz o argumento externo. Pode-se notar que um
aspecto diferente entre (84) e (85) é a presença de uma variável no núcleo de Voice em (85).
Essa variável introduz o argumento externo. (85), então, representa a estrutura canônica de
sentenças transitivas.
(85) VoiceP
3
DP Voice’
3
Voice {λx,D} vP
3
DP v’
3
v √
(estrutura expandida a partir de AAS, 2015:109)
107
(86) VoiceP
3
Voice {Ø, Ø } vP (AAS, 2015:109)
(84) difere de (85) porque uma variável de argumento externo não está presente naquela
primeira representação. Isso justifica, em parte, a qualificação ‘expletiva’ ao tipo de Voice em
(84), já que o elemento que aparece nesse tipo de Voice não recebe papel temático,
comportando-se, pois, como um expletivo. Por sua vez, a comparação entre (84) e (86) deixa
claro que o primeiro tipo de Voice é ativo, já que contrasta com (86), em que a morfologia não-
ativa é usada. Essas estruturas serão retomadas na próxima seção, em que discutiremos vários
aspectos da proposta de Voz Expletiva. Por ora, tendo apresentado as estruturas, discutamos a
motivação para a presença de uma Voz Expletiva.
Como dito nas seções acima, especialmente na seção 3.6.2, parece não haver nenhuma
diferença significativa entre anticausativas marcadas e não-marcadas. Somente a presença dessa
marca não contribui significativamente para nenhuma diferença entre esses dois grupos.
Ademais, a marcação de anticausativas não segue nenhuma regra específica, nem dentro de
uma língua nem entre línguas. Assim, a projeção em que esse elemento sofre merge não pode
ser concebida como uma projeção em que papel temático é atribuído. É uma projeção
puramente sintática. Portanto, Voice em anticausativas se nos apresenta como um caso em que
a exponência morfológica de um elemento está dissociada de uma contribuição semântica.
Chamar Voice de voz expletiva nesses contextos é, precisamente, uma forma de evidenciar isso.
Schäfer (2008) e AAS (2015) mostram exemplos claros do alemão de que o pronome
fraco sich é computado sintaticamente, muito embora não tenha uma contribuição semântica.
Alguns desses fatos são mostrados abaixo. Primeiramente, o elemento sich exibe ordem livre,
assim como pronomes plenos no alemão.
Mais uma evidência para isso é o fato de o DP com papel temático Tema em
anticausativas ter uma leitura ambígua entre existencial e específica, se é antecedido por sich,
como em (89). Se esse mesmo DP é fronteado, ele perde a leitura existencial e passa a ter a
leitura específica, cf. (90). Seguindo Diesing (1992), isso significa que o DP com papel temático
Tema é gerado dentro do vP: a ordem básica, então, seria a que se vê em (89). Isso é uma
evidência de que sich é gerado fora do vP.30 Juntamente com as evidências apresentadas acima,
a presença de um tipo específico de Voice em anticausativas fica embasada.
30
Com o uso de outros testes, cheguei à mesma conclusão sobre anticausativas do PB na seção 3.5.
109
Voz expletiva tem traços não-valorados e sonda o seu domínio de m-comando. Esse
elemento, então, concorda com o reflexivo SE no seu especificador, mas nenhuma
valoração acontece já que tanto os traços da sonda quanto os do reflexivo SE são não-
valorados. Para ter seus traços valorados, Voz expletiva sonda a árvore para baixo e
concorda com o DP interno. Esse DP vai valorar tanto a Voz expletiva quanto o
reflexivo SE, que está no especificador dessa categoria. Na fase de CP, voz expletiva
vai entrar em uma operação de agree cíclico com T. (AAS, 2015:112)31
T vP
3
(91) ilustra que v (ou Voice) é tido como o núcleo em que as valorações começam a ser
feitas e que a primeira valoração busca um DP com traços interpretáveis para valorar os traços
de v (ou Voice). O primeiro Caso atribuído a um elemento, nesse sistema, é o Caso não-
marcado, ou seja, nominativo. Após esse caso ser atribuído, o DP que resta recebe Caso
acusativo. Assim, sich, que só receberá caso após a valoração do DP tema, receberá caso
acusativo.
31
No original: VoiceExpletive has unvalued phi-features and probes its m-command domain. It agrees with the SE-
reflexive in its specifier, but no valuation can take place since the phi-features of the SE-reflexive are unvalued,
too. In order to get its features valued, VoiceExpletive will probe the tree downwards and agree with the internal
argument DP. This DP will value both, VoiceExpletive as well as the SE-reflexive in the specifier of VoiceExpletive. In
the CP-phase, VoiceExpletive will undergo cyclic agree with T. (AAS, 2015:112)
110
Há dois problemas com essa visão, contudo. Veja que a direção de valoração acontece
tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima. Assim, se a sonda tivesse encontrado um
DP em seu domínio de m-comando que tivesse traços interpretáveis, ela não teria que recorrer
ao seu domínio de c-comando. Além disso, sich só é visto como uma anáfora porque se parte
do princípio de que é uma variável reflexiva (algo também brevemente tratado na seção 2.6 do
capítulo 2). Na verdade, se pensarmos que esse é um elemento com pouca especificação e, por
isso, é usado em contextos anafóricos, os quais requerem uma identificação entre argumentos
externo e interno, não fica claro porque esse elemento é inerentemente – não importando o
contexto em que se encontre – não-valorado.
Dados esses apontamentos e, pensando nos dados do PB e das línguas românicas em
geral, acreditamos que uma abordagem tradicional de valoração de casos dê conta das
anticausativas dessa língua. Uma possibilidade, então, seria que, em sentenças anticausativas,
T é a sonda e encontra SE em Voice. T entra em uma relação com SE, mas esse elemento é phi-
incompleto (daí, nessa visão, reside a sua deficiência e não no fato de ser uma anáfora). T checa
o traço de SE e este elemento recebe, portanto, Caso, mas T ainda possui traços não-
interpretáveis, o que o faz entrar em uma relação de agree com o DP mais baixo, como se
mostra em (92). Essa é uma derivação possível se se assumir que SE tem traços para checar.
(92) TP
3
T{uP, uN, uG} VoiceP
3
Voice v
SE 3
VP
3
V DP{P, N, G}
Como assumo que esse elemento é o núcleo de Voice e seus traços já são interpretáveis,
ele não entra em nenhuma relação de agree. Se isso está correto, não adotarei uma análise
transitiva para construções anticausativas marcadas em PB, como AAS adotaram para o alemão.
Isso será mais discutido na seção abaixo.
111
3.6.3 Voz Expletiva em BP (e línguas românicas)
Nesta seção, defendo algumas adaptações para a voz expletiva em línguas românicas.
Em linhas gerais, argumento que anticausativas não são transitivas nessas línguas. Assim,
pronomes fracos não podem ser analisados como clíticos.
AAS (2015:100; 102, nota 6) assumem que a mesma análise atribuída a anticausativas
do alemão deve ser estendida a anticausativas de línguas românicas. Os autores afirmam que a
transitividade sintática das anticausativas em línguas românicas seria mascarada pelo
movimento obrigatório do clítico reflexivo para T. Assim, vários testes presentes na literatura
que mostram que sentenças com SE passam em alguns testes para predicados inacusativos,
como a seleção do auxiliar ser em sentenças anticausativas, e a atribuição de Caso dativo para
o sujeito de verbos transitivos em causativas perifrásticas não levam, na visão dos autores, à
conclusão de que essas sentenças são, de fato, inacusativas. Para os autores, esses efeitos se dão
em virtude da deficiência de traços-phi em SE em combinação com o movimento obrigatório
de cliticização.
Acredito, contudo, que esses testes são confiáveis para continuar a se assumir uma
análise inacusativa de anticausativas em línguas românicas. Primeiramente, se não acreditarmos
que esses testes nos dizem algo, não podemos acreditar que os testes de (87) a (90), que atestam
que anticausativas no alemão são transitivas, também nos digam algo. Em outras palavras, o
teste de seleção de auxiliar no alemão, em (88), não deveria ser levado em conta se o teste de
seleção de auxiliar, em línguas românicas, também não puder ser levado em conta.
Outro argumento para manter a análise inacusativa já foi apontado pelos próprios
autores: o clítico SE é deficiente em termos de traços-phi e é dependente do verbo. Essas
características já deixam claro que tal elemento não se comporta como um DP, já os testes de
(87) a (90) para o alemão mostram que esse elemento se comporta como um DP. Os testes de
(87) a (90) não encontram paralelo exato no PB por uma série de razões independentes: i) os
efeitos de definitude em PB são extremamente fracos, o que tornaria o teste em (89) e (90)
problemático, por exemplo; ii) não há seleção de auxiliar em inacusativos, descartando (88)
como um teste, e iii) os DPs têm uma ordem mais rígida se comparados aos DPs em alemão,
indicando que testes de ordem livre, como em (87), são também problemáticos.
Todavia, consideremos uma versão de (iii), que nos permite mostrar as diferenças entre
sentenças com DPs com argumento externo e sentenças com SE: em algumas situações, com
entonação marcada, o sujeito pode ser posposto em sentenças transitivas em PB, como (93).
112
Isso nunca ocorre com o clítico SE (tanto em anticausativas, quanto em outros eventos em que
esse clítico está em Voice), como (92).
Por outro lado, um argumento que vai na direção contrária do contraste visto entre (93)
e (94) é a possibilidade de possessor raising. Enquanto possessor raising é produtivo somente
com inacusativos em PB, como (95) mostra, anticausativas marcadas não sofrem possessor
raising (cf. (96)).
Assim, seria possível dizer que a razão da agramaticalidade de (96) se deve ao fato de a
sentença A porta do quarto se fechou ser transitiva, se comparada a (95). Acredito, contudo,
que uma melhor explicação para a diferença entre (95) e (96) é dizer que ambas são
inacusativas, mas (96) tem um elemento defectivo adicional, o clítico SE, que, por estar em
Voice, impede que o quarto tenha uma posição como especificador de vP em que possa parar
antes de subir a TP. Essa hipótese combina muito bem com a ideia de possessor raising
desenvolvida em Rodrigues (2010), para quem o possuidor alçado passa por posições
argumentais. Se o DP o quarto pousasse em Voice em (96), esse elemento seria o especificador
de uma Voz expletiva, fazendo a derivação fracassar porque o constituinte [VoiceP O quarto [Voice
SE]] não receberia interpretação. Isto é, um argumento que poderia favorecer uma análise
transitiva de anticausativas marcadas pode ser descartado pela incompatibilidade de SE e ‘o
quarto’ na mesma projeção.
113
Embora com uma implementação diferente de AAS (2015), a mesma linha de raciocínio
sobre a transitividade de sentenças anticausativas em línguas românicas pode ser vista em
Lazzarini-Cyrino (2015: 41, 44, etc.), que desenvolve a ideia de que as marcas de verbos
anticausativos não apresentam seus traços-phi valorados no decorrer da derivação.32 Todas as
marcas de verbos anticausativos das línguas – afixos, clíticos e pronomes fracos – seriam usadas
para assegurar a transitividade do verbo (LAZZARINI-CYRINO, 2015:149), portanto
sentenças anticausativas em todas essas línguas teriam uma sintaxe transitiva. Todavia, esse
raciocínio pressupõe que somente argumentos plenos podem ser argumentos dos verbos, ou
seja, que somente DPs podem ser argumentos do verbo. Na seção 4.2.1 de seu trabalho, que
chama atenção para as diferenças de seleção de auxiliar entre línguas que têm clíticos como
marcas de anticausativa e reflexivas, como línguas românicas, e línguas que têm pronomes
fracos como marcas de mesmos eventos, afirma-se que a diferença se dá em virtude de
pronomes fracos serem compostos de um núcleo D e uma raiz e clíticos serem formados de um
núcleo D somente (p. 155).
Algumas questões não ficam claras ao se assumir essa ideia. Perceba, por exemplo, que,
para muitos autores, um núcleo D é uma fase (cf. Boskovic, 2008, por exemplo). Assim, uma
vez que esse elemento teve seus traços checados, não se esperaria que um D, um clítico, e um
D e uma raiz, um pronome fraco, tivessem diferenças quanto à seleção de auxiliares, por
exemplo. Mais particularmente, nem DPs, e nem Ds, possuem seu material interno disponível
para a sintaxe. A sintaxe, de fato, só enxerga um D, que contará para questões de transitividade,
por exemplo. Isso pode ser claramente verificado quando se compara o comportamento de
pronomes plenos, como ele, e DPs como o menino. Ambos os D(P)s são vistos como
constituintes para a sintaxe, para os fenômenos que são expostos aqui, crucialmente porque a
sintaxe, após a concatenação do D, não tem acesso ao material interno de DPs. Portanto, o
comportamento diferente de pronomes fracos e clíticos não pode ser explicado em virtude de
um D ter material interno ou não.
Ademais, já foi notado na literatura que a estrutura de clíticos, pronomes fracos e afixos
difere precisamente quanto à presença ou não de um D. Cardinaletti & Starke (1999) e Déchaine
32
Lazzarini-Cyrino (2015) atribui essa ideia a Schäfer (2007). Contudo, Schäfer (2007, cap. 7) assume, na verdade,
uma operação de agree múltiplo. Primeiramente, o autor assume que SE entra em uma relação com T, mas não
tem seus traços valorados, porque tanto T quanto SE só possuem traços não-interpretáveis. Em seguida, esses dois
elementos entram em uma relação com o DP interno ao VP e têm ambos seus traços valorados (múltiplo agree).
Posteriormente, no mesmo capítulo, o autor considera dados do islandês, dentre outras línguas, para argumentar
que as relações de Caso são checadas dentro de Voice. O leitor é referido a Schäfer (2007, cap.7) se quiser consultar
detalhes da argumentação. Repare que essa versão não difere, crucialmente, da citação acima de AAS, 2015:112.
114
& Wiltschko (2002) mostram, com testes empíricos, que clíticos, pronomes fracos e plenos têm
tamanhos diferentes. Mais particularmente, Déchaine & Wiltschko (2002) demonstram que os
três tipos de expressões referenciais podem ser concebidos como subpartes de um DP pleno, o
que explica uma série de comportamentos contrastantes entre pronomes plenos, fracos e
clíticos. O quadro 2 abaixo, traduzido de Déchaine e Wiltschko 2002: 410, mostra as diferenças
entre três tipos de expressões; Pro-DPs, como herself, Pro- φPs, como SE, e Pro-NPs, como
anáforas do japonês.
115
Em adição a isso, pronomes reflexivos do inglês ocorrem em todas as posições em que
DPs são licenciados, como se vê em (99).33
33
Mantenho os exemplos do texto, mas os exemplos em (99) têm paralelo em PB.
i. Ela não está sendo ela mesma hoje;
ii. Ela viu ela mesma no espelho (cf. discussão no capítulo 2 sobre os contextos anafóricos de perda de
SE);
iii. A Lúcia, ela (mesma) viu o acidente.
116
sentenças são intransitivas e o comportamento contrastante desses elementos e de pronomes
plenos demonstra isso. Assim, esse capítulo demonstra que anticausativas marcadas e não-
marcadas não terão mudanças significativas em sua estrutura, porque SE, nesses eventos, não
se configura como um argumento.
Nos próximos capítulos, exploro as mudanças de eventos em que SE tem uma leitura
arbitrária. Nesses eventos, como SE é computado como um participante do evento, espera-se
que haja mudanças na estrutura.
117
4. MÉDIAS NO PB1
4.1 Introdução
Neste capítulo, discuto as sentenças médias do PB em detalhes, tratando tanto das
características das variantes marcadas, quanto das não-marcadas. Mais especificamente,
investigando algumas das propriedades já apontadas no capítulo 2, mostro que as sentenças
médias marcadas no PB têm uma derivação diferente de médias marcadas em outras línguas
românicas. Enquanto médias marcadas nas línguas românicas têm derivações compatíveis com
sentenças SE-passivas, a média marcada do PB é formada com um DP diretamente gerado na
posição de tópico. A estrutura parece ser a de SE-passiva, mas é, na verdade, uma estrutura
alternativa, justamente pela perda de SE-passivas em PB. Além disso, o elemento pré-verbal
não concorda com o verbo, ao contrário de médias em outras línguas românicas que têm os
mesmos ingredientes de sentenças SE-passivas. Uma vez que sentenças SE-passivas estão
confinadas à escrita formal e não são produtivas mesmo na fala de falantes cultos (cf. NUNES,
1990, entre muitos outros), a estranheza de médias marcadas concordando com o verbo, notada
por Rodrigues (1998), por exemplo, é esperada. As sentenças SE-médias teriam, então, uma
derivação alternativa em PB.
Após determinar os elementos da derivação de SE-médias em PB, passo à derivação de
médias não-marcadas na mesma língua. Médias desse tipo em PB têm uma derivação diferente
tanto de médias não-marcadas em inglês e holandês, as quais são geralmente descritas como
médias inergativas, quanto de médias marcadas em línguas românicas. Em linhas gerais, não
há nenhuma diferença entre médias não-marcadas em PB e sentenças inacusativas plenas, o que
me leva a discutir se médias necessariamente precisam de um agente. Se esse for o caso, a perda
do SE em PB acarretou a perda de eventos médios. Se a resposta for de que sentenças médias
são construções sobre uma dada propriedade de um DP sem envolver, obrigatoriamente, um
agente, as médias não-marcadas do PB exemplificam uma estratégia de formação de sentenças
médias que não é comumente contemplada na literatura.
1
Partes deste capítulo foram desenvolvidas em parceria com Ana Paula Scher em apresentações no 45 LSRL e no
VIII Encuentro de Gramatica Generativa. As seções 4.5, 4.8 e 4.9 são desenvolvimentos posteriores a essas
apresentações e a seção 4.7 apresenta uma discussão mais detalhada do que a que foi apresentada nos dois eventos.
118
Por fim, diferentemente de sentenças anticausativas discutidas no último capítulo, a
perda do SE em eventualidades que envolvem uma interpretação arbitrária leva a uma diferença
significativa das estruturas em comparação. É nessas eventualidades, em que pro se compõe
com SE, que se localiza uma mudança significativa na gramática de eventos do PB.
Na leitura atribuída à sentença (1) por Stroik (2006), vemos a menção a um Agente,
mesmo que a sentença em questão não tenha nenhum agente manifesto. A representação do
Agente em médias e sua relação ou não com morfologia manifesta nesse tipo de evento foi/tem
sido alvo de intensos debates na literatura. Neste capítulo, vamos descrever como sentenças
médias sem o SE em PB se comportam e como tais sentenças podem contribuir para o debate
de representação de agentes em sentenças médias.
Além do debate sobre a representação do Agente, o papel da morfologia em sentenças
médias também é importante na caracterização de propriedades de sentenças médias. De modo
geral, dois tipos de sentenças médias são reconhecidas como possíveis em línguas do mundo:
sentenças médias não marcadas, como as do inglês, e sentenças médias marcadas, como as do
francês. Veja os exemplos (2) e (3) abaixo.
2
Utilizo, aqui, a definição de médias comumente empregada na Linguística Gerativa. Abordagens funcionalistas
e cognitivistas se valem do termo ‘Domínio Médio’ que abarca um grande número de construções. Para um
estudo do Domínio Médio do PB, ver Bauab Jorge (2016).
3
No original: “it is a generic property of events of reading this book by any arbitrary person that they are events
easily performed by that person.”
119
‘A torre Eiffel se vê de longe.’
(ACKEMA &SCHOORLEMMER, 2007:3)
A presença ou a ausência de uma marca em sentenças médias parece suscitar uma série
de propriedades diferentes em sentenças médias. Veja-se, por exemplo, a tabela abaixo, feita a
partir da discussão em Ackema e Schoorlemmer (2006), em que se apontam algumas diferenças
entre sentenças médias em línguas como o inglês (tipo 1) e sentenças médias em línguas como
o francês (tipo 2).
O Quadro 1, então, mostra que, muito embora as sentenças médias do inglês sejam
concebidas como dotadas de um Agente, não há reflexo sintático da presença desse elemento,
uma vez que expressões orientadas para o agente não são licenciadas. Além disso, a presença
de morfologia em médias, como em médias marcadas do francês, também licencia um número
maior de verbos em sentenças médias. Exemplos dessas propriedades quando médias do PB
são levadas em consideração se encontram na discussão feita no decorrer do capítulo.
Línguas como o holandês se comportam como o inglês nesse quesito. A sentença (7)
mostra que o auxiliar transitivo heben é usado em sentenças médias. Isso demonstra que há um
verbo transitivo na estrutura.
121
Face a esses fenômenos, em abordagens lexicalistas do tema, o que é geralmente
assumido é que médias de tipo 1 violam UTAH (Hipótese de Uniformidade de Atribuição de
Papel Temático). Para Ackema e Schoorlemmer (1994, 1995) e Lekakou (2005, cap.1), o agente
é sintaticamente inerte em médias do tipo 1, porque é saturado no léxico, e o complemento
lógico do verbo – que nasceria como objeto - é gerado como sujeito na sintaxe.
As médias do tipo 2, médias marcadas, são as comumente encontradas em línguas
românicas e analisadas como inacusativas. A análise geral é de que elas são sentenças passivas
por uma série de razões. Se by-phrases são licenciadas em SE-passivas em uma dada língua,
SE-médias também licenciam esse mesmo elemento. Ademais, as derivações de SE-passivas e
SE-médias são formalmente idênticas, diferindo somente em termos temporais e aspectuais.
Como médias são construções em que as propriedades de um dado objeto/grupo de objetos
estão em foco, elas são genéricas e não podem ocorrer no passado, por exemplo. Passivas são
eventivas e não possuem essa restrição.
A título de exemplificação, consideremos os exemplos (11) e (12) de médias marcadas.
(11) é um exemplo do francês canadense e (12), do grego. Perceba que, nos dois casos, agentes
da passiva são licenciados. Ademais, esses exemplos são interpretados como médias por serem
sentenças genéricas. No passado, seriam interpretadas como passivas.
122
outros eventos – como passivas e transitivas – é usada para médias nas línguas.
Consequentemente, a morfologia passiva ou transitiva (se houver) é também usada em
sentenças médias. Até onde sei, não há médias com morfologia própria nas línguas.
À primeira vista, pode-se dizer que a possibilidade de sentenças médias marcadas e não-
marcadas com SE não implica, necessariamente, que esse tipo de evento esteja, de uma forma
geral, perdendo essa marcação em PB. Essa é uma hipótese plausível, haja vista que já foram
reportados na literatura exemplos de línguas como o grego, em que alguns verbos licenciados
na alternância causativa formam médias não-marcadas (cf. CONDORAVDI, 1989). Portanto,
seria possível dizer que o PB apresenta algumas médias obrigatoriamente marcadas, outras
obrigatoriamente não-marcadas e outras que podem aparecer tanto marcadas quanto não-
marcadas.
Consideremos, então, uma tipologia de médias marcadas e não-marcadas como a
apresentada em Rodrigues (1998:103). Rodrigues afirma que há três classes de sentenças
médias em PB do ponto de vista de marcação com o clítico SE.
O contexto em (16), no entanto, deixa claro que médias com o verbo pintar podem ser
não-marcadas. Pode-se notar que a sentença em (16) é uma sentença média e não uma sentença
123
transitiva com um objeto nulo, por exemplo. A sequência ‘deve pegar tinta igual a qualquer
outra resina mostra que a propriedade de um dado material ser ‘pintável’ é questionada.
(16) O que é aqueles exaustores, e isso pinta fácil??? (...) Primeira vez que trabalho
com esse material (...) mas deve pegar tinta igual a qualquer outra resina.4
A sentença (17) fica melhor com uma pausa, como se vê em (18), mas, nesse contexto,
a interpretação mais saliente é de uma topicalização do objeto de uma sentença impessoal.
(19) poiz as fazendas que vierão neste Comboiy se venderão muito bem Vendidas.
(CYRINO, 2007:97).
O exemplo (19) demonstra que médias com o verbo vender tem algumas características
que não são encontradas hoje em dia em sentenças médias do PB: elas podem ser não-genéricas,
mas ainda em uma forma em que o tempo usado não é pontual, como o futuro; o verbo pode
estar flexionado para o plural (venderão), concordando com o complemento do verbo (as
fazendas) e o advérbio modificador não precisa estar necessariamente presente – todavia,
alguém pode interpretar muito bem vendidas como algo parecido com potencialmente
facilmente vendidas.
Interessantemente, note que uma versão mais atual de (19) é agramatical em PB. Assim,
tanto o exemplo (16) quanto o exemplo (19), quando contrastados, apontam para uma mudança
4
Dado extraído de: http://www.clubedocanhao.com.br/forum3/viewtopic.php?f=14&t=3677. Último acesso em:
27 de julho de 2015.
124
na estrutura de médias em PB. Mais especificamente, pode-se tomar (16) como representativo
da formação atual de médias e (19) da formação de médias em estágios anteriores da língua.
Adicionei aos exemplos em (22) algumas expressões adverbiais para ancorar, de algum
modo, as sentenças contextualmente. Ressalto que, por serem expressões adverbiais, em nada
mudam a estrutura do evento. Na verdade, a adição de tais expressões aos exemplos em (22) só
confirma que, se o verbo concordar com o DP, a interpretação de média não surge. Assim,
enquanto a expressão Esses planetas se veem facilmente de longe evoca um contexto em que
planetas são animados e podem ver um ao outro, (22) significa que qualquer agente que
125
participar do evento de ver tais planetas vai vê-los de longe. A comparação entre (21)b e (22)b
e (21)c e (22)c tem os mesmos resultados.
Parece, então, que as médias marcadas em PB não seguem a restrição de afetação, mas
que DPs que concordam com o verbo em sentenças passivas marcadas no PB são agramaticais.
