Caracterização Anatômica, Química e Antibacteriana de Folhas de Brunfelsia Uniflora (Manacá) Presentes Na Mata Atlântica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 9

Revista Brasileira de Farmacognosia

Brazilian Journal of Pharmacognosy


19(1A): 106-114, Jan./Mar. 2009 Received 6 January 2009; Accepted 6 March 2009

Caracterização anatômica, química e antibacteriana de folhas de


Brunfelsia uniflora (manacá) presentes na Mata Atlântica
Artigo

Maria Bernadete Gonçalves Martins,*,1 Rebeca de René Graf,1 Alberto J. Cavalheiro,2


Selma D. Rodrigues1
1
Universidade Estadual Paulista, Campus do Litoral Paulista, Unidade São Vicente, Praça Infante Dom
Henrique s/n, Parque Bitaru, 11330-900 São Vicente-SP, Brasil,
2
Universidade Estadual Paulista, Instituto de Química, Depto. de Química Orgânica, Campus de Araraquara,
Rua Francisco Degni, s/n, Bairro Quitandinha, 14800-900 Araraquara-SP, Brasil

RESUMO: Brunfelsia uniflora é uma espécie pertencente à família Solanaceae conhecida


popularmente como manacá e empregada em medicina popular, suas folhas são empregadas
contra artrite, reumatismo, sífilis, picadas de cobra, febre amarela, e ainda como diurética e
antitérmica. Objetivou-se realizar um estudo anatômico foliar, através de microscopia de luz e de
eletrônica de varredura, bem como análises químicas do extrato foliar através de cromatografia e
testes microbiológicos com os extratos foliares para atividade antibacteriana frente a Escherichia
coli e Staphylococcus aureus. O material biológico foi coletado em área de Mata Atlântica, nas
proximidades da cidade de São Vicente - SP. O estudo da anatomia foliar de Brunfelsia uniflora,
evidenciou parênquima paliçádico com duas camadas celulares e o parênquima lacunoso com
seis camadas de células; foi observada grande quantidade de drusas no parênquima clorofiliano
e predominância de esclerênquima na região da nervura central da folha. A epiderme abaxial
apresentou grande quantidade de estômatos, sendo estes quase que ausentes na epiderme adaxial.
Estudos através de microscopia eletrônica de varredura permitiram evidenciar uma camada de
cera epicuticular ornamental bem característica na epiderme adaxial da folha, predominância
de estômatos paracíticos, presença de tricomas capitados e muitos tricomas peltados na
epiderme abaxial da folha. A análise química evidenciou alguns picos nos cromatogramas que
correspondem a grupos de substâncias que não puderam ser analisadas de forma qualitativa,
mas que se pode inferir a ocorrência de derivados de ácido cafeico. Os testes microbiológicos
obtidos apresentaram resultados negativos no controle das espécies de bactérias testadas, nas
concentrações utilizadas.

Unitermos: Brunfelsia uniflora, Solanaceae, anatomia foliar, planta medicinal, constituintes


químicos.

ABSTRACT: “Anatomical, chemical and antibacterial characterization of leaves of


Brunfelsia uniflora (manacá) in the Atlantic Rainforest (Mata Atlântica)”. Brunfelsia
uniflora is a species that belongs to the family Solanaceae, popularly known as manacá. In
popular medicine the leaves are used for arthritis, rheumatism, syphilis, snake bites, yellow fever,
and even as a diuretic and anti-thermal. The main objective of this work was the anatomical study
through optical and electronic scanning microscopy, chemical analysis and microbiological tests
using Escherichia coli and Staphylococcus aureus and Brunfelsia uniflora leaves extracts. The
plants were collected in the Atlantic Rainforest (Mata Atlântica), nearby the city of São Vicente,
SP. Brunfelsia uniflora presented palisade parenchyma with two cellular layers and lacunary
parenchyma with six cellular layers; large quantities of crystals in mesophyll and sclerenchyma
were observed. The lower epidermis presented large quantities of stomata while they were almost
absent in the adaxial epidermis. The electronic scanning microscopy showed the presence of
paracitic stomata, a waxy layer ornamented in the adaxial epidermis as well as the presence of
few trichomes in the central vein region in the abaxial surface. However, in the vein region the
trichomes were absent. A chemical analysis showed evidence of some spectral peaks concerning
the occurrence of caffeic acid derivatives. The microbiological tests presented negative results
for the two species of bacteria.

Keywords: Brunfelsia uniflora, Solanaceae, leaf anatomy, medicinal plant, chemical analysis.

