Mia Joao Costa Dissertacao

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Universidades Lusíada

Costa, João Miguel Guimarães da


Intervenção contemporânea em aldeias de xisto :
projeto de reabilitação da aldeia do Catarredor
http://hdl.handle.net/11067/5989

Metadados
Data de Publicação 2020
Resumo A presente dissertação tem como objetivo uma possível intervenção na
aldeia do Catarredor, uma das aldeias em xisto da Serra da Lousã que
não existe enquanto caso isolado e, por isso, procuramos estudar a base
do aparecimento das aldeias em xisto da Serra da Lousã. Procuramos
perceber as várias condicionantes que as moldaram até à atualidade,
com o intuito de propor uma intervenção que preservasse os valores
patrimoniais, sem prejudicar o meio ambiente envolvente e evitar que este
património pe...
This dissertation has, as a goal, a possible intervention in the village of
Catarredor. This is one of the schist villages of the mountain range of
Lousã. It is not an isolated case and, therefore, we aim to study the base
of the formation of the schist villages in Serra da Lousã. We want to
understand the several circumstances that moulded them until the present
days, aiming to project an intervention that preserves the patrimonial
values without harming the surrounding environment and avoidin...
Palavras Chave Arquitetura, Património, Arquitectura rural, Reabilitação
Tipo masterThesis
Revisão de Pares no
Coleções [ULF-FAA] Dissertações

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http://repositorio.ulusiada.pt
II
UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE – CAMPUS VILA NOVA DE FAMALICÃO

INTERVENÇÃO CONTEMPORÂNEA EM ALDEIAS DE XISTO


PROJETO DE REABILITAÇÃO DA ALDEIA DO CATARREDOR

João Miguel Guimarães da Costa

Dissertação para a obtenção do grau de mestre em Arquitetura

Orientação Científica : Professor Doutor Henrique Jorge Gonçalves Fabião

Vila Nova de Famalicão, 2020


AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que tornaram possível a elaboração desta dissertação.

Em particular, ao Professor Doutor Henrique Fabião, pela orientação, pela


dedicação e pelo apoio incansável sem os quais não seria possível a sua elaboração.

Ao Professor Doutor Carlos Santos, pela ajuda, pelo incentivo à investigação


sobre este tema, pela disponibilidade e por todo o apoio ao longo do ano, sem o qual
não seria possível obter uma solução para o projeto da dissertação.

A todas a entidades envolvidas que disponibilizaram um vasto conteúdo,


imprescindível para a elaboração desta dissertação. Em especial, à Camara Municipal da
Lousã.

I
DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação, aos meus pais, irmãos, familiares, amigos e namorada
por todo o apoio incondicional que me deram ao longo desta grande caminhada e sem
os quais era impensável a conclusão deste longo percurso.

A todos eles,
Um grande obrigado

III
LISTA DE ACRÓNIMOS

ADXTUR - Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto

CCDRC – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro

EN – Estrada Nacional

ICOMOS - Internacional Council of Monuments and Sites

IGESPAR - Instituto da Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico

PAHP – Programa das Aldeias Históricas de Portugal

PAX – Programa das Aldeias de Xisto

V
ÍNDICE

AGRADECIMENTOS .................................................................................................................. I

DEDICATÓRIA ......................................................................................................................... III

LISTA DE ACRÓNIMOS ........................................................................................................... V

ÍNDICE ..................................................................................................................................... VII

ÍNDICE DE FIGURAS .............................................................................................................. IX

RESUMO ................................................................................................................................ XIX

ABSTRACT ............................................................................................................................ XXI

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 29

1 – CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIAS DO XISTO ............................................... 23


1.1 – NOMADISMO ........................................................................................................................................... 33
1.2 - CULTURA CASTREJA ............................................................................................................................ 37
1.3 - INVASÕES ................................................................................................................................................ 45
1.4 - A RECONQUISTA ................................................................................................................................... 49
1.5 - ALDEIAS EM XISTO .............................................................................................................................. 51
2 – CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIAS EM XISTO DA SERRA DA LOUSÃ .55
2.1 – CONTEXTO GEOGRÁFICO ................................................................................................................... 55
2.2 - TERMINOLOGIA ..................................................................................................................................... 57
2.3 - CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIAS DA SERRA DA LOUSÃ ................................................... 59
3 –CARATERÍSTICAS DAS ALDEIAS EM XISTO DA SERRA DA LOUSÃ ........... 63
3.1 – PLANEAMENTO ...................................................................................................................................... 63
3.2 - EDIFICABILIDADE ................................................................................................................................. 65
4 – CASOS DE ESTUDO ..................................................................................................... 73
4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................................................................................................. 73
4.2 – ALDEIA DO TALASNAL ........................................................................................................................ 77
4.3 - ALDEIA DA CERDEIRA ......................................................................................................................... 81
4.4 - ALDEIA DO CANDAL ............................................................................................................................ 83

5 – PROJETO DE INTERVENÇÃO NA ALDEIA DO CATARREDOR ............... 85


5.1 – PROPOSTA DE INTERVENÇÃO GERAL ............................................................................ 93
5.2 - PROPOSTA DE INTERVENÇÃO NO EDIFICADO ............................................................ 95
6 – CONCLUSÃO ..................................................................................................... 99
7 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 101
8 APÊNDICES .........................................................................................................103

VII
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Esquisso da rua principal da aldeia do Catarredor


Imagem de autor (30 – 11 – 2019) p. 30

Figura 2 – Fotografia do alpendre da aldeia do Catarredor


Imagem de autor (30 – 11 – 2019) p. 32

Figura 3 - Fotografia de um cromeleque


Fonte : Google imagens (11/10/2020) p. 34

Figura 4 - Fotografia de um Dolmen


Fonte : Google imagens (11/10/2020) p. 34

Figura 5 - Fotografia de um Menhir


Fonte : Google imagens (11/10/2020) p. 34

Figura 6 - Fotografia de gravura rupestre em pedra de xisto


Fonte : Jornal Público – 2003 p. 36

Figura 7 - Fotografia de pintura rupestre em pedra de xisto


Fonte : Jornal Público – 2019 p. 36

Figura 8 - Fotografia do Castro de São Lourenço


Fonte : Casto de São Lourenço – in A cultura Castrexa - Accións e estratexias para o seu
aproveitamento socio-cultural (2006) p. 38

Figura 9 - Fotografia aérea da aldeia do Catarredor


Fonte : Google Imagens ( 15 – 09 – 2020) p. 38

IX
Figura 10 - Fotografia do acesso ao Castro de São Lourenço
Fonte : Casto de São Lourenço – in A cultura Castrexa - Accións e estratexias para o seu
aproveitamento socio-cultural (2006) p. 42

Figura 11 - Fotografia do acesso à aldeia do Catarredor


Fonte : Fotografia de autor (30 – 11 – 2019) p. 42

Figura 12 - Fotografia dos censos relativos às aldeias da Serra da Lousã


Fonte : terra que já foi terra (1985) p. 52

Figura 13 - - Fotografia de uma ruína da aldeia do Catarredor


Fonte : Fotografia de autor (30 – 11 – 2019) p. 54

Figura 14 - Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Catarredor


Fonte : Google Imagens (15 – 09 – 2020) p. 62

Figura 15 - Fotografia da adaptação das edificações da aldeia do Catarredor à Serra


da Lousã
Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020) p. 62

Figura 16 - Fotografia da relação entre edificados da aldeia do Catarredor


Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020) p. 64

Figura 17 - Fotografia do enquadramento da aldeia do Catarredor com a envolvente


Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020) p. 64

Figura 18 - Fotografia de uma habitação com dois pisos da aldeia do Catarredor


Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020) p. 66

Figura 19 - Fotografia de uma habitação com um piso da aldeia do Catarredor


Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020) p. 66

XI
Figura 20 - Fotografia dos materiais mais utilizados nas edificações da aldeia do
Catarredor
Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020) p. 68

Figura 21 - Fotografia de uma habitação com dois pisos da aldeia do Catarredor


Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020) p. 68

Figura 22 - Fotografia representativa dos casos de estudo


Fonte : Google Imagens (15 – 09 – 2020) p. 72

Figura 23 - Fotografia da aldeia do Talasnal


Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020) p. 76

Figura 24 - Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Talasnal


Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020) p. 76

Figura 25 - Fotografia do enquadramento geral da aldeia da Cerdeira


Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020) p. 80

Figura 26 - Fotografia do enquadramento geral da aldeia da Cerdeira


Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020) p. 80

Figura 27 - Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Candal


Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020) p. 82

Figura 28 - Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Candal


Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020) p. 82

Figura 29 – Esquiço das ruínas da aldeia do Catarredor


Fonte : Imagem de autor ( 30 – 11 – 2020) p. 84

XIII
Figura 30 - Esquisso dos alçados das habitações da aldeia do Catarredor
Fonte : Imagem de autor (30 – 11 - 2019) p. 86

Figura 31 - Esquisso dos alçados das habitações da aldeia do Catarredor


Fonte : Imagem de autor (30 – 11 - 2019) p. 86

Figura 32 - Esquema da ideia geral de intervenção


Fonte : Imagem de autor (19 – 03 - 2020) p. 90

Figura 33 - Esquema da ideia geral de intervenção


Fonte : Imagem de autor (19 – 03 - 2020) p. 90

Figura 34 - Desenho da intervenção geral na aldeia do Catarredor


Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020) p. 92

Figura 35 - Figura 35 : Desenho das funções gerais na aldeia do Catarredor


Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020) p. 92

Figura 36 - Desenho do plano de pormenor da aldeia do Catarredor


Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020) p. 94

Figura 37 - Desenho da habitação tipo da aldeia do Catarredor


Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020) p. 94

Figura 38 - Corte longitudinal da habitação tipo


Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 96

Figura 39 - Corte transversal da habitação tipo


Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 96

Figura 40 - Esquisso do plano de pormenor da aldeia do Catarredor


Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 96

XV
Figura 41 - Proposta de interiores da habitação tipo
Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 98

Figura 42 - Proposta de interiores da habitação tipo


Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 98

Figura 43 - Proposta de interiores da habitação tipo


Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 98

Figura 44 - Proposta de interiores da habitação tipo


Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 98

Figura 45 - Proposta de interiores da habitação tipo


Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) p. 98

XVII
RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo uma possível intervenção na aldeia do


Catarredor, uma das aldeias em xisto da Serra da Lousã que não existe enquanto caso
isolado e, por isso, procuramos estudar a base do aparecimento das aldeias em xisto da
Serra da Lousã.
Procuramos perceber as várias condicionantes que as moldaram até à atualidade,
com o intuito de propor uma intervenção que preservasse os valores patrimoniais, sem
prejudicar o meio ambiente envolvente e evitar que este património perdesse a sua
essência, ou fosse esquecido pelas próximas gerações.
Recorremos a documentos históricos para tentar determinar o aparecimento das
aldeias em xisto e perceber a influência que a aldeia do Catarredor teve nas mesmas.
Procuramos clarificar alguns conceitos para que a compreensão do trabalho fosse
facilitada e para que pudéssemos estabelecer comparações com as outras aldeias que
constituem a Serra da Lousã.
Analisamos três aldeias desta serra, que têm sido alvo de intervenções de restauro,
de modo a conseguirmos entender os princípios de projeto aplicados em cada caso.
Com base nesta pesquisa, surge a primeira inquietação que motiva o
desenvolvimento deste trabalho, “Como se deve intervir no património rural da aldeia
do Catarredor?” que, rapidamente, se transforma numa segunda pergunta: "Como
intervir com pressupostos contemporâneos?". É nestas duas questões que incide a
presente dissertação que, por sua vez, procura demonstrar que a arquitetura é um
processo evolutivo e que, atualmente, as intervenções generalizadas no património
arquitetónico não têm de ser, necessariamente, reproduções exatas daquilo que eram
antes, até porque os paradigmas sociais vão-se alterando, as necessidades também, e
nós, enquanto arquitetos, temos o dever de saber reinterpretar a história de forma a que
esta não se perca mas que leve para a prosperidade a sua essência, ainda que
intervencionada.
Posto isto, apresentamos uma possível intervenção na aldeia do Catarredor.