No entanto, uma sentença como (17), em que o verbo vender forma uma sentença média
marcada com um DP singular, também não parece uma boa sentença em meu julgamento. A
agramaticalidade de sentenças como as exemplificadas em (17) se confirma com outros verbos
agentivos, tanto no singular (23) quanto no plural (24). (23) e (24), embora possíveis em PB,
têm uma leitura reflexiva e não uma leitura média, em que se afirma que uma dada propriedade
do complemento do verbo assegura que a ação descrita pelo verbo pode ser feita de uma dada
forma. Em outras palavras, uma sequência como (23), em PB, não significa que o robot de
cozinha (batedeira) tem a propriedade de ser limpo facilmente, mas sim de que o robot se limpa,
uma sentença reflexiva. O mesmo pode ser dito para (24): a sentença parece descrever que
bonecos de pano fazem ações reflexivas ao invés de significar que bonecos de pano, em virtude
do material de que são feitos, sujam fácil. Note, contudo, que as sentenças (23) e (24) são
gramaticais em PE como médias, com o clítico enclítico.
Isso mostra que, além da condição gramatical de que o DP não pode concordar com o
verbo em sentenças médias, sob pena de se formar uma sentença em que uma leitura reflexiva
seja atribuída a objetos inanimados, alguns verbos agentivos também formam sentenças médias
marcadas estranhas sem razão aparente. Isso, acredito, está ligado ao fato de que esse tipo de
derivação para sentenças médias torna-se cada vez mais obsoleto e sentenças que estariam
gramaticalmente corretas a princípio começam a soar como estranhas. Assim, os três grupos de
sentenças médias apresentados por Rodrigues podem muito bem ser não relevantes
gramaticalmente, mas expressarem os julgamentos de um falante médio com base na
produtividade de uma certa derivação.5
5
Tal julgamento estaria apoiado na frequência de médias marcadas no estilo formal e na escrita, dado que médias
marcadas são infrequentes na fala.
126
Uma discussão que corrobora essa ideia é encontrada em Cavalcante (2006). A autora,
com base em Galves (2001), afirma que os falantes têm pelo menos dois tipos de competência,
a competência gramatical, ligada ao saber da gramática nuclear em PB, e a competência
linguística, ligada ao saber do falante sobre os usos da língua, como a norma culta. Assim, a
aceitabilidade de (25)c e (25)d, por parte de alguns falantes que Cavalcante consultou, se dá por
outros fatores, que não a gramática nuclear. É importante que a autora reporta um julgamento
continuamente encontrado por mim quando consultei falantes sobre a concordância em
sentenças médias. As sentenças (25)c e (25)d são interpretadas normalmente como reflexivas
pelos falantes.
Até o momento, podemos tirar pelo menos duas conclusões do grupo de dados
apresentado nesta seção, quais sejam: i) as médias marcadas em PE atual e no PB de séculos
anteriores se parecem ao licenciar sujeitos pré-verbais irrestritamente6 e permitir a
concordância do verbo com tais sujeitos.
Essas propriedades mostram que a configuração estrutural de médias no PB mudou
devido a uma série de fatores. Assim, a falta do clítico SE em médias não pode ser tomada
como uma idiossincrasia associada a alguns verbos. (19) parece ter uma derivação muito
diferente de (17), em uma série de aspectos, que serão detalhados na seção 4.5. O mesmo é
afirmado em Pacheco (2008), com base em outros contrastes.
Na seção seguinte, exploramos a derivação de médias marcadas no PB. Um contraste
com médias marcadas em PE deixará mais clara a diferença entre as estruturas em jogo.
6
Não é o caso de se dizer que médias marcadas em PB não licenciam sujeitos pré-verbais. Uma sentença como (i)
é gramatical em meu julgamento. Todavia, assumiremos que leite está em uma projeção de tópico, conforme se vê
na seção 4.5.
Mesmo com essas diferenças quanto ao estatuto de pro como um argumento implícito
fraco ou forte, as eventualidades, cujas representações possuem esse elemento em [Spec, Voice]
partilham uma parte do caminho derivacional, como argumentado no capítulo 2. Nos dois casos,
os traços de T vão concordar com os traços de (D-) pro. A partir daí a diferença da derivação
em espanhol e PB fica evidente. Como T entrou em uma relação com os traços de um D-pro
em PB, um mecanismo de intervenção foi criado e T não pode entrar em uma relação com outro
DP. Esse mecanismo de intervenção só é criado se pro é um DP, já que a sonda não pode ignorar
um DP phi-completo para entrar em uma relação de valoração com outro DP.
Já em espanhol, como pro é defectivo, a sonda está disponível para entrar em uma nova
relação de agree com o DP em sentenças médias e passivas. Assim, nas línguas em que pro é
um argumento implícito fraco, o DP que nasce como complemento do verbo em sentenças
passivas e médias pode concordar com o verbo. Aí reside, então, a agramaticalidade de
sentenças como (24) em PB. Como o PB tem um argumento implícito forte em médias, se
houver traços remanescentes na sonda à espera de um alvo para serem checados, a derivação
fracassa. Nas línguas em que há um argumento implícito fraco, isso não ocorre. A representação
abaixo pretende ilustrar a diferença entre o PB e as outras línguas românicas que foram usadas
como exemplos. Nos eventos em que há só uma sonda, como médias, somente a porção laranja
de valoração é ativada em PB, ou seja, os traços de pessoa e número devem concordar
obrigatoriamente com o D-pro, já que esse é um pronome pleno e possui especificação completa
de traços-phi. Em outras línguas românicas como o espanhol, a porção azul de valoração
também é ativada, já que o complemento do verbo pode também entrar em uma relação de
valoração, pois não há intervenção. O pro que se encontra no especificador de Voice não é phi-
completo e possui somente o traço de pessoa a ser valorado.7
7
Isso não quer dizer, todavia, que o argumento implícito fraco seja especificado só para pessoa. Quero salientar
que a sonda só valorará esse traço do pronome, no entanto o elemento já pode ter outros traços valorados ou não
os tê-los. Isso é ortogonal para a discussão feita aqui.
129
(29) TP
3
T VoiceP
3
___pessoa
(D-)pro Voice
___número 3
se vP
3
v DP
Após a concordância da sonda com o(s) argumento(s), pro sobe para especificador de
TP em ambas as línguas. O argumento interno poderia, então, ficar in situ, mas isso não ocorre
com as médias em PB ou de outras línguas. Para onde esses argumentos sobem? Se eles não
sobem para a posição de especificador de TP, poderíamos ter um problema, já que assumimos
que pro em sentenças em que esse elemento que se compõe com SE está nessa posição.
Vou argumentar, com base em dados do PE, que o DP sobe para uma posição acima de
TP nessa língua. Os dados do PB, contudo, não permitem que cheguemos a essa mesma
conclusão. Diferentemente de PE, o DP que se comporta como sujeito em sentenças SE-médias
é, na verdade, um tópico gerado na base (based-generated topic). Nesse ponto, podemos
localizar uma outra diferença entre a sintaxe do PB e das demais línguas românicas, que será
brevemente analisada abaixo.8
Raposo e Uriagereka (1996) oferecem uma série de argumentos para defender que o DP
em sentenças SE-passivas do PE está em uma posição acima de IP (chamada FP). Abaixo,
reproduzo alguns desses argumentos.
O primeiro argumento é sobre uma diferença entre passivas perifrásticas e SE-passivas
no que diz respeito ao sujeito de sentenças com infinitivo flexionado. Tanto em passivas
pronominais quanto em SE-passivas, esses elementos podem ser pós-verbais, como os
exemplos abaixo mostram.
8
O contraste entre a posição do DP preverbal em médias do PE e do PB apresentado abaixo foi desenvolvido a
partir de perguntas motivadoras de Jairo Nunes (c.p.), por um lado, sobre a necessidade de mostrar o que difere a
posição acima de TP nas línguas românicas, tal como definida por Uriagereka, da posição de tópico do PB, e de
Jonathan MacDonald (c.p), por outro, sobre a (im)possibilidade de se aplicar os mesmos testes de Raposo e
Uriagereka (1996) aos dados do PB. Agradeço aos dois pesquisadores pelas perguntas.
130
Contudo, somente em passivas perifrásticas, o sujeito gramatical pode ser anteposto ao
verbo. Compare (30) e (32), de um lado, e (31) e (33), de outro. 9
Uma conclusão que se tira dessa assimetria é que o sujeito de SE-passivas não parece
se portar como o sujeito de passivas perifrásticas em um mesmo contexto.
Some-se a isso o fato de que nomes nus não são licenciados na posição de sujeito em
PE, assim como na maioria das línguas românicas. Dessa forma, enquanto (34) é uma sentença
gramatical, porque ‘salsichas’ se encontra em uma posição ‘regida’ por uma categoria lexical,
V, (35) e (36) não são boas porque ‘salsichas’ encontra-se na posição de sujeito, uma posição
que não é regida por um núcleo lexical.
Todavia, objetos topicalizados, os quais não pousam nem são possíveis antecedentes
para uma variável na posição de especificador de T, podem ser DPs nus.
9
Essa assimetria só se manifesta em sentenças infinitivas. Em sentenças finitas, os sujeitos das cláusulas em
questão poderiam ser fronteados. Ou seja, com T finito, (33) é gramatical em PE.
131
Esses fatos, mais uma vez, mostram uma assimetria entre o sujeito de passivas
perifrásticas e de SE-passivas. Além disso, mostram que o sujeito de SE-passivas não pousa na
posição de especificador de TP. Se esse elemento pousasse em tal posição, o licenciamento de
um nome nu plural não seria aceitável.
Por último, em perguntas do tipo qu-, o DP de sentenças SE-passivas precede o
constituinte qu-, como (39) exemplifica, enquanto em passivas perifrásticas, o constituinte qu-
é que precede o DP, como em (40).
A argumentação em Raposo e Uriagereka (1996) foi aqui sintetizada para mostrar que,
nessas construções do PE, o DP de SE-passivas – que, para os autores, é uma construção ativa
– se encontra em uma posição de tópico. Em PB, pode-se assumir que o DP de sentenças médias
também se encontra em uma posição de tópico, mas com propriedades diferentes da posição
que abriga tópicos em PE. Consideremos os argumentos abaixo para argumentar a favor dessa
ideia.
A posição de tópico em PB parece abrigar elementos (quase que) exclusivamente
referenciais, ao contrário da posição de tópico em PE. Assim, observe o contraste entre (41) e
(42). (41) é preferida por ter um grau maior de referencialidade. Embora os canivetes possa ser
referencial em uma série de contextos, em sentenças genéricas do BP descrições definidas,
como (42), soam um pouco estranhas (Os tigres são animais ferozes); isso possivelmente está
ligado à estranheza de (42).
10
Compare com: As camisas de seda engomam-se com facilidade, uma sentença média do PE. Exemplo de Ribeiro
(2011:209).
132
(43) *Um canivete se limpa fácil.
(44) *Algum canivete se limpa fácil.
Seja qual for a explicação para o licenciamento do nome nu singular em médias, pode-
se manter a generalização de que essa posição é mais restrita em PB do que em PE. Além disso,
esse tópico em sentenças SE-médias do PB é diferente do que se encontra em SE-passivas do
PE por mais um motivo: o tópico em sentenças médias do PE nasce como complemento do
verbo e sobe para a posição de tópico. Na abordagem de Raposo e Uriagereka (1996), esse
objeto sobe para a posição de FP, onde entra em uma relação com T e recebe caso, haja vista a
possibilidade de concordância com o verbo nessas construções. Na abordagem dos autores, de
acordo com as primeiras tendências minimalistas, para checar um traço de caso, o movimento
era necessário. Todavia, nos termos atuais e na nossa proposta, podemos pensar que esse DP
entrou em uma relação de caso com T, porque o pro em sentenças SE-passivas do PE é um
argumento implícito fraco, portanto phi-incompleto, o que permite que a sonda entre em relação
com outro elemento após checar o traço de pessoa de pro. Sendo esse o caso, o DP em sentenças
SE-passivas do PE sobe para a projeção F por outras razões.
Consideremos, agora, como o DP em sentenças SE-médias do PB aparece nessa posição
de tópico. A pergunta que queremos fazer é: Esses DPs em sentenças SE-médias do PB também
nasceriam como objetos do verbo e depois subiriam para uma posição de tópico? Esses
11
Compare com (38) do PE: Salsichas, vendem-se no talho Sanzot.
133
elementos são o objeto lógico do verbo, mas não recebem Caso acusativo. Se fossem gerados
na posição de complemento do verbo e pudessem, daí, subir para a posição de tópico,
receberiam Caso acusativo (se a sentença for transitiva) ou Caso nominativo (se intransitiva).
Dado o sincretismo das formas pronominais no PB atual, seria esperado que, qualquer que fosse
o Caso que esses elementos recebessem, eles pudessem ser pronominalizados. Isso não ocorre,
contudo. Veja que (47) é agramatical.
Como as médias marcadas em PB não podem ter concordância com o verbo (*Os
espelhos se limpam facilmente), assumimos que os DPs dessas eventualidades já nascem nessa
posição de tópico. Isso também se coaduna com a nossa hipótese de que um D-pro está na
posição de especificador de TP nessa eventualidade, impossibilitando que o verbo entre em uma
134
relação de concordância com o DP. Ou seja, mesmo que se afirmasse que um DP em posição
de tópico pudesse, a princípio, concordar com o verbo. A concordância entre o DP e o verbo
em médias está impossibilitada haja vista a existência de um elemento interveniente, um D-pro.
Veja, contudo, que essa relação de concordância é possível em PE, mostrando, mais
uma vez, a derivação diferente das duas estruturas. Isso explica as características peculiares dos
DPs que são licenciados nessas sentenças em PB, mas não em PE (cf. (51) e (52)).
135
4.6 Tipologia de médias e as médias não-marcadas do PB
Seguindo o nosso argumento de que médias não-marcadas do PB envolvem uma
derivação diferente e não são, simplesmente, exemplos idiossincráticos de uma classe, vejamos
como médias não-marcadas do PB se comportam frente a testes que mostram se uma média é
do tipo I ou do tipo II. Por conveniência, repito o Quadro 1 abaixo:
136
A primeira diferença a ser notada é que médias não-marcadas em PB são inacusativas,
ao contrário de médias em inglês, que são inergativas ou transitivas, a depender da abordagem.
À primeira vista, essa pode parecer uma assunção estranha haja vista que verbos como operar,
extrair, encerar e vender são licenciados em médias do PB. Todos esses verbos são
considerados transitivos. Contudo, verbos como esse e outros entram em uma alternância em
PB que parece a alternância causativa, como se verá no capítulo 5. Por isso, há razões para se
pensar que os verbos mencionados acima são licenciados em sentenças inacusativas.12
12
Obviamente, uma outra hipótese plausível é de que haja um pro em sentenças como essas. No capítulo seguinte,
em que estudo detalhadamente essas sentenças, mostro que essas sentenças são, de fato, inacusativas.
13
CARVALHO, J.; SCHER, A.P. Refining the structure of unmarked middles: Evidence from Brazilian
Portuguese. Manuscrito submetido. Universidade de São Paulo.
137
(63) [Esse tipo de sala]i encera [o chão ti] fácil.
(64) [Cachorro]i opera [a pata ti] fácil.
14
Note, todavia, que a modificação adjetival de médias marcadas é possível para alguns autores, como
Pacheco (2008).
138
Se esse contraste é significativo, o que ele pode nos dizer de uma diferença entre
médias marcadas e não-marcadas em PB? Foltran (2010) nota que passivas perifrásticas
somente licenciam advérbios terminados em –mente. Aparentemente, então, a
modificação com –mente pressupõe um Agente; já a modificação adjetival não pressupõe
necessariamente esse elemento.
Além disso, Foltran (2010) também nota que a modificação adjetival parece
compor um predicado com o verbo. (73) e (74) mostram que o adjetivo adverbial deve
estar perto do verbo para alguns falantes.
139
porções mais altas da árvore. Em comparação a advérbios de modo, que são aqueles que
podem aparecer com ou sem –mente em médias não-marcadas, eles são mais altos.
As estruturas em (79), (80) e (81), então, representam os lugares em que os
advérbios podem ser integrados na estrutura. Para manter a simplicidade da
representação, ignora-se que a flexão do verbo estaria em T.
(79) VoiceP
3
VoiceP ADV-mente➝ advérbios orientados para agente
3
se vP
Camisas lavam
(80) vP
3
vP ADV-mente➝ advérbios de modo
Camisas lavam
(81) vP
3
v VP
3
VP ADJ ➝ uso adverbial do adjetivo
Camisas lavam
Até aqui, o contraste que fiz entre as médias do inglês e do PB no que tange à
modificação adverbial pode ser resumido da seguinte forma: médias não-marcadas do PB
e médias do inglês licenciam advérbios de modo e não licenciam advérbios orientados
para agente. Além disso, a modificação nas médias do inglês é mais alta, porque -mente
sempre será usado.
Esse contraste pode ser mais refinado, se outros tipos de advérbio forem
considerados. As médias do inglês também licenciam advérbios que não são nem
prototipicamente advérbios de modo nem orientados para agente. Eles parecem ser, na
verdade, uma categoria mista. Assim, um advérbio como smoothly em (82) descreve tanto
o modo como a ação descrita pelo verbo será feita, quanto o modo como essa ação seria
conduzida por um agente em potencial.
140
(82) This desert crosses smoothly. (CONDORAVDI, 1989:22)
Note, todavia, que esses advérbios não são licenciados em médias não-marcadas
do PB. A tradução de (82) para o PB é uma sentença agramatical.
Outros exemplos mostram que esse tipo de adjunção não é licenciado em médias
não-marcadas do PB.
(84) The abstracts that come from that school read poorly.
(85) *Os abstracts daquela escola leem pobremente.
(86) Seven lines have been reduced to four, and four sentences to two: it reads
comfortably and fluently. (In: Write in Style: a guide to good English,
(books.google.de/books?isbn=1135834342)
(87) *Esse livro lê confortavelmente e fluentemente.15
15
Ana Paula Scher (comunicação pessoal) comenta que a sentença Esse livro lê fluentemente é gramatical
em seu julgamento. Levando em conta que adjuntos orientados para Agente não são licenciados em médias
não-marcadas em PB, a gramaticalidade dessa sentença se deve a como esse adjunto é interpretado.
Informalmente, a interpretação licenciada é a que se vê em (ii), não em (i).
i) Esse livro lê fluentemente – *Esse livro é um livro com propriedades tais que qualquer um que o
ler, o lerá com fluência.
ii) Esse livro lê fluentemente – Esse livro é um livro com propriedades tais que sua leitura flui.
141
(88) VoiceP
3
VoiceP ADV-ly➝comfortably, fluently, smoothly…
3
DP vP
Shirts Wash
Além disso, médias do inglês licenciam adjuntos que estão presentes quando um
argumento externo está presente, como sentenças adverbiais gerundivas, como em (94).
16
Esse advérbio é licenciado nesta sentença se a interpretação for equivalente a em meu julgamento. Essa
leitura não é relevante aqui.
142
Note, mais uma vez, que as médias do PB não licenciam esses adjuntos, dada a
agramaticalidade de (95). 17
(94) Most physics books read poorly even after reading them several times.
(STROIK, 1995:168)
(95) *Livros de física não leem fácil mesmo após lê-los várias vezes.
4.7 A abordagem
Tanto as abordagens lexicalistas quanto as sintáticas para médias do inglês
admitem que as características desse tipo de eventualidade só podem ser explicadas se
alguma forma de agentividade estiver presente na sintaxe dessas expressões.
Para abordagens lexicalistas, isso acontece se médias do inglês projetam uma
estrutura inergativa. Para abordagens sintáticas, pode-se assumir tanto um tipo específico
de Voice em médias (cf. BRUENING, 2013) ou uma projeção semântica vazia que forca
o tema a se mover para o seu especificador (SCHÄFER, 2008).
Vou concordar com as abordagens sintáticas em relação à necessidade de Voice
ser projetada em médias do inglês. Uma evidência para esse fato é, como já demonstramos
no início do capítulo, o verbo transitivo para fazer uma sentença média, nos casos em que
o inglês dispõe de dois itens distintos para sentenças transitivas e intransitivas. A sentença
(99), abaixo, é mais um exemplo disso.
17
Em algumas abordagens, o licenciamento das sentenças adverbiais gerundivas, for-PPs e o licenciamento
de elementos anafóricos têm sido atribuídos à presença de PRO em médias do inglês (cf. STROIK, 1995).
Em outras, a ideia é a de que o licenciamento desses elementos é logofórico, uma vez que não são todas as
médias possíveis em inglês que licenciam for-PPs e sentenças adverbiais gerundivas (cf. ACKEMA E
SCHOORLEMMER, 2006 para um resumo dos argumentos a favor e contra as hipóteses logofóricas).Se o
licenciamento desses elementos se deve a algum elemento estrutural ou logofórico, o argumento crucial
que é feito aqui é que médias não-marcadas do PB não têm o mesmo comportamento, o que mostra, mais
uma vez, a diferença entre médias não-marcadas em PB e em inglês.
143
(FELLBAUM, 1986, apud SCHÄFER, 2008: 215)
144
Nesta seção, mostrei, então, que as médias não-marcadas do PB diferem de outras
médias não-marcadas fartamente estudadas, como as médias do inglês. Atribui essa
diferença à projeção Voice, que é projetada em médias do inglês mesmo na ausência de
uma morfologia específica, mas não em médias do PB.
145
(101) Alguns dos condôminos, o síndico convocou para a reunião. (exemplo meu)
18
Inicialmente, consultei dois falantes: um aceitou não só essa sentença, mas outras com a mesma estrutura
sintática, mas com outros verbos. Trata-se, então, de um julgamento consistente. O outro falante mudava
de ideia à medida que eu mudava verbos. Tentei, sem sucesso, consultar outros falantes que não entendiam
o que a sentença significava ou não conseguiam atribuir um significado mesmo que eu fornecesse um
contexto que levaria a uma interpretação média. Isso, em si, já é bastante revelador, mas não excluiria a
possibilidade de ‘eles’ ser licenciado em uma média marcada. Resolvi, então, consultar linguistas.
Agradeço aos participantes do GREMD que deram suas opiniões sobre (108): Rafael Minussi, Indaiá
Bassani, Mayara Espadaro, Júlio Barbosa e Aline Rodero-Takahira. Desses 5 falantes, 4 julgaram (108)
agramatical e 1 a julgou gramatical, mas expressou a seguinte impressão:"achar uma sentença ok implica
que eu usaria ela? Porque eu acho a sentença boa, mas eu nunca produziria ela.”
19
Compare com: As camisas de seda engomam-se com facilidade, uma sentença média do PE, exemplo de
Ribeiro (2011:209).
20
Compare com (38) do PE: Salsichas, vendem-se no talho Sanzot.
146
A mesma restrição não se observa em médias não-marcadas.
147
Do exposto nesta seção, podemos ter duas conclusões. A primeira é a relação entre
SE-médias e SE-passivas mencionada na Introdução. Nas línguas românicas com médias
marcadas, a sintaxe dessas construções parece ser idêntica a SE-passivas. Em PB, no
entanto, alguns autores defendem que SE-passivas estão extintas. Se isso está certo, a
sintaxe de SE-médias deveria ter alguma particularidade. Os testes de gramaticalidade e
até algumas impressões registradas por estudos prévios mostram que as médias marcadas
do PB possuem, pelo menos, duas peculiaridades dignas de nota: (i) a concordância entre
o sujeito e o verbo tem aceitabilidade marginal mesmo entre falantes escolarizados; (ii)
há restrições no tipo de DP que pode aparecer em médias. Essas restrições são as mesmas
de DPs gerados em posição de tópico.
Desse modo, como SE-passivas estão extintas do PB, a língua desenvolveu
mecanismos alternativas para formar SE-médias. Pro, na posição de especificador de
Voice, entrará em uma relação com T e um DP abaixo de pro não conseguiria ter seu Caso
valorado. A solução para isso é que esse DP seja gerado em uma posição de tópico e
receba Caso default nessa posição.
Alia-se a isso o fato de que médias são sentenças orientadas para o sujeito ( cf.
LEKAKOU, 2005:90-101). Lekakou (2005) defende que médias possuem um operador
genérico acima do VP, ideia que também assumimos, e que esse operador genérico é
como um verbo modal orientado para o sujeito. Alguns exemplos da própria autora podem
deixar essa ideia mais clara. Para a autora, os exemplos abaixo ilustram que o restritor do
operador genérico em médias são as propriedades do sujeito. Assim, a leitura de média
somente surgirá nos casos em que as orações causais forem também orientadas para o
sujeito da média, como se vê em (117) e (118). Em relação ao conjunto de sentenças em
(119), cujo primeiro membro não é uma sentença média, não é mandatório que as orações
causais em (119)a e (119)b sejam sobre a propriedade descrita no sujeito de médias.
148
a. …they’re machine-washable.
…elas podem ser lavadas na máquina.
b. *...I have lots of time.
*...Eu tenho muito tempo.
(119) It’s no trouble to wash the clothes because...
Não é problema lavar as roupas porque…
a. … they’re machine-washable.
...elas podem ser lavadas na máquina.
b. …I have lots of time.
…Eu tenho muito tempo.
(LEKAKOU, 2005:92)
Em suma, o que esse conjunto de dados mostra é que o fato de médias serem
orientadas para o sujeito propiciou que o DP fosse gerado em uma posição de tópico em
PB. Assim, ao invés da extinção de SE-médias, como aconteceu com SE-passivas, uma
derivação alternativa foi criada: o DP já nasce na posição de tópico e lá recebe Caso
default porque a sonda entrará em contato só com pro na posição de argumento externo,
visto que esse é um argumento implícito forte, portanto phi-completo (cf. Capítulo 2).