106 * E-mail: [email protected], Tel. +55-13-3569-9404, Fax +55-13-3569-9446 ISSN 0102-695X


Caracterização anatômica, química e antibacteriana de folhas de Brunfelsia uniflora (manacá)

INTRODUÇÃO de energia se aproximam da exaustão e os preços se


elevam, tem-se tornado cada vez mais importante
Brunfelsia uniflora é uma espécie pertencente encontrar meios de produzir moléculas complexas com
à família Solanaceae conhecida popularmente como menor gasto. Além disso, a vasta maioria das plantas
manacá. É uma planta nativa do sul e sudeste do Brasil nunca foi examinada ou testada para determinar sua
e dos países limítrofes como Bolívia, Peru, Equador e utilidade (Raven et al., 2001).
Venezuela. No Brasil, a Mata Atlântica é o principal A proposta deste estudo é encontrar uma
local de ocorrência dessa espécie. Este gênero é rico fonte de recurso natural que forneça dados para serem
em alcalóides e muitas espécies do gênero podem ter utilizados na farmacologia, medicina popular, ou
atividade farmacológica ou possuírem alcalóides ou em qualquer outro setor industrial, como indústria
outros constituintes ativos (Plowman, 1977). alimentícia, cosmetologia, etc.
Possui folhas simples, quase glabras, de 4 a 7
cm de comprimento. Suas flores são tubulosas, solitárias, MATERIAL E MÉTODOS
muito perfumadas, de cor inicialmente branca e, violeta
após a fecundação. Os frutos são do tipo baga oblonga As folhas de Brunfelsia uniflora, foram coletadas
ou globosa (Lorenzi & Matos, 2002). em área natural da Mata Atlântica, nas proximidades da
A família Solanaceae tem importância encosta da bacia da cidade de São Vicente-SP, na orla
econômica por conter espécies com atribuições da praia, em maio de 2006, registrada no herbário da
ornamentais, medicinais e nutricionais (Reis, 2002, ESALQ/USP sob número 79923 da exsicata.
Corrêa et al., 2008; Quintans-Júnior et al., 2008). O
gênero Brunfelsia inclui quarenta espécies tropicais Preparação do laminário histológico para
americanas, as quais são importantes fontes de alcalóides microscopia de luz
e flavonóides (Brunner et al., 2000).
Estudos desenvolvidos em ratos através da Com a finalidade de se estudar a histologia da
administração oral de extratos aquosos de Brunfelsia lâmina foliar, foram utilizadas folhas adultas, colhidas
uniflora, comprovaram sua atividade analgésica (Bettina no estágio reprodutivo da planta. O preparo do material
et al., 1991). para obtenção do laminário histológico para microscopia
A presença dos tricomas glandulares nos de luz constituiu-se basicamente de processos usuais
vegetais é um importante componente para resistência utilizados em microtomia, que incluíram: fixação em
às plantas contra ataques de herbívoros, conferindo um FAA 70 % por 24 horas, desidratação em série alcoólica
caráter evolutivo para o estabelecimento das plantas. A (etílica), infiltração em resina sintética (G.M.A.),
densidade de tricomas no vegetal pode variar devido emblocamento, seccionamento, coloração e montagem
a fatores genéticos e fatores ambientais (Forkner & de lâminas permanentes. As peças incluídas em resina
Hare, 2000). Esses tricomas contêm ou secretam vários sintética foram seccionadas em micrótomo rotativo,
compostos fitoquímicos que podem alterar o paladar obtendo-se secções transversais da lâmina foliar e da
ou apresentar toxinas indesejáveis. Essas mesmas nervura principal, com 4 µm. Foi utilizado o corante
substâncias químicas têm sido estudas com o intuito de Azul de Toluidina 1% com Borato de Sódio 1%, em 100
serem utilizadas com fins farmacológicos. ml de água destilada (O’Brien et al., 1964).
As indústrias farmacêuticas nacionais e
internacionais, especialmente esta última, vêm buscando Estudo de microscopia eletrônica de varredura
nas plantas da Mata Atlântica e na região Amazônica,
essências, produtos e formulações para produção de O material foi fixado em uma solução de
medicamentos, vacinas e outras formas de terapia, Karnovsky modificado, composta por paraformoldeído
visando à industrialização e comercialização em larga 4%, glutaraldeído 0,5%, em tampão cacodilato de
escala de princípios ativos identificados nestas plantas sódio, pH 7,2, 0,1 M e água destilada, por uma noite
(Albuquerque & Hanazaki, 2006: Araújo et al., 2008; no vácuo. Em seguida, foram feitas três lavagens com
Biavatti et al., 2007; Oliveira et al., 2007 Barbosa-Filho cacodilato 0,05 M, com a duração de dez minutos cada e
et al., 2007, 2008; Sousa et al., 2008). realizada para melhor visualização da imagem uma pós-
Brunfelsia uniflora ou manacá apresenta fixação com tetróxido de ósmio (OsO4) por duas horas.
registros de uso medicinal por algumas comunidades Em seguida, o material foi desidratado com acetona
nativas. Na medicina popular, suas folhas são empregadas seguindo série de concentrações: 30%, 50%, 70%, 90%
contra artrite, reumatismo, sífilis, picadas de cobra, e 100%.
febre amarela, e ainda como diurética e antitérmica. O material foi levado à secagem até o ponto
Há relatos que a planta seja utilizada como anestésica, crítico e fixado a um suporte através de um adesivo
abortiva, hipertensiva, laxativa e alucinógena quando condutor e em seguida metalizado (Danilatos, 1988).
utilizadas em altas concentrações (Agra et al., 2007).
À medida que nossas fontes não-renováveis Análise química
Rev. Bras. Farmacogn.
Braz J. Pharmacogn.
107
19(1A): Jan./Mar. 2009
Maria Bernadete Gonçalves Martins, Rebeca de René Graf, Alberto J. Cavalheiro, Selma D. Rodrigues

