Poesia Medieval
Poesia Medieval
Poesia Medieval
PORTUGUESA
I VOLUME
(Poesia Medieval)
Versão PDF
Nota importante:
1
Dedicatória
Este trabalho é dedicado aos operários da língua portuguesa que ao longo dos séculos
a têm moldado como se estatuários fossem.
Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e,
depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a
formar um homem, primeiro, membro a membro, e depois feição por feição, até à
mais miúda; ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o
nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os
braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá
recama; e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.
Dedico-o, também a estes dois amigos que me ajudaram a concretizar este projeto. Sem a sua participação este
Deana Barroqueiro
André Gaspar 2
Prefácio
É frequente pedir a um amigo, especialista ou não, um texto que anuncie, justifique, enquadre ou critique uma
obra a quando do seu nascimento.
Não será o caso deste trabalho. Aqui será o autor, se é que há, de facto, um autor, a expor (se) os motivos que
levaram ao livro.
O Livro
E a primeira questão prende-se com a utilização da palavra “livro” para
classificar este trabalho.
Até há pouco, os dicionários, pelo menos o da Academia das Ciências de
Lisboa, iniciava as quase três colunas dedicadas à palavra “livro” com este
texto: "livro [livro]. s. m. (Do lat. liber - bri). 1. Conjunto de cadernos ou
de folhas, manuscritas ou impressas, cosidas ou coladas num dos lados,
cobertas por uma capa e colocadas na ordem pela qual devem ser lidas".
Seguem-se três colunas de mais informações sobre a palavra, que não vou reproduzir totalmente, mas não resisto a
referir todos os “livros”. Ora, repare: livro epistográfico, quadrado, xilográfico, branco, canónico, da Sabedoria,
de cabeceira, de cozinha, de linhagens, de horas, de milagres, litúrgico, negro, no prelo, proibido, sagrado,
penitencial (ais), sapienciais, de viagem, de porta, de armação, de bordo, de cheques, de ocorrências, de ouro, de
presenças, de reclamações, de registo, de termos, de tombo, de óbitos, paroquial, de vida, de pedra.
Seguem-se expressões ligadas ao livro, que me dispenso de transcrever dado que a intenção está alcançada: não
existe a palavra para designar o “livro” que está, neste momento, diante dos seus olhos, no seu iPad. Exato, ele só
pode ser lido num iPad. E neste aparelho, a palavra usada para este formato ainda não existe em português a não
ser “livro eletrónico”.
3
Dispenso-me de adiantar muito sobre o livro eletrónico. O leitor, chegado ao fim, terá uma noção do que é este
formato de livro, embora a sua capacidade de nos maravilhar, ou assustar, esteja a mudar todos os dias.
4
Porquê um “livro eletrónico”
Um livro eletrónico, ao contrário de um livro, para chegar às livrarias, não precisa de ser
enviado a editoras, logo, de se sujeitar a que o seu trabalho vá parar ao lixo, quantas vezes
antes de ser lido. A “ditadura” dos editores, no que respeita à publicação (ou não) de uma
obra,
está, nestes tempos, a ficar, cada dia, mais limitada.
Empresas de informática, como é o caso da Apple, reduziram o tradicional domínio das
editoras sobre a “qualidade” dos conteúdos. Qualidade entre aspas, dada a subjetividade do assunto. Mas não só.
Todo o processo de produção fica, ou pode ficar, ao cuidado do autor. Ele passa a escrever, desenhar, paginar e por
aí fora, ao seu gosto e de acordo com a sua capacidade para manusear ferramentas postas à sua disposição num
computador. Um processo pouco complicado, sobretudo se quiser publicar um livro sem pensar em compensação
financeira. Se pretende ganhar dinheiro, as coisas complicam-se e nesse caso será ajuizado recorrer aos serviços de
um editor autorizado pela Apple.
Finalmente, este trabalho é uma consequência de outra ferramenta disponibilizada na Internet: o áudio blogue.
Em 2005 surgiu a possibilidade de divulgar som de uma forma simples e a baixo custo. Criei, na altura, o Estúdio
Raposa, onde se proclama: “Aqui, neste espaço, arrancam-se as palavras do papel e dizem-se, soprando-lhes vida
nova, fazendo-as flutuar em sonoras centelhas de luz. Recitar realiza, quebrando o silêncio, aquilo que o silêncio
pretende e não consegue.”
Iniciou-se, então, a divulgação, sobretudo de poesia, de autores de língua portuguesa, declamados. E os trabalhos
foram-se acumulando e atingiram tal número que a ideia de coletânea surgiu com naturalidade.
5
Para não chegar a um livro eletrónico de grandes proporções, estão a caminho 3 volumes, incluindo parte dos 2.000
ficheiros de som disponíveis neste momento, na Internet, no Estúdio Raposa.
