Uma Antropologia Da Praxis Jean Langdon - Ebook-20mar23
Uma Antropologia Da Praxis Jean Langdon - Ebook-20mar23
Uma Antropologia Da Praxis Jean Langdon - Ebook-20mar23
UMA ANTROPOLOGIA
DA PRÁXIS:
homenagem a
Jean Langdon
COLEÇÃO
BRASIL
PLURAL
Uma antropologia da práxis:
homenagem a Jean Langdon
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Reitor
Irineu Manoel de Souza
Vice-Reitora
Joana Célia dos Passos
EDITORA DA UFSC
Diretor Executivo
Waldir José Rampinelli
Conselho Editorial
Waldir José Rampinelli (Presidente)
Antonio Fernando Boing
Bairon Oswaldo Vélez Escallón
Carlos Alberto Severo Garcia Junior
Diogo Robl
Elias Paiva Ferreira Neto
Fernando Luís Peixoto
Francisco Emilio de Medeiros
Jéferson Silveira Dantas
Jucinei José Comin
Luiz Gustavo da Cunha de Souza
Marília de Nardin Budó
Nildo Domingos Ouriques
Raphael Grazziano
Rosane Silvia Davoglio
Vanessa Aparecida Alves de Lima
Editora da UFSC
Campus Universitário – Trindade
88040-900 – Florianópolis-SC
Fone: (48) 3721-9408
[email protected]
www.editora.ufsc.br
Sônia Weidner Maluf
Eliana Elisabeth Diehl
Juana Valentina Nieto Moreno
organização
2023
© 2023 (e-book) Editora da UFSC [Nota do Editor = mesmo conteúdo]
© 2023 (impresso)
Coordenação editorial:
Flavia Vicenzi
Capa e editoração:
pamalero artes
Imagem da capa:
Alan Stone Langdon
Revisão:
Maria Isabel de Castro Lima
Monique Heloísa de Souza
A636
Uma antropologia da práxis [recurso eletrônico] : homenagem a Jean
Langdon / Sônia Weidner Maluf, Eliana Elisabeth Diehl, Juana
Valentina Nieto Moreno, organização. – Florianópolis : Editora
da UFSC, 2023.
611 p. : il. – (Coleção Brasil Plural)
E-book (PDF)
Disponível em: https://doi.org/10.5007/978-65-5805-083-4
ISBN 978-65-5805-083-4
1. Antropologia. 2. Ciências sociais. 3. Ciências humanas.
4. Langdon, Esther Jean. I. Maluf, Sônia Weidner. II. Diehl, Eliana
Elisabeth. III. Nieto Moreno, Juana Valentina.
CDU: 391/397
Ficha catalográfica elaborada por Dênira Remedi – CRB-14/1396
Este livro está sob a licença Creative Commons, que segue o princípio do acesso
público à informação. O livro pode ser compartilhado desde que atribuídos os
devidos créditos de autoria. Não é permitida nenhuma forma de alteração ou a
sua utilização para fins comerciais.
br.creativecommons.org
Sumário
PARTE I – XAMANISMO
Meio século de pesquisa sobre xamanismo............................................. 25
Isabel Santana de Rose
saúde e na saúde indígena. Não que tal feito seja irrelevante; ocorre que
é insuficiente para apreender o percurso profissional de nossa amiga
homenageada. Assim, desejo aqui enfatizar a capacidade dela em fazê-
lo através de persistente e fiel adesão à conversação e ao diálogo com as
populações junto a quem pesquisou e com colegas de trabalho de di-
versos campos de conhecimento com quem contribuiu em fases diversas
de sua carreira.
A personalidade franca e confiável e as atitudes firmes e solidárias
forjaram uma rede de alianças acadêmicas temperadas com afeto e
respeito, que consolidou inovações que repercutiram em profundidade
em diversos campos de conhecimento, em particular no da saúde.
A singular capacidade de Jean de inspirar o espírito de colaboração
pessoal e científica atravessou países e continentes e alicerçou feitos raros
no nosso campo de estudo, como a implantação do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia Brasil Plural (INCT-IBP), que tem sido pródigo
em contribuições ao campo da antropologia da saúde, à condução das
políticas públicas de saúde indígena e ao avanço da produção etnológica
nessa área.
Na entrevista dada ao projeto Saúde dos povos indígenas no Brasil:
perspectivas históricas, socioculturais e políticas,1 que dedicou tempo e
esforço ao registro da contribuição de estudiosos e ativistas ao campo da
saúde indígena, Jean apontou uma pergunta crucial que fez a si própria.
No depoimento, ela diz ter recorrentemente se questionado: “Qual
seria o papel do antropólogo para estabelecer um diálogo intercultural
e fazer diferença politicamente, para além dos interesses acadêmicos?”.
Esse questionamento deveria povoar o pensamento de todos nós, pois
implica um modo ético de realizar ciência e, sem abrir mão do rigor
metodológico, expandir a atuação do pesquisador rumo a uma práxis
que une o fazer acadêmico ao compromisso político. Esse foi um dos
passos relevantes entre os feitos de Jean Langdon, que, ao perceber
precocemente os limites das abordagens da etnociência, passou a optar
pela investigação-ação como caminho para superar temas típicos da
etnomedicina, como a taxonomia das doenças, e seguir o caminho
vitorioso que aqui celebramos.
Entre as alianças consistentes e produtivas construídas ao longo
de uma vida, dou destaque às parcerias indígenas, forjadas na luta
1
A respeito da participação de Jean Langdon nesse projeto, sugiro a leitura, nesta
coletânea, do capítulo “‘Observei a vida através dessa lente...’: os caminhos da
antropóloga Jean Langdon”.
Prefácio | Feitos e ditos, luzes, teias e pegadas 11
Luiza Garnelo
Manaus, 5 de outubro de 2021
Apresentação
1
Se bem lembramos, a proposta foi de Luciane Ouriques Ferreira, que
integrou a comissão de organização do evento.
14 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Parte I – Xamanismo
lidando nos últimos anos e no qual Jean tem sido uma referência central.
Várias autoras salientam em seus artigos nesta coletânea o fato de que,
mesmo sendo uma antropóloga formada nos Estados Unidos, Jean
não foi uma representante da antropologia médica hegemônica. Em
sua atuação profissional, ela se tornou legionária de uma antropologia
periférica da saúde, que não só procura o diálogo com autores latino-
americanos e com as epistemologias do sul global, mas também advoga
que o diálogo com outros campos do saber é fundamental para avançar
em práticas e políticas públicas da saúde que reconheçam a diversidade
das práticas locais.
Recém-chegada ao Brasil em 1983, Jean ofereceu uma disciplina
de “Antropologia médica”, em que deu especial atenção às “medicinas
indígenas”. Ela foi uma das poucas antropólogas convidadas para a
1a Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio, em 1986, em
que afirmou a importância do conhecimento antropológico para pen-
sar as políticas públicas de saúde no Brasil. Sua atuação na avaliação
crítica dessas políticas teve continuidade em diversas intervenções e
participações em comissões e eventos no campo da saúde coletiva.
A saúde indígena tornou-se um dos temas centrais não apenas
de suas pesquisas e orientações, como também de suas aulas de
antropologia da saúde. Sua contribuição para o campo da saúde
indígena, discutida em vários artigos desta coletânea, é fundamental
para a análise das políticas específicas voltadas à população indígena
e para o debate crítico em torno do princípio da atenção diferenciada
à saúde, inspirando também discussões sobre políticas de saúde em
relação a outras populações.
Sônia Weidner Maluf destaca em seu artigo a abordagem
ampliada de “saúde” na antropologia, que busca articular questões
de saúde e adoecimento a outras dimensões da vida social. Para a
autora, a contribuição de Jean Langdon ao campo da antropologia da
saúde acentua três dimensões dos processos de saúde e adoecimento:
como práticas sociais produzidas a partir de compreensões sociais da
doença e do sofrimento; como relações nos sentidos micro, macro e
cosmopolítico; e articulados com questões de diferença, pluralismo e di-
versidade, dimensões que devem também ser levadas em consideração
na formulação de políticas públicas em saúde e nos diferentes en-
gajamentos antropológicos nas interpelações do tempo presente.
A partir de sua etnografia sobre as práticas de autoatenção, Daniel
Scopel e Raquel Paiva Dias-Scopel apresentam uma análise de narrativas
munduruku para enfatizar as dimensões práticas, sociais e ontológicas
Apresentação 19
Xamanismo
Meio século de pesquisa sobre
xamanismo1,2
1
Agradeço a Esther Jean Langdon por esses mais de 15 anos de convivência, pela
amizade e generosidade e por todas as trocas e parcerias ligadas ao tema do
xamanismo. Este trabalho contou com o apoio do European Research Council (ERC)
Starting Grant no 757589, “Healing encounters: reinventing an indigenous medicine
in the clinic and beyond”, sediado no Centre de Recherche Médecine, Sciences, Santé,
Santé Mentale, Société (Cermes3), do Centre National de la Recherche Scientifique
(CNRS), École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Université de Paris.
2
Este capítulo foi adaptado de uma resenha do livro La negociación de lo oculto:
chamanismo, medicina y familia entre los Siona del bajo Putumayo publicada na
revista Ilha em 2016. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/
article/view/2175-8034.2016v18n2p201/33316. Acesso em: 27 out. 2022.
26 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
3
Os Siona também chamam o yajé de eco, expressão cujo significado geral
corresponde aos nossos termos “medicina” ou “remédio” (LANGDON, 2014,
p. 147). Essa expressão é empregada para designar um conjunto amplo de substâncias
e preparações (não necessariamente psicoativas) que podem ser usadas para
combater enfermidades e produzir bem-estar. Entretanto, na perspectiva siona, “el
yajé constituye la medicina por excelência”, sendo empregado em todos os casos de
infortúnio nos quais se suspeita da intervenção de entidades invisíveis (LANGDON,
2014, p. 148). Ademais, o yajé também é a principal substância usada durante o
aprendizado xamânico, com o objetivo de ensinar os aprendizes a contatar os espíritos
e a lidar com as forças ocultas do universo (LANGDON, 2014). A importância do
yajé no âmbito da cosmologia e do sistema xamânico siona encontra-se ligada ao fato
de que essa bebida constitui a ponte entre este mundo e o “outro lado” da realidade,
fazendo com que ele se torne visível (LANGDON, 2014).
4
De acordo com Langdon, o cacique-curaca era a principal autoridade das
comunidades siona, reunindo as funções de liderança política e religiosa em um
sistema no qual não havia separação entre o secular e o religioso e em que existem
diferentes graus de conhecimento e de poder xamânico (LANGDON, 2014).
Meio século de pesquisa sobre xamanismo 29
5
Para Langdon, assim como as narrativas, a produção desses desenhos deve ser vista
como um modo performático, já que eles produzem e reproduzem a experiência do
artista. A autora sugere, portanto, que o conhecimento xamânico também é formado
através da criação desses desenhos, que constituem evidências de uma identidade
xamânica única e do patrimônio simbólico originado através dos rituais siona
(LANGDON, 2020).
6
A comunidade de Buena Vista foi fundada nos anos 1930. Sua demarcação como
terra indígena, em 1967, foi um fator fundamental para assegurar a continuidade
dos Siona no Putumayo, tendo em vista a crescente invasão dos seus territórios
(LANGDON, 2014). Desse modo, nos anos 1970, Buena Vista era a principal entre
as comunidades siona, sendo formada por uma população de cerca de 139 pessoas
(28 famílias).
7
Ricardo era o mais velho entre esses seis homens e foi o que recebeu o treinamento
xamânico mais completo. Ele era filho de um reconhecido xamã Siona, Leônidas
Yaiguaje, e irmão de Arsenio, considerado o último cacique curaca desse povo.
Quando Arsenio morreu, todos esperavam que Ricardo ocupasse seu lugar.
Entretanto, devido a sucessivas experiências ruins com o yajé e a ataques de
feitiçaria que o levaram a perder seu poder xamânico, Ricardo não conseguiu obter
o grau de conhecimento necessário para desempenhar o papel de cacique curaca
(LANGDON, 2014).
30 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
8
Segundo Langdon, o conceito siona de “lado” expressa “sua experiência com a
natureza fractal e transformativa do universo” (LANGDON, 2016, p. 183, tradução
nossa). No original: “the Siona concept of ka’ko or ‘side’, expresses their experience
with the fractal and transformative nature of the universe”. Nesse contexto, o yajé
possibilita entrar no “outro lado” (“other side”), conhecer os seres que vivem lá e
fazer negociações com eles (LANGDON, 2016, p. 183).
9
De acordo com Langdon, o cosmos é constituído por uma multiplicidade de “donos”
ou “mestres” (“owners/masters”) e seus povos, sendo que essas coletividades são
repetidas infinitamente nos diversos domínios do universo em uma “lógica fractal”
(“fractal logic”) (LANGDON, 2016, p. 183).
32 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
10
Além da ayahuasca, esse conjunto de substâncias costuma incluir o rapé, o tabaco,
a sananga e o kambô. O rapé geralmente é feito de tabaco (Nicotiana tabacum), que
costuma ser seco, moído, peneirado e misturado com outras plantas (OLIVEIRA,
2019). A sananga (Tabernaemontana sananho) é uma planta que contém ibogaína
e cujo sumo popularizou-se nos contextos urbanos como o “colírio da floresta”
(OLIVEIRA, 2019, p. 361). Já o kambô ou kapu é uma substância extraída da rã
Phyllomedusa bicolor, e entre povos indígenas como os Katukina, Yawanawá e
Huni Kuin costuma ser usada como revigorante e estimulante para a caça (LIMA;
LABATE, 2007). A denominação recorrente desse conjunto de “medicinas da
floresta”, conceito que muitas vezes não é problematizado nos trabalhos sobre o tema,
evidencia as associações apontadas por Langdon entre os xamanismos indígenas, o
discurso ambiental e as noções genéricas de medicina tradicional e ancestralidade.
Cabe apontar ainda que cada um dos diferentes grupos e atores que compõem essas
redes emprega e interpreta essas substâncias de maneiras culturalmente específicas e
distintas. Para uma discussão recente sobre este tema, ver Platero e Rose (2022).
34 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
11
Dados recentes indicam que, apenas no ano de 2019, no estado do Acre, acon-
teceram mais de 40 desses festivais, a maioria envolvendo o uso da ayahuasca
(MENESES, 2020).
12
Ver, entre outros, Rose (2010); Langdon e Rose (2012, 2014); Rose e Langdon (2013);
Coutinho (2011); Oliveira (2012); Labate e Coutinho (2014); Soltze Lima (2018);
Platero (2018); Platero e Rose (2022); Meneses (2018, 2019, 2020).
Meio século de pesquisa sobre xamanismo 35
13
De acordo com Miguel Bartolomé (2006), os processos de transfiguração étnica
constituem estratégias adaptativas produzidas pelas populações em situações de
subordinação, de acordo com seu próprio perfil cultural, e possibilitam que essas
populações se transformem para poder continuar sendo quem são (BARTOLOMÉ,
2006 apud LANGDON, 2020).
36 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Considerações finais
Como consequência desses jogos de espelhos, tudo indica que
se encontra em andamento um processo de aparente padronização,
ou mesmo homogeneização, dos diversos xamanismos indígenas que
circulam nas redes xamânicas contemporâneas. Como vimos ao longo
do texto, nos mais diferentes contextos etnográficos aos quais essas
redes se estendem, encontramos um conjunto de elementos em comum,
compartilhados, que podem ser identificados pelos diversos participantes
indígenas e não indígenas. Esses elementos incluem um modelo mais ou
menos padronizado de performance ritual; um conjunto de substâncias,
entre as quais a ayahuasca desempenha um papel central (as chamadas
“medicinas da floresta”); um tipo particular de estética; um conjunto de
objetos característicos; e uma série de conceitos ou metáforas-chave que
implicam associações entre xamanismo, discurso ambiental, “medicina
tradicional”, bem-estar e espiritualidade.
No caso específico dos Siona, os trabalhos de Langdon su-
gerem que algumas características particulares, identificadas como
“especificamente siona”, desapareceram de seus rituais (LANGDON,
2020, p. 41). Do mesmo modo, o papel social do xamã também passou
por mudanças com relação à sua função e às expectativas envolvidas
(LANGDON, 2020). Entretanto, por outro lado, independentemente
dessas transformações, Langdon considera que o xamanismo siona
contemporâneo encontra-se fortemente enraizado nas práticas e na
cosmologia nativas, bem como nas estratégias, desenvolvidas desde o
início da invasão dos seus territórios, para resistir ao controle colonial
(LANGDON, 2016). A autora argumenta ainda que, para os Siona,
os rituais de yajé e seu sistema xamânico constituem expressões de
diferenciação cultural e respostas adaptativas aos interesses externos
e à violência na região do Putumayo desde o período colonial
(LANGDON, 2020).
Minha pesquisa sobre o protagonismo de uma família extensa
guarani de Santa Catarina na formação da rede xamânica autodeno-
minada Aliança das Medicinas14 também aponta para conclusões seme-
14
Essa rede emergiu em Santa Catarina no final dos anos 1990, com base nos diálogos
entre: moradores da aldeia guarani Yynn Morothi Wherá (Biguaçu, SC); lideranças
nacionais do grupo xamânico internacional Fogo Sagrado de Itzachilatlan, também
conhecido como Caminho Vermelho; lideranças de uma comunidade local do
Santo Daime; e funcionários da área da saúde contratados pela ONG que gerenciava
Meio século de pesquisa sobre xamanismo 39
Referências
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sociológicos sobre a II Conferência Mundial da Ayahuasca. Horizontes
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Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
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LABATE, B. C.; COUTINHO, T. “O meu avô deu ayahuasca para o Mestre
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LANGDON, E. J. Religião, magia ou feitiçaria?: o pensamento antropológico
sobre xamanismo. 1988. Trabalho apresentado para o Concurso de Professor
Adjunto – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1988.
LANGDON, E. J. A negociação do oculto: xamanismo, família e medicina
entre os Siona no contexto pluri-étnico. 1994. Trabalho apresentado para o
Concurso de Professor Titular – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 1994a.
42 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Robert R. Crépeau
Introdução
Pretendo aqui discutir a importante contribuição de Esther Jean
Langdon aos estudos dos xamanismos. Mesmo antes de encontrar
Jean por uma incrível coincidência, em um voo de São Paulo para
Florianópolis3 no início dos anos 1990, seus escritos sobre o xamanismo
siona faziam parte de minhas leituras. Seu compromisso com os Siona
e com a nossa disciplina há várias décadas tem sido para mim uma
importante fonte de inspiração metodológica, intelectual e ética.
Os dilemas dos xamanismos são grandes, a começar pelo
profundo questionamento à razão ocidental, ainda baseada no cogito
cartesiano ou na separação do corpo e da mente. Tanto uma instituição
social como um método, o xamanismo foi e é ainda frequentemente
reduzido a um modelo de tipo mágico-religioso. Porém, a antropologia
praticada por Jean mostrou que o xamanismo é uma relevante força
1
Todas as traduções deste capítulo são do autor, salvo indicação contrária.
2
No original: “Shamanism cannot be regarded as an isolated philosophy or logic without
considering the social, political and historical contexts of its praxis”.
3
Em 1992, viajei de São Paulo a Florianópolis sentado ao lado de Jean Langdon,
que não conhecia pessoalmente então – aliás, só através da leitura dos seus artigos
sobre os Siona da Colômbia. Não conversamos durante o voo, mas depois do pouso
perguntei sobre o hotelzinho em que ficaria hospedado, comentando que fazia
uma visita ao professor Silvio Coelho dos Santos, da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Depois da surpresa mútua, Jean me deu uma carona até meu hotel,
no centro da cidade, e desde aquele primeiro encontro nosso diálogo não parou.
46 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
4
Associação de Solidariedade Internacional, cujo objetivo é promover os conhe-
cimentos indígenas na Europa. Disponível em: http://arutam.free.fr/Amerindien.
html. Acesso em: 22 abr. 2022.
Os xamanismos hoje 47
5
No original: “[...] ‘central to the ceremony is spirit. The substance, or natem, is
considered sacred medicine. The purpose of the ceremony is healing’ and has been
‘successfully practised since time immemorial’”.
48 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
6
No original: “Juan wanted the medicine to be recognised, and the justice (judge) did
that”.
Os xamanismos hoje 49
7
Alguns anos depois da publicação do meu artigo revisitando o caso de Quesalid
(CRÉPEAU, 1997), Jean me apontou a existência de um novo artigo sobre essa figura
enigmática (WHITEHEAD, 2000). Ela me perguntou como conciliar o meu artigo
50 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
com os fatos ressaltados por Harry Whitehead, ou seja, que o Quesalid de Lévi-
Strauss era, de fato, George Hunt (ver abaixo).
8
A história que foi usada por Lévi-Strauss no artigo “Le sorcier et sa magie” (1958).
Os xamanismos hoje 51
Boas cita uma longa história que Quesalid lhe contou em “um
lugar remoto na floresta” (BOAS, 1966, p. 121, tradução nossa),10 na
qual narra como, após uma grave queimadura aos 13 anos de idade,
ele foi repetidamente atormentado durante dez meses por forças
sobrenaturais, até que um dia sonhou com um encontro com uma orca.
Esse sonho lhe revelou que, no dia seguinte, ele realizaria sua primeira
cura e lhe deu informações sobre o paciente e seu tratamento (BOAS,
1966). Quesalid cumpriu a previsão da orca, e o paciente, para quem
já havia sido feito um caixão, recuperou sua saúde. Na noite seguinte,
a orca apareceu novamente em sonho para Quesalid e o informou dos
detalhes de outra cura. Então essa orca perdeu sua aparência humana e
recuperou a aparência do animal antes de nadar para longe. Quesalid
diz: “Quando ela soprou, uma espuma saiu de seu espiráculo. Depois
ouvi uma voz dizendo: ‘Esfregue esta espuma quatro vezes sobre seu
corpo. Ela tem um poder sobrenatural’. Sonhei que obedeci a sua
ordem” (BOAS, 1966, p. 122, tradução nossa).11 Quesalid tinha acabado
de confirmar sua aliança com seu animal auxiliar.
Boas também enfatiza a importância da pedra de quartzo
(“quartzo cristal”) para a prática de Quesalid. Este lhe confidenciou
que, durante uma cura a que ele assistiu, um dos xamãs presentes lhe
introduziu uma pedra de quartzo no corpo. Esse episódio aconteceu
pouco antes da primeira cura realizada por Quesalid. Tais relatos, Boas
conclui, indicam que, “apesar do conhecimento da fraude, persiste uma
profunda crença no poder sobrenatural do xamanismo, mesmo entre
9
No original: “The Indian likes to appear rational and knows that shamanistic practices
are disbelieved by the whites. So he is liable to assume a critical attitude, the more so
the closer his contacts with the whites. […] This accounts also for the critical attitude
exhibited in my principal informant’s account, ‘I desired to learn the ways of the shaman’
(Boas, 1930, 1), in which he takes the position that his only object was to discover the
frauds perpetuated by shamans. At other times, when in a more communicative mood,
his belief in jis own experience stands out very clearly”.
10
No original: “a lonely place in the woods”.
11
No original: “When he was blowing, foam came out of his blowhole. Then I heard a
voice which said, ‘Rub this foam four times over your body. It has supernatural power’.
I dreamed that I obeyed his order”.
52 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
12
No original: “notwithstanding the knowledge of fraud, a deep-seated belief in the
supernatural power of shamanism persists, even among the most sophisticated”.
Os xamanismos hoje 53
poder que reside ali” (BOAS, 1966, p. 135, tradução nossa).13 Quanto à
cura durante a qual o xamã mostra uma substância ou um objeto que ele
acaba de extrair por sucção do corpo, uma penugem sangrenta no caso
de Quesalid, o xamã confirma assim que o paciente foi de fato o alvo de
uma causa externa responsável pelos sintomas de sua doença.
A história de Quesalid nos remete à intrusão de um domínio
não humano no domínio humano através da pessoa do xamã, cujo
corpo torna-se o receptáculo de substâncias (nesse caso, espuma de
orca e pedra de quartzo) que se alojam nele, conferindo-lhe poderes e
conhecimentos. De modo mais geral, digamos que é uma característica
essencial do xamanismo, à qual os pesquisadores têm prestado uma
atenção renovada recentemente (CRÉPEAU, 2007; LANGDON, 2017;
ROSA; CRÉPEAU, 2020).
13
No original: “A key aspect of his texts is his concern with procedural detail rather than
with cultural significance, as if to the end of his life he remained focused on the rules he
had had to learn to participate in Kwakiutl life”.
54 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
14
Como afirma o jurista canadense Anishinaabe Johns Borrows (2016, p. 823): “Ao
distinguir ou desenhar analogias com o comportamento da água, vento, rochas,
Os xamanismos hoje 55
17
No original: “Today, in the Siona’s interaction with globalized shamanic practices, the
polysemic concept of rau has all but disappeared and has been reduced to the univocal
translation of sorcery object”.
Os xamanismos hoje 59
18
Sapaim faleceu em 23 de setembro de 2017, em Brasília. Disponível em: https://www.
gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2017/nota-de-pesar-paje-sapaim-kamayura.
Acesso em: 8 nov. 2022.
60 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Gátãn, o dono da terra. Foi a primeira vez que conheci um kujá com tal
auxiliar e com uma consciência ecológica e política muito parecida com
a dos taitas Siona. É interessante ressaltar que Gátãn tem também a sua
contrapartida feminina, GáTãn-fi, o equivalente a “Terra mãe”. Estamos
frente a um aspecto-chave do xamanismo, que Jean nos ensinou durante
sua longa e fecunda carreira: “Os xamanismos hoje surgem e se recriam
constantemente em uma relação dialógica entre atores de um mundo
pós-colonial e de um mundo pós-moderno” (LANGDON, 2013, p. 31,
tradução nossa).19
Referências
BERMAN, J. George Hunt and the social organization and the secret societies of
the Kwakiutl indians. [S. l.: s. n.], 1993. Disponível em: https://lingpapers.sites.
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19
No original: “Shamanisms today constantly emerge and recreate themselves in a
dialogical relation between actors in a post-colonial and post-modern world”.
Os xamanismos hoje 61
1
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76 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
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Esther Jean Langdon, o la perseverancia de una etnógrafa avant la lettre 77
O incorpóreo corporificado
Substância cuja matéria prima é o ver/ouvir/pensar do xamã,
formada ao longo de um processo de aprendizagem cosmopolítica
guiada pelo mestre, o dau não se adequa propriamente ao conceito
geral de espírito-auxiliar, entendido como entidade-sujeito com agência
própria, mesmo que subordinada ao xamã, que opera nesse caso como
mestre (CHAUMEIL, 2010; FAUSTO, 2008). Isso não quer dizer, porém,
que não tenha nenhum tipo de agência. Como aponta Langdon (2014),
possui um certo grau de autonomia em relação às decisões conscientes
do seu dono. Um mau pensamento, mesmo sem a intenção de efetivar
uma ação, ou simplesmente o olhar, podem provocar a morte de outras
pessoas. Nesse sentido, se a ação xamânica decorre principalmente
de um uso consciente das técnicas desenvolvidas – o conhecimento
aprendido e a capacidade de comunicação com os espíritos –, o corpo
do xamã pode também ser a causa de atos involuntários derivados das
qualidades intrínsecas da substância dau que o compõe.
Nesse sentido, a noção de dau siona coloca em primeiro plano
um aspecto das corporalidades amazônicas que se manifesta em vários
âmbitos: a materialidade daquilo que, do ponto de vista ocidental, é
imaterial. Com efeito, a distinção entre materialidade e espiritualidade
é outro desses “predicados subsumidos nas duas séries paradigmáticas
que tradicionalmente se opõem sob os rótulos de Natureza e Cultura”
no pensamento multiculturalista e que são reembaralhados pelo
perspectivismo ameríndio (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 347-348).
O sangue é provavelmente a substância corporal que constitui
o caso mais representativo a esse respeito. Na sua análise comparativa
sobre sangue e gênero na Amazônia, Belaunde coloca em evidência,
através de casos etnográficos que se referem aos processos produtivos e
reprodutivos que envolvem um contínuo construir e destruir de corpos/
pessoas, que “as substâncias, os pensamentos, os afetos, os desejos, os
A corporeidade do incorpóreo 81
1
No original: “las sustancias, los pensamientos, los afectos, los deseos, los espíritus y los
productos del trabajo se interconstituyen”.
2
Povo da família linguística Pano. Habita áreas localizadas nas proximidades da tríplice
fronteira entre o Acre (Brasil), o departamento de Ucaiáli (Peru) e o departamento
do Pando (Bolívia). Os dados que usarei aqui são relativos à comunidade de Raya,
onde realizei pesquisa de campo em várias estadias, entre 2000 e 2017.
3
Comunidade localizada no alto rio Mapuya, afluente do Inuya, que faz parte da bacia
do baixo Urubamba, na Amazônia peruana.
82 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
se pretende é, de fato, criar essas conexões com seres que são fonte
de conhecimento.
Os homens Yaminawa que me relataram suas experiências
para se tornar kuxuitia, possuidores dos cantos-sopros, explicam que
esses processos ocorriam de forma coletiva. Vários jovens, dirigidos
normalmente por dois mestres, se isolavam na floresta durante dois
ou três meses. O processo de aprendizado exigia vários ordálios,
que consistiam em se fazer picar por determinados tipos de vespas e
formigas. De manhã, saíam procurando essas vespas e formigas para se
fazer picar na boca e no peito e, voltando ao acampamento, tomavam
ayahuasca e caldo de tabaco. Entre as provações descritas, deviam
chupar uma substância extraída do corpo de uma jiboia/sucuri.4 Os
vários participantes capturavam uma e a golpeavam até que não podia
mais se mexer. Aproveitando a incapacidade do animal para se defender,
espremiam seu corpo. Primeiro eram retiradas completamente as fezes,
e depois extraía-se uma substância branca5 descrita como de cheiro e
sabor nauseabundos. Isso feito, soltavam a cobra, cujo bramido é en-
tendido como um kuxuiti (canto-sopro). Durante cinco dias, tomavam
ayahuasca, cantavam e cumpriam um rigoroso resguardo alimentar.
Após tomar a substância da cobra, ela aparecia em sonhos, ensinan-
do kuxuiti.
Essa prática reproduz, invertendo as posições de consumidor/
consumido, o mito que explica como os homens aprenderam a técnica
dos cantos-sopros kuxuiti, realizados sob efeito principalmente da
ayahuasca, e o uso das plantas medicinais disa. O mito conta que, tendo
ido pescar num lago, um homem foi enfeitiçado e devorado parcialmente
por uma sucuri. Apenas não o foi totalmente porque uma das suas pernas
4
Trata-se de um dos animais centrais do xamanismo yaminawa. Embora em certas
ocasiões e mitos se trate certamente da sucuri (runua), em outros casos parece
tratar-se de jiboias, mas a distinção entre as duas espécies é um tanto difusa entre
os Yaminawa e outros Pano. Uma jovem Yawanawa me explicou que a jiboia seria o
“filhote” da sucuri, não se tratando de dois tipos diferentes de cobras. Os Kaxinawa,
por sua parte, parecem estabelecer diferenças: enquanto a sucuri é julgada pouco
generosa, a jiboia (Yube) ensina verdadeiramente e é considerada o maior dos xamãs
(LAGROU, 2007).
5
Referem-se a essa substância como “awe ëdë”. Normalmente, ëdë designa substâncias
líquidas – como os alimentos preparados de forma que fiquem aquosos e os
sucos –, assim como algumas emanadas pelo corpo, como o leite materno, que é
chamado de xuba ëdë (“xuba” é o peito feminino). Em alguma ocasião, se referiram
em espanhol ao líquido extraído da jiboia como “su leche” (o seu leite) ou “awe sawa”
(as suas fezes).
A corporeidade do incorpóreo 83
Ñuwë
No xamanismo dos povos Pano, encontramos um amplo con-
junto de cognatos do termo “ñuwë”. Entre os Huni Kuin, Yube é uma
figura mítica em torno da qual se aglutina um conjunto de narrativas
que condensam enunciados sobre os poderes produtivos e reprodutivos
masculinos e femininos:
6
Termo referido a um tipo de especialista xamânico. Significa “aquele que tem
pensamento”.
A corporeidade do incorpóreo 85
7
As referências na etnologia pano sobre a associação entre sumaúma e feitiçaria,
ou sobre a sumaúma como ser predatório ou moradia de seres predatórios, são
numerosas (CALAVIA SÁEZ, 2006; LAGROU, 2007). Entre os Yaminawa, a
samaúma é a moradia de Xuba, uma entidade perigosa que, outrora, podia fazer
uma pessoa virar tsibuya, um tipo de xamã capaz de introduzir e extrair objetos do
seu corpo e dos corpos dos outros. É por ser moradia do Xuba que as sapopemas
dessa gigantesca árvore são lugares privilegiados para entoar cantos-sopros com a
finalidade de enfeitiçar alguém (PÉREZ GIL, 2006).
