Primeiras Leituras Da Nova Lei de Improbidade Administrativa - Caopppot - 4 Ed Rev Ampliada - Fev 2023
Primeiras Leituras Da Nova Lei de Improbidade Administrativa - Caopppot - 4 Ed Rev Ampliada - Fev 2023
Primeiras Leituras Da Nova Lei de Improbidade Administrativa - Caopppot - 4 Ed Rev Ampliada - Fev 2023
7 de fevereiro de 2023
CAOP Proteção ao Patrimônio Público e à Ordem Tributária
Equipe Técnica
Maurício Kalache
Promotor de Justiça
Assessoria Jurídica
Secretaria
Curitiba-PR
7 de fevereiro de 2023
1
PRIMEIRAS LEITURAS SOBRE AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS
NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA LEI Nº 14.230/2021
2
1.1. Posicionamento favorável à retroatividade
Os adeptos da retroatividade tinham como o seu maior alicerce a tese de que não
há uma diferença significativa entre as sanções civis, administrativas e penais, sobretudo
porque o art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/1992 passou a prever que os princípios
constitucionais do Direito Administrativo Sancionador são aplicáveis aos atos de
improbidade administrativa. Para essa corrente, a proximidade entre tais ramos do direito
seria o bastante para permitir que a lógica da retroatividade das leis penais mais
benéficas, consagrada no art. 5º, XL, da Constituição Federal, fosse aplicada também aos
processos punitivos de cunho administrativo e civil.
1 “Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais”
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 898).
2 “Não há diferença de conteúdo entre crime, contravenção e infração administrativa. Avém ela de lei exclusivamente. Inexiste
diferença de substância entre pena e sanção administrativa” (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. 3.
ed. São Paulo: RT, 2012, p. 29).
3 “Assim, busca-se demonstrar que o direito de punir do Estado, o seu jus puniendi, embora seja dividido em ramos epistemológicos
que buscam proteger específicos e setorizados bens jurídicos, possui uma base ontológica unitária, formada por princípios jurídicos,
expressos e implícitos, de direito sancionador, que delineiam a uniformidade de regras e outros princípios informativos nos mais
variados ramos epistemológicos-punitivos do direito público. [...] Em nosso juízo, não há distinção ontológica entre as diversas
espécies de ilícitos, pois todas as infrações, sejam elas previstas em direito penal, ou em direito tributário e administrativo,
compreendem a desobediência a uma norma estampada em texto de lei que obriga ou que proíbe determinada conduta. E, nisso, não
há que se falar em distinção, em essência, entre as diversas ordens normativas” (DEZAN, Sandro Lúcio. Uma teoria do direito público
sancionador: fundamentos da unidade do sistema punitivo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, p. 37/45).
4 “A identidade ontológica entre os diversos tipos de ilícitos viabiliza que os instrumentos do ramo do ius puniendi teoricamente mais
bem desenvolvido (Direito Penal) sejam transportados para o outro campo (Direito Administrativo Sancionador), o que sempre
pressupõe afastar as normas não coincidentes do direito comum de índole não punitiva. [...] Por isso, a eficácia integradora do direito
Penal só deverá ser contida quando relevantes razões colhidas do Direito Administrativo revelarem alguma incoerência no uso das
categorias jurídicas daquela disciplina na atividade administrativa sancionadora. Inversamente, se constatadas afinidades entre os dois
campos ou que são congêneres os valores tutelados pelas duas espécies do poder punitivo em uma dada situação, ter-se-á de admitir
a transitabilidade dos institutos encontrados em qualquer das esferas. [...] Também no Direito Administrativo Sancionador o princípio da
retroatividade encontra justificativa no superveniente desinteresse do legislador pela punição mais intensa ou no desinteresse pela
própria conduta, de sorte que com a nova valoração das necessidades sociais não mais se revelaria racionalidade em ingerência na
esfera privada em maior intensidade do que a exigida pelo texto normativo atual. [...] Em nosso entender, prevalece no Direito
Administrativo Sancionador o princípio da retroatividade da norma mais benéfica, com configuração fundamentalmente idêntica à do
Direito Penal” (ALMEIDA, Pericles Ferreira de. O princípio da retroatividade da norma mais benéfica no direito administrativo
sancionador. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta (org.). Direito administrativo sancionador: estudos em homenagem ao professor
emérito da PUC/SP Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 152/154).
5 “O desafio mais difícil consiste em interpretar o silêncio legal na cadeia de normas sucessivas. Uma norma sancionadora mais
favorável nada dispõe sobre o tema, deixando ambígua sua posição. E os valores por ela tutelados são relativamente estáveis,
daqueles que demandam políticas públicas punitivas coerentes e centradas em escolhas racionais, dotadas de vocação à estabilidade,
o que revelaria, a priori, vocação à retroatividade. Em tais casos, não há dúvidas de que as normas retroagem, como se fosse o próprio
Direito Penal, na busca de salvaguardar critérios de justiça e segurança, em homenagem ao tratamento simétrico com a outra principal
vertente do Direito Punitivo. Essa retroatividade está amparada na cláusula constitucional do devido processo legal e nos valores ali
abrigados” (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 [E-book]).
3
Na jurisprudência, esse mesmo entendimento também já tinha sido acolhido pelo
Superior Tribunal de Justiça6, Tribunal Regional Federal da 3ª Região 7 e Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná 8. As Cortes conferiram aos princípios balizadores do Direito
Penal – principalmente aqueles de ordem restritiva ao poder punitivo do Estado –
incidência ao universo das ações punitivas de outras naturezas.
Assim, com fulcro nas lições de Flávio Tartuce 9 e Carlos Roberto Gonçalves 10,
salvo se a norma posterior contiver previsão expressa em sentido contrário, as alterações
6 AgInt no RMS 65.486, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 17.08.2021; REsp 1.402.893, Rel. Min. Sérgio
Kukina, Primeira Turma j. em 11.04.2019; AgInt no REsp 1.602.122, Relª. Minª. Regina Helena Costa, Primeira Turma do STJ, j. em
07.08.2018; RMS 37.031, Relª. Minª. Regina Helena Costa, Primeira Turma do STJ, j. em 08.02.2018; REsp 1.153.083, Rel. Min.
Sérgio Kukina, Primeira Turma do STJ, j. em 06.11.2014.
7 AC 5006382-50.2018.4.03.6182, Rel. Des. Luis Carlos Hiroki Muta, Terceira Turma do TRF3, j. em 09.11.2020.
8 AC 0006597-49.2018.8.16.0190, Rel. Des. Carlos Mansur Arida, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 20.07.2020; AC 0009398-
26.2009.8.16.0004, Rel. Des. Carlos Mansur Arida, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 26.02.2020; AI 0019472-66.2018.8.16.0185,
Rel. Des. Abraham Lincoln Merheb Calixto, Quarta Câmara Cível do TJPR, j. em 17.03.2020; AI 0009774-72.2019.8.16.0000, Rel. Des.
Nilson Mizuta, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 02.07.2019; e AC 0000589-60.2016.8.16.0179, Rel. Des. Nilson Mizuta, Quinta
Câmara Cível do TJPR, j. em 06.02.2018.
9 “A norma jurídica é criada para valer ao futuro, não ao passado. Entretanto, eventualmente, pode uma determinada norma atingir
também os fatos pretéritos, desde que sejam respeitados os parâmetros que constam na Lei de Introdução e da Constituição Federal.
Em síntese, ordinariamente, a irretroatividade é a regra, e a retroatividade, a exceção. Para que a retroatividade seja possível, como
primeiro requisito, deve estar prevista em lei” (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 10. ed. São Paulo: Método, 2020, p. 20).
10 “Assim, como regra, aplica-se a lei nova aos casos pendentes (facta pendentia) e aos futuros (facta futura), só podendo ser
retroativa, para atingir fatos já consumados, pretéritos (facta praeterita), quando: a) não ofender o ato jurídico perfeito, o direito
adquirido e a coisa julgada; b) quando o legislador, expressamente, mandar aplicá-la a casos pretéritos, mesmo que a palavra
retroatividade não seja usada” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva Jus, 2020,
p. 82).
4
promovidas por determinado diploma normativo não alcançam o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada, questão não ressalvada pela Lei nº 14.230/2021.
A regra é a irretroatividade das normas jurídicas, sendo certo que as leis são editadas para
regular situações futuras. O dispositivo constitucional que estabelece a retroatividade da lei
penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas do direito penal, inexistentes no
direito administrativo sancionador. Com efeito, a retroatividade da lei penal mais benéfica tem
por fundamento razões humanitárias, relacionadas diretamente à liberdade do criminoso, bem
jurídico diretamente atingido pela pena criminal. [...] Por tais fundamentos, não se pode
transportar para o direito administrativo sancionador a norma penal da retroatividade da lei
que extingue a infração ou torna mais amena a sanção punitiva. No direito administrativo
sancionador aplica-se ao infrator a lei vigente à época da adoção do comportamento ilícito,
ainda que mais grave que lei posteriormente editada. Diversamente do que ocorre no direito
penal, assim, não há no direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade da lei
mais benéfica ao infrator11.
11 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 154/155.
5
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. APREENSÃO E SUSPENSÃO DA
HABILITAÇÃO. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA DE
NATUREZA EMINENTEMENTE PENAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA AO CÓDIGO DE
TRÂNSITO BRASILEIRO SOMENTE NO QUE DIZ RESPEITO A CONDUTAS TIPIFICADAS
ENQUANTO CRIME. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. A aplicação subsidiária das normas de direito material penal se restringe “Aos crimes
cometidos na direção de veículos automotores” (art. 291 do CTB), e não às infrações de
trânsito. Neste sentido: AgRg no REsp 1119091/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 13/06/2012.
2. No entanto, a norma constante no art. 218, III, do Código de Trânsito Brasileiro diz respeito
à infração de cunho administrativo consistente na direção em velocidade superior à máxima
permitida, não sendo tipificada, naquele dispositivo, enquanto crime (os quais estão dispostos
nos arts. 291 e seguintes do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, não há que se falar na
aplicação retroativa do referido dispositivo.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl no REsp 1.281.027, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma do
STJ, j. em 18.12.2012).
O próprio Supremo Tribunal Federal parecia partilhar da ideia de que nem todas
as garantias constitucionais afetas ao Direito Penal, notadamente a retroatividade da
novatio legis in mellius, seriam aplicáveis ao Direito Administrativo Sancionador.
Conquanto não houvesse nenhuma decisão específica sobre o assunto à época, a Corte
12 AI 0021163-83.2021.8.16.0000, Quinta Câmara Cível do TJPR, Rel. Des. Nilson Mizuta, j. em 30.08.2021; AI 026858-
18.2021.8.16.0000, Quinta Câmara Cível do TJPR, Relª. Juíza Cristiane Santos Leite, j. em 30.08.2021; e AI 0001609-
31.2021.8.16.9000, 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do TJPR, Rel. Juiz Guilherme Cubas Cesar, j. em 31.08.2021.
13 AC 1002591-25.2021.8.26.0278, Relª. Desª. Maria Laura Tavares, 5ª Câmara de Direito Público do TJSP, j. em 29.20.2021; e AC
1007640-43.2021.8.26.0344, Rel. Des. Vicente de Abreu Amadei, 1ª Câmara de Direito Público do TJSP, j. em 24.08.2021.
14 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ANP. AUTO DE INFRAÇÃO. COMERCIALIZAÇÃO DE ÓLEO DIESEL B S 1800 EM
DESCONFORMIDADE COM AS ESPECIFICAÇÕES DA AGÊNCIA REGULADORA. MULTA. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS
BENÉFICA NO ÂMBITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. NÃO CABIMENTO. [...] Por fim, deve ser rejeitada, de
plano, a tese da aplicação retroativa da Resolução ANP 69/2014, eis que esta Eg. Oitava Turma Especializada tem entendimento
consolidado no sentido de que se afigura inaplicável, no âmbito do direito administrativo sancionador, a retroatividade da lei mais
benéfica, a qual se restringe à seara penal (AC 0154434-84.2014.4.02.5101, Relª. Desª. Vera Lúcia Lima, Oitava Turma Especializada
do TRF2, j. em 10.09.2020).
15 AC 5008905-15.2019.4.04.7009, Rel. Des. Rogério Favreto, Terceira Turma do TRF4, j. em 26.10.2021; AC 5027867-
50.2018.4.04.7000, Relª. Desª. Vivian Josete Pantaleão Caminha, Quarta Turma do TRF4, j. em 20.10.2021; AC 5024470-
12.2020.4.04.7000, Rel. Des. Sérgio Renato Tejada Garcia, Quarta Turma do TRF4, j. em 20.10.2021; e AC 5041743-
38.2019.4.04.700, Relª. Desª. Marga Inge Barth Tessler, Terceira Turma do TRF4, j. em 19.10.2021.
16 ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. DIREITO SANCIONADOR. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MULTA. PRESUNÇÃO DE
LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. ARTIGO 34, VII, RESOLUÇÃO Nº 3.056/2009/ANTT. EXCESSO DE PESO. CTB.
IRRETROATIVIDADE DA NORMA PUNITIVA MAIS BENÉFICA. JULGAMENTO DO FEITO PELA 2ª SEÇÃO EM RAZÃO DE
AFETAÇÃO [...]. (AC 5058104-24.2019.4.04.7100, Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, 2ª Seção do TRF4, j. em 13.05.2021).
6
tinha reiterada jurisprudência de que “é infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos
da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à aplicação retroativa de lei
mais benéfica referente à sanção de natureza administrativa decorrente do cometimento
de infração de trânsito” (Tema 734 de Repercussão Geral, RE 657.871, Rel. Min. Dias
Toffoli, Plenário do STF, j. em 29.05.2014).
Verdade que coube ao Direito Penal, na sua secular trajetória, desenvolver direitos e
garantias fundamentais para limitar o exercício do jus puniendi estatal in abstracto e in
concreto, na defesa do jus libertatis. Do mesmo modo, o Direito Processual Penal igualmente
consagrou a disciplina processual instrumental para realizar esse objetivo. Neste contexto, o
Direito Administrativo Sancionador pode avaliar com o devido rigor científico as contribuições
desses ramos do Direito Público, sem jamais abandonar a sua índole de regime jurídico-
administrativo instrumental de tutela de interesses públicos.
[...]
Com esta compreensão, o Direito Administrativo Sancionador não está submetido ao Direito
Penal. O Direito Penal pode contribuir na elaboração de um ferramental próprio para o Direito
Administrativo Sancionador. Mas, aqui, a diretriz é contribuir para integrar, e não desnaturar a
índole administrativista dos sistemas sancionadores administrativos. Neste contexto, atribui
ao Direito Administrativo Sancionador o objetivo de institucionalizar modelos dinâmicos,
especializados, sensíveis às demandas e mudanças econômicas, sociais, factuais e
tecnológicas cada vez mais comuns. Modelos que promovam o atendimento aos valores de
coerência, racionalidade e segurança jurídica na tutela dos objetivos de interesse público.
7
estabelecendo em regra inserta no capítulo sobre a Administração Pública que “os atos de
improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (art. 37, § 4º, da
Constituição Federal).
Não fosse o bastante, ventilava-se que deveria ser considerado que a Lei de
Improbidade Administrativa está inserida em um microssistema de tutela à probidade,
que, por sua vez, também encontra fundamento em tratados internacionais, sobretudo na
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), acolhida no
ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 200618.
18 Este trecho e os seguintes sobre a Convenção de Mérida, proteção suficiente e vedação ao retrocesso foram extraídos e adaptados
de manifestação do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Combate à Sonegação
Fiscal do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) e de peça processual produzida pelo Promotor de Justiça André Luis
Bortolini, da 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de União da Vitória.
8
Logo, mesmo que se considerasse a incidência do art. 5°, XL, da Constituição
Federal – ensejando um conflito aparente de direitos decorrente da retroatividade das
inovações normativas, com impacto sobre direitos fundamentais individuais versus direito
fundamental social à probidade administrativa –, demandava-se do Poder Judiciário o
devido controle de convencionalidade e de constitucionalidade, de modo a se afastar a
possibilidade de retroação da norma sancionadora mais benéfica aos processos e
inquéritos civis em curso, por envolverem fatos praticados ou consumados antes da
publicação da nova lei.
19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema
1199:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de
improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do
elemento subjetivo – DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de
improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da
Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem
tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos
praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado,
em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar
eventual dolo por parte do agente;
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se
os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
9
Assim, ficou estabelecido que, como regra, a revogação da modalidade culposa
das condutas ímprobas é irretroativa, salvo se elas ainda não tivessem sido objeto de
sentenças condenatórias transitadas em julgado quando do advento da Lei nº
14.230/2021, hipótese na qual é aplicável o novo regramento legislativo.
Nesta matéria não parece existir maiores dúvidas de que se aplica a tese do
Tema 1.199 de Repercussão Geral, pois durante o julgamento foi fixado o entendimento
de que a natureza jurídica das condutas ímprobas como um todo – e não apenas dos atos
culposos de improbidade administrativa – é de ilícito civil.
10
Cabe reiterar que o reconhecimento da natureza civil das condutas ímprobas
consiste em premissa fundamental para a tese que veio a ser fixada, aplicando-se a todos
os atos de improbidade, independentemente de terem sido praticados com elemento
subjetivo doloso ou culposo. É o que se verifica da ementa do julgado em voga:
11
Portanto, considerando que os atos culposos revogados que já transitaram em
julgados ocupam posição jurídica e fática semelhante aos demais atos ímprobos
revogados com sentença definitiva, é bastante razoável aplicar o mesmo tratamento
jurídico para ambos, qual seja, a irretroatividade das alterações da Lei nº 14.230/2021
tratadas no Enunciado II do Tema 1.199.