II Volume - Do Cancioneiro de Garcia de Resende até à aparição do poema “Camões” de Garrett, que inaugura a
reforma romântica.
III Volume - Desde o início da reforma romântica pelo poema “Camões” de Garrett até aos nossos dias. Pode
acontecer que este volume seja desdobrado.
Este livro eletrónico contém alguma informação genérica sobre a História Medieval, informação essa que fui
recolher grande parte na Internet, nomeadamente na Wikipédia e também num excelente trabalho disponibilizado
pelo Instituto de Estudos Medievais. Não só neste Instituto, mas também pela “rede”, é numerosa a poesia medieval
disponível, sujeitando-se aos erros e imprecisões que lhe são próprias, quem nela procura informação. Não sendo eu
especialista na matéria, não me é fácil distinguir o que é verdadeiro do falso, pelo que já, do facto, peço desculpa.
Num livro eletrónico são fáceis as correcções, pelo que agradeço qualquer indicação de erro.
Não quero deixar de referir duas obras, duas velhas obras que me acompanharam nesta aventura e de onde respigo
muitas opiniões. Obras que acompanharam os estudos de muito boa gente: “História da Literatura Portuguesa” de
Joaquim Ferreira e “História Literária de Portugal” de Fidelino de Figueiredo.
6
A parte mais inovadora de um livro eletrónico é o facto de podermos adicionar à escrita, o som e a imagem fixa e em
movimento (vídeos). Daí que possamos ouvir, nesta Coletânea, poesia.
Selecionei dos muitos poemas disponíveis 38 de 20 autores. Confesso não ter seguido nenhum critério para esta
lista. Os poemas foram surgindo. De uns guardei as palavras, outros deixei-os partir.
De cada autor apresentarei uma pequena biografia seguida do texto original e depois a sua adaptação ao português
moderno, sobre a qual farei a declamação. Neste difícil trabalho, o da transposição da escrita original para a
moderna, tive a preciosa colaboração da querida amiga, a escritora Deana Barroqueiro que tem dedicado a sua vida
ao romance histórico, sendo hoje, uma das mais reconhecidas especialistas, sobretudo na história dos heróis da saga
dos portugueses pelo mundo dos Descobrimentos.
7
Nota histórica da Época Medieval Portuguesa
A Idade Média portuguesa vai das origens da nacionalidade até ao início da grande
actividade marítima e colonial, que era já coisa típica da Renascença. A nacionalidade
portuguesa foi, como Castela, um condado rebelde que se destaca da monarquia de
Leão. A origem deste condado, a situação jurídica dele ante a coroa de Leão e toda a
longa tradição política da unidade administrativa designada nos documentos por
«território de Portucale», têm sido temas de ardidas controvérsias historiográficas, em
que a falta de documentos deixa larga margem à conjectura. Esse condado, que fora ou
não dote de Afonso VI de Leão a sua filha Teresa, por ocasião do seu casamento com o príncipe Henrique de
Borgonha, torna-se independente em 1128, quando Afonso Henriques arrancou o governo das mãos de sua mãe, já
viúva, e enceta a sua política autonomista ante seu primo Afonso VII de Leão e a sua política de reconquista ante os
mouros, ainda então senhores de grande parte do território da Península Hispânica. O reconhecimento político da
nova nacionalidade foi conseguido em 1143, na conferência de Zamora, quando Afonso VII de Leão se conformou
com o título de rei, usado por Afonso Henriques, só com o débil cordão umbilical da tenência de Astorga.
O reconhecimento da Igreja, indispensável por causa da influência hegemónica da Santa Sé nessa época, veio em
1179, quando o papa Alexandre III confirmou o mesmo título de rei, a troco do pagamento de um imposto simbólico
à mesma Santa Sé. A reconquista foi mais demorada, mas perfez-se muito mais cedo que no resto da Península.
Foi uma decisiva marcha para o sul, depois do acordo de Cela-Nova, entre Afonso Henriques e Fernando II de Leão,
sobre os direitos portugueses de estender as fronteiras para o sul. Teria mesmo sido uma fulminante marcha, se
Sancho I tivesse podido conservar Silves (1189) e aí fazer quartel general para a resistência a Yacub Almanzor que
numa acção de recuperação de território perdido, subiu até à cidade de Tomar.
8
Afonso Henriques leva a fronteira até ao Tejo e faz incursões pelo Alentejo dentro. Foi ele o reconquistador de
Lisboa. Afonso II recomeçou o avanço para o sul, filhou Alcácer do Sal em 1217; Sancho II conquistou Elvas em
1220; Évora, o oásis alentejano, permanecera sempre portuguesa desde a sua tomada em 1166 por Geraldo
Sem-Pavor. Afonso III toma o Algarve e conclui a reconquista. Segue-se à incorporação territorial a organização
interna.
