Caderno Intelectualidades Negras Negritar o Saber
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Resumo: O objetivo deste artigo é revisitar a feminista negra Lélia Gonzalez a partir de
seus escritos, tendo como base as noções de pretoguês, entrecruzado aos conceitos de
consciência e memória. Tais definições corroboram para uma proposta pedagógica
inclusiva e democrática que combate o sexismo e o racismo. Ao mesmo tempo, lança
uma metodologia que valoriza a população negra, problematiza os mecanismos de
violência sistêmica colonial e reivindica versões colaborativas dos corpos negros na
nossa história, na nossa cultura e na nossa vida cotidiana.
Palavras-chaves: Racismo. Educação. Pretoguês.
Abstract: The aim of this article is to revisit the black feminist Lélia Gonzalez based on
her writings, based on the notions of pretoguese, intertwined with the concepts of 28
consciousness and memory. Such definitions corroborate an inclusive and democratic
pedagogical proposal that fights sexism and racism. At the same time, it launches a
methodology that values the black population, problematizes the mechanisms of
systemic colonial violence, and demands collaborative versions of black bodies in our
history, in our culture and in our everyday life.
Key word: Racism. Education. Pretoguês.
9 Ana Carolina da Silva Borges, Pós-Doutora em História pela Universidade Federal de Alagoas-UFAL
(2018), Doutora em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP (2016),
atualmente é Pós Doutoranda em História na UNICAMP e professora efetiva na Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT). E-mail: [email protected]
10 Nádia Patrícia Silva Borges é professora efetiva nas redes de Educação tanto do Estado de Mato Grosso,
Lélia Gonzalez 11
Revisitar a trajetória de vida e as escritas de Lélia Gonzalez não foi uma escolha
aleatória, uma vez que intencionamos apontar o quanto as suas narrativas científicas
prescrevem uma análise crítica da descentralização histórica das pessoas negras no país.
Pensando nisso, este texto está dividido em quatro partes: num primeiro
momento buscaremos trazer a tona o peso das suas identidades para a formulação da
noção de pretoguês, memória e consciência. Já na terceira parte, iremos nos voltar a uma
proposta educativa por meio da valorização das africanidades do Brasil. E, por último,
qual, a partir de uma atividade tendo como suporte cinco imagens, as professoras de
11 Foto: Cesar Loureiro/Reprodução. BARRETO, Raquel. Uma pensadora brasileira. In: Revista Cult/Uol. 3
de julho de 2019. Acessado no dia 21/04/2022: https://revistacult.uol.com.br/home/lelia-gonzalez-perfil/
Revista África e Africanidades, Ano XV Ed. 42, Maio.2022 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com.br
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descendente de indígenas chegou a ser ama de leite, somada as experiências que teve
como doméstica. Aos sete anos de idade, “mudou-se com a família (...) para o Rio de
Janeiro, cidade que amava, o seu primeiro emprego foi de babá” (ABPN, 2012, s/n).
1970 e 1980, quando a diversidade textual escrita pela feminista negra adquiriu grande
outros, passaram a integrar o rol das suas produções, muitos destes oriundos de
convites que lhes eram feitos ainda em consonância com a figura pública que se tornou.
Lélia mesclava a vida política e cultural com os escritos acadêmicos que também lhe
aferiu, já após alguns anos de prática docente e no “chão da escola”, uma proposição,
Esta sua atuação poderia, inclusive, ser pensada como o que Patrícia Collins Hills
denomina como “forasteira de dentro” (outsider within), pois crítica de Lélia González
negras que “elucidava uma série de problemas propostos pelas relações raciais”
As suas críticas não foram elaboradas do nada. Porque não se deve perder de
momento em que se aproximou do Candomblé. Este universo “se tornou uma referência
poética e imagética para Lélia Gonzalez, presentes aqui e acolá nos seus textos, inclusive
nos ensaios de caráter mais político” (RATTS, RIOS, 2010, p. 62). Isto é, o candomblé se
tornou um dos seus principais códigos culturais a integrando “com uma coisa mais
respeito do psicanalista Frances Jacques Lacan. Corroborando como uma das integrantes
para a Fundação do Colégio Freudiano, do Rio de Janeiro, junto a Beth Milan e Magno
Brasil (RATTS; RIOS, 2010, p. 62). Ali elaboraram uma vertente lacaniana no país, onde
no país. Foi assim que Lélia endossou a ideia de que no Brasil, o racismo é um
na própria consciência branca instalada no tal “mito da democracia racial” (RATTS; RIOS,
2010, p. 62-63).
ideológico se faz presente”. Por outro lado, existe a resistência, que se perpetua frente ao
“jogo de cintura” que desenrola para driblar o que lhe reduz: a memória. Dito de outra
como não saber, torna-se “esse lugar de inscrições que restituem uma história que não
foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como
ficção”. Logo, a “consciência exclui o que memória inclui”, só “que a gente vai tentar é
sacar esse jogo aí, das duas, também chamado de dialética” (GONZALES, 1983, p. 226).
