Prática de Leitura, Escrita e Literatura Na Educação Básica

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SUMÁRIO 1

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

P912

Prática de leitura, escrita e literatura na educação básica/


Organizadoras Liliane Pereira Barbosa e Maria Alice Mota. –
São Paulo: Pimenta Cultural, 2023.

Livro em PDF

ISBN 978-65-5939-795-2
DOI 10.31560/pimentacultural/2023.97952

1. Educação básica. 2. Escrita. 3. Literatura. 4. Língua


Portuguesa. I. Barbosa, Liliane Pereira (Organizadora). II. Mota,
Maria Alice (Organizadora). III. Título.

CDD 372

Índice para catálogo sistemático:


I. Educação básica.
Jéssica Oliveira • Bibliotecária • CRB-034/2023
Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.

Copyright do texto © 2023 os autores e as autoras.

Copyright da edição © 2023 Pimenta Cultural.

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Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Giovanna Ofretorio de Oliveira Martin Franchi Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
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Universidade Federal da Bahia, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
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Universidad de Los Andes, Venezuela Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
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Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Marcio Bernardino Sirino
Hendy Barbosa Santos Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Centro Federal de Educação Tecnológica Universidade de São Paulo, Brasil
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Maria Edith Maroca de Avelar Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Stela Maris Vaucher Farias
Marina Bezerra da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Instituto Federal do Piauí, Brasil Tadeu João Ribeiro Baptista
Michele Marcelo Silva Bortolai Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade de São Paulo, Brasil Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno
Mônica Tavares Orsini Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Taíza da Silva Gama
Nara Oliveira Salles Universidade de São Paulo, Brasil
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Tarcísio Vanzin
Patricia Bieging Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil Tascieli Feltrin
Patricia Flavia Mota Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Tayson Ribeiro Teles
Raul Inácio Busarello Universidade Federal do Acre, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Thiago Barbosa Soares
Raymundo Carlos Machado Ferreira Filho Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Thiago Camargo Iwamoto
Roberta Rodrigues Ponciano Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Thiago Medeiros Barros
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Rodrigo Amancio de Assis Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Vania Ribas Ulbricht
Rodrigo Sarruge Molina Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Wellington Furtado Ramos
Rogério Rauber Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Wellton da Silva de Fatima
Rosane de Fatima Antunes Obregon Instituto Federal de Alagoas, Brasil
Universidade Federal do Maranhão, Brasil Yan Masetto Nicolai
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
PARECERISTAS
E REVISORES(AS) POR PARES
Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc

Alessandra Figueiró Thornton Jacqueline de Castro Rimá


Universidade Luterana do Brasil, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Alexandre João Appio Lucimar Romeu Fernandes
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Instituto Politécnico de Bragança, Brasil
Bianka de Abreu Severo Marcos de Souza Machado
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil
Carlos Eduardo Damian Leite Michele de Oliveira Sampaio
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Catarina Prestes de Carvalho Pedro Augusto Paula do Carmo
Instituto Federal Sul-Rio-Grandense, Brasil Universidade Paulista, Brasil
Elisiene Borges Leal Samara Castro da Silva
Universidade Federal do Piauí, Brasil Universidade de Caxias do Sul, Brasil
Elizabete de Paula Pacheco Thais Karina Souza do Nascimento
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Instituto de Ciências das Artes, Brasil
Elton Simomukay Viviane Gil da Silva Oliveira
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Francisco Geová Goveia Silva Júnior Weyber Rodrigues de Souza
Universidade Potiguar, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Indiamaris Pereira William Roslindo Paranhos
Universidade do Vale do Itajaí, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Parecer e revisão por pares

Os textos que compõem esta


obra foram submetidos para
avaliação do Conselho Editorial
da Pimenta Cultural, bem como
revisados por pares, sendo
indicados para a publicação.
SUMÁRIO
Prefácio................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1
Lucimarly Tavares da Fonseca
Maria Alice Mota
A variação de uso dos
pronomes este e esse no processo de
referenciação de textos argumentativos...........................................13

CAPÍTULO 2
Wenis Vargas de Carvalho
Raquel Maria Cardoso Pedroso
Fernanda de Fátima Maciel
Análise sociolinguística
do fator idade da Língua Brasileira de
Sinais através de uma tirinha............................................................... 47

CAPÍTULO 3
Ana Caroline Freitas Alves
Maria Alice Mota
Argumentatividade, aspectos
socioculturais e interdisciplinares:
uma análise de produções textuais
do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)......................................................... 67

CAPÍTULO 4
Lenilson de Almeida Feitosa
Crenças e atitudes nas escolas do campo:
o que dizem os professores sobre
os fenômenos variacionistasdo português brasileiro?.............................................95
CAPÍTULO 5
Cecília de Almeida Coelho
Maria Alice Mota
Liliane Pereira Barbosa
Welber Nobre dos Santos
Ensino remoto de Língua Portuguesa,
Plano de Estudo Tutorado
(PET) e a Linguística Textual.............................................................. 120

CAPÍTULO 6
João Pedro Viveiros Ribeiro
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Vera Lúcia Viana de Paes
Maria Clara Gonçalves Ramos
Maria Gabriela de Souza
Gênero tirinha de Mafalda
e a multimodalidade.............................................................................. 135

CAPÍTULO 7
Maria Gabriela de Souza
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Vera Lúcia Viana de Paes
Maria Clara Gonçalves Ramos
Letramento multimodal no gênero
cartaz de filme na mídia digital.......................................................... 153

CAPÍTULO 8
Rosemary de Souza Almeida
Maria Clara Maciel de Araújo Ribeiro
Letramento de surdos
no ensino superior:
um estudo sobre práticas letradas...................................................................... 173
CAPÍTULO 9
Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
Janderson de Almeida Nobre
Vanessa Menezes Oliveira
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Linguística Textual:
princípios teóricos e práticos............................................................................. 192

CAPÍTULO 10
Maria Clara Gonçalves Ramos
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Samuel Parrela Braga
Vera Lúcia Viana de Paes
Vulnerabilidade feminina na série
“Bom dia, Verônica”, sob o viés
de marcas avaliativas............................................................................ 219

CAPÍTULO 11
Samuel Parrela Braga
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Maria Clara Gonçalves Ramos
Vera Lúcia Viana de Paes
Multissemioses em post
publicitário da Skol Beats................................................................... 243

CAPÍTULO 12
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Vera Lúcia Viana de Paes
Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
Maria Cristina Ruas de Abreu Maia
O contexto de situação e de cultura
na tirinha de Calvin e Haroldo........................................................... 263

Sobre os autores..............................................................................279

Índice remissivo..................................................................................... 285


PREFÁCIO
PRÁTICA DE LEITURA, ESCRITA E
LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Este livro reúne, em capítulos, diferentes estudos que vêm
sendo desenvolvidos por pesquisadores que buscam contribuir
para a melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa e Literatura na Educação Básica. Dessa forma, as
pesquisas aqui apresentadas têm tanto um caráter teórico, como
também aplicado, e, sendo assim, apresentam arcabouços teórico-
metodológicos que poderão auxiliar na formação de professores de
Língua Portuguesa e Literatura para suas práticas de sala de aula.
Os capítulos apresentam diferentes discussões de pesquisadores
empenhados em ampliar o conjunto de pesquisas em linguagem. Os
leitores encontrarão, portanto, uma diversidade teórica peculiar da
área de Linguística e Literatura, sem faltar com o rigor metodológico
e os fundamentos científicos necessários. Os capítulos socializam
diversas experiências científicas em andamento ou concluídas,
voltadas para o aperfeiçoamento das práticas de linguagem,
demonstrando as dificuldades, os avanços e as contribuições para
a melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa e Literatura. Vale destacar que os estudos que compõem
este livro se voltam direta ou indiretamente para problematizações
de questões relacionadas à linguagem. Nesse sentido,
apresentam aos leitores alternativas para seus campos de atuação
demonstrando, dessa forma, serem muito importantes e necessários,
independentemente de sua temática, pois evidenciam a necessidade
de ações transformadoras em relação ao ensino e aprendizagem
de Língua Portuguesa e Literatura. Desse modo, alguns estudos,

SUMÁRIO 11
além do aparato teórico relacionado a aspectos da linguagem,
apresentam também um caráter propositivo, com abordagens
metodológicas a serem exploradas nas práticas de leitura, escrita
e literatura. Enfim, a publicação desta coletânea de estudos tem
como objetivo precípuo estabelecer comunicação entre os espaços
acadêmicos de pesquisa, os professores de Língua Portuguesa
e Literatura e a sociedade em geral. Para isso, as diferentes
abordagens são imprescindíveis no sentido de suscitarem propostas
eficazes e inclusivas para o ensino e a aprendizagem da Língua
Portuguesa e da Literatura.

Professora Doutora Liliane Pereira Barbosa (Unimontes)

Professora Doutora Maria Alice Mota (Unimontes)

SUMÁRIO 12
1
Lucimarly Tavares da Fonseca
Maria Alice Mota

A VARIAÇÃO DE USO
DOS PRONOMES ESTE E ESSE
NO PROCESSO DE REFERENCIAÇÃO
DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.1
RESUMO
O objetivo deste estudo é analisar a variação de uso dos pronomes este e
esse no processo de referenciação de textos argumentativos. Este estudo
se justifica porque possibilita ampliar o escopo dos estudos relacionados
à variação e o processo de referenciação. A pergunta que norteia este é
estudo é: os referidos pronomes, sejam nas suas formas puras, sejam nas
suas formas contraídas, em seu uso variável nos textos argumentativos,
cumprem a sua função referencial obedecendo ao critério normativo? A
nossa hipótese é que, no desempenho da sua função referencial nos tex-
tos argumentativos, esses pronomes são usados predominantemente com
função anafórica, ora obedecendo, ora desobedecendo ao critério norma-
tivo, independentemente do nível de escolaridade do escritor. O aporte teó-
rico-metodológico é feito seguindo os pressupostos da Sociolinguística
Variacionista. Quanto à metodologia, a pesquisa é de cunho bibliográfico
e exploratório, e a análise é de natureza quanti-qualitativa, nos termos de
Gil (2008), com a adoção dos seguintes procedimentos: i) aprofundamento
teórico; ii) composição do corpus, com 12 textos disponíveis em bancos
de dados virtuais; e iii) análise e discussão dos dados. Os resultados indi-
cam que os autores dos textos analisados, tendo em vista a articulação
dos argumentos, usam, de forma variável, os pronomes este e esse como
mecanismo referencial, ora com função anafórica (retomando um termo
já referido), ora com função catafórica (antecipando um termo a que se
vai referir), com predomínio de uso com função anafórica. A hipótese
levantada foi parcialmente confirmada, pois verifica-se, nesses usos, uma
variação entre os pronomes este e esse, na qual percebe-se, por vezes, a
ausência de rigor normativo que diferencie os contextos de uso de um ou
de outro pronome em suas formas puras ou contraídas. Percebe-se que os
autores dos textos, consciente ou inconscientemente, lançam mão desses
elementos para avançar e retroagir no eixo de sucessividade e retroativi-
dade em que o texto se vai organizando.
PALAVRAS-CHAVE: Pronomes demonstrativos. Referenciação. Sociolin-
guística. Textos argumentativos.

SUMÁRIO 14
INTRODUÇÃO
Os primeiros estudos sobre a linguagem humana remontam
à antiguidade clássica. Para os gregos a função da língua era
de refletir o pensamento e o conhecimento de mundo, e toda a
atividade entorno dela, centrava-se nas técnicas do discurso.
Dessa era ao final do século XIX tem-se o período dos estudos
linguísticos denominados pré-saussurianos. Nesse período os
estudos linguísticos ainda não contavam com um objeto de
estudo específico. Seguindo-se no tempo, chega-se ao período
denominado Saussuriano, no qual há plena divulgação das ideias
do mestre genebrino Saussure, as quais contribuíram para que a
linguística se constitui-se ciência, e o estruturalismo se estabelece
como corrente teórica, havendo, assim, uma dedicação maior
aos estudos da linguagem, a qual passa a ser objeto de estudo
da linguística. A publicação da obra póstuma Curso de Linguística
Geral (1916), contendo os pressupostos estabelecidos por Saussure
representa um marco desse período. Cumpre-nos ressaltar que
essas ideias foram fundamentais para a contínua evolução dos
estudos da linguagem no período posterior, o qual se denominou
pós-saussuriano. Nesse período o matemático e linguista Noam
Chomsky, com a corrente gerativista, traz novas ideias e novas
perspectivas para os estudos linguísticos, como a teoria inatista, que
concebe a capacidade inata do homem para a linguagem. Porém,
ainda nessa teoria, considera-se o caráter homogêneo da língua.
Contrapondo-se a essa ideia, surgem as correntes funcionalista e
Sociolinguística, as quais vão levar em conta, para análise, a língua
em uso nas diferentes situações comunicativas. Especificamente
a Sociolinguística vai defender veementemente a heterogeneidade
linguística motivada por fatores linguísticos e sociais, e é na esteira
dessa corrente que a pesquisa que aqui se propõe se desenvolve.

SUMÁRIO 15
Assim, a proposta, tomando por base pressupostos da
Sociolinguística, trata do tema da variação linguística tendo como
objetivo geral analisar a variação de uso dos pronomes este e esse no
processo de referenciação de textos argumentativos. Como objetivos
específicos, propomos, a saber: i) traçar um breve panorama histórico
sobre a evolução dos estudos linguísticos; ii) evidenciar os principais
pressupostos da Sociolinguística Variacionista; iii) explicitar
a abordagem de gramáticos sobre o emprego dos pronomes
demonstrativos este e esse; demonstrar a função dos pronomes
demonstrativos este e esse como elementos referenciais nos textos
argumentativos; e iv) caracterizar o tipo textual argumentativo.

Tomamos como hipótese que, no desempenho da sua função


referencial nos textos argumentativos, os pronomes este e esse são
usados predominantemente com função anafórica, ora obedecendo,
ora desobedecendo ao critério normativo, independentemente do
nível de escolaridade do escritor. Assim, a pergunta científica que
norteia esta pesquisa é: os referidos pronomes, sejam nas suas
formas puras, sejam nas suas formas contraídas, em seu uso variável
nos textos argumentativos, cumprem a sua função referencial
obedecendo ao critério normativo?

A fim de responder a essa pergunta e cumprir os objetivos


propostos, ancoramo-nos nos pressupostos teórico-metodológicos
da Sociolinguística Variacionista. Esta pesquisa também se
fundamentou nas abordagens de Bechara (2019), Cegalla (2010),
Cunha (2016), Criscuolo (2014), Cyranka (2014), Mollica (2015), Labov
(2008 [1972]), Fávero e Koch (1994), Marcuschi (2008), entre outros.

Quanto à metodologia, a pesquisa é de cunho bibliográfico e


exploratório, e a análise é de natureza quanti-qualitativa, nos termos de
Gil (2008), entre outros, com a adoção dos seguintes procedimentos:
i) aprofundamento teórico; ii) composição das amostras; iii) análise
dos dados; e iv) discussão dos resultados.

SUMÁRIO 16
A conclusão a que chegamos é que os autores dos textos
analisados, tendo em vista a articulação dos argumentos, usam, de
forma variável, os pronomes este e esse como mecanismo referencial,
ora com função anafórica (retomando um termo já referido), ora
com função catafórica (antecipando um termo a que se vai referir),
com predomínio de uso com função anafórica. Percebemos que
os autores dos textos, consciente ou inconscientemente, lançam
mão desses elementos para avançar e retroagir no eixo de
sucessividade e retroatividade em que o texto se vai organizando,
algumas vezes desobedecendo aos princípios normativos que
regem esses pronomes.

Este texto encontra-se estruturado da seguinte maneira: na


seção 1, apresentamos o aporte teórico da pesquisa. Na seção 2,
descrevemos a metodologia adotada para alcançar os objetivos. Na
seção 3, fazemos a análise dos dados e a discussão dos resultados
encontrados. Por fim, apresentamos as considerações finais e os
elementos pós-textuais.

1 REFERENCIAL TEÓRICO
Tendo em vista o objeto de estudo desta pesquisa, esta
seção será composta pelas seguintes seções: 1.1 Breve panorama
histórico dos estudos linguísticos, subdividida em duas subseções:
1.1.1 Os estudos pré-saussurianos e 1.1.2 Os estudos saussurianos
e pós-saussurianos; 1.2 A teoria Sociolinguística; 1.3 Os pronomes
demonstrativos na abordagem da gramática tradicional; 1.4 Os
pronomes como elementos de referenciação e coesão textual;
1.5 Os pronomes demonstrativos este e esse como elementos de
referenciação e coesão textual; e 1.6 Tipos e gêneros textuais.

SUMÁRIO 17
1.1 BREVE PANORAMA HISTÓRICO
DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS

1.1.1 Os estudos pré-saussurianos


Antes de a Linguística se constituir como ciência, nos termos
de Leite (2010), a língua mantinha relacionamento estreito com muitas
disciplinas do conhecimento científico e também do conhecimento
popular. Conforme afirma o autor, desde um passado remoto, o homem
já buscava formas de se comunicar por meio de trocas simbólicas
que possivelmente deram origem à linguagem, tal como ela é hoje.
O interesse pela compreensão do fenômeno linguístico pode ser
encontrado no mundo antigo por meio de mitos, lendas e ritos que são
comuns a várias culturas (como a origem do homem, a Torre de Babel,
entre outros). Por razões religiosas, os hindus foram, aparentemente,
os primeiros a empreender a tarefa linguística de preservar os escritos
sagrados do Vedas contra a falsificação. Entre os hindus, o gramático
Panini fez uma descrição minuciosa da língua falada entre seu
povo; essa descrição veio a ser descoberta nos fins do século XVII,
popularizando, entre os linguistas e filólogos, o estudo do Sânscrito.

Neves (2003) citado por Criscuolo (2014 p.18) pontua que,


por volta do século V a.C., surgem as primeiras investigações sobre
a natureza da linguagem. Entre os gregos, os estudos da linguagem
debruçavam-se sobre as relações dessa com os conceitos.
Investigava-se se a nomeação de um conceito por meio da língua era
tarefa puramente convencional, ou se havia entre palavras e conceitos
uma relação natural. A língua era vista como expressão do pensamento;
ou seja, toda atividade em torno da língua centrava-se nas técnicas do
discurso, que compunham a arte da retórica. Assim, estudar a língua
era mais um exercício de compreender o texto do que de analisar
propriamente a língua. Registra ainda a autora Criscuolo (2014) que,
no século II d.C., iniciaram-se as pesquisas relacionadas a fenômenos
sintáticos, com Apolônio Díscolo. Ressalta-se que a sintaxe era vista

SUMÁRIO 18
como o conjunto de regras que regem a síntese dos elementos que
constituem a língua. Já na Idade Média, tiveram destaque as pesquisas
em fonética de Donato (século IV d.C.), comparando o latim com o
grego, e os estudos de Prisciano (século V d.C.), que propôs a primeira
definição de sintaxe do Ocidente. As gramáticas desses autores foram
usadas como manuais de ensino durante toda a Idade Média, e os
estudos gramaticais que se seguiram tiveram como base essas obras.

Seguindo a linha temporal, Azevedo (2001) citado por Criscuolo


(2014) registra que,
no Renascimento (séculos XV a XVIII) começaram a
surgir gramáticas das línguas vernáculas (Gramática de la
lengua castellana, de Antonio de Nebrija, 1492; Gramática
da linguagem portuguesa, de Fernão de Oliveira, 1536;
a gramática de João de Barros, 1540), mas fortemente
inspiradas nas gramáticas clássicas de até então.
(AZEVEDO apud CRISCUOLO 2014, p. 20)

Acrescenta o autor que “o racionalismo dos séculos XVII


e XVIII reforçou a ligação entre a linguagem e o pensamento,
considerando 'abusos' ou 'imperfeições' tudo o que estivesse fora
dessa concepção de língua”.

Criscuolo (2014) ressalta que a história da língua enquanto


objeto científico, até o século XVIII, permite compreender o porquê
de um ensino de língua voltado para análise de sua estrutura, na
concepção de língua como “bom uso” e no apego à nomenclatura, já
que o mesmo procedimento das pesquisas serviria, posteriormente,
ao ensino. O autor entende que o arcabouço das pesquisas acerca da
língua até a consolidação da Linguística como ciência foi motivado
pela observação e descrição de um modelo escolhido (considerado
correto pelos estudiosos) e no estabelecimento de paradigmas.1 É a
partir do século XIX, apenas, que os estudos linguísticos começaram

1 O caráter normativo e purista da disciplina gramatical explica-se pelo fato de se admitir como
“correta” a língua usada pelos grandes escritores, ou seja, uma determinada variante da língua.

SUMÁRIO 19
a se desvincular da tradição gramatical e a desenvolver metodologias
próprias e mais específicas, encaminhando-se para a constituição
da Linguística Moderna. Passou-se a privilegiar a comparação
das línguas com o objetivo de deduzir os princípios gerais de sua
organização e encontrar um elemento comum que, talvez, explicasse
a natureza da linguagem. A gramática histórico-comparativa
ocupou-se, essencialmente, da investigação das unidades lexicais,
gramaticais e sonoras das línguas. É importante ressaltar que o
ensino da língua mantinha sua referência na tradição gramatical.

1.1.2 Os estudos saussurianos e pós-saussurianos


Para Cyranka (2014), no final do século XIX, ocorre a primeira
revolução científica em relação aos estudos linguísticos, já que o “corte
saussuriano constitui, sem dúvida, o período do estabelecimento da
ciência extraordinária, quando um novo paradigma foi encontrado.”
(CYRANCA, 2014, p. 173).

Assim, conforme a autora, Saussure, propõe a teoria


Estruturalista, cujos principais pressupostos são: a ideia de língua
como conjunto de signos, a descrição das línguas em detrimento
da significação e o estudo voltado para os aspectos essencialmente
linguísticos, ou seja, um conjunto de unidades que obedecem a certos
princípios de funcionamento, desconsiderando assim, o falante real.

No ano de 1960, com a publicação do curso de Linguística


Geral, obra póstuma de Saussure, a linguagem torna-se o objeto da
Ciência Linguística. Caracterizada como um projeto filosófico, a obra
de Saussure propõe as dicotomias, como língua e fala, sintagma
e paradigma, diacronia e sincronia, significante e significado,
as quais foram fundamentais para o embasamento de outras
teorias posteriores.

A seguir, Noam Chomsky traz uma nova teoria, o gerativismo,


que defende o inatismo, o qual admite a existência de uma gramática

SUMÁRIO 20
universal, inata e inerente a todo ser humano, o que, em relação à
teoria saussuriana é um grande avanço como explica Criscuolo (2014):
[...] um novo modelo de análise foi proposto pelo linguista
americano Chomsky (1957; 1965), na metade do século
XX: sua proposta mais elaborada, tinha por objetivo dar
conta de fenômenos dessa natureza, não explicados até
então. De acordo com Cervoni (1989), a principal crítica
de Chomsky aos estruturalistas foi a não consideração,
por parte destes, da criatividade como característica da
linguagem. (CRISCUOLO, 2014, p. 21)

No entanto, a própria Criscuolo (2014, p. 21) admite que


“Embora a abordagem de Chomsky pretendesse considerar aspectos
subjetivos da linguagem, mostrou-se também limitada,” já que o
estudo não levou em consideração diversos fenômenos da língua e
o seu funcionamento pragmático e discursivo.

E é com a pretensão de suprir essa lacuna que surge o


funcionalismo, que pressupõe o estudo da língua em uso, abarcando
a sua heterogeneidade tanto na oralidade quanto na escrita. Nesse
sentido, Criscuolo (2014) afirma que:
É, pois no paradigma funcionalista, cujas pesquisas tiveram
início também na primeira metade do século XX (mas
ganharam destaque somente após o questionamento das
propostas formalistas – especialmente do gerativismo),
que se encontram critérios para investigar a língua em
sua totalidade, desde a produção de um enunciado até
sua compreensão. (CRISCUOLO, 2014, p. 23)

Dessa forma, uma das características mais importantes dessa


corrente foi considerar a intenção presente no plano discursivo ao se
analisar gramaticalmente o contexto. Para Cyranka (2014), o interesse
da abordagem funcionalista é a análise dos recursos que os usuários
da língua utilizam para “exercer sua competência comunicativa”,
apoiando-se na funcionalidade das estruturas linguísticas.

SUMÁRIO 21
A partir da década de 1960, graças ao linguista William Labov,
os estudos da língua voltados para a perspectiva social se firmaram
definitivamente, o que permite o surgimento da Sociolinguística, teoria
que parte do princípio fundamental de que a língua é heterogênea, já
que, em toda comunidade, os falantes empregam modos diferentes
de se expressar, o que representa, segundo Cyranka (2014), “uma
qualidade específica do fenômeno linguístico que, além de seu
aspecto formal e estruturado, exibe essa outra faceta, a da variação” .

Por se tratar da teoria que fornece o aporte teórico para


este estudo, a seguir, foca-se, mais detalhadamente, nos principais
pressupostos dessa corrente linguística.

1.2 A TEORIA SOCIOLINGUÍSTICA


A teoria Sociolinguística representa uma ruptura significativa
em relação ao formalismo teórico de Saussure e Chomsky, pois ela
aborda a linguagem em uso na sociedade. Conforme Mollica (2015),
A Sociolinguística é uma das subáreas da Linguística e
estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala
[...] e ao estar inserida nas “comunidades de fala” o seu
espaço de estudo é interdisciplinar, já que tem como foco
“os empregos linguísticos concretos, em especial os de
caráter heterogêneo. (MOLLICA, 2015, p. 9).

Esse caráter heterogêneo da língua é um fator importante


para os estudos Sociolinguísticos, sendo considerada uma fonte
inesgotável. Labov (2008) afirma que:
Existe uma crescente percepção de que a base do
conhecimento intersubjetivo na linguística tem de ser
encontrada na fala — a língua tal como usada na vida
diária por membros da ordem social, este veículo de
comunicação com que as pessoas discutem com seus
cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus
inimigos. (LABOV, 2008, p. 13)

SUMÁRIO 22
Conhecida também como Teoria da Variação, a Sociolinguís-
tica Laboviana, tem como objeto de estudo a variação e a mudança
da língua dentro do contexto social, e essa variação é inerente a
todas as línguas, como bem explica Mollica (2015):
Todas as línguas apresentam um dinamismo inerente, o que
significa dizer que elas são heterogêneas. Encontram-se
assim formas distintas que, em princípio, se equivalem
semanticamente no nível do vocabulário, da sintaxe e
morfossintaxe do subsistema fonético, fonológico e no
domínio pragmático discursivo.” (MOLLICA, 2015, p. 9)

Isso quer dizer que a heterogeneidade faz parte da competência


linguística do falante e é uma propriedade da comunidade social na
qual ele está inserido. Diante dessa perspectiva, ao fazer a análise
da língua, observam-se os fatores linguísticos, como também os
fatores extralinguísticos.

Ao ser estudada no interior da comunidade de fala, verifica-se


que a língua perpassa por subconjuntos de falantes, nos quais
os falares denunciam os diferentes tipos de estratificação social.
Segundo Mollica (2015),
Numa perspectiva científica, cabe assinalar que todas
as manifestações linguísticas são legítimas e previsíveis,
ainda que existam flutuações estatísticas. Embora os
julgamentos de valor não se apliquem, os padrões
linguísticos estão sujeitos à avaliação social positiva e
negativa, nessa medida, podem determinar o tipo de
inserção do falante na escala social. (MOLLICA, 2015, p. 13)

Realmente, quando se percebe, por exemplo, a variação


morfofonológica em “nós vamos” para “nois vai”, pode existir um
levantamento qualitativo em relação a estratificação social, o que
muitas vezes leva à “estigmatização linguística e mobilidade social”,
que são temas importantes tratados pelos sociolinguistas como bem
postula Mollica (2015):

SUMÁRIO 23
Os estudos sociolinguísticos oferecem valiosa contri-
buição no sentido de destruir preconceitos linguísticos
e de relativizar a noção de erro, ao buscar descrever o
padrão real que a escola, por exemplo, procura desquali-
ficar e banir como expressão linguística natural e legítima.
(MOLLICA, 2015, p. 13)

Essa afirmação de Mollica é importante para que os


professores de Língua Portuguesa possam adotar uma postura
reflexiva em relação ao ensino de língua materna na escola, uma vez
que conceber a variação linguística é uma maneira de combater o
preconceito linguístico.

Além da dimensão qualitativa, como referida acima, a Teoria


da Variação trabalha também com a dimensão quantitativa, na qual
é preciso determinar a frequência do fenômeno, ressaltando que,
conforme Mollica (2015, p. 25), “O progresso da ciência linguística
não está nos números em si, mas no que a análise dos números
pode trazer para nosso entendimento das línguas humanas.”

As variações linguísticas são outro ponto de grande relevância


para a Sociolinguística, pois conforme já visto anteriormente, para a
Sociolinguística, existem diferentes formas de dizer a mesma coisa
com o mesmo valor de verdade, e esse caráter variável da língua
não está somente associado a mudanças fonológicas, como bem
postula essa autora:
Essa mudança de perspectiva se deveu também a
constatação, validado por análises empíricas de diferentes
fenômenos não fonológicos, de que nesses fenômenos
não se encontram com a mesma facilidade as correlações
entre os fatores sociais e as variáveis investigadas. Em
outras palavras, os fenômenos não fonológicos têm-se
mostrado menos sujeitos à influência dos fatores externos.
(MOLLICA, 2015, p .71)

Os outros fatores linguísticos de que trata Mollica (2015) são


as variáveis morfossintáticas, variáveis semânticas e as variáveis

SUMÁRIO 24
discursivas, sendo essa última a que contém o subtópico importante
para esta pesquisa que é os fenômenos relacionados à coesão textual.

Portanto, na perspectiva Laboviana, não se deve excluir


o estudo sistêmico da língua dos formalistas, mas é importante
considerar a variação linguística do falante dentro de um contexto,
e dar a ele as ferramentas linguísticas necessárias para se expressar
em ambientes cuja formalidade verbal é requerida.

1.3 OS PRONOMES DEMONSTRATIVOS NA


ABORDAGEM DA GRAMÁTICA TRADICIONAL
Cegalla (2010, p. 183) define os pronomes demonstrativos
como aqueles “que indicam o lugar, a posição ou a identidade dos
seres relativamente às pessoas do discurso” e através de exemplos
ele expõe que o pronome “este” é indicado para se referir a algo
que está próximo de quem fala, o pronome “esse” é indicado para se
referir a algo com quem fala. Portanto, esse autor apenas restringe os
usos desses demonstrativos para designar a posição do objeto em
relação à pessoa do discurso.

Já para Bechara (2019, p. 204), o conceito dos pronomes


demonstrativos vai além do seu uso espacial, já que, para ele “A posição
indicada pelo demonstrativo pode referir-se ao espaço, ao tempo
(demonstrativos dêicticos espaciais e temporais) ou ao discurso
(demonstrativo anafórico).” Ao contrário de Cegalla, Bechara (2019, p.
206) atentou-se para o falante real, quando explica que “No discurso,
quando o falante deseja fazer menção ao que ele acabou de narrar
(anáfora) ou ao que vai narrar (catáfora), emprega-se este (e flexões)”.

Advém afirmar que esse autor reconhece a existência de


uma “situação embaraçosa” quando o falante usa o pronome este de
maneira anafórica, quando deveria, pela norma, usar o dêitico esse.
Dessa forma, Bechara (2019) pontua que:

SUMÁRIO 25
Há situações embaraçosas para o emprego do demons-
trativo anafórico, isto é, aquele que se refere a palavras
ditas ou que se vão dizer dentro do próprio discurso (catá-
fora). Ocorre o caso, por exemplo, nas referências a enun-
ciados anteriores que envolvem afastamento da 1 pessoa
ou ao tempo em que se fala. Nestes casos, geralmente,
prevalece a preferência para nossas próprias palavras,
aparecendo, assim, o anafórico este (e flexões) em lugar
do dêictico esse (e flexões): (BECHARA, 2019, p. 206)

Portanto, não só admite o uso variável dos pronomes este e


esse, como também que seus usos, muitas vezes, não obedecem aos
critérios até então prescritos.

Já Cunha (2016, p. 342) estabelece como características dos


pronomes demonstrativos situar a pessoa ou o objeto no espaço
ou no tempo, e “empregam-se também para lembrar ao ouvinte ou
ao leitor o que já foi mencionado ou o que se vai mencionar.” Além
dessas duas características, Cunha (2016, p. 346) apresenta alguns
empregos desses mesmos pronomes demonstrativos:
Este, esta, isto para chamar a atenção sobre o que vai
dizer ou o que foi dito. Esse, essa, isso para aludir o que
foi mencionado antes. Esse, essa, isso para referir sobre o
que foi dito pelo interlocutor. Nisto, quando tiver o sentido
de “então”, “nesse momento”. (CUNHA (2016, p. 346)

Como se verifica, os gramáticos concordam quanto ao uso


variável dos pronomes esse e este, mas quanto às normas de uso,
verifica-se uma certa divergência em relação ao emprego diferenciado
desses pronomes. Há também uma escassez de explicações do
uso desses pronomes como elementos importantes e responsáveis
pela coesão dos textos construídos, o que leva o usuário a tentar,
intuitivamente, preservar a distinção de uso das duas formas.

SUMÁRIO 26
1.4 OS PRONOMES COMO ELEMENTOS
DE REFERENCIAÇÃO E COESÃO TEXTUAL
A organização e a coesão de um texto dependem de alguns
processos entre os quais se encontra a referenciação que, segundo
Fávero (1994) pode ser situacional (algo que está fora do texto) ou
textual (dentro do texto).

Na referência textual, Fávero e Koch (1994) assinalam três


tipos quando diz:
Existe a referência pessoal, feita por meio da categoria
pessoa do discurso, representada pelos pronomes pes-
soais e possessivos; a referência demonstrativa, efetu-
ada através da situação, numa escala de proximidade
pelo uso dos pronomes demonstrativos e adverbiais
indicativos de lugar, e a referência comparativa, que se
faz por via indireta, através de identidades ou similares.
(FÁVERO; KOCH, 1994, p. 39)

Fávero e Koch (1994) destacam que a relação coesiva pode


ser estabelecida por meio da anáfora, quando um item anafórico pode
fazer referência a um elemento ou a todo o enunciado anterior, ou por
meio da catáfora, quando um elemento coesivo pode fazer referência
a um elemento ou a todo o enunciado posterior. As autoras pontuam
que se esses elementos de coesão forem aplicados de maneira
inadequada no texto, podem comprometer a interpretabilidade do
mesmo. Mollica (2015) corrobora com Fávero e Koch quando diz:
“pode-se falar em coesão quando a interpretação de algum elemento
do discurso é dependente da de outro; um pressupõe o outro,
no sentido de que o item em questão não pode ser efetivamente
decodificado a não ser por recurso ao outro.” (MOLLICA, 2015, p. 107).

O que se observa é que as gramáticas, mesmo sendo um


item indispensável ao exercício de professor de língua Portuguesa
em sala de aula, não deve ser o único instrumento de apoio, visto que

SUMÁRIO 27
sua análise é predominantemente frasal, o qual não permite que se
estabeleça a compreensão da importância dos elementos coesivos
na estrutura textual.

1.5 OS PRONOMES DEMONSTRATIVOS


ESTE E ESSE COMO ELEMENTOS REFERENCIAIS
Os pronomes demonstrativos este e esse, assim como os
outros pronomes, conectam, de forma lógica, as palavras ou frases
na construção de um texto, pois ajuda o escritor a evitar repetições
desnecessárias como também não perder a noção de conjunto que
os enunciados estabelecem com o texto.

Entre os vários tipos de elementos coesivos, Ingedore Koch


(2002) elenca três tipos que se destacam, o primeiro é a coesão
lexical, em que, numa sequência parafrásica um novo sentido
vai ser agregado à palavra que está sendo repetida. O segundo é
a coesão sequencial, em que se procura estabelecer as relações
semânticas ou pragmáticas na medida em que o texto avança, e
por último a coesão referencial, cuja característica é a de retomar
elementos linguísticos que estão na superfície textual. Esse último é
o destaque desse capítulo.

Para dar sequência à escrita deste tópico, é preciso esclarecer


que o elemento de coesão fórico é um termo usado com a finalidade
de se evitar a repetição, e ele pode ser anafórico, quando um termo
resgata um elemento ou uma ideia dita anteriormente, exemplo:
Canetas, lápis e gizes: foram essas as mercadorias que chegaram.
Pode ser catafórico, o qual se refere à um termo ou ideia que ainda
será apresenta, exemplo: Acabo de receber estas mercadorias:
canetas, lápis, gizes. Pode ser, por fim, o referente, o qual trata dos
termos em que o elemento anafórico e/ou catafórico se refere.
Retomando os dois exemplos acima, o referente do qual se trata os
pronomes estas e essas são os substantivos canetas, lápis e gizes.

SUMÁRIO 28
Lembrando que o referente nem sempre é uma palavra, mas pode
ser uma oração ou até mesmo uma ideia.

Tratando-se ainda da coesão referencial, segundo Ingedore


Koch (2012) a referência pode ser exofórica ou endofórica como
mostra a figura a seguir:

Figura 1 – Referências Exofóricas e Endofóricas

Fonte: Koch (2012, p. 19)

Nota-se que a recuperação dos elementos poderão estar


dentro ou fora do texto. A autora denomina exóforas as referências
situacionais e endóforas as que precedem e as que seguem, ou
seja a primeira ocorre quando a remissão é feita a algum elemento
da situação comunicativa, quando o referente está fora do texto, e
a segunda quando o referente se acha expresso no próprio texto.
Assim, se o referente precede o item coesivo, tem- se a anáfora; se
vem após ele, tem-se a catáfora.

1.6 GÊNEROS E TIPOS TEXTUAIS


Por meio de diversos gêneros textuais que o ser humano,
através da língua, interage com o outro e realiza as tarefas
comunicativas no espaço do trabalho, da escola e nos grupos
sociais que frequenta. Em toda a sua vida escolar, o estudante é
estimulado a fazer uso de gêneros pertinentes a esse meio, visto

SUMÁRIO 29
que o domínio discursivo da comunidade ao qual integra lhe garante
êxito discursivo. Conforme Bakhtin,
Todos os diversos campos da atividade humana estão
ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfei-
tamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão
multiformes quanto os campos da atividade humana, o
que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma lín-
gua. O emprego da língua efetua-se em forma de enun-
ciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos
pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade
humana. (BAKHTIN, 2003, p. 261)

De acordo com Koch (2013, p. 113), “A noção de gêneros


textuais é respaldada em práticas sociais e saberes socioculturais,
porém os gêneros podem sofrer variações em sua unidade temática,
forma composicional e estilo”. Sendo assim, os mais variados
gêneros devem ser estudados conforme suas características
próprias. Conforme Marcuschi:
Os gêneros textuais são os textos que encontramos em
nossa vida diária e que apresentam padrões socioco-
municativos característicos definidos por composições
funcionais, objetivos enunciativos e estilos concreta-
mente realizados na integração de forças históricas.
(MARCUSCHI, 2008, p. 155)

Dessa maneira, o autor considera a interdisciplinaridade


dos estudos dos gêneros, não como modelos de estruturas rígidas,
mas como elementos culturais que quando realizadas no modo
particular da linguagem torna-se dinâmica. Por outro lado, tem-se o
tipo textual, que ao contrário dos gêneros textuais, estabelecem uma
categorização na estrutura dos textos, com objetivo e finalidade, ou
seja, é a forma como os textos se apresentam. Segundo Marques
(2015) o tipo textual se relaciona com a composição linguística
e essa se estabelece perante certas estruturas sintáticas, modos
verbais, classes gramaticais, que são combinadas de acordo
com a intencionalidade.

SUMÁRIO 30
A seguir, a figura 2, no qual Nicola (2006), citado por Marques
(2015, p. 12) caracteriza os tipos textuais em narrativo, descritivo,
argumentativo, explicativo ou expositivo, instrucional ou injuntivo.

Figura 2 - Tipos Textuais

Fonte: Nicola (2006) citado por Marques (2015, p. 12).

Os textos que compõem as amostras constituídas para análise


neste trabalho são do tipo argumentativo, uma vez que se trata de
redações elaboradas por candidatos ao ENEM de 2019 e resumos
expandidos publicados nos Anais do Fepeg 2019 da Unimontes

2 METODOLOGIA
Nesta seção, será apresentada a metodologia usada para
desenvolver este estudo, tendo em vista os objetivos, as hipóteses e

SUMÁRIO 31
as perguntas científicas formuladas. Assim, a descrição será feita em
duas subseções: 2.1 Princípios metodológicos; e 2.2 Procedimentos
metodológicos, esta é dividida em outras três subseções: 2.2.1
Composição do corpus; 2.2.2 Análise dos dados; e 2.2.3 Tratamento
estatístico dos dados.

2.1 PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS


Esta pesquisa é de cunho bibliográfico, exploratório e quanti-
qualitativa. Segundo Gil (2008), a pesquisa exploratória possui um
teor investigativo amplo com o objetivo de proporcionar uma visão
geral sobre o tema escolhido. Portanto, de início para a realização
desta pesquisa, foi feita uma busca investigativa sobre os estudos
já realizados do tema proposto, além de consultar sobre os teóricos
que tratam do assunto, o que caracteriza também o tipo bibliográfico.

É uma pesquisa quanti-qualitativa, pois procura fazer


um levantamento quantitativo das ocorrências dos pronomes
demonstrativos este e esse no corpus, o que permite comparar e
analisar os dados obtidos. Na esteira de Gil (2008, p.13) “Quantidade
e qualidade são características imanentes a todos os objetos
e fenômenos e estão inter-relacionados. Portanto, os termos
quantitativos e qualitativos não se opõem, mas se complementam.

2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.2.1 Composição do corpus


Para a realização desta pesquisa, foram selecionados 12 textos
argumentativos, sendo seis redações de alunos nota mil no ENEM de
2019, retirados da Cartilha do Participante a Redação no ENEM (2020)
e seis resumos expandidos publicados no Fepeg Unimontes (2019),

SUMÁRIO 32
selecionados de maneira aleatória, sem discriminar o curso. O motivo da
escolha de duas amostras de escritores de níveis escolares diferentes
se deve à intenção de também verificar as possíveis diferenças no
uso variável dos pronomes estudados nos textos que compõem as
duas amostras. Deve levar em conta que tanto as redações quanto os
resumos expandidos passaram por revisões linguísticas, isso leva a
crer, teoricamente, que o índice maior de emprego desses pronomes
está adequado à norma gramatical.

2.2.2 Análise dos dados


No primeiro momento, em cada uma das amostras, foram
destacadas as ocorrências dos pronomes demonstrativos este e
esse, que foram subcategorizados da seguinte maneira: a) pronomes
puros; e b) contrações de pronomes.

Em seguida, procedeu-se à análise quantitativa dos dados,


tendo em vista a categorização e a subcategorização feitas.

2.2.3 Tratamento estatístico dos dados


Após a quantificação dos dados em números absolutos
procedeu-se aos cálculos percentuais de acordo com a categorização
e subcategorização anteriormente referidas.

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO
DOS RESULTADOS
Na presente seção, serão feitas as análises quanti-qualitativa
das ocorrências dos pronomes este e esse, nas duas amostras, a
saber: nos resumos expandidos FEPEG (2019) e nas redações
do ENEM (2019). Para alcançar esse intento, essa análise será

SUMÁRIO 33
dividida em duas etapas, conforme as subseções 3.1 Ocorrência dos
pronomes este e esse nos resumos expandidos publicados nos Anais
do FEPEG da Unimontes (2019); e 3.2 Ocorrências de pronomes este
e esse nos textos argumentativos do ENEM (2019).

3.1 OCORRÊNCIAS DOS PRONOMES ESTE E ESSE


NOS TEXTOS ARGUMENTATIVOS DO ENEM (2019)
Na análise da amostra composta pelos textos argumentativos
do ENEM de 2019, verificou-se a ocorrência total de 53 pronomes
demonstrativos, puros e em contração. Vejam na sequência, a
distribuição das formas puras na amostra:

A tabela 1 mostra o número de ocorrências dos pronomes


demonstrativos este e esse, na forma pura, que foram encontrados
nos textos argumentativos do ENEM (2019).

Tabela 1 - Ocorrências de pronomes puros este e esse nas redações do ENEM (2019)
Pronomes demonstrativos N.º absoluto %
Pronome puro esse 24/53 45,28
pronome puro este 1/53 1,89
Fonte: As autoras, 2022.

Conforme se verifica, a tabela 1 mostra que os candidatos


usam, na maioria das vezes, o pronome esse (45,28% do total), quando
isso ocorre, seu uso é anafórico, conforme os exemplos a seguir:

1. Isso pode ser feito por meio de uma associação entre prefei-
turas, governadores e setores federais – já que o fenômeno
envolve todos esses âmbitos administrativos [...] (C1)

2. “Sob essa perspectiva, nota-se que a falta de democratiza-


ção do acesso ao cinema gera exclusão social das camadas
menos favorecidas e impede que elas possam usufruir de
seus direitos.” (C3)
SUMÁRIO 34
É importante destacar que essas formas puras também foram
usadas de maneira anafórica pelos candidatos C2, C4, C5 e C6.

Constatou-se apenas uma ocorrência do pronome


demonstrativo este, o qual representa 1,89% dos casos, que também
foi usado de maneira anafórica, tendo como referente “o sistema de
mercantilização do lazer” conforme o trecho a seguir:

3. “Em um mundo marcado pelo capitalismo, é comum que,


cada vez mais, seja fortalecido o sistema de mercantilização
do lazer, ou seja, este passa a ser vendido por empresas em
forma de mercadoria.” (C3)

O gráfico 1, a seguir, ilustra os resultados encontrados para


melhor visualização.

Gráfico 1 – Distribuição das ocorrências dos pronomes


puros este e esse nas redações do ENEM 2019

Fonte: As autoras, 2022.

O gráfico 1 deixa claro a significativa diferença entre os usos


dos pronomes puros este e esse na amostra das redações do ENEM

SUMÁRIO 35
(2019), no processo de referência endófora (textual) e anafórica (ao
que precede), conforme Koch (2012).

Seguindo, a tabela 2 mostra o número de ocorrências das


contrações dos pronomes este e esse nos textos analisados.

Tabela 2 - Ocorrências dos pronomes demonstrativos este e esse em contração nas


redações ENEM (2019)
Pronomes em contração N.º absoluto %
Forma desse 19/53 35,85
Forma deste 0/53 0,00
Forma nesse 9/53 16,98
Forma neste 0/53 0,00
Fonte: As autoras, 2022.

No que diz respeitos às contrações, o uso do pronome desse


representa 35,85% dos casos, e o pronome neste apenas 16,98%. Nas
redações analisadas, não houve ocorrências dos pronomes deste e
neste. Todos os usos indicados na tabela 2 tiveram função anafórica,
conforme mostram os exemplos a seguir:

4. De início, tem-se a noção de que a Constituição Federal


assegura a todos os cidadãos o acesso igualitário aos meios
de propagação do conhecimento, da cultura e do lazer.
Porém, visto que os cinemas, materialização pública desses
conceitos, concentram-se predominantemente nos espaços
reservados à elite branca. (C6)

5. Dessa forma, o cinema no Brasil torna-se um ambiente


elitizado. (C1)

6. Nessa linha de raciocínio, é fundamental ressaltar que a


urbanização tardia e a constante gentrificação de espaços

SUMÁRIO 36
citadinos brasileiros são responsáveis pela permanência de
costumes elitistas. (C2)

O gráfico 2, a seguir, ilustra o resultado desses usos.

Gráfico 2 – Distribuição das ocorrências dos pronomes este e esse em contração nas
redações ENEM 2019

Fonte: As autoras, 2022.

O gráfico 2 permite-nos verificar com clareza que o uso do


pronome esse continua predominando nas formas contraídas e em
função endófora e anafórica, nos termos de Koch (2012).

De acordo com as tabelas e os gráficos acima ficou


demonstrado que o uso do pronome puro esse e suas contrações
nesse e desse possui maior expressividade nas escolhas conectivas
dos escritores das redações analisadas do ENEM (2019).

Cumpre-nos ainda ressaltar que, nas redações analisadas,


não houve ocorrência de uso do pronome este nas suas formas em
contração deste e neste em desacordo com os princípios ditados
pela gramática normativa, nos termos de Bechara (2019), Cegalla
(2010) e Cunha (2016).

SUMÁRIO 37
3.2 OCORRÊNCIAS DOS PRONOMES ESTE E ESSE
NOS RESUMOS EXPANDIDOS DO FEPEG (2019)
Na análise da amostra dos resumos expandidos do FEPEG
(2019), verificou-se a ocorrência total de 98 pronomes demonstrativos
esse e este, puros e em contração. Vejam a seguir, a distribuição
dessas formas na referida amostra:

A tabela 3 mostra as ocorrências dos pronomes demonstrativos


puros este e esse presente nos resumos expandidos, do FEPEG (2019).

Tabela 3 - Ocorrência dos pronomes demonstrativos puros


este e esse nos resumos expandidos FEPEG (2019)
Pronomes demonstrativos N.º absoluto %
Pronome puro esse 26/98 26,53
Pronome puro este 21/98 21,43
Fonte: As autoras, 2022.

Como bem mostra a tabela 3, a ocorrência maior é do


pronome demonstrativo puro esse, que corresponde a 26,53% do
total. Diferentemente da amostra das redações do ENEM (2019),
nesta amostra dos resumos expandidos, verificamos a ocorrência do
pronome esse ( e flexões) em desacordo com os princípios ditados
pela gramática normativa, conforme se verifica nos exemplos a seguir.

Os processos de marginalização social ocorrem por meio de


diversos fatores, com isso esse trabalho tem como foco a exclusão
do sujeito [...](R3)

Veja-se que o escritor faz referência ao próprio trabalho como


sendo “esse” trabalho, quando o emprego deveria ser “este Trabalho”.

Veja-se outro exemplo desse uso:

SUMÁRIO 38
7. Essa pesquisa é de caráter bibliográfico e de cunho descriti-
vo-analítico, onde analisaremos a personagem D. Madalena
a partir de trechos da obra, sob perspectiva da mulher inse-
rida no séc. XIX. (R5)

Verifica-se, no exemplo, o uso do pronome “essa” para


se referir à própria pesquisa, quando o emprego deveria ser
“esta pesquisa”.

Verificamos também, na amostra dos resumos expandidos,


o uso do pronome demonstrativo esse (e flexões) como um recurso
catafórico ao invés de anafórico, conforme se vê no exemplo seguinte:

8. A terra que é essa cor ocre, que são os traços tortos,


ondulados, que é a vida[...] (R4)

Vejamos, a seguir, o gráfico 3, que, para maior clareza,


ilustra os usos dos pronomes este e esse puros, na amostra dos
resumos expandidos

Gráfico 3 - Distribuição das ocorrências dos pronomes puros este e esse nos
resumos expandidos FEPEG 2019

Fonte: As autoras, 2022.

SUMÁRIO 39
Comparando os dados tabelas 1 e 3 e as ilustrações dos
gráficos 1 e 3, observa-se que os candidatos ao ENEM tendem a
fazer maior uso do pronome puro esse que os escritores da amostra
dos resumos expandidos, já que nesses últimos houve maior
equilíbrio no emprego dos referidos pronomes puros. Quanto ao
referente, verificamos que houve o predomínio da anáfora em
detrimento da catáfora, resultado também encontrado na amostra
das redações do ENEM (2019).

A seguir, a tabela 4 mostra o número de ocorrências das


contrações dos pronomes demonstrativos esse e este nos resumos
expandidos analisados.

Tabela 4 - Contração dos pronomes demonstrativos este e esse nos resumos


expandidos FEPEG (2019)

Pronomes demonstrativos N.º absoluto %


Forma desse 18/98 18,37
Forma deste 12/98 12,24
Forma nesse 12/98 12,24
Forma neste 09/98 9,18
Fonte: As autoras, 2022.

Conforme mostra a tabela 4, o pronome em contração desse


teve um número maior de ocorrências, representando 18,37% dos
casos, e seu uso é predominantemente com função anafórica, como
se vê no exemplo a seguir:

9. Frente ao exposto, a equipe elaborou uma estratégia


de intervenção que possibilitasse o acompanhamento/
matriciamento dos casos, diminuindo o encaminhamento
desordenado e aumentando o índice de resolutividade,
desse modo foi pensado o Apoio Matricial Interno [...] (R2)

SUMÁRIO 40
No caso das contrações dos pronomes demonstrativos
analisados, as formas nesse e deste tiveram a segunda maior
ocorrência. Na maioria das vezes, a forma nesse foi usada com função
anafórica cujo referente é uma ideia, conforme os exemplos a seguir:

10. Nessa perspectiva propõe-se uma reflexão a respeito da


exclusão social[...] (R3)

11. Nesse espectro, a APS oferta desde a promoção de saúde,


prevenção de doenças[...] (R2)

Todavia, houve um caso em que o pronome nesse foi usado


com função catafórica e não anafórica, conforme (KOCH, 2012),
como se verifica no exemplo a seguir:

12. Nesse contexto de cultura discriminatório racial, a figura


feminina negra ficou estigmatizada, estereotipada [...] (R1)

A forma do pronome em contração deste, que teve um


índice de 12,24% dos casos, também se limitou à função referencial
anafórica, conforme mostram os exemplos a seguir:

13. Diante deste cenário, Madalena encontra-se como uma


mulher adultera e sua filha passa a ser uma bastarda, fruto
de seu pecado[...] (R5)

14. Dentro deste contexto, a Unidade Básica de Saúde


(UBS) [...] (R2)

15. Para tanto realizamos a análise do conteúdo destas


composições com o objetivo de identificar as influências que
estes estudantes receberam[...] (R6)

A forma neste, com 9,18% dos casos, foi empregada para


se referir ao próprio trabalho ou parte da pesquisa, e também
para retomar uma ideia que pode ser comprovada a seguir, como
mostram os exemplos:

SUMÁRIO 41
16. [...] nesta pesquisa, para fins metodológicos, não nos detemos
nos processos narrativos ou conceitos, que se significam a
partir da posição corporal dos participantes[...] (R1)

17. [...] será chamada nesta parte da análise de participante


representada, pois ela compõe a temática imagético-comu-
nicacional na capa da revista em que está estampada[...] (R1)

18. Neste contexto, Souza (2016) assegura que os autores das


Jornadas de junho foram a fração moralista e conservadora
da classe média[...] (R6)

O gráfico 4, a seguir, ilustra como foram distribuídos os


pronomes este e esse nas formas contraídas deste, desse, neste e nesse.

Gráfico 4 - Distribuição das ocorrências dos pronomes em


contração nos resumos expandidos FEPEG 2019

Fonte: As autoras, 2022.

Ao observar as tabelas 2 e 4 e os gráficos 2 e 4 percebe-se


que nas redações analisadas dos candidatos ao ENEM existe a
opção maior pelo pronome em contração desse que supera em mais
de 50% o uso do pronome em contração nesse. Observa-se pelo
gráfico 4, nos resumos expandidos, que o total de ocorrências entre
os pronomes este e esse, em contração, tem seu uso de maneira
mais equilibrado, não apresentando tanta discrepância em relação

SUMÁRIO 42
ao gráfico 2 das redações dos candidatos ao ENEM (2019). É
interessante notar que assim como na quase inexpressividade do
pronome puro este nas redações analisadas, não houve a escolha
pelos pronomes em contração deste e neste. Esse mesmo fenômeno
não ocorre com os resumos expandidos, visto que eles apresentam
uso diversificado das formas em contração dos referidos pronomes.