estéril, para semeadura em orifícios preparados em placas


Pesagem de 1,00 g de folhas secas e moídas de de brain heart infusion agar (oxoid®), previamente
Brunfelsia uniflora em erlenmeyer (125 ml). Adição de inoculadas com as linhagens teste duplicadas,
50 ml de EtOH (solvente). Sonicação em 30 minutos. contendo o meio de cultura. Foram adicionadas v/v de
Filtração. Repetição: Adição de 50 ml de EtOH, concentrações seriadas de 1%, 2%, 4%, 8%, 16% e 32%
Sonicação em 30 minutos e Filtração. Retirada de duas do homogeneizado e semeadas em orifícios com 100 µl
alíquotas de 5 ml. Secagem das alíquotas. de uma suspensão de 1 x 107 unidades formadoras de
colônias de uma linhagem bacteriana de Escherichia
Análise cromatográfica coli (U.177) e de Staphylococcus aureus (S.4260),
patogênicas de referência departamental (Departamento
Antes de ser analisado por cromatografia de microbiologia e imunologia - IBB - Botucatu -
líquida de alta eficiência (CLAE-DAD) e cromatografia UNESP). As placas após o inóculo foram incubadas
de camada delgada (CCD), uma alíquota do extrato durante 18 h a 37 ºC, sendo observado a ocorrência
foi submetida a um tratamento preliminar, etapa que ou não de efeito antibacteriano do homogeneizado
envolve a eliminação de substâncias com caráter mais frente à linhagem em estudo. O resultado positivo
apolar, incluindo grande parte dos pigmentos. Pesagem permitirá a continuação de ensaios específicos conforme
de 1,5 g de C -18 (40-63 µm) e preparação de um metodologia explicitada no projeto original, quanto
cartucho com uma coluna de vidro (0,9 cm diâmetro). à determinação da concentração inibitória mínima e a
Condicionamento do cartucho com 3,0 ml do eluente respectiva curva de morte de cada linhagem.
MeOH:H2O (95:05). Secagem do cartucho com ar
comprimido. Solubilização do extrato em 1,0 ml do Análises
eluente. Aplicação do extrato na coluna e eluição da
amostra com 5,0 ml do eluente. Filtração da amostra em Microscopia de Luz. Os estudos de
membrana Milipore (0,45 µm) e acondicionamento em Microscopia de luz visaram a análise histológica das
frasco para injeção automática (CLAE) e para a CCD. camadas celulares, assim como a cutícula, epiderme,
Obteve-se assim uma fração bruta e outra mais polar. parênquima (paliçádico e lacunoso) e estômatos. Foi
As alíquotas da fração bruta e da fração polar também analisada a presença de glândulas secretoras
foram analisadas em CCD com fase móvel de AcOET e a classificação quanto o tipo glandular. As análises
em cubas de vidros. As placas foram analisadas no acima descritas foram feitas em ambas as superfícies
visível, no UV (254 nm) e reveladas com anisaldeído foliares (abaxial e adaxial). A análise microscópica foi
(Geral) e Dragendorff (Alcalóides). registrada através de fotomicrografia.
A fração polar foi analisada em CLAE-DAD Microscopia Eletrônica de Varredura. As
para obtenção do perfil cromatográfico. As condições análises da superfície foliar, descrição e identificação do
cromatográficas para CLAE-DAD utilizadas nesse tipo de estruturas secretoras das folhas foram realizadas
estudo estão descritas na Tabela 1. nas superfícies abaxial e adaxial e também foram
documentadas em fotomicrografias.
Confecção de lâminas de folhas diafanizadas Análise Química. Os resultados foram
analisados de forma qualitativa e comparativa com os
O estudo do sistema vascular de órgãos de estudos feitos para a mesma família e mesmo gênero.
plantas jovens e de folhas adultas tem sido executado Testes Microbiológicos. Os resultados foram
usando-se não somente métodos anatômicos e avaliados inicialmente de forma qualitativa para verificar
citológicos, mas também técnicas de clarificação e se existe ou não uma atividade inibitória da planta
coloração. O material foi colocado em NaOH 5%, com relação às linhagens de bactérias selecionadas.
trocando a solução até que a folha ficasse amarela, após Em caso de resultado positivo, será realizada uma
lavagem em água, foi colocado em hipoclorito de sódio análise quantitativa para determinação da concentração
20% por aproximadamente 20 minutos. Utilizou-se azul inibitória mínima (CIM) do extrato foliar de B. uniflora.
de toluidina aquosa até corar (O’Brien et al., 1964).
O material foi desidratado em série alcoólica (etílica), RESULTADOS E DISCUSSÃO
passando-se pelo xilol e realizando-se a montagem das
lâminas (Felippe & Alencastro,1966). Microscopia de luz

