A Razão Desestatizante
A Razão Desestatizante
A Razão Desestatizante
Revista do
razão desestatizante Serviço
Público
Ano 49
Número 1
Jan-Mar 1998
Marcel Bursztyn
Nota: Os dados incluem tanto os benefícios que inicialmente eram voluntários, mas
contavam com a ajuda do Estado, quanto aqueles que eram compulsórios.
Fonte: Pierson (1991).
O final do século XIX foi também marcado pela adoção, nos países
europeus e nos EUA e Japão, do princípio da universalização da educação,
tarefa que dependia de uma maior participação do Estado e, paralelamente,
implicava — como no caso francês — uma laicização do ensino. Já em
1850, os países escandinavos, a Alemanha, a Suíça, a Holanda, a Escócia
e os EUA (os brancos) possuíam menos de 30% de sua população adulta
em situação de analfabetismo. Em 1913, todo o grupo acima e mais a
França, Inglaterra, Irlanda, Bélgica, Áustria, Austrália e Nova Zelândia,
já se situavam num patamar de menos de 10% de adultos analfabetos
[dados citados por Hobsbawm (1988:474)].
Tanto a educação quanto a saúde e a previdência social, ao se
tornarem funções de Estado, implicavam um crescimento das estruturas
146 públicas, em termos de participação do setor público no PIB e em termos
de empregos públicos relativamente ao emprego total. E esse quadro segue RSP
uma tendência sempre crescente até que no ápice do Welfare State os
números chegam a notáveis proporções, conforme se depreendem do
Quadro 2.
1960 1990
Velhice 31% 51%
Doença 33% 26%
Família 31% 13%
Desemprego 1% 7%
Outros 4% 3%
Fonte: Comptes de la Sécurité Sociale/França, apud. D´intignano (1993).
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RSP 4. A razão desestatizante: a receita
neoliberal e suas armadilhas
5. Conclusão
Uma das razões para a existência de tantos diagnósticos sobre a
crise do Estado é o fato de que não se trata de um crise única, que possa
158 ser generalizada. São muitas as crises que, embora simultâneas, revelam
naturezas bem particulares em Estados bem particulares. Nossa época é, RSP
portanto, de “crises dos Estados”, no plural. Assim, a busca de solução
também não pode ser baseada em fórmulas universais, mas sim em
diagnósticos de cada caso.
Isso não impede, evidentemente, que se recorra a experiências
internacionais, para se buscar ensinamentos. Só que estes devem servir
de referência, e não de norma.
O tema da reforma do Estado é, sem dúvida, um dos grandes desa-
fios intelectuais e políticos desse fim de século. As práticas até aqui ex-
perimentadas vêm se mostrando limitadas, principalmente nos países
menos desenvolvidos, onde o mercado tem mostrado fortes limitações
em assumir o papel de regulador das forças sociais e econômicas, em
sociedades tão complexas como as nossas, mas frágeis sob o ponto de
vista político-institucional.
As análises e experiências têm sido carregadas de conteúdo volun-
tarioso, de natureza ideológica e casuísta. O resultado tem sido muito
mais a demolição do Estado do que a edificação de uma via alternativa de
organização societal, com todas as mazelas que isso implica.
A razão desestatizante mostra suas limitações, efetivamente, de
forma tão peremptória, que até mesmo as instituições financeiras interna-
cionais parecem estar recuando de sua radicalidade antiestatal.
O cenário, para essa virada de século, parece ser muito mais o de
busca de um novo modo de atuação estatal do que a continuidade do seu
desmantelamento. “Reestatização” seria um conceito mais adaptado, mas
para tanto uma série de mudanças se torna necessária.
No caso brasileiro, considerando questões emergenciais que ser-
vem de “pano de fundo” para o debate da reforma do Estado, sugere-se
alguns princípios como norteadores:
• Em primeiro lugar, aponta-se o imperativo de se implementar
reformas de base, tão consensualmente necessárias, mas tão adiadas por
vicissitudes do jogo político continuísta. Nesse contexto inserem-se a
reforma agrária, a “despatrimonialização” do Estado, a universalização
de fato da educação e das oportunidades sociais, o fim da exclusão social;
enfim, a extensão da cidadania a toda a população.
