Caracterização Anatômica, Química e Antibacteriana de Folhas de Brunfelsia Uniflora (Manacá) Presentes Na Mata Atlântica
Caracterização Anatômica, Química e Antibacteriana de Folhas de Brunfelsia Uniflora (Manacá) Presentes Na Mata Atlântica
Caracterização Anatômica, Química e Antibacteriana de Folhas de Brunfelsia Uniflora (Manacá) Presentes Na Mata Atlântica
Keywords: Brunfelsia uniflora, Solanaceae, leaf anatomy, medicinal plant, chemical analysis.
circundando o feixe vascular. Os feixes eram bicolaterais observados picos representativos de substâncias menos
(Figura 1A-D). Havia grande quantidade de estômatos na polares e com espectros no UV similares e indicativos da
epiderme abaxial (Figura 1A-C), sendo predominantes presença de sistema de ligações duplas (provavelmente
os do tipo paracítico ou rubiáceo Na epiderme adaxial, um sistema triênico) conjugadas nessas substâncias. Na
ocorrem poucos estômatos distribuídos de forma região compreendida entre 8 e 14 min eluiram várias
aleatória (Figura 1A-C). substâncias com polaridade intermediária. Os espectros
De acordo com Metcalfe & Chalk (1957), no UV obtidos para os 8 picos mais intensos indicam
folhas anfistomáticas são comuns em Solanaceae, a ocorrência de pelo menos três classes de substâncias
embora Cosa de Gastiazoro (1991), tenha descrito folhas (1 e 4, 2 e 3, 5 a 8) nessa região do cromatograma.
hipoestomáticas em algumas espécies da família. Em Para obtenção de informação qualitativa mais robusta,
B. uniflora os estômatos são abundantes na epiderme prevê-se o fracionamento do extrato em cinco grupos
abaxial e raros e esparsos na epiderme adaxial. Em de substâncias de polaridades diferentes, seguida da
Petunia sp (Solanaceae) as folhas são anfistomáticas aquisição de dados de RMN de 1H pelo menos. Mesmo
e os tricomas presentes são uniseriados, enquanto no assim, considerando espectros no UV dos metabólitos
manacá, os tricomas que foram raramente encontrados, secundários já isolados de espécies de Brunfelsia, foi
estavam na epiderme abaxial. possível inferir a ocorrência de derivados de ácido
Mccauley & Evert (1988), estudando folhas de cafeico, como por exemplo, o ácido clorogênico, por
Solanum tuberosum L. cv. Russet Burbank, observou possuirem espectros no UV semelhantes aquele obtido
que o mesofilo possui parênquima paliçádico com 1-2 para o pico 1 (λmax em 300 e 325 nm) coumarinas (pico
camadas de células e parênquima e lacunoso com 3-4 4, λmax 330 nm). Para os demais picos cromatográficos
camadas de células, bem como a presença de tricomas nas ainda não foi possível propor nenhuma identidade.
superfícies adaxial e abaxial e feixes bicolaterais, além Friedman (1992), observou ácido clorogênico em batatas
de estômatos do tipo ranunculáceos ou anomocíticos. processadas a fresco, através de espectrofotometria
por ultravioleta. Com relação aos alcalóides, Gellert
Microscopia eletrônica de varredura et al. (1978), observaram a presença de alcalóides
em Brunfelsia hopeana; neste trabalho como não
Na epiderme adaxial foram observados foi realizado procedimento de extração, tratamento
depósitos de cera epicuticular, distribuídos em vários da amostra e análise cromatográfica em condições
mosaicos de padrão estriado, visualizando uma específica para esse grupo de substâncias, nada pode ser
ornamentação característica (Figura 2A); na epiderme concluído sobre sua presença ou ausência nessa amostra.
abaxial, tricomas do tipo peltado, sendo que a cabeça Mors & Robeiro (1957), realizaram estudos,
da glândula era constituída por oito células secretoras evidenciando que a maioria das espécies do gênero
(Figura 2D). Havia também estômatos paracíticos, onde Brunfelsia, possui alguns grupos de alcalóides, como
as células anexas são paralelas ao eixo do estômato a escopoletina (6-metoxi-7-hidroxicoumarina), que
(Figura 2C). As células epidérmicas mostraram-se com também já foi encontrado em outras famílias (Carvalho
contorno sinuoso (Figura 2C). Mccauley & Evert (1988) et al., 2006; Pinto et al., 2008; Razavi et al., 2008).
realizaram estudos sobre a anatomia foliar de Solanum Wollenweber & Dorr (1995) verificaram
tuberosum (Solanaceae) e verificaram que o contorno a presença de diferentes grupos de flavonóides em
das células epidérmicas era sinuoso, assim como foi Browallia grandiflora, Chamaesaracha sordida,
verificado em Brunfelsia uniflora. Nicotiana tabacum, Petunia surfina e Salpiglossis
sinuata, todas espécies da família Solanaceae. Este
Análise química estudo, portanto, serve de base para que a presença de
flavonóides em B. uniflora seja testada, visto que esse
O extrato etanólico de folhas de Brunfelsia, é um grupo frequentemente encontrado em espécies da
após tratamento preliminar por extração em fase sólida família.
