Artigo - Precedentes, Súmulas e Jurisprudência
Artigo - Precedentes, Súmulas e Jurisprudência
Artigo - Precedentes, Súmulas e Jurisprudência
INTRODUÇÃO
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Artigo apresentado como requisito parcial de avaliação da Disciplina Súmulas, Precedentes e
Jurisprudência no Atual Ordenamento Jurídico Brasileiro (DPC-5889).
2
Aluna regular do Curso de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Processual Civil (Doutorado), da
Universidade de São Paulo, matriculada sob nº 9594542.
2
Essas são razões que tornam imperioso o estudo do que se tem chamado
sistema de precedentes à brasileira6, para que se compreenda adequadamente o seu papel
na sistemática processual vigente, sob pena de não se extrair dele os resultados esperados.
3
E que se julga ter sido quebrada no Código de Processo Civil de 1973, em razão das consideráveis
alterações normativas, especialmente ao longo da década de 90 e anos 2000.
4
Texto da Exposição de Motivos ao Código de Processo Civil.
5
Com a introdução de várias técnicas e institutos que valorizam a valorização jurisprudencial, tais como a
criação de súmulas (que inicialmente constavam apenas dos Regimentos Internos dos Tribunais), até a
adoção das súmulas vinculantes, introduzidas pela Emenda Constitucional 45/04, além dos mecanismos de
julgamento de recursos repetitivos.
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Vários autores têm assim se referido ao modo como a valorização e observância aos precedentes tem
acontecido no sistema jurídico brasileiro, a exemplo de MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema de
precedentes a brasileira: natureza, eficácia e operacionalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014 e
ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no Novo CPC: aspectos gerais. In: O
novo código de processo civil: questões controvertidas. (Vários autores). São Paulo: Atlas, 2015, p. 89-
118.
3
7
Assim se posiciona Sérgio Alves Gomes, para quem “(...) o referido paradigma encontra-se em construção,
apesar das graves crises por que tem passado em razão de fatores que a ele se opõem (Hermenêutica
constitucional. Um contributo à construção do Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, p. 269).
8
De acordo com Robert Alexy “...los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados
por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento
no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. (...). En cambio, las reglas son
normas que sólo podem ser cumplidas o no. (...). Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el
ámbito de lo fáctica y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio” (Teoria de los derechos
fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997,
p. 87).
4
do acesso aos Tribunais, sobretudo os de cúpula. Quanto a este último aspecto, convém
destacar que a redemocratização provocada pela Constituição de 88 ampliou o acesso ao
Poder Judiciário e também aos Tribunais, tanto do ponto de vista da credibilidade da via
judicial para a efetivação de direitos, como da perspectiva dos instrumentos e mecanismos
processuais disponíveis9. O resultado direto foi o aumento das demandas judicias.
9
CRUZ E TUCCI, José Rogério. O regime do precedente judicial no novo CPC. In DIDIER JR., Fredie; e
outros (Coords.). Precedentes. Salvador: Juspodium, 2015, pp. 445-457, p. 446-447.
10
Diz a Exposição de Motivos do Novo Código de Processo Civil: “Se, por um lado, o princípio do livre
convencimento motivado é garantia de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser
prestigiado pelo novo Código, por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir
a distorções do princípio da legalidade e à própria ideia, antes mencionada, de Estado Democrático de
Direito. A dispersão excessiva da jurisprudência produz intranquilidade social e descrédito do Poder
Judiciário.
Se todos têm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relação
de causalidade, todavia, fica comprometida como decorrência do desvirtuamento da liberdade”. que tem o
juiz de decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma.
11
Ao discorrerem sobre o tema, Teresa Arruda Alvim Wambier e outros apontam situações de
desuniformidade jurisprudencial tanto em diferentes turmas do Superior Tribunal de Justiça, a respeito de
um mesmo assunto, bem como entre esta Corte e o Supremo Tribunal Federal (Primeiros comentários ao
novo código de processo civil: artigo por artigo, p. 1313-1314).