Cumpre-nos assinalar que, enquanto nas redações dos


candidatos ao ENEM (2019) não se verificaram usos dos pronomes
este e esse e suas formas contraídas em desacordo com as regras
ditadas pela gramática normativa (BECHARA, 2019; CEGALLA, 2010;
CUNHA, 2016), nos resumos expandidos, cujos escritores pertencem
a um nível de escolaridade mais avançado, verificam-se casos em que
não se obedeceu às referidas regras, deixando claro que o nível de
escolaridade não é um fator motivador para o emprego dos referidos
pronomes de acordo com os ditames da gramática normativa.

A seguir, apresentamos as nossas considerações finais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta pesquisa é analisar a variação de uso dos
pronomes este e esse no processo de referenciação de textos argu-
mentativos, partindo da hipótese de que, no desempenho da sua fun-
ção referencial nos textos argumentativos, esses pronomes são usa-
dos predominantemente com função anafórica, ora obedecendo, ora
desobedecendo ao critério normativo, independentemente do nível
de escolaridade do escritor. Teórica e metodologicamente esta pes-
quisa se embasa nos pressupostos da Teoria Sociolinguística Variacio-
nista. O corpus foi constituído por duas amostras, totalizando 12 textos
argumentativos, sendo seis redações escritas no ENEM (2019) e seis
resumos expandidos apresentados no FEPEG (2019) da Unimontes.

SUMÁRIO 43
A análise quanti-qualitativa permitiu-nos verificar que os
autores dos textos das duas amostras analisadas, tendo em vista a
articulação dos argumentos, usam, de forma variável, os pronomes
este e esse e suas contrações como mecanismo referencial, ora com
função anafórica (retomando um termo já referido), ora com função
catafórica (antecipando um termo a que se vai referir), com predomínio
de uso com função endófora anafórica, nos termos de Koch (2012).

Percebemos que os autores dos textos, consciente ou


inconscientemente, lançam mão desses elementos para avançar e
retroagir no eixo de sucessividade e retroatividade em que o texto
se vai organizando, algumas vezes desobedecendo aos princípios
normativos que regem esses pronomes.

Chama-nos a atenção o fato de não se constatarem, nas


redações dos candidatos ao ENEM (2019), portanto, do nível médio,
uso dos pronomes este e esse e suas formas contraídas em desa-
cordo com as regras ditadas pela gramática normativa. Já nos resu-
mos expandidos, cujos escritores pertencem a um nível de escola-
ridade mais avançado, verificam-se casos em que não se obedeceu
às referidas regras, ficando claro que o nível de escolaridade não
é um fator motivador para o emprego dos referidos pronomes de
acordo com as normas da gramática. Consideramos que a variação
de uso desses pronomes tendo em vista a prescrição da gramática
normativa tratar-se de uma variação não estigmatizada, já que esses
resumos expandidos passam por revisão linguística antes se serem
publicados. Caso esse uso em desacordo com as normas fosse
estigmatizado, certamente não se faria presente nesse tipo de texto,
em que o uso do registro formal é obrigatório.

REFERÊNCIAS
BAKTHIN,M. M. O problema dos gêneros discursivos. In: Estética da criação verbal.
Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes. 2003.

SUMÁRIO 44
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https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/avaliacoes_e_exames_
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Acesso em: 01 ag. 2022.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães et al. (org.). Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003.
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CEGALLA, Domingos Paschoal. Novissíma Gramática da Língua Portuguesa. 48. ed.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2010.
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influência no ensino da língua. São Paulo: Editora Unesp, 2014. 12 f. Disponível em: https://
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CYRANKA, Lucia F. Mendonça. Evolução dos estudos linguísticos. Revista Práticas de
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FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore G. Villaça. Linguística Textual: uma introdução.
3. ed. São Paulo: Cortez, 1994.
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produçoes literárias estudantis de uma escola pública baiana. Montes Claros:
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FEPEG, 13., 2019, Montes Claros. A experiência da residência multiprofissional em saúde


dsas família com o matriciamento em saude mental: uma estratégia possível na
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SUMÁRIO 45
FEPEG, 13., 2019, Montes Claros. A opressão feminina do seculo XIX representada
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Disponível em: http://www.fepeg2019.unimontes.br/anais/7df9c663-8256-4b70-945f-
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identidade negra em uma capa da revista “Raça Brasil”. Montes Claros: Unimontes,
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KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto.
São Paulo: Contexto, 2013.
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392 p. Tradução de Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso.
LEITE, Jan Edson Rodrigues. Fundamentos de linguística. 2010. Disponível em: https://
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textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
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MOLLICA, Maria Cecilia; BRAGA, Maria Luiza(orgs.). Introdução à Sociolinguística:
o tratamento da variação. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2015. 200 p.

SUMÁRIO 46
2
Wenis Vargas de Carvalho
Raquel Maria Cardoso Pedroso
Fernanda de Fátima Maciel

ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA
DO FATOR IDADE DA LÍNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS ATRAVÉS
DE UMA TIRINHA

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.2
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar aspectos relacionados
às variações linguísticas da Libras, tendo como pressuposto a idade
dos participantes surdos sinalizantes. A partir de uma charge com uma
sequência de cenas, tivemos como questão problema como o fator idade
poderia influenciar na interpretação e sinalização da tirinha. Este trabalho
surgiu a partir de uma atividade proposta na disciplina de sociolinguística
do curso de Licenciatura em Letras Libras da UFSC no ano de 2020. A pes-
quisa está fundamentada a partir das perspectivas de Mccleary (2009) e
Labov (2008) que destacam sobre diferentes fatores como a idade, sexo,
nível cultural, entre outras dimensões possíveis que corroboram a variação
linguística desses falantes da Libras. O estudo é de cunho sociolinguístico
variacionista, pois, como explica Silva (2020), buscamos observar elemen-
tos do uso da língua do cotidiano. Para coleta dos dados, o formulário foi
enviado para surdos de diferentes estados através das redes sociais. A
pesquisa contou com a participação de sete surdos, sendo três do sexo
feminino e quatro do sexo masculino, com idade entre 20 (vinte) e 40 (qua-
renta) anos que apresentaram sinalizações distintas para a charge que na
sequência se referia MAGALI, MELANCIA, SUGAR/COMER, SAIR/IR/EMBORA
e SURPRESA. Os vídeos enviados pelos participantes foram transcritos e
analisados, possibilitando a identificação das variações linguísticas. Além
disso, foi observada também a variação na estrutura sintática da Libras,
algumas muito próximas da estrutura sintática do português, fato que
pode ser uma característica linguística do participante ou por influência
do direcionamento da sinalização.
Palavras-chave: Variação linguística. Fator idade. Tirinha. Libras.

SUMÁRIO 48
INTRODUÇÃO
Variações ocorrem em todas as línguas humanas, por mais que
tentem estabelecer padrões linguísticos. Essas variações, sejam em
línguas orais ou sinalizadas, são em grande parte sistemáticas; como
afirmam Pizzio, Rezende e Quadros (2010, p. 11). Segundo as autoras,
Esses fatores sociais que condicionam a variação são os
mesmos para línguas faladas e sinalizadas, como região,
idade, sexo, classe socioeconômica, etnia; outros fatores
parecem ser específicos da variação das línguas de sinais,
tal como a linguagem utilizada em casa, os sinais caseiros,
entre outros. (PIZZIO, REZENDE, QUADROS, 2010, p. 11)

Esta pesquisa, em especial, procurou indícios da variação


por idade nos vídeos captados por meio de formulário de pesquisa
Google Forms, para registrar esse evento em língua de sinais. No
entanto, além das dificuldades do distanciamento imposto pela
situação pandêmica que estamos vivenciando, problemas no
convencimento da participação na pesquisa de surdos conhecidos
nossos, percebemos que identificar a variação do fator idade não
era tarefa fácil e precisaríamos de uma quantidade muito maior de
participantes na pesquisa. Ingenuamente, acreditávamos que seria
fácil, que teríamos muitas participações; mas a realidade se mostrou
contrária, e coletamos frustrações.

Ao final, apesar dos entraves, conseguimos um total de sete


participantes efetivos, que enviaram o vídeo solicitado, possibilitando
assim uma análise e conclusão deste trabalho.

SUMÁRIO 49
REFERENCIAL TEÓRICO
A língua é um organismo vivo e compõe a história de cada
pessoa. Afinal, quando uma pessoa fala, traz “impressa” em sua fala
muitas informações. É possível, muitas vezes, descobrir a procedência,
o nível cultural, o sexo, a idade. O que possibilita essa identificação
são as escolhas de vocabulário, a entonação, o sotaque, o uso de
expressões regionais, a estrutura gramatical (MCCLEARY, 2009, p. 44).

A variação por faixa etária, que será abordada nesta


pesquisa, é bastante estudada em relação à aquisição da língua
e/ou à aprendizagem de língua estrangeira ou segunda língua.
Entre falantes de uma língua, como variação linguística específica,
no entanto, há menos estudos. É possível que se deva ao fato de
que algumas variações não podem ser isoladas, elas ‘coabitam’ um
mesmo ser. Por exemplo, uma pessoa apresenta variação regional,
de sexo e de idade no mesmo recorte.

Labov (2008, p. 85-86), por exemplo, fez uma pesquisa


detalhada com dados coletados em lojas de departamento de Nova
York sobre o fenômeno da hipercorreção; esse material possibilitou
a análise de muitas variantes, inclusive de faixa etária. E Labov
percebeu que os falantes da classe média alta de geração mais velha
com estilo mais formal, podem abandonar a norma de prestígio e
usar formas usadas “por falantes mais jovens de maior status com
os quais entram em contato.” Isso significa que sob influência do uso
que fazemos da língua pode mudar (LABOV, 2008, p. 86).

Outra observação de Labov foi a relação entre o nível


acadêmico-cultural e a idade da pessoa. Pessoas mais simples,
com pouca escolaridade, de gerações mais velhas, usam formas
semelhantes aos mais novos do mesmo círculo social; enquanto
pessoas com grau de escolaridade mais elevado, de gerações
mais velhas, usam formas mais formais do que os mais jovens
(LABOV, 2008, p. 86).

SUMÁRIO 50
Nesta pesquisa, buscou-se observar na produção de falantes
de libras, características comunicativas ou sinais que pudessem ser
atribuídos a determinada faixa etária. Contudo, o tempo de pesquisa,
as contribuições para os dados e a situação pandêmica que estamos
vivenciando não permitiram que conseguíssemos um corpus
considerável para a análise.

METODOLOGIA
Este é um estudo sociolinguístico variacionista, pois, como
explica Silva (2020, p. 1), buscamos observar elementos do uso da
língua do cotidiano. Também acreditamos que “investigar sobre a
variação linguística da Libras pode ser bastante útil para questões
linguísticas mais amplas, para determinar como a linguagem
se organiza, ou seja, como se estrutura, além de aprofundar
conhecimentos sobre a Libras.” (SILVA, 2010, p. 1).

Para realização de nossa pesquisa, os componentes do grupo


elaboraram um formulário através do Google Forms (disponível no
segundo item do Anexo deste documento), acreditando que, devido
ao momento atípico que estamos vivenciando, pudéssemos abranger
maior número de pessoas e conseguir com mais precisão aquilo que
tínhamos como proposta. O formulário, conforme anexado ao final
deste trabalho, abordou questões básicas, para conhecer melhor as
singularidades de cada participante, além de uma tirinha da Magali,
pedindo que a história fosse contada em Libras e filmada para análise
da variação linguística. Nosso objetivo era avaliar características que
pudessem revelar uma variação etária.

A apresentação da pesquisa foi explanada em portu-


guês, seguida de um vídeo em Libras que continha, além da tra-
dução do texto de apresentação, outras explicações referentes ao
formulário de pesquisa.

SUMÁRIO 51
Para coleta dos dados, o formulário foi enviado para surdos
de diferentes estados, conhecidos dos participantes por rede de
contato (WhatsApp, Facebook, Instagram e E-mail), solicitando ainda
que o enviasse a outros surdos de suas relações. O formulário ficou
disponível por mais de vinte dias.

Por fim, obtivemos vinte respostas via formulário, mas este


número, apesar de considerável, não se confirmou com o envio dos
vídeos para análise.

ANÁLISE DE DADOS
Nesta pesquisa, o foco da análise sociolinguística estava
voltado para o fator idade, pois a intenção era identificar sinais, ou
formas de sinalizar, que pudessem indicar traços próprios da idade
do sinalizante. Por conta disso, o questionamento sobre a idade dos
participantes apareceu como primeiro item da pesquisa, logo após a
autorização do uso da imagem e a identificação do participante. Na
sequência, além do nível de surdez dos participantes, foi questionado
também sobre outros fatores que poderiam apresentar variantes
linguísticas específicas, como gênero e formação escolar, sendo que,
neste último questionamento, focamos em saber o tipo de escola
frequentada, não o nível de formação, por entender que poderia
haver diferenças entre a sinalização de um surdo formado em escola
bilíngue e um surdo formado em escola inclusiva.

Em relação às idades dos participantes, como pode ser


observado na Figura 1, a maior parte, quase 80% (oitenta por cento)
estavam na faixa etária dos 20 a 40 anos; que são considerados adultos
jovens. E apenas 20% (vinte por cento) figurava na faixa dos 40 anos.

SUMÁRIO 52
Figura 1 – Faixa etária dos participantes

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

Ao ser pedido que indicassem o grau de surdez que


possuíam, foram apresentadas cinco opções de resposta: leve;
moderado; profundo; severo; prefiro não declarar. A maior parte dos
participantes, 75% (setenta e cinco por cento), como mostra a Figura
2, declarou-se com o nível de surdez profundo. Para os níveis severo
e moderado, foram 10% (dez por cento) de participantes para cada
opção; e apenas 5% (cinco por cento) declararam-se com o nível leve.
Nenhum dos participantes optou por não declarar o nível de surdez.

Figura 2 – Nível de surdez dos participantes

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

SUMÁRIO 53
Quanto à indicação de gênero, foram dadas três opções:
feminino; masculino; prefiro não dizer. Houve a participação de 45%
(quarenta e cinco por cento) do gêneros masculino e 50% (cinquenta
por cento) do feminino; apenas 5% (cinco por cento) optaram por
não declarar o gênero, como pode ser observado na Figura 3.

Figura 3 – Gênero dos participantes

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

Em relação à experiência educacional de cada participante,


foram disponibilizadas três opções de escolha para saber o tipo de
escola que frequentaram em sua formação: escola bilíngue; escola
inclusiva e outros. Na opção outros, o participante poderia escrever,
complementando sua resposta. Dessa forma, percebemos, como
mostra a Figura 4, que a maior parte dos participantes, quase 60%
(sessenta por cento), frequentaram a escola inclusiva e 20% (vinte
por cento) a escola bilíngue. Outros somaram 20% (vinte por cento)
dos participantes, que identificaram sua experiência educacional em:
Faculdade Estácio; ensino médio completo; ensino regular e Libras.

SUMÁRIO 54
Figura 4 – Tipo de escola frequentada pelos participantes

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

Esse último questionamento foi elaborado para permitir que


fosse traçado um viés na identificação da variação de faixa etária,
conforme observou Labov (2008) em sua pesquisa nas lojas de
departamento de Nova York, que mostrava que o nível de escolaridade
influenciava a variação etária. Nesse sentido, pensamos que o surdo
formado em escola bilíngue apresentaria uma variação diferenciada
em relação aso surdos que frequentaram escolas inclusivas.

TRANSCRIÇÃO
Na segunda página do formulário de pesquisa, havia sido
disponibilizada uma tirinha e solicitado que os participantes a
recontassem em Libras, gravando um vídeo, que deveriam enviar
para os pesquisadores por WhatsApp, Telegram ou e-mail. Dos vinte
participantes que responderam ao formulário de pesquisa, apenas
sete enviaram o vídeo recontando a tirinha. Esses vídeos podem
ser conferidos acessando o link disponível no primeiro item do
Anexo deste documento.

Dos sete participantes que enviaram o vídeo e, portanto,


concluíram a pesquisa, todos estão na faixa etária dos 20 aos 40 anos.

SUMÁRIO 55
Quatro deles declararam ter surdez profunda, sendo que os outros
três participantes declararam surdez leve, severa e moderada. Em
relação à experiência educacional, apenas um participante estudou
em escola bilíngue; os outros seis estudaram em escolas inclusivas.

No Quadro 1, a seguir, apresentamos as transcrições dos


sete vídeos recebidos pelos pesquisadores para facilitar a aná-
lise comparativa das informações apresentadas e sinais utilizados
pelos participantes.

Quadro 1 – Transcrição do vídeo enviado pelos participantes


Participante Transcrição
MARCOS MAGALI (M-A-G-A-L-I) + ESTAR + CORTAR + MELANCIA + CUSPIR SEMENTES
+ BURACO + SABER + QUER + PARECER + SUGAR S-U-C-O
+ ACABAR + SOBRA +MESA + CHEGAR + HOMEM + PAI
(M-A-G-A-L-I)
+ CORTAR + ABRIR AS METADES + OLHAR + COMO + MULHER + TUDO
+ COMO + PENSATIVO + NEGAÇÃO (balança a cabeça).
ISABELA MAGALI (M descendo cabelo) + OLHAR + REDONDO + MESA + PEGA + FACA + CORTA +
PARTE + REDONDO FRENTE AO ROSTO + SUGA + COLOCAR REDONDO MESA + CORRER + PAI
+MAGALI + CHEGAR + OLHAR + APETITOSO + PEGAR + FACA + CORTAR METADE + OLHAR
DESAPONTADO + SUMIR + CADÊ?
PATRÍCIA MAGALI (M pescoço dobrando várias vezes) + ANDAR + OLHAR + REDONDO
+ MELANCIA + APETITOSA + SEGURA MELANCIA + PENSA
+ SILÊNCIO + CORTAR PEDAÇO + SUGAR SUGAR +DEVOLVE MELANCIA + ACABAR + FACA + SAI
ANDANDO + PAI + MAGALI + ANDAR + INOCENTE + PEGA MELANCIA + CORTAR AO MEIO +
ACABOU + O- QUE (expressão de questionamento).

SUMÁRIO 56
SINAL MAGALI (M BILATERAL CABELO) + ENTRAR + CASA + ANDAR
+ OLHAR LADO PARA O OUTRO + VER + MESA+ REDONDO + SINAL MELANCIA + REDONDO
+ SINAL MAGALI + OBA + PEGAR + FACA + SEGURAR COISA REDONDA (UMA MÃO) +
CORTAR + CORTAR + PEGAR MELANCIA + VIRAR BOCA TUDO + (MÃO DIREITA) RASPAR
+ RASPAR + COMER TUDO + LIMPO + SABOROSO + BARRIGA CHEIA + COLOCAR COISA
REDONDA + ANDAR + ANDAR + ANDAR + PAI + IR + PEGAR COISA REDONDA + CORTAR +
ABRIR PARTE + CARA ASSUSTADO + ACONTECER + ESTRANHO + OLHAR DESCONFIADO +
O-QUE + PENSAR + PENSAR + PENSAR + FIM.
ISADORA MULHER + M-A-G-A-L-I + CORTAR + PEDAÇO + PEQUENO +
MELANCIA. COMER + TUDO + TER + DENTRO + MELANCIA.
SÓ + DEIXAR + FORA + C-A-S-C-A. FUGIR. TARDE + DEPOIS +
PAI + CHEGAR + NÃO-ENTENDER + ERRADO. SÓ.
JOÃO OLÁ + PESSOA + MAGALI (SINAL M - UMA MÃO LATERAL PESCOÇO)
+ ANDANDO + OLHAR + OBA + PEGAR COISA REDONDA + CORTAR + COLOCAR FACA
+ TIRAR PARTE + VIRAR BOCA + GOSTOSO + BALANÇAR FATIA + COLOCAR + ANDAR
OLHANDO + PESSOA + PEGAR FACA + CORTAR + COISA REDONDO EM CÍRCULO + ABRIR
PARTE CORTADA + CARA ASSUSTADA + OLHAR PARA O LADO.
THIAGO MULHER + M (descendo cabelo) + CAMINHAR + VER + BOLA-GRANDE + PROCURAR + PEGAR
(faca) + CORTAR + COLOCAR (faca) + LADO + PEGAR + BOLA (levar até a boca) + SUGAR-
SUGAR + COLOCAR- BOLA (mesa) + SATIRFEIT@ + BO@. MEDO + CORRER + IR-EMBORA. PAI
+ CAMINHAR + PEGAR-BOLA + PEGAR (faca) + CORTAR-BOLA +
ESTRANHAR + CORTAR-BOLA + ABRIR + ASSUSTAR(SE) + SUMIR.
Fonte: Elaborado pelos autores

QUADRO COMPARATIVO
Para realização da tabela comparativa, o grupo selecionou
alguns sinais que consideram como principais e que deveriam ser
apresentados nas gravações encaminhadas pelos participantes da
pesquisa. Assim, da sequência de imagens da tirinha disponibilizada
no formulário de pesquisa, foram destacados alguns sinais referentes
a cada quadro (Quadro 2).

SUMÁRIO 57
Quadro 2 – Quadros da tirinha e sinais selecionados

MAGALI, MELANCIA SUGAR/COMER SAIR/IR EMBORA SURPRESA


Fonte: SOUZA, 2018.

Com a seleção desses sinais, os pesquisadores buscaram


limitar a quantidade de dados variáveis para a análise, de modo que
pudessem com esses dados perceber a variação que caracterizasse
a faixa etária ou outra variável que pudesse ser observada a partir
das respostas obtidas no formulário de pesquisa.

Assim, na Quadro 3, apresentados os dados observados na


produção de cada participante.

Quadro 3 – Quadro comparativo dos sinais realizados pelos participantes


Participante Magali Melancia Sugar/comer Sair/ir embora Surpresa

MARCOS M-A-G-A-L-I MELANCIA Sugar o suco (sem registro) COMO?


(expressão facial)

ISABELA CM em “M” Objeto Sugar Correr (expressão SUMIR!


descendo no redondo corporal) (expressão facial)
comprimento do
cabelo.

SUMÁRIO 58
PATRÍCIA CM em “M” MELANCIA Sugar (mão) ANDAR O-QUÊ?
Descendo na (expressão facial)
bochecha duas
vezes
MATHEUS CM em “M” MELANCIA Sugar (raspa limpa ANDAR ERRADO!
descendo no tudo) (movimento dos (expressão facial)
comprimento braços).
do cabelo (sinal
realizado com as
duas mãos)

ISADORA MULHER MELANCIA COMER TUDO FUGIR NÃO ENTEN-


M-A-G-A-L-I DER (expressão
facial neutra)
JOÃO CM em “M” - Bola/objeto Sugar. ANDAR Expressão facial.
descendo a redondo grande (movimento dos
lateral do pescoço braços).
(apenas uma mão)
M-A-G-A-L-I

THIAGO MULHER CM Bola/objeto Sugar CORRER, VAI SUMIR


em “M” descendo redondo grande (expressão facial)
no comprimento
do cabelo (sinal
realizado com as
duas mãos)

Fonte: Elaborado pelos autores

Nas narrativas, observamos a variação do sinal da


personagem Magali, como pode ser observado a seguir no Quadro
4. Houve variação tanto no número de mãos, quanto no ponto de

SUMÁRIO 59
articulação. Alguns participantes usaram a soletração do nome
da personagem, outros fizeram a associação do gênero com a
soletração ou com o sinal.

Quadro 4 – Identificação de Magali (personagem)

MARCOS ISABELA PATRÍCIA JOÃO

ISADORA THIAGO MATHEUS


Fonte: Elaborado pelos autores

Ao se referir ao objeto melancia, no primeiro quadro da


tirinha, a maior parte dos participantes usou o sinal (MELANCIA),
enquanto os outros optaram pelo uso de classificadores associados
ao verbo pegar; como mostram as imagens no Quadro 5 a seguir.

SUMÁRIO 60
Quadro 5 – Representação do objeto melancia

MARCOS ISABELA PATRÍCIA JOÃO

ISADORA THIAGO MATHEUS


Fonte: Elaborado pelos autores

Em relação à forma de sinalizar a ação de sugar, ou comer,


contida no segundo quadro da tirinha, apenas um dos participantes
optou por usar os sinais de COMER e TUDO. Os demais usaram
expressões faciais e classificadores, fazendo uma descrição imagética.
Podemos observar as variações representadas a seguir no Quadro 6.

SUMÁRIO 61
Quadro 6 – Representação da ação sugar

MARCOS ISABELA PATRÍCIA JOÃO

ISADORA THIAGO MATHEUS


Fonte: Elaborado pelos autores

A representação do terceiro quadro da tirinha, quando a


personagem sai de cena, ou vai embora; um dos participantes não
registrou a cena em sua narrativa (Marcos). Os demais participantes,
como mostram as imagens do Quadro 7, variaram a representação
com a sinalização de FUGIR, ANDAR e CORRER, sendo que os dois
últimos tiveram representações diferenciadas usando expressão
facial, configuração de mão ou movimento dos braços.

SUMÁRIO 62
Quadro 7 – Representação da ação de fugir ou ir embora

MARCOS ISABELA PATRÍCIA JOÃO

ISADORA THIAGO MATHEUS


Fonte: Elaborado pelos autores

O último quadro da tirinha, que mostra a surpresa do pai


ao descobrir a melancia vazia, foi representado pelos participantes
de maneiras muito variadas e expressões faciais (Quadro 8), sendo
que apenas um participante apresentou expressão facial neutra,
sinalizando que o pai NÃO-ENTENDER; outro só usou expressão
facial, sem sinalização; e dois dos participantes usaram o sinal de
SUMIR associado à expressão de espanto.

SUMÁRIO 63
Quadro 8 – Representando a surpresa do pai de Magali

MARCOS ISABELA PATRÍCIA JOÃO

ISADORA THIAGO MATHEUS


Fonte: Elaborado pelos autores

Assim, podemos dizer que, além das variações já


apresentadas, notamos que nos dois últimos itens da tabela, tivemos
uma variedade de sinais muito grande em suas representações; além
disso, observamos também a implementação de outros itens dentro
da narrativa, como pessoa, gênero masculino, homem, pai, e, por fim,
uma gama de interpretação para a terminologia referente à surpresa.

SUMÁRIO 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa tinha como objetivo principal analisar as
possíveis variantes de dois grupos usuários da Libras com idade
pré-estabelecida (20 a 40 anos e de 40 anos em diante); porém,
infelizmente, não obtivemos o número de vídeos suficiente para
a análise, visto que os participantes que completaram a pesquisa
enviando o vídeo são todos da mesma faixa etária.

Os sete vídeos transcritos e analisados, contudo,


possibilitaram a identificação de outras variantes, que mereceriam um
estudo mais detalhado. A variação mais perceptível que observamos
foi a sinalização do nome da personagem, que era de conhecimento
de todos. Essa poderia ser uma variante regional, visto que tivemos
a participação de sujeitos de diferentes estados, que apresentaram,
por exemplo, uma variante pelo número de mãos. Foi observada
também a variação na estrutura sintática da Libras, em alguns casos
muito próximos à estrutura sintática do português. Fato que pode
ser uma característica própria do participante, ou pode ter influência
de outra questão levantada pelo grupo, que foi o direcionamento
da sinalização, ou seja, para quem estava ele encaminhando o
vídeo. Assim, dependendo da afinidade que o participante tinha
com o pesquisador, ele poderia optar por uma sinalização mais
simples, ou mais complexa. E, por fim, a hipótese ainda levantada
foi a possibilidade de uma tradução e não uma interpretação da
proposta citada pelo grupo.

Em relação à dificuldade encontrada pelo grupo de conseguir


que os participantes enviassem os vídeos, foram observadas algumas
possibilidades: (1) a falta de tempo dos participantes, principalmente
nesse momento de pandemia; (2) a solicitação do vídeo estava na
segunda página do questionário; muitos participantes responderam
apenas a primeira página e na segunda apenas escolhiam o nome
do pesquisador que enviou o link do formulário. Em ao menos três

SUMÁRIO 65
casos, ao ser avisado pelo participante de que já tinha respondido
à pesquisa, o pesquisador perguntou sobre o vídeo e o participante
se mostrou surpreso (que vídeo?), sendo então orientado de que
havia uma tirinha na segunda página do formulário e que ele deveria
contar a história da tirinha em libras e gravar para enviar por um dos
meios listados no final da pesquisa.

Apesar de todos os contratempos encontrados durante sua


realização, principalmente no período pandêmico, por depender da
disposição de tempo, de recursos tecnológicos por parte de todos
os envolvidos, acreditamos que esta pesquisa possibilitou ao grupo
averiguar inúmeras possibilidades de variantes linguísticas. E, ainda
que não se tenha podido observar a variação etária, esta pesquisa
mostrou que o material coletado pode oportunizar aos pesquisadores
futuras investigações sobre outras variantes.

REFERÊNCIAS
LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.

MCCLEARY, Leland. Sociolinguística. Florianópolis: UFSC, 2009. (Apostila do curso


Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na modalidade a Distância.)

PIZZIO, Aline Lemos.; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira; QUADROS, Ronice Muller. Língua
Brasileira de Sinais IV. Florianópolis: UFSC,2010. Disponível em: http://www.libras.ufsc.
br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/linguaBrasileiraDeSinaisVI/assets/619/
TEXTO_BASE_-_LIBRAS_VIn.pdf . Acesso em 16 set 2020.

SILVA, Simone G. L. Variação sociolinguística na Língua Brasileira de Sinais: o


caso dos sinais mãe e pai em Florianópolis. Disponível em: https://drive.google.com/
drive/u/1/folders/1Jk3sm_bidhvWxhBgsYu1uFerIPEVsLpX. Acesso em 16 set 2020.

SOUSA, Mauricio de. Magali. In Blog Aula com saber. Publicado em 14 de maio de 2018.
Disponível em: https://aulaesaber.blogspot.com/2018/05/formando-frases-com-tirinhas.
html Acesso em: 28 jun 2022.

SUMÁRIO 66
3
Ana Caroline Freitas Alves
Maria Alice Mota

ARGUMENTATIVIDADE,
ASPECTOS SOCIOCULTURAIS
E INTERDISCIPLINARES:
UMA ANÁLISE DE PRODUÇÕES TEXTUAIS
DO EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO
(ENEM)

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.3
RESUMO
No presente texto, tratamos da redação exigida para o Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), sendo este uma das principais portas de entrada
para o ensino superior. O objetivo geral desta pesquisa é analisar, espe-
cificamente, como os repertórios sociocultural e interdisciplinar são
cumpridos na escrita de textos que obtiveram nota máxima no referido
exame. Este estudo se justifica porque poderá contribuir para o desen-
volvimento de um trabalho profícuo em sala de aula, com vistas a desen-
volver habilidades escritoras exigidas pelo ENEM e por outras instâncias
sociais. A pergunta científica que norteia este trabalho é: Como os estu-
dantes que obtiveram a nota máxima na escrita dos textos para o ENEM
estão abordando os conhecimentos socioculturais e interdisciplinares
adquiridos anteriormente? A nossa hipótese é que, nessa escrita, os can-
didatos detêm habilidades operacionais que lhes permitem relacionar a
temática aos conhecimentos socioculturais e interdisciplinares adquiridos
anteriormente, por meio dos componentes curriculares. O aporte teórico
conta com Rojo (2009); Soares (2010), entre outros, e documentos oficiais
parametrizadores da Educação Básica e do ENEM. Quanto à metodologia,
a pesquisa é de cunho bibliográfico e exploratório, e a análise é de natu-
reza qualitativa, nos termos de Gil (2008). A amostra foi constituída por dez
redações que obtiveram a nota máxima no ENEM de 2019, entretanto, no
presente texto, iremos analisar apenas alguns trechos de algumas des-
sas redações. A análise dos dados permitiu verificar que os autores das
redações analisadas relacionam o tema a aspectos sociológicos, políticos,
históricos, geográficos, educacionais, artísticos, entre outros, promovendo
um intercâmbio de ideias por meio da intertextualidade e da interdisci-
plinaridade, deixando claro terem não só a habilidade de compreender a
temática proposta, como também de aplicar os conceitos das várias áreas
de conhecimento, selecionando, relacionado, organizando e interpretando
informações, fatos, opiniões, tendo em vista a construção da argumen-
tatividade. Essa análise suscita uma reflexão sobre o número ínfimo de
estudantes que estão formando, na Educação Básica, essas habilidades, o
que leva ao reconhecimento da necessidade premente de uma mudança
nas estratégias pedagógicas adotadas pela escola para esse fim.
Palavras-chave: Escrita. Argumentatividade. Repertório sociocultural.
Interdisciplinaridade.

SUMÁRIO 68
INTRODUÇÃO
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é, na
contemporaneidade, uma das principais portas de entrada para
o ensino superior, sendo assim, são milhões de estudantes de
todo o Brasil que o realizam, anualmente, objetivando o acesso à
universidade. Nesse exame, a escrita de um texto dissertativo-
argumentativo constitui-se um desafio para os estudantes.

De acordo com os dados definitivos do Instituto Nacional


de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em
2019, por exemplo, período em que ainda não havia a atipicidade da
pandemia, mais de cento e quarenta e três mil candidatos zeraram a
prova de redação do ENEM, e somente cinquenta e três conseguiram
alcançar a nota máxima. Esses dados revelam existirem ainda muitos
obstáculos a serem superados no processo de ensino e aprendizagem
da escrita do texto dissertativo-argumentativo na Educação Básica.

Tendo em vista que entre as habilidades exigidas pelo referido


exame está a capacidade de o aluno explorar os conhecimentos
dos componentes curriculares estudados, com o intuito de articular
argumentos pertinentes e consistentes a partir da temática proposta,
o objetivo geral deste estudo é analisar dez redações que obtiveram
nota mil no ano de 2019, no intuito de verificar de que maneira o
repertório sociocultural e interdisciplinar esperado foram cumpridos
na escrita desses textos. Os objetivos específicos são abordar,
por meio da pesquisa, práticas de letramentos, inclusive, o social,
no processo de ensino e aprendizagem para a prova de redação
do ENEM e demais situações sociais do cotidiano. Além disso,
conhecer as competências e habilidades exigidas pelo referido
exame, abordando, especificamente, a competência 2, que é um dos
pontos iniciais para a produção textual do candidato, e, a partir desta,
explorar os conhecimentos sociocultural e interdisciplinar mediante
a análise das redações que obtiveram nota máxima, em 2019, com a
intenção de analisar os argumentos apresentados na escrita.

SUMÁRIO 69
Para isso, busca-se responder ao seguinte questionamento:
Como os estudantes que obtiveram a nota máxima na escrita
dos textos para o ENEM estão abordando os conhecimentos
socioculturais e interdisciplinares adquiridos anteriormente?
Com esse propósito, a nossa hipótese é que, nessa escrita dos
textos exigidos pelo ENEM, para obter o êxito esperado, os
candidatos devem, em primeiro lugar, entender a proposta e deter
habilidades operacionais que lhes permitem relacionar a temática
aos conhecimentos socioculturais e interdisciplinares adquiridos
anteriormente, por meio dos componentes curriculares, sobretudo
os conhecimentos socioculturais.

REFERENCIAL TEÓRICO

LETRAMENTO
Nas palavras de Soares, “letramento é o resultado da ação de
ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e de escrita” (2003,
p. 31). Sendo assim, a partir do conjunto das atividades e práticas
sociais no ensino e aprendizagem, através da leitura e escrita, há o
letramento, que, de forma geral, envolve as capacidades do indivíduo
em desenvolver competências e habilidades capazes de contribuir na
sua formação, por exemplo, através dos conhecimentos adquiridos e
da reflexão sobre a realidade. Ainda conforme a autora:
[...] as competências que constituem o letramento são
distribuídas de maneira contínua, cada ponto ao longo
desse contínuo indicando diversos tipos e níveis de
habilidades, capacidades e conhecimentos, que podem
ser aplicados a diferentes tipos de material escrito. Em
outras palavras, o letramento é uma variável continua, e
não discreta ou dicotômica (SOARES, 2005, p. 7).

SUMÁRIO 70
Como exposto por Soares (2005), nota-se que o letramento
proporciona habilidades em seus mais variados níveis e, também,
a aquisição de conhecimentos através da língua e da escrita que
refletem, por exemplo, os aspectos culturais e sociais presentes no
cotidiano. Desse modo, percebe-se a relevância do letramento para
a sociedade, visto que este possibilita o progresso do indivíduo, a
capacidade de ele se desenvolver de forma contínua, proporcionando
que as habilidades sejam aplicadas a partir da compreensão e
reflexão nos diferentes contextos sociais de forma significativa.

Ademais, é importante ressaltar que o conceito de letramento


também pode ser referido no plural, como “Letramentos”, conforme
Street (1984, apud CARVALHO, 2013), pois é válido considerá-los “tanto
no sentido de diversas linguagens e escritas, quanto no sentido de
múltiplos níveis de habilidades, conhecimentos e crenças, no campo
de cada língua e/ou escrita” (STREET, 1984, p. 47 apud CARVALHO,
2013, p. 31). Assim, as práticas sociais e culturais estão diretamente
relacionadas com os letramentos sociais por meio do sentido, seja na
linguagem, na leitura e escrita, seja nos níveis de habilidades com os
diversos contextos reais da sociedade. Dessa maneira:
[...] o termo letramento busca recobrir os usos e práticas
sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de
outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados,
locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos
(família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.) numa
perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural
(ROJO, 2009, p. 98).

Conforme mencionado, nota-se a importância do letramento


nas práticas sociais relacionadas à linguagem, e, consequentemente,
à escrita, em seus diversos contextos e perspectivas. Assim, os
estudos de Rojo (2009) destacam que o significado de letramento
variará através dos tempos e das culturas. Em função disso, “[...]
práticas tão diferentes, em contextos tão diferenciados, são vistas
como letramento, embora diferentemente valorizadas e designando
a seus participantes poderes diversos” (ROJO, 2009, p. 99). Ou seja,

SUMÁRIO 71
por apresentar tempos e culturas diferentes, o letramento possui o seu
valor, este é atribuído de forma diversa, visto que há de se considerar
os integrantes e ambientes no meio real apresentado. Dessa maneira,
é essencial refletir sobre o fato de que, na contemporaneidade, a
capacidade de o indivíduo estabelecer relações do letramento com
outros aspectos pode contribuir positivamente de forma espontânea
para o seu desenvolvimento e interação social.

Além disso, é importante mencionar que a escola apresenta


um papel fundamental na prática dos letramentos. A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, n.º 9.394/1996 (LDB), em seu
art.1, § 2.º, estabelece: “A educação [...] tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, p. 10).
Assim, para que a escola garanta o direito à educação, é fundamental
a busca pelo desenvolvimento do estudante a partir de práticas
sociais, e estas estão relacionadas com os Letramentos, sendo
imprescindível preparar os alunos para o exercício da cidadania
nas instâncias sociais.

Nesse contexto, cabe salientar que as práticas sociais


de letramento proporcionam o diálogo com as diversas áreas do
conhecimento, porém Rojo (2009) adverte: “Não se trata de acumular
conhecimentos ou de ‘treinar’ procedimentos práticos. A formação
do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos
básicos, a preparação científica e a capacidade para utilizar as
diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação” (ROJO, 2009,
p. 89). Desse modo, é possível que haja o pleno desenvolvimento
individual e coletivo por meio do incentivo ao conhecimento, à
reflexão e ao posicionamento perante os entraves no meio social
com mudanças positivas na realidade.

Também é importante destacar que, segundo Marcuschi


(2002), nas práticas sociais, encontram-se os tipos e gêneros,
os quais representam fenômenos históricos que estão diretamente

SUMÁRIO 72
relacionados com os aspectos socioculturais, proporcionando que
as atividades comunicativas do cotidiano aconteçam, pensamento
que dialoga com a perspectiva de Val (2017), segundo a qual existem
múltiplas necessidades comunicativas no meio social.

Nota-se, portanto, segundo a autora, que o papel da escola é


fundamental no processo de ensino e aprendizagem da escrita, pois
proporciona ao estudante a autonomia como sujeito autor, sendo
capaz de fazer escolhas, a partir das situações e suas exigências na
interlocução, considerando as circunstâncias e individualidade nesse
processo real e social.

A PROVA DE REDAÇÃO DO ENEM E O LETRAMENTO


A prova de redação do ENEM é avaliada em competências e
habilidades específicas para o tipo textual dissertativo-argumentativo.
Assim, diante de um tema presente na contemporaneidade, com
situações-problema, o candidato precisa refletir e elaborar argumentos
em defesa de um ponto de vista. De acordo com a Cartilha de Redação
do participante ENEM (2019), temos os seguintes requisitos:
A prova de redação exigirá de você a produção de um
texto em prosa, do tipo dissertativo-argumentativo, sobre
um tema de ordem social, científica, cultural ou política. Os
aspectos a serem avaliados relacionam-se às competências
que devem ter sido desenvolvidas durante os anos de
escolaridade. Nessa redação, você deverá defender
uma tese – uma opinião a respeito do tema proposto –,
apoiada em argumentos consistentes, estruturados com
coerência e coesão, formando uma unidade textual. Seu
texto deverá ser redigido de acordo com a modalidade
escrita formal da língua portuguesa. Você também deverá
elaborar uma proposta de intervenção social para o
problema apresentado no desenvolvimento do texto. Essa
proposta deve respeitar os direitos humanos (CARTILHA
DO PARTICIPANTE, 2019. p. 5).

SUMÁRIO 73
Nota-se que a prova de redação propõe temas relacionados
à ordem social, científica, cultural ou política presentes no cotidiano,
assim, solicita ao aluno a defesa de uma tese a partir do tema
solicitado. Sendo assim, o produtor precisa introduzir a temática,
partindo de uma situação-problema, com a intenção de trazer uma
referência com a apresentação de argumentos, fatos e opinião
para a consistência do que foi colocado, considerando uma esfera,
seja ela temporal, geográfica, humana, entre outras (CANTARIN;
BERTUCCI; ALMEIDA, 2017). Como resultado, é necessário seguir
uma estrutura composicional com a introdução (defesa da tese),
o desenvolvimento (argumentos de causa e consequência, por
exemplo) e a conclusão (intervenção para amenizar ou erradicar os
impasses presentes no meio social, considerando o tema proposto,
respeitando-se os direitos humanos). Além disso, é importante
também considerar as modalidades da escrita formal, coerência
e coesão, sendo esses recursos que possibilitam a organização e
sentido das ideias apresentadas.

Conforme apresentado, o tipo textual da prova de redação do


ENEM é o dissertativo-argumentativo, sendo importante entender que:
Nas práticas escolares é mais comum vermos o tipo
dissertativo abranger tanto características do tipo
expositivo quanto argumentativo. No entanto, o rótulo
dissertativo implica o apagamento dessa distinção. Ou seja,
ao nomear um texto apenas como dissertativo, fazemos,
aparentemente, o movimento de eximi-lo do forte poder
da argumentação. Por outro lado, ao nomeá-lo como
dissertativo argumentativo, as relações argumentativas
são reconhecidas e devem ser explicitadas (COROA, 2017,
p. 67 apud COSTA; MARTINS, 2020, p. 58).

Sendo assim, na escrita de um texto dissertativo-argumentativo,


o indivíduo precisa, ao elaborar os seus argumentos, expor ideias e
defendê-las a partir de um tema, estabelecendo relações consistentes
entre os fundamentos apresentados. Assim, é necessário explicitar
as informações com detalhes que possibilitem a consistência do que

SUMÁRIO 74
foi posto, por meio da articulação tanto das características presentes
na argumentação como na exposição. Por conseguinte, argumentar
é: “uma prática cotidiana e que é a qualidade dos argumentos a
responsável por convencer o leitor ou ouvinte a aceitar a tese de
que produz o texto” (CANTARIN; BERTUCCI; ALMEIDA, 2017, p. 81).
Nota-se, dessa maneira, a relevância da argumentação no discurso
do produtor, pois, a partir dela, é possível o convencimento das ideias
defendidas no texto, o que revela a importância de explicar com
detalhes e utilizar o repertório, por meio dos componentes curriculares
estudados, alusões históricas, citações de autoridade, dados
estatísticos, filmes, músicas, obras literárias, entre outros recursos, de
modo a proporcionar a credibilidade na tese defendida.

Ademais, partindo da prova de redação do ENEM, é


fundamental estabelecer uma relação com o letramento, uma vez
que o exame, de forma geral, exige conhecimentos, competências
e habilidades que fazem parte desse processo de ensino e práticas
sociais. Assim, a partir do letramento e suas ações, presente em
diversos contextos do cotidiano, é possível que o candidato reflita
e se posicione para desenvolver sua argumentação com base nos
conhecimentos e no enfoque ideológico, já que “as práticas de
letramento estão indissoluvelmente ligadas às estruturas culturais e
de poder da sociedade e reconhece a variedade de práticas culturais
associadas à leitura e à escrita em diferentes contextos” (STREET,
1996, p. 7 apud ROJO, 2009, p. 99). Portanto, a escola precisa
reconhecer também como letramento as práticas culturais, sendo
essas presentes nos diversos meios da sociedade, onde se inclui os
aspectos éticos, críticos e democráticos (ROJO, 2009).

Logo, a instituição educacional é um meio que deve


contribuir para o processo de ensino e aprendizagem do estudante,
visando as práticas em sociedade, pois, diante de tantos discursos
produzidos na contemporaneidade, são “[...] muitas as necessidades
de lidar com eles no mundo do trabalho e fora do trabalho, não só
para o desempenho profissional, como também para saber fazer as

SUMÁRIO 75
escolhas éticas entre discursos em competição [...]” (MOITA LOPES;
ROJO, 2004, p. 46 apud ROJO, 2009, p. 89). Nesse viés, a prova
do ENEM é um dos meios na atualidade de incentivo à reflexão e
desenvolvimento de práticas de escrita que, consequentemente,
resultará no senso crítico do indivíduo e em seu posicionamento
perante as demais instâncias da vida.

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PROPOSTAS


PARA A REDAÇÃO DO ENEM
Os documentos parametrizadores da prova de redação do
ENEM, entre eles a Cartilha do Participante, propõem a avaliação de
cinco competências. Na primeira competência, tem-se: “Demonstrar
domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa” (2019,
p. 10). Nesse item, portanto, a exigência é que o texto redigido siga a
escrita formal, respeitando-se as regras gramaticais.

Na segunda competência, tem-se: “Compreender a proposta


de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento
para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto
dissertativo-argumentativo em prosa (2019, p. 12). Esse item traz
como exigência o repertório sociocultural, e, a partir dele, os
argumentos serão desenvolvidos. Nessa competência, é primordial
que o candidato dê atenção aos textos de apoio, sem copiá-los, para
seguir a escrita, a partir do que foi solicitado, com outros exemplos,
sem fuga ou tangenciamento do tema.

Já na terceira competência: tem-se: “Selecionar, relacionar,


organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em
defesa de um ponto de vista” (2019, p. 18). Nota-se que, nesse item,
considera-se como exigência a organização das ideias desenvolvidas
pelo candidato, com uma argumentação consistente em defesa de um
ponto de vista. Para isso, é importante a sustentação dos argumentos
colocados por meio de exemplos, com a seleção e organização

SUMÁRIO 76
destes na produção textual, o indivíduo pode se familiarizar com
várias temáticas e demonstrar, por meio do seu repertório, uma
argumentação consistente e organizada, seguindo a coerência.

Na quarta competência, tem-se: “Demonstrar conhecimento


dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da
argumentação” (2019, p. 21). Aqui, é fundamental que o autor do texto
traga elementos de coesão, que articule e construa a argumentação,
de modo a demonstrar os mecanismos linguísticos, tais como a
estruturação dos parágrafos, dos períodos e referenciação.

Por fim, na quinta e última competência avaliada, tem-se:


“Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado,
respeitando os direitos humanos” (2019, p. 13). Aqui a exigência é
que, na redação redigida, haja uma proposta de intervenção. Assim,
para a elaboração da conclusão, é preciso que o estudante conheça
os direitos humanos, pois, em suas propostas interventivas, não pode
feri-los e deverá conter ações que resolvam ou minimize os entraves
apresentados no decorrer do texto.

Em suma, é notório que os conhecimentos linguísticos,


gramaticais, socioculturais e interdisciplinares são fundamentais
para que o estudante explore as ideias de acordo com a temática
proposta na prova de redação do ENEM. Assim, é importante que,
a partir do tema, o candidato demonstre as habilidades exigidas na
avaliação, de modo produzir e alcançar o objetivo desejado.

A COMPETÊNCIA II NA PROVA DE REDAÇÃO DO ENEM


A competência II é o foco escolhido para a análise da
presente pesquisa, visto que, a partir da compreensão da temática
proposta, os conhecimentos prévios são acionados, de modo a
proporcionar o desenvolvimento de argumentos em defesa de uma
tese, por meio do tipo textual dissertativo-argumentativo. Dessa
forma, a avaliação da prova consiste em habilidades relacionadas à

SUMÁRIO 77
escrita e à leitura, tendo em vista o estabelecimento de relação entre
os conhecimentos socioculturais, interdisciplinares e gramaticais
apresentados no texto produzido. Essa competência exige
determinadas capacidades, entre elas, temos:
[...] interpretação de itens lexicais e gramaticais;
agrupamento de palavras em blocos conceituais;
identificação de palavras-chave; reconhecimento de
elementos paratextuais importantes (títulos, subtítulos,
negritos, sublinhados, parágrafos, deslocamentos,
enumerações, quadros, legendas etc.); seleção e
hierarquização de ideias; identificação de ideias principais
e de argumentos; construção de paráfrases mentais;
associação com informações anteriores e conhecimentos
prévios; antecipação de informações; elaboração de
hipóteses; construção de inferências; compreensão
de pressupostos; controle de velocidade; controle e
focalização da atenção; avaliação do processo realizado;
detecção de erros no processo de decodificação e
interpretação; reorientação dos próprios procedimentos
mentais, entre outras [...] (GARCEZ, 2017, p. 275).

Percebe-se, então, que a competência II é o ponto inicial para


o desenvolvimento da escrita, pois, a partir da leitura e compreensão,
o indivíduo, por meio da temática solicitada, construirá os argumentos
desejados. Isso envolve a interpretação de itens lexicais, gramaticais,
a identificação das palavras-chave, dos elementos paratextuais
disponíveis nos textos de apoio, por exemplo, a organização das
ideias e argumentos, as hipóteses, a intertextualidade, entre outros
aspectos. Além disso, os conhecimentos prévios, os quais se
relacionam ao repertório sociocultural e interdisciplinar necessário
para a referida prova.

Nas palavras de Costa e Martins:


[...] nesta competência são avaliados três pontos princi-
pais: a compreensão da proposta de redação; a aplicação
de conceitos e argumentos socioculturais - podem ser
alusão histórica, citação de autoridade na área, fato social,

SUMÁRIO 78
dados estatísticos, filme, livro reportagens, entre outros,
que sustentem o tema e que possam desenvolvê-lo com
veracidade; e a estrutura do texto dissertativo-argumen-
tativo, que apresenta introdução, desenvolvimento e con-
clusão (COSTA; MARTINS, 2020, p. 58).

Assim, conforme já referido, a construção do texto se dá


pela compreensão, por meio dos recursos de leitura e escrita, que
refletirá na construção da argumentação, a qual possui relação com
alusões históricas, citações de autoridade, dados estatísticos, filmes,
livros, entre outros recursos presentes no meio social frequentado
pelo indivíduo e que proporcionam conhecimentos que formam o
repertório sociocultural e interdisciplinar do sujeito. Dessa forma,
há uma relevância das práticas culturais, pois, a partir desses
conhecimentos adquiridos com essas práticas ao longo da jornada
escolar e social, haverá o posicionamento do indivíduo perante as
diversas situações e entraves presentes, por exemplo, em uma prova
de redação do ENEM e em outros contextos sociais.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O REPERTÓRIO


SOCIOCULTURAL E INTERDISCIPLINAR
As práticas culturais desenvolvidas no cotidiano conseguem
possibilitar que o indivíduo, por meio da interação social, forme
conhecimentos, desenvolvendo autonomia nas diferentes práticas
contemporâneas presentes na sociedade.

De acordo com Rojo:


Na vida cotidiana, circulamos por diferentes esferas de
atividades (doméstica e familiar, do trabalho, escolar,
acadêmica, jornalística, publicitária, burocrática, religiosa,
artística etc.) em diferentes posições sociais, como
produtores ou receptores/consumidores de discursos,
em gêneros variados, mídias diversas e culturas também
diferentes (ROJO, 2009, p. 109).

SUMÁRIO 79
Sendo assim, nota-se a importância do cotidiano na
evolução tanto profissional como pessoal do cidadão, pois, a partir
das experiências vivenciadas, seja por meio da família, escola,
trabalho, seja na universidade, igreja, entre outros ambientes, há
a construção do conhecimento e repertório, perante as diferentes
posições sociais experienciadas. Com isso, é importante destacar o
papel da cultura nesse processo de desenvolvimento, pois esta reflete
no comportamento do indivíduo, nas posições que assumirá, por
exemplo, as ideias que ele acredita ser as cabíveis em determinadas
situações e, até mesmo, na formação de argumentos ante as diversas
situações apresentadas.

Dessa forma, no contexto da referida prova de redação, é


importante que haja um posicionamento do candidato, de modo
que ele precisa desenvolver algumas competências, por meio
da leitura e compreensão, por exemplo, que irão acionar esses
conhecimentos culturais adquiridos para a escrita. Corroborando
esse pensamento, Rojo (2009) afirma:
Para ler, por exemplo, não basta conhecer o alfabeto e
decodificar letras em sons da fala. É preciso também
compreender o que se lê, isto é, acionar o conhecimento
de mundo para relacioná-lo com os temas do texto,
inclusive o conhecimento de outros textos/discursos
(intertextualizar), prever, hipotetizar, inferir, comparar
informações, generalizar. É preciso também interpretar,
criticar, dialogar com o texto: contrapor a ele seu
próprio ponto de vista, detectando o ponto de vista e
a ideologia do autor, situando o texto em seu contexto.
Reciprocamente, para escrever, não basta codificar e
observar as normas do português padrão do Brasil,
é também preciso textualizar: estabelecer relações e
progressão de temas e ideais, providenciar coerência
e coesão, articular o texto partir de um ponto de
vista levando em conta a situação e o leitor etc.
(ROJO, 2009, p. 44-45).

SUMÁRIO 80
Então, o repertório sociocultural é construído a partir dos
conhecimentos adquiridos através das experiências culturais
vivenciadas em sociedade e, principalmente, pelas informações
acessadas nas mídias sociais, as diversas culturas, os textos
informacionais, os quais são de conteúdos relacionados aos
conhecimentos extralinguísticos.

Esses argumentos podem ser apresentados por meio


de: “provas concretas (dados ou fatos sobre o tema), exemplos
(fatos similares ou relacionados ao tema), autoridades (citação de
especialista no tema), lógica (causa e consequência, por exemplo)
e senso comum (o que as pessoas em geral pensam sobre o tema)”
(CANTARIN; BERTUCCI; ALMEIDA, 2017, p. 86). Sendo assim, o
repertório é de suma importância para a sustentação e defesa
dos argumentos apresentados pelo candidato, pois proporciona o
esclarecimento e detalhamento do que foi colocado.

Por conseguinte, capacidades de compreensão,


interpretação, posicionamento crítico e construção da
argumentação, por meio da coesão e coerência, são desenvolvidos
na elaboração escrita da redação do ENEM, por exemplo, e dos
demais gêneros presentes na sociedade. Assim, é essencial que a
escola possa “potencializar o diálogo multicultural, trazendo para
dentro de seus muros não somente a cultura valorizada, dominante,
canônica, mas também as culturas locais e populares e a cultura
de massa, para torná-las vozes de um diálogo, objetos de estudo
e de crítica” (ROJO, 2009, p. 115). Dessa forma, seguindo a esteira
de ideias apresentadas pela autora, será possível proporcionar ao
aluno o conhecimento das demais culturas, de modo a promover
diálogos, reflexões e, até mesmo, conscientizar estes contra
práticas discriminatórias, formando cidadãos conscientes, capazes
de utilizar os conhecimentos linguísticos e extralinguísticos
para o posicionamento crítico na produção textual e nas demais
situações do cotidiano.