Testes microbiológicos O corte transversal da folha evidenciou o


parênquima paliçádico com 1-2 camadas de células e
A caracterização prévia de possível efeito o parênquima lacunoso com 5-6 camadas (Figura 1C).
antimicrobiano do extrato do vegetal em referência, Havia grande quantidade de drusas no parênquima
foi realizado a partir da preparação de suspensão clorofiliano (Figura 1B). Na região da nervura principal,
homogeneizada a 1/10 em salina fosfatada tamponada observou-se a presença de fibras de esclerênquima
Rev. Bras. Farmacogn.
108 Braz J. Pharmacogn.
19(1A): Jan./Mar. 2009
Caracterização anatômica, química e antibacteriana de folhas de Brunfelsia uniflora (manacá)

circundando o feixe vascular. Os feixes eram bicolaterais observados picos representativos de substâncias menos
(Figura 1A-D). Havia grande quantidade de estômatos na polares e com espectros no UV similares e indicativos da
epiderme abaxial (Figura 1A-C), sendo predominantes presença de sistema de ligações duplas (provavelmente
os do tipo paracítico ou rubiáceo Na epiderme adaxial, um sistema triênico) conjugadas nessas substâncias. Na
ocorrem poucos estômatos distribuídos de forma região compreendida entre 8 e 14 min eluiram várias
aleatória (Figura 1A-C). substâncias com polaridade intermediária. Os espectros
De acordo com Metcalfe & Chalk (1957), no UV obtidos para os 8 picos mais intensos indicam
folhas anfistomáticas são comuns em Solanaceae, a ocorrência de pelo menos três classes de substâncias
embora Cosa de Gastiazoro (1991), tenha descrito folhas (1 e 4, 2 e 3, 5 a 8) nessa região do cromatograma.
hipoestomáticas em algumas espécies da família. Em Para obtenção de informação qualitativa mais robusta,
B. uniflora os estômatos são abundantes na epiderme prevê-se o fracionamento do extrato em cinco grupos
abaxial e raros e esparsos na epiderme adaxial. Em de substâncias de polaridades diferentes, seguida da
Petunia sp (Solanaceae) as folhas são anfistomáticas aquisição de dados de RMN de 1H pelo menos. Mesmo
e os tricomas presentes são uniseriados, enquanto no assim, considerando espectros no UV dos metabólitos
manacá, os tricomas que foram raramente encontrados, secundários já isolados de espécies de Brunfelsia, foi
estavam na epiderme abaxial. possível inferir a ocorrência de derivados de ácido
Mccauley & Evert (1988), estudando folhas de cafeico, como por exemplo, o ácido clorogênico, por
Solanum tuberosum L. cv. Russet Burbank, observou possuirem espectros no UV semelhantes aquele obtido
que o mesofilo possui parênquima paliçádico com 1-2 para o pico 1 (λmax em 300 e 325 nm) coumarinas (pico
camadas de células e parênquima e lacunoso com 3-4 4, λmax 330 nm). Para os demais picos cromatográficos
camadas de células, bem como a presença de tricomas nas ainda não foi possível propor nenhuma identidade.
superfícies adaxial e abaxial e feixes bicolaterais, além Friedman (1992), observou ácido clorogênico em batatas
de estômatos do tipo ranunculáceos ou anomocíticos. processadas a fresco, através de espectrofotometria
por ultravioleta. Com relação aos alcalóides, Gellert
Microscopia eletrônica de varredura et al. (1978), observaram a presença de alcalóides
em Brunfelsia hopeana; neste trabalho como não
Na epiderme adaxial foram observados foi realizado procedimento de extração, tratamento
depósitos de cera epicuticular, distribuídos em vários da amostra e análise cromatográfica em condições
mosaicos de padrão estriado, visualizando uma específica para esse grupo de substâncias, nada pode ser
ornamentação característica (Figura 2A); na epiderme concluído sobre sua presença ou ausência nessa amostra.
abaxial, tricomas do tipo peltado, sendo que a cabeça Mors & Robeiro (1957), realizaram estudos,
da glândula era constituída por oito células secretoras evidenciando que a maioria das espécies do gênero
(Figura 2D). Havia também estômatos paracíticos, onde Brunfelsia, possui alguns grupos de alcalóides, como