O fato de o novo art. 17-B, § 1º, III, da Lei nº 8.429/1992 ter passado a exigir a
homologação judicial dos acordos não infirma essa lógica, pois sendo um requisito de
cunho processual reforça-se ainda mais a incidência do princípio do tempus regit actum,
positivado no art. 14 do Código de Processo Civil: “A norma processual não retroagirá e
será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais
praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
12
Salienta-se que a presente conclusão encontra amparo na jurisprudência. O
Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, já decidiu, embora no âmbito do Direito
Ambiental, que o termo de ajustamento de conduta constitui ato jurídico perfeito e deve
observância às normas vigentes à época de sua celebração:
19 Assim também AgInt no PDist nos EDcl no REsp 1.735.167, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma do STJ, j. em 30.08.2021.
20 “O Termo de Ajustamento de Conduta com disposições no mesmo sentido, firmado antes da vigência da referida lei complementar,
deve ser cumprido ainda que acarrete o aumento de gastos com pessoal, pois é instrumento que possui eficácia de título executivo
extrajudicial e consiste em ato jurídico perfeito, estando imune às alterações legislativas supervenientes” ( Acórdão 80/2021, Rel. Cons.
Fernando Augusto Mello Guimarães, Pleno do TCE-PR, j. em 10.02.2021).
13
condutas ímprobas culposas sem sentença definitiva, em face das quais o Supremo
Tribunal Federal determinou a incidência da Lei nº 14.230/2021.
O Poder Judiciário Gaúcho, aliás, afirmou que por uma questão de isonomia e de
coerência com o que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, e considerando que é
um dever dos tribunais uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente,
nos termos do art. 926, caput, do Código de Processo Civil, não seria cabível discutir sob
o viés constitucional os aspectos intertemporais das condutas ímprobas revogadas sem
trânsito em julgado, sendo-lhes aplicável as mesmas premissas do ARE 843.989:
21AI 0045686-28.2022.8.16.0000, Rel. Des. Luiz Taro Oyama, Quarta Câmara Cível do TJPR, j. em 11.12.2022; AC 0000038-
29.2015.8.16.0078, Rel. Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Antonio Franco Ferreira da Costa Neto, Quinta Câmara Cível do
TJPR, j. em 28.11.2022; AI 0064915-42.2020.8.16.0000, Rel. Des. Leonel Cunha, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 24.10.2022.
22AC 1.0000.21.128337-9/002, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, Décima Nona Câmara Cível do TJMG, j. em 15.12.2022; AC
1.0140.16.000914-2/001, Relª. Desª. Áurea Brasil, Quinta Câmara Cível do TJMG, j. em 15.12.2022; AC 1.0000.22.236321-0/001, Relª.
Desª. Magrid Nauef Láuar, Sétima Câmara Cível do TJMG, j. em 29.11.2022; AC 1.0390.07.018127-1/005, Rel. Des. Alberto Vilas
Boas, Primeira Câmara Cível do TJMG, j. em 22.11.2022; AC 1.0439.15.012917-9/001, Relª. Desª. Magrid Nauef Láuar, Sétima
Câmara Cível do TJMG, j. em 25.10.2022.
23 AI 51326504720228217000, Relª. Desª. Denise Oliveira Cezar, Primeira Câmara Cível do TJRS, j. em 12.12.2022; AC
50176603820208210008, Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes, Quarta Câmara Cível do TJRS, j. em 23.11.2022.
14
parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é
IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei".
6. Não se mostra plausível suscitar incidente de inconstitucionalidade nesta via, tendo em
vista que a matéria está em análise pelo Supremo Tribunal Federal. Vale destacar que o
incidente de inconstitucionalidade, previsto no artigo 948 do Código de Processo Civil está
integrado ao sistema do Código de Processo Civil dos Processos nos Tribunais e dos Meios
de Impugnação das Decisões Judiciais (Livro III), cujo artigo 926 inseriu importantes
valores jurídico-processuais, ao disciplinar que os tribunais devem uniformizar sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Suscitar o incidente de
inconstitucionalidade neste TJRS iria na contramão de tais valores jurídico-processuais,
inclusive, aumentando o grau de insegurança jurídica em matéria de tamanha
controvérsia, o que não é aconselhável em termos de política judiciária.
7. A consequência, portanto, com relação às normas de conteúdo material, reside na
impossibilidade de impor condenação por atos de improbidade administrativa no que
tange aos tipos e espécies de improbidade que não mais figuram como tais no sistema
normativo da Lei nº 8.429/92, por força das alterações da Lei nº 14.230/21. AGRAVO
INTERNO PROVIDO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(AI 51227114320228217000, Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler, Terceira Câmara Cível do
TJRS, j. em 24.11.2022) – destacou-se.
Isso porque, conquanto os Ministros tenham formado maioria para definir que a
Lei nº 14.230/2021 é aplicável aos atos culposos revogados ainda em trâmite, não houve
convergência entre os fundamentos jurídicos apresentados – diferentemente do que
ocorreu com relação aos atos culposos revogados transitados em julgados, em que a
ratio decidendi da maioria foi a mesma.
15
ação de improbidade ou mesmo de uma sentença condenatória com base em uma conduta
não mais tipificada legalmente, por ter sido revogada. Não se trata de retroatividade da lei,
uma vez que todos os atos processuais praticados serão válidos, inclusive as provas
produzidas – que poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal –; bem como a
ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário. Entretanto, em virtude ao
princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com
base em norma legal revogada expressamente (ARE 843.989, Voto do Min. Alexandre de
Moraes).
Por fim, para os Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e
Cármen Lúcia, a Lei nº 14.230/2021 sequer deveria se aplicar aos atos ímprobos
culposos sem condenação definitiva, uma vez que, por ser um ilícito civil, o princípio do
tempus regit actum impõe, na forma do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, a
aplicação da lei vigente ao tempo em que o ato foi praticado, não no instante em que
porventura venha a ser sentenciado:
16
A ausência de consenso na motivação apresentada retira da decisão o seu
caráter de precedente. Conforme explica Luiz Guilherme Marinoni, não é possível se falar
em ratio decidendi quando a Corte não converge quanto aos motivos que efetivamente
lastrearam o julgado:
Seria possível pensar que toda decisão judicial é um precedente. Contudo, ambos não se
confundem, só havendo sentido falar de precedente quando se tem uma decisão dotada de
determinadas características, basicamente a potencialidade de se firmar como paradigma
para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. […] Um precedente exige definição,
ao menos por maioria, da questão de direito. De modo que a decisão que resolve o
recurso por maioria de votos, mas soluciona a questão de direito com base em
fundamentos compartilhados por minorias, não constitui precedente. No direito
estadunidense, causam espanto as decisões proferidas por uma maioria que compartilha de
dois ou mais fundamentos sustentados por minorias – ditas decisões plurais. Nesses casos,
afirma-se que não há precedente se a Suprema Corte profere uma decisão em que um
fundamento é subscrito por três e outro por dois Justices, na medida em que, embora o
resultado tenha sido declarado por cinco a quatro, os fundamentos foram negados por seis a
três e sete a dois. No direito brasileiro, da mesma forma, há que se distinguir decisão do
recurso e precedente, na medida em que o (des)provimento do recurso nem sempre
configurará precedente. Só há precedente quando o fundamento (não apenas o
resultado) for compartilhado pela maioria dos membros do colegiado. […] Portanto, uma
decisão pode não ter os caracteres necessários à configuração de precedente, seja por não
tratar de questão de direito ou não sustentar um fundamento por maioria, seja por se limitar a
afirmar a letra da lei ou a reafirmar precedente. Outrossim, um precedente requer a análise
dos principais argumentos pertinentes à questão de direito, além de poder necessitar de
inúmeras decisões para ser definitivamente delineado. Nesta dimensão, é possível dizer que
o precedente é a primeira decisão que, ao menos por maioria, decide a questão de direito ou
é a decisão que, igualmente ao menos por maioria, definitivamente a delineia, deixando-a
cristalina. […] Uma ratio decidendi, enquanto significado que revela o sentido de um
texto legal ou mesmo constitui regra editada pela Corte para resolver um caso, só pode
ser formada pela maioria do colegiado. Lembre-se que o common law clássico não
concebia uma ratio decidendi que não contasse com a adesão clara da maioria dos membros
da Corte. Quer dizer que os tribunais inferiores sequer indagavam sobre uma ratio decidendi
quando se deparavam com decisões cujos resultados foram alcançados a partir de
fundamentos não compartilhados por uma maioria. Rationales dotadas de autoridade,
capazes de regular casos futuros, dependiam do suporte da maioria da Corte 24 - destacou-se.
O fato de o ARE 843.989 não ser um precedente propriamente dito acaba por
mitigar o seu poder persuasivo em relação a circunstâncias semelhantes que não foram
expressamente enfrentadas, sobretudo porque não ficou claro aos jurisdicionados qual
deve ser a postura a ser adotada nessas hipóteses.
24 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022 [E-book].
17
Vale dizer, mesmo partindo do pressuposto de que, por uma questão de
similaridade com os atos culposos revogados sem sentença definitiva, a Lei nº
14.230/2021 deveria regular também os atos dolosos de improbidade revogados que
ainda não transitaram em julgado, qual deve ser a justificativa adotada para tanto? O
princípio da não ultra-atividade da norma revogada, defendida pelos Ministros Alexandre
de Moraes e Luiz Fux? Ou o princípio da retroatividade, endossada pelos Ministros André
Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski?
Em outras palavras, não existe uma ratio decidendi no tocante à aplicação da Lei
nº 14.230/2021 aos atos culposos sem sentença definitiva. Embora esse resultado tenha
contado com a anuência de 7 Ministros, a fundamentação com mais adeptos obteve
apenas 5 votos, o que não qualifica uma maioria e não tem o poder de vincular casos
semelhantes.
18
Portanto, apesar de as Cortes estarem aplicando o Enunciado III do Tema 1.199
de Repercussão Geral aos atos dolosos de improbidade revogados sem sentença
definitiva, também é possível que os membros do Ministério Público aleguem que a
referida tese não constitui um precedente adequado para disciplinar outros casos que não
os atos culposos sem trânsito em julgado, com base no que foi exposto até aqui.
2.4. Ressarcimento ao erário nos atos ímprobos revogados que estão sendo
investigados ou cujas ações ainda estão tramitando
Por conseguinte, o ressarcimento integral do dano não pode ser afastado, uma
vez que sua natureza não é genuinamente punitiva, mas mera consequência do prejuízo
patrimonial causado ao erário, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça 25,
de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves26 e Hugo Nigro Mazzili27.
25 AgInt nos Edcl no AgInt no Resp 1.676.600, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma do STJ, j. em 28.06.2021; REsp
622.234, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma do STJ, j. em 01.10.2009.
26 “[...] observa-se que a reparação dos danos, em seus aspectos intrínsecos, não representa uma punição para o ímprobo, pois tão-
somente visa a recompor o status quo” (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. 6 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 526/529).
27 “O ressarcimento ao erário não é pena, e sim mera consequência do ato ilícito” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses
difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural e patrimônio público. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 260).
19
Essa constatação, aliás, foi reforçada com o advento da Lei nº 14.230/2021, cujas
alterações afirmaram categoricamente que a reparação do dano e as sanções são
institutos jurídicos distintos e que devem ser tratados de forma desvinculada.
Isso fica bem evidenciado no novel art. 17, § 16, da Lei nº 8.429/1992, que prevê
que quando determinado ilícito administrativo não ensejar a imposição das penalidades
dos atos de improbidade, por não estarem presentes todos os requisitos necessários para
tanto, o feito deve ser convertido em ação civil pública, com o propósito de que os demais
aspectos da irregularidade constatada sejam sanados por essa via.
Tal escolha política também foi retratada com a inclusão do art. 17-D, parágrafo
único, na Lei nº 8.429/1992, cujo teor dispõe que as ações de improbidade não podem ser
utilizadas para a proteção do patrimônio público ou para apurar a responsabilidade pelos
danos a ele causados. Ficou definido que essas pretensões, bem como a discussão sobre
eventuais consequências civis ou administrativas que permeiam os atos ímprobos, a
exemplo do ressarcimento ao erário ou do controle de legalidade do ato administrativo,
devem se dar no campo da ação civil pública.
20
O cenário jurídico inaugurado pela Lei nº 14.230/2021, portanto, instituiu uma nova
roupagem ao microssistema da proteção da probidade: enquanto os demais aspectos do
ilícito administrativo devem ser tutelados por meio da ação civil pública, os ditames da Lei
nº 8.429/1992 ficam reservados apenas para um viés punitivo, pois, nos termos do caput
do já citado art. 17-D, a ação de improbidade administrativa se torna “repressiva, de
caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas
nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade
de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público”.
Por uma opção do próprio legislador, a Lei nº 14.230/2021 não tem por escopo
disciplinar o ressarcimento ao erário, que tem sua regência dada pela Lei de Ação Civil
Pública, mais especificamente no art. 1º, VIII:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: […]
VIII – ao patrimônio público e social;
21
da prescrição pelo ajuizamento da ação, publicação da sentença condenatória ou
publicação de decisão ou acórdão que confirme sentença condenatória ou que reforme
sentença de improcedência (art. 23, § 4º), o qual, uma vez interrompido, começa a correr
pela metade, isto é, pelo prazo máximo de quatro anos (art. 23, § 5º).
22
Nacional de Justiça (CNJ)28 reconhecer que o tempo médio para julgamento das ações de
improbidade pelo Poder Judiciário brasileiro é de 1.548,6 dias ou 4,2 anos.
28 Lei de improbidade administrativa: obstáculos à plena efetividade do combate aos atos de improbidade. Coordenação Luiz Manoel
Gomes Júnior, equipe Gregório Assegra de Almeida. et al. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. p. 19.
29 AgRg no REsp 1.567.594, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma do STJ, j. em 07.03.2017; REsp 948.600, Relª. Minª. Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma do STJ, j. em 29.11.2007.
23
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida),
acolhida no ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 5.687/2006, e mencionada na nova
Lei de Improbidade Administrativa, vai em sentido oposto às inovações vigentes, ao
estabelecer em seu art. 29 que “Cada Estado Parte estabelecerá, quando proceder, de
acordo com sua legislação interna, um prazo de prescrição amplo para iniciar processos
por quaisquer dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção e
estabelecerá um prazo maior ou interromperá a prescrição quando o presumido
delinquente tenha evadido da administração da justiça”.
Não por acaso, quando apreciou o mérito da matéria, o Supremo Tribunal Federal
estabeleceu no julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral que o regime
prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos
temporais apenas a partir de sua publicação (25 de outubro de 2021):
30 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.
4 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 214.
24
Os fundamentos apresentados pela Corte 31 na ocasião foram muito semelhantes
aos então endossados por este Centro de Apoio.
Uma vez findo esse prazo, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 dias, se
não for caso de arquivamento do inquérito civil (art. 23, § 3º).
Este Centro de Apoio entende que o prazo de 365 dias, por ter caráter
procedimental, teve início apenas a partir da data de vigência da Lei nº 14.230/2021, não
levando em conta o prazo pretérito de tramitação do procedimento.
Portanto, se o inquérito civil foi instaurado, por exemplo, há mais de dois anos, o
prazo para seu encerramento, prorrogável, tem contagem iniciada não por ocasião de sua
instauração no biênio antecedente, mas apenas a partir de 26 de outubro de 2021.
31 “Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há
possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. A PRIMEIRA TURMA dessa CORTE, reiteradamente, tem
afirmado que se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal
[…] A inércia nunca poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos prescricionais, passe a exigir o impossível,
ou seja, que, retroativamente o poder público – que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes – cumpra algo até então
inexistente. […] Na aplicação do novo regime prescricional, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do
acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a irretroatividade da nova lei, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados
validamente antes da alteração legislativa, sob pena de consequências absurdas. […] Em conclusão, o novo regime prescricional
previsto na Lei 14.230/21 NÃO RETROAGE, em respeito ao ato jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança
jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da
alteração legislativa” (fls. 78/81).
25
qual deverá ser fiscalizado rigorosamente por quem preside o procedimento. Em virtude
sobretudo do disposto no art. 31 da Lei nº 13.869/2019 32, faz-se também imprescindível
que a prorrogação da investigação seja devidamente motivada.
26
O Superior Tribunal de Justiça, aliás, tem orientação sumulada nesse sentido 38.
Aliás, é pertinente apontar que a conclusão ora exposta não seria afastada nem
mesmo se os princípios do Direito Penal fossem aplicados irrestritamente ao Direito
Administrativo Sancionador – tese que já foi expressamente afastada pelo Supremo
Tribunal Federal no Tema 1.199 de Repercussão Geral. Isso porque na esfera criminal
também é pacífico que os prazos de conclusão estabelecidos para os inquéritos policiais
têm natureza imprópria, conforme decisões do Superior Tribunal de Justiça 39 e do Tribunal
de Justiça do Estado do Paraná 40.
38 Súmula 592 do STJ - “O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver
demonstração de prejuízo à defesa”. Ainda: “O excesso de prazo para o processamento de inquérito civil público, em princípio, não
prejudica o investigado; a este cabe comprovar que tal dilação lhe traz prejuízos pois, do contrário, incidirá o reconhecimento de que,
inexistindo prejuízo, não resta dano ou nulidade (pas de nulité sans grief). […] (AgRg em RMS 25.763, Rel. Min. Humberto Martins,
Segunda Turma do STJ, j. em 02.09.2010).
39 AgRg no HC 614.321, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma do STJ, j. em 15.12.2020; RHC 58.138, Rel. Min. Gurgel de Faria,
Quinta Turma do STJ, j. em 15.12.2015.
40 HC 0043871-30.2021.8.16.0000, Rel. Des. Paulo Edison de Macedo Pacheco, Primeira Câmara Criminal do TJPR, j. em
21.08.2021; ReSE 0012817-84.2020.8.16.0031, Rel. Des. Mario Nini Azzolini, Terceira Câmara Criminal do TJPR, j. em 29.04.2021; HC
0056816-20.2019.8.16.0000, Rel. Des. Naor Ribeiro de Macedo Neto, Primeira Câmara Criminal do TJPR, j. em 30.01.2020; ACrim
1.512.362-7, Rel. Des. Renato Naves Barcellos, Quarta Câmara Criminal do TJPR, j. em 11.08.2016.