SE-médias são, então, um caso interessante de como as SE-sentenças estudadas
do PB se distanciam de outras línguas românicas em virtude das propriedades dessa
língua.
149
mais explicitamente: se, com a perda do SE, pode-se afirmar que o PB continua a ter
eventualidades médias ou que sentenças como Essa roupa lava fácil são, somente,
inacusativas genéricas. Consultemos alguns trabalhos para discutir essa questão.
Schäfer (2008:211-245) desenvolve uma análise diferente da de trabalhos prévios
para médias do alemão. Para o autor, médias nessa língua são sentenças anticausativas
que devem ser marcadas para que a implicatura de um agente seja construída na interface
conceptual-intencional. Alguns exemplos parecem demonstrar isso. Verbos que formam
anticausativas marcadas serão também marcados quando formam médias e, portanto, não
podem nos dizer muito sobre a estrutura de médias genéricas (nessa língua). Os grupos
interessantes a serem explorados são: verbos inacusativos puros – que não participam da
alternância causativa – e verbos que não são marcados em anticausativas.
Prestemos atenção no primeiro grupo, os verbos inacusativos puros (internamente
causados na terminologia de Levin e Rapapport, 1995). Eles são representados por verbos
como florescer, por exemplo. Como esses verbos não alternam, eles não podem formar
anticausativas marcadas em alemão, como (121) mostra. Em consequência, médias não-
marcadas também não podem ser formadas (122). A única possibilidade é uma sentença
como (120), que pode se analisar como média, a depender da teoria seguida, mas que se
comporta como uma inacusativa genérica.
21
Uma sentença como (121) é boa em várias línguas (inglês, hebraico, grego e português brasileiro, por
exemplo) se a interpretação for de que João faz algo para causar que a flor fique murcha. Por exemplo, João
pode colocar as flores perto do fogo ou deixar de colocar água nelas por um tempo. Perceba que, nesses
casos, João é uma causa, já que ele facilita o processo de ‘murchamento’ das plantas ao fazer ações que
acelerem tal processo (colocar as flores perto do fogo) ou ao não fazer ações que impediriam tal processo
(deixar de colocar água nelas). Quando verbos internamente causados alternam, isso é o que acontece: o
DP argumento externo é sempre uma Causa, mesmo que a referência seja a um humano. O DP sempre fará
uma ação que acelerará um processo natural da entidade correspondente ao DP objeto.
Presumivelmente, a sentença (121) foi julgada como agramatical em uma interpretação agentiva ou, em
alemão, verbos internamente causados não podem aparecer em sentenças causativas compatíveis com a
descrição dada acima.
150
‘*Flores se murcham fácil.’
(SCHÄFER, 2008:227)
É, então, curioso que verbos que não podem ter um Agente como argumento
externo não possam formar médias marcadas no alemão. A marcação parece, de fato,
estar relacionada com a implicação – para usar um termo de Schäfer (2008) – de
agentividade. Uma outra evidência a favor dessa ideia é o fato de que anticausativas não-
marcadas podem formar médias marcadas. As sentenças (123) e (124) mostram que o
verbo schmelzen ‘derreter’ alterna entre uma forma causativa e uma anticausativa. A
forma anticausativa em (124) é agramatical, se marcada.
Como esse é um verbo que tem implicatura de Agente, a sentença média feita a
partir dele pode ser marcada. Se marcada, a interpretação de Agente se torna disponível.
Assim, (125) teria uma interpretação de sentença inacusativa genérica, enquanto, em
(126), a interpretação de agente está envolvida.
151
Estrutura sintática Implicatura do Agente
a. [V...] Não
b. GEN+[V...] Não
c. [Voice–expl. Não
[V....]]
d. GEN+[Voice–expl. Sim
[V....]]
e. [Voiceag [V....]] Não se aplica/Agente já
está presente na sintaxe
Quadro 4: formação de implicatura no agente
152
internas do objeto facilitam a ação descrita pelo verbo (by-virtue-of reading), iii) leitura
de propriedade e não de evento (kind-denotation) e iv) sujeitos não-agentivos (porque
médias descrevem um estado e não um evento) não precisam estar juntas. Obviamente,
deve-se encontrar propriedades básicas para as construções em estudo. Uma das
contribuições deste capítulo, então, é mostrar que agentividade não é tal propriedade.
Fábregas e Putnam (2014) também separam as médias das línguas em dois grupos:
aquelas em que Agentes estão disponíveis e aquelas em que não estão. Diferentemente de
Lekakou (2005: cap.3), que argumenta que o Agente presente em médias se deve à
presença ou não de morfologia imperfectiva na língua, 22 ou de Schäfer (2008; cap.6), que
correlaciona a existência de médias marcadas ou não-marcadas com a marcação de
anticausativas, Fábregas e Putnam (2014) argumentam que a presença do Agente ou não
está ligada à presença de uma variável de evento na estrutura.
Mais explicitamente, se a língua se utilizar de uma construção em que uma
variável de evento esteja presente, o Agente também estará sintaticamente presente, já
que um Agente pressupõe um evento. Por outro lado, se a língua se utilizar de uma
construção estativa para derivar médias, o Agente não estará presente, porque Agentes
não se combinam com estados. O estudo se concentra em médias do norueguês e do sueco.
Os testes de gramaticalidade que os autores fizeram sugerem que: em estágios anteriores,
tanto o norueguês quanto o sueco empregavam passivas adjetivais para formar médias.
As gerações mais jovens de noruegueses, todavia, atribuem leituras médias a passivas
verbais. Passivas adjetivais não mostram indícios de um Agente sintaticamente
representado, enquanto passivas verbais sim.
Observe os exemplos do norueguês abaixo que demonstram isso. Enquanto
passivas verbais licenciam uma by-phrase, passivas adjetivais não licenciam tal elemento.
Há uma série de análises para esse fenômeno. A justificativa dos autores para o
licenciamento de uma by-phrase em passivas verbais, mas não em passivas adjetivais, é
a presença da projeção de argumento externo (v, para eles), que, por sua vez, está ligada
à presença de uma variável de evento.
22
Mais detalhes sobre essa abordagem na seção abaixo.
153
EXP tem uma composição que rejeita sujeira.
‘Esse tecido é fácil de qualquer um lavar porque a sua composição
química repele sujeira.’
b. Dette stoffet er lett-vaske-t (*av alle)
Este tecido é fácil-lav-ado (*por todos)
‘Este tecido é facilmente lido por qualquer um.’
(FÁBREGAS & PUTNAM, 2014:198)
O sueco usa passivas adjetivais para formar médias, portanto uma by-phrase não
está presente em médias, como (128) demonstra. Se a análise desses autores estiver certa,
a by-phrase não é licenciada em médias do sueco porque a variável de evento não está
presente.
23
Repare que verbos estativos, os quais, na análise de alguns autores, também não possuem variáveis de
evento (cf. Kratzer (1995)), também não aceitam expressões adverbiais que indicam repetição do evento
em suas acepções neutras.
Em contextos metafóricos e com pequenas mudanças de significado, essas expressões são mais toleradas,
por exemplo João soube da morte do pai três vezes, significando que ele foi comunicado sobre esse evento
em três ocasiões diferentes.
Como o leitor pode ver, essa acepção é diferente da que se vê em (i), já que não se sabe matemática por
meio de uma comunicação de um evento por alguém.
154
ganger før det må bli erstattet.
vezes antes EXP deve ser reposto.
“Esse tipo de produto pode ser usado muitas vezes antes de ter de ser
reposto.”
(130) Den här sortens produkt är (*mange ganger) lätt-använd.
Esse aqui tipo produto é (*muitas vezes) fácil-usado.
“Esse tipo de produto pode ser usado muitas vezes.”
(FÁBREGAS & PUTNAM, 2014:213-214)
Embora o estudo dos autores não trate da interessante questão de por que o sueco
usa passivas adjetivas para formar médias se possui passivas verbais do mesmo tipo das
do norueguês, esses fatos parecem mostrar que a ideia da obrigatoriedade de agentes em
médias tem, de fato, que passar por uma revisão não só porque as construções que
aparecem nas línguas não são mais concebidas como prontas desde o advento do
Minimalismo, mas porque a presença de um agente, por exemplo, é fruto de um
ingrediente mais básico, indicativo dos formativos de que a língua dispõe para fazer
eventos.
Assim, médias marcadas e não-marcadas do PB indicam que, na falta de Voice, a
variável de evento não é mais projetada e, consequentemente, o agente deixa de ser
representado. Veja a diferença de gramaticalidade entre os exemplos (131), de uma média
não-marcada quando modificada por muitas vezes, e (132), de uma média marcada.
(131) *Esse tipo de roupa usa muitas vezes antes de ter que jogar fora.
(132) Esse tipo de roupa se usa muitas vezes antes de ter que jogar fora.
155
4.10 Os dados e a proposta de Lekakou (2005)
Uma proposta lexicalista atual para a formação de médias é a de Lekakou (2005).
Dado que Lekakou atribui as diferentes formações médias das línguas a um parâmetro de
aspecto, é necessário discutir os dados do PB à luz dessa ideia. Para essa autora, as
diferentes estruturas de médias entre as línguas se devem à presença ou não de um
operador genérico presente sintaticamente ou não (cf. Lekakou, 2005: cap.3).
Mais explicitamente, línguas em que não há contraste entre a expressão
morfológica de genericidade e não-genericidade em pelo menos um dos tempos verbais
são aquelas em que não há um morfema na sintaxe responsável por manifestar o operador
genérico. Exemplos desse caso, para a autora, são as línguas germânicas em estudo no
seu trabalho: inglês, alemão e holandês. (133) e (134) exemplificam a falta de expressão
morfológica de genericidade com dados do inglês. Nessa língua, aspecto perfectivo pode
ser usado para codificar tanto eventos episódicos (133) quanto genéricos (134).
156
O-NOM João escreveu-IMPERF uma carta cada dia.
“O João escreveu uma carta todo dia.”
(LEKAKOU, 2005:111)
Repare que essa tipologia implicaria algumas questões para as línguas não-
examinadas pela autora. No caso do PB, por exemplo, teria de ser dito que a perda de SE
está ligada à perda de aspecto imperfectivo. Em outras palavras, já que a presença de um
Agente sintático está ligada à presença de um operador genérico (a imperfectividade do
verbo), se a língua perdesse tal operador, por alguma razão, se justificaria a perda de SE
em médias, já que tal operador licencia a presença de um Agente correspondente a ONE*.
O PB, ao contrário do inglês, não pode expressar sentenças genéricas com aspecto
perfectivo. Observe as traduções de (133) e de (134), abaixo.
157
(140) João dirigia até a escola (quando era adolescente).
24
Ver a comparação no capítulo 3 entre anticausativas do alemão e do PB no que diz respeito aos testes de
(in)transitividade.
158
das médias não está ligada a um parâmetro aspectual. Tanto o sueco quanto o dinamarquês
possuem passivas marcadas com –s , morfologia característica de passivas verbais nessas
línguas, e passivas adjetivais. Um sistema como o de Lekakou prediria, erroneamente,
que as duas línguas usariam somente a passiva verbal (passiva marcada com –s) para
formar médias, mas o sueco escolheu uma forma e o dinamarquês, outra.
Mantenho, assim, a análise de que as diferenças entre médias marcadas e não-
marcadas no PB se dá em virtude da perda de SE. Uma análise em termos aspectuais não
dá conta dos dados do PB nem de outras línguas.
4.11 Conclusão
Neste capítulo, estudei sentenças médias marcadas e não-marcadas do PB. As
diferenças sintáticas entre as duas construções me permitiram afirmar que médias
marcadas e não-marcadas no PB têm derivações suficientemente diferentes para não
afirmarmos que se trata de uma idiossincrasia.
As médias marcadas do PB possuem um Agente sintaticamente presente. Esse
agente em médias, assim em como outras estruturas do PB, é um argumento implícito
forte, que bloqueia a concordância entre verbos e o DP, complemento lógico do verbo.
Em médias não-marcadas, essa concordância é possível.
Além disso, em médias marcadas do PB, somente alguns DPs do conjunto de DPs
passíveis em posições argumentais são, de fato, licenciados. Isso, eu argumento, deve-se
ao fato de que esses DPs já nascem na posição de tópico. Essa estratégia desenvolvida
pelo PB se deve em parte ao fato de que as médias marcadas possuem um argumento
implícito forte em posição de [Spec, Voice] que bloquearia a valoração de traços de um
DP gerado na posição de objeto. Como é um requerimento de sentenças médias que elas
tenham um DP pré-verbal, um DP gerado na posição de tópico parece ser uma saída para
formar sentenças médias marcadas em PB, enquanto essa estrutura ainda era produtiva.
Com a possibilidade de formação de médias não-marcadas, que não possuem um
argumento implícito, qualquer DP pode ser gerado. DPs em médias não-marcadas em PB
nascem, então, em posições argumentais.
O capítulo também mostrou que médias não-marcadas se comportam como
inacusativas ao licenciarem possessor raising, por exemplo. Todavia, diferentemente do
que é normalmente dito nos estudos sobre médias, mantenho que médias não-marcadas
são médias, já que não há uma razão explícita para se afirmar que Agentes devam ser
159
licenciados em médias. Com base em alguns testes presentes em Fábregas e Putnam
(2014), sugiro que a diferença entre médias não-marcadas e marcadas em PB seja a
presença de Voice. Como Voice não está presente em médias não-marcadas, uma variável
de evento não é introduzida na derivação. Finalmente, mostro que um parâmetro
aspectual, tal como defendido em Lekakou (2005) não explica satisfatoriamente a
emergência de médias não-marcadas em PB, mantendo assim a hipótese que tem norteado
essa tese de que a perda de SE em eventos em que esse elemento se junta a pro leva a
uma substancial mudança de construção de eventos em PB.
160
5 A ALTERNÂNCIA AGENTIVA
5.1 Introdução
Neste capítulo, concentro-me em alternâncias do tipo que se vê em (1) e (2).
Essa alternância vai ser chamada de alternância agentiva (AA) por envolver verbos
agentivos – isto é, verbos que só podem ter um Agente como argumento externo. Antes de
iniciar a análise da estrutura em (1) propriamente dita, vou me referir a sentenças do tipo de (1)
com um termo neutro. A sentença (1) será chamada de membro intransitivo da AA.
Sentenças como (1) levantam uma série de questões. Uma delas é o fato de (1) ser
agramatical na maioria das línguas bem descritas, então a possibilidade de uma sentença como
essa em PB deve ser estudada. Uma segunda questão é a relação entre a alternância
exemplificada acima e a pesquisa proposta nesta tese. Diferentemente de outros eventos
estudados nesta tese, que podem alternar entre formas marcadas e não-marcadas, (3) é
agramatical para qualquer falante se o clítico SE é adicionado (cf. NEGRÃO E VIOTTI, 2010;
CYRINO, 2013).
1
Na seção 5.2, concentro-me em trabalhos que analisaram a estrutura dessas sentenças com mais detalhes. Assim,
nem todos os trabalhos citados aqui serão retomados lá.
161
[c]om o verbo vender, frequentemente incluído entre as mediais (...), as únicas formas
que parecem não ser gramaticais sem algum modificador adverbial, por exemplo, são
as dos pretéritos. Com o verbo reformar, por sua vez, só parece ser gramatical uma
forma em tempo progressivo. O contraste maior é com verbos como aumentar, que
aceitam qualquer tempo e aspecto. O que parece ocorrer, como se vê, é que certos
verbos admitem a alternância causativa em seu paradigma completo, enquanto outros
o admitem em apenas parte de seu paradigma. (CHAGAS, 2000:23)
Rodrigues (1998:123) também nota que ‘Esses carros estão vendendo bem’ é uma boa
sentença e sugere que essas sentenças sejam analisadas como ergativas (anticausativa, em meus
termos) e não médias.
Essas sentenças também são aludidas em trabalhos que defendem que o PB é uma língua
de tópico ou uma língua voltada para o discurso. Galves (2001:34), por exemplo, ao defender
que o PB é uma língua de tópico, afirma que ‘a ligação direta do tópico ao objeto está
relacionada com a ausência da passiva’. Assim, a sequência de pergunta e resposta: ‘Cadê a
revista? Está xerocando.’seria um exemplo de um caso em que o tópico ‘A revista’ está ligado
diretamente ao objeto. Na mesma esteira, Modesto (2008:405) afirma que construções como
‘Esse prédio está construindo rápido’ evidenciam que ‘o uso pervasivo dessa construção em
PB e a consequente infrequência de passivas, é relacionado ao fato de essa língua ter se notado
uma língua não pro-drop.’ 2 Até onde sei, uma correlação quantitativa entre o decréscimo do
uso de passivas e o aumento do uso dessa construção ainda não foi feita. É interessante averiguar
se essa correlação de fato existe para que essa construção seja tomada como indicativo de uma
língua de tópico ou não.
Modesto (2008) afirma, ainda, que essa construção parece falsificar a ideia de Holmberg
(2010) de que o pronome nulo genérico fica in situ e outra categoria satisfaz EPP em impessoais
nulas do tipo ‘Aqui pode nadar’. Repare que, ao argumentar dessa forma, o autor está igualando
essas sentenças impessoais com as sentenças chamadas, por ora, de membro intransitivo da
alternância agentiva. Contudo, as interpretações são claramente diferentes. Enquanto Esse
prédio construiu em junho é usada quando o Agente da sentença não é visto (mas pode ser
conhecido), Aqui pode nadar significa que qualquer pessoa, potencialmente, pode fazer essa
ação.
Outra diferença que pode ser apontada é o licenciamento de possessor raising. Repare
que O banheiro consertou a torneira, equivalente à A torneira do banheiro consertou é
2
“ …the pervasive use of this construction in BP, and the consequent infrequence of passives, is related to the fact
that this language has become non-Sp.”
162
gramatical, mas Aqui banheiro conserta torneira, equivalente à Aqui conserta torneira de
banheiro, não é gramatical.3 No decorrer do capítulo, outros testes deixarão claro que o membro
intransitivo da AA não é uma sentença impessoal.
Há, também, alguns pesquisadores que acreditam que essas sentenças estejam ligadas a
uma tendência de ergatividade do PB. Isso é sugerido mais ou menos explicitamente em alguns
textos, como na tese de Amaral (2015, cap.3), citando trabalhos de Negrão e Viotti (2011), mas,
até onde eu saiba, não há nenhum texto em que essa ideia tenha sido realmente explorada para
além de uma sugestão. Se essa ideia estiver no caminho certo, outros fatores que indiquem
ergatividade no PB deveriam ser detectados na língua, visto que ergatividade está ligada a uma
série de características de uma língua. Além disso, como se verá na seção 5.7, essas sentenças
também existem em mandarim, uma língua do sistema nominativo-acusativo.
Desse breve passeio por alguns tratamentos dessas sentenças na literatura, essa
alternância não parece estar ligada à perda do SE (em conjunção com pro ou não). Como se
verá no desenvolvimento deste capítulo, contudo, afirmo que essa alternância está, sim, ligada
à perda do SE em um evento em particular, a saber, médias, portanto a casos em que SE está
em conjunção com pro. Afirmo que a alternância que se vê em (1)-(2) é um epifenômeno da
perda de SE em médias. Isto é, (1) não é uma sentença média por uma série de motivos: não é
genérica, falta um advérbio ou outra expressão que faça a asserção sobre alguma propriedade
do DP em (1) e, por extensão, trata-se de uma sentença sobre um objeto específico (O carro) e
não sobre uma classe de objetos (Carros em geral). Todavia, uma série de semelhanças
estruturais entre médias não-marcadas e (1) vão mostrar que esses dois tipos de evento têm a
mesma estrutura. Tendo esse panorama em mente, as duas principais questões que vão conduzir
a discussão neste capítulo são:
3
Agradeço à Cilene Rodrigues por ter chamado minha atenção para o fato de que impessoais nulas não licenciam
possessor raising, o que sugere que tais sentenças são transitivas.
163
na estrutura de sentenças como (1). Uma vez concluído que nenhum Agente está disponível, a
seção 5.4 é dedicada ao estudo da estrutura de sentenças como (1). Mais particularmente, a
pergunta a se responder é: que estrutura inacusativa essas sentenças teriam? A conclusão é que
sentenças desse tipo são sentenças inacusativas monoeventivas, similares a médias não-
marcadas do PB. Na seção 5.5, a estrutura de médias não-marcadas do PB é brevemente revista.
Na seção 5.6, médias não-marcadas e o membro intransitivo da AA são comparados.
Finalmente, na seção 5.7, defendo que a perda de Voice em médias (pode-se também dizer a
perda de SE e pro) tornou a estrutura disponível para a alternância que se vê neste capítulo. A
seção 5.8 explica porque sentenças como (1) não existem em inglês. Finalmente, a seção 5.9
conclui o capítulo. Após a conclusão do capítulo, há dois apêndices: um com dados encontrados
em corpora de língua falada e buscas orientadas no google e outro que é, na verdade, uma nota
sobre questões de aceitabilidade. Os dados no apêndice 1 exemplificam duas propriedades
importantes, mesmo que esse não seja o intuito inicial de tal apêndice:
(i) Essas sentenças podem ocorrer em ordem VS, comprovando, mais uma vez,
que sentenças como (1) são inacusativas;
(ii) Todos os dados encontrados respaldam a restrição de afetação do objeto.
Embora haja muita variabilidade nos julgamentos, todos os dados, produzidos
tanto por adultos quanto por crianças, enquadram-se nessa restrição. Essa
condição, então, apesar de abarcar uma grande gama de verbos da língua prevê
que verbos estativos nunca serão licenciados nessa construção, o que está de
acordo com todos os dados encontrados até agora tanto na linguagem das
crianças quanto na linguagem dos adultos e o julgamento de falantes.
Por fim, foi também incluído um apêndice 2, que consiste em notas informais sobre
formas de aumentar a aceitabilidade dessas construções reportadas a mim em inúmeras ocasiões
de julgamentos de gramaticalidade. Em geral, um falante que julga dados da AA como
agramaticais, passa a aceitá-los se advérbios que indicam a completude da ação são incluídos
e/ou se a sentença está na forma progressiva.
164
1980. Nesta seção, discuto os trabalhos de Negrão e Viotti (2008, 2010) e Cyrino (2013a). As
hipóteses presentes nesses trabalhos vão guiar a investigação da estrutura do membro
intransitivo da AA.
4
Ideia também presente em Whitaker-Franchi (1989:27) e Perini (2008, cap.9).
165
autoras, dados como os que se vêem em (10) e (11) apontam para o fato de que a existência de
anticausativas não-marcadas em PB não significa que elas estejam somente perdendo o SE, mas
sim que um processo de impessoalização esteja acontecendo na gramática. Em outras palavras,
para as autoras, o PB estaria em um processo geral de impessoalização (em um modo
funcionalista de se ver a perda do SE). Nessa linha, a agramaticalidade rápido de (11) pode ser
explicada se SE tem algum importe semântico.
Por outro lado, com tal processo de impessoalização em curso, a agentividade não seria
mais representada em (10), o que explicaria menos restrições quanto ao tipo de advérbio em
sentenças sem SE.
Após proporem contrastes como esse, as autoras indicam alguns paralelismos entre
passivas impessoais em quimbundo e o membro intransitivo da AA. Seguindo Givón, as autoras
assumem que a sentença em (14) é uma gramaticalização de (12). Dito de outro modo, sentenças
com deslocamento de um constituinte à esquerda, como (12), passaram também a licenciar um
afixo semelhante a um pronome indeterminado, como a- em (13), e a construção passou, em
um dado momento, a ser interpretada como uma passiva, interpretação já apontada para o
exemplo (14).
166
(NEGRÃO E VIOTTI, 2008:199)
As construções (161) e (162) [= meus exemplos (13) e (14). JC] do quimbundo têm
vários aspectos semelhantes às construções do português brasileiro que estamos
estudando. Do ponto de vista formal, primeiramente, o verbo se mantém na forma
ativa. Em outras palavras, essa construção não é do tipo de uma passiva adjetival,
construída com o particípio passado dos verbos. Segundo, o argumento interno, Nzua,
não aparece em sua posição canônica, tendo sido deslocado para o início da sentença.
Terceiro: trata-se de uma construção impessoal: o argumento agente não é relevante
(grifo meu). Do ponto de vista informacional, essa construção é semelhante às
construções do português brasileiro que nos interessam, na medida em que existe uma
promoção de um argumento não-agentivo para uma posição de maior proeminência
discursiva da sentença. (NEGRÃO E VIOTTI, 2008:199)
Tendo em mente esse quadro geral em mente da análise das sentenças em questão pelas
autoras, algumas considerações podem ser feitas. Somente é possível estabelecer um paralelo
entre sentenças como (1) e (12) se “não relevante”, grifado acima, referente ao Agente em
sentenças impessoais, e “não especificado”, referente à falta de Agente em sentenças que
fariam parte do continuum de impessoalização, forem tomados como sinônimos. Nesse ponto,
parece que o termo ‘impessoal’ tanto para sentenças como Come-se muito bem no Brasil e
Chove muito na Amazônia é inadequado. No primeiro tipo de sentenças, Agentes são sempre
expressos. A existência de sentenças geralmente referidas como null impersonals na literatura,
como em No Brasil come muito churrasco, não vai de encontro à afirmação anterior, como se
verá no Capítulo 6. Quando os testes relevantes são feitos, mostra-se que de fato há um Agente
nessas sentenças em algumas línguas e a representação de um humano em outras, como se verá
no Capítulo 6. Parece inconcebível, então, uma sentença impessoal desse tipo sem um Agente,
como os próprios exemplos do quimbundo fornecidos pelas autoras mostram. As sentenças aqui
em estudo, por outro lado, não possuem um Agente presente à primeira vista. Os testes na seção
5.3.2 vão mostrar que não há também nenhum Agente implícito. Acredito, então, que a
comparação entre o membro intransitivo da AA e sentenças impessoais do quimbundo não
compara entidades compatíveis nem de um ponto de vista estrutural nem de um ponto de vista
semântico.