.PALAVRAS CHAVE : Arquitetura; Contemporâneo; Património; Rural;


Reabilitação; Xisto;

XIX
ABSTRACT

This dissertation has, as a goal, a possible intervention in the village of


Catarredor.
This is one of the schist villages of the mountain range of Lousã. It is not an
isolated case and, therefore, we aim to study the base of the formation of the schist
villages in Serra da Lousã. We want to understand the several circumstances that
moulded them until the present days, aiming to project an intervention that preserves the
patrimonial values without harming the surrounding environment and avoiding that the
patrimony loses its essence, or is forgotten by the next generations.
The work strategy applied to this work was based on the consultation of
historical documents with the intention of defining the appearance of the schist villages
and understanding the influence that Catarredor’s village had on them.
We sought for the clarification of some concepts to facilitate the comprehension
of this work and - with the goal of understanding the guidelines applied in each case - so
that we could establish comparisons with the other villages that constitute Serra da
Lousã, which have been subject of restauration interventions.
Based on this research, appears the first concern that motivates the developing of
the present work: “How should we intervene in the rural patrimony of the Catarredor’s
Village?”; which, quickly, transforms into the second question: “How to intervene with
a contemporary claim?”. These two concerns constitute the theme of this dissertation,
that hopes to demonstrate that architecture is an evolving process and that, nowadays,
the generalized interventions on the architectural patrimony don’t have to be,
necessarily, exact reproductions of what was there before, since the social paradigm is
changing, as are the necessities of the population. We, as architects have the duty of
knowing how to reinterpret history in a manner that it isn’t lost and transports to
prosperity its essence, despite of any intervention.
Thus, we present a possible intervention on the village of Catarredor.

KEYWORDS: Architecture, Contemporary, Patrimony, Rural, Rehabilitation, Schist

XXI
INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos do ensino superior foram várias as vezes em que abordamos a
temática das intervenções no património arquitetónico. Falamos sobre os vários
conceitos de intervenção nos mesmos e como os poderíamos tornar funcionais para os
mais variados usos. Isto, numa fase em que a reabilitação dos centros históricos das
cidades ganhava cada vez mais importância e, por isso, viam-se várias intervenções a
serem realizadas. Outra das vertentes de intervenção no património - esta mais recente –
tem como foco as intervenções em património rural. Num espaço de pouco tempo
houve uma enorme procura por locais de turismo rural, que despoletou uma grande
quantidade de projetos de reabilitação para locais com estas caraterísticas.
Foi com base nestas conversas e trabalhos realizados ao longo do curso de
arquitetura, que o interesse por este tema foi crescendo, sendo que, mais tarde, aquando
a decisão do tema desta investigação, surgiu a oportunidade de realizar um projeto de
reabilitação para a aldeia do Catarredor, que acabou por se tornar o tema desta
dissertação.
De todas as aldeias pertencentes à Serra da Lousã, decidimos abordar esta porque
é uma aldeia que se encontra em mau estado de conservação e que, consequentemente,
revela menos importância em relação às outras. Uma vez que estas aldeias funcionavam
como um todo, não fazia sentido deixar a do Catarredor descaraterizada.
Posto isto, para a realização desta dissertação, adotamos uma metodologia que
teve como base o projeto de final de curso.
Inicialmente procuramos fazer um enquadramento histórico sobre as aldeias em
xisto, para conseguirmos perceber quais as condicionantes que estiveram no surgimento
destas aldeias xistosas.
Após esta pesquisa, tentamos perceber esta história na Serra da Lousã e perceber
quais os fatores que fizeram com que estas aldeias se mantivessem intactas até aos dias
que correm, bem como os motivos pelos quais estas aldeias acabaram por ser
abandonadas.
Posteriormente, decidimos elaborar uma análise sobre as caraterísticas das aldeias
da Serra da Lousã, para percebermos como estas foram edificadas e perceber o porquê
de ser neste local.

29
Figura 1 : Esquisso da rua principal da aldeia do Catarredor
Imagem de autor (30 – 11 – 2019)
Esta análise avançou e selecionamos três casos de estudo para podermos
estabelecer comparações e para conseguirmos perceber qual a melhor forma para
elaborar uma proposta para a aldeia do Catarredor.
A par destas pesquisas, foi-nos possível fazer várias visitas ao local, que nos
permitiram ter uma precessão exata do espaço, da realidade em que a aldeia do
Catarredor se insere, comparativamente às outras aldeias, e a vivência que os poucos
habitantes desta aldeia têm nos tempos que correm.
Foram elaborados registos fotográficos, desenhados e foi feita a recolha de
medições de todas as habitações existentes na aldeia do Catarredor, bem como dos
espaços que nela existem. Durante esta visita tivemos, ainda, o privilégio de conversar
com alguns residentes locais que nos elucidaram sobre a história da aldeia e de todos os
problemas que esta tinha.
Após esta fase, procedemos à parte de projeto, propriamente dita, para o qual
tivemos em atenção vários fatores como a história e a herança arquitetónica existente,
aliadas a um pressuposto contemporâneo como motor para o desenvolvimento e
elemento dinamizador para esta aldeia.

31
CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIA EM XISTO
CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIAS EM XISTO

As aldeias que, hoje em dia, conhecemos como aldeias de xisto, revelam uma
história bastante complexa e sem grandes registos nos quais nos possamos apoiar para
determinarmos uma data exata para o seu aparecimento.
Com base numa bibliografia da autoria de vários historiadores e arqueólogos 1 e
numa profusa investigação sobre a mesma, debruçamo-nos sobre a construção de uma
teoria que explica a razão para o surgimento destes aglomerados xistosos e o local onde
primeiro apareceram. Propomos, ainda, uma aproximação à sua possível data de
aparecimento.
Esta proposta tem como fundamento um raciocínio dedutivo ao qual são
associados vários fatores que podem estar na origem destes aglomerados e, por isso
mesmo, trata-se simplesmente de uma hipótese para a história das aldeias de xisto.
Posto isto, com vista num melhor entendimento das condicionantes que levam
ao aparecimento destas aldeias, remontamos aos tempos da pré-história.

NOMADISMO

Segundo o Professor e Historiador José Hermano Saraiva, Portugal continental,


tal como o conhecemos atualmente, nem sempre teve todas as suas fronteiras definidas,
à exceção de uma, limitada pelo Oceano Atlântico – característica tão singular e
consequente na História de Portugal.2

Eis aqui, quase cume da cabeça; De Europa toda, o Reino Lusitano; Onde a
terra acaba e o mar começa… [CAMÕES,Luís Canto III]
Os povos primitivos eram nómadas e, por isso, percorriam os mais variados
territórios em busca de alimentos, vivendo em constante mudança e deslocação
consoante a sua escassez.

1
Os historiadores José Hermano Saraiva, Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Orlando Ribeiro, Carlos
Brochado de Almeida, Paulo Monteiro e o arqueólogo Jorge Alarcão
2
“ARAIVA, José Her a o, As Orige s e Os Pri eiros Passos de Portugal , i História Essencial de
Portugal, Rádio e Televisão de Portugal, 2011.

33
Figura 3 : Fotografia de um cromeleque

Fonte : Google imagens (11/10/2020)

Figura 4 : Fotografia de um Dolmen Figura 5 : Fotografia de um Menhir

Fonte : Google imagens (11/10/2020) Fonte : Google imagens (11/10/2020)


Contudo, o território lusitano sempre foi reconhecido pela sua vasta extensão de
mar que banha a sua costa, sendo este o limite natural imposto aos agrupamentos
nómadas da região.
A interação destes diferentes grupos, associados à disputa pelo território teve
como consequência conflitos entre povos, mas, também, o cruzamento entre os mesmos.
Esta cultura migratória levou milhões de anos a evoluir até ao modo de vida
sedentário, e apenas podemos distinguir os vários grupos pelas diferentes técnicas
utilizadas para trabalhar a pedra.
É escolhida a pedra como objeto de estudo por ter sido o material que perdurou
até à contemporaneidade, sendo que admitimos a possibilidade da utilização de outros
materiais, utensílios e técnicas menos duradouras e por isso, nunca estudadas.
É nesta época pré-histórica, que surge o período Neolítico, no qual, os povos
começam a fixar-se nos territórios, onde viviam em pequenas comunidades, ao contrário
dos que os sucederam. Começam a domesticar alguns animais, a fazer sementeiras e,
ainda, a racionar os alimentos para as épocas de menor abundância. É, também, nesta
altura que aparecem os primeiros e mais impressionantes monumentos feitos de pedra
como os dolmens, menhires ou cromeleques. 3

É nesta fase do neolítico, que encontramos os primeiros vestígios de ocupação,


por parte das civilizações, nos locais que, hoje em dia, dão lugar às aldeias xistosas.
Temos conhecimento destes acontecimentos porque estas pequenas comunidades
registaram os mais variados episódios da vida quotidiana e

segundo o jornal Público, em 2003, são descobertas gravuras rupestres em


pedras de xisto junto do rio Zêzere e, recentemente, em 2019 são encontradas mais
algumas. Estas gravuras representam, um grande contributo para a compreensão
histórica desta época e como reforço da ideia de que o rio era um elemento fundamental
neste tipo de

3
Dolmens são monumentos megalíticos coletivos que serviam como túmulos. Menhires são
monumentos que consistiam na colocação de uma pedra cravada no solo verticalmente com alguma
dimensão para culto religioso. Cromeleques são conjuntos de vários menhires dispostos em formas
redondas, elíticas ou quadrangulares que serviam como templos de culto religioso.

35
Figura 6 : Fotografia de gravura rupestre em pedra de xisto

Fonte : Jornal Público - 2003

Figura 7 : Fotografia de pintura rupestre em pedra de xisto

Fonte : Jornal Público - 2019


civilizações, tal como vemos nas aldeias xistosas, em específico, e na aldeia do
Catarredor, que é o nosso caso de estudo.
Com base nos artefactos deixados por estas civilizações sabemos que houve
povos colonizadores que se cruzaram com estas populações lusitanas e trouxeram o
conhecimento do trabalho do metal. Este material viria a substituir a pedra, dando assim
origem à idade do ferro que, tanto quanto se conhece, teve início em meados de 2500 a.
c. e que viria a ser fundamental para o desenvolvimento das culturas que se
sedentarizaram nos locais das aldeias xistosas.
É com a descoberta deste material que se começam a fabricar alguns utensílios
de defesa, tal como punhais ou utensílios para o cultivo das terras como, por exemplo,
os arados. Crê-se que o primeiro povo a introduzir o ferro na Península Ibérica é o povo
Celta e é, precisamente, da junção entre estes dois povos que resulta a civilização
Castreja.