27
O Ministério Público do Estado do Paraná, no entanto, perfilha o entendimento
institucional de que esse dispositivo somente será constitucional se for interpretado no
sentido de que é facultativa a consulta ao Tribunal de Contas para fins de apuração do
dano, e que a realização ou dispensa da diligência deve ser objeto de deliberação
fundamentada pelo(a) agente ministerial que preside o procedimento investigatório ou é
responsável pela condução da ação de improbidade administrativa.
Art. 140. É facultativa a consulta ao Tribunal de Contas para fins de apuração do dano,
especialmente quando este já estiver delimitado ou for possível fazê-lo por simples cálculo
aritmético ou com o prévio auxílio dos serviços de apoio técnico do próprio Ministério Público,
e sua dispensa deverá ser fundamentada.
41 Manifestação do Núcleo Cível da SubJur no Protocolo nº 16553/2021 – MPPR, cujos fundamentos são parcialmente reproduzidos.
28
A ouvida do Tribunal de Contas se mostra desnecessária e protelatória nessas
situações, pois o dano já está delineado. Ora, se a lei afirma que a diligência serve para
“fins de apuração do dano”, resta sem sentido a consulta à Corte de Contas 42. Aqui se
aloja o ataque à independência funcional, pois é o membro do Ministério Público quem
detém atribuição constitucional para presidir o inquérito civil e, por conseguinte, decidir se
o dano ficou suficientemente quantificado – ou não – durante a investigação. Se a
Constituição outorga ao Ministério Público o inquérito civil e seu monopólio, também lhe
concede os meios necessários e adequados para sua condução.
29
A participação obrigatória do Tribunal de Contas em investigação ou ação
proposta pelo Ministério Público ofenderia a ordem constitucional também por implicar a
criação de atribuição institucional não contemplada pelo art. 71 da Constituição Federal. O
rol de competências da Corte de Contas não inclui a interferência nas atividades fins dos
Poderes ou de outras instituições, como é o caso do Ministério Público, de modo que o
legislador ordinário não poderia instituir intervenção dessa natureza.
Além do mais, o Supremo Tribunal Federal entende que apenas projetos de lei de
iniciativa do próprio Tribunal de Contas podem tratar de sua organização e
funcionamento, sob pena de inconstitucionalidade formal (ADI 4191, Rel. Min. Roberto
Barroso, Tribunal Pleno, j. em 22.05.2020; ADI 4643, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j.
em 15.05.2019; ADI 5323, Relª. Minª. Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. em 11.04.2019; e
ADI 4418, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. em 15.12.2016).
30
A inconstitucionalidade do art. 17-B, § 3º, da Lei nº 8.429/1992 se manifesta,
portanto, de duas formas: ao desrespeitar a independência e autonomia funcionais do
Ministério Público na condução de suas investigações e ações, e ao conceder ao Tribunal
de Contas competência que a Constituição Federal não lhe reservou.
43 “Nada obstante, ao regulamentar esse instrumento de consensualidade administrativa, o dispositivo questionado estabelece a
obrigatoriedade da oitiva do Tribunal de Contas competente, que deverá se manifestar, com a indicação dos parâmetros utilizados, no
prazo de 90 (noventa) dias. Ao assim dispor, a norma aparenta condicionar o exercício da atividade-fim do Ministério Público à atuação
da Corte de Contas, transmudando-a em uma espécie de ato complexo apto a interferir indevidamente na autonomia funcional
constitucionalmente assegurada ao órgão ministerial. Eventual desrespeito à plena autonomia do Ministério Público, em análise
sumária, consiste em inconstitucionalidade perante a independência funcional consagrada nos artigos 127 e 128 da Constituição
Federal. Além de inúmeras incertezas que circundam a aplicação da regra (v.g. vinculatividade do cálculo realizado e procedimentos
para sua oitiva), portanto, a própria fixação de prazo para a manifestação, mediante lei ordinária de autoria parlamentar, afeta o gozo
das prerrogativas de autonomia e de autogoverno das Cortes de Contas” (fls. 22 e 23).
31
4.2. Ausência de dano ao erário ou enriquecimento ilícito
Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar
acordo de não persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os seguintes
resultados:
I – o integral ressarcimento do dano;
II – a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de
agentes privados – destacou-se.
No entanto, uma análise sistemática do ordenamento jurídico revela que esta não
é a interpretação mais adequada a se extrair do referido art. 17-B, I e II, da Lei nº
8.429/1992, haja vista que nem todos os atos ímprobos têm o condão de causar lesão ao
erário ou ensejar o enriquecimento ilícito.
Sob essa perspectiva, se por um lado é certo que determinada conduta pode se
enquadrar simultaneamente nas três espécies acima elencadas, também é inequívoco
que pode se subsumir em apenas uma, de sorte que é absolutamente possível a
32
configuração de algum ato de improbidade administrativa sem a presença de dano ao
erário ou de enriquecimento ilícito.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de
imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: [...]
§ 4º Os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem
jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento
da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.
Art. 18. A sentença que julgar procedente a ação fundada nos arts. 9º e 10 desta Lei
condenará ao ressarcimento dos danos e à perda ou à reversão dos bens e valores
ilicitamente adquiridos, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo
ilícito – destacou-se.
A ausência de disposição expressa nesse sentido não deve ser entendida como
empecilho para a celebração de acordos de não persecução civil para condutas que não
ensejem tais resultados, mas sim como mera atecnia legislativa.
Até porque o novel art. 10, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 é categórico ao determinar
que não haverá imposição de ressarcimento ao erário quando o ilícito administrativo não
tiver ocasionado efetiva perda patrimonial:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação
ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no
art. 1º desta Lei, e notadamente: [...]
33
§ 1º Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não
implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o
enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei.
Não por acaso, tão logo o art. 17-B, I e II, da Lei nº 8.429/1992 entrou em vigor, a
doutrina capitaneada por Fernando da Fonseca Gajardoni prontamente afirmou que tais
requisitos não são aplicáveis aos casos em que não haja dano ao erário ou
enriquecimento ilícito:
Como bem destacado pela doutrina, “os casos em que não há prejuízo a reparar
ou prejuízo a reverter – ordinariamente menos graves –, são exatamente aqueles onde os
44 GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/1992, com as alterações
da lei 14.320/2021. 5 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021 [E-book, RL-1.9].
45 Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro
de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não
persecução cível, nos termos desta Lei.
34
acordos em improbidade são mais recomendáveis do ponto de vista da política
institucional do Ministério Público”46.
O art. 17-B, I e II, da Lei nº 8.429/1992, desse modo, é aplicável apenas para os
atos de improbidade que causem prejuízo ao erário ou que acarretem enriquecimento
ilícito, não sendo exigido o integral ressarcimento do dano e a reversão à pessoa jurídica
lesada da vantagem indevida obtida para as condutas ilícitas que, por sua própria
natureza, não tenham o condão de apresentar esses resultados.
5. Indisponibilidade patrimonial
46 GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/1992, com as alterações
da lei 14.320/2021. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021 [E-book, RL-1.9].
35
Tribunal de Justiça, inclusive em julgamento repetitivo, como no caso do Tema 701
(desnecessidade de perigo de dano) e Tema 1055 (inclusão da multa civil).
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
36
bens. O art. 37, § 4º, da Constituição Federal, assim, alberga genuíno comando de que na
esfera da improbidade não é necessário demonstrar o periculum in mora.
47 Agravo regimental no recurso extraordinário. Improbidade administrativa. Decretação de indisponibilidade de bens. Acórdão em que
se afastou a necessidade de demonstração do periculum in mora e se concedeu a tutela de evidência. [...] 1. O acórdão objurgado não
eliminou propriamente a exigência do periculum in mora para a concessão da medida cautelar. Em verdade, o julgado presumiu sua
existência ao considerar que o regime jurídico da cautelar nas ações de improbidade, da forma como determinado pelo art. 37, § 4º da
Lei Fundamental, traz implícito o perigo da demora (RE 944.504 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma do STF, j. em 20.10.2017).
37
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO.
APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS
BENS DO PROMOVIDO. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. EXEGESE DO ART. 7º DA LEI N.
8.429/1992, QUANTO AO PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA
PELA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO. [...] 2. Em questão está a exegese do art. 7º da Lei n.
8.429/1992 e a possibilidade de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens
do demandado quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato
ímprobo que cause dano ao Erário. 3. A respeito do tema, [...] no comando do art. 7º da Lei
8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender
presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause
dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo,
atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual 'os
atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível'. O periculum in mora, em verdade, milita
em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens,
porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de
indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse
requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. [...] 5. Portanto, a
medida cautelar em exame, própria das ações regidas pela Lei de Improbidade
Administrativa, não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando
seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora
encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de
cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a
referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado,
quando presentes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa. [...] 7.
Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução n. 8/2008/STJ
(REsp 1.366.721, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção do STJ, j. em 26.02.2014) –
destacou-se.
38
A indisponibilidade de bens pode ser decretada mesmo que não se esteja diante de alguma
daquelas situações de desaparecimento do requerido, ou de dissipação do seu patrimônio, ou
concessão de direitos reais de garantia, ou de sua insolvência. A própria Constituição Federal,
ao afirmar que a prática de atos de improbidade administrativa importará na
indisponibilidade de bens (art. 37, parágrafo 4º), já deixa claro que a indisponibilidade,
embora assemelhada ao arresto, quando motivada por enriquecimento ilícito e
principalmente por prejuízo patrimonial ao Erário, pode ser tomada independentemente da
existência de alguma das situações de risco consignada nos três primeiros incisos do art. 813
do CPC [de 1973] [...] Em suma, segundo nosso ponto de vista, não há necessidade de outros
elementos, além da indicação da provável ocorrência de ato de improbidade administrativa que
tenha importado em ganho patrimonial ilícito ou em prejuízo patrimonial para o ente administrativo,
para que se torne viável a decretação da indisponibilidade de bens dos requeridos 48 – destacou-se.
Quanto ao periculum in mora, parte da doutrina se inclina no sentido de sua implicitude, de sua
presunção pelo art. 7º da Lei de Improbidade, o que dispensaria o autor de demonstrar a intenção
de o agente dilapidar ou desviar o patrimônio com vistas a afastar a reparação do dano. [...] a
indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade é uma daquelas hipóteses nas quais o próprio
legislador dispensa a demonstração do perigo de dano. Desse modo, em vista da redação
imperativa adotada pela Constituição Federal (art. 37, §4º) e pela própria Lei de Improbidade
(art. 7º), cremos acertada tal orientação49 – destacou-se.
É verdade que a expressão “na forma e gradação previstas em lei” conferiu certa
dose de liberdade ao Poder Legislativo para disciplinar o modo pelo qual a
indisponibilidade de bens seria aplicada no contexto da improbidade administrativa.
O art. 37 da CF, em seu caput, dispõe expressamente sobre o dever de observância dos
princípios regentes da atividade estatal, enquanto que o § 4º do mesmo dispositivo conferiu
ao legislador uma certa liberdade regrada de conformação do delineamento da improbidade
48 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 276/277 e 288.
49 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1105.
39
(AC 0004126-41.2015.8.16.0004, Voto convergente do Des. Carlos Mansur Arida, Quinta
Câmara Cível do TJPR, j. em 02.07.2019).
O referido postulado, como se sabe, apregoa que o Poder Público deve atuar
para que os bens jurídicos que estão sob sua tutela sejam concretizados. A postura
omissiva nessa tarefa equivale a uma conduta que viola direito fundamental:
Poderá o Estado frustrar seus deveres de proteção atuando de modo insuficiente, isto é,
ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos ou mesmo
deixando de atuar [...] É nesse sentido – como contraponto à assim designada proibição de
excesso – que expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência
daquilo que se convencionou chamar de proibição de insuficiência (no sentido de insuficiente
implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão) 50.
O Estado deve adotar medidas normativas e fáticas suficientes para cumprir seu dever de
tutela, que levem – considerando os bens conflitantes – ao alcance de uma proteção
adequada e, como tal, efetiva (proibição de insuficiência). Para tanto, é necessário um projeto
de proteção que combine elementos de proteção preventiva e repressiva 51.
50 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2021, p. 399.
51 BVERFGE 88, 203, Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. Excerto retirado da obra Cinquenta Anos de Jurisprudência do
Tribunal Constitucional Alemão. Acesso em: 10 jan. 2022.
40
Para Roberto Lima Santos, não é apenas esse dispositivo constitucional que visa
a resguardar a probidade administrativa, pois a proteção dela também decorre:
(i) do princípio republicano (art. 1º, caput); (ii) do princípio democrático (art. 1º, par. único); (iii)
de seus fundamentos (art. 1º, incisos I a V: soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa
humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político); (iv) dos
objetivos fundamentais da República (art. 3º, incisos I a IV: construir uma sociedade livre,
justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação); (v) da
prevalência dos direitos humanos e da defesa da paz nas suas relações internacionais (art.
4º, I e VI); e (vi) dos demais princípios constitucionais administrativos, previstos no caput do
art. 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) 52.
52 SANTOS, Roberto Lima. Direito fundamental à probidade administrativa e as convenções internacionais de combate à corrupção.
Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 50, out. 2012. Acesso em: 10 jan. 2022.
53 Os direitos subjetivos a prestações estatais em sintonia com os direitos republicanos incluem o direito de todos à administração da
coisa pública secundum legem, sob o referencial da probidade (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina,
legislação e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 14-15).
54 SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
55 Para o autor, o direito à probidade é composto pelo “direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de
seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade
por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações
administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem” (FREITAS, Juarez. Discricionariedade
administrativa e o direito fundamental à boa administração. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 22 e 42).
56 “Os Poderes Legislativo e Executivo, no Brasil, teimam em não aceitar aquilo que o nosso texto constitucional tem de mais
contemporâneo, vale dizer, o seu forte conteúdo normativo, a sua vocação para criar direitos fundamentais de plena e imediata fruição
– no caso, o direito fundamental à probidade – e a consagração, fruto da experiência constitucional norte-americana, de ampla
possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na garantia de tais direitos fundamentais” (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério
Pacheco. Improbidade administrativa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 859).
57 RAMOS, André de Carvalho. O combate internacional à corrupção e a lei da improbidade. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al.
(org.). Improbidade Administrativa: comemoração pelos 10 anos da Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 7.
41
Sob essa perspectiva, ao ter exigido a demonstração do periculum in mora como
pressuposto para concessão da indisponibilidade de bens em ações de improbidade, o
art. 16, § 3º, da Lei nº 8.429/1992 confere proteção deficiente à Administração Pública.
De fato, exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade
da condenação representaria, do ponto de vista prático, o irremediável esvaziamento da
indisponibilidade perseguida no âmbito constitucional e legal 58.
58 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.105.
42
De forma correlata ao extenso rol de normas constitucionais consagradores de direitos
fundamentais, o Constituinte originário, no art. 37, §4º, da Constituição, conferiu autorização
expressa ao legislador infraconstitucional para que estatuísse restrições aos referidos direitos
sempre que fosse identificada a prática de atos de improbidade, os quais estariam igualmente
sujeitos à reserva de lei. [...] Com isso, teve-se uma nítida colisão entre direitos fundamentais
do agente público (cidadania, patrimônio e livre exercício da profissão) e bens jurídicos do
Estado (patrimônio público e normatização disciplinadora da conduta dos agentes públicos),
colisão esta que foi objeto de prévia valoração pelo legislador, o qual terminou por
prestigiar o interesse coletivo em detrimento do individual59 – destacou-se.
Portanto, o art. 16, § 3º, da Lei nº 8.429/1992, ao ter criado indevida exigência de
comprovação do periculum in mora, viola o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e
desrespeita o princípio da proibição da proteção deficiente.
O art. 16, § 11, da Lei nº 8.429/1992 prevê que o bloqueio de contas bancárias
constitui a última medida a ser adotada no contexto da indisponibilidade de bens em
ações de improbidade administrativa:
Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter
antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a
integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento
ilícito. […]
§ 11. A ordem de indisponibilidade de bens deverá priorizar veículos de via terrestre, bens
imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de
sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência
desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a
manutenção da atividade empresária ao longo do processo.
59 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 169.
43
V – bens imóveis;
VI – bens móveis em geral;
VII – semoventes;
VIII – navios e aeronaves;
IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
X – percentual do faturamento de empresa devedora;
XI – pedras e metais preciosos;
XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária
em garantia;
XIII – outros direitos.
§ 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a
ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto – destacou-se.
Veja-se que a alteração legislativa criou, pela via reflexa, dois regramentos
distintos quanto à preferência na constrição patrimonial. Um aplicável apenas às ações de
improbidade administrativa, no qual os ativos financeiros são tidos como a espécie de
bem menos desejável, ainda que o dano pecuniário seja vultoso e prejudicial aos
interesses da administração pública e da sociedade. E outro destinado às ações de índole
civil, trabalhista e fiscal, em que o dinheiro é considerado como o item prioritário ao
credor, ainda que o débito seja de pequena monta.
60 Art. 11. A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: I – dinheiro; II – título da dívida pública, bem como título de
crédito, que tenham cotação em bolsa; III – pedras e metais preciosos; IV – imóveis; V – navios e aeronaves; VI – veículos; VII –
móveis ou semoventes; e VIII – direitos e ações.
61 Art. 882. O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da quantia
correspondente, atualizada e acrescida das despesas processuais, apresentação de seguro-garantia judicial ou nomeação de bens à
penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 835 da Lei n o 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo
Civil.
44
O Supremo Tribunal Federal já apontou que o Poder Legislativo não pode instituir
diferenciações normativas de modo descomedido. Como evidenciado no julgamento da
ADI 758, ADI 4.868, RE 656.089 e RE 657.686, a Corte foi categórica ao afirmar, a partir
das balizas desenvolvidas por Celso Antônio Bandeira de Mello na obra “O Conteúdo
Jurídico do Princípio da Igualdade”, que para uma desequiparação legal ser considerada
compatível com o postulado da isonomia devem ser superados três testes: o fator de
discrímen residir no próprio objeto a ser diferenciado; a discriminação guardar pertinência
lógica com a finalidade pretendida com a desequiparação; e a finalidade do tratamento
distinto ser consonante com os valores constitucionalmente protegidos.