86 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
8
A prática xamânica não era, de jeito nenhum, exclusiva dos homens. Embora
após o contato permanente com a sociedade regional o envolvimento feminino
com o xamanismo se restringiu e se transformou, são muitos os casos que me
foram relatados de mulheres que tomavam ayahuasca e outras substâncias, que
participavam ativamente nos rituais de cura, que se faziam picar por vespas e
formigas etc. A diferença em relação aos homens é que, enquanto o aprendizado
deles era coletivo e praticamente compulsório ao chegar à adolescência, no caso
delas era individualizado e arbitrário, dependendo em grande medida do incentivo
de pais, mães e maridos (PÉREZ GIL, 2006).
9
Trata-se da história de Kuushdawa ou Kukushnawa, segundo as versões existentes
(CALAVIA SÁEZ, 2006; PÉREZ GIL, 2006).
90 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Chefia e xamanismo
Embora de uma forma menos acentuada que a sucuri, o boto é
igualmente associado à prática xamânica. Dele se diz também que
é ñuwë. Uma breve história que me relatou Xawaxta certa feita começa
assim: “Boto era ñuwë. Morava dentro da água. Ele bebia ayahuasca den-
tro da água. Saía à terra e convidava as pessoas para tomar ayahuasca para
que fossem pajés que nem ele. Assim, ensinava os homens”.
Ainda que sua presença na mitologia e no xamanismo pano
seja menor que o da sucuri, esse cetáceo de águas doces tem especial
destaque no caso shipibo, pois se trata de um ser de grande potência
xamânica e age frequentemente como espírito auxiliar (LECLERC,
2003). Porém, me interessa destacar outro aspecto. Além de ñuwë, o
boto (ëdë dawa) é o dono dos objetos dos brancos, notadamente dos
instrumentos de ferro. O relato mítico com o boto como protagonista
que me foi relatado com mais frequência, e por diferentes pessoas, conta
a história de um homem que, durante uma expedição para obter pedras
com as quais faria machados, é abandonado pelos seus primos numa
paliçada no meio do rio. A paliçada era, na verdade, a lixeira da casa
dos botos, e, quando a mulher-boto escuta o homem se lamentar, se
apresenta ante ele e, pelo nome, o reconhece como parente do marido.
Ela o faz cheirar uma planta que lhe permite entrar na sua casa no
fundo das águas. Antes de ajudá-lo a sair do rio para voltar à sua casa,
o boto o presenteia com muitas ferramentas de metal. Ele se comporta
tipicamente como um verdadeiro chefe, um xaneihu, que se caracteriza
principalmente pela sua generosidade.
A caracterização do boto como chefe é reforçada por outra
história. Nesse caso, um jovem boto é sequestrado por um homem que
quer torná-lo seu genro. Apesar de um primeiro momento de sobressalto,
o boto aceita encantado casar-se com as duas filhas do homem e protege
os seus parentes por afinidade dos ataques do seu avô, que costumava
capturar as crianças para transformá-las em banquinhos para se sentar.
A poligamia, o carisma com que é descrito na história e a proteção da
sua família são qualidades associadas à chefia. Olhados em conjunto, os
relatos revelam o boto como uma figura que condensa qualidades tanto
do chefe como do xamã.
Embora alguns autores tenham apresentado modelos sociopo-
líticos para os Pano nos quais chefe e xamã aparecem como figuras
contrastantes e excludentes (DESHAYES, 1992; TOWNSLEY, 1994),
92 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
10
Essa conexão é tão intensa que, para se referir a alguém generoso, mesmo que não
ocupe um lugar de chefia, se usa o termo “xaneihu”.
11
Esse fato certamente faz pensar no sistema de metades que foi descrito para os
Yaminawa (TOWNSLEY, 1988) e outros Pano próximos; porém, nas informações
que registrei não há referências a esse sistema.
A corporeidade do incorpóreo 93
12
Termo complexo da cosmologia pano. No caso Yaminawa, pode designar os
“espíritos”, mais ou menos bem definidos e com um caráter intencional específico
(têm yuxin todos os animais e plantas, que em determinados contextos interagem
com os humanos; os espectros das pessoas falecidas que assombram os vivos; as
almas dos mortos que vão para o céu); ou pode designar uma espécie de agência,
mais ou menos concreta e intencional, presente nas substâncias dos seres vivos.
A corporeidade do incorpóreo 95
Transformações contemporâneas
Se o ñuwë se “faz” por meio do consumo reiterado de determinadas
plantas, que permite a acumulação de amargo (bua) e de vínculos com
seres de magnitude xamânica, é lógico pensar que ele pode também
se “desfazer” ou perder. Seu enraizamento somático exige, de fato, um
cuidado de si – no sentido foucaultiano da expressão – que deve ser, em
13
A oposição entre o amargo e o doce, bem como o papel do amargo na constituição
de corpos masculinos e de qualidades xamânicas, tem sido amplamente debatida
para o universo pano e se reflete na centralidade de conceitos associados ao amargo
no xamanismo – muka, bua, tsibo. A esse respeito, ver entre outros, Erikson (1996),
Lima (2000) ou Pérez Gil (2006).
96 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
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14
Técnica consistente em estabelecer diagnósticos e extrair a doença por meio de
banhos de vapor, associada ao xamanismo ashaninka, e que algumas mulheres
Yaminawa aprendem e praticam atualmente.
98 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Elsje Lagrou
1
Há pouco mais de um ano redigi o memorial para meu concurso de professor titular
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de cujo júri Jean participava,
e partes do exercício de memória então empreendido serão retomadas neste texto,
pois, ao relembrar minha chegada ao Brasil, a figura de Jean Langdon se impôs de
forma incontornável.
102 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
2
O que mudou dos anos 1980 para cá foi o protagonismo desse movimento. Se
na época as lideranças indígenas ainda eram minoria e a força maior vinha das
organizações não governamentais (ONGs) e de seus antropólogos engajados, hoje o
protagonismo é fortemente indígena e, outra novidade, feminino.
Homenagem a Esther Jean Matteson Langdon 103
3
Faço aqui uma homenagem a Ari Sell, espírito inquieto e aberto, de generosidade
intelectual ímpar e grande amigo de Jean, que foi um dos muitos que nos deixaram
durante este período de pandemia.
104 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
4
Essa expressão se inspira na “pele excessivamente pintada” de Lucia van Velthem
(2003) entre os Wayana e em um romance holandês que li na juventude, chamado
Vanwege een tere huid (Por causa de uma pele sensível).
5
Os conceitos de perspectivismo e multinaturalismo, propostos por Viveiros de
Castro (1996), e de animismo, proposto por Descola (2005), se tornaram modelos
filosóficos a partir dos quais a etnologia americanista passou a dialogar com outras
disciplinas, deixando, no entanto, na sombra, para leitores leigos ou excessivamente
apressados, as densas etnografias que embasaram a formulação do modelo e que
apontam para a multiplicidade dos mundos ameríndios.
Homenagem a Esther Jean Matteson Langdon 107
insinuam por entre as linhas, por entre os pontos e suas conexões que
tecem novas peles.
6
Em livros recentes, Taussig (2011, 2015) reflete sobre esse sensorium fluido e os
deslizes entre os diferentes sentidos, aproximando suas experiências entre indígenas
e ribeirinhos com o yagé, na Colômbia, das experiências de escritores surrealistas e
modernistas que experimentaram com a alteração da percepção. Sobre a relação
entre visão e canto, nota que, na Colômbia, os cantos do yagé quase não possuem
palavras; os curadores cantarolavam, e eram a melodia e o ritmo que se traduziam
em linhas e figuras, não as palavras. Luna (1992) notou fenômeno similar entre os
vegetalistas ribeirinhos no Peru. As situações descritas por esses autores, no entanto,
marcam contextos de ingestão da bebida que são eminentemente interétnicos,
fazendo com que se evite a veiculação de conteúdos específicos. O uso da ayahuasca
ou do yagé em contextos intraétnicos, no entanto, como entre os Siona, os Desana,
os Barasana, os Huni Kuin e os Sharanahua, por exemplo, depende largamente da
referência a um corpus mítico mobilizado nos cantos rituais que visam a guiar os
noviços que acompanham o mestre xamã.
112 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
tomou yagé? Agora você vai morrer!”. Vemos aqui a figura do jaguar,
encarnação do poder de predação no universo ameríndio, ocupar a
posição de uma mãe nutridora que, depois de ameaçar o ser humano
que adentrou em seu território, avisando-o de que vai morrer, acolhe-o
em seus braços e o amamenta. Para os Huni Kuin, nenhum noviço se
tornará dono de canto, capaz de cantar com a voz de Yube e de todos
os seres da floresta, sem ter sido por ele engolido e digerido primeiro,
enquanto para os Siona a iniciação consiste em, depois de ter passado
pelo terror de vivenciar a própria morte, mamar nas tetas da mãe-jaguar,
que vem a ser também a mãe-yagé, mãe de todos os xamãs. Essa situação,
por sua vez, parece ser uma inversão simétrica do mito de origem
do yagé entre os Desana, Tukano orientais, em que são os humanos,
embriagados pela visão do yagé, que despedaçam e devoram o menino-
yagé, filho de uma estrangeira que aparece no meio da maloca, vinda da
floresta e carregando nos seus braços o filho, que enlouquece os homens
como uma revelação (REICHEL-DOLMATOFF, 1978). Percebemos
assim que nesses universos metamórficos o engendramento das formas
está intrinsecamente entrelaçado com processos vitais de ingerir, digerir
e gestar, sendo os regimes culinários, como já notava Lévi-Strauss,
altamente estéticos.
Mas voltamos aos grafismos, que podem ser marcas, como
índices de um encontro passado, ou linhas ao longo das quais se
estabelecem conexões. O fato de o desenho dar a ver relações mais do
que formas me levaria a propor, mais tarde, a ideia de uma “estética
relacional” que é a expressão de uma “ontologia relacional” (LAGROU,
2018a, 2018b, 2018c). O que se propõe com esse conceito é bem
diferente da estética relacional de Bourriaud (1998), tendo em vista que,
no caso ameríndio, a relação, em vez de precisar ser construída pelo
indivíduo, como nas ontologias dualistas de origem euro-americana,
é constitutiva do ser. O desenho não delineia figuras sobre um fundo,
porém dá a ver a constituição relacional de todos os seres. Desenhos
podem funcionar como marcas e índices, como no caso da arte siona,
ou como caminhos e fios invisíveis que conectam os seres, como na arte
do kene e no xamanismo waiãpi, em que o xamã está conectado aos
seus espíritos auxiliares por fios invisíveis, como uma aranha na sua teia
(GALLOIS, 1988).
Temos assim uma importante diferença entre as tradições dos
povos de língua Pano e dos Piro (povo Arawak que possui um estilo
gráfico muito próximo do shipibo-conibo), por um lado, e os povos de
língua Tukano, por outro. Entre os Tukano, como os Siona e os Desana,
114 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
7
No original: “In general, Piro people are very sensitive to ‘design’ in the natural world,
and classify many animals and plants as ‘with design’”.
8
No original: “Whatever the ultimate, mythological source, their immediate source is
inside human society, they are women’s thoughts”.
9
No original: “There is good evidence that the causal relation is in fact reverse, that the
drug-induced experience of design is derivative from the experience of designs in every
day vision. Indeed, while many peoples in Western Amazonia use ayahuasca, it is only
Homenagem a Esther Jean Matteson Langdon 115
for those peoples with an elaboration of design in their material culture that complex
design forms part of visionary experience”.
10
No original: “The limited information available at the moment suggests that individual
design classes in Amazonian complex systems may be conceived of as small fragments
of the ‘total design’ of such powerful supernaturals as the anaconda”.
116 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
esforço de copiar os desenhos do povo de yagé. Mas essa visão, por sua
vez, é aprendida: os noviços aprendem a ver através das pintas cantadas
e contadas pelos mestres-xamãs. Os “padrões culturais” nas visões
apontam assim para a experiência acumulada de uma determinada
tradição xamanística, a tradição siona, que os distingue de seus vizinhos
que também conhecem o yagé, mas não as pintas que cada xamã
coleciona, às vezes emprestando-as de mestres xamãs vizinhos, como
os Kofan.
11
No original: “Dau has a double-edged meaning. As it grows and gives more power to
the man, it also makes him more susceptible to its damage. The Siona say it makes the
shaman ‘delicate’”.
12
“The Siona do not have two separate terms to distinguish between hallucinogenic
‘remedies’ aimed at supernatural causes and those which cure nonsupernaturally
Homenagem a Esther Jean Matteson Langdon 117
caused symptoms, such as Kensinger (1973, p. 13) has described for the Cashinahua. It
is apparent, however, that the distinction between two kinds of remedies is understood
covertly within the culture”.
118 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
13
Explicação similar para o desaparecimento dos grandes xamãs pode ser encontrado
em outros lugares, como entre vários grupos de língua pano na fronteira entre o
Brasil e o Peru que deixaram de iniciar xamãs por considerá-los responsáveis
pelas epidemias que dizimaram seus povos (PÉREZ GIL, 1999; LIMA, 2000;
LAGROU, 2007).
122 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
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Florianópolis, 1991.
LAGROU, E. A sedução do objeto. In: GONÇALVES DA SILVA, V.; SOUZA
REIS, L. de; DA SILVA, J. C. (org.). Antropologia e seus espelhos: a etnografia
vista pelos observados. São Paulo: FFLCH/USP, 1994. p. 90-101.
LAGROU, E. A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade
amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.
LAGROU, E. Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras
abstratas? Uma reflexão sobre uma arte perspectivista. In: LAGROU, E.;
SEVERI, C. (ed.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes
indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. p. 67-110.
LAGROU, E. A figuração do invisível: o encontro de Warburg com as artes
ameríndias. In: BICALHO, P. Artes indígenas no cerrado: saberes, educação e
museus. Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2018a. v. 1, p. 19-50.
LAGROU, E. Anaconda-becoming: huni kuin image-songs, an Amerindian
relational aesthetics. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 24, n. 51,
p. 17-49, 2018b.
Homenagem a Esther Jean Matteson Langdon 125
1
Este artículo es resultado del Proyecto de Investigación Pconfig código E22150121
financiado por la Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Migrantes indígenas
amazónicos en Huarochiri (Lima), durante la pandemia del covid-19: género, salud,
relaciones interétnicas, movilidades y políticas públicas.
2
El pueblo Secoya, también llamado Siekopai, Airo Pai, Aido Pai, pertenece a la familia
lingüística Tucano occidental y vive en la región fronteriza entre Perú y Ecuador, en
las cuencas de los ríos Napo y Putumayo. La población total siekopai en el Perú
es de aproximadamente 800 personas y de 700 en el Ecuador. En publicaciones
anteriores, he utilizado el nombre Airo Pai, pues este era el autodenominativo usado
en el Perú cuando se presentaban a las personas de las ciudades (CASANOVA, 1980;
BELAUNDE, 1994, 2001).
Llorando la muerte del padre 129
3
Estas conclusiones también convergen con el énfasis teórico y metodológico que
mi orientadora de tesis, Joanna Overing (1986, 1989) colocó sobre la necesidad de
Llorando la muerte del padre 131
rostro sereno. Abrí los ojos, miré alrededor y me convencí de que había
sido un sueño, pero para evitar que volviese a producirse la visión,
decidí echarme acurrucada sobre el costado izquierdo. Me dormí sin
darme cuenta y rápidamente, creo, me volví a despertar sobresaltada.
Apenas había cerrado los ojos cuando se me volvió a aparecer el mismo
hombre Siekopai, con todos sus atuendos. Esta vez lo vi mejor y noté
que su piel era verde pálido, color pastel blanquecino. Él estaba a cuatro
patas, con manos y pies en el suelo. Con una actitud juguetona de niño
travieso, acercaba su cabeza al piso de manera que su rostro llegó al
nivel del mío y nuestras miradas se encontraron. Cuando consiguió que
yo lo mirase de frente a la cara, me habló. “Ese que tu viste, soy yo”,
me dijo. Con estas palabras, me desperté atónita. ¡No podía creer lo
que había pasado! Entonces, esperé despierta a que Liberato y su esposa
se levantaran.
Como siempre, Liberato salió de su mosquitero antes del
amanecer. Raspó las lianas de yoco (Paullinia yoco) que tenía guardadas
en una esquina de la casa, bebió el líquido amargo y comenzó a torcer
hilo de chambira (Astrocaryum chambira). Después de un tiempo,
Estela se levantó, y yo aproveché para salir del mosquitero también y
sentarme junto a ellos. Sin poder contenerme, les conté lo que había
soñado. Liberato me miró sonriendo, algo tímido, mientras Estela se
reía y, con un típico estremecimiento de los hombros a la cabeza, decía,
“¡cadaye! ¡qué miedo!”. Al amanecer, fuimos a bañarnos al río, junto
con toda la comunidad, y volvimos a la casa para vestirnos y peinarnos.
Al poco rato llegó Oscar Vasquez Macanilla, el jefe de la comunidad.
Con su característico buen humor matutino, vino a ver qué planes
teníamos para el día. Cuando Estela le contó lo que yo había soñado,
me dijo riendo: “¡Vente a dormir a mi casa! ¡El wati de Liberato te está
molestando!” “¿Cómo así?”, le pregunté. Yo sabía que Liberato había
sido un gran yage uncuquë, “bebedor de yajé”, y como todo practicante
del chamanismo tenía su wati que lo acompañaba. Pero Liberato había
dejado de tomar yajé hacía años, antes de que yo lo conociera. ¿Por
qué su wati vendría ahora a molestarme por la primera vez? “Es que
tú estás regresando después de muchos años. Te ha venido a ver”, me
dijo Oscar, con tono bromista. “Ese wati nunca se va. Por más que ya
no tome yajé, ese nunca deja de acompañar. Es pai joyo wati, el wati
del corazón de la gente, el compañero del ayahuasquero”. Como me
estaba hablando en castellano, Oscar usó indiferentemente las palabras
“yajé”, en Siekopai, y “ayahuasca”, comúnmente usada en la Amazonía
Llorando la muerte del padre 135
4
Como está hablando en castellano, Liberato utiliza la palabra “ayahuasca”
comúnmente usada en la Amazonía peruana para referirse al yajé.
5
Liberato se refiere a que los pacientes sanados retribuían los servicios del curandero
con objetos de valor, como una manta o una hamaca.
136 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
De allí, he vivido.
De allí, ya tenía mis hijitos. Mataba tigre y yo no moría. Todo
animal comía y no me enfermaba. ¡Ayahuasquero muy mentiroso
ha sido!7
De allí, he vivido y mi padre ha vivido bien sanito. Cantaba en la
madrugada solito.
De oraciones vivía mi padre, de oraciones ha vivido. Y a la
otra gente que venía curaba; y regalaban carne, un pedacito,
un pedacito.
Hasta que mi padre se falleció. Me ha dejado a mí.
Se fue al cielo. Me ha dejado a mí.
6
Liberato se refiere a que su aprendizaje con yajé lo llevó a “ver” tanto a las divinidades
celestiales, como a los wati. Estos son una diversidad de seres que habitan el cosmos
por debajo del ámbito celestial. Explicamos la noción de wati en la próxima sección.
7
Liberato se refiere a que las prohibiciones alimenticias y sexuales que le fueron
impuestas durante su aprendizaje eran una “mentira” porque, cuando el adhiere al
culto evangélico y quiebra esas prohibiciones, no le sucede nada malo. Retomamos
este tema más adelante.
138 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Yo lloraba.
¡Qué año voy a ver a mi padre!
De allí, lo buscaba. ¿Dónde se fue mi padre?
En mi sueño, ¡nada, no puedo encontrar!
De allí, dos días, mi sueño me ha agarrado.
“Con Dios estaba”, me dice. “Mírame, soy tu padre.”
8
La expresión en castellano “parece mosquitero” es usada por Liberato, y por otros
conocedores Siekopai, para explicarle a una persona de fuera, como yo, que se trata
de otro ámbito o lugar (hueña) del cosmos, al cual se accede en visiones de yajé o en
sueños. Levantar el mosquitero y entrar en él son maneras de referirse, en castellano,
a la idea de entrar en otro ámbito cosmológico de experiencia visionaria.
9
La palabra “quebrada” significa “río pequeño” en el castellano regional.
10
La expresión “parece linterna” es característica de la manera como los Siekopai se
refieren en castellano a la luminosidad que acompaña la experiencia chamánica de
los seres poderosos, especialmente de las divinidades celestiales del matëmo.
11
Se refiera al pai joyo wati, es decir, el “wati del corazón” de los chamanes muertos.
Explicamos esta noción en la siguiente sección.
Llorando la muerte del padre 139
12
Aquí Liberato me está explicando que el pai joyo wati, es decir, el “wati del corazón”
de su padre, se le aparece en sueños con la imagen de su padre. Explicamos este
pasaje más adelante.
13
Es usual que padre e hijo se sienten a conversar en la misma hamaca, sentados frente
a frente, cada cual en un lado de la hamaca.
14
Liberato se refiere a los pai joyo wati de los chamanes muertos que su padre había
conocido cuando estaban vivos.
15
La “casa” a la que se refiere es el “cuerpo” de Liberato. Los pai joyo wati se instalan en
el “cuerpo” de Liberato. Explicamos este pasaje más adelante.
16
Liberato se refiere a que el pai joyo wati aparece con la imagen de su padre tiene la
intención de “comérselo”, es decir de causarle enfermedad y muerte.
140 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
17
Este pasaje se refiere a que la casa/cuerpo de Liberato continua llena de los pai joyo
wati de los chamanes muertos amigos de su padre.
18
Mariano Vásquez fue un reconocido bebedor de yajé de la comunidad de Vencedor
Wajoya y pariente próximo de Liberato.
Llorando la muerte del padre 141
19
En Siekopai dicen que el chamán debe ser el “ëja’ë” y el pai joyo wati debe ser “joya’ë”.
Estos son conceptos claves de las relaciones de autoridad siekopai que he analizado en
otro lugar (BELAUNDE, 2001, 2019). La traducción de estas palabras en castellano
depende según el contexto en que son utilizadas. “Ëja’ë” puede ser traducido como
“padre”, “el que cría”, “jefe” o “comandante”. “Joya’ë” puede ser traducido como “hijo”,
“criado”, “domesticado” o “soldado”. En el caso de la relación entre el chamán y su pai
joyo wati, la traducción utilizada suele ser “comandante” y “soldado”, enfatizando que
el “soldado” debe obedecer al chamán.
144 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
20
Cipolletti (2008, p. 102) recoge un testimonio de Fernando Payaguaje que advierte
sobre las consecuencias del abandono del chamanismo debido a la adhesión al
culto evangélico y la influencia de los mestizos. Si nadie está preparado a heredar y
domesticar los wati de sus ancestros, estos permanecerán sueltos, atacando a todos
los humanos con sus enfermedades. Fernando Payaguaje explica que el decidió
seguir tomando yajé para evitar esta hecatombe. “Antes, en el tiempo de los abuelos,
dice que contaban así: cuando ya no quede ninguna persona que tome yajé, eso va a
pasar [el fin de los Secoya]. Por eso, al oír esto, yo tomaba yajé, para que no suceda.
Por eso tomaba para ver más visiones”.
146 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
21
Discutí en mayor profundidad las continuidades y discontinuidades entre la práctica
chamánica y la adhesión al culto pentecostal en Belaunde (2000a).
Llorando la muerte del padre 151
Referencias
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Books, 1972.
BELAUNDE, L. Parrots and oropendolas: the aesthetics of gender relations
amongst the Airo-Pai of the peruvian Amazon. Journal de la Société des
Américanistes, Paris, v. 80, p. 95-111, 1994.
BELAUNDE, L. Epidemics, psycho-actives and evangelical conversion
amongst the Airo-Pai of Amazonian Peru. Journal of Contemporary Religion,
[S. l.], v. 15, n. 3, p. 349-359, 2000a.
BELAUNDE, L. The convivial self and the fear of anger amongst the Airo-Pai
of Amazonian Peru. In: OVERING, J.; PASSES, A. (org.). The anthropology of
love and anger: the aesthetics of conviviality in Native Amazonia. Nueva York:
Routledge, 2000b. v. 1, p. 209-220.
BELAUNDE, L. Viviendo bien: género y fertilidad entre los Airo-Pai de la
Amazonía peruana. Lima: CAAAP, 2001.
BELAUNDE, L. O ninho do japu: perspectivismo, gênero e relações
interespécies airo-pai. Amazônica: Revista de Antropologia, Belém, v. 11, n. 2,
p. 657-687, 2019.
BELLIER, I. La part des femmes: essai sur les rapports entre les femmes et
les hommes Mai Huna (Amazonie péruvienne). 1986. Tesis (Doctorado en
Ciencias Sociales) – École des Hautes Études en Sciences Sociales,
Paris, 1986.
BELLIER, I. De los Payaguas a los Mai Huna o los meandros de la historia.
In: PINEDA CAMACHO, R.; ALZATE-ANGEL, B. (ed.). Los meandros
de la historia en la Amazonía: memorias del simposio sobre Etnohistoria
Amazónica. Quito: Abya-Yala, 1990. p. 71-94.
Llorando la muerte del padre 153
Prólogo
Meus diálogos com Jean Langdon percorreram muitos temas
e momentos. De minha orientadora no mestrado, quando pesquisei
sobre as narrativas de bruxas e embruxamentos em uma comunidade
da Ilha de Santa Catarina, a colega de trabalho no Departamento de
Antropologia e, desde 2009, parceira na gestão do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia Brasil Plural (INCT-IBP). Penso que um dos
fios temáticos que percorrem nossa relação acadêmica é o da saúde,
em alguns momentos de modo mais explícito, em outros como tema
tangencial. Mas, se pensarmos na abordagem ampla de “saúde” na
antropologia de Jean, que não entende a saúde como um fenômeno
a parte de outras dimensões da vida social, como ritual, xamanismo,
cosmologia e práticas cotidianas, penso que é um tema que esteve – e
está – presente em meus trabalhos. Minha dissertação de mestrado, em
que pesquisei sobre a vida nas comunidades do interior da Ilha de Santa
Catarina, em especial aquelas do entorno da Lagoa da Conceição, teve
como foco as narrativas que contam sobre embruxamento de crianças
e pescadores, envolvendo sofrimentos, mal-estares e mesmo a morte de
crianças na comunidade. As mulheres aparecem como figuras de poder
em diferentes posicionalidades, como bruxas, mas também como mães
ou avós das crianças e como benzedeiras. Lembro que no início de minha
pesquisa Jean apontou para a necessidade de um olhar mais apurado
sobre as questões de saúde, sugeriu que eu frequentasse o posto de saúde
local, para observar e conversar sobre essas situações de adoecimento
e cura em torno do embruxamento e das práticas de benzedura. Mas
muito rapidamente percebemos que minha inserção em campo estava
apontando para outra questão – as próprias narrativas exaustivamente
Antropologia da práxis na abordagem da saúde 157
1
A disciplina “Papéis sexuais e a questão da mulher”, oferecida por Jean Langdon no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFSC), foi uma das
primeiras – senão a primeira – disciplinas sobre o tema na UFSC. Foi no trabalho
final dessa disciplina, sobre poder feminino e as bruxas da Ilha, que eu decidi mudar
meu tema de pesquisa. Eu havia ingressado no mestrado em 1985 com um projeto
sobre o Jornal Nacional, para fazer um tipo de antropologia da comunicação, mas o
curso sobre “Papéis sexuais...” e a pesquisa de campo que fiz para elaborar o trabalho
final da disciplina balançaram meu interesse inicial.
158 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
2
Diversos balanços da antropologia da saúde foram feitos no Brasil. Remeto ao mais
recente deles, referente à década de 2010 a 2019, com o qual dialogo mais diretamente
neste artigo.
Antropologia da práxis na abordagem da saúde 159
3
Na dissertação de mestrado, orientada pela Jean (MALUF, 1989), posteriormente
publicada como livro (MALUF, 1993).
4
Defendida em 1996 (MALUF, 1996) e publicada como livro em 1998 na França.
5
As especificidades da antropologia da saúde feita no Brasil e suas diferenças em
relação à antropologia médica do Atlântico Norte são discutidas e analisadas em
Langdon, Follér e Maluf (2012) e em Langdon (2016).
6
Esse artigo foi originalmente a conferência de Jean na abertura da “IX Reunião de
Antropologia do Mercosul”, em 2011.
160 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
7
Sobre a trajetória e a consolidação da antropologia da saúde no Brasil, ver os vários
balanços e as análises sobre o campo publicados em Minayo (1998), Canesqui (1994,
2003), Sarti (2010), Langdon, Follér e Maluf (2012), Maluf, Quinaglia Silva e Silva
(2020). É necessário, no entanto, ressaltar que, à diferença da antropologia médica
nos Estados Unidos, a antropologia da saúde no Brasil “não forma um subcampo
especializado” (LANGDON, 2016, p. 37), na medida em que permanece totalmente
articulada com o conjunto da antropologia brasileira e seus debates teóricos,
conceituais e metodológicos.
8
Tal como percebemos e analisamos em Maluf, Quinaglia Silva e Silva (2020).
Antropologia da práxis na abordagem da saúde 161
9
Discuto de modo mais detalhado a contribuição da antropologia (e das ciências
sociais) para a compreensão dos impactos sociais da pandemia de covid-19 e das
formas de enfrentamento em Maluf (2020a, 2020b, 2021). A coletânea da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), Cientistas
sociais e o coronavírus, que reúne os textos dos boletins publicados durante o ano
de 2020, traz uma verdadeira agenda de futuras pesquisas sobre o tema e mostra
o esforço das ciências sociais no Brasil em compreender as diferentes dimensões
sociais e políticas da pandemia (GROSSI; TONIOL, 2020).
162 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
10
Ou entre humanos e não humanos, expressão que considero larga demais para dar
conta de cada nicho específico dessa malha e de suas diferenças: espíritos, plantas,
animais, para citar alguns.
164 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
11
Que estão em diversos trabalhos da Jean, entre eles a coletânea Xamanismo no Brasil:
novas perspectivas (LANGDON, 1996).
166 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
12
Expressão utilizada por um dos participantes do colóquio “Uma antropologia da
práxis: homenagem a Jean Langdon”, em 2015.
Antropologia da práxis na abordagem da saúde 167
Referências
CANESQUI, A. M. Notas sobre a produção acadêmica de antropologia e
saúde na década de 80. In: ALVES, P. C.; MINAYO, M. C. (org.). Saúde e
doença: um olhar antropológico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994. p. 13-32.
CANESQUI, A. M. Os estudos de antropologia da saúde/doença no Brasil na
década de 1990. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1,
p. 109-124, 2003.
GROSSI, M.; TONIOL, R. Cientistas sociais e o coronavírus. São Paulo:
ANPOCS; Florianópolis: Tribo da Ilha, 2020.
LANGDON, E. J. (org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas.
Florianópolis: EdUFSC, 1996.
LANGDON, E. J. Uma avaliação crítica da atenção diferenciada e a
colaboração entre antropologia e profissionais de saúde. In: LANGDON, E. J.;
GARNELO, L. (org.). Saúde dos povos indígenas: reflexões sobre antropologia
participativa. Rio de Janeiro: Contracapa, 2004. v. 1, p. 33-51.
LANGDON, E. J. Os diálogos da antropologia com a saúde: contribuições
para as políticas públicas em saúde indígena. In: LANGDON, E. J.;
GRISOTTI, M. (org.). Políticas públicas: reflexões antropológicas.
Florianópolis: EdUFSC, 2016. p. 17-42.
LANGDON, E. J.; FOLLÉR, M.; MALUF, S. W. Um balanço da antropologia
da saúde no Brasil e seus diálogos com antropologias mundiais. Anuário
Antropológico, Brasília, v. 37, n. 1, p. 51-89, 2012.
Antropologia da práxis na abordagem da saúde 169
Daniel Scopel
Raquel Paiva Dias-Scopel
Introdução
Ao longo dos séculos, os Munduruku têm desenvolvido um
conjunto diversificado de saberes para manter a saúde e para lidar com
perigos decorrentes do uso do território e da interação entre os diversos
seres do cosmo. Esse tipo de conhecimento é referido pelos Munduruku
como “sabedoria dos antigos” e visa a evitar infortúnios, doenças e
morte. Trata-se de conhecimento evocado cotidianamente sobre como
lidar com espíritos, animais e plantas que são potencialmente perigosos.