CULTURA CASTREJA

A Civilização Castreja ocupa um lugar de grande importância na presente


investigação e na procura de respostas para a história das aldeias em xisto pois, segundo
as características que esta nova civilização emergente adotou, deduzimos que terá sido
neste período que começaram a surgir os primeiros aglomerados xistosos.

Ao esplendor fugaz da civilização megalítica vai suceder a rudeza


arcaizante dos castros, especialmente numerosos no Norte, onde o relevo
multiplica os sítios defensivos e reforça o isolamento. Os castros eram
povoações rodeadas de muros de pedra solta, alcandoradas no cimo de
montes; as casas, também de pedra solta, eram redondas (em grande
número), retangulares ou oblongas, cobertas de giestas ou de colmo, e
dispunham-se formando grupos ou arruamentos, guardando sempre
entre si proximidade e coesão. [RIBEIRO, 1987: 24]

Esta nova civilização emergente irá manter grande parte das suas atividades,
procurando, apenas, locais mais seguros e com melhores condições para se fixarem no
território ibérico. Instalam-se em locais com
37
Figura 8 : Fotografia do Castro de São Lourenço

Fonte : Casto de São Lourenço – in A cultura Castrexa - Accións e estratexias para o seu
aproveitamento socio-cultural (2006)

Figura 9 : Fotografia aérea da aldeia do Catarredor

Fonte : Google Imagens ( 15 – 09 – 2020)


... relevos de pequena e média dimensão o mais naturalmente
acompanhados de naturais condições de defesa e de instalação. Outros
vetores então equacionados eram as condições geomorfológicas que
favoreciam atividades económicas para as quais, à partida, estavam
mais vocacionados. De vital importância para os habitantes dos castros
era a proximidade das linhas de água e de nascentes, as quais, sempre
que se pôde, ficaram resguardadas pela malha defensiva. Sítios houve
onde o único recurso ao abastecimento de água, foi a abertura de poços
no interior do espaço urbano. Bom exemplo do que acabamos de afirmar
é o poço cavado na acrópole do castro de Carmona – está presentemente
atulhado – uma grande povoação castreja que se reparte
administrativamente entre as freguesias de Balugães (Barcelos) e
Carvoeiro (Viana do Castelo). [ALMEIDA, 2006 :70]

A par do excerto acima, podemos fazer uma comparação com as aldeias em


xisto, visto que, tal como os castros, os aglomerados xistosos situam-se em locais com
um relevo de média dimensão e, por vezes, de grande dimensão, que lhes
proporcionavam defesas naturais; estavam implantados em locais com acesso facilitado
a recursos naturais, tais como frutos e materiais provenientes das áreas florestais
envolventes (em grande parte madeira). Eram locais que favoreciam as atividades
económicas para as quais estes povos estavam vocacionados e, tal como vimos nos
povos castrejos, com uma grande proximidade a linhas de água, por ser um elemento
indispensável à sobrevivência nestes locais.
Com base nestes factos e na profusa semelhança entre as comunidades,
acreditamos que as primeiras aldeias em xisto tenham tido origem nesta época, criadas
por povos castrejos que não ficaram no norte da Península e se movimentaram para o
centro, adaptando, deste modo, as técnicas que conheciam às condições que o local lhes
proporcionava.

39
Enquanto que os povos castrejos que se fixaram no norte, utilizavam a pedra
granítica para as suas construções, na zona centro o granito é escasso e, por isso, a
matéria prima que tinham à sua disposição com maior abundância era o xisto.
Encontramos, ainda, semelhanças entre as habitações do povo castrejo do norte e
as aldeias em xisto. Estas habitações, eram, primeiramente, construídas com madeira e
arbustos, contudo, este material foi rapidamente substituído pelo granito – material
típico da região.
Do mesmo modo, encontramos a utilização da madeira na estrutura das
habitações nas aldeias em xisto.

Até ao advento da Romanização (séc. I a.C.) as casas distribuíam-se no


interior da área urbana, sem critérios definidos, à revelia de qualquer
alinhamento ortogonal, que não existia, estando os espaços de
circulação estabelecidos de acordo com as necessidades mais prementes
de cada morador. [ALMEIDA, 2006:74]

Não é possível identificar um planeamento urbano e arquitetónico, de imediato,


na análise da organização das aldeias de xisto e por isso, tal como lemos no excerto
supracitado, estas construções eram erguidas consoante as necessidades de cada
morador.
No que concerne à cultura castreja sabemos, ainda, que

As ruas, só para circulação de pessoas e de animais de pequeno porte e


os espaços de circulação empedrados com canais para escoamento das
águas pluviais, só apareceram no câmbio da Era, na mesma altura em
que as casas de habitação passaram a ser ordenadas em função de
núcleos familiares individualizados. Estes, comportando três ou mais
estruturas cobertas, estão bem definidos por muros de separação que,
por vezes, também são de contenção e apresentam certas
particularidades arquitetónicas que permitem atribuir-lhes uma função
bem específica no interior de cada agrupamento familiar. A entrada para

41
Figura 10 : Fotografia do acesso ao Castro de Figura 11 : Fotografia do acesso à aldeia do
São Lourenço Catarredor

Fonte : Casto de São Lourenço – in A cultura Fonte : Fotografia de autor (30 – 11 – 2019)
Castrexa - Accións e estratexias para o seu
aproveitamento socio-cultural (2006)
cada núcleo familiar fazia-se a partir dos arruamentos, dificilmente
retilíneos, devido
aos condicionalismos topográficos e à anterior existência de estruturas
que não puderam ser desmanteladas na altura em que o castro foi sujeito
à grande remodelação. O ponto central de cada núcleo era o espaço
lajeado para o qual se abriam as portas das diversas
construções, fossem elas casas de habitação, arrumos, currais ou
celeiros. O lajeado facilitava a circulação, dificultava a infiltração de
água nos alicerces das casas e permitia que funcionasse como eira na
secagem de frutos e cereais. [idem: 2006]

Ao fazermos o transporte para a aldeia do Catarredor, concluímos que a


descrição do Castro de São Lourenço se poderia aplicar, facilmente, ao caso em estudo;
uma vez que ambos os conjuntos habitacionais foram, numa fase inicial, um
aglomerado pequeno onde cada espaço continha uma função específica, claramente
definida.
As entradas para cada núcleo familiar também eram feitas a partir de
arruamentos, dificilmente retilíneos devido à topografia do local.
Nestas aldeias existia, ainda, um ponto central, caracterizado pela diversidade
das construções a si associadas e pelo espaço lajeado que funcionava como eira para a
secagem de cereais - uma das atividades mais relevantes nestas comunidades, devido à
altitude a que se situavam e porque os cereais eram dos poucos alimentos que resistiam
àquelas condições climatéricas.
Um dos argumentos que poderia refutar este raciocínio fundamenta-se na
diferença entre a forma das construções castrejas e das aldeias de xisto. Sendo que, nas
primeiras, uma grande parte apresenta uma planta redonda, ainda que, mais tarde
tenham surgido alguns castros com planta retangular que, pelo que podemos perceber,
seriam destinados a animais de pequeno porte. De outro modo, nas aldeias xisto todas as
construções apresentam planta retangular.
Esta alteração pode ser justificada pelas características estruturais das
construções e nesse sentido, podemos afirmar que os povos que ficaram nestes locais no
centro da Península tiveram que adaptar as suas técnicas. Contudo, independentemente
da forma das construções, o seu uso era o mesmo nestas duas regiões, algumas

43
destinadas a habitações, outras destinadas a espaços de armazenamento de alimentos e
outras, a currais.
A presença destas comunidades perdurou, na Península Ibérica, durante alguns
séculos até se darem as invasões romanas 4 que, tanto quanto sabemos, influenciaram os
povos que habitavam nesta parte da Europa com as suas tradições e costumes, sendo
que alguns deles mantêm-se até aos dias de hoje.

INVASÕES

É, precisamente, com as invasões romanas que encontramos um outro


argumento que nos guia na nossa procura de respostas para o aparecimento das aldeias
xistosas.
No livro de Orlando Ribeiro, é possível ler:

A romanização penetrou tarde e a medo neste mundo estranho, depois de


século e meio de lutas ferozes e de cruéis derrotas. Sem embargo, ainda
hoje não há a Sul nada de comparável à rudeza primitiva de algumas
povoações perdidas nas serranias setentrionais, com suas casas
apinhadas, de pedra solta, como nos redutos castrejos, cobertas de lousa
ou colmo, sem qualquer reboco ou caiação que esconda o aparelho tosco
dos blocos de granito ou xisto. Tudo leva a pensar que as invasões e
transformações históricas não alteraram sensivelmente nem a
composição nem a maneira de viver da gente que se abriga detrás dos
seus pobres muros. [RIBEIRO, 1987: 27]

Acreditamos, por isso, que estas populações que se encontravam isoladas nas
serras da Península Ibérica se mantiveram intactas face à invasão romana, pela
dificuldade de acesso até elas, ainda que, uma grande parte dos castros tenha sido
conquistada pelos romanos e adaptada à sua cultura. Nota 1
Os povos Suevos e Visigodos, são bárbaros que invadiram a Península Ibérica,
mas falharam na difusão da sua cultura, sendo que o seu mais importante contributo foi

4 4
Cf. “ARAIVA, José Her a o, As Orige s e Os Pri eiros Passos de Portugal , i História Essencial de
Portugal, Rádio e Televisão de Portugal, 2011.

45
a implementação de uma hierarquia social, por terem tomado como servos a população
dos aglomerados dos quais se apoderaram.
Cerca de dois séculos após a chegada dos visigodos, os Mouros invadem a
Península Ibérica, à exceção de um pequeno território nas Astúrias.
Ainda que este povo tenha conquistado uma parte do território peninsular, não
impuseram a sua cultura, na totalidade, às comunidades existentes, permitindo, deste
modo, a continuidade do cristianismo e, simultaneamente, introduzindo conhecimentos
da cultura moura.