167
A aludida similaridade informacional entre os dois tipos de sentença também não parece
adequada. Em contraste com a sentença do quimbundo, não há nada que mostre nas sentenças
do PB que o constituinte pré-verbal está deslocado no membro intransitivo da AA. Tal
constituinte está na posição de sujeito, já que a concordância é ativada, como se vê em (15),
uma versão possível de (7).
Assim, não parece que há uma promoção de um argumento não-agentivo para uma
posição discursiva mais proeminente. O fato de essas sentenças geralmente aparecerem em
ordem SV é conectado à mudança de parâmetro que vem acontecendo com o PB. Em outras
palavras, a ordem VS tem se tornado restrita, mesmo em sentenças inacusativas. Em princípio,
consideradas as condições em que a ordem VS é favorável no PB, nada impediria que o membro
intransitivo da AA aparecesse em tal ordem. O próprio exemplo (7) das autoras, repetido abaixo
como (16), exemplifica um caso de um membro intransitivo da AA na ordem VS ‘vendeu o
terreno’. Há também exemplos no Apêndice 1, retirados de corpora de língua falada, que
exemplificam isso.
(16) Esse prédio tá construindo desde que vendeu o terreno onde era a casa do vovô.
(18) TP
3
DP T
As cuecas do 3
168
Calvin T vP....
(19) XP
3
X TP
As cuecas 3
do Calvin pro T
3
T vP
A estrutura em (19) seria compatível com uma estrutura impessoal, em que um Agente
arbitrário seria representado por pro. Essa leitura, no entanto, não corresponde ao julgamento
dos falantes.
Para exemplificar essa afirmação, consideremos o excerto abaixo, que é um fragmento
de uma conversa na internet em que falantes nativos do PB e aprendizes dessa língua discutem
em que condições o membro intransitivo da AA é usado.
“Eu jamais usaria, por exemplo, A luz apagou. como equivalente de A luz foi apagada.
Para mim, no primeiro caso houve um apagão, ou um curto-circuito, ou a luz queimou,
algo nesse sentido (A luz apagou durante o temporal de ontem.); no segundo caso, há
ou um agente mais concreto ou ao menos uma intenção (A luz foi apagada para que
os presos fugissem). Se eu inverter os usos nesses meus dois exemplos, fico com
outras impressões:
A luz foi apagada durante o temporal de ontem. = por medo, por diversão etc.
Não consigo pensar em nenhum contexto em que usaria A roupa lavou., nem mesmo
se for lavada a máquina ou coisa assim… Soa quase agramatical aos meus ouvidos
(não estou dizendo que seja). Contudo, eu creio que perguntaria tranqüilamente algo
como A roupa já terminou de lavar?, o que não é, afinal, tão diferente assim.” (Psi-
Lord on 2005-05-21, 6:42, http://www.unilang.org/viewtopic.php?f=43&t=5893)
169
identificada como o possível autor da ação. Portanto, a similaridade com passivas impessoais
do quimbundo não se verifica nem estruturalmente nem no julgamento dos falantes.
Em Negrão e Viotti (2010), há uma discussão mais voltada para a estrutura dessas
sentenças. Neste texto, as autoras notam mais semelhanças entre anticausativas e o membro
intransitivo da AA. Grande parte do texto segue um caminho comum dos estudos em que essas
construções estão em foco (como este capítulo, CYRINO, 2013a e GROLLA E AUGUSTO a
sair), que é aplicar testes da literatura para verificar se essas sentenças se comportam como
passivas, anticausativas ou outros eventos bastante descritos. Os pontos principais de
argumentação nesse texto são: 5
i. O membro intransitivo da AA não é uma sentença média, já que o verbo pode estar na
forma progressiva e não há necessidade de advérbios;
ii. Anticausativas com e sem SE correspondem a duas construções semanticamente
diferentes;6
iii. Se o ponto anterior está correto, verbos como abrir, fechar, afundar e quebrar sem o
SE são conceitualizados da mesma forma que o membro intransitivo da AA.
5
Neste texto, com base em trabalhos independentes, as autoras afirmam que o verbo, nas construções em estudo,
sobe para uma projeção correspondente ao tempo do evento, acima de VP, e não de tempo do enunciado, a projeção
T. A partir da exposição do texto, não é possível concluir que esse seja, de fato, o caso.
No capítulo 6, as propriedades de T do PB estarão em discussão e argumentarei, com base em Cyrino (2013b) que
nos casos de 3ª pessoa não-referencial, o verbo sempre se move para uma projeção de aspecto (compatível com a
ideia de uma projeção de tempo do evento). Assim, essa não seria uma particularidade de sentenças como O carro
guinchou, mas de uma gama variada de construções.
6
Ver uma crítica a essa ideia na seção 3.6.2 do capítulo 3 desta tese.
170
(20) Foi dispronunciado o Dantas, pelo Julio.
(21) Por intermédio do Major Jeronimo, me foi entregue seo favor...
(22) As 9 horas da noite,..., forão despachado 4 portadores...
(CYRINO, 2013:303)
No mesmo corpus, o argumento interno somente aparece em posição pré-verbal quando
é [-animado] e não há nenhum SE na sentença:
(23) A oito dias apareceu um agoaceiro fino; (...) porém nada cria tá[o] fina é7
(24) O recrutamento está assolando, a título de voluntários...
(CYRINO, 2013:303)
A análise de Cyrino (2013a) para esses fatos é a seguinte: o desenvolvimento da AA
está relacionado com a perda de SE em sentenças médias no PB. Mais especificamente, com a
perda de SE, verbos participantes da alternância média pararam de ser marcados. Isso deu
origem às configurações que vemos em (23) e (24): ordem SV com sujeitos [-animados] e a
falta de um argumento externo. A implementação é feita com a abordagem de Kallulli (2006),
para a qual sentenças inacusativas de todos os tipos têm o argumento externo suprimido na
estrutura do predicado. Nas palavras de Cyrino (2013a:304):
7
Isso não quer dizer, todavia, que todos os argumentos internos [-animados] eram obrigatoriamente pré-verbais
nessa época, como apareceu um agoaceiro fino, em (23), mostra. Agradeço à Ana Paula Scher pela observação.
8
Brazilian Portuguese provides the case where loss of non-active morphology does not prevent the operation of
feature suppression to apply. As a result of loss of se, we have the emergence of X-sentences – the non-active
morphology is absent, but the [+act] feature suppression effect is present.
171
(25) O carro se guincha facilmente.
(26) Carro guincha fácil.
(27) O carro guinchou.
5.2.3 Conclusão
As duas análises brevemente apresentadas nesta seção mostram que há duas explicações
básicas para a AA e, em especial, para o membro intransitivo da AA. Se a análise de Negrão e
Viotti – em especial, na versão de 2008 – estiver certa, deve haver algum elemento implícito
no que venho chamando de membro intransitivo da AA. Em contraste, seguindo a hipótese de
Cyrino (2013a), não haveria nenhum elemento implícito nas sentenças em questão, já que elas
são vistas como inacusativas que tiveram um traço [+act] suprimido de sua estrutura. Uma das
preocupações deste capítulo é determinar a estrutura dessas sentenças, portanto essas duas
direções de análise para as sentenças em tela serão retomadas à medida que a argumentação
avança.
5.3.1 AA e anticausativas
A primeira comparação que parece óbvia é entre anticausativas e o membro intransitivo
da AA. O exame dessas sentenças levou vários pesquisadores a afirmar que verbos participantes
da alternância causativa estão em expansão no PB. (cf. WHITAKER-FRANCHI, 1989:27;
PACHECO, 2008:16, CARVALHO E COSTA, 2014). Nesta seção, vou examinar rapidamente
essa ideia. Oportunamente, em seções posteriores, em que outros diagnósticos estarão em foco,
a plausibilidade dessa ideia vai ser retomada.
Em (29), vemos um exemplo de um verbo que não deveria alternar entre uma forma
transitiva e uma intransitiva, já que essa alternância viola a condição de argumento
subespecificado (cf.REINHART 2003; LEVIN E RAPPAPORT-HOVAV, 2005:168, seção
3.2.1 do capítulo 3 desta tese), demonstrado em (28). Uma versão da condição de argumento
subespecificado está em (30).
172
(28) O João/ O sabão/ *A chuva lavou a roupa.9
(29) A roupa lavou.
Tendo essa condição em mente, (31) e (32) exemplificam um verbo que respeita tal
restrição e, portanto, é licenciado na alternância causativa.
A má-formação de (34) pode levar o leitor a pensar que há um Agente implícito nessa
sentença. Mostrarei, ao longo da argumentação, que essa conclusão é indevida. Na verdade, a
agramaticalidade de (34) se deve ao tipo de raiz utilizada. Além disso, os contextos em (35) e
(36) demonstram que o membro intransitivo da AA não é usado em contextos nos quais um
Agente está implicado na ação. Assim, A roupa esfregou é uma sentença adequada em um
9
Florian Schäfer (c.p.) me informa que as línguas românicas, em geral, poder usar lavar como um verbo
resultativo, como em A chuva lavou a rua. Essa sentença também é boa em PB, o que mostra que, nessa língua,
esse verbo também pode ser usado em um contexto resultativo. Perceba, no entanto, que esse não é o caso quando
o VP lavar a roupa é usado, já que o argumento externo desse predicado não pode ser A chuva.
10
Cf. seção 3.1 do capítulo 3 em que esse teste é um dos que mostram que não há um Agente implícito em
anticausativas ou, mais particularmente, que a ação descrita pelo verbo ocorreu sem que uma causa específica a
promovesse.
173
contexto como o apresentado em (35), mas não (36), em que não há como conceber o evento
como independente do Agente.
(35) Você está lavando as roupas da sua mãe na máquina e ela está impaciente. Ela pergunta
a cada dois minutos se o processo de lavagem terminou. Para acalmá-la, você decide
dar informações mais precisas sobre o processo de lavagem. Você, então, fala para
ela:
(36) João está lavando as roupas dele à mão o mais rápido possível porque ele tem que
buscar seus filhos na escola. A mulher dele está nervosa porque ela acha que ele não
vai terminar a tempo. Em um dado momento, ela entra na lavanderia e pergunta se
João já terminou de lavar as roupas. João, então, responde:
174
5.3.2 Há algum tipo de argumento implícito no membro intransitivo da AA?
Nesta seção, eu aplico alguns testes que diagnosticam a presença de um argumento
implícito aos membros intransitivos da AA.
Primeiramente, comparo o membro intransitivo da AA com passivas analíticas. Há, pelo
menos, duas razões para essa comparação: (i) pode-se pensar que as sentenças em questão são
passivas; (ii) o tipo de argumento implícito em passivas perifrásticas não precisa estar
sintaticamente projetado (cf. discussão na seção 2.3 do capítulo 2), então é necessário testar se
sentenças como (34), #A roupa lavou sozinha, não têm o mesmo tipo de Agente implícito. A
comparação entre passivas perifrásticas e o membro intransitivo da AA mostra que esses dois
tipos de eventos não podem ser considerados como estruturalmente idênticos (ou seja, a
hipótese em (i) está errada) nem possuem o mesmo tipo de Agente implícito (a hipótese (ii) está
igualmente errada).
Os pares de sentenças de (37) a (39) mostram que o membro intransitivo da AA não
licenciam Agentes da passiva (37)a, orações de propósito (38)a e advérbios orientados para o
sujeito (39)a. Passivas perifrásticas licenciam esses três tipos de elemento, como demonstram
as sentenças em (37)b, (38)b e (39)b.
11
Embora essa não seja a discussão em tela, perceba que algo como A roupa lavou pela chuva também não é
possível, o que mostra que não há um causador implícito em uma sentença como essa.
175
é o de companhia, por exemplo, que indicaria a presença de um argumento implícito humano
de alguma forma.12 Considere a sentença (40) que exemplifica isso.
Embora seja uma interpretação marcada, (40) só pode significar que Maria foi a pessoa
que lavou a roupa e não que alguém, juntamente com a Maria, lavou roupa. Há, ainda, o
significado de que a Maria e a roupa foram lavadas juntas, como apontou Ana Paula Scher
(c.p.), o que novamente ilustra que ‘com Maria’ não tem o significado de companhia de um
argumento implícito humano. Por outro lado, (41) pode significar que o bolo foi comprado na
companhia de Maria. (41) tem, ainda, outros significados que não são relevantes para o
argumento que faço agora.
Isso mostra, mais uma vez, a diferença entre o membro intransitivo da AA e passivas
perifrásticas. Feita essa comparação, é também interessante notar que SE-impessoais
respondem da mesma forma que passivas perifrásticas aos testes de agentividade elencados
acima, excetuando-se o licenciamento de by-phrases (cf. seção 2.3 do capítulo 2 para uma
discussão mais detalhada desses testes). Uma comparação entre SE-impessoais e o membro
intransitivo da AA é também válida. Os exemplos de (42) a (45) demonstram quais os elementos
de agentividade licenciados em SE-impessoais.
12
Agradeço a Florian Schäfer por me sugerir este teste.
176
Em adição a isso, SE-impessoais licenciam mais elementos que passivas perifrásticas,
como predicados secundários, anáforas e a interpretação de posse inalienável. Esses testes
apontam a presença de um Agente sintaticamente projetado em sentenças SE-impessoais, mas
não em passivas perifrásticas (cf. seção 2.3 do capítulo 2).
177
implícito. A comparação sugere que não há um Agente de nenhum tipo nas sentenças em
estudo. O Quadro 1 sumariza as discussões feitas nesta seção.
Primeiramente, pode-se afirmar que (52), na leitura que é relevante, é uma idiossincrasia
e não se encontrariam muitos outros exemplos além desse. (53) é mais um exemplo que
mostraria essa restrição no membro intransitivo da AA.
13
Agradeço a Florian Schäfer por essa questão.
178
Entretanto, o exemplo (53) não ilustra, necessariamente, que DPs [+animados] são
banidos do membro intransitivo da AA. Repare, por exemplo, que, em inglês, o VP carregar
um navio se traduz como load a ship e o VP carregar uma pessoa como carry a person. (53)
pode ser um exemplo, na verdade, de uma restrição de significado verbal para participar dessa
alternância e não de uma restrição de animacidade. Isto é, somente o verbo carregar com
significado de ‘encher um container’ é licenciado na AA.
Nessa esteira, outros verbos que têm um potencial de mudança e que poderiam formar
o membro intransitivo da AA não são licenciados nessa alternância, independentemente do fator
animacidade do DP.
Para complicar a questão um pouco mais, alguns verbos que são licenciados na AA são
claramente mais usados com DPs [+animados], como os exemplos abaixo ilustram.
(60) Foi gravada aquela confusão toda numa quinta-feira... numa sexta-feira, meu filho
enterrou na quarta.14
(61) Meu filho não precisa fazer carteirinha de novo, ele fotografou no semestre passado.
(62) João operou na sexta.
Essa discussão mostra que há tendências claras com os verbos em questão: verbos com
um potencial de mudança são elegíveis para entrar nessa construção, mas parece haver alguma
outra restrição que ainda não é bastante clara. Seja qual for essa restrição, não se pode traduzi-
la como uma restrição de animacidade.
14
Sentença do vídeo www.youtube.com/watch?v=87VV2H7HqO0, falada entre 3h28min -3h31min.
179
Voltando à discussão inicial, posso agora afirmar que os verbos participantes da AA não
apresentam uma leitura reflexiva. Isso está em harmonia com a ideia de que um Agente não é
licenciado nessas sentenças, como argumentei na subseção 5.3.2. Nos casos que parecem
ambíguos, como (52), há mais de uma estrutura correspondendo a cada uma das interpretações
evocadas. (63) lista, simplificadamente, as estruturas compatíveis com cada interpretação.
Observe que a estrutura em (63) indica que estou assumindo que o membro intransitivo
da AA é inacusativo, já que o DP é gerado em posição de objeto de acordo com tal estrutura.
A próxima seção é dedicada a mostrar que os membros intransitivos da alternância têm uma
estrutura inacusativa.
15
Esta representação segue a ideia de Alexiadou, Spathas e Schäfer (2014) de que em casos de verbos naturalmente
reflexivos, que, em algumas línguas, não precisam de um elemento aberto como SE para que a leitura reflexiva
apareça o objeto não é introduzido na sintaxe.
180
corretamente, que (64) é um verbo inacusativo porque seu sujeito foi gerado como
complemento do verbo, qualquer verbo que tenha um objeto lógico responderá afirmativamente
a esse teste. É o caso de (64)b. Repare,todavia, que (64)b não tem uma versão inacusativa em
português (*O caso ouviu/*A testemunha ouviu). Esse teste é, então, útil para diagnosticar a
presença de um objeto na estrutura, mas não para checar se esse é o único constituinte
disponível.
181
(66) Antes eu trabalhava como pedreiro, né, mais (sic) depois que amputou a perna fiquei
fazendo só os serviços de casa mesmo16
(67), abaixo, mostra o mesmo verbo sendo usado em um contexto de possessor raising.
Tal sentença foi postada na página do facebook de um jornal pelo seu administrador como
comentário a uma reportagem cujo título era: Cachorro aprende a andar de novo após ataque
de jacaré. Em tal contexto, então, essa sentença é claramente inacusativa, já que o cachorro não
amputou a própria pata.
16
https://psicologado.com/abordagens/centrada-na-pessoa/experiencia-de-tendencia-atualizante-em-amputado-
numa-perspectiva-fenomenologica
17
https://www.facebook.com/jornaloglobo/posts/958794600826886
18
Agradeço a Vitor Nóbrega por este exemplo.
182
5.4.2 Raízes de modo ou de resultado?19
O primeiro aspecto a ser ressaltado é o tipo de raiz presente no membro inacusativo da
AA e em anticausativas. Tem sido defendida, na literatura, a plausibilidade de se falar de dois
tipos de raízes verbais. Essa ideia aparece originalmente no texto de Rappaport Hovav e Levin
(1998) e tem também sido adotada também em abordagens não-lexicalistas para a estrutura
argumental (cf. MARANTZ, 2013)
Em uma definição informal, raízes de modo lexicalizam o processo da ação (mas não
seu resultado), enquanto raízes de resultado lexicalizam a parte final do evento (o resultado).
Essa diferença tem um impacto sintático, já que os verbos dessas duas grandes classes diferem
em uma série de aspectos. Um desses aspectos é a possibilidade de se negar o resultado de uma
ação. Enquanto isso é possível com um verbo formado a partir de uma raiz de modo, uma
contradição se forma se o verbo de resultado tiver o resultado negado. As traduções e as
pequenas adaptações de (72) e (73) indicam que o mesmo acontece em PB.
(72) John just swept the floor, but nothing is different about it.
O João acabou de varrer o chão, mas nem parece.
(73) #John just broke the vase, but it is not broken.
#O João acabou de quebrar o vaso, mas ele não está quebrado.
(RAPPAPORT HOVAV E LEVIN, 1998:101)
Testes comumente usados na literatura para diferenciar esses dois tipos de raízes
ilustram que, no inglês, verbos de modo permitem apagamento de objeto, enquanto verbos de
resultado não o permitem. Esse teste não é válido para o PB e apresento o contraste do inglês
somente para exemplificação.
19
Com base em outros testes, Amaral (2015, cap.3) chega a uma conclusão bastante parecida a que cheguei nesta
seção. Para a autora, o membro intransitivo da AA (construção de resultado, em seus termos) é uma das
possibilidades de mapeamento para a sintaxe de verbos que entram em ‘templates’ semânticos diferentes. Para a
autora, os verbos que entram nessas sentenças são verbos afetados, mas que não indicam uma mudança de estado,
razão pela qual eles podem ser representados, lexicalmente, pelos seguintes templates:
Essa diferença entre os dois tipos de raízes se nota em construções participiais também.
Embick (2004) nota que há pelo menos três tipos de particípios em inglês: eventivos, estativos
e adjetivais. Particípios estativos e adjetivais estão relacionados ao traço fient, que, para o autor,
é um tipo de operador BECOME. Basicamente, a estrutura para os particípios resultativos e
estativos seria a que se vê em (75). Tal estrutura pode receber projeções adicionais a depender
do contexto sintático em que esses particípios estão inseridos.
(75) vP
3
v ROOT
FIENT
Todavia, sentenças como (76) e (78) não parecem envolver um estado final. (79) mostra
que tais raízes nessas construções podem ter o resultado negado.20
20
Amaral (2015:80) afirma que o resultado do membro inacusativo da AA não pode ser negado, o que mostra que
essa é uma construção com foco no resultado. A autora oferece como um de seus exemplos a sentença em (i).
Essa sequência de sentenças, de fato, leva a uma contradição porque cozinhar também tem um processo e, ao se
dizer, ‘o frango não ficou cozido’ pode-se interpretar que o frango não ficou nada cozido. Todavia, a contradição
não se mantém com uma modificação que mostra que o estado final não foi atingido. A importância de
modificadores como meio e bem, em (ii) e (iii), é justamente mostrar que um estado/ resultado nem sempre é
atingido com esses verbos e que isso não contradiz a sentença precedente justamente porque os verbos licenciados
como membros inacusativos da AA não são verbos de resultado.
ii) O frango cozinhou, mas não todo cozido, tá meio cru por baixo.
iii) O frango cozinhou, mas não tá bem cozido.
184
(79) A roupa já lavou/pintou, mas não ficou bem lavada/pintada, vamos ter que lavar/pintar
de novo.21
Novamente, isso contrasta com os casos em que uma passiva adjetiva realmente tem a
estrutura proposta em (75). Passivas adjetivas com verbos feitos a partir de raízes de resultado
apresentam contradição quando o resultado da ação é negado.
Assim, o contraste entre (79) e (80) é exatamente o contraste que se espera ver se os
verbos no primeiro exemplo são de modo e os no segundo, de resultado. Consideremos mais
um teste que exemplifica a diferença entre esses dois tipos de raízes. As raízes dos verbos que
participam da alternância causativa são licenciadas em sentenças resultativas.22 Os adjetivos
negritados no grupo de sentenças abaixo descrevem o estado em que esses objetos estavam
quando foram criados. Os pares de palavras em parênteses são o adjetivo e o seu verbo
correspondente, o qual é licenciado na alternância causativa.
Portanto, juntamente com os testes da seção principal, (ii) e (iii) exemplificam que não parece adequado dizer que
o membro inacusativo da AA expresse resultado de uma ação.
21
O mesmo se observa se uma raiz que indique um resultado de ação compatível com lavar for utilizado for usado
para formar a passiva adjetiva. No exemplo abaixo, a raiz √limp, categorizada como adjetivo, é usada.
i) A roupa lavou, mas não ficou limpa, vamos ter que lavar de novo.
Não há contradição nesse caso porque √lav- é uma raiz de modo e não de resultado, portanto o resultado pode ser
negado.
Novamente, isso mostra que o uso de lavar no membro inacusativo da AA é diferente do uso resultativo deste
mesmo verbo, como em A chuva lavou a rua, já que, neste caso, é marginal dizer: #A chuva lavou a rua, mas ela
não ficou limpa. Agradeço a Florian Schäfer por discutir esse fato comigo.
22
Barbosa (2008, 2012) argumenta que não há sentenças resultativas em PB. Seja como for, o ponto a ser defendido
nesta parte do texto é que as raízes de resultado entram nesse contexto em que há criação de um objeto (portanto,
um resultado). As raízes de modo não são licenciadas no mesmo contexto.
185
Contrastando com esse grupo de dados, as raízes dos verbos que entram na AA não
descrevem o estado em que os objetos estavam quando eles foram criados. Em outras palavras,
eles não podem ser adjetivos resultativos. Algumas das sentenças abaixo podem receber
interpretações gramaticais que não são compatíveis com as interpretações que quero elicitar
aqui. Por exemplo, (86) é gramatical se a interpretação for de que o cabelo de Joana já estava
arrumado antes que ela começasse a fazer a trança. Nesse contexto, repare que a interpretação
de trança não é compatível com a de criação de uma entidade que, no ato da criação, já tem um
determinado estado. Mais particularmente, nesse contexto em que (86) é aceitável, somente a
trança foi criada e não a trança em determinado estado, o que caracterizaria a sentença
resultativa. Novamente, os pares de palavra entre parênteses mostram a relação entre o adjetivo
nas sentenças abaixo e o verbo licenciado na alternância agentiva.
A possibilidade de se usar raízes que entram na alternância causativa – mas não raízes
que entram na AA - para descrever os estados dos objetos criados é facilmente explicada com
o uso de noções presentes em Embick (2004). Como dito anteriormente, quando o particípio é
resultativo, ele é complemento do traço FIENT. Esse traço é um tipo de operador BECOME e
o particípio que acompanha tal traço lexicaliza o estado final desse sintagma que expressa
resultado. A estrutura em (92) mostra a árvore de sentenças resultativas e o local em que os
elementos que lexicalizam resultado nessa construção – adjetivos resultativos- são licenciados.
VoiceP
3
DP Voice’
3
John Voice Asp
186
3
AspR vP
3
DP v
3
The metal v aP
√HAMMER 3
FIENT flat
(93) Leitura repetitiva: Na loja em que João trabalha, ele é encarregado de fechar as
transações de vendas sempre às quartas-feiras. Ontem foi quarta feira e João recebeu
alguns compradores para finalizar a venda de carros que havia começado durante a
semana. Então, ontem...
Na quinta-feira, João não foi trabalhar, pois estava se sentindo mal. Para a surpresa de
todos os trabalhadores que estavam na firma, um comprador só podia fechar negócio
na quinta-feira e, por causa disso, aceitava levar qualquer carro em estoque. Na quinta-
feira, só carros usados podem ser vendidos. Quando João acessou seu sistema na sexta
para ver o que tinha acontecido na sua ausência, ficou espantado, ao ver, no relatório
de usados, que...