SUMÁRIO 81
Além disso, é valido mencionar a interdisciplinaridade,
já que ela envolve a relação entre várias disciplinas, sendo assim,
apresenta um conjunto das diversas áreas do conhecimento,
com objetivo comum, o de trabalhar uma determinada temática
(MANGINI; MIOTO, 2009).

Assim, partindo dessa ideia, temos o seguinte conceito


proposto:
A palavra interdisciplinaridade evoca a “disciplina”
como um sistema constituído ou por constituir, e a
interdisciplinaridade sugere um conjunto de relações
entre disciplinas abertas sempre a novas relações que
se vai descobrindo. Interdisciplinar é toda interação
existente dentre duas ou mais disciplinas no âmbito do
conhecimento, dos métodos e da aprendizagem das
mesmas. Interdisciplinaridade é o conjunto das interações
existentes e possíveis entre as disciplinas nos âmbitos
indicados (SUERO, 1986, p. 18-19 apud YARED 2008 p. 161).

Desse modo, conforme exposto, a interdisciplinaridade


proporciona a relação entre as disciplinas, promovendo a interação, o
debate, por exemplo, sobre determinado assunto. Como resultado, é
possível que o ensino e aprendizagem seja efetuado, pois o estudo, no
ambiente escolar, apresenta componentes curriculares, como Língua
Portuguesa, História, Artes, Geografia, entre outras. Ao produzir um
texto dissertativo-argumentativo, por exemplo, é importante que o
estudante desenvolva a capacidade de relacionar os conhecimentos
que possui sobre uma determinada temática, utilizando conceitos ou
dados das disciplinas estudadas, como meios de sustentar as ideias
colocadas e proporcionar a consistência em defesa de um ponto
de vista. Assim, o produtor demonstra para o corretor que possui a
competência de utilizar e relacionar os conhecimentos adquiridos no
ambiente escolar em sua produção textual.

SUMÁRIO 82
Ademais, é de suma importância, considerar o papel da
escola no desenvolvimento de práticas interdisciplinares para o
processo de ensino e aprendizagem, sendo que:
[...] do ponto de vista cognitivo, a interdisciplinaridade
recupera a unidade na compreensão das “coisas” (fato
histórico, texto filosófico, fato educativo, comportamento
humano, evento social, fenômeno natural), unidade que foi
quebrada durante a pesquisa científica, a qual procede no
caminho de uma especialização progressiva. O trabalho
interdisciplinar, portanto, não consiste no aprender um
pouco de tudo, mas no enfrentar o problema (explicativo,
previsível, interpretativo) com toda a competência do
especialista que domina o problema, suas dificuldades, as
explicações e previsões dos outros competentes. Além do
mais, do ponto de visto psicossocial, a interdisciplinaridade
que se realiza através do trabalho de grupo, dos docentes
e discentes, poderá ser um dos fatores que contribuem
ao desarraigamento de competição na escola, enquanto
impulsiona a ver no outro um colaborador e não um
rival. A interdisciplinaridade é uma luta contra os efeitos
alienantes da divisão do trabalho (ANTISERI, 1975, p. 185-
186 apud YARED 2008, p. 161).

Ou seja, conforme colocado, pelo ponto de vista cognitivo, a


interdisciplinaridade proporciona a compreensão de várias temáticas,
considerando, por exemplo, fatos históricos, filosóficos, educativos,
entre outros, que irão possibilitar a reflexão sobre determinados
entraves colocados nas variadas situações do mundo. Além disso,
é essencial considerar as atividades desenvolvidas entre docentes
e discentes como forma de contribuir no processo de ensino e
aprendizagem escolar, pois o trabalho em equipe proporciona que
um complemente o outro, nas práticas educacionais e sociais e,
consequentemente, há eficácia e produtividade na trajetória escolar.

Na esteira de ideias proposta por Fazenda (2000), usar o


conhecimento de várias áreas transforma o indivíduo, visto que, a
partir da comparação e união dos diversos pontos apresentados, é

SUMÁRIO 83
possível que haja a reflexão e mudanças de atitudes, com a troca
de experiências e compreensão no ensino. Assim, considerar os
diversos campos das disciplinas possibilita que haja a construção do
conhecimento, inclusive, para os alunos que estejam se preparando
para a prova do ENEM.

Além disso, a aprendizagem escolar envolve os seguintes


níveis de aprendizagem: a disciplina curricular, a interdisciplinaridade
no nível didático e a transdisciplinaridade no nível pedagógico
(LEINOR, 1998 apud JOSÉ, 2008). Partindo dessa organização: “Hoje,
mais do que nunca, reafirmamos a importância do diálogo, única
condição possível de eliminação das barreiras entre as disciplinas.
Disciplinas dialogam quando as pessoas se dispõem a isto [...]”
(FAZENDA, 2003, p. 50 apud JOSÉ, 2008, p. 87). Assim, percebe-se
a importância do diálogo nesse processo de ensino e aprendizagem
por meio da interdisciplinaridade, com o trabalho conjunto entre
professores, sendo possível que entraves sejam minimizados, e
habilidades e competências sejam adquiridas pelos alunos, visto
que, a partir dessas atividades, há o processo de aquisição e troca do
conhecimento refletida em comportamento e formação crítica nos
diversos ambientes da sociedade.

METODOLOGIA
Quanto à metodologia, a pesquisa se caracteriza como
bibliográfica, exploratória e realiza uma análise de cunho qualitativo,
conforme Gil (2008). Para cumprir o objetivo geral proposto,
adotamos os seguintes procedimentos: i) aprofundamento teórico
sobre os processos de letramento; ii) seleção e leitura de materiais
parametrizadores publicados para a prova de redação do ENEM
(2019); iii) composição da amostra, com 10 redações nota mil,

SUMÁRIO 84
elaboradas por candidatos, no ENEM (2019), acessadas em bancos de
dados disponíveis na internet; iv) análise das redações selecionadas.

Ressalta-se que a proposta inicial era analisar redações do


período 2019-2021. A opção pela exclusão dos anos 2020 e 2021 se
deve à situação atípica de pandemia no país, que se estendeu ao
ambiente escolar e pode ter afetado, por várias razões, os processos,
tanto no ambiente escolar, como fora dele. O critério para escolha
das redações nota mil se deve ao fato de optarmos por analisar como
as habilidades formadas na escola estão sendo colocadas em prática
nas instâncias sociais, como, por exemplo, no ENEM.

ANÁLISE DE DADOS
O tema da dissertação do Enem 2019 foi: “Democratização
do acesso ao cinema no Brasil”. De acordo com o Inep (2020),
mais de três milhões e novecentos mil candidatos participaram do
primeiro dia de provas, entre as quais se incluía a prova de redação.
O Instituto registra que o número de redações nota zero foi de
cento e quarenta e três mil e setecentas e trinta e seis redações
(143.736). Em cinquenta e seis mil desses casos (56.000), o motivo
da nota zero foi o fato de o participante ter entregado a prova de
redação em branco. A nota média geral das redações foi 592,9,
representando um pouco mais que 50% da nota total atribuída
(1000). Somente cinquenta e três (53) candidatos atingiram a
nota máxima. Conforme já referido, dessas cinquenta e três (53)
redações, escolhemos dez (10) para compor a nossa amostra.

A seguir, apresentamos a análise de trechos de algumas das


redações analisadas, com vistas a verificar como os estudantes que
obtiveram a nota máxima na escrita dos textos para o ENEM estão
abordando os conhecimentos socioculturais e interdisciplinares
adquiridos anteriormente.

SUMÁRIO 85
O primeiro trecho é do desenvolvimento 1, do Candidato 1:

Figura 1 – Desenvolvimento 1 (C1)

Fonte: (Cartilha Redação a mil 2.0, 2020, p. 6-7). Disponível em:<https://en.calameo.com/


read/005876988ef4231c58234>. Acesso em: 20. Set. 2022.

“Em primeira análise, vale destacar que durante o Renascimento


Cultural — movimento artístico e intelectual ocorrido na transição da
Idade Média para a Idade Moderna — a cultura era valorizada e usada
como uma maneira de transmitir conhecimentos. Hodiernamente,
entretanto, a situação é pouco observada na sociedade brasileira, uma
vez que o acesso ao cinema, como forma de expandir a construção
dos saberes, encontra-se pouco ampliado. Esse panorama lamentável
acontece porque a maioria das escolas, instituições essenciais para
a formação de indivíduos engajados culturalmente, interessa-se,
geralmente, apenas pela transmissão de conteúdos técnicos,
negligenciando estimular as habilidades socioculturais. Evidencia-se,
portanto, que a restrita ida aos cinemas relaciona-se com o deficitário
incentivo contato com essa modalidade de entretenimento por
parte dos colégios.”
Fonte: (Cartilha Redação a mil 2.0, 2020, p. 6-7). Disponível em:<https://en.calameo.com/
read/005876988ef4231c58234>. Acesso em: 20. Set. 2022.

SUMÁRIO 86
Percebe-se, acima, que C1 sustenta a ideia colocada em sua
introdução no seu primeiro argumento, sendo o deficitário incentivo
à valorização cultural nas escolas, ressaltando a importância de
um movimento artístico, ocorrido no Renascimento Cultural, com
passagem da Idade Média para a Idade Moderna. Isso mostra que
a cultura era uma forma de transmitir o conhecimento, entretanto,
atualmente, esse recurso não é muito utilizado como deveria. Assim,
é possível observar, conforme defendem Cantarin, Bertucci e Almeida
(2017), que, a partir da situação-problema, o candidato consegue
trazer uma referência para a sua apresentação argumentativa.

Ademais, nota-se que o candidato aponta que a “maioria


das escolas, instituições essenciais para a formação de indivíduos
engajados culturalmente, interessa-se, geralmente, apenas pela
transmissão de conteúdos técnicos, negligenciando estimular as
habilidades socioculturais” (Cartilha Redação a mil 2.0, 2020, p.
6-7). Como apresentado no tema, o cinema é um dos recursos que
possibilita essas reflexões, por meio do acesso à cultura e lazer, porém,
conforme defendido pela candidata, não é um recurso muito utilizado,
na maioria das vezes, pelas instituições de ensino. Além disso, esse
argumento, defendido pela estudante, é de suma importância para a
nossa pesquisa, considerando, por exemplo, que muitos estudantes
não conseguem desenvolver a sua escrita, pois não apresentam a
habilidade de relacionar os conhecimentos socioculturais adquiridos
na escola; falta-lhes o desenvolvimento de práticas que possibilitem
a capacidade de utilizar ambos os repertórios adquiridos, problema
que se estende a outras áreas do conhecimento.

Além desse exemplo analisado, temos a seguir o trecho do


desenvolvimento 2 do C3 da análise:

SUMÁRIO 87
Figura 2 – Desenvolvimento 2 (C3)

Fonte: (Cartilha Redação a mil 2.0, 2020, p. 12-13). Disponível em:<https://en.calameo.com/


read/005876988ef4231c58234>. Acesso em: 20. Set. 2022

“Ademais, a aceitação da restrição da cidadania por parte dos


brasileiros provém de um ensino ineficaz e muitas vezes inexistente
que acarreta falta de conhecimento sobre os direitos individuais. No
livro 'Vidas Secas'” de Graciliano Ramos, o protagonista Fabiano,
desprovido do acesso ao conhecimento, acabava sendo explorado e
humilhado por aqueles que detém o saber. Nesse viés, sendo a arte
uma mera reprodução da realidade, hoje são milhares os fabianos
no Brasil. Dessa forma, a ampliação do acesso à cultura por meio do
cinema é imperativa para alertar os brasileiros sobre sua condição de
marginalização cultural e para inserí-los no acesso à arte.”
Fonte: (Cartilha Redação a mil 2.0, 2020, p. 12-13). Disponível em:<https://en.calameo.com/
read/005876988ef4231c58234>. Acesso em: 20. Set. 2022

No segundo parágrafo do desenvolvimento desse candidato,


nota-se a discussão a respeito dos direitos individuais que, muitas
vezes, são desconhecidos, com a aceitação dessa restrição à cidadania
estando relacionada ao ensino ineficaz desses conhecimentos
fundamentais. Assim, C3 cita uma obra literária brasileira, sendo
um clássico, “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. É interessante a
comparação apresentada pelo estudante com o personagem da
obra, Fabiano, como bem situa, que era desprovido de conhecimento
e não tinha acesso ao saber no enredo, assim como uma parcela da
sociedade brasileira, que também não possui esses saberes, sobretudo
o sociocultural. Desse modo, o candidato consegue associar essa

SUMÁRIO 88
parcela de indivíduos com o Fabiano, e, como resultado, consegue
abordar um problema social presente na obra literária de ficção com a
realidade brasileira.

A seguir, outro exemplo com um trecho do texto do candidato


7, presente na amostra.

Figura 3 – Desenvolvimento 1 (C7)

Fonte: (Cartilha Redação a mil 2.0, 2020, p. 24-25)


Disponível em:<https://en.calameo.com/read/005876988ef4231c58234>.
Acesso em: 20. Set. 2022

“Em primeiro plano, é incontrovertível a grande concentração


de investimentos em apenas algumas partes do Brasil, ao passo que
em outras eles inexistem. Em 1808, ao chegar ao Rio de Janeiro, a
família real, com o intuito de modernizar a cidade para seu próprio
proveito, construiu muitos ambientes de difusão de cultura — como
a Biblioteca Nacional —, além de fomentar a criação de infraestrutura
para futuros projetos, como salas de cinema. No entanto, desde o
século XIX, tais investimentos ocorreram apenas nos grandes centros
populacionais do país, o que negligenciou locais menos favorecidos
— como o Norte e o Nordeste —, e fez com que, segundo dados do
site “Meio e Mensagem”, apenas cerca de 17% da população possa
ir frequentemente ao cinema. Dessa forma, evidencia-se que a
desigualdade regional, que existe desde o período colonial, é um dos
fatores primordiais na elitização do acesso ao cinema, o que faz com
que ele não seja democrático.”
Fonte: (Cartilha Redação a mil 2.0, 2020, p. 24-25). Disponível em:<https://en.calameo.com/
read/005876988ef4231c58234>. Acesso em: 20. Set. 2022

SUMÁRIO 89
Percebe-se, acima, o repertório de viés histórico, em que o
candidato menciona a família real e sua chegada ao Rio de Janeiro,
a partir disso, há uma modernização com meios de acesso à cultura,
com a criação de espaços que proporcionam o acesso cultural,
como bibliotecas e salas de cinema. Como estratégia argumentativa,
o candidato faz a comparação com a passagem dos séculos e a
desigualdade, visto que nem todos são favorecidos com esses
recursos, para isso, cita as regiões Norte e o Nordeste, acionando os
conhecimentos sociais e geográficos oriundos de dados estatísticos
de um site denominado “Meio e Mensagem”, demostrando que apenas
17% da população pode ir ao cinema. Isso revela que o problema é
comprovado por pesquisas, proporcionando maior credibilidade à
argumentação (COSTA; MARTINS, 2020).

Diante do exposto, a análise permitiu-nos verificar que, nessas


dez redações nota mil, os candidatos que demonstram compreender
a proposta integralmente foram também aqueles que conseguiram
aplicar conceitos de várias áreas de conhecimento para desenvolver
o tema, atendendo aos limites estruturais do texto dissertativo-
argumentativo em prosa. Conforme se observa, o tema da proposta
de redação do Enem (2019) é de cunho social e, sendo assim, exige
ser tratado, coerentemente, pelo viés sociológico. Verificamos que,
além desse enfoque sociológico já previsto, os autores das redações
analisadas também trataram o tema pelo viés político, histórico,
geográfico, educacional, artístico, entre outros.

Os resultados suscitam uma reflexão sobre o número ínfimo


de estudantes que estão formando, na educação básica, habilidades
escritoras tão necessárias às várias instâncias sociais. Assim,
faz-se necessário reconhecermos a necessidade de uma mudança
urgente nas propostas pedagógicas adotadas para formar sujeitos
críticos, capazes de refletir, debater e argumentar sobre temas do
cotidiano, advindos de um repertório sociocultural e interdisciplinar
fornecido pela escola.

SUMÁRIO 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, percebe-se, portanto, que os candidatos
que alcançaram a nota máxima conseguiram estabelecer uma
relação com conhecimentos de viés sociológico, filosófico,
artístico, histórico, geográfico, entre outros, já que possibilitaram a
veracidade e consistência na argumentação desenvolvida ao longo
do texto. Ainda, é possível constatar que o aspecto intertextual
da proposta de redação do ENEM (2019) possibilitou a esses
candidatos um intercâmbio de ideias, por meio da intertextualidade
e da interdisciplinaridade, deixando claro que esses escritores
demonstram ter não somente as habilidades de compreender a
proposta de redação, como também aplicar os conceitos das várias
áreas de conhecimento, selecionando, relacionando, organizando e
interpretando informações, fatos, opiniões, conforme é exigido pelo
Inep (2019) para construir os argumentos, tendo em vista a defesa do
ponto de vista e a persuasão dos interlocutores.

Além disso, é perceptível, com base nos dados, que uma das
dificuldades na produção textual do tipo dissertativo-argumentativo,
para muitos redatores, é a seleção do melhor repertório para a
construção dos argumentos de acordo com o tema a ser desenvolvido,
pois este precisa ser coerente e legitimado a uma temática, conforme
já mencionado, podendo também estar relacionado com outras
áreas para ser possível estabelecer uma conexão com a proposta
discutida. Sendo assim, o candidato precisa evitar repertórios
decorados sem qualquer tipo de relação com a temática proposta.
É possível perceber, também, que esse repertório é um dos pontos
iniciais para formulação dos argumentos e defesa do ponto de vista.
Em função disso, precisa ser usado com consciência e coerência, a
partir da discussão, por meio de exemplos, comparações, oposições,
alusões, citações, sejam elas diretas ou indiretas, e confirmações de
ideias. Entretanto, é interessante abordar que este não deve ser visto
como a única parte do texto, como mencionado, ele é o ponto de

SUMÁRIO 91
partida para o desenvolvimento da escrita e de outras habilidades e
competências atribuídas ao texto exigido pelo ENEM.

Nessa perspectiva, é fundamental a busca pelo


desenvolvimento a partir de práticas sociais que preparem os
estudantes para o exercício da cidadania e forme cidadãos
qualificados para a vida profissional e pessoal na sociedade.
Além disso, é importante dialogar e explorar as diversas áreas
do conhecimento, de modo a proporcionar o incentivo pela
aprendizagem de forma positiva, considerando a realidade e meio
social para o desenvolvimento da escrita.

Em suma, para o estudante alcançar seus objetivos, quer seja


o acesso ao ensino superior, por meio do ENEM, quer seja outras
oportunidades nas várias esferas sociais, ele precisa desenvolver,
inclusive, habilidades e competências relacionadas à escrita de
textos dissertativo-argumentativos, como, por exemplo, saber
associar a argumentatividade aos conhecimentos socioculturais e
interdisciplinares desenvolvidos pelos componentes curriculares
em sua trajetória escolar, pelas experiências culturais vividas, pela
interação social e, também, pelas informações acessadas por esse
indivíduo no cotidiano. Desse modo, é importante que a escola
reconheça o seu papel de promover essa relação dialógica entre
as diversas áreas do conhecimento, de modo a proporcionar aos
estudantes a formação e o desenvolvimento das habilidades no que
diz respeito à argumentação escrita, no intuito de prepará-lo para
exercer plenamente a sua cidadania, podendo pleitear e conquistar
espaços na vida em sociedade.

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dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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SUMÁRIO 92
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SUMÁRIO 94
4
Lenilson de Almeida Feitosa

CRENÇAS E ATITUDES
NAS ESCOLAS DO CAMPO:
O QUE DIZEM OS PROFESSORES SOBRE
OS FENÔMENOS VARIACIONISTAS
DO PORTUGUÊS BRASILEIRO?

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.4
RESUMO
Estudos sobre crenças e atitudes linguísticas revelam comportamentos,
sentimentos e percepções dos falantes frente a sua língua ou de outrem.
Nesse sentido, verificar as atitudes dos professores de língua portuguesa
das escolas do campo torna-se crucial. Os motivos justificam-se perante
os fenômenos linguísticos recorrentes nas falas dos discentes, tais como:
rotacismo, alteamento vocálico, ditongação, concordância, etc. Assim
sendo, delineou-se como objetivo central: avaliar as atitudes linguísticas
dos docentes de LP, diante dos fenômenos variacionistas do PB, proferido
pelos alunos do 6º ano em uma Escola Pública Municipal, localizada no
território rural do Município de Breves/PA. O posicionamento negativo
ou positivo dos professores é pedra angular para depreender a respeito
de suas práticas pedagógicas com a variação linguística. O aporte teó-
rico recorreu aos estudos das Crenças e Atitudes, de Lambert e Lambert
(1972), Fernandez (1998); da Sociolinguística educacional: Bortoni-Ricardo
(2014), Bagno (2008); das literaturas da Educação do Campo: Abreu (2013),
Caldart (2012), dentre outros. Os procedimentos metodológicos seguiram
etapas para a coleta e a composição do corpus: (i) pesquisa bibliográfica;
(ii) pesquisa de campo; (iii) foi aplicado um questionário com pergun-
tas semiestruturadas para três professores de LP da referida escola; (iv)
a abordagem da pesquisa foi de caráter quanti-qualitativo da pesquisa
descritiva. Os resultados constataram que as atitudes dos professores são
negativas para o uso de variantes estigmatizadas do PB, e positiva para o
uso da variedade de prestígio. A prática docente valoriza o ensino pres-
critivo da gramática normativa, com pouquíssima ênfase à pedagogia da
variação linguística.
Palavras-chave: Atitudes linguísticas. Prática de ensino. Variação.

SUMÁRIO 96
INTRODUÇÃO
Estudos sobre crenças e atitudes linguísticas revelam
comportamentos, sentimentos e percepções dos falantes frente a
sua língua ou de outrem. Nesse sentido, verificar as atitudes dos
professores de língua portuguesa (LP) das escolas do campo torna-se
crucial, tendo em vista a importância do processo educacional. O
posicionamento negativo ou positivo destes é fundamental para
depreender a respeito de suas práticas pedagógicas, principalmente,
com a variação linguística.

O ensino de LP que valoriza a norma-padrão é nocivo à


identidade linguística, pois desconsidera os aspectos social, histórico
e cultural dos alunos. Além disso, sustenta a ideia preconceituosa
do falar “correto” X o falar “errado”, mito linguístico desmitificado
por Bagno (2008). O português brasileiro (PB) não apresenta uma
unidade linguística, bem como não existe uma homogeneidade, pelo
contrário o Brasil é multicultural e multilíngue (BAGNO, 2008).

Em consonância com essas assertivas, no meio rural


brevense, os fenômenos acústicos (fonéticos) como desnasalização,
rotacismo, alteamento vocálico, monotongação, ditongação e
concordância verbal são perceptíveis e recorrentes no espaço
escolar. Diante disso, elaborou-se o seguinte questionamento: De
que maneira os docentes de LP se posicionam frente aos fenômenos
linguísticos em sala de aula?

Perante essa indagação, delineou-se como objetivo geral:


Avaliar as atitudes linguísticas dos docentes de LP, diante dos
fenômenos variacionistas do PB, proferidos pelos alunos do 6º
ano em uma Escola Pública Municipal, localizada no território
rural do Município de Breves/PA. Especificamente: Identificar as
crenças dos docentes, frente aos fenômenos e seus métodos de
ensino em sala de aula.

SUMÁRIO 97
O referencial teórico adotado contempla os pressupostos
da Sociolinguística Variacionista: Labov (2008), Tarallo (1991), Calvet
(2002); da Sociolinguística Educacional: Bortoni-Ricardo (2004;
2014), Bagno (2008), Faraco (2007); dos estudos em Crenças e
atitudes linguísticas: Lambert (1972), Fernández (2008), Botassini
(2013); da Educação do Campo: Abreu (2013), Caldart (2012),
dentre outros autores.

Os procedimentos metodológicos seguiram algumas etapas:


(i) pesquisa bibliográfica acerca da temática; (ii) pesquisa de campo
com registro de fotos; (iii) abordagem de caráter quanti-qualitativo e,
para a coleta e composição do corpus, foi aplicado um questionário
com 12 perguntas semiestruturadas para três professores de LP da
escola Ivo Mainard, localizada à margem direita do Rio Jaburu, no
município supracitado.

As informações adquiridas foram descritas em gráficos,


para atestar o aspecto quantitativo e, para os dados qualitativos,
analisou-se as respostas de maneira analítica. Este estudo está
dividido em três partes: a primeira contempla o referencial teórico,
o segundo corresponde aos procedimentos metodológicos, e a
parte final destina-se aos resultados e discussões, seguidos das
considerações finais.

REFERENCIAL TEÓRICO
De acordo com Marcos Bagno, em sua mais notável obra
Preconceito linguístico o que é, como se faz (1999), o PB não
apresenta uma unidade linguística, bem como não existe uma
homogeneidade, pelo contrário, o Brasil é multicultural e plurilíngue.
Essa crença linguística, no entanto, encontra-se estabelecida
socialmente, fomentada pela escola na lógica do “falar e escrever”

SUMÁRIO 98
corretamente, na qual a gramática normativa é tida como “língua”, e
não parte da língua (BAGNO, 2008).

Após vinte anos de lançamento dessa obra, o autor lança


uma nova edição em 2019, na qual atesta que os mitos linguísticos
(crenças) ainda permanecem atuais, e agora reforçados pelas mídias
sociais. Para o autor, o preconceito linguístico é também social,
pois a linguagem camufla e exclui socialmente indígenas, negros,
ribeirinhos, homossexuais, pessoas de baixo poder econômico etc.
A relação entre língua e sociedade é nutrida, então, de crenças e
atitudes linguísticas negativas, pejorativas, visto que o diferente é
visto com olhares diferentes.

Estudos sobre essa temática, segundo Botassini (2015),


atingem diversas dimensões, por exemplo, variação, mudança,
preconceito e identidade linguística, ensino de segundas línguas e
de língua materna, dentre outros. O falar marajoara é rico em contato
e variedades linguísticas, logo é oportuno e imprescindível realizar
um estudo dessa natureza nas escolas do campo.

O QUE DIZEM OS AUTORES SOBRE CRENÇAS


E ATITUDES LINGUÍSTICAS?
O ser humano é constituído de convicções e atitudes, ao
mesmo tempo em que é influenciável e influencia o outro, seja por
narrativas, comportamentos, ideologias, etc. Nessa fronteira cognitiva,
é preciso depreender a respeito dos elementos ou dos fatores que
constituem as crenças de um indivíduo ou de uma comunidade de
fala. Para esse estudo, elegeram-se alguns estudos, a fim de elucidar
e refletir a respeito da temática em debate.

A palavra “crença” vem do latim credentia, de credere que


etimologicamente significa “aquilo ou aquele em que se crê”. Em
Houaiss (2009), encontram-se as seguintes definições: ato ou efeito

SUMÁRIO 99
de crer; fé religiosa; convicção íntima; opinião formada; crendice;
superstição; forma de assentimento que se dá às verdades da fé.
Nessa ótica, acreditar em algo ou alguém de forma verídica faz parte
da nossa cultura, mesmo que isso não tenha valor empírico.

Do ponto de vista da Psicologia Social, Bem (1973)


estabelece que as crenças e atitudes são fundamentadas em quatro
atividades psicológicas do ser humano: cognitivas, emocionais,
comportamentais e sociais. Para esse autor, crenças e atitudes não
devem ser confundidas nem mesmo concebidas como sinônimos,
entretanto não se pode falar de uma sem falar da outra.

Conforme esse autor, crenças são as convicções que


coletivamente formam a compreensão sobre o próprio ser humano
e o meio em que vive, dispostas em duas categorias: primitiva ou de
ordem superior. As crenças primitivas estabelecem como parâmetros
a credibilidade, “credibilidade da própria experiência sensorial ou na
credibilidade em alguma autoridade externa” (1973, p. 13). Sob essa
ótica, as crenças apresentam-se como resultado de uma experiência
de um indivíduo, de um grupo social ou de uma comunidade de fala.

Por outro lado, as crenças de ordem superior são premissas


conscientes e explícitas entre o ser humano e a experiência. Segundo
Bem (1973), a língua é mais uma crença do que propriamente um
sistema de convenções, caracterizada em muitos casos como
elemento primitivo, baseado na autoridade externa. A credibilidade
dada a uma determinada variedade linguística, seja de prestígio ou
não, torna-se a autoridade externa influenciadora, ressoada pela
comunidade de fala. O falante do PB, por exemplo, ao não questionar
a variedade influenciadora, faz dela uma crença.

Ainda no rastro desse assunto, o conceito de crença


linguística é atestado primeiramente nos estudos de Labov (2008),
a partir de uma pesquisa realizada com falantes da cidade de Nova
York. O autor evidenciou que o uso inconsistente do som “r” parecia
afetar nos julgamentos dos entrevistados em relação à classe social
daqueles falantes. A partir desse estudo, o autor argumenta que as

SUMÁRIO 100
crenças de um grupo social são um conjunto de verdades culturais
impostas a cada indivíduo desse grupo (LABOV, 2008).

Desse modo, as crenças são compartilhadas pelo grupo


social em formas de atitudes uniformes, seja no uso de uma forma
estigmatizada ou de prestígio social da língua em questão. Isso nos
permite inferir que os falantes de uma comunidade linguística usam
a língua de acordo com as suas convicções, escolhas e credibilidade
(BEM, 1973). Outra característica de Crenças é encontrada
no seguinte postulado:
Crença é uma forma de pensamento, construções da
realidade, maneira de ver e perceber o mundo e seus
fenômenos, co-construídas em nossas experiências
resultantes de um processo interativo de interpretação
e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas
também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais
(BARCELOS, 2007, p. 113).

Para a autora, as crenças transformam-se no tempo e no


espaço, ou até mesmo dentro de uma mesma situação, sendo que,
de forma semelhante, as atitudes também se modificam nos estágios
iniciais de seu desenvolvimento, a partir de novas experiências,
até se solidificarem em determinados grupos sociais (LAMBERT;
LAMBERT, 1972). Como mencionado anteriormente, atitudes e
crenças estão imbricadas e fundamentadas nos elementos cognitivo,
afetivo e comportamental.

Em referência às atitudes, os autores dizem: “a atitude é uma


maneira organizada e coerente de pensar, sentir e reagir em relação
a pessoas, grupos, questões sociais ou, mais genericamente, a
qualquer acontecimento ocorrido em nosso meio circundante” (1972,
p. 100). Isso significa dizer que as atitudes afetam nossos julgamentos
e percepções sobre os outros e de si mesmo, e ajudam a determinar
os grupos com os quais nos identificamos.

SUMÁRIO 101
A partir desses postulados, depreende-se que as atitudes
linguísticas manifestadas por um falante são marcadas por preferências
de aceitação ou negação de um dialeto, língua ou variante. Em contato
com outro grupo social, o falante se coloca sob julgamentos e quando
negativos, estes impactam diretamente no preconceito e na identidade
linguística dos falantes (BAGNO, 2008).

A respeito da identidade linguística, nos estudos de


Furtado (2020), a autora atesta forte tendência de apagamento
do alteamento da vogal média posterior /o/, marca de identidade
dos cametaenses em posição tônica. Verificou-se o desuso da
variável [buca], [bulu], [nutʃɪ], pelos informantes investigados, e o
fator extralinguístico escolaridade é descrito como condicionante
da manutenção de /o/ tônico em /boca/, /bolo/ e /noite/. Tal fato
está associado à existência de estigma ao uso dessa variável em
contextos sociais mais monitorados.

É importante destacar que a recusa de uso dessa variedade


repercute de maneira negativa na continuidade de uso dessa variante,
além disso, projeta mudança articulatória (fonética) para a outra
forma de falar mais aceitável socialmente. Diante disso, “A atitude
linguística assumida pelo falante implica a noção de identidade, que
se pode definir como a característica ou o conjunto de características
que permitem diferenciar um grupo de outro, uma etnia de outra, um
povo de outro” (AGUILERA, 2008 p. 105).

Conforme a autora, atitudes positivas diante das variedades


de menor prestígio social possibilitam que o dialeto permaneça
vivo, mesmo sob pressão das formas supra estimadas. Tarallo
(1991, p. 14) endossa o pensamento da autora, afirmando que tais
variedades são “armas usadas pelos residentes para demarcar seu
espaço, sua identidade cultural, seu perfil de comunidade, de grupo
social separado”. Dessa forma, a manutenção de uso de um dialeto
ou língua dependerá do posicionamento identitário do falante
frente as demais variedades linguísticas em contato.

SUMÁRIO 102
Por fim, o preconceito linguístico/social camuflado na
linguagem (BAGNO, 2008), citado no início desse tópico, ainda é
recorrente na sociedade brasileira. Propor estudos direcionados à
interface língua/sociedade é um exercício complexo, porém crucial.
Nesse sentido, a temática crenças e atitudes linguísticas torna-se
relevante pela possibilidade de ampliar discussões e reflexões com
relação ao campo educacional brasileiro, e aqui enfatiza-se amarajoara.

COMPONENTES DAS ATITUDES LINGUÍSTICAS


As referências adotadas nesse estudo para os componentes
das atitudes linguísticas recaem sobre Lambert e Lambert (1972)
e Moreno Fernández (1998). A perspectiva adotada é a mentalista,
entendida como um estado interno do indivíduo, uma disposição
mental exposta a condições ou a atos sociolinguísticos concretos.
Sob essa ótica, a atitude seria uma categoria intermediária entre um
estímulo ou a ação individual (FERNÁNDEZ, 1998). Na perspectiva
metalista, existem três componentes da atitude linguística: cognitivo,
afetivo e comportamental.

O componente cognitivo está relacionado ao conhecimento


do indivíduo a respeito do objeto, ou seja, suas crenças, pensamentos
e suas percepções. O componente afetivo, por sua vez, está
relacionado com as emoções e os sentimentos que os indivíduos
possuem a respeito do objeto. O componente comportamental pode
ser entendido como a reação do sujeito sobre o objeto, ou seja, o seu
comportamento diante de outras línguas.

Nesse contexto, o componente comportamental é observado


com mais frequência nas ações de pesquisas, pois trata das reações
que os sujeitos possuem diante dos fenômenos linguísticos presen-
tes nos áudios e nos questionários (LAMBERT; LAMBERT, 1972).

SUMÁRIO 103
Para entender esses componentes da perspectiva mentalista, obser-
va-se o esquema que exemplifica cada componente, de acordo com
os autores mencionados.

Figura 1 – Esquema dos componentes da atitude


linguística proposto por Lambert e Lambert (1972)

Fonte: O autor, 2023.

Nesse modelo proposto por Lambert e Lambert (1972), a


atitude linguística de um indivíduo representaria o produto da soma
das suas crenças, conhecimentos, afetos e tendências a comportar-se
de uma forma determinada diante de uma língua ou de uma situação
sociolinguística. Essas foram as observações para os componentes
das atitudes linguísticas, não é nosso objetivo esgotar a discussão,
e sim apresentar reflexões teóricas, com ênfase nas contribuições
das Crenças e Atitudes para o campo de atuação da Sociolinguística
Variacionista e Educacional.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO:


OBSERVAÇÕES PRELIMINARES
Ao estudar qualquer comunidade linguística, a constatação
mais imediata é o aparecimento de variação na língua. É empírica a
não homogeneidade das línguas, todas são retratadas de maneira
heterogênea com muitas variantes (fonéticas, lexicais, sintáticas
etc.). Nessa perspectiva, a Sociolinguística considera a diversidade

SUMÁRIO 104
linguística não como um problema, mas como parte inerente às
línguas naturais, sejam elas quais forem.

Para Bortoni-Ricardo (2014), a variação linguística cientificada


no Brasil nos permite reconhecer uma pluralidade de falares que
são frutos da dinâmica populacional e da natureza do contato dos
diversos grupos étnicos e sociais, nos diferentes períodos da nossa
história. Para essa autora, não se pode pensar no uso de uma língua
em termos de “certo” e “errado”, e em dialeto “melhor” ou “pior”,
“bonito” ou “feio”. Ainda para essa autora:
Segundo o relativismo cultural, nenhuma língua ou
variedade de língua, em uso em comunidades de fala,
deveria ser considerada inferior ou subdesenvolvida,
não obstante o nível da tecnologia ocidental que aquela
comunidade tenha avançado. Já a heterogeneidade inerente
e ordenada, que está na raiz da Sociolinguística, postula
que toda língua natural é marcada pela variação, a qual não
é assistemática. Pelo contrário, os recursos da variação,
que toda língua natural oferece, estão sistematicamente
organizados em sua estrutura e contribuem para tornar a
comunicação entre os falantes mais produtiva e adequada
(BORTONI-RICARDO, 2004, p. 157)

Os estudos sobre as diversidades dialetais do português


brasileiro, na perspectiva da sociolinguística educacional, visam
dimensionar o que isso representa para a formação dos alunos. É
preciso considerar que estes frequentam instituições escolares
e pertencem a diferentes regiões do país, diferentes estratos
sociais e culturais, aqui enfatiza-se a região ribeirinha marajoara,
ressaltando que fatores sociais colaboram para que ocorra a variação
linguística. Dessa forma:
[...] mesmo que tenhamos tudo isso muito claro em
nossas mentes, é preciso sempre lembrar que, do ponto
de vista sociológico, o “erro” existe, e sua maior ou menor
“gravidade” depende precisamente da distribuição dos
falantes dentro da pirâmide das classes sociais, que
é também uma pirâmide de variedades linguísticas.

SUMÁRIO 105
[...] O “erro” linguístico, do ponto de vista sociológico
e antropológico, se baseia, portanto, numa avaliação
estritamente baseada no valor social atribuído ao falante
(BAGNO, 2008, p. 73).

A variação da língua ocorre devido a fatores linguísticos


ou extralinguísticos, de forma que os primeiros se dão pela própria
natureza linguística, e o segundo, por motivos externos à língua
(LABOV, 2008). Por assim dizer, ao considerarmos determinadas
variedades como melhores e condenarmos ou criticarmos as
demais, emitimos um juízo de valor sobre os falantes dessas
variedades, usando as diferenças linguísticas como um pretexto para
discriminação social dos indivíduos (BORTONI-RICARDO, 2014).

A diversidade linguística é um patrimônio cultural, um


sistema não unitário em que se entrecruzam diversos subsistemas,
resultados de situações sociais, culturais e geográficas diversas.
Sendo assim, é possível encontrar no Brasil uma grande diversidade
linguística, devido tanto às características regionais como também
a diferenças sociais.

Os estudos de Moraes (2016) apresentam fenômenos de


variação fonético-fonológica e lexical do PB em contexto de sala no
meio rural marajoara, tornando possível testificar os postulados das
assertivas anteriores. Para Tarallo (1991, p. 8), “variantes linguísticas
são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo
contexto e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de
variantes dá-se o nome de ‘variável linguística’”.

Vejamos alguns dos fenômenos evidenciados nos estudos


da autora, nas falas não monitoradas dos alunos. Seguem
algumas formas recorrentes:

SUMÁRIO 106
Quadro 1 – Fenômenos fonético-fonológicos
Fenômenos Exemplos
Processo de Assimilação dormindo → dorminu
Processo de Monotongação trouxe→truxe
Processo de Rotacismo volta → vorta
Processo de Ditongação nós → nois
Processo de Alteamento bonita → bunita
Processo de vocalização velha → veia
Processo de Desnasalização ontem → ontiØ
Processo de Concordância verbal Nóis jantemo cedo → Nós jantamos cedo
Fonte: Moraes, 2016.

A variação lexical também foi evidenciada na pesquisa de


Moraes (2016), nas falas não monitoradas dos alunos. Seguem
algumas formas recorrentes:

Quadro 2 – Fenômenos da variação lexical


Fala não monitorada dos alunos Exemplos
“[...] tem a letra gita” gita→ pequena
“[...] tavam pra roça..tão tudo tuíra” tuíra→ sujo
“[...] Ela ta até mufina” mufina → triste, doente
“[...] é mesmo ela ta baquiada” baquiada → triste, doente
“[...] pode ser quebranto” quebranto → inveja
Fonte: Moraes, 2016.

Mais uma vez, fica clara a presença da variação proferida


pelos alunos nas aulas de LP, nas escolas do campo (MORAES,
2016). Para Calvet (2002, p. 156): “Em uma comunidade linguística,

SUMÁRIO 107
existe a possibilidade de representação de determinados elementos
linguísticos (fonéticos, morfológicos, sintáticos, etc.), por diferentes
modos de expressão”. Sob essa ótica, o falar dos povos ribeirinhos
marajoaras é caracterizado como distante do dialeto padrão ou da
variedade de prestígio social.

Nessa perspectiva, torna-se crucial identificar as crenças


e atitudes linguísticas dos professores frente a essa realidade
linguística. Oportuno destacar que o falar “diferente” também é língua,
de maneira que as práticas docentes devem seguir os parâmetros
da uma pedagogia da variação, de forma a cultivar no educando
uma consciência linguística e cultural. Essas ações não descartam
o ensino da variedade padrão, pelo contrário, ela deve ser ensinada,
entretanto, sem o ar de superioridade.

METODOLOGIA
Os procedimentos metodológicos para esse estudo
vinculam-se aos pressupostos da Sociolinguística Variacionista
(LABOV, 2008) e Educacional (BORTONI-RICARDO, 2014), e
às contribuições de Lambert e Lambert (1972), sobre mensurar
atitudes linguísticas. Em virtude da presença de seres humanos
nessa pesquisa, antes de colher os dados, a proposta de trabalho
foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), subordinado a
uma Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), vinculada
ao Ministério da Saúde.

Em linhas gerais, realizaram-se as seguintes etapas:


Levantamento bibliográfico sobre a temática, que, para Gil (2008),
é crucial, pois permite contato com as literaturas relacionadas
ao assunto. Por conseguinte, a pesquisa de campo, realizada na
Escola Municipal de Ensino Fundamental: Ivo Mainard, localizada às

SUMÁRIO 108
margens direita do rio Jaburu no Município de Breves-Marajó-Pará.
Essa escola atende alunos desde a Educação Infantil, até o Ensino
Médio, sendo que o foco desse estudo reside nas turmas de 6º ano
do Ensino Fundamental.

Os sujeitos participantes são professores da Rede Pública


Municipal de Ensino, especificamente, docentes de LP atuantes no
referido estabelecimento de ensino. A abordagem da pesquisa é
quanti-qualitativa, e a técnica usada para a coleta e composição do
corpus foram dois questionários semiestruturados, com perguntas
relacionadas aos objetivos traçados.

A partir das respostas dos questionários, os dados


coletados foram analisados, os quais foram projetados em gráficos,
a fim de demonstrar o aspecto quantitativo. Para o aspecto
qualitativo, utilizou-se da forma analítica, levando-se em conta as
respostas dos informantes.

APLICABILIDADE DOS QUESTIONÁRIOS


E COLETA DO CORPUS DA PESQUISA
Os sujeitos informantes da pesquisa foram estratificados
pelas seguintes variáveis extralinguísticas: sexo, idade, escolaridade
e procedência. Para preservar a identidade dos docentes,
chamaremos de P1, P2 e P3. O primeiro questionário aplicado coletou
as informações descritas a seguir:

Tabela 1 – Perfil dos participantes da pesquisa


Informantes Sexo/Gênero Idade Escolaridade Procedência
P1 Mulher 28 anos Graduado em Letras Mora na cidade de
(há 05 anos é com especialização Breves
docente de LP)

SUMÁRIO 109
P2 Mulher 55 anos Graduado em Letras Mora na cidade de
(há 25 anos é com especialização Breves
docente de LP)
P3 Homem 43 anos (há 18 anos Graduado em Letras Mora na cidade de
é docente de LP) com especialização Breves

Fonte: elaborado pelo autor

Na ida à escola — pesquisa de campo —, foi aplicado


aos professores de LP o primeiro questionário destinado a obter
informações sobre o perfil docente. Realizou-se observações no
espaço escolar, conversas informais com os professores e outros
funcionários. Essa etapa permitiu contato direto com a realidade
escolar ribeirinha, sendo que conhecer de maneira mais aprofundada
o objeto de estudo é fundamental (GIL, 2008).

No segundo dia de pesquisa de campo, foi solicitado aos


docentes algumas redações dos alunos (turmas do 6.º ano) realizadas
nas aulas de produção textual. Essa coleta de textos possibilitou a
identificação dos fenômenos linguísticos do PB manifestados pelos
discentes, considerando que os fenômenos realizados na fala dos
discentes refletem no texto escrito (BORTONI-RICARDO, 2014). Após
a leitura das redações, verificou-se diversos fenômenos fonético-
fonológicos do PB. Os mais recorrentes foram recortados a seguir e
expostos na tabela II.

Tabela 2 – Fenômenos fonético-fonológicos do PB


Exemplos Exemplos
Processo de Desnalização Rotacismo
ontem → ontiØ golpe → (gorpe),
estudaram→ istudarô Ø lençol→ (lençor),
ontem → ontiØ volta→(vorta),
homem→ homiØ problema→ (probrema)
pegam→ pegu Ø palmito → (parmito)

SUMÁRIO 110
Processo de Monotongação Concordância Verbal (CV)
ouro → (ôro), nós vamos → nós vai bem cedinho...
baixo → (baxô), nós fomos → a gente fomo trabalhar ...
paneiro→ (panêro), lavaram as louças →lavaram às louça...
primeiro → (primêro) tiramos açaí ontem → tiremo açaí ontem...
contou → (contô) compramos farinha → compremofarinha...
aumentou→ armentô eu fiz o gol → eu fezogol...
Processo de Ditongação Alteamento Linguístico
nós → (nóis) todo→ (tudu)
três → (treis) oito→ (uitu)
mês → (meis) bonita → (bunita)
ilhós → (ilhóis) escrever → (iscrevê)
através → (atraveis) escola → (iscola)
Fonte: elaborado pelo autor.

Nesse recorte, não foram levadas em consideração a variação


lexical e semântica dos termos e expressões encontrados nos textos
dos alunos do 6º ano. Após esse diagnóstico, no terceiro dia de
pesquisa de campo, foi aplicado o segundo questionário, composto
por 12 perguntas, aos docentes, no qual as perguntas estavam em
consonância com os objetivos traçados.

Quadro 1 – Algumas perguntas do segundo questionário

1 De que maneira você desenvolve suas atividades frente aos fenômenos linguísticos identificados na
escrita de seus alunos?
2 Você prioriza o ensino de gramática prescritiva?
3 Você identifica esses fenômenos na fala dos seus alunos em suas aulas? Como você reage?
4 Você trabalha com a perspectiva da variação linguística em suas aulas de LP?
Fonte: elaborado pelo autor.

SUMÁRIO 111
Para a análise dos dados coletados na pesquisa de campo,
realizada em junho de 2022, foram selecionadas somente 04
questões do segundo questionário, descritas na tabela III.

ANÁLISE DE DADOS
Os resultados, a princípio, constataram que as atitudes dos
professores são negativas para o uso de variantes estigmatizadas do
PB, e positiva para o uso da variedade de prestígio (norma-padrão). A
prática docente valoriza o ensino prescritivo da gramática normativa,
com pouquíssima ênfase à pedagogia da variação linguística. As
consequências dessas ações pedagógicas implicam o preconceito,
identidade e apagamento das variantes linguísticas faladas pelos
discentes das escolas ribeirinhas. Seguem alguns recortes das
principais respostas dos professores entrevistados.

1. Como você desenvolve suas atividades frente aos


fenômenos linguísticos (fonéticos) identificados na
escrita de seus alunos?

P1_ “No meu ponto de vista a gramática normativa estabelece padrões


na escrita e na fala, mesmo sendo cultural falar assim, ensinar o correto
é primordial para os alunos futuramente...”

P2_ “Existe um choque entre a língua de casa e a da escola no meu


entender. Mesmo assim, prefiro corrigir a maneira de escrever e falar
dos alunos, sem magoá-los ...”

P3_ “Nós professores de LP, somos muito exigidos na escola para


ensinar o correto para os alunos. Então, respeito a cultura e os saberes
dos alunos, mas trabalho pensando na importância de falar e escrever
corretamente, de acordo com as situações possíveis...”.

SUMÁRIO 112
A partir dessas primeiras respostas, já é possível verificar
que as atitudes docentes são negativas para o uso das variedades
de menos prestígio social. Em nenhum momento, verificou-se
uma preocupação com os aspectos socioculturais e históricos dos
discentes. P1 ressalta o aspecto cultural, mas acaba sucumbindo
para o uso da gramática prescritiva em suas ações pedagógicas.
Faraco (2007) já enfatizava para o desafio da construção de uma
pedagogia plenamente variacionista no século vigente. Lógico que
a variedade padrão não deve ser deixada de lado, mas também não
pode ser elevada como “melhor” que as demais (BAGNO, 2008).

2. Você prioriza o ensino de gramática prescritiva?

Gráfico 1

7%
79%

Sim Não

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

De acordo com o gráfico, 92% das ações pedagógicas dos


professores vinculam-se ao ensino da gramática normativa. Esses
posicionamentos docentes reforçam suas atitudes manifestadas
na primeira pergunta. A crença de uma unidade linguística no
PB ainda prevalece no século XXI, crença impregnada na mente
dos professores de LP.

SUMÁRIO 113
Importante destacar aqui as observações de Bortoni-Ricardo
(2014), a respeito da pedagogia culturalmente sensível. Tal pedagogia
não desconsidera o ensino da gramática normativa, mas recorre a ela
de forma diferente, utilizando-a nos contextos reais de comunicação,
ou seja, valoriza o funcionalismo da língua em seu estado de uso.
É essa premissa que devemos buscar para a prática docente, sem
desprestigiar uma em função da outra.

3. Você identifica esses fenômenos na fala dos seus alunos


em suas aulas? Como você reage?

P1_ “Sim, e faço a correção no modo de falar e de escrever...”.

P2_ “Sim, procuro fazer as correções, pois é o meu papel como


docente de LP...”

P3_ “Sim, oriento meus alunos sobre essa maneira errada de falar e
escrever...”

As respostas dos professores são unânimes em dois


sentidos, ao constatarem as variantes linguísticas na fala de seus
alunos em sala de aula, e também por corrigirem seus alunos
de forma instantânea para o uso da variedade padrão. Esse
fato implica diretamente no reforço do preconceito social e no
desprezo pelo dialeto local dos alunos ribeirinhos. O desuso de
um dialeto, por parte dos seus falantes, ressoa negativamente na
sua identidade linguística.

De acordo com Aguilera (2008), atitudes positivas frente


as variedades de menor prestígio social possibilita que o dialeto
permaneça vivo, mesmo sob pressão das formas supraestimadas.
Entretanto, atitudes negativas para uma língua, dialeto ou
variante (fonética, lexical, semântica etc.) tende ao apagamento
destas (FURTADO, 2020).

É por essa razão que trabalhar nos vieses da pedagogia da


variação linguística, como bem ressalta Faraco (2007) e Bortoni-
Ricardo (2004), tem relevância para a quebra de um modelo

SUMÁRIO 114
hegemônico e eurocêntrico suplantado em nossas mentes por
séculos. Despertar a consciência linguística dos docentes e discentes
é crucial para uma linguagem mais inclusiva e cidadã; do contrário,
as crenças linguísticas permanecem.

4. Você trabalha com a perspectiva da variação linguística


em suas aulas?

Gráfico 2

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

A partir da leitura do gráfico, verifica-se que 55% dos


professores responderam às vezes, 45% muito pouco, e ninguém
respondeu não. Isso quer dizer que os docentes têm noção do que seja
a variação linguística. No entanto, as crenças e atitudes linguísticas
introduzidas nas mentes destes professores tendem para o ensino
mais prescritivo de normas e regras da gramática normativa, preferindo
atribuir valoração à variedade padrão, de prestígio social. Nessa
pergunta, é imperativo analisar alguns elementos influenciadores
para a manutenção dessas atitudes docentes em contextos rurais, por
exemplo, material didático e formação continuada.

SUMÁRIO 115
Segundo Abreu (2013), os livros didáticos das escolas urbanas
são utilizados, também, nas escolas ribeirinhas, soma-se a isso a falta
de formação continuada para esses docentes em temáticas sociais e
linguísticas. Dessa maneira, as crenças implícitas dos livros didáticos
imperam no fazer docente de LP, e o mito do “falar” e “escrever”
corretamente, mais ainda. Essas informações complementares
foram obtidas a partir de conversas informais com os professores,
durante a pesquisa de campo, as quais contribuíram para aprofundar
o entendimento da temática em debate.

É importante destacar aqui a possibilidade de mudanças de


crenças e de atitudes dos professores, pois, segundo Barcelos (2007),
as crenças transformam-se no tempo e no espaço ou até mesmo
dentro de uma mesma situação. De maneira semelhante, as atitudes
também se modificam nos estágios iniciais de seu desenvolvimento, a
partir de novas experiências (LAMBERT; LAMBERT, 1972). Posto isso,
a depender das influências externas as quais os profissionais sejam
expostos, suas atitudes tendem a mudanças positivas ou negativas.

Dito de outra maneira, formações continuadas destinadas


aos docentes, materiais didáticos voltados para a sua realidade local
e com perspectivas da pedagogia da variação linguística constituem
experiências as quais podem, então, mudar o fazer docente e
suas atitudes. É nisso que a sociolinguística educacional acredita
(BORTONI-RICARDO, 2014). Por essa razão, eis a relevância de
pesquisas sobre crenças e atitudes linguísticas docentes, tais como
essa em análise que propusemos.

SUMÁRIO 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desse estudo, concretizou-se a primeira parte
dos objetivos traçados, que diz respeito à aferição das atitudes
linguísticas dos docentes de LP, frente aos fenômenos linguísticos em
contexto de sala de aula. A próxima etapa implementará um projeto
de intervenção pedagógica com ênfase na formação continuada
dos professores, com vistas à pedagogia da variação, preconceito e
identidade linguística. Os saberes locais advindos dos fatores sócio-
histórico-culturais serão considerados nesse projeto intervencionista.

A construção de um material didático com foco na linguagem


local ocorrerá em parceria com os docentes da referida escola e
constitui a última parte desse estudo (ainda em andamento). Elaborar
uma proposta pedagógica para atender às necessidades desses
docentes faz-se imperativo. Pesquisar cientificamente uma realidade
educacional ribeirinha e não idealizar um produto pedagógico não
faz parte de nossos ideais, de nossas militâncias por uma educação
inclusiva linguisticamente.

No que diz respeito às atitudes linguísticas dos professores


de LP, embora negativas, não significa que não podem mudar, no
entanto, é crucial a implantação de projetos pedagógicos participati-
vos, com propósitos a gerar novas experiências cognitivas docentes.
Do contrário, os mitos e as crenças linguísticas serão mais vivos e
presentes em nossa sociedade, camufladas no uso da linguagem.
Esse fator é prejudicial e pode levar ao apagamento de línguas, dia-
letos e variedades linguísticas (fonéticas, lexicais, sintáticas etc.).
Somam-se a isso os impactos nas identidades dos falantes e na
comunidade de fala ribeirinha.

Por fim, estudos sobre crenças e atitudes linguísticas docentes


nos possibilitam ampliar discussões e reflexões sobre língua e
sociedade. O ensino de língua portuguesa no século XXI ainda

SUMÁRIO 117
está mergulhado nos muitos mitos linguísticos, sendo que desfazer
essa mentalidade docente requer esforço, dedicação e pesquisas.
Buscou-se, no presente trabalho, rumar nessa direção, deixando fios
linguísticos para novas pesquisas nesse campo do saber.

REFERÊNCIAS
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campo. 2ª Ed. GEPEIF-UFPA, Belém, 2013.