Contudo, a marca desta época foi profunda na vida rural. Os mouros


reforçaram o tom mediterrâneo que os romanos haviam começado a
imprimir à agricultura. Introduziram plantas: o limoeiro, a laranjeira
azeda e porventura já uma variedade doce, provavelmente o arroz;
desenvolveram a cultura da oliveira, como se vê do nome que deixaram à
colheita (safra), ao fruto (azeitona) e ao óleo extraído dele (azeite); a
alfarrobeira, que parece ser árvore antiga e espontânea, deve-lhes muito
da sua difusão. Plantaram grandes pomares, sendo afamados os do
Algarve e dos arredores de Évora, os figos e uvas daquela província, as
maçãs enormes de Sintra; e, sobretudo, com o desenvolvimento do
regadio, de que por certo aproveitaram alguns ensinamentos
peninsulares e melhoramentos introduzidos na época romana, ... [RIBEIRO,

1987: 33 e 34]

Esta invasão é um momento muito consequente para a história do aparecimento


das aldeias xistosas porque a liberdade religiosa permitida pelos mouros era taxada,
sendo que, aqueles que não pagassem teriam de exercer as políticas religiosas
implementadas por eles. Desse modo, surgem os cristãos arabizados ou moçárabes
...que tão importante papel tiveram na região de Coimbra, por exemplo, um deles
chegou a governar territórios cristãos, ou dos mouros que se submeteram e
permaneceram nos lugares, cultivando a terra e exercendo pequenos mesteres. [Idem:
34]

47
Face às invasões, verificamos que uma das regiões menos devastadas pelas
mesmas, corresponde à zona centro – onde se localiza uma grande parte das aldeias de
caráter xistoso. É, também, nesta zona que reconhecemos uma grande absorção dos
ensinamentos mouros e, por isso, vemos um grande estímulo na atividade agrónoma.
O Professor e Historiador José Hermano Saraiva, relembra-nos do pequeno povo
na zona das Astúrias que, durante o domínio mourisco do território peninsular, não se
deixa conquistar e, por isso, se mantém um grupo de cristãos alheio às influências
religiosas dos invasores.5

A RECONQUISTA

É este povo que inicia a Reconquista da Península, à medida que o povo mouro
ia enfraquecendo. Contudo, a sua realização não é facilitada pelos cristãos que viviam
sob o domínio mouro, por verem a sua aparente liberdade posta em causa.

Um conjunto de factos permite pensar que, a despeito das ruínas e


assolações que padeceram as povoações maiores, muita gente teria
permanecido nos mesmos lugares, fugindo para as serras, onde os
bosques de castanheiros e de cupulíferas (azinheiras, carvalhos) lhe
proporcionaram, ao mesmo tempo, refúgio e subsistência, para voltar às
suas glebas quando passava a fúria devastadora dos exércitos cristãos
vencedores. [RIBEIRO, 1987 37]

Este excerto justifica a expansão para as aldeias xistosas, ainda que em pequena
escala.
Após anos de batalha, os cristãos passam o Douro e levam a sua reconquista até
ao condado conimbricense.
No ano de 1095, o imperador Afonso VI, uniu os condados de Coimbra e do
Porto num só, que oferece a Dona Teresa e a D. Henrique. Mais tarde, D. Afonso
Henriques sobe à regência do Condado Portucalense e instaura a independência de
Portugal.

5
SARAIVA, José Hermano, “As Origens” e “Os Primeiros Passos de Portugal”, in História Essencial de
Portugal, Rádio e Televisão de Portugal, 2011.

49
É então distribuído o território do Condado por alguns nobres – o primeiro fator
de grande consequência na expansão pela região Centro.

A riqueza fundiária, que no Noroeste era constituída por


múltiplas parcelas cultivadas, compõe-se aqui de enormes extensões
contínuas, embora desaproveitadas: a herdade de Pedrogão, doada por
D. Afonso Henriques a três nobres em recompensa de serviços, ia da
Serra da Lousã até ao Zêzere, por cabeços de xisto pela maior parte
incultos e despovoados; [Idem: 47]

Posto isto, identificamos outras possíveis razões que definiram os locais que
iriam ser povoados.
A maior parte das aldeias de xisto tinha como primeira função o
desenvolvimento de atividades agrícolas e pastorícias e, dessa forma, a fixação de
comunidades que se mantiveram nestes remotos locais até ao século XIX.

…é na época medieval que se dá o povoamento ou a expansão


generalizada das Aldeias do Xisto, algumas por se encontrarem em
pontos estratégicos de rotas comerciais, como Sobral de São Miguel,
Fajão e Aigra Velha (considerada uma autêntica estação de serviço dos
tempos antigos); por necessidade de fixação para atividades pastoris e
agrícolas; outras por aquartelamentos de ordens religiosas, como
Álvaro; e uma única por decreto régio, como é o caso de Sarzedas, a
única destas aldeias com título nobiliárquico. [Aldeia de Xisto: Consultado em 20-09-

2020]

AS ALDEIAS DE XISTO

É, exatamente, no século XIX que, devido à exigência dos impostos, a falta de


trabalho e, por isso, de rendimentos monetários, se dá uma primeira vaga de abandono
das aldeias xistosas. Este abandono começou, primeiramente, a ser temporário, mas,
rapidamente, passou a ser definitivo.

51
Figura 12 : Fotografia dos censos relativos às
aldeias da Serra da Lousã

Fonte : terra que já foi terra (1985)


Por isso já na segunda metade do século XIX (e talvez mesmo antes,
embora disso não possa haver memória oral), era muito comum
procurar o suplemento monetário à agricultura no trabalho sazonal
longínquo, descendo os homens a pé até às zonas de latifúndio do
Alentejo e vizinhos campos espanhóis, na altura das ceifas” [MONTEIRO,

1985: 82]

É claro que esta distinção analítica de uma ou de outra fase é um pouco


difícil de delimitar, na medida em que já na segunda metade do século
XIX se emigrava para o Brasil [Idem: 83]

Com este fluxo migratório em busca de novas oportunidades, receava-se que


estas aldeias xistosas ficassem entregues ao abandono - que não se chegou a verificar.
Como diz o ditado popular, “o bom filho a casa torna”, a população que outrora
emigrou voltou à sua terra de origem e desta vez com mais posses para se casarem e
investirem nas suas casas. É com este investimento que vemos as tipologias destas
aldeias xistosas alteradas e as suas condições de habitação melhoradas.
É claro que nem toda a gente emigrou e nem toda a gente que emigrou voltou.
Contudo, este foi um dos fatores que ajudou o desenvolvimento destes aglomerados.
Posto isto, não se avizinhavam os tempos que se seguiram, pois, o Estado Novo
trouxe uma série de inseguranças políticas e novas formas de governar Portugal. Depois
da sua implementação, deu-se uma segunda vaga de migração das aldeias xistosas.
Foi, então, que, ao contrário daquilo que aconteceu na primeira vaga, aqueles
que migraram para o Brasil, encontraram uma situação semelhante ao caso português,
sendo que muitos não conseguiram juntar dinheiro para regressar.
Aqueles que ficaram foram-se mantendo sempre com grandes dificuldades e em
grande pobreza, sobrevivendo daquilo que a terra lhes dava. Mas ninguém dura para
sempre; a população mais envelhecida começou a falecer e as aldeias começaram a ficar
desertas, até que, por fim, os últimos habitantes as abandonaram de vez.
Hoje em dia, encontramos uma série de aldeias que foram reconstruídas e outras
que ficaram esquecidas e ao abandono nas serras do país.

53
CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIA EM XISTO NA
SERRA DA LOUSÃ
CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIAS EM XISTO
NA SERRA DA LOUSÃ

CONTEXTO GEOGRÁFICO

A serra da Lousã, onde se localiza a vila da Lousã e pertencente à cidade de


Coimbra, é constituída por uma extensão montanhosa com limites pouco definidos,
mas, com uma importância enorme na zona do interior de Portugal. Esta é uma das
serras que constituem o Sistema Central Divisória, a par das serras da Gardunha, Açor e
Estrela, em território nacional.
Este território abrangido pela Rede Natura 2000 e pela Reserva Ecológica
Nacional, é constituído por declives compreendidos entre ...os 200m até aos 1204m de
altitude, correspondentes ao Altar do Trevim. [MOREIRA,2011 :13]
Sensato será dizer que a serra da Lousã tem vindo a sofrer transformações até
aos dias de hoje, tal como nos foi possível verificar no capítulo anterior.
No panorama atual, sabemos que a sua diversidade nos campos da fauna e flora
é enorme e que, no que se refere à flora, houve uma grande modificação por influência
humana. Acredita-se que, inicialmente, ... Serra da Lousã tenha sido totalmente coberta
por carvalhos e, nos pontos mais altos, deveriam predominar o sobreiral e o negral.
[Idem]

Hoje em dia, a serra - que contém também vários cursos de água – é,


predominantemente, composta por pinheiros, eucaliptos e acácias. O acesso mais
importante é a estrada EN236, que faz a ligação entre a vila da Lousã e Castanheira de
Pêra.
No que concerne aos acessos, sabemos, ainda, que existe a estrada florestal de
Cacilhas que, por sua vez, vai até ao limite do concelho, bem como, os pequenos troços
antigos de terra batida que ligavam as aldeias entre si.
Com todos estes recursos disponíveis na serra da Lousã, a QUERCUS, através
do “Projecto do Litoral para o Interior”, organizou passeios pedestres e rodoviários com
o objetivo de proporcionar a experiência das paisagens da serra da Lousã, isto é, da
fauna

55
e flora nela existente, caracterizada pelo vasto leque de aldeias em xisto que
compõem a paisagem.

TERMINOLOGIA

É importante clarificar alguns dos conceitos que têm vindo a ser utilizados ao
longo da dissertação, visto que a sua utilização na linguagem corrente, facilmente, nos
pode induzir em erro.
Na serra da Lousã existem várias aldeias em xisto, isto é, são compostas por
alvenarias de xisto que formam as mais variadas edificações e trilhos dentro das
mesmas. Destas aldeias xistosas, vinte e sete fazem parte do programa PAHP, que tem
como objetivo “a valorização do património, dinamização turística, dinamização
cultural e requalificação dos espaços públicos”. (BATISTA, 2015: 26)
As 27 aldeias referidas, estão inseridas em 14 municípios distribuídos pela
região centro, das quais 12 fazem parte da Serra da Lousã. A estas 27, é-lhes dada a
nomenclatura de aldeias de xisto e como tal, o nosso caso de estudo não faz parte desta
rede.
Por isso, sentimos a necessidade de esclarecer a diferença entre aldeias de xisto e
aldeias em xisto.
No final da década de 80, surgiu um novo conceito conhecido como turismo
cultural, que pretendia aproveitar o melhor de cada região e tirar partido disso para que
estes aspetos característicos regionais não ficassem entregues ao abandono. É nesta
altura que este turismo cultural tem o apoio do Conselho da Europa6.
Com o seu apoio, são lançados programas como o PAHP (Programa das Aldeias
Históricas de Portugal) e o PAX (Programa das Aldeias de Xisto).
O primeiro teve início no ano 1987 e, tal como já foi referido, tinha por base a
recuperação das aldeias históricas.
Com o êxito deste primeiro programa, é lançado o segundo – PAX - que era um
programa específico para as aldeias de xisto. Foi um programa implementado pela
CCDRC (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro) que deu a
liderança sobre este projeto à ADXTUR - Agência para o Desenvolvimento Turístico
das Aldeias do Xisto.

57
É com estas ligações que são traçadas as linhas base para a recuperação das
aldeias, que se focam, essencialmente, nos aspetos sociais, patrimoniais e turísticos.
Com este plano bem delineado, são então selecionadas as aldeias que farão parte
da rede das aldeias de xisto.