Estes reis da Casa de Borgonha herdavam tradições jurídicas visigóticas e canónicas e acatavam as normas
consuetudinárias, mas tinham de prover à estruturação legal da nova nacionalidade, para promover a sua defesa e a
sua mantença e o equilíbrio das classes privilegiadas com a realeza e o povo. É a fase da monarquia agrária, em que
a terra dá o pão e Roma dá às armas portuguesas o apoio anti leonês e depois anti castelhano.
Em 1383 há uma grave crise de sucessão à coroa, por morte de Fernando I. Da revolução popular contra a
candidatura de João I, de Castela, casado com uma princesa portuguesa, nasce, após uma ardida guerra, uma
dinastia nova: a de Aviz. Reconhecida e consolidada, organizada internamente, a monarquia lança-se à aventura
ultramarina e inicia em 1415, com a tomada de Ceuta, o ciclo marroquino das conquistas coloniais. Um filho do rei,
por este nessa fornada de Ceuta armado cavaleiro, o infante D. Henrique, prepara as expedições que acham as ilhas
atlânticas e iniciam o périplo do continente africano. Era a alvorada da Renascença.
(Fidelino de Figueiredo)
9
Como nasceu o Português
10
testamentos, cartas de doação, cartas de quitação, instrumentos jurídicos de vários tipos. É necessário não
confundir estas peças tabeliónicas em latim artificial e erradíssimo com os monumentos literários em latim cristão
ou medieval ou latinidade, pobre, muito distante do latim literário, mas correcto, de acordo com a sua gramática e a
sua índole. É do século XII em diante que principiam a aparecer documentos em português, totalmente ou em
grande parte, o que indica os progressos da importância da língua falada. Na sua maior parte, o léxico português é
de origem latina, visto que o povo português é um dos herdeiros do património romano. Mas tem sido enriquecido
por influências muito diversas, umas colectâneas da própria transformação inicial - infiltrações hispânicas
primitivas, fenícias, gregas, êuscaras, célticas, germânicas e árabes, isto é, dos aborígenes e dos sucessivos, invasores
da Península; outras posteriores, como a do latim clássico, posto em moda pela Renascença.
A língua galaico-portuguesa foi a língua literária da Península, enquanto verbo lírico, durante os séculos XII a XV.
Foi o idioma em que os rudes guerreiros das cruzadas peninsulares balbuciaram os seus anseios amorosos e as suas
aspirações ideais; a língua doce e terna que lhes revelou a vida interior e o jardim secreto da sua meditação; foi
também o bordão florido em que se apoiaram os primitivos poetas para o descobrimento e conquista da própria
alma, criando por seu esforço próprio os necessários meios de expressão, que mais de uma vez adivinham a posse
plena de um Camões.
Mas enquanto o português, uma vez destacado, segue a sua evolução literária progressiva, acompanha todas as fases
da experiência histórica e todas as correntes de pensamento e sensibilidade, reflectindo fielmente os momentos
altos de triunfo da vida nacional, o galego decai e durante largos séculos, supeditado ao castelhano, não conhece
cultura literária. O movimento de restauração da literatura galega só começa em 1808, durante as invasões
napoleónicas.
(Fidelino de Figueiredo)
11
Poesia Provençal
Antes que da Provença viesse até nós, no século XII, a escola literária do «amor
cortês», vertida nas estrofes ou «cobras» da poética trovadoresca, a Península já
tinha uma poesia aqui nascida e evolucionada, uma poesia nitidamente tradicional.
O provençalismo invadiu os salões fidalgos, fascinando as donas e as donzelas.
Tornou-se moda na aristocracia do tempo acolher trovadores e jograis, escutar-lhes
as cantilenas de amor e outras, ao som de instrumentos apropriados, em que o
coração do poeta extravasava de angústias, às vezes fingidas. Mas nós já possuíamos
uma poesia autóctone, nossa estritamente, que passou a coexistir com a importada da Ocitânía. As composições
imitadas do trovadorismo provençal eram as cantigas de amor; as germinadas no solo hispânico desde tempos
antiquíssimos (não se sabe como nem quando) eram as cantigas de amigo.
São denominadas cantigas de amigo as composições de curtas estrofes, quase sempre de número par e com
estribilho melódico, para serem repetidas nos lábios da mulher amada. São lamentos pela demora ou frieza do
«amigo», e por outras razões de desditas. Os poetas galaico-portugueses enfileiraram entusiasticamente na
falange dos cultores do provençalismo. Demonstra-o a existência dos tão afamados e fertilíssimos cancioneiros
trovadorescos. Excedem a soma de mil e seiscentas as composições só no Cancioneiro da Biblioteca Nacional de
Lisboa, o que documenta a rica afloração do lirismo no lapso de história em que a poesia provençal influiu na
Península. As cantigas de amigo, porém, mantiveram-se no pleno fervor dos mais lídimos poetas. O rei D. Dinis, por
exemplo, deixou 52 cantigas de amigo, além de 76 cantigas de amor.