O saber dos antigos não se restringe apenas à resposta ao sofrimento,
mas é evocado principalmente nas práticas preventivas e de promoção
do bem-estar e da qualidade de vida coletivos. Assim, por exemplo,
sempre que um Munduruku vai pescar ou caçar ele “pede licença” ao
espírito-mãe que protege o lugar de caça ou de pesca com o intuito
de evitar que a “mãe” que habita o lugar se zangue e aflija o caçador/
pescador ou qualquer outra pessoa da aldeia.
Neste capítulo, abordamos o papel das narrativas na produção
da sabedoria dos antigos. Apresentamos uma análise de narrativas
munduruku para enfatizar as dimensões práticas, sociais, ontológicas
e políticas de um projeto coletivo de reprodução biossocial e de
uso e manutenção do território. O texto dedica-se a refletir sobre
a noção de saúde como política (LANGDON, 2014). A abordagem
antropológica da saúde como política visa a contribuir criticamente
A saúde como política 171
O contexto de pesquisa
Atualmente, o povo Munduruku habita 16 terras indígenas em
três diferentes estados: Pará, Mato Grosso e Amazonas. Os Munduruku
se consideram um único povo originário da região do Alto Tapajós, cuja
língua pertence ao tronco Tupi. Em cada terra indígena vive uma parcela
da população com especificidades socioculturais particulares, em razão
dos diferentes processos históricos que possibilitaram a permanência
no território munduruku. Nosso trabalho de campo realizou-se, entre
2007 e 2017, em diversas viagens à Terra Indígena (TI) Kwatá-Laranjal,
no município de Borba (AM).
Os Munduruku que vivem na TI Kwatá-Laranjal somam uma
população de cerca de 3.600 pessoas distribuídas em 33 aldeias. Todos
falam português no cotidiano, e apenas alguns idosos são bilíngues.
Não há acesso por estradas à TI, que se situa a aproximadamente 150
km de Manaus e abrange 11.578 km2. Para o transporte de pessoas e
mercadorias, utilizam-se os rios Canumã e Mari-Mari (ver Figura 1).
A TI Kwatá-Laranjal, que se localiza na área de abrangência da
microrregião do baixo Madeira, é caracterizada pela topografia plana e
pela floresta preservada. A paisagem no território munduruku é muito
dinâmica em razão do ciclo das chuvas, com grande variação do nível
dos rios durante o ano. O ciclo anual alterna períodos de fartura de
alimentos (estação seca e vazante) e de considerável escassez de caça e
pesca (estação chuvosa e cheia).
172 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Figura1 1– –Mapa
Figura Mapadada Terra
Terra Indígena
Indígena Kwatá-Laranjal
Kwatá-Laranjal
1
“Ikẽrẽat” foi o termo utilizado pelo Summer Institute of Linguistics para a versão da
Bíblia traduzida para a língua Munduruku.
176 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
2
No original: “The last category of Yurupari includes the fresh-water porpoises that
inhabit the Amazonian rivers. The porpoises are believed to swim in the rivers only by
day; at night they are transformed into handsome men or beautiful women who dress
in white clothes and travel on land”.
A saúde como política 177
[1.] Meu marido foi pescar e me deixou, era uma baixa assim
como essa aí. Ele foi embora, assim, dia de domingo, aí nós
fomos tomar banho com a mulherada, assim, a baixa estava
assim, bonita, né. Estava cheia a água, ia lá bem. [2.] Aí nós fomos
tomar banho, a mulherada, tomaram banho. Aí eu lembro, nós
íamos a remo. Nós tava pulando n’água que a baixa ia lá perto do
canal. Oh, seu menino, quando nós vimos aquele bicho vinha
de onda, um mostro bicho, quando nós olhamos o bicho vinha.
Quando chegou, todo mundo correu, e eu fiquei ainda pra trás.
[3.] Quando correram, a mulherada foi ver. O bicho estava
procurando. Eu fiquei bem na beira e voltei embora. Quando eu
subi para a terra, aquele grande frio! Frio, frio, frio, frio, frio! Aí
eu disse: “Agora sim!”. Era frio, frio, frio, frio, frio, frio. [4.] Aí
eu disse pra minha comadre: “Comadre, eu tô com frio”. “Será
comadre?” “Será que não foi o bicho?” “Eu acho que foi.” [5.]
Porque desde aquela hora, seu menino, foi semana, seis meses.
Eu sei que minha cabeça ficou branco, branco, branco, branco,
branco, caiu tudinho, fiquei dessa grossurinha, os braços! Eu
não andava. Eu só fazia deitar na rede, e, quando vinham pra
me carregar, botavam na esteira, passava o dia inteiro como
esse compadre Cristão [nome de um idoso da aldeia que estava
acamado]. Foi um ano e seis meses. Eu fiquei com minhas
canelinhas, seu menino! Parecia uma piaçoca! Um ano e seis
meses! Pra mim andar, foi uma luta, mas eu consegui andar.
A minha sogra, que me tratou, fez tanto do remédio, remédio,
remédio, que eu levantei, mas também pra nunca mais eu tomo
banho assim, quando tô menstruada! Eu tenho muito medo
quando tô menstruada. [6.] Essas mulheres daqui, não é tudo
178 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
3
Segundo Scheffler (1978), narrativas em Munduruku apresentam sequências de
padronização típicas – com orientação, complicação e avaliação – que se repetem,
assim como sumarizações e antecipações de resultados. O foco é alterado várias vezes.
As narrativas apresentam introdução, em que se apresenta o principal participante
e referências de tempo e lugar. O corpo da narrativa contém comentários, detalhes
descritivos, parênteses e flashbacks. Ainda no corpo, o fechamento pode ser
antecipado através de uma série de declarações-resumo. Scheffler cita ainda a forma
característica dos diálogos, em que as partículas de resposta indicam a mudança
do falante sem a nominação deles. A maioria dessas características está presente na
narrativa que transcrevemos.
A saúde como política 181
4
A iniciação dos curadores-pajés é frequentemente uma consequência de processo
terapêutico. Os sintomas são semelhantes aos do assombro de bicho. A pessoa
fica doida. Porém, a causa não se reduz à quebra de prescrições, mas abarca o dom
de nascença. O dom se constitui da capacidade de se comunicar e de fazer parcerias
com os espíritos. O tratamento consiste em afastar os espíritos maus e firmar parce-
ria com espíritos que se tornam aliados dos curadores. Isso implica uma série de
prescrições que o iniciado deverá manter por toda a vida para a própria saúde,
principalmente ajudar as pessoas que o procuram sem cobrar por isso (SCOPEL, 2013).
182 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Narrativas e expectativas
O assombro de bicho do fundo condensa um conjunto de
memórias e expectativas que emergem em um contexto particular dos
Munduruku. O assombro diz respeito a uma condição de sofrimento
do sujeito e do grupo doméstico. Porém, além disso, num âmbito mais
coletivo, trata-se da observação de práticas que visam à reprodução
biossocial da coletividade. As narrativas evocam memórias e expecta-
tivas relacionadas a esse processo.
Scheffler (1978) argumenta que as estruturas das narrativas
na língua Munduruku apresentam um contraste entre dois tipos de
5
A conclusão da narrativa ficou clara pela mudança de entonação da narradora e
do foco da conversa. A plateia expressou frases curtas, ratificando a narrativa de
Iracema, e Guaraciaba tomou a palavra, iniciando outra narrativa.
A saúde como política 183
6
No original: “sentido en el acto de narrar, en los câmbios que desencadenan y en las
subjetividades y agenciamentos que emergen”.
7
No original: “One is through narrative structure that establishes a set of certain
questions and expectations as to the consequentiality of events: how they evolve, the
nature of motives behind misfortunes, and strategies for resolution. The second is
through provision of codes or signs that aid in the interpretation of hidden events. In
this sense, the illness narratives are not predictive, but indicate what is relevant for
interpreting illness and organizing a plan of action”.
184 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
8
Registramos muitas narrativas com padrão semelhante.
9
Também há narrativas de casos em que a pessoa não cumpriu as recomendações e
por isso foi levada para o fundo.
A saúde como política 185
10
No original: “In its larger meaning, it implies a preoccupation with the well-being of
society and its individuals, with social harmony and with the growth and reproduction
of the world as a whole. It embraces the supernatural as well as the social and ecological.
It is a central cultural institution, which through various cultural forms such as ritual,
narrative performance and art, unify the mythic past with world view and projects
them on the activities of the daily life”.
186 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
11
Missão Nova de Monte Carmel do Rio Canumã (MURPHY, 1958).
12
Um conjunto de narrativas míticas munduruku foi registrado por Murphy (1958).
Uma coleção muito ampla, em três volumes, bilíngue, foi publicada pelo Summer
Institute of Linguistics (BURUM, 1978). Diversas narrativas míticas munduruku
compõem o material analisado por Lévi-Strauss (2004). Um trabalho muito
interessante de compilação e análise pode ser encontrado em Loures (2017).
188 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
13
Trechos do TCC de Paulo foram publicados como anexo na dissertação de mestrado
de Cabral (2005).
A saúde como política 189
[...] branco é muito teimoso, acha que sabe o que está fazendo.
Tudo começou quando vieram algumas pessoas lá do Paraná da
Eva. Vieram para um lugar chamado Careca, no rio Abacaxis,
onde eles se alagaram. Meu pai e os pajés sempre falaram
que aquele lugar era muito respeitado, era um lugar sagrado.
Ninguém podia ofender, mas no final da tarde eles pegavam suas
armas e começavam a atirar em direção ao barranco. Por isso
que eu digo, tudo tem sua mãe e nenhuma mãe gosta que mexam
com seus filhos. E aquele pessoal ofendeu a mãe daquele lugar. Aí
a febre apareceu e começou a atacar as pessoas, matando quase
190 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
14
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4RzMJ9z-4SU. Acesso em: 17
ago. 2022.
A saúde como política 193
Para nós isso é uma perda que não dá para medir. Eles são nossa
biblioteca viva, uma biblioteca que está com a gente no dia a
dia. Eles carregam a história do nosso povo, contam as nossas
histórias. Não é uma biblioteca que você vai lá, tira o livro, lê
e devolve. Não. São bibliotecas vivas, que falam, que contam as
histórias para nós. Não são um museu porque não estão mortos,
eles ainda existem, nós existimos ainda, estamos aqui presentes.
(MUNDURUKU; CHAVES, 2020, p. 184).
Considerações finais
A sabedoria dos antigos abrange um conjunto de saberes de
autoatenção relacionados à cosmografia munduruku. Esse conjunto
de saberes expressa o modo de ser, de viver e de buscar o bem-estar
individual e coletivo ancorado na memória compartilhada, no senti-
mento de pertencimento étnico através do uso e da manutenção do
território ao longo da história.
A forma de ocupação e de uso do território e a qualidade da
relação com os demais seres do cosmo, para os Munduruku, implicam
conhecimento sobre os lugares que habitam ou onde realizam
atividades. O infortúnio, a doença e a morte são reconhecidos como
resultado de comportamentos inadequados, conflitos ou encontros
com seres maléficos. Experiências e memórias sobre comportamentos,
conflitos e encontros foram sistematizadas pelos Munduruku como
saberes relativos aos processos de saúde/doença/atenção como parte da
cosmografia. Para os Munduruku, há uma relação indissociável entre
corpo, ambiente e território ratificada pela sabedoria dos antigos.
Esta ganha relevo na atualidade por meio do confronto entre a
cosmografia munduruku e a cosmografia desenvolvimentista impul-
sionada pelo Estado nacional. Como saber sistematizado através das
194 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Referências
BRASIL. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2. ed.
Brasília: Funasa, 2002.
BURUM, M. et al. Aypapayũ’ũm’ũm ekawẽn: histórias dos antigos
Mundurukú. Brasília: Summer Institute of Linguistics, 1978. v. 1, 2 e 3.
15
No original: “es equilibrio, armonía y bienestar y en su búsqueda es necesario poner
en práctica, en la cotidianidad, la ética comunitaria (normatividade cultural) que
guía la conducta individual, social y de relación con el entorno como sistema global
de pensamiento, producto del ejercicio de aprehensión y significación que se hace del
cosmos para entenderlo, explicarlo y proyectarlo en las formas de relación intercultural”.
A saúde como política 195
Nádia Heusi
Referência
LANGDON, E. J. La negociación de lo oculto: chamanismo, medicina y familia
entre los Siona del bajo Putumayo. Popayán: Editorial Universidad del
Cauca, 2014.
Cultura e atenção diferenciada:
dos documentos oficiais à atuação
de profissionais de saúde na Terra
Indígena Xapecó
Introdução
Neste texto analiso o princípio de atenção diferenciada, presente
na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI)
(BRASIL, 2002). Procuro problematizar a noção essencializada de
cultura que transparece em alguns documentos oficiais subsidiários à
política e subjaz às práxis de profissionais de saúde que atuam junto
aos Kaingang da Terra Indígena Xapecó (TIX). Trata-se, portanto, de
uma tentativa de chamar a atenção para algumas limitações da política
diante da complexidade dos contextos interculturais, num diálogo com
trabalhos da professora Esther Jean Langdon e de alguns de seus colegas
que têm abordado essa temática.
Em 2002, foi publicada a PNASPI, que delineou diretrizes quanto
à forma de lidar com as especificidades dos contextos socioculturais,
buscando consoar o discurso em favor da cidadania indígena e do
multiculturalismo, teoricamente tomados como marcos ideológicos
da Constituição de 1988 (BANIWA, 2012; DUPRAT, 2012), com
as ações em saúde promovidas pelo Estado. Ou seja, como política,
elaborou um discurso baseado na promoção do princípio de atenção
diferenciada para práticas médicas e sanitárias de intervenção junto
a essas populações. Além da organização dos serviços, esse princípio
especifica a necessidade de respeito às práticas culturais e aos saberes
tradicionais das comunidades, inserindo-os, sempre que possível, nas
rotinas do trabalho em saúde. Ele indica, portanto, que a atenção básica
oferecida pelas unidades de saúde deve estar articulada com as práticas
terapêuticas indígenas.
Cultura e atenção diferenciada 205
Os Kaingang da TIX
Antes de entrar no assunto central do artigo, é necessário apre-
sentar brevemente os Kaingang da TIX. Essa etnia indígena faz parte
do tronco linguístico Macro-Jê e juntamente com os Xokleng compõe
o grupo dos Jê-Meridionais. Representam hoje a terceira maior po-
pulação indígena do Brasil, com mais de 37 mil indivíduos (IBGE,
2012). Estão localizados desde o estado de São Paulo até o Rio Grande
do Sul e distribuídos em 32 áreas indígenas, sete destas no oeste de Santa
Catarina. As diversas pressões exercidas desde o século XIX em nome
das diferentes frentes econômicas de exploração, ocupação e colonização
da região resultaram na redução da Terra Indígena Xapecó, de 50 mil
hectares – decretados no início do século XX (D’ANGELIS; FÓKÂE,
1994) – para 16.283 hectares (ISA, [2022]). Sua atual configuração inter-
na está estabelecida em 13 aldeias com uma população total de cerca de
6 mil habitantes (FUNAI apud ISA, [2022]). A aldeia Sede, a mais
populosa, possui cerca de 1,5 mil pessoas e representa o centro da TIX.
É nela que se concentram algumas instituições burocráticas – como o
posto da Fundação Nacional do Índio (Funai), uma escola de ensino
básico completo, o ginásio de esportes em formato de tatu, a casa da
cultura, uma escola de ensino infantil, um campo de futebol e um posto
de saúde relativamente bem equipado. Outras instituições que chamam
a atenção na aldeia Sede são as igrejas, das quais pelo menos dez são
evangélicas e apenas uma é católica – quase todas localizadas na rua
principal, a poucos metros umas das outras.
A TIX está situada nos pequenos municípios de Ipuaçu e Entre
Rios, em Santa Catarina, distante mais ou menos 30 km da cidade de
Xanxerê, 70 km da cidade de Chapecó e cerca de 540 km da capital
Cultura e atenção diferenciada 207
Por parte dos indígenas também existem diversas queixas quanto aos
brancos – estes dizem, por exemplo, que quando estão na TIX “não
comem a comida, não entram nas casas, nem bebem a água”. Para
os índios, a sovinice dos brancos é uma regra, pois, “nunca querem
compartilhar nada e cobram por tudo que fazem”.
Essa breve descrição ilustra parte do processo de exclusão
incorporado pelos Kaingang ao longo da história de contato, aspectos
que, em termos gerais, corroboram a consideração de que os indígenas
sejam uma população epidemiologicamente vulnerável. Em termos
constitucionais e ideais, o Estado deveria atuar no desenvolvimento
de ações para responder a esses problemas sociais por meio do setor
público. É preciso, dessa forma, avançar nas garantias da participação
social dos cidadãos indígenas nas esferas de decisão e do seu direito
à atenção diferenciada, tendo-os como reais protagonistas no campo
político da saúde. Trata-se de problemas amplamente reconhecidos na
temática da saúde indígena e que certamente agravam-se com o atual
cenário de retrocesso no campo geral das políticas públicas de saúde no
Brasil (CASTRO et al., 2019).
1
Durante o ano de 2009, realizei pesquisa de campo na TIX em parceria com
minha colega Sandra Carolina Portela Garcia, também orientanda de Esther Jean
Langdon, que elaborou dissertação sobre a temática da atenção diferenciada na
localidade (PORTELA GARCIA, 2010). Saliento que boa parte da sua experiência
de pesquisa de campo foi compartilhada comigo e que as referências ao seu trabalho
são um reconhecimento da sua sistematização de dados etnográficos efetuada de
forma brilhante.
Cultura e atenção diferenciada 213
2
A Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena atua nos postos de saúde da TIX. Na
aldeia Sede, a equipe é composta por um dentista, um médico, duas enfermeiras,
uma nutricionista, um auxiliar de dentista, dois técnicos em enfermagem, dois
auxiliares de enfermagem e dois Agentes Indígenas de Saúde (AIS). Algumas aldeias
menores possuem postos de saúde menores, que contam com a atuação permanente
apenas de técnicos de enfermagem e AIS. Essas esporadicamente recebem visitas das
enfermeiras ou da nutricionista quando do desenvolvimento de alguma atividade
mais específica, como vacinação, acompanhamento pré-natal, atividade educativa
em saúde etc.
214 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Integração e articulação
Como dito anteriormente, o conceito de atenção diferenciada
não trata apenas da organização diferenciada dos serviços médicos, mas
também do oferecimento de serviços oficiais que estabeleçam relações
com as práticas de atenção à saúde utilizadas pelas comunidades.
Contudo, as diretrizes que orientam e qualificam tais relações são
tratadas de forma ambígua. A PNASPI fala em “articulação dos
sistemas tradicionais de saúde” (BRASIL, 2002, p. 13). Já a Portaria
no 70, que aprova as diretrizes da gestão da Política Nacional de Atenção
à Saúde Indígena, fala em “integrar as ações da medicina tradicional”
(BRASIL, 2004, p. 2). Esse jogo de palavras pode parecer sutil, mas tem
implicações sérias no modo como os serviços oficiais encaram as formas
de atenção à saúde das populações indígenas. Integrar e articular requer
estratégias políticas e culturais diferentes (LANGDON; DIEHL, 2007;
LANGDON, 2013). Alguns casos nos servem de base para a discussão
sobre propostas e estratégias de aproximação das medicinas tradicionais
aos programas de saúde, um processo reconhecidamente marcado por
conflitos ideológicos (FERREIRA, 2013).
Posso afirmar com segurança que a grande maioria das práticas
terapêuticas estabelecidas pela EMSI na TIX não é voltada a estabelecer
218 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
3
Segundo Diehl (2001, p. 90), a Pastoral da Saúde, organismo de ação social também
ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), iniciou suas atividades
na TIX por volta de 1993, em reuniões nas comunidades indígenas, mostrando a
importância da cultura, das ervas, da alimentação, com uma proposta de “voltar aos
antigos e valorizar o que tem” no aproveitamento dos recursos locais. A pastoral
incentivava o feitio de hortas comunitárias, a proteção de fontes de água e, em
parceria com a EMSI, o acompanhamento de gestantes no pré-natal, nas atividades
de pesagem de crianças e de vacinação nas aldeias. Essa entidade também era
conhecida por promover a produção e a comercialização de remédios fitoterápicos e
da multimistura – um composto nutricional utilizado no combate à desnutrição em
populações carentes.
Cultura e atenção diferenciada 219
4
Menéndez (2009, p. 48) define autoatenção como “as representações e práticas que
a população utiliza tanto individual quanto socialmente para diagnosticar, explicar,
atender, controlar, aliviar, suportar, curar, solucionar ou prevenir os processos que
afetam sua saúde em termos reais ou imaginários, sem a intervenção central, direta
e intencional de curadores profissionais, embora eles possam ser os referenciais
dessa atividade” (p. 48). É a partir do que acontece na autoatenção, na evolução do
padecimento, que o sujeito e seu microgrupo decidem consultar ou não curadores
profissionais. Os próprios membros do grupo doméstico agem autonomamente
em torno do problema, diagnosticando e avaliando a doença, gerenciando seus
desdobramentos, seus recursos econômicos e culturais, sua infraestrutura de serviços
etc. A autoatenção é um processo estrutural porque implica a ação mais racional, em
termos culturais, de estratégia de sobrevivência e inclusive de custo-benefício – não
só econômico, mas de tempo – por parte do grupo. É nesse nível que as atividades
de sujeitos e grupos domésticos geram a maioria das articulações entre as diversas
formas e os saberes de atenção à saúde, superando supostas incompatibilidades em
função da busca de uma solução pragmática. A autoatenção é sempre parte de um
processo amplo que inclui não só os atos dos sujeitos e microgrupos, mas também
leva em conta os referenciais terapêuticos, os diferentes curadores e recursos que
intervêm no processo de saúde/doença/atenção como atores relevantes. Autoatenção
pode ser compreendida como uma esfera de empoderamento através da qual
sujeitos e grupos domésticos destacam sua capacidade de ação, de criatividade para
encontrar soluções. É um mecanismo de potência para a afirmação de micropoderes
e a validade de saberes.
222 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
5
O conceito de intermedicalidade (GREENE, 1998) permite entender a TIX como
um contexto de pluralismo médico fruto de negociações entre agentes no desenrolar
de projetos imersos em regimes de poder. Dessa perspectiva, os sistemas médicos
locais são híbridos, de caráter dinâmico e forma emergente, e agem sintetizando e
incorporando elementos, práticas e cosmologias diversas. Follér (2004) denomina
como “zonas de contato” os espaços onde se constituem processos de diálogo
entre os vários modos de conhecimento sobre saúde e enfermidade presentes em
determinado contexto sociocultural. Dessa forma, a intermedicalidade pode ser
tomada como uma zona fronteiriça dada na coexistência de diferentes tradições
médicas, entre as quais ocorrem confrontos, oposições, conflitos, reapropriações,
ressignificações e fusões de elementos e técnicas a partir da agência.
Cultura e atenção diferenciada 223
Multiculturalismo e interculturalidade
Para Semprini, as resistências a uma sociedade mais diversificada
e mais pluralista revelam que o multiculturalismo é fruto da crise do
próprio projeto de Estado democrático laico moderno, “construído a
partir de um universalismo que era com frequência apenas um disfarce
de uma monocultura sob os traços de um simulacro de humanidade
incrivelmente branca e europeia” (SEMPRINI, 1999, p. 160). Para esse
autor, o cerne da modernidade descansa sobre fundamentos filosóficos
que remetem a uma realidade objetiva, externa ao indivíduo, que pode
ser conhecida pelo raciocínio – concepções que norteiam o Iluminismo
e as ciências experimentais. Contudo, a epistemologia multicultural
vem para afirmar o contrário, que a realidade é convencional, que
o indivíduo participa de sua construção e que o conhecimento nada
tem de objetivo ou definitivo: ele depende do poder e da história. Isto
é, em lugar de uma compreensão realista, o argumento multicultural
aproxima-se muito mais de uma concepção relativista do universo
social porque a experiência da diferença mostra que existem caminhos
distintos para chegar à verdade e que esta está sempre dentro de uma
trama conceitual, social e histórica.
Entretanto – como diferença e identidade, igualdade e justiça,
relativismo e universalismo, racionalismo e subjetividade –, cidadania,
ética, direito são categorias filosóficas do projeto moderno. Essas
concepções, como demonstrou Latour (1994), se apoiam em práticas de
purificação para o engendramento de divisões em zonas radicalmente
diferentes entre gêneros. Assim, será que as categorias modernas estão
em condições de compreender as mudanças em curso nas sociedades
contemporâneas e de dar uma resposta às perguntas da sociedade que
mudaram de natureza e de forma de expressão?
Portela Guarín (2008, 2015), avaliando a situação da saúde indí-
gena colombiana, convida à superação da noção de multiculturalismo.
Sua justificativa está no fato de o multiculturalismo fomentar as diferen-
ças e o afastamento entre as populações e incluí-las na agenda gerencial
Cultura e atenção diferenciada 225
Considerações finais
Diversas ambiguidades e impossibilidades marcam a efetivação
da atenção diferenciada para a saúde dos povos indígenas. Desde
as categorias sobre as quais se assenta e da relação com o Estado
neoliberal democrático até as atitudes dos profissionais de saúde no
contexto específico da TIX, remete-se à construção de uma imagem
hiper-real do indígena, associada a uma essencialização da noção de
cultura, para o controle das populações exóticas. A ideia de diferença,
portanto, é assumida de forma a afastar as diferentes culturas e evitar a
simetrização das relações de poder entre elas. Em resumo, a integração,
ou instrumentalização, de práticas equivalentes da biomedicina
não leva em conta a heterogeneidade dos contextos locais e suas
especificidades culturais. A perspectiva integracionista, central no
discurso dos profissionais de saúde, alude à colonização das práticas
pelo saber biomédico, mesmo a partir de categorias e propostas críticas
sob os auspícios do abuso da racionalidade (BOCCARA, 2015). Isso
está claro e presente no modo como gestores das políticas de saúde
elegem as medicinas tradicionais e indígenas como o “outro” do diálogo
intercultural (FERREIRA, 2015). O contato entre as culturas é tomado
como dado entre duas entidades claramente delimitadas. Os efeitos disso
são as imagens estereotipadas sobre os povos indígenas, em que “cultura
e medicina tradicional [são] conceituadas no molde museológico,
procurando traços culturais, homogeneidade e integridade que não
existem” (LANGDON; DIEHL, 2007, p. 9).
Essa visão está associada às limitações do próprio Estado mo-
derno, que não parece apto a integrar uma diferença autêntica que não
seja comandada de cima, nem pasteurizada para se tornar digerível.
Ao lidar com a questão da diferença, o multiculturalismo tornaria
emergente uma profunda crise vivenciada pelos Estados modernos,
pois, nas sociedades contemporâneas, está posta a emergência da questão
do reconhecimento do outro e, consequentemente, das reivindicações
acerca da alteração do espaço social e das condições históricas e
socioeconômicas calcadas no individualismo em favor de um espaço
público subsidiado por um fundo cultural. Nas últimas décadas, a
diferenciação étnica ampliou-se consideravelmente, uma vez que as
Cultura e atenção diferenciada 227
Referências
BANIWA, G. L. “Projeto é como branco trabalha; as lideranças que se virem
para aprender e nos ensinar”: experiências dos povos indígenas do Alto Rio
Negro. 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)
– Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de
Brasília. 2006.
BANIWA, G. L. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela
no Brasil contemporâneo. In: RAMOS, A. R. (org.). Constituições nacionais e
povos indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 206-227.
BLOEMER, N. M. S.; NACKE, A. A precarização de políticas públicas e suas
repercussões na auto-sustentação dos Kaingang do oeste catarinense. Ilha:
Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 82-102, 2009.
BOCCARA, G. La interculturalidad en Chile: entre culturalismo y
despolitización. In: LANGDON, E. J.; CARDOSO, M. (org.). Saúde indígena:
políticas comparadas na América Latina. Florianópolis: EdUFSC, 2015.
p. 192-213.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2. ed.
Brasília: Funasa/Ministério da Saúde, 2002.
Cultura e atenção diferenciada 229
1
No que se refere ao uso de bebidas alcoólicas, Langdon propôs a revisão da categoria
de alcoolismo e o deslocamento de uma abordagem centrada no indivíduo/na causa
única/no fenômeno universal para uma abordagem focada na dimensão cultural/
coletiva/multifatorial dos fenômenos de alcoolização nas sociedades indígenas
(LANGDON, 1999). Além disso, sugeria que adotássemos o conceito de processos
de alcoolização, desenvolvido por Eduardo Menéndez, como uma forma de fazer
frente a uma tendência moralista que marcava os então vigentes debates sobre o
“alcoolismo” entre os povos indígenas, bem como chamava a atenção para os riscos
de intervenções sobre o fenômeno que pudessem medicalizar importantes aspectos
da socialidade e da vida cotidiana dessas sociedades.
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 235
2
A PNASPI foi aprovada pela Portaria no 254, de 31 de janeiro de 2002, tendo o intuito
de compatibilizar a Lei Orgânica da Saúde (Lei no 8.080/1990) com a Constituição
Federal de 1988, de modo a garantir aos povos indígenas o acesso integral e
diferenciado à saúde, em consonância com os princípios e as diretrizes do SUS.
236 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
3
A área de MTI integrou o Subcomponente II – Ações Inovadoras em Saúde Indígena,
do Projeto VIGISUS II/Funasa. O Projeto VIGISUS II (Projeto de Modernização do
Sistema Nacional de Vigilância em Saúde) foi viabilizado por meio do Acordo de
Empréstimo no 7227 BR/1999, firmado entre o governo brasileiro e o Banco Mundial.
A área de MTI foi encerrada em 1999, junto com a fase II do Projeto VIGISUS.
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 237
Por fim, Jean Langdon também alerta para os riscos das ações
do Estado de medicalizar dimensões sociais constitutivas das medicinas
indígenas, principalmente quando se volta para intervir sobre a
dimensão ampla das práticas de autoatenção.
4
No original: “La legislación brasileña y los documentos normativos exigen la
articulación entre las prácticas oficiales de salud y las diversas terapias indígenas.
Este compromiso de articulación entre las prácticas indígenas y las oficiales se
reafirmó en 2004 [...] en el Proyecto VIGISUS II sobre Medicina Tradicional (2004-
2008), que buscaba validar los conocimientos tradicionales y desarrollar estrategias
de articulación entre los sistemas de salud oficiales e indígenas. Apesar de su carácter
dialógico y participativo, estos proyectos tuvieron poco impacto en las acciones del
subsistema mayor. Además, los esfuerzos para crear una legislación reguladora
de las prácticas terapéuticas alternativas y la medicina tradicional, contradicen
la validación del conocimiento tradicional como legítimo. En el caso del SASI, la
legislación no es clara en cuanto a lo que constituye “articulación” y sobre cómo se
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 241
podrían llevar a cabo en las acciones cotidianas de atención primaria. [...] existe poca
congruencia entre el derecho abstracto garantizado en la legislación y las prácticas
terapéuticas de los equipos multiprofesionales que prestan atención primaria en los
poblados indígenas”.
5
No original: “desarrollado de forma estandarizada y mecánica en las reservas
indígenas”.
6
O PASSI foi elaborado em 2017 como primeiro produto do Contrato de Prestação
de Serviços no CON17-00022697, firmado entre a antropóloga Luciane Ouriques
Ferreira e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
242 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
7
Em março de 2018, o PASSI foi apresentado para a avaliação do Fórum dos
Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCONDISI), em sua
reunião ordinária, ocorrida em Brasília. Desde então, o programa foi divulgado
em diferentes eventos e debatido por indígenas, gestores e profissionais de saúde.
Inúmeras foram as reuniões técnicas realizadas no âmbito do DASI/SESAI para
tratar sobre as estratégias de implementação do programa. Em 2019, as orientações
para a sua implantação foram repassadas aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas
(DSEIs) por meio da Nota Técnica (NT) no 16, elaborada pela Divisão de Programas
e Projetos (DIPROSI) do DASI/SESAI. A NT no 16 foi encaminhada aos DSEIs
via Processo no 25000.201924/2018-90, do Sistema Eletrônico de Informações
(SEI). Entre outras coisas, a NT informa aos DSEIs que o incentivo financeiro aos
projetos de valorização das práticas tradicionais e de articulação de saberes em saúde
indígena está previsto no termo de referência do plano de trabalho da prestação de
serviço das conveniadas no âmbito dos DSEIs. A NT determina que a elaboração
de projetos de valorização das práticas tradicionais e de articulação de saberes em
saúde indígena deve ocorrer de forma participativa junto a representantes, lideranças
e comunidades indígenas. No entanto, com a mudança de gestão do Ministério da
Saúde nesse mesmo ano – quando assumiu o novo presidente da República – e com o
advento da pandemia de covid-19, que atingiu os povos indígenas, a implementação
do PASSI deixou de ser prioritária para a SESAI.