CONTEXTO HISTÓRICO DAS ALDEIAS DA SERRA DA LOUSÃ

Clarificada a diferença entre os conceitos de aldeia de xisto e aldeia em xisto,


será mais fácil abordar a história das aldeias da serra da Lousã.
Tal como foi abordado no capítulo anterior, o nosso estudo aponta para um
aparecimento das primeiras aldeias em xisto na época da cultura castreja. Todavia, não
existem documentos que comprovem isso e, por isso, também não temos a certeza de
qual terá sido a primeira aldeia em xisto nem de qual terá sido o ano em que esta surgiu
na serra da Lousã.
Sabemos, no entanto, que, nos seus primórdios, esta serra era um conjunto de
terrenos baldios que serviam como zona de pastoreio - fonte de madeira e fonte de
alimento.
O primeiro registo que encontramos sobre estas aldeias serranas data do século
XV, e é baseado em documentos oficiais, ainda que estes sejam poucos e tenham pouca
clareza.

O documento mais antigo é uma sentença de D. Afonso V, de 1467, que


permite ter conhecimento de que as vertentes Sul, da serra, já eram
povoadas. Existe também, uma multa infligida pela Câmara Municipal
da Lousã, em 1679, devido ao uso ilegal de alguns terrenos baldios e o
registo de propriedades foreiras, mandado fazer por D. Pedro II, em
1687, onde se mencionam os casais existentes na serra. No entanto, as
fontes mais seguras são os registos paroquiais – baptizados, óbitos e
casamentos manuscritos pelos párocos. No período de 1577 a 1652, há
referências à existência dos seguintes lugares serranos: Silveira de Cima
e Silveira de Baixo (1581); Casal Novo (1586); Cerdeira

59
(1586);Talasnal (1589); Candal (1589); Catarredor (1590); Chiqueiro
(1590) e Vaqueirinho (1652)”(MOREIRA, Inês - ALDEIAS DE XISTO
Projecto para reabilitação da aldeia da Cerdeira p.17. [MOREIRA, 2011: 17]

Contudo, alguns residentes mais antigos dizem que a origem destas aldeias
serranas foi ainda antes das datas indicadas porque, com base no conhecimento popular
que foi passando de geração em geração acreditam que foi o

...rei povoador, D. Dinis, quem, ao povoar Portugal, instituiu casais


naquela serra: cada um desses casais viria ou não a prosperar, dando
origem aos lugares ou, pelo contrário, legando só as casas em que
tentou habitar, como umas casas abandonadas se vêem ainda algures.
[MONTEIRO, 1985: 43]

Ainda dentro dos contos populares existe uma segunda teoria que acreditamos
que seja ainda mais improvável, visto que se acredita que “... o célebre D. João
Cáceres, regressado das cruzadas à terra santa e morta sua mulher D. Briolanja,
deixou as galas do mundo e foi viver para um rochedo perto do Catarredor.” [Idem]
Deste modo, e com fundamento nos argumentos mais lógicos aos quais tivemos
acesso, podemos concluir que estas povoações serranas tenham tido origem na época da
cultura castreja, isto porque alguns dos edifícios mais antigos destinados ao gado tinham
forma circular, que poderá ser indicativo de influências desta cultura antiga.
Todavia, estamos de acordo com a teoria de que estas populações sui generis
criaram um método não pensado para edificarem as suas aldeias, adaptando as suas
construções às dificuldades que o terreno lhes impunha e criando estruturas de apoio
entre si para conseguirem ultrapassar os tempos que se revelaram difíceis e impetuosos
para estas populações, até meados do século XX – momento em que se deu uma
segunda vaga de êxodo destes locais e que deixou estas aldeias xistosas ao completo
abandono, deixando esquecido um património que se tem revelado cada vez mais rico
culturalmente e que tem suscitado, cada vez mais, interesse para os turistas que se têm
aventurado pela serra da Lousã.

61
Figura 14 : Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Catarredor

Fonte : Google Imagens (15 – 09 – 2020)

Figura 15 : Fotografia da adaptação das edificações da aldeia do Catarredor à Serra da Lousã

Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020)


CARATERÍSTICAS DAS ALDEIAS EM XISTO
NA SERRA DA LOUSÃ

PLANEAMENTO

As aldeias pertencentes ao distrito de Coimbra e integradas na serra da Lousã,


são aldeias em xisto que apresentam várias semelhanças entre elas, e que nos permitem
facilmente identificar o princípio sobre o qual foram edificadas.
Após a reflexão elaborada nos capítulos anteriores, deduzimos que as aldeias
serranas foram influenciadas pela cultura castreja, em grande parte no que toca à sua
organização.

Segundo Mendes Ribeiro, as feições do casario e as suas relações com o


meio envolvente assemelham-se nitidamente aos antigos castros do
noroeste peninsular - casario discreto, muito concentrado e parecendo
que emerge da terra, confundindo-se com esta. “Arquitectura franca,
rude, expressiva, humilde, sem requintes, essencialmente colectiva, para
não dizer primitiva; é o engenho e a economia dos materiais, o tamanho
dos calhaus, a cor, a textura dos paramentos. Arquitectura que é
tradição directa e inconsciente da cultura de um povo, da vida tal como
se vive. [MOREIRA,2011 :19]

Implantadas num alto montanhoso, caraterizado pela diversidade de fauna e


flora, as aldeias em xisto da serra da Lousã, encontram-se a uma grande altitude e
relativamente próximas de linhas de água. Estas duas caraterísticas são bastante
importantes porque, em primeiro lugar, a altitude proporcionava-lhes uma defesa natural
contra possíveis invasores e segundo a proximidade aos cursos de água possibilitava a
permanência de uma população nessas mesmas aldeias.

63
Figura 16 : Fotografia da relação entre edificados da aldeia do Catarredor

Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020)

Figura 17 : Fotografia do enquadramento da aldeia do Catarredor com a envolvente

Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020)


Numa primeira análise as aldeias não aparentam um planeamento pensado, pois,
as edificações apresentam uma organização um pouco aleatória constituindo assim um
núcleo desequilibrado mas bastante coeso.
Em parte, esta desorganização advém das adversidades proporcionadas pelo
declive da serra da Lousã, que obrigaram a uma adaptação destas edificações ao
território e ao material predominante no local.
Contudo não nos parece correto afirmar que a as aldeias em xisto não seguiram
um plano de edificação, porque, a partir de uma perceção distanciada e a menor escala,
vemos que esta população optou por fazer implantações em locais onde o declive se
revelava menos agreste, com uma boa orientação solar e muito próximas umas às
outras, para que nas zonas com menos sol fosse possível combater um pouco o frio.
Conseguimos perceber ainda que nestas aldeias, em particular no caso do
Catarredor, o edifício central é a igreja que divide a parte a norte da parte a sul, sendo
que a primeira se revela mais coesa, pelas razões anteriormente referidas, e a segunda
mais desafogada e mais dispersa porque está exposta a mais sol.
Percebemos também que as populações que edificaram estas aldeias
priveligiavam a zona da eira 6, sendo este um espaço definido por construções que a
delimitavam claramente. Ainda que seja verdade que as construções surgiam consoante
a necessidade, os princípios acima referidos, não eram quebrados em nenhuma das
aldeias e por isso podemos dizer que estes povos se regiam por um planeamento
bastante básico, mas que cumpria com as necessidades impostas pelo lugar.

EDIFICAÇÕES

As edificações nestas aldeias podem ser divididas em três grupos.


O primeiro, que corresponde à maior percentagem de edificabilidade destas
aldeias, que são as construções destinadas à habitação. O segundo, é destinado a
edificações para guardar animais e alimentos. O terceiro, refere-se a edifícios de
serviço público.No que toca às edificações com caráter habitacional, sabemos que estas
eram feitas integralmente em xisto à exceção do telhado que era suportado por barrotes
de madeira e revestido com telha.

6
A eira é um local público ao ar livre que servia para colocar alimentos como os cereais a secar.

65
Figura 18 : Fotografia de uma habitação com dois pisos da aldeia do Catarredor

Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020)

Figura 19 : Fotografia de uma habitação com um piso da aldeia do Catarredor

Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020)


As primeiras habitações que existiram eram extremamente pequenas e
continham poucas e pequenas aberturas para o exterior, porque, desta forma, evitavam
um rápido arrefecimento da casa.
Eram edificações de apenas dois pisos, sendo que o piso térreo se destinava a
animais, como por exemplo porcos, e o primeiro piso para os residentes. No rés do
chão, o pé direito era bastante reduzido porque os animais que lá eram colocados nunca
eram de grande porte, e o facto deste ser mais baixo, permitia que o calor libertado pelos
mesmos chegasse mais rápido ao piso superior.
O primeiro piso era o local destinado aos residentes, mas este não tinha divisões.
A falta de possibilidades financeiras obrigava a que estes agregados familiares – na
época bastante numerosos – cohabitassem todos no mesmo espaço, onde a lareira era a
única fonte de calor e a cozinha servia de sala, quarto e de instalação sanitária.

Inicialmente as habitações possuíam apenas um piso. Só mais


tarde se começaram a construir com dois cujo acesso ao piso superior
era feito através de uma pequena escada de xisto de inclinação
acentuada e quando o terreno o permitia era feito ao nível do exterior.
Nessa situação, o piso inferior tomava a função de cave. As coberturas,
usualmente de duas águas, eram feitas de madeira de castanho ou pinho,
sendo que, esta era construída em barrotes cobertos por telha. O piso
térreo das habitações era utilizado para dar abrigo aos animais e
guardar artigos da lavoura e estendia-se por norma, para um espaço
exterior que tinha como função a extensão do espaço vital e que
complementava a atividade hortícola. O segundo piso destinava-se à
habitação e era constituído por uma divisão ampla principal (sala
comum) onde se localizava o lume no
chão sobre uma pedra. Este espaço era o centro do convívio,
local de refeições, cozinha e quarto. Considerando o reduzido número de
janelas de dimensões limitadas, a entrada de luz era escassa deixando na
penumbra os seus interiores. [BATISTA , 2015 : 57/58]

67
Figura 20 : Fotografia dos materiais mais utilizados nas edificações da aldeia do Catarredor

Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020)

Figura 21 : Fotografia de uma habitação com dois pisos da aldeia do Catarredor

Fonte : Fotografia de autor (29 – 11 – 2020)


Mais tarde, com o avanço da tecnologia e com o aumento do poder económico
das populações, proporcionado pela primeira vaga emigratória, as habitações das
aldeias, como as do Catarredor, começam a ter divisões e em alguns casos ganham mais
um piso.
A construção continua a ser feita em xisto, a partir dos métodos de construção
adquiridos, ainda que, especificamente no caso em estudo, consigamos distinguir alguns
edifícios por não apresentarem a imagem rústica e da cor da pedra tão caraterística da
zona.
As edificações destinadas aos animais tinham características semelhantes
àquelas destinadas à habitação, à exceção das dimensões mais generosas. Contudo, o
número de edificações destinadas a este uso era bastante reduzido, devido ao pouco
poder económico que estas aldeias tinham e, consequentemente, à necessidade de
distribuição de trabalho pela população, com vista na otimização de tempo e mão de
obra. Deste modo, era escolhido um habitante por aldeia – que ia sendo substituido de
tempos a tempos – para reunir o gado nas edificações acima referidas e ficar
responsável por ele. Assim, tornava-se mais fácil criar o gado e mantê-lo sempre junto,
uma vez que este representava uma grande fatia da economia destas aldeias.
Na aldeia do Catarredor, os currais localizavam-se afastados do resto das
construções porque assim evitavam que os cheiros nauseabundos chegassem ao resto da
aldeia e por outro lado ficavam mais perto das zonas de pasto. Tal como a grande parte
das edificações, os currais eram construídos em xisto em que o telhado também era
suportado por barrotes de madeira
Ainda um terceiro tipo, são os edifícios públicos e de caráter religioso. Estes são
dotados de características muito específicas porque, como já percebemos, a
permanência de aglomerados populacionais na Serra da Lousã, era uma tarefa bastante
difícil dando, por isso, lugar à criação de estratégias que reduzissem as dificuldades
trazidas pelas suas condicionantes
Deste modo, a estratégia aplicada – pelo menos em nove aglomerados xistosos
localizados na envolvente do nosso caso de estudo – consistiu na criação de três grupos
e na construção dos seus respetivos edifícios públicos e religiosos. No caso do
Catarredor, esta parceria foi feita com as aldeias do Vaqueirinho e do Candal.