as células anexas são paralelas ao eixo do estômato a escopoletina (6-metoxi-7-hidroxicoumarina), que
(Figura 2C). As células epidérmicas mostraram-se com também já foi encontrado em outras famílias (Carvalho
contorno sinuoso (Figura 2C). Mccauley & Evert (1988) et al., 2006; Pinto et al., 2008; Razavi et al., 2008).
realizaram estudos sobre a anatomia foliar de Solanum Wollenweber & Dorr (1995) verificaram
tuberosum (Solanaceae) e verificaram que o contorno a presença de diferentes grupos de flavonóides em
das células epidérmicas era sinuoso, assim como foi Browallia grandiflora, Chamaesaracha sordida,
verificado em Brunfelsia uniflora. Nicotiana tabacum, Petunia surfina e Salpiglossis
sinuata, todas espécies da família Solanaceae. Este
Análise química estudo, portanto, serve de base para que a presença de
flavonóides em B. uniflora seja testada, visto que esse
O extrato etanólico de folhas de Brunfelsia, é um grupo frequentemente encontrado em espécies da
após tratamento preliminar por extração em fase sólida família.
(EFS-C18) para eliminação de interferentes lipofílicos, Do ponto de vista farmacológico, alguns
foi analisado por CLAE-DAD, munido de coluna de flavonóides possuem propriedades interessantes,
fase reversa C18. O objetivo desta análise foi avaliar como benefícios para a permeabilidade dos capilares.
a complexidade do perfil químico deste extrato e obter Além do mais, flavonóides tem demonstrado possuir
informações preliminares sobre classes de substâncias atividade diurética, hepatoprotetora, antiinflamatória,
presentes, através dos espectros no UV obtidos para os anti-radicais livres e até mesmo propriedades
principais picos cromatográficos. Os cromatogramas antibacterianas (Bruneton, 1983, apud Brunner,
obtidos para o extrato de manacá, registrados em 2000). Brunner et al. (2000), determinaram a estrutura
254 e 270 nm (Figura 3), apresentam picos intensos química de um flavonóides isolado de Brunfelsia
no início do cromatograma (2-4 min). Os espectros grandiflora, sugerindo assim, que um dos possíveis
no UV destes picos não puderam ser analisados. Na compostos químicos de B. uniflora possa ser do grupo
região compreendida entre 19 a 23 min (figura 4) foram dos flavonóides. Levantamento bibliográfico através
Rev. Bras. Farmacogn.
Braz J. Pharmacogn.
109
19(1A): Jan./Mar. 2009
Maria Bernadete Gonçalves Martins, Rebeca de René Graf, Alberto J. Cavalheiro, Selma D. Rodrigues

do SciFinder indicou a existência de vários estudos possuem diferentes grupos de flavonóides. Mais uma
fitoquímcos de espécies de Brunfelsia. As principais vez, um trabalho sugere que a presença de flavonóides
classes de metabólitos secundários descritas para deva ser testada para Brunfelsia uniflora, em vista à
essas espécies vegetais incluem saponinas esteroidais, grande ocorrência deste grupo químico em espécies da
ácidos graxos ciclopropenóides, alcalóides, coumarinas família Solanaceae.
e ácido clorogênico. Silva et al. (2003), realizaram
estudos e observaram a ocorrência de flavonas, Diafanização
flavonóis e glicosídeos em espécies do gênero Solanum,
evidenciando que diferentes espécies deste gênero O padrão de venação de B. uniflora é do tipo pinado

Tabela 1. Condições cromatográficas para CLAE-DAD.

Parâmetro Condição
Coluna Supelcosil, C-18 µm, 250 x 4,6 mm
Fase móvel Gradiente Linear
A (Tampão Fosfato) 5 -100% de B (30 min)
B (ACN - acetato de nitrila) 100% de B (30 min)
5% de B (30 min) T = 63 min
Tempo de equilíbrio (min) 15
Fluxo (mL/min) 1
λ (nm) 254
Volume de injeção (µl) 20

Figura 1. Corte transversal da folha de Brunfelsia uniflora (Solanaceae). A - Detalhe da folha na região da nervura central. B
- Detalhe do parênquima paliçádico com drusas. C - Detalhe do limbo foliar com grande quantidade de estômatos na epiderme
abaxial. D - Detalhe da nervura central da folha. E = epiderme; f.v.b = feixe vascular bicolateral; f.e = fibras de esclerênquima;
d = drusas; c.a = colênquima anelar; * = camada subestomática.