AGUILERA, V. de A. Crenças e atitudes linguísticas: o que dizem os falantes das capitais


brasileiras. Estudos Linguísticos, São Paulo, v. 37, n. 2, p. 105-112, maio-ago. 2008.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. O que é como se faz. 49ª ed. São Paulo:
Loyola, 2008.

BARCELOS, Ana Maria Ferreira. Reflexões acerca da mudança de crenças sobre ensino e
aprendizagem de línguas. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. Belo Horizonte,
v. 7, n. 2, p. 109-138, 2007.

BEM, Daryl Jay. Convicções, atitudes e assuntos humanos. Tradução de Carolina


Marusseli Bori. [1934] São Paulo: EPU, 1973.

BORTONI- RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística


na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

BORTONI- RICARDO, Stella Maris. Manual de Sociolinguística. São Paulo: Editora


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BOTASSINI, Jacqueline Ortelan. A importância dos estudos de crenças e atitudes


para a sociolinguística. SIGNUM: Estud. Ling., Londrina, n. 18/1, p. 102-131, jun. 2015.

CALDART, Roseli Salete. Sobre Educação do Campo. Políticas Públicas: educação.


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CALVET, Jean Louis. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.

SUMÁRIO 118
FARACO, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da variação linguística. In: CORREA, D. A.
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FERNÁNDEZ, Francisco Moreno. Principios de socioliguística y sociologia del


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FURTADO, Raquel. Crenças e Atitudes Linguísticas na Variação da Vogal média


posterior /o/ > [u] em posição tônica falado em Cametá-PA. periodicos.unifap.br/
Macapá, v. 10, n. 1/1, p. 37-49, 1º sem.2020.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

LABOV, Willian. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008[1972].

LAMBERT, William. W.; LAMBERT, Wallace. E. Psicologia social. 3. ed. Rio de Janeiro:
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MORAES, L.N. DE. A variação linguística em sala de aula: Uma análise do posicionamento
do professor diante as variações utilizadas pelos alunos. (Trabalho de conclusão de curso) –
Faculdade de Letras, Campus Universitário do Marajó (CUMB/UFPA). Breves-PA, p. 52. 2016.

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática. 1991.

SUMÁRIO 119
5
Cecília de Almeida Coelho
Maria Alice Mota
Liliane Pereira Barbosa
Welber Nobre dos Santos

ENSINO REMOTO
DE LÍNGUA PORTUGUESA,
PLANO DE ESTUDO TUTORADO
(PET) E A LINGUÍSTICA TEXTUAL

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.5
RESUMO
Ao refletirmos sobre o avanço dos estudos linguísticos e as atuais pro-
postas presentes em documentos parametrizadores, tem-se reconhecido
a necessidade da promoção de um ensino de Língua Portuguesa em que
sejam consideradas teorias com uma visão integralizada dos conhecimen-
tos. Entretanto, nota-se que, por vezes, esse tipo de abordagem ainda é
incipiente no cotidiano escolar. Nos últimos dois anos, no âmbito das esco-
las públicas, devido à pandemia da Covid-19, estabeleceu-se que o Plano
de Estudo Tutorado (PET) seria o principal material norteador das aulas
em Minas Gerais. Diante desse contexto, esta pesquisa objetivou analisar
atividades de Língua Portuguesa propostas no PET. Admitindo ser esse
material revelador de uma concepção de língua, a hipótese levantada é
que, por ter sido o principal direcionador do ensino, as atividades nele pro-
postas incluem a análise e reflexão linguística, e não somente uma visão
normativa e prescritiva. Para este estudo, são consideradas as perspecti-
vas da Teoria da Complexidade, da Linguística Textual e estudos acerca da
história e influência da Gramática Tradicional. Quanto à metodologia, esta
pesquisa tem caráter bibliográfico e é de natureza qualitativa. A partir da
análise, os resultados apontam a predominância de uma abordagem inter-
pretativa dos textos, associada a atividades de categorização de termos e
expressões ao tratar de aspectos gramaticais. Com essa constatação, há
que se reconhecer a importância da reflexão sobre as abordagens presen-
tes nos materiais didáticos e nas práticas de ensino para que se passe a
considerar as relações indissociáveis existentes entre os aspectos formais,
funcionais e sociointeracionais da língua.
Palavras-chave: Gramática. Linguística Textual. PET.

SUMÁRIO 121
INTRODUÇÃO
Com o avanço dos estudos linguísticos e as atuais propostas
presentes em documentos parametrizadores, como a Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2018) e os Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1998), tem-se reconhecido, cada vez mais, a
necessidade de se desenvolver um ensino de Língua Portuguesa em
que se considere as teorias que propõem uma visão integralizada dos
conhecimentos. Entretanto, tomando contato com materiais usados
para o ensino remoto de Língua Portuguesa na Educação Básica,
nota-se que esse tipo de abordagem, por vezes, ainda é incipiente
no cotidiano escolar.

Nos últimos dois anos, esse cotidiano escolar foi afetado


pela pandemia da Covid-19, que obrigou as escolas a encontrarem
alternativas para dar continuidade aos processos de ensino e
aprendizagem. Assim, no âmbito das escolas públicas, estabeleceu-se
que o ensino seria desenvolvido de forma remota, e que o Plano de
Estudo Tutorado (PET) seria o principal material didático norteador
das aulas de Língua Portuguesa na modalidade remota, no estado
de Minas Gerais. Tendo em vista esse contexto, esta pesquisa tem
como objetivo analisar questões de Língua Portuguesa, propostas
em PET, sobretudo aquelas que se referem a conteúdos gramaticais.

Admitindo ser esse material revelador de uma concepção


de língua, ainda que produzido em um contexto atípico, a hipótese
levantada é que, por ter sido o principal direcionador do ensino,
as atividades nele propostas apresentam uma visão de língua
contemporânea, que inclua a análise e reflexão linguística, e não
somente uma visão normativa e prescritiva da língua. Para este estudo,
são consideradas as perspectivas da Teoria da Complexidade (MORIN,
2007, 2015), da Linguística Textual (KOCH, 2009, 2021; MARCUSCHI,
2008, 2012; MORAES, 2006) e do estudo de Vieira (2018), que trata da
evolução dos estudos linguísticos ao longo da história e da influência
da Gramática Tradicional (GT) no ensino de Língua Portuguesa.

SUMÁRIO 122
Quanto à metodologia, esta pesquisa tem caráter
bibliográfico e é de natureza qualitativa, nos termos de Denzin;
Lincoln, 2006 apud Chueke; Lima (2012) e Gil (2002). Assim, nesse
texto serão apresentados, inicialmente, aspectos teóricos relativos
aos estudos linguísticos e o ensino de língua; em seguida, são
apresentados os procedimentos metodológicos adotados, e, por fim,
a discussão acerca dos resultados obtidos, por meio da análise do
material didático citado.

REFERENCIAL TEÓRICO

A EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS:


UM BREVE PANORAMA
Os estudos acerca da linguagem, segundo Vieira (2018),
tiveram início por volta do século IV a. C, com os filósofos gregos
e os gramáticos alexandrinos. Nesse contexto, a linguagem era
compreendida como a expressão do pensamento humano, e o
objetivo dos estudos focalizava principalmente as técnicas da arte
retórica. Quanto ao desenvolvimento desses estudos, Vieira (2018)
considera a existência de uma influência mútua entre os campos
denominados teórico – que abordava os fenômenos linguísticos sob
uma perspectiva crítica com base na filosofia – e doutrinário – que
buscava descrever e prescrever a língua grega presente nas obras
clássicas de Homero.

Tal influência fez com que as concepções de língua pautadas


sobretudo nas noções de certo e errado, tendo como base os modelos
instituídos pelos poetas clássicos em suas obras, permanecessem
ao longo do tempo direcionando as pesquisas e o ensino de

SUMÁRIO 123
língua (VIEIRA, 2018). Dessa forma, de um modo geral, embora os
estudiosos da linguagem propusessem novas gramáticas, novos
estudos ainda se baseavam direta ou indiretamente nos modelos
anteriores, fazendo com que as concepções prescritivo-normativas
direcionassem os estudos da linguagem sem que houvesse
questionamentos explícitos sobre sua efetividade.

Assim, após séculos de estudo, há o surgimento da


Linguística, compreendida como “o estudo científico da língua(gem)”
(WEEDWOOD, 2002, p. 9) ou ainda, como a ciência que “estuda a
principal modalidade dos sistemas sígnicos, as línguas naturais”
(PETTER, 2010, p. 17). O termo “linguística” foi muito utilizado nesse
contexto inicial para se distinguir duas diferentes abordagens:
uma mais inovadora, com princípios teórico-metodológicos bem
definidos para a investigação da língua, e a anteriormente citada,
considerada mais tradicional, que antecede os estudos científicos
sobre a linguagem, denominada pelos linguistas como “Gramática
Tradicional” (WEEDWOOD, 2002).

Nesse sentido, muitas vertentes surgiram dentro da


ciência linguística de modo a propor investigações sob diferentes
perspectivas e a partir de metodologias diversas. Teorias formalistas
como o Estruturalismo e Gerativismo, por exemplo, focalizam o estudo
de maneira isolada dos signos e das sentenças, respectivamente.
Contudo, há também outras linhas que visam analisar a língua
dentro de um contexto comunicativo mais amplo, como é o caso da
Linguística Textual, teoria adotada nesta pesquisa.

A LINGUÍSTICA TEXTUAL E O ENSINO


E APRENDIZAGEM DE GRAMÁTICA
A Linguística Textual, diferentemente de teorias formalistas,
propõe, na atualidade, o texto como objeto central de estudo.
Entretanto, o seu desenvolvimento não foi um processo homogêneo,

SUMÁRIO 124
e, segundo teóricos, se dá em três fases com diferentes objetivos
teóricos e concepções de texto, sendo elas: análise transfrástica,
gramáticas textuais e teoria ou linguística dos textos. Conforme
Lima (2017), o primeiro momento consiste na superação da
análise linguística limitada ao nível das frases isoladas, e o texto é
compreendido como uma sequência coerente de enunciados. No
segundo momento, parte-se do todo – o texto – para as unidades
– as frases, e a concepção de texto associa-se a sua produção e
modos de compreensão definidos pelas gramáticas textuais, ou seja,
o funcionamento das regras de cada língua e, consequentemente,
as competências dos usuários. Por fim, a terceira fase volta-se para
a investigação de aspectos como constituição, funcionamento,
produção e compreensão do texto, que é tido, por sua vez, como uma
unidade em constante desenvolvimento dentro de situações reais
de comunicação, a partir de fatores sociocognitivos, interacionais e
comunicacionais (LIMA, 2017).

Dessa forma, a partir das diferentes concepções e avanços


nos estudos de Linguística Textual (LT), o estudo da gramática deixa
de estar isolado, limitado ao nível da sentença, para compor uma
unidade maior e estabelecer relações constantes entre os diferentes
componentes do texto. É importante ainda ressaltar, dado os objetivos
desta pesquisa, duas diferentes concepções de gramática. A primeira
pode ser compreendida como um conjunto de regras que, a partir
das noções de “certo” e “errado”, visa prescrever e normatizar o modo
como a língua deve ser empregada pelos usuários (PERINI, 2006),
estando associada à "Gramática Tradicional" (GT) anteriormente
citada e à norma culta.

Uma segunda concepção diz respeito à gramática como


sendo um “sistema de regras, unidades e estruturas que o falante de
uma língua tem programado em sua memória e que lhe permite usar
sua língua” (PERINI, 2006, p. 23), capacidade essa que possibilita
ao aluno a formulação de hipóteses e o alcance de determinadas
conclusões acerca do funcionamento da gramática da língua (PIRES

SUMÁRIO 125
DE OLIVEIRA; QUAREZEMIN, 2016 apud HOCHSPRUNG; CUNHA,
2021). Assim, essa concepção constitui-se como mais adequada
para o estabelecimento de um ensino científico de língua proposto
por correntes como a LT, que pretende refletir sobre os conceitos
propostos até então pela GT, mas que, por vezes, se mostram
lacunares e impossibilitam um processo de ensino e aprendizagem
de língua mais crítico e reflexivo.

Nesse sentido, com as contribuições da LT, compreende-se,


na atualidade, que o conhecimento gramatical aplicado e analisado de
forma isolada não é suficiente para que o aluno faça uso da linguagem
de uma forma plural, mas o estudo desse conhecimento, a partir de
uma conduta científica e contemporânea por parte do professor,
constitui-se com um importante aspecto que contribui diretamente
para o desenvolvimento de outras habilidades linguísticas, sendo
indispensável a sua abordagem nas aulas de Língua Portuguesa.

PENSAMENTO COMPLEXO E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA


Isso posto, consideramos relevante para se pensar sobre um
ensino integrado de língua às proposições de Edgar Morin com a
Teoria do Pensamento Complexo. Conforme propõe o filósofo,
Complexus significa o que foi tecido junto; de fato,
há complexidade quando elementos diferentes são
inseparáveis constitutivos do todo [...], e há um tecido
interdependente, interativo e inter-retroativo entre o
objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e
o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso a
complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade
(MORIN, 2000. p. 36).

Com isso, o autor admite que todo conhecimento está


interligado, e o seu domínio efetivo se dá por meio da compreensão
das relações existentes entre as partes e o conjunto que elas integram.

SUMÁRIO 126
Ao tratarmos do ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa, por exemplo, em que é possível observar a separação
dos conteúdos componentes da disciplina, seja em materiais
didáticos seja na prática docente em alguns contextos, a teoria da
complexidade conduz o professor de língua à reflexão acerca da
relação de interdependência que há entre o todo – ou seja, o texto,
na perspectiva da LT, e o contexto –, e as partes – as classes de
palavras, as relações sintáticas que estabelecem entre si, e os demais
aspectos formais da língua.

Dessa forma, consideramos que o estudo do texto em sua


totalidade envolve a abordagem de aspectos relativos à temática,
ao contexto de produção, e, inclusive, à composição gramatical
que apresenta, uma vez que a estruturação do todo de forma coesa
passa, necessariamente, pela relação de coerência que há entre as
partes menores. Além disso, a Teoria da Complexidade faz-se útil
e aplicável ao ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa, ao
propor as relações de inter e transdisciplinaridade: considerando que
a linguagem perpassa todos os conhecimentos, o seu estudo sob
essa perspectiva possibilita um maior domínio do uso em diferentes
contextos sociocomunicativos.

METODOLOGIA
Para se alcançar os objetivos pretendidos nesta pesquisa,
foi realizada inicialmente uma revisão bibliográfica, com o
aprofundamento em teorias como a LT, o Pensamento Complexo,
e aspectos relativos ao percurso histórico no que diz respeito ao
desenvolvimento dos estudos linguísticos e à influência da GT
no ensino de Língua Portuguesa, as quais embasaram a análise
qualitativa feita sob a ótica de Denzin; Lincoln, (2006 apud CHUEKE);
Lima (2012) e Gil (2002).

SUMÁRIO 127
Assim, foram adotados os seguintes procedimentos, a saber:
a seleção de PET dos anos finais do Ensino Fundamental e a análise
crítica acerca das atividades propostas para a disciplina de Língua
Portuguesa. Os PET escolhidos referem-se ao ano de 2021, por
considerarmos que, diferentemente daqueles produzidos em 2020,
no início da pandemia da Covid-19, esse modelo de apostila já se
encontrava mais consolidado no ensino público remoto em Minas
Gerais. Além disso, as questões analisadas focalizam aspectos
morfológicos, sintáticos e semânticos da língua, de modo a identificar
a presença e prevalência ou não de uma concepção linguística
contemporânea, na abordagem desse conteúdo.

ANÁLISE DE DADOS
A partir da análise realizada, verificou-se que, predominan-
temente, no que diz respeito à abordagem de conteúdos gramati-
cais, os preceitos da GT pautam o Plano de Ensino Tutorado de Lín-
gua Portuguesa (PET-LP) da Educação Básica do Estado de Minas
Gerais. Conforme se verifica em um dos PET, ao se tratar das con-
junções, são caracterizadas como “termo que liga duas orações ou
duas palavras de mesmo valor gramatical, estabelecendo uma rela-
ção entre elas”, e é apresentado ao aluno que as conjunções se divi-
dem em subordinativas e coordenativas, sendo essa última “aque-
las que ligam duas orações independentes” (MINAS GERAIS,
2021a, p. 5), em seguida, é apresentada uma tabela com os valores
semânticos e as conjunções correspondentes a cada um deles, de
maneira categorizada.

Um primeiro aspecto a ser discutido, portanto, diz respeito


à noção de “independência” atribuída às orações coordenativas.
Segundo Koch (2000), ao nos depararmos com algumas orações,
esse conceito pode ser equivocado, uma vez que há exemplos

SUMÁRIO 128
de coordenação que, embora tenham autonomia sintática, não
possuem autonomia semântica. Assim, a autora propõe os seguintes
exemplos: “(1) portanto, não sairemos” (Está chovendo; portanto, não
sairemos.)” e “(2) mas ninguém o encontrou. (Todos os procuraram,
mas ninguém o encontrou.)” (KOCH, 2000, p. 112). Assim, ao atribuir
o conceito de orações independentes às coordenativas, em alguns
contextos, essa ideia pode se apresentar como lacunar, “visto que
independência significa autonomia não só de função, mas também
de sentido” (KOCH, 2000, p. 112).

No que diz respeito às atividades propostas a partir da


exposição desse conteúdo, utiliza-se o gênero textual tirinha como
base para as seguintes questões: “Nas falas das tirinhas existem
conjunções que introduzem ou ligam orações. Quais são elas?”, e
“Que sentido cada uma das conjunções atribui as orações?”. Assim,
o esperado na primeira questão citada é que o aluno seja capaz
de identificar e, assim, diferenciar, a conjunção dentro do texto, e,
somado a isso, como um aspecto positivo, o segundo exercício
avança para a exploração do eixo semântico.

Entretanto, considerando a categorização apresentada pelo


material, o papel do professor como mediador torna-se fundamental.
Isso se dá, pois a explanação do conteúdo se encontra pautado,
sobretudo, em uma perspectiva tradicional, impossibilitando, por
exemplo, que o aluno compreenda que determinadas conjunções
podem vir a assumir valores diversos, a depender do contexto.
Notamos essa multiplicidade de sentidos em exemplos apresentados
por Koch (2000), a saber: “Levantou-se e saiu.” – prossequência
temporal; “Maria gosta de livros e Paulo, de brinquedos” – ideia de
confronto; “Prometeu vir e não veio.” – valor adversativo; e “Caiu da
janela e morreu.” – introduz uma consequência (KOCH, 2000, p. 115).

Em uma outra apostila analisada, o texto intitulado “Circuito


fechado”, de Ricardo Ramos, foi utilizado para o desenvolvimento
das atividades. Por se situar na unidade temática “Leitura e

SUMÁRIO 129
interpretação de texto”, as questões presentes focalizam sobretudo
a compreensão do aluno acerca da narrativa, como, por exemplo,
“Como é o personagem do texto?”, “Como é o dia do personagem?”.
Entretanto, conforme tem-se discutido nesta pesquisa, embora
essas questões sejam relevantes para o desenvolvimento de
habilidades leitoras, faz-se necessário o estabelecimento de
relações entre os diferentes aspectos, formais e funcionais, da
língua, que possibilitam ao aluno o domínio e uso efetivos.

Dessa forma, por se tratar de um texto constituído unicamente


por substantivos, consideramos que a discussão sobre a construção
gramatical do texto constituiria uma possibilidade de compreensão
da funcionalidade desta classe de palavras no texto mencionado,
que se inicia da seguinte forma: “Chinelos, vaso, descarga. Pia,
sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de
barbear, pincel, espuma, gilete, água [...]” (MINAS GERAIS, 2021b, p.
21). O que se observa por meio deste trecho é que a associação de
substantivos à maneira como se pontua possibilita a construção de
sentidos pelo leitor sem que seja necessária a presença de verbos e
conjunções, por exemplo.

Nesse sentido, um aspecto a ser refletido acerca do material


didático analisado diz respeito à grande variedade de gêneros
textuais presentes para a proposição de atividades relativas a
diferentes unidades temáticas, entretanto essa característica, por
vezes, constitui um dificultador para a exploração dos textos em
sua totalidade, ou seja, considerando a temática, o contexto, e
como a gramática atua em função da construção dos sentidos
nos diversos gêneros.

Esse resultado corrobora o estudo de Vieira (2018), o qual


afirma que, desde o seu surgimento, a GT configura-se como um
objeto que, ao prever um modelo de língua ideal e homogêneo,
adotou um caráter normativo-prescritivo, no qual se tem pautado
o ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica no Brasil.

SUMÁRIO 130
Com os avanços e o surgimento de novas teorias linguísticas, como,
por exemplo, a LT, verifica-se, na atualidade, possibilidades de se
pensar e analisar a língua não a partir de signos e/ou frases como
unidades isoladas, mas que integram um sistema mais amplo. E,
nesse sentido, o estudo de Língua Portuguesa deve ultrapassar a
categorização isolada dos termos e, consequentemente, permitir que
estes sejam compreendidos pelas suas funcionalidades no processo
comunicativo, o que certamente irá resultar no desenvolvimento de
habilidades leitoras e escritoras. Nesse sentido, Marcuschi (2008)
propõe que o aluno deve conhecer sim as regras da língua, entretanto
as habilidades de entender ou se fazer entender, necessárias
às situações comunicativas, sobrepõem à necessidade de mera
categorização dos termos.

Dessa forma, a noção de Complexidade proposta por Morin


(2015) se apresenta como uma possibilidade de repensar a abordagem
da língua no processo de ensino e aprendizagem. Ao propor uma
relação de interdependência entre as partes e o todo, o pensamento
complexo nos permite ultrapassar a categorização rígida quanto aos
conhecimentos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos
da Língua Portuguesa. De acordo com o pesquisador, “a palavra,
polissêmica por natureza, adquire seu sentido uma vez inserida no
texto. O texto em si mesmo adquire seu sentido inserido no contexto”
(MORIN, 2007, p. 58). Ou seja, é no exercício de escuta/leitura e fala/
escrita que os indivíduos atribuem às palavras a funcionalidade e
significação desejadas.

Haja vista esses aspectos, a pesquisa, em que se analisa as


questões presentes nas atividades propostas nos PET, tem apontado
para um ensino de língua que considera o texto como unidade central
do processo, apresentando questões de interpretação e, associadas a
essa abordagem, questões em que o texto é utilizado com a finalidade
de categorizar palavras e expressões nele presentes. Nesse sentido,
percebe-se que, no que tange às questões gramaticais, quando se
fazem presentes no material, prevalece o enfoque da categorização,

SUMÁRIO 131
o que exige, por parte do professor, um conhecimento acerca
das teorias linguísticas contemporâneas e suas aplicabilidades.
Assim, o domínio desse conhecimento o possibilitará agir de forma
autônoma diante dos materiais didáticos e, assim, promover um
ensino mais crítico e reflexivo voltado, sobretudo, para o domínio e
compreensão efetiva da língua nas diversas situações de uso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do desenvolvimento desta pesquisa, com a análise
de questões propostas nos PET, foi possível verificar a presença
recorrente de uma abordagem interpretativa dos diversos gêneros
textuais associada a exercícios, em menor recorrência, que abordam
os aspectos gramaticais da língua e, nesse caso, predominando a
categorização dos termos e expressões, sem que, necessariamente,
haja um estabelecimento de relações do uso dessas categorias com
as suas funções e sentidos dentro do texto.

Dessa forma, tendo como base a Teoria da Complexidade,


a qual, com o seu enfoque trans e interdisciplinar, constitui base de
reflexão sobre o ensino de forma integralizada, ressalta-se aqui a
relevância em se considerar as teorias linguísticas contemporâneas,
como a LT, no processo de reformulação das práticas referentes ao
ensino de Língua Portuguesa. Dessa forma, cria-se a possibilidade
de proposição de um ensino voltado para a análise e reflexão
linguísticas, em que os conteúdos gramaticais não sejam suprimidos,
mas abordados considerando as relações indissociáveis existentes
entre os aspectos formais, funcionais e sociointeracionais da língua.

SUMÁRIO 132
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SUMÁRIO 133
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Parábola, 2018. 256 p.

SUMÁRIO 134
6
João Pedro Viveiros Ribeiro
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Vera Lúcia Viana de Paes
Maria Clara Gonçalves Ramos
Maria Gabriela de Souza

GÊNERO TIRINHA
DE MAFALDA
E A MULTIMODALIDADE

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.6
RESUMO
O estudo empreendido, cujo tema é a crítica social na tirinha de Mafalda
“O sonho de Mafalda”, objetiva construir sentidos imagéticos, interpretando
papéis semióticos plurissignificativos. Buscamos responder: como os sig-
nificados multissemióticos incrustados na tirinha se consolidam na ironia
e no humor? Especificamente, analisamos não só o modo como a ironia
se processa, mas também como ocorrem os significados ideacionais e
representacionais. Tomando esse objeto analítico, apoiamo-nos no qua-
dro teórico-metodológico da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004) e do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), na
consideração de modos semióticos essenciais à construção de conheci-
mentos e de significados. A proposta metodológica, qualitativo-interpreta-
tivista, opera com as experiências de vida e a forma como os participantes
se posicionam no mundo, com a linguagem a serviço da reflexão sobre a
realidade, utilizada para representar o mundo do falante, permitindo-nos
interpretar e organizar experiências, e com conceitos, enfatizando o tom
irônico. A pesquisa foi motivada por considerar que os multimodos “[...]
se propõem a estender letramentos para além das restrições da lingua-
gem escrita e falada para se conectar às paisagens cultural e linguistica-
mente diversas e aos textos multimodais que são mobilizados e circulam
por essas paisagens” (JEWITT, 2008, p. 145). Os resultados apontam que
os artefatos sígnicos veiculam representações multissemióticas incrusta-
das nas tirinhas, com o entendimento de que o humor se presentifica não
como risível, pois o riso pode ser o efeito do humor, jamais a causa ou
razão da existência dele.
Palavras-chave: Multimodalidade. Linguística Sistêmico-Funcional. Gra-
mática do Design Visual. Tirinha de Mafalda.

SUMÁRIO 136
INTRODUÇÃO
As tiras de Mafalda, escritas por Quino no contexto da
Ditadura Militar argentina, representam a garotinha que sempre
profere questionamentos e falas à frente do tempo em que está
aos pais, que, por muitas vezes, não sabem respondê-la. As tirinhas
apresentam uma linguagem complexa, apesar de aparentemente
simples, que se vale da intertextualidade. Além dela, é importante
se considerar também, em pé de igualdade com o texto verbal, o
plano imagético desse gênero, para que o leitor possa efetivar a
compreensão, assunto do qual trataremos neste trabalho.

Sendo a língua um sistema interpretante que carrega uma


multiplicidade de efeitos de sentido, as histórias em quadrinhos
são meios de fabulação visual do planeta (PATATI; BRAGA, 2006),
nas quais os participantes das imagens interpretam a realidade,
encenando significações narrativas e conceituais, com ironia.
Nessa direção, buscamos responder à seguinte questão: como os
significados multissemióticos incrustados na tirinha se consolidam
na ironia e no humor?

Por essa via, objetivamos, neste recorte do projeto “Uma


análise das representações narrativas e conceituais nas tirinhas de
Mafalda”, Edital PRP 5/2021, na modalidade ICV, na tirinha “O sonho
de Mafalda”, construir sentidos que as imagens têm, interpretando
os papéis semióticos plurissignificativos, com a análise dos
significados e da ironia. Tomando esse objeto analítico, apoiamo-
nos no quadro teórico-metodológico da Gramática Sistêmico-
Funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), com a metafunção
ideacional (processos materiais, mentais e relacionais), observando
a forma como os indivíduos expressam suas ideias e experiências, e
do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), nos significados
representacionais (ação, reação, mental e verbal), constatando
a formação das narrativas por meio de ações e reações no plano

SUMÁRIO 137
imagético, a partir da consideração de modos semióticos essenciais
à construção de conhecimentos e de significados.

A proposta metodológica, qualitativo-interpretativista, opera


com as experiências de vida e a forma como os participantes se
posicionam no mundo, com a linguagem verbo-visual a serviço
da reflexão sobre a realidade, utilizada para representar o mundo
do falante, permitindo-lhe interpretar e organizar experiências,
e com conceitos (significados conceituais). Coadunando isso,
enfatizamos o tom irônico, que é característica comum e presente
no gênero em questão.

A pesquisa foi motivada por considerar que os multimodos


“[...] se propõem a estender letramentos para além das restrições da
linguagem escrita e falada para se conectar às paisagens cultural
e linguisticamente diversas e aos textos multimodais que são
mobilizados e circulam por essas paisagens” (JEWITT, 2008, p. 145).

Justifica-se a escolha de tirinhas por se tratar de um gênero


com linguagem híbrida, fundamental na compreensão geral do
texto, considerando que, culturalmente, na leitura, o foco se volta
apenas para o texto verbal, prejudicando a interpretação. Além disso,
a presença da ironia, comum no gênero, é um fator que elucida
intencionalidades discursivas importantíssimas para a compreensão
da realidade em que vivemos, agimos e manipulamos, sobretudo na
quebra de expectativa.

Além desta introdução, este trabalho se divide em três


seções. Na primeira seção, passamos em revista conceitos basilares
da Gramática Sistêmico-Funcional (metafunção ideacional) e da
Gramática do Design Visual (significado representacional). Em
seguida, apresentamos os procedimentos metodológicos, com base
nas categorias analíticas dessas gramáticas. Por último, expomos os
resultados obtidos, as discussões e a conclusão.

SUMÁRIO 138
REFERENCIAL TEÓRICO

A GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL
Para Halliday (2004[1985]), nas palavras de Silva (2019, p. 14),
a língua(gem) “é um complexo sistema de interligados [...] dos quais
os falantes se valem para produzirem significados em contextos
sociocomunicativos”. No modelo funcionalista do qual faz parte,
Halliday (2004[1985]) defende a ideia de que a língua se organiza
em volta da construção de significados na índole linguística, “para o
qual a multiplicidade funcional se reflete na organização interna da
língua, com a investigação da estrutura a serviço das necessidades a
que a linguagem serve” (SILVA, 2019, p. 13).

Numa abordagem sociossemiótica, a linguagem é social


por ser capaz de oportunizar trocas sociais entre sujeitos situados
no tempo e no espaço, acionada sempre com a intenção de que as
pessoas possam agir no e pelo mundo, exteriorizando pensamentos,
sentimentos, emoções, crenças, valores etc. Assim é que a Gramática
Sistêmico-Funcional, vertente cunhada pela Linguística Sistêmico-
Funcional, insurge com a intenção hallidayana de manipular
significações, isto é, fincar, nos estudos linguísticos, caminhos para a
constituição de significados contextualizados.

A linguagem, intrínseca à prática sociocultural, é sistêmica pelo


fato de o usuário da língua se valer de recursos linguísticos respon-
sáveis por materializar as intencionalidades sociocomunicativas dos
sujeitos, lançando mão, por exemplo, de estratégias semânticas, mor-
fossintáticas, fonético-fonológicas, léxico-gramaticais e grafológicas.
Os falantes da língua, portanto, ancoram-se nessa rede sistêmica
carregada por um feixe de possibilidades para se projetar no mundo,
agindo sobre as pessoas e significando o meio no qual vive. É fun-
cional por significar o mundo para além da estrutura formal, pois a

SUMÁRIO 139
língua(gem) é multiproposicional, protótipa, dialógica e relativa às
funções desempenhadas pelas práticas linguísticas, associando
semântica e pragmática.

A Gramática Sistêmico-Funcional propõe o estudo da língua


socialmente usada pelos falantes, buscando inferências da maneira
como essa língua é realizada e usada por eles. Práticas textuais/
discursivas desempenhadas por esses usuários são mobilizadas por
contextos multifacetados, cujas marcas endossam a representação
de determinada cultura, ideologia, valores, crenças, numa ligação
entre texto e sociedade, já que a língua é codificada em forma de
produções textuais inter-relacionadas. Sob essa ótica, segundo
Halliday e Hasan (1973, p. 237 apud MARCUSCHI, 2012, p. 28) “[...] um
texto é uma unidade em uso. [...] e não é definido por sua extensão.
(...) Um texto é, melhor dizendo, uma unidade semântica: não uma
unidade de forma e sim de sentido”.

Sendo o texto situado na concretude, Halliday e Matthiessen


(2014 [2004]) defendem a língua estratificada em dois níveis/sistemas
que se cruzam (não são analisados explicitamente no corpus deste
trabalho): linguístico e extralinguístico. O nível linguístico é realizado
na via semântica, com a correlação entre vocabulário e estrutura
formal da língua, materializado no sistema de conteúdo, acrescido
a isso a compreensão de sons, gestos, expressão corporal, escrita,
fala, abalizados no sistema de expressão. Por outro lado, o nível
extralinguístico abarca os contextos de cultura e situação, que
reafirmam a não aleatoriedade do uso da língua, pois os falantes a
utilizam na sociointeração contextualizada.

O contexto de cultura, no qual se realiza o gênero, diz respeito


às significações condicionadas às facetas culturais presentes no
espaço onde o texto se insere, com práticas de linguagem mais
amplas, estáveis, numa senda sociocultural influenciada por
instituições sociais (igreja, família, escola). O contexto de situação
é entendido como uma espécie de película que envolve o texto,

SUMÁRIO 140
considerando o ambiente no qual o texto está materializado e,
por isso, é mais instável, restrito, imediato, particular, específico,
subdividido na tríade campo (assunto abordado pelo texto), relação
(ligação social entre os participantes) e modo (os canais semióticos
na transmissão de informações).

Como fenômeno linguístico, a Gramática Sistêmico-


-Funcional, doravante GSF, ressalta três metafunções da linguagem,
a partir de análise da manifestação semântica pela lexicogramática:
ideacional (com a qual trabalhamos neste trabalho), interpessoal e
textual. Panoramicamente, a significação interpessoal (variável rela-
ção) concerne à construção da relação e interação entre os partici-
pantes falantes e ouvintes e suas funções na produção de sentido
em certo contexto social. Já a metafunção textual, análoga à variável
modo, trata da forma como a linguagem é posta na organização do
texto. A seguir, apresentamos mais detalhes da metafunção ideacio-
nal, não enfatizando as significações interpessoal e textual, por fugi-
rem do escopo desta investigação.

Equivalente à variável campo (contexto de situação), a


metafunção ideacional é incumbida de fomentar a (re)construção
semântica de nossas mundivivências, significando as experiências
pelas quais passamos no meio, no bojo psicoemocional, nas relações
sociais, subsidiadas no sistema de transitividade (léxico-gramatical).

Diferentemente da gramática tradicional que se limita


apenas à relação entre verbos e complementos, a GSF se expande
a todo complexo oracional, num sistema de descrição composto
de processos (grupos verbais), participantes (grupos nominais) e
circunstâncias (grupos adverbiais).

Na macrofunção ideacional, a oração é como uma


ferramenta capaz de representar as experiências humanas no
cotidiano das práticas sociais, por meio do canal linguístico. As
experiências vivenciadas pelos sujeitos são contextualizadas,

SUMÁRIO 141
construídas não aleatoriamente, mas significadas numa senda
gramatical plurifuncional.

Nesse contexto, são verificados seis processos (verbos):


materiais, mentais e relacionais (primários), e verbais, comportamentais
e existenciais (secundários). Neste trabalho, enfocamos os processos
materiais, mentais e relacionais, pois outros não constituem o centro
teórico-metodológico deste estudo empreendido.

Os processos materiais, conforme a GSF, representam ações


no mundo material por meio de verbos que indicam ações e eventos
no mundo externo, com os participantes Ator, aquele que faz algo, e
Meta, que recebe a ação. Quantos aos processos mentais, em que há
reações e não ações, esses exprimem percepções, desejos, cognição,
emoção, feição, ou seja, as experiências do mundo consciente do
Experienciador (participante que experiência as reações), ao passo
que o que é experienciado é chamado de Fenômeno.

Completa o foco deste trabalho o processo relacional, que se


dirige à identificação, caracterização e classificação da identidade de
uma persona, com verbos que se reportam à ideia de ser e estar. Os
verbos presentes nesse processo são intimamente relacionados aos
elementos linguísticos que evidenciam a identidade em foco na oração.

Nesse prisma, os processos relacionais podem ser atributivos


quando um participante (Atributo) é possuidor de uma característica
(Portador), assim como podem ser identificativos, caso exista a
definição ou identificação de uma entidade usada para identificar
outra (FUZER; CABRAL, 2014). Na oração relacional identificativa,
o participante Identificado é aquele que recebe a identificação,
enquanto Identificador é a identidade reportada ao Identificado.

SUMÁRIO 142
A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL
Tributários da GSF, Kress e van Leeuwen (2006), na
Gramática do Design Visual, também se fundamentam no sistema
de transitividade hallidayno como forma de representar e significar
o mundo por meio de projeções imagéticas. As estruturas visuais,
assim como as relações lógicas e funcionais estabelecidas nos
complexos oracionais, valem-se de multimodos plurissignificativos
sociossemióticos para validar a projeção de discursos múltiplos na
sociedade. Influenciados também pela Semiótica Social, Kress e van
Leeuwen (2006) agregam à análise verbo-semiótica de Halliday e
Matthiesen (2014[2004]) formas outras de leitura de manifestações
textuais heterogêneas, validando a relevância dos artefatos
semióticos oriundos de imagens enunciativas.

A Gramática do Design Visual, de agora em diante GDV,


não se desfaz, tampouco renega as contribuições da GSF quanto
às metafunções ideacional, interpessoal e textual, mas soma a elas
representações visuais, já que:
assim como a gramática da língua descreve como
palavras se combinam em frases, sentenças e textos,
nossa “gramática” visual irá descrever a maneira pela
qual os elementos retratados – pessoas, lugares e
coisas – se combinam em “declarações” visuais de
maior ou menor complexidade e extensão (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006, p. 2).

Nessa direção, Kress e van Leeuwen (2006) endossam


uma tríade metafuncional equivalente às propostas no sistema de
transitividade verbal, nesta interface: ideacional/representacional,
interpessoal/interacional e textual/composicional. Compõe o foco
deste trabalho, na GDV, a significação imagética representacional,
com ênfase nos processos narrativos (ação, reação, mental e fala),
não focalizando as significações interacional e composicional.

SUMÁRIO 143
A título de conhecimento, a metafunção interativa se volta
à análise de participantes representados responsáveis por veicular
conceitos e levar os leitores de cada mise-en-scène a ações, com laços
psicológicos criados, a partir do olhar, afinidade social, ponto de vista
etc. A significação composicional, por outro lado, centraliza a senda
estrutural de textos híbridos, examinando os arranjos semióticos que
compõe a verbo-visualidade, cuja máxima se estabelece na relação
e organização de elementos linguísticos diversos.

METAFUNÇÃO REPRESENTACIONAL
Centro desta pesquisa, análoga à significação ideacional
hallidayana, a metafunção representacional lança mão de
associações multimodais para (res)significar o mundo, com interesse
de que os participantes interativos, frente a textos múltiplos, possam
perceber as intencionalidades discursivas e cargas ideológicas que
circundam sintaxes visuais.

Os significados representacionais são abraçados por


paisagens semióticas narrativas de ação e reação, cujo efeito
semântico-pragmático se constitui pela transitividade imagética de
representação do mundo, bem como conceituais. As estruturas
narrativas de ação indicam ações do mundo real e material,
concretizadas pelos participantes Ator (quem pratica a ação) e
Meta (quem recebe a ação), com processos subdivididos entre ação
transacional unidirecional, ação não transacional unidirecional
e ação bidirecional.

O processo narrativo de ação transacional unidirecional


acontece por meio de verbos transitivos (diretos e/ou indiretos),
com a marcação dos participantes Ator e Meta, com ação diretiva.
Na contramão disso, a estrutura não transacional unidirecional
é materializada por verbos intransitivos, de sentido completo,
com a presença apenas do Meta, sem ação diretiva. Há contextos

SUMÁRIO 144
em que podemos nos deparar com a transitividade direta nesse
processo de ação, mas sem o complemento verbal, pois não há Ator,
quando não há intenção de explicitá-lo. Já o processo narrativo
de ação bidirecional concretiza-se pela reciprocidade, em que
os participantes praticam e recebem a ação, a partir de vetores
imagéticos que partem de ambos.

As paisagens narrativas de reação são voltadas ao


semblante dos participantes representados, demarcando expressões
faciais (tristeza, alegria, sorriso, raiva etc), com vetor que parte da linha
dos olhos de um participante em direção a outro. Nessa classificação,
quem observa e reage à cena, dirigindo-se a outro, é classificado
como Reator, enquanto o alvo da atenção dos participantes é
denominado Fenômeno. Essa estrutura pode ser subdividida por
reação unidirecional transacional, reação unidirecional não
transacional e bidirecional transacional.

O processo narrativo de reação unidirecional transacional


é caracterizado pela presença de reator-vetor-fenômeno, com o olhar
do participante representado direciona-se à ação que acontece na
imagem. Diferentemente, a reação unidirecional não transacional
não tem a presença de fenômeno, mobilizada por reator-vetor, pois o
olhar do participante se dirige a alguma ação fora da cena. Por outro
lado, o processo narrativo de reação bidirecional transacional, é
materializado por reator-vetor-reator, em que o olhar do participante
reage a uma ação na projeção visual, com ação e reação.

Já o processo verbal volta-se às falas dos personagens,


com a projeção de balões de fala/diálogo entre participantes:
Dizente (participante imerso em um processo verbal) e Enunciado
(participante verbal encerrado no balão de diálogo). O processo
mental, de outro modo, materializa-se pela presença de balões de
pensamento ou estruturas derivadas, interligando o participante
Experienciador (humano ou antropomorfizado) aos pensamentos
que emergem dele (participante Fenômeno).

SUMÁRIO 145
As estruturas conceituais atuam na veiculação de con-
ceitos dos participantes representados, descritos de forma está-
tica, influenciando a categorização, identificação e significação
das representações. A abordagem conceitual da metafunção
representativa endossa processos classificacionais (conceitual
classificatório de taxonomia aberta e fechada), analíticos e simbó-
licos (atributivo e sugestivo). Compõe o foco deste estudo apenas o
processo conceitual simbólico.

METODOLOGIA
Considerando que, para Serafini (2010, p. 87), “[...] imagens
e textos estão sendo combinados em formas únicas, e leitores
[...] precisam de novas habilidades e estratégias de leitura para
a construção de significados em negociação com [...] textos
multimodais”, valemo-nos de conceitos e categorias de análise
propostas pela GSF e a GDV.

Para delimitar este estudo em uma tirinha, recorremos, numa


análise qualitativo-interpretativo, às categoriais de análise com base
nos significados ideacionais e representacionais, via sistema de
transitividade, evidenciando a hidridização da linguagem, pois “[...]
a linguagem verbal não ocorre isoladamente, mas sim de forma
integrada e dependente de outras formas para produzir significações”
(HEBERLE, 2012, p. 88).

Num primeiro momento, numa leitura sociossemiótica verbal,


no que concerne aos significados ideacionais, arrolam-se três
processos, escopo deste estudo: materiais (descrevem o fazer, com
acontecimentos e ações de mudança externas, físicas e perceptíveis
no mundo material, com os participantes Ator e Meta), mentais
(envolvem a apreciação humana do mundo: percepção, afeição

SUMÁRIO 146
e cognição, com os participantes Experienciador e Fenômeno)
e relacionais (definem, classificam, caracterizam, generalizam e
identificam os participantes: Portador e Atributo).

Sem usar a língua aleatoriamente, mas sim em um


processo de interação movido pelo contexto, Kress e van Leeuwen
(2006), coadunando com Halliday e Matthiessen (2004), na GDV,
defendem que o código semiótico imagético se apresenta a partir
de uma sintaxe própria, também imagética. Estruturada a partir
de três significados metafuncionais (representações, interativos e
composicionais), essa gramática trabalha, respectivamente, a partir
de estruturas visuais, com o desenho da representação da ação
social dos participantes no mundo (escopo deste estudo); a relação
imaginária entre participantes representados; e a forma pela qual os
elementos da composição textual mantêm uma inter-relação (com
os quais não trabalhamos).

Num segundo momento, na rede semântica dos significados


representacionais, visualmente, analisamos os participantes (ator
(Mafalda) e meta (a mãe dela) representando, semioticamente,
experiências, vivências entre si, por meio de narrativas e conceitos.
Nas representações narrativas, os participantes desenvolvem
ações e eventos, com circunstâncias, por meio de processos que
podem indicar ações (movimento ou direcionalidade), a exemplo de
olhar, (re) ação, pensamentos, falas entre os participantes.

Os processos a que nos referimos são: (i) de ação – indicam


o fazer por meio de ações externas, físicas e perceptíveis dos
participantes (sonha, procura e encara), em que Mafalda sonha
com a mãe – quadrinhos 1 e 2 – (ação transacional unidirecional,
com dois participantes e o meta); procura (correndo) a mãe (ação
transacional unidirecional – quadrinho 3 –, bem como encara-a (ação
transacional unidirecional); (ii) de reação – codificam reações dos
participantes na narrativa, formado por olhares, gestos, expressões
corporais e faciais, em que há um olhar com um vetor, de reação

SUMÁRIO 147
transacional bidirecional (com o olhar diretivo entre Mafalda e a
mãe – elas se entreolharam), reagindo diante dos acontecimentos
– quadrinho 4; (iii) mental, com balões tipicamente de pensamentos
ou de estruturas semelhantes, advindos dos pensamentos de
Mafalda (quadrinhos 1 e 2) e da mãe (quadrinho 4), sendo ambas
participantes experienciadoras dos pensamentos delas (fenômeno);
(iv) verbal, com o balão de fala, no quadrinho 3, voltado à fala de
Mafalda, com um balão de diálogo.

Nos significados conceituais, evidenciamos a descrição da


identidade dos participantes, sem características acionais, e sim com
a representação e identificação simbólicas deles para a formação
identitária de um conceito. Depois, analisamos as circunstâncias,
processadas visualmente, em que a narrativa se desenvolve, por
meios de advérbios, nos termos de Kress e van Leeuwen (2006).
Somam-se à perspectiva multimodal apontamentos sobre a
tirinha de Mafalda, na consideração do humor como característica
principal, com conteúdo crítico-irônico, com desfecho inesperado (a
comicidade), em uma realidade metaforizada.

ANÁLISE DE DADOS
Figura 1 – O sonho de Mafalda

Fonte: QUINO. Mafalda: todas as tiras. Tradução:


Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 78.

SUMÁRIO 148
A atividade sociossemiótica hallidayiana, com a metafunção
ideacional, narrada pela tirinha, apresenta os processos materiais
fiz e tirei como ações, as quais Mafalda gostaria que a mãe executasse
no contexto de situação, como participante Ator, tendo faculdade
como Meta. Contudo, o processo de ter tirado o diploma na faculdade
não estava presente na realidade de Mafalda, desapontando-a ao
encarar a verdade de frente e lembrou-se de que havia sonhado
(processo mental). Tal processo pode ser classificado também
como fisiológico, tendo em vista o desejo inconsciente de Mafalda
projetado no sonho. Vale ressaltar que esse desejo está presente
também em outras tirinhas da personagem, o que evidencia a
importância dele na narrativa.

O processo relacional está presente no sonho de Mafalda,


em um contexto no qual ela não é mais filha de uma mulher medíocre,
e, de volta à realidade, no descontentamento dela ao perceber que
ainda é filha de uma mulher medíocre. Esse processo, correlacionado
aos outros participantes do sistema de transitividade, carrega a
ideologia de que somente o letramento acadêmico agrega valor a
uma pessoa, o que é um discurso social limitado frente aos diversos
letramentos em diferentes áreas que o indivíduo pode possuir.

Quanto aos significados representacionais, para Kress


e van Leeuwen (2006), é importante observar que tanto os modos
da escrita como os da comunicação visual apresentam uma forma
bastante particular de realizar relações semânticas, que podem ser
bastante semelhantes.

Os sentidos do modo verbal, que contemplam a narrativa de


Mafalda, podem ser confirmados pelos processos semânticos (ação,
reação, mental, verbal) que ocorrem na imagem, como podemos
visualizar na imagem (FIG. 1) da mãe de Mafalda que se direciona
a ela com um diploma na mão; nos gestos e movimentos corporais
que ilustram a conquista e apresentam o diploma; na alegria de
Mafalda, ao correr para contar o sonho, e em processos semânticos

SUMÁRIO 149
que revelam a decepção dela quando percebe, no último quadrinho,
que o diploma que a mãe carregava no sonho era, de forma irônica,
o bob de enrolar o cabelo. Essa situação ressalta ainda mais o papel
social da mãe, que, ao contrário do sonho de Mafalda, em vez de ter
um diploma em mãos e ter deixado de ser “uma mulher medíocre”,
ela ainda é uma mulher que se dedica ao lar e se preocupa com
coisas fúteis, na perspectiva da filha.

Os significados conceituais apresentam Mafalda e a mãe


dela (participantes representados), em termos do que elas são ou
significam, emergindo o discurso de valor, em termos de identidade,
atrelado à conquista de um diploma, por meio de um processo
simbólico atributivo, que associa a identidade da mãe de Mafalda
à conquista do diploma. A circunstância em que os processos se
desenrolam denota circunstância de lugar (casa de Mafalda), o
que confere à narrativa maior veracidade, revelando eventos que
transcorrem em um contexto (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).

Agrega-se à perspectiva sociossemiótica a ironia presente


na tira para produção de humor, que acontece com a quebra de
expectativa construída a partir do terceiro quadrinho e consolidada
no quarto quadrinho, como já exposto anteriormente, quando
Mafalda se depara com a realidade da qual ainda faz parte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como conclusão, identificamos que construções visuais
endossam múltiplos significados, estando a serviço dos leitores para
a (res)significação de conceitos no e pelo mundo, para que possam
agir criticamente frente às produções textuais que interligam texto e
imagem (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).

SUMÁRIO 150
A ampliação para o letramento multimodal, portanto, tor-
na-se premente para a emancipação dos sujeitos, inovando habi-
lidades e estratégias de leitura, para que percebam intencionalida-
des discursivas na representação e conceitualização de arquétipos
nas projeções verbo-visuais, consoante Halliday e Matthiessen
(2004). Por meio da hibridização, o gênero tirinha reverbera o cará-
ter humorístico, podendo ser engraçado, porém não risível, possi-
bilitando uma denúncia ou a deflagração de novas possibilida-
des de visão de mundo.

Na sociedade atual, reafirma-se a urgência de as pessoas


se tornarem letradas plenamente, com a capacidade de interpretar
textos híbridos, multissemióticos, plurissignicativos, pois, como a
tirinha supracitada exemplifica, a língua(gem) é multipropositiva.
Seguindo de perto Kress e van Leeuwen (2006), só assim somos
capazes de agir sobre o mundo e as pessoas, com a percepção de
ironias e reflexões subjacentes a textos múltiplos.

REFERÊNCIAS
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tirinhas de Mafalda. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras) – Universidade
Estadual de Montes Claros, Montes Claros, p. 119, 2019.

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SUMÁRIO 151
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QUINO. Mafalda: todas as tiras. Tradução: Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 78.

SALOMÃO, Ana Cristina Biondo. (org.). A formação de professores de língua: novos


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JEWIT, Carey. Multimodality and literacy in school classrooms. Review of research


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KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. Reading images: the grammar of visual design.
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Confluência: Rio de Janeiro, nº. 56, v. 1, 1º. semestre de 2019.

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de revistas brasileiras. Monografia (Licenciatura em letras português) – Universidade
Estadual de Montes Claros, Montes Claros, p. 51, 2019.

SUMÁRIO 152
7
Maria Gabriela de Souza
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Vera Lúcia Viana de Paes
Maria Clara Gonçalves Ramos

LETRAMENTO MULTIMODAL
NO GÊNERO CARTAZ DE FILME
NA MÍDIA DIGITAL

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.7
RESUMO
Parte integrante do projeto “Semioses visuais em cartazes de filmes”,
edital PRP 7/2021, com o fomento da Unimontes/PROINIC, na modalidade
BIC/UNI, este texto, centrado na análise de multissemioses presentes no
gênero discursivo cartaz de filme, tematiza a investigação dos significados
híbridos construídos pelas lentes sociossemióticas, objetivando destacar
a relevância de artefatos semióticos múltiplos na construção de sentido
em estruturas visuais. Como proposta de letramento multimodal impres-
cindível na contemporaneidade, pretendemos responder: de que modo
os elementos semióticos utilizados no gênero de divulgação atraem os
espectadores, visto que a narratividade é construída por diferentes artifí-
cios sígnicos? Para tanto, embasamo-nos nos estudos da Semiótica Social
da Gramática do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), cujo foco se
concentra na perspectiva multimodal, para pensarmos as camadas sig-
nificativas engendradas imageticamente pelos produtores de discursos
plurissignificativos, com ênfase nos significados representacionais, inte-
rativos e composicionais. Justifica-se este trabalho pela necessidade de se
pensar e articular, na teia semiótica, relações estabelecidas entre arranjos
outros que compõem uma mise-en-scène, possibilitando que pessoas que
interajam com as sintaxes visuais percebam intencionalidades discursi-
vas. Concluímos que o letramento verbo-visual possibilita às pessoas sig-
nificativa consciência crítica dos efeitos de sentido previamente pensados
pelos produtores para induzir o público-alvo a assistir ao filme.
Palavras-chave: Cartaz de Filme. Gramática do Design Visual. Multimodalidade.

SUMÁRIO 154
INTRODUÇÃO
Nas práticas sociais pós-modernas, na “virada visual”, é
mister entender que o avanço da tecnologia provoca mudanças na
materialização da linguagem, incorporando, nos gêneros discursivos,
modos semióticos que coexistem, significam e completam entre si
no modo verbal (oral e escrito) e visual (estático e em movimento).

Nesse cenário, à vista de uma sociedade tecnológica e


culturalmente imagética, Kress e Van Leeuwen (2006) atestam a
existência de uma complexa interação entre as imagens, elementos
gráficos, sonoros e textos, sob o suporte de diferentes mídias,
nas quais podemos verificar múltiplas produções artísticas e
recursos de divulgação.

Desse modo, no estudo empreendido, procuramos responder


à seguinte questão: de que modo os elementos semióticos utilizados
em cartazes de filmes atraem os espectadores para assistirem aos
filmes, na consideração de que a narratividade é construída por
diferentes artifícios sígnicos?

Com essa interpelação, objetivamos analisar artefatos


semióticos na construção de sentido do cartaz do filme “Minari:
em busca da felicidade”, sob o viés da Semiótica Social refletida na
Gramática do Design Visual, doravante GDV, nos termos de Kress
e van Leeuwen (2006), revelando como textos imagéticos (re)
produzem relações sociais, comunicam fatos e interagem com os
espectadores com significância exponencial.

A escolha do corpus foi motivada pelo interesse investigativo


sobre as estratégias das quais se valem produtores de cartazes
de filme, na intenção de manipular o consumidor prospectado
a se interessar pela obra cinematográfica, influenciado pelas
semioses visuais, cuja intenção principal é induzir o público-alvo
a assistir ao filme.

SUMÁRIO 155
Esta pesquisa qualitativo-interpretativo, do cartaz de
divulgação do longa “Minari: em busca da felicidade”, estrelado em
2020, articula o corpus às três categorias imagéticas propaladas
por Kress e Van Leeuwen (2006), significados representacionais,
interativos e composicionais, na busca de confirmar as contribuições
de paisagens multissemióticas também responsáveis pelo sucesso
ou não de uma teledramaturgia.

Justificamos este estudo por buscar expandir o tradicional


conceito de Semiótica, segundo Hodge e Kress (1988), que enfatiza
estruturas e códigos em detrimento de funções e usos sociais de
sistemas semióticos, as inter-relações complexas desses sistemas na
prática social, todos os fatores que fornecem sua(s) motivação(ões),
origens e destinos, forma e substância, pois só assim a simbiose
multimodal pode ser reconhecida pela cultura de comunicação que
sobrepõe o código verbal ao visual.