69
Assim, a aldeia do Catarredor construiu a igreja, que se revela um edifício
dissonante neste aglomerado xistoso, não só porque na sua essência já comporta
características arquitetónicas muito específicas, mas, também, porque está caiada de
branco e localizada numa zona estratégica na aldeia. Nas outras duas aldeias do grupo,
foram construídos alguns pontos de venda de bens e uma escola, sendo que todos os
restantes serviços se encontravam na vila da Lousã

71
CASOS DE ESTUDO
CASOS DE ESTUDO

CASOS DE ESTUDO
CONTEXTUALIZAÇÃO

Ao longo dos capítulos transatos, sentimos a necessidade de nos focarmos


naquilo que é a história das aldeias em xisto, para percebermos quais as condicionantes
que estiveram na base da construção das mesmas. Isto porque, nesta dissertação,
pretendemos propor uma intervenção na aldeia do Catarredor e baseá-la em princípios
contemporâneos.
Para isso, elaboramos uma análise às intervenções que têm ocorrido em casos
semelhantes a este, para percebermos quais os métodos que têm sido utilizados para este
tipo de edificado.
Desta forma, analisamos três aldeias que, apesar de terem bastantes
semelhanças, contêm na sua essência características muito distintas: as aldeias de
Talasnal, Candal e Cerdeira - localizadas na Serra da Lousã. Pretendemos que esta
análise incida, principalmente, sobre a forma, a função e o conceito.
Estas três aldeias estão integradas no programa do roteiro das aldeias de Xisto,
coordenado pelo PAX, e, por isso, pertencem ao património arquitetónico da Vila da
Lousã.
Antes de mais, é importante clarificar três dos conceitos mais relevantes para o
capítulo que se segue: património arquitetónico, arquitetura popular e arquitetura
vernácula. Apesar de serem conceitos, aparentemente, parecidos, diferem em pequenos
pormenores.

o conjunto das estruturas físicas (os edifícios ou estruturas


construídas e seus componentes, os núcleos urbanos e seus componentes,
as paisagens e seus componentes) às quais determinado indivíduo,
comunidade ou organização reconhece, num dado momento histórico,
interesse cultural e ou civilizacional, independentemente da natureza dos
valores em que esse interesse radique, designadamente: valor
arquitectónico (artístico, construtivo, funcional), valor histórico ou
documental, valor simbólico e valor identitário. [BARRANHA, 2016 : 35]

73
Com a clarificação deste conceito, surgem mais dois que lhe estão inerentes, aos
quais damos a nomenclatura de arquitetura popular e arquitetura vernácula.

Arquitetura popular é um conjunto de edificações produzidas pelo povo com o


intuito de criar espaços habitáveis e funcionais desprovidos de grandes planeamentos
arquitetónicos.

… ao conjunto de construções que são fruto da arte de conceber e


produzir espaços habitáveis ou funcionais que é próprio desse grupo
social que chamamos comummente de povo. É a arquitectura do povo
realizada por indivíduos pertencentes ao povo. [Ollero, : 39]

Arquitetura vernácula baseia-se em todos os princípios da arquitetura popular à


exceção de que nesta, existe um respeito pelo lugar. Isto no sentido de que há um
respeito geográfico e material que faz com que se chegue a um produto final que só faz
sentido naquele sítio específico tornando-se impercetível na paisagem.

“O património vernáculo é o meio tradicional e natural pelo qual


as comunidades criam o seu habitat. Resulta de um processo evolutivo
que inclui, necessariamente, alterações e uma adaptação constante em
resposta aos constrangimentos sociais e ambientais.” [ICOMOS 1999]

Feita a distinção entre estes dois conceitos, parece-nos claro, que as aldeias de
xisto ou em xisto, podem ser englobadas na arquitetura vernácula.
Adotamos esta posição porque tal como já referimos anteriormente, esta zona do
centro de Portugal continental tem a pedra xistosa como material mais abundante, tal
como na zona norte temos o granito. Assim sendo, não faria qualquer sentido
estas aldeias em xisto serem integradas na zona norte.7
Posto isto, seguimos para o nosso primeiro caso de estudo, que é a aldeia do
Talasnal e que, na nossa opinião, é uma reabilitação que não cumpre com o que era

7
Com esta posição, não pretendemos afirmar que o xisto não deva ser utilizado no norte de Portugal ou
em qualquer outra zona do país. Apenas pretendemos clarificar que estas aldeias em xisto, têm uma
história que as precede e que por isso mesmo lhes confere uma singularidade ao estarem inseridas nas
zonas onde o xisto é abundante. O mesmo acontece com a cultura castreja no norte do país.

75
Figura 23 : Fotografia da aldeia do Talasnal

Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020)

Figura 24 : Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Talasnal

Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020)


espectável. Tal acontece porque, daquilo que conseguimos apurar, neste tipo de
intervenções, encontramos edifícios que são reabilitados à sua imagem original, ou
edifícios que assumem traços de modernidade claramente definidos e em harmonia com
o existente. No caso de estudo que se segue tal não foi verificado.

ALDEIA DO TALASNAL

A aldeia do Talasnal, está implantada a meia encosta sobre uma linha de festo, e
apresenta-se como a segunda com maior dimensão, das aldeias que constituem a Serra
da Lousã.

No âmbito do Programa Municipal de Reabilitação Urbana


“Lousã Reabilita”, a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal
aprovaram em 01 de fevereiro de 2016 e em 26 de fevereiro de 2016,
respetivamente, a delimitação da Área de Reabilitação Urbana (ARU) da
Aldeia do Talasnal. [Câmara Municipal da Lousã 2018: 2].

A par do nosso caso de estudo, e dos mais variados aglomerados xistosos


localizados na Serra da Lousã, a Aldeia do Talasnal, é constituída por um conjunto de
edificações maioritariamente compostas por pedra xistosa, sendo que, uma grande parte
destas está orientada a sul – ainda que haja uma minoria orientada a norte.
O caminho principal que a percorre, acompanha o declive da encosta e vai-se
ramificando em caminhos mais estreitos e becos, que proporcionam uma complexidade
e densidade de edificado neste aglomerado.
Importante será dizer que, pela sua dimensão ou pelo seu enquadramento, esta é
a aldeia que tem feito mais furor entre os turistas que vistam a Serra da Lousã.

77
Esta é, desde há muito, a aldeia do xisto da Serra da Lousã que tem dado mais
visibilidade e carisma ao conjunto das aldeias da Serra da Lousã. Pela sua dimensão e
disposição, visto de longe, com o Trevim como fundo, o Talasnal é um quadro
fantástico, mas também pelos muitos pormenores das suas casas. [Câmara Municipal da Lousã

2018:p.9]

No que toca à sua história, esta aldeia surge, inicialmente, com o intuito de
abrigar população que estava ligada às atividades da agricultura e da pastorícia e que se
foi formando consoante as necessidades que a população ia sentindo.
Tal como a aldeia do Catarredor, esta tem sofrido várias alterações ao longo dos
séculos nos seus aglomerados. Umas vezes por surgirem novos conhecimentos
arquitetónicos e estruturais - apoiados em algum poder económico - e outras vezes por
necessidade.
Recentemente, esta evolução tem sido fomentada por programas que visam a
reabilitação destas aldeias, tais como o PAX e o PAHP.
Aparentemente, esta, é uma aldeia tal como as outras que observamos, contudo,
a caraterística que a difere é a sua forma. Isto porque, durante uma visita ao local, foi
possível verificar que em algumas construções os princípios estruturais não estavam a
ser cumpridos. Ou seja, a sua forma não foi preservada na íntegra.
Pudemos ver que a parte estrutural de um dos edifícios estava a ser feita em
tijolo e que o xisto servia apenas de acabamento para manter a imagem que lhe é tão
característica.
Neste aspeto, defendemos que para se manterem as caraterísticas de um local,
não é necessariamente obrigatório, reproduzir ou reabilitar um edifício de um modo
exatamente igual àquilo que era antes, até porque, nos dias que correm, as necessidades,
os conhecimentos e os materiais são outros.
É claro que uma reabilitação pode ser feita à imagem que o edifício já teve,
enquanto se atribuem características ao espaço que o tornem habitável. No entanto, para
estes casos, defendemos que devem ser utilizados os mesmos métodos construtivos e
materiais, para que se mantenha a sua essência, na integra.
No caso do Talasnal, deparamo-nos com uma intervenção no património que nos
parece pouco conseguida, no sentido em que apaga uma parte daquilo que é a história
do local.

79
Figura 25 : Fotografia do enquadramento geral da aldeia da Cer deira

Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020)

Figura 26 : Fotografia do enquadramento geral da aldeia da Cerdeira

Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020)


A palavra "Património" está intimamente ligada à palavra herança e deve ser
transmitida às gerações futuras com o intuito de ser preservado e valorizado … [SANTOS,

Luís – 2013: 6]

A utilização do tijolo e o acabamento em xisto retiram a robustez que o sistema


construtivo característico do local proporciona às edificações, e assim, nem é assumida
uma nova intervenção nem é reproduzido um exemplar fidedigno das edificações que
constituem o lugar.

ALDEIA DA CERDEIRA

A aldeia da Cerdeira, é uma aldeia de xisto pertencente à serra da Lousã e,


simultaneamente, à rede de aldeias de xisto.
Está implantada num maciço rochoso bastante íngreme e - tal como o Catarredor
- é atravessada por um eixo principal que se vai ramificando em caminhos mais estreitos
que proporcionam uma grande coesão à aldeia.
O facto desta se revelar tão acidentada, leva a que as edificações estejam
implantadas aleatoriamente ao longo do eixo principal. Contudo, estas foram
implantadas segundo um pensamento lógico, de forma a obter a maior exposição solar e
vencer o declive que a aldeia impunha a nível de acessibilidades.
Neste caso, e ao contrário do nosso caso de estudo, o eixo principal não termina
num espaço público como a eira. Finda num espaço igualmente relevante que é a ribeira
da Cerdeira, que tal como já referimos, é um elemento fundamental para estas aldeias.
Esta simbiose quase perfeita entre aquilo que é a construção humana e o meio ambiente,
desperta em quem a visita uma relação muito próxima à natureza e, assim, facilmente
reconhecida entre as outras aldeias da rede de aldeias de xisto.
Cremos, então, que terá sido a partir de uma observação muito idêntica a esta
que a intervenção foi pensada para este local, visto que o conceito de intervenção aqui
utilizado veio enaltecer as caraterísticas que a aldeia já tinha.
A aldeia da Cerdeira foi pensada para se recuperarem todos os edifícios à
imagem daquilo que teriam sido anteriormente mas com uma exceção. Exceção essa
que faz com que atualmente esteja sempre cheia de turistas.