Rev. Bras. Farmacogn.


110 Braz J. Pharmacogn.
19(1A): Jan./Mar. 2009
Caracterização anatômica, química e antibacteriana de folhas de Brunfelsia uniflora (manacá)

Figura 2. Micrografia eletrônica de varredura. A - Superfície adaxial da folha evidenciando cera epicuticular ornamental
(mosaicos). B - Detalhe da nervura principal da folha na superfície abaxial. C - Superfície abaxial da folha. D - Superfície
abaxial da folha mostrando a presença de vários tricomas peltados. C.E = cera epicuticular; T.C = Tricoma capitado; E =
Estômato; T.P = Tricoma peltado.

por apresentar uma única nervura central. O espaçamento Testes microbiológicos


entre as nervuras secundárias é irregular, pois não segue
um padrão. O ângulo formado pelas nervuras secundárias Com relação aos testes microbiológicos do
em relação à nervura central é do tipo uniforme, pois ensaio preliminar foi possível verificar que Brunfelsia
se mantém constante sem sofrer aumentos ou reduções uniflora não apresentou nenhuma atividade inibitória
em relação à base foliar. B. uniflora possui nervuras para Escherichia coli nem para Staphylococcus aureus
intersecundárias finas. As reticulações encontradas em nenhuma das concentrações testadas, sendo o
nessa planta são classificadas como aleatórias, onde, crescimento das bactérias uniforme e sobre toda a
as anastomoses ocorrem com nervuras secundárias ou superfície da placa.
terciárias em ângulos aleatórios. O curso das nervuras Morais Filho (2001), avaliou a atividade
terciárias é ramificado, pois, são orientadas em direção à antimicrobiana de extrato foliar de Phisalis angulata
margem da folha. A areolação (processo de formação das (Solanaceae) sobre linhagens de Escherichia coli e
menores áreas circundadas por nervuras) segue o padrão Estaphylococcus aureus. Verificou, entretanto que para
moderadamente desenvolvido, pois o tamanho das ambas as bactérias, P. angulata não apresentou atividade
aréolas é irregular, com moderada variação de tamanho inibitória, sendo esse resultado semelhante ao obtido
e com aréolas de 3 e 4 lados (Figura 6A). A venação para B. uniflora.
marginal é composta por laços incompletos, pois estão Digrak et al. (2001), testaram a atividade
livres em relação à margem e é semicraspedódroma, antimicrobiana e antifúngica de extratos foliares de
pois as nervuras secundárias se ramificam próximo Nicotina rustica (Solanaceae). Para E. coli, N. rustica
à margem, sendo que uma das ramificações termina não apresentou nenhuma atividade inibitória, entretanto
na margem e a outra se junta à nervura secundária para E. aureus houve inibição do crescimento, com
sobrejacente (Figura 6B) formação de alos de até 15 mm. Este estudo também
forneceu resultados relevantes com relação a Candida
Rev. Bras. Farmacogn.
Braz J. Pharmacogn.
111
19(1A): Jan./Mar. 2009
Maria Bernadete Gonçalves Martins, Rebeca de René Graf, Alberto J. Cavalheiro, Selma D. Rodrigues

Figura 4. Expansão do cromatograma do extrato bruto de


folhas de Brunfelsia. Em destaque os espectros no UV dos
picos 9, 10 e 11, provavelmente relacionados a substâncias
com grupos triênicos conjugados.

Figura 3. Cromatogramas do extrato etanólico de folhas de


Brunfelsia, obtidos em CLAE-DAD e registrados a 254 e 270
nm.

Figura 5. Expansão do cromatograma do extrato bruto de folhas de Brunfelsia. Abaixo os espectros no UV dos picos 1 a 8, na
região de 220 a 400 nm.

Rev. Bras. Farmacogn.


112 Braz J. Pharmacogn.
19(1A): Jan./Mar. 2009
Caracterização anatômica, química e antibacteriana de folhas de Brunfelsia uniflora (manacá)

A - Detalhe da nervura principal. B - Detalhe das nervuras evidenciando a região do bordo.