5
Bem por isso o artigo 926 do Novo Código de Processo Civil é expresso
em que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente”, sendo inegável a intenção de valorização das decisões anteriores das Cortes. A
observância aos precedentes é estruturada no artigo 927. Tem-se, no topo, as decisões do
Supremo Tribunal Federal proferidas em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, e ao final, a orientação dos órgãos plenário ou especial a que os juízes
e tribunais estejam vinculados14.
12
É o que afirma Thomas E. Farchild que, analisando o prospective overruling reforça a necessidade de
cautela das Cortes na superação de precedentes, devendo inclusive considerar o impacto que essa ruptura
causará na legítima expectativa dos cidadãos que tenham pautado suas condutas em posicionamento
anterior já consolidado pelo Judiciário. Contextualizando o raciocínio, nota-se que a mudança brusca e/ou
constante de entendimento jurisdicional sobre determinado assunto quebra a legítima expectativa do
cidadão e, portanto, gera um ciclo de insegurança na prática de atos jurídicos. (Limitation of New Judge-
Made Law to Prospective Only: “Prospective Overruling” or Sumbursting. In Marquette Law Review,
vol. 51., issue 3, winter 1967-1968, pp. 254-270).
13
Sobre o tema ver CABRAL, Antonio do Passo. A técnica do julgamento-alerta na mudança da
jurisprudência consolidada. In Revista de processo, v. 221, jun./2013, pp. 13-48.
14
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em
julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior
Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
(...).
6
15
Como exemplo, convém transcrever a opinião de José Maria Rosa Tesheiner, para quem “trata-se de uma
ideia essencialmente autoritária, centralizadora e culturalmente empobrecedora: autoritária e
antidemocrática, porque o Direito se desenvolverá a partir de decisões de uns poucos Ministros dos tribunais
superiores; por igual razão, centralizadora, acabando-se com o que ainda resta de federação no Brasil,
porque nosso Direito, que já é praticamente todo federal, será obrigatoriamente interpretado de maneira
igual, independentemente das condições locais; culturalmente empobrecedora, porque as questões jurídicas
já não serão objeto de debate – bastará, em cada caso, apontar para a última decisão do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema. (Contra os precedentes obrigatórios. Páginas
de Direito. Disponível em http://www.tex.pro.br. Acesso em 27/10/2016).
7
16
Dentre essas críticas, José Rogério Cruz e Tucci faz interessante observação no sentido de que o Novo
Código de Processo Civil não estrutura o sistema de precedentes a partir de qualquer critério científico. E
mais, afirma que “à míngua de uma dogmática própria, o legislador pátrio perdeu uma excelente
oportunidade para regulamentar um regime adequado da jurisprudência de nossos tribunais, entre as várias
espécies de precedente judicial, a partir de sua natureza, considerando a sua respectiva origem”. (O regime
do precedente judicial no novo CPC, p.453-454).
17
Essas menções foram expostas, superficialmente, mas na medida necessária ao desenvolvimento deste
estudo, no tópico introdutório.
18
ZUFELATO, Camilo. Op. cit., p. 95.
8
19
TARUFFO, Michele. Dimensioni del precedente giudiziario, In Rivista trimestrale di diritto e
procedura civile. Milão, a. 48, n. 2, jun./1994, p. 411-430, p. 415.
20
“Inexiste, na maioria dos países da tradição jurídica continental, incluindo-se os países ibéricos e latino-
americanos que buscaram inspiração nesses sistemas jurídicos, como o Brasil, uma cultura argumentativa
do precedente judicial. Mas isso não significa, no entanto, que nós não sigamos precedentes judiciais ou
que os precedentes judiciais sejam incapazes de guiar a conduta dos juristas práticos” (BUSTAMANTE,
Thomas da Rosa. A dificuldade de se criar uma cultura argumentativa do precedente judicial e o desafio do
Novo CPC. In DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord. geral). Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo
CPC, vol. 3. Salvador: Juspodium, 2015, pp. 275-297, p. 293.