81
Figura 27 : Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Candal

Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020)

Figura 28 : Fotografia do enquadramento geral da aldeia do Candal

Fonte : Google Imagens (01 – 12 – 2020)


A aldeia foi desenvolvida de forma a satisfazer as necessidades dos seus
ocupantes e foi pensada para que a maior parte dos seus utilizadores fossem pessoas
ligadas às artes, resultando numa aldeia que serve como um retiro inspiracional.

ALDEIA DO CANDAL

Na aldeia do Candal, como já nos habituamos a ver nos exemplos previamente


analisados, voltamos a observar a implantação da aldeia num local acentuado e, por
isso, a sua configuração é, novamente, pensada para vencer o desnível. Esta
configuração permite-lhe ter um enquadramento único com a paisagem, revelando-se
quase como um conjunto de pedra xistosa que se vai dissolvendo na paisagem que a
envolve. O caminho principal que a atravessa finda na estrada nacional - que se
apresenta como o único acesso rodoviário de acesso à aldeia do Candal. Este fator, faz
com que a visibilidade desta aldeia seja superior às demais por estar junto da estrada e,
deste modo, consegue ter uma afluência elevada de turistas que por lá passam.
Em meados do século XIX, ano em que as aldeias de xisto estavam em alta, o
Candal era uma das três aldeias que pertencia à triangulação que envolve a aldeia do
Catarredor. Como já foi referido, esta triangulação existia para que as aldeias se
ajudassem mutuamente, por um lado para evitar gastos desnecessários como construção
de escolas em todas as aldeias e por outro para dividirem bens, aumentando a
quantidade de produtos agrícolas e pastoris que representavam a maior fatia da
economia destas aldeias.
Nos dias que correm, e com a mudança do paradigma de utilização destas
aldeias, a aldeia do Candal evoluiu e adaptou-se de modo a tirar o máximo partido
daquela que é a maior parte do contributo económico que as aldeias da serra da Lousã
têm recebido ultimamente, o turismo. Desta forma, houve uma procura pela recuperação
da aldeia para a imagem que tinha nos seus, atribuindo-lhe características mínimas de
habitabilidade, procurando assim popular a aldeia com o máximo número de turistas
que pretendo experienciar a vivência da aldeia tal como era em anos transatos.

83
PROJETO DE INTERVENÇÃO NA ALDEIA DO CATARREDOR

Como introdução à intervenção que propomos, recordamos que esta se foca na


Serra da Lousã que, para além da sua beleza natural, contém, em toda a sua extensão,
uma grande quantidade de aldeias em xisto.
Das várias hipóteses que existem em todo o território, decidimos escolher a
aldeia do Catarredor enquanto objeto a ser intervencionado.
Esta aldeia está implantada a cerca de 670 m de altitude nesta serra e encontra-se
a uma distância de 2,4 km da aldeia do Vaqueirinho e a 5,4 km da aldeia do Candal.
Implantada a meia encosta e afastada da estrada nacional, a aldeia do Catarredor
apresenta-se coesa e com um forte traço de unidade onde os habitantes fazem serventia
daquilo que a serra da Lousã lhes proporciona: desde o uso das zonas de pastoreio, à
recolha de materiais e alimentos provenientes da natureza.
Distanciada a 15 km da vila da Lousã, a aldeia do Catarredor é servida, apenas,
por um acesso automóvel que é a ligação entre todas as outras aldeias na sua
envolvente. Para além deste, encontram-se ainda vários acessos pedonais serranos que
existem há vários anos e que ligam as aldeias mais próximas, nomeadamente, a aldeia
do Vaqueirinho e do Candal. Contudo, estes trilhos encontram-se em mau estado,
dificultando o seu uso confortável.
Importante será referir que, em determinada altura na cronologia histórica, estes
acessos eram os melhores que existiam, pois estas populações eram pobres e estes
acessos eram uma espécie de desenrasque que servia as aldeias.
Hoje em dia, com o avanço das tecnologias e com a mudança do paradigma
sociológico, estes acessos serranos tornaram-se obsoletos para a maioria das pessoas,
pois, se não for num contexto desportivo ou de caminhada, não são usados com
frequência.
Em conformidade com o contexto histórico estudado nos capítulos transatos, a
aldeia do Catarredor foi, primeiramente, ocupada por habitantes que estavam
diretamente relacionados com atividades agrícolas e de pastoreio, que foram adaptando
a aldeia às suas necessidades.
Estas populações, subsistiam, em grande parte, daquilo que a terra lhes
proporcionava e, por isso, elementos como cursos de água naturais ou frutos que a

85
Figura 30 : Esquisso dos alçados das habitações Figura 31 : Esquisso dos alçados das habitações
da aldeia do Catarredor da aldeia do Catarredor

Fonte : Imagem de autor (30 – 11 - 2019) Fonte : Imagem de autor (30 – 11 - 2019)
diversidade da flora da Serra da Lousã lhes proporcionava, revelavam-se elementos
fundamentais para a sua sobrevivência.
Com a abundância de recursos naturais, tais como o xisto ou a madeira, os povos
serranos construíam os seus abrigos com recurso aos mesmos, isto porque, assim,
evitavam custos e uma vez que o acesso a estes locais era bastante difícil, necessitavam
de materiais locais para que as construções não fossem demoradas.
Relembramos, também, que as primeiras edificações eram de dimensões
reduzidas nas quais haviam poucas e pequenas aberturas para evitar perdas de calor e
não existiam divisões entre os espaços.
Com o conhecimento empírico que os povos serranos adquiriram, moldaram a
aldeia do Catarredor em duas zonas bastante distintas.
O acesso principal que liga a igreja até ao final da aldeia – rematada pela eira – é
pertencente à zona norte, onde as habitações tentam retirar o maior partido da exposição
solar e, paralelamente, tentam criar uma coesão entre si, evitando que os ventos gélidos
que assolam a serra penetrem nestas edificações. Desta forma, vemos esta zona da
aldeia ganhar uma robustez que se vai dissolvendo ao longo da serra, na direção mais a
sul.
É nesta zona que encontramos uma segunda parte da aldeia, esta com algumas
diferenças da primeira. Nesta zona a sul, ainda que possamos ver um eixo mais
marcante que os outros, não o podemos considerar como um eixo formador. Isto
porque, neste local, as habitações encontram-se mais dispersas, tirando o máximo
proveito da exposição solar. Esta disposição, apesar de ser pensada para tirar o máximo
proveito das condições climatéricas, faz com que se perca a leitura de coesão que é
caraterística destes aglomerados xistosos.
Tal como as várias aldeias que integram a serra da Lousã, a aldeia do Catarredor
apresenta um modelo de edificado transversal em toda a sua extensão, passível de ser
classificado como arquitetura popular e vernacular. A qualidade que estas edificações
apresentam e o contexto em que foram construídas, representam dois dos argumentos
para a sua valorização e preservação.
Segundo o Sr. José, diretor da associação do Catarredor e neto de um dos
habitantes da aldeia, as primeiras habitações eram em xisto, constituídas por um ou dois
pisos sendo que nas habitações de dois pisos um deles era dedicado a animais.

87
Deste modo, as habitações com dois pisos tinham um acesso exterior ao piso
térreo e um acesso feito por ecadas em xisto travadas por barrotes de madeira que
acedia a uma varanda/alpendre no segundo piso.
O facto de terem animais no piso inferior proporcionava um aquecimento natural
proveniente dos animais. As dimensões reduzidas destas edifícações também se
refletiam no pé direito. O aquecimento era feito por uma pequena “lareira” existente na
cozinha, mas o calor dicipava-se pelas pequenas aberturas existentes na cobertura
cosntituída por telhas. O espaço da cozinha servia, ainda, como quarto e casa de banho,
devido à falta de dinheiro para fazerem mais divisões.
Posteriormente, com o aumento da população da aldeia do Catarredor e,
consequentemente, com a melhoria da economia local, tornou-se possível a edificação
de habitações com três pisos e a criação de várias divisões nas mesmas, como por
exemplo quartos. Contudo, o modelo mais recorrente na aldeia não deixa de ser a
edificação de dois pisos.
No seu exterior, as construções apresentam um aspecto rude, proporcionado pela
pedra xistosa e na sua constituição sem grande imaginação. Os seus vãos eram
pequenos para evitar as perdas de calor e, também, por ser um aspeto construtivo caro.

CONCEITO/ IDEIA FORMANTE

Ao longo do percurso académico, foram várias as discussões sobre a utilização


de um conceito ou de uma ideia formante para o desenvolvimento projetual, sendo que
se identificam duas posições quanto ao assunto.

A primeira, afirma que o conceito e a ideia formante são a mesma coisa e, por
isso, devemos optar por um conjunto de premissas que devem estar inerentes a cada
projeto, baseando as opções de projeto nelas até chegarmos a um resultado final.

A segunda, defende que devemos, de facto, encontrar um conceito de


intervenção, que será o motor para o surgimento de uma ideia base que, por sua vez, irá
funcionar como um fio condutor ao longo de cada projeto e assim justificar cada opção
tomada até ao resultado final.
89
Figura 32 : Esquema da ideia
geral de intervenção

Fonte : Imagem de autor

(19 – 03 - 2020)

Figura 33 : Esquema da ideia


geral de intervenção

Fonte : Imagem de autor

(19 – 03 - 2020)
No caso desta dissertação, optamos pela segunda ideologia, onde definimos que o
conceito para este projeto seria a recuperação da memória.

Mas como poderíamos traduzir este raciocínio em projeto? Esta questão levou-
nos a uma discussão que se mantém bastante atual e que, nos dias que correm, está
longe de chegar a um consenso.

Ao longo da história, vimos surgir vários movimentos arquitetónicos, umas


vezes por força política, outras vezes por descoberta de novos materiais e sistemas
construtivos ou então simplesmente porque havia a necessidade de rotura dos
paradigmas sociais.

É, assim, tomada a decisão de que iríamos intervir no património da Serra da


Lousã, assumindo claramente a nossa posição arquitetónica, deixando claros os traços
modernos da intervenção sem que houvesse uma alteração daquilo que é a essência da
aldeia.

Isto levou-nos até à ideia formante deste projeto, para a qual decidimos resgatar
as principais caraterísticas das aldeias de xisto e traduzi-las em projeto. Este raciocínio,
fez com que determinássemos que a aldeia, enquanto elemento integrante da Serra da
Lousã, ganhasse o destaque que outrora teve para as populações que nela habitavam e
procuramos retirar o máximo partido daquilo que é a envolvente desta serra.

Para isso, decidimos repropor a ligação que outrora existiu entre as aldeias do
Catarredor, Candal e Vaqueirinho para que estas servissem como âncora entre si.

Assim sendo, a ideia passaria por definir a aldeia do Vaqueirinho como “aldeia
de trabalho” onde a população ativa destes aglomerados xistosos poderia continuar a
desenvolver as atividades que caraterizam estes lugares.