Este texto constitui-se de quatro partes, além da introdução.


Inicialmente, apresentamos o aporte teórico deste estudo, com
enfoque na multimodalidade, em diálogo com as categorizações
analíticas imagéticas. Em seguida, expomos os procedimentos
metodológicos para a realização desta pesquisa. Na terceira parte,
apresentamos os resultados e as discussões da aplicabilidade
teórica ao corpus selecionado. Por fim, expomos as conclusões a que
chegamos, respondendo à pergunta norteadora deste estudo.

REFERENCIAL TEÓRICO

A PERSPECTIVA MULTIMODAL E O LETRAMENTO VISUAL


A Teoria Multimodal, advinda da Semiótica Social (HODGE;
KRESS, 1988), objetiva a identificação da multiplicidade de modos

SUMÁRIO 156
semióticos envolvidos em textos presentes na comunicação
contemporânea, que veiculam gêneros discursivos híbridos em
distintos suportes comunicativos (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001).

Depois de significativas transformações e revoluções na


sociedade, a maneira como nos comunicamos é remodelada,
tornando-se mais variados os modos possíveis de realizações
linguísticas. Assim, na sociedade tecnológica, há diferentes
ferramentas interativas para (re)produzir e (res)significar o mundo,
em diferentes suportes de gêneros textuais/discursivos, sobretudo
nos suportes digitais midiáticos.

Tendo isso em vista, a sociocomunicação vigente não utiliza


apenas o modo verbal, mas também textos imagéticos atrelados
a outros multimodos comunicativos durante as interações sociais.
Na materialidade textual, na atualidade, há uma combinação de
artefatos semióticos, interligando os planos verbal, visual, sonoro,
gestual, cores etc., conforme interesses prévios dos designers.

Essa nova configuração traz à baila a necessidade de


aplicação da perspectiva multimodal na interpretação dos textos,
pois, segundo Kress e van Leeuwen (2001), é impossível uma
compreensão completa e eficaz, se se pensar apenas o sistema
verbo-grafo-fonêmico, negligenciando o poder ideológico e
significativo de sintaxes visuais. Conscientes da importância de ler e
interpretar textos na simbiose verbo-visual, a GDV advoga em favor
da necessidade premente do letramento multissemiótico, para que
os participantes interativos se tornem capazes de agir no e pelo
mundo, subsidiados em práticas de linguagem plurissignificativas.

Para Kress e van Leeuwen (2006), a multimodalidade


assegura que o estudo de somente um modo semiótico, como
acontece nas teorias semióticas tradicionais, é inadequado aos
novos tempos, justamente porque, pelo viés funcional da Gramática
Sistêmico-Funcional (GSF), a língua(gem) é considerada no social,
pois é (re) moldada a partir das emergências comunicativas. Nesse

SUMÁRIO 157
ínterim, o letramento visual faz-se imprescindível na formação social
e crítica dos seres humanos.

Seguindo de perto Dionísio (2008), uma pessoa letrada


é aquela que se beneficia das habilidades de leitura e escrita
para além das manifestações verbais, valendo-se da hibridização
linguística contextualizada para se comunicar e, assim, estar apta
a ler, compreender, criticar e refletir sobre a sociedade, numa via
semântico-pragmática. O conceito de letramento abarca o emprego
do prefixo multi-, passando a significar não somente a multiplicidade
de práticas de letramento, mas também a multiplicidade de
semioses presentes nos textos empregados nas linguagens e
mídias (ROJO, 2012).

À luz dessa concepção, Kress e van Leeuwen (2001)


reforçam a importância de análises atualizadas às necessidades
que perpassam pela concretização linguística, entrecortadas por
influências socioculturais, tecnológicas e econômicas, em que,
hoje, são marcadas pela leitura de imagens, na forma impressa e,
principalmente, digital. Assim é que o letramento visual torna-se uma
necessidade social; afinal, o leitor que desconhece as convenções e
regras comunicativas vigentes em uma sociedade tecnológica está
fadado a ser excluído do meio social.

A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL


Na percepção da importância do letramento social para leitura
de textos multimodais, Kress e van Leeuwen (2006) desenvolvem a
GDV, cuja investigação linguística se reporta ao reconhecimento e
à validação de significâncias que emergem de sintaxes visuais, via
sistema de transitividade imagético.

Seguidores da GSF, Kress e van Leeuwen (2006) acrescentam


aos estudos hallidayanos significados outros que emergem de

SUMÁRIO 158
simbologias visuais, (re)conhecendo o poder socioideológico
dessas manifestações, para os quais signos imagéticos possibilitam
descrever o modo como indivíduos, coisas e lugares são combinados
e estruturados, em maior ou menor grau de complexidade.

Com essa concepção, eles fornecem as principais estruturas


que compõem a sociossemiótica visual, analisando como determinadas
estruturas são postas em funcionalidade por produtores de discursos
imagéticos para produzir significados prévios, a exemplo de cartazes
de filmes. Os produtores de cartazes podem levar em consideração
o gênero cinematográfico (drama, romance, terror etc.), faixa etária,
assunto principal do enredo, entre outros, valendo-se de recursos
configurados por cores (variadas, com menor ou maior saturação),
personagens representados (com (re)ações), tipografias (sugerindo
minimalismo, melancolia, violência etc), para estruturação dos
elementos narrativos que constroem, imageticamente, os significados
intencionados a dado cartaz de divulgação cinematográfica, primeiro
contato do público com o filme divulgado.

A GDV não tem o propósito de relacionar as investigações


imagéticas a estruturas verbais, visto que os multimodos visuais são
considerados sistemas complexos, produzidos a partir de um contexto
específico que se deseja significar. A comunicação visual estabelece
interação com ou sem o uso do modo verbal, constituindo-se como
um tipo de texto reconhecível e dotado de uma unidade significativa.

De posse da GSF (HALLIDAY; MATTHIESSEN, (2014 [2004]),


Kress e van Leeuwen (2006) agregam às metafunções hallidayanas,
por meio do sistema de transitividade, significações presentes em
projeções visuais: significados representacionais (metafunção
ideacional), significados interacionais (metafunção interpessoal) e
significados composicionais (metafunção textual).

Os significados representacionais realizam-se no sistema


de transitividade, de modo concreto ou abstrato, por participantes

SUMÁRIO 159
representados (indivíduos, lugares ou coisas), divididos em dois
processos: (i) processos narrativos ((re)ação) – relacionam-se
a ações e eventos, no reconhecimento dos participantes e do
envolvimento deles em circunstâncias; (ii) processos conceituais – são
responsáveis por identificar e categorizar os elementos que sugerem
a representação da “essência” dos participantes, subdividindo-se em
classificacional, analítico e simbólico (não fazem parte da pesquisa).

As representações de ação indicam ações no mundo real e


material, com a marca dos participantes Ator (quem pratica a ação
na cena) e Meta (quem a recebe), entrecortado por um processo
material (verbo de ação), subdivididas entre processo narrativo de
ação transacional unidirecional, não transacional unidirecional
e bidirecional. Resumidamente, o processo narrativo de ação
transacional unidirecional caracteriza-se pela presença de
verbos transitivos, com a marcação explícita de Ator e Meta, ao
passo que a ação não transacional se faz representar por verbos
intransitivos, aparecendo apenas o Meta, sem ação diretiva. Porém,
a depender das intencionalidades discursivas, podemos nos deparar
com verbos transitivos, mas sem o Ator, quando há intenção ou
necessidade de divulgá-lo. O processo bidirecional realiza-se pela
troca simultânea entre Ator e Meta (praticam e recebem ação),
materializado pela voz reflexiva.

Já os processos narrativos de reação direcionam-se às


reações faciais dos participantes representados, com a intenção de
analisar sentimentos (medo, tristeza, felicidade, raiva, angústia etc.),
externados pelos semblantes projetados numa sintaxe visual. Kress e
van Leeuwen (2006) apontam que essa categorização é materializada
por um vetor que parte da linha dos olhos de um participante que se
dirige a outro participante que observa e reage à cena (reator), sobre
o qual se centra o alvo da atenção (fenômeno).

Em uma imagem, pode haver reação unidirecional


transacional (presença de reator, vetor e fenômeno, em que o
olhar do participante se direciona à cena), reação unidirecional

SUMÁRIO 160
não transacional (marcada por reator e vetor, quando o olhar
do participante se dirige ao que está fora da imagem) e reação
bidirecional transacional (com reator-vetor-reator, em que os
participantes (re) agem a um fato ocorrido na cena).

Os significados interacionais articulam relações entre os


participantes representados e interativos (produtor e espectador),
pelo(a) olhar (oferta e demanda), distância/afinidade social/
enquadramento e perspectiva/ângulo/ponto de vista (não faz parte
deste estudo). Ao criar vínculos psicoemocionais, cenas enunciativas
aproximam ou distanciam, direta ou indiretamente, produtores de
textos e espectadores em diálogo com o que está projetado numa
mise-en-scène, justamente porque imagens veiculam discursos e
solicitam, nas entrelinhas, ações dos participantes interativos.

O olhar de demanda, por exemplo, demanda algo do leitor


da imagem, sugere intimidade, aproximação, pois o participante
representado olha para o interativo de forma íntima, convidativa,
sedutora, diretiva, criando uma relação imaginária de desejo
ou respeito. Já o olhar de oferta sugere certa invisibilidade do
participante representado, por se dirigir ao leitor de modo indireto,
distante, impessoal, olhando vagamente, para que ele seja
contemplado e admirado pelo participante interativo.

Outro ponto que interfere na relação multissemiótica é o


modo como os participantes estão enquadrados na estrutura visual,
caminho pelo qual se estabelece proximidade ou distanciamento
entre os participantes. Nessa linha, se o enquadramento projetar
uma imagem até os ombros, com plano fechado (close-up),
percebe-se um vínculo afetivo, amigável, próximo e íntimo. Quando
o participante é projetado até os joelhos, em plano médio (médium
shot), apesar de ainda sugerir proximidade, a relação engendrada
passa a ser de mais respeito e credibilidade, estando um pouco mais
distante. Diferente disso, o distanciamento acontece quando o plano

SUMÁRIO 161
está mais aberto (long shot), pois o que importa é a impessoalidade,
o que envolve admiração e contemplação.

Os significados composicionais são analisados pelo modo


como as informações e projeções estão integradas, organizadas e
correlacionadas numa sintaxe imagética única. Kress e van Leeuwen
(2006) pontuam que a posição ocupada pelos elementos na senda
visual confere às informações aspectos valorativos, significativos
específicos e diversos, longe de serem neutros, e, sim, eivados de
ideologias. Constituem essa significação o valor da informação,
novo e dado (não constituem o foco desta análise), ideal e real,
centro e margem, enquadre e saliência.

Trazendo isso à baila, o valor da informação dialoga com a


localização de informações na imagem, em que a posição ocupada
conduz os significados de determinados elementos em relação a
outros. Nesse sentido, constituintes que são colocados à esquerda
(dado) são conhecidos pelos leitores, com dados familiarizados, ao
passo que, à direita (novo), são informações novas ofertadas aos
participantes interativos, podendo ser uma novidade ou, em certos
casos, conhecimentos parcialmente conhecidos.

Na cultura ocidental, o processo de leitura verbal acontece


de cima para baixo, o que impacta na hierarquia de informações
que são veiculadas também no texto imagético. Assim, signos
linguísticos posicionados acima de uma imagem são projetados com
certa idealização, caracterizando-os como parte ideologicamente
mais saliente (ideal). Somam-se a isso os elementos posicionados
na parte inferior na cena (real), com informações mais concretas,
práticas, mais bem percebidas pelo leitor como verdadeiras, pois
sugere que os dados presentes no ideal são de posse do que está
representado na imagem.

Mais frequente em sociedades asiáticas, a centralização


ou marginalização de sistemas semióticos endossam importância
e harmonia às ideias veiculadas numa cena imagética. Quando

SUMÁRIO 162
posicionadas no centro da estrutura visual, as informações são
nucleares, enquanto os outros constituintes que rodeiam o texto híbrido
são marginais, com apresentação de valores subservientes e, em certa
medida, dependentes do central.

O enquadre enfoca a conexão ou desconexão entre artefatos


sociossemióticos, por meio de cores, olhares, à guisa de exemplo, que
reverberam estratégias de composição, manipulando a percepção
das identidades construídas na proposição visual, o que oportuniza a
sensação de estarem enquadradas. A descontinuidade entre cores
e forma sugere que os outros elementos da imagem estão separados,
diferente de quando há repetição entre os recursos composicionais,
simbolizando continuidade multimodal.

Já o recurso da saliência endossa informações hierarquizadas


no texto, num arranjo multissemiótico de elementos linguísticos
distribuídos numa proposição visual. Assim, o jogo entre cores,
tipografia, tamanho e fonte das letras, nitidez, brilho, layout, por
exemplo, manipulam o olhar do leitor que interage com a cena,
fazendo com que ele se prenda, de imediato, aos principais objetivos
de uma mise-en-scène em questão.

METODOLOGIA
Por meio de pesquisa qualitativo-interpretativa, coletamos,
como corpus, o cartaz do filme “Minari: em busca da felicidade”,
lançado em 2020, com projeção multissemiótica plurissignificativa
no que tange à representação familiar e aos valores socialmente
(re)construídos na tessitura civil, cujo enredo narra sonhos e
perseveranças de uma família imigrante coreana em meados da
década de 1980, dando visibilidade, em tempos de pandemia, à
produção artística asiática, que está ganhando espaço na mídia.

SUMÁRIO 163
No filme, o diretor Lee Isaac Chung promove um olhar
sensível e semi-autobiográfico à família, à cultura e aos costumes
ocidentais, teletransportando os espectadores à realidade de uma
família coreana em busca da felicidade, em solo americano (área
rural de Arkansas), com o relato de conflitos (familiares e sociais),
provações e tribulações da discriminação racial enfrentados.

Como aporte teórico-metodológico, valemo-nos da


GDV (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), para quem as imagens
são ferramentas textuais discursivas e ideológicas, com ênfase
nos significados representacionais (narrativos), interativos
(atos de imagem e distância social) e composicionais (cor,
brilho, luminosidade etc).

Analisamos os elementos (processos, participantes


(representados e interativos) e circunstâncias) que possibilitaram a
representação da realidade via sistema de transitividade semiótico
visual. Nos participantes, evidenciamos que os interativos são
os envolvidos na comunicação (produtores e leitores do cartaz do
filme), e os representados são o assunto da comunicação (pessoas,
lugares e elementos no cartaz).

Quanto aos processos, nos significados representacionais,


focamos nos narrativos, caracterizados por vetores (corpos, braços,
mãos e pernas), que conectaram os participantes representados
“[...] fazendo alguma coisa uns com os outros”, segundo Kress e van
Leeuwen (2006, p. 59).

No processo narrativo, os vetores variam em tipo e os


participantes em número (ator e meta), possibilitando diferentes tipos
de processos, a exemplo de: de ação – transacional bidirecional de
abraçar e de dar as mãos; transacional unidirecional de andar, por
parte dos participantes; ambos por diferentes vetores; de reação
– não transacional (olhar cabisbaixo do homem e da menina; olhar
diretivo, feliz e inocente da criança) e reação transacional (olhar
direcionado e instigador da mulher para o homem).

SUMÁRIO 164
Ao lado disso, investigamos categorias que se relacionam aos
significados interativos, com potencial da imagem para produzir a
sensação de que podemos interagir com o que está representado,
considerados estratégias de aproximação/afastamento do
produtor com o público-alvo e/ou relações entre pessoas, lugares
e elementos representados, sob suporte do olhar (oferta ou
demanda) e distância social.

Somam-se aos significados sobreditos os composicionais,


que atestam a organização estrutural dos signos imagéticos que
compõem o cartaz desse filme, com a interface entre os planos
de fundo e frente, cuja evidência se dá por meio de saliências: o
contraste em cores, posição do texto verbal e localização em
primeiro ou segundo plano.

Figura 1 – Minari: em busca da felicidade (2020)

Fonte: https://diamondfilms.com/br/ficha-tecnica/240-minari-em-busca-da-felicidade.
Acesso em: 11 jul. de 2022.

SUMÁRIO 165
ANÁLISE DE DADOS
A trama de “Minari: em busca da felicidade” é ambientada
de maneira contida e íntima num campo aberto e distante de outros
municípios, na área rural do Arkansas, na década de 1980, com
apenas uma casa ao redor, representada semelhante a um retrato
profundamente pessoal, apresentando, de maneira monótona,
modesta e discreta, o cotidiano da família tradicional coreana. O
filme tem enfoque mais em ações que em diálogos dos personagens,
encenando-os de forma lenta, silenciosa e reflexiva, como na realidade.

Em síntese, a família apresentada no cartaz de divulgação


compra uma fazenda no Arkansas, nos anos 80, para que o sonho do
pai (Steven Yeun) de cultivar vegetais e frutas coreanos para vendê-
los a outras famílias imigrantes coreanas se realizasse. Contudo,
Monica (Yeri Han) fica visivelmente chateada e desanimada com
o novo ambiente, pois está incerta sobre a ideia do marido, que
abala as relações da família. A semente que nomeia o longa é de
origem coreana, cujo significado diz respeito a raízes que se movem,
paulatinamente, buscando adaptar ao clima, ao solo e às pragas
encontradas naquele novo ambiente.

Nesse contexto, retomando as categorias já explicadas na


perspectiva sociossemiótica, na composição, o cartaz, observado
na Figura 1, foi produzido para comunicar ao participante interativo
(público-alvo) a relevância do filme, indicada pela escolha do título
“3 indicações ao globo de ouro: melhor filme, ator e fotografia”,
destacando-se a fonte branca, em contraste com a cor do formato
retangular, projetado na parte superior da imagem (ideal).

Após chamar a atenção pela indicação dos prêmios, a


declaração afirmativa: “Esse é o filme que precisamos agora”
aparece posicionada no domínio ideal da estrutura composicional
do cartaz, de modo a induzir o público (espectador) à “necessidade”

SUMÁRIO 166
de ver o filme, aproximando-se a ele ao incluí-lo como participante
do processo de ação “precisamos” em interface à circunstância
apelativa e temporal do advérbio “agora”. O modo como as estruturas
verbais estão articuladas na imagem é um fator importantíssimo para
que o articulista atinja o interesse comunicativo, sobretudo frente à
comercialização do filme destacado quando centraliza as informações
que o produtor deseja que o leitor perceba primeiramente (centro).

As cores verdes e a iluminação intensa amarelada (saliência)


trazem à tona a dramatização que fará presente durante o filme. A
cor verde, responsável pelo crescimento, segundo Heller (2013), está
associada à esperança, maturação e confiança, o que demonstra
um envolvimento com a natureza; o amarelo, responsável pela
floração, pela remete ao otimismo e à energia, figurando como uma
cor instável. Assim, podemos relacionar essa miscelânea de cores,
somadas ao branco, azul e rosado, que se encontra nos personagens
encenados, a um clima leve, harmônico, apesar de a família estar em
conflito (xenofobia, doenças, adaptação sociocultural e econômica),
como também a semente de minari, plantada no solo estrangeiro que
se adapta às variações e floresce ao longo da trama.

Na esteira narrativa representacional, o conjunto


multimodal é marcado predominantemente pelo modo visual,
destacando-se as cores, a luminosidade, o brilho, o espaço da
fazenda (circunstância de lugar) dos processos narrativos de
ação em cena: transacional bidirecional (ação de se abraçarem e se
darem as mãos); transacional unidirecional quando sugerem a ação
de caminhar, em que, juntos, buscam um caminho para solucionar
os desafios familiares (xenofobia, adaptação a uma nova cultura,
tentativas de recolocação no mercado etc).

No processo narrativo de reação, o semblante cabisbaixo


do pai e da filha, em contraste com a expressão facial diretiva, feliz
e inocente do filho, ao dirigirem o olhar para algo fora imagem
(processo narrativo de reação não transacional), simbolizam uma

SUMÁRIO 167
busca infindável à superação dos empecilhos contra os quais lutam
no decorrer da trama. A aparência séria da mulher ao olhar para o
marido de forma diretiva exterioriza a possível ideia de estar esgotada
do contexto e condições em que vivem na situação de imigrantes
(processo narrativo de reação unidirecional transacional)

Do ponto de vista da interação, o olhar vetorizado (olhar


de demanda) do ator mirim David (Alan S. Kim), em direção ao
espectador, simboliza um convite à interação não só com ele, mas
com toda a narrativa do filme, buscando a adesão do participante
interativo ao envolvê-lo numa suposta relação íntima.

Diferente disso, o pai, a mãe e a filha, quando olham para


fora da cena, sem ação diretiva (olhar de oferta), solicitam que o
participante interativo aclame-os, pois, nesse momento, buscam
construir uma posição interpretativa da situação apresentada:
imigração coreana. Nessa direção, confirmamos a preocupação do
produtor em tornar os participantes projetados objetos do nosso olhar,
contemplação da cultura asiática e reconhecimento da diversidade.

A escolha desses olhares interfere na relação imaginária entre


os participantes pelo viés da distância social, pois, no momento em
que os participantes representados estão enquadrados em plano
aberto, o leitor passa a ocupar uma posição mais distante, cabendo
a ele apenas admirar e contemplar a família coreana. Essa distância
social, que permite a contemplação da família, é articulada em boa
parte do filme, propositalmente pensada pelo diretor e fotógrafo
(Lachlan Milne), para convidar o espectador a caminhar junto com
aqueles personagens e conhecer a história da qual são protagonistas.

Portanto, o texto imagético que compõe o cartaz é essencial


para dar vida ao drama, mediante a utilização das múltiplas semioses
disponíveis no meio midiático. Jewitt (2013) denomina os multimodos
envolvidos num evento comunicativo de orquestração multimodal.
Isso porque cada modo (visual, gestual, cores, verbal etc) carrega uma
parte da mensagem, não podendo, pois, ser analisado isoladamente,

SUMÁRIO 168
visto que, apenas juntos, são capazes de completar os sentidos
desejados pelos produtores de discursos multissemióticos.

Nessa direção, os estudos sociossemióticos, por intermédio


de metodologia analítica e interpretativa (GDV), ao se distanciarem de
conceitos ultrapassados que não são mais condizentes às urgências
atuais, possibilitam acessibilidade a uma interação social híbrida,
crítica e engajada, em que os cidadãos não sejam considerados
apenas alfabetizados, mas, também, (multi)letrados. Nesse ínterim,
destaca Kress (1996):
A comunicação requer que os participantes produzam
suas mensagens para que sejam entendidas com êxito
em um contexto particular. É necessário, portanto, que
estes participantes escolham formas de expressão
que acreditem ser as mais transparentes para outros
participantes. Por outro lado, a comunicação toma lugar
em estruturas sociais que são inevitavelmente marcadas
por diferenças de poder, e isso reflete em como cada
participante (indivíduos mais ou menos empoderados
semioticamente) entende uma determinada mensagem
[...]. A representação presume que a produção do
significado escolha formas para a expressão que seus
produtores têm em mente, ou seja, a forma considerada
como a mais apta e pertinente em um dado contexto.
Essa lógica se aplica também ao interesse das instituições
sociais nas quais as mensagens são produzidas, e assim
os modos de representação tomam a forma das histórias
das convenções (KRESS, 1996, p. 11).

Assim, os sistemas semióticos não podem ser estudados


isoladamente, já que o significado integra distintos modos semióticos
(visual, gestual, cores, verbal, sonoro etc.), cujas significâncias são
situadas no tempo e espaço, unindo língua, cultura e sociedade. Os
participantes representado e interativos articulados numa estrutura
verbo-visual, a exemplo do cartaz de filme sobredito, endossam
sujeitos contextualizados, manipulados por crenças, ideologias,
valores e cultura socialmente (re)construídas e cristalizadas nas

SUMÁRIO 169
mundivivências desempenhadas. Essas demarcações socioculturais
conduzem a imagem ao patamar de significação tão pertinente
quanto o sistema semiótico verbal, na busca pela difusão de discursos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos, com a análise híbrida desse gênero de ampla
circulação, que a prática de novas metodologias, como a da GDV,
possibilita aos indivíduos consciência crítica dos efeitos de sentido
utilizados pelos produtores de discurso na sociedade pós-moderna,
para fazê-los aderir ao produto (filmes).

Por essa via, confirmamos a influência dos modos semióticos


para formação do complexo semântico-pragmático idealizado pelos
produtores, na tentativa de manipular o público-alvo à aderência
ao longa “Minari: em busca da felicidade”. A indicação de melhor
fotografia do filme, com o uso de recursos imagéticos, como brilho,
luminosidade, profundidade, luz, sombras, contrastes etc., conferem
mais vivacidade às cenas. Esses efeitos visuais que representam a
teledramaturgia no escopo fantástico, com promessa, excitação do
que poderá ser a experiência de ver a cinematografia.

Dessa forma, podemos dizer: “O texto imagético dialoga com


a história narrada na sinopse, permitindo que o espectador construa
a trama do filme” (DE MAGALHÃES, 2013, p. 22), o que confere a
ele papel de (co) produtor das intencionalidades discursivas de
obras cinematográficas. Todavia, essa capacidade só é alcançada
quando os cidadãos têm acesso à educação e ao letramento
híbrido, atendendo à necessidade de uma sociedade globalizada e
tecnológica, que evolui dia após dia nos diferentes campos sociais e,
principalmente, no campo da linguagem.

SUMÁRIO 170
A divisão apenas didática entre o tripé metafuncional da GDV
reforça que a língua(gem) é articulada, prototípica e maleável, pois
códigos semióticos múltiplos, correlacionados, fundem a ciência
linguística à seara morfossintática, semântica e pragmática. A
conclusão a que chegamos, portanto, respondendo à interpelação
suscitada neste estudo, reafirma que a indústria cinematográfica,
ciente das evoluções sígnicas por que passa a sociedade tecnológica
vigente, une, estrategicamente, o verbo à imagem, para comercializar
e conseguir a adesão do consumidor prospectado de cenas
enunciativas, como cartazes de filme em lançamento.

REFERÊNCIAS
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London and New York: Routledge, 4 ed., 2014 [2004].

HELLER, Eva. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão.
Tradução Maria Lucia Lopes da Silva, São Paulo: Gustavo Gili, 2013.

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SUMÁRIO 171
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MAGALHÃES, Célia Elisa. Cartazes de filmes: um exercício de letramento visual. Pesquisas


em discurso pedagógico, PUC-Rio, 2013. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.
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ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.

SUMÁRIO 172
8
Rosemary de Souza Almeida
Maria Clara Maciel de Araújo Ribeiro

LETRAMENTO DE SURDOS
NO ENSINO SUPERIOR:
UM ESTUDO SOBRE
PRÁTICAS LETRADAS

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.8
RESUMO
O curso de Letras/Libras representa uma conquista para a comunidade
surda brasileira. A partir disso, este estudo questiona se um dado curso de
licenciatura em Letras/Libras prevê o desenvolvimento de habilidades de
leitura e escrita do português em seus estudantes surdos e que práticas
de letramento desenvolve com esse intuito. Para tanto, objetiva-se descre-
ver as práticas de letramento acadêmico em português escrito pelas quais
estudantes surdos passam em um curso de Letras/Libras, de maneira a
analisar as percepções que os surdos constroem desse processo. O aporte
teórico que subsidia as reflexões parte dos Estudos Surdos e dos Estudos
de Letramento. Para a realização da pesquisa, os seguintes procedimentos
metodológicos foram adotados: i) seleção de um curso de licenciatura em
Letras/Libras de IES pública; ii) análise documental do PPC, com intuito
de analisar a estrutura do curso em relação às práticas de letramento; iii)
coleta de dados: 08 estudantes do 8º período do curso responderam ao
questionário. Ao final, a pesquisa revelou que, embora o curso desenvolva
algumas práticas de letramento em português escrito, o projeto do curso
não assume essa proposta. Na percepção dos participantes da pesquisa,
houve leitura mediana e pouca escrita durante o curso.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Português. Surdos. Letramento. Libras.
Ensino Superior.

SUMÁRIO 174
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, a educação de surdos no Brasil tem
demonstrado muitas incertezas e alguns acertos. Dessa forma,
tem causado grande prejuízo na escolarização dessas pessoas,
desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, tendo como
consequência a evasão e o desinteresse, uma vez que muitos surdos
ainda são discriminados, vistos como incapazes de aprender ou
mesmo de se comunicarem.

Por outro lado, embora a Libras tenha sido reconhecida como


língua legal da comunidade surda brasileira em 2002 (BRASIL, 2002),
ainda não foram assegurados a essa população direitos fundamentais,
como o de aprender a Libras na primeira infância na escola. Como
consequência, o ensino do português escrito como segunda língua
também é negligenciado pelo Estado, uma vez que, na sala de aula
inclusiva, o português é ensinado como primeira língua, ficando
limitada à sala de recursos a aprendizagem do português como L2.
É nessa perspetiva que a presente pesquisa se volta para as práticas
de letramento em português no Ensino Superior, tendo em vista que,
a rigor, pessoas surdas chegam ao Ensino Superior necessitando
continuar a aprendizagem da leitura e da escrita do português.

No Ensino Superior, a presença do intérprete de Libras promove


acessibilidade, mas como fica a continuidade da aprendizagem do
português, visto que surdos são bilíngues bimodais que têm na Libras
a sua primeira língua? Sabe-se que, de modo geral, a universidade
brasileira, sufocada por sucessivos cortes orçamentários, ainda não
consegue prover os graduandos surdos da assessoria necessária
para a continuidade da aprendizagem do português escrito. No
entanto, pensamos, como esse desenvolvimento linguístico ocorre
num curso superior cujo público é a própria comunidade surda,
como no curso de graduação em Letras/Libras?

SUMÁRIO 175
O curso de Letras/Libras representa uma conquista para
a comunidade surda brasileira, uma vez que legitima e aprofunda
os estudos da Língua Brasileira de Sinais no âmbito da educação
superior e qualifica profissionais para atuar nessa área. Nessa
perspectiva, questionamos nessa pesquisa: embora o referido curso
seja sobre a Libras e em Libras, haveria a previsibilidade de também
desenvolver nos surdos habilidades de leitura e escrita do português,
tendo em vista a perspectiva bilíngue e multicultural que atravessa
a comunidade surda? Quais seriam as práticas letradas a que os
surdos têm acesso no referido curso?

Ao voltarmos olhos para essa questão, não intencionamos


reproduzir discursos e ações que privilegiem o português à Libras.
Ao contrário, é por reconhecer a Libras como a língua mais
importante na vida do surdo e por compreender que a educação
de surdos precisa eleger a Libras como língua de instrução é que
destacamos também a necessidade de consolidação do bilinguismo
por meio da aprendizagem constante do português escrito,
sobretudo no Ensino Superior, ocasião em que a linguagem e os
conteúdos se complexificam.

A partir disso, objetiva-se nesse estudo descrever práticas


de letramento em português escrito pelas quais estudantes surdos
passam em um curso de Letras/Libras, de maneira a analisar as
percepções que os surdos constroem desse processo.

Os procedimentos metodológicos adotados foram os que


seguem: i) seleção de um curso de graduação em Letras/Libras
oferecido por uma Instituição Pública de Minas Gerais; ii) a análise
documental do Projeto Pedagógico do Curso (PPC), com intuito de
analisar a estrutura do curso em relação às práticas de letramento;
iii) levantamento do grupo amostral: foi feito o envio de questionários
sobre práticas de letramento para 45 estudantes do curso, tendo
obtido 05 respostas, que se somaram a 03 entrevistas, como explica
a metodologia. Desta maneira, a partir da análise de excertos

SUMÁRIO 176
selecionados, pudemos compreender como o curso projeta a prática
de leitura e escrita de surdos no âmbito da formação superior e qual
é a percepção que os sujeitos têm desse processo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
Nesta seção, discutimos brevemente aspectos basilares para
a realização desta pesquisa: i) a compreensão de pessoas surdas para
além do estigma da deficiência; ii) o fato de que a Libras é a primeira
língua dos surdos e de que o português escrito é a segunda iii) e o
entendimento de que, numa perspectiva bilíngue, a aprendizagem
das línguas é contínua e ininterrupta.

Embora a área da saúde considere a pessoa surda detentora


de um déficit sensorial, o conhecimento produzido nas áreas da
linguagem e da antropologia partem de pressupostos diferentes.
Assim, há perspectivas que considerem a surdez como diferença,
e não como deficiência, como o fazem Skliar (1997), Teske (1998),
Moura (2000), Quadros e Perlin (2006) e Ribeiro (2011), entre outros.
O pressuposto lógico residiria no fato que da mesma forma que o
ouvinte se apropria do mundo para o desenvolvimento da linguagem,
por meio de vários recursos, entre eles o auditivo, igualmente faria o
surdo, substituindo a audição pela visão. Repare que estamos diante
de sujeitos que compreendem, percebem e identificam o ambiente
ao seu redor de maneira distinta, e não deficiente, por fazerem uso de
linguagens diferentes. Porém não significa que exista um modo ideal
para se apropriarem do mundo que os cercam, mas tão somente que
existe uma diferença comunicacional entre ambos os grupos.

É por serem sujeitos humanos organicamente completos e


sem prejuízos na manifestação e exercício da faculdade da linguagem
que pessoas surdas, ao longo da história, puderam constituir línguas

SUMÁRIO 177
veiculadoras de culturas e instituidoras de identidades entre os
surdos. Tais línguas, diversas e distintas como as línguas orais, não são
invenções pedagógicas ou acessórias, mas a legítima manifestação
daquilo que há de mais próprio à espécie humana: a língua.

Embora a Idade Média e a Idade Moderna tenham tratado as


línguas de sinais como pantomimas sem valor, a partir da segunda
metade do século XX, a Língua Americana de Sinais começa a
ser estudadas pelo linguista Willian Stoke, da Gallaudet College,
localizada em Washington. Esse linguista comprovou a hipótese de
que a língua utilizada pelos surdos seria natural, completa e genuína
(LODI, 2005). O teórico, juntamente com o seu grupo de pesquisa,
chegou à conclusão de que a Língua de Sinais Americana utilizada
para a comunicação dos surdos representava um sistema linguístico
natural e multiarticulado, configurando-se, portanto, como uma
língua (QUADROS; KARNOPP, 2004). Anos mais tarde, nas décadas
de 1980 e 1990, têm-se, no Brasil, pesquisas sobre o processo de
aquisição da Libras como primeira língua (L1), o que reserva ao
português escrito um lugar de segunda língua para as pessoas
surdas brasileiras (KARNOPP, 1994; QUADROS, 1995, 1997, 1999).

O status de segunda língua determina que, entre outras


coisas, o português escrito seja ensinado aos surdos após (ou
em concomitância) a apropriação da Libras, devendo ocorrer
por intermédio desta. Para o surdo no processo de ensino-
aprendizagem, a visão representa o principal órgão e sentido pelo
qual as aprendizagens e experiências são captadas e externas por
meio da língua de sinais, considerando que, “devido à perda auditiva,
é pela visão que os surdos têm acesso ao mundo” (PEREIRA, 2014,
p. 143). A autora, ao realizar uma pesquisa numa escola bilíngue
onde ocorre o ensino de português como L2, pôde constatar que
o aprendizado do português escrito ocorre de melhor com mais
eficiência por meio da língua natural do surdo, a Libras (L1), numa
concepção discursivo-interacionista, na qual os estudantes são
expostos ao contato com diferentes contextos situacionais, tendo

SUMÁRIO 178
contato com diversos gêneros e tipos textuais. Desta forma, esses
estudantes ampliam o conhecimento de mundo e da língua escrita,
numa perspectiva bilíngue.

Se o Português é para o estudante surdo aquilo que se


revela nas práticas de letramento nas quais está inserido, há que se
considerar que quanto mais diversificadas forem as experiências de
leitura, maiores serão as possibilidades de apreensão da língua em
sua riqueza de variedades. Disso resulta que a seleção dos textos nas
práticas de letramento escolar tenha como critério a abrangência de
sua circulação social.

De maneira semelhante, no Ensino Superior o surdo precisa


de contato contínuo e constante com materialidades do português
escrito, para entender a funcionalidades dos gêneros textuais
acadêmicos e exercer práticas de leitura e escritas situadas nesse
domínio. Justificamos que, ainda que a graduação seja em Libras e
que, de fato, esta deva ser a língua em destaque, para que o surdo
possa avançar em estudos de pós-graduação, tornar-se professor,
prestar concurso, vivenciar como cidadão pleno numa sociedade de
hegemonia ouvinte, é preciso que ele não veja o português escrito
como uma barreira diante de si.

Isto posto, parece-nos salutar que cursos de graduação


em Letras/Libras tenham claro esse compromisso social que
precisam assumir com seus graduandos: continuar a proporcionar
o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita do português,
visto que esse saber é potencialmente emancipador, em sociedades
letradas. Além disso, é preciso considerar, como fazem Ribeiro e
Mota (2020), que mesmo estudantes ouvintes, ao iniciarem estudos
em nível Superior, precisam de suporte para entender o que significa
ler e escrever naquela esfera, uma vez que as diferenças de estilo,
conteúdo e normatizações entre o fazer linguageiro do Ensino Médio
e do Ensino Superior são imensas.

SUMÁRIO 179
Nessa perspectiva, destacamos, ainda, que dados
do Índice Nacional de Alfabetização (INAF)2 revelam que os
indivíduos considerados analfabetos funcionais (analfabetos 8% e
rudimentares 22%) correspondiam a 29% da população em 2018,
enquanto os considerados funcionalmente alfabetizados (elementar
34%, intermediário 25% e proficiente 12%) correspondiam a 71%
(INSTITULO PAULO MONTENEGRO, 2018). Esses dados indicam
que, se a situação de letramento é precária para cidadãos nativos
do português, a precariedade provavelmente é ainda maior em
relação às pessoas surdas, dadas às fragilidades da educação de
surdos, que acontece predominantemente em escolas inclusivas,
que nem sempre são eficientes nos processos de ensino-
aprendizagem dessa população.

Tendo em vista os fundamentos arrolados nessa seção – como


o fato de surdos não serem deficientes, da Libras configurar-se como
a primeira língua e o português escrito como segunda, e do letramento
bilíngue ser necessariamente um processo constante, sobretudo no
Ensino Superior –, parece-nos mesmo necessário entender como
ocorrem processos de letramento em português escrito de surdos
matriculados em um curso de licenciatura em Letras/Libras.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo foi realizado em uma Instituição de Ensino Superior
de Minas Gerais que oferta o curso de licenciatura em Letras/
Libras. A licenciatura em Letras/Libras habilita o profissional a atuar
no ensino da Língua Brasileira de Sinais como primeira e segunda
língua no Ensino Fundamental e Médio.

2 O INAF trabalha com uma escala de 5 níveis de proficiência: analfabeto, rudimentar, elementar,
intermediário e proficiente, sendo os dois primeiros níveis correspondentes ao que se compreende
por analfabetismo funcional (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2018).

SUMÁRIO 180
Esse curso de licenciatura acontece na modalidade a
distância e no âmbito da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Em
2017, o curso inicia-se a partir do ato de autorização MEC/SERES
n° 45/2016 e Portaria CAPES n° 157/2011. As ofertas acontecem
no 1° semestre ou 2° semestre do ano, com funcionamento no
período diurno ou noturno.

A forma de acesso acontece mediante vestibular, atendendo


a edital específico com ingresso no 1° ou 2° semestre de cada
ano, com funcionamento no período diurno ou noturno. O tempo
previsto para integralização do curso tem um limite mínimo de 04
anos e máximo de 06 anos, com carga horária total de 3.768 horas,
conforme o projeto do curso. A Matriz Curricular contempla 2.740 de
conteúdos curriculares, 420 horas de prática de formação, 208 horas
de atividades complementares e 400 horas de estágio curricular
supervisionado, totalizando 3. 768 horas.

Na grade curricular, aparece uma disciplina sobre leitura e


escrita do português, no 5º período, intitulada Leitura e produção
de texto, sem, contudo, apresentar uma perspectiva acadêmica do
uso da linguagem no Ensino Superior ou uma perspectiva específica
aos surdos, como a ementa demonstra: “Leitura: criação de vínculos
leitor/texto, pela introdução do aluno na tradição do conhecimento
veiculado pelo texto escrito. Interpretação: leitura nas entrelinhas.
O diálogo oralidade/escrita. Da fala para a escrita - atividades de
retextualização”. O final da ementa, curiosamente, menciona “diálogo
entre oralidade e escrita” e modos de retextualizar do oral para a
escrita”, tópicos totalmente impertinente às pessoas surdas. Isso
demonstra a baixa preocupação do curso com a formação em
português escrito, visto que a disciplina, que poderia alicerçar mais
esse aspecto, parece partir de uma tradição conceitual da Linguística,
sem especificar os surdos ou focar em práticas de letramento.

Quanto aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa


classifica-se como qualitativa, de perspectiva descritiva. Do ponto de

SUMÁRIO 181
vista dos procedimentos técnicos, realizou-se um estudo de caso de
um curso em específico e, para isso, elaborou-se um formulário para
ser aplicado aos estudantes do curso.

O questionário foi elaborado no Google formulário e enviado


por email para 45 alunos do 8º período do curso. Os questionários
eram bilíngues (havia vídeo em Libras para cada questão) e poderiam
ser respondidos em Libras ou em português escrito. Apesar dessas
opções, os cinco formulários que foram respondidos apresentaram
registro em português escrito, talvez devido à dificuldade tecnológica
de se filmar e depois anexar cada resposta em vídeo no lugar correto
do formulário, tornando mais fácil para os participantes escreverem
em português. Com essa percepção em mente e cientes de que
05 participantes seria um número baixo para a realização da
pesquisa, procuramos mais três alunos e sinalizamos as perguntas
dos questionários para eles, que prontamente responderam em
Libras (chamamos esse procedimento de entrevista), chegando
a 08 o número de participantes da pesquisa. Assim, a partir da
análise de excerto significativos, buscamos, a seguir, sistematizar os
resultados desta pesquisa.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Como explica Fernandes (2022), os estudantes surdos
leem a língua escrita a partir da visualidade, mediados pela Libras
e pela modalidade visuo-espacial. Assim, no Ensino Superior, ao
produzirem vídeos sinalizados e/ou apresentações em multimídia,
reportam a práticas letradas que apreenderam na graduação ou em
momentos escolares anteriores. Logo, é preciso ter ciência de que,
entre as práticas letradas inclusas no processo de ler e escrever em
uma segunda língua escrita, figura a linguagem verbal e não verbal
para composição de apresentações, reflexões acerca de textos

SUMÁRIO 182
acadêmicos e/ou atividades que ocorrem em fóruns e atividades
avaliativas. É importante destacar que, no curso em questão, era
oportunizada a escolha do formato de registro pelos estudantes,
sendo em Libras ou português escrito. Assim, quando os surdos
leem ou escrevem, para eles, a dimensão multimodal é sempre
evidenciada no processo.

Outro aspecto de relevo diz respeito ao fato de surdos, a


rigor, terem sido historicamente “obrigados” no âmbito da formação
a se expressarem em português escrito, língua de registro formal
das escolas brasileiras. Esses aspectos tornam-se importantes para
compreender os dados sistematizados no quadro 1, a seguir.

Quadro 1 – Síntese dos questionamentos dirigidos aos estudantes surdos que leem
e escrevem a partir de uma segunda língua
Indagações acerca das práticas de
Excerto da fala de estudantes Sistematização dos resultados
letramento no Ensino Superior
Relação com a leitura e escrita do português, Difícil. Português não saber. Não consegue Compreendem o PL2 parcialmente
durante a realização do curso Letras/Libras entender. Difícil fazer TCC. Português aprende (E1, E2, E3, E5, E7 e E8).
adulta. Pesquisa internet, vídeos, sinais não
conhece, pergunta professor porque não
entende, pede exemplo, explicar porque ver
vídeos várias vezes e não entender (E4, 2022).
Relato se leram e escreveram igualmente Durante o curso, não escrevi igualmente em Não escrevi e li igualmente, porque depende
em todas as disciplinas ou se houve todas as disciplinas, algumas demandaram da disciplina e do professor; e a maioria
alguma disciplina que demandou mais mais atividade de leitura e escrita que outras, deles deixava a opção do português escrito
atividades de leitura e escrita que outras noto essa diferença vinda de professores (registro) ou Libras (vídeo) [...] (E5, E4, E7, E8)
que são ouvintes (não generalizando), que
diferem dos professores surdos que passam
menos conteúdos escritos (...) (E5, 2022).
Quantidade de leitura que realizaram Questão objetiva (múltipla escolha) A quantidade de leitura durante o curso
durante o curso de Letras/Libras foi considerada mediana (considerada
adequada) (E8/E7/E6/E5/E4/E1).

SUMÁRIO 183
Quantidade de escrita que realizaram Questão objetiva (múltipla escolha) Houve pouca atividade de escrita
durante o curso de Letras/Libras durante o curso (E2/E3/E4/E6).
Percepção sobre a sua progressão na Aprende mais ou menos. Pouco progresso na aprendizagem da
aprendizagem da leitura e da escrita do Escreve pouco. (E4, 2022); leitura e escrita (E1, E2, E3, E6, E7).
português durante a realização do curso Meu progresso na aprendizagem
de leitura e da escrita do português
durante a realização do curso, foi
particularmente grande (E5, 2022).
Relate quais foram as suas dificuldades O português era difícil, pois tem muitos As dificuldades estão associadas ao
em relação às atividades de leitura e detalhes. Quando os assuntos eram vocabulário desconhecido em PL2 e
escrita do português na universidade apresentados em Libras nas videoaulas, o termos técnicos da Língua Portuguesa
aprendizado se tornava mais fácil. (E2). (estrutura da língua). (E2/E4/E5/E7/E8)
Relate quais atividades escritas Fórum, prova, difícil português prova em A leitura e escrita apareceu em provas, fóruns,
realizou durante a graduação Libras não escreve só marcar todas (E4). seminários (power point), projetos, atividades
Não houve escrita do português no (E4, E5, E7, E8).
decorrer do curso. Todas as propostas Não tinha ou quase não tinha leitura
eram respondidas em Libras com o e escrita no curso (E1, E2, E3)
uso de gravações. Não havia o contato
presencial com o professor, somente
por meio de gravações (E3)
Opinião quanto ao que poderia ser feito Português é muito importante, e deve Oportunizar o suporte pedagógico mediante
para melhorar o processo de ensino- ser mediado pelo professor bilíngue (...). o professor bilíngue na graduação (E1, E3)
aprendizagem de português durante o curso A exemplo, no curso de Letras Libras Ensino da leitura e da escrita por meio
com o uso da Libras o aprendizado do contato com diferentes gêneros e
foi fácil, não ficou pesado. (E3). contextos sociais, tendo como língua
Difícil… treinar mais leitura com de instrução a Libras (E7, E2)
atividades, textos diferentes. (E7).
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

A partir do quadro 01, nota-se que, no curso selecionado, os


surdos estão imersos em práticas letradas multimodais (linguagem
verbal e não verbal) quando interagem no Ambiente Virtual de
Aprendizagem por meio de fóruns, em atividades avaliativas e na
construção de seminários, com o uso do PowerPoint, por exemplo,

SUMÁRIO 184
desde que escolham registrar as atividades por meio do português
escrito, e não da Libras.

Embora o curso possibilite que o aluno escolha a opção de


registro (em Libras ou português), o que nos parece, a princípio,
uma decisão interessante, observamos que alguns estudantes
podem simplesmente se esquivar da leitura e escrita do português
durante todo o curso, devido à imposição do português, que sempre
imperou na escola de Educação Básica, o que fragilizaria a proposta
de formação bilíngue. Assim, pelos relatos dos estudantes, pudemos
identificar que a leitura foi considerada mediana, enquanto a atividade
de escrita foi considerada escassa no curso. Consequentemente, a
maioria dos estudantes (05) considerou que progrediu pouco na
leitura e escrita do português durante o curso.

Destacamos, ainda, a recorrência do adjetivo difícil para se


referir ao português, aspecto que demonstra, de fato, certa tensão
para o exercício da leitura e escrita dessa língua, o que reforça a
necessidade de encontrar pontes que facilitem o acesso do estudante
ao português escrito. Na opinião dos estudantes, oportunizar suporte
pedagógico de professores bilíngues e o ensino direto de leitura e
escrita por meio da Libras seria uma alternativa. De nosso ponto de
vista, seria fundamental, também, rever a ementa da disciplina de
leitura e produção de textos do curso, além de criar mais atividades
interativas em português escrito no interior do curso.

Se observarmos o PPC, nos daremos conta de que essa


perspectiva (leitura mediana e escrita escassa), de alguma forma,
está prevista no desenho do curso, uma vez que praticamente não
há menção a práticas de escrita no projeto do curso, embora em
alguns momentos se mencione, ainda que pouco, práticas de leitura.
Compreendemos, ao final, que o projeto do curso não assume a
atividade de leitura e escrita do português como uma das habilidades
a serem desenvolvidas nos estudantes, embora tais atividades
aconteçam, mesmo que timidamente.

SUMÁRIO 185
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Práticas de letramento no âmbito da universidade são
essenciais para o processo de ler e escrever em uma segunda
língua, num curso de graduação em Letras/Libras. Nesta pesquisa,
observamos que o curso selecionado não prevê em seu projeto
de curso, de maneira direta, o desenvolvimento de habilidades de
leitura e escrita do português durante o curso. Ainda assim, essas
atividades ocorrem e poderiam ser potencializadas, se assumidas
como necessárias pelo projeto do curso.

É de se pensar também se a proposta de permitir que em


todas as atividades o surdo escolha se quer se expressar em Libras ou
Português escrito é uma boa alternativa pedagógica. Isso proporciona
a esquiva total do português, se assim o estudante desejar. Talvez
fosse importante fixar, em algumas atividades, a relevância de se
ler e escrever em português. Destacamos que, caso o surdo queira
continuar os estudos em mestrado e doutorado, provavelmente
ele terá de se inserir em cursos com menos acessibilidades, ou
melhor, em programas comuns onde terá de compreender e se
expressar por meio da escrita do português, de modo que auxiliar
os estudantes nessa caminhada parece ser fundamental para que os
estudantes não se sintam despreparados e eventualmente desistam
de prosseguir nos estudos.

Parece-nos fundamental também que, numa próxima


revisão de projeto, o curso assuma definitivamente uma perspectiva
bilíngue, isto é, que conste claramente a previsão de levar os
estudantes a progredirem nas habilidades de leitura e escrita. Essa
assunção poderá repercutir em outros incrementos no projeto, seja
em extensão universitária ou iniciação à pesquisa, por exemplo, de
forma a levar os estudantes a vivenciarem não apenas o português
escrito, mas práticas de letramento acadêmico mais amplas e plurais.

SUMÁRIO 186
Buscou-se neste trabalho a interação entre o projeto do curso
e o protagonismo da voz dos estudantes surdos, que desejam uma
formação efetiva para exercerem a profissão com convicção de terem
tido uma formação sólida baseada em uma proposta bilíngue, ainda que
nesta existam lacunas no que diz respeito à apropriação do português
como segunda língua, fato que, inclusive, é ponto altamente desejável,
mas não necessariamente obrigatório numa graduação em Libras.

Concluímos ressaltando que nossa intenção não foi a


de desqualificar o curso objeto da pesquisa, mas, ao contrário,
visamos prestigiá-lo e destacá-lo como vetor de formação humana
e profissional da comunidade surda mineira, destacando pontos
para a sua melhoria.

REFERÊNCIAS
FERNANDES, Sueli Fátima. Letramentos bilíngues de estudantes surdos no ensino
superior. Educação e Filosofia, v. 36, n. 76, 2022. Disponível em: https://philpapers.
org/rec/FERLBD-9.Acesso em 14 set. 2022.

FERNANDES, Sueli Fátima. Práticas de letramento em contextos de Educação Bilíngue


para Surdos. Revista Fórum, n. 25/26, 2012. Disponível em: https://www.ines.gov.br/
seer/index.php/forum-bilingue/article/view/289 . Acesso em 15 set. 2022.

FERNANDES, Sueli; MOREIRA, Laura Ceretta. Políticas de educação bilíngue para


estudantes surdos: contribuições ao letramento acadêmico no ensino superior.
Educar em Revista, [S.L.], n. 3, p. 127-150, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
er/a/NN3yMpLvBXKjd3KcYQ384gp/abstract/?lang=pt . Acesso em 16 set. 2022.

INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICA DO NORTE DE MINAS. Projeto Pedagógico


do Curso. 2013. Acesso em 11 set. 2022.

INSTITUTO PAULO MONTENEGRO (IPM). Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf).


Resultados preliminares. São Paulo: [IPM], 2018. Disponível em: http://acaoeducativa.
org.br/wp-content/uploads/2018/08/Inaf2018_Relat%C3%B3rio-Resultados-
Preliminares_v08Ago2018.pdf. Acesso em: 04 mar. 2019.

SUMÁRIO 187
RIBEIRO, M. C. M A.; MOTA, J. L. Promoção da leitura na universidade: possibilidades por
meio do ensino de estratégias de leitura. Rev. Diálogo Educ. vol.20 no.65, Curitiba,
2020. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-
416x2020000200696& lng=en&nrm=iso. Acesso: 19 set. 2022.

RIBEIRO, M. C. M. A. Considerações sobre a relação dos surdos com a linguagem: dos


primórdios à contemporaneidade. Revista Unimontes Científica, v. 13, n. 1/2, p. 19-29,
2011. Disponível em: https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/unicientifica/
article/view/2201. Acesso: 19 set. 2022.

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista


Brasileira de Educação, p. 5- 17, 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/
a/89tX3SGw5G4dNWdHRkRxrZk/abstract/?lang=pt. Acesso em 15 set. 2022.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 4. Ed. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 1995. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5925603/mod_
resource/content/1/SOARES_Magda_Letramento_Um_tema_de_tres.pdf. Acesso em 11
set. 2022.

STREET, Bryan. Literacy in Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University


Press, 1984.

APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO
Prezado estudante, você está sendo convidado a participar como
informante do projeto de pesquisa “Práticas de letramento de
estudantes surdos em curso de Letras/Libras. A pesquisa objetiva
descrever e analisar as práticas de letramento de estudantes surdos do
curso de Letras/Libras de uma instituição de ensino pública do norte
de Minas Gerais. Informamos que a sua participação é anônima (o
seu nome não aparecerá) e que os dados serão utilizados unicamente

SUMÁRIO 188
para fins de pesquisa, não oferecendo nenhum risco a você. Por favor,
responda se concorda em participar:

1. Você se considera:
() Surdo
() Deficiente Auditivo
() Ouvinte

2. Você é ou foi estudante do Letras/Libras da instituição de


ensino superior pública do norte de Minas ?
() Sim
() Não

3. Assista ao vídeo para responder a questão 3. De acordo com


a sua preferência, registre a resposta em português escrito
(1. a) ou vídeo em Libras (1. b):
a. Relate como foi a sua relação com a leitura e escrita do por-
tuguês durante a realização do curso Letras/Libras.
b. Relate como foi a sua relação com a leitura e escrita do por-
tuguês durante a realização do curso Letras/Libras.

4. Assista ao vídeo para responder a questão 3. De acordo com


a sua preferência, registre a resposta em português escrito
(4. a) ou vídeo em Libras (4. b):
a. Durante o curso, você leu e escreveu igualmente em todas as
disciplinas ou houve disciplina que demandou mais ativida-
des de leitura e escrita que outras? Cite quais.
b. Durante o curso, você leu e escreveu igualmente em todas as
disciplinas ou houve disciplina que demandou mais ativida-
des de leitura e escrita que outras? Cite quais.