• As regras do jogo devem ser claras e duradouras: não se pode
mudar critérios ao belprazer de casuísmos dos dirigentes, que são transi-
tórios e, com freqüência, obedecem muito mais à lógica patrimonialista e
ao clientelismo político do que a critérios de competência técnica.
• O Estado é perene (ainda que, em sua evolução, passe por
mudanças); os governos são temporários e têm a missão de gerir e
assegurar o bom funcionamento do Estado. Nesse sentido, os governos
têm o dever de melhorar a configuração do Estado e não têm o direito
de desmantelá-lo. 159
RSP • Os servidores são funcionários do Estado e não de governos.
A máxima de que o “chefe sempre tem razão” não pode se aplicar automa-
ticamente ao serviço público. Os servidores devem ser uma salvaguarda
do bom desempenho das instituições públicas.
• Quem deve ter estabilidade, em primeiro lugar, é o Estado e suas
instituições; os servidores não podem colocar a sua estabilidade acima do
bem comum.
• A estabilidade não pode ser apenas um direito: ela implica também
em deveres. O Estado não pode se converter em um poder voltado
prioritariamente para seus servidores: quem deve ser alvo das ações públicas,
em geral, é o conjunto da população. Esta, sim, é o “cliente” do Estado.
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Notas RSP
1 Vale ressaltar que essa redução não implica necessariamente demissões. O que houve,
na realidade, foi uma transferência do nível de dependência funcional dos empregados
das empresas que foram privatizadas, que deixaram de ser servidores públicos para se
tornarem trabalhadores da iniciativa privada. É certo, contudo, que as privatizações
britânicas acarretaram, num segundo momento, demissões em escala considerável.
2 A esse respeito, ver Bursztyn (1991a, 1991b).
3 Clarin, Buenos Aires, edições de 2/12/97 (p.22) e 3/12/97 (p.30).
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Resumo RSP
Resumen Revista do
Abstract Serviço
Público
Ano 49
Número 1
Introdução à crítica da razão desestatizante Jan-Mar 1998
Marcel Bursztyn
O artigo compreende uma visão crítica sobre os processos de reestruturação do
Estado baseados na lógica neoliberal, que caracterizam as reformas minimalistas da déca-
da de 80.
O tema da reforma do Estado é visto como um dos grandes desafios intelectuais e
políticos deste fim de século, devendo necessariamente ser contextualizado historica-
mente, uma vez que não existe uma única crise do Estado, mas várias crises dos Estados
específicas e particulares, cujas soluções não são únicas nem universais, mas dependen-
tes do diagnóstico de cada caso.
Entende-se que a razão desestatizante apresenta limitações, reconhecidas até mesmo
pelas instituições financeiras internacionais que antes a defendiam. O cenário de um novo
modo de atuação estatal é apresentado como mais provável, sendo o conceito de
reestatização mais adequado para as mudanças que se fazem necessárias.
Doutor em
Introdución a la crítica da la razón desestatizante desenvolvimento
Marcel Bursztyn econômico e
El artículo contiene una visión crítica sobre los procesos de restructuración del Esta- social e professor
do basados en la lógica neoliberal, que caracterizan las reformas minimalistas de los 80. da Universidade
de Brasília
El tema de la reforma del Estado es visto como uno de los grandes desafios intelectuales
y políticos de este fin de siglo, que debe, necesariamente, ser contextualizado
históricamente, una vez que no existe una única crisis del Estado, mas varias crisis de los
Estados, específicas y particulares, cuyas soluciones no son ni únicas ni universales, mas
dependientes del diagnóstico de cada caso.
Se comprende que la razón desestatizante presenta limitaciones, reconocidas hasta
aún por las instituciones financieras internacionales que anteriormente la defendían.
El escenario de un nuevo modo de actualización estatal es presentado como lo más
probable y el concepto de restatizaciones presentado como lo más adecuado para los
cambios que se hacen necesarios.
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166
Publicações ENAP RSP
Caderno ENAP no 14
Documento elaborado por Barbara Nunberg — Especialista senior em
administração pública, integrante da equipe do Setor de Administração Pública do
Banco Mundial, do Departamento Técnico para Assuntos da Europa, Ásia Central,
Oriente Médio e Norte da África — que examina as diversas práticas de gerencia-
mento de recursos humanos adotadas em alguns países industrializados, abordan-
do temas como: planejamento de RH, recrutamento, formação de quadros de eli-
te, classificação, remuneração e sistema de carreiras.
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