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 243
8
A aldeia Shane Kaya está localizada na TI Katukina/Kaxinawa, situada na região
centro-norte do Acre, à margem esquerda do rio Envira, município de Feijó. A TI
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 245
10
Os Munduruku pertencem à família linguística Munduruku, do tronco Tupi. Sua
população perfazia um total de, aproximadamente, 13.755 pessoas (SIASI, 2014 apud
ISA, [2022b]) distribuídas nos estados do Pará, do Amazonas e de Mato Grosso.
A maioria das comunidades situadas nessa TI é bilíngue, e em algumas delas as
mulheres, as crianças e os anciãos falam unicamente a língua indígena.
11
A equipe foi composta de um enfermeiro, anteriormente integrante da EMSI que
atende os Munduruku em área, a apoiadora em saúde indígena e a técnica responsável
pelas ações de educação permanente do DSEI.
12
Os profissionais das EMSIs cumprem uma escala de 20 dias em área para 10 dias
na cidade onde residem com suas famílias. Nesse período, também trabalham na
organização das informações sobre os atendimentos e os procedimentos realizados
em serviço, de modo a alimentar o Sistema de Informação da Atenção à Saúde
Indígena (SIASI).
248 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Munduruku nas instalações do polo base, ela nos disse que estava grávi-
da há três meses. Indagada sobre se os indígenas sabiam de sua gestação,
ela nos disse que sim, mas que inicialmente havia ficado apreensiva
quanto à reação que eles poderiam ter, já que entre os Munduruku as
mulheres grávidas e menstruadas não devem ficar próximas de pessoas
que foram picadas por escorpião, cobra ou arraia.
Decidiu então conversar com os AIS de sua equipe sobre a
situação. Surpresa ficou quando eles não apenas a acolheram, mas
também se propuseram a fazer o atendimento das pessoas, caso alguém
da comunidade sofresse algum acidente com esses animais peçonhentos
no período de sua escala. A enfermeira então os acompanharia a
distância, repassando as orientações para a realização dos procedimen-
tos necessários.
Outra situação que nos fala sobre a articulação de saberes em
curso nos contextos da atenção foi a que ocorreu quando estávamos
nos deslocando de barco para a aldeia de Santa Maria, onde dormimos
por duas noites. O barqueiro que nos conduziu é um AIS que reside
em uma aldeia localizada a meio caminho entre o polo base Missão e
a aldeia para onde nos dirigíamos. Esse AIS informou ao enfermeiro
do DSEI que nos acompanhava que uma grávida em sua aldeia havia
entrado em trabalho de parto e que estava com dificuldades para dar
à luz. O enfermeiro perguntou a ele, então, qual era a avaliação da
parteira que estava acompanhando a gestante. O AIS informou que a par-
teira havia solicitado que o caso fosse encaminhado para a equipe.
Decidimos parar na aldeia da mulher em trabalho de parto
para que o enfermeiro pudesse examiná-la. O profissional identificou,
a partir de uma avaliação clínica da gestante, que nesse momento se
encontrava na rede, rodeada pelos seus familiares e parentes, que a
criança não estava posicionada para nascer e que havia pouca margem
para a parteira realizar as manipulações tradicionais que colocam o
bebê na posição cefálica. Depois de acordar o procedimento com as
pessoas ali presentes, passou uma mensagem via rádio para o polo base
Missão solicitando a remoção da gestante e o encaminhamento para o
hospital, já que se tratava de um parto de risco. O polo providenciou
outro barco para buscá-la na aldeia e a aeronave para levá-la até
o município de Itaituba, onde está situada a rede de referência hospita-
lar para atendimento dos indígenas. Após essa situação, seguimos
viagem para a aldeia de Santa Maria.
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 249
13
Diferentemente das instalações da aldeia-sede, que abrigam os profissionais de saúde
com algum nível de conforto, as instalações desse polo base são bastante precárias.
Aliás, a aldeia de Santa Maria é a mais distante da aldeia-sede da terra indígena.
250 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
14
O intercâmbio entre as EMSIs dos povos de recente contato – Zo’é e Awa Guajá – foi
promovido pela SESAI/MS com o objetivo de proporcionar à equipe dos Awa Guajá
conhecer a estratégia de atenção diferenciada prestada aos Zo’é, particularmente no
que diz respeito à assistência ao pré-natal e ao parto realizado em aldeia.
15
A Terra Indígena (TI) Zo’é, localizada no estado do Pará, compreende um território
de 669 mil hectares onde habita uma população de 305 pessoas, conforme dados
fornecidos pela Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena. Apesar da aproximação
aos grupos Zo’é ter sido iniciada nos anos 1970, apenas em 1987 os Zo’é foram
efetivamente contatados pelos missionários da Missão Novas Tribos no Brasil,
depois de estes terem se instalado na Base Esperança por eles construída para
atrair os ameríndios. Em 1989, a Fundação Nacional do Índio (Funai) constatou
que a situação de saúde dos Zo’é era precária, sendo que esse povo sofreu grandes
baixas populacionais em virtude de doenças tais como a gripe. Em 1991, a Funai
assumiu o controle da base/área, passando a desenvolver uma política especial de
proteção aos Zo’é.
16
A equipe de saúde que atende aos Zo’é compõe-se de duas técnicas de enfermagem,
duas enfermeiras, uma dentista e um médico. Essa equipe se divide em duas para
fazer a assistência em área e se organiza em um esquema de rodízio: os profissionais
que entram em área – geralmente uma enfermeira e uma técnica – permanecem
por 16 dias; findo esse período, são substituídos pelo outro grupo. A odontóloga
acompanha uma dessas equipes, e o médico entra periodicamente sempre que há
necessidade de sua presença. Após sair da área, a equipe de enfermagem ainda
trabalha durante quatro dias no polo, consolidando as informações em saúde
produzidas durante o período que atuaram junto aos Zo’é.
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 251
17
Os Zo’é são polígamos: os homens possuem duas ou três esposas; e as mulheres, dois
ou três maridos.
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 253
Considerações finais
As reflexões e as abordagens teóricas adotadas e desenvolvidas
por Jean Langdon no decorrer das últimas décadas lançam luz sobre
aspectos fundamentais do processo saúde-doença-atenção vivenciado
pelas sociedades indígenas no Brasil que precisam ser considerados pelas
políticas públicas de saúde indígena. No que se refere ao desenvolvimento
das duas políticas públicas de medicina tradicional indígena elaboradas
até o momento, as diversas contribuições de Langdon se devem tanto
à análise crítica e reflexiva que ela realiza sobre a atuação do Estado
como pelo arcabouço teórico-conceitual que mobiliza no esforço de
direcionar o olhar para determinados aspectos das dinâmicas no campo
da saúde indígena.
A advertência de Langdon quanto aos riscos de uma política de
medicina tradicional indígena instrumentalizar os sistemas sociomé-
dicos indígenas, subordinando-os à racionalidade biomédica hege-
mônica – ou mesmo à operação com uma visão estereotipada sobre os
saberes, as práticas e os especialistas indígenas –, constitui uma premissa
ética a ser observada pelos formuladores e pelos executores das políticas
de saúde indígena.
Jean Langdon emprega o conceito de autoatenção e orienta o olhar
dos agentes das políticas públicas para o que os sujeitos indígenas fazem
na prática a fim de promover, proteger e recuperar a sua saúde, bem como
para o exercício de sua agência criativa quando combinam recursos
provenientes dos distintos modelos de atenção que estão disponíveis em
uma zona de contato intermédica. Assim, ela desloca o foco da arena
especializada para a arena familiar dos sistemas sociomédicos indígenas.
A articulação com as medicinas indígenas, dispositivo epistemológico
fundamental para a efetivação do direito dos povos originários de terem
acesso a uma atenção diferenciada à sua saúde, agora não se dá apenas a
partir de um diálogo com os especialistas, mas sim envolve os sujeitos e
suas famílias, que decidem sobre quais recursos utilizar para cuidar de
sua saúde.
Por outro lado, a crítica de Langdon aponta para a falta de definição
clara sobre a noção de atenção diferenciada no âmbito da PNASPI e
denuncia o fato de a atenção diferenciada não ser operacionalizada
nos contextos da assistência à saúde. Contudo, tende a desconhecer e
a contribuir para manter na invisibilidade uma série de experiências
interessantes que estão ocorrendo nos recônditos a que a saúde indígena
atende neste Brasil.
254 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
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GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
Contribuições de Jean Langdon às políticas públicas de medicina tradicional indígena 257
Renato Athias
Preâmbulo
Este texto discute, em grandes linhas e transversalmente, a
etnografia como prática de observação antropológica de dois povos
indígenas, com os quais tenho produzido academicamente como
pesquisador, nesses últimos anos, no campo que poderemos chamar
de antropologia da saúde indígena: entre os Pankararu do sertão de
Pernambuco e entre os Hupd’äh do noroeste amazônico. Vou tratar
aqui de questões que passaram a ser discutidas juntamente com a colega
e amiga Jean Langdon em diversas situações entre esses dois grupos
indígenas. Posso dizer que foi um importante diálogo profissional, com
uma perspectiva etnográfica, sobre as práticas de cura entre esses povos.
Jean Langdon e eu tivemos a oportunidade de discutir alguns elementos
da etnografia desses dois povos, buscando analisar os aspectos de suas
práticas de cuidado com o corpo.
A minha temática de interesse antropológico durante este período
– em que estou diretamente trabalhando no sertão de Pernambuco,
bem como no noroeste amazônico – são as práticas xamânicas dos
Pankararu e dos Hupd’äh quanto ao que costumamos chamar de saúde
reprodutiva, com atividades de pesquisa e projetos de intervenção
diretamente vinculados com esses povos. O mais interessante é que eu
tive oportunidade de visitar essas duas áreas indígenas com a Jean e
passar com ela momentos importantes em que juntamente analisamos
essas etnografias locais.
260 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Os contextos etnográficos
Quanto às duas situações etnográficas em que pessoalmente
eu me situo, o contexto social e político no sertão de Pernambuco
não permitia a “presença indígena”. Esta deveria ser assimilada pelas
populações sertanejas, deixando as suas especificidades étnicas. O caso
dos Pankararu é muito interessante, pois Carlos Estevão de Oliveira
já havia alertado em 1938 para o contexto em que viviam na região
conhecida hoje como Brejo dos Padres e para as relações interétnicas do
agrupamento de indígenas em 1700, nas margens do rio São Francisco,
que será a formação dos Pankararu de hoje.
nessesFonte:
agrupamentos, durante
Acervo da Coleção um período
Etnográfica Carlos no qualdeosOliveira,
Estevão índiosMuseu
provenientes
do Estado de
de muitos
lugares vão precisar
Pernambuco. se refugiar, se esconder, pois por decreto imperial (BEOZZO, 1875)
deixaram de ser índios. Os aldeamentos indígenas passaram por grandes mudanças e se
tornaram vilas politicamente
Quando organizadas.
Carlos Estevão escreveu Foram
o texto muitos
acima,acontecimentos
a unidade étnica e muitas
situações que levaram os índios a aceitar simplesmente sua nova condição para
Pankararu estava se formando, eles ainda eram apresentados como
continuarem a sobreviver. Portanto, as estratégias de sobrevivência física e cultural foram
caboclos.
e estão sendo emAgrande
esse agrupamento de índios
parte os objetivos provenientes
de resistência dessesdeíndios
váriosaté
lugares,
hoje, sempre
as lideranças mais antigas – como
incluídos nos planejamentos de todas as lideranças. o seu João Tomás, que eu tive a
oportunidade
A terra, nessade conhecer
nova relação quando
política, ele
foi ainda
retiradamorava na aldeia
dos índios. Macacocoronéis
Os senhores
– vão denominar
se apropriavam de sesmariasde e“Pancarú
utilizavamGeripacó
os índios Cacalancó Umã Canabrava
como agricultores; estes moravam de
aluguel em suas
Tatuxi próprias
de Fulô”. Foiterras, trabalhando
um grande na agricultura
processo de negociaçãoe pagando a algum ocoronel.
para compor
Não eram mais chamados pelos nomes indígenas, e as diversas
que seriam os Pankararu atuais. Tais lideranças puderam participar línguas nãodessa
puderam ser
desenvolvidas, porque foram proibidos de falá-las. Os indígenas
longa caminhada de negociações internas, cujas narrativas podemos se tornaram, então, o que
comumente se chama de “caboclo”. Essa é, portanto, a identidade
ainda encontrar na tradição oral e nos versos dos rituais torés dos genérica que assumem
forçadamente. Eles são os “caboclos do Brejo dos Padres”.
Pankararu. Certamente, o famoso Serafim, “chefe dos caboclos” como
Figuraescreveu Carlos
2 – Retrato Estevão,
do pajé foicom
Serafim um daqueles importantes
duas cantadoras, personagens
fotografado queEstevão
por Carlos
incentivaram
em 1937 a criação da unidade Pankararu pela sua sobrevivência
Fonte:física e cultural
Acervo já relatada
da Coleção pela imprensa
Etnográfica desdede
Carlos Estevão 1938.
Oliveira, Museu do Estado de
Pernambuco.
Quando Carlos Estevão escreveu o texto acima, a unidade étnica Pankararu estava
se formando, eles ainda eram apresentados como caboclos. A esse agrupamento de índios
270 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
As transversalidades
Para pensar em xamanismo entre esses povos indígenas, há que
levar em consideração a noção de uma memória coletiva e a especifici-
dade de cada grupo quanto à sua posição dentro de seu contexto étnico
e cultural. Cada um desses grupos indígenas possui relações específicas
que mostram a existência de entendimento mais profundo da pessoa
com as dimensões do mundo físico e do mundo transcendental, cujas
distinções estão bem colocadas por Langdon em sua introdução ao
Xamanismo no Brasil quando elenca os diversos elementos das práticas
tradicionais de cura, que ela própria vai retomar em seu artigo intitulado
“Xamãs e xamanismos: reflexões autobiográficas e intertextuais sobre a
antropologia”, publicado na revista Ilha (LANGDON, 2009). Trata-se
282 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Referências
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Etnografia e práticas tradicionais de cura entre os Pankararu e os Hupd’äh 289
Anne-Marie Losonczy
1
Este texto constituye una versión algo actualizada del artículo del mismo título
publicado en: LOSONCZY, A.; AZEVEDO, V. R. (ed.). Retorno de cuerpos, recorrido
de almas: exhumaciones y duelos colectivos en América Latina y España. Bogotá:
Ediciones Uniandes; IFEA, 2021.
292 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
2
Según los principios rectores de los desplazamientos internos de la Organización
de las Naciones Unidas, “los desplazados internos son personas o grupos de
personas que han sido forzados u obligados a huir de sus hogares o de sus lugares
de residencia habitual, o a abandonarlos, en particular a causa de un conflicto
armado, de situaciones de violencia generalizada, de violaciones de los Derechos
[…] y que aún no han cruzado una frontera reconocida entre Estados […]. Los
desplazados internos siguen siendo ciudadanos del Estado y tienen derecho a su
protección” (ONU, 1998, p. 5). Tras un enconado debate y a pesar de la reticencia
de parte de la clase política, Colombia recoge estos principios a partir de 2011
en la Ley de Víctimas. Cabe recordar que entre 1997 y finales de 2013, fueron
registradas 5.185.000 personas desplazadas: los indígenas y los afrocolombianos
están sobrerrepresentados (ACNUR, 2013). Disponible en: https://www.acnur.org/
fileadmin/Documentos/RefugiadosAmericas/Colombia/2013/SituacionColombia_
Fact_sheet_dic2013_ES.pdf. Consultado en: 8 abr. 2015.
294 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
3
También llamados Eperä, los Emberá, conocidos como “Chocoes” a partir de la época
colonial, representan uno de los mayores grupos amerindios de Colombia. Numerosos
documentos históricos demuestran su antigua y remarcable estabilidad demográfica:
desde los años 1980 su población, así como la de otros tantos pueblos, conoció un alto
crecimiento demográfico. En efecto, los dos grandes subgrupos dialectales (los Katíos
y los Chami) representan cerca de 70 mil personas (DANE, 2005). Hoy día sus grupos
residenciales, organizados en resguardos, viven en el Litoral Pacífico del Occidente, en
la región selvática del Chocó, en las montañas de Antioquia, en los llanos de la región
de Córdoba (Katío) y en Risaralada y en el Valle del Cauca (Chami). Su expansión
les condujo también hasta la Amazonia (en la región del Putumayo), el noroeste de
Ecuador y en el Darién panameño. Los Emberá se clasifican a sí mismos como dobidà
(habitantes de los ríos y de los bosques tropicales), eyabidà (de los llanos deforestados),
oibidà (de los bosques andinos) y purabidà (del litoral marítimo). Desde hace unos
20 años son muchas las familias emberá que viven en las periferias y en los barrios
populares de determinadas ciudades.
Regresos asesinos 297
4
Para el periodo de 1984-2014, el Registro Nacional de Víctimas identificó a 6,2
millones de víctimas colombianas de distintas formas de violencia (masacres,
desapariciones, desplazamientos forzados, minas antipersona, raptos, secuestros)
características del conflicto armado multiforme. Estas exacciones afectaron prin-
cipalmente a las poblaciones rurales desfavorecidas y a los grupos afrodescendientes
y amerindios. El informe de 2008 elaborado por la Organización Nacional
Indígena de Colombia (ONIC) establece la cifra aproximada de 1.980 amerindios
ejecutados entre 1998 y 2008. Según los datos facilitados por las oficinas regionales
de la Cruz Roja, entre los Emberá Katío del Chocó y de Antioquia, objetos de esta
investigación, los asesinados y los desaparecidos se cuentan por centenares tanto
298 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
antes como durante y después de este periodo. Además, los líderes étnicos están
sobrerrepresentados en este recuento.
5
Recogí los primeros materiales etnográficos sobre la representación del nacimiento,
de la muerte y del destino post mortem entre los Emberá entre 1986 y 1990 en los
ríos Capá, Mumbarado, Tutunendo, Neguá y Bebará en el alto y medio Atrato
(Chocó). De 1993 a 2006, la presencia de múltiples actores armados en el Chocó y
en Antioquia no permitió dar continuidad a la investigación etnográfica. Se retomó
a partir de 2008, a través de sucesivas visitas a las comunidades de Chigorodo,
Murindo y Guapa Alta (Antioquia), y posteriormente a Unión Emberá Katío del río
Salaqui (Bajo Chocó) y a Juradó. En 2013, me puse en contacto con familias emberá
del Chocó y del Valle, refugiadas en el barrio de La Favorita en Bogotá.
Regresos asesinos 299
6
Un relato mítico que recogí en Unión Emberá Katío en 2009, también evocado por
Lina Marcela Tobón Yagarí y María Patricia Tobón Yagarí (2012) y que parece haber
sido creado recientemente, pone en escena una aldea emberá en la que todos los
habitantes sufren crisis de convulsión generadas por la intrusión de un jaï malo.
Llega entonces un jaïbaná, que curará a toda la aldea gracias a una larga ceremonia
terapéutica, movilizando sus buenos jaï.
304 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
7
Rodrigo Iván Sepúlveda López de Mesa cita al chamán en “Vivir las ideas, idear la
vida” (2008, p. 260).
8
Si los suicidios que afectan ante todo a los jóvenes aparecen de forma esporádica
en los años 2000 en otros pueblos indígenas de Colombia como los Wounaan y los
Cuna – vecinos de los Emberá Katío –, así como los Tucano, los Desana y los Cubeo
del Vaupés en la Amazonia colombiana (ROMERO CASTRO, 2009), la recurrencia,
la extensión y el carácter masivo de este fenómeno entre los Emberá y, en particular,
entre los del Chocó, de Antioquia y de Córdoba, son factores que justifican su
resonancia mediática e institucional. Sin embargo, no existe ninguna estadística
que evalúe el número de víctimas de este grupo amerindio; a lo sumo, unas pocas
estimaciones realizadas por trabajadores sociales y por antropólogos (en particular
aquellos que forman parte del Colectivo Jenzara) y que atañen a determinados
resguardos. Apoyándonos en estos datos, parece pertinente hablar de un centenar de
Emberá Katío suicidados en los últimos 15 años.
Regresos asesinos 305
Referencias
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LOS REFUGIADOS. Situación Colombia: hoja informativa diciembre
de 2013. Bogotá: ACNUR Colombia, 2013. Disponible en: https ://www.
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anthropologie & sciences humaines, [S. l.], n. 38, p. 5-20, 2002.
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de la ley, que contribuyan de manera efectiva a la consecución de la paz
nacional y se dictan otras disposiciones para acuerdos humanitarios.
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y decretos reglamentarios. Por la cual se dictan medidas de atención,
asistencia y reparación integral a las víctimas del conflicto armado interno
y se dictan otras disposiciones Bogotá: Ministerio del Interior, 2011.
Disponible en: https://www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/
caminosParaLaMemoria/descargables/ley1448.pdf. Consultado en:
2 nov. 2022.
312 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Narrativa, ritual e
performance
Narrativas y experiencias de
mujeres indígenas en la
historia colonial
Introducción
En 1984, Jean Langdon publicó “Siona women and modernization:
effects on their status and mobility”, un artículo pionero en visibilizar
las transformaciones del estatus de las mujeres indígenas amazónicas
en un contexto histórico de colonización y expansión de la economía
capitalista y los gobiernos nacionales. En este artículo, Jean nota que la
migración de las mujeres Siona a los centros urbanos en los años 1970s
reflejaba una tendencia en aumento en América Latina. De hecho, en la
segunda mitad del siglo XX, las ciudades latinoamericanas crecieron,
recibiendo mujeres indígenas, campesinas, rurales que llegaron a
limpiar y ejercer los oficios domésticos de las casas de las familias de
clase media y alta urbana. Estas mujeres llegaron a ejercer un oficio
subvalorado, mal remunerado, sin regulaciones legales, que las colocaba
en el eje de múltiples sistemas de discriminación – de género, etnia, clase
y condición migratoria. Como notan trabajos recientes (SÁNCHEZ,
2011; CHERNELA, 2015; NIETO MORENO, 2017, 2021; ROSAS,
2021), la Amazonia no fue ajena a esta realidad, lo que contrasta con
la ausencia de los análisis de este fenómeno en la antropología de las
tierras bajas de América Latina en las décadas posteriores al artículo
de Jean. Pese a que el género no es un tema central en la obra de Jean
Langdon, sus preocupaciones sobre la condición de las mujeres y las
relaciones de género entre los Siona estuvieron presentes desde el inicio
de su carrera.
Comienzo este artículo destacando los importantes aportes de la
obra de Jean Langdon a los estudios de género, y la agencia femenina en
la etnología amazónica a partir de varias de sus publicaciones. Después
316 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
1
Uno de estos trabajos fue traducido en Brasil (LANGDON, 1985).
2
Este fue caracterizado por Naomi Quinn (1977) como un complejo mítico-ritual
basado en la oposición y separación entre los sexos, la amenaza institucionalizada
de violencia colectiva contra las mujeres, ideas de agotamiento sexual masculino,
contaminación femenina, rituales prohibidos para mujeres y niños y enfatiza las
diferencias de género en términos de poder y estatus.
318 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
3
Gente de Centro es una identidad supra-étnica autodefinida en los años 1980 y
1990. Está formado por ocho grupos étnicos: Murui (Uitoto), Ocaina, Nonuya, Borá,
Miraña, Muinane, Resigaro y Andoke, que hablan idiomas mutuamente inteligibles
(FAGUA, 2015).
320 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
4
Tesis de maestría, orientada por Juan Alvaro Echeverri y defendida en la Universidad
Nacional de Colombia, Sede Amazonia.
Narrativas y experiencias de mujeres indígenas en la historia colonial 321
5
Según Suely Kofes (2001), el enfoque biográfico no es estrictamente una biografía, ya
que se centra en la experiencia de un sujeto y no pretende reconstruir su vida.
322 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Alicia
“Yo lloré”, me cuenta Alicia con los ojos aguados. Pasó la noche
sentada al frente de la casa llorando. Su hermano la vio, y le preguntó:
– Ya, hermana.
– ¿Tiene maleta, tiene su ropita?,
– Si, asisito, hermana.
– Venga, venga, vamos a trabajar así, porque algún día usted va
a tener marido.
– ¡Ay!, de marido estoy aburrida que me digan. ¡Consiga
marido!, mi mamá dijo, ¡consiga marido!, dice mi hermano
Narrativas y experiencias de mujeres indígenas en la historia colonial 325
– ¿Como se llama?
Y nombró papá de mi hijo.
– No, hermanita.
– Usted va a tener visita de él.
– Yo no quiero marido nunca.
Yo en la cocina a veces bien, trabajando, haciendo de comer:
– Visita para usted – me decían – Vaya cámbiese. Y yo me
escondía en dormitorio.
Mi suegra me decía:
– Hija, no esté triste, usted va a estar bien aquí.
Mi suegra me daba consejo, mi cuñada me daba consejo:
– Ya van a tener hijos – decía mi suegra. Ya mi pensamiento,
mucho pensamiento.
Ya vino mi hijo, ya yo miraba mi hijo, bien bonito. Mi suegro nos
quería, nos cuidaba con su velita, sentado. Nosotros vivíamos
juntos, pero teníamos nuestra casita aparte porque si viene su
bebé, uno tiene que tener su casa aparte.
Después ya los dos nos sacamos los hijos, bien bonito. Después
viene mi suegra a mirar, lava el cuerpo del niño. [Tuve a] todos
solita, [a] los seis hijos.
Ya cuando nació la niña, a medianoche ya nació y de mañanita
lloró duro, mi suegra lavó todo su cuerpito y el viejito dice:
– Este es mi hija, este es mi corazón – sí que le quería.
Ya teníamos chagra. Vivíamos bien.
[Valentina]
– ¿Quién te enseñó a hacer pan?
[Alicia]
– La monjita.
Hermana nos decía:
– A tu hija usted va a dar estudio, usted no estudió, tu hija tiene
que estudiar, su hija tiene que estudiar, le va a enseñar.
Ana
tener novio, tenía que ser el que mi papá escogiera. Yo no quería que mi
papá me casara por obligación, por eso terminé quinto de primaria y
chao, me largué”.
Llegó a Leticia a trabajar como doméstica en la casa de una
maestra que le pagaba poco, pero que le enseñó a cocinar, planchar,
lavar; quehaceres que le sirvieron para conseguir empleo en las ciudades,
primero Leticia y, años después, en Bogotá. En Leticia vivió con su
novio, a pesar de la garrotera que les dio su padre cuando los encontró:
Referencias
ABU-LUGHOD, L. Writing against culture. In: FOX, R. G. Recapturing
anthropology: working in the present. Santa Fé: School of American Research
Press, 1991. p. 137-162.
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University of California Press, 2008.
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In: ROSALDO, M.; LAMPHERE, L. (ed.). Women, culture and society.
Stanford: Stanford University Press, 1974. p. 263-280.
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comadre Esperanza. México: Fondo de Cultura Económica, 2009.
BELAUNDE, L. Gender, commensality and community among the Airo-Pai of
West Amazonia (Secoya, Western-Tukanoan speaking). 1992. Tesis (Doctorado
en Filosofía) – London School of Economics, University of London,
Londres, 1992.
BELAUNDE, L. Parrots and oropendolas: the aesthetics of gender relations
among the Airo-Pai of the peruvian Amazon. Journal de la Société des
Américanistes, Paris, v. 80, p. 95-111, 1994.
Narrativas y experiencias de mujeres indígenas en la historia colonial 333
Rita Neves
quem insistia sempre comigo que nas teorias que enfocam o macro,
enfatizando o poder do Estado, o protagonismo e a perspectiva do
sujeito local são ignorados, e que a etnografia, nosso maior trunfo
teórico metodológico, é a chave de leitura privilegiada para entender
esse protagonismo. No caso presente, este artigo está apoiado nessa
bagagem etnográfica que construí com os anos junto aos Xukuru e a
outras pesquisadoras e pesquisadores que também possuem uma longa
relação junto a esse povo.1
Contexto
Referências históricas sobre os índios Xukuru podem ser
encontradas desde o século XVI. No entanto, a maior parte da
documentação disponível foi produzida por administradores coloniais,
autoridades locais, e é fundada em referenciais da invasão das terras
xukuru. Além desses documentos, temos alguns relatos de viajantes
e estudos de etnólogos como Curt Nimuendajú, apresentados em seu
tradicional Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes, e William
D. Hohenthal Jr., em artigo publicado em 1958 sobre os Xukuru
(NEVES, 2005).
Alguns trabalhos produzidos sobre a cidade de Pesqueira, em
Pernambuco, também fazem referência aos índios Xukuru. É o caso
do livro de Nelson Barbalho, Caboclos do Urubá, editado em 1977.
Nesse livro, a principal preocupação é louvar feitos protagonizados
pelos desbravadores, com conotações heroicas, em que os Xukuru apa-
recem como figurantes nesse processo de civilizar a região.
Os Xukuru também estiveram presentes em todo o processo
histórico de transformação das instituições. Na década de 1980,
tiveram ampla participação na campanha da Constituinte, ocasião em
que as populações indígenas pressionaram o Parlamento pela garantia
dos direitos constitucionais. Um importante ator, nesse processo da
Constituinte e na revalorização étnica dos Xukuru, foi Francisco de
Assis Araújo, conhecido como Cacique Xicão.
1
Muitos pesquisadores e pesquisadoras produziram textos, dissertações e teses sobre
os Xukuru, mas me refiro aqui a Vânia Fialho e Kelly Oliveira, com quem tenho
acompanhado todos esses anos de luta do povo Xukuru, desde a demarcação e
a desintrusão do território até a luta contra a criminalização de seu povo. Juntas
também temos testemunhado a consolidação do modo de vida e da organização
política desse povo.
O calendário da resistência 339
2
Os Xukuru afirmam que o cacique Xicão não foi enterrado, “ele foi plantado para
que dele surjam novos guerreiros”. A frase foi dita por sua esposa, dona Zenilda, no
momento de seu sepultamento.
3
Terreiro é uma clareira feita na mata, onde os Xukuru realizam rituais sagrados.
340 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
4
O número exato de retomadas, bem como os anos em que estas ocorreram, está publi-
cado no fascículo Xukuru do Ororubá, da Associação Indígena Xukuru do Ororubá, e
no site do Projeto Nova Cartografia Social. Disponível em: http://novacartografiasocial.
com.br/fasciculos/direitos-e-identidades/. Acesso em: 1o set. 2022.
O calendário da resistência 341
5
Trecho copiado da carta final da III Assembleia do Povo Xukuru do Ororubá.
342 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Acesso às narrativas
Legitimidade
Competência comunicativa
Reconhecimento de valores
de que dois
participantes, ônibus
pois tiveram viriam do
a informação suldois
de que doônibus
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Por isso, est
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colocar som do lado de fora do local de reunião.
7
Mandaru foi o nome dado a Xicão em ritual pelos Encantos.
7
Mandaru foi o nome dado a Xicão em ritual pelos Encantos.
sul do país. Por isso, estavam se organizando para ampliar
e fora do local de reunião.
O calendário da resistência 353
ru
Referências
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História Municipal, 1977. v. 2, 261 p.
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p. 59-88, 1990.
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GEERTZ, C. A religião como sistema cultural. In: GEERTZ, C. A interpretação
das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 101-142.
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Pernambuco, Brazil. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. VIII,
p. 93-166, 1958.
NEVES, R. de C. M. Dramas e performances: o processo de reelaboração
étnica xucuru nos rituais, festas e conflitos. 2005. Tese (Doutorado em
Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
O calendário da resistência 357
1
Em 1952, antes dessa aproximação na mencionada fazenda, um menino, Tikuein
U’eió (U’eió = bugio), conhecido entre os não índios como Kaiuá, fora capturado por
agrimensores da Companhia Brasileira de Imigração e Colonização (COBRINCO).
Poucos meses depois, em 1953, outro menino – A’nhambu Guaka, ou Tuka, como
ficou conhecido – teve o mesmo destino. Ambos foram levados pelo Inspetor do
Serviço de Proteção aos Índios (SPI) para sua residência, situada em Curitiba.
O primeiro recebeu o nome de Antônio Guairá Paraná, e o segundo, de Tucanambá
José Paraná. Ambos acompanhavam as expedições de contato, porém apenas Tuka
participou de todas as expedições, tanto de contato como de pesquisa, desde o ano
de 1954.
2
Suemitsu Miyamura & Cia. Ltda. e COBRINCO.
Vozes de homens, cantos de bichos 359
3
“Kuein” era o termo de tratamento dado ao menino já iniciado. Seu nome do mato era
Kuein Ma’ãnhaen Nhaguakã (Kuein + espécie de pássaro do inverno + jaguatirica).