Por essa máxima, se a equalização dos desiguais deve se dar na exata proporção
de suas desigualdades, é justamente ela que deve ser utilizada como parâmetro
diferenciador, não o contexto fático específico a que estão submetidos os sujeitos em
questão. Enquanto a desigualdade reside no próprio indivíduo desigual, o contexto fático
é algo externo a ele. Não é razoável utilizar elemento extrínseco às pessoas como critério
de diferenciação, pois, por se tratar de algo exterior, consistente em algo aplicável a todos
que eventualmente se encontrem no âmbito de sua sujeição, o que reflete o seu caráter
neutro em relação à situação de desigualdade.
45
coletividade e a indeterminação de sujeitos que a compõe estão submetidos aos ditames
da Lei nº 8.429/1992. A referida legislação se revela como verdadeiro fator neutro no
tocante aos seus destinatários, sendo aplicável a todos a despeito das eventuais
diferenças e desigualdades existentes entre eles.
O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside
na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a
discriminação legal decidida em função dele. [...] Ocorre imediata e intuitiva rejeição de
validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, se calça em
fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado.
Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais
colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles o quid
determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia. Segue-se que
o problema das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da igualdade não se
adscreve aos elementos escolhidos como fatores de desigualação, pois resulta da conjunção
deles com a disparidade estabelecida nos tratamentos jurídicos dispensados. Esclarecendo
melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério
discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço
desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função
da desigualdade afirmada. [...] Então, no que atina ao ponto central da matéria abordada,
procede afirmar: é agredida a igualdade quanto o fator diferencial adotado para
qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a
inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do
gravem imposto. Cabe, por isso mesmo, quanto a este aspecto, concluir: o critério
especificador escolhido pela lei a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica –
a dizer: o fator de descriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles; todavia,
necessita inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que
dele resulta. [...] Em síntese, a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou
desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadores de uma categoria
de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o
regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada62 – destacou-se.
62 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2021, p. 37/39.
46
O Ministro Alexandre de Moraes63 e José Joaquim Gomes Canotilho64 também são
partidários da tese de que as distinções estabelecidas por lei devem encontrar justificativa
razoável à luz da finalidade pretendida com a desequiparação. Assim também a posição
do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 640.905:
[…] 2. A isonomia sob o ângulo da desigualação reclama correlação lógica entre o fator de
discrímen e a desequiparação procedida que justifique os interesses protegidos na
Constituição (adequada correlação valorativa). 3. A norma revela-se antijurídica, ante as
discriminações injustificadas no seu conteúdo intrínseco, encerrando distinções não balizadas
por critérios objetivos e racionais adequados (fundamento lógico) ao fim visado pela
diferenciação (RE 640.905, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário do STF, j. em 15.12.2016).
A esse respeito, o próprio art. 16, § 11, in fine, da Lei nº 8.429/1992, fornece qual
foi a correlação lógica adotada e o fim pretendido pela norma: o bloqueio de contas
bancárias deve ser a última opção na indisponibilidade de bens como forma de “garantir a
subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo”.
63 A desigualdade na lei produz-se quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas
diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma
justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em
relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso razoável relação de proporcionalidade entre os
meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos
(MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 112/113).
64 Existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não
tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer distinção jurídica sem um fundamento razoável (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 419).
47
O fundamento apresentado pela lei não se consubstancia em nexo de
causalidade lógico que tenha o condão de justificar o porquê do benefício ser extensível
apenas aos réus em ações de improbidade, até porque a indisponibilidade de bens não
consiste em medida executória propriamente dita 65.
Por fim, com relação ao terceiro teste, tem-se que o regime jurídico desigual
estabelecido por lei deve promover os valores tutelados constitucionalmente. Ou seja, a
desequiparação estatuída pela lei deve ser feita visando a prestigiar determinada norma
da Constituição Federal, conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
As discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão
somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial
acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida,
desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na
Constituição [...] As vantagens calçadas em alguma peculiaridade distintiva hão de ser
conferidas prestigiando situações conotadas positivamente ou, quando menos, compatíveis
com os interesses acolhidos no sistema constitucional. [...] Deveras, a lei não pode atribuir
efeitos valorativos ou depreciativos a critério especificador em desconformidade ou
contradição com os valores transfundidos no sistema constitucional ou nos padrões
ético-sociais acolhidos neste ordenamento. [...] De logo, importa, consoante salientado,
que haja correção lógica entre o critério desigualador e a desigualdade de tratamento.
Contudo, ainda se requer mais, para lisura jurídica das desequiparações. Sobre existir nexo
lógico, é mister que este retrate concretamente um bem – e não um desvalor – absorvido no
sistema normativo constitucional [...] Não é qualquer fundamento lógico que autoriza
desequiparar, mas tão só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na
ordenação jurídica máxima. Fora daí ocorrerá incompatibilidade com o preceito igualitário 66
– destacou-se.
A alteração promovida no art. 16, § 11, da Lei nº 8.429/1992 não se coaduna com
o texto da Constituição Federal. Ao contrário, quando mitigou a efetivação das medidas
cautelares que visam garantir o ressarcimento ao erário, acabou por se distanciar do
mandamento do art. 37, caput e § 4º, que traduz nítida opção do constituinte originário em
65 “A medida de indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, não se equipara a expropriação do
bem, muito menos se trata de penhora, limitando-se a impedir eventual alienação” (REsp 1.260.731, Relª. Minª. Eliana Calmon,
Segunda Turma do STJ, j. em 19.11.2013). “O estado de indisponibilidade significa a paralisação de quaisquer possibilidades de
alienação de bens (venda, permuta, dação em pagamento, doação, etc.), sua estagnação provisória, preventiva, de eventual
consumição ou transmissão, com o fito de assegurar o definitivo perdimento (se de enriquecimento ilícito provierem) ou o
ressarcimento integral do dano (nas hipóteses do art. 10). (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina, legislação e
jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 366/367).
66 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2021, p. 17, 18, 42,
43 e 44. Nesse mesmo sentido: MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 9. ed. São
Paulo: Atlas, 2013, p. 112-113; EFFTING, Patrícia Uliano. A finalidade do princípio da igualdade: a nivelação social – interpretação dos
atos de igualar. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 88/89.
48
rechaçar as condutas de má gestão da coisa pública, tanto que o próprio caput menciona
a moralidade e a eficiência como vetores axiológicos.
Nesse cenário, não é minimamente coerente sustentar que o art. 37, § 4º, da
Constituição Federal seja compatível com ideias que em alguma medida enfraqueçam a
proteção da probidade, pois o comando que dele emana é diametralmente oposto. Há
verdadeira ordem do constituinte ao legislador infraconstitucional para que sejam editadas
leis que efetivamente ofereçam instrumentos de garantia nessa seara.
Para Roberto Lima Santos, não é apenas o art. 37, § 4º, da Constituição Federal
que impede alterações legislativas de enfraquecerem os mecanismos de proteção à
probidade administrativa, pois a incompatibilidade também decorreria:
(i) do princípio republicano (art. 1º, caput); (ii) do princípio democrático (art. 1º, par. único); (iii)
de seus fundamentos (art. 1º, incisos I a V: soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa
humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político); (iv) dos
objetivos fundamentais da República (art. 3º, incisos I a IV: construir uma sociedade livre,
justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação); (v) da
prevalência dos direitos humanos e da defesa da paz nas suas relações internacionais (art.
4º, I e VI); e (vi) dos demais princípios constitucionais administrativos, previstos no caput do
art. 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) 67.
67 SANTOS, Roberto Lima. Direito fundamental à probidade administrativa e as convenções internacionais de combate à corrupção.
Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 50, out. 2012. Acesso em: 29 nov. 2021.
49
Não à toa, a doutrina contemporânea tem conferido a dimensão de verdadeiro
direito fundamental à probidade administrativa, como, por exemplo, Ingo Sarlet 68, Waldo
Fazzio Júnior69, Juarez Freitas70 e Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves71.
Se o art. 37, § 4º, da Constituição Federal já não deixava nenhuma dúvida sobre a
impossibilidade de legislação ordinária infirmar a higidez da proteção da probidade
administrativa, muito mais certeza se tem disso mediante a interpretação sistêmica dos
seus dispositivos esparsos aliada aos compromissos internacionais assumidos pelo
Brasil, que refletem a verdadeira mens legis desse documento.
68 SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
69 Os direitos subjetivos a prestações estatais em sintonia com os direitos republicanos incluem o direito de todos à administração da
coisa pública secundum legem, sob o referencial da probidade (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina,
legislação e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 14/15).
70 Para o autor, o direito à probidade é composto pelo “direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de
seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade
por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações
administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem” (FREITAS, Juarez. Discricionariedade
administrativa e o direito fundamental à boa administração. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 22 e 42).
71 “Os Poderes Legislativo e Executivo, no Brasil, teimam em não aceitar aquilo que o nosso texto constitucional tem de mais
contemporâneo, vale dizer, o seu forte conteúdo normativo, a sua vocação para criar direitos fundamentais de plena e imediata fruição
– no caso, o direito fundamental à probidade – e a consagração, fruto da experiência constitucional norte-americana, de ampla
possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na garantia de tais direitos fundamentais” (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério
Pacheco. Improbidade administrativa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 859).
72 RAMOS, André de Carvalho. O combate internacional à corrupção e a lei da improbidade. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al.
(org.). Improbidade Administrativa: comemoração pelos 10 anos da Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 7.
50
6. Pedidos nas ações de improbidade administrativa
Nesse contexto, chamou a atenção dos intérpretes os requisitos que por diversas
vezes foram repetidos no art. 17 da Lei nº 8.429/1992 para a individualização da conduta
e do tipo ímprobo a que é enquadrada:
Art. 17 […]
§ 6º A petição inicial observará o seguinte:
I – deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que
demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo
impossibilidade devidamente fundamentada;
[…]
§ 10-C. Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com pre-
cisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado
modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.
§ 10-D. Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado
apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei.
[…]
§ 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa
que:
I – condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial;
51
de requerer o enquadramento no tipo mais gravoso e, subsidiariamente, em artigo cujas
sanções são mais brandas74 teria sido, assim, extirpada pela nova Lei.
É que a nova redação do art. 17 traça uma ordem lógica da ação destinada à
imposição de sanção pela prática de ato de improbidade administrativa. A partir do § 4º-A,
o dispositivo trata da competência para o processamento e na sequência, no § 5º, dispõe
sobre critério de prevenção – ambas questões prévias ao ajuizamento da ação. A ordem
lógica segue para abordar a petição inicial nos §§ 6º, 6º-A; o despacho inaugural nos §§
6º-B e 7º; a resposta do réu nos §§ 9º-A, 10-A; o despacho “saneador” nos §§ 10-B e 10-
C; e a sentença nos §§ 10-E e 10-F.
A norma do § 10-D do art. 17 está então inserida entre duas outras disposições
que ordenam a atuação do Estado-Juiz na condução da ação de improbidade – o
dispositivo que o antecede trata do despacho saneador do magistrado, que deverá indicar
Fernando da F; CRUZ, Luana P. de F; GOMES JUNIOR, Luiz M; FAVRETO, Rogério. Comentários à Nova Lei de Improbidade
Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2022. Capítulo V. Do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial. Art. 17-A.
Página RL-1.9.).
74 “O pedido será o de aplicação das penalidades previstas no art. 12 na forma e gradação em que o fato se subsumir à modalidade
de improbidade administrativa verificada pela sentença. Impensável o cúmulo de condenações idênticas, resolvendo-se a questão pelo
princípio da especialidade. Assim, se o ato ao mesmo tempo é de prejuízo ao erário e atentado aos princípios da Administração
Pública, verificado o primeiro deverão ser infligidas as penalidades concernentes ao mais grave, abrangente o específico, de modo que
a cumulação dos fundamentos jurídicos do pedido permita a aplicação das penalidades subsidiariamente. Essa operação evita que o
fundamento jurídico da pretensão seja um e a sentença reconheça a existência de outro, gerando possível improcedência da ação por
desconformidade do libelo (pedido) com a sentença.” (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 328).
75 A Nota Técnica 01/2021, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, chegou à mesma conclusão.
52
o tipo ímprobo imputável ao réu, enquanto o dispositivo seguinte aborda a sentença, que
não poderá condenar o agente público senão por tipo indicado na petição inicial. Na
ordem lógica traçada, as regras sobre a petição inicial estão dispostas com bastante
antecedência, nos §§ 6º e 6º-A.
76 Vide HC 110.946, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma do STF, j. em 29.11.2011.
53
[...] O texto do PL 10.887/2018 apresentado buscou como premissas:
1) incorporar ao texto da Lei n° 8.429/92 a jurisprudência já assentada pelo STJ;
2) compatibilizar o texto da atual Lei n° 8.429/92 com o CPC, com a Lei Anticorrupção e com
a LINDB; [...]
Ainda com relação ao artigo 17, foram acrescidos os §§ 10 a 15 e §20, que impõem ao
Magistrado que indique com precisão a tipificação do ato de improbidade –
permitindo que o réu exerça sua defesa sabendo precisamente do que está sendo
acusado –, bem como promova as produções das provas indicadas pelo réu,
promovendo a sua ampla defesa [...]
Deve-se exigir, ainda, que a inicial da ação de improbidade já contenha as provas ou
indícios da prática do ato ímprobo, inclusive sob pena de litigância de má-fé, nos termos dos
art. 79 a 81 do Código de Processo Civil, com a necessidade, também, de que a petição já
traga a exposição do ato de improbidade com todas as suas circunstâncias, a descrição da
conduta imputada ao agente e a específica pretensão sancionatória, observado sempre o
princípio da proporcionalidade – destacou-se.
Embora uma das razões originais da reforma à Lei nº 8.429/1992 fosse sua
adaptação à jurisprudência assentada pelo Superior Tribunal de Justiça, fato é que sua
versão final teve o efeito contrário de justamente afastar diversas interpretações
pacificamente adotadas pelas cortes brasileiras 77.
77 Leonardo Bruno Pereira de Moraes relacionou diversos entendimentos do STJ contrariados pela Lei nº 14.230/2021 ( A nova Lei de
Improbidade Administrativa e o Superior Tribunal de Justiça, Conjur, nov. 2021).
78 HOLANDA JR., André Jackson de; TORRES, Ronny Charles L. de. Improbidade Administrativa: Lei n.º 8.429/1992; NEVES, Daniel
Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de Improbidade Administrativa: Direito Material e Processual;
NEIVA, José Antonio Lisboa. Improbidade administrativa: estudo sobre a demanda na ação de conhecimento e cautelar; GARCIA,
Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa.
54
direito processual civil brasileiro – ainda que as partes devam indicar os fundamentos de
fato e de direito, o juiz sempre ficou vinculado apenas aos argumentos de fato, mas não
quanto ao direito a ser aplicável ao caso.
79 SOUZA, Guilherme Carvalho e. Improbidade e o princípio da congruência: a necessidade de revisitar a jurisprudência; CAMPOS,
Valdir de Carvalho; NASCIMENTO, Matheus Canela do. Causa de pedir e pedido na ação de improbidade administrativa e aplicação da
ação rescisória quando da sentença que não reconheceu a inépcia da inicial.
80 Neste ponto, cumpre agradecer o diálogo e os apontamentos do Promotor de Justiça Rogério Rudiniki Neto.
81 DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 352.
55
Já abordamos que o § 6º, I, do art. 17, ao tratar da petição inicial, não exige
“apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11”, mas apenas a
demonstração de sua ocorrência e autoria, ao revés do que dispõe o § 10-D do mesmo
artigo – que entendemos ser direcionado ao magistrado. Não se vislumbra, pois, vedação
direcionada ao autor para que indique mais de um tipo ímprobo para cada conduta.
Desse modo, este Centro de Apoio perfilha o entendimento de que o novo § 10-D
do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa é direcionado ao magistrado em seu
despacho saneador, permanecendo a possibilidade – e a conveniência – de se apresentar
pedidos de tipificação subsidiária nas ações regidas pela Lei nº 8.429/1992.
56
Os dispositivos ainda vedam categoricamente o seu ajuizamento para o controle
de legalidade de políticas públicas, proteção do patrimônio público e de outros interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos, indicando a Lei nº 7.347/1985 como o
estatuto de regência dessas pretensões:
No mais aqui também andou bem o legislador e impedir a desvirtuação do uso da ação de
improbidade administrativa para o controle de políticas públicas. Dito de outro modo, inviável
a sua utilização para o controle de legalidade de políticas públicas e a responsabilidade de
agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem
urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio
público e social que submetem-se exclusivamente aos ditames e ao procedimento da Lei nº
7.347, de 24 de julho de 198583.
O que se pretendeu dizer é que a ação de improbidade não pode ter por objetivo tutelar
ilícitos civis e resguardar tais bens jurídicos, o que realmente procede 84.
83 GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/1992, com as alterações
da lei 14.320/2021 [livro eletrônico]. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.
84 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência [livro eletrônico]. 3. ed.
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.
57
O afastamento da improbidade administrativa da esfera cível, com distanciamento da ação
civil pública prevista na Lei nº 7.347/85, está expresso categoricamente no art. 17-D […] A lei
é muito clara não só em abrigar a improbidade administrativa no campo do Direito
Administrativo Sancionador, como em afastar qualquer similaridade com a ação civil pública,
expressando que não é seu propósito efetuar o controle de legalidade dos atos
administrativos, tutelar o patrimônio público e social e outros objetivos típicos de uma ACP
[…] A legislação avançou bem nesse ponto, pois com sua nova redação espera-se que as
ações de improbidade administrativa priorizem de fato a aplicação das penas, relegando o
ressarcimento ao papel acessório que lhe cabe em uma ação dessa natureza. […] Ao lado
disso, como a ação de improbidade administrativa é exclusivamente sancionatória e
repressiva, nos termos do artigo 17-D, inexiste qualquer possibilidade de em seus autos
emergir uma ação civil pública com um propósito indenizatório e/ou de controle da legalidade
dos atos administrativos. […] é incompatível com a improbidade administrativa qualquer pleito
relativo a uma ação civil pública85.