21
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida
sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida
sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
22
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado
ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante
do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
(...).
9
23
MACÊDO, Lucas Buril de. A disciplina dos precedentes judiciais no direito brasileiro: do anteprojeto ao
Código de Processo Civil. In DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord. geral). Precedentes. Coleção Grandes
Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodium, 2015, pp. 459-490, p. 461.
24
Teresa Arruda Alvim Wambier e outros mencionam que “...existe sempre certo grau de obrigatoriedade
no que tange ao respeito da jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido lato, abrangendo, também,
as súmulas vinculantes, que embora não sejam propriamente jurisprudência, são desta resultante” (Op. cit.,
p. 1315). A partir daí, os autores traçam graus ou níveis de vinculação – forte, médio e fraco -, conforme
haja previsão, no sistema, de remédio processual em caso de inobservância do precedente. Assim, a
vinculação é forte nas hipóteses em que o sistema preveja remédio especificamente moldado para reprimir
a violação. Será média nos casos em que a parte possa lançar mão de qualquer remédio, pela falta de outro
específico. E, por fim, a vinculação fraca é aquela meramente cultural, em que não há sanção pela
inobservância do precedente, tampouco meio processual específico para combatê-la. Sobre o tema ver
10
também CRUZ E TUCCI, José Rogério. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente
judicial. In José Augusto Fontoura Costa; José Maria Andrade (Org.). Direito: teoria e experiência. Estudos
em homenagem a Roberto Eros Grau, 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, v. 1. pp. 1527-1564.
25
De acordo com Daniel Mitidiero, caracteriza o modelo de Cortes Superiores: a) compreensão cognitivista
do Direito (jurisdição entendida como atividade de declaração de uma norma pré-existente; b) função de
controle da justiça das decisões, tendo a jurisprudência uniforme como instrumento para isso; c) as razões
das decisões proferidas não são consideradas fontes primárias de Direito; d) a sua composição é de
magistrados profissionalizado, compacto e homogêneo, por razões políticas, de modo que a uniformização
jurisprudencial promovida seja instrumento político relevante (“servilismo judicial”); e) nomofilaquia
consistente em defesa da legislação por meio do controle das decisões, gerando maior abertura recursal
(tutela da legalidade e direito subjetivo ao recurso); f) possibilidade de interpretações distintas e
concomitantes da legislação, sendo o dissídio, inclusive, saudável ao Direito; g) decisões têm efeito inter
partes, sem vinculação para casos futuros, pois essa função é exclusiva da lei, sob pena de violação à
separação dos poderes; h) limites de atuação do Judiciário são dados pelas partes no recurso; i) gera modelo
de atuação individualista do magistrado, sem necessária noção de unidade institucional; j) possibilidade de
rescisão do julgado. São características do modelo de Cortes Supremas: a) compreensão cética do Direito
(dissociação entre texto e norma), de modo que a interpretação assume papel de atribuição de sentido
adequado à norma; b) atuação jurisdicional e legislativa são complementares na construção do Direito; c)
necessidade de justificação interna e externa das decisões (discurso justificativo, Direito como prática
argumentativa); d) nomofilaquia consistente na tutela do Direito mediante adequada interpretação; e)
composição por membros oriundos dos vários extratos sociais (pluralismo); f) competência para análise da
unidade fático-normativa da causa; g) vinculação horizontal e vertical dos procedentes formados, que não
têm, portanto, eficácia somente às partes; h) gera modelo de unidade institucional do Poder Judiciário; i)
atuação proativa, com a orientação à toda a sociedade, aplicável a casos futuros; legitimação de filtros
recursais e técnicas de julgamento concentrado, posto que não há direito subjetivo ao recurso, enquanto a
função é de unidade do Direito, pela adequada interpretação. (Cortes superiores e cortes supremas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 11-78).