E como se espalhou a corrente provençal por toda a Península? Como se introduziu em Portugal? Houve sempre,
desde épocas imemoriais, cantores aventureiros errando pelas estradas e fazendo-se ouvir nas romarias, nas casas
12
nobres, nas festanças públicas e domésticas. O século XI, na Provença, viu multiplicarem-se vagabundos de
instrumentos a tiracolo, que faziam profissão de entreterem os ouvintes com cantares ao som das cordas. Eram os
jograis. O trovador concebia a canção; o jogral decorava-lhe os versos, e cantava-os ao som da viola, da harpa, da
cítara, das flautas. Há, pois, diferenças entre um e outro.
O trovador, geralmente pessoa de cultura e jerarquia elevada, era um poeta na acepção moderna do vocábulo - um
artista da forma, um joalheiro do verbo criando belas imagens em ritmos de orquestra. O trovador versejava por
gosto, sem mira na paga ou em qualquer modo de remuneração pecuniária. A fama glorificadora e o sorriso da
bem-amada lhe bastavam à sua facúndia lírica. Tão puro altruísmo só seria concebível com “gente d'algo”, cuja
exuberância de meios os não forçasse a mercantilizar o talento na aceitação de espórtulas. É certo que as iluminuras
de alguns cancioneiros exibem trovadores a cantar ao lado dos jograis, que estão tangendo o seu instrumento
musical. Mas são casos de excepção. O ânimo de vagabundagem também espicaçava, por vezes, os trovadores de
nobre estirpe.
O jogral era mais músico do que poeta. Eram os pedintes que vagueavam por cidades e aldeolas a entoar versos
alheios em partitura apropriada. O jogral garganteava composições poéticas dos trovadores mais afamados em
auditórios que o aplaudiam, às vezes nos salões das cortes feudais. As portas abriam-se e o jogral entrava nos
palácios amuralhados da Idade Média. O banquete escoava-se na férvida animação dos convivas. As damas e as
donzelas sorriam sob os olhares indiscretos dos condes, dos barões, dos gentil homens, dos escudeiros, dos pajens.
O jogral vinha, e o rumor serenava: todos se propunham escutar o músico chegado há pouco de longínquas terras,
Deus sabe! E o jogral, acompanhado de viola ou de outro instrumento, modulava a canção de amor dum poeta
célebre. Quase sempre ele era também bufão e malabarista: proferia chocarrices, fazia contrações atléticas de
ginasta, guinchava, saltava, e rebolava-se para gáudio dos ricos hospedeiros. Escolares foliões, clérigos devassos,
fidalgos dissolutos, os jograis constituíam a babugem intelectual daquela época; mas serviram de veículo a uma das
13
mais belas criações de todos os séculos - a poesia provençal. E deste modo, pelo conduto nem sempre sério ou limpo
dos jograis, a emoção lírica foi alastrando na Provença, primeiro, e depois nas províncias de Espanha. Eles foram, se
não os únicos, os principais apóstolos da cultura trovadoresca.
Quais os factores da introdução em Portugal? Sabe-se com que diligência o conde D. Henrique, originário de
Provença, trouxe da sua pátria os colonos para o repovoamento das terras tomadas aos mouros.
(Joaquim Ferreira)
- Cantigas de amor
- Cantigas de amigo
14
Cantigas de amor
16
Cantigas de escárnio e maldizer
17
Os Cancioneiros
Graças à existência desses Cancioneiros, temos hoje exemplos de cantigas medievais portuguesas, mesmo que a
maioria delas sejam de autoria de poetas nobres e que as mais populares se tenham perdido no tempo.
18
Estão disponíveis, na Internet, no “site” “Cantigas Medievais Galego-Portuguesas”, os poemas destes três
Cancioneiros. Aqui.
São identificados 172 poetas dos quais se apresentam biografias e textos.
19
A poesia disponível nesta coletânea
Nesta coletânea, mais modestamente, como já foi referido, são disponibilizados 38 poemas de
20 autores, com textos originais e respetiva adaptação ao Português moderno, um trabalho de
Deana Barroqueiro, e nessa qualidade, declamados.
De cada poema são apresentadas duas versões: sem e com música, esta, sugerindo a que se ou-
via nesse tempo.
A apresentação dos autores aparece por ordem alfabética e as cantigas não são classificadas. Deixo aos leitores e
ouvintes o cuidado da as identificarem como cantigas de amor, de amigo ou de escárnio e maldizer.
Iniciamos esta apresentação com dois poemas de dois poetas árabes, em homenagem à importância que esta poesia
teve na que se seguiu, já de poetas cristãos.
20
Al-Mu’Tamid
21
"Invisível a meus olhos,
Trago-te sempre no coração
Te envio um adeus feito paixão
E lágrimas de pena com insónia.