No entanto, este Centro de Apoio entende que o dispositivo em voga não tem o
condão de impedir a cumulação de pedidos.
Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos,
ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que:
I – os pedidos sejam compatíveis entre si;
II – seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III – seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a
cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das
técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam
um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o
procedimento comum.
85 POZZO, Augusto Neves dal; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta de. Lei de improbidade administrativa reformada [livro eletrônico].
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.
58
Para a ação de improbidade, o apontamento decorre tanto da atual 86 quanto da
antiga87 redação do art. 17, caput, da Lei nº 8.429/1992, embora, nessa última hipótese,
tenha sido utilizada a expressão rito ordinário, nomenclatura equivalente da época. Já
para as demais pretensões, como o Código de Processo Civil não lhes designou nenhum
procedimento especial, deve ser aplicado o procedimento comum, nos termos do que
dispõe o seu art. 31888.
Hodiernamente não se pode mais ignorar que a Lei de Improbidade Administrava não tenha
implementar um procedimento especial para apuração do actus improbus. Aquele que a essa
tese se filiar estará contrariando dispositivos expressos da Lei nº 8.429/92 89.
A LIA impropriamente afirma que a ação civil de improbidade administrativa terá o rito
ordinário. Ora, o art. 17 já contem normas procedimentais diversas da prevista no
procedimento comum, tais como defesa preliminar e juízo prévio de admissibilidade. A ação
civil de improbidade administrativa, pois, caracteriza-se pela especialidade de seu rito
processual. É induvidoso que o processo civil referente à improbidade administrativa
concretiza-se ou exterioriza-se por meio de procedimento especial de jurisdição contenciosa.
E sua especialidade em relação ao procedimento comum é acentuada, de forma notória,
quanto à fase inicial, de cunho condenatório, de admissibilidade da ação de improbidade
administrativa90.
O mesmo dispositivo [art. 17 da Lei nº 8.429/1992] que prevê a legitimidade ativa exclusiva do
Ministério Público também prevê que o procedimento da ação de improbidade administrativa
será o comum. Na redação originária a menção era a procedimento ordinário. Em meu
entendimento, um erro continuado, já que o procedimento era e continua a ser especial 91.
86 Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento
comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei [redação dada pela
Lei nº 14.230/2021].
87 Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro
de trinta dias da efetivação da medida cautelar [redação original da Lei nº 8.429/1992].
88 Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei. Parágrafo
único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
89 SIMÃO, Calil. Improbidade administrativa: teoria e prática. 6. ed. Leme: Mizuno, 2022, p. 349.
90 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis,
criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 212.
91 NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Comentários à reforma da lei de improbidade
administrativa: lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo. São Paulo: Forense, 2022, p. 76.
59
8.429/92, destinadas à imposição das sanções civis públicas de responsabilidade civil
destinadas à anulação de atos administrativos e à obtenção do ressarcimento do dano
correspondente92.
Porém, ainda que se concorde com tal raciocínio, não haverá empecilho algum à
cumulação de pedidos, porque, de acordo com o § 2º do art. 327 do Código de Processo
Civil, é permitido aglutinar todas as pretensões no procedimento comum, ainda que
originalmente sejam submetidas a ritos distintos.
O mesmo procedimento deve ser adequado para a tramitação de todos os pedidos cumulados. É
possível ao demandante cumular pedido que siga o procedimento comum com pedido
sujeito a procedimento especial, desde que o demandante opte pela adoção do
procedimento comum […] Se cada um dos pedidos cumulados se sujeita a procedimentos
especiais diferentes e não se mostra adequado o emprego do procedimento comum para todos,
então tem o juiz de oportunizar ao autor a opção por um dos pedidos, sendo-lhe vedado indeferir
desde logo a petição inicial […] A opção pelo procedimento comum não impede a utilização
das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se
sujeitam um ou mais pedidos cumulados que não forem incompatíveis com as disposições
sobre o procedimento comum93 – destacou-se.
Os procedimentos previstos para todas as ações que se pretende cumular devem ser compatíveis
entre si. É possível ao autor, entretanto, utilizar-se da faculdade prevista no CPC 327 § 2º. Quando
houver previsão de ritos diferentes para as ações que se pretende cumular, será admissível a
cumulação desde que o autor opte por imprimir o rito comum a todos eles, renunciando à
especialidade de um dos pedidos. Todavia, fica expressamente autorizado pelo CPC o uso de
técnicas processuais diferenciadas que façam parte do próprio procedimento especial,
desde que não sejam incompatíveis com o procedimento comum 94 – destacou-se.
92 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural e patrimônio
público. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 217.
93 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado [livro eletrônico]. 4.
ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
94 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado [livro eletrônico]. 6. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2021.
60
É justamente por essa razão que a doutrina majoritária, a despeito dos
posicionamentos isolados em sentido contrário 95, sempre defendeu ser viável a tramitação
conjunta da ação de improbidade com pedidos de natureza diversa. Confira-se:
A ação por improbidade administrativa não necessita, todavia, revestir unicamente cunho
condenatório, podendo também comportar pedido de desconstituição do ato administrativo
viciado96.
Tem-se, dessa forma, a possibilidade de cumulação de pedidos em sede de ação de
improbidade, sempre que tal solução se apresentar a mais adequada ou necessária à tutela
do patrimônio público. Ordinariamente, se terá o cúmulo de pretensões condenatórias e
constitutivas […] O aludido cúmulo de pedidos, ressalta-se, não representa nenhuma
novidade em matéria de proteção ao patrimônio público em face do que já dispõem os arts.
1º, 11 e 14 da Lei da Ação Popular, amoldando-se ao art. 292 do CPC. Adite-se que a
cumulação de pedidos em ações civis públicas, inclusive nas ações de improbidade
administrativa, vem sendo amplamente admitida pelo STJ, o que se faz em homenagem aos
princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual e a fim de evitarem-se
decisões contraditórias97.
95 “Assim, não pode o autor cumular um pedido, que seria processado por um procedimento especial obrigatório, com outro, qualquer
que seja o procedimento a ele pertinente. São exemplos: inventário e partilha, ação de improbidade administrativa, interdição,
desapropriação, ações de controle concentrado de constitucionalidade das leis” (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual
civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo do conhecimento. 20. ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 666).
96 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 293.
97 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 980/981.
98 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.
450/451.
61
ação de improbidade para pleitear o ressarcimento ao erário, mesmo quando prescritas
as demais sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/1992:
99 AC 0014360-90.2018.8.16.0129, Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 24.11.2020; AI 0057178-
22.2019.8.16.0000, Relª. Desª. Maria Aparecida Blanco de Lima, Quarta Câmara Cível do TJPR, j. em 01.06.2020; AI
1.0514.16.003578-8/001, Rel. Des. Raimundo Messias Júnior, Segunda Câmara Cível do TJMG, j. em 03.04.2018; AI 1624099-2, Rel.
Des. Abraham Lincoln Merheb Calixto, Quarta Câmara Cível do TJPR, j. em 15.08.2017.
100 AC 0006305-55.2017.8.16.0075, Rel. Des. Nilson Mizuta, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 23.06.2020; AC 1.464.063-0, Rel.
Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 11.12.2018; AI 1.0000.21.057990-0/001, Rel. Des. Leite
Praça, Décima Nona Câmara Cível do TJMG, j. em 23.09.2021.
62
Exemplificando essa afirmação, pode-se mencionar os requisitos adicionais para
a elaboração ou recebimento da petição inicial (art. 17, § 6º, I e II 101, e §6º-B102) e para a
prolação da sentença (art. 17-C 103); o prazo diferenciado para a contestação (art. 17, §
7º104); a proibição de inverter o ônus da prova ao réu (art. 17, § 19, II 105); e a vedação de
remessa necessária (arts. 17, § 19, IV 106, e 17-C, § 3º107).
Porém, essa circunstância, por si só, não impede que o pedido de condenação
por atos ímprobos tramite em conjunto com outras pretensões, pois, como visto
anteriormente, o que determina a possibilidade de cumulação não é o caráter de direito
material tutelado, mas sim o cumprimento dos requisitos do art. 327, § 1º, I, II e III, do
Código de Processo Civil, notadamente a compatibilidade de procedimento.
101 § 6º A petição inicial observará o seguinte: I – deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos
que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente
fundamentada; II – será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do
dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação
vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
102 § 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil),
bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando
manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado.
103 Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº
13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil): I – indicar de modo preciso os fundamentos que demonstram os
elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, que não podem ser presumidos; II – considerar as consequências práticas
da decisão, sempre que decidir com base em valores jurídicos abstratos; III – considerar os obstáculos e as dificuldades reais do
gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados e das circunstâncias práticas
que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente; IV – considerar, para a aplicação das sanções, de forma isolada ou
cumulativa: […] V – considerar na aplicação das sanções a dosimetria das sanções relativas ao mesmo fato já aplicadas ao agente; VI
– considerar, na fixação das penas relativamente ao terceiro, quando for o caso, a sua atuação específica, não admitida a sua
responsabilização por ações ou omissões para as quais não tiver concorrido ou das quais não tiver obtido vantagens patrimoniais
indevidas; VII – indicar, na apuração da ofensa a princípios, critérios objetivos que justifiquem a imposição da sanção.
104 § 7º Se a petição inicial estiver em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a citação dos requeridos para que a
contestem no prazo comum de 30 (trinta) dias, iniciado o prazo na forma do art. 231 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código
de Processo Civil).
105 § 19. Não se aplicam na ação de improbidade administrativa: […] II – a imposição de ônus da prova ao réu, na forma dos §§ 1º e
2º do art. 373 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);
106 § 19. Não se aplicam na ação de improbidade administrativa: […] IV – o reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de
extinção sem resolução de mérito.
107 § 3º Não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei.
63
De fato, Teori Zavascki ensina que “a possibilidade de cumulação é questão de
natureza processual, que não altera nem compromete a natureza material do direito
lesado ou ameaçado”108.
Essa dicotomia não é exatamente uma novidade, pois Daniel Amorim Assumpção
Neves defendia, antes mesmo do advento da Lei nº 14.230/2021, que quando a
responsabilização por atos de improbidade administrativa fosse deduzida em conjunto
com outras pretensões de natureza declaratória e constitutiva, bastaria assegurar a
observância de todas as especificidades da Lei nº 8.429/1992 no tocante aos pedidos de
caráter punitivo para garantir o regular processamento do feito:
Na realidade, o direito difuso tutelado por meio da ação regulamentada pela Lei 8.429/1992 pode
ser objeto de ação popular, de ação civil pública e de ação de improbidade administrativa. O que
importa é reconhecer as especialidades presentes na ação de improbidade administrativa.
[…] Não vejo problema em falar em ação civil pública de improbidade administrativa, desde que
se leve em conta as particularidades procedimentais, em especial a legitimação ativa limitada,
a fase de defesa prévia e o pedido de aplicação das genuínas penas, previsto no art. 12 da LIA.
[…] Entendo que para a distinção entre essas três espécies de ação coletiva deve se levar em
conta essencialmente o pedido formulado na petição inicial. Isso porque os pedidos de
natureza reparatória podem ser veiculados em qualquer uma das ações coletivas
analisadas, mas a aplicação das genuínas penas previstas pelo art. 12 da LIA só pode ser
veiculada numa ação de improbidade administrativa 111 – destacou-se.
108 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos [livro eletrônico]. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2016.
109 AI 1.0000.22.012187-5/001, Rel. Des. Marcelo Pereira da Silva, Quarta Câmara Cível do TJMG, j. em 25.08.2022.
110 AI 1.0000.21.275105-1/001, Rel. Des. Alexandre Santiago, Oitava Câmara Cível do TJMG, j. em 05.08.2022.
111 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. 5. ed. Salvador: Juspodvm, 2021, p. 95/96.
64
O posicionamento do autor não parece ter se modificado após a superveniência
das alterações legislativas, haja vista defender que os ditames da Lei nº 8.429/1992 só
encontram aplicação na seara punitiva, não incidindo sobre as pretensões reparatórias
oriundas da prática de atos ímprobos, cuja regência continua sendo dada por outros
ramos do direito:
Calil Simão parece partilhar da mesma posição. Afirma que, embora não seja a
vocação da Lei nº 8.429/1992, é possível pleitear conteúdo declaratório, anulatório ou
reparatório quando ele for conexo com o ato ímprobo e estiver atrelado a um outro ilícito:
Por essas razões temos defendido que a ação de improbidade administrativa é uma ação
genuinamente punitiva, sendo a função reparadora acidental. E, por ser ela secundária ou
acessória, depende da principal para ser veiculada. Em outras palavras, as regras
aplicáveis à ação de improbidade administrativo são aquelas referentes ao Direito
Punitivo. Eventualmente, quando houver uma tutela reparatória agregada à tutela
punitiva, aí, sim, – mas somente referente a ela –, teríamos a aplicação das regras
respectivas da responsabilidade civil. Contudo, essas regras de maneira alguma
poderiam refletir no conteúdo punitivo […] o art. 37, § 4º [da constituição federal], o qual
112 NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Comentários à reforma da lei de improbidade
administrativa: lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo. São Paulo: Forense, 2022, p. 112.
65
determina que a legislação especial dê aplicação ao dispositivo constitucional que, por sua
vez, define o conteúdo da ação de improbidade administrativa: (a) necessariamente conteúdo
sancionatório ou punitivo; (b) subsidiariamente conteúdo declaratório, anulatório ou
reparatório quando conexo. Voltemos a reafirmar. A ação de improbidade administrava
não pode deixar de conter conteúdo punitivo; logo, só poderá conter conteúdo não
punitivo quando conexo com ele, ou seja, desde que decorra do ato de improbidade
administrativa que se objetiva punir […] Embora a ação de improbidade administrativa
implemente sanções punitivas e, excepcionalmente, sanção reparatória, pode ainda trazer
uma tutela contra o ilícito. A tutela contra o ilícito pode ser preventiva, quando visar evitá-lo,
ou, repressiva, quando visar removê-lo. […] Em razão de seu caráter repressivo, só podemos
admitir uma tutela repressiva contra o ilícito e, neste caso, voltada, em princípio, a removê-lo.
Quando o ilícito gera dano, a ação de remoção do ilícito extirpa a própria causa do dano. Não
podemos confundir essa tutela com a tutela contra o dano. A tutela contra o ilícito não repara
o dano, estando longe de representar uma tutela ressarcitória ou compensatória. É
perfeitamente possível uma tutela do ilícito ao lado da tutela punitiva e reparatória. A primeira
se volta contra o ato ilícito; a segunda, contra o agente; e a terceira, contra o dano. Haverá
casos, no entanto, em que será imprescindível uma ação contra o ilícito. É só pensarmos no
ato de improbidade gerador de dano contínuo. Neste caso, deve-se eliminar não só o dano,
mas a causa do dano (o ilícito), evitando-se novo dano113 – destacou-se.
Para que se chegue ao dolo desejado, ou aos requisitos da sentença, mister se faz
questionar os atos, passando por sua declaração de nulidade (quando for o caso).
Pensar o contrário levaria aos absurdos de: a) punir alguém sem que o ato tenha sido
declarado irregular, etc.; b) punir alguém sem sequer cogitar do que o agente fez e suas
consequências; c) admitir que a lei foi feita para não se chegar à punição, além do fato de ser
completamente desnecessário entrar com o processo de reconhecimento de irregularidade
prévio (seja administrativo ou judicial), para tão somente, após, ajuizar ação de improbidade.
113 SIMÃO, Calil. Improbidade administrativa: teoria e prática. 6. ed. Leme: Mizuno, 2022, p. 347, 356 e 503.
66
O parágrafo único diz o óbvio, qual seja, os interesses metaindividuais devem ser analisados
em ação civil pública, o que não exclui da ação de improbidade a apreciação de outras
situações114 – destacou-se.
De acordo com o princípio deve-se obter o máximo de resultado na atuação do direito com o
mínimo emprego possível de atividade jurisdicional. Manifesta-se o princípio, sob essa
perspectiva: (a) com a economia de processos, tal como se dá com o litisconsórcio, a
cumulação de pedidos etc.; e (b) com a economia de atos e formalidades, como, p. ex., não
se realizando, inutilmente, audiências ou atividades probatórias 117.
114 PINHEIRO, Igor Pereira; ZIESEMER, Henrique da Rosa. Nova lei de improbidade administrativa comentada. Leme: Mizuno, 2022,
p. 301.
115 SIMÃO, Calil. Improbidade administrativa: teoria e prática. 6. ed. Leme: Mizuno, 2022, p. 502.
116 “Haverá economia processual sempre que, por meio de menos atividade jurisdicional, se atingir mais ou ao menos os mesmos
resultados. Com menos atividade exercida, os órgãos jurisdicionais poderiam produzir mais, melhor e mais rápido, e com isso todo o
sistema seria favorecido. […] Alguns institutos processuais evitam a existência de processos, gerando assim uma diminuição daqueles
em trâmite. Permitem, na realidade, que apenas um processo gere o resultado que poderia ser produzido por múltiplos processos”
(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. 5. ed. Salvador: Editora Juspodvm, 2021, p. 149).
117 MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de Direito Processual Civil Moderno [livro eletrônico]. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2022.
67
Muitos procedimentos especiais foram extintos pelo CPC/2015. Em contrapartida, permitiu-se,
por um dispositivo genérico, que a parte cumule pedidos subordinados, de ordinário, a
procedimentos diversos, valendo-se das técnicas especiais previstas para os procedimentos
especiais, de modo a tornar possível a cumulação de pedido que demande procedimento
comum com outro que permita a utilização de procedimento especial, desde que a adoção de
ambos não se revele inapropriada, por incompatibilidade (cf. art. 327, § 2º, do CPC/2015). Tal
expediente presta-se a permitir a adequada tutela das pretensões levadas a juízo, somado à
instrumentalidade processual, não exigindo a pluralização de relações jurídicas processuais 118.