Mais carros venderam de novo (repetitiva)23
23
A parte intransitiva da sentença (93) teve que ser adaptada, porque, quaisquer que sejam as leituras que se queira
evocar com a contraparte inacusativa da AA, elas são muito mais marcadas do que as leituras que se obtém com
as sentenças causativas/anticausativas ou com a contraparte transitiva da AA.
Ana Paula Scher (c.p.) observa, por exemplo, que a parte intransitiva sempre parece estar ligada a alguma
imprevisibilidade, razão pela qual o contexto que se evoca para a parte transitiva, com uma atividade programada
como “sempre às quartas-feiras”, não parece adequada para a contraparte inacusativa da AA.
188
Consideremos, agora, o contexto em (94), que, potencialmente, evoca uma leitura
restitutiva, já que um objeto foi vendido, devolvido e vendido novamente. Perceba, no entanto,
que a interpretação restitutiva é, pelo menos, forçosa nesse caso. Quando José, o comprador no
contexto em (94), devolve o carro que comprou e depois o compra de novo, ele não restitui a
compra (ou a venda), ele efetua uma nova compra (e João, uma nova venda). Isso se dá porque,
embora o contexto pudesse propiciar a leitura restitutiva, a raiz usada não pode ter leitura de
resultado. Seu potencial permite que somente a leitura repetitiva seja possível.
(94) Leitura restitutiva: Na última quarta-feira, João recebeu um comprador para finalizar
a venda, o José. João acabou convencendo José a levar o carro pelo qual ele estava
interessado. No entanto, José, que trabalha o dia inteiro realizando entregas, achou
que o volante do carro era muito duro e que o tanque bebia combustível demais.
Assim, ele resolveu entregar o carro de volta para a firma de João. Após a entrega,
José procurou por outros carros cujo preço coubesse em seu orçamento, mas não
encontrou nada melhor do que os vendidos por João. Assim, nesta quarta-feira, José
voltou a loja e fechou o acordo para levar o mesmo. Então, ontem...
Esse comportamento do verbo vender, explorado nos contextos dos exemplos (93) e
(94), contrasta com o de um verbo como abrir. Abrir é um verbo que participa da alternância
causativa. As raízes licenciadas na alternância causativa, como mostrado na seção 5.3.2, são
raízes de resultado, então se espera que tanto a leitura repetitiva quanto a leitura restitutiva
sejam evocadas. (95) e (96) mostram que esse é o caso.
(95) Leitura repetitiva:Toda vez que João entra em casa, ele abre a porta para arejar a sala.
João acabou de entrar em casa, então...
189
A porta abriu de novo.
(96) Leitura restitutiva: Toda vez que João entra em casa, ele abre a porta para arejar a
sala, mas, com a ventania dos últimos tempos, a porta sempre acaba fechando.No
domingo, João estava trabalhando no jardim e entrou em casa para pegar uma
ferramenta. Então, abriu a porta da sala. Assim que ele voltou para o jardim, a
ventania fechou a porta. Depois, João, já cansado de trabalhar, voltou para casa para
almoçar. Ao entrar em casa,...
Para finalizar, a possibilidade de leitura restitutiva com um verbo como vender não soa
natural aos ouvidos por uma questão conceitual. O tipo de raiz que forma o verbo vender não é
licenciado em uma estrutura bieventiva e, assim, as duas leituras com o advérbio de novo não
são obtidas. Em contraste, essas leituras são facilmente obtidas com verbos que participam da
alternância causativa. Isso, juntamente com o fato de as raízes desses verbos serem licenciadas
como adjetivos resultativos em resultativas, mostra que estamos lidando com verbos que
possuem propriedades elementares diferentes. Essas propriedades manifestam-se na sintaxe.
Levemos em conta, agora, o segundo teste, o licenciamento de adjuntos causais. Como
discutido no capítulo 3, o licenciamento de adjuntos causais tem sido defendido como um
diagnóstico da presença de um componente causativo em anticausativas, já que esses adjuntos
diagnosticam a presença de um componente causativo em sentenças anticausativas. O dado em
(97), em que um verbo internamente causado é usado, mostra que a noção de causação deve ser
dissociada de agentividade, já que verbos internamente causados não selecionam um agente
como argumento externo, mesmo quando alternam (cf. nota 20 no capítulo 4).
(97) The flowers wilted from the heat/*from the gardener. (AAS24, 2015:30)
24
Sigla definida no Capítulo 3: Alexiadou, Anagnostopoulou e Schäfer.
190
As flores murcharam com o calor/*com o jardineiro.
Como AAS (2015) notam, o licenciamento de Causas com verbos que geralmente não
aceitam argumento externo aponta para a conclusão de que causação e agentividade devem ser
dissociados. Dito de outra forma, como verbos internamente causados não têm Voice, já que
não podem ser marcados com SE e não podem ter Agentes como argumentos externos, mas
licenciam adjuntos causais, o que leva à conclusão de que causação não tem nada a ver com
Voice. Assim, from the heat em (97), concatena-se a vP.
Tendo isso em mente, os dados em (98) e (99) mostram que o membro inacusativo da
AA não possui v-CAUSE, já que Causas não são licenciadas como modificadoras do evento.
(98) A roupa lavou *com o vento/a chuva/25 com o João /com sabão.
(99) A casa construiu *com o sol/a chuva/ com o martelo/ com aquela construtora.
Os dados em (98) e (99) podem indicar que adjuntos agentivos são licenciados no
membro inacusativo da AA. Esse não parece ser, exatamente, o caso, já que essas interpretações
são bem marcadas. Consideremos (100), um contexto em que A roupa lavou com o João é
licenciado por alguns falantes.
(100) Contexto: Suponha que uma máquina de lavar da casa da família Silva não esteja
funcionando direito. Vários membros da família tentaram fazer com que ela voltasse
a funcionar, sem sucesso. João foi o único que fez a máquina funcionar porque chutou
a máquina. Nesse contexto, é possível falar, mesmo que marginalmente, ‘A roupa
lavou com o João’que equivale à ‘A roupa lavou por causa do João’.26
Ou seja, quando João é uma espécie de facilitador de uma ação, um adjunto com um DP
humano é licenciado nessas construções. Pode-se até falar que João é um causador nesse
contexto, mas perceba que, seja qual for o papel temático que se queira dar a esse adjunto, ele
25
Alguns trabalhos diferenciam entre Causas, como Sol, e eventos causadores, como ventania, terremoto, etc. Os
dados do PB mostram que essa diferença não é linguisticamente relevante nesta língua, por isso chamo todos esses
elementos de Causa.
26
Como apontado por Ana Paula Scher (c.p.), vários falantes prefeririam ‘A máquina funcionou com o João’ nesse
contexto, já que o fato de a roupa lavar é uma consequência de o João ter feito a máquina funcionar. Já que o que
está em jogo é uma interpretação bem marcada na sentença (100) e funcionar não parece ser um verbo daqueles
licenciados na alternância agentiva, a maior aceitabilidade de uns falantes com esse verbo não mudaria muito a
argumentação feita no texto principal.
191
se distingue fundamentalmente de Causas como vento, terremoto, chuva, etc, que são
licenciados com verbos da alternância causativa, mas não com verbos da AA.
Do modo como a discussão foi conduzida até agora nesta seção, o leitor pode pensar
que vP-cause, o tipo de vP que licencia um adjunto causal, é uma projeção funcional específica
presente na Lista 1 das línguas. Essa não é a ideia que eu gostaria de defender. Na verdade, a
notação vP-cause somente indica que a existência de uma estrutura bieventiva. No Capítulo 3,
e, de forma mais simplificada, neste capítulo, mostrei que as sentenças que aceitam adjuntos
causais são bieventivas, ou seja, elas aceitam leituras tanto restitutivas quanto repetitivas e
licenciam adjuntos causais. Além disso, há evidências independentes na literatura para a ideia
de que causação está relacionada com bieventividade e não com uma notação no verbo ou em
uma dada projeção funcional (cf. FOLLI E HARLEY, 2005 e SCHÄFER, 2012). Em outras
palavras, causação surge por causa de uma estrutura sintática bieventiva. Verbos causativos são
aqueles licenciados nessa estrutura sintática. Os membros da AA – em suas versões inacusativa
e transitiva – nunca são licenciados em uma estrutura bieventiva.
Dados que mostram claramente essa ideia são os que seguem em (101) e (102). Esses
dados têm Causas como argumentos externos de verbos agentivos. As sentenças em (101)a e
(102)a são agramaticais, mas as sentenças em (101)b e (102)b, em que a partícula away é
adicionada, são perfeitamente gramaticais.
O PB não possui essas partículas, mas pode-se ver um certo paralelo do contraste acima em
(103) e (104), por um lado, e (105) e (106), por outro.
192
Para Folli e Harley (2005), o contraste de gramaticalidade entre as sentenças em (101)a
e (102)a e (101)b e (102)b acima se deve a uma mudança de estrutura uma vez que ‘away’ é
adicionado. Em PB, como não há partículas para aumentar a estrutura sintática, verbos
específicos são selecionados. Essa partícula vai formar uma small clause com o argumento
interno, gerando uma estrutura bieventiva. (107) é a estrutura canônica, por assim dizer, de um
verbo como comer. (108) é a estrutura desse verbo quando a partícula away forma uma small
clause com o objeto. Nesse caso em particular, a estrutura se torna bieventiva e, por
consequência, uma Causa pode ser licenciada na posição de argumento externo. A
representação, que faz uso de sabores de vezinho, é das autoras.
(107) vPDO
3
DP v’ DO
3
John vDO DP
#
ate the apple (FOLLI e HARLEY, 2005:13)
(108) vPcause
3
DP v’ cause
3
The sea vcaus SC
# 3
ate DP P
#
the beach away (FOLLI e HARLEY, 2005: 17)
Como os membros da AA não licenciam causas, nem na forma de PPs nem na forma de
DPs, há mais uma evidência para afirmar que as raízes que formam esses verbos são licenciadas
em estruturas que não são bieventivas, ou seja, não há uma projeção denotando o resultado da
ação. Portanto, com base nos testes, (110) é a estrutura de verbos que participam da AA. (109),
dos que participam da alternância causativa.
193
(109) vP (110) vP
3 3
v ResultP v DP
3
√ DP
Em outras palavras, são licenciados na estrutura (109) verbos que lexicalizam resultado
e, portanto, são ambíguos com o modificador adverbial de novo e aceitam adjuntos causais. Na
estrutura (110), são licenciados os verbos que lexicalizam modo, só licenciando a leitura
repetitiva do advérbio de novo e não aceitam adjuntos causais.
Com essa bateria de testes, encontramos a estrutura compatível com os membros
inacusativos da AA. Essa estrutura não nos diz, no entanto, qual é a origem da alternância
estudada neste capítulo. O que posso concluir, até agora, é que esses verbos parecem ter a
mesma estrutura de médias não-marcadas do PB, que foram estudadas no capítulo 4. Médias
não-marcadas também são inacusativas e podem ser formadas a partir de verbos agentivos,
como lavar, encerar, etc. Assim, a hipótese de Cyrino (2013a) parece estar no caminho certo.
Na seção 5.5, mostro que há relações entre médias não-marcadas e o membro inacusativo da
alternância que apontam que a emergência das duas construções está ligada. Para tanto, na
subseção 5.5.1, relembro brevemente a análise de médias desenvolvida no capítulo 4 e exploro
as restrições selecionais tanto de médias não-marcadas no PB quanto do membro inacusativo
da AA.
194
Médias do tipo 1 Médias do tipo 2
Inglês –This book reads easily Francês – Ce livre se lit facilement.
Somente verbos agentivos Verbos experienciadores e estativos
também são licenciados.
Não aceitam expressões orientadas para o Aceitam expressões orientadas para o
sujeito sujeito.
Quadro 2: propriedades de sentenças médias contrastadas
(113) Most physics books read poorly even after reading them several times.
(STROIK, 1995:168).
195
(114) *A maioria dos livros de física não lê fácil mesmo depois de ler eles várias vezes.27
27
Como dito no capítulo anterior, Poorly foi substituído por não fácil em(114), porque pobremente não é um
advérbio licenciado em médias não-marcadas do PB.
196
(123) Seven lines have been reduced to four and four sentences to two: it reads
comfortably and fluently.29
(124) *Esse livro lê confortavelmente e fluentemente.
Essa classe fronteiriça de advérbios pode ser adjungida ao tipo especial de Voice que o
inglês tem, de acordo com algumas abordagens. Em contraste, as médias do PB somente
licenciam advérbios mais baixos, o que aponta para a ausência de Voice em médias nessa língua.
Além dessas diferenças, um teste conclusivo que aponta que médias não-marcadas em
PB são inacusativas é a possibilidade de possessor raising, como os exemplos (125) e (126)
apontam.
29
Sentenca disponível em: Write in Style: a guide to good English, (books.google.de/books?isbn=1135834342)
197
5.6 Médias do PB e a AA
Tendo estabelecido a estrutura das médias do PB, é possível estudar a relação entre
médias nessa língua e o membro inacusativo da AA. Devo deixar claro que, ao fazer tal
comparação, não pretendo afirmar que o membro inacusativo da AA é uma sentença média. O
fato de que as sentenças que participam da AA são todas eventivas é suficiente para descartar
que elas sejam médias. Todavia, há certas similaridades na seleção de verbos de médias e de
verbos candidatos à AA que merecem alguma exploração.
Os verbos abaixo não são licenciados nem em médias nem no membro inacusativo da
AA, como os exemplos mostram. É importante ressaltar que algumas dessas sentenças são
gramaticais se a leitura atribuída a elas for de uma sentença transitiva com um objeto nulo,
como a sentença (129), por exemplo. Essa não é, contudo, a leitura em foco aqui.
- Assassinar
(129) *O João assassinou.
(130) *Homem assassina fácil.
- Visitar
(131) *O hospital está visitando.
(132) ?Hospital visita fácil.
(CYRINO, 2013: 286)
- comer
(133) *A pizza está comendo.
(134) *Pizza come fácil.
(CYRINO, 2013: 286)
- Carregar-l(oad)30
(135) O navio carregou.
(136) Navio carrega fácil.
- Carregar-c(arry)
(137) *O João carregou.
30
Esse nome significa que carregar no sentido de load do inglês licencia essa interpretação. Ou seja, o verbo
carregar, em português, refere a pelo menos dois eventos distintos: load (encher) e carry (carregar peso).
198
(138) *Pessoas carregam fácil [nesse carro].
Essa pequena comparação mostra a semelhança de restrição verbal entre médias não-
marcadas e o membro inacusativo da AA. A figura abaixo representa, graficamente, essa
coincidência de restrição verbal, bem como o fato de que o membro inacusativo da AA licencia
um grupo de verbos diferente daqueles licenciados em passivas ou anticausativas. A Figura 1
só representa graficamente as restrições de seleção dos verbos acima, muito embora, como se
sabe, anticausativas e passivas selecionem outros tipos de verbos.
Restrição verbal
Médias/alternância Anticausativas
Passivas
agentiva
(139) Restrição de afetação: obedecem a essa restrição eventos em que o objeto foi afetado
de alguma forma por uma ação descrita pelo verbo.
199
Os exemplos considerados até agora, assim como os exemplos do Apêndice 1,
obedecem a tal restrição. Veja que verbos que não respeitam essa restrição não são licenciados
nem em médias não-marcadas nem no membro inacusativo da AA. Em outras palavras, esses
verbos nunca podem ser intransitivos.
Como a Figura 1 mostra, não é o caso de que todos os verbos que selecionam objetos
que serão, de alguma forma, afetados pelo evento são licenciados na AA. Essa restrição
aparenta ser idiossincrática, à primeira vista, mas há motivos para se achar que não. Por
exemplo, restrições muito semelhantes ou iguais foram documentadas no mandarim, como se
verá na próxima seção.
Devo salientar ainda que, em um estudo feito por Grolla e Augusto (2015), constatou-
se que crianças formam relativas com o DP do membro inacusativo da AA, produzindo
sentenças como ‘A melancia que tá comendo/cortando.’ O verbo comer, em particular, não é
julgado como gramatical pelos falantes adultos em membros inacusativos da AA. Em adição a
isso, Camilla Rezende (c.p.) me informa que sentenças como ‘O coelho jogou’ também foram
produzidas por crianças nos experimentos que ela conduziu. Esses dois fatos indicam que
crianças, embora também respeitem a restrição de afetação, permitem que muitos outros verbos
sejam selecionados.
Em suma, o que esta seção pretende mostrar é que, tanto em médias não-marcadas
quanto no membro inacusativo da AA, verbos de modo são licenciados em uma estrutura
inacusativa monoeventiva.31 A diferença entre esses dois tipos de evento é o fato de existir um
31
A assunção de que a estrutura de médias não-marcadas é monoeventiva se baseia no fato de que verbos de modo
são licenciados nesse tipo de sentença. Assim, pelo menos quando esses verbos aparecem em médias, pode-se
dizer que a estrutura é monoeventiva. O teste com o advérbio de novo não pode ser aplicado a esse tipo de sentença,
200
operador genérico em sentenças médias, responsável pela leitura de propriedade dessas
sentenças, mas não no membro inacusativo da AA. A partir dessa similaridade estrutural,
defendo na próxima seção que a perda de Voice em médias (ou seja, a perda de SE e pro, que
acarretou a perda de um tipo específico de Voice) é o fator responsável pelo surgimento do
membro inacusativo da AA.
Com a perda de SE, seria esperado que o PB tivesse desenvolvido outra sintaxe para
esses eventos para assegurar que as interpretações não iriam se sobrepor. Não é isso que tem
acontecido até então. Como o Capítulo 4 mostra e este capítulo recapitula, as médias não-
marcadas do PB, por exemplo, são médias inacusativas. Voice nucleado por SE é
já que médias são genéricas, isto é, elas asserem sobre uma propriedade do objeto do verbo que é verdadeira
mesmo que um evento nunca tenha ocorrido e de novo pressupõe a existência de um evento.
201
progressivamente extinto na formação de médias pelas gerações mais novas e a formação dessas
sentenças só ocorre então até a camada vP/VP. Essa possibilidade faz com que não haja nada
nessas estruturas que impeça que uma sentença média se comporte plenamente como
inacusativa, sem nenhum Agente. O membro inacusativo da AA é um exemplo disso. Assim,
uma vez que um VP com uma raiz de modo e um DP complemento entram na sintaxe, há pelo
menos três alternativas quanto à derivação final.
(148) a. O VP pode se tornar uma sentença transitiva se Voice com um DP pleno sofrer
merge acima do VP, então: [VoiceP DP [Voice [VP V DP]], correspondendo, por
exemplo, a João guinchou o carro.
b. O VP pode se tornar uma sentença média se um operador genérico sofrer merge
acima de VP, então: GEN [VP V DP]], correspondendo, por exemplo, a Carro
pequeno guincha fácil.
c. O VP pode se tornar o membro inacusativo da AA se nenhum operador genérico for
adicionado à sentença, então: [VP V DP], correspondendo, por exemplo, a O carro
guinchou.
202
contextos inacusativos tanto quando um operador genérico está presente (médias) quanto
quando não está (membro inacusativo da AA).
Para ilustrar que essa generalização de alternância a partir de médias inacusativas não-
marcadas é válida também em outras línguas, baseio-me no trabalho de Cheng (1989) para o
mandarim. Cheng (1989) afirma que a alternância transitiva é um fenômeno amplo em chinês.
O que licencia essa alternância, de acordo com a autora, é a restrição de afetação tal como foi
formulada por Jaeggli (1986:607).
(149) Se o complemento de X não é afetado [pela ação descrita pelo verbo], é impossível
eliminar o argumento externo de X. 32
Essa é a mesma situação que observamos nos dados do PB, como mostrado nos
exemplos de (129) a (138). Abaixo, repito os exemplos (131) e (132) a título de exemplificação.
32
No original: If a complement of X is unaffected, it is impossible to eliminate the external theta-role of X. (Jaeggli
1986:607)
203
(152) ?Hospital visita fácil.
(CYRINO, 2013: 286)
Além disso, a modificação em médias do chinês é parecida com a que se vê em médias não-
marcadas do PB. Como (153) ilustra, adjetivos são usados para modificar médias. A palavra
rongyi é, de fato, um adjetivo de acordo com Cheng (1989), já que ela pode ser negada ‘bu
rongyi’, e advérbios não podem ser negados em mandarim.33
33
Adjetivos e verbos modais podem ser negados em chinês, o que, de acordo com Cheng (1989), credita uma base
modal a médias dessa língua. Isso vai de encontro a caracterização de médias presente em Lekakou (2005), por
exemplo, para quem o operador GEN acima do VP em médias se comporta como um verbo modal.
204
A comparação com o mandarim, então, ilustra que a possibilidade de formar médias
inacusativas não-marcadas leva à generalização dos verbos alternantes em outras línguas
também.
Em suma, a hipótese aqui defendida encontra amparo estrutural, haja vista a semelhança
estrutural de médias não-marcadas e o membro inacusativo da AA; diacrônico, de acordo com
o estudo feito por Cyrino (2013a) e translinguístico, já que a condição de que médias
inacusativas não-marcadas existam na língua é essencial para que verbos agentivos comecem a
alternar tanto em PB quanto em mandarim.
205
(156) VoiceP
3
DP Voice
3
Voice V
3
V DP
(157) VoiceP
3
DP Voice
3
Voice V
!
V (+arb)
(i) o fato de que médias têm um argumento implícito, pro, enquanto anticausativas
não (cf. capítulos 3 e 4);
(ii) médias podem ser formadas a partir de verbos de modo que possuem uma
estrutura monoeventiva; enquanto anticausativas possuem estrutura bieventiva,
34
Bloquear, aqui, é somente uma expressão, já que atribuo as diferenças entre médias e anticausativas a elementos
estruturais.
206
relacionada ao licenciamento de PPs causais, duas leituras do advérbio de novo,
etc.
Finalmente, em línguas como mandarim ou PB, em que verbos de modo são licenciados
em estruturas monoeventivas, nada impede que a estrutura de verbos licenciados em médias
apareça no passado e descreva, portanto, um evento pontual. Há diferenças estruturais entre
anticausativas e o membro intransitivo da AA, como mostrei neste capítulo, mas os dois eventos
são inacusativos e não possuem um Agente representado.
207
APÊNDICE 1: UM REFINAMENTO DOS
VERBOS LICENCIADOS
Em Carvalho (2014), a partir de uma lista de verbos disponível em Whitaker-Franchi
(1989), fiz uma busca em corpora de língua falada e em ocorrências no google com dois
objetivos: (i) delimitar de alguma forma a classe de verbos que é licenciada na AA; (ii) mostrar
que o fenômeno é real, uma vez que ainda há bastante variabilidade de julgamento nas sentenças
estudadas neste capítulo.
Em relação ao primeiro objetivo, nesta tese, a classe delimitada é bem ampla, prevendo
que verbos que obedeçam à restrição de afetação do argumento interno sejam licenciados.
Enquanto na língua adulta, verbos que correspondem a accomplishments quando em sentenças
transitivas são os licenciados, na linguagem infantil verbos de atividade também são permitidos
na AA. A restrição de afetação aqui proposta abarca os dois grupos. Todos os exemplos listados
abaixo ilustram a aplicação da restrição de afetação aos dados.
Além disso, os dados também ilustram que se trata de um fenômeno real, mesmo que
alguns falantes apresentem resistência a ele. A partir de uma lista de verbos presente em
Whitaker-Franchi (1989) pesquisei no corpus C-ORAL-ROM, também usado para uma busca
de sentenças inerentemente reflexivas no Capítulo 2, ocorrências de membros inacusativos da
AA e no corpus Marilia, um corpus de entrevistas sociolinguísticas em Mato Grosso formado
por Marília Vieira, doutoranda do Programa de Pós-graduação do Departamento de Linguística
da Universidade de São Paulo. Quando eu não encontrei ocorrências em nenhum dos dois
corpora disponíveis, fiz buscas orientadas no Google.
Os nomes das duas subseções abaixo remetem a grupos de verbos definidos por
Whitaker-Franchi (1989) que não fariam parte da alternância causativa, razão pela qual usamos
esses grupos para orientar nossas buscas por exemplos do membro inacusativo da AA.
Resultativos
Abaixo, encontra-se a lista de verbos que, de acordo com o trabalho de Whitaker-
Franchi, não participam da alternância causativo-incoativa e são predominantemente
transitivos. Para a autora, esses verbos não fazem parte da alternância porque, na posição de
objeto direto, são encontrados seus complementos têm “uma função diferente de paciente, por
208
exemplo, um objetivo, um resultativo, um valor ou mesmo um locativo” (p.142). De fato, a
maioria desses verbos não são alternantes (6 verbos de um grupo de 242 aparecem em contextos
alternantes), de acordo com as consultas em corpora e os dados de língua oral que colhemos.
No Quadro 1 , encontram-se esquematizados os verbos que fariam parte do grupo de verbos
resultativos. A descrição dos exemplos abaixo é de Whitaker-Franchi (1989).
209
GRUPO 1 – 54 verbos Processos tipicamente humanos: anotar, assaltar (uma casa), assinar,
assumir, autorizar, calcular, cobrar, combater, computar, contar (um a
“Processos tipicamente humanos, que possuem, inclusive, um aspecto um), controlar, corrigir, cumprir, descrever, desempenhar, festejar,
cultural e institucional, não envolvendo um objeto afetado ou paciente.” fundamentar, garantir, gastar (dinheiro), imitar, impor, ironizar,
(p.142) justificar, ler, lotear, noticiar, orçar, orquestrar, poder (estar
autorizado), praticar, parodiar.