Figura 6. Folha de Brunfelsia uniflora diafanizada.

albicans (formação de alos de 13 mm). Isso pode mosaicos de padrão estriado, caracterizando uma
sugerir que Brunfelsia uniflora possa ser, em estudos ornamentação; propõe-se a ocorrência de derivados do
posteriores, testada com diferentes espécies de bactérias ácido cafeico, como por exemplo do ácido clorogênico
e leveduras, por exemplo, C. albicans. através da análise de extratos foliares por cromatografia;
Também é importante ressaltar que a extração não foi verificada atividade antibacteriana dos extratos
de substâncias capazes de apresentar alguma atividade foliares para Escherichia coli, nem para Staphylococcus
fica sujeita a variação em função do solvente utilizado aureus, nas concentrações e nas cepas utilizadas.
durante a extração. Sendo assim, neste estudo, B.
uniflora não apresentou atividade inibitória para E coli REFERÊNCIAS
e S. aureus. Entretanto, a mesma planta ainda pode ser
testada para as mesmas bactérias, porém com uso de Agra MF, França PF, Barbosa-Filho JM 2007. Synopsis of
diferentes solventes durante a extração. the plants known as medicinal and poisonous in
Northeast of Brazil. Rev Bras Farmacogn 17: 114-
AGRADECIMENTOS 140.
Albuquerque UP, Hanazaki N 2006. As pesquisas etnodirigidas
na descoberta de novos fármacos de interesse médico
À FAPESP, pelo apoio concedido. À Profa.
e farmacêutico: fragilidades e pespectivas. Rev Bras
Dra. Beatriz Apezzato da Glória ( pela concessão do Farmacogn 16(Supl.): 678-689.
micrótomo no Laboratório de Anatomia Vegetal e Araújo EL, Randau KP, Sena-Filho JG, Pimentel RMM,
ao Prof. Dr. Kitajima pela utilização do Centro de Xavier HS 2008. Acanthospermum hispidum DC
Microscopia Eletrônica ESALQ-USP - Piracicaba, SP). (Asteraceae): perspectives for a phytotherapeutic
product. Rev Bras Farmacogn 18 (Supl.): 777-784.
CONCLUSÕES Barbosa-Filho JM, Nascimento-Júnior FA, Tomaz ACA,
Athayde-Filho PF, Silva MS, Cunha EVL, Souza
Através de estudos anatômicos; MFV, Batista LM, Diniz MFFM 2007. Natural
products with antileprotic activity. Rev Bras
cromatográficos e microbiológicos do extrato foliar
Farmacogn 17: 141-148.
de Brunfelsia uniflora, pode-se concluir que: O Barbosa-Filho JM, Alencar AA, Nunes XP, Tomaz ACA,
parênquima paliçádico, apresenta-se com 1-2 camadas Sena-Filho JG, Athayde-Filho PF, Silva MS, Souza
de células e o parênquima lacunoso com 5-6 camadas de MFV, da-Cunha EVL 2008. Sources of alpha-, beta-
células; há grande quantidade de drusas no parênquima , gamma-, delta- and epsilon-carotenes: A twentieth
clorofiliano; presença de feixes bicolaterais circundados century review. Rev Bras Farmacogn 18: 135-154.
por fibras de esclerênquima; a folha é anfiestomática, Bettina MR, Pereira EFR, Gonçalves LC, Pereira NA 1991.
com predominância de estômatos paracíticos na Pharmacological screening of plants recommended
epiderme abaxial; presença de tricomas do tipo peltado by folk medicine as anti-snake venom. I. analgesic
and anti-inflamatory activities. Mem Inst Oswaldo
na epiderme abaxial, sendo que a cabeça da glândula
Cruz 86: 203-205.
é constituída por oito células secretoras; na epiderme Biavatti M, Marensi V, Leite SN, Reis A 2007.
adaxial, há depósitos de cera epicuticular, formando Ethnopharmacognostic survey on botanical
Rev. Bras. Farmacogn.
Braz J. Pharmacogn.
113
19(1A): Jan./Mar. 2009
Maria Bernadete Gonçalves Martins, Rebeca de René Graf, Alberto J. Cavalheiro, Selma D. Rodrigues