Os não indígenas o registraram como Coen Xetá.
4
Seu nome do mato era Kuein A’nambu Guaka (inhambu + arara vermelha). O nome
dado pela família que o criou foi Tucanambá José Paraná.
5
O nome xetá de Tikuen era Nhangoray (graxaim). O nome dado pelos não indígenas
foi José Luciano da Silva, conhecido por todos como Tikuein.
6
Linguista, Prof. Dr. da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor
emérito da Universidade de Brasília (UnB), diretor do Laboratório de Línguas
Indígenas da UnB.
7
O nome do mato era Ta’hey (araponga). Também chamada de Adjatukã (pai pequeno
ou irmão mais novo do pai).
8
O nome do mato era Eirakã (irara). Também chamada pelos não índios de Aricã, Arigan.
9
O local estava situado em uma parte do hábitat Xetá, na região denominada Serra
dos Dourados (PR), no noroeste do estado. O nome “pé de galinha” deve-se à
configuração espacial semelhante a um pé de galinha.
360 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
10
Os Xetá, conforme Tuca, Kuein e Tikuein, classificam os animais como aqueles do ar,
da terra e da água.
11
Os termos em Xetá têm o mesmo significado, mas com pronúncias diferentes. Para
escrevê-los, Rodrigues (1978) me auxiliou, além do fato de constarem em suas
anotações de campo.
12
Rodrigues (1978).
Vozes de homens, cantos de bichos 361
13
Quando os homens estavam bêbados, quem servia a bebida eram as mulheres,
que usavam uma vasilha confeccionada de cabaça, também chamada de porongo
(Lagenaria siceraria), e inclusive os serviam na boca enquanto cantavam.
14
O repertório levantado durante a pesquisa aponta outros cantos além dos cantados
durante o ritual de perfuração labial, todos eles referentes a animais classificados
como aquáticos, terrestres e do ar.
15
Desidério Aytai era antropólogo e engenheiro de origem húngara. Foi professor
livre docente na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Fundou
o Museu de Paulínia (SP) e realizou pesquisa sobre música entre vários povos
indígenas e sobre sambaquis em SP. Disponível em: https://www.facebook.com/
notes/amigos-monte-mor/biografia-dr-desid%C3%A9rio-aytai-retirada-do-site-da-
prefeitura/319787494738209/. Acesso em: 2 nov. 2022.
16
O repertório dos cantos levantados durante a pesquisa aponta outros cantos além
dos cantados durante o ritual de perfuração labial, todos referentes a animais
classificados como aquáticos, terrestres e do ar. O leitor talvez se pergunte a razão de
eu não tratar do conjunto masculino de cantos de iniciação, mas a opção pelo Canto
do Urubu deu-se pela sua importância como um canto produzido pelos homens no
cotidiano do grupo e no ritual.
362 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
17
Dos três sobreviventes, registrei três narrativas míticas a respeito do roubo do fogo,
além da registrada por Rodrigues (1960-1961).
Vozes de homens, cantos de bichos 363
18
Aytai estudou os cantos a partir de gravações feitas por Vladimir Kozák em 1960,
e entre dois homens Eirakã e Adjatukã, quando estes moravam com suas famílias,
esposa e filhos, em uma pequena aldeia no espaço denominado pelos colonizadores
de Pé de Galinha. Rodrigues, nesse mesmo período, fazia o estudo da língua Xetá.
Tuca os acompanhou como intérprete.
366 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
19
No período da pesquisa, essa regra ainda era obedecida, e, todas as vezes em que lhes
era solicitado um canto durante o dia, os três só entoavam esse canto, pois os demais
tinham seus horários e contextos a serem observados.
Vozes de homens, cantos de bichos 367
que a pessoa viva cantava os cantos em sua voz e nas das pessoas mortas,
Kuein e Tuca responderam que “a voz tem dono. Cantamos na nossa
própria voz e na de quem já morreu, é um jeito de não esquecer o canto
e o dono da voz de quem a gente está cantando” (Relato de Kuein e Tuca,
Guarapuava, 2002).
As sílabas consideradas como sem sentido semântico por Aytai
na verdade significam movimentos ascendentes performáticos que
os urubus fazem no ar, utilizando as asas de modo espiral, em largos
círculos, para os voos de longas distâncias em busca de alimentos, ou
as viradas e os giros do corpo de lado a lado, com suas asas a baterem
suavemente – o canto marca esses movimentos.
Entoados em sons glotais laringalizados, os cantos não são
acompanhados por instrumentos sonoros; a tonalidade e a modalidade
de voz reproduzem sons dentais, apresentando variações que denotam o
movimento corporal da espécie cantada. Observo que, além do Canto do
Urubu, os outros três entoados durante o ritual de iniciação masculina
remetem a aves que estão presentes no mito do dilúvio e no início de
outro mundo, identificado como o tempo em que os dois irmãos, o sol
e a lua, andavam pela terra. Cada uma dessas aves teve sua importância
direta no estabelecimento do novo mundo e na formação da topografia
do território xetá.
Finalmente, classifico o Canto do Urubu como uma modalidade
de narrativa, uma vez que ele apresenta um contexto, uma história
que alude a uma realidade da vida do animal cantado, relacionada
com a cosmologia da sociedade xetá. Embora feitas de sons glotais e
laringalizados ao invés de palavras, essas narrativas são uma rica fonte
de dados etnográficos sobre o conhecimento xetá a respeito dos hábitos
dos animais que são apresentados e descritos pelos cantos através da
tonalidade da voz do cantador.
No Canto do Urubu, os narradores explicaram que, pela
entonação da voz, o seu alongamento e a sua altura, se sabe qual é o
movimento do animal – se ele está flutuando, se bate asas, se sobrevoa o
centro da aldeia ou se pousa. Pelo ritmo do canto, se sabe a que espécie
de urubu está se referindo (se é o urubu-rei, se é o urubu-de-cabeça-
vermelha, por exemplo). Por outro lado, os cantos têm donos, porque as
vozes são propriedade das pessoas, embora possam ser entoados na voz
de outrem, inclusive na dos mortos. Como narrativa, o Canto do Urubu
é totalmente performático.
368 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Referências
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Museu de Paulínia, Paulínia, n. 3, p. 1-5, jan. 1978.
AYTAI, D. Um microcosmo musical: cantos dos índios Xetá. Publicações do
Museu de Paulínia, Paulínia, n. 8, p. 13-15, maio 1979.
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Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, Curitiba, v. XXXVIII,
p. 121-159, 1981.
RODRIGUES, A. D. [Anotações de campo]. Serra dos Dourados, 1960-1961.
RODRIGUES, A. D. A língua dos índios Xetá como dialeto Guaraní. Cadernos
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lembranças da sociedade xetá. 1998. Dissertação (Mestrado em Antropologia
Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998.
SILVA, C. L. da. Em busca da sociedade perdida: o trabalho da memória
xetá. 2003. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília, Brasília, 2003.
Historia indígena, fuentes
documentales y narrativas
etnohistóricas: diálogos
con Jean Langdon
Camilo Mongua
1
En el Archivo General de la Nación (Colombia), me familiaricé con los documentos
de los escándalos del Putumayo, en particular, las denuncias entabladas tras la
publicación de Roger Casement. Sin embargo, los documentos relativos a la frontera
con Ecuador eran escasos en este archivo. En Ecuador, las fuentes documentales del
archivo de la Gobernación del Napo para este periodo revelaban la preocupación de
las autoridades por el avance peruano. El archivo de la antigua Prefectura Apostólica
del Putumayo ofreció los primeros elementos para comprender una dinámica
regional que iba más allá de la Casa Arana.
372 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Referencias
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colombiana: 1850-1930. Bogotá: Corporación Colombiana para la
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la Amazonía colombiana – 1750-1933. Bogotá: Disloque Editores, 1994.
GÓMEZ, A. Putumayo, indios, misión, colonos y conflictos (1845-1970):
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TAUSSIG, M. Chamanismo, colonialismo y el hombre salvaje: un estudio sobre
el terror y la curación. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2002.
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n. 3, p. 525-548, 2014.
Etnoterritorios y ritualidad en
Oaxaca, México
Alicia M. Barabas
Territorios y rituales
Muchos de los rituales que practican los pueblos originarios de
Oaxaca, en México, se llevan a cabo en lugares del entorno natural,
por lo común no demasiado lejanos de la zona habitada, que la gente
considera sagrados porque los conciben habitados por entidades
extrahumanas a las que les rinden culto. Tienen características
fenoménicas peculiares, marcan orientaciones cardinales asociadas a
pronósticos climáticos y de la suerte comunitaria, o son concebidos
como lugares de origen y de herencia ancestral de la comunidad,
tal como atestiguan los mitos sobre algunas montañas, cuevas, fuentes
de agua y árboles. Son numerosos los estudios sobre las formas
simbólicas en las que los pueblos originarios representan el espacio,
y construyen territorialidad, que muestran la estrecha articulación
establecida entre los lugares sagrados de los etnoterritorios y las
diversas prácticas rituales que se realizan en ellos.
Etnoterritorios y ritualidad en Oaxaca, México 377
Salud y enfermedad
En las culturas de filiación mesoamericana como las oaxaqueñas,
las concepciones sobre la salud y la enfermedad son complejas, y no
pretendo acercarme a la comprensión de la totalidad del fenómeno,
sino sólo mencionar algunas de sus características. La persona, en estas
culturas, además de un cuerpo físico, posee una coescencia o alter ego
animal o fenómeno atmosférico, conocido en Náhuatl como tonalli o
tona, también llamado ánima o espíritu, que nace con cada individuo
en determinada fecha del calendario ritual, y ambos comparten un
mismo destino. Algunos individuos, como los especialistas rituales,
poseen una o más tonas poderosas, y por ello son nahuales (nahualli
en Náhuatl) y tienen la capacidad de transformación (o de posesión) en
sus coescencias, ya sea para curar o para dañar a las tonas o ánimas de la
gente común. Con nombres propios en cada idioma, todos los pueblos
mesoamericanos comparten estas nociones culturales.
Las enfermedades son clasificadas en naturales y no naturales
y dentro de estas últimas se distinguen: el susto, el espanto, el mal de
ojo, el daño, y el incumplimiento de promesa. El susto y el espanto se
diferencian entre sí porque el segundo desencadena una enfermedad
más grave que el primero, ya que la tona es robada, o chupada, por la
Etnoterritorios y ritualidad en Oaxaca, México 379
La ritualidad indígena
En otra ocasión (BARABAS, 2003a), he abordado el tema de la
territorialidad desde la cosmovisión y la mitología y en ésta el punto
de partida es la presentación de algunos de los rituales que construyen
territorialidad; esto es, espacios que son identificados como propicios, e
incluso emblemáticos, para la realización de rituales destinados a diver-
sos propósitos, entre ellos los terapéuticos y los de iniciación chamánica.
Bien sabemos que los rituales son sistemas de símbolos, sagrados o
cívicos, que resultan significativos en la vida de las comunidades, debido
a que contribuyen a la cohesión social o dan cauce a los conflictos intra
o interétnicos. Las tipologías sobre rituales son tan numerosas como
autores abocados al estudio del tema. Jean Maisonneuve (1991) repasa
las principales contribuciones desde Durkheim en adelante, lo que me
exime de intentar presentar un estado del arte. La que propongo aquí
es una clasificación operativa que he elaborado (BARABAS, 2006) para
nombrar la ritualidad indígena que registré en Oaxaca en relación con
la territorialidad, lo que de ningún modo agota la gama de procesos
rituales que se acostumbran en las comunidades indígenas.
Los rituales que se llevan a cabo en lugares específicos de los
etnoterritorios, ya sean privados o públicos, y dirigidos, o no, por
un especialista religioso, son: los del ciclo vital, los propiciatorios, los
adivinatorios y los conmemorativos. Un quinto tipo incluye los rituales
de umbral, sobre los que escribiré después, dentro de los que pueden
Etnoterritorios y ritualidad en Oaxaca, México 383
1
Gluckman (1980) y Turner (1980) establecen la diferencia entre dominio ritual y
ceremonial, señalando que el rito implica siempre un proceso de transformación de
la posición o condición, en tanto que la ceremonia conmemora, confirma y renueva
un estado o una situación.
Etnoterritorios y ritualidad en Oaxaca, México 385
Rituales terapéuticos
Un rito terapéutico llevado a cabo en un específico lugar
geográfico donde la tona tuvo un susto, o en el lugar del mundo-otro
donde su tona se espantó, mientras su cuerpo dormía, puede entenderse
como un espacio de negociación entre el chamán, como representante
386 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
La velada mazateca
Huautla de Jiménez, el terruño de la famosa chamán, chjota
chine, María Sabina, en la Sierra Mazateca, proporciona un significativo
ejemplo sobre el valor central de las concepciones sobre el cosmos
y la cardinalidad en los rituales de curación. Al iniciar el rito, ya sea en
la casa del enfermo o en la del chamán, éste nombra los cuatro puntos
cardinales, los cuatro Dueños de Lugar, y en especial al chikón Tokosho, el
Dueño del emblemático Cerro de la Adoración, que está en el centro, los
cuatro cerros y cuevas y los cuatro santos protectores, ya que se cree que
las enfermedades son causadas por los Dueños ofendidos por el mal uso
de sus lugares, quienes “chupan” la tona de las personas, causándoles la
enfermedad. El chikón, Dueño, tiene un avatar benigno que se presenta
como un caballero vestido de blanco con un caballo blanco, y otro
maligno, que aparece como un mestizo identificado con el diablo, que
usa sombrero de charro, monta un caballo negro y es seguido por dos
perros coyotes, con el que algunos hacen pactos dando el alma a cambio
de riquezas. Uno es convocado para curar y el otro para hacer daño,
obtener fortuna, y ver a los muertos.
388 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Padre que estás ahí o que vives ahí, te entregamos este copal
para que te perfumes, para que nos des tu bendición, nos des
prosperidad, nos des alegría, nos colmes de tranquilidad, nos
colmes de una prosperidad, de una bendición, una plegaria para
que lo recibas junto con este copal, este cacao, dinero que tu
sembraste. (Obtenida en entrevista en Huautla de Jiménez, 2006).
Referencias
BARABAS, A. M. Etnoterritorialidad sagrada en Oaxaca. In: BARABAS, A.
(coord.). Diálogos con el territorio: simbolizaciones sobre el espacio en las
culturas indígenas de México. México: INAH, 2003a. v. 1, p. 35-95.
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México: INAH, 2003b. p. 74-109.
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Gran Dios: relocalización y etnocidio chinanteco en México. México: CNCA,
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ELIADE, M. Lo sagrado y lo profano. Madrid: Guadarrama, 1967.
Etnoterritorios y ritualidad en Oaxaca, México 393
Colonialismo y ritualidad
Como resultado del proceso colonial y neocolonial, algunos
de los cultos indígenas más tradicionales pasaron a refugiarse en
ámbitos casi clandestinos, tales como las cuevas o los santuarios de las
montañas; otros se desarrollan en forma pública, aunque muchos de
sus núcleos de significado quedan restringidos a unos pocos oficiantes.
1
Entre otros, por Mary Douglas (1966), quien abre el campo del ritual incluyendo
dentro de él todo lo que llama “actos simbólicos”, dando cuenta de la existencia
de ritualidades que no participan de la esfera de lo religioso, sino que expresan la
división existente entre las concepciones occidentales de la realidad, que transfiere
símbolos de un plano a otro, lo que genera una conciencia fragmentada. Existe por
tanto también ritualidad secular en las mal llamadas “sociedades complejas” (¡como
si alguna sociedad fuera simple!).
398 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
2
El concepto de performance promovido a partir de la obra de Turner (1977) me
parece inconsistente para referirnos a las prácticas rituales, ya que también puede
adjudicarse al teatro, la danza, la música y otros géneros expresivos, con los que sólo
comparten los desempeños corporales o verbales colectivos. Sólo recurro a él debido
a su uso generalizado en la literatura al respecto.
Ritualidad y contrahegemonía 399
los pueblos indios. Se demuestra así que los consensos generados por la
manipulación del poder son susceptibles de ser transformados a partir
de una redefinición ideológica y la consecuente práctica política que se
deriva de ella.
Kunas de Panamá
las aspas de la cruz señalan los pasos que dieron los espíritus para
regresar al centro.
Tal como lo demuestra el caso kuna, algunos rituales enfrentan a las
colectividades con su pasado, lo actualizan en el presente y lo proyectan
hacia el futuro. Un ritual conmemorativo es una apelación al poder
liberador de la memoria. Un modo de expresión comunal destinado a
permitir la “penetración” de la historia en la vida contemporánea. La
historicidad intenta “fijar” al individuo y al grupo en el contexto de un
devenir que se hace presente cíclicamente, otorgándoles una ubicación
en el tiempo de la misma manera que el pueblo proporciona un lugar en
el espacio. Se refuerza así la conciencia de una trayectoria compartida,
la memoria histórica se expresa y actualiza a través de las conductas
rituales: hemos estado juntos en el tiempo, al igual que ahora estamos
juntos en el espacio. La identidad comunitaria se basa también en una
profundidad histórica que el ritual hace manifiesto conciliando, a través
de su mediación, el tiempo y espacio.
3
Una de sus concreciones parciales de estas investigaciones fue un libro publicado
en México en 1977 y una segunda versión corregida y aumentada que se imprimó
tardíamente en el Paraguay (1991).
406 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
viviendas comunes y uno de sus lados está abierto al este. Frente a este
espacio libre, se coloca una larga batea destinada a contener la bebida
ceremonial kagüi (una especie de cerveza de maíz). La batea no es sino
una gran canoa puesta boca abajo y está confeccionada con la sagrada
madera del cedro (ygarï). Si bien está destinada a contener la bebida, su
forma es idéntica a las canoas usadas por los Guaraní, lo que relacionaría
el rito con el tema mítico de la inundación diluvial, así como con las
pautas migratorias que caracterizaban y caracterizan las migraciones,
muchas de las cuales se realizan por vías fluvial. Delante de la batea se
colocan tres postes de cedro de 1,2 metros de altura, sobre los cuales
se insertan velas. El poste central recibe el nombre de kuruzú (cruz),
pero, aunque pueda parecer vinculada al cristianismo, es más probable
que recuerde al mito cosmogónico en el que dos grandes palos cruzados
sostenían el mundo. Junto a ella, se coloca una pequeña flecha (hu’y
miní), la que nos recuerda la subida al cielo de los gemelos Sol y Luna
por medio de una escalera de fechas, que es el mito heroico central de
la cultura. Detrás de este altar se ubica el chamán guía, sus auxiliares y
todos los hombres participantes engalanados con sus, un tanto pobres,
adornos plumarios y empuñando sus sonajeros (mbaraká). Detrás
de ellos, se colocan las mujeres con las mejillas pintadas de rojo y
golpeando el suelo con sus takuapú (bastón de ritmo de bambú). La
congregación de cantantes y oficiantes se va alternando, ya que el
ceremonial suele durar unos nueve días. Desde el primer momento
comienzan los cantos sagrados (guaú eté), hasta el octavo día, en el
que el chamán entona un canto especial, significando que las entidades
extrahumanas se han retirado, y se puede dar lugar a la parte secular de
la reunión, cantando entonces los más alegres kotihú o cantos festivos.
Uno de los fundamentos de este ritual es la posibilidad de
comunicación colectiva con las deidades, facultad que en otros mo-
mentos es sólo privativa de los chamanes. La vida comunal, laxamente
normada por la mitología, supone una adaptación al orden que regula
al universo y a la sociedad, a la vez que el culto es una demostración
colectiva de la necesidad de dicho orden y de su constante reafirmación.
Así, el ñemboé ka’agüy se manifiesta como un modo de autoconciencia
colectiva, en la que el rito logra la reconstrucción de la comunidad. Cabe
apuntar que el asentamiento donde permanecí mayor tiempo (Colonia
Fortuna) se encontraba vagamente tutelado por la entonces Dirección
de Asuntos Indígenas del Paraguay, dirigida por militares, dentro de la
totalitaria estructura dictatorial de la época. A pesar de esta presencia
colonial, la ceremonia era la más importante actividad social capaz
Ritualidad y contrahegemonía 407
Culturas de México
El estudio de los rituales realizados por los indígenas mexicanos
ha pasado por distintas etapas, tal como lo propone un pertinente ensayo
de André Oseguera (2008). De acuerdo con dicho autor, en un primer
momento primó una preocupación por el cambio cultural, entendido
como el tránsito de las sociedades “tradicionales” (folk) a las urbanas o de
lo “pagano” a lo cristiano. Ya bien entrado el siglo XX y por influencia de
la Escuela de Chicago, portadora de un funcionalismo instrumentalista,
las investigaciones se orientaron hacia el estudio de las mayordomías,
los sistemas de cargos y otros rituales en los que podía observar o inferir
una función social implícita o explícita. Así surgieron perspectivas
relacionadas con la “economía de prestigio” de los mayordomos, frente
a los que las consideraban como prácticas redistributivas etc., buscando
siempre su función social. Pero hace ya muchas décadas se postuló por
parte de estructuralistas, interpretativistas y diversas escuelas semióticas
la existencia de significados manifiestos en signos tanto verbales como
conductuales en los rituales. Nos encontramos entonces, igual que
ahora, en la búsqueda de sentidos, de desentrañar signos y significados
de los cuales la misma comunidad de participantes puede o no tener
consciencia explícita.
En México se registra una extraordinariamente amplia gama de
manifestaciones rituales. Existen fiestas exclusivamente comunitarias
que expresan el culto a los Santos Patrones o generalizadas, como la
conmemoración de los antepasados en Todos Santos o la veneración
de La Guadalupana. Durante la Semana Santa se recuerda el sacrificio
408 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Nahua de Morelos
4
Hace ya algunos años después de nuestro ensayo, una investigadora había observado
que “El tema de la oposición dualista que estructura la danza es, pues, reformulado
por los espectadores en términos de conflicto étnico y político, convirtiéndose
en representación de la contraposición entre el sector mestizo, que en cuanto
hegemónico y coercitivo representa un poder inicuo […]” (BURDI, 1996, p. 56).
Ritualidad y contrahegemonía 411
5
Es factible coincidir entonces con una colega a la que sus estudios sobre los procesos
políticos protagonizados por los grupos Maya de Chiapas la llevaron a concluir: “[…]
Podríamos decir que el sistema de dominación, desde la colonia hasta nuestros días
ha dado como resultado una resistencia permanente en las comunidades indígenas,
cuyo fin último es permanecer” (SMEKE DE ZONANA, 2000, p. 93).
Ritualidad y contrahegemonía 417
6
Jean Comaroff (1985 apud KORSBAEK, 2018, s. p.), en sus estudios sobre grupos
nativos de Sudáfrica, señalaba que, en términos de relaciones de poder, los rituales no
siempre tienen un trasfondo conservador, sino que pueden expresar simbólicamente
la comprensión que tienen de sí mismos los grupos subordinados y la insatisfacción
con el sistema de normas vigente. “[…] Sostiene que es fundamental analizar el
contenido de estas prácticas de resistencia popular, para ver qué tipo de efecto tienen
en las relaciones de poder, porque dichas prácticas ritualizadas no siempre plantean
una amenaza inmediata a la estabilidad de las formas existentes de dominación
social y política, pero sí socavan y subvierten, de a poco, su lógica […]”.
Ritualidad y contrahegemonía 419
Referencias
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422 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Introducción
1
En el original: “The power of the word is not in its utterance but in the consequences of
being uttered. To invoke the word is to search and to insure. Word is action; it actualizes
and transforms things, from the named to the real, from the named to the manifest.
Candre’s words search for the right conduct in life, ensure right conduct, and teach right
conduct. The importance of the word gives clues to understanding the source of power
of shamanic healing chants, for it invokes spiritual presence”.
2
Empleo la designación “Murui”, en lugar de “Uitoto”, “Huitoto”, “Witoto”, siguiendo la
preferencia del mismo pueblo (ver AGGA CALDERÓN; WOJTYLAK; ECHEVERRI,
2019, p. 51, para una explicación detallada).
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 425
3
Féeneminaa (expresión que significa “Gente de Centro”) es la autodesignación
del grupo etnolingüístico conocido en la literatura como “Muinane”, que aquí
adoptamos siguiendo la decisión del mismo pueblo (ANCIANOS DEL PUEBLO
FÉÉNEMINAA, 2016).
4
Marcelo Jolkesky (2016) demostró el parentesco genético entre el Urequena y el
Andoque y propuso hablar de la familia “Andoke-Urekena”, hipótesis con la cual
concuerda Jon Landaburu (en imprenta), especialista de la lengua Andoque.
426 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Jagiyi (aliento)
Comienzo explorando lo que quiero decir con aliento, a través
del concepto humboldtiano de Geist, una de las ideas fundamentales de
Wilhelm von Humboldt sobre el lenguaje, que lo aleja de la lingüística
estructural que dominó la mayor parte de los enfoques del lenguaje del
siglo XX. Para Humboldt, el lenguaje es energeia (actividad), no es una
cosa o una construcción (ergon). El lenguaje, escribe Humboldt (1907,
p. 46), es “el trabajo incesante de la mente [Geist] para hacer que el sonido
articulado sea capaz de expresar el pensamiento”. “Geist” en Humboldt
es traducido comúnmente como “mente”, aunque literalmente significa
“espíritu”. Entiendo el Geist de Humboldt como “aliento”, pero me
refiero a este aliento como la traducción del concepto murui de jagiyi
(literalmente “aliento”).
Un ejemplo puede servir para ilustrar este aliento-jagiyi. El
anciano Ocaina-Murui Kinerai, al hablar de la búsqueda del trabajo
de la chagra, se expresa así, en la versión en español de Cool tobacco,
sweet coca (ECHEVERRI; CANDRE-KINERAI, 2008, p. 36, 39; audio
en CANDRE-KINERAI, 1992b, 11s):
Ejemplo 2 […]
ikurimo En el seno
fuia después
nii ese mismo
muitaye va a gotear,
daitaye va a asperjar.
nii Ese mismo
daiye goteo,
dainano por así decir,
kairi lo dejó
fieka para nosotros
daakurimo en el mismo seno.
aiyi Ahora
yezika en ese momento
ikuri el seno
jaae ya
yezika en ese momento
nenairi se empezó a mover,
yezika en ese momento
imerufi en forma de larva,
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 429
5
Sobre el registro ceremonial (o “palabra ritual”), escribe Jorge Gasché (2003,
p. 9-10, traducción nuestra): “[…] una peculiaridad discursiva que caracteriza,
exclusivamente en los hombres, la manera de hablar de los asuntos relacionados con
la realización de una carrera ceremonial, la cual es distinta a la que las personas,
hombres o mujeres, adoptan cuando se comunican e interactúan en sus asuntos
cotidianos. La diferencia se marca tanto en el léxico, como en las formas gramaticales,
la forma de los enunciados, el ritmo y la entonación (hablada o cantada)”. En el
original: “[…] une particularité discursive qui caractérise, exclusivement chez les
hommes, la façon de parler des affaires liées à la réalisation d’une carrière cérémonielle
qui est distincte de celle que les personnes, hommes ou femmes, empruntent quand elles
communiquent et interagissent dans leurs affaires courantes de la vie quotidienne. La
différence est marquée autant dans le lexique, que dans les formes grammaticales, la
forme des énoncés, le rythme et l’intonation (parlée ou chantée)”.
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 431
6
Las diez carreras ceremoniales de las que hay documentación son: yadiko, “tablón”
(neediko “yadiko de asaí”); zikii, “baile de cacería”; menizai, tureño, “charapa”; yuaki,
yuai, “frutas” (muruiki, “cantos de cabecera”, muinaki, “cantos de bocana”, jaioki,
“cantos de culebra”, jimoki, “cantos de guerrero o de gente jimoma”, uiki, “juego de
la pelota”); erai rua, “cantos del principio (inauguración de maloca)”; marai, “fiesta
de nombramiento de recién nacido”; ziyiko, “fiesta de nuevo manguaré”; ifonako,
“fiesta de fin del duelo”; riai rua, “cantos de carijona (en otra lengua)”; bai, “fiesta
de antropofagia” (CALLE; CROOKE, 1969; LÓPEZ, 1989; PREUSS, 1994 [1921,
1923]; GRIFFITHS, 1998; TESSMANN, 1999 [1930]; GASCHÉ, 2009; AREIZA
SERNA, 2016).
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 433
7
Un excelente trabajo sobre los buiñua es la tesis del estudiante indígena Ever Kuiru
Naforo, Noinui Jitoma: “Existen varias clases de buiñua […]: el buiñua que habla
de las energías de vida, el buiñua que hace una crítica diplomática y el buiñua que
cuestiona fuertemente a la comunidad” (KUIRU NAFORO, 2019a, p. 11, énfasis del
autor). Los buiñua de crítica son los que Gasché (2003, p. 16, traducción nuestra,
énfasis del autor) denomina juniko buiñua – “juniko se refiere a los desperdicios de
yuca que son parte del escenario de trabajo en progreso. A través de estos cantos
es lícito formular directamente […] los agravios y críticas, que queremos informar
[…]” – que contrastan con los ua buiñua, “buiñua verdaderos”, “cuyas palabras
celebran la maloca, el dueño de la fiesta y su familia” (GASCHÉ, 2003, p. 16).
434 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
8
Vivas Hurtado (2012) y Kuiru Naforo (2019b) emplean el término “jagagi” como
equivalente de “jagai”. Hipólito Candre-Kinerai (2015), Echeverri y Candre-Kinerai
(2008), Anastasia Candre (2011), Miguel Guzmán y Juan Kuiru (GUZMÁN, 2016;
KUIRU NAFORO, 2016) emplean la expresión “ikaki” como un equivalente a “jagai”.
436 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
García Rodríguez (2018, p. 71) menciona las “narraciones” como un tipo de discurso
“entre las cuales los igai, los kominaigai, y los jaiagai son los más importantes”;
“igai” (iigai) sería el término general (que como vimos corresponde a los dialectos
Bue y Mika); “jaiagai,” “ancestros”, serían narraciones de personajes prehumanos, y
“kominaigai” (de “komini” “gente humana”), los iigai de la generación humana (cf.
GARCÍA RODRÍGUEZ, 2018, p. 72). García Rodríguez trabajó en La Chorrera, zona
donde predomina el dialecto Minika (que emplea en término “jagai”), pero con un
hombre del clan Ekiraiai, originalmente hablantes del dialecto Binika (un quinto
dialecto del Murui); esto nos indicaría que en ese dialecto se emplea también “iigai”
para las narraciones míticas.
9
Una grabación de un diálogo de bakaki se puede encontrar en Yépez (MÚSICA…,
1981, pista 1, 30s-4min45s). García Rodríguez (2018, p. 71) clasifica el bakaki como
uno de los géneros “ritmados aplanados” (rythmés-aplatis).
10
La colección bilingüe (Mika-alemán, Mika-español) más extensa de narrativas
míticas es la de Preuss (1921, 1923, 1994). Otras publicaciones bilingües son:
Román-Jitdutjaaño (2010), la historia de la coca (Minika); Candre-Kinerai (2015),
la historia de los huérfanos del Sol (Minika); Areiza Serna (2016), Minika; Kuiru
Naforo (2019b), Mika y Minika; Agga Calderón, Wojtylak e Echeverri (2019), Bue.
No tengo información de narrativas Nipode-español. En solo traducción existen
muchas, particularmente las recogidas por Fernando Urbina (JITOMA SAFIAMA;
URBINA, 1973; URBINA, 1982, 2004, 2010; URBINA et al., 2000).
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 437
11
Yépez (1987, p. 200-201) coloca estas “definiciones” de “bakaki” y “rafue” que de
manera muy sencilla identifican claramente el sentido de estos dos términos (“ë”
equivale a “i”): “bakakë es en términos generales la teoría que orienta un trabajo
práctico” y “rafue es el trabajo práctico que se hace acuerdo con el bakakë”.
12
En el jagai de los huérfanos del Sol, yukurio es el bejuco que la madre de los huérfanos
sacudía para anunciarse a su amante Gaimoi (CANDRE-KINERAI, 2015). María
Cecilia López (1989, s. p.) lo relaciona al mismo jagai, pero como el bejuco que los
438 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
huérfanos utilizaron “para subir al cielo a robar el poder del rayo para destruir un
gran mal que en ese tiempo aquejaba a la gente”.
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 439
Ejemplo 4
Diona mananaitaja uai jiibina El aliento de hacer enfriar el
mananaitaja jagiyi tabaco y la coca
ja jiirafuena ja ua yiinoga jmm
uno lo recibe como oración
jmm
komekimo en el corazón,
diona jagiyi jiibina jagiyi jmm aliento de tabaco y aliento
jmm de coca.