210
Percepção: assistir, avistar, cheirar, degustar, experimentar, mirar,
observar, olhar, ouvir, perceber, pressentir, ver.
211
A partir desse conjunto de verbos, uma busca no corpus Marília e no C-ORAL-ROM,
além de dados no google revelou as seguintes ocorrências:
GRUPO 1
1. Homologar – 9 ocorrências encontradas no Google para a busca o concurso
homologou em 9/12/2013, das quais 6 são dados relevantes para esta pesquisa.
2. Indeferir – nenhuma ocorrência relevante no Google
GRUPO 2
3. Abolir – 25 ocorrências encontradas no Google para a busca a escravidão
aboliu, mas muitas duvidosas, pois eram poemas ou músicas. A mais confiável
encontrada é esta: (...) acabou-se a escravidão, aboliu.
4. Construir
Dado 1 (Corpus Marília):S1: sim sim eu me lembro quando o meu pai comprou
o a gente ele comprou terreno né? na época na rua tinha pouco tinham poucas
casa a maioria estava construindo ainda e agora quase não tem mais é tudo
está bem.
Dado 2 (Corpus C-ORAL-ROM): *ANE: [52] <ainda bem> // [53] é // [54] o' /
tá <construindo um prédio> grande aqui /
Dado 3 (Corpus C-ORAL-ROM): *HEL: também construiu aque' / negócio
lá atrás / né // trapalhou / pra fazer a encenação // agora vai fazer na +
GRUPO 3
• Nenhuma ocorrência encontrada
GRUPO 4
6. Antecipar – 17 ocorrências encontradas no Google para a busca o parto
antecipou, 2 foram descartadas porque o parto era o argumento externo. Das 15
válidas, duas apareceram com o clítico SE (o parto antecipou-se), restando 13
ocorrências válidas.
212
GRUPO 5
7. Criar
Dado 1(Corpus Marília): é apesar de não ter morado lá mas a gente acompanha
os noticiários na televisão o que mais a gente vê é isso né? falta de acredito
também falta de emprego né? uma série de coisas porque antigament as pessoas
iam de Norte do Nordeste pra São Paulo então é criou grandes favelas e tem di/
dificuldade de acesso né? hoje São Paulo você vê qualquer feriado os carros não
conseguem andar se deslocar é enchente quase que todo ano
8. Perder:
Dado 1 (Corpus C-ORAL-ROM): *HER: vai lá na lavanderia e desliga a
máquina pra mim / que senão vai / o sabão <vai> <perder todo> //
Dados 2 e 3 (Corpus C-ORAL-ROM): Contexto das duas ocorrências abaixo:
GET cria abelhas e conta de um episódio em que foi levá-las para Jaguariúna.
Apis é um tipo de abelha.
*CAR: <e> [/1] e costuma perder / Getúlio / nessas viagem / assim / &ch +
*GET: a Apis perde mais por causa da questão de temperatura / né // agora / essas
abelhas não // às vezes é questão de [/1] de frio / <né> //
*CAR: né / coisa que té perde depois //
GRUPO 6
• Nenhuma ocorrência encontrada
Quasi-instrumentais
Esse grupo recebe essa denominação porque é composto, segundo Whitaker-Franchi, de
verbos que “tomam um objeto direto que pressupõe a manipulação de um instrumento” (p.166-
167). Nesse grupo, estariam verbos predominantemente causativos, que não alternariam. Dos
38 verbos apresentados neste grupo, 34 aparecem em ocorrências no Google. 4 deles são
infrequentes em qualquer tipo de sentença e não somente no membro inacusativo da AA e, por
causa disso, foram descartados.
213
Mesmo assim, vários são extremamente raros, como casear, coser, golpear, lavrar e
vedar, cuja procura retornou pouquíssimas ocorrências. Dos 34 verbos válidos, 7 apareceram
como alternantes no Google. Se essa é uma classe linguisticamente relevante, fica claro que há,
algo diferente da classe dos resultativos.
Os membros desse grupo são: armar (uma barraca), atar, beliscar, bordar, caçar,
calafetar, calçar, capinar, capturar, carpir, casear, cavar, cerzir, confeitar, cortar, coser ,
costurar, ferir, golpear, lavrar, malhar , manipular , moldar, montar (um quadro), obturar,
obstruir, pendurar, pescar, picar, pintar, polir, raspar , recortar, regar, roçar, triturar, varrer,
vedar. (38 verbos)
9. Armar
Dado 1 (corpus C-ORAL-ROM): *ECR: eu tava com um &pa [/2] um alpiste /
o Didito falou assim / ah mãe / a senhora nũ tem passarim mais / me dá esse
alpiste pra mim // falei / dou // dei ele o alpiste / levou embora // depois os dois
passarim entrou na gaiola sem armar / sem nada // tinha uma gretinha assim / es
entrou //
10. Capinar: nenhuma ocorrência nos dois corpora e ocorrências como tenho uns
lotes precisando capinar no Google.
11. Cortar
Dado 1 (corpus C-ORAL-ROM): Contexto: Muito provavelmente, os dois
participantes estão vendo um filme:
*BAO: <Nossa / tá perfeito> // não [/1] <já> tá / <cortando justamente seu rosto>
//
214
Como a casa ta pintando, os modelinhos estão todos na academia
Meus pais tem brigado muito sabe por causa que a casa ta pintando
215
APÊNDICE 2: QUESTÕES DE
ACEITABILIDADE
1. A parede pintou.
2. A parede está pintando.
216
6. SENTENÇAS IMPESSOAIS EM PB
6.1 Introdução
Neste capítulo, dedico-me a mais uma construção que foi afetada pela perda de SE e
pro, as sentenças impessoais nulas do PB, nas quais há a leitura de um participante arbitrário.
Essas sentenças sem uma morfologia visível receberam bastante atenção, tanto na literatura
nacional quanto internacional, já que elas existem em várias línguas parcialmente pro-drop. (1)
é um exemplo de tal construção em PB.
217
Estendendo as ideias em alguns trabalhos sobre a interação entre locativos e nomes nus
(cf. BORER, 2010), a ideia que apresento aqui é a de que locativos podem fechar variáveis,
portanto eles estão disponíveis para isso na falta de um candidato melhor (no caso, a morfologia
impessoal). Essa proposta pode, ainda, ser complementada: Presente genérico é muitas vezes
tido como uma leitura default, que aparece justamente em virtude da falta de especificação de
tempo. Assim, a obrigatoriedade de um locativo em sentenças como (1), que gera leituras
existenciais, em contextos em que não há informação de tempo aponta para o fato de que o
INFL do PB, em alguns contextos, está especificado para locação (LOC) e não para tempo (T).
Impessoais nulas refletem essa mudança.
Assim, se as ideias contidas neste capítulo estiverem certas, uma das mudanças mais
significativas na estrutura de eventos do PB se encontra em sentenças impessoais, porque elas
refletem, além de uma mudança em Voice, uma mudança dos traços de T, também, em certos
contextos. Além disso, como venho assumindo na tese que os eventos que realmente mudam
com a perda de SE como núcleo de Voice são aqueles que contêm pro, como se viu no capítulo
4, sobre médias e, no capítulo 5, sobre a alternância agentiva, espera-se que a perda de
morfologia em sentenças impessoais também nos permita notar uma clara diferença entre
sentenças impessoais marcadas e não-marcadas. Este capítulo vai ressaltar várias dessas
diferenças, tais como os tipos de verbos licenciados, a possibilidade de usar sentenças SE-
impessoais, mas não sentenças impessoais nulas no passado, o tipo de locativo selecionado,
dentre outras diferenças. A comparação com os dados de outras línguas, especialmente o
finlandês, também irá mostrar que uma das principais diferenças se deve ao fato de o PB não
ter pro se SE não estiver presente, enquanto isso é possível em outras línguas parcialmente pro-
drops, seja qual for a ideia de pro utilizada.
Este capítulo se organiza da seguinte forma: na seção 6.2, defino brevemente o que são
sentenças impessoais. Na seção 6.3, comento a abordagem de inversão locativa para essas
sentenças. Na seção 6.4, comento sobre a seleção de verbos em sentenças impessoais nulas. Na
seção 6.5, discorro sobre a inadequação de pro em sentenças impessoais nulas do PB. Na seção
6.6, investigo em que nó da estrutura sintática os locativos são concatenados. Na seção 6.7, é
abordada a interpretação existencial que locativos podem ter. Na seção 6.8, exploro os valores
de T em sentenças impessoais. Na seção 6.9, ainda sobre os valores de T em sentenças
impessoais, adapto uma proposta de Ritter e Wiltschko sobre os valores de INFL aos dados do
PB. Na seção 6.10, finalmente, concluo o capítulo.
218
6.2 O que são sentenças impessoais?
Em sentenças impessoais, um elemento pronominal com referência arbitrária tem uma
leitura genérica. Alguns exemplos, de variadas línguas, seguem abaixo.
Da forma como essa breve apresentação foi conduzida, uma ideia natural é a de que é
impossível que essas duas interpretações apareçam sem morfologia porque a morfologia de
sentenças impessoais entra em uma relação com o tempo da sentença. Em outras palavras,
sentencas impessoais parecem ser um daqueles eventos que são invariavelmente marcados,
assim como passivas (cf. HASPELMATH, 1990; PITEROFF, 2014, para uma exceção bem
motivada).
O problema é que há uma classe de línguas em que sentenças impessoais podem
aparecer sem morfologia específica. O PB é uma delas, como uma versão da sentença em (3)
atesta:
Uma das principais questões deste capítulo é, então, como essa interpretação pode ser
obtida se a morfologia de sentenças impessoais está ausente na sentença (9)? Outra questão
220
sobre a qual irei me debruçar é a posição ocupada pelo locativo em sentenças como (9). Na
próxima seção, apresento uma das hipóteses para a geração dessas sentenças.
(10) In the distance appeared the towers and spires of a town which greatly resembled
Oxford. [L. Bromfield, The Farm, 124]
‘À distância aparecia/apareciam as torres e os cumes da cidade que lembravam
bastante Oxford.’
(LEVIN E RAPPAPORT,1995:218)
O exemplo acima mostra que, em inglês, locativos, quando estão fronteados, bloqueiam
a subida de sujeito.1 Em línguas em que esse não é o modo canônico de construir eventos, a
inversão locativa é usada para foco presentacional: ao ser introduzido na cena após o verbo,
como o último elemento, o referente se destaca informacionalmente.
Com essas observações em mente, apresento os trabalhos de Avelar e Cyrino (2008) e
Avelar (2009) sobre o assunto.
Avelar e Cyrino (2008) notam que uma sentença como (11) recebe duas interpretações
diferentes em PE e PB, representadas em (12) e (13), respectivamente.
1
Isso não quer dizer, todavia, que o DP the towers and spires of a town esteja interno ao vP. Para Rizzi e Shlonsky
(2006), por exemplo, DPs em construções como essas estão deslocados à direita.
221
(13) a. Ele disse que naquela loja Ø vende livros.2
b. Ele disse que se vende livros naquela loja.
(12) é a interpretação dada pelos falantes de PE. Para esses falantes, há uma categoria
vazia na oração subordinada em uma cadeia com o sujeito da oração matriz. Ou seja, esses
falantes interpretam uma sentença como (11) como Ele disse que naquela loja ele (mesmo)
vende livros.
(13)a representa a interpretação dada pelos falantes brasileiros para a sentença em (11).
Para esses falantes, essa é uma sentença indeterminada (impessoal, nos nossos termos) e a
possibilidade de paráfrase com se (cf. (13)b) indica isso.
Frente a esses dados, os autores afirmam que essas sentenças podem ser explicadas se
se assumir que o PB é mais permissivo com relação à inversão locativa do que outras línguas.
Mais precisamente, enquanto somente inacusativos permitem inversão locativa nas línguas
românicas, o PB também permitiria esse tipo de inversão com verbos agentivos (tanto
transitivos, quanto inergativos). Alguns exemplos se encontram abaixo. A categorização de tipo
de verbo nos exemplos de (14) a (17) é de Avelar e Cyrino (2008):
2 O mesmo ocorre em Finlandês, outra língua parcialmente pro-drop: “The bound reading of a null subject [in an
embedded clause /JC] requires, however, that no argumental category such as an object or a locative adverbial
precede the embedded finite verb/auxiliary. If that is the case, the only possible reading is that the subject of the
embedded clause is generic.” (HOLMBERG,A. 2005:551)
222
a criança. Todavia, (16) significa que pessoas alugam casas e (17) que pessoas sequestram
outras pessoas. Nota-se, então, que pelo menos um refinamento, no que se refere a quais verbos
que podem ter uma leitura impessoal nessas sentenças, é necessário.
Um segundo problema é que a inversão locativa, como brevemente explanado na
subseção acima, é tida como um meio de expressão da leitura de foco do sujeito. Em (17), não
há nenhum elemento pós-verbal para receber essa leitura. Ou seja, em (17), parece que temos
um objeto nulo, o que distingue, novamente, as sentenças em (14) e (15) da sentença em (17).
Em (14) e (15), os argumentos interno e externo, respectivamente, não satisfazem EPP porque
um locativo cumpre tal tarefa. Em (17), por outro lado, o DP pós-verbal é nulo e deve ser
analisado como um objeto por duas razões. Primeiro, o PB licencia, em quase qualquer situação
possível, objetos nulos; o licenciamento de sujeitos nulos, todavia, é bastante restrito,
especialmente com terceira pessoa. Segundo, se o DP pós-verbal nulo fosse um sujeito, a
sentença equivaleria aos membros inacusativos da AA discutidos no Capítulo 5. Todavia, as
pessoas sequestram, no sentido de que as pessoas são sequestradas, não é uma sentença
gramatical.
Outro fator que distingue a leitura impessoal de sentenças em que há, realmente,
inversão locativa, é que, nos casos em que a leitura impessoal é gerada, menos locativos são
licenciados. Comparemos os exemplos (18) e (19). Se o PP locativo Em cada imobiliária for
usado, a leitura impessoal é gerada em (18). Se o PP De cada imobiliária for usado, a sentença
é agramatical. Na sentença (19), por outro lado, tanto Naquele banco quanto daquele banco são
licenciados. A sentença (19) é um claro exemplo de inversão locativa, fenômeno em que a
sentença não está em sua ordem canônica por questões informacionais.
Todavia, esse contraste pode não ser relevante se os verbos usados em (18), por razões
independentes, não aceitam PPs locativos iniciados por de. Essa objeção não se verifica, como
os exemplos abaixo mostram.3 Nos exemplos de (20) a (22), os PPs locativos devem ser
entendidos como origens das ações de alugar, vender e emprestar. Portanto, são adjuntos de
3
Vale salientar que essa objeção não é dos autores. É uma objeção possível frente ao contraste apresentado e, por
isso, eu a incluo na argumentação para mostrar que esse possível contra-argumento é problemático.
223
vP.4 Dado que esses verbos aceitam esses adjuntos, a agramaticalidade de (18), quando se tenta
derivar a leitura arbitrária, fica sem explicação se o mecanismo por trás da geração dessa leitura
for mesmo a inversão locativa.
Assim, o que um exemplo como (18) nos diz é que essa leitura só é gerada com um tipo
específico de locativo. Por ora, chamarei esse tipo de locativo de locativo fixo em relação ao
evento, já que os locativos com os quais essa leitura é obtida descrevem o local em que o evento
irá se desdobrar. Na inversão locativa, por outro lado, um locativo que pode ser a origem da
ação descrita pelo verbo, ‘Daquele banco’ em (19), é licenciado.
Uma outra diferença é que, para que a leitura impessoal ocorra, o locativo deve estar em
distribuição complementar com o argumento externo. Como eu disse, essa leitura não surge na
sentença (15), Naquele quarto dormiu várias pessoas, mas ela surge se o DP várias pessoas
não estiver presente, como se vê em (23). O material entre parênteses provê algum contexto.
(23) Naquele quarto dorme bem (Não tem barulho, pode trazer sua mãe e colocar ela lá).
A seção seguinte mostra, mais explicitamente, uma ideia já presente nesta seção: a
leitura arbitrária só é obtida com uma classe de verbos.
6.4 Seleção
Há uma classe restrita de verbos que licenciam uma leitura humana arbitrária em
presença de um locativo, nomeadamente verbos agentivos, isto é, verbos que podem ter um
argumento externo. Essas restrições são observadas em outras línguas também, como em
passivas impessoais do islandês. De acordo com Sigurðsson and Egerland (2009:168):
4
Pelo menos na sentença em (29), o adjunto em itálico é ambíguo, podendo também ser interpretado como um
adjunto adnominal. Como se sabe, sentenças ambíguas têm duas derivações diferentes, cada uma correspondendo
a uma das interpretações. No momento, só a derivação em que da Blockbuster da esquina é adjunto de vP é
relevante para o argumento aqui desenvolvido.
224
A passiva impessoal parece estar limitada a verbos que denotem o controle do sujeito
(nulo) ou uma ação volitiva, ou seja, essa construção é incompatível com modais
temporais e modais auxiliares, verbos de alçamento, verbos inacusativos, a maioria
dos verbos psicológicos e outros verbos de ‘ambiente’ e verbos ‘fate’ (flutuar, ficar
empatado, ficar coberto por neve/água, etc.) 5/6
De alguma forma, essas restrições também se aplicam no PB. Os verbos que são
licenciados nessa construção são um subgrupo de verbos stage level. Mais precisamente, os
verbos stage level que introduzem argumento externo.
Essa é uma das diferenças cruciais entre impessoais nulas e SE-impessoais. Pro, o
especificador do tipo de Voice nucleado por SE, satura variáveis argumentais de qualquer tipo
de verbo, diferentemente do que se vê em sentenças impessoais nulas. Com isso em mente,
consideremos as abordagens de um pronome nulo (pro) para as sentenças em estudo.
5
The impersonal passive seems to be limited to verbs that denote (null-) subject controlled or volitional action,
that is, it is incompatible with temporal and modal auxiliaries, raising verbs, unnacusative verbs, most psych verbs,
weather and other ‘environmental’ verbs and fate verbs (‘drift’, ‘get swamped’, ‘get covered with snow/water,’
etc.)
6
Não tenho certeza acerca do tipo de verbo a que os autores se referem quando dizem que verbos modais não
podem participar dessa construção. Um dos tipos de construções em que a leitura impessoal pode ser gerada sem
morfologia, em islandês, é uma construção impessoal modal (impersonal modal construction, nos termos dos
autores, p. 166 e seguintes). Na página 169 do mesmo artigo, há 8 exemplos da distribuição da construção
impessoal modal, 4 dos quais são gramaticais. Todas as ocorrências foram traduzidas com o modal may, portanto
a construção impessoal modal em islandês tem um sentido de permissão. É plausível pensar, então, que os autores
devem estar se referindo a outra classe de modais nessa citação.
225
6.5 Little pro?
Uma segunda forma de analisar essas construções é postular um pro em sentenças
impessoais sem morfologia. Há duas vertentes para essa análise, expressas pelo trabalho de
Barbosa (2011, 2013) e Holmberg (2005, 2010).
6.5.1 Barbosa
Barbosa tenta dar uma análise unificadora para as sentenças impessoais sem morfologia
no PB e em línguas radicalmente pro-drop, como o chinês. A sentença abaixo mostra que a
leitura impessoal é gerada se o locativo estiver fronteado na sentença subordinada, assim como
nos dados do PB. À primeira vista, essa sentença tem a mesma estrutura de sentenças como
(13) em PB, Ele disse que naquela loja Ø vende livros, o que autoriza a comparação entre elas.
7
Em Barbosa (2013), a impossibilidade de verbos individual level nessas construções é explicada com a ideia de
que pro sofre incorporação em sentenças impessoais sem morfologia específica e incorporação em geral não ocorre
com verbos individual level, uma afirmação que a autora atribui a uma comunicação pessoal de Anders Holmberg.
No mesmo texto, a nota de final de texto número 7 afirma que as gerações mais novas de falantes do português
brasileiro julgam sentenças como No Brasil adora samba como aceitáveis, informação que ela atribui a Eugênia
Duarte e Conceição Paiva. Isso não foi comprovado na consulta que fiz a falantes entre 18 e 24 anos.
226
Para línguas de pro-drop radical, essa análise também parece ser problemática. As
mesmas restrições apontadas para as sentenças impessoais nulas também são encontradas em
uma construção do chinês analisada por Pan (1996). Pan afirma que zhe (morfema de
imperfectivo) faz uma operação de supressão do agente, portanto construções como (32) não
podem ser analisadas como passivas. Além disso, são incompatíveis com o morfema le e com
by-phrases.
Concluímos que pro, como um pronome mínimo que recebe seu valor em virtude da
posição que ocupa na sentença (se dentro ou fora de vP), não deveria ter sua distribuição restrita
pelo tipo de verbo da sentença. Esse pro, que seria característico de línguas parcialmente pro-
227
drop e radicalmente pro-drop, não encontra paralelo no comportamento de pronomes abertos,
já que eles não fazem essa seleção de verbo e sentenças impessoais com morfologia aberta (SE)
também não o fazem. Além disso, uma sentença como (34) não deveria ter uma leitura
impessoal, somente uma leitura definida no sistema proposto.
Para Holmberg (2005), nas sentenças em estudo também há um pronome nulo, mas ele
não é fruto de um pronome mínimo que tem especificações diferentes de acordo com o contexto
em que aparece. Como os dados do finlandês mostrados pelo autor exemplificam, há indícios
de que um argumento implícito esteja presente mesmo nos casos em que não há nenhuma
morfologia específica. Tanto anáforas, como se vê em (35), quanto advérbios orientados para
o agente, em (36), e cláusulas de propósito, exemplificado em (37), são licenciados.
Holmberg (2005) argumenta que esses casos podem ser explicados se se considerar que
línguas parcialmente pro-drop perderam o traço D em T (Infl, para o autor). O traço D é um
traço para definitude e, como Holmberg, Nayadu e Sheehan (2009) pontuam, é uma
implementação atual da ideia de que sujeitos nulos em línguas pro-drop devem ser referenciais
(cf. RIZZI, 1982). Com a perda desse traço, um elemento que receberia interpretação de 3ª
pessoa referencial, se estivesse presente na derivação, é ambíguo entre uma interpretação
referencial e arbitrária. Nas palavras do autor:
D vP
[-int] 3
Phi-pronoun
[+int]
8
Original: “[The] presence of a D-feature in I[nfl] means that a null phi-pronoun that enters into an Agree relation
with I[nfl] can be interpreted as definite, referring to an individual or a group. Furthermore, I assume it means that
a null subject cannot be interpreted as generic (see Holmberg, to appear). Absence of D in I, on the other hand,
means that a null phi-pronoun subject must be either bound by a higher DP or else interpreted as generic.”
(HOLMBERG, A. 2005:555)
229
Já em línguas parcialmente pro-drop, T não tem o traço D e a derivação dos pronomes
acontece de forma diferente. Como a citação acima mostrou, para o autor, 3ª pessoa pessoal e
3ª impessoal são instâncias da mesma categoria nessas línguas, um pronome-phi. A diferença
interpretativa vai acontecer de acordo com o contexto. Se pronome nulo de 3ª pessoa é o sujeito
de uma oração encaixada e estiver coindexado com a oração principal, esse pronome de 3ª
pessoa é referencial; se esse não for o caso, esse pronome é impessoal.
(40) 3ª pessoa referencial: o pronome está coindexado com o elemento referencial João da
oração principal
João disse que vende cachorro quente.
(41) 3ª pessoa não-referencial: o pronome da oração subordinada não pode ser coindexado
com o pronome da oração principal, há um elemento interveniente que satisfaz EPP da
oração subordinada. Esse elemento seria o locativo na praia e a única leitura possível
para a sentença subordinada, nesse caso, é impessoal.9
João disse que na praia vende cachorro quente.
-int vP
3
Phi-pronoun
+int
9
Perceba, novamente, que a ambiguidade da sentença Joao disse que vende cachorro quente na praia também é
um problema nessa abordagem e não só na de Barbosa (2013).
Uma saída seria afirmar que, quando a interpretação arbitrária é obtida mesmo que o locativo não esteja fronteado,
há um elemento nulo satisfazendo EPP em Spec, TP. Essa é uma saída altamente estipulativa, cabe ressaltar. No
entanto, mesmo com essa hipótese, existem outras questões que não permitem que as análises de Holmberg e
Barbosa sejam adotadas para o PB.
230
(43) 3ª pessoa:
Um pronome-phi que não entrou em relação com o traço D.
3ª pessoa referencial e 3ª pessoa não referencial são instâncias da mesma
categoria (se o pronome fica dentro do vP, a interpretação é impessoal; se ele sai
e ocupa Spec, TP, a interpretação é referencial).
(44) 1a e 2a pessoas:
Como T não tem um traço D, o D deve ser concatenado com um pronome phi.
a. D1st + pronome-phi = 1a pessoa
b. D2nd +pronome-phi= 2a pessoa
Primeiramente, em relação a (45), Charlotte Galves (c.p) lembra que o pronome seu
com uso genérico tem uma distribuição muito pequena, para não dizer inexistente, no PB
atual.10 Assim, é plausível que a tradução de (35), do finlandês, para o PB, em (45), não receba
interpretação arbitrária por razões independentes. Isso, de fato, se verifica até quando a
morfologia impessoal do PB, o clítico SE, é usado. A interpretação que facilmente se obtém de
(48) é a de que alguém não especificado vai lavar o carro de uma pessoa definida (o seu carro),
a pessoa com quem o falante conversa.
10
Para restrições quanto ao seu uso, veja Negrão e Müller (1996).
231
Em virtude disso, consideremos outro dado que mostre que anáforas não são licenciadas
nesses casos. (49) demonstra que interpretações anafóricas não estão disponíveis para
impessoais nulas, mas estão disponíveis para SE-impessoais.