5. Em relação à leitura durante o curso, na sua opinião:

SUMÁRIO 189
() Houve grande quantidade de leitura durante o curso
() Houve pouca atividade de leitura durante o curso
() A quantidade de leitura durante o curso foi considerada
mediana (considerada adequada)

6. Em relação às atividades de escrita durante o curso, na


sua opinião:
() Houve grande quantidade de escrita durante o curso
() Houve pouca atividade de escrita durante o curso
() A quantidade de escrita durante o curso foi considerada
mediana (considerada adequada)

7. Assista ao vídeo para responder a questão 7. De acordo


com a sua preferência, registre a resposta em português
escrito (7. a) ou vídeo em Libras (7. b):
a. Relate que tipo de atividade escrita você fez durante o curso
e como era a devolutiva da sua escrita em relação a comen-
tários, apontamentos e correções do professor.
b. Relate que tipo de atividade escrita você fez durante o curso
e como era a devolutiva da suaescrita em relação a comentá-
rios, apontamentos e correções do professor.

8. Assista ao vídeo para responder a questão 8. De acordo


com a sua preferência, registre a resposta em português
escrito (8. a) ou vídeo em Libras (8. b):
a. Qual é a sua percepção sobre a sua progressão na apren-
dizagem da leitura e da escrita do português durante a
realização do curso?
b. Qual é a sua percepção sobre a sua progressão na apren-
dizagem da leitura e da escrita do português durante a
realização do curso?

SUMÁRIO 190
9. Assista ao vídeo para responder a questão 9. De acordo
com a sua preferência, registre a resposta em português
escrito (9. a) ou vídeo em Libras (9. b):
a. Quais foram as suas dificuldades em relação às atividades de
leitura e escrita do português na universidade?
b. Quais foram as suas dificuldades em relação às atividades de
leitura e escrita do português na universidade?

10. Assista ao vídeo para responder a questão 10. De acordo


com a sua preferência, registre a resposta em português
escrito (10a) ou vídeo em Libras (10b):
a. Na sua opinião, o que poderia ser feito para melhorar o pro-
cesso de ensino-aprendizagem de português durante o curso?
b. Na sua opinião, o que poderia ser feito para melhorar o pro-
cesso de ensino-aprendizagem de português durante o curso ?

SUMÁRIO 191
9
Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
Janderson de Almeida Nobre
Vanessa Menezes Oliveira
Arlete Ribeiro Nepomuceno

LINGUÍSTICA TEXTUAL:
PRINCÍPIOS TEÓRICOS E PRÁTICOS

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.9
RESUMO
Texto originado do minicurso “Linguística Textual: princípios teóricos e
práticos”, realizado com o objetivo geral de proporcionar a apropriação
de conceitos, filiações teóricas e experiências práticas desse ramo dos
estudos da linguagem. Além da introdução, apresenta-se estruturado em
uma parte teórica, iniciada com uma breve apresentação dos estudos da
linguagem, desde as mais remotas épocas até o momento, com especial
ênfase nos estudos da Linguística Textual a partir de seu surgimento, em
1960. Na sequência, apresenta uma parte prática, evidenciando sugestões
de atividades para a leitura de gêneros textuais, em salas de aula de quais-
quer níveis de ensino. Constitui, assim, uma atividade que se justifica pela
importância de aperfeiçoar conhecimentos para um trabalho significativo
com a linguagem, em atividades de leitura, escuta e escrita de textos que
circulam em diversas mídias e semioses, tal como propõe a Base Nacio-
nal Comum Curricular. Para isso, está fundamentado em Marcuschi (2012),
Fávero e Koch (2012), Mussalim e Bentes (2012), entre outros.
Palavras-chave: Linguística Textual. Linguagem. Leitura.

SUMÁRIO 193
INTRODUÇÃO
Considerando como objetivo geral proporcionar a
apropriação de conceitos, filiações teóricas e experiências práticas da
Linguística Textual para os estudos da linguagem, e especificamente,
a intenção de oferecer subsídios para o ensino e a aprendizagem
da língua materna, na educação básica, na perspectiva do texto,
justifica esta proposta o entendimento de que estudos reflexivos
sobre as proposições teóricas da Linguística Textual (LT) subsidiam
o desenvolvimento de atividades estratégicas para o trabalho com
a linguagem. Além disso, levamos em conta que a demonstração
de atividades práticas fortalece os conhecimentos e abre horizontes
para novas proposições.

REFERENCIAL TEÓRICO

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESTUDOS


DA LÍNGUA E DA LINGUAGEM
Ao buscar aspectos e motivações histórico-teóricas para
o estudo da língua e da linguagem, é possível encontrar autores
que, em seus apontamentos, fazem referência a uma primeira fase,
a partir do século IV a.C., quando a linguagem já era considerada
uma capacidade humana e sua origem normalmente explicada por
diferentes povos ancorados, sobretudo, nos mitos, lendas, cantos,
rituais e trabalhos eruditos, principalmente com a finalidade de
garantir a fidedignidade desses textos.

Conforme Weedwood (2002), os povos hindus estudaram


a língua para entendimento dos textos reunidos nos Vedas –

SUMÁRIO 194
livros sagrados. Os gramáticos hindus, além de descreverem a
língua, produziram modelos de análise. Já entre os gregos, têm
especial relevo os estudos de Platão, que estabeleceu as relações
entre o conceito e a palavra (o significado) e de Aristóteles, que
desenvolveu uma análise da estrutura linguística, uma teoria da
frase, uma distinção entre partes do discurso e uma enumeração das
categorias gramaticais.

Ainda conforme a autora, o século III a.C. ocorreu o surgimento


da Filologia em Alexandria. Os latinos foram representados por
Varrão, que se dedicou à gramática latina definindo-a como ciência
e arte, diferenciando flexão de derivação, além de propor a definição
de gramática como a arte de falar corretamente e de compreender
os poetas. Propôs abordagem das letras e das sílabas, das partes
do discurso e de suas variações em tempo, gênero, número, caso e
discutiu sobre o bom e o mau estilo lançando advertências contra
erros e barbarismos. Os gramáticos especulativos consideraram
que a estrutura gramatical das línguas era universal, implicando
que as regras da gramática também seriam independentes das
línguas em que se realizam.

Especial destaque merece a consideração de que a gramática


grega foi inicialmente atribuída ao alexandrino Dionísio Trácio, no
século II a.C., e só veio a ser conhecida no Ocidente em 1727, quando
o conceito de frase foi interpretado como independente do texto o
que gerou seus estudos de forma isolada.

Decorrente disso, a gramática passou a ter como finalidade (i)


estabelecer e explicar a língua dos autores clássicos e (ii) preservar a
língua grega da corrupção por parte de ignorantes e iletrados. Sendo
assim, previa: (i) a distinção entre língua escrita e língua falada; (ii)
que a língua falada é derivada e dependente da língua escrita; e (iii)
a consideração da língua dos escritores do século IV a.C. como mais
correta do que a fala coloquial.

SUMÁRIO 195
Essas considerações situam estudos que visam à formulação
de regras normativas para distinção de formas corretas das incorretas
e, como se sabe, esses princípios de pureza e correção geraram, e
geram até nossos dias, preconceitos diversos.

Nos séculos XIV e XV, deu-se especial ênfase aos estudos


sobre os falares vulgares. Surgiram explicações filológicas da
Divina Comédia e a explicação de que o latim era uma língua falada
pelo povo, e que dela resultaram as línguas românicas. No século
XVI, durante a Reforma Protestante, ocorreu a tradução dos livros
sagrados, escritos principalmente em grego e hebraico, gerando
questionamentos e propostas de mudanças nas ações da igreja e,
ao mesmo tempo, propagação do catolicismo com forte influência
sobretudo de Portugal e da Espanha.

Em 1502, surgiu o mais antigo dicionário poliglota escrito


pelo italiano Ambrósio Capelino e, em 1660, a Gramática de Port-
Royal, de autoria de Lancelot e Arnaud, tornou-se modelo para as
demais gramáticas do século XVII. Tal como aponta Weedwood
(2002), esses estudos previam a linguagem fundada na razão como
imagem do pensamento e defendiam que os princípios universais
de análise serviam para qualquer língua em particular. Os filólogos
do século XVII produziram seus textos afirmando, por exemplo,
ter existido um latim culto e outro rústico, tendo este último dado
origem à língua italiana.

É possível afirmar que até esse momento o processo linguístico


era representação, ou seja, o homem, por meio da linguagem
se relaciona com os elementos da realidade. Acionando seus
conhecimentos referentes aos signos, ele vai criando uma amostragem
representativa da sociedade, não necessariamente de forma absoluta
e precisamente real, mas suficiente para satisfazer sua imaginação, em
seus aspectos culturais, políticos, sociais e, principalmente, religiosos.

Tudo isso até certo ponto de forma generalizada para todas


as línguas, concepção que foi perdendo créditos até que o processo

SUMÁRIO 196
passou a ser compreendido não mais de modo universal, posto que,
além da compreensão parcial das coisas, o entendimento variava de
indivíduo para indivíduo.

Essas considerações foram sendo gradativamente ampliadas


e, a partir do século XVIII, o homem se viu obrigado a usar a
linguagem para projetar e para prever modelos para construir os
objetos no mundo real. Com essas possibilidades de ampliação dos
conhecimentos, as crendices foram cada vez mais menosprezadas.

Os estudos da linguagem a partir do século XIX


Nesse século, inaugura-se a terceira fase dos estudos.
Uma das principais realizações dos estudiosos da linguagem foi
dar especial destaque para investigações científicas mais sólidas
por meio do método comparativo. Houve especial interesse pelas
línguas vivas, por fatos concretos, pelo estudo comparativo dos
falares, evidenciando o fato de que as línguas se transformam com
o tempo, o que independe da vontade do homem. Foram explicadas
mudanças fonéticas, ocorridas na língua falada, e houve o surgimento
da Linguística Histórica e, com ela, o método histórico-comparativo
que levou à descoberta de semelhança/parentesco entre as línguas.

Um significativo marco se deu em 1916 quando Saussure –


linguista genebrino –, com o “Cours de lingustique générale”, funda a
nova ciência: a partir de três cursos ministrados por ele (1909, 1911,
1913), cujas anotações foram publicadas por seus discípulos, como
obra póstuma, já que Saussure faleceu em 1913. Como se sabe, o
Curso de Linguística Geral até hoje é considerado um clássico dos
estudos da linguagem já que em torno dos conceitos-chave nele
apresentados giram as formulações da linguística contemporânea e
exercem fortes influências em outras ciências sociais.

Saussure propõe cinco clássicas dicotomias: (i) língua versus


fala; (ii) diacronia versus sincronia; (iii) significante versus significado;

SUMÁRIO 197
(iv) relação paradigmática (associativa) versus sintagmática; e (v)
identidade versus oposição. Além disso, propõe o estudo da língua
como elemento fundamental da comunicação humana, inaugurando
a fase estruturalista dos estudos da linguagem, tornando-se um dos
maiores responsáveis pela estruturação da linguística como ciência
autônoma, independente de outros estudos (literários, filosóficos,
lógicos, históricos, religiosos).

É possível afirmar que essas concepções e a visão saussuriana


da língua como um sistema semiológico influenciaram a formação
de escolas estruturalistas e se fazem presentes nas ciências da
linguagem. Decorrente das características estruturalistas, há: (i) a
linguagem concebida como meio de expressão e de comunicação;
(ii) o ensino e aprendizagem da leitura tendo como foco o vocabulário;
(iii) o ensino da gramática com prioridade dos aspectos gramaticais
morfológicos, sintáticos, lexicais, semânticos, e (iv) o ensino da escrita
centrado em estudos ortográficos e morfossintáticos que, como se
sabe, pouco contribuem para ampliar a competência comunicativa/
discursiva dos alunos, ou seja, a capacidade de compreensão e de
produção de diferentes gêneros textuais, nas diversas situações
contextuais de interação social e comunicativa.

Salientamos, contudo, que, a partir da década de 1960, surgem


a Análise do Discurso e a LT, que representam um avanço teórico,
sobretudo para as proposições de práticas de ensino de leitura e
escrita. De acordo com Marcuschi (2012, p. 13), “Anteriormente à
década de 1960, as pesquisas tinham como limite o estudo da frase –
fonologia, morfologia e sintaxe frasal –, desconsiderando os aspectos
semânticos e contextuais em diferentes situações de comunicação”.

A LINGUÍSTICA TEXTUAL
Sobre a LT, é importante salientar que surgiu na década de
1960, em contraposição à vertente estruturalista dos estudos da
linguagem cujos representantes (i) desconsideravam o texto como

SUMÁRIO 198
uma unidade global; (ii) tinham a frase como unidade máxima de
análise; (iii) desconsideravam a fala e seus aspectos funcionais e
organizacionais e, por fim, (iv) desconsideravam o sujeito (falante) e
a situação comunicativa nos processos de análise linguística. Assim,
ela surgiu como novo ramo para os estudos linguísticos e, conforme
afirma Marcuschi (2012, p. 16), trouxe certezas, como, por exemplo:
(i) “o texto é uma unidade linguística hierarquicamente superior à
frase”; e (ii) “a gramática de frase não dá conta do texto”.

Os estudos de Weedwood (2002) apontam que o termo foi


empregado pela primeira vez pelo Alemão Harald Weinrich – na
década de 1960, e apresenta como objeto de estudo o texto, em suas
amplas perspectivas – produção, compreensão e reprodução. Para a
autora, os principais precursores foram: Weinrich (1964, 1971, 1976),
Hartmann (1968-1971), Isenberg (1971), Van Dijk (1972), Petöfi (1973),
Vater (1979), Beaugrand e Dressler (1981), Dressler (1997). Chegou ao
Brasil na década de 1980 com Koch (UNICAMP), Marcuschi (UFPE),
Fávero, Koch e Travaglia (1989-1990).

Marcuschi, professor pernambucano, divulgou seus estudos


em 1983 e publicou em 2012 “Linguística de texto – o que é e como se
faz?”, obra considerada marco da LT e que se tornou referência para
os demais pesquisadores. Dela, decorreram estudos, discussões e
outras obras que desencadearam um processo reflexivo e mudanças
no ensino aprendizagem da língua. O ponto em comum entre
os autores é a consideração de que são poucos os problemas da
gramática que não apresentam relação com a LT.

Nas palavras de Fávero e Koch (2012, p. 11), a hipótese de


trabalho da LT, “[...] consiste em tomar como unidade básica, ou seja,
como objeto particular de investigação, não mais a palavra ou a
frase, mas sim o texto, por serem os textos a forma de manifestação
da linguagem”, assim, o texto é considerado a unidade básica de
manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por

SUMÁRIO 199
meio de textos e que existem diversos fenômenos linguísticos que só
podem ser explicados no interior do texto.

No parecer de Koch (2015), são várias as concepções de texto


que dão sustentação à LT. Concepções de texto que fundamentam a LT:
1. texto como frase complexa ou signo linguístico
mais alto na hierarquia do sistema linguístico
(concepção de base gramatical);

2. texto como signo complexo (concepção de base


semiótica);

3. texto como expansão tematicamente centrada de


macroestruturas (concepção de base semântica);

4. texto como ato de fala complexo (concepção de


base pragmática);

5. texto como discurso “congelado”, como produto


acabado de uma ação discursiva (concepção de
base discursiva);

6. texto como meio específico de realização


da comunicação verbal (concepção de base
comunicativa);

7. texto como processo que mobiliza operações


e processos cognitivos (concepção de base
cognitivista);

8. texto como lugar de interação entre atores sociais e


de construção interacional de sentidos. (concepção
sócio-cognitiva-interacional). (KOCH, 2015, p. 12).

Em virtude da diversidade das concepções de texto, pode-se


afirmar que a LT teve momentos diferentes, com denominações
também diferentes, em seu percurso. Fávero e Koch (2012, p. 16)
apontam, por exemplo, três momentos: (i) análise transfrástica; (ii)
gramática textual; e, (iii) teoria do texto.

SUMÁRIO 200
Apesar de não se verificar uma exata sucessão cronológica
na transposição de um momento ao outro, já que, de acordo com
Koch (2015), a mudança é caracterizada mais pela ampliação e
aprofundamento gradual dos estudos estruturalistas, marcando cada
vez mais o seu afastamento em relação à Linguística Estrutural, Bentes
(2012) assim se posiciona: “Podemos afirmar, no entanto, que houve
não só uma gradual ampliação do objeto de análise da LT, mas também
um progressivo afastamento da influência teórico-metodológica da
linguística estrutural saussuriana.” (BENTES, 2012, p. 262).

Primeiro momento: décadas de 1960


e 1970 – Análises transfrásticas
No parecer de Koch (2015, p. 7), nesse primeiro momento, a
LT “[...] teve incialmente por preocupação descrever os fenômenos
sintático-semânticos ocorrentes entre enunciados ou sequências de
enunciados, alguns deles inclusive, sequências aos que já haviam
sido estudados no nível da frase”. Os estudos foram direcionados
para os mecanismos interfrásticos (partes do sistema gramatical
da língua responsáveis por garantir a sequências o estatuto de
texto). A coesão e a coerência estudadas como propriedades
dos textos entendidos conforme os estudiosos: (i) Hartmann
(1968): “frase complexa”, “signo linguístico primário”; (ii) Harweg
(1968): “cadeia de pronominalizações ininterruptas”; (iii) Isenberg
(1971): “sequência coerente de enunciados” e (iv) Bellert (1970):
"cadeia de pressuposições".

Os estudos se dedicavam a explicar fenômenos tais como:


[...] a correferência, a pronominalização, a seleção do
artigo (definido/indefinido), a ordem das palavras, a
relação tema/tópico rema/comentário, a concordância
dos tempos verbais, as relações entre enunciados não
ligados por conectores explícitos, diversos fenômenos de
ordem prosódica, entre outros. (KOCH, 2015, p. 19)

SUMÁRIO 201
A correferência é entendida como a utilização de termos
(substantivos, pronomes, adjetivos ou tempos verbais) que, uma
vez utilizados, garantem a progressão/continuidade textual sem que
haja repetição. A pronominalização é a substituição de um nome
ou de um sintagma nominal por um pronome (pessoal, possessivo,
demonstrativo), correspondente. O “tema” como sinônimo de tópico:
parte introdutória de um enunciado – ocupa posição inicial na
oração – e “rema” ou comentário como a informação que o falante
quer referir – constitui o conteúdo semântico propriamente dito da
oração. Já a seleção do artigo (definido/indefinido) – utilização de um
ou outro –, quando se quer determinar de forma precisa ou imprecisa
os substantivos que o seguem.

No parecer de Kock (2015), esses estudos deixaram


de contemplar, por exemplo, (i) os fenômenos remissivos não
correferenciais: as anáforas associativas – embora referidas nos
estudos de Isenberg (1996) –; anáforas indiretas; a dêixis textual, do
grego (deiktikós) significa “mostrar, demonstrar, apontar ou indicar”,
a partir da qual deriva o adjetivo “dêitico”, a retomada anafórica por
meio do uso de demonstrativos.

Conforme Kock (2015), os estudos tinham como prioridade a


coesão textual que, segundo os estudiosos, englobava a coerência,
“entendidas como mera propriedade ou característica do texto”.

Dado ao fato dos estudos transfrásticos terem deixado de


contemplar uma série de fenômenos da linguagem e de ficar evidente
que qualquer falante tem a capacidade de reconhecer a coerência em
um texto, abandona-se o método ascendente da frase para o texto e
surgem os estudos que deram origem ao segundo momento da LT.

Segundo momento: década de 1980 – Gramáticas de texto


Nesse momento o texto é concebido como unidade linguística
mais alta, hierarquicamente superior à sentença e a coerência

SUMÁRIO 202
estudada como fenômeno construído “[...] em dada situação de
interação entre o texto e seus usuários, em função da atuação de
uma complexa rede de fatores, de ordem linguística, cognitiva,
sociocultural e interacional.”

À coesão e à coerência estudadas como fatores de


textualidade foram somados outros fatores que também passaram a
ser objetos de pesquisa: (i) intertextualidade; (ii) informatividade; (iii)
intencionalidade; (iv) situacionalidade; e (v) aceitabilidade.

As gramáticas de texto previam um falante e um ouvinte ideais


e, além disso objetivavam: (i) verificar o que faz com que um texto
seja um texto, ou seja, determinar seus princípios de constituição,
os fatores responsáveis pela sua coerência, as condições em que se
manifesta a textualidade; (ii) levantar critérios para delimitação de
textos já que a completude é uma de suas características essenciais;
(iii) diferenciar as várias espécies de textos.

Para Marcuschi (1999), as gramáticas textuais, apresentando


o texto como objetivo central da linguística, procuraram estabelecer
um sistema de regras finito e recorrente e que, uma vez internalizado
por todos os falantes de uma determinada língua, os habilitaria a
identificar se uma dada sequência de frases constitui ou não um
texto e se esse texto é bem formado ou não.

De acordo com Koch (2015, p 22), alguns dos principais


expoentes da Gramática de Texto foram: (i) Hartmann (1968) que
considerava o texto como “signo linguístico primário” e seus compo-
nentes “signos parciais”; (ii) Weinrich (1964) e sua consideração de
que “toda linguística é necessariamente uma linguística de texto.”;
(iii) Van Dijk (1972): para esse estudioso, há uma macroestrutura pro-
funda/subjacente/abstrata ou forma lógica que explicita a coerên-
cia ou a estrutura temático-semântica global do texto. Há também
uma microestrutura/estrutura superficial/frases subsequentes. Essa
estrutura superficial comporta apenas parte dos sentidos de um

SUMÁRIO 203
texto. Nunca o total de suas possibilidades semânticas. Finalmente,
(iv) Petöfi (1973): seu modelo preconiza uma base textual que possi-
bilita/sustenta a geração de bases textuais distintas.

Numa perspectiva eminentemente semântica, surgem, nessa


fase, estudiosos que acrescentaram resultados de pesquisas de
orientação semântica: por exemplo, (i) Dressler (1970); (ii) Isenberg
(1970), para quem o texto é como sequência coerente sintático
semântica de enunciados; (iii) Bellert (1970), o qual propõe o texto
como cadeia de pressuposições e (iv) Charolles (1978), para quem
existem quatro condições ou metarregras de coerência e coesão
(também sintático-semânticas) para leitura e produção de textos, a
saber: repetição, progressão, não contradição e relação.

É importante destacar que as metarregras não funcionam


como normas, da mesma forma que os fatores de textualidade
de Beaugrande e Dressler (1981), e sim como elementos que
contribuem para a coerência e a textualidade de uma produção
textual. Dessa forma, podem ser significativas para o trabalho com
a produção de textos. Elas podem operacionalizar a análise e a
compreensão da coerência.

No parecer de Mussalim e Bentes (2012), os estudos dessa


fase se apresentaram mais avançados na teoria de texto; contudo,
ainda com resquícios do estruturalismo, por considerarem o texto
como “um sistema uniforme, sólido e impalpável” e a língua como
“sistema uniforme, estável e abstrato”.

Sobre os estudos transfrásticos e as gramáticas de texto,


ainda no parecer de Kock (1997), as propriedades definidoras de um
texto estavam na forma de organização dos elementos linguísticos
e o texto considerado “[...] uma estrutura acabada e pronta, como
produto de uma competência linguística social idealizada”.

SUMÁRIO 204
Terceiro momento: década de 1990 – Teoria do texto
Nos estudos investigativos deste momento, o texto passou
a ser considerado em seu contexto de ocorrência, tendo em vista
o conjunto de condições externas à sua produção, recepção e
interpretação. Além disso, ocorreu a prioridade para o estudo da
constituição, do funcionamento, da produção e da compreensão dos
textos em uso. Para Koch (2006), é nesse momento que a língua
passa a não ser mais um sistema autônomo, mas a ser considerada
como instrumento que leva em consideração aspectos concretos
da sociedade, além do que os textos passam a ser vistos sob uma
perspectiva sintático/semântica, dada à sua complexidade.

Segundo Bentes (2012), nessa terceira fase, a linguística


torna-se ciência que evoluiu historicamente; o texto não é mais
entendido como produto, mas como processo que considera
aspectos extratextuais. Conforme pontua Bentes (2012, p. 251):
“Neste momento, considera-se o texto no seu contexto pragmático,
isto é, o âmbito da investigação se estende do texto ao contexto,
este último entendido, de modo geral, como o conjunto de condições
externas da produção, recepção e interpretação dos textos.”

De acordo com esse momento, nos estudos da linguagem são


considerados: (i) os aspectos globais do texto; (ii) ênfase nas questões
sociocognitivas: referenciação como atividade discursiva (anáfora,
catáfora, exófora), nominalização, inferenciação, conhecimentos
prévios (linguísticos, textuais e de mundo ou enciclopédicos);
(iii) questões de oralidade (análise da conversação, descrição da
modalidade oral da língua – surgimento de vários grupos e projetos
de estudo); e (iv) gêneros do discurso.

Para Fávero e Koch (1998),


[...] a linguística textual comporta diversas manifestações:
cabe à semântica do texto explicitar o que se deve
entender por significação de um texto e como ela se
constitui. É tarefa da pragmática do texto dizer qual é

SUMÁRIO 205
a função de um texto no contexto (extralinguístico). A
sintaxe do texto tem por encargo verificar como vem
expressa sintaticamente a significação de um texto e
como pode expressar o que está à sua volta. (FAVERO;
KOCH, 1998, p. 12, grifos nossos).

Nessa perspectiva, a concepção de texto implica, também,


a concepção de gênero textual, definido por Marcuschi (2012)
como realização linguística concreta definida por propriedades
sociocomunicativas e como atividade empiricamente realizada,
cumprindo funções em situações comunicativas e cuja nomeação
abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de
designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo,
composições e função.

Salientamos que a teoria do texto vigora contemporaneamente


e inclusive está prevista nos documentos parametrizadores do
ensino de língua portuguesa, como, por exemplo, na Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2018) que, no componente curricular
Língua Portuguesa, traz como objeto de estudo
[...] a centralidade do texto como unidade de trabalho e as
perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de
forma a sempre relacionar os textos a seus contextos
de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso
significativo da linguagem em atividades de leitura,
escuta e produção de textos em várias mídias e
semioses. (BRASIL, 2018, p. 67, grifos nossos).

Nesse sentido, seus princípios teóricos e práticos devem ser


considerados no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita.

IMPLICAÇÕES DA LINGUÍSTICA TEXTUAL


PARA AS ATIVIDADES DE LEITURA
É possível concluir que a LT influencia significativamente o
ensino de língua portuguesa que, antes pautado na frase e na gra-
mática, agora, leva em consideração o texto bem como seu contexto

SUMÁRIO 206
de produção e de recepção e tem como principal preocupação como
se realiza a produção do sentido. Prevê que o estudo da língua se dê
a partir do texto que, por sua vez, não mais se restringe àqueles didá-
ticos ou didatizados, presentes exclusivamente nos livros didáticos.

Tal como propõe Kleiman (1998, p. 7), “A aprendizagem da


criança na escola está fundamentada na leitura.” Assim sendo, é papel
do professor formar um leitor, “[...] que percebe relações, e que forma
relações com um contexto maior, que descobre e infere informações
e significados mediante estratégias cada vez mais flexíveis e
originais.” (KLEIMAN, 1998, p. 10). Nesse sentido, a LT traz conceitos
que auxiliam no entendimento de como se processa a leitura.

No parecer da autora, por exemplo, no processo de ensino


da leitura há que se levar em conta os conhecimentos prévios,
definidos como conhecimentos adquiridos ao longo da vida do leitor
e que impedem que a compreensão do texto aconteça caso o aluno
não os ative. Entre os conhecimentos prévios, é possível citar, por
exemplo: (i) o linguístico: que abrange desde o conhecimento de
como pronunciar as palavras, o domínio do vocabulário, as regras
da língua até o seu uso; (ii) o textual: definido como um conjunto de
noções e conceitos sobre o texto; (iii) o enciclopédico ou de mundo:
adquirido formal ou informalmente, de acordo com as vivências e
está relacionado à memória e, (iv) os conhecimentos partilhados
aqueles comuns aos interactantes ou aos leitores.

A autora prevê também que todos esses conhecimentos


devem ser ativados no momento da leitura para que a compreensão
se efetive e para que as várias informações existentes no texto
possam produzir um efeito de sentido em quem lê.

Para Marcuschi (2012, p. 33), a LT deve ser vista como “[...]


o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e
controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção
de textos escritos ou orais.” Há que se levar em conta, portanto:

SUMÁRIO 207
(i) a coesão superficial ao nível dos constituintes linguísticos;
(ii) a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo; e (iii) o
sistema de pressuposições e implicações ao nível pragmático da
produção de sentido no plano das ações e intenções. Assim, além
da organização linguística da qual decorre a coesão que garante
a linearidade, necessita da organização nos níveis de sentido e de
intenções, que garantem a coerência não só no aspecto semântico,
mas também no pragmático.

Assim, conforme Marcuschi (2012, p. 33), por ativar estratégias,


expectativas e conhecimentos linguísticos e não linguísticos, “[...] a LT
assume importância decisiva no ensino da língua e na montagem de
manuais que buscam estudar textos”, e, nesse sentido, é uma teoria
que deve ser considerada fundamental na proposição do ensino-
aprendizagem da leitura e da escrita. Assim, com referência à prática
de estudos da linguagem foi possível apresentar proposições para a
leitura e a escrita de textos.

METODOLOGIA
Quanto à abordagem metodológica, a proposta é qualitativa,
definida genericamente por Denzin; Lincoln (2006, p. 17), como [...]
atividade situada que localiza o observador no mundo.” Nesse sentido,
pode ainda ser entendida como práticas interpretativas no sentido de
oferecer melhor compreensão de um assunto, envolvendo, conforme
Denzin; Lincoln (2006, p. 17), “[...] uma abordagem naturalista,
interpretativa, o que significa estudar as coisas em seus cenários
naturais, tentando entender, ou interpretar os fenômenos em termos
dos significados que as pessoas a eles conferem.”

Vale salientar também que não houve a pretensão de explorar


todo o conteúdo, contudo, a de apresentá-lo de forma a deixar clara a
importância e a necessidade de busca constante de conhecimentos

SUMÁRIO 208
teóricos e práticos com vistas ao desenvolvimento de um trabalho
significativo, nas aulas de leitura e escrita, em todos os níveis de ensino.

Já quanto ao método, é de cunho bibliográfico que, de acordo


com os apontamentos de Gil (2010, p. 45) apresenta vantagens,
como, por exemplo; (i) “[..] permitir ao investigador a cobertura de
uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente.”; e, (ii) ser “[...] desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos.”

Consideramos, dessa forma, a pesquisa bibliográfica um


caminho viável e produtivo para o desenvolvimento da pesquisa,
uma vez que é vasto o material disponível sobre a LT que possibilita
contato com conhecimentos consolidados, a saber: livros, artigos e
dissertações, por exemplo. Dessa forma, a técnica de obtenção dos
dados tanto teóricos quanto práticos foi a consulta a livros, artigos e
dissertações disponíveis em repositórios de domínio público.

ANÁLISE DE DADOS
Atividade 1- Leitura e resolução de atividades: texto “Os urubus
e os sabiás”

OS URUBUS E SABIÁS
(1) Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... (2) Os urubus, aves por nature-
za becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles 3- haveriam
de se tornar grandes cantores. (3) E para isso fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram
dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, fizeram competições 5- entre si, para ver quais deles seriam os
mais importantes e teriam a permissão de mandar nos outros. (4) Foi assim que eles organizaram concur-
sos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar
um respeitável urubu titular, a quem todos chamavam por Vossa Excelência. (5) Tudo ia muito bem até que a

SUMÁRIO 209
doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. (6) A floresta foi invadida por bandos de pintas-
silgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás... (7) Os velhos urubus en-
tortaram o bico, o rancor encrespou-lhes a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um
inquérito. (8) “— Onde estão os documentos dos seus concursos?” (9) E as pobres aves se olharam perplexas,
porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. (10) Não haviam passado por escolas de canto,
porque o canto nascera com elas. (11) E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas,
cantavam simplesmente... “(12) — Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à
ordem.” (13) E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás... (14)
MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá.
ALVES, Rubem. Estórias de quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1984.
Para perceber as relações anafóricas e catafóricas responsáveis pela coesão textual, responda às questões:
a. Que tudo é esse?
b. O que foi que aconteceu numa terra distante no tempo em que os bichos falavam?
c. Em (3) temos o termo isso. Isso o quê? Do que se está falando?
d. Qual é o sujeito dos verbos fundaram, importaram, gargarejaram, mandaram, fizeram? É o mesmo do
verbo teriam?
e. Fala-se em quais deles: deles quem? E quem são os outros?
f. Qual é o referente de eles em (4)?
g. Em 5 tem-se novamente a palavra tudo: “Tudo ia muito bem...” essa segunda ocorrência tem o mesmo
sentido da primeira?
h. Em (7) a quem se refere o pronome eles?
i. E seus em (8)?
j. Quais são as pobres aves de que se fala em (9)?
k. E as tais coisas? Elas em (10), refere-se a pobres aves ou a tais coisas?
l. De que passarinhos se fala em (13)?
Relações de sentido entre enunciados:
■ oposição ou contraste: (mas em 2 e 11); (mesmo em 2);
■ finalidade ou meta (para em 3 e 11);
■ consequência (foi assim que, em 4); e (em 7);
■ localização temporal (até que, em 5);
■ explicação ou justificativa (porque em 9 e 10);
■ adição de argumentos ou ideias (e, em 11).
Fonte: KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 22. ed. São Paulo: Contexto, 2016.

SUMÁRIO 210
Atividade 2 - Leitura de tirinha da Mônica

Figura 1: Tirinha Turma da Mônica: O banho

Disponível em: http://www.google.com.br. Acesso em: 10 nov. 2021.

Conhecimentos prévios requeridos do leitor:

1. Linguísticos e textuais: O gênero tirinha normalmente


definido por dicionaristas como seguimento ou fragmento
de Histórias em Quadrinhos (HQ), geralmente com três
ou quatro quadrinhos, apresentando um texto sincrético
que alia o verbal e o visual no mesmo enunciado e sob a
mesma enunciação. É um gênero presente em nosso dia a
dia em variados portadores textuais. É possível encontrá-lo,
por exemplo, em jornais, revistas, em livros didáticos de
diferentes disciplinas, em gibis (onde comumente fica na
última página). Difere das HQ, por apresentar um número
reduzido de quadrinhos.

Segundo Ramos (2015), as tirinhas possuem vários “rótulos”,


a saber: tiras, tirinhas, tira cômica, tira de jornal, tira diária, tira de
humor, tira humorística e tira jornalística, por exemplo. Estudiosos
afirmam que elas foram criadas a partir das HQ, gênero textual que
possui inúmeras possibilidades socioculturais e estéticas por meio
da narrativa que lança mão das linguagens verbal e não verbal.

SUMÁRIO 211
Além disso, é um gênero que apresenta características
bem específicas, sendo constituídas por elementos verbais e não
verbais (recursos paralinguísticos – parte da comunicação humana
que ocorre por meio da linguagem não verbal: pausas, velocidade
da fala, variação de altura da fala, variação de intensidade e
hesitações, por exemplo).3

A leitura da linguagem não verbal é necessária. É interessante


que o leitor observe os personagens tomando banho: a Mônica e o
Cebolinha com água e o Cascão de sol. Essa compreensão apenas
é possível pela leitura das imagens. Nada está posto na linguagem
verbal. O formato do contorno dos balões deixa claro que o tom
da voz de quem pergunta é bem diferente do tom da voz de quem
responde: a linguagem verbal e a linguagem não verbal estão
integradas para formar a história. Tanto as personagens quanto
as ações são representadas pelos desenhos e pelas palavras que
aparecem nos balões.

Nos aspectos verbais, percebe-se o diálogo entre os


personagens e alguém que não aparece no texto, mas que pode ser
resgatado, por meio de inferência, como sendo as mães das crianças.

2. De mundo ou enciclopédicos: no contexto das histórias


em quadrinhos da Turma da Mônica, do autor Maurício de
Souza, o Cascão é um personagem que não gosta de água
e foge de qualquer possibilidade de ter contato com ela.
Fica evidente que conhecimentos precisam ser acionados e
ações precisam ser desenvolvidas pelo professor que desejar
uma leitura eficiente por parte dos alunos.

3 Sugestão de leitura: DURÃES, Tamara Prates. O lugar do gênero tirinha em aulas de língua portuguesa
na educação básica. 2018. 100 f. Dissertação de mestrado em Letras. Programa de Pós-Graduação
Mestrado Profissional em Letras da Universidade Estadual de Montes Claros, 2018. Disponível em:
https://www.posgraduacao.unimontes.br/uploads/sites/14/2018/11/DISSERTAÇÃO-FINAL-TAMARA.pdf.
Acesso em: 10 abr. 2021.

SUMÁRIO 212
Atividade 3 - Leitura de propaganda de violência contra a
mulher

Figura 2: Propaganda de violência contra a mulher

Disponível em: https://cbncuritiba.com/campanha-nao-devemos-maquiar-a-realidade_


reproducao-video-hospital-do-trabalhador/. Acesso em: 20 maio de 2019.

Para uma leitura compreensiva dessa propaganda há que se


levar em conta princípios da LT tais como: (i) a linguagem não é
neutra; (ii) o texto não está pronto e acabado: a linguagem realiza-se
em interação entre interactantes socialmente situados; (iii) no
processo de leitura, o leitor deve acrescentar seus conhecimentos
de mundo, textuais e linguísticos; (iv) o gênero propaganda social
tem propósitos definidos que devem ser inferidos pelo leitor e, (v) a
linguagem não verbal tanto quanto a verbal é carregada de sentidos.

Assim, sem a imagem (não verbal), não teria como fazer


inferências, com segurança, sobre a temática/assunto: (i) expressão
“Maquiar é esconder o que temos medo de mudar!” não dá o
sentido pretendido; (ii) o link da fonte = contexto de produção:
(campanha-nao-devemos-maquiar-a-realidade_reproducao-video-
hospital-do-trabalhador/) também é suficiente para propiciar o

SUMÁRIO 213
entendimento da mensagem. Afinal, maquiar ou não, em um contexto
hospitalar, não proporciona o entendimento de que temos medo de
mudar uma realidade.

Leituras possíveis e necessárias: vê-se uma mulher de


aparência elegante: brincos de pérola, unhas esmaltadas, cabelos
com luzes, maquiagem nos olhos. Apresenta, contudo, hematomas
no rosto e uma lágrima deslizando pela face, enquanto se
maquia com pó compacto.

É possível dizer que ela está tentando esconder os hematomas


e dá o sentido pretendido pela publicidade voltada para uma causa
social: alertar para a importância de denunciar marcas de agressão.

Os conhecimentos prévios: a agressão a mulheres é algo


que ocorre em nossa sociedade e, esconder marcas de agressão, é
recorrente, levam a compreender que esconder marcas de agressão
é medo de mudar a realidade e assim, a propaganda incentiva a
denúncia com vistas a mudar a realidade. É importante observar
o “M”, maiúsculo na palavra “Mudar” – marca significativa para a
compreensão. Fica evidente a coerência entre imagem e linguagem,
o que proporciona o entendimento da mensagem.

Atividade 4 – Leitura do poema “AS QUATRO GARES”


de Oswald Andrade

AS QUATRO GARES
Oswald de Andrade, 1927.
INFÂNCIA
O CAMISOLÃO
O JARRO
O PASSARINHO
O OCEANO
A VISITA NA CASA QUE A GENTE SENTAVA NO SOFÁ.

SUMÁRIO 214
ADOLESCÊNCIA
AQUELE AMOR
NEM ME FALE
MATURIDADE
O Sr. E Sra. AMADEU
PARTICIPAM V. Exa.
O FELIZ NASCIMENTO
DE SUA FILHA
GILBERTA
VELHICE
O NETINHO JOGOU OS ÓCULOS
NA LATRINA
Oswald de Andrade. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1967. p. 31 – 32.

Nota-se que não há elementos coesivos (ligações por meio


de unidades linguísticas), contudo, é possível afirmar que o texto é
coerente já que há uma relação entre as partes estabelecendo uma
unidade de sentido: flashes de quatro momentos da vida (os títulos
são importantes para isso).

Alguns conhecimentos de mundo são necessários à leitura:


(i) situar o poema no tempo: quando foi escrito, quem escreveu e
em que circunstâncias; (ii) saber que ele pertence ao Modernismo
(movimento literário em que há desvinculação dos padrões poéticos
como rompimento com a metrificação); (iii) saber que a adolescência
é caracterizada por ser um período breve e vivência de amores
passageiros que não merecem ser lembrados, por isso descrita em
apenas dois versos; (iv) há uma prática de receber visitas no ambiente
próprio – sala de visitas – sofá. (v) a prática de participação oficial do
nascimento dos filhos conota formalidade e indica uma fase em que
se assumem responsabilidades com a criação da família.

SUMÁRIO 215
Conhecimentos relativos à linguagem também são
importantes: (i) observar o duplo significado para gare (estação): no
poema remete às quatro fases da vida humana – sentido metafórico,
que implica a comparação da vida com uma viagem; (ii) o jogo
de ambiguidade na caracterização da adolescência; (iii) sinônimo
de latrina necessário à compreensão da ação do neto de jogar os
óculos na latrina; (iv) rompimento com o lirismo: o eu lírico não
canta ou exalta as fases da vida, apenas as descreve e caracteriza;
(v) caracterização da infância por meio de substantivos (nomeação
de objetos para transmitir sensações) e, finalmente, (vi) alteração da
regência e omissão da preposição “em” no último verso já que na
língua padrão seria: A visita à casa em que a gente sentava no sofá.

Ademais, na estrofe que caracteriza a infância, pode-se inferir


que: O camisolão = veste usual para dormir; O jarro = enfeite que
possivelmente o menino quebrara; O passarinho = brincadeiras ou
travessuras e O oceano = lembranças de viagens realizadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio deste estudo, foi possível proporcionar a apropriação
de conceitos e de filiações teóricas concernentes aos estudos da
linguagem, desde as mais remotas épocas até o momento. Foi dada
especial ênfase nos estudos da LT, a partir de seu surgimento, em
1960. Além disso, foram apresentadas algumas práticas desse ramo de
estudos, de modo a evidenciar sugestões de atividades para a leitura
de gêneros textuais, em salas de aula de quaisquer níveis de ensino.

Ademais, foi possível constatar que os estudos sobre a LT


têm fomentado sobremaneira mudanças na forma como professores
de português abordam o trabalho com o texto em sala de aula.
Nesse contexto, ao atrelar teoria e prática, o minicurso “Linguística

SUMÁRIO 216
Textual: princípios teóricos e práticos” proporcionou a observação
dos pressupostos teóricos que embasam a LT e demonstração de
como aplicá-los na interpretação de gêneros textuais diversos.

É importante salientar o papel fundamental dos docentes no


direcionamento das possíveis leituras, uma vez que as interpretações
podem requerer conhecimentos que os alunos podem não dominar
e precisam ser oferecidos.

Constitui, assim, uma atividade que se justifica pela


importância de aperfeiçoar conhecimentos para um trabalho
significativo com a linguagem, em atividades de leitura, escuta e
escrita de textos que circulam em diversas mídias e semioses, tal
como propõe a Base nacional Comum Curricular. Para isso, está
fundamentado em autores como Marcuschi (2012), Fávero e Koch
(2012), Mussalim e Bentes (2012), entre outros.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos especialmente à CAPES pelo incentivo
e investimento que proporcionam importantes reflexões para
ampliação dos conhecimentos e aperfeiçoamento da prática
profissional docente.

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Oswald. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1967.

BENTES, Anna Christina. Linguística textual. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina.
Introdução à linguística: domínios e fronteiras. v. 1. São Paulo: Cortez, 2012. (261 – 304).

SUMÁRIO 217
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018b.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC- EI-EF-110518-
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DENZIN, Norman K.; LINCOLM, Yvonna. S. Planejamento da pesquisa qualitativa:


teorias e abordagens. 2. ed., São Paulo: Artmed, 2008.

DURÃES, Tamara Prates. O lugar do gênero tirinha em aulas de língua portuguesa


na educação básica. 2018. 100 f. Dissertação de mestrado em Letras. Programa de Pós-
Graduação Mestrado Profissional em Letras da Universidade Estadual de Montes Claros,
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WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da linguística. São Paulo: Parábola, 2002.

SUMÁRIO 218
10
Maria Clara Gonçalves Ramos
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Samuel Parrela Braga
Vera Lúcia Viana de Paes

VULNERABILIDADE FEMININA
NA SÉRIE “BOM DIA, VERÔNICA”,
SOB O VIÉS DE MARCAS
AVALIATIVAS

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.10
RESUMO
Neste texto, recorte do projeto de iniciação científica “Mulheres em (dis)
cursos: representações identitárias na série ‘Bom dia, Verônica’”, com
o fomento da Fapemig, edital PIBIC PRP 6/2021, cujo tema é calcado na
perspectiva da subserviência feminina, objetivamos analisar multisse-
mioses que simbolizam a vulnerabilidade feminina e a violência contra
a mulher, sobretudo em relacionamentos heteronormativos. O caminho
teórico-metodológico norteador é a Linguística Sistêmico-Funcional (HAL-
LIDAY; MATTHIESSEN, 2014 [2004]), que investiga a dinamicidade da lín-
gua, enfatizando o nível extralinguístico hallidayiano (contextos de cultura
e situação. Completa este estudo a Gramática do Design Visual (KRESS;
VAN LEEUWEN, 2006), que legitima o papel das imagens na veiculação de
discursos, interpretando significados representacionais (ação e reação) e
interativos. Para tanto, visamos responder como os significados multis-
semióticos contextualizados podem contribuir para a (re)construção do
pensamento crítico da sociedade, tornando os indivíduos letrados, enga-
jados e menos manipulados pelos discursos ideológicos que permeiam o
hibridismo linguístico no convívio social? Metodologicamente, a pesquisa
é qualitativa (descritivo-interpretativa), cujo corpus são dois frames (1ª.
temporada) extraídos da série “Bom dia, Verônica”, alocados na Netflix, com
cenas que evidenciam a vulnerabilidade feminina. Este trabalho justifica-
-se por buscar refletir, discutir e enfrentar a intempérie social da invisibili-
dade da mulher, denunciando relações hegemônicas de poder enraizadas.
Os resultados a que chegamos são de que imagens denunciam a fragili-
dade feminina e a violência contra a mulher, asseguradas por um sistema
sócio-político ainda atrasado.
Palavras-chave: Multissemioses. Violência doméstica. Série “Bom dia, Verônica”.

SUMÁRIO 220
INTRODUÇÃO
Com aceitabilidade significativa e envolvimento socioe-
mocional, a partir de quantitativo exponencial de assinaturas em
plataformas streaming, como Netflix4, conglomerados empresa-
riais valem-se do interesse popular para comercializar produtos, a
exemplo de séries com narrativas atraentes, sobretudo no espec-
tro de mazelas sociais.

Os multimodos linguísticos presentes nas estratégias de


composição das cenas enunciativas trabalham com o interesse
de conquistar a atenção dos espectadores que interagem com as
produções cinematográficas (imagens estáticas ou em movimento),
pois não há neutralidade nos discursos subjacentes às proposições
visuais, que estão contextualizadas no ambiente sociodiscursivo no
qual se materializam.

Para Debord (2007), as relações sociais capitalistas da


atualidade são entremeadas pela interlocução entre capital cultural
e projeções imagéticas, em que instituições de poder se ancoram
nessa interdependência para atingir interesses monetários, pela
mercantilização de imagens, cunhando o termo “sociedade do
espetáculo”. Nesse sentido, depreende-se o papel significativo da
gramática visual na circulação de discursos, ideologias, crenças,
valores, todos oriundos de uma sociedade situada em diferentes
eventos sócio-histórico-culturais.

Nessa direção, salientam Kress e van Leeuwen (2001):


“Os discursos são conhecimentos socialmente construídos sobre

4 Mesmo com a queda estimada de 200 mil assinaturas no início de 2022, segundo balanço fiscal
do 1º. trimestre, a Netflix segue como uma das principais fornecedoras de produções audiovisuais,
com receita que chega a US$7,87 bilhões. O recolhimento de assinantes, de acordo com a Netflix,
justifica-se pelo compartilhamento de conta entre os usuários, pela alta na inflação intensificada
pelo conflito na Ucrânia e concorrência com outras plataformas streaming. Disponível em: https://
www.tecmundo.com.br/mercado/237342-netflix-perde-assinantes-1-vez-10-anos.htm.

SUMÁRIO 221
algum aspecto da realidade, desenvolvidos em um contexto social
específico, de maneiras apropriadas aos interesses dos atores sociais
desses contextos.” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 4)

As práticas de linguagem multissemióticas, pois, são


concretizadas pelos usuários da língua, em que são colocados em
pauta contextos discursivos para cada evento de comunicação,
manipulando-os ideologicamente. Assemelha-se essa concepção
ao nível extralinguístico hallidayano, quando abarca os
contextos de cultura e situação, que advogam acerca da língua
realizada na interatividade.

Com este estudo, visamos responder: como os significados


multimodais contextualizados podem contribuir para a (re)construção
da criticidade da sociedade, formando indivíduos letrados e menos
manipulados pelos discursos ideológicos que permeiam o hibridismo
linguístico no convívio social?

Fruto do projeto de iniciação científica “Mulheres em (dis)


cursos: representações identitárias na série ‘Bom dia, Verônica’”,
com o fomento da Fapemig, edital PIBIC PRP 6/2021, neste estudo,
objetivamos analisar o modo como os recursos sociossemióticos
atuam na denúncia da vulnerabilidade feminina, aliando texto,
contexto e sociedade, com a pretensão de aferir desigualdade de
gênero e relações hegemônicas de poder, no papel dos personagens
Cláudio Brandão e Janete. Esses estereótipos, apesar de enraizados,
podem ser superados pela democratização do letramento híbrido,
para que os atores sociais passem a perceber e desnaturalizar
patologias antropológicas.

Este trabalho justifica-se pelo olhar sobre as transformações


da indústria audiovisual que fomenta(ra)m formas outras de denúncias
sociais, como a violência de gênero, de raça etc., contra as quais
a sociedade luta no processo de formação civilizatória. A ligação
intersemiótica, portanto, comporta-se como importante ferramenta
de construção crítica e engajamento coletivo, frente à minimização

SUMÁRIO 222
de chagas sociais que impossibilitam a efetivação da dignidade
humana. Isso porque as projeções imagéticas tendem a solicitar aos
participantes interativos comandos, ações e posicionamentos sobre
problemáticas suscitadas, via estratégias psicossociais.

É inquestionável a relevância da validade e do (re)conheci-


mento de multimodos nos discursos, por estratégias que conectam
a verbo-visualidade e que materializam, linguisticamente, textos múl-
tiplos. Os discursos presentes nos frames coletados são provas práti-
cas de que os textos mobilizados, na sociocomunicação, representam
intempéries sociais, à guisa de exemplo, a vulnerabilidade feminina.

Nessa direção, “Bom dia, Verônica” pretende explicitar


e denunciar, entre outras questões que norteiam a trama,
relacionamentos abusivos vivenciados por muitas mulheres em
relações heteronormativas, tentando conseguir a adesão dos
espectadores da teledramaturgia, pois tende a envolvê-los psicológica
e emocionalmente. Por isso, insere-se a premente necessidade de
letramento híbrido, considerando a dinamicidade e (re)configuração
de gêneros multimodais, conforme destacam Vieira e Silvestre (2015):
[...] o sujeito atual, um sujeito dividido e multifacetado,
necessita de teorias de linguagem que o ensine a lidar
com as diferentes formas do discurso contemporâneo,
para que, então, o sujeito dessa sociedade visual esteja
habilitado ao pleno exercício discursivo-crítico que os
diferentes domínios da vida pública e privada exigem
de todos nós, os legítimos agentes de transformações
sociais. (VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 40)

Com a hibridização linguística, os indivíduos passam a se


comportar como (co)produtores textuais, capazes de (res)significar o
mundo e tudo o que subjaz das relações interpessoais, em incontáveis
gêneros e suportes, mobilizados pelos interesses socioideológicos,
marcados por crenças, valores e experiências no mundo material.

SUMÁRIO 223
Partimos da descrição da linguagem como prática social, na
busca de entender a relação entre as formas internas da linguagem
e o uso delas em contextos de ação social, procurando contemplá-la
como sistema linguístico que se constitui por um feixe de opções
associadas às funções que ela exerce e às demandas que fazemos
a ela. Posto isso, as significações sociossemióticas representam o
sistema sintático-semântico-semiótico das estruturas linguísticas,
no sentido concreto da língua, expressas em situação de uso,
correlacionando forma e função.

Para discutir essas questões, organizamos este texto


em quatro seções. Na primeira seção, abordamos o arcabouço
teórico que orienta as análises: os contextos de cultura e situação
(campo, relação e modo), da Gramática Sistêmico-Funcional, bem
como os significados representacionais narrativos (ação e reação)
e interativos para a leitura das imagens, da Gramática do Design
Visual. Na segunda, apresentamos os procedimentos metodológicos
aplicados na análise das imagens selecionadas. Na terceira, a análise
e discussão do corpus, que estabelece uma ligação entre as duas
propostas teóricas e a situação de violência doméstica no gênero
série. Na última seção, traçamos algumas considerações finais
dos resultados obtidos.

REFERENCIAL TEÓRICO

INCURSÕES CONTEXTUAIS NA LINGUÍSTICA


SISTÊMICO-FUNCIONAL: CULTURA E SITUAÇÃO
Para a Linguística Sistêmico-Funcional, a linguagem é um
sistema semiótico, codificado por funções com relação ao uso,

SUMÁRIO 224
numa relação entre linguagem e contexto sociocultural permeado
por ideologias, servindo, como todo sistema semiótico, a diferentes
funções comunicativas.

Nesse contexto, de modo diferente da noção tradicional


da Semiótica Social, que estudava os signos como representação
das coisas do mundo, de forma descontextualizada, a Linguística
Sistêmico-Funcional (doravante LSF) trabalha com a Semiótica
como a ciência de toda e qualquer linguagem, com o estudo do
significado, gerado em um contexto social, sendo a língua apenas
uma das maneiras de expressar significados. Por isso, consoante
Halliday e Hassan (1989[1985]), a linguagem deve ser vista numa
abordagem sociossemiótica, para a qual, muito embora o conceito
de Semiótica tenha advindo dos signos, o estudo da Semiótica
não se limita a eles, devendo ser considerada como um estudo de
sistemas de significados:
[...] que podem ser considerados relacionando-se por
uma forma externa de produção a que chamamos
signo, mas que estão internamente presentes, não como
entidades individuais, mas como redes de interação.
(HALLIDAY; HASAN, 1989, p. 4)

Para os teóricos sobreditos, a Semiótica relaciona-se


à percepção da linguagem como um entre sistemas outros de
significação que, juntos, constituem a cultura humana. Já o termo
social refere-se a dois aspectos: à cultura e a um sentido mais restrito,
cujo enfoque se processa entre a linguagem e a estrutura social.

Essa configuração de multimodos semióticos (verbal


(escrito e oral), visual (estático e em movimento), gestual, corporal,
do olhar etc.), motivados, e não arbitrários, é, também, objeto de
estudos da perspectiva multimodal e da Gramática do Design Visual,
ambos decorrentes da Semiótica Social (HODGE; KRESS, 1988;
KRESS, 1997; KRESS, 2010). Numa perspectiva sociossemiótica e
multifuncional da linguagem, o modo semiótico visual, sobretudo das

SUMÁRIO 225
imagens estáticas, é visto como “[...] textos visuais, que se organizam
segundo alguns princípios e regularidades, conforme os usos que
fazemos deles em diferentes situações” (HENGES; NASCIMENTO;
MARQUES, 2013, p. 241).