[…] […]
aki diona Eso quedó
ja finodimie en el corazón
komekimo ja ua del hacedor de tabaco
jiirana ja fiebikaide jmm jii como oración
mananaiya jiira jmm Oración de enfriamiento,
kai komuiya jiira jmm oración de nuestra vida.
Ejemplo 5
Eiño komuiya ikurimo En el seno de la madre
eiño ribei moziñokaiyanona Después de formarse en el útero
En ese momento la madre sostiene
iekoni eiño dirimai ibena
la hoja de dirima
fairibina ibina mozikaide Que flota en el agüita
eiño jaibikiiño jagiyina Aliento de la madre de albahaca
kue mameridoiga Estoy nombrando
eiño riero buinaiño jagiyina Aliento de la madre del rocío fresco
kue mameridoiga Estoy nombrando
bibimo kue mameridoiga En esta agüita estoy nombrando
naimekii jagiyi Aliento de agüita dulce
farekai jagiyina Aliento de caldo de yuca dulce
kue mameridoiga Estoy nombrando
eiño nozeko buinaiño jagiyina Aliento de la madre de nozeko
kue mameridoiga Estoy nombrando
eiño jirueiño jagiyina Aliento de la madre de frescura
kue mameridoiga Estoy nombrando
eiño zuuiyaiño jagiyina Aliento de la madre del alivio
kue mameridoiga Estoy nombrando
eiño nozeko buinaiño jagiyina Aliento de la madre de nozeko
kue mameridoiga Estoy nombrando
Aliento de la madre de
eiño jifaiya buinaiño jagiyina
embriaguez
kue mameridoiga Estoy nombrando
eiño nozeko buinaiño jagiyina Aliento de la madre de nozeko
kue mameridoiga Estoy nombrando
kue zuitaridoiga Estoy soltando
eiño fareka buinaiño jagiyina Aliento de la madre de yuca dulce
kue mameridoiga Estoy nombrando
naimere kue mameridoiga Dulcemente estoy nombrando
eiño mazakaiño jagiyina Aliento de la madre de maní
kue mameridoiga Estoy nombrando
Con el aliento de la madre de
eiño naimekiiño jagiyido
naimeki
kue mameridoiga Estoy nombrando
manai kue fuuridoiga Pacíficamente estoy soplando
manai kue naimeridoiga Pacíficamente estoy endulzando
[fuude] [soplo]
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 441
Este ejemplo nos permite identificar los elementos característicos de todo jɨɨra. El
movimiento melódico es limitado (ver Figura 7) – pareciéndose en buena medida a la
442 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
13
El verbo “mame-de” significa “nombrar, representar”; “mame-ri-te” significa “apuntar
(como una escopeta)”, y el verbo “mame-ri-doi-ga” (en forma pasiva) le agrega la
marca de aspecto -doi, que tiene la semántica de “aproximadamente”.
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 443
de una Madre universal que tiene muchos nombres. El texto señala tres
figuras femeninas: (1) la Madre universal que tiene muchos nombres;
(2) la madre de Anastasia que está enunciando la conjuración; y (3) la
hija que sería Anastasia misma. En este sentido, el texto de Anastasia
es totalmente original en el contexto de los jiira, donde, por lo general,
el lugar de la enunciación es el del conjurador que nombra atributos de
entidades naturales o poderes espirituales, y los atribuye a quien está
siendo curado por intermedio de un elemento mediador. Anastasia le
da la voz de la conjuración a su madre, y se coloca ella misma en la
posición de conjurada.
Estos dos ejemplos nos dan una idea de la forma y el contenido
de los jiira. Estos son ejemplos de conjuraciones benéficas. Los jiira más
“fuertes” frecuentemente nombran elementos derivados de eventos y
personajes mitológicos.14
Los jiira no corresponden en efecto al registro ceremonial, aunque
los discursos ceremoniales comparten el mismo carácter performativo
de los jiira – “son oraciones”, como acostumbran a decir los conoce-
dores – y los jiira emplean también un lenguaje especializado y una
estructura formal característica.
Lo que se denomina yetarafue, “palabra de consejo”, en cambio,
no tiene una estructura formal propia y no hace uso de un lenguaje
especializado como en los jiira. En cierta medida, la jiibibiri uai,
“palabra de mambeadero”, y la la palabra de yetarafue son discursos
complementarios. El primero – la palabra de mambeadero – se centra
en el ámbito masculino del mambeadero (que comparte elementos
del registro ceremonial), y el segundo – el yetarafue – se centra en el
ámbito femenino del fogón, los alimentos y el espacio del baño, y se
expresa mayormente en el registro cotidiano de la lengua: irai fue uai,
“palabra al pie del fogón”, io ana uai, “palabra en medio del camino”.
El yetarafue sirve de fuente de imágenes para los jiira, y también los
consejos del yetarafue son reinterpretados y reelaborados en el discurso
más formalizado de la palabra de mambeadero. Por ejemplo, un consejo
del yetarafue dice, “hay que bañarse temprano para que después a usted
no lo vaya a vencer un palo pesado”. En la palabra de mambeadero esta
14
La tesis de Tommaso Fanciotti (2015), la cual trabajó con José Estrella Candre
“Ukudu”, hermano de Anastasia y Kinerai, es un excelente ejemplo de este tipo de
jiira. Ukudu, un hombre que, como su hermano Hipólito, es curandero, le dio a
Fanciotti las bases de componer jiira a partir de los jagai, y a también a partir de los
textos bíblicos.
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 445
es una imagen para referirse a soportar las críticas de la gente (un palo
pesado que lo puede vencer), y así en el mambeadero se podrá aludir a
esto diciendo simplemente “no se bañó temprano”.15
Así como hay jiira para todo, también hay yetarafue para todo.
Los jiira son para actuar, el yetarafue es para prevenir. Los consejos se
enfocan alrededor del consumo de alimentos, las actitudes corporales y
el baño; los consejos del yetarafue señalan, por medio de admoniciones
muy sencillas en el registro cotidiano, cómo comer, qué hacer y qué no
hacer, cómo hacerlo, siempre dirigidos a formar cuerpos masculinos y
femeninos fértiles y que correspondan a gente verdadera ua komini.
El siguiente es un ejemplo de consejo de yetarafue elaborado en
forma de palabra de mambeadero, de Kinerai (ECHEVERRI; CANDRE-
KINERAI, 2008, p. 70; audio en CANDRE-KINERAI, 1992d, 54s):
15
Una muy completa compilación de palabra de consejo entre los Féeneminaa es la de
Londoño Sulkin (1995).
446 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Conclusiones
Un arte verbal se define por criterios prosódicos, retóricos y
sociolingüísticos. En nuestro caso, lo que llamamos prosodia proviene
del jagiyi, “aliento”, que tiene una expresión física – la respiración y el
soplo – y una expresión metafísica – el espíritu y el hálito. Todo procede
del jagiyi. En la transcripción de los textos, recogemos algo de ese ese
aliento, al adoptar las pausas respiratorias como el criterio que define las
líneas del texto. La longitud de las líneas puede servir de indicación de
otro rasgo prosódico, el tempo: líneas cortas, tempo lento; líneas largas,
tempo más rápido.16 La melodía y el ritmo, solo es posible representarlos
mediante una partitura, como en el jiira del ejemplo 5 (cf. Figura 7).
Los tres géneros oratorios de la retórica clásica – el deliberativo
(exhortar y disuadir), el judicial (acusar y defender) y el demostrativo
o epidíctico (alabar y denostar) (ARISTOTLE, 1886) – no parecen
corresponder a ninguno de los discursos que hemos discutido arriba.17
Lo que podemos llamar retórica es de otro orden, siguiendo a Dell
Hymes (1965, 1977, 1981), como la ocurrencia de partículas y fórmulas
lingüísticas que permiten reconocer una estructura narrativa: una
retórica. Hymes lo estudió principalmente en narrativas míticas, pero
podemos perfectamente extender esta aproximación a los otros géneros
que hemos discutido. El jiira, por ejemplo, se reconoce por el uso de
fórmulas y ciertos morfemas verbales. La estructura de un jiira está
dada por líneas que nombran un atributo de entidades de cualquier
tipo (como en los ejemplos 4 y 5, los nombres y atributos de la Madre),
frecuentemente marcados por un fenómeno de paralelismo – como
16
Esto es válido cuando se trata de comparar diferentes textos del mismo género de
un mismo hablante. Los ejemplos que hemos presentado (cf. los audios) son de tres
hablantes: Hipólito Candre (quien habla con un tempo muy lento), Oscar Román
(quien habla en un tempo normal) y Luciano y Víctor Martínez (quienes hablan en
un tempo muy rápido).
17
Jorge Gasché (2003) demuestra esto brillantemente en su manuscrito inédito “Pas de
rhétorique sans musique”.
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 447
en los ejemplos, la presencia del término jagiyi, “aliento” (es decir todos
los atributos son marcados como “aliento de”) –, y una línea con un
verbo de acción (nombrar, soplar, endulzar, sostener), frecuentemente
marcada con un morfema de aspecto (-doi, en el ejemplo 4, -yi, en el
ejemplo 5), que los distancia del registro cotidiano. El bakaki, el yorai
y el zomarafue, todos ellos del registro ceremonial, tienen conjuntos
de fórmulas bien definidas y reconocibles y patrones constantes de
paralelismo. En el bakaki que presentamos en el ejemplo 3, tenemos unas
líneas que hablan de sacar y quemar una planta específica, empleando
fórmulas como iraimo kue bita/bita (“lo arrojo en la candela”/“arroja”) y
terminando con atide/atide (“lo trae”/“trae”); este mismo esquema, con
ligeras variaciones, se va a seguir empleando para cada una de un gran
conjunto de plantas (esto es lo que llamamos paralelismo). Lo mismo
puede decirse del yorai y el zomarafue.18 La palabra de mambeadero
(jiibibiri uai), de la cual el libro Cool tobacco, sweet coca (CANDRE-
KINERAI; ECHEVERRI, 1996) es un buen ejemplo, tiene su estructura
retórica como allí lo demostramos abundantemente. El yetarafue se
acerca al habla cotidiana, pero también tiene una estructura retórica,
combinando una advertencia (en la forma de evitar algo o hacer algo de
cierta manera, por ejemplo “hay que bañarse temprano en la mañana”)
y su posible consecuencia (“para que después un palo pesado no
lo venza”).
En criterios sociolingüísticos, los géneros que hemos discutido
se organizan en términos de los dos registros ceremoniales que
corresponden a situaciones sociolingüísticas contrastantes: la cele-
bración de los rituales, en los cuales participan unidades residenciales
diversas, donde se despliega el registro ceremonial, y el espacio de la vida
cotidiana en el contexto de una unidad residencial, donde tiene lugar el
registro cotidiano de la lengua. Una situación sociolingüística adicional
que comparte de ambos ámbitos es el jiibibiri, “mambeadero”, que tiene
lugar de manera cotidiana en el ámbito de una unidad residencial,
pero adopta – en medida variable – la prosodia y retórica del registro
ceremonial (como en el ejemplo 7).
Todos los ruaki, “cantos”, corresponden al ritual, pero se
pueden distinguir al menos tres tipos, de acuerdo a la situación y a los
18
De yorai no tenemos registros grabados y transcritos; en diciembre de 2019, sin
embargo, tuvimos la oportunidad de escuchar un yorai de invitación a un ritual de
zikii en Leticia. Del zomarafue, puede escucharse un registro obtenido por Benjamín
Yépez (1981, 3min50s) en La Chorrera en los años 1970.
448 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
19
Empleamos aquí a expresión “naguiraiko”, “casa de cuatro estantillos”, para referirnos
a “la maloca”, en lugar del término “ananeko”, “casa en el suelo”, que es usado
comunmente, por indicación del sabedor Oscar Román-Jitdutjaaño “Enokakuiodo”.
Una aproximación al arte verbal de la Gente de Centro (Amazonia colombiana) 449
Referencias
AGGA CALDERÓN “KAZIYA BUINAIMA”, L.; WOJTYLAK, K. I.;
ECHEVERRI, J. A. Murui: naie jiyakino – el lugar de origen. Linguíʃtica, Rio
de Janeiro, v. 15, n. 1, special issue, p. 50-87, 2019.
ANCIANOS DEL PUEBLO FÉÉNEMINAA. Fééne fíívo játyime iyáachimihai
jíínije –territorio primordial de vida de la descendencia del Centro:
memorias del territorio del pueblo Fééneminaa – Gente de Centro. Puerto
Santander, AM: Comunidad Chukiki, 2016. DOI: https://doi.org/10.5281/
zenodo.3780583.
AREIZA SERNA, L. Uiki: moroma komeki, riaroki komuiya. Diona, Jibina,
Farekatofe nairai yuano [El juego de pelota: corazón del padre, frutales de
vida. Memorias entre los hijos del tabaco, la coca y la yuca dulce]. 2016. Tesis
(Maestría en Estudios Amazónicos) – Universidad Nacional de Colombia,
Sede Amazonia, Leticia, 2016.
450 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
1
Mantemos o crédito da excelente transcrição da Emily, ainda que devêssemos
mesmo chamar esta carta de “reescrita” – mas essa discussão fica como rodapé para
outro texto!
GESTOs da Jean 457
possessões das suas crias. Então, era um pouco disso que a gente queria
conversar, pensar com vocês.
Luciana Hartmann: Antes de criarmos o GESTO, eu e a Jean
fizemos uma pesquisa sobre a antropologia da performance no Brasil,
e ela observava que esse campo se constituía a partir, basicamente, dos
eventos, de práticas etnográficas, da observação de uma festa, de um
ritual, o que é fundamental, mas que não havia muito debate teórico.
Ela se ressentia um pouco dessa falta de discussão mais teórica e
metodológica, inclusive, que enriquecesse a análise do que era observa-
do. Era muito etnográfico, descreviam-se o movimento, o gesto, o corpo,
o som – o que, claro, sabemos, tem seu mérito –, mas eu acho que no
GESTO nós de alguma forma avançamos nessa discussão. Então me
parece que hoje em dia nossas pesquisas já não têm mais essa coisa: “Ah,
vamos olhar para um evento de performance”. São muito mais amplas, é o
que temos chamado de antropologias em performance – inclusive é esse
o título que vem sendo dado aos seminários que organizamos, de três
em três anos, desde 2008.
Então, queridos, começando... Se eu não me engano, o John me
corrija se estiver errada, eu acho que você conheceu a Jean na minha
banca de doutorado, não foi, John?
John Dawsey: Em 2004, não é? Exatamente, foi na sua banca.
Luciana: Porque eu tinha te assistido em uma banca, do Gustavo
Blasques, no Museu Nacional. E aí eu pensei: “Nossa, que cara bacana!
Quero ele na minha banca”. Você veio para minha banca, e, enfim, vocês
se conheceram. Depois a Jean esteve na sua banca de livre docência, eu
acho que tem uns cruzamentos aí. E o Paulo também participou dos
eventos do NAPEDRA,2 do pessoal do GESTO com o NAPEDRA. Uma
coisa que eu estava falando, que eu acho bem bacana nessa rede que nós
temos, é que eu não vejo muita disputa no campo de antropologia da
performance no Brasil, eu vejo alianças. A gente se junta, se alia. E eu
acho que a Jean contribui muito nessa relação de não competitividade.
Eu acho isso bonito. E por isso pensamos em fazer um texto coletivo,
a muitas mãos, muitas vozes, a partir desta conversa com vocês e com
Viviane, Evelyn e Scott. Todo mundo comentando um pouco dessa
presença da Jean, menos como a nossa maga mestra e muito mais como
essa pessoa que impulsiona, que empurra a gente às vezes pro abismo, e
2
O NAPEDRA é o Núcleo de Performance e Drama ligado ao Departamento de
Antropologia da Universidade de São Paulo (USP).
GESTOs da Jean 459
você vai e descobre que pode voar. A Vânia sugeriu de a gente perguntar
qual é a primeira lembrança que vocês têm da Jean.
John: Vou aproveitar então. Luciana lembrou, e eu pensei: “Foi
mesmo, a banca da Luciana, em 2004”. No NAPEDRA, a gente estava
conversando, discutindo, tinha surgido esse interesse por antropologia
da performance. Então reunimos um grupo e já sabíamos da Jean, mas
ainda não tínhamos feito contato. A Luciana convidou para essa banca,
e foi o primeiro contato. Foi muito legal, foi uma defesa muito bonita.
Daí no ano seguinte teve a defesa do Rubens,3 que era meu orientando;
a Jean participou, e fomos nos entrosando. A partir disso, fomos
organizando juntos alguns GTs na ANPOCS [Grupos de Trabalho
da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais], a gente foi conhecendo... Acho que a Vânia apresentou em um
desses GTs, depois o Scott, adiante o Paulo, e depois houve os eventos
de vocês.4 Participei da banca da Viviane também, conheci a Evelyn nos
eventos que vocês organizaram. Eu sentia muito isso, essa relação entre
o NAPEDRA e o GESTO. Também teve aqueles eventos que o Paulo
organizou em Lisboa,5 aquilo foi dando força e foi criando uma energia
muito legal, gostosa. Essa energia realmente tem muito a ver com a
Jean, o jeito dela, a simplicidade dela, pequenos gestos. Eu lembro uma
vez, no NAPEDRA, a gente convidou a Jean. Era 2006, o NAPEDRA
organizou um evento especial: uma apresentação da Jean sobre
performances narrativas. Chamou a atenção o brilho nos seus olhos ao
falar de viagens pelo rio Putumayo e de pesquisas com os Siona. As suas
palavras eram precisas e certeiras como flechas de Oxóssi, imaginei.
Após a palestra, houve um tempo para perguntas. E o evento realmente
se tornou especial. Impressionante a capacidade de escuta da Jean. Ela
mesma fazia as perguntas querendo conhecer as pesquisas das pessoas
presentes. Assim como fazia com ameríndios Siona, agia com colegas
do NAPEDRA: ouvia as suas histórias. Num gesto de escuta, produzia
conhecimento. E iluminava. Foi muito legal a simplicidade dela falando.
E essa coisa do “gesto”, eu senti as palavras muito precisas. Eu gostava
muito de olhar esse brilho nos olhos da Jean, que de vez em quando
3
“Performance congadeira e a atualização das tradições afro-brasileiras em Minas
Gerais” (SILVA, 2005).
4
O “Colóquio Antropologias em Performance”, realizado em 2009, 2012, 2015 e 2018,
e o quinto, que esperamos realizar em 2021, na UFSC.
5
Boa parte das produções bibliográficas e dos eventos citados no texto consta do artigo
publicado recentemente por Luciana e Jean (HARTMANN; LANGDON, 2020).
460 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
você vê, tem um senso de aventura. Eu via quando ela falava dos Siona,
compartilhando a experiência dela. Me parece que ela gosta do silêncio,
mas valoriza a palavra e principalmente a audição. Essa capacidade de
dialogar partindo do que cada um estava falando, então ela ajudou muito
os colegas do NAPEDRA também, e não só os do GESTO. Realmente,
nos momentos em que estivemos presentes, tem muitas recordações,
pequenos gestos realmente de que poderia lembrar.
Paulo Raposo: Vou falar um pouco também. Eu recebi esse
convite pensando que nós já iríamos partir para a construção do texto.
Então eu já escrevi um texto. Eu estava pensando justamente nessa ideia
do encontro, do encontro com a Jean. E do que é o encontro, que foi
mais do que transmissão de conhecimento ou de aprendizagens. É isso
também, mas é sobretudo uma coisa que para mim foi muito impor-
tante: autonomia, ou essa palavra estúpida do presente, “empodera-
mento”. Foi ganhar algum poder e crescer. E vocês podem achar isso
tudo muito estranho, porque eu já sou velhinho, tenho cabelo branco
e tal [risos], mas não sou tão velho assim. A Jean apareceu na minha
vida em um momento em que, academicamente, eu estava verde,
absolutamente verde. Ela entrou assim, de repente, sem se impor – nunca
se impôs, nunca houve nenhuma relação de poder. Aliás, fui eu sempre
que convidei. A primeira vez que eu vi a Jean foi aqui em um corredor
do ISCTE.6 Eu estava em trabalho de campo para o meu doutorado.
Eu acabei o meu doutorado em 2003, e em 2001 ela estava aqui como
professora visitante, em um pós-doc. Então eu vejo ela no corredor, e
havia uma amiga em comum nossa, que é Maria Manuel Quintela. Ela
trabalhava sobre águas termais e questões de saúde, e trabalhou com a
Jean em uma altura prévia. A Maria Manuel disse-me assim: “Paulo, tem
aqui uma amiga do Brasil, e ela tá com essas coisas também do Estudo
da Performance, ela está aborrecida. Vai atrás dela, pelo amor de Deus”.
E eu já era conhecido como uma boa companhia, basicamente [risos].
Então eu fui, e o primeiro impacto que eu tive dela foi: achei que era
uma mulher muito alta. Eu não sei, hoje estava pensando, eu tenho
ideia de que a Jean é altíssima: uma mulher esguia e alta. E perdida no
corredor do ISCTE. Eu fui ter com ela. Fomos tomar um café, nada
de especial, uma conversa banal. Nós ficamos combinados para um
jantar na casa da Maria Manuel. Então foi o vinho que selou o nosso
6
ISCTE, ou Instituto Universitário de Lisboa, ao qual estão vinculados Paulo Raposo
e Felipe Reis.
GESTOs da Jean 461
fazer com ele?7 A manifestação dele era ficar parado. Tinha havido
muita pancada nos manifestantes por causa daquele parque que ia ser
transformado, no processo de gentrificação da cidade. O cara ficou
parado, e aquilo impulsionou uma série de pessoas a se imobilizarem
pelo mundo afora da mesma maneira. Tem também os die-in, quando
o pessoal se deita, como mortos – há inúmeras performances. Essa
questão da dança, da imobilidade, do ato imóvel, da dança exausta...
Pego isso para falar que para mim a Jean é presença invisível, legado.
É o mesmo microgesto, o mesmo micromovimento que o ato imóvel
tem. O ato imóvel é o ato que parece que não está se mexendo,
mas está: há respiração, há circulação sanguínea, há movimentos
corporais. O cara tá parado, mas na verdade há movimento, há vida.
O Lepecki fala de essa coisa ser contra... no debate da dança moderna...
ser contra a circulação do capitalismo. Então eu imagino aqui esse
movimento imóvel da Jean, que ela ocupa em nós todos, não como
um lugar teórico, como vocês falavam no início. Isso não tem interesse
nenhum, nem é isso que é importante, mas ela ter deixado coisas.
E uma das coisas que ela deixou, Scott, foi tu e o Alan8 naquele ciclo
de cinema que eu organizei em 2018/2019, o “Cidades Rebeldes”,9
lembras? Tu e o Alan estavam como debatedores, e a Jean, no público.
Então é como se tivesse o fio ao contrário: ela na minha banca, depois
ela me convidando, e finalmente ela no público, assistindo ao filho,
com os legados, com o Scott, que é uma ligação da Jean com o GESTO
e com o Departamento de Antropologia. Foi essa a brincadeira que eu
procurei fazer, esses três gestos, e de alguma forma falar de três ciclos
dos meus encontros com a Jean. Eu disse para a Vânia: “Cara, vou
fazer uma coisa muito afetiva, muito de aguçar o pieguinhas” [risos].
7
Erdem Günduz, em 17 de junho de 2013, permaneceu parado por horas, em silêncio,
na Praça Taskim, um gesto em contraponto à violenta repressão do governo de Recep
Tayyip Erdogan aos protestos no Parque Gezi.
8
Alan Langdon, filho de Jean. Alguns de seus trabalhos audiovisuais podem ser
visualizados em seu canal na plataforma Vimeo. Disponível em: https://vimeo.com/
alanlangdon. Acesso em: 8 jul. 2022.
9
“Ciclo de Cinema Cidades Rebeldes”, do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da UFSC. Disponível em: https://www.facebook.com/pages/
category/Community/Cidades-Rebeldes-Ciclo-de-Cinema-863396083831571/.
Acesso em: 8 jul. 2022.
GESTOs da Jean 463
Os gestos da Jean
Paulo Raposo
#palavragesto1 – A árvore
#palavragesto2 – A ginga
10
O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Brasil Plural (INCT-IBP) é um dos
poucos INCTs da área da antropologia, coordenado por Jean. Para mais informações,
ver: https://brasilplural.paginas.ufsc.br/.
468 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
11
Marcela Maria Soares defendeu a tese de doutorado “Haja vida”: teatro à deriva em
São Paulo, em março de 2020.
GESTOs da Jean 469
Querida Jean,
Faz um tempo que não escrevo cartas, mas resolvi recorrer a esse
formato porque nesses árduos tempos de isolamento social me
parece que a carta restaura a possibilidade da intimidade pela
palavra – tão cara a nós, que nos especializamos em ouvi-la, em
performance, nos mais diferentes contextos.
Recuperei um texto que havia escrito, a pedido do John, para fazer
sua apresentação na ANPOCS, em 2016, e a partir dele fui me
lembrando de nossa história em comum.
Vou contando histórias, porque as histórias marcam minha
trajetória de pesquisa e meu encontro contigo.
As palavras, os gestos e as poéticas de quem conta sempre me
encantaram. Eu era uma estudante recém-formada em teatro,
apaixonada por antropologia, nos idos da década de 1990,
quando te conheci. Tentava ingressar no mestrado, ainda com
referências incipientes na área, e tu acreditaste no projeto
daquela desconhecida que pretendia investigar as performances
de contadores de causos gaúchos, nas pampeanas fronteiras entre
Brasil, Argentina e Uruguai.
Foi contigo que passei a compreender com maior profundidade
as diferentes artes de combinar as palavras. E que, para entender as
palavras e seus múltiplos significados, temos de exercitar a escuta.
Muita escuta. Até hoje, quando me dizem que sou uma contadora,
eu corrijo: sou uma escutadora de histórias.
Aprendi isso contigo, Doña Juanita – sei que os Siona, com quem
passaste boa parte dos últimos 40 anos, escutando e anotando
mitos, sonhos e projetos, te chamam assim. E para mim a
lindeza disso tudo é saber que transformaste a escuta em ação,
contribuindo com o programa de etnoeducação da Asociación
de Cabildos Indígenas de los Pueblos Siona (ACIPS), reforçando
a necessidade de revitalização da língua Bain Coca. Indico a
todos que queiram conhecer melhor teu trabalho que assistam ao
belo documentário Taller de Bain Coca con el pueblo Siona del
Putumayo, de 2015, dirigido por ti e pelo Alan, pois conta/mostra
em detalhes esse processo.
Esse comprometimento da antropologia com a vida social ganhou
novas dimensões e reverberações com a criação do Instituto
Brasil Plural, que lideras há muitos anos. No IBP se entrelaçam
as contribuições da antropologia para a elaboração de políticas
470 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
nessa maneira de ela ser. Tem uma generosidade que ao mesmo tempo
é focada, é objetiva: “Olha, está sobrando uma cama no meu quarto, e
você tá pegando um ônibus durante duas horas para chegar ao evento”.
E tem essa coisa que você fala, que é de um certo empoderamento, de
uma autonomia, de “vai buscar o teu caminho”. Eu, por exemplo, ia fazer
o meu doutorado-sanduíche em Nova Iorque. O projeto era esse, com o
[Richard] Schechner, no “Performance Studies” da NYU [Universidade
de Nova Iorque]. E aí acontece o [atentado de] 11 de setembro [de 2001].
Eu fiquei apavorada: “Eu não quero ir para Nova Iorque!”. Mudei tudo
em seis meses. Eu fui para a França, e quem me ajudou foi a Soninha
Maluf [Sônia Weidner Maluf], que era minha coorientadora, porque a
Jean não tem relação com a França. Fui estudar antropologia visual com
o Marc[-Henri] Piault, mas ela sempre me apoiou: “Vai. Vai. Você que
sabe. Faça o que você entende que é melhor”. É bacana isso. É por isso que
gosto muito da ideia dos gestos da Jean.
Scott: Só compartilhando, eu pensaria em seguir essa pegada,
mas neste caso seguindo um gesto que se estende para além do
universo acadêmico, dos variados campos de pesquisa em que a Jean
deixou pegadas. No caso, penso no “Sopão de Cinema” – um evento
recorrente que nem foi realizado por Jean, mas pelo Alan, filho dela.
Mesmo assim, para mim, foi em parte pela amizade com Alan que
acabei me aproximando da Jean – foi um pouco por aí que tecemos
esse lado afetivo; mais que isso, acho que tem uma potência metafórica
e material, ao mesmo tempo, para dar conta desses lados da Jean.
O “Sopão de Cinema” foi um evento que o Alan fez durante alguns
anos. Quando a gente veio para cá [Florianópolis], em 2007, se não me
engano, já estava rolando. Ele chamava todo mês o pessoal que quisesse
participar, tinha muita gente, não da academia, não tinha uma ligação
direta com o GESTO; a Jean nem costumava ir. O que acontecia era
que Alan fazia um sopão, literalmente, e mostrava um filme. Podia ser
filme mais experimental, documentário ou de ficção – de curta, longa
ou média-metragem –, realizado por conhecidos ou não, ou por ele
mesmo. O que mais importava era que vinha sempre acompanhado por
aquele sopão – o olfato estimulando a fome enquanto assistíamos ao
filme. Vejo a conexão como emblemática dessa dualidade da Jean que
vocês vinham apontando: tem um lado objetivo, contar alguma coisa,
mostrar uma coisa, construir uma narrativa, apresentar etc. E tem esse
lado de que não vai ser só aquilo, tem que colocar a mão na massa, tem
que ter uma coisa para compartilhar. Evidentemente, o sopão sempre
GESTOs da Jean 473
Imagem:Imagem:
Alan Stone Langdon.
Alan Stone Langdon.
John: Eu adorei tudo que vocês estão falando. Paulo, Luciana, Scott, muito legal. Estava
lembrando as coisas das imagens, lembro uma conversa com a Jean falando do avô dela.
Era um pintor conhecido, que pintava os índios Sioux dos Estados Unidos. Eu achei
12
sempre legalMicol
isso,Brazzabeni,
porque eleantropóloga, autora de diversos
era meio aventureiro. Ele era umtrabalhos sobre que
aventureiro economias
pintava os
ciganas
índios Sioux. Ela efoi
escola, esteve em
dos Sioux Florianópolis
para os Siona, eentre 2016 efoi
também 2017.
uma aventureira. Ela deve ter
feito a pesquisa de campo dela nos anos 1970. Eu me lembro dela falando isso, ela botou
na cabeça que ia para a Colômbia. Ela falou da experiência dela descendo o rio de canoa.
De repente, ela, como se entrando em transe, viu que estava fazendo tudo aquilo que
474 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
13
Estes são números atualizados em 3 de setembro de 2020. Em 2016, os dados
eram: 81 artigos, 8 livros, 57 capítulos de livros; pesquisadora CNPq 1B; inúmeras
apresentações em eventos acadêmicos. Orientou 23 teses de doutorado e 52
dissertações de mestrado.
476 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Ela estava feliz com a sua mudança para o Brasil. Os seus filhos
também. Ela agora poderia fazer pesquisa no país onde morava.
Não era mais uma norte-americana fazendo pesquisa em outro
país. Ela morava e fazia pesquisa no Brasil.
GESTOs da Jean 479
5. GESTO
14
O nome registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de
Desenvolvimento científico e tecnológico (CNPq) é Núcleo de Estudos sobre Saúde
e Saberes Indígenas (NESSI).
480 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
8. Dom e contradom
Dos índios Sioux do seu bisavô aos índios Siona de Jean, ou Doña
Juanita. Com certeza, o seu bisavô aventureiro, um frontier artist,
ou artista de fronteira, chamado John Dare Howland – cujo nome
do meio quer dizer “desafiar”, “ousar” –, ficaria orgulhoso de
sua bisneta.
Vânia: Essas imagens que ela escolhe de si são ótimas. Eu morri de rir q
imagem para um evento da Abrasco: é a Jean, perfeita.
Figura 8 – Cartaz de divulgação do painel “Diálogos emergentes sobre cu
482 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Vânia: E para um contexto de mais uma live, sobre mais uma coisa. A cara dela é ótima
Scott: Os óculos escuros junto com aquele sorriso irônico, blasé.
[risos].
Vânia: E para um contexto de mais uma live, sobre mais uma
coisa.
Paulo: Ela temAum cara dela é ótima
episódio... [risos].