preenchida, de uma ponta a outra, por elementos da negritude, bem como por
dominante e, mesmo assim, continua a existir, ser praticada e atualizada pela crioulada. E
“caracteriza-se como escrita de uma ausência”, uma vez que produz a violência 32
simbólica na qual expressa outra “coisa senão a função da ausentificação que promove a
“moreninho”, entre outros, guarnecidos de violências simbólicas que não podem ser
esquecidos, uma vez que a sua aplicação aparentando carinho sugere o diminutivo. Foi
desses incômodos que percebeu que tudo que remetesse à periferia: roupas, músicas,
expressões de menor valor. Com a finalidade de contestar isso, lança então outro olhar
Assim, explica: “E engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é
Framengo. Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente
ignoram que a presença desse r no lugar do l nada mais é que a marca linguística de um
idioma africano, no qual o l inexiste”. Sendo assim, “quem que é o ignorante? Ao mesmo
tempo, acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos
verbais, que condensa você em cê, o está em tá e por aí afora. Não sacam que tão falando
Nos alerta ainda que as palavras informam tempos, lugares, padrões, que se
ressaltar que o objeto parcial por excelência da cultura brasileira é a bunda”, ressaltando
que “esse termo provém do quimbundo que, por sua vez, e juntamente com o ambundo, 33
provém de um tronco linguístico bantu que ‘casualmente’ se chama bunda”. Sobre isso
completa: “E dizem que significante não marca ... Marca bobeira quem pensa assim. De
quer fazer a gente acreditar que a gente é tudo brasileiro, e de ascendência européia,
muito civilizado, etc e tal” (GONZALEZ, 1983, p. 238). Fechando esta linha de raciocínio
Gonzalez ironiza, ao destacar ações que hoje chamaríamos de apropriação cultural: “Só
que na hora de mostrar o que eles chamam de ‘coisas nossas’, é um tal de falar de
samba, tutu, maracatu, frevo, candomblé, umbanda, escola de samba e por aí afora”
Améfricana no nosso cotidiano, cujo dialeto não é uni e, sim, multiplural, não é estático,
referência e assim dinamiza a sua escrita. Tanto é, que: “Lélia usava e abusava da
economia linguística em seus artigos: prá (para), tava (estava) tamo (estamos), cumé
(como é). Utiliza-se expressões como a gente em vez de nós. Encontramos muitas gírias
em seus escritos”, e este aspecto deve ser refletido como um posicionamento político.
texto: “Racismo e sexismo na Cultura Brasileira”, merece ser reconhecido como uma
pública no Brasil vem ganhando força nos últimos anos, desembocando na proliferação
com a afirmação da feminista negra Bel hooks de que: “vivendo numa sociedade
preocupados com mudanças sociais radicais afirmar sempre que o trabalho que fazemos
visto com muita desconfiança, pela população branca, a dedicação da vida a atividades
subjetivo mental e na ascensão política da gente negra. Assim, “nos circuitos políticos
progressistas os trabalhos dos intelectuais raramente são reconhecidos como uma forma
ativismo concreto (como fazer piquetas nas ruas ou viajar para um país de Terceiro
totalidade, “como trabalhos mais importantes do que o trabalho mental” (hooks, 1995, p.
465).
Para Grada Kilomba, no caso das intelectuais negras, tais aspectos devem ser
tratados sobre outra prerrogativa que adensa essa balança de descaso sobre os nossos
exercícios, dentro e fora da academia e, que, vai além do racismo: a objetificação dos
nossos corpos. O efeito sobre isso é devastador, uma vez que nos inviabiliza o status
sujeito, haja vista que “nossos interesses individuais e coletivos”, não são “reconhecidos,
2019, p. 71), de modo que, as nossas demandas políticas, sociais e individuais, não fazem
sustentar esta hipótese, propomos refletir sobre a escrita de Lélia Gonzalez, na qual o
exercício do pretoguês nas escolas pode ser pensada como prática educativa de combate
Lélia Gonzalez irrompe tudo isso mediante a sua crítica ferrenha a ciência
Com base nas discussões esboçadas anteriormente inferimos agora uma proposta
pedagógica, na aula de Português para o Ensino Fundamental, com base nas imagens
trazidas em anexo. De preferência para as séries do 5º ano e 6º ano, haja vista que os/as
afro do Brasil: Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e Abdias Nascimento. Tais sujeitos
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encontram-se num espaço emblemático, em frente à biblioteca, uma vez que ali vemos a
Utilizando esta imagem, os universos orais e o peso da memória podem ser colocados
pelas/os docentes das escolas como conceitos chaves para explicar o racismo instalado
Em seguida tem quatro imagens (Anexo II, III, IV e V) que sequenciam a segunda
como recorte espacial uma sala de aula, na qual uma professora branca chama atenção
de uma estudante negra que respondia a questão colocada a partir de seu universo
sílabas por outras (do “l” pelo “r”, por exemplo). É assim que Lélia propõe uma
complementar, podem ser utilizadas para que os/as estudantes reflitam e façam uma 37
atividade de pesquisa nos seus bairros e nos seus lares indicando as terminologias e
gírias que trazem dos seus universos familiares e que demarcam as suas identidades,
linguísticos.
REFERÊNCIAS
DA ABPN. Hoje na História, 1935, nascia Lélia González. In: Portal Geledes.
GOMES, N. L.; LABORNE, A. P. L. “Pedagogia da Crueldade: racismo e extermínio na
juventude Negra”. In: Educação em Revista, Belo Horizonte, v.34, 2018, p. 1-26.
GONZALEZ, L. “A categoria político-cultural de amefricanidade”. In: Tempo
Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92/ 93, p. 69-82, jan./jun. 1988ª.
GONZALEZ, L. “Por um feminismo afrolatinoamericano”. Revista Isis Internacional,
Santiago, v. 9, p. 133-141, 1988b.
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