É o que consta, por exemplo, no art. 76 121, que possibilita sanar vício quanto à
incapacidade processual ou à irregularidade da representação da parte antes do feito ser
extinto; no art. 139, IX122, que impõe ao magistrado determinar o saneamento dos vícios
processuais; no art. 317123, que concede à parte possibilidade de corrigir vício antes da
118 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil [livro eletrônico]. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
119 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação.
120 Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. […] Art. 6º
Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
121 Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e
designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
122 Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: […] IX – determinar o suprimento de
pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais.
123 Art. 317. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir
o vício.
68
decisão de resolução de mérito; e no art. 321 124, que autoriza a emenda da petição inicial
antes da declaração de sua inépcia.
Sendo uma ação de natureza civil, mas distinta da ação civil pública, resta a pergunta se a
ação de improbidade administrativa continua a fazer parte do microssistema coletivo.
Não tenho dúvida que sim. Afinal, o direito tutelado pela demanda continua sendo o mesmo,
qual seja, o patrimônio e a moralidade pública, de titularidade da coletividade e, portanto, de
natureza difusa. […] Esse reconhecimento é importante porque assim se permite a
utilização das normas do microssistema na ação de improbidade administrativa, ainda
que, em regra, de forma apenas subsidiária127 – destacou-se.
A ação de improbidade administrativa possui natureza cível, pois, ainda que a lei diga o
contrário, as suas características demonstram isso. E mais: é uma ação de natureza civil
que tutela o direito difuso à probidade administrativa, motivo pela qual integra o
microssistema da tutela coletiva brasileira. […] Assim, toda a principiologia do
microssistema coletivo incide na ação de improbidade administrativa, salvo naquilo que
a lei dispuser expressamente. E assim é porque tal postulado permite que se mantenha o
máximo de coerência sistêmica, evitando a busca de soluções em sistemas que não possuem
a mesma objetividade jurídica128 – destacou-se.
124 Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e
irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a
complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
125 Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na
Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. […] Art. 8º Ao aplicar o ordenamento
jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
126 Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no
exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
127 NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Comentários à reforma da lei de improbidade
administrativa: lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo. São Paulo: Forense, 2022, p. 110/111.
128 PINHEIRO, Igor Pereira; ZIESEMER, Henrique da Rosa. Nova lei de improbidade administrativa comentada. Leme: Mizuno, 2022,
p. 158/159.
69
Nessa condição, exsurge o princípio da máxima efetividade ou da não
taxatividade, segundo o qual as ações coletivas podem pleitear provimentos jurisdicionais
de qualquer espécie: declaratórios, condenatórios, constitutivos, entre outros:
Essa conclusão, fundada em exegese literal, traz, como se percebe, consequências extremamente
limitadoras da eficácia da ação civil pública, comprometendo sua aptidão para viabilizar
adequadamente a tutela dos direitos coletivos e difusos. […] Em se tratando de interpretar norma
processual, como é o caso, deve-se ter presente que processo é instrumento de “programação do
debate judicial”, é meio para servir a um fim: a tutela do direito material. Como todo instrumento, o
processo está necessariamente submetido ao princípio da adequação: suas regras e ritos devem
adequar-se, simultaneamente, aos sujeitos, ao objeto e ao fim […] A visão teleológica do processo,
assim demarcada, é elemento essencial e decisivo para a interpretação do alcance das regras que
o compõem. Se o processo é instrumento, há de se entender que suas formas devem ser
interpretadas de acordo com a finalidade para a qual foram criadas. Ora, a ação civil pública
destina-se a tutelar direitos e interesses difusos e coletivos. Há de se entender,
consequentemente, que é instrumento com aptidão suficiente para operacionalizar, no
plano jurisdicional, a proteção ao direito material da melhor forma e na maior extensão
possível. […] A outorga de meios processuais variados (= “todas as espécies de ações”) com a
cumulação das múltiplas formas de provimento (= “proteção, prevenção e reparação”) evidenciam
a intenção do legislador de dotar o autor da ação civil pública de instrumentos com elevado grau
de aptidão para obter tutela jurisdicional a mais completa possível, segundo as circunstâncias de
cada caso. Não teria sentido imaginar que a tutela de direitos transindividuais (= difusos e
coletivos) que exigisse prestações variadas devesse ser prestada em demandas separadas,
uma para cada espécie de prestação. Isso, além de atentar contra o princípio da
instrumentalidade e da economia processual, acarretaria a possibilidade de sentenças
contraditórias e incompatíveis para a mesma situação de fato e de direito. Se a tal ônus
estivesse submetido o autor da ação civil pública, melhor seria que utilizasse, simplesmente, o
129 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. 5. ed. Salvador: Editora Juspodvm, 2021, p. 170.
130 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
70
procedimento comum ordinário para tutelar os direitos transindividuais, já que nesse seria
permitida, sem empecilho, a cumulação aventada. Ora, não se pode negar à ação civil pública,
criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o
que se permite para a tutela de todo e qualquer outro direito, pela via do procedimento
comum131 – destacou-se.
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO
AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.
POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81,
ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO
POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. […] 5. A exegese do art. 3º da Lei
7.347/85 (“A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer”), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de
adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não
o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus
fins). […] 7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação
civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da
economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para
demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com
finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos
mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa. 8. Ademais, a proibição de
cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo nas regras do
procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada especialmente
como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via
ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito. 9. Recurso especial desprovido (REsp
625.249, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma do STJ, j. em 15.08.2006) – destacou-se.
131 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos [livro eletrônico]. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2016.
71
instrumento inadequado a seus fins). 7. Recurso especial não provido (REsp 1.450.134, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma do STJ, j. em 25.10.2016).
72
Na seara doutrinária, Waldo Fazzio Júnior apresenta as mesmas justificativas:
Na medida em que a ação civil pública tem por conteúdo a defesa de interesses difusos e, como a
defesa da probidade administrativa e do patrimônio público se insere nesse âmbito de
transindividualidade, a ação civil de improbidade administrativa comporta, perfeitamente, a
cumulação petitória. Por exemplo, ação declaratória de nulidade de contrato administrativo
cumulada com a condenação do agente público ao ressarcimento do dano produzido ao erário 132.
Desse modo, não se vislumbra possível obstar que a responsabilização por atos
de improbidade tramite cumulativamente com outras espécies de pedidos, se assim optar
a parte autora, por se tratar da medida que melhor atende aos valores constitucionais, aos
ditames do processo coletivo e às disposições da própria Lei nº 8.429/1992.
132 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.
450/451.
133 AC 0002426-79.2009.8.16.0088, Rel. Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Antonio Franco Ferreira da Costa Neto, Quinta
Câmara Cível do TJPR, j. em 18.05.2022; AI 0033783-30.2021.8.16.0000, Rel. Des. Carlos Mansur Arida, Quinta Câmara Cível do
TJPR, j. em 16.11.2021.
134 AI 1.0000.20.573768-7/001, Relª. Desª. Alice Birchal, Sétima Câmara Cível do TJMG, j. em 01.10.2021; AI 1.0372.19.001124-
0/001, Rel. Des. Wagner Wilson Ferreira, Décima Nona Câmara Cível do TJMG, j. em 04.03.2021.
73
a quota de responsabilidade de cada agente [...]” (AgRg no REsp 1.314.061/SP, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 16.5.2013). Na mesma direção: AgInt no AREsp
1.406.782/MG, Relator p/ Acórdão Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 3.2.2020; AgInt
no REsp 1.827.103/RJ, Relator Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 29.5.2020; REsp
1.814.284/PR, Relator Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 25.9.2019; AgInt no
AREsp 1.445.093/MG, Relator p/ Acórdão Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe
29.8.2019; REsp 1.731.782/MS, Relatora Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe
11.12.2018.
5. A ideia fundamental nessa orientação é a necessidade de preservar o integral
ressarcimento do dano - inclusive por meio de medidas cautelares -, razão pela qual a
solidariedade só cessa quando estiver claro o grau de participação de cada agente. Nem
sempre esse momento coincidirá com o final da instrução e, por isso, há julgados
corretamente pontificando que, “até a liquidação, devem permanecer bloqueados tanto
quantos bens foram bastantes para dar cabo da execução em caso de procedência da ação,
na medida em que vigora entre os réus uma responsabilidade do tipo solidária” (REsp
1.1958.28/MA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4.10.2010). [...]
9. A repartição da obrigação de ressarcir o erário só deve ocorrer quando for possível
correlacionar cada conduta a determinadas parcelas do prejuízo. Não havendo como
proceder a essa imputação causal, tem-se obrigação solidária. [...]
(REsp 1.872.734, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma do STJ, j. em 24.11.2020).
74
O fundamento para a aplicabilidade desse regime na recomposição do patrimônio
público residia primordialmente no art. 942, caput, do Código Civil135. Para o Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, o dispositivo permite impor aos agentes que em coautoria
lesam o erário a obrigação de responder pelo todo da obrigação 136.
Enunciado
São solidariamente responsáveis pela reparação civil, juntamente com os agentes públicos
que praticaram atos de improbidade administrativa, as pessoas, inclusive as jurídicas, que
para eles concorreram ou deles se beneficiaram direta ou indiretamente.
Justificativa
O art. 942, caput e parágrafo único, do Código Civil materializa tanto o princípio da imputação
civil dos danos quanto o princípio da responsabilidade solidária de todos aqueles que violam
direito alheio. A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ora vigente não prevê,
especificamente, a responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas envolvidas nos atos de
improbidade administrativa. Para que se possa imputar-lhes a necessária responsabilidade
civil pela reparação das consequências dos referidos atos de improbidade, o julgador precisa
recorrer a uma interpretação sistemática dos arts. 3º a 6º da Lei n. 8.429/1992. Afinal, a atual
LIA diz, no art. 3º, que suas disposições se aplicam a todos os que, mesmo não sendo
agentes públicos, induzem, ou para ela concorrem, a prática dos atos de improbidade ou
deles se beneficiam. Diz também, no art. 5º, que, ocorrendo lesão ao patrimônio público por
atos comissivos ou omissivos, dolosos ou culposos, deve o agente público ou o terceiro
envolvido prestar integral ressarcimento. E, no art. 6º, dispõe que ao enriquecimento ilícito do
agente público ou do terceiro beneficiado corresponde a perda de bens ou valores
indevidamente acrescidos aos patrimônios respectivos. Há uma acentuada preocupação, no
entanto, pois não raro a defesa dos infratores pontua que não se pode estabelecer
condenação de natureza fortemente punitiva, como o é a decretação da perda dos bens, sem
uma tipificação legal estrita. Assim, enquanto não for editada nova regulação para a matéria,
defendemos a necessária aplicação do art. 942, caput e parágrafo único, do Código Civil
135 Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a
ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
136 AC 1.327.713-3, Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 05.04.2016.
137 Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra
dolosamente para a prática do ato de improbidade. […]
Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.
Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral
ressarcimento do dano.
Art. 6° No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu
patrimônio.
75
como suporte legal para a responsabilidade solidária de todos os envolvidos na prática de
atos de improbidade administrativa, sejam ou não agentes públicos 138.
Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de
observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de
Processo Civil): [...]
No entanto, uma análise mais atenta do seu conteúdo afasta essa conclusão
equivocada e permite constatar que, muito longe de contrariar o posicionamento
jurisprudencial anteriormente exposto, a alteração legislativa o positivou e o acolheu de
forma expressa.
A condenação foi erigida como um marco a partir do qual o caráter solidário fica
terminantemente proibido, de sorte que, por meio de uma interpretação literal do
dispositivo, constata-se que continua sendo perfeitamente aplicável o regramento da
codificação civilista aos atos processuais praticados antes desse momento.
138 Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/629. Acesso em: 21 jul. 2022.
76
Não se ignora que a análise literal nem sempre é a técnica mais oportuna para o
processo de transformação do texto legal em norma, pois é cediço na Teoria Geral do
Direito que os dispositivos não devem ser analisados de modo isolado, mas sim em
conjunto com as demais disposições legislativas existentes, haja vista que a unidade é
uma característica crucial do ordenamento jurídico 139.
É por essa razão, aliás, que a doutrina defende que, ao interpretar determinado
dispositivo legal, deve-se atentar para todo o conjunto legislativo que o permeia 140, posição
que já foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal: “não se interpreta o direito em tiras;
não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo –
marcado, na dicção de Ascarelli, pelas suas premissas implícitas” (ADPF 101, Relª. Minª.
Cármen Lúcia, Pleno do STF, j. em 24.06.2009).
Ocorre que o sentido extraído por meio da interpretação literal do art. 17-C, § 2º,
da Lei nº 8.429/1992, em especial do seu termo condenação – qual seja, a de que a
solidariedade na reparação do erário só é vedada a partir das sentenças das ações de
improbidade administrativa –, confere coerência ao conjunto legislativo pertinente e
converge com o resultado obtido por outras técnicas hermenêuticas.
Dentre elas, pode-se citar a que advém do brocado latino verba cum effectu sunt
accipienda, segundo o qual a lei não contém palavras inúteis. O axioma parte da premissa
de que todas as expressões que constam no texto legal devem ser consideradas na
atividade interpretativa, sob pena de se deturpar a mens legis.
77
elege apenas uma em detrimento das demais. Esse processo de eliminação não pode ser
tomado como aleatório ou de menor relevância, pois fornece elementos para o intérprete
captar qual é o real comando que emana do texto legal:
Não por acaso, os Tribunais pátrios frequentemente usam essa ferramenta como
uma forma de ratificar que a observância das disposições literais do ordenamento jurídico
é uma técnica legítima142, ou para afastar o elastecimento da amplitude semântica das
expressões contidas na lei, prática que as tornariam inúteis para a norma em questão 143.
141 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 204.
142 AgReg no HC 686.141, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma do STJ, j. em 07.12.2021; REsp 1.539.635, Relª. Minª. Maria Isabel
Gallotti, Quarta Turma do STJ, 07.12.2021; AI 1617231-9, Rel. Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Décima Sétima Câmara
Cível do TJPR, j. em 31.05.2017.
143 EDcl no EDcl no CC 124.794, Voto-Vista do Min. Marco Aurélio Bellize, Segunda Seção do STJ, j. em 26.08.2015.
78
Sob esse ponto de vista, portanto, não é razoável defender que o art. 17-C, § 2º,
da Lei nº 8.429/1992, vedou totalmente a adoção da obrigação solidária nas investigações
e ações de improbidade administrativa, uma vez que para tanto seria necessário
desconsiderar completamente a presença da palavra condenação no texto do dispositivo
ou mitigar a rigidez da etapa processual que ela representa.
Considerando que o art. 17-C, § 2º, da Lei nº 8.429/1992 impõe nítida restrição ao
conteúdo geral do art. 942 do Código Civil, que por sua vez consiste em um direito da
pessoa jurídica ou natural lesada por atos ilícitos, constata-se que a palavra condenação
deve ser lida literalmente.
79
hermenêutica, é de que os parágrafos não são unidades autônomas, estando
direcionados pelo caput do artigo a que se referem” (REsp 1.771.304, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, Sexta Turma do STJ, j. em 10.12.2019).
A análise da palavra condenação, que consta no art. 17-C, § 2º, portanto, deve
ser feita no contexto macro em que foi inserida, qual seja, a de um artigo que trata
unicamente das sentenças nas ações de improbidade. Esse alto grau de especificidade
observado não pode ser considerado como uma mera coincidência ou atecnia legislativa.
Por fim, outra técnica diz respeito à linha argumentativa a contrario sensu, que
encontra expoentes em diversos brocados latinos, como o ubi lex voluit dixit, ubi noluit
tacuit (quando a lei quis dizer algo, o fez expressamente, e quando não quis, silenciou) e
o ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não cabe
ao intérprete distinguir), ambos utilizados de forma recorrente pelos Tribunais
Superiores146.
146 RO em HC 86.998, Relª. Minª. Cármen Lúcia, Primeira Turma do STJ, j. em 13.02.2007; REsp 1.609.251, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, Primeira Turma do STJ, j. em 11.02.2020; EDcl no MS 22.157, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial do STJ, j.
em 14.03.2019; REsp 1.433.031, Relª. Minª. Nancy Andrighi, Terceira Turma do STJ, j. em 03.06.2014.
80
se permitindo, por meio de uma interpretação a contrario sensu, tudo o quanto não foi
vedado:
Uma norma que regula um comportamento não só limita a regulamentação e, desse modo, as
consequências jurídicas que decorrem dessa regulamentação àquele comportamento, mas,
ao mesmo tempo, exclui dessa regulamentação todos os outros comportamentos. Uma
norma que proíbe fumar exclui a proibição, ou seja, permite todos os outros comportamentos
que não consista em fumar. Todos os outros comportamentos não compreendidos na
norma particular são regulados por uma norma geral exclusiva, quer dizer, pela regra
que exclui (por isso é exclusiva) todos os comportamentos (por isso é geral) que não
fazem parte daquele previsto pela norma particular. […] As normas nunca nascem
sozinhas, mas em par: cada norma particular, que podemos chamar de inclusiva, é
acompanhada, como se fosse sua própria sombra, da norma geral exclusiva147 - destacou-se.
Um raciocínio fundado nessa diretiva serve (tipicamente) para colmatar lacunas explícitas.
Tem função criativa anti-inclusiva: exclui a integração das lacunas mediante analogia ou
raciocínio a fortiori criativos. O silêncio sobre o caso não regulado, identificado tipicamente à
base de uma leitura literal da disposição pertinente, deve ser entendido como presença de
uma volição negativa e, portanto, como presença de uma norma implícita oposta […] Essa
premissa é de fato uma concretização da diretiva de integração a contrario, segundo a qual:
“Se existe uma norma que prescreve uma certa consequência normativa para uma certa
classe de fatos (casos, situações, etc.), então se deve concluir que existe também outra
norma, a qual prescreve a consequência normativa oposta para toda classe de fatos diferente
da classe disciplinada pela primeira norma”. E isso por força de um princípio que, na tradição
metodológica ocidental, sói formular-se mediante brocardos como Lex ubi voluit dixit, ubi
tacuit noluit148.
147 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2014, p. 127/128.
148 CHIASSONI, Pierluigi. Técnica da interpretação jurídica: breviário para juristas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 [livro
eletrônico].