Inventaste como possuir-me
E eu, o indomável, que submisso vou ficando!
Meu desejo é estar contigo sempre
Oxalá se realize tal desejo!
Assegura-me que o juramento que nos une
Nunca a distância o fará quebrar.
Doce é o nome que é o teu
E aqui fica escrito no poema: Itimad."
22
Ibn Ammar
23
A AMADA
24
Afonso Mendes de Besteiros
25
Português antigo Português moderno
26
Don foão que eu sey Dom Fulano que eu sei
que á prez de liueldade que tem mérito de ligeireza
vedes que fez ena guerra vedes que fez na guerra
(sabede-o por uerdade): (sabei-o por verdade):
sol que uyu os genetes, só de ver os ginetes,
come can que sal de grade, como cão que sai de prisão,
sacudiu-ss'e reuolueu-sse, sacudiu-se revolveu-se,
alçou rab'e foy síi vya alçou rabo e foi-se
a Portugal. a Portugal.
27
Airas Nunes
28
Poesia (1)
Português antigo Português moderno
Baylemos nós já todas três, ay amigas, Bailemos nós já todas três, ai, amigas,
so aquestas auelaneyras frolidas sob estas avelaneiras floridas
e quen for uelida, como nós, uelidas, e quem for bonita, como nós, bonitas,
se amigo amar, se aquestas auelaneyras frolidas se amigo amar,
uerrá baylar. sob estas avelaneiras floridas
virá bailar.
Bailemos nós já todas três, ay irmanas.
so aqueste ramo destas auelanas,
Bailemos nós já todas três, ai, irmãs.
e quen for louçana, como nós, louçanas, sob este ramo destas aveleiras,
se amigo amar, e quem for louçã, como nós, louçãs,
so aquesto ramo destas auelanas se amigo amar,
uerrá baylar. sob este ramo destas aveleiras
virá bailar.
Par Deus, ay amigas, mentr'al non fazemos,
so aqueste ramo frolido bailemos, Por Deus, ai amigas, enquanto mais não fazemos,
e quen ben parecer como nós parecemos, sob este ramo florido bailemos,
se amigo amar, e quem bem parecer como nós parecemos,
so aqueste ramo so lo que nós bailemos se amigo amar,
uerrá bailar. sob este ramo sob o que nós bailemos virá bailar.
29
Poesia (2)
Português antigo Português moderno
Diss'el: «poy'lo iantar foy dado, Disse ele: «pois o jantar foi dado,
load'este iantar onrrado», louvai este jantar honrado»,
dix'eu: «faria-o de grado, disse eu: «fá-lo-ia de bom grado,
mais iurei antan' en Jaen, mas jurei há muito em Jaen,
na oste, quando fuy cruzado, na hoste, quando fui cruzado,
que nunca diga de mal ben». que nunca diria do mal bem».
30
Airas Peres Vuitoron
31
Português original Português moderno
Don Estevam diz que desamor Dom Estevão diz que desamor
á con el-rey, e sey eu ca ment’i, tem com el-rei, e eu sei porque mente,
ca nunca uiu prazer, poys foi aqui é porque nunca teve prazer, enquanto esteve aqui
o Conde, nen ueerá, mentr' el i for, o Conde, nem terá, enquanto ele aí estiver,
e, per quant' eu de sa fazenda sey, e, por quant' eu dos seus bens sei,
por que non uen ao reyno el-rey, como não vem ao reino el-rei,
non uee cousa ond' aia sabor. não acha prazer em nada
Con arte diz que non quer a 'l-rey ben Com arte diz que não quer bem a el-rei
ca sey eu d'el ca iá non ueerá mas eu sei que ele já não terá
nunca prazer, se o Conde reynará, nunca prazer, se o Conde reinar,
ca ben quit’é de ueer nulha ren porque bem longe está de alguma coisa ter
don Esteuan, ond' aia gran prazer! dom Estevão, ond' haja grão prazer!
d' est' é iá el ben quite de ueer, Deste já ele está bem longe de ver,
mentr' o Cond' assy ouuer Santaren. enquanto o Conde for senhor de Santarém.
Por que uos diz el que quer a 'l-rey mal? Por que vos diz ele que quer a mal a el-rei?
ca ren non uee, assi Deus mi perdon, é porque não vê nada, assim Deus me perdoe,
que el mays ame eno seu coraçonnen que ele mais ame no seu coração
ueerá nunca, e direy-uos al: nem verá nunca, e vos direi mais:
poys que ss'agora o reyno partiu, posto que se agora o reino partiu,
prazer poys nunca don Estevan uyu prazer, pois, nunca dom Estevão teve
nen ueera iamays en Portugal! nem terá jamais em Portugal!