No meu texto eu falo desse episódio. Me marcou bastante,
é outra coisa, Paulo:
não é anedótico. A Jean
Ela tem um episódio... às vezesNotemmeu uma forma
texto eu de
faloexpressar
desse o seu
desacertoepisódio.
com o mundoMe marcou bastante, é outra coisa, não é anedótico. A Jean às assim.
que é muito peculiar. Tu não consegues encontrar pessoas
Ela estava
vezes tem umaaqui
a dar aulas forma dedeantropologia
expressar o da
seusaúde e da com
desacerto doença, trabalhava
o mundo que é muito as
questõesmuito
do xamanismo, do não
peculiar. Tu transe. Ela saía encontrar
consegues das aulas, pessoas
dos nossos alunos
assim. Ela portugueses,
estava da
antropologia, e dizia: “Paulo, é muito estranho, esses vossos
a dar aulas aqui de antropologia da saúde e da doença, trabalhavaalunos são todos racionais,
muito, são
muitotodos muito racionais.
as questões O que édoque
do xamanismo, tem aqui
transe. neste
Ela saía daspaís?
aulas,Estão
dos sempre
questionando o transe: ‘Mas é verdade ou é mentira?’. Caramba, mas que conversa é
essa?”. E aquilo me deu uma noção, foi engraçado, porque de fato os nossos alunos –
europeus,15 de um status
Disponível em:dehttps://www.abrasco.org.br/site/noticias/sensibilidade-e-urgencia-
classe média – tinham muita dificuldade em aderir a qualquer
marcam-cuidados-com-povos-indigenas-destaca-painel/53170/.
tipo de linguagem. Ainda que fossem alunos de antropologia, tinham Acessomuita
em: dificuldade
20
set. 2022.
em alcançar esse patamar da floresta, de entrar na floresta. Por isso eu usei a imagem da
árvore para ela, também dessa floresta do xamã, de onde ela vai e de onde ela volta.
Portanto, nas aulas, era uma espécie de luta que ela fazia, silenciosa, contra esse
GESTOs da Jean 483
16
Filme Oficina do idioma Bain Coca com o povo Siona do Putumayo. O filme foi desen-
volvido pela Jean junto com seu filho, o cineasta Alan Stone Langdon, e documenta
a oficina de revitalização da língua Bain Coca, realizada com a participação
dos anciões e das anciãs Siona. A produção está disponível no YouTube, no canal
LangdonFilmes: https://www.youtube.com/watch?v=vzCOA7WoTK8.&feature=
youtu.be. Acesso em: 29 jul. 2022.
GESTOs da Jean 487
17
Trata-se de trabalhos (como, entre outros, a oficina documentada no filme)
vinculados ao projeto desenvolvido junto com as comunidades siona, no qual se
destaca a necessidade de revitalizar a língua original Bain Coca com a participação
ativa dos avôs e das avós Siona e de suas narrativas como fortalecedores de memória,
história e cultura. O projeto faz parte do programa de etnoeducação da Asociación
de Cabildos Indígenas de los Pueblos Siona, programa vinculado ao Plano de Vida
elaborado pelas comunidades.
488 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
que talvez o nosso texto pudesse ser um grande brinde à Jean. Algo com
o qual cada um de nós, neste momento, do seu cantinho, da sua janela
(física ou virtual), pudesse estar brindando com ela.
Scott: Acho que esse é bom para ser o primeiro e último gesto,
de brinde. Já que todas essas falas envolvem, de alguma forma, as
inebriações líquidas. Mas uma outra coisinha que eu acho que tinha
que entrar de algum modo, que a Evelyn me fez lembrar, é o fato de que
nessas festas ela combina – acho que é bem representativo dessa
combinação da Jean brasileira e americana –, ela combina esse estilo
de fazer uma festa e pedir às pessoas para trazerem suas comidas. Ela
não faz o que muitos de lá de cima, do Hemisfério Norte, fazem, que é
basicamente fazer disso um modo de não ter que cozinhar em casa. Ela
faz para abundância, ela sempre tinha vários pratos, alguma coisa no
forno, e ainda convidando as pessoas para trazer comida. Era festança,
com comilança mesmo. Eu acho legal essa combinação.
Luciana: Tim-tim.
Viviane: Daria para mudar para Jean-Jean [risos].
John: Posso contar mais uma anedota? Só para dizer um aspecto
da Jean. Ela é modesta também. Eu estava em Nova Iorque, eu tinha ido
participar de um seminário do Michael Taussig, na Columbia University,
e falei para ele: “Então, eu sou amigo da Jean Langdon”. Os olhos dele se
iluminaram, e ele falou: “Eu vou te pagar uma cerveja”. A gente foi para
um pub, e eu ganhei uma cerveja por causa da Jean. Ele falou que ela foi
uma pessoa importante para o trabalho dele.
Vânia: Naquele livro, Shamanism, colonialism, and the wild man,
ele agradece a Jean, no início do livro, como uma das primeiras a lhe
falar sobre como era o Putumayo no início dos anos 1970.18
Paulo: Eu acho que foi você, Vânia, que me mostrou uma
fotografia dela nos anos 70... Ou terá sido ela mesma? Já não sei. Eu
há pouco tempo vi uma fotografia dela: a Jean, de jeans n[a aldeia]
siona, nos primeiros tempos, no primeiro ano em que ela lá estava. Uma
fotografia dela muito jovem, só homens, indígenas, em volta dela, e ela
conversando com alguém. Era uma fotografia da pesquisa de campo,
não sei se foi publicada. Achei muito bonita. Porque, quando eu nasci,
a Jean formou-se em antropologia. Graduou-se em 1962/1964, alguma
coisa assim. Eu pensei: nos anos 1960, uma mulher americana estava no
meio da floresta. É mesmo aventura, no real sentido do termo.
18
Taussig (1987, p. xvii).
GESTOs da Jean 489
19
Seguindo o jogo de referências, Scott relembra um dos possíveis enquadres
dessa discussão. Edward Schieffelin (2005, p. 92), no final de um artigo sobre a
problemática de como transcrever uma performance, sugere que transcrições são
mais úteis quando acompanhadas pela gravação da performance transcrita: “é no
jogo emergente entre a transcrição e a gravação usados em conjunto que o trabalho
com transcrições de performance se torna mais útil e revelador”. Na ausência da
gravação, fica a nota de rodapé como índice de outras possibilidades.
490 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Vânia: Raiz.
Luciana: Tem as raízes e tem também os pássaros que saem
voando da árvore...
Vânia: As flechas do John.
Luciana: Cada um vai ocupar um lugar nessa árvore do texto
do Paulo.
Vânia: A gente pode usar essas imagens: tem a árvore e tem a
ginga também. A gente pode gingar com o Paulo.
Luciana: Eu gosto de gingar com os textos da gente.
Scott: Jeangar...
Paulo: Tem que ver. Ninguém vai falar sobre essa estranha forma
de falar da Jean? Essa outra língua que ela inventou? Há uma língua, um
país linguístico, que se chama Jean Langdon.
John: O país é Jean Langdon.
Paulo: Então posso ir dormir?
Luciana: Pode ir dormir!
[FIM]
Florianópolis, Lisboa, Brasília, São Paulo,
conectados na web em novembro de 2020.
Referências
HARTMANN, L. Performance e experiência nas narrativas orais da fronteira
entre Argentina, Brasil e Uruguai. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre,
ano 11, n. 24, p. 125-153, 2005.
HARTMANN, L.; LANGDON, E. J. Tem um corpo nessa alma: encruzilhadas
da antropologia da performance no Brasil. BIB: Revista Brasileira de
Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, v. 91, p. 1-31, 2020.
INDIGNADOS. Direção: Tony Gatlif. França: Princes Films, 2012. (88 min),
son., color.
LANGDON, E. J. A fixação da narrativa: do mito para a poética da literatura
oral. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 5, n. 12, p. 13-36, 1999.
LEPECKI, A. Agotar la danza: performance y política del movimiento.
Barcelona: Centro Coreográfico Galego; Mercat de les Flors; Universidad de
Alcalá, 2008.
GESTOs da Jean 491
Histórias, memórias
e afetos
Ode a Jean Langdon:
a antropologia como escuta,
encontro e cuidado
Viver a antropologia
Este texto foi produzido a três corações afetados, entre outros
tantos, por ter como mentora nossa professora e amiga, homenageada
neste livro. Cada uma(um) de nós foi tocada(o) de modo especial pelos
diversos dons que Jean Langdon distribuiu ao longo de sua carreira
acadêmica.
Em primeiro lugar, buscamos destacar a importância e o impacto
da “escuta” como uma qualidade intrínseca da relação com Jean: escutar
atentamente e com respeito aos sujeitos e dedicar tempo a, de fato,
perseguir o que pensam, dizem e fazem as pessoas, como um ponto de
partida, e não como um aspecto acessório na reflexão antropológica.
Mais do que isso, essa disponibilidade para a escuta sempre colocou
Jean em condições privilegiadas para opinar, pensar, criticar, contribuir
em momentos decisivos de nossas vidas, pessoal ou academicamente.
Essa capacidade de escuta atenta também é um dos elementos que
certamente permitiram que Jean pudesse “atravessar o rio”, como
testemunhamos, ao estabelecer diálogos cruciais entre ciências sociais/
antropologia e saúde, com a comunidade de profissionais dentro e fora
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), iniciando diferentes
sujeitos que hoje atuam e podem também testemunhar a inovação de
Jean em diversos momentos de sua carreira.
Em segundo lugar, gostaríamos de evidenciar como a ideia de
“encontro” parece, da mesma forma, ser uma categoria que bem des-
creve as relações com Jean. Nesta autoria conjunta, resgatamos interes-
santes percursos e linhagens nos quais diferentes encontros e momentos
494 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Escutar é fazer
Falar é uma necessidade, escutar é uma arte.
Johann Goethe
E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por
aqueles que não podiam escutar a música.
Friedrich Nietzsche
1
Sambaqui é um dos bairros na Ilha de Florianópolis, localizado na região norte, de
frente para o Continente.
Ode a Jean Langdon 495
2
O Projeto Calha Norte foi um programa de desenvolvimento civil e militar na região
Norte do Brasil, cujos objetivos fundamentais envolviam tanto a proteção quanto
o povoamento das fronteiras ao norte da calha dos rios Solimões e Amazonas.
O projeto incluía a instalação de quatro pelotões de fronteira na Terra Indí-
gena Yanomami.
3
O Museu Universitário da UFSC passou a chamar-se, em 2012, Museu de Arqueologia
e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral (MArquE).
496 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
4
Atualmente Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
5
O professor Baruzzi, do Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp,
tem papel de destaque na área de saúde indígena, pois foi o criador, em 1965, das
ações de saúde no Parque Indígena do Xingu, referência nacional e internacional em
ensino, pesquisa e intervenções de saúde para povos indígenas. Pelo Projeto Xingu,
muitas(os) pesquisadoras(es), estudantes e profissionais de saúde tiveram (e têm) a
oportunidade de vivenciar e se especializar na área.
Ode a Jean Langdon 497
Encontrar é dialogar
Ir do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) para o
Centro de Ciências da Saúde (CCS) do campus Trindade da UFSC
é mais do que cruzar o Rio do Meio6 por uma de suas pontes. Aqui,
representa o encontro da antropóloga Jean Langdon com colegas da
saúde, construindo outras pontes e estabelecendo elos de/para diálogos,
conformando uma rede de pesquisadoras(es) das áreas da antropologia
e da saúde engajadas(os) criticamente no desenvolvimento de “pesquisas
e modelos analíticos adequados para avaliar as políticas públicas e os
serviços, reconhecendo a diversidade cultural e de práticas de saúde”
(LANGDON; DIEHL, 2020, p. 20). Nessa rede, quero destacar como
um dos lugares de encontros o Núcleo de Estudos sobre Saúde e Saberes
Indígenas (NESSI),7 criado por Jean em 1987, junto ao PPGAS.
Fazia pouco mais de um ano que eu, Eliana Diehl, havia assumido
como professora do Departamento de Ciências Farmacêuticas quando,
em 1992, conheci Jean. Fizemos uma reunião no CCS, com a presen-
ça do professor Lúcio Botelho, à época diretor do centro, e de estudantes
do PPGAS/UFSC, tratando da rearticulação do NESSI. Nosso objetivo
central foi não só o de promover pesquisas e formação em etnologia e
antropologia da saúde, mas também de atuar politicamente na saúde
6
O Rio do Meio é o principal curso de água no campus Trindade da UFSC, tendo
como principais afluentes os córregos da Serrinha, do Reservatório, do Pantanal,
do Bosque e da Arquitetura, que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio do Meio
(UFSC, 2020).
7
Até o início dos anos 2000, era denominado Núcleo de Estudos da Saúde Indígena
(NESI). Neste texto, simplificando, usarei somente NESSI, ainda que o texto traga
memórias anteriores a 2000.
498 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
8
Não cabe aqui detalhar o papel do professor Baruzzi ao longo de tantos anos, mas
salientar que o NESSI teve uma boa aproximação com ele e seu grupo.
9
A “II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas” aconteceu entre 25 e
27 de outubro de 1993, em Luziânia, Goiás.
Ode a Jean Langdon 499
10
Como medicina, biologia, enfermagem, nutrição, farmácia, só para citar algumas.
A diversidade de formação de suas(seus) orientandas(os), especialmente da saúde,
é característica da trajetória acadêmica de Jean, demonstrando o fascínio que ela
exerce sobre quem a escuta e a encontra.
11
Para saber mais, ver em: https://www.abrasco.org.br/site/gtsaudeindigena/.
Ode a Jean Langdon 501
Cuidar é práxis
Entre as(os) que assinamos este ensaio, eu, Fernando Ciello, sou
o que mais recentemente conheceu Jean Langdon. Fui seu orientando
12
Esposo de Marisol (Maria Soledad Etcheverry Orchard, que também escreve nesta
coletânea em homenagem à Jean).
Ode a Jean Langdon 503
13
Como muitas outras filmagens e materiais audiovisuais da trajetória intelectual de
Jean, também o “Uma antropologia da práxis” foi filmado por Alan Langdon, seu
filho, e está disponível no YouTube.
506 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
sido todas(os) cuidadas(os) por Jean, sem que ela soubesse que o estava
fazendo, e sem também pretender ser encaixada em qualquer condi-
ção rígida ou inescapável de cuidadora, resistindo a qualquer explicação
rápida sobre si, e ao mesmo tempo dispondo de si e de suas muitas
qualidades para melhorar a vida daquelas(es) ao seu redor: talvez sua
própria teoria praxiológica do cuidado e do cuidar.
Referências
CIELLO, F. J. A vida do diagnóstico: práticas terapêuticas e movimentos em
uma clínica-dia. 2019. 346 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) –
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Centro de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2019.
IBP – INSTITUTO NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA BRASIL
PLURAL. Missão e objetivos. INCT Brasil Plural, Florianópolis, [2021].
Disponível em: https://brasilplural.paginas.ufsc.br/o-instituto/missao-e-
objetivos/. Acesso em: 20 jan. 2021.
508 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Escuchar
Probablemente el dossier ya dé cuenta de esto, pero creo que uno
de los grandes aprendizajes que se puede tener con Jean viene de su
capacidad de escuchar. Tal vez su formación antropológica dentro del
llamado culturalismo americano, tal vez su trabajo académico en el que
ha pasado largas horas de su vida trabajando con las narrativas de los
Siona, tal vez toda una vida navegando entre el “sio bain”, el inglés, el
español y el portugués la hayan entrenado en esta capacidad que para
mí es admirable. En los salones de clase, pero también en los congresos,
en los cafés y en la mesa del comedor y en la calle, siempre está dispuesta
a escuchar lo que las personas tienen para decir. Procura y crea los
espacios para que quien se manifiesta pueda llevar sus ideas hasta el
final, aunque a ella las palabras proferidas la incomoden, aunque su
lenguaje corporal y sus ojos se vean angustiados frente a una idea que le
angustie o le indigne. Por supuesto, como Jean no querrá ser santificada
en este texto, diré que como el ser humano que es, también hay días en
que estalla, “mete la cucharada”, opina bruscamente sobre las ideas que
la inquietan. Sin embargo, y a pesar de estos momentos, la escucha en
Jean es una constante.
Y esa escucha, creo yo, permite particularidades muy importantes
en la antropología que aprendí con ella. Si otros autores me habían
enseñado que había que hacer observación participante, o que caminar
era una clave fundamental para comprender los mundos a los que nos
aproximamos, Jean sumó a ese repertorio la necesidad de escuchar.1
1
Por supuesto, además de exacerbar los sentidos más allá de la mera observación.
La(el) antropóloga(o) que escucha, prontamente podrá en campo saber que otros
saberes y experticias serán importantes para disponerse epistemológicamente al
campo: desde pelar gallinas, hasta jugar fútbol, pasando por quedarse horas sentado
en silencio o disponiéndose a ser la(el) maestra(o) de la escuela, no es posible
512 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Ser gente
A Jean la conocía ya hacía un par de años, había sido su alumna
en el salón de clases, había leído sus textos, habíamos compartido varias
experiencias. En ese punto, conocía de su generosidad y de su rigor,
de su humor y su sentido de la justicia, y me sentía realmente feliz de
tenerla como mentora. Lo que no sabía era que aún me faltaba conocer
a Juanita. Si, aquella joven que en los setenta fue la primera maestra de
la escuela construida en la comunidad siona del Putumayo durante el
trabajo de campo que realizó para concluir su doctorado.
Yo pensaba en Juanita como un momento de la vida de Jean que
se había quedado capturado en el tiempo y que vivía sobre todo en sus
etnografías, pero claramente estaba equivocada. Caí en cuenta de mi
equivocación, si la memoria no me falla, en 2010, o tal vez en 2011,
cuando Jean volvió al Putumayo a encontrarse con el pueblo Siona. En
esa época, mi padre, también antropólogo, fue con ella a campo, y él me
contó sin quererlo que Juanita no había sido capturada por texto alguno,
que estaba allí en la reunión con el pueblo Siona.
Después de varias décadas, y a pesar de los retornos intermitentes
de Jean a Colombia, ella sigue siendo la profesora Juanita. Y Juanita
estuvo en reuniones y conversó, y volvió al Brasil con experiencias
agridulces (lo agrio, sobre todo, por el exceso burocrático para hacer
cualquier cosa en Colombia), y se veía radiante y feliz, y conmovida,
y movilizada, y angustiada por lo que había vivido en esos pocos días
en la comunidad. Desde ese tiempo, Jean volvió con mayor frecuencia
a Colombia y al pueblo Siona, y sólo una pandemia mundial la ha
obligado a un receso del que, seguro, pronto saldrá.
Conocer a Juanita para mí fue al principio algo bonito, emo-
cionante. Algo que me resonaba, pero que no sabía muy bien como
elaborar. Entendí con el tiempo, y a partir de mis propias experiencias,
que Jean con los Siona se hizo gente, y que, en cuanto gente, está de
diferentes maneras en su memoria y en su presente, y por eso, a pesar
del tiempo, continúa Juanita. Jean no es un(a) investigador(a) más que
hizo su campo, escribió su tesis y jamás volvió, Jean sigue apostando
a una relación que, me atrevo a decir, es académica pero también
comprometida, afectada y por qué no afectiva, en la que sigue siendo
514 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Antropologías liminales
Aunque el término de lo liminal pueda cargar un poco de
pesadumbre, me pareció un lugar interesante para pensar en la
De escuchar, ser gente y de antropologías liminales 515
Referencia
MAETERLINK, M. La inteligencia de las flores. Bogotá: Taller Edición Roca;
Bolsillo de Duende, 2018 [1910].
Engajamento e empatia:
Jean Langdon como
colega e amiga
1
“Eu”, Diana, sou a principal voz aqui, devido às limitações na coautoria em tempos
de covid-19. Ver nota abaixo.
518 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
festas nos fins de semana sempre foi uma aventura. O trânsito para
Santo Antônio, seus populares restaurantes de frutos do mar cheios de
clientes, as entradas de garagens em rampas íngremes, tudo isso fazia
com que a mera ideia de percorrer esse caminho nos deixasse tontos.
Os sulcos e a lama na estrada não pavimentada até Sambaqui, pipocada
de buracos e pedras salientes, são especialmente desafiadores na chuva.
Mas tudo isso é acompanhado por vistas maravilhosas da água e da
cidade, a distância, e, mais perto da praia, das boias de cultivo de ostras.
E tem sempre valido muito a pena a viagem pela companhia,
por sermos recebidos pelos seus cachorros, alegres e cheios de
energia, pulando para escapar quando abrimos o portão e descemos
cuidadosamente até a casa, pregada na lateral de uma colina íngreme,
que parece estar pendurada sobre o mar. Uma casa adorável e muito
“Jean”, um espaço confortável e acolhedor para socializar, bem como
para discutir assuntos mais sérios. Um alpendre com vista espetacular
sobre a água, para o clima mais quente; uma lareira na sala, que nos
aquece em dias mais frios. Nos apinhamos ao redor do bar, entre a sala
e a cozinha, bebericando caipirinhas feitas com a cachaça especial da
Jean, envelhecida e saborizada, roendo salgadinhos, saudando pessoas
e batendo papo com Jean, no permeio de apresentações, conversas,
fofocas, enquanto ela prepara refeições deliciosas – feijoadas, frangos
assados, assados de porco à portuguesa e saladas, guarnecidas pelo seu
próprio molho especial. Um conjunto de velhos amigos, novos amigos,
visitantes de outros países e outras partes do Brasil, principalmente
antropólogos, mas incluindo outros acadêmicos, colegas do passado
e do presente, estudantes, alguns dos quais alugam domicílio com ela,
seus próprios estudantes e seus filhos – especialmente Alan, que vive
em Florianópolis e cujas pinturas cobrem as paredes da casa, é um
frequentador constante que compartilha conosco os detalhes de sua
carreira como cineasta de documentários. Ele acompanhou Jean em
uma recente visita aos Siona e fez fotografias maravilhosas. Através
desses encontros, podemos ver um pouco do mundo de Jean: sua
amizade com pessoas diversas, sua habilidade de promover a amizade
entre elas e, reforçada por comida e bebida, a criação de uma atmos-
fera ao mesmo tempo animada, descontraída e convidativa a uma
boa conversa.
Na UFSC, Jean sempre tratou de nos fazer sentir bem-vindos e
parte do departamento. Com grande generosidade, deu-nos a chave
de sua sala para que a usássemos quando estivéssemos no campus e
precisássemos de um lugar para trabalhar ou nos reunir com alunos.
Engajamento e empatia 519
Nota
Este texto foi escrito sob circunstâncias difíceis, criadas pelo vírus
causador da covid-19. Mario, que tem mal de Parkinson, caiu e quebrou
o fêmur em 24 de outubro de 2020, e desde então, por quase cinco
522 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Alicia Castells
Um dia contei para Jean que nunca tinha visto uma árvore tão
magnífica como a samaúma. É curioso que você não fala que conheceu
uma árvore para qualquer pessoa, mas para ela você conta. Eu recém
tinha conhecido uma dessa espécie em uma visita ao Jardim Botânico
do Rio de Janeiro.
Assim como eu, nenhuma das pessoas presentes nessa ocasião
junto à árvore tinha ficado imune à sua força, era um lugar de reverência.
Umas dez pessoas, ou mais, juntaram as mãos para tentar abraçar seu
tronco e não conseguiram. O tronco era uma imensa coluna de madeira
que se abria em direção às raízes, ampliando seu perímetro, e necessitaria
de muito mais gente para poder circundá-lo. Sua sombra generosa e
gigantesca dava a sensação de estar dentro de uma cidade vegetal que
abrigava a todos. Minha impressão tinha sido tão intensa que falei
sobre isso alguns dias depois para Jean, prevendo que com certeza ela
teria alguma boa história para contar. Foi assim que fiquei sabendo que
nenhum índio entrava sozinho embaixo dessa árvore, porque na sua
sombra habitavam espíritos de poder. Pensei: “Ainda bem que eu estava
acompanhada por várias pessoas nesse dia!”.
As histórias que Jean conta costumam ser cativantes. Muitas
vezes são relatos sobre seus estudos antropológicos e suas experiências
vividas durante as estadias entre os povos indígenas que habitam
aldeias em terras distantes da América do Sul. Outras vezes podem ser
narrativas antigas sobre sua própria terra e sobre sua família, quando
seu primeiro parente desembarcou em Massachusetts no século
XVII; ou quando relata que, nos séculos seguintes, as disputas severas
e violentas pelo território dessas colônias do norte, entre católicos e
protestantes, marcaram a subjetividade das gerações seguintes, inclusive
a da sua família. Eu poderia registrar aqui muitos dos relatos que me
vêm à lembrança. Basta pegar um objeto que não parece habitual e que
está descansando em alguma prateleira de algum móvel da casa dela,
e lá tem história. São ensinamentos que prendem nossa imaginação,
aproximando esse mundo distante, que ela sempre soube trazer para
526 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
perto de nós. Ela tem essa qualidade, sabe contar histórias, seja numa
sala de aula, seja ao redor de uma mesa, ao sabor de um bom vinho
em noites de inverno. Ou sentados na sua varanda, olhando o mar em
alguma tarde de verão.
Sua casa é sempre acolhedora, e ela se esmera em receber amigas
e amigos com o que tem de melhor. Os encontros seguem tarde e noite
adentro, e as pessoas demoram em ir embora; o ambiente é agradável
– o cheiro da mata, que emana do seu jardim, a vista convidativa das
luzes que se distinguem a distância através do mar, a boa música,
a comida, a bebida sempre de qualidade e as conversas animadas e
interessantes estimulam as pessoas, e elas vão ficando. Não foram
poucas as vezes que presenciei Jean, já cansada, dar boa noite e subir ao
seu quarto para dormir, e as pessoas continuarem na sua sala de estar,
como quem se sente em sua própria casa e a cuida, sempre atentas e
agradecidas por sua hospitalidade e amizade. Ela consegue criar esse
sentimento nos seus convidados, gosta de gente ao seu redor para
conversar, e as pessoas gostam dela, a procuram e a celebram. Nós a
queremos bem e a celebramos.
Foi assim que um dia, quando completou 25 anos em Florianó-
polis, em um ritual de comemoração, lhe entregamos a chave da cidade,
bem grande, de papelão e papel prateado. Foi uma data que festejamos
em um encontro animado com seus amigos de todos esses anos. Nós
combinamos que era ela quem merecia ganhar essa chave, não obstante
a maioria dos presentes também tivesse chegado de distintos lugares e
criado vínculos fortes com a cidade, alguns vindos na mesma época ou
até antes dela. Jean recebeu alegremente essa chave em sua homenagem
e solenemente prometeu manter a cidade aberta. Não tenho certeza se a
chave de papelão sobreviveu até o fim da festa, mas a porta da sua casa
permaneceu sempre aberta a seus amigos.
Registrar essas recordações e expressar meus sentimentos de
amizade e admiração por Jean é um prazer. Tenho um grande afeto
cultivado por essa amiga de longa data, em reconhecimento às vivências
compartilhadas, ao carinho, à generosidade e à inspiração intelectual
com os quais ela sempre me brindou.
Agora já se passaram quase 40 anos desde que ela chegou a
Florianópolis, quando veio com seus dois filhos pequenos, Elena e
Alan, disposta a encarar sua nova vida nesta pequena cidade ao sul do
mundo. Essa jovem professora norte-americana, corajosa e muito bem-
preparada, já trazia um lastro significativo e reconhecido de estudos
na área da antropologia, com experiências importantes de pesquisas
Minha amiga Jean 527
chave que abriu uma porta, e a pesquisa fluiu. Foi um suporte generoso,
na hora certa, com os recursos certos.
Se a cada dia eu tentasse iniciar este texto, provavelmente
lembraria muitas outras facetas de Jean e da amizade que cultivo por
ela. Aprendi que não há um contar correto sobre os eventos e sobre cada
história, como luz que incide em um cristal e reflete uma perspectiva
diferente. Olhar sob outros ângulos do prisma traria novas histórias;
por enquanto segue esta que é breve mas afetuosa. Gratidão por
essa amizade.
(Texto escrito durante o verão da pandemia, em 25 de janeiro
de 2021.)
Referências
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1973.
GOMES, M. S. E. de A. Coletivismo no bairro: uma análise sobre o fenômeno
da participação. 1987. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
– Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 1987.
TOURAINE, A. Movimentos sociais. In: MARTINS, J. de S.; FORACCHI, M.
M. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 1977.
TOURAINE, A. O retorno do ator: ensaio sobre sociologia. Lisboa: Instituto
Piaget, 1984. (Coleção Economia e Política).
Jean Langdon, uma antropóloga
norte-americana em terras
catarinenses
Referências
ASPELIM, P. L. “Para que colocar barragens em áreas indígenas?”. In:
SANTOS, S, C. dos (org.). O índio perante o direito. Florianópolis: EdUFSC,
1986. p. 99-110.
ASPELIM, P. L.; SANTOS, S. C. dos. A implantação das barragens na bacia do
Rio Uruguai e suas implicações sociais. Florianópolis: Eletrosul; LTSC, 1978.
ILHA – REVISTA DE ANTROPOLOGIA. Florianópolis: PPGAS/UFSC, v. 10,
n. 1, 16 ago. 2008. 376 p.
Da conversão à antropologia e de
outros afetos: Jean Langdon
Introito
Em fins de fevereiro de 2020, retornei à nossa casa de Flo-
rianópolis para dar início ao estágio pós-doutoral junto ao Programa
de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal
de Santa Catarina (PPGAS/UFSC). Cumprindo uma série de ritos
inerentes ao deslocamento entre os mesmos espaços compartilhados,
porém apartados pela ação do tempo, resolvi, logo ao chegar, arrumar
documentos e artigos acadêmicos que estavam há muito em um antigo
arquivo de aço. Triar e destinar para a reciclagem as evidências de um
conjunto material que o constituiu e do qual você se distanciou por
múltiplas razões, sem perceber até deparar-se novamente com ele –
somado à galopante digitalização de nossas bibliotecas –, justifica e
potencializa a necessidade de transformar a relação estabelecida com
esse material – por exemplo, descartá-lo. Entretanto, por ainda nos
figurar, tal como unhas e cabelos crescidos antes de serem desligados
de nós, lidar com esse material demanda cuidado e atenção, posto que
também está entranhado em nossa memória por ele atiçada. Seu descarte
deve cumprir etapas cautelosas, envolve movimentos e procedimentos
que remetem à sua suspensão, separação e reagregação alhures. Sem
cumprir esses estratagemas, o que está por ser apartado não terá destino
ou conclusão adequada, fazendo da sua reciclagem um ato arriscado,
pois pode-se acidentalmente desfazer-se de algo de que não deveria ter-
se desfeito, ou do qual se arrependerá de tê-lo feito no futuro. Enfim,
a ação incide no risco de não obter êxito em instaurar o novo status
pretendido, tanto para o objeto quanto para o autor da própria ação,
posto que estão em relação.
Movido por esse espírito e através de ação cautelosa e ritualizada,
de repente me deparei com o plano de ensino de uma disciplina,
“Antropologia simbólica”, do mestrado que cursei como aluno espe-
538 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Memórias de um encontro
Escrever um texto numa coletânea de homenagem a Jean
Langdon não é fácil, tantas são as dimensões que se cruzam entre
a antropóloga, a professora e a amiga. Porém, essas dimensões são
indissociáveis. Organizei este texto a partir de memórias que cruzam
trajetórias académicas, pessoais e afetivas, destacando alguns episódios
que caracterizam a Jean e a importância que teve na minha vida.
Ao pensar no desafio feito pelas organizadoras desta coletânea,
de imediato surgiram em catapulta palavras (vida, bebidas/líquidos,
comida), momentos (encontros académicos e lúdicos), lugares (em
Portugal e no Brasil), textos (da sua autoria e de outros autores),
temas (antropologia, etnografia, ensino, saúde) e conceitos (itinerário
terapêutico, narrativa, processo terapêutico, autoatenção, saberes locais/
biomedicina) que se entrecruzaram nos últimos 20 anos.
O primeiro encontro aconteceu por razões de natureza académica
e deu-se quando da minha primeira viagem ao Brasil, especificamente
a Florianópolis, onde fui explorar a possibilidade de realizar o dou-
toramento na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no
recém-criado Programa de Pós-Graduação em Antropologia. A área
em que pretendia fazer o doutoramento, no seguimento da minha
experiência anterior, era o campo da antropologia da saúde. E aí a Jean
Langdon era a pessoa de referência na UFSC. O nosso primeiro encontro
ocorreu em Santo Antônio de Lisboa, onde o colega e amigo João Leal
nos apresentou num final de tarde em que ocorria a Festa do Divino.