81
efeitos extensivos, pois a lacuna legislativa que recai sobre o caso não disciplinado, na
verdade, consiste na vontade deliberada de não legislar sobre essa hipótese:
Tendo em vista essas diretrizes, sobretudo a de que quando a lei quer, ela dispõe
expressamente, e quando não quer, silencia, constata-se que ao ter vedado a
solidariedade apenas na condenação, a Lei nº 8.429/1992 indiretamente autorizou a
permanência desse regime nas etapas processuais anteriores. Até porque se quisesse ter
vedado a solidariedade de forma geral, bastaria o legislador ter feito alguma outra
previsão nesse sentido.
A nova redação dada ao art. 16 da Lei nº 8.429/1992, por exemplo, apesar de ter
permitido a indisponibilidade de bens para fins de reparação do patrimônio público, não
estabeleceu condicionantes para a obrigação solidária que decorre do art. 942 do Código
Civil. As disposições que ali constam, na verdade, são antagônicas à fixação
individualizada da responsabilidade de cada agente ímprobo, pois no seu caput e no §
10150 foi dada franca preferência para o integral ressarcimento, indicando que, ao menos
149 CHIASSONI, Pierluigi. Técnica da interpretação jurídica: breviário para juristas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 [livro
eletrônico].
150 Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de
indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de
enriquecimento ilícito. […]
§ 10. A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir
sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.
82
nessa etapa cautelar, o direito fundamental à probidade administrativa recebeu proteção
privilegiada quando comparado com eventuais direitos patrimoniais particulares.
O Poder Judiciário não pode dar interpretação extensiva proibitiva sobre aquilo que não está
contido no texto legal e que não corresponde à vontade literal do legislador, sobretudo, para
justificar a retirada de um direito ou o tolhimento de uma pretensão (REsp 1.353.300, Rel.
Min. Marco Buzzi, Quarta Turma do STJ, j. em 22.06.2021).
151 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 292.
83
8. Comunicabilidade da absolvição criminal
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22,
23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre
sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
84
sanções mínimas a serem cominadas pelo legislador ordinário, sem prejuízo de eventual
ação penal cabível para a mesma conduta.
Noutra via, é cediço que, via de regra, aplica-se a casos como este o princípio da independência
das instâncias; o art. 37, § 4º, da Constituição da República, assim como o art. 12 da Lei
8.249/1992, são expressos nesse sentido. Ambos deixam claro que as reprimendas
aplicáveis pela prática de atos de improbidade administrativa devem ser impostas sem
prejuízo da ação penal cabível, independentemente, ainda, de sanções civis e
administrativas previstas na legislação específica (AC 0004126-41.2015.8.16.0004, Rel. Juiz
Substituto em 2º Grau Anderson Ricardo Fogaça, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em
02.07.2019) – destacou-se.
Essa posição também é partilhada por Alexandre de Moraes: “A natureza civil dos
atos de improbidade administrativa decorre da redação constitucional, que é bastante
85
clara ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade
administrativa e a possível responsabilidade penal derivada da mesma conduta, ao utilizar
a fórmula sem prejuízo da ação penal cabível”152.
Isso se deve ao fato de que nos mais variados campos do direito existe expressa
previsão legal nesse sentido, a exemplo do Código Civil156, da Lei nº 8.112/1990157, do
próprio Código de Processo Penal158, e da própria Lei nº 8.429/1992 159.
152 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 385.
153 “As instâncias civil, penal e administrativa são independentes, sem que haja interferência recíproca entre seus respectivos
julgados, ressalvadas as hipóteses de absolvição por inexistência de fato ou de negativa de autoria” (AgReg no HC 148.391, Rel. Min.
Luiz Fux, Primeira Turma do STF, j. em 23.02.2018) .
154 “Este Tribunal Superior tem reiteradamente afirmado a independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, salvo se
verificada absolvição criminal por inexistência do fato ou negativa de autoria. Dessa forma, a absolvição criminal motivada por ausência
de comprovação do elemento anímico da conduta não obsta o prosseguimento da ação civil pública por ato de improbidade
administrativa” (AgInt no REsp 1.761.220, Relª. Minª. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. em 11.10.2021).
155 DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONDENAÇÃO DE INVESTIGADOR DE POLÍCIA POR ATO DE
IMPROBIDADE QUE IMPLICA ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS
CRIMINAL E CIVIL. NECESSIDADE, CONTUDO, DE ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. COMPROVAÇÃO, APENAS, DE DOAÇÕES
ESPONTÂNEAS DE ITENS À DELEGACIA LOCAL. PRÁTICA DE OUTRAS CONDUTAS REPROVÁVEIS, MAS QUE SERÃO
SUFICIENTEMENTE REPRIMIDAS NA ESFERA DISCIPLINAR. a) A regra é a independência entre as instâncias cível, criminal e
disciplinar, nos termos do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa; a vinculação ocorrerá apenas se a sentença absolutória
penal for fundamentada em inexistência do fato ou da autoria (artigo 386, incisos I e IV, do CPP). b) No caso, o acórdão
absolutório na esfera criminal foi fundado no artigo 386, inciso VII, do CPP (falta de prova), de modo que se mantém hígida a aplicação
da regra da independência entre as instâncias. APELO A QUE SE DÁ PROVIMENTO (AC 0002304-91.2017.8.16.0183, Rel. Des.
Leonel Cunha, Quinta Câmara Cível do TJPR, j. em 26.04.2021). AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DECISÃO DE JULGAMENTO PARCIAL DE MÉRITO QUE ENSEJOU A CONDENAÇÃO DOS
RECORRENTES – ARGUIÇÕES DE CONTRADIÇÃO, INCONGRUÊNCIA E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO AFASTADAS –
NULIDADES NÃO VERIFICADAS – ABSOLVIÇÃO CRIMINAL DO AGRAVANTE QUE SE DEU POR FALTA DE PROVAS –
PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS – ATOS ÍMPROBOS CARACTERIZADOS – ELEMENTO SUBJETIVO –
SANÇÕES APLICADAS CORRETAMENTE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (AI 0058485-74.2020.8.16.0000, Relª.
Desª. Regina Helena Afonso de Oliveira Portes, Quarta Câmara Cível do TJPR, j. em 08.06.2021) – destacou-se.
156 Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre
quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
157 Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou
sua autoria.
158 Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em
legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente,
reconhecida a inexistência material do fato.
Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de
informação; II – a decisão que julgar extinta a punibilidade; III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui
crime.
159 Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de
responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: [...]
86
De qualquer forma, ao contrário dos demais ramos jurídicos, nos quais a
independência das instâncias provém de uma escolha política materializada na legislação
ordinária, na seara da improbidade administrativa a autonomia na aplicação das sanções
é uma ordem explícita do art. 37, § 4º, da Constituição Federal.
É verdade que foi conferida certa dose de liberdade ao legislador para disciplinar
o modo e a gradação com a qual as condutas ímprobas seriam apenadas. Não obstante,
a Constituição Federal é categórica ao definir limites para a atividade do Poder
Legislativo, que não pode ignorar as balizas da norma em voga. Trata-se de parâmetro
que deve orientar toda a atuação legiferante.
O art. 37 da CF, em seu caput, dispõe expressamente sobre o dever de observância dos
princípios regentes da atividade estatal, enquanto que o § 4º do mesmo dispositivo conferiu
ao legislador uma certa liberdade regrada de conformação do delineamento da improbidade
(AC 0004126-41.2015.8.16.0004, Voto convergente do Des. Carlos Mansur Arida, Quinta
Câmara Cível do TJPR, j. em 02.07.2019) – destacou-se.
É verdade que o intérprete vai além do texto para alcançar a norma. Nessa tarefa, no entanto,
não pode desbordar dos limites positivos e negativos do texto. [...] Acontece que a incidência
160 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1220.
87
do âmbito normativo não pode quebrantar a conexão da(s) norma(s) com o texto. Daí se dizer
que a letra da lei funciona como baliza interpretativa. Em suma, o texto delimita positivamente
o espaço de movimentação do intérprete e atua, negativamente, para impedir que se chegue
a uma norma sem a mínima recondutibilidade nele (no texto) 161.
Em outras palavras, não há margem para que o legislador ordinário exerça juízo
de valor sobre a opção tomada pelo constituinte. A ele, cabe apenas e tão somente agir
no estrito espaço de conformação delineado pela Constituição Federal.
161 RIBEIRO, Julio de Melo. Interpretação conforme à Constituição: a lei fundamento como vetor hermenêutico. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, n. 184, dez. 2009.
88
Poderá o Estado frustrar seus deveres de proteção atuando de modo insuficiente, isto é, ficando
aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos ou mesmo deixando de
atuar [...] É nesse sentido – como contraponto à assim designada proibição de excesso – que
expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência daquilo que se
convencionou chamar de proibição de insuficiência (no sentido de insuficiente implementação
dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão) 162.
O Estado deve adotar medidas normativas e fáticas suficientes para cumprir seu dever de tutela,
que levem – considerando os bens conflitantes – ao alcance de uma proteção adequada e,
como tal, efetiva (proibição de insuficiência). Para tanto, é necessário um projeto de proteção
que combine elementos de proteção preventiva e repressiva163.
É que, nos termos do que foi exposto até aqui, as ações de improbidade
administrativa são regidas por um conjunto normativo próprio e bastante peculiar, no qual
a proteção da Administração Pública e do erário assume papel de proeminência, gozando
de tutela privilegiada.
Esse cenário é muito distinto daquele que permeia o Direito Penal, seara em que
o legislador seleciona quais condutas devem ser consideradas criminosas com a intenção
de coibir a prática delas.
89
funcionamento da máquina pública, seja resguardando o erário de desvios ou gastos
desnecessários, ou preservando a moralidade e a eficiência na sua atuação.
166 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 169.
90
Sintetizando o antagonismo ora apontado dos diferentes ramos do direito,
assevera Luis Luchi Demo:
Com relação ao inciso III, segundo o qual o juiz absolverá o réu quando o fato não
constituir infração penal, isso se verifica pela circunstância de que nem todos os ilícitos
civis ou administrativos terão uma figura equivalente no campo criminal, porque os ilícitos
penais têm por escopo tão somente as condutas mais gravosas à sociedade, em
decorrência do seu caráter fragmentário e subsidiário.
Rogério Sanches Cunha168, Juarez Cirino dos Santos169 e Luiz Regis Prado170
refletem a posição da doutrina sobre o assunto, apregoando que o Direito Penal deve
167 DEMO, Luis Luchi. Direito penal e outros ramos do direito: interdependência, comunicação, encontros e desencontros: uma visita
holística aos diversos planos do direito a partir do direito penal. Revista de Doutrina da Escola da Magistratura 4a Região, 2004, apud
PARISIO, Isabela de Oliveira. Independência entre Esferas x Comunicabilidade de Instâncias: como o STF considera esses conceitos
quando se trata das esferas administrativa e penal. Monografia. São Paulo, 2016.
168 “Vigora no Direito Penal o princípio da intervenção mínima, o qual orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando
que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico”
(CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 32).
169 “A proteção de bens jurídicos realizada pelo Direito Penal é de natureza subsidiária e fragmentária – e, por isso, diz-se que o
Direito Penal protege bens jurídicos apenas em ultima ratio: por um lado, proteção subsidiária porque supõe a atuação principal de
meios de proteção mais efetivos do instrumental sociopolítico e jurídico do Estado; por outro lado, proteção fragmentária porque não
protege todos os bens jurídicos definidos pela Constituição da República e protege apenas parcialmente os bens jurídicos selecionados
para proteção penal” (SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 5. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 5/6).
170 “O direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem
ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal só deve intervir quando for absolutamente necessário
para a sobrevivência da comunidade, como ultima ratio” (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.119).
91
constituir a ultima ratio na salvaguarda dos bens jurídicos, entendimento que é endossado
pelo Superior Tribunal de Justiça:
Faz parte da própria essência do Direito Penal se ocupar de apenas uma parcela
de todas as formas de violação dos bens jurídicos existentes, de modo que é
absolutamente natural, e inclusive desejável em um Estado Democrático de Direito, que o
conjunto de infrações penais seja sensivelmente menor do que o universo de infrações no
geral, sob pena de subvertê-lo em prima ratio.
Pelo modo como foi elaborada, a redação do art. 21, §§ 3º e 4º, da Lei nº
8.429/1992 nega completamente a proteção da probidade administrativa em todas as
situações nas quais uma determinada conduta também não encontrar um equivalente
penal.
92
Não por outra razão, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já afirmou que “há
total independência entre as esferas administrativa, civil e penal, podendo haver
arquivamento de inquérito criminal em face do agravante e recebimento da inicial de ação
civil pública em face da mesma pessoa em razão dos mesmos fatos investigados – até
porque as condutas que não se enquadram no tipo penal podem configurar ato de
improbidade administrativa” (AI 5028378-62.2019.4.04.0000, Rel. Des. Rogério
Favreto, Terceira Turma do TRF4, j. em 28.01.2020) - destacou-se.
O injusto criminal nem sempre coincide em seus elementos com o injusto cível; quando,
reconhecido, na instância penal, o fato e a autoria, ainda assim for o acusado declarado não
delinquente, por faltar ao seu ato alguma das circunstâncias que o qualificam criminalmente,
o julgado criminal não condiciona o civil, para o fim de excluir a indenização, porque não são
idênticos num e noutro direito os princípios determinantes da responsabilidade; no crime, a
responsabilidade por culpa é exceção, e no cível é a regra 171.
Não repercutem na esfera administrativa: 1. A hipótese do inciso III, porque o mesmo fato que
não constitui crime pode corresponder uma infração disciplinar; o ilícito administrativo é
menos do que o ilícito penal e não apresenta o traço da tipicidade que caracteriza o crime 173.
171 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 97.
172 TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1509.
173 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Forense, 2018, p. 840/841.
93
a posição da autora em comento encontra amparo na doutrina 174 e, inclusive, na Súmula
18 do Supremo Tribunal Federal: “pela falta residual, não compreendida na absolvição
pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.
Já com relação aos incisos II, V e VII do art. 386 do Código de Processo Penal,
que tratam, a grosso modo, da absolvição criminal por falta de provas, tem-se que o
standard probatório insuficiente para ensejar uma condenação criminal pode ser o
suficiente para comprovar com satisfatoriedade a prática de ilícito civil e administrativo ou
de algum ato ímprobo, não sendo razoável vincular as instâncias nesse tocante.
Não repercutem na esfera administrativa: [...] 2. As hipóteses dos incisos II, V e VII, em que a
absolvição se dá por falta de provas, a razão semelhante à anterior: as provas que não são
suficientes para demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para comprovar um
ilícito administrativo175.
Portanto, entendemos que o art. 21, §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.429/1992, ao ter criado
indevida comunicação das decisões absolutórias penais às ações de improbidade
administrativa, viola o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e desrespeita o princípio da
proibição da proteção deficiente.
E, ao que tudo indica, o Supremo Tribunal Federal decidirá nesse mesmo sentido,
uma vez que concedeu medida liminar para suspender a eficácia dos referidos
dispositivos legais no bojo das ADIs 7.236 e 7.237 176.
174 “Nem sempre há total coincidência entre o ilícito penal e o administrativo, de modo que é perfeitamente possível que remanesça
um ilícito administrativo puro (falta residual ou resíduo heterogêneo) após a absolvição do crime pela sentença penal, a possibilitar a
punição do responsável na instância administrativa” (FERNANDES, André Dias. As repercussões da sentença judicial no processo
administrativo e o novel entendimento do STF alusivo à pena de prisão derivante de condenação criminal em segunda instância.
Revista de Direito Brasileira, São Paulo, n. 8, abr. 2018, p. 355).
175 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Forense, 2018, p. 840/841.
176 “Nada obstante o reconhecimento dessa “independência mitigada” (Rcl 41.557, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe
de 10/03/2021), a comunicabilidade ampla pretendida pela norma questionada acaba por corroer a própria lógica constitucional da
autonomia das instâncias, o que indica, ao menos em sede de cognição sumária, a necessidade do provimento cautelar” (fls. 25 e 26).
94
9. Controle de convencionalidade, probidade e direitos humanos 177
95
Nesse aspecto, cita-se que o Brasil é signatário da Convenção sobre o Combate
da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais
Internacionais, internalizada pelo Decreto nº 3.678/2000, da Convenção Interamericana
contra a Corrupção, internalizada pelo Decreto nº 4.410/2002, e da Convenção das
Nações Unidas contra a Corrupção, internalizada pelo Decreto nº 5.687/2006.
Artigo 1 – Finalidade
A finalidade da presente Convenção é:
a) Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a
corrupção;
b) Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na
prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos;
c) Promover a integridade, a obrigação de render contas e a devida gestão dos assuntos e
dos bens públicos.
que a corrupção rompe fronteiras, expandindo-se de forma desenfreada, torna imperativa a existência de ações integradas e de
mecanismos de cooperação entre os diferentes Estados” (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 9.
ed. São Paulo: Saraiva Jus, 2017, p. 78/79).
96
Dos arts. II e III da Convenção Interamericana contra a Corrupção decorrem
disposições de cunho semelhante:
Artigo II – Propósitos
Os propósitos desta Convenção são:
l. promover e fortalecer o desenvolvimento, por cada um dos Estados Partes, dos
mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção; e
2. promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados Partes a fim de assegurar a
eficácia das medidas e ações adotadas para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção
no exercício das funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamente
vinculados a seu exercício.
182 Destaque-se que as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos devem ser consideradas pelo Estado
brasileiro, visto que, no artigo 41 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, a Comissão Interamericana “tem a função
principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e, no exercício do seu mandato, tem as seguintes funções e
atribuições: b) formular recomendações aos governos dos Estados-Membros, quando o considerar conveniente, no sentido de que
adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucion ais, bem
como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos”, e de “d) solicitar aos governos dos Estados-Membros
que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos”.