compendia for potential cosmeceutic species from Plowman T 1977. Brunfelsia in Ethnomedicine. Bot Mus Leaf
Atlantic Forest. Rev Bras Farmacogn 17: 640-653. 25: 289-319.
Brunner G, Burger U, Castioni P, Kapetanidis I, Christen P Quintans-Júnior LJ, Almeida JRGS, Lima JT, Nunes XP,
2000. A novel acylated flavonol glycoside isolated Siqueira JS, Oliveira LEG, Almeida RN, Athayde-
from Brunfelsia grandiflora ssp. structure elucidation Filho PF, Barbosa-Filho JM 2008. Plants with
by gradient accelerated NMR Spectroscopy at 14t. anticonvulsant properties - a review. Rev Bras
Phytochem Anal 11: 29-33. Farmacogn 18 (Supl.): 798-819.
Carvalho MG, Alves CCF, Werle AA, Braz-Filho R 2006. Raven PH, Evert RF, Eichhorn SE 2001. Biologia Vegetal. Rio
Metabólitos especiais isolados de Laseguea erecta De Janeiro: Ed. Guanabara Koogan.
(Apocynaceae). Rev Bras Farmacogn 16: 497-500. Razavi SM, Nazemiyeh H, Hajiboland R, Kumarasamy Y,
Corrêa MFP, Melo GO, Costa SS 2008. Substâncias de origem Delazar A, Nahar L, Sarker SD 2008. Coumarins
vegetal potencialmente úteis na terapia da Asma. Rev from the aerial parts of Prangos uloptera (Apiaceae).
Bras Farmacogn 18 (Supl.): 785-797. Rev Bras Farmacogn 18: 1-5.
Cosa de Gastiazoro MT 1991. Estudio morfo-anatómico de Reis C, Sajo MG, Sthmann 2002. Leaf structure and taxonomy
órganos vegetativos em Cestroideae (Solanaceae). I. of Petunia and Calibrachoa (Solanaceae). Braz Arch
Tribu Nicotianeae. Kurtziana 21: 111- 150. Biol Technol 45: 59-66.
Danilatos GD 1988. Foundations of environmental scanning Silva TMS, Carvalho MG, Braz-Filho R, Agra MF 2003.
electron microscopy. Adv Electron Electron Phys 71: Ocorrência de flavonas, flavonóis e seus glicosídeos
109-250. em espécies do gênero Solanum (Solanaceae). Quim
Digrak M, Alma M, Hakk T 2001. Antibacterial and antifungal Nova 26: 517-522.
activities of Turkish medicinal plants. Pharm Biol Sousa FCF, Melo CTV, Citó MCO, Félix FHC, Vasconcelos
39: 346-350. SMM, Fonteles MMF, Barbosa-Filho JM, Viana
Felippe GM, Alencastro FMMR 1966. Contribuição ao estudo GSB 2008. Plantas medicinais e seus constituintes
da nervação foliar das compositae dos cerrados. I. bioativos: Uma revisão da bioatividade e potenciais
Tribus Helenieae, Heliantheae, Inuleae, Mutisieae e benefícios nos distúrbios da ansiedade em modelos
Senecioneae. Ann Acad Bras Cienc 38: 125-157. animais. Rev Bras Farmacogn 18: 642-654.
Forkner RE, Hare JD 2000. Genetic and environmental Wollenweber E, Dorr M 1995. Exudate flavonoids in some
variation in acyl glucose ester production and Solanaceae. Biochem Syst Ecol 23: 457-458.
glandular and nonglandular trichome densities in
Datura wrightii. J Chem Ecol 26: 2801-2823.
Friedman M 1992. Chlorogenic acid content of fresh and
processed potatoes determined by ultraviolet
spectrophotometry. J Agric Food Chem 40: 2152-
2156.
Gellert E, Chaubal MG, Iyer RP 1978. The alkaloids of
Brunfelsia hopeana (Hock) Benth. 11 Symp. Pap.
- Iupac Int. Symp. Chem. Nat. Prod. Wollongong,
Australia.
Lorenzi H, Matos FJA 2002. Plantas Medicinais No Brasil,
Nativas e Exóticas. Nova Odessa: Ed. Plantarum.
Mccauley MM, Evert RF 1988. The anatomy of the leaf of
potato, Solanum tuberosum L. Russet Burbank. Bot
Gaz 149: 179-195.
Metcalfe C, Chalk L 1957. Anatomy of the Dicotyledons.
Oxford: Claredon Press.
Morais Filho ZB 2001. Constituintes químicos e atividade
antibacteriana do extrato etanólico de folhas de
Phisalis angulata L. (Solanaceae). Rio de Janeiro,
169p. Dissertação de Mestrado - Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Mors WG, Robeiro O 1957. Occurence of scopoletin in the
genus Brunfelsia. J Org Chem 22: 978.
O’Brien TP, Feder N, Mccully ME 1964. Polychromatic
staining of plant cell walls by toluidine blue.
Protoplasma 59: 368-373.
Oliveira FQ, Gobira B, Guimarães C, Batista J, Barreto M,
Souza M 2007. Espécies vegetais indicadas na
odontologia. Rev Bras Farmacogn 17: 466-476.
Pinto DS, Tomaz ACA, Tavares JF, Tenório-Souza FH, Silva
Dias CS, Braz-Filho R, Cunha EVL, Secondary
metabolites isolated from Richardia brasiliensis
Gomes (Rubiaceae). Rev Bras Farmacogn 18: 367-
372.
Rev. Bras. Farmacogn.
114 Braz J. Pharmacogn.
19(1A): Jan./Mar. 2009

Você também pode gostar