26
A respeito da distinção do genuíno precedente do common law dos provimentos judiciais que compõem
o sistema brasileiro de precedentes estruturados pelo Código de Processo Civil de 2015, Georges Abboud
analisa três fatores que, conjuntamente, impedem a aproximação entre ambos. Segundo o autor, as
distinções se justificam por fatores históricos, hermenêuticos e democráticos entre os sistemas de common
law e civil law. [Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro: os fatores histórico,
hermenêutico e democrático que os diferenciam. In DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord. geral). Precedentes.
Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodium, 2015, pp. 399-405]. Em sentido
semelhante ver BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Estruturação de um sistema de precedentes no
Brasil e concretização da igualdade: desafios de uma sociedade multicultural. In DIDIER JUNIOR, Fredie
(Coord. geral). Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodium, 2015,
pp. 183-214, p. 197-198.
27
Segundo Lorena Miranda Santos Barreiros “...o transplante de institutos de um sistema jurídicos a outro
há de observar a necessidade de aferição da compatibilidade cultural entre os sistemas doador e receptor.
11
inclusive, recorrer ao common law para compreensão dos conceitos, institutos e técnicas
ligados aos precedentes, as decisões elencadas no artigo 927 do Código de Processo Civil
não devem ser equiparadas ao genuíno precedente daquele sistema28.
As especificidades culturais, sobretudo as do sistema de destino, hão de ser levadas em consideração, sob
pena de serem criadas, neste traslado, verdadeiras ‘aberrações’, institutos parcial ou inteiramente
desvirtuados de seu sentido originário e, mais grave, que não se amoldam ao regime constitucional do país
em que adotados” (Op. cit., p. 197). Em sentido semelhante Thomas da Rosa Bustamante adeverte que
“embora tenhamos uma prática de seguir precedentes, não há uma teorização sobre eles. Interpretamos
esses precedentes de maneira acontextual, como se fossem regras gerais idênticas às normas promulgadas
pelo legislador, procurando evitar justamente o processo necessário e imprescindível de comparar os casos
e suas circunstâncias particulares, bem como a incidência dos princípios fundamentais do direito sobre eles”
(Op. cit., p. 293).
28
Como contraponto ao que se defende neste texto, Lenio Streck e Georges Abboud entendem que “...a
aplicação de precedentes ou de provimentos vinculantes não demanda uma teoria processual própria. Pelo
contrário, o que é necessário é uma correta compreensão do paradigma pós-positivista que deve estruturar
a contemporânea aplicação dos enunciados linguísticos. Vale dizer, não compreender os aspectos
hermenêuticos do pós-positivismo pode nos fazer incorrer numa repristinação de modelos de pensamento
vinculados ao positivismo primitivo (exegético) que estaria defasado por mais de século” [O NCPC e os
precedentes – afinal, do que estamos falando? In DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord. geral). Precedentes.
Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodium, 2015, pp. 175-182, p. 180].
12
29
“…jurisprudência tem o sentido de conjunto de julgados, relacionados a uma situação de fato específica,
a um posicionamento jurídico, a um período de tempo e, evidentemente, a determinado órgão julgador”
[SALLES, Carlos Alberto. Precedentes e jurisprudência no novo CPC: novas técnicas decisórias? In: O
novo código de processo civil: questões controvertidas. (Vários autores). São Paulo: Atlas, 2015, p. 77-
88, p. 80].
30
Idem, p. 81.
31
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil:
Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 2. v. 4. ed. Salvador: Juspodium, 2009, p. 381.
32
TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza, p. 716.
13
33
SALLES, Carlos Alberto de. Op. cit., p. 80.