A linguagem, na senda hallidayiana, é um meio de retratar


o mundo utilizado pelos usuários da língua, que se valem da
ciência linguística para exteriorizar as experiências vivenciadas na
sociedade, nas diferentes instituições das quais fazem parte, a partir
da escolha de signos motivados, ainda que de forma inconsciente.
Nesse enfoque, para Pimenta (2001), a escolha dos signos é
socialmente motivada, com significados político-sociais, ligados,
intrinsecamente, ao poder e a mecanismos de controle de grupos
dominantes nos atos semióticos, numa articulação entre diferentes
significados socioculturais, em que a análise dos contextos e a
definição deles são essenciais.

No bojo dos estudos propalados por Halliday (1994[1985]),


Halliday e Matthiesen (2004[2014]), numa abordagem sociossemiótica,
na LSF, a linguagem imprime um conjunto de significados, (re)
construído a cada vez que fazemos uso dela e organizado em torno
de um propósito comunicativo e de dois sistemas: (extra)linguístico.
Nela, o sistema linguístico, relacionado ao significado das orações,
comporta os subsistemas: semântico, léxico-gramatical e fonológico,
sobre os quais não falamos por não atingir o escopo deste estudo.
De modo diferente, quando escolhas linguísticas oportunizam
interações comunicativas à maneira sistêmica, sobreleva-se o
sistema extralinguístico, mobilizado pelos contextos de cultura e
de situação, para validar relações funcionais – sintagmáticas –, que
se constroem no curso das interações sociofuncionais.

Torna-se fulcral destacar que a língua em uso caracteriza-se


pela maleabilidade, pois, empiricamente, ratificamos a natureza
dialógica, gradiente e prototípica, fazendo com que as situações
discursivas sejam pensadas de maneira transfrástica, não limitando

SUMÁRIO 226
a língua a prescrições. À luz da premissa comunicativa, coadunando
com as contribuições da Antropologia Social introduzida por
Malinowski (1923), os textos são condicionados pelas múltiplas
realidades dos espaços nos quais são proferidos. Respeitando esse
raciocínio, segundo Halliday (1994[1985]), o contexto de cultura
configura-se pela estabilidade e amplitude exponencial, pois valida
construções socioculturais.

Para que compreendamos eventos linguísticos, faz-se


premente pensar práticas culturais, na intenção de entender as
motivações pelas quais os usuários de uma língua natural enveredam
por determinadas escolhas. Nesse sentido, é fundamental a
simbiose entre as múltiplas manifestações semióticas e o ambiente,
com o anseio de entender os propósitos sociais, cujo objetivo está
centrado na comunicação.

Enquanto o contexto de cultura é visto como mediato,


marcado pela tradição sociocultural, por ideologias, comportamentos,
opiniões e atitudes que condicionam as pessoas, o contexto de
situação caracteriza-se por ser imediato, microcontexto, um contexto
particular, restrito e específico, no qual se considera o contexto
de uso, amparado por variáveis de registro sociossemióticas:
campo, relação e modo.

Nessa perspectiva, o campo refere-se ao que acontece


no evento linguístico, no tocante à natureza da prática social e ao
modo como os sujeitos se engajam no mundo, aludindo ao tema
abordado. A relação diz respeito aos tipos de relações interpessoais
estabelecidas, reiterando as conexões entre os participantes e
enfatizando posições e papéis desempenhados por eles (vínculos
institucionais, familiares, de poder, de contato). O modo mobiliza os
meios pelos quais as informações são socializadas, considerando
os sistemas semióticos nos eventos textuais-discursivos (meio
falado ou escrito, linguagem simples ou rebuscada, canal fônico
ou gráfico, bem como a perspectiva retórica, com recursos
persuasivo-argumentativo-expositivos).

SUMÁRIO 227
No decorrer das análises, ressaltamos que a interpretação
sociofuncional dos relatos e das imagens selecionados, realizou-se,
nos termos de Halliday e Matthiessen (2014[2004]), a partir dos
contextos de cultura e de situação, balizados na tríade campo,
modo e relações (HALLIDAY; MATTHIESSEN,2014), com vistas a
desvelar o propósito comunicativo de quem escreve. Retomando
o nível extralinguístico, no contexto de cultura, do qual o gênero
textual-discursivo série faz parte, os produtores da série “Bom dia,
Verônica”, com propósitos sociais diversos, por meio de palavras,
gestos, expressões faciais etc., estabelecem a comunicação via
aspectos socioculturais.

No contexto de cultura, identifica-se esse gênero com


significados semióticos que possam emergir desse sistema de níveis
mais elevados e amplos de significados, como a visão patriarcal,
em que a mulher é concebida como propriedade do homem que
a controla e a submete à autoridade irrefutável dele, a existência
de um protótipo estrutural que associa a mulher a um sexo frágil,
que se afirma pela influência já propagada por alguns veículos
midiáticos, entre outros.

Na proposta de análise, interpretamos o contexto de cultura,


marcado por práticas culturais dos grupos sociais dos participantes
(Verônica, Janete e Brandão), de situação, caracterizado pelo modo
como eles, na mis-en-scène, faz em uso da linguagem, para o qual
priorizamos o campo (experiências/ações desses participantes),
relações (papéis deles na interação familiar, profissional, de poder),
valores construídos por eles nas relações interpessoais (amor, ódio,
rancor, vingança, medo, traição etc.) e modo (a maneira como a
linguagem se organiza para mostrar a situação enunciada: linguagem
informal, mal elaborada, com suspensão das falas etc.). Escolhas
definidas pelo produtor da série foram realizadas num contexto de
situação que sofreu interferência do sistema sociocultural.

SUMÁRIO 228
GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL: A MULTIMODALIDADE
E OS SIGNIFICADOS CONSTRUÍDOS
À medida que a sociedade avança e aciona a linguagem, para
atender a interesses comunicativos, novos gêneros textuais/discur-
sivos são institucionalizados ou, quando já existentes, adaptados.
A multimodalidade notabiliza a necessidade de letramentos outros,
para além dos signos verbais convencionais, por se tratar de uma
ferramenta emancipatória e inclusiva. Motivada por essa demanda
social, intersemioses são engendradas em eventos linguísticos, con-
vocando a percepção não apenas da perspectiva verbal, mas tam-
bém dos artefatos visuais, para produzir significados.

Por meio da perspectiva multimodal do discurso, cujo


cerne é a Gramática do Design Visual (GDV), Kress e van Leeuwen
(2006) convalidam as imagens, nas interações comunicativas, como
portadoras de múltiplos significados e informações. Logo, propuseram
essa teoria imagética, destacando artefatos sígnicos, não destituindo
o valor da linguagem verbal, mas pensando-o imbricado no visual, o
que oportuniza relação de igualdade na produção de significados.

O fenômeno da hibridização de textos, na atualidade,


reforça a relevância multimodal, sobretudo se se pensar na difusão
de gêneros digitais, como produções fílmicas e séries streaming.
Trazendo à baila realizações de significados construídos por meio
de entrelaço imaginário, salientamos a necessidade da busca
pela multimodalidade, em que, por ser parte inerente às práticas
socioculturais, a linguagem é multifacetada, pois gestos, cores,
expressões faciais, olhares, layouts, enquadramentos, imagens
estáticas ou em movimentos comportam-se na qualidade de formas
diferentes da comunicação humana. Reiteramos a importância de se
congregar o letramento plural no tocante à maleabilidade linguística,
para que possamos expandir produções de significados e perceber
intenções comunicativas.

SUMÁRIO 229
Assim como a LSF de base sistêmica, Kress e van Leeuwen
(2006) também se valem do sistema de transitividade para a
construção de significados, não por meio do complexo oracional,
mas sim das imagens. Nessa perspectiva, apesar de não privilegiar
semioses verbais, a GDV vai ao encontro da LSF quando exterioriza
experiências socialmente erigidas, com o auxílio de estruturas
imagéticas, ancorando-se em diferentes modos semióticos, para
encenar acontecimentos e representar o mundo.

Análoga à metafunção ideacional de Halliday (1994[1985]),


Kress e van Leeuwen (2006) reportam-se ao significado
representacional, cuja máxima se concentra na produção e
representação de significados em imagens. No escopo dessa
consideração, Paes (2017) defende que as esferas visuais:
[...] são, de fato, ideológicas e não meramente formais,
possuem uma dimensão semântica importantíssima,
visto que há conceitos totalmente abstratos na vida que
são tidos como reais. Assim, as possibilidades de realiza-
ção por meio dos modos semióticos são determinadas
histórica e socialmente e pelas potencialidades e limita-
ções inerentes a um modo semiótico, cuja representação
é mediada visualmente por discursos. (PAES, 2017, p. 27)

Nessa significação, avaliam-se motivações relacionadas a


ideologias, crenças, valores, princípios construídos historicamente,
considerando que produções de significados são condicionadas
a essas nuances. Kress e van Leeuwen (2006) salientam, na
leitura de imagens, dois processos que contemplam significados
representacionais: narrativos (com os quais trabalhamos) e
conceituais. O processo narrativo é subdividido entre ação e reação
(representações contempladas neste estudo), em que as cenas
imagéticas são projetadas, indicando ações no mundo material ou
representando reações faciais dos participantes.

Os processos narrativos de ação indicam ações do mundo


material, com a linguagem marcada na interatividade, pois ações

SUMÁRIO 230
são realizadas por um participante (Ator) em direção a outro (Meta).
Essa categoria é subdividida por ação transacional unidirecional,
representada por verbos transitivos (há de se ressaltar, uma vez mais,
que a GDV coaduna com o sistema de transitividade como a LSF, mas
pela visualidade), com a presença de Ator (de onde parte o vetor) e
Meta (quem recebe a ação), responsável por guiar o olhar do leitor da
sintaxe visual. Assim, é unidirecional porque a ação guiada pelo vetor
que parte do Ator atinge apenas o Meta, não existindo reciprocidade,
a exemplo da sentença subentendida pela FIG. 1: “Janete liga à amiga
para desabafar acerca do relacionamento abusivo”. O verbo ligar
materializa a ação de Janete (Ator) comunicar à amiga (Meta).

O processo narrativo de ação unidirecional não


transacional é representado por processos verbais intransitivos,
contando apenas com o Meta, isto é, sem ação diretiva. Todavia,
podem existir situações em que o verbo seja transitivo direto, mas sem
a marca explícita de quem faz ação (Ator), porque nem sempre há a
intencionalidade de explicitá-lo. Por outro lado, o processo narrativo
de ação bidirecional, diferente da unidirecional, é materializado
por voz reflexiva, já que, simultaneamente, Ator e Meta praticam e
recebem ação, numa relação vetorial recíproca, na classificação de
agentes e pacientes simultâneos.

Reportando às reações faciais dos participantes representa-


dos, os processos narrativos reacionais demarcam, na representa-
ção imagética, sensações, sentimentos, desejos etc., exteriorizados
pelo semblante dos participantes (medo, raiva, preocupação, aflição,
angústia, tristeza).

As expressões de Janete, por exemplo, são analisadas sob a


égide dessa categorização visual, pois mostra aparência angustiante
e aterrorizada devido às perturbações provocadas pelo marido e
policial, Cláudio Brandão. Esse processo narrativo é marcado por um
vetor que parte da linha dos olhos de um participante, com a marca
de um ator social que observa e reage à cena (Reator), dirigindo-se a
outro representado, que é o centro da atenção na cena (Fenômeno).

SUMÁRIO 231
O processo narrativo de reação unidirecional é caracte-
rizado pelo instanciamento de reator-vetor-fenômeno, pois o olhar
do participante representado está direcionado a alguma ação que
acontece na proposição visual, ou seja, está dentro da imagem. De
modo diferente, está o processo narrativo de reação unidirecional
não transacional, porque se vale tão somente de reator-vetor, sem
o fenômeno, já que o participante se reporta a algo fora da imagem
enfatizada. Por fim, o processo narrativo de reação bidirecional
transacional, tal como o narrativo de ação bidirecional, conta com a
marca de reator-vetor-reator (ação e reação), em que o participante
olha para uma atividade na cena e reage a ela.

Nos significados interativos, ocorre uma relação dialógica


entre os participantes representados nas imagens, bem como entre
quem produz e quem visualiza: o produtor de imagens e o espectador
da série, estabelecendo vínculos significativos, intitulados de
participantes interativos, conforme Kress e van Leeuwen (2006).
Ao fomentar relações imaginárias, aproxima ou repele produtores
da série streaming e os espectadores da imagem dessa série,
conectando-os, haja vista que toda imagem é criada para endossar
discursos condicionados aos contextos de produção.

Motivado por intencionalidades materializadas na produção da


imagem, o produtor, estrategicamente, reforça influências ideológicas
dele, solicitando conhecimentos prévios do espectador da cena, a
partir de interpretações dos atores presentes nas cenas enunciativas.
Nessa ótica, evidenciam-se participantes representados (pessoas,
coisas e lugares), já pontuados na significação representacional, e
participantes interativos, interligando-os frente à produção de
significado na realização semiótica.

Para tanto, Kress e van Leeuwen (2006) salientam que os


participantes representados sejam humanos e, quando não forem,
devem possuir características humanas (antropomorfizados). As
possíveis relações engendradas podem se comportar exclusivamente

SUMÁRIO 232
entre os participantes representados, entre representados e
interativos, como também entre apenas interativos. Essas interações,
quando falamos, escrevemos e/ou construímos imagens, são
identificadas, no jogo semiótico, por meio do olhar (não estão no
escopo deste artigo), da distância afinidade social/enquadramento
e do ângulo/ponto de vista/perspectiva.

Na esteira de Kress e van Leeuwen (2006), a distância/


afinidade social/enquadramento relaciona-se a recursos de
aproximação e distanciamento entre os participantes representados e
interativos na cena enunciativa, endossando semioses significativas.
É abarcada por close-up (plano fechado), médium shot (plano
médio), que projetam imagens com pouca distância, reforçando mais
intimidade, e longshot (plano aberto), responsável por promover
mais distanciamento. À medida que o enquadramento da imagem
indica certo grau de intimidade entre os participantes, menor será a
distância em relação ao interlocutor.

Em imagens com close-up, os estudiosos sobreditos


afirmam que acontece quando a imagem é compactuada até a
região dos ombros, com enquadramento fechado e, semioticamente,
sugere um vínculo mais afetivo, pessoal, intimista, amigável, numa
relação imagética de proximidade entre os participantes. Em
certas projeções visuais, essa distância pode ser classificada como
close-up extremo, engendrando ainda mais afetividade, notada de
muito perto, acima até dos ombros.

Em cenas enunciativas com médium shot, Kress e van


Leeuwen (2006) pontuam que a imagem do participante representado
vai até os joelhos, com enquadramento médio, sugerindo uma
afinidade social de respeito, credibilidade, cortesia e reverência,
não tão de perto, mas também não tão de longe. Na contramão
desses aspectos de aproximação, encontra-se o longshot, com
enquadramento aberto, focado em demonstrar distanciamento,
representa o participante de corpo inteiro, evocando uma relação
contemplativa por parte do interlocutor, de forma impessoal.

SUMÁRIO 233
Outrossim, na sintaxe visual, o produtor também considera
o ângulo (ponto de vista ou perspectiva), pois é carregado de
valores socialmente construídos, presentes na memória discursiva
do participante interativo e as intenções por trás da representação
imagética, ainda que ele não tenha consciência crítica disso,
naturalizando comportamentos e moldes sociais.

O produtor da imagem, quando envereda por um ângulo


frontal promove maior envolvimento entre os participantes interativo
e representado na estrutura visual, enquanto, no ângulo oblíquo,
ocorre certo afastamento entre o leitor e o participante disposto
na cena enunciativa, que reforça sensação de não pertencimento
no imaginário do participante interativo. Os ângulos superiores,
inferiores e na linha dos olhos, coadunando Kress e van Leeuwen
(2006), instigam relações de poder estabelecidas socialmente entre
os participantes, a partir de arquétipos padronizados na sociedade.

Os ângulos superiores engendram poder e altivez aos


participantes interativos posicionados na cena, acima do participante
representado, quando este é colocado em ângulo baixo, assim como
pode acontecer essa relação entre participantes representados,
considerando a maneira em que são projetados na composição visual.

Os ângulos inferiores reverberam, por outro lado, mais poder


e imponência ao participante representado, pois intensifica que o
observador se perceba pequeno, insignificante e inferiorizado, em
relação ao participante representado em ângulo alto. Contrário a
isso, o ângulo na linha dos olhos repercute uma ideia de igualdade
entre os participantes, por meio do qual há vínculos simétricos
de controle, em que os participantes interativos e representados
comungam do mesmo poderio.

Identificamos que o ângulo selecionado pelo produtor, nas


cenas sob análise, intencionalmente, veicula discursos carregados
de ideologias, com perceptíveis relações de poder e estratificação
entre possuidores e despossuídos em cada contexto enunciativo,

SUMÁRIO 234
com políticas que ora aprovam, ora desaprovam escolhas e atitudes
classificadas como superiores, inferiores ou igualitárias. O criador da
imagem edifica o discurso visual, a partir de símbolos com os quais
os participantes tenham contato no meio social e sobre os quais a
cultura (re)construída conduz, para atingir o público desejado.

Há de se considerar que os atores sociais fotografados na


série transmitem não apenas significados representacionais, porque
endossam, concomitante a isso, significados sociossemióticos de
interação e composição, numa tríplice significação metafuncional,
ainda que não sejam contemplados neste estudo.

METODOLOGIA
O mundo, a partir da linguagem, é instanciado por textos
que reverberam práticas sociais diversas, endereçando-lhe para
além do código verbal, em que a língua, na senda sociossemiótica,
está a serviço de diferentes intenções sociodiscursivas dos usuários
nas inter-relações. As formas de representação do mundo podem
encenar acontecimentos, experiências pelas quais passamos, o que
confere um caráter importantíssimo da hibridização linguística, para
que sujeitos saibam agir no e pelo mundo.

Na sociedade vigente, com a difusão de gêneros textuais múl-


tiplos, sobretudo com a massificação das redes digitais, multimodos
sociocomunicativos passaram a desmistificar a ideia de artefatos síg-
nicos exclusivamente verbais, explorando a interdependência da ver-
bo-visualidade na disseminação dos discursos, pois as proposições
imagéticas não são caracterizadas pela neutralidade, mas amarradas
por correntes ideológicas que evocam discursos contextualizados.

Metologicamente, selecionamos dois frames da série


nacional “Bom dia, Verônica”, por meio de pesquisa qualitativa

SUMÁRIO 235
(descritivo-interpretativa), com capturas de tela que evidenciam a
vulnerabilidade feminina, no papel da personagem Janete (vítima), ao
longo de todo o enredo da série, de violências físicas e psicológicas,
proferidas pelo marido Cláudio Brandão, para que percebamos e
possamos agir contra essa realidade ficcional na realidade concreta
das relações cotidianas, considerando que a arte, quase sempre, é
um retrato imagético da concretude.

Como ponto de partida, abordamos o nível extralinguístico


hallidayiano, via contextos de cultura (cenário mediato) e de
situação (cenário imediato), para unir língua, cultura e sociedade na
produção de significados multissemióticos, explorando as variáveis
de registro campo, relação e modo.

Na sequência, valemo-nos da GDV, partindo dos significados


representacionais (processos narrativos de ação e de reação),
com os participantes e os vetores que os conectam, e interativos
(enquadramento e ângulo), com espectadores que interagem com a
cena e agem sobre o mundo no qual vivem. Desse modo, de posse
da GDV e da LSF, investigamos como a vulnerabilidade feminina
e a violência contra a mulher são simbolizadas na série sobredita,
oportunizando a identificação de cargas ideológico-políticas
presentes nas imagens.

Feitas estas considerações, passemos às análises, em diálogo


com as teorias selecionadas, de forma contextualizada no tempo e
no espaço sociossemiótico.

ANÁLISE DE DADOS
Os frames a seguir apontam para uma língua que é viva,
dinâmica e propositiva, a partir da qual os sujeitos se valem para
exteriorizarem experiências, com práticas sociais e de linguagem

SUMÁRIO 236
materializadas em forma de textos híbridos, via semântica e
pragmática, pois os indivíduos conceitualizam e (res)significam o
mundo de que fazem parte.

Figura 1 – Verônica alerta Janete sobre os comportamentos violentos e


manipuladores de Brandão

Fonte: Imagem capturada da série “Bom dia, Verônica”,


alocada na Netflix, 2020, 1ª temporada, episódio 5, 8min11s.

Inicialmente, contextualizando, na Figura 1, Verônica Torres


(Tainá Müller) vai à casa de Janete, às escondidas, alertá-la sobre
o relacionamento abusivo que a amiga vive com o companheiro
Cláudio Brandão, cercado por torturas psicológicas, agressões físicas
e verbais, diminuindo-a como mulher e esposa. Não apenas no frame
destacado, mas em toda a trama, Brandão humilha Janete e, quando
a trata dignamente, utiliza-se da estratégia de manipulá-la e sempre
mantê-la sob poder, fazendo-a acreditar que ela passa por todas as
repressões porque fez por merecer.

Nessa mise-en-scène, o contexto de cultura desvelado


consiste na crítica contra a insuficiência feminina na sociedade,
na qual as mulheres são colocadas numa posição constante de
subserviência, sendo controladas, perseguidas e manipuladas pelo

SUMÁRIO 237
sistema patriarcal tradicional e conservador, entendendo a identidade
da mulher, muitas vezes, de forma inferiorizada, sobretudo em
relações conjugais, a exemplo do casamento entre Janete e Brandão.
As formações identitárias e os valores sociais parametrizados pelo
senso comum atuam como uma espécie de consentimento dado a
homens (Brandão), para que se sintam seguros e respaldados para
endossar a vulnerabilidade feminina (Janete), normalizando, quase
sempre, a violência contra mulheres.

Já o contexto de situação reporta-se a um diálogo que


reforça a preocupação de Verônica com as situações desumanas
pelas quais Janete passa, com a intenção de retirá-la desse sofrimento.
Nessa direção, o campo identificado, nesse frame, é justamente a
crítica a relacionamentos abusivos que, por conseguinte, reafirma
a vulnerabilidade feminina, sujeita a progredir a violências físicas e
psicológicas, como é o caso de Janete.

A relação estabelecida entre elas é de proximidade, cujo


papel desempenhado por Verônica é ajudar a libertar e conscientizar
Janete de que ela vive, sim, em situação de violência doméstica. O
modo como o texto verbo-visual é construído acontece por meio
de diálogo entre as duas, sustentado por uma afirmação categórica
e assertiva de Verônica para Janete, levando a amiga a entender
que, mesmo que ela queira vendar os olhos à realidade, ela sabe
reconhecer os sinais de Brandão.

Na paisagem semiótica visual, observamos que Janete (Ator)


realiza, na metafunção representacional, o processo narrativo de
ação transacional unidirecional, pois executa a ação de ouvir o
que Verônica (Meta) diz a ela sobre o marido Brandão, por meio do
processo material (verbo transitivo direto). Na senda reacional, com
semblante sofrido, nitidamente violentado (machucados nos lábios e
hematoma na região dos olhos), o vetor que parte da linha dos olhos
de Janete se dirige à Verônica, que aparece de costas na imagem
(processo narrativo de reação unidirecional transacional).

SUMÁRIO 238
Na significação interacional, a participante representada
(Janete) aparece projetada com enquadramento médio (médium
shot) e ângulo frontal, sugerindo aproximação com os leitores da
cena, o que ajuda a criar vínculos imaginários íntimos e engajamento
frente ao desafio social.

Figura 2 – Janete, preocupada, liga para Verônica e desabafa sobre a mudança de


comportamento de Brandão

Fonte: Imagem capturada da série “Bom dia, Verônica”, alocada na Netflix, 2020, 1ª temporada,
episódio 5,25min58s.

Assim como na Figura 1, o frame 2 revela um contexto de


cultura voltado à violência doméstica, ao papel de mulher subjugada
nas práticas sociais contidas nas relações de poder, historicamente
cristalizadas, em que mulheres parecem não ter voz e autonomia. Por
isso, naturalizam, por pressão e padrões sociais, convívios tóxicos.

Nessa cena enunciativa, portanto, o contexto de situação,


influenciado pelo contexto maior (cultura), inclina-se à descrição
do contexto específico de vulnerabilidade enfrentada por Janete. O
campo identificado sugere o assunto da subserviência feminina, em
que Janete tem a saúde mental afetada pelos mistérios do marido,
pois depende de como o humor dele está para que viva bem; afinal,
ela é manipulada por Brandão.

SUMÁRIO 239
Nesse caso, a relação entre ela e o esposo é de submissão,
entrega aos moldes comportamentais que ele espera que ela atenda,
subordinada às regras de convivência ditadas por ele, pois a decisão
dos direcionamentos do casamento entre o casal se dá por Brandão,
não em conjunto. Quanto à Verônica, o vínculo estabelecido entre
elas corrobora o exposto na Figura 1, cuja relação perpassa pela
confiança e intimidade. O modo como o texto se efetiva se dá pela
hibridização da linguagem, na qual semioses verbais e imagéticas se
misturam na veiculação discursiva da sintaxe visual sobredita.

À luz da visualidade, no processo narrativo acional, Janete


(Ator) materializa o processo de ação transacional unidirecional,
no momento em que executa a ação de ligar para desabafar com
Verônica (Meta), a respeito do relacionamento abusivo por que passa,
de observar os sinais da violência e de contatar a amiga, novamente,
em busca de ajuda. No processo narrativo de reação, Janete (Ator)
aparece com expressão facial agitada, tensa, medrosa, sugerida pelo
cabelo despenteado, com olhar direcionado para algo fora da imagem
(processo narrativo de reação unidirecional não transacional).

Destaca-se, ainda, quanto aos significados interativos, o


olhar apreensivo e preocupado de Janete, em plano médio (médium
shot) e ângulo frontal, em posição de igualdade com os participantes
interativos da cena, construindo a conscientização do problema
junto aos espectadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz do exposto, chegamos à conclusão de que a
vulnerabilidade feminina potencializa a manifestação de violência
contra a mulher, assegurada por um sistema social, político e cultural
ainda atrasado, imerso entre avanços e retrocessos. Ratificamos
que imagens veiculam significados sociossemióticos, ideologias,

SUMÁRIO 240
valores e crenças estigmatizantes e segregadores, difundidos desde
a Antiguidade, a partir dos frames escolhidos, que buscam denunciar
essa patologia social limitadora e injusta. Assim, reitera-se a
importância do letramento híbrido, para que a sociedade seja crítica,
participativa, ativa, engajada e menos manipulada.

As pessoas, nas relações cotidianas, acionam a língua


para diferentes fins, lançando mão de múltiplas semioses para
conseguirem significar, compreender e interpretar o mundo em que
vivem, como forma de projetarem como pessoas emancipadas, a
partir de leitura crítica de textos multimodais.

Atuantes como (co)produtores de práticas discursivas


híbridas, os sujeitos, com o letramento expandido, conseguirão se
projetar no mundo enquanto pessoas, de fato, politizadas, instruídas,
conscientes de que a linguagem é maleável, prototípica e dinâmica,
não sendo possível reduzi-la apenas ao prisma verbal.

Textos múltiplos reverberam discursos contextualizados numa


cultura e situação específica de manifestação textual, cujo retrato da
vida sociocultural é colocado em evidência, num jogo intersemiótico
entre gênero e cultura, forma e função, pois é na língua que se consolida
a interação. É solicitada ao Ator Social, aos participantes interativos a
proficiência semiótica, por sujeitos críticos capazes de compreender
(hiper) semiotizações outras em gêneros e suportes textuais variados,
como ilustra o gênero série, alocado no ciberespaço.

REFERÊNCIAS
BOM DIA, VERÔNICA. Direção: José Henrique Fonseca; Izabel Jaguaribe Rog de Souza.
Produção de José Henrique Fonseca; Eduardo Pop; Ilana Casoy; Raphael Montes. São
Paulo: Netflix, 2020.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007.

SUMÁRIO 241
HALLIDAY, Michael. A. K. Na introduction funcional gramar. London: Edward Arnold,
1994 [1985].

HALLIDAY, Michael. A. K; MATTHIESSEN, C. A nintroduction funcional gramar. London:


Edward Arnold, 2014 [2004].

HALLIDAY, Michael. A. K.; HASAN, R. Language, contexto and texte: aspects of


language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989 [1985].

HENGES, G. R.; NASCIMENTO, R. G.; MARQUES, P. M. A gramática de imagem como


ferramenta de análise crítica de textos midiáticos. In: SEIXAS, L.; PINHEIRO, N. F. (org.).
Gêneros: um diálogo entre comunicação e linguística aplicada. Florianópolis: Insular, 2013.

HODGE. Robert; KRESS, Gunther.Social semiotics. London: Polity Press, 1988.

KRESS, Gunther. Before writing: rethinking the patchs to literacy. Londres: Routledge, 1997.

KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. Reading images: the gramar of visual design. 2
ed. London: Routledge, 2006.

KRESS. Gunther. Multimodality: a social semiotic approach to contemporary


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MALINOWSKI, B. K. The problem of meaning in primitive language. In: OGDEN, Charles


Kay Ogden; RICHARDS, Ivor Armstrong. The meaning of meaning. London: Routledge
and Kegan Paul, 1923.

NEPOMUCENO; Arlete Ribeiro; PAES, Vera Lúcia Viana de. Incursões multissemióticas em
peças publicitárias no meio digital. Signótica, Universidade Federal de Góias, v. 32, 2020.
Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/sig/article/view/60332. Acesso em: 6 jun. 2022.

PAES, Vera Lúcia Viana de. Análise metafuncional do discurso publicitário.


Monografia – Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros, 2017, p. 17.

PIMENTA, S. M. de O. A semiótica social e a semiótica do discurso de Kress. In:


MAGALHÃES, C. (org.). Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte:
Faculdade de Letras/UFMG, 2001. (Estudos Linguísticos, 2)

VIEIRA, Josenia Antunes; SILVESTRE, Carminda. Introdução à multimodalidade:


contribuições da gramática sistêmico-funcional, análise de discurso crítica, semiótica
social. Brasília, DF: J. Antunes Vieira, 2015. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/
mercado/237342-netflix-perde-assinantes-1-vez-10 anos.htm. Acesso em: 13 out. 2022.

SUMÁRIO 242
11Samuel Parrela Braga
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Maria Clara Gonçalves Ramos
Vera Lúcia Viana de Paes

MULTISSEMIOSES
EM POST PUBLICITÁRIO
DA SKOL BEATS

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.11
RESUMO
As evoluções tecnológicas, na esfera publicitária, oportunizaram uma
potencialização de multimodos de leitura, capazes de criar, (des)articular
e divulgar representações conceituais simbólicas, de cunho ideológico,
mantenedoras ou transformadoras da realidade social. Neste texto, recorte
do projeto de iniciação científica “Discurso e Mudança Social: constru-
ções identitárias da mulher em anúncios de cerveja”, edital PRP 7/2021,
na modalidade ICV, objetivamos refletir, questionar e analisar a estrutura
simbólica das marcas, cujas alterações demandam dos consumidores
prospectados interpretações e olhares mais precisos das imagens. Nesse
contexto, o tema perpassa pela análise de recursos linguísticos híbridos
mobilizados por indústrias cervejeiras, estrategicamente, para atingir, per-
suadir e vender um produto para o consumidor em potencial. Para tanto,
a pergunta norteadora deste estudo empreendido é: signos multissemió-
ticos, ao recorrer à representação feminina, manipulam o despertar do
interesse de consumidores em potencial à adesão de produtos industria-
lizados, como cerveja? A relevância deste trabalho justifica-se por des-
cortinar a potencialidade da linguagem em configurar e ser configurada
pelas práticas sociais, evidenciando a influência e o poder da publicidade
e de seus subgêneros na formação, manutenção e (des)construção de
preconceitos do ser feminino no marketing da SKOL, a partir da análise
de multissemioses. Metodologicamente, por meio de análise qualitativo-
-interpretativa, selecionamos um post publicitário da marca SKOL BEATS,
na plataforma sociodigital Twitter, publicado em 19 de fevereiro de 2020, no
perfil da empresa supracitada. Este estudo sustenta-se no aporte teórico
da Gramática do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), para anali-
sar os artifícios escolhidos e combinados na promoção de significações
ideológicas, valorativas, culturais e sociais numa cena imagética, com foco
nas categorias analíticas de significados representativo e interativo. Com
isso, pretendemos ampliar a criticidade dos consumidores em potencial e
conscientizá-los sobre o respeito às diversidades sociais, pela percepção
de entrelinhas apelativas de diferentes códigos semióticos e pela busca do
entendimento dos discursos a que os consumidores são submetidos, dei-
xando ou não ser influenciado, sobretudo no que concerne à manipulação
híbrida para o consumo de bebidas com e sem teor alcoólico.
Palavras-chave: Anúncio publicitário. Multissemioses. Cerveja Skol Beats.

SUMÁRIO 244
INTRODUÇÃO
À medida que a tecnologia se desenvolve, o corpo social
e o sistema linguístico são (re)configurados, e, por conseguinte, a
faculdade intelectual do ser humano é programada para entender o
mundo via telecomunicação. O ciberespaço, produto dessa malha
tecnológica evolutiva, é a principal fonte de nutrição do homem
hodierno (LÉVY, 2010) para se alcançar a informação e a interação
com a realidade em que vive. No entanto, essa busca pela informação
não é possível sem o letramento e o entendimento dos códigos
sociossemióticos alocados nas plataformas comunicativas.

Concomitante às transformações tecnológicas, a linguagem


verbal sofreu metamorfoses significativas, não apenas no plano
impresso, mas também no virtual, na linguagem semiótica, presente
em gráficos, templates, layout etc. A partir dessa linguagem
multissemiótica, que pretende expressar funções comunicativas,
o mercado marketeiro cresce de forma exponencial, utilizando,
estrategicamente, mecanismos indutivos e psicológicos para
propagar informações, prospectar consumidores, realizar
vendas, entre outros.

O marketing publicitário, na contemporaneidade, proporciona


diversas maneiras de empregar recursos multimodais nos canais
comunicativos para persuadir o leitor/consumidor prospectado.
Com efeito, artifícios verbo-visuais são modos semióticos de que
empresas se valem, no gênero publicitário, periodicamente, para
atingir um determinado público-alvo, para vender e lucrar com o
produto e/ou serviço.

Percebendo as intencionalidades por trás das ações de marke-


ting de empresas do mercado cervejeiro, esta pesquisa objetiva analisar
uma peça publicitária da remodelada marca de cervejas mistas (com
e sem teor alcoólico) SKOL BEATS, em anúncio presente no Twitter.

SUMÁRIO 245
A escolha dessa rede sociodigital e da marca de bebidas esbarra nos
poderes, nas simbologias e nos valores que são capazes de construí-
rem na busca pela manipulação dos consumidores em potencial.

Essa estratégia ocorre pelo compartilhamento de ideias e


mensagens manuseadas, pelos indivíduos e pelas marcas, em textos
multimodais nas plataformas informativas, veiculadas em aparatos
computacionais, como os smartphones, que possuem aplicações
acessíveis à fácil disseminação e às multitarefas. Desse modo, em
canais tecnológicos, a partir de estratégias comerciais, publicitárias
e de marketing, o usuário é manipulador do discurso e, ao mesmo
tempo, manipulado pelo discurso de outrem, o que torna necessária
a realização de uma análise precisa dos discursos semântico-
pragmáticos presentificados nos planos visuais.

Este estudo, recorte do projeto de iniciação científica “Discurso


e Mudança Social: construções identitárias da mulher em anúncios
de cerveja”, edital PRP 7/2021, na modalidade ICV, é guiado por
esta pergunta: signos multissemióticos, ao recorrer à representação
feminina, manipulam o despertar do interesse de consumidores em
potencial à adesão de produtos industrializados, como cerveja?

Nesse prisma, analisamos um post publicitário, veiculado no


feed da página da marca BEATS, situada no Twitter, em 19 de fevereiro
de 2020. Para entender as características e os elementos presentes
na imagem estudada, na esteira da sociossemiótica, valemo-nos
do suporte teórico-metodológico da Gramática do Design Visual
(KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), doravante GDV, para estudar os
significados conceituais e as interações que a imagem do post,
a partir de participantes (pessoas, atributos e objetos), pretende
apresentar aos atores sociais.

Na perspectiva sociossemiótica, os significados são


explorados nas imagens de modo crítico, ao se respaldar em
ideologias e contextos socioculturais experenciados num dado
tempo e espaço pelos participantes representados e interativos na

SUMÁRIO 246
mis-en-scène. Nessa direção, a Semiótica Social (HODGE; KRESS,
1988) utiliza-se dos princípios de escolha, contexto e funções
semióticas para atribuir significações aos participantes de uma
sintaxe visual. As funções semióticas são recursos que buscam
compreender os procedimentos realizados nas escolhas e nos
contextos comunicativos que uma cena pode apresentar.

Com efeito, Kress e Van Leeuwen (2006) propuseram três


significados: representacional, interativo e composicional, na
descrição do modo como os elementos visuais (pessoas, objetos
ou lugares) são passíveis de apresentar experiências pelas quais
podemos passar, o modo como podemos interagir em situações socio
discursivas, com maior ou menor distanciamento social, com atos de
imagens (olhares), assim como a maneira pela qual os discursos se
organizam (cores, tipografias e curvaturas das letras, centro, margem,
etc.), a partir de determinadas pretensões seletivas contextuais.

Metodologicamente, com pesquisa qualitativo-interpretativa,


explorando os significados representacionais conceituais da GDV,
nas imagens, buscamos evidenciar estratégias semióticas usadas no
marketing da SKOL BEATS.Com essa análise, almejamos, ainda, traçar
o modo como a marca atribui, por meio de elementos semióticos, o
significado dos produtos à comunidade jovem, baladeira, eclética,
animada e repleta de causas e questionamentos sociais que
defendem, como a diversidade cultural, étnica, biológica, social etc.

Observamos que a marca, ao inovar em técnicas de


marketing ligadas a tal público, contribui para a desnaturalização do
patriarcalismo, do conservadorismo e dos preconceitos arraigados,
ao longo da história, em poderes externos às pessoas, a exemplo do
comércio publicitário midiático. Em suma, com uma nova perspectiva
de mercado, e, consequentemente, com uma nova roupagem na
divulgação da marca, a indústria da cerveja SKOL BEATS trabalha
com a proposta de desconstruir paradigmas, no reconhecimento de
que a sociedade passa por mudanças.

SUMÁRIO 247
A relevância deste trabalho justifica-se pela necessidade
de se buscar refletir, questionar e analisar manipulações socio
discursivas que emergem de projeções imagéticas, responsáveis
por induzir o consumidor, sobretudo os mais jovens, ao consumo
de bebidas mistas como forma de ele se sentir inserido num deter-
minado grupo social. Para aguçar a percepção da desnaturalização
de relações de poder, em meio às transformações sociais, partindo,
igualmente, da própria mídia, com o rompimento de estereótipos,
este estudo sistematiza formas para o entendimento dos comandos,
psicologicamente, solicitados pelas sintaxes visuais.

Além da introdução, este texto é estruturado, num primeiro


momento, à exposição do suporte teórico, com foco nos estudos
multimodais advogados por Kress e van Leeuwen (2006), na GDV,
enfatizando as significações representacional e interativo. Na segunda
seção, apresentamos a metodologia. Na sequência, trabalhamos
com os resultados obtidos, seguindo, de perto, a abordagem
sociossemiótica proposto para análise da imagem selecionada. Por
último, apresentamos as conclusões a que chegamos.

Com a proposição deste estudo, pretendemos, interdisciplinar-


mente, ampliar a criticidade do espectador/consumidor prospectado e
conscientizá-lo sobre a importância de saber interpretar os discursos
alocados em peças publicitárias nos espaços cibernéticos e reais, para
que possa identificar as intencionalidades subliminares presentes nas
estruturas discursivas e simbólicas da mídia e da sociedade.

REFERENCIAL TEÓRICO
SIGNIFICAÇÕES IMAGÉTICAS NA GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL
Tributários da Gramática-Sistêmico Funcional (HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2014 [2004]), Kress e van Leeuwen (2006), na GDV,

SUMÁRIO 248
acrescentam à sociossemiótica halidayiana o poder significativo
que subjaz de estruturas visuais, na intenção de evidenciar que,
no sistema imagético, há, também, transitividade. Valendo-se das
meta funções ideacional, interpessoal e textual, propostas por
Halliday e Hasan (1989), Kress e van Leeuwen (2006) renomearam-
nas, respectivamente, no plano imagético, em significados
representacional, interativo e composicional (não constituem
o foco deste estudo).

Os significados representacionais filiam-se aos modos


múltiplos de como o mundo é representado, manipulado por
diferentes atores sociais, que acionam a língua para diferentes
fins comunicativos. Essa categorização imagética é subdividida,
didaticamente, entre projeções narrativas (não atende ao escopo
desta análise) e conceituais.

Em linhas gerais, os processos narrativos investigam as


ações e os eventos dos participantes, que são interligados por vetores,
a partir de interações estabelecidas entre eles. Os conceituais
categorizam, analisam e significam os participantes humanos e,
quando não o forem, estão antropomorfizados, representados
de forma estática, atemporal, com o objetivo de criar conceitos,
mostrando como o participante é, ou o que ele significa (conceito).

Devido à carga significativa e simbólica que os elementos e


os participantes apresentam na cena publicitária do post da SKOL
BEATS, evidenciamos, neste estudo, o significado representacional
conceitual, em que os participantes são identificados pelos processos
classificatórios, analíticos e simbólicos. Mais precisamente, o
estudo do corpus dedica-se tão somente ao processo conceitual
simbólico, à luz das análises que essa estrutura propicia para o
entendimento das simbologias e dos significados representados
pelos participantes numa imagem.

O significado representacional conceitual simbólico


evidencia um participante a partir do significado simbólico conferido

SUMÁRIO 249
a ele no mundo, articulado pelas categorias atributiva (portador e
atributo simbólico) e sugestiva (não contemplada nesta análise).
Na construção simbólica atributiva, um participante é focado em
relação a outro, podendo representar a significância dele pelo(a)
do(a) tamanho, cor, iluminação, lugar em que ele se encontra na
imagem, além de qualquer valor simbólico convencionado por uma
cultura específica, de modo a direcionar o olhar do espectador a esses
atributos significativos.

Nessa medida, o Portador destaca-se por deter o significado,


sendo o Atributo Simbólico o significado conferido ao Portador. Em
suma, o atributo conferido a ele serve para relacionar o(a) significado/
identidade dele (o Portador) ao(à) significado/identidade de outro
elemento representado (Atributo Simbólico) na cena imagética.

Nos significados interativos, semioticamente, ocorre uma


interação entre todos os elementos dentro e fora da imagem. Melhor
dizendo: há interação entre o(s) participante(s) representado(s)
— pessoas, lugares, objetos — e o(s) participante(s) interativo(s)
— espectador —, bem como o produtor do designer (publicitário).
Há de se ressaltar que esse produtor veicula um discurso contex-
tualizado, com base em interesses socioideológico-comunicativos e
intencionalidades dele.

Por essa via, a multissemiose, como vimos, na perspectiva


da interação, apresenta dois tipos de participantes: interativos e
representados, constituídos de pessoas, lugares, objetos concretos
ou abstratos, representados na e pela fala, escrita ou imagens,
sendo frutos da necessidade ou intencionalidade do discurso e
da produção verbo-visual. Essas interações, segundo Kress e van
Leeuwen (2006), são arroladas pelo olhar, distância/afinidade
social/enquadramento e ponto de vista/perspectiva/ângulo,
para sugerir certas interpretações desses participantes.

Os participantes representados, em atos semióticos,


direcionam olhares, seja para o espectador, seja para outro

SUMÁRIO 250
participante representado. Para Kress e van Leeuwen (2006), a análise
dos olhares perpassa pelas características e condições humanas dos
participantes-pessoas. Ainda que eles forem participantes-objetos,
faz-se necessário transmutar as características humanas aos objetos,
com vistas a realizar a leitura empírica da composição imagética.

No texto multissemiótico, tal como ocorre em textos verbo-


grafo-fonêmicos, o leitor pode ou não aceitar ofertas ou demandas
advindas da proposição visual, considerando que estratégias de
composição imagéticas solicitam dos participantes interativos
comandos. Esses entrosamentos, importantes peças na definição do
grau (maior ou menor) de interação com o leitor, são denominados
atos de imagem (KRESS; VAN LEEWEN, 2006), que arquitetam
olhares de oferta ou de demanda.

Na ótica da GDV, Kress e van Leeuwen (2006, p. 118), em um


designer de imagem com olhar de demanda, afirmam:
O olhar do participante (e o gesto, se presente) exige algo
do espectador, exige que o espectador entre em algum
tipo de relação imaginária com ele ou ela. Exatamente
o tipo de relação que é então representado por outros
meios, por exemplo, a expressão facial dos participantes
representados. Eles podem sorrir, caso em que o
espectador é convidado a entrar numa relação de afinidade
social com eles; eles podem olhar para o espectador com
desdém frio, caso em que o espectador é convidado a se
relacionar com eles, talvez, como um inferior se relaciona
a um superior; eles podem fazer beicinho sedutor para o
espectador, caso em que este é convidado a desejá-los
[...] (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 118)

À luz desse excerto, podemos depreender que os


participantes representados podem direcionar, seduzir e
intimidar o espectador/consumidor prospectado ao demandar,
intencionalmente, interpretações e ações, estabelecendo
proximidade, vínculo, intimidade e relações imaginárias e sensitivas
(afinidade, sedução, dominação, convite etc.), para ser desejado,

SUMÁRIO 251
admirado e/ou respeitado. Semioticamente, essas interações
interpelam o espectador de forma direta, impactando a psiquê, os
sentimentos e a vida do consumidor/espectador.

Em cenas com olhares de demanda, os participantes repre-


sentados, tacitamente, solicitam expressões emotivas que, em geral,
despertam insight sentimentais e comoventes a quem os observam.

Já em imagens com participantes representados que não


olham diretamente para os participantes interativos, ocorre o olhar
de oferta, em que os participantes representados direcionam os
olhares uns aos outros na mesma cena. Os representados funcionam
apenas como fonte de informação, contemplação e admiração
para os interativos. Nesse caminho, para os objetos e/ou pessoas,
numa mise-en-scène, quem os produzem e quem os observam
são invisíveis, coma relação entre os participantes interativos e
representados acontecendo de forma indireta e impessoal.

Dito isso, a depender do contexto e da escolha, os olhares


dos participantes podem ser encenados de variados modos em uma
cena publicitária, ora demandam respostas psicossociais de quem
cria e/ou observa, ora servem apenas de oferta de contemplação
dos objetos e/ou pessoas numa imagem.

Na distância/afinidade social/enquadramento, segundo


Kress e van Leeuwen (2006), essas interações são articuladas,
via semioses significativas, para aproximar e/ou distanciar os
participantes representados e interativos, codificadas por close-up
(plano fechado), médium shot (plano médio) e long shot (plano
aberto). Neles, ocorrerão graus de intimidade ou estranheza no
espectador. Desse modo, dependendo do enquadramento, quanto
menos distante os participantes representados na imagem estiverem
em relação ao espectador, maior é a proximidade entre eles.

No close-up (plano fechado), o corte na imagem é realizado


até os ombros, a partir de um enquadramento fechado, o que

SUMÁRIO 252
possibilita vínculos afetivos, mais próximos, entre os participantes
representados e interativos. No médium shot (plano médio), a
imagem do participante representado é projetada até os joelhos, em
que os participantes sugerem, semioticamente, respeito, credibilidade,
cortesia reverência, bem como a possibilidade de estabelecer
vínculos, com uma proximidade um pouco mais distante. Na
contramão disso, o long shot (plano aberto), com enquadramentos
distantes e amplos focos longitudinais, apresentam os participantes
de corpo inteiro. Essas interações de largas amplitudes imagéticas
expressam relações contemplativas por parte do espectador, que,
impessoalmente, admira a cena enunciativa de longe. Dessa forma,
há um distanciamento entre os participantes.

Além da interação entre olhar de demanda ou oferta e


distância/afinidade social/enquadramento, na sintaxe visual, o
publicitário também considera, quando seleciona as estratégias
imagéticas, as intencionalidades discursivas, o contexto desejado
e as interações de ângulo/ponto de vista/perspectiva. Essas
interações são imbuídas de valores e crenças sociais, moldadas
pelas capacidades sensitivas e memórias discursivas dos
participantes interativos e pelas intencionalidades escondidas nas
tecituras imagéticas.

Nessa perspectiva, o publicitário, ao escolher um ângulo frontal


(na verticalidade), imprime uma aproximação entre os participantes.
Já no ângulo oblíquo (na horizontalidade), há o afastamento entre
os participantes. Nos termos de Kress e van Leeuwen (2006), esses
ângulos relacionam-se a diferentes relações simbólicas de poder: de
igualdade, inferioridade ou superioridade, reverberadas socialmente
entre os participantes, a partir de modelos sociais pré-estabelecidos.

Assim é que a posição angular depende da ligação referencial


entre participantes representados e participantes representados com
interativos. Nesse sentido, aqueles participantes que se encontram
em ângulo superior em relação a outro participante em ângulo inferior

SUMÁRIO 253
representam poder, soberania e imponência. Na direção contrária,
aqueles participantes que estão em posição de ângulos inferiores
em contraste com outro participante em ângulo superior, geralmente,
estabelecem insignificância, inferiorização, subordinação. Diferente
disso, o ângulo na linha dos olhos imprime igualdade e vínculos
simétricos entre os participantes, não havendo diferença de poder.

Na sequência, após apresentação da teoria multimodal,


vejamos o modo como ela foi discutida no expediente metodológico.

METODOLOGIA
Metodologicamente, selecionamos, como corpus, um post
publicitário da SKOL BEATS, alocado no Twitter, em 19 de fevereiro
de 2020, trazendo à baila uma análise qualitativo-interpretativa das
sintaxes visuais ideologicamente construídas. Escolhemos esse
objeto de estudo pela necessidade de oportunizar ao espectador/
consumidor prospectado acesso aos multimodos dos discursos,
via semioses veiculadas no gênero anúncio publicitário, bem como
de evidenciar os significados que os participantes, numa cena
imagética, podem portar e transmitir ao espectador.

Ao pensar em estratégias de marketing, recorremos às


principais plataformas de redes sociais que permitem aos usuários
receber, enviar, gerenciar e interagir de forma mútua e global
com outros contatos. O Twitter, rede social e microblog, permite a
digitalização em textos de até 280 caracteres apenas, sendo um
exemplo de canal que veicula textos multimodais compactados e
direcionados a influenciar a vida em sociedade.

Sendo uma plataforma de atualizações de conteúdos


provindos de variados contextos, empresas multinacionais cervejeiras
utilizam-se do Twitter para divulgar e vender as informações de

SUMÁRIO 254
produtos. Nesse suporte, por possuir modos semióticos de construção
e estratégias variados, as marcas manipulam o gênero digital
publicitário para persuadir o espectador/consumidor em potencial
consumir os produtos. Para tanto, os publicitários, responsáveis por
movimentar e edificar a marca, com articulações multissemióticas,
atribuem aos produtos anunciados conceitos, ideais, simbologias e
significados reverberados na e pela sociedade ao longo dos anos.

Tendo em vista à hibridização da língua(agem) e construção


das imagens na contemporaneidade, filiamo-nos aos pressupostos
teórico-metodológicos da GDV (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006),
no exame dos significados que projetam experiências por que
passamos, e dos significados interativos que se relacionam aos atos
de imagem, ao distanciamento ou proximidade entre os participantes,
às de relações de poder, os quais se encontram, respectivamente,
nos processos representativos e nas relações sociointerativas.

Nessa direção teórico-metodológica, passando em revista


o processo conceitual simbólico atributivo, dos significados
representacionais; o olhar de demanda, a distância/afinidade
social e o ponto de vista/perspectiva, dos significados interativos,
como ferramenta analítica da GDV, exploramos, na cena imagética
que se segue, conceitos advindos dos participantes representados e
interativos no objeto de análise.

ANÁLISE DE DADOS
As mídias digitais são as principais fontes de compartilhamento
de conteúdo político, histórico, educacional, econômico e pessoal na
contemporaneidade. Em um mundo interacional e informacional, no
qual o código semiótico necessita ser direcionado de forma precisa,
a criação de canais comunicativos, programados para atualizar e ser

SUMÁRIO 255
usados de forma rápida e curta, vem modificando o imaginário coletivo e,
consequentemente, a fala e a língua nos espaços materiais e cibernéticos.

Nesse prisma, com as pressões e mudanças sociais, políticas


e históricas acompanhadas de perto, também, pelas tecnologias,
as indústrias, para não perder capital e poder de mercado, vem se
reposicionando nas campanhas publicitárias, por meio de softwares
e canais sociodigitais interativos, assim como o Twitter. A exemplo
disso, a SKOL, marca de cerveja dinamarquesa que possui licença
para ser produzida no Brasil, remodelou as semioses publicitárias,
inovando, mas não ignorando o passado obscuro da estereotipização
vulgar do corpo feminino na anunciação de bebidas em cartazes,
posts e comerciais audiovisuais.

Posto isso, vejamos, no post publicitário em tela, na prática


social contextualizada, os diferentes recursos sígnicos de que o
produtor textual se valeu para persuadir o consumidor em potencial.

Figura 1 – Post publicitário da SKOL BEATS

Fonte: Twitter da SKOL BEATS. Disponível em: https://bit.ly/3oGDTAl. Acesso em: 29 jul. 2022.

SUMÁRIO 256
Atualmente, a Skol, depois do reposicionamento feito pela
campanha Reposter, em 2016, de peças publicitárias e de slogans
outrora machistas, propõe conceitos inclusivos, de aceitação e da
não objetificação e sexualização do corpo feminino. Em síntese, a
Skol, com um engajamento social, no marketing hodierno, inclui,
diversifica e equilibra os gêneros em anúncios publicitários, não
mais dando voz à estigmatização da mulher, ao machismo e a
preconceitos arraigados no senso comum.

De forma pretenciosa, para alcançar conceitos de respeito


às mulheres e ao engajamento social, ela convidou a cantora Anitta,
celebridade que iniciou a carreira no funk brasileiro, mas que já se
expandiu no cenário mundial a outros gêneros musicais, para ser
garota-propaganda da marca de cervejas mistas SKOL BEATS.
Desse modo, Anitta trouxe para a marca não apenas concepções
advindas do público jovem, baladeiro e eclético, mas também valores
simbólicos da luta de causas feministas no Brasil, como igualdade de
gênero e salarial, rompimento aos padrões estéticos e opressores,
combate ao assédio sexual e às violências contra as mulheres.

Na consideração dessas observações sobre a SKOL BEATS


e sobre a cantora Anitta, a análise proposta, sob aporte teórico-
metodológico das significações sociossemióticas da GDV, leva em
conta o contexto em que a imagem foi projetada para circular, as
escolhas pretendidas e os valores defendidos pela marca SKOL
BEATS e pela participante representada (garota-propaganda) ligada
a ela nos tempos atuais.

Na senda teórica de Kress e van Leeuwen (2006), sobre o


significa do representacional conceitual, há, na cena publicitária
do post da SKOL BEATS, processo representacional conceitual
simbólico atributivo, devido à ausência de ação ou de narração.
Nessa concepção, a participante em foco (Anitta) é representada
com a condição feminina de beleza, alegria e charme, sendo uma
modelo que serve de inspiração aos potenciais consumidores do
produto anunciado pela SKOL BEATS.

SUMÁRIO 257
Essas condições, qualidades e significações representadas
pelo (a) pose, olhar, vestimenta e valor traduzido na identidade de cele-
bridade, portada pela participante representada, são atributos ofere-
cidos pela cerveja mista “Skol Beats GT”, que transmuta as caracte-
rísticas presentes na composição às características identitárias dessa
jovem e festiva mulher na sociedade contemporânea: empoderada,
deslumbrante, sensual, ativa, antimachista e anticonservadora.