97
O documento afirma expressamente que os Estados signatários da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da
Costa Rica e internalizada no Brasil pelo Decreto nº 678/1992, devem elaborar
mecanismos que garantam o livre exercício dos direitos nela previstos, sendo
imprescindível a adoção de todas as medidas pertinentes para que exista um sistema
efetivo de combate à corrupção. A omissão nesse ponto, inclusive, pode ensejar a
responsabilização perante a comunidade internacional:
Como una fuente de obligaciones jurídicas, los Estados deben implementar en la práctica los
derechos establecidos en la Declaración Americana al interior de su jurisdicción. La Comisión ha
señalado que la obligación de respetar y garantizar los derechos humanos está especialmente
establecida en ciertas disposiciones de la Declaración Americana. Los instrumentos
internacionales en general requieren que los Estados partes no sólo respeten los derechos
contenidos en esos instrumentos, sino que garanticen que los individuos dentro de sus
jurisdicciones puedan ejercer esos derechos. La continuidad de las obligaciones de
derechos humanos no sólo es de naturaleza negativa, también requiere acciones positivas
de los Estados. [...] La obligación de garantía consiste en un conjunto de medidas que debe
adoptar el Estado para permitir el pleno goce y ejercicio de los derechos humanos. La Comisión
reitera que la segunda obligación general de los Estados Parte es la de garantizar el libre y
pleno ejercicio de los derechos reconocidos en la Convención a toda persona sujeta a su
jurisdicción. […] Como parte de este deber de actuar con debida diligencia, los Estados tienen la
obligación jurídica de prevenir, razonablemente, las violaciones de los derechos humanos, de
investigar seriamente con los medios a su alcance las violaciones que se hayan cometido dentro
del ámbito de su jurisdicción a fin de identificar a los responsables, de imponerles las sanciones
pertinentes y de asegurar a las víctimas una adecuada reparación. El incumplimiento de este
deber de garantía también puede configurar un ilícito internacional que, si es atribuible al
Estado, genera responsabilidad internacional y surge en consecuencia el deber de reparar los
daños ocasionados. El deber de garantía tiene diversas expresiones que se pueden vincular
directamente con el tema de corrupción. En primer lugar, la obligación de garantía supone
el deber de los Estados de adoptar todas las medidas necesarias y adecuadas para prevenir
los hechos de corrupción que pueden configurar violaciones de derechos humanos. El deber de
prevención abarca todas aquellas medidas de carácter jurídico, político, administrativo y
cultural que promuevan la salvaguarda de los derechos humanos y que aseguren que su
eventual vulneración sea efectivamente considerada y tratada como un hecho ilícito susceptible de
acarrear sanciones para quien las cometa, así como la obligación de indemnizar a las víctimas por
sus consecuencias perjudiciales – destacou-se.
Bajo el derecho internacional existe un deber primario de los Estados de asegurar los derechos a
través del establecimiento de disposiciones del ordenamiento interno efectivas para disuadir la
comisión de hechos que puedan afectar el goce y ejercicio de tales derechos. Tales
disposiciones deben apoyarse en la implementación de leyes para la prevención,
98
supresión y castigo en casos de incumplimiento de esas disposiciones. En este sentido,
los Estados deben tomar las medidas necesarias para adecuar su institucionalidad a través
de leyes, órganos y organismos, procedimientos, entre otros, para erradicar la corrupción
del aparato estatal. Asimismo, se deben adoptar las medidas necesarias para alentar los
cambios culturales necesarios para superar los factores que fomentan y permiten la corrupción.
Además, los Estados deben tomar las medidas necesarias para capacitar a los funcionarios
públicos para que conozcan sus deberes en materia de probidad administrativa. [...] De este
modo, los Estados tienen el deber de adoptar las medidas eficaces destinadas a investigar
y sancionar los actos de corrupción tanto de agentes estatales como de personas, entes u
organizaciones privadas. Al respecto, la Comisión recuerda que uno de los factores que
coadyuvan a que la corrupción se transforme en un fenómeno estructural es la impunidad de
quienes incurren en estas prácticas. Por ello, los Estados deben adoptar medidas legislativas
para prohibir los actos de corrupción, establecer sanciones proporcionales y, sobre todo,
adecuar los sistemas de control y sanción para que dichos órganos y organismos estatales
puedan investigar eficazmente los casos de corrupción, particularmente los más graves, y así
establecer la verdad de estos hechos, sancionar y ejecutar las sanciones y recuperar los
productos ilícitos obtenidos mediante corrupción – destacou-se.
À luz do artigo 2 da Convenção, tal adequação implica a adoção de medidas em duas vertentes, a
saber: i) a supressão das normas e práticas de qualquer natureza que envolvam violação às
garantias previstas na Convenção, e ii) a aprovação de normas e o desenvolvimento de práticas
que conduzam à efetiva observância destas garantias. É necessário reafirmar que a obrigação da
primeira vertente apenas se satisfaz quando efetivamente se realiza a reforma.
183 A Corte Interamericana, nos dizeres do artigo 62.3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “tem competência para
conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que
os Estados-Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência”, o que já foi feito pelo Estado brasileiro.
99
Esse entendimento é reiterado no Caso Gómez Palomino Vs. Peru e no Caso
Instituto de Reeducação Juvenil Vs. Paraguai, respectivamente:
El deber general del Estado de adecuar su derecho interno a las disposiciones de la Convención
Americana para garantizar los derechos en ella consagrados incluye la expedición de normas y
el desarrollo de prácticas conducentes a la observancia efectiva de los derechos y
libertades consagrados en la misma, así como la adopción de medidas para suprimir las
normas y prácticas de cualquier naturaleza que entrañen una violación a las garantías
previstas en la Convención. Este deber general del Estado Parte implica que las medidas de
derecho interno han de ser efectivas (principio del effet utile), para lo cual el Estado debe adaptar
su actuación a la normativa de protección de la Convención – destacou-se.
The Court has held that the general duty set forth in Article 2 of the American Convention implies
the adoption of measures on two fronts: on the one hand, the suppression of rules and practices of
any kind that entail violation of the guarantees set forth in the Convention; on the other, the
issuance of rules and the development of practices leading to the effective observance of said
guarantees.
Além dos já citados, a mesma conclusão foi exarada no Caso Lori Berenson-
Mejía Vs. Peru, no Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil e no Caso Massacre de Mapiripán Vs.
Colômbia.
184 “However, as organs of States, courts may engage the international responsibility of the State if their conduct results in the breach
of an international obligation.” (TZANAKOPOULOS, Antonios. Domestic Courts in International Law: The International Judicial Function
of National Courts. Loyola of Los Angeles International and Comparative Law Review. v. 34, p. 133-168, 2011, p. 134.
185 Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do
fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. § 1º A instauração de inquérito civil ou de processo
administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e
oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de
suspensão. § 2º O inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco)
dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente
do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. […] § 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia
da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.
100
que apure ato de improbidade administrativa, bem como para o ajuizamento da respectiva
ação judicial (§ 1º e § 2º), e ainda possibilita, uma vez ajuizada a demanda, a redução dos
prazos prescricionais pela metade (§ 5º), a fim de alcançar o lapso de quatro anos, ao
tempo em que pesquisa publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconhece
que o período médio apenas para o primeiro julgamento das ações de improbidade pelo
Poder Judiciário brasileiro é superior a esse intervalo, equivalendo a 1.548,6 dias ou 4,2
anos186.
Artigo 29 – Prescrição
Cada Estado Parte estabelecerá, quando proceder, de acordo com sua legislação interna, um
prazo de prescrição amplo para iniciar processos por quaisquer dos delitos qualificados de
acordo com a presente Convenção e estabelecerá um prazo maior ou interromperá a
prescrição quando o presumido delinquente tenha evadido da administração da justiça.
186 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Lei de improbidade administrativa: obstáculos à plena efetividade do combate aos atos de
improbidade. Coordenação Luiz Manoel Gomes Júnior, equipe Gregório Assegra de Almeida. [et al.]. Brasília: Conselho Nacional de
Justiça, 2015. p. 19.
187 Artigo 65, 2. Cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou severas que as previstas na presente Convenção a fim de
prevenir e combater a corrupção.
101
34. A este respeito, há todavia que salientar, em primeiro lugar, que as sanções penais podem
ser indispensáveis para combater de forma efetiva e dissuasora certos casos de fraude grave
ao IVA (v., neste sentido, acórdão Taricco, nº 39). 35. Assim, sob pena de violar as obrigações
que o artigo 325, nº 1, TFUE, lhes impõe, os Estados-Membros devem assegurar que, em
casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União em matéria de IVA, sejam
adotadas sanções penais que revistam natureza efetiva e dissuasora (v., neste sentido,
acórdão Taricco, nº 42 e 43). 36. Por conseguinte, deve considerar-se que os Estados-
Membros violam as obrigações que lhes são impostas pelo artigo 325, nº 1, TFUE,
quando as sanções penais adotadas para reprimir as fraudes graves ao IVA não
permitam assegurar de forma eficaz a cobrança da totalidade deste imposto. A este
respeito, os Estados devem igualmente garantir que as regras de prescrição previstas
pelo direito nacional permitem uma repressão efetiva das infrações relacionadas com
tais fraudes. 39. Incumbe, portanto, aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes dar
pleno efeito às obrigações decorrentes do artigo 325, nº 1 e 2, TFUE, e não aplicar as
disposições internas, nomeadamente em matéria de prescrição, que, no âmbito de um
processo por infrações graves em matéria de IVA, obstem à aplicação de sanções efetivas e
dissuasoras para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União (v., neste
sentido, acórdão Taricco, no 49 e 58). [...] 41. Ao legislador nacional incumbe, primeiro que
tudo, prever regras de prescrição que permitam satisfazer as obrigações decorrentes
do artigo 325, TFUE, à luz das considerações expostas pelo Tribunal de Justiça no nº 58 do
acórdão Taricco. Com efeito, é a esse legislador que cabe garantir que o regime nacional
de prescrição em matéria penal não conduza à impunidade de um número considerável
de casos de fraude grave em matéria de IVA ou não seja, para as pessoas acusadas, mais
severo nos casos de fraude lesiva dos interesses financeiros do Estado-Membro em causa do
que nos casos de fraude lesiva dos interesses financeiros da União (Processo C-42/17, Rel.
J. L. da Cruz Vilaça, Grande Seção do Tribunal de Justiça da União Europeia, j. em
05.12.2017).
188 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
102
Esse posicionamento tem sido adotado pela Corte Suprema desde então 189, como
também pelo Superior Tribunal de Justiça190 e pela doutrina:
189 A partir de desenvolvimento da jurisprudência deste Tribunal, assentou-se o status normativo supralegal aos tratados
internacionais de direitos humanos, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das leis infraconstitucionais ( HC 171.118, Rel. Min.
Gilmar Mendes, Segunda Turma do STF, j. em 12.11.2019).
190 O tratado internacional ratificado pelo Brasil, mas não internalizado nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, possui
status de norma supralegal e deve ser compatibilizado com o princípio constitucional da legalidade (IDC 21, Rel. Min. Reynaldo Soares
da Fonseca, Terceira Seção do STJ, j. em 25.08.2021).
191 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 472.
192 “Não há dúvidas de que a corrupção encontra-se diretamente conectada à violação dos Direitos Humanos e Fundamentais,
notadamente quando os atos corruptivos são utilizados como formas de violação do sistema jurídico como um todo (o caso de suborno
de servidores públicos para agilizarem procedimentos burocráticos), o que afeta, por si só, a ordem jurídica posta, além de provocar
impactos localizados na rede de direitos e garantias vigentes (eis que, neste exemplo, outros expedientes podem ser atrasados ou
deixados de lado” (LEAL, Rogério Gesta; SCHNEIDER, Yuri. Os efeitos deletérios da corrupção em face dos direitos humanos e
fundamentais. Revista da AJURIS, v. 41, n. 136, dez. 2014, p. 415/435).
103
las medidas adecuadas que deben adoptar los Estados para erradicar la corrupción en la región –
destacou-se.
Assim, tendo em vista que tanto a Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção quanto a Convenção Interamericana contra a Corrupção disciplinam, por óbvio,
medidas de combate à corrupção, ambos os tratados devem ser tidos como instrumentos
que veiculam disposições sobre direitos humanos e, como tal, diplomas normativos que
gozam de caráter supralegal.
193 FERNANDES, João Marcelo Negreiros. Corrupção e violação a direitos humanos: obstáculos ao desenvolvimento brasileiro no
século XXI. Revista Acadêmica Escola Superior do Ministério Público do Ceará, p. 107/128.
194 MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional, 3 ed., Ed. SaraivaJur, 2019, p. 449.
104
internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais e resoluções vinculantes das
organizações internacionais195.
Como já se falou anteriormente, não basta que a norma de direito doméstico seja
compatível apenas com a Constituição Federal, devendo também estar apta para
integrar a ordem jurídica internacional sem violação de qualquer dos seus preceitos. A
contrario sensu, não basta a norma infraconstitucional ser compatível com a Constituição e
incompatível com um tratado ratificado pelo Brasil (seja de direitos humanos, que tem a
mesma hierarquia do texto constitucional, seja um tratado comum, cujo status é de norma
supralegal), pois, nesse caso, operar-se-á de imediato a terminação da validade da
norma (que, no entanto, continuará vigente, por não ter sido expressamente revogada
por outro diploma congênere de direito interno). Sob esse ponto de vista – de que, em
geral, os tratados internacionais têm superioridade hierárquica em relação às demais
normas de estatura infraconstitucional, quer seja tal superioridade constitucional, como no
caso dos tratados de direitos humanos, quer supralegal, como no caso dos demais tratados,
chamados de comuns –, é lícito concluir que a produção normativa estatal deve contar não
somente com limites formais (ou procedimentais), senão também com dois limites verticais
materiais, quais sejam: a) a Constituição e os tratados de direitos humanos alçados ao nível
constitucional; e b) os tratados internacionais comuns de estatura supralegal. Assim,
uma determinada lei interna poderá ser até considerada vigente por estar de acordo
com o texto constitucional, mas não será válida se estiver em desacordo ou com os
tratados de direitos humanos (que têm estatura constitucional) ou com os demais
tratados dos quais a República Federativa do Brasil é parte (que têm status supralegal).
[...]. A falta de compatibilização do direito infraconstitucional com os direitos previstos
nos tratados de que o Brasil é parte invalida a produção normativa doméstica, fazendo-
a cessar de operar no mundo jurídico196 – destacou-se.
195 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 6 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 437.
196 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 319/321.
105
base em critérios não hierárquicos) de todos os tratados em matéria de direitos humanos
ratificados pelo Brasil, é possível afirmar que, tanto os tratados incorporados pelo rito previsto
no parágrafo 3° do artigo 5° da Constituição Federal, quanto os demais tratados ratificados
por maioria simples e aprovados até o advento da Emenda Constitucional 45/2004 (que, de
acordo com o Supremo Tribunal Federal, possuem hierarquia supralegal), ensejam a
possibilidade de aferição da compatibilidade entre tais atos normativos e os tratados.
Isso, como já referido, ficou evidenciado na decisão do STF sobre a proscrição — mediante
um efeito “paralisante” — da eficácia de toda e qualquer hipótese legal prevendo a
prisão civil do depositário infiel, seja ela criada antes da aprovação do tratado, seja ela
introduzida posteriormente197 – destacou-se.
Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da
proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento
jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão
de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional
197 SARLET, Ingo Wolfgang. Controle de Convencionalidade dos Tratados Internacionais. Conjur, abr. 2015.
198 HEEMANN, Thimotie Aragon. O exercício do controle de convencionalidade pelo membro do Ministério Público. Seminário Virtual
de Teses do MPPR, 2019.
106
com ela conflitante [...] Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos
internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem
sua eficácia paralisada (RE 466.343-1, Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno do STF, j. em 03.12.2008).
13. Controle de convencionalidade, que, na espécie, revela-se difuso, tendo por finalidade, de
acordo com a doutrina, “compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis,
lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo
Estado e em vigor no território nacional”. 14. Para que a produção normativa doméstica possa
ter validade e, por conseguinte, eficácia, exige-se uma dupla compatibilidade vertical
material. [...] Rememore-se que, a despeito de, num primeiro momento, a jurisprudência ter
oscilado quanto à natureza jurídica das regras decorrentes de tratados de direitos humanos,
firmou-se o entendimento de que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n.
45/2004, portanto, sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem
status de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais
normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta (HC 379.269, Rel.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção do STJ, j. em 24.05.2017) – destacou-se.
Os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordinária, ostentando status
normativo supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas
de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade, máxime em
face do efeito paralisante dos referidos tratados em relação às normas infra-legais
autorizadoras da custódia do depositário infiel. Isso significa dizer que, no plano material, as
regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas,
são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a
eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui
de revogação, mas de invalidade (REsp 914.253, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial do STJ, j.
em 02.12.2009) – destacou-se.
199 MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Controle de Convencionalidade: um panorama latino-
americano. Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 66.
107
Os tratados de direitos humanos não internalizados pela maioria qualificada acima
estudada serão paradigma (apenas) do controle difuso de convencionalidade. [...] Em
suma, no Direito Brasileiro atual todos os tratados que forma o corpus juris convencional dos
direitos humanos de que o Estado é parte servem como paradigma ao controle de
convencionalidade das normas internas, com as especificações que se fez acima: a) tratados
de direitos humanos internalizados com quorum qualificado (equivalentes às emendas
constitucionais) são paradigma do controle concentrado (para além, obviamente, do controle
difuso), cabendo, v.g., uma ADIn no STF a fim de invalidar norma infraconstitucional
incompatível com eles; b) tratados de direitos humanos que têm somente “status de norma
constitucional” (não sendo equivalentes às emendas constitucionais, posto que não
aprovados pela maioria qualificada do art. 5º, §3º) são paradigma somente do controle difuso
de convencionalidade, podendo qualquer juiz ou tribunal neles se fundamentar pra declarar
inválida uma lei que os afronte200 – destacou-se.
200 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 331/333.
108
CAOP Proteção ao Patrimônio Público e à Ordem Tributária
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao
Patrimônio Público e à Ordem Tributária
https://patrimoniopublico.mppr.mp.br