34
Nem mesmo as súmulas vinculantes – introduzidas no ordenamento pela Emenda Constitucional nº
45/2004 - guardam identidade com os precedentes. O efeito vinculante atribuído a elas certamente
representam a tendência de valorização do direito jurisprudencial, em sentido amplo, mas com grau de
obrigatoriedade. Contudo, permanece a característica de desvinculação em relação ao caso de origem, não
sendo esta uma condição à sua aplicação. Antes mesmo do advento das súmulas vinculantes no sistema
processual brasileiro, Ovídio Araújo Baptista da Silva apresentava importantes diretrizes sobre o assunto:
“Existe, sem dúvida, curioso equívoco dos que identificam a Súmula Vinculante ao sistema de
“precedentes” utilizados pelos países de common law, por que há uma inocultável distinção e entre o
precedente e a súmula de jurisprudência predominante. O precedente é sempre fruto de uma quebra de
jurisprudência da corte; ele surge não para consolidar, mas para modificar a jurisprudência até então seguida
pelo tribunal. (...). Os precedentes, não são súmulas vinculantes, fórmulas abstratas – tais como as leis –.
Valem por seus fundamentos, emergentes ao caso e comprometidas com suas circunstâncias”. (A função
dos tribunais superiores. Gênesis: revista de direito processual civil, Curitiba, v. 9, n. 13, Jul/Set. 1999,
pp.485-498, p. 494, grifos do autor).
35
Consequência direta das raízes históricas de vinculação civil law.
36
Art. 926. (...).
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão
enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes
que motivaram sua criação.
37
“Não há, no direito vigente, qualquer preocupação com a precisa identificação da ratio decidendi e por
consequência com outras técnicas, como a distinção e a superação da regra, o que é ainda mais grave em
se tratando de se tomar a súmula, na qual não há descrição da situação concreta na qual surgiu a decisão
originária, como sinônimo de precedente” (ZUFELATO, Camilo. Op. cit., p. 105).
14
precedente judicial a toda e qualquer causa análoga, como parece ser a finalidade dos
enunciados de súmulas no Brasil”38.
38
FRANCO, Marcelo Veiga. A teoria dos precedentes judiciais no novo código de processo civil. In
DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord. geral). Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3.
Salvador: Juspodium, 2015, pp. 521-535, p. 525-526.
39
Vide Capítulo 2.
40
ZUFELATO, Camilo. Op. cit., p. 95.
41
Essa, aliás, tem sido muitas vezes a preocupação principal do legislador com várias reformas processuais
empreendidas nos últimos anos, no Código de Processo Civil, com o aumento de mecanismos que obstem
a subida de recursos aos Tribunais.
15
42
Eis o que a doutrina italiana reconhece se tartar da “função nomofilácica” dos precedentes. Ou seja, a
noção de que as Cortes Superiores têm o dever inerente de zelar pela uniformidade da jurisprudência, por
meio de decisões que possam servir de parâmetro interpretativo seguro aos casos subsequentes. A respeito
do assunto ver TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza, p. 721.
43
“É muito difícil conseguir, via súmula, expressar o verdadeiro significado de um precedente, e isso
provoca a sua má aplicação, e ainda diminui a sua força. (...). Jamais conseguiremos uma evolução
consistente se ficarmos ‘copiando’ e ‘colando’ as conclusões sumuladas. Como foi dito, usam-se as súmulas
para otimizar o tempo de julgamento, e não como fonte de direito capaz de proporcionar estabilidade e
continuidade no direito” (NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado
e no direito brasileiro. Salvador: Juspodium, 2013, p. 248-249).
16
44
Em sentido semelhante, Camilo Zufelato (Op. cit., p. 102) aponta que não é objetivo central do case law
a busca pela celeridade processual, no sentido que se tem aplicado no Brasil. Mesmo porque, voltando à
questão das fontes do direito, os precedentes no common law objetivam a criação do direito, ao passo que
a experiência brasileira tem priorizado a função pacificadora do entendimento jurisprudencial sobre
determinada questão jurídica, para reproduzi-la das instâncias superiores às inferiores.