Junto ao mar, nos encontramos, tomamos uma bebida, talvez caipirinha,
554 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
e comemos uns pastéis e/ou uns camarões. A primeira imagem que tive
foi de uma mulher reservada, de “poucas palavras”, mas com um olhar
atento de quem está a observar quem é esse “outro”. Recordo que me
impressionou pela sua curiosidade, sendo ela uma sénior, pelo interesse
demonstrado por minha dupla formação (enfermagem e antropologia),
pelo facto de querer conhecer o que eu fazia, enquanto profissional
(docente num curso de enfermagem), e quais eram os meus interesses
académicos, enquanto antropóloga e potencial doutoranda. De ime-
diato se criou uma empatia e se abriu um espaço de diálogo sobre a
relação entre a antropologia e a saúde, e em particular sobre o ensino
da antropologia em cursos de saúde, que tendo tido o seu início nesse
primeiro encontro se desenvolveu e permanece até hoje.
No ano seguinte, foi organizado um “Colóquio de Antropologia
da Saúde” no Centro de Estudos de Antropologia Social (CEAS),
organizado por Cristiana Bastos, por Luís Silva Pereira e por mim, e
para o qual convidámos a Jean Langdon. Nessa sua deslocação a Lisboa,
intensificamos a interlocução sobre experiências relativas ao ensino da
antropologia nos cursos de saúde, e tive a oportunidade de expressar
minhas dúvidas e meus dilemas sobre a prática. Jean respondia
às minhas questões, sempre atenta, colocando novas questões que
constituíram um desafio de pensar a “praxis” e de formular questões
teóricas. Senti na época um incentivo na forma como tentava me
mostrar o potencial e o valor da experiência adquirida na prática. Essa
é uma das facetas que a caracterizam, a da professora e da interlocutora
que não dá “receitas”, mas que coloca os alunos e/ou interlocutores a
pensar e a potencializar o conhecimento adquirido na experiência da
prática. Aliás, atitude que é transposta para a realização do seu trabalho
etnográfico de conhecimento do “outro”, particularmente no campo da
saúde, sobre a diversidade de saberes e o “sistema cultural” (de acordo
com Clifford Geertz).
Nesse ano de 2001, tive também a ocasião de voltar a Floria-
nópolis e, por convite seu e de Oscar Calavia Sáez, então coordenador
do Departamento de Antropologia da UFSC, fazer uma conferência,
conjuntamente com o Departamento de Enfermagem da mesma
universidade, sobre a importância da antropologia para a enfermagem.
Entretanto, tinha decidido já me candidatar ao programa de dou-
toramento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa,
para ser orientada pela Cristiana Bastos e fazer trabalho de campo
em Santa Catarina, tendo escolhido como coorientadora no Brasil a
Jean Langdon.
Itinerários académicos, lúdicos e terapêuticos 555
Epílogo
No final deste relato de memórias, no qual tentei através da
descrição de vinhetas assinalar episódios que ocorreram nos itinerários
de diversa natureza, desde os académicos aos lúdicos e aos terapêuticos,
560 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Referências
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
LANGDON, E. J. Cultura e os processos de saúde e doença. In: JEOLÁS,
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para as políticas públicas. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4,
p. 1019-1029, 2014.
LANGDON, E. J.; WIIK, F. B. Antropologia, saúde e doença: uma introdução
ao conceito de cultura aplicado às ciências da saúde. Revista Latino-
Americana de Enfermagem, [S. l.], v. 18, n. 3, p. 459-466, 2010.
MENÉNDEZ, Eduardo. Modelos de atención de los padecimientos: de
exclusiones teóricas y articulaciones prácticas. Ciência & Saúde Coletiva, Rio
de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 185-208, 2003.
Texto de homenagem à professora
Jean Langdon
Philippe Hanna
Referências
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Resources Policy, [S. l.], v. 69, p. 1-11, 2020.
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HANNA, P.; VANCLAY, F.; LANGDON, E. J.; ARTS, J. Conceptualizing social
protest and the significance of protest actions to large projects. The Extractive
Industries and Society, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 217-239, 2016.
HUXLEY, A. Culture and the individual. Playboy, [S. l.], v. 10, n. 11, p. 84-88,
nov. 1963.
TURNER, V. Dramas, fields, and metaphors: symbolic action in human
society. Ithaca: Cornell University Press, 2018.
“Observei a vida através dessa
lente...”: os caminhos da
antropóloga Jean Langdon
Meu bisavô fugiu de casa com 14 anos para viver com os Sioux,
e, por causa disso, cresci num lugar cheio de referências indígenas:
fotografias, pinturas, objetos. Observei a vida através dessa lente, e
isso mudou tudo em mim. Entendi que a vida não é o que parece,
ou seja, não necessariamente é como as pessoas dizem ser. Me
lembro da minha fascinação quando comecei a estudar os Astecas
e seus rituais, em 1955, quando tinha apenas 11 anos, e falei para
minha mãe: “Quero pesquisar, estudar, viver e aprender com os
indígenas. Quero viajar para o rio Amazonas”. Nos anos 70, já como
antropóloga e no meio de uma pesquisa de campo na Colômbia,
estava numa canoa descendo o Putumayo [afluente do Amazonas],
apenas eu e um indígena, quando no fim da tarde o sol começou
a mergulhar naquele rio, e recordei aquele meu fascínio infantil.
Pensei: “Consegui! Estou aqui, estou finalmente aqui”.
Preâmbulo
O episódio mencionado na epígrafe é parte da longa e matizada
trajetória da antropóloga norte-americana Esther Jean Matteson
Langdon, pesquisadora que vive no Brasil desde 1983 e é uma das
principais referências no campo da antropologia da saúde por seu
pioneirismo e seus inúmeros trabalhos, particularmente sobre os povos
indígenas, além da formação de pesquisadores na pós-graduação.
Destaca-se também pelo seu interesse no ensino e na cooperação com
profissionais de saúde. Ao longo do denso depoimento, fica nítido que
os caminhos percorridos por Jean – como é conhecida por amigos e
colegas – têm se pautado por uma enorme e obstinada curiosidade pela
“Observei a vida através dessa lente...” 567
1
Trata-se de projeto financiado pelo Wellcome Trust/UK (no 203486/Z/16/Z), aprovado
pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CAAE 61230416.6.0000.5240). Além
568 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
2
Botânico norte-americano considerado um dos precursores da etnobotânica.
3
LANGDON, E. J.; MACLENNAN, R. Western biomedical and sibundoy diagnosis:
an interdisciplinary comparison. Social Science & Medicine, [S. l.], v. 13, n. 3, p. 211-
220, 1979.
570 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
4
Ver, entre outros:
LANGDON, E. J. A doença como experiência: o papel da narrativa na construção
sociocultural da doença. Etnográfica, [S. l.], v. V, n. 2, p. 241-260, 2001.
“Observei a vida através dessa lente...” 571
Xamanismo
Os xamãs não tratam todas, mas somente certas doenças.
O xamanismo é um campo muito mais amplo, que abrange questões
do significado da existência, se quisermos usar Clifford Geertz. O xamã
trata do bem-estar coletivo. Ou seja, a sua atuação não se reduz a um
tratamento individual. Esse é, inclusive, o argumento que desenvolvo na
minha tese de doutorado.5 Nos dias de hoje, poderíamos traduzir isso
através da noção de buen-vivir. Doença é um assunto dos ritos – bem
como a caça, a pesca, o clima –, e abordá-la inclui contatar outros níveis
do universo. Uma das minhas preocupações iniciais na pesquisa com os
Siona foi justamente investigar a lógica do itinerário terapêutico, sem
fazer uma distinção entre sobrenatural e natural. Por meio da atenção
à práxis, ao longo da minha carreira, tenho buscado compreender as
relações entre perceber a doença, entendê-la e escolher o que fazer.
O meu envolvimento com o tema do xamanismo, iniciado no
doutorado, resultou na publicação, em 1992, do livro editado por mim e
por Gerhard Baer, Portals of power.6 A gênese desse livro teve início dez
anos antes, quando fui convidada pela antropóloga Joanna Overing para
um seminário sobre xamanismo durante o “Congresso Internacional de
Americanistas”. Lá conheci Baer, e, em 1983, durante um congresso no
Canadá, no qual organizamos um simpósio sobre xamanismo, decidi-
mos organizar esse livro. Além de textos preparados por participantes
do Congresso de Americanistas, convidamos outros pesquisadores, entre
eles o argentino Pablo Wright e a francesa Dominique Buchillet. Conheci
Dominique e seu trabalho quando cheguei ao Brasil, em 1983, e Pablo,
quando participamos de uma mesa em um congresso na Colômbia, em
1985. Através dessas interações, fomos estruturando a publicação.
7
FLEISCHER, S.; SAUTCHUK, C. E. Anatomias populares: a antropologia médica de
Martín Alberto Ibáñez-Novión. Brasília: Editora da UnB, 2012.
“Observei a vida através dessa lente...” 573
8
LANGDON, E. J.; ROJAS, B. G. Saúde: um fator ignorado numa situação de mudança
rápida – a situação da Área Indígena Ibirama (SC). In: SANTOS, S. C. dos (org.).
A barragem de Ibirama e as populações atingidas na área indígena: documento-
denúncia. Boletim de Ciências Sociais, Florianópolis, v. 51, p. 65-89, 1991.
574 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
9
Médico responsável pela criação do Projeto Xingu, da Escola Paulista de Medicina,
Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Ver BARUZZI, R. G.;
JUNQUEIRA, C. (org.). Parque Indígena do Xingu: saúde, cultura e história. São
Paulo: Terra Virgem, 2005.
10
Essa conferência de saúde indígena foi um evento temático da “8a Conferência
Nacional de Saúde” e contou com a participação do médico sanitarista e político
Sergio Arouca na sua mesa de abertura. Arouca teve um papel importante na
relatoria, na tramitação e na aprovação da legislação federal (Lei no 9.836/1999,
conhecida como Lei Arouca) relativa à criação do Subsistema de Atenção à Saúde
Indígena, promulgada em 1999.
11
As contribuições de Jean Langdon para essa conferência foram publicadas em
LANGDON, E. J. Saúde indígena: a lógica do processo de tratamento. Saúde em
“Observei a vida através dessa lente...” 575
14
BUCHILLET, D. (org.). Medicinas tradicionais e medicina ocidental na Amazônia.
Belém: MPEG/CNPq/SCT/PR/CEJUP/UEP, 1991.
“Observei a vida através dessa lente...” 577
15
A sigla DST se refere a doenças sexualmente transmissíveis. O nome do evento
citado é “Oficina Macrorregional de Estratégia, Prevenção e Controle das DST/AIDS
para as Populações Indígenas das Regiões Sul e Sudeste, e do Mato Grosso do Sul”.
16
TOMMASINO, K. A experiência histórica dos índios do sul do Brasil: expropriação
e violência na situação de contato. In: OFICINA MACRORREGIONAL DE
ESTRATÉGIA, PREVENÇÃO E CONTROLE DAS DST/AIDS PARA AS PO-
PULAÇÕES INDÍGENAS DAS REGIÕES SUL E SUDESTE, E DO MATO
GROSSO DO SUL, 1., 1997, Londrina. Anais [...]. Londrina: Ministério da Saúde;
Coordenação Nacional de DST/AIDS/Programa Municipal para DST/AIDS/ALIA,
1997. p. 41-52.
“Observei a vida através dessa lente...” 579
17
MONTEIRO, A. L.; VILLELA, W. V. A criação do Programa Nacional de DST e aids
como marco para a inclusão da ideia de direitos cidadãos na agenda governamental
brasileira. Psicologia Política, São Paulo, v. 9, n. 17, p. 25-45, 2009.
18
Através da já referida Lei no 9.836/1999, conhecida como Lei Arouca, que instituiu
no âmbito do SUS o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
BRASIL. Ministério da Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 9.836,
de 23 de setembro de 1999. Acrescenta dispositivos à Lei no 8.080, de 19 de setembro
de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
outras providências”, instituindo o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
Brasília: Presidência da República, 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l9836.htm. Acesso em: 7 ago. 2022.
19
Sobre essa questão, ver, entre outros estudos, GARNELO, L.; SAMPAIO, S.
Organizações indígenas e distritalização sanitária: os riscos de “fazer ver” e “fazer
crer” nas políticas de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4,
p. 1217-1223, 2005.
580 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
pela Funasa para montar uma ONG para assumir os serviços de saúde.
A ideia é que essa fosse uma organização-modelo para o Brasil. Isso
aconteceu depois que acusaram a FOIRN [Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro] de corrupção. Escrevi um artigo com Eliana
Diehl sobre essa situação no Sul, depois das denúncias das organizações
indígenas no Norte.20
Sobre essa experiência, o presidente da ONG então criada – de-
nominada Associação Indígena Kanhru [AIKA] – relata que os
indígenas não tinham autonomia e ficavam sob o controle e a pressão
da Funasa, que queria determinar como os recursos seriam gastos e
como as ações seriam feitas. Foi triste. Acho que a questão da saúde
indígena acabou muito concentrada e baseada em uma noção de
saúde da biomedicina, ignorando-se a intersetorialidade que fez parte
da sua gênese quando a CISI teve início.
No final dos anos 1990, acompanhei a implantação do Conselho
Distrital de Saúde Indígena [CONDISI] Interior Sul como representante
da UFSC. Foi frustrante ver os indígenas confundindo os seus distintos
papéis dentro do conselho por serem tanto empregados da Funai ou
da Funasa quanto representantes das comunidades. Além disso, o
Projeto Rondon controlava as reuniões, e não havia participação dos
indígenas na avaliação, aprovação e execução das ações. O assunto lhes
era apresentado, muitas vezes os indígenas não entendiam, e a seguir
tinham que votar.21
Ocorre que indígenas como os Kaingang ou Xokleng operam por
meio de outros tipos de alianças. Eles não têm essa noção da representa-
ção numa perspectiva que chamamos de democracia representativa,
na qual supostamente elegem pessoas para representá-los. Tive um
aluno indígena na licenciatura que queria entender melhor essa questão
dos conselhos e acabou concluindo ao final do seu trabalho que existe
um conflito geracional entre os jovens, que querem um processo
mais “democrático”, versus lideranças mais antigas, que possuem uma
20
DIEHL, E. E.; LANGDON, E. J. Transformações na atenção à saúde indígena: tensões
e negociações em um contexto indígena brasileiro. Universitas Humanística, [S. l.],
n. 80, p. 213-236, 2015.
21
LANGDON, E. J.; DIEHL, E. E. Participação e autonomia nos espaços interculturais
de saúde indígena: reflexões a partir do sul do Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo,
v. 16, n. 2, p. 19-36, 2007.
DIEHL, E. E.; LANGDON, E. J. Indigenous participation in primary care services
in Brazil: autonomy or bureaucratization?. Regions and Cohesion, [S. l.], v. 8, n. 1,
p. 56-78, 2018.
“Observei a vida através dessa lente...” 581
22
LANGDON, E. J. et al. A participação dos agentes indígenas de saúde nos serviços de
atenção à saúde: a experiência em Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública,
Rio de Janeiro, v. 22, n. 12, p. 2637-2646, 2006.
DIEHL, E. E.; LANGDON, E. J.; DIAS-SCOPEL, R. P. Contribuição dos agentes
indígenas de saúde na atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas brasileiros.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 5, p. 819-831, 2012.
LANGDON, E. J.; DIEHL, E. E.; DIAS-SCOPEL, R. P. O papel e a formação dos
agentes indígenas de saúde na atenção diferenciada à saúde aos povos indígenas
brasileiros. In: TEIXEIRA, C.; GARNELO, L. (org.). Saúde indígena em perspectiva:
explorando suas matrizes históricas e ideológicas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2014.
p. 213-239.
23
LANGDON, E. J. (org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianópolis:
EdUFSC, 1996.
582 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
24
Ver, entre outros trabalhos, os seguintes:
LANGDON, E. J. Considerações antropológicas sobre programas de prevenção do
abuso de álcool e outras substâncias. Londrina: Centro de Monitoramento em
Pesquisa e Intervenção em Saúde Indígena, 2003. p. 1-19.
LANGDON, E. J. O que beber, como beber e quando beber: o contexto sociocultural
no alcoolismo entre as populações. In: SEMINÁRIO SOBRE ALCOOLISMO
E VULNERABILIDADE ÀS DST/AIDS ENTRE OS POVOS INDÍGENAS DA
MACRORREGIÃO SUL, SUDESTE E MATO GROSSO DO SUL, 2001, Brasília.
Anais [...]. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. p. 83-97.
LANGDON, E. J.; GARNELLO, L. (org.). Saúde dos povos indígenas: reflexões sobre
antropologia participativa. Rio de Janeiro: Contracapa, 2004.
25
FERREIRA, L. O.; OSÓRIO, P. S. (org.). Medicina tradicional indígena em contextos:
anais da 1a reunião de monitoramento. Projeto VIGISUS II/Funasa. Brasília:
Fundação Nacional de Saúde, 2007.
“Observei a vida através dessa lente...” 583
26
Ver ENTREVISTA: Eduardo Luis Menéndez Spina. Trabalho, Educação e Saúde, Rio
de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 335-345, 2012.
27
Disponível em: https://brasilplural.paginas.ufsc.br/. Acesso em: 3 mar. 2021.
584 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
minha mãe, e serei eternamente grato por aquela noite, décadas após o
desmame. Essa experiência maternal-psicotrópica se repetiu em 2017,
quando voltamos para a inauguração de uma grande maloca siona na
beira do rio Putumayo, com 200 convidados dormindo em redes por três
noites seguidas. Lembro um homem que, na escuridão da madrugada e
sob o efeito do chá, choramingava pela mamacita dele enquanto xamãs
o rodeavam, tocando gaita de boca para acalmá-lo.
Agora, em 2021, finalizo um outro documentário que tenta dar
conta dessas experiências com minha mãe entre o povo Siona: se inti-
tula Juanita, nome pelo qual eles carinhosamente a chamam desde
os anos 1970, quando ela foi a primeira professora da comunidade
Buena Vista, à beira do rio Putumayo. Com esse documentário,
espero compartilhar um pouco do portal que atravessei, já que agora
novamente ele se fechou. Mesmo nas visitas de almoço dominical e às
vistas inocentes do netinho de dois anos, Juanita voltou a me mostrar
o dedo médio quando ligo a câmera, ameaçando quebrá-la se eu não
parar de filmar. Afinal, Juanita é mãe.
Costa
Costa Rica,
Rica, 1966.
1966.
Pesquisa de campo na Colômbia, 1971.
Pesquisa
Pesquisa de
de campo
campo na
na Colômbia,
Colômbia, 1971.
1971.
592 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
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Florianópolis,
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práxis – homenagem
Ilha de 2003.
a Jean 2003. UFSC,
Langdon”,
2003.
Florianópolis, abril de 2015.
ColóquioColóquio
“Uma antropologia da práxis
“Uma antropologia da –práxis
homenagem a Jean aLangdon”,
– homenagem UFSC, UFSC,
Jean Langdon”,
Florianópolis, abril de
Evento Florianópolis,
“Diálogos 2015.
com Stephen
abril de 2015.e Christine Hugh-Jones: reflexões antropológi-
cas sobre conhecimentos indígenas”, UFSC, Florianópolis, março de 2016.
Colóquio “Uma antropologia da práxis – homenagem a Jean Langdon”, UF
Florianópolis, abril de 2015.
Comunidade Siona,riorio
Comunidade Siona, Cuyabeno,
Cuyabeno, Equador,
Equador, setembro
setembro 2022.2022.
Memória fotográfica 597
Alicia Castells
Graduada em arquitetura e urbanismo pela Universidad Nacional de La Plata
(UNLP – Argentina), mestra em antropologia pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), possui doutorado interdisciplinar em ciências huma-
nas pela UFSC e pós-doutorado na Facultad de Filosofía y Letras da Universidad
de Buenos Aires (UBA). Professora titular da UFSC. Professora do Programa
de Pós-Graduação em Antropologia Social e da Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo da UFSC. Coordenadora do NAUI – Dinâmicas Urbanas e
Patrimônio Cultural (www.naui.ufsc.br). Associada da Associação Brasileira
de Antropologia (ABA). Pesquisadora do Instituto Brasil Plural (INCT-IBP).
Editora dos Cadernos Naui (https://naui.ufsc.br/cadernos-naui/).
Alicia M. Barabas
Alicia M. Barabas é antropóloga formada pela Universidad de Buenos
Aires, com mestrado e doutorado em sociologia pela Facultad de Ciencias
Políticas y Sociales da Universidad Nacional Autónoma de México. Desde
1973, é pesquisadora titular do Instituto Nacional de Antropología e Historia
(INAH), e professora pesquisadora emérita desde 2014. É membro do
Sistema Nacional de Investigadores (SNI) do Consejo Nacional de Ciencia y
Tecnología (CONACYT/México) desde 1986 e Nível III desde 2007. Professora
em diferentes países da América Latina e da Europa. Entre os últimos livros
publicados, estão: Diálogos con el territorio: simbolizaciones sobre el espacio en
las culturas indígenas de México (INAH, 2003); Dones, Dueños y Santos: ensayo
sobre religiones en Oaxaca (Porrúa; INAH, 2006, 2017); Multiculturalismo e
interculturalidad en América Latina (INAH, 2016); e, com Miguel Bartolomé,
Viviendo la interculturalidad: relaciones políticas, territoriales y simbólicas en
Oaxaca (INAH, 2016).
Anne-Marie Losonczy
Antropóloga, diretora de estudos religiosos na École Pratique des Hautes
Études (EPHE/Sorbonne – França) e professora da Université Libre de Bruxelles
(ULB – Bélgica). Membra do laboratório Mondes Américains, vinculado ao
Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e à École des Hautes
Études en Sciences Sociales (EHESS), e do Laboratoire d’Anthropologie des
Mondes Contemporains (LAMC), da ULB. Philosophiae Doctor (Ph.D.) em
antropologia pela ULB (1992). Lecionou cursos nas seguintes instituições:
Universitat de Barcelona (Espanha), Université Paris-Nanterre (França) e Eötvös
Lorand University (Hungria). Dirigiu o Instituto de Etnologia da Université
de Neuchâtel (Suíça). Foi professora visitante na Universidad Nacional de Co-
lombia, na University of Pécs (Hungria, pelo Programa Marie Curie, vinculado
à União Europeia) e recentemente na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC – Brasil) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ – Brasil).
Seu trabalho etnográfico se concentra na Colômbia, em especial nos seguintes
temas: grupos afrodescendentes e comunidades locais multiétnicas do Caribe
colombiano (continental e insular); xamanismo e sociedade dos índios
Emberá do Chocó; e rituais populares emergentes das zonas urbanas de Cuba.
Desde 1990, pesquisa sobre a reconstrução da linguagem ritual da identidade
nacional húngara no pós-comunismo, realizando trabalho de campo e
consultas a arquivos em Budapeste (Hungria), Transilvânia (Romênia) e, mais
recentemente, Transcarpátia (Ucrânia).
Camilo Mongua
Doutor em história dos Andes pela Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais (Flacso – Equador) e professor do bacharelado em ciências sociais da
Universidade da Amazônia (UNAMA – Colômbia). Tem interesses de pesquisa
602 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Daniel Scopel
Antropólogo, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
Brasil Plural (INCT-IBP). Tem experiência de pesquisa etnográfica entre os
povos Mura e Munduruku no Amazonas. Coordenou pesquisas na área da
antropologia da saúde relacionadas às práticas de autoatenção, ao pluralismo
médico e ao saneamento ambiental.
Diana Brown
Possui graduação em literatura inglesa pela Smith College (1960) e doutorado
em antropologia pela Columbia University (1974). É professora associada
da Bard College e funcionária da Columbia University. Tem experiência na
área de antropologia, com ênfase em antropologia da saúde e do corpo. Atua
principalmente nos seguintes temas: religiões afro-brasileiras, umbanda,
antropologia da medicina, antropologia urbana, antropologia de gênero e
sexualidade e antropologia do corpo.
Sobre as autoras e os autores 603
Elsje Lagrou
Professora titular de antropologia no Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ). Publicou
os livros A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade
amazônica (Topbooks, 2007) e Arte indígena no Brasil (ComArte, 2009, 2015).
Organizou com Carlo Severi a obra Quimeras em diálogo: grafismo e figuração
na arte indígena (7Letras, 2014) e editou o catálogo No caminho da miçanga:
um mundo que se faz de contas (Museu do Índio, 2017), da exposição da qual
foi curadora.
John Dawsey
Professor de antropologia na Universidade de São Paulo (USP) desde 1991.
Tornou-se professor titular da mesma universidade em 2007 e obteve o título
de livre-docência em 1999. Philosophiae Doctor (Ph.D.) em antropologia (1989)
e mestre em teologia (1977) pela Emory University. Bacharel em história (1973)
pela Florida Southern College. Professor visitante na New York University
(NYU) em 2019. Coordenador do Núcleo de Antropologia, Performance e
Drama (NAPEDRA) desde 2001. Nas interfaces entre teatro e antropologia,
procura explorar configurações do campo da antropologia suscitadas pelos
estudos de Walter Benjamin e pensadores de teatro e performance (Artaud,
Brecht, Schechner e outros). Um conjunto de conceitos resulta dessas pesquisas:
descrição tensa (tension-thick description), f(r)icção, sismologia da performance,
extraordinário ou espantoso cotidiano, margens das margens, circuito mimético
benjaminiano, subterrâneos dos símbolos, entranhas dos sonhos, histórias
de esquecimento, inconsciente sonoro, índice de corporalidade, corpoiesis,
montagens carregadas de tensões, deslocamento do lugar sentido ou vivido das
coisas. Desenvolve pesquisas em antropologia da performance, antropologia da
experiência e antropologia benjaminiana.
Luciana Hartmann
Luciana Hartmann é professora do Departamento de Artes Cênicas da Univer-
sidade de Brasília (UnB). Formada em interpretação teatral pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fez mestrado e doutorado em
antropologia social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob
orientação de Jean Langdon. Na Université Paris Nanterre (2014-2015) e na
Universidade de Lisboa (2019-2020), realizou pesquisas de pós-doutorado
sobre performances de crianças imigrantes. É bolsista de produtividade em
pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e mãe de duas meninas.
Mario Bick
Tem doutorado pela Columbia University (1974). É professor emérito de
antropologia do Bard College, em Annandale-on-Hudson, Nova Iorque, onde
lecionou desde 1970. Conduziu pesquisas antropológicas na Libéria e no Brasil,
principalmente em questões de etnia e classe.
Nádia Heusi
Doutora em antropologia social pela Universidade Federal de Santa Catarina,
com a tese Imagens de abundância e escassez: comida guarani e transformações
na contemporaneidade. Graduada em nutrição, tem trabalhado com temáticas
que articulam antropologia e saúde. Pesquisadora associada ao Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia Brasil Plural (INCT-IBP).
Paulo Raposo
Doutor em antropologia e professor no Departamento de Antropologia
do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). Foi professor visitante da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Brasil, em 2009 e 2017-
2018, e da Universidade Federal Fluminense (UFF-Niterói) em 2014. É vice-
presidente do Centro em Rede de Investigação em Antropologia. Realizou
várias investigações em Portugal, Espanha e Brasil, trabalhando sobre
temáticas como corpo, ritual, patrimônio, turismo e, sobretudo, na área
de performances culturais, práticas artísticas e ativismo político. Trabalha
e colabora com diversas estruturas teatrais e eventos culturais. É autor de
vários livros e artigos, destacando-se, em coautoria, os editados no Brasil,
sobre a relação entre antropologia, arte e política: A terra do não-lugar:
diálogos entre antropologia e performance (RAPOSO et al., 2013) e Cidades
rebeldes: invisibilidades, silenciamentos, resistências e potências (RAPOSO;
HEAD, RENCK, 2019).
Philippe Hanna
Bacharel em ciências sociais e mestre em antropologia social pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutor em geografia cultural pela University
of Groningen (Holanda). Com foco em antropologia simbólica, relações
interétnicas e movimentos sociais, Philippe Hanna atualmente é pesquisador
e consultor sobre avaliação de impacto social e adequação de projetos a grupos
culturalmente diferenciados.
Sobre as autoras e os autores 609
Renato Athias
Possui graduação em filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências
e Letras (1975), mestrado em etnologia pela Université Paris-Nanterre (1982),
doutorado em etnologia pela mesma universidade (1995). Realizou estudos na
University of Southampton (Reino Unido), na área de mídia e televisão, com
bolsas de estudos do Conselho Britânico. É coordenador do Núcleo de Estudos
e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e professor associado II do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia da UFPE. É professor do Máster Universitário en Antropología
de Iberoamérica, da Universidad de Salamanca, na Espanha. Tem experiência
na área de antropologia, com ênfase em etnologia indígena, atuando nas
seguintes temáticas: saúde indígena, antropologia visual, com pesquisas entre
os índios de Pernambuco e no Alto Rio Negro, Amazonas. É membro do
Laboratório de Antropologia Visual do Núcleo de Imagem e Som & Ciências
Humanas, da UFPE. É vice-coordenador da Comissão de Museus e Patrimônio
Cultural (COMACH), da União Internacional das Ciências Antropológicas e
Etnológicas (IUAES).
Rita Neves
Possui mestrado em antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em
Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (PPGA/UFPE) e
doutorado em antropologia social pelo Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGAS/UFSC).
Atualmente, é professora associada da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN), no Departamento de Antropologia (DAN), e docente do
quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
(PPGAS/UFRN). Tem experiência na área de antropologia, com ênfase em
etnologia indígena, atuando principalmente nos seguintes temas: etnicidade,
identidade, antropologia da saúde e performance.
610 Uma antropologia da práxis: homenagem a Jean Langdon
Robert R. Crépeau
Professor de antropologia da Université de Montréal, no Canadá. Realizou
pesquisas no Quebec (Canadá) e na América do Sul, em colaboração com
os Achuar, da Amazônia peruana, e os Kaingang, do Brasil. Está interessado
na expressão político-religiosa das reivindicações indígenas territoriais,
identitárias e legais.
Scott Head
Nasceu estadunidense e cresceu carioca. Atualmente, é professor adjunto da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cocoordenador do Grupo de
Estudos em Oralidade e Performance (GESTO) e da sub-rede de pesquisa “Arte,
performance e sociabilidades”, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
Brasil Plural (INCT-IBP), desenvolvendo pesquisas nos campos da performance,
da imagem e da etnografia e de suas articulações poético-políticas.
Vanessa Hacon
Pesquisadora do Projeto Wellcome, coordenado por Ricardo Ventura Santos,
no âmbito da Fundação Oswaldo Cruz, e pós-doutoranda no Departamento
de Antropologia da Universidade de Brasília. Doutora em ciências sociais
pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Vanessa se dedica à pesquisa nos campos de ecologia política, antropologia
política e saúde indígena.
Vilma Reis
Nasceu em Belém, estudou em Portugal, trabalhou no Rio de Janeiro. Começou
como repórter da Rádio Universidade de Coimbra, o que a levou para a
Rádio Central Brasileira de Notícias (CBN), pioneira brasileira no modelo all
news. Saiu de uma redação na Amazônia e foi estudar divulgação científica
na Fundação Oswaldo Cruz, para entender melhor a relação entre ciência,
comunicação e sociedade. Enquanto jornalista científica, procura ser um
elemento moderador entre o conhecimento e o público, para a consolidação da
cidadania e da democracia.
Viviane Vedana
Professora do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Doutora em antropologia social pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Na UFSC, atua como pesquisadora no Coletivo
de Estudos em Ambientes, Percepções e Práticas (CANOA) e no Grupo de
Estudos em Oralidade e Performance (GESTO). Participa como affiliate scholar
do SEACoast Center, na University of Califórnia, Santa Cruz (UCSC). Seus
interesses de pesquisa são os sistemas técnicos de produção e comercialização
e as perturbações do capitalismo nas práticas e paisagens. Também pesquisa
sobre sonoridades e antropologia visual.
Este livro foi editorado com as fontes
Minion Pro e Humnst777 Bt. Publicado
on-line em: editora.ufsc.br/estante-aberta
A Coleção Brasil Plural tem como objetivo dar visibilidade
às pesquisas realizadas pelo Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia Brasil Plural (INCT-IBP/CNPq). Busca retratar
as diferentes realidades brasileiras em toda a sua comple-
xidade e contribuir para a elaboração de políticas sociais
que levem em consideração as perspectivas das populações
e comunidades estudadas. Além disso, visa formar pesqui-
sadores e profissionais que atuem com essas populações.
Instituto
Instituto Nacional
Nacional
Instituto
Instituto Nacionaldede
de Pesquisa
Pesquisa
Nacional de Pesquisa
Pesquisa
BRASIL
BRASIL PLURAL
PLURAL
BRASIL
BRASIL PLURAL
PLURAL
MCTI
MCTI CIÊNCIA,
Tecnologia MCTI
MINISTÉRIO DA
Ministério da Ciência,
TECNOLOGIA
Ministério daeCiência,
Tecnologia
E INOVAÇÕES
Inovação
e Inovação Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico
fapesc
Fundação de Amparo à
Pesquisa e Inovação do
Estado de Santa Catarina