32
D. Dinis
33
de comércio, em 1308. Foi o grande impulsionador da nossa marinha, embora fosse à agricultura que dedicou maior
atenção. A exploração das terras estava na posse das ordens religiosas. D. Dinis procurou interessar nelas todo o
povo, pelo que facilitou distribuições de terras. Fundou aldeias, estabeleceu toda uma série de preciosas medidas
tendentes a fomentarem a agricultura, adoptando vários sistemas consoante as regiões e as províncias.
Deve-se ainda a D. Dinis um grande impulso na cultura nacional. Entre várias medidas tomadas, deve citar-se a
Magna Charta Priveligiorum, primeiro estatuto da Universidade, a tradução de muitas obras, etc.
(O Portal da História)
34
Poesia (1)
Português antigo Português moderno
As flores, ay flores, do uerde pinho, Ai flores, ai flores do verde pinho,
se sabedes nouas do meu amigo! Se sabedes novas do meu amigo!
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
Ay flores, ay flores do uerde ramo, Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes nouas do meu amado! Se sabedes novas do meu amado!
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
Se sabedes nouas do meu amigo, Se sabedes novas do meu amigo
aquel que mentiu do que pôs comigo! Aquel que mentiu do que pôs comigo!
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
Se sabedes nouas do meu amado, Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mh-á iurado! Aquel que mentiu do que mi á jurado!
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
Vós me preguntades polo uoss' amigo, Vós me perguntades polo voss' amigo,
e eu ben uos digo que é san' e uiuo: E eu ben vos digo que é san’e vivo.
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
Vós me preguntades polo uoss' amado, Vós me perguntades polo voss' amado,
e eu ben uos digo que é uiu' e sano : E eu ben vos digo que é viv'e sano.
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
E eu ben uos digo que é san' e uiuo E eu ben vos digo que é san' e vivo
e seerá vose’ant o prazo saydo: E será vosso ante o prazo saído.
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
B eu ben uos digo que ê uiu' e sano E eu ben vos digo que é viv' e sano
e seerá vose'ant' o prazo passado: E será vosso antes o prazo passado.
ay Deus, e hu é? Ai Deus, e u é?
35
Poesia (2)
Português antigo Português moderno
36
Poesia (3)
Português antigo Português moderno
Mha madre uelida, Minha mãe bonita,
uou-m' a la baylia vou-me ao baile
do amor. do amor.
Mha madre loada, Minha mãe louvada,
uou-m' a la baylada vou-me à bailada
do amor. do amor.
Vou-m' a la baylia Vou-me ao baile
que fazen en uila que fazem na vila
do amor. do amor.
Vou-m' a la baylada Vou-me à bailada
que fazen en casa que fazem en casa
do amor. do amor.
Que fazen en uila Que fazem na vila
do que eu ben queria, do que eu bem queria,
do amor. do amor.
Que fazen en casa Que fazem en casa
do que eu muyt' amaua, do que eu muit' amava,
do amor. do amor.
Do que eu ben queria; Do que eu bem queria;
chamarm' an garrida chamar-me-ão garrida
do amor. do amor.
Do que eu muyt'amaua; Do que eu muit' amava;
chamar-m' an perjurada chamar-me-ão perjurada
do amor. do amor.
37
Poesia (4)
Português antigo Português moderno
Proençaes soen mui ben trobar Provençais costumam mui bem trovar
e dizen eles que é con amor; e dizem eles que é com amor;
mais os que troban no tempo da frol mas os que trovam no tempo da flor
e non en outro, sei eu ben que non e não noutro tempo, sei eu bem que não
an tan gran coita no seu coraçon têm tão grande mágoa no seu coração
qual m'eu por mha senhor vejo levar. qual eu por minha senhora me vejo levar.
38
Poesia (5)
Português antigo Português moderno
E queria mha mort'e non mi uen, E queria minha mort'e não me vem,
senhor, por que tamanh' é o meu mal senhor, porque tamanh' é o meu mal
que non uejo prazer de min nen d'al, que não vejo prazer de mim nem d'outra coisa,
nen ueerei ja, esto creede ben, nem verei já, isto crede bem,
hu non uir uós, que eu por meu mal ui. não o ver vós, que eu por meu mal vi.
E poiya meu feyto, senhor, assy é, E pois meu feito, senhor, assim é,
querria ja mha morte, poys que non queria já minha morte, pois que não
uejo d'e mi nen d'al, nulha sazon, vejo de mim nem d'outrem, nenhuma ocasião,
prazer, nen ueerey ja per bõa fe, prazer, nem verei já por boa fé,
hu non uir uós, que eu por meu mal ui, não o ver vós, que eu por meu mal vi.
Poys non auedes mercee de mi. Pois não haveis mercê de mim.
39
Poesia (6)
Português antigo Português moderno
Joam Bol' anda mal desbaratado João Bolo anda muito destroçado
e anda trist' e faz muit' aguisado, e anda triste e faz muit' aguisado,
ca perdeu quant' avia guaanhado pois perdeu quanto tinha ganhado
e o que lhi leixou a madre sua. e o que lhe deixou a sua mãe.