45
MacCORMICK, Daniel; SUMMERS, Robert S. Op. cit., p. 546-549.
46
Art. 927. (…)
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com
fundamento neste artigo.
47
Art. 489. (…)
17
Fato é que o Código de Processo Civil traz, em seu texto, outro grau de
exigência do julgador em relação à motivação pois, uma vez positivados, tais requisitos
se tornam objetivamente consideráveis para o reconhecimento de nulidade das decisões.
Será necessário, portanto, que o julgador se debruce sobre o caso concreto sob pena de
nulidade da sua decisão.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão,
que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a
causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no
caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão
adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
(...).
18
48
Caberia ao monarca decidir apenas nas hipóteses em que os membros da Casa da Suplicação
permanecessem com dúvida para decidir. Para aprofundamento do tema dos assentos do direito hispano-
lusitano, ver: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 119-147; AZEVEDO, Álvaro Villaça. Os assentos no direito processual
civil. In Revista justitia. Disponível em http://www.revistajustitia.com.br/revistas/y6y179.pdf. Acesso em
05.11.2016.
49
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Op. cit., p. 134-135.
50
“Visto que o Brasil Colônia estava integrado ao Reino Unido de Portugal e Algarves, compreende-se
que, mesmo proclamada nossa independência política (1822), aqui continuassem a projetar efeitos as
Ordenações Filipinas e, juntamente com elas, os Assentos da Casa da Suplicação (...). Estes últimos viriam
a ser recepcionados formalmente no direito pátrio pelo Decreto Legislativo 2.684, de 30.10.1875 (...)”
19
Relação do Rio de Janeiro detinha competência para editar assentos normativos no âmbito
de sua jurisdição, no século XIX51.
A breve digressão histórica demonstra que a sistemática portuguesa
guarda muito mais semelhanças com a estruturação proposta no Código de Processo Civil
brasileiro vigente. Observe-se que nos dois casos estão presentes a técnica de edição de
enunciados demonstrativos do posicionamento da Corte, a atribuição de efeito normativo
vinculante52 e o propósito de uniformização da jurisprudência.
Talvez por essas razões o legislador processual brasileiro já tenha
considerado a utilização de assentos com força normativa como instrumento de
uniformização de jurisprudência, no Anteprojeto que deu origem ao Código de Processo
Civil de 197353.
Acredita-se que uma das principais justificativas para tanto seja o fato
de que ambos os ordenamentos se filiam ao civil law. A identidade de raízes jurídicas
permite uma aproximação natural entre os sistemas, e poderia ter servido como inspiração
útil à estruturação de um sistema de precedentes mais rente à realidade do ordenamento
jurídico brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 212).
51
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito, p. 147.
52
Ainda que se admita que o artigo 927 do Código de Processo Civil o faça em graus distintos.
53
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. cit., p. 129-131.
20
Bem por isso, não se mostra adequado ter como principal busca, na
nova sistemática, a celeridade processual. Repita-se, nem sempre a adoção de precedentes
vinculantes gera esse resultado, dada a metodologia de sua aplicação.
Código e ao que tudo indica, mais adequados à sistemática de precedentes própria dos
países de tradição legislada.
Referências bibliográficas
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil: Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão
judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 2. v. 4. ed. Salvador: Juspodium,
2009.
FRANCO, Marcelo Veiga. A teoria dos precedentes judiciais no novo código de processo
civil. In DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord. geral). Precedentes. Coleção Grandes Temas
do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodium, 2015, pp. 521-535.
MACÊDO, Lucas Buril de. A disciplina dos precedentes judiciais no direito brasileiro:
do anteprojeto ao Código de Processo Civil. In DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord. geral).
Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodium, 2015,
pp. 459-490.
MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. A função dos tribunais superiores. Gênesis: revista
de direito processual civil, Curitiba, v. 9, n. 13, Jul/Set. 1999, pp.485-498.