Uma outra consideração que deve ser feita sobre esses dados é em relação à
agramaticalidade de (46). Com ou sem morfologia, essa é uma sentença pragmaticamente
pesada em PB e um contexto para que sua agramaticalidade seja atestada deve ser criado.
Imagine, por exemplo, que um astronauta só consegue se movimentar dentro de sua nave se
estiver com sua mochila nas costas, na qual é armazenado um combustível que torna possível
a sua movimentação. Nos primeiros dias no espaço, o astronauta sempre se esquece disso e
tenta ir ao banheiro sem a mochila, até que seu companheiro de aeronave diz:
(51) Aqui não se move por vontade própria, põe a mochila quando quiser ir no banheiro!
(52) *Aqui não move por vontade própria, põe a mochila quando quiser ir no banheiro!
Por fim, (47) mostra que orações de propósito não são licenciadas. A agramaticalidade
de (47) me parece muito clara. No entanto, na discussão de outros dados, os julgamentos de
gramaticalidade variam mais. Charlotte Galves (c.p.) me ofereceu a sentença em (53) como um
exemplo de que orações de propósito são possíveis nessas sentenças. (53) é, de fato, gramatical
para mim. (54), todavia, não é gramatical em meu julgamento nem no de vários falantes que eu
consultei.
232
Em relação a cláusulas de propósito, então, a questão não é clara, mas parece apontar
para a ideia de que outro elemento – que não um pronome nulo presente na estrutura – é
responsável por esse licenciamento. As evidências para essa ideia são: (i) esse licenciamento
não é sistemático; (ii) quando esse licenciamento é possível para vários falantes, há um grupo
que sempre não o aceita. Em outras palavras, os julgamentos nunca são categóricos ou perto de
categóricos. O licenciamento dessas orações de propósito em impessoais nulas não se
assemelha a esse licenciamento em passivas perifrásticas, por exemplo.
Assim, percebe-se que, se a análise de um pronome nulo sem conteúdo fonológico está
certa para os dados do finlandês, ela não pode ser estendida ao PB, já que não há indícios de
uma categoria sintática nula esteja presente na sintaxe das locativas impessoais.
O que se pode depreender dessa diferença entre o PB e o finlandês é que, embora
superficialmente as sentenças sejam parecidas, elas são geradas de maneira diferente. Se
Holmberg (2005 et.seq.) está certo quando afirma que essa leitura é gerada por um phi-pronome
que não sai do vP porque outro elemento satisfaz EPP, no PB esse elemento não está mais
disponível para gerar essa leitura. Eu atribuo isso a duas características, quais sejam: à perda de
Voice nucleada por SE, sem a qual pro não é projetado; a uma mudança de T, que é refletida
nessas sentenças (a discussão específica dessa ideia está na seção 6.8).
233
O modificador interno do evento, em (55), modifica um participante do evento, no caso,
o contrato. O modificador externo do evento modifica o evento inteiro. Para Maienborn, as
diferenças de interpretação estão correlacionadas com o local em que o locativo é concatenado
na estrutura.(57) apresenta a proposta da autora, que foi construída com base nos contrastes que
os dados do alemão indicam para as posições de modificadores interno e externo. Os mesmos
testes não podem ser feitos para o PB porque essa língua não tem scrambling.
(58) External Modifiers: [VP PPLOC [VP . . .]]: λe[ev-type (e) & . . . & LOC (e, reg11)]
(MAIENBORN, 2001:21)
Tendo essas diferenças entre PPs locativos em mente, parece que o PP locativo existente
em impessoais nulas do PB é um modificador externo do evento. Os exemplos abaixo mostram
que esse é, de fato, o caso. Tentemos, primeiramente, construir impessoais nulas com locativos
internos ao evento, como nos exemplos abaixo.
11
Reg = region (região).
234
indeterminada assina o contrato e que alguma pessoa indeterminada digita o texto. Como Lara
Ribeiro (comunicação pessoal) me apontou, (59) e (60) são boas sentenças como instruções e
não como sentenças impessoais nulas, como as paráfrases abaixo indicam.
O motivo para isso, acredito, é o fato de (59) e (60) terem modificadores internos de
evento. Repare que, se os PPs locativos Na folha separada e No computador forem substituídos
por Naquela sala e Naquele departamento, as sentenças podem se tornar impessoais nulas.12
(63) e (64) poderiam ser parafraseadas como ‘Naquela sala alguma pessoa indeterminada
assina contratos de locação de casa habitualmente.’ e ‘Naquele departamento alguma pessoa
indeterminada digita textos de culinária habitualmente.’
Perceba, ainda, que seria uma estratégia errônea parafrasear os grupos de sentenças que
quero contrastar – (59) e (60), de um lado, e (63) e (64), de outro – com SE. Todas essas
sentenças teriam a leitura impessoal com SE. Isso aponta para o fato de que as derivações são
diferentes com e sem esse clítico.
O que isso mostra é que, como esperado, quando SE está presente, não há a seleção de
um elemento locativo específico, porque esse elemento é realmente um adjunto. Por outro lado,
12
Descartando-se, obviamente, outras interpretações possíveis, mas que não são relevantes no momento, como
instruções.
235
se SE não está presente (e consequentemente pro), o locativo empregado é selecionado pelo
verbo e seu argumento interno. Em outras palavras, esse locativo parece ser o argumento
externo dessas construções. A ideia de que tal locativo seja o sujeito, isto é, de que ele finalize
a derivação em [Spec, TP] não é nova na literatura sobre esse elemento – nem em PB, nem em
outras línguas parcialmente pro-drops, veja-se, por exemplo, Holmberg (2005), Avelar e
Cyrino (2008), Avelar (2009), entre outros. O que eu gostaria de sugerir aqui complementa essa
ideia: esse locativo não é um adjunto em nenhum estágio da derivação, mas um argumento
externo nas sentenças analisadas no PB.13
Outros contrastes apontam que essa ideia está no caminho certo. Se esse locativo fosse
um mero adjunto, que sofre novamente a operação de Merge (Merge interno) para satisfazer
EPP, não haveria razão pela qual outros adjuntos possíveis não favorecem a interpretação
impessoal. Vejamos mais alguns exemplos. Enfatizo, novamente, que (70) é uma sentença boa
se a interpretação for imperativa e se referir a pessoas definidas (ou pelo menos identificadas).
Por exemplo, um chef de cozinha discutindo com sua equipe o que vai ser comprado por eles
para que façam um jantar com ingredientes de alta qualidade. No entanto, (70) não pode
significar que uma pessoa arbitrária compra café do Brasil e bacalhau de Portugal, que é a
interpretação relevante.
O mesmo se pode dizer se um PP encabeçado por com, como nos exemplos abaixo.
13
Perceba que essa ideia não é muito diferente da formulação de Freeze (1992) sobre a complementaridade entre
uma predicação locativa (The book is on the bench) e uma sentença existencial (There is a book on the bench).
Para o autor, o locativo juntamente com o argumento interno, nesses casos, formaria um núcleo funcional
complexo, que se caracteriza por ter um núcleo, um complemento e um especificador. O tema e a locação seriam
argumentos selecionados desse núcleo funcional complexo.
236
Anders Holmberg (p.c) observa que, ao se adotar essa ideia, o critério temático tem de
ser visto como algo que não é importante para a gramática. As próprias formulações de teorias
de estrutura argumental, desde o Minimalismo, vêm relegando a atribuição temática a posições
na estrutura. Para Hale e Keyser (1993; 2002, capítulo 1), por exemplo, a atribuição temática
se dá em virtude de o elemento ser um complemento ou um especificador. Para Saab (2014), a
atribuição temática segue critérios como: i) localidade em relação ao núcleo que atribui papel
temático; ii) estar ativo no sistema, assim um elemento recebe um papel temático particular se
estiver no domínio da projeção funcional que atribui esse papel temático e não tiver recebido
papel temático de outro elemento. Percebe-se que as relações temáticas para esse autor
funcionam de forma idêntica às relações de Agree. Assim, um movimento natural da teoria tem
sido derivar o critério temático da estrutura.
Se essas tentativas estão no caminho certo, espera-se que certos elementos, quando
sofrerem merge acima de vP, na projeção de especificador de Voice, serão interpretados como
argumentos externos, enquanto outros não. Uma proposta como a de Wood e Marantz (2015)
provê um mecanismo de identificação correta dos elementos que podem ser concatenados acima
do vP. Para os autores, as projeções sintáticas envolvidas na interpretação da estrutura
argumental são sujeitas à alossemia contextual. Isso quer dizer que núcleos como vezinho,
aplicativo, p e Voice são essencialmente a mesma categoria sintática que, contextualmente, é
interpretada de formas diferentes. Essa categoria sintática é chamada pelos autores de i*. A
primeira questão que se coloca ao reduzir todas essas categorias a i* é o que elas têm em
comum. Os autores afirmam que todas essas categorias introduzem argumentos que não são
centrais à predicação e o argumento externo, desde a projeção da categoria Voice por Kratzer
(1996), é um bom exemplo disso. Em (75), as características gerais dessas projeções são
sumarizadas.
14
No original:
237
(WOOD E MARANTZ, 2015:4)
Motivar cada uma dessas estruturas está fora do escopo desse trabalho. No entanto, a
fim de traçar um paralelo entre a estrutura de Voice e do pP, por exemplo, reproduzimos abaixo
uma estrutura de Wood e Marantz (2015) para the car on the road.
(76) p*P
3
DP p*P
‘the car’ 3
i* pP
3
p* [S:D] DP
3 ‘the road’
√ON i*
P[S:D]
Nessa estrutura, the car é similar a um argumento externo porque estabelece com the road
uma relação que é mediada por um elemento gramatical, a preposição. De forma semelhante,
em sentenças transitivas, os DPs que estão na posição de argumentos externo e interno
estabelecem uma relação mediada pelo verbo. Naturalmente, nos dois casos, a relação muda de
acordo com o verbo/a preposição utilizado (a), sugerindo, mais uma vez, que essas diferenças
podem ser redutíveis a uma relação de predicação mais genérica que é interpretada
diferentemente de acordo com o ambiente.
A estrutura em (76) também exemplifica como se dá a interpretação de que a categoria
em questão é um p e não qualquer outra das listadas em (75). Os autores, seguindo Bruening
(2013), assumem que i* seleciona uma categoria e projeta um DP e isso é anotado da seguinte
a. voice, which introduces the external arguments of verb phrases (often agents)
b low appl, which introduces an extra argument related to a DP
c little p, which introduces the external argument of prepositional phrases
(figures)
d. prepositions, which introduce non-core arguments in a manner syntactically
distinct from high appl
e. high appl, which introduces a non-core argument
238
forma: {[CAT: ___], [S:D]}. Assim, quando o núcleo i* sofre merge com algum elemento que
c-seleciona, a categoria é identificada, por isso a lacuna que segue CAT, e um DP s-selecionado
pode ser projetado, representado por D no segundo membro. Ou seja, essa notação é só uma
forma menos especificada de dizer que Voice é projetado acima de vP e projeta um
especificador. No caso específico das impessoais nulas, como vim assumindo que o locativo é
selecionado, defendo que, em PB, o i* que é interpretado como Voice pode s-selecionar um PP,
um quirky subject. Assim, línguas que teriam quirky subject formariam {[CAT: ___], [S:P]}.
Resumindo, essa discussão é uma forma de modelar a ideia já bastante correto no
Minimalismo de que a estrutura argumental é fruto de interações entre núcleos sintáticos e não
vem pronta. Dessa forma, é possível que um locativo seja selecionado como o argumento
externo de uma predicação.Uma das questões que deve ser investigada, então, é qual o motivo
pelo qual o uso de um modificador locativo externo propicia a geração dessa leitura, mas não
outros PPs em geral. Esse tema será retomado na seção abaixo.
Há um primeiro indício que sugere que esses locativos são usados para derivar essa
leitura por uma razão. É sabido, pelo menos desde Freeze (1992), que locativos têm força
existencial. Um dos fenômenos utilizados para exemplificar isso é o licenciamento de nomes
nus com verbos inergativos. Hebraico, grego e espanhol licenciam nomes nus com verbos
239
inergativos somente na presença de um locativo. Sem um locativo, essa leitura é marginal em
espanhol, como se vê em (77)a, e agramatical em grego, indicado por (78)a.
Para Borer (2010), casos em que o locativo licencia nomes nus pós-verbais e indefinidos
deveriam ser analisados como casos em que o locativo está fechando a variável do verbo e não
o DP. Mais especificamente, a autora afirma que, na falta de expressões definidas (pronomes e
DPs fortes), os quais são tidos como inerentemente fechados existencialmente, o locativo se
liga ao lócus de fechamento existencial, o qual, por sua vez, se liga ao DP. Veja a representação
abaixo.
Esse é um caminho possível de análise por duas razões. A primeira é que o modificador
externo do evento estaria acima da variável de evento, seguindo Maienborn, portanto, no local
adequado para fechar a variável de evento. Segundo, perceba que locativos parecem ter o
mesmo papel que tempo especificado no licenciamento de nomes nus em grego, como o
15
ALEXIADOU, A. Post-verbal nominatives: an unaccusativity diagnostic under scrutiny. Hand-out apresentado
em OnLI, Uster, 2007. Disponível em: http://ifla.uni-
stuttgart.de/institut/mitarbeiter/artemis/handouts/ulsterhandout.pdf
240
contraste em (80) sugere. Enquanto (80)b pode ser considerada marginal, porque há um nome
nu em uma sentenca inergativa que não acompanha um locativo, (80)a é gramaticalmente
perfeita, porque tempo está especificado para passado e o aspecto é perfectivo.
Tempo especificado (quando junto com aspecto perfectivo) é tido como um operador
existencial por excelência, então, se locativos e tempo especificado têm o mesmo papel de
licenciar nomes nus em grego (compare (78) e (80)), podemos dizer que os dois elementos
podem ter a mesma função de quantificar variáveis existencialmente.
Brody (2013) observa que a leitura impessoal para alguns pronomes pessoais – em
especial pronomes de 3ª pessoa do plural – aparecem quando há um locativo na sentença.16
A exemplo das sentenças discutidas aqui, a presença de um locativo é crucial para que
essa interpretação apareça. Um elemento temporal, por exemplo, não pode gerar essa
interpretação, na maioria dos casos.
16
O artigo trata de dados do inglês, em que a leitura impessoal com They é possível. Essa leitura também é possível
em PB, mas aparentemente não é possível em outras línguas românicas. Veja as sentenças abaixo que
exemplificam isso.
241
(84) #Eles gostam de tirar uma soneca de tarde.
(BRODY, 2013:35)
Ainda sobre o tipo de PP presente nessas sentenças, Brody observa que, somente em
alguns casos, um elemento temporal pode evocar uma leitura impessoal (ou indefinida, se o
verbo estiver no pretérito perfeito). Um desses casos é o exemplo abaixo.
Essa leitura, todavia, não aparece com outros elementos temporais, como os das
sentenças abaixo. 18
O mesmo se observa para o PB. Uma sentença como ‘Eles gostam de tirar uma soneca
a tarde’ não terá uma interpretação impessoal com os elementos acima.
(89) #No ano passado eles gostavam de tirar uma soneca à tarde.
(90) #Em dias ensolarados eles gostavam de tirar uma soneca à tarde.
(91) #Geralmente, eles gostavam de tirar uma soneca à tarde.
17
Em PB, essa leitura só é licenciada no PB se o verbo estiver no imperfectivo. Uma tradução literal de (85), ‘Na
idade média eles só comeram batata’, é agramatical. Isso, não necessariamente, aponta para uma diferença entre
PB e inglês no que diz respeito às leituras geradas com um locativo, já que Lekakou (2005, cap.3) aponta que
inglês e outras línguas germânicas licenciam leituras habituais sem aspecto imperfectivo, como se discutiu no cap.
4. Portanto, pode ser o caso de essa sentença ter uma leitura impessoal, não-indefinida.
18
Charlotte Galves (c.p) chama minha atenção para o fato de que elementos temporais podem estar presentes
nessas sentenças, como o exemplo encontrado por ela no NURC mostra: ‘Hoje em dia não usa mais saia’. Como
o texto principal mostra, contudo, elementos temporais em geral, não fazem essa leitura aparecer, a não ser que o
locativo seja interpretado como implícito. Assim ‘Em dias quentes vende muito sorvete’ parece boa se o lugar
estiver implícito porque os falantes estão no lugar em que muitos sorvetes são vendidos.
242
Como essa leitura é evocada na presença de um locativo, seria imprudente dizer que há
duas entradas lexicais para pronomes que podem ter leitura impessoal em certos contextos. Na
verdade, o locativo deve ser o elemento responsável para que essa leitura surja. Brody (2013)
propõe que o locativo contém uma pessoa silenciosa. Isto é, uma leitura genérica de pessoa está
presente no uso de certos locativos e isso possibilita o uso de pronomes pessoais como
impessoais. De maneira informal, sentenças em que essa leitura aparece corresponderiam a
sentenças em que o locativo se compõe com uma palavra como people, no exemplo abaixo.
Brody enfatiza que essa leitura é semântica, já que a simples presença de locativos não
faz com que as sentenças tenham propriedades diferentes (como vemos no caso do PB, é essa
leitura semântica que garante que impessoais nulas sejam interpretadas como impessoais).
Levando em conta essas duas subseções, percebemos que a interpretação impessoal
aparece em sentenças impessoais nulas do PB em virtude de duas propriedades desses PPs que,
vale ressaltar, não são compartilhadas por outros PPs: (i) locativos fecham variáveis; (ii)
locativos geram leituras impessoais. Assim, o fato de que sentenças impessoais nulas do PB
têm essa leitura com esses elementos não é surpreendente.
Comparando as sentenças SE-impessoais com as sentenças impessoais nulas, vemos que
a língua está usando duas formas radicalmente diferentes para formar sentenças impessoais.
As sentenças SE-impessoais se utilizam de um pronome que satura uma posição
argumental – na minha abordagem, pro – e gera a sentença impessoal. O tipo de PP presente na
sentença não é relevante, porque o PP não gera a leitura impessoal nesse caso.
As sentenças impessoais nulas do PB, por outro lado, possuem restrições quanto aos
PPs usados. Os PPs utilizados são aqueles que geram leituras impessoais. Cabe ressaltar que eu
estou afirmando que esse é o caso para o PB, que possui uma distribuição diferente de
impessoais nulas do finlandês. Nessa língua, seguindo a literatura, concordo que se pode dizer
que há um pro nessas sentenças. O PB, por outro lado, não mostra indícios sintáticos de um pro
nessas construções e, assim, gera essas leituras com um PP locativo.
243
6.8 T e impessoais nulas
Como mostrado no Quadro 1, a interpretação que a morfologia da sentença impessoal
pode ter depende, em larga medida, do valor de T. Dado que, em PB, impessoais nulas podem
ser formadas somente com um locativo na posição de argumento externo, o que isso nos diz
sobre T de PB? Isto é, se a hipótese delineada aqui está no caminho certo e um PP locativo pode
ser um argumento externo capaz de derivar uma leitura impessoal, que relação T tem com esse
PP? T atribui Caso a esse PP? Se sim, qual?
Há razões para acreditar que T não atribui Caso em sentenças impessoais nulas.19 Uma
delas é o fato de os locativos usados serem PPs e serem introduzidos por uma preposição que,
em si, já é um núcleo atribuidor de caso. É verdade que há locativos não encabeçados por um
P que também aparecem em sentenças impessoais nulas, como aqui e lá, mas esses advérbios
são inerentemente locativos e teriam, então, Caso inerente.
19
Pelo menos nos casos estudados aqui. Os modos de se gerar sentenças indefinidas (em que tempo está
especificado) são diferentes dos modos de se gerar sentenças impessoais. Algumas vezes, há propriedades
conflitantes com as que têm sido examinadas neste capítulo. Por exemplo, sentenças indefinidas nulas não
precisam necessariamente de um modificador locativo externo, como a sentença abaixo mostra:
O advérbio aí, nesta sentença, poderia ser facilmente omitido, o que contrasta com sentenças impessoais que não
podem ter essa leitura sem o locativo apropriado. De forma similar, sentenças impessoais com verbos modais,
apesar de precisarem de um PP, não necessitam, necessariamente, de um PP locativo, como o exemplo (97) do
texto, repetido aqui, mostra.
Além disso, como Jairo Nunes (c.p.) me apontou, em estruturas de causa e consequência como (ii), verbos
inacusativos podem ser licenciados.
iii. No Brasil é assim: nasceu em família rica, vai estudar em colégio bom.
Compare com:
Há, portanto, uma série de contextos que precisam ser adequadamente pesquisados. A análise dada para as
sentenças impessoais nulas neste capítulo pode se manter se for demonstrado que sentenças como (i), (ii) e (iii)
são outras construções. Pode ser ainda o caso de que essas três construções acima, bem como as impessoais nulas,
sejam regidas por um princípio comum que não é visível no momento.
Após a conclusão deste trabalho, meu objetivo é estudar todos estes casos juntos para que a análise seja refinada.
244
Se isso é verdade, o caso do DP objeto não pode ser acusativo, já que não há construções
acusativo é um Caso dependente. Essa predição é um pouco difícil de testar por duas razões: i)
em SE-impessoais, é difícil que o DP tenha indícios morfológicos de caso acusativo em PB,
como os exemplos abaixo mostram.
Nas sentenças impessoais nulas, mesmo aquelas em que um modal é selecionado, não
se pode atribuir Caso acusativo para o complemento do verbo.20
(98) é uma sentença ruim mesmo que a expressão o café já esteja presente no discurso,
como a sequência a seguir ilustra: *Todo mundo adora esse café, porque depois do almoço
pode bebê-lo sem pressa. Assim, a impossibilidade de Caso acusativo em um constituinte que
poderia recebê-lo se a morfologia verbal estivesse presente mostra que o DP na posição pós-
verbal é o único elemento marcado com Caso estrutural nessas construções. Se houvesse um
pronome que não recebe inserção fonológica, nessas construções, o Caso acusativo seria
atribuído normalmente. É o que se verifica, por exemplo, em impessoais nulas do Finlandês.
20
Jairo Nunes (c.p.) aceita essas sentenças e levantou a hipótese de que o problema nessas sentenças seja registro
e não agramaticalidade. Todos os outros falantes consultados rejeitam essas sentenças e um deles, inclusive, julga
(96) como agramatical. Vou manter essa explicação, portanto, sem descartar a possibilidade de testes futuros.
245
(HOLMBERG, 2005:549)
Holmberg (2005) pontua que alguns verbos modais atribuem caso lexical (=inerente)
aos argumentos externos. Consequentemente, o objeto da sentença impessoal recebe Caso
nominativo. Esse parece ser exatamente o que vemos nas sentenças impessoais do PB, não
importando, para questões de Caso, se um modal é selecionado ou não. Esse é mais um fato que
sugere que o Caso dos locativos é computado como o Caso de um constituinte, ou seja, ele
recebe Caso da preposição em Voice. Se houvesse um pronome nulo nessas sentenças, o Caso
acusativo poderia ser morfologicamente visível no DP objeto, pelo menos nas mesmas
condições em que ele é visível em SE-impessoais.
Cabe ainda ressaltar que Caso acusativo é, em algumas abordagens como Harley (2013),
atribuído por Voice, já que é dependente da presença do argumento externo. Voice em
impessoais nulas difere, mais uma vez de Voice em SE-impessoais. Além de não possuir pro,
esse tipo de Voice não pode atribuir Caso acusativo. Essa projeção em impessoais nulas parece
estar presente somente para garantir a leitura de um humano, mas não possui nenhum traço que
se assemelha a Voice em sentenças transitivas como O João comeu pastel, por exemplo.
Além das questões acima, é importante ressaltar, como apontado no começo do texto
que impessoais nulas que precisam compulsoriamente de um locativo estão no presente. Mesmo
em casos nos quais o verbo pode estar no passado, como Rosana Naves (c.p) me apontou, a
leitura é genérica, como a presença de ‘por muito tempo’ em Aqui vendeu sapato por muito
tempo, mostra. O uso da morfologia de passado nesse exemplo não é contrastivo, isto é, seja lá
como essa morfologia é licenciada, ela não está ligada a um T com valor de passado da forma
canônica, porque a leitura de participantes indefinidos (cf. Quadro 1) não surge, somente a
leitura de que qualquer participante arbitrário vendeu esses sapatos.
Para tentar relacionar a necessidade de um T genérico com a presença de impessoais
nulas, farei uso de trabalhos que contrastam os valores de T em PB e PE, como Ambar, Gonzaga
e Negrão (2004) e Cyrino (2013b). Essas autoras têm mostrado que T se comporta
diferentemente nas duas línguas. Uma das fontes das diferenças entre as duas línguas é quando
se compara o comportamento do advérbio sempre. De acordo com os dois trabalhos acima,
sempre em PE tem duas leituras, uma confirmativa, associada a T, e uma aspectual, associada
a uma projeção mais baixa. As duas leituras podem ser suscitadas em PE dependendo de alguns
246
fatores, como o contexto, a posição do advérbio e o valor do tempo do enunciado (se forte ou
fraco).21 Em PB, essa leitura confirmativa não existe, como a estranheza de (100) atesta.
Como essa leitura não existe em PB, em todas as vezes em que o advérbio está antes do
verbo em PB, há indicação, então, de que o verbo não subiu para T, está em uma posição mais
baixa.
Para a sentença em (101), por exemplo, pode-se afirmar que o verbo está na posição T2,
de acordo com a nomenclatura de Cyrino (2013b), uma projeção aspectual em PB, porque
somente a leitura aspectual é evocada.
(101) O João sempre come/comeu bolos. (AMBAR, GONZAGA & NEGRÃO, 2004:9)
Outro dado que indica isso, apontado por Cyrino (2013b), é o fato de sempre, quando
na posição pré-verbal em PB, não se combinar com a negação, que está em T. Todavia, isso é
possível em PE, como o dado (102) ilustra.