Um rapaz que era seu criado, Um rapaz que era seu criado,
levou-lh' o rocim e leixou-lh' a mua. levou-lh’ o cavalo e deixou-lh’ a mula.
Aquel rapaz que Ih' o rocim levou, Aquele rapaz que Ihe o rocim levou,
se Ihi levass' a mua que Ihi ficou se Ihe levass' a mula que Ihe ficou
a Joam Bolo, como se queixou, a João Bolo, como se queixou,
non se queixár' andando pela rua; não se queixaria andando pela rua;
mais o rapaz, por mal que Ihi cuidou, mas o rapaz, por mal que Ihe desejou,
levou-lh' o rocim e leixou-lh' a mua. levou-lh’ o cavalo e deixou-lh’ a mula.
40
Poesia (7)
Português antigo Português moderno
41
Poesia (8)
Português antigo Português moderno
42
Poesia (9)
Português antigo Português moderno
Non posso eu, meu amigo, Não posso eu, meu amigo,
con vossa soidade com vossa saudade
viver, ben vo-lo digo; viver, bem vo-lo digo;
e por esto morade, e por isto morai,
amigo, u mi possades amigo, onde me possais
falar e me vejades. falar e me vejais.
Non posso u vos non vejo Não posso onde vos não vejo
viver, ben o creede, viver, bem o crede,
tan muito vos desejo; tanto vos desejo;
e por esto vivede, e por isto vivei,
amigo, u mi possades amigo, onde me possais
falar e me vejades. falar e me vejais.
Nasci em forte ponto; Nasci em má hora;
e, amigo, partide e, amigo, partilhai
o meu gran mal sen conto, o meu grande mal sem conto,
e por esto guaride, e por isto permanecei,
amigo, u mi possades amigo, onde me possais
falar e me vejades. falar e me vejais.
- Guarrei, ben o creades, Sararei, bem o creiais,
senhor, u me mandades. senhor, onde me mandais.
43
Poesia (10)
Português antigo Português moderno
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal, Pois minha senhora quis Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedor quando a fez, que a fez sabedora
de todo ben e de mui gran valor, de todo bem e de mui grande valor,
e con todo est'é mui comunal e contudo é mui sociável
ali u deve; er deu-lhi bon sen, quando deve; também lhe deu bom senso,
e des i non lhi fez pouco de ben, e além disso não lhe fez pouco de bem,
quando non quis que lh'outra foss'igual. quando não quis que lh'outra foss'igual.
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal, Porque na minha senhora nunca Deus pôs mal,
mais pôs i prez e beldad'e loor mas pôs mérito e beleza e louvor
e falar mui ben, e riir melhor e falar mui bem, e rir melhor
que outra molher; des i é leal que outra mulher; é também muito leal
muit', e por esto non sei oj'eu quen e por isto não sei eu hoje quem
possa compridamente no seu ben possa perfeitamente no seu bem
falar, ca non á, tra-lo seu ben, al. falar, porque não há outra coisa, além do seu bem.
44
Poesia (11)
Português antigo Português moderno
Ca, senhor, pero me fazedes mal Porque, senhora, como me fazeis mal
e mi nunca quizestes fazer ben, e me nunca quisestes fazer bem,
se soubessedes quanto mal mi uen se soubésseis quanto mal me vem
per uós, cuyd'eu par Deus, que pod'e vai, por vós, cuido eu por Deus, que pode e vale,
que aueriades doo de mi. que haveríeis dó de mim.
45
D. Sancho I
46
Português antigo Português moderno
47
Fernan Fernandez Cogomilho
48
Já de seu filho homónimo temos menos dados. O único seguro é que passou a Castela, onde morreu em 1290
(bastante jovem, portanto), na batalha de Chincilla de Albacete, combatendo nas fileiras de D. Sancho IV contra o
rebelde D. Estêvão Rodrigues de Castro.
49
Português antigo Português moderno
Ay, mha senhor, lume dos olhos meus! Ai, minha senhora, lume dos olhos meus!
hu uos non uir, dizede-mi, por Deus, onde vos não vir, dizei-me, por Deus,
que farey eu, que uos sempre amei? que farei eu, que vos sempre amei?
Pois m'assi ui, hu uos uejo, morrer. Pois me assim vi, onde vos vejo, morrer,
hu uos non uir, dizede-m' ua ren, onde vos não vir, dizei-m' uma coisa,
que farey eu, que uos sempre amei? que farei eu, que vos sempre amei?
Eu, que nunca outren soube seruir Eu, que nunca outrem soube servir
se non, senhor, uós, e, hu uos non uir, senão, senhora, vós, e, onde vos não vir,
que farey eu, que uos sempre amei? que farei eu, que vos sempre amei?