(EFS-C18) para eliminação de interferentes lipofílicos, Do ponto de vista farmacológico, alguns
foi analisado por CLAE-DAD, munido de coluna de flavonóides possuem propriedades interessantes,
fase reversa C18. O objetivo desta análise foi avaliar como benefícios para a permeabilidade dos capilares.
a complexidade do perfil químico deste extrato e obter Além do mais, flavonóides tem demonstrado possuir
informações preliminares sobre classes de substâncias atividade diurética, hepatoprotetora, antiinflamatória,
presentes, através dos espectros no UV obtidos para os anti-radicais livres e até mesmo propriedades
principais picos cromatográficos. Os cromatogramas antibacterianas (Bruneton, 1983, apud Brunner,
obtidos para o extrato de manacá, registrados em 2000). Brunner et al. (2000), determinaram a estrutura
254 e 270 nm (Figura 3), apresentam picos intensos química de um flavonóides isolado de Brunfelsia
no início do cromatograma (2-4 min). Os espectros grandiflora, sugerindo assim, que um dos possíveis
no UV destes picos não puderam ser analisados. Na compostos químicos de B. uniflora possa ser do grupo
região compreendida entre 19 a 23 min (figura 4) foram dos flavonóides. Levantamento bibliográfico através
Rev. Bras. Farmacogn.
Braz J. Pharmacogn.
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Maria Bernadete Gonçalves Martins, Rebeca de René Graf, Alberto J. Cavalheiro, Selma D. Rodrigues
do SciFinder indicou a existência de vários estudos possuem diferentes grupos de flavonóides. Mais uma
fitoquímcos de espécies de Brunfelsia. As principais vez, um trabalho sugere que a presença de flavonóides
classes de metabólitos secundários descritas para deva ser testada para Brunfelsia uniflora, em vista à
essas espécies vegetais incluem saponinas esteroidais, grande ocorrência deste grupo químico em espécies da
ácidos graxos ciclopropenóides, alcalóides, coumarinas família Solanaceae.
e ácido clorogênico. Silva et al. (2003), realizaram
estudos e observaram a ocorrência de flavonas, Diafanização
flavonóis e glicosídeos em espécies do gênero Solanum,
evidenciando que diferentes espécies deste gênero O padrão de venação de B. uniflora é do tipo pinado
Parâmetro Condição
Coluna Supelcosil, C-18 µm, 250 x 4,6 mm
Fase móvel Gradiente Linear
A (Tampão Fosfato) 5 -100% de B (30 min)
B (ACN - acetato de nitrila) 100% de B (30 min)
5% de B (30 min) T = 63 min
Tempo de equilíbrio (min) 15
Fluxo (mL/min) 1
λ (nm) 254
Volume de injeção (µl) 20
Figura 1. Corte transversal da folha de Brunfelsia uniflora (Solanaceae). A - Detalhe da folha na região da nervura central. B
- Detalhe do parênquima paliçádico com drusas. C - Detalhe do limbo foliar com grande quantidade de estômatos na epiderme
abaxial. D - Detalhe da nervura central da folha. E = epiderme; f.v.b = feixe vascular bicolateral; f.e = fibras de esclerênquima;
d = drusas; c.a = colênquima anelar; * = camada subestomática.
Figura 2. Micrografia eletrônica de varredura. A - Superfície adaxial da folha evidenciando cera epicuticular ornamental
(mosaicos). B - Detalhe da nervura principal da folha na superfície abaxial. C - Superfície abaxial da folha. D - Superfície
abaxial da folha mostrando a presença de vários tricomas peltados. C.E = cera epicuticular; T.C = Tricoma capitado; E =
Estômato; T.P = Tricoma peltado.
Figura 5. Expansão do cromatograma do extrato bruto de folhas de Brunfelsia. Abaixo os espectros no UV dos picos 1 a 8, na
região de 220 a 400 nm.
albicans (formação de alos de 13 mm). Isso pode mosaicos de padrão estriado, caracterizando uma
sugerir que Brunfelsia uniflora possa ser, em estudos ornamentação; propõe-se a ocorrência de derivados do
posteriores, testada com diferentes espécies de bactérias ácido cafeico, como por exemplo do ácido clorogênico
e leveduras, por exemplo, C. albicans. através da análise de extratos foliares por cromatografia;
Também é importante ressaltar que a extração não foi verificada atividade antibacteriana dos extratos
de substâncias capazes de apresentar alguma atividade foliares para Escherichia coli, nem para Staphylococcus
fica sujeita a variação em função do solvente utilizado aureus, nas concentrações e nas cepas utilizadas.
durante a extração. Sendo assim, neste estudo, B.
uniflora não apresentou atividade inibitória para E coli REFERÊNCIAS
e S. aureus. Entretanto, a mesma planta ainda pode ser
testada para as mesmas bactérias, porém com uso de Agra MF, França PF, Barbosa-Filho JM 2007. Synopsis of
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cromatográficos e microbiológicos do extrato foliar
Farmacogn 17: 141-148.
de Brunfelsia uniflora, pode-se concluir que: O Barbosa-Filho JM, Alencar AA, Nunes XP, Tomaz ACA,
parênquima paliçádico, apresenta-se com 1-2 camadas Sena-Filho JG, Athayde-Filho PF, Silva MS, Souza
de células e o parênquima lacunoso com 5-6 camadas de MFV, da-Cunha EVL 2008. Sources of alpha-, beta-
células; há grande quantidade de drusas no parênquima , gamma-, delta- and epsilon-carotenes: A twentieth
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por fibras de esclerênquima; a folha é anfiestomática, Bettina MR, Pereira EFR, Gonçalves LC, Pereira NA 1991.
com predominância de estômatos paracíticos na Pharmacological screening of plants recommended
epiderme abaxial; presença de tricomas do tipo peltado by folk medicine as anti-snake venom. I. analgesic
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na epiderme abaxial, sendo que a cabeça da glândula
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é constituída por oito células secretoras; na epiderme Biavatti M, Marensi V, Leite SN, Reis A 2007.
adaxial, há depósitos de cera epicuticular, formando Ethnopharmacognostic survey on botanical
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