Isso, novamente, mostra que esse advérbio está em uma posição mais baixa em PB. Na
análise de Ambar, Gonzaga e Negrão (2004), esses, entre outros fatos, indicam que o verbo em
PB sobe até T e o verbo em PE sobe até AgrS, projeção à qual sempre com leitura confirmativa
se adjunge. Na análise de Cyrino (2013b), esse e outros fatos mostram que o verbo em PB sobe
até a projeção T2, uma projeção aspectual.22 O fato de a morfologia de passado poder ser usada
para expressar distinções aspectuais, como se verá abaixo, reforça os resultados obtidos quando
a posição de sempre é investigada.
21
Remeto o leitor aos textos citados, especialmente o texto de Ambar, Gonzaga e Negrão (2004), para detalhes da
leitura confirmativa de sempre em PE. Exponho dados aqui que ajudam a ressaltar as diferenças entre PE e PB
nesse caso, por isso não exponho o paradigma completo.
22
Na análise de Ambar, Gonzaga e Negrão, essa projeção se chama Tobj.
247
(103) TP
3
T1 TP2
[+past] 3
T2 vP
[+perfect]
Apesar dessas diferenças entre as abordagens, as duas autoras assumem que Presente
corresponde a tempo zero. Para Ambar, Gonzaga e Negrão (2004), não há projeção de Tempo
quando o verbo está no presente e, assim, ele sobe diretamente para AgrS em EP. Cyrino
(2013b) assume a mesma ideia e acrescenta que a interpretação é assinalada em LF quando o
verbo está no presente.
Em adição a esse fato, Cyrino (2013b) apresenta um conjunto bastante interessante de
dados mostrando que o PB perdeu o contraste entre alguns valores de T. Considere os dados
em (104) e (105) que exemplificam isso.
(104) Eu estou feliz, porque eu vivi muito bem todos estes anos.
(105) Eu adorei sua blusa!
(CYRINO, 2013b: 312)
Embora tenham morfologia de passado, esses dados não descrevem fatos que
aconteceram no passado; expressam, na verdade, algo parecido com um aspecto perfectivo, já
que o falante que pronunciou (104) pode muito bem querer dizer que ele/ela até o momento tem
vivido muito bem. Já em (105), o falante não quer dizer que ele/ela adorou a blusa no passado,
mas que, no momento em que viu a blusa, adorou-a. Além dos testes estruturais mencionados
acima, esses exemplos mostram que a morfologia que expressava distinções temporais, pode
ser usada para distinções aspectuais em PB. Se esse é o caso, um estudo cuidadoso tem de
mostrar como se estabelecem as relações de tempo e aspecto no PB atual. Ao apresentar esses
resultados aqui, quero salientar que a morfologia verbal do PB não é informativa sobre o tempo
das sentenças em muitos casos. É possível, então, que outras relações dêiticas que não tempo
ancorem eventos em PB. É o que vou afirmar para impessoais nulas.
No que concerne às sentenças impessoais nulas, a ancoragem do evento depende de uma
reavaliação desses estudos. Seguindo Ambar, Gonzaga e Negrão (2004) e Cyrino (2013b), não
248
há valor de tempo em sentenças impessoais, já que elas se encontram no presente. Além disso,
a morfologia de 3ª pessoa, em línguas parcialmente pro-drop, incluindo-se aí o PB, é a mais
afetada pela mudança paramétrica. No caso específico do PB, em sentenças impessoais, como
afirmei anteriormente, não há indícios de que haja um pro, como há em impessoais nulas no
finlandês. Isso mostra que a morfologia de 3ª pessoa impessoal, que está em uma projeção
aspectual em sentenças impessoais nulas, é incapaz de dar Caso (GALVES, 2001, cap.3;
PILATI E NAVES, 2013). Some-se a isso o fato de que uma relação locativa específica é
necessária para que a interpretação impessoal seja gerada e que essa relação locativa, salvo
casos em que os elementos são inerentemente locativos, é um PP, ou seja, um sintagma cujo
núcleo já é atribuidor de Caso.
Lidando com todos esses fatos, sabemos que é graças a seleção desse locativo que essas
sentenças têm Caso e podem existir em PB, mas não é claro, todavia, porque a língua usa isso
se há outras estratégias a seu dispor, como, por exemplo, formar sentenças com valor impessoal
usando, exclusivamente, morfologia pessoal. Além disso, esse locativo sobe para uma posição
para satisfazer EPP, como os dados em (106) mostram.
Acredito que todas essas evidências possam apontar para uma diferença entre sentenças
impessoais e pessoais no PB no que tange à ancoragem do evento (em outras palavras, ao valor
de T). Isso será explicado na seção abaixo.
Como a tradução dos exemplos mostram, o que é distintivo para os falantes dessa língua
não é o valor de tempo – isto é, se os eventos ocorreram no presente, passado ou futuro -, mas
se eles ocorreram perto do falante (como o advérbio here do inglês codifica), ou longe (como
o advérbio there do inglês também codifica). Assim, percebemos que a ancoragem do evento é
feita em termos espaciais e não temporais. Em face desse dado e de outros, as autoras propõem,
então, que INFL – e não T – é uma categoria universal e as línguas especificam INFL de acordo
com seus traços. Enquanto línguas indo-europeias geralmente ancoram os eventos usando
intervalos temporais, outras famílias linguísticas podem optar por outra relação dêitica que
cumpra o mesmo papel, como espaço e pessoa.
Uma questão interessante que deriva disso é que as autoras preveem um certo
paralelismo na estrutura sintática, paralelismo esse que é reforçado por uma série de trabalhos
mostrando, por exemplo, a similaridade entre DPs e TPs/CPs. Mais especificamente, a hipótese
das autoras é a de que há uma espinha universal na estrutura sintática que está relacionada às
funções que determinadas categorias podem ter. (108) mostra que CP e KP têm uma função de
linking, K é uma categoria que funciona como uma projeção de foco acima de DP em algumas
línguas, daí seu paralelo com o CP. IP e DP, por sua vez, têm uma função de ancoragem, já que
eles situam o indivíduo (D) ou o evento (T) em um local ou tempo e vP e nP têm função
temática.
(108)
250
Tendo o IP e o DP a mesma função, a marcação do DP vai diferir de acordo com os
traços de INFL que uma língua instancia. A tabela mostra que, em um INFL location, o DP que
é argumento externo vai ser marcado com alguma morfologia de locação. O fato de PPs
locativos serem os selecionados em impessoais nulas do PB, então, não parece ser uma
coincidência.
Contudo, não quero afirmar que PB é, exatamente, como Halkomelen. O que parece
estar acontecendo é que, nos contextos de 3ª pessoa não referencial, os traços phi de TP não são
suficientes ou não estão lá. A língua tem, então, optado por especificações locativas ao invés
de temporais para fazer o ancoramento.
Mais especificamente, o que eu gostaria de afirmar é que INFL do PB pode ter uma
especificação para locação e não para tempo justamente nos contextos em que tempo é o tempo
zero, ou seja, em contextos genéricos. Essa especificação de T em PB é ainda possível porque
a morfologia verbal não está em T, está em uma projeção mais baixa e, assim, não haveria um
possível conflito entre morfologia com traços de número e pessoa e um INFL com traços de
locação.
6.10 Conclusões
Este capítulo ilustra uma das mudanças mais drásticas em sentenças que eram
obrigatoriamente formadas com SE. Ao ressaltar os padrões de comportamento de sentenças
impessoais nulas genéricas no PB, mostrei que elas não são sentenças que possam ser analisadas
como inversão locativa e diferem de línguas que possuem a mesma construção e que foram
exaustivamente estudadas, como o finlandês. Levando em conta a obrigatoriedade de um
locativo, desenvolvi a ideia de que a interpretação arbitrária é derivada do fato de o locativo ser
o argumento externo nessas construções. Como o locativo tem forca existencial, esse elemento
é capaz de gerar essa interpretação.
O fato de sentenças impessoais em PB terem passado de uma estrutura como (109) para
(110) se deve a pelo menos dois fatos: perda da morfologia impessoal (e consequentemente
251
pro) e a inabilidade de T de atribuir caso, já que os traços-phi de T em sentenças impessoais
são os de 3ª pessoa, os primeiros a sofrer uma mudança.
Φ VoiceP
Pro Voice
3
SE ....
Sentenças impessoais nulas (T não atribui caso, por isso um PP ou um advérbio com Caso
inerente na posição de argumento externo)
(110)
LOC
3
LOC VoiceP
3
PP ....
Uma das questões mais relevantes que o capítulo suscita, mas não esgota é que pro (um
bando de traços –phi, um NP nulo ou um pro em termos de GB) não existe em sentenças nulas
impessoais genéricas do PB. Outras formas de se fazer sentenças impessoais nulas devem ser
analisadas – as aqui analisadas não são as únicas -, mas se a análise se mantiver, talvez o
parâmetro relevante para a possibilidade de impessoais nulas em PB não seja a falta de um traço
D em T (de acordo com Holmberg, 2005), mas a falta de concordância. Mais explicitamente,
quando não há relação temporal envolvida, já que sentenças no presente teriam tempo zero,
nada geraria essas sentenças a não ser um elemento que possa se comportar como T, gerando
leitura existencial. É por isso que locativos são usados compulsoriamente nas sentenças
impessoais nulas analisadas neste capítulo.
252
7. CONCLUSÃO DA TESE E
QUESTÕES FUTURAS
Nesta tese estudei construções que eram obrigatoriamente marcadas com SE e que possuem
realizações alternativas no PB atual. O Capítulo 1 sumariza as questões que vão ser tratadas na
tese e menciona abordagens que serão adotadas. Em suma, este capítulo mostra que há duas
gramáticas para eventos anticausativos, impessoais e médios no PB. Em uma dessas gramáticas,
SE é presente e sentenças impessoais e médias comportam-se como dotadas de um Agente
sintático. Na outra gramática, sem a presença desse elemento, não há um Agente sintático nesses
eventos em PB. Isso nos leva a acreditar que, com a perda de SE, as gerações mais novas do PB
deixaram de projetar um tipo específico de Voice, causando uma mudança significativa nos eventos
descritos, incluindo o surgimento da alternância agentiva. A tese se ocupa em descrever essa nova
gramática e cotejá-la com as intuições que falantes nativos (ainda) possuem sobre parte dos eventos
estudados quando eles são nucleados por SE.
O Capítulo 2 mostrou as diferenças entre os eventos com SE em PB e espanhol para
defender que (i) pro é projetado em sentenças em que SE tem uma leitura arbitrária/indefinida; (ii)
pro pode ser um argumento implícito forte ou fraco. Os exemplos do PB e do espanhol, quando
contrastados, mostraram que o pro no PB é um argumento implícito forte e, no espanhol, um
argumento implícito fraco.
Apontei no capítulo que, muito embora BP e espanhol sejam casos fidedignos dessa
tipologia proposta por Landau (2010), pode haver casos intermediários. Mais especificamente, o
caso do italiano e do PE merecem um estudo detalhado. Essas duas línguas, assim como o PB, não
licenciam by-phrases em SE-passivas, licenciam predicados secundários em SE-impessoais e,
portanto, seriam argumentos implícitos fortes de acordo com a tipologia que sigo. Não obstante,
diferente do PB, nada impede que T entre em uma relação de Agree com o complemento do verbo,
por isso SE-médias em que o verbo concorda com o complemento do verbo são usuais e SE-
passivas, que não existem mais no PB vernacular, são usuais nessas línguas, como o exemplo (1),
do PE, e (2), do italiano, mostram.
253
(1) Essas salsichas compraram-se ontem no talho Sanzot.
(RAPOSO E URIAGEREKA, 1996:750)
A tipologia de argumentos implícitos em geral proposta por Landau (2010) e aplicada para
SE-sentenças em línguas românicas por MacDonald (2015) e MacDonald, Maddox e Carvalho
(2015) têm de ser refinada, levando em conta também a especificação desse pro em SE-sentenças
e o seu impacto para os testes feitos. Em italiano, por exemplo, esse pro parece ter uma
especificação plural para número, à maneira do objeto arbitrário em italiano, como comentado no
Capítulo 2. Um fato que evidencia isso é a possibilidade de leituras recíprocas em SE-sentenças,
algo que não é possível em PB e, até onde sabemos, nas outras línguas românicas.
254
Além da descrição empírica e uma análise, até certo ponto, comum de estruturas que foram
consideradas em isolamento em variados trabalhos sobre o PB, esta tese, ao abordar a perda de
morfologia, propõe um olhar para o impacto da perda morfológicos nos eventos. Essa não é uma
abordagem comum para mudanças morfossintáticas em uma língua e acredito que essa direção de
investigação é também profícua e deve ser conjugada com as já consagradas investigações sobre a
perda do sujeito nulo e os traços de T em PB ou em línguas no geral.
No Capítulo 1, ressaltei que um rótulo como parcialmente pro-drop agrupa várias línguas com
tendências bastante diferentes.1 Após a análise desenvolvida nos capítulos de 3 a 6, os eventos aqui
estudados podem dar indícios da direção que o PB está tomando. No Capítulo 4, sobre sentenças
médias, por exemplo, mostrei que a ausência de morfologia desse tipo de evento não impede que
médias de línguas germânicas, como inglês e holandês, projetem Voice. O PB, contudo, não projeta
Voice nesses eventos na ausência de SE. No Capítulo 5, ao estudar a AA, mostrei que ela existe
justamente em virtude da perda de Voice. Em outras palavras, ela é uma generalização da estrutura
que médias não-marcadas têm hoje. A predição, então, é que línguas com médias não-marcadas
que não projetam Voice também terão a AA e essa correlação foi documentada também para o
mandarim. Assim, os eventos do PB têm mostrado que, sob esse ponto de vista, a língua tem se
alinhado com línguas radicalmente pro-drop, como sumarizado no quadro abaixo.
Para que essa correlação fique mais bem explicada, trabalhos futuros serão necessários.
Uma pergunta imediata seria: se essas mudanças acontecem por causa da perda de Voice marcada,
1
Ver Alexiadou e Carvalho (2015/submetido) sobre as diferenças entre impessoais nulas no PB e em finlandês e
Carvalho (2016) sobre a presença de determinante em PB, mas não em outras línguas parcialmente pro-drop.
ALEXIADOU, A.; CARVALHO, J. (2015) The role of locatives in (partial) pro-drop languages. Submetido ao
volume organizado por Laura Bailey e Michelle Sheehan por ocasião dos 65 anos de Anders Holmberg, 25 pp, 2015.
CARVALHO, J. (2016) Bare singular nouns and null impersonals in Brazilian Portuguese. The case of NumP in
Brazilian Portuguese. Hand-out apresentado no Workhop Pronouns. Bahia, Salvador.
255
o que engatilha essa perda? Como relacioná-la com uma característica mais geral da língua? Por
ora, podem-se lançar algumas hipóteses.
Dos eventos estudados nesta tese, as únicas sentenças em que se pode dizer que há Voice
mesmo com a perda de SE são as impessoais nulas. Mesmo assim, como se mostrou ao longo da
discussão no Capítulo 6, parece que a sintaxe somente provê um lugar estrutural para que um
elemento sofra merge. Não há indícios de que Voice em impessoais nulas tenha traços-phi, se
comparada com Voice nucleada por SE, já que a interpretação arbitrária presente nessas sentenças
não se verifica em testes sintáticos. Assim, a perda Voice nucleada por SE e o rearranjo dos eventos
nada mais é do que um fenômeno geral de perda de tracos-phi que têm feito o PB se assemelhar a
línguas não pro-drop e línguas radicalmente pro-drop. No domínio dos eventos, a semelhança é
muito mais clara com o último grupo. Essa ideia, contudo, deve ser mais exaustivamente
demonstrada em trabalhos futuros.
Finalmente, cabe ressaltar que, sem uma abordagem sintática para a estrutura de eventos,
que guiou toda a discussão do texto, diversas generalizações não teriam sido alcançadas. Em
especial no Capítulo 5, em que a AA foi estudada, não parece haver modo de derivar as diferenças
entre as sentenças anticausativas e o membro inacusativo da AA sem recorrer às diferenças
estruturais entre tipos de raízes. Desse modo, sem um arcabouço construcionista para a estrutura
argumental, em especial sem o uso da noção das raízes, eu não conseguiria mapear as diferenças
que levaram à explicação de que o membro inacusativo da AA tem a mesma estrutura de sentenças
médias não-marcadas.
(EXPLICIT FELICITER)2
2
Frase normalmente encontrada no final de textos medievais que, entre as traduções possíveis, pode significar algo
como ‘ texto totalmente finalizado, tarefa finalizada’.
256
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACEDO-MATELLÁN, V.; MATEU, J. (2014) From Syntax to Roots: A Syntactic
Approach to Root Interpretation. In: ALEXIADOU, A.; BORER, H.; SCHÄFER, F.
(eds.), The Syntax of Roots and the Roots of Syntax. Oxford University Press, Oxford,
2014, p.14-32.
257
AMBAR, M.; GONZAGA, M.; NEGRÃO, E. Tense, quantification and clause structure
in EP and BP. In: BEYSSADE, C. (eds.),Romance Languages and Linguistic Theory
2002: Selected papers from Going Romance 2002. Amsterdam:John Benjamins
Publishing p. 1-16, 2004.
AUTHIER, J.-Marc; REED, Lisa. On the Canadian French Middle. Linguistic Inquiry,
p. 513-523, 1996.
258
BELLETTI, A; RIZZI, L. Psych-verbs and θ-theory. Natural Language & Linguistic
Theory, v. 6, n. 3, p. 291-352, 1988.
BHATT, R.; PANCHEVA, R. Implicit arguments. In: In: EVERAERT, M.; RIEMSDIJK,
H. The Blackwell Companion to Syntax. Oxford: Blackwell, p. 554-584, 2006.
BORER, H. Structuring sense: In name only. Oxford: Oxford University Press, 2005.
BORER, H. Locales. In: HOVAV, Malka Rappaport; DORON, Edit; SICHEL, Ivy (Ed.).
Lexical Semantics, Syntax, and Event Structure.Oxford: Oxford University Press,
2010. p. 309-338.
CARVALHO,J.; BASSANI, I.. Resenha de Cançado, M., Godoy, L., Amaral, L. Catálogo
de Verbos do Português Brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de
259
predicados. Parte I: verbos de mudança. Editora UFMG. 2013. Revista de Estudos da
Linguagem, v. 22, n. 2, p. 275-294, 2014.
CARVALHO, J.; COSTA, J. O que origina a variação da alternância causativa? Uma
comparação entre o Dâw (família Nadahup) e o português brasileiro. Revista da
ABRALIN, v. 13, n. 1, p. 119-153, 2014.
CAVALCANTE, S. O uso de SE com infinitivo na história do português: do
Português Clássico ao Português Europeu e Brasileiro modernos. 2006. 227f.Tese
(Doutorado em Linguística)-Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2006.
CHAGAS DE SOUZA, P. A Alternância Causativa no Português do Brasil: Defaults
num Léxico Gerativo. 2000. 214f. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado em
Linguística)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo.
CHENG, L.Transitivity alternations in Mandarin Chinese. In: Proceedings of the third
Ohio state University conference on Chinese Linguistics, 1989. p. 81-94.
CINQUE, G. On si constructions and the theory of arb. Linguistic inquiry, v. 19, n.4, p.
521-581, 1988.
CONDORAVDI, C. The middle: where semantics and morphology meet. MIT Working
Papers in Linguistics, v. 11, p. 18-30, 1989.
260
D'ALESSANDRO, R. Impersonal" si" constructions: Agreement and Interpretation.
Berlin/New York: Walter de Gruyter, 2007.
DOWTY, David. Word Meaning and Montague Grammar: The Semantics of Verbs
and Times in Generative Semantics and in Montague's PTQ, D. Reidel:Dordrecht,
1979.
FÁBREGAS, A.; PUTNAM, M. The emergence of middle voice structures with and
without agents. The Linguistic Review, v. 31, n. 2, p. 193-240, 2014.
261
FREEZE, R. Existentials and other locatives. Language, p. 553-595, 1992.
GIORGI, A., & PIANESI, F. Tense and aspect: From semantics to morphosyntax.
Oxford: Oxford University Press, 1997.
HARLEY, H. Subjects, events and licensing. 1995. 239f. Tese (Doctor of Philosophy)
– Department of Linguistics, Massachusetts Institute of Technology, Massachussets,
1995.
___________. External arguments and the Mirror Principle: On the distinctness of Voice
and v. Lingua, v. 125, p. 34-57, 2013.
___________. On the identity of roots. Theoretical Linguistics, v. 40, n. 3-4, p. 225-
276, 2014.
262
_________________. More on the typology of inchoative/causative verb alternations.
Causatives and transitivity, v. 23, p. 87-121, 1993.
HOLMBERG, A. Is there a little pro? Evidence from Finnish. Linguistic Inquiry, v.36,
n.4, p.533-564, 2005.
_____________. The null generic subject pronoun in Finnish: a case of incorporation in
T. In: BIBERAUER,T;HOLMBERG,A;ROBERTS,I;SHEEHAN, M. (eds). Parametric
variation: null subjects in minimalist theory. Cambridge: Cambridge University Press,
2010. p.200-230.
HOLMBERG, A.; NAYUDU, A.; SHEEHAN, M.. Three partial null‐subject languages:
a comparison of Brazilian Portuguese, Finnish and Marathi*. Studia Linguistica, v. 63,
n. 1, p. 59-97, 2009.
KAYNE, R. Some notes on comparative syntax, with special reference to English and
French. In: CINQUE,G.; KAYNE, R. (orgs.); The Oxford Handbook of Comparative
Syntax. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 3-69.
KATO, M. Strong and weak pronominals in the null subject parameter. Probus, v. 11, p.
1-38, 1999.
KRATZER, A. Individual Level Predicates vs. Stage Level Predicates. In: CARLSON,
G. (eds.), The Generic Book. The University of Chicago Press: Chicago, 1995. p. 125-
175.
____________. Severing the external argument from its verb. In: ROORYCK, J.,
ZARING, L. (eds.). Phrase structure and the lexicon. Netherlands:Springer
Netherlands, 1996. p. 109-137.
____________. Making a pronoun: Fake indexicals as windows into the properties of
pronouns. Linguistic Inquiry, v. 40, n. 2, p. 187-237, 2009.
LAVIDAS, N. The diachrony of labile verbs: Evidence from the history of English and
Greek”. In: KULIKOV, L. e KITTILA, S. (eds.), Diachronic Τypology of Voice and
Valency-changing Categories. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2010/No
prelo.
263
LEGATE, J. Voice and v: Lessons from Acehnese. Cambridge:MIT Press, 2014.
LEKAKOU, M. In the middle, somewhat elevated: The semantics of middles and its
crosslinguistic realizations. 2005. 251f. Tese (Doctor of Philosophy) – Department of
Phonetics and Linguistics, University College London, 2005.
LEUNG, R. Um estudo sobre os objetos cognatos e os adjetivos adverbiais no
português do Brasil. 2007. 126f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Departamento
de Linguística da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
LEVIN, B. English verb classes and alternations: A preliminary investigation.
Chicago:University of Chicago Press, 1993.
_________. Further explorations of the landscape of causation: comments on Alexiadou
and Anagnostopoulou. MIT Working Papers in Linguistics, v. 49, p. 239-266, 2009.
264
_________________________.Passives and Se-constructions. In: WETZELS, L.;
COSTA, J.; MENUZZI, S. (eds.), Handbook of Portuguese Linguistics. Wiley/Blackwell,
2015/no prelo.
265
NUNES, J. O famigerado se: uma análise sincrônica e diacrônica das construções
com se apassivador e indeterminador. 1990. 189f. Dissertação (Mestrado em
Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 1990.
PACHECO, J. As construções médias do português do Brasil sob a perspectiva
teórica da morfologia distribuída. 2008. 113f. Dissertação (Mestrado em Linguística)
– Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
PAN, H. Imperfective aspect zhe, agent deletion, and locative inversion in Mandarin
Chinese. Natural Language & Linguistic Theory, v. 14, n.2, p. 409-432, 1996.
RAMCHAND,G. Verb meaning and the lexicon: A first phase syntax. Cambridge:
University Press, 2008
266
REZAC, M. Escaping the person case constraint: Reference-set computation in the φ-
system. Linguistic variation yearbook, v. 6, n. 1, p. 97-138, 2006.
RIBEIRO, P. A alternância causativa no português do Brasil: a distribuição do
cíclico SE. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
RIBEIRO,S. Estruturas com se Anafórico, Impessoal e Decausativo em Português.
2011. 323f. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, Coimbra, 2011.
RIVERO, M. On impersonal reflexives in Romance and Slavic and semantic variation.
In: CAMPS, J. & WILTSHIRE, C. Romance Syntax, Semantics and L2 Acquisition.
Amsterdam: John Benjamins, 2002. p. 169-195.
RITTER, E., & WILTSCHKO, M. The composition of INFL: An exploration of tense,
tenseless languages and tenseless constructions. Natural Language and Linguistic
Theory,v. 32, p.1331–1386, 2014.
LANDAU, Idan. The explicit syntax of implicit arguments. Linguistic Inquiry, v. 41, n.
3, p. 357-388, 2010.
RIZZI, L.; SHLONSKY, Ur. Satisfying the subject criterion by a non subject: English
locative inversion and Heavy NP shift. Phases of interpretation, p. 341-361, 2006.
267
SCHÄFER, F. The syntax of (anti-) causatives: External arguments in change-of-state
contexts. Amsterdam: John Benjamins, 2008.
___________. Two Types of External Argument Licensing–The Case of Causers*.
Studia Linguistica, v. 66, n. 2, p. 128-180, 2012.
268