O designer e o discurso sociossemiótico, propostos no post


publicitário da empresa de bebidas mistas, pretendem mostrar que
essas características de celebridade apenas são alcançadas se a
mulher (consumidora prospectada) consumir, necessariamente, a
bebida “Skol Beats GT”. Visto isso, Anitta, participante representada,
(Portadora), no centro da imagem, exala cor, iluminação, brilho
intenso e vívido pertencentes à bebida “Skol Beats GT” (Atributo
Simbólico), responsável por associar valores culturais e sociais
importantes à personalidade de uma reconhecida mulher na
sociedade, como felicidade, autoestima e auto-valorização.

A depender do contexto e das escolhas, para transmitir


esses significados, conceitos e ideias, faz-se imperioso construir
inter-relações entre a cerveja e o consumidor prospectado. Para
tanto, notamos que a participante representada (Anitta) direciona,
seduzindo e intimidando, a partir da pose, olhar e enquadramento,
o consumidor em potencial, fazendo com que ele se identifique
com ela, envolvendo-se emocionalmente com a bebida que
lhe foi apresentada.

Com o propósito de entender as interações entre participantes


representado e interativo, analisamos, na sequência, os significados
que se constroem na teia semiótica interativa da GDV: olhar de
demanda, distância social/enquadramento e ângulos/pontos de
vista. No percurso teórico de Kress e van Leeuwen (2006), sobre o
significado interacional, há, no post publicitário da SKOL BEATS, um
ato de imagem com olhar de demanda, que apresenta uma relação

SUMÁRIO 258
de proximidade entre participante representado e interativo, por
ser um olhar diretivo, vetorizado, buscando estabelecimento de um
vínculo entre ambos.

Desse modo, a participante Anitta tenta estabelecer certa


intimidade com o consumidor em potencial, pela sedução, ao fazer
“beicinho” com os lábios em direção a ele. Todavia, a escolha disso
por ela é intencional, pois pretende convidar, em tom sugestivo, o
participante interativo, com gestos e poses insinuantes, a desejar o
produto BEATS GT, e não o corpo dela, como outrora muitos anúncios
de cerveja dessa marca e de outras se propuseram a fazer. O olhar
de demanda realizado por ela é direcionado para impactar a psiquê,
os sentimentos e o consumo do participante interativo, de modo a
persuadir e compeli-lo a adquirir o produto anunciado.

Além do olhar, percebemos, na imagem, a distância ou


afinidade social concedida ao espectador pelos participantes
representados. Na cena em análise, à frente de Anitta, a lata da
SKOL BEATS (participante objeto representado) é vista por um
enquadramento em plano fechado (close-up), pois o publicitário
mostra cada detalhe da lata, tentando estabelecer, numa situação
de hiper-realidade (BAUDRILLARD, 1991), uma alta proximidade
com o participante interativo, quase que o convidando a pegar, a
sentir o gosto e os efeitos eletrizantes e velozes da bebida. Já atrás
da lata, Anitta (participante pessoa representada) é enquadrada
em plano médium (médium shot), redimensionada até os joelhos,
quebrando barreiras invisíveis de distanciamento social e permitindo
a ultrapassagem do participante interativo, com o intuito de envolver
o consumidor prospectado, no que concerne a desejos, à emoção,
ao consumo, à percepção, transferindo tudo isso ao produto
anunciado e vice-versa.

Em vista disso, chegamos à conclusão de que intersemioses


interativas que se projetam, semioticamente, sugerem, por exemplo,
a construção de laços efetivos, a proximidade ou distanciamento

SUMÁRIO 259
entre participantes, possibilitando que eles se sintam familiarizados,
(re)conectados à energia contagiante da cena proposta.

Sob análise dos ângulos/pontos de vista, a participante


representada (Anitta) e a lata de cerveja SKOL BEATS GT
conectam-se, intercambiavelmente, com participantes interativos,
de maneira subjetiva em ângulo frontal (na verticalidade). Essa
interação é alcançada pela posição igualitária e empática entre
os participantes e os espectadores, engendrando uma aceitação
do que é oferecido pelo produto proposto na cena. Ademais, o
ângulo na linha dos olhos apresenta igualdade na relação entre os
participantes, não havendo relações hegemônicas de poder, o que
leva os participantes interativos e representados a uma relação
simétrica de desejos (o consumo da bebida).

Ao representar o potencial consumidor, a cantora expressa


atitudes subjetivas, que são determinadas socialmente, apresentadas
por codificações individuais e únicas da participante (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006). À luz desse pensamento, a concepção de jovem,
baladeira, dançarina, repleta de musicalidades e eclética é construída
no e pelo meio social, a partir de comportamentos que necessitam de
aprovações alheias, a exemplo do post publicitário da cerveja mista
BEATS. As aprovações efetuam-se pelo poder de compra ou, na rede
sociodigital Twitter, pelo poder de visualização, compartilhamentos
ou “curtidas” de cada usuário, tornando-se uma procura pessoal.

Logo, os ângulos/pontos de vista, por serem socialmente


determinados pelo contexto ou por escolhas das empresas, podem
ser impostos aos espectadores significações sociossemióticas dos
participantes da imagem, tal qual a concepção hiper-real e lúdica
de que, caso adquira o produto anunciado, sentir-se-á eletrizante,
alegre, belo, representativo, famoso, com a autoestima e o molejo
contagiante das baladas e cantoras de funk, como é preconizado pelas
ações de Anitta nos shows, eventos e espaços públicos e digitais.

SUMÁRIO 260
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise, observamos que artefatos multissemióticos,
quando combinados numa estrutura textual/discursiva, apresenta
significâncias multipropositivas, com faces plurissignificativas
responsáveis por manipular ou não consumidores em potencial.
A língua(gem), instância cognitiva complexa, que se estabelece
não apenas pela morfossintaxe, mas também pela semântica
e pragmática, materializadas nas práticas sociais. Isso porque,
ultrapassando os limites da forma, o que mais importa é o que subjaz
de textos híbridos, isto é, o sentido (re)construído, (re)organizado e
(re)articulado pelos usuários da língua.

Com relação ao contexto, na pretensão de (res)significar estra-


tégias publicitárias, reposicionando contra concepções de estigmatiza-
ção do corpo feminino realizadas no passado, esclarecemos as novas
estratégias marketeiras da empresa cervejeira SKOL, voltadas para
inclusão, diversidade e fim dos padrões estéticos, violências e opres-
sões sobre o gênero feminino em anúncios e propagandas publicitárias.
Provamos que o post da marca SKOL BEATS se insere em um contexto
de valores e ideologias de um público jovem, digital, questionador, bala-
deiro e defensores da diversidade e de causas sociais femininas.

Quanto às escolhas, buscando empreender o reposiciona-


mento, confirmamos que a empresa escolhe, estrategicamente, uma
representante jovem, dançarina, cantora, bela e reivindicadora da
emancipação da mulher na contemporaneidade. Além da persona
Anitta e das representações trazidas com ela, a SKOL BEATS uti-
liza também de perspectivas e justaposições entre os participantes
e elementos imagéticos (cor, luminosidade, brilho, gestos, posição,
direção, ângulos, enquadramentos, olhares etc.), bem como da pla-
taforma sociodigital Twitter para difundir informações, conceitos, ide-
ologias, e influenciar o contexto social, a partir da transferência de
mensagens multissemióticas no espaço material e cibernético.

SUMÁRIO 261
Em conclusão, notamos que, com um modus operante de inten-
cionalidade, ao construir, por meio da publicidade, significados repre-
sentacionais e interativos, a partir de participantes (pessoas ou obje-
tos), a SKOL BEATS, enquanto constrói simbologias, significados, identi-
dades e valores socioculturais (FAIRCLOUGH, 2001), a par do marketing
digital, cresce econômica e representativamente no mercado de beleza.

Portanto, com o propósito de conceituar, solidificar e trazer


valores para a marca da empresa e para os produtos, a SKOL BEATS,
ao combinar, de forma planejada, recursos semióticos, como cores,
iluminações, perspectivas, enquadres, design, layout, tipografias
particulares, seguindo de perto Kress e van Leeuwen (2006), pretende
não só representar ideologias, mas também influenciar o pensamento
e as ações do leitor/consumidor, moldando hábitos e estilos de vida.

Nessa direção, respondendo à pergunta levantada, confir-


mamos que a simbiose multimodal pode fomentar a manipulação e
adesão de consumidores em potencial, o que oportuniza os interes-
ses nucleares de indústrias de bebidas alcoólicas: comercialização,
expansão de negócios e reconhecimento social enquanto empresa.

REFERÊNCIAS
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Coordenadora da tradução: Izabel
Magalhães. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.
HALLIDAY, Michael. A. K; MATTHIESSEN, C. An introduction funcional gramar. London:
Edward Arnold, 2014 [2004].
HALLIDAY, Michael. A. K.; HASAN, R. Language, contexto and texte: aspects of
language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989 [1985].
HODGE. Robert; KRESS, Gunther. Social semiotics. London: Polity Press, 1988.
KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. Reading images: the gramar of visual design.
2 ed. London: Routledge, 2006.

Twitter da SKOL BEATS. Disponível em: https://bit.ly/3oGDTAl. Acesso em: 29 jul. 2022.

SUMÁRIO 262
12
Arlete Ribeiro Nepomuceno
Vera Lúcia Viana de Paes
Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
Maria Cristina Ruas de Abreu Maia

O CONTEXTO DE SITUAÇÃO
E DE CULTURA NA TIRINHA
DE CALVIN E HAROLDO

DOI:10.31560/pimentacultural/2023.97952.12
RESUMO
Este texto é um recorte do projeto de pesquisa institucionalizado na
Unimontes intitulado Leitura multissemiótica em diferentes gêneros
discursivos (Resolução CEPEx/Unimontes n.º 229/2021). Dessa maneira,
objetivamos apresentar um referencial teórico sobre contextos (explici-
tando o funcionamento e a inter-relação deles na construção dos signifi-
cados), com vistas a analisar os contextos de situação (campo, relação
e modo) e de cultura, voltados à crítica social, mostrando que o humor
não se define tão somente pelo risível. Nessa perspectiva, na era da infor-
mação, os gêneros constituem-se num eminente potencial de constru-
ção multissemiótica. Essa constatação motiva a proposta deste estudo
empreendido, para responder quais são os modos de representação da
linguagem necessários à compreensão crítico-comunicativa do gênero
tirinha de Calvin e Haroldo. Para tanto, apoiamo-nos nos construtos teóri-
co-metodológicos propalados por Halliday (1978), Halliday e Hasan (1989);
Halliday e Matthiessen (2014), entre outros, sobre os contextos, em diálogo
com estudos de Magalhães (2010) e Ramos (2017), no que concerne à iro-
nia. Com a proposição deste trabalho, esperamos auxiliar professores na
formação de alunos letrados para a sociedade atual.
Palavras-chave: Contextos (situação e cultura). Tirinha de Calvin e Haroldo. Ironia.

SUMÁRIO 264
1 INTRODUÇÃO
O mundo moderno expõe-nos a uma multiplicidade de
gêneros discursivos, que exige dos leitores novas habilidades.
Diante disso, existem desafios educacionais a serem enfrentados,
com a necessidade premente de outra postura da escola, tendo de
direcionar o posicionamento crítico do aluno diante de textos de
diferentes gêneros. Por essa razão, as tradicionais definições de
letramento não são mais condizentes, nem adequadas em um mundo
no qual os textos se apresentam como intersemioses, tornando-se
indispensável a adoção de novos modelos de letramento na escola.

Na contramão disso, cada vez mais, os alunos chegam


aos anos finais do ensino fundamental com dificuldades em ler
e compreender textos que convergem mais de uma linguagem,
inclusive aqueles presentes no livro didático, muito embora já
circulem no contexto escolar. Tais obstáculos podem se relacionar
com a falta de habilidades de leitura e pouco conhecimento fora do
convívio escolar, sendo necessária a intervenção do professor nas
atividades relativas aos textos verbo-visuais.

Nesse contexto, objetivamos apresentar um referencial


teórico sobre o funcionamento dos contextos multissemióticos
aplicados à sala de aula, evidenciando as intersemioses das partes
constituintes do contexto de situação (campo, relação e modo), em
interlocução com o contexto de cultura, visando à crítica social, na
percepção da ironia e do humor, a partir do gênero tirinha, em ambos
os contextos, o que inclui o contexto aluno-escola.

Tendo por demonstrativo metodológico do sistema


sociossemiótico uma tirinha de Calvin e Haroldo, demonstramos
como o professor pode contribuir para a proficiência leitora do
aluno, valorizando o entendimento dos contextos, incluindo a análise
da ironia e do humor, que vão além do aspecto aparente e risível,

SUMÁRIO 265
possibilitando a eles a análise crítica dos contextos. Para cumprir
tal intento, apoiamo-nos nos construtos teórico-metodológicos
difundidos por Halliday (1978), Halliday e Hasan (1989 [1985]);
Halliday e Matthiessen (2014), entre outros, em diálogo com estudos
de Magalhães (2010) e Ramos (2017).

Validando o estudo da linguagem numa abordagem


sociossemiótica, é importante o professor reconhecer o texto
e o contexto como modos de significado (HALLIDAY; HASAN,
1989[1985]), entendendo contextos como determinantes para a
compreensão do que é dito, dependentes do dito e da situação do
discurso, dos valores, das atitudes e dos comportamentos, pois “[...]
a linguagem funciona em contextos de situação e está relacionada
a esses contextos”. Logo, “[...] se conhecemos a situação, o contexto
social de uso linguístico, podemos predizer grande parte sobre a
linguagem que ocorrerá, com razoável probabilidade de estarmos
certos” (HALLIDAY, 1978, p. 32).

Justificamos este estudo empreendido por práticas de leitura,


compreensão e interpretação com tirinha poder exercitar a mente
dos alunos, exigindo deles operações mentais para entendimento do
texto. Tais práticas educativas desenvolvem a capacidade de ele, na
articulação entre palavras e imagem, construir o sentido do texto,
estimulando o senso de humor e a criticidade.

Após a contextualização nesta introdução, na seguinte seção


aborda a teoria basilar sistêmica e sociossemiótica que orienta a
análise, sintetizando os contextos (de situação, entrecortado pelas
variáveis campo, relação e modo, e de cultura), em interlocução
com algumas considerações sobre a ironia. Na segunda seção,
apresentamos o corpus e a metodologia. A seção seguinte aborda a
discussão dos resultados a que chegamos. Na última, esboçamos as
considerações finais.

SUMÁRIO 266
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O homem é um ser criador que, na fala e na escrita cotidiana,
sempre busca intercambiar com os interlocutores significados, com
a língua(gem) figurando como um recurso simbólico que está a
serviço dele e do qual ele se vale. Para Halliday e Hasan (1989[1985]),
a língua(gem) é o meio pelo qual esse homem se torna social,
adquire personalidade, pois é integrante de uma realidade social,
passa por experiências e desempenha papéis sociais nela. Assim, a
linguagem é um dos elos entre ele, o meio, com funções específicas
que se materializam e refletem na estrutura linguística. Em que pese
isso, essa estrutura só pode ser compreendida se se considerar a
referência ao contexto, no sistema social.

Há de se ressaltar que, nos termos de Halliday (1978),


a língua(gem) é vista como semiótica social, em que o sistema
social ou cultural é um sistema de significados que constroem a
realidade, o que significa interpretar a língua(gem) em um contexto
sociocultural, no qual a cultura em si é interpretada em termos
semióticos. Portanto, na natureza, a linguagem não é social por ser
compartilhada por pessoas, mas sim por ser usada em contextos e
para fazer coisas neles.

Nessa linha de ideias, pondera Oliveira Andrade (1988):


O contexto em que os interlocutores intercambiam
significados não está desprovido de valor social. Na
visão de Halliday, todo contexto verbal é uma construção
semiótica, apresenta uma forma (derivada da cultura) que
capacita os participantes a predizer características do
registro predominante e, portanto, permite a compreensão
mútua à medida que a interação prossegue (OLIVEIRA
ANDRADE, 1988, p. 4).

Seguindo de perto Halliday (1989[1985]), é importante olhar


para os contextos nos quais o texto é produzido durante as análises,

SUMÁRIO 267
pois ambos estão influenciando palavras e estruturas que os usuários
produzem nos textos. Com efeito, o contexto, como ativador de
escolhas semânticas do produtor de textos, é o ambiente em que o
que ele diz tem significados.

Para Halliday e Matthiessen (2014[2004]), a língua(gem),


codificada em forma de texto, é organizada e inter-relaciona-se
por teia sistêmica, em torno da qual existem dois sistemas de
estratificação: extralinguístico (com que trabalhamos) e linguístico
(com o qual não trabalhamos). No nível linguístico, existem o
sistema de conteúdo, realizado na semântica, relacionando o
vocabulário e a estrutura gramatical (lexicogramática), e o sistema
de expressão que compreende o sistema de sons, gestos e escrita.

Cumpre ressaltar que, de forma análoga aos estudos de


Halliday (1978), Halliday e Hasan (1989[1985]), Halliday e Matthiessen
(2014[2004]), consideramos texto na interação entre os interlocutores,
como uma unidade semântica de linguagem em uso, no qual há um
intercâmbio de significados que se constroem a cada vez que o
sistema linguístico é acessado.

Corroborando Malinowski (1923), um dos fundadores da


Antropologia Social, para quem todo uso linguístico se relaciona ao
contexto, Halliday e Matthiessen (2014[2004]) apontam dois tipos de
contextos no nível extralinguístico: o contexto de situação e o de
cultura, nos quais o quadrinista não usa a língua de modo aleatório,
mas dentro de uma situação interacional, movido por um contexto.

A noção de contexto, introduzida por Malinowski (1923),


engloba o que pode ser falado ou escrito, incluindo o não verbal e o
ambiente como um todo, servindo para fazer ponte entre o texto e a
real situação na qual ocorre, para quem o significado de uma palavra
em uma língua primitiva depende muito do contexto em que é usada.
Assim, o texto reflete o contexto no qual foi produzido, sobretudo por
ser formado por elementos vinculados a uma realidade, se se pensar,
por exemplo, nas tirinhas.

SUMÁRIO 268
Nessa direção, esse antropólogo criou a noção de contexto
de situação, referindo-se ao contexto de uso – ambiente no qual
o texto está sendo realizado –, sendo sempre visto, na esteira de
Halliday e Matthiessen (1989, p.11), como “[...] uma película que
envolve o texto, não de forma fragmentada, nem tampouco, em um
outro extremo, de forma mecânica; mas pelo relacionamento entre
meio social e organização funcional da língua”. Ademais, para dar
conta de outro tipo de contexto que contemplasse o que estava
acontecendo e aspectos culturais envolvidos, criou-se o contexto
cultural, pela necessidade de entendê-lo na língua em uso, como
destaca Eggins (2004):
O estudo de qualquer língua, falada por pessoas que vivem
sob condições diferentes das nossas e que possuem uma
cultura diferente, deve ser conduzido junto ao estudo do
ambiente. Para que observadores entendam os eventos
que estão sendo descritos nas tentativas de tradução, por
ele produzidas, Malinowski descobriu que tinha que incluir
termos do contexto, isto é, eventos linguísticos somente
foram interpretados quando informações adicionais
do contexto da situação e da cultura foram fornecidas.
Malinowski afirma que a língua apenas se torna inteligível
quando ela é localizada num contexto de situação
(MALINOWSKI, 1923, p. 307, apud EGGINS, 2004, p. 86).

Isso posto, Malinowski (1923) constatou que, para se


compreender um texto, é preciso informações da história cultural
dos participantes e dos tipos de práticas em que estão engajados,
cunhando o termo contexto de cultura como outra noção
que, associada ao contexto de situação, é fundamental para a
compreensão do funcionamento das práticas sociais e dos textos
(HALLIDAY, 1999), que se refere a práticas mais amplas, ideológicas
e socioculturais, a valores, crenças e costumes próprios de países, de
grupos étnicos e de conjuntos sociais.

Ressaltamos que, se se pensar no conhecimento prévio a ser


acessado pelo aluno, no momento em que for analisar as tirinhas, é

SUMÁRIO 269
importante o professor informar que as informações prévias estão
circunscritas em um contexto de situação, mas são advindas de um
contexto de cultura, pois ambos estão diretamente relacionados.
Desse modo, a informação do conhecimento prévio é alcançada na
situação comunicativa, por meio do contexto de situação, mas se
origina de um macrocontexto, o de cultura.

Sobre esses dois contextos, em síntese, podemos dizer: o


contexto de cultura é mais estável e amplo, faz parte de um cenário
mediato, é o somatório dos significados culturais, intermediados, por
exemplo, por produtores dos discursos das tirinhas e seus leitores,
integrando ideologias, valores, crenças, atitudes, comportamentos,
perpetuados ao longo do tempo, ainda que possam se modificar,
sendo compartilhados nos grupos sociais.

Já o contexto de situação é mais instável, microcontexto,


mais restrito, compondo um cenário imediato em que o texto está
sendo realizado, caracterizado pelo uso que o indivíduo faz da
linguagem em determinado contexto menor, específico e particular,
considerando, naquele momento, informações transmitidas,
relato dos acontecimentos, meio de propagação, participantes,
espaço da interação etc.

Corroborando os estudos de Malinowski (1923), Halliday


e Hasan (1989) afirmam que o contexto de situação determina
condições imediatas de produção de um texto, pois, a partir dele,
o produtor textual define o papel dele e o do outro, aponta a
intenção dele no momento da comunicação, considerando aspectos
da situação interativa propondo três conceitos fundamentais na
descrição desse contexto específico: campo, relação e modo, ditas
variáveis de registro (com as quais trabalhamos).

Considerando as tirinhas de Calvin e Haroldo, a variável


campo do discurso refere-se ao que está acontecendo, à natureza
da prática social dos participantes, revelando o engajamento deles na
situação, com propósitos específicos. A variável relação do discurso

SUMÁRIO 270
refere-se à ligação social entre os participantes, ao modo como
interagem, com posições e papéis (institucionais, de poder, de
contato, familiar) desempenhados por eles, revelando relações
construídas e constituídas por eles, implicando, por exemplo,
informações das relações estabelecidas entre eles (temporárias
ou permanentes, próximas ou distantes) quando engajados em
determinada atividade. Já o modo do discurso diz respeito ao modo
como o texto é construído e como as informações são transmitidas,
à função, ao papel que a língua(gem) e outros sistemas semióticos
desempenham na interação, por meio do canal (fônico ou gráfico),
do meio (falado ou escrito), do modo retórico (persuasão, exposição,
argumentação, entretenimento etc.), da linguagem (simples,
rebuscada), turno (dialógico, monológico).

Se se pensar a linguagem a partir dos gêneros, prestando-se


a uma função, com a atuação deles no contexto de cultura, é
importante ressaltar que se pautam pelo propósito social. Numa
relação entre língua, cultura e sociedade, o professor, ao trabalhar
com o contexto de cultura, na análise das tirinhas, deve evidenciar,
o propósito social desse gênero – criticar uma realidade social com
ironia –, “[...] convidando o aluno a refletir, com construção de sentidos
não prévia, mas elaborada no interior das relações sociocognitivas,
dos sistemas sociossemióticos” (PAES; NEPOMUCENO, 2021, no
prelo), dos quais a linguagem verbal, no jogo discursivo que envolve
crítica social a fatos atuais, é apenas um deles. Segundo Paes
e Nepomuceno (2021):
[...] a ironia é um recurso e um gesto por meio do qual
o chargista demonstra o ponto de vista dele; porém,
como não pretende assumi-lo, mascara-o, com fulcro
em implícitos, produzindo um discurso jocoso. Desse
modo, na construção da crítica, ao trazê-la à baila, numa
denúncia figurativo-crítica da realidade, ele convida
o leitor à (re)leitura do assunto, para perceber efeitos
de humor subjacentes à intencionalidade dele (PAES;
NEPOMUCENO, 2021, no prelo).

SUMÁRIO 271
A quebra de expectativa, fator gerador do humor, é uma
característica marcante das tirinhas, “[...] uma estratégia de criar uma
situação inesperada é o que a leva à produção do humor [...]: [...]
há uma espécie de armadilha no final da narrativa, que apresenta
uma situação até então imprevista, surpreendente, e que gera a
comicidade" (RAMOS, 2017, p. 64). Nessa direção, o humor não se
refere tão somente ao riso, pois ele surge
[...] quando parece que as coisas estão normais, enquanto,
ao mesmo tempo, algo de errado ou estranho ocorre. Uma
violação às regras morais, éticas, sociais, religiosas etc.
ocorre, mas as coisas estão bem ou normais, nunca más.
Trocando em miúdos, apesar do óbvio paradoxo, o humor
é a dor [...] que não fere (MAGALHÃES, 2010, p. 35).

A maioria das semioses depreendidas do contexto de cultura


só são possíveis de interpretação pela presença de outros modos
semióticos trabalhando em conjunto com o modo semiótico verbal.
Assim, o professor pode trabalhar com os alunos sobre o papel que
cada modo semiótico desempenha na mensagem.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste estudo, inicialmente, como procedimentos
metodológicos, partimos de uma análise descritiva da importância
do contexto, apresentando os contextos de situação e de
cultura (HALLIDAY; MATTIESSEN, 2014 [2004]), como níveis
extralinguísticos, para explorar as redes semânticas que se formam
neles. Desse modo, Halliday e Matthiessen (2014[2004]) propuseram
uma análise a partir da perspectiva social na qual se considera o
contexto sociocultural como fator determinante das escolhas que o
usuário da língua realiza por meio do sistema da língua.

SUMÁRIO 272
Como o contexto de cultura é amplo, focamos no contexto
de situação (nas variáveis campo, relação e modo), que tornam
perceptíveis os elementos do contexto de cultura, para conscientizar
os alunos do papel deles como produtores de signos, responsáveis
por mudanças sociais necessárias e que precisam ser empreendidas,
com espírito crítico e capacidade de leitura da sociedade em que
vive. Cabe ao professor desenvolver as habilidades necessárias à
execução dessas competências e habilidades.

Nesse contexto, o campo relaciona-se ao que está


acontecendo, à natureza da prática social dos participantes (Calvin,
a professora dele e o diretor da escola), revelando o engajamento
deles na situação; a relação refere-se à ligação social entre eles (os
participantes), ao modo como interagem, com posições e papéis,
revelando relações construídas, implicando relações estabelecidas
entre eles quando engajados em atividades; e o modo refere-se à
maneira como o texto é construído e as informações são transmitidas,
à função, ao papel da língua(gem) e de outros sistemas semióticos.

Somam-se aos contextos a análise da ironia, a crítica


apresentada, o humor e a quebra de expectativa.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na tirinha a seguir (Figura 1), no contexto de situação, na
variável de registro campo, o professor deve observar o assunto da
tirinha, pelas falas entre os participantes, notando que o quadrinista
viabiliza um diálogo na escola, apropriando de estereótipos para criar
personagens, e refletindo sobre as relações na escola, nas quais o aluno
se encontra disperso, distraído na aula de matemática, uma disciplina
desinteressante para ele, não conseguindo, pois, se concentrar.

SUMÁRIO 273
Figura 1 - Calvin na escola

Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3621/calvin-e-seus amigos. Acesso: 2 dez. 2020.

Na sala de aula, a imaginação criativa de Calvin fê-lo


dispersar-se da aula, já que não o interessa resolver problemas,
ignorando o chamado da professora, não aceitando ser chamado por
seu nome, exigindo ser chamado por “Calvin, o ousado”, um título,
advindo, provavelmente, de alguma história imaginária dele. Desse
modo, uma das possibilidades de interpretação é a de o quadrinista
querer criticar o sistema tradicional de ensino, por não buscar entreter
o aluno no conteúdo, representado por uma professora mais velha,
sem paciência, com uma cultura ultrapassada: a de alunos calados e
absorvedores de “matérias”.

Assim, no contexto de situação, vimos a sala de aula com


o papel social de autoridade da professora, em que ela se posiciona,
não ao acaso, à frente de Calvin, perdendo a compostura diante
do comportamento distante dele. A lexicogramática expressa nas
palavras de Calvin gera humor porque é uma reversão da figura de
autoridade (que seria a professora), que, no contexto convencionado,
é chamada por seu nome, posição social e título acadêmico.

Mas o quadrinista reverteu a posição nesse contexto de


situação, em que Calvin exige um título. O título de “ousado” indica
tomada de posição para mudar uma ordem estabelecida em um
contexto, alterando a relação do discurso. Nessa perspectiva, o
professor pode explorar as variadas possibilidades que podem haver
nos campos semânticos apresentados no gênero, em relação aos

SUMÁRIO 274
contextos reais vivenciados pelos alunos, sempre com um olhar de
criticidade, explorando as semioses.

Na visão hallidayiana, a variável de registro relação explora


as relações dos participantes e os papéis desempenhados por eles.
Na tirinha, o quadrinista mostra, com a professora e o Calvin, uma
relação de superioridade, em cuja relação há opressão por parte
da professora, na qual o aluno tem de resolver a questão solicitada,
obedecer à professora, sem manifestar opinião, como podemos ver
pelo tom de voz dela, modo como se posiciona frente a ele e modo
como coloca as mãos sobre a mesa.

A tentativa de Calvin em mudar a relação do discurso, de


forma muito inteligente, e com “ousadia”, gerou o humor da tirinha.
Nessa mis-en-scène, o papel de educadora segue o padrão tradicional
de ensino: eu falo, você escuta, o que não funciona mais; enquanto
Calvin assume o papel de “mau aluno”, pois não consegue realizar
as atividades destinadas a ele, sendo encaminhado ao diretor, que
representa a autoridade máxima do ambiente escolar.

Na variável de registro modo, a linguagem verbal realiza-se


na forma escrita, com o uso de frases quase sempre curtas e da
presença de perguntas, com o ponto de interrogação, para marcar
questionamentos, imposição de poder e insatisfação dos participantes
na cena enunciada, e com um único uso de ponto exclamação, com a
forma da palavra “VOCÊ!”, no segundo quadrinho, para demonstrar a
autoridade e falta de paciência da professora em relação a Calvin. No
último quadrinho, a pergunta do diretor – “Já de volta Calvin?” – sugere
uma ação repetitiva do aluno, mostrando que é sempre encaminhado
à direção, podendo ser discutido com os discentes os motivos pelos
quais Calvin sempre age contra o contexto estabelecido.

No contexto de cultura, ressaltamos ser importante o


professor ter consciência de que a intenção do quadrinista é
questionar ideias, atitudes, comportamentos e posturas e fazer
uma crítica a uma realidade social mascarada pelo humor, podendo

SUMÁRIO 275
trazer estereótipos que fogem ao padrão esperado para a posição
ocupada dentro da narratividade, que podem afirmar uma ideologia
e negar um determinado pensamento. Assim, o papel social de cada
um é importante e deve ser considerado, no sentido de que todos
estão trabalhando semioses para sugerir/impor outros propósitos.
Nesse contexto de cultura, percebe-se a dificuldade que os
professores encontram diante de um cenário de constante mutação
da cultura do aluno e da cultura das mídias: a cultura do aluno, por
não se adaptar mais a metodologias tradicionais, e a cultura das
mídias, pela imposição a professores e alunos de compreender
múltiplos modos semióticos.

Nessa tirinha, a posição assumida pelo quadrinista é de


criticar o papel da escola na sociedade, apresentando uma crítica ao
modelo tradicional de ensino, com as figuras da professora prepotente,
autoritária e impaciente (em posição de destaque, por meio da
expressão corporal e facial, e com o tom de voz exaltado), e do diretor
sério, carrancudo (pela expressão facial e pelo gesto com as mãos).
Contudo, sobre esse modelo, o aluno (Calvin), ironicamente, já se
posiciona contrário a ele. Muito embora seja criança, é questionador
e não aceita imposições no ambiente escolar, nem do diretor nem
da professora, demonstrando resistência, fazendo exigências à
professora: “Calvin, o ousado, exige que se dirijam a ele por seu título
para receber uma resposta” ou ignorando a pergunta: “Quem”?.

Assim, num jogo discursivo que envolve a crítica de


modelos sociais, o quadrinista lançou mão, na voz de Calvin, do
termo “ousado”, que pode ser traduzido em uma crítica, de modo
irônico, jocoso, debochado e com um tom brincalhão. O humor da
tirinha, exposto no último quadrinho, em tom de deboche, mostra
discordância, resistência de Calvin em relação ao nome que lhe
é dirigido. O estudante quer ser chamado por “Calvin, o ousado”.
Como não respondeu aos comandos da professora, por não ter
sido chamado pelo adjetivo escolhido, foi encaminhado à direção.
Pelo conhecimento prévio de que a direção era um lugar de

SUMÁRIO 276
punição, supúnhamos que Calvin adotaria outra atitude, atendendo
ao chamado. Contudo, no último quadrinho, ocorreu a quebra da
expectativa, pois, mesmo com o diretor, visto como uma figura de
autoridade, citando o nome dele, Calvin finge não saber quem é, pois
não foi chamado por “Calvin, o ousado”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos contextos de cultura e situação, o professor pode
transpor os conceitos de forma prática e contextualizada no ambiente
dos alunos, consciente do papel de intermediador dele no processo
de ensino-aprendizagem, não se esquecendo de que “[…] a língua é
fundamentalmente um fenômeno sociocultural que se determina na
relação interativa e contribui de maneira decisiva para a criação de
novos mundos” (MARCUSCHI, 2008), possibilitando-lhes ter ciência
de papéis a serem desempenhados por eles como produtores de
signos no contexto social.

Os complexos semânticos presentes nos contextos podem


ser depreendidos das variáveis de registro, assim como os contextos
podem influenciar essas variáveis. Tudo está em constante mudança,
e o aluno deve ser preparado para ser o agente das mudanças que
deseja ou são necessárias.

REFERÊNCIAS
EGGINS, S. An introduction to sytemic functional linguistics. 2th ed. London:
Continnum, 2004.

HALLIDAY. M. A. K. Language as social semiotic. London: Edward Arnold, 1978.

SUMÁRIO 277
HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Introduction to functional grammar.
London: Edward Arnold, 2004.

HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Language, context, and text: aspects of language in a


social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989 [1985].

HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. Construing experience through meaning:


a language-based approach to cognition. London, New York: Cassell, 1999.

MAGALHÃES, H. M. G. Aprendendo com humor. Campinas/São Paulo: Mercado de


Letras, 2010, p. 35. (Coleção Ideias sobre Linguagem)

MALINOWSHI, B. K. The problem of meaning in primitive language. In: OGDEN, C. K.;


RICHARDS, I. A. The meaning of meaning. London: Routledge and Kegan Paul, 1923.

MARCUSCHI, L. A. Produção de texto, análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

OLIVEIRA ANDRADE, M. L. da C. V. Contexto e funcionamento do discurso oral. Revista da


Anpoll, v. 1(4), 1988. Disponível em: http://doi. org./10.18309/anp. Acesso em: 12 out. 2022.

PAES, V. L.; NEPOMUCENO, A. R. Texto, contexto e a construção de sentidos no


gênero charge: uma análise sociossemiótica para o ensino. 2021. (no prelo)

RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.

SUMÁRIO 278
SOBRE OS AUTORES
Ana Caroline Freitas Alves
Graduada em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros.

Arlete Ribeiro Nepomuceno


Possui graduação em Letras Português/Francês (1989) e especialização (Lato Sensu) em Linguística pela Universi-
dade Estadual da Montes Claros (2000), mestrado em Língua Portuguesa (2005) pela Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo (PUC/SP), e doutorado em Estudos Linguísticos (2013) pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Professora adjunta efetiva na Universidade Estadual de Montes (Unimontes) e coordenadora do Curso de
Letras Português/UAB Unimontes. Atualmente, integra o corpo docente do Mestrado Profissional em Letras (PROFLE-
TRAS). Tem experiência no ensino e na pesquisa na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas:
Parataxe, Hipotaxe, Encaixamento; Gramática Sistêmico-Funcional e do Design Visual, Multimodalidade e Análise
Crítica do Discurso.

Cecília de Almeida Coelho


Acadêmica do curso de Letras Português na Universidade Estadual de Montes Claros. Integrou o projeto intitulado
“Estratégias para trabalho pedagógico com a linguagem na Educação Básica numa perspectiva da linguística
moderna” no qual desenvolveu trabalhos na modalidade de Iniciação Científica Voluntária no período de março de
2020 a fevereiro de 2021. Desenvolveu a pesquisa “Materiais interativos digitais para o ensino de Língua Portuguesa:
um caminho para o multiletramento”, como bolsista Fapemig (dezembro de 2021 a setembro de 2022). Dedica-se à
pesquisa acerca de temáticas como letramento digital e multiletramentos, linguagem em contextos digitais, tecno-
logias no ensino de língua, gamificação e materiais didáticos.

Fernanda de Fátima Maciel


Possui graduação em Letras/Libras — Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2022).Atualmente é
Tradutora Intérprete de Libras da Federação Nacional de Educação de Surdos de Minas Gerais, atuando no IFSC. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Libras, Ensino Médio Integrado ao Magistério.

Janderson Almeida Nobre


Possui graduação em Letras Português/Espanhol na Faculdades Unidas do Norte de Minas (2010). Atualmente é
professor da Escola Estadual José Bernardino, bolsista da CAPES e mestre em Letras pela Universidade Estadual de
Montes Claros. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Letras.

SUMÁRIO 279
João Pedro Viveiros Ribeiro
Acadêmico do curso de Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), atualmente é
bolsista CAPES do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID); professor de língua portuguesa
no projeto de extensão Núcleo de Atividades para Promoção da Cidadania (NAP) e membro discente do Colegiado da
Coordenação Didática do Curso de Letras Português. Tem interesse pelos estudos do texto e do discurso.

Lenilson de Almeida Feitosa


Licenciado em Letras (UFPA-2010), Licenciado em História (Faculdade Evangélica Cristo Rei -2012), Licenciado em
Física (UFPA-2013), cursando segunda licenciatura em Língua Inglesa (Faculdade UNIASSELVI - 2022). Possui Pós-gra-
duação Lato Sensu em Educação Especial pela Academia de Educação Faculdade Montenegro (2012), Pós-graduação
Lato Sensu em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Inglesa pelo Instituto Superior de Educação ATENEU
(2015), Pós-graduação Lato Sensu em Metodologia do Ensino de Matemática e Física pela Faculdade Integrada de
Goiás FIG (2017), Pós-graduação Lato Sensu em Agroextrativismo Sustentável e Desenvolvimento Rural pelo Instituto
Federal do Pará (IFPA - 2021), Cursando Pós-graduação em Educação do Campo (UFPA-2021), Cursando mestrado
no Programa de Pós-graduação em Letras (PPGLET) da Universidade Federal do Amapá (2021), na linha de pes-
quisa “Diversidade Linguística na Amazônia”. Tem experiência na área de EDUCAÇÃO, principalmente, em Educação
do Campo, Educação Linguística, Educação Cientifica e Tecnológica com ênfase no processo Ensino e Aprendizagem
e Pesquisas Educacionais. Atua nos seguintes temas: Formação de Professores, Metodologias de Ensino , Produção
de materiais didáticos, Estudos Culturais e Sociolinguísticos. Professor da Educação Básica desde 2004, atuando no
Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio.

Liliane Pereira Barbosa


Doutora e Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora efetiva da Uni-
versidade Estadual de Montes Claros (graduação e PROFLETRAS). Tem experiência na área de Letras e Linguística, com
ênfase em Teoria e Análise Linguísticas, atuando principalmente nos seguintes temas: Língua Portuguesa, Linguística,
Fonologia, Variação e Ensino. Atual coordenadora do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) na Unimontes.

Lucimarly Tavares da Fonseca


Possui graduação em Letras Português e Ciências Contábeis pela Universidade Estadual de Montes Claros. Tem expe-
riência na área de Administração, com ênfase em Ciências Contábeis, é pós-graduada em Engenharia da Produção
na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MInas). Atua como professora de língua portuguesa, mate-
mática e sociologia.

SUMÁRIO 280
Maria Alice Mota
Doutora e mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – bolsista da FAPE-
MIG. Possui experiência na Educação Básica. Professora efetiva da Unimontes. Atualmente, é professora permanente
e coordenadora adjunta do PROFLETRAS, na Unimontes. Além disso, coordena o projeto “Estratégias para uma
abordagem contemporânea ao ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa na Educação Básica”. Sua área principal
de atuação é a Linguística Formal, com ênfase em Sociolinguística, atuando principalmente com os seguintes temas:
Sintaxe do Português, Morfologia do Português, Morfossintaxe, Teoria da Variação Linguística, Linguística Aplicada
ao Ensino de Língua Portuguesa, Gramática e Variação, Ensino de Leitura e Produção de Texto.

Maria Clara Gonçalves Ramos


Graduada em Letras Português, pela Universidade Estadual de Montes Claros. Desenvolve trabalhos relacionados à
perspectiva multimodal, com as pesquisas “Leitura multissemiótica em diferentes gêneros discursivos” e “Mulhe-
res em (dis)cursos: representações identitárias na série Bom dia, Verônica”, sendo esta financiada pela FAPEMIG
(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais). Além da bolsa supracitada, também foi bolsista do
projeto PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência),oportunizada pela CAPES.

Maria Clara Maciel de Araújo Ribeiro


Graduada em Letras-Português pela Universidade Estadual de Montes Claros (2006), Mestre (2008) e Doutora(2012)
em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do Departamento de Letras, do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Mestrado Profissional em Letras da Universidade Esta-
dual de Montes Claros. Implementou e coordenou o Laboratório Experimental de Ensino de Línguas para Surdos, na
mesma instituição. Certificada pelo Sétimo Exame Nacional de Proficiência no Ensino de Libras (Prolibras). Vencedora
do Prêmio de Teses da UFMG em 2013, na categoria Estudos Linguísticos. Atua principalmente nas seguintes áreas:
Análise do Discurso, Ensino de leitura e de escrita na Educação Básica e no Ensino Superior, Língua Brasileira de
Sinais. Desde 2009 é professora da Universidade Estadual de Montes Claros.

Maria Cristina Ruas de Abreu Maia


Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), mestre em Linguística pela Univer-
sidade de Franca (Unifran), especialista em Língua Portuguesa e Linguística, e doutoranda em Linguística e Língua
Portuguesa na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professora efetiva na Unimontes. Tem
interesse pelos seguintes temas: Abordagem de Gêneros na Tradição Linguística; Aprendizagem e Produção de Gêne-
ros Acadêmico e Didáticos; Letramento Acadêmico; Produção de Materiais Didáticos Impressos.

SUMÁRIO 281
Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestre em Estu-
dos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Pedagogia pela Universidade Estadual
de Montes Claros, especialista em Língua Portuguesa e Redação pela Universidade Federal de Minas Gerais, graduada
em Pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros e graduada em Letras Português pelas Faculdades Inte-
gradas Santo Tomás de Aquino. Atualmente é professora efetiva e atua na graduação e no Mestrado Profissional em
Letras (PROFLETRAS) da Universidade Estadual de Montes Claros. Possui experiência em Estágio Supervisionado,
Leitura e produção de Textos Acadêmicos, Introdução à Leitura e Produção de Textos, Linguística Aplicada, Elaboração
de Projetos e Tecnologia Educacional, e Alfabetização e Letramento.

Maria Gabriela de Souza


Graduanda em Letras Português, pela Universidade Estadual de Montes Claros. Realizo pesquisas na área da Linguís-
tica: Sociossemiótica e Multimodalidade. Atualmente, desenvolve o projeto “O Gênero Filme como Atividade Sociosse-
miótica na Mídia Digital”, a partir do Programa Institucional de Iniciação Científica Voluntária, vinculado à Unimontes.
É professora de Língua Portuguesa no Núcleo de Atividades para Promoção da Cidadania (NAP), projeto de extensão
da Unimontes. Ademais, participou do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Unimontes (BIC/
UNI), com o projeto “Semioses visuais em cartazes de filmes”, financiada pela Unimontes (2022-2023).

Raquel Maria Cardoso Pedroso


É mestra em Linguística pela UFSC (2014), na área de Linguística Aplicada, na linha de pesquisa de Língua Brasi-
leira de Sinais. Possui graduação em Letras pela Universidade do Vale do Itajaí (1990), Pedagogia pela UniCesumar
(2020) e Letras/Libras pela UFSC (2021). Tem pós-graduação em nível de especialização em Redação (Univali, 1995),
em Educação Inclusiva (IESDE/Castelo Branco, 2005), em Psicopedagogia Clínica e Institucional (ICPG, 2009), em
Língua Brasileira de Sinais e Educação Especial (Faculdade Cidade Verde/Instituto Eficaz, 2010), em Tecnologias na
Aprendizagem (SENAC, 2016) e em Educação Especial com ênfase em Deficiência Visual e Sistema Braille (Faculdade
de Educação São Luís, 2022). Tem experiência na área de Letras, principalmente no ensino de Linguística e Língua
Portuguesa, na Educação Inclusiva (com a Educação de Jovens e Adultos) e no ensino de LIBRAS. É professora apo-
sentada de Língua Portuguesa pela Prefeitura Municipal de Brusque. Atualmente, coordena o curso de licenciatura
em Educação Especial na UNIFEBE e ministra as disciplinas de LIBRAS, Educação Especial e Inclusiva, Pesquisa em
Educação, Comunicação e Linguagens, Cultura e Cidadania, Fundamento da Linguística e Linguística Aplicada nos
cursos de licenciatura e demais cursos da instituição. Tem interesse na pesquisa sobre Libras, educação inclusiva,
educação especial, educação bilíngue e ensino de Língua Portuguesa para surdos e surdos-cegos.

SUMÁRIO 282
Rosemary de Souza Almeida
Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES (2022). Pós-graduada em Práticas
Pedagógicas — Instituto Federal do Norte de Minas Gerais IFNMG (2023); Educação Especial — Instituto Superior de
Educação Ibituruna — ISEIB (2015); Docência do Ensino Superior — ISEIB (2015); Língua Brasileira de Sinais — Uni-
montes (2010); Psicopedagogia Clínica e Institucional — ISEIB (2009).Possui graduação em Licenciatura em Letras/
Libras pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (MG) (2021) e graduação em Normal Superior — Faculdades
Integradas Pitágoras (2004). Atualmente é intérprete de libras da Escola Municipal Jair de Oliveira. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Educação Inclusiva, atuando principalmente nos seguintes temas: prática de
ensino, letramento, professores, aprendizagem e bilíngue.

Samuel Parrela Braga


Graduando em Letras Português na Universidade Estadual de Montes Claros. Possui experiência na área de Letras e
comunicação, com ênfase em Língua Portuguesa.

Vanessa Menezes Oliveira


Possui graduação em Letras Português pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2000) e é mestre pelo Mestrado
Profissional em Letras — ProfLetras — campus Unimontes. Atualmente é professora da educação básica — Secre-
taria de Estado de Educação de Minas Gerais e na rede privada. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
Língua Portuguesa e Literatura.

Vera Lúcia Viana de Paes


Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduada em Letras Português pela
Universidade Estadual de Montes Claros e especialista em Língua Inglesa. Professora pesquisadora no projeto de
extensão Unimontes/Fapemig: A Promoção do Ensino-Aprendizagem da Leitura de Textos Midiáticos Multimodais
na Educação Básica (2023). Professora de Língua Portuguesa e Literatura na rede estadual de ensino. Pesquisa
teorias linguísticas da língua em uso: Linguística Sistêmico-Funcional (Gramática Sistêmico-Funcional), Gramática
do Design Visual, Teoria Multimodal, Semiótica Social e Análise de Discurso Crítica.

Welber Nobre dos Santos


Possui graduação em Letras Português - Licenciatura pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes);
Mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, atualmente, é aluno de Doutorado no
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos na mesma instituição, onde atua na Linha de Pesquisa Estudo
da Variação e Mudança Linguística, especificamente em Onomástica e Sócio-Onomástica. Atualmente, está professor
na Unimontes. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Linguística Teórica e Descritiva, Sociolinguística e
Língua Portuguesa. É membro colaborador do Observatório Onomástico (O-onoma). Além disso, trabalha com revisão
de textos acadêmico-científicos e consultoria acadêmica.

SUMÁRIO 283
Wenis Vargas de Carvalho
Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Santa Catarina — UDESC, vinculado à linha de pesquisa
Currículo, Diferença e Educação Inclusiva; Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande — FURG;
Especialista em Libras — Faculdade de Venda Nova do Imigrante/FAVENI (2017); e Especialista em Ciências Biológi-
cas — Faculdades Integradas de Jacarepaguá/FIJ (2009); Graduado em Ciências Biológicas — Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Alegre/Fafia (2008); Pedagogia — Centro Universitário Claretiano (2018); e em Letras Libras —
Universidade Federal de Santa Catarina (2021). No momento, é Professor Auxiliar Intérprete Educacional na Prefeitura
Municipal de Florianópolis e Professor Visitante na Faculdade Uníntese; Atuou como Tutor EaD, exercendo a função
entre 2017-2021 no Centro de Referência de Educação a Distância do Instituto Federal de Santa Catarina. Foi Professor
Substituto no Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Rio Grande do Sul — Campus Vacaria (2021).
Pesquisador na área de Biologia Geral; Educação Especial; Língua Brasileira de Sinais, Ensino de Português como
L2 para Surdos e Formação de Professores com ênfase em linguística das línguas de sinais; Educação de Surdos;
Educação Especial e Educação a Distância. Integrante do Laboratório e Grupo de pesquisa Didática e Formação
Docente NAPE/UDESC/CNPq; e no GEICS — Grupo de Estudos e Pesquisas Identidade e Cultura Surda na UNIFESP —
Universidade Federal de São Paulo, cadastrado no CNPq.

SUMÁRIO 284
ÍNDICE REMISSIVO
A ensino de língua portuguesa 117, 126, 206
acesso à educação 170 ensino e aprendizagem 11, 69, 70, 73, 75, 82, 83, 84, 118, 122,
aprendizagem 11, 12, 50, 69, 70, 73, 75, 82, 83, 84, 92, 118, 122, 126, 127, 131, 198
124, 126, 127, 131, 175, 176, 177, 178, 180, 184, 190, ensino remoto 122
191, 194, 198, 199, 207, 283 Ensino Superior 174, 175, 176, 179, 180, 181, 182, 183, 281, 283
argumentativos 13, 14, 16, 32, 34, 43, 92, 93, 94 Estudos Linguísticos 93, 118, 242, 279, 280, 281, 283
artefatos semióticos 143, 154, 155, 157
F
atitudes linguísticas 96, 97, 98, 99, 102, 103, 104, 108,
fenômenos linguísticos 96, 97, 103, 110, 111, 112, 117, 123, 200
115, 116, 117, 118
formação superior 177
B
G
Base Nacional Comum Curricular 122, 133, 193, 206, 217
Gramática Sistêmico-Funcional 136, 137, 138, 139, 140, 141,
bilinguismo 176
146, 158, 224, 279
C gramática tradicional 17, 25, 134, 141
cartaz de filme 153, 154, 169
I
comunidade surda 174, 175, 176, 187
identidade linguística 97, 99, 102, 114, 117
crenças 71, 96, 97, 99, 100, 101, 103, 104, 108, 115, 116, 117, 118,
interdisciplinar 22, 68, 69, 78, 79, 83, 90, 132
139, 140, 169, 221, 223, 230, 241, 253
intérprete de Libras 175
D
L
Design Visual 136, 137, 138, 143, 146, 154, 155, 220, 224,
225, 244, 246, 279 letramento 70, 71, 72, 73, 75, 84, 93, 149, 151, 154, 156, 157, 158,
170, 172, 174, 175, 176, 179, 180, 181, 183, 186, 187,
direitos fundamentais 175
188, 222, 223, 229, 241, 245, 279, 283
E Língua Brasileira de Sinais 47, 66, 176, 180, 281, 282, 283, 284
Educação Básica 11, 68, 69, 122, 128, 130, 185, 279, 280, 281 língua contemporânea 122
Educação do Campo 96, 98, 118, 280 linguagem 11, 12, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 30, 49, 51, 71, 99, 103,
ENEM 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 42, 43, 44, 45, 67, 68, 115, 117, 119, 123, 124, 126, 127, 133, 136, 137, 138,
69, 70, 73, 74, 75, 76, 77, 79, 81, 84, 85, 91, 92, 93 139, 140, 141, 146, 152, 155, 157, 170, 176, 177, 181,
ensino 11, 12, 19, 20, 24, 45, 46, 54, 68, 69, 70, 73, 75, 82, 83, 182, 184, 188, 193, 194, 196, 197, 198, 199, 202,
84, 87, 88, 92, 93, 94, 96, 97, 99, 104, 108, 109, 205, 206, 208, 212, 213, 214, 216, 217, 222, 223,
111, 112, 113, 114, 115, 117, 118, 119, 121, 122, 123, 124, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 235, 236, 240,
126, 127, 128, 130, 131, 132, 133, 171, 173, 175, 178, 241, 244, 245, 279
180, 184, 185, 187, 188, 189, 191, 193, 194, 198, 199, linguagem híbrida 138
206, 207, 208, 209, 216, 279, 282, 283 Língua Portuguesa 11, 12, 24, 45, 82, 93, 120, 121, 122, 126, 127,
Ensino de Libras 281 128, 130, 131, 132, 184, 206, 279, 280, 282, 283

SUMÁRIO 285
linguística 15, 16, 18, 22, 23, 24, 25, 30, 44, 46, 48, 50, 51, 96, preconceito linguístico 24, 99, 103
97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, professores 11, 12, 24, 84, 95, 96, 97, 98, 108, 109, 110, 112, 113,
108, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 121, 122, 114, 115, 116, 117, 152, 183, 185, 209, 216, 283
124, 125, 128, 133, 134, 139, 151, 158, 171, 195, 197,
Projeto Pedagógico 176, 185, 187
198, 199, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 208, 217,
218, 223, 224, 226, 229, 235, 242, 279, 284 R
Linguística Textual 45, 120, 121, 122, 124, 126, 127, 131, 132, 192, Redação 32, 73, 86, 87, 88, 89, 93, 94, 282
193, 194, 198, 199, 209, 216 rural 96, 97, 106, 164, 166
Literatura 11, 12, 283
S
M sala de aula 11, 27, 68, 97, 114, 117, 118, 119, 175, 216
metodológico 11, 13, 136, 137, 142, 164, 220, 246, 254, 257 Semiótica Social 143, 154, 155, 156, 225, 247
modalidade on-line 122 significados representacionais 144, 147, 149, 154, 156, 159, 164,
modos semióticos 136, 138, 155, 156, 169, 170, 230, 245, 255 220, 224, 230, 235, 236, 247, 249, 255, 262
multimodalidade 156, 157, 229, 242 sociocultural 68, 69, 71, 76, 78, 79, 81, 88, 90, 139, 140, 167,
203, 225, 227, 228, 241
N
Sociolinguística 13, 14, 15, 16, 17, 22, 23, 24, 43, 46, 66, 96, 98,
narratividade 154, 155
104, 105, 108, 118, 283
norma-padrão 97, 112
Sociolinguística Educacional 98
P Sociolinguística Variacionista 13, 16, 43, 98, 104, 108
Parâmetros Curriculares Nacionais 122
T
pesquisas 11, 18, 19, 21, 90, 103, 116, 118, 123, 178,
Teoria da Complexidade 121, 122, 132
198, 204, 281, 282
teórico 11, 12, 13, 16, 17, 22, 50, 68, 70, 84, 96, 98, 123, 124, 136,
PET 120, 121, 122, 128, 131, 132
137, 139, 142, 156, 164, 174, 177, 178, 194, 198, 201,
Plano de estudo tutorado 133 220, 224, 244, 246, 248, 255, 257, 258
português escrito 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183,
V
185, 186, 189, 190, 191
variação linguística 16, 24, 25, 48, 50, 51, 96, 97, 105, 111, 112,
práticas letradas 173, 176, 182, 184
114, 115, 116, 118, 119

SUMÁRIO 286
SUMÁRIO 1

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