A aldeia do Candal como “aldeia museu” porque tem sido alvo de intervenções
de restauro, cujo objetivo é procurar a forma original desta aldeia e torná-la acessível a
turistas que queiram viver a experiência de habitar num lugar serrano.

E, por fim, a aldeia do Catarredor, seria a “aldeia contemporânea”, sendo que o


objetivo seria reabilitá-la com princípios contemporâneos, em que as ligações às outras
aldeias seriam tratadas para promover os desportos que têm surgido cada vez com mais
relevância no local e proporcionar um roteiro para os visitantes tirarem o máximo de
partido da paisagem envolvente.
91
Figura 34 : Desenho da intervenção geral na aldeia do Catarredor

Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020)

Figura 35 : Desenho das funções gerais na aldeia do Catarredor

Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020)


Estes roteiros teriam como ponto final aldeia do Catarredor, onde seriam
propostos vários serviços para os visitantes nos quais eles pudessem vivenciar o
quotidiano da aldeia, a sua história, a modernidade emergente sem que nunca perdessem
o sentimento de estarem fora de casa.

PROJETO GERAL DE INTERVENÇÃO

No plano geral de intervenção, e de acordo com o conceito e ideia formante


anteriormente expostos, pretende-se, inicialmente, colmatar algumas lacunas que a zona
mais a sul da aldeia do Catarredor apresenta.

Deste modo, pretendemos propor alguns edifícios para que a imagem da aldeia
seja lida como um todo, uma vez que acreditamos que a coesão que está visível em
grande parte das aldeias pertencentes à Serra da Lousã, é uma das caraterísticas a
recuperar.

Com isto, pretendemos que seja definido um eixo principal, claramente


percetível, que possa interligar a zona sul com o resto da aldeia, uma vez que esta nos
parece um pouco desfasada da zona norte.

Pretendemos recuperar as diversas edificações que se encontram abandonadas,


de forma a que lhes possamos dar um novo uso. Para além destas, pretendemos também
recuperar as ruínas propondo novos edifícios, nos quais iremos aplicar aspetos de
modernidade, respeitando, sempre, as caraterísticas gerais da aldeia, como por exemplo
o número de pisos mais corrente nos edifícios, a sua forma e até mesmo o os ritmos
impostos pela aldeia.

Deste modo, propusemos um programa geral para a aldeia do Catarredor que


contém um conjunto de habitações que iremos manter, um conjunto de habitações que
iremos reabilitar, um conjunto de habitações que iremos propor, um bar, um restaurante,
um edifício onde se irão desempenhar as funções de gestão da aldeia, um pequeno
museu e um mercado.

93
Figura 36 : Desenho do plano de pormenor da aldeia do Catarredor

Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020)

Figura 37 : Desenho da habitação tipo da aldeia do Catarredor

Fonte : Imagem de autor (15 – 05 - 2020)


Propusemos também um acesso externo à aldeia, para que esta seja acessível a pessoas
com mobilidade reduzida possibilitando a vivência desta experiência a toda a
população.

Como já foi anteriormente referido, propusemos a reabilitação dos trilhos que


fazem a ligação entre a aldeia do Catarredor e as aldeias do Candal e do Vaqueirinho.
Neste seguimento desenhamos, também, um passadiço, que a par destes trilhos faz a
ligação com as aldeias anteriormente referidas, de forma a separar os desportistas que
maioritariamente utilizarão os trilhos, do resto dos visitantes que utilizarão os
passadiços como objeto para a contemplação da paisagem envolvente.

PLANO DE PORMENOR

Dada a extensão e a complexidade da intervenção na aldeia do Catarredor,


definimos um plano de pormenor, que será representativo de toda a intervenção.
Este plano de pormenor será na zona mais a norte da aldeia que, tal como já foi
referido, está claramente definida por um eixo principal que liga a igreja até à eira.
Posto isto, no que toca aos acessos a esta zona, é possível visualizar um
passadiço externo à aldeia, que se inicia na zona de chegada à aldeia e que vai
acompanhando a topografia da serra, permitindo vencer o desnível que existe entre a
cota de chegada à aldeia e a zona da eira. Este passadiço estende-se para além da eira e
serve de elemento de ligação entre o Catarredor e as outras aldeias.
O pavimento existente no interior da aldeia é em xisto e, por uma questão de
praticabilidade, pretendemos substituí-lo por outro, também em xisto, mas que seja
mais rugoso. Isto porque, o pavimento existente apresenta uma superfície demasiado
polida, que faz com que torne o piso bastante escorregadio quando molhado.
Propusemos um novo desenho para a zona da eira com o objetivo de manter a
continuidade de espaço de utilização pública, onde os utilizadores da aldeia se possam
reunir e socializar, à imagem do que acontecia quando esta tinha a sua primeira
função. Com este desenho, transformamos a eira numa praça, onde implantamos o bar,
no lugar de um pequeno anexo que já existia que, por sua vez, confronta outro edifício,
no qual propusemos um restaurante.

95
Figura 38 : Corte longitudinal da
habitação tipo

Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020)

Figura 39 : Corte transversal da


habitação tipo

Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020)

Figura 40 : Esquisso do plano de


pormenor da aldeia do Catarredor

Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020)


Estes dois edifícios vêm apoiar a praça e dar-lhe mais utilização, uma vez que só por
si, são dois edifícios que atraem a população.
Ao longo do eixo principal deparamo-nos com várias ruínas, sendo que
propusemos uma recuperação das mesmas, que pretende manter a sua estrutura
original. Uma vez que as fundações se encontram em bom estado, proceder-se-á a um
reaproveitamento destas assim como das paredes exteriores. As ruínas que referimos
anteriormente correspondem aos edifícios com mais anos de existência e mais história
da aldeia do Catarredor. Afirmámo-lo com base na
forma como se apresentam e no estudo já feito. Apresentam dimensões bastante
reduzidas, sem vestígios de divisões existentes, com vãos pequenos e muito similares
umas às outras.
Sendo as ruínas um aglomerado tão caracterizador desta aldeia, decidimos focar-
nos nelas e, por isso, propor habitações que serão o exemplo de intervenção para o
resto da aldeia.
Como já foi referido anteriormente, o objetivo passa por manter as fundações e
aquilo que existia de paredes exteriores. Contudo, as paredes não estão preservadas,
bem como as coberturas e, desse modo, propusemos completá-las através da utilização
de materiais contemporâneos, claramente assumidos na intervenção.
Dada a robustez que o xisto das paredes das habitações impõe, decidimos utilizar
o betão como material de estrutura com um acabamento em capoto. Esta atitude
justifica-se pelo aspeto visual que nos permite distinguir claramente a história e a
atualidade, aquilo que já existia e aquilo que foi proposto, mas, ao mesmo tempo,
sentir que a robustez ainda se mantém.
Propusemos a abertura de alguns vãos com uma dimensão maior, mas
mantivemos o ritmo imposto pela rua. Nas habitações com dois pisos, propusemos a
abertura de um envidraçado com uma boa dimensão, que nos remete para o alpendre
que é característico nas várias casas da aldeia.
No que diz respeito a espaços interiores, decidimos projetar um espaço social
sem divisões visto que, tal como vimos anteriormente, as primeiras habitações quase
não tinham divisões e, por isso, faz todo o sentido que o interior fosse de encontro a
esse pressuposto.
Essa perceção de ausência de divisões é intensificada nas habitações de dois
pisos porque o seu segundo piso funciona como mezzanino que assegura a questão da

97
Figura 41 : Proposta de interiores da habitação tipo Figura 42 : Proposta de interiores da habitação tipo

Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020)

Figura 43 : Proposta de interiores da habitação tipo Figura 44 : Proposta de interiores da habitação tipo

Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020) Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020)

Figura 45 : Proposta de interiores da habitação tipo

Fonte : Imagem de autor (23 – 06 - 2020)


preservação da privacidade, contudo, ao mesmo tempo, não impõe uma barreira física
com o resto da habitação.
Ainda, no que toca ao interior das habitações, decidimos manter as paredes com
o acabamento em xisto e o chão em madeira tal como nas habitações originais.

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CONCLUSÃO

Ao longo desta dissertação, procuramos demonstrar que as aldeias em xisto


formam uma parte integrante da história nacional e que tiveram uma grande influência
no desenvolvimento de um local que contempla uma beleza extraordinária.
A aldeia do Catarredor foi parte integrante dessa mesma história sendo que ao
longo dos anos, quer seja pela dificuldade dos tempos, pela falta de conhecimento
arquitetónico, pela evolução dos meios urbanos ou por opções políticas, chegou até à
atualidade como uma aldeia bastante degradada e descaracterizada.
A sua descaraterização contribuiu para a perda da história destas aldeias da Serra
da Lousã. Contudo, pretendemos agora recuperá-la de forma consciente para que volte a
ganhar a força e a importância que lhe é devida.
Certo será dizer que a procura por estes locais deve-se a uma vontade recente de
experienciar o turismo rural. Todavia, sabemos que esta procura irá findar e que poderia
levar a que estas aldeias caíssem de novo no esquecimento.
Desse modo, toda a intervenção foi pensada para que esta aldeia fosse auto
sustentável e que proporcionasse uma dinâmica funcional para o resto dos aglomerados
xistosos de forma a perceber que estas aldeias funcionam como um todo.
Gostaríamos ainda de ressalvar que, no que toca à nossa intervenção,
valorizamos a parte de história relativa à aldeia do Catarredor, na qual nos apoiamos
através de conceitos contemporâneos que mais tarde poderão caraterizar aquilo que foi o
nosso papel enquanto arquitetos.
De todo modo, finalizamos este trabalho, com o que Aldo Van Eyck sintetiza:

...noção corrente de espaço e tempo deveria ser substituído pelo conceito mais
vital de lugar e ocasião [TÁVORA, Fernando – 2006: 58]

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BIBLIOGRAFIA

BATISTA, Joana 2015 - O espaço rural - As aldeias do xisto da serra da Lousã - Dissertação para a
obtenção do grau de mestre em Design de Interiores

BARRANHA, Helena 2016 – Património Cultural – Conceitos e critérios fundamentais

Câmara Municipal da Lousã – 2018 – Estratégia de Reabilitação Urbana – Projeto de operação de


Reabilitação Urbana Simples – Aldeia do Talasnal

CAMÕES, Luís de; Lusíadas, Canto III, 12ª edição, Circulo de Leitores – Lisboa

CARLOS A. Brochado de Almeida – castro de São Lourenço Vila Chã, 2006

ICOMOS 1999 - CARTA SOBRE O PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO VERNÁCULO

MONTEIRO, Paulo 1985 - terra que já foi terra

MOREIRA, Inês 2011- Aldeias de Xisto - Projecto para reabilitação da aldeia da Cerdeira - Dissertação
de Mestrado Integrado em Arquitectura

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RIBEIRO, Orlando; “A Formação de Portugal”, 1987

SANTOS, Luís 2013 – Reabilitação do Património Rural – O caso de Quintandona, Penafiel

TÁVORA, Fernando 2006 – Da organização do espaço


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WEBGRAFIA

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SARAIVA, José Hermano, “As Origens” e “Os Primeiros Passos de Portugal”, in História Essencial de
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APÊNDICES

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