50
Fernan Rodriguez Calheiros
51
Português antigo Português moderno
52
João Garcia de Guilhade
53
Poesia (1)
Português antigo Português moderno
Ai, dona fea, foste-vos queixar Ai, dona feia, foste-vos queixar
que vos nunca louv'en [o] meu cantar; que nunca vos louvei no meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar mas agora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via; em que vos louvarei sempre;
e vedes como vos quero loar: e vedes como vos quero louvar:
dona fea, velha e sandia! dona feia, velha e demente!
Dona fea, nunca vos eu loei Dona feia, nunca vos eu louvei
en meu trobar, pero muito trobei; no meu trovar, inda que muito trovei;
mais ora já un bon cantar farei, mas agora já un bom cantar farei,
en que vos loarei toda via; em que vos louvarei sempre;
e direi-vos como vos loarei: e vos direi como vos louvarei:
dona fea, velha e sandia! dona feia, velha e demente!
54
Poesia (2)
Português antigo Português moderno
Estes meus olhos nunca perderán, Que esses meus olhos, minha senhora,
senhor, gran coita, mentr'eu vivo for. nunca viram tamanho desgosto que vivo,
E direi-vos, fremosa mia senhor, E te digo minha bela senhora:
destes meus olhos a coita que han: estes meus olhos apaixonados e com grande desgosto
choran e cegan quand'alguén non veen, choram e cegam quando te vêem.
e ora cegan per alguén que veen.
Sorte tens de nunca perder
Guisado tẽen de nunca perder meus olhos apaixonados e meu coração
meus olhos coita e meu coraçón. E esta paixão, minha senhora, são minhas.
E estas coitas, senhor, minhas son; Mas os meus olhos por ver alguém
mais-los meus olhos, per alguén veer, choram e cegam quando estes não os vêem
choran e cegan quand'alguén non veen, e depois cegam por alguém que vêem.
e ora cegan per alguén que veen.
E nunca poderei ficar bem,
E nunca ja poderei haver ben, pois nem o amor e nem Deus me quer.
pois que Amor ja non quer, nen quer Deus. Mas os meus olhos cativos
Mais os cativos destes olhos meus morrerão e cegarão, quando não forem vistos
morrerán sempre por veer alguén: e cegarão por serem vistos também.
choran e cegan quand'alguén non veen,
e ora cegan per alguén que veen.
55
Poesia (3)
Português antigo Português moderno
Vistes, mias donas, quando noutro día Reparastes, donas, que no outro dia
o meu amigo comigo falou, o meu namorado, comigo falou
foi mui queixos'e, pero se queixou, Como se queixava? Tanto se queixou
dei-lh'eu entón a cinta que tragía, que lhe dei o cinto.
mais el demanda-m'or'outra folía. Dei-lhe o que podia:
e pede-me agora o que não devia.
E vistes (que nunca, nunca tal visse!)
por s'ir queixar, mias donas, tan sen guisa, Vistes (antes nunca tal coisa se visse!)
fez-mi tirar a corda da camisa que à força de muito, muito se queixar,
e dei-lh'eu dela ben quanta m'el disse, fez-me da camisa o cordão tirar:
mais el demanda-mi al, que non pedisse. o cordão lhe dei: no que fiz tolice:
e o que pede agora, antes não pedisse.
Sempr'haverá don Joán de Guilhade,
mentr'el quiser, amigas, das mias dõas, Das minhas ofertas, João de Guilhade,
ca ja m'end'el muitas deu e mui bõas, enquanto as quiser, não o privarei,
des i terrei-lhi sempre lealdade, que muitas e boas, já dele alcancei;
mais el demanda-m'outra torpidade. Nem lhe negarei, minha lealdade.
Mas... de outras loucuras, tem ele vontade!
56
Poesia (4)
Português antigo Português moderno
Pero quen quer x’entenderá Mas quem quer que seja entenderá
aquestes olhos quaes son, de quem são estes olhos,
e d’est’alguén se queixará, e disto alguém se queixará,
mais eu... ja quer moira, quer non: mas eu... já quer morra, quer não:
Os olhos verdes que eu vi Os olhos verdes que eu vi
me fazen ora andar assi. me fazem agora andar assim.
57
João Soares Coelho
58
Português antigo Português moderno
Luzia Sánchez, jazedes em gram falha Luzia Sánchez, estais em grande falta
comigo, que nom fodo mais nemigalha comigo, que nom fodo mais nada senão
d’ua vez; e, pois fodo, se Deus mi valha uma vez; e, pois fodo, se Deus me valer
fiqu’end’afrontado bem por tercer dia. fique disso afrontado bem por três dias.
Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia, Por Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,
se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia. se eu vos pudesse foder, foder-vos-ia.
Vejo-vos jazer migo muit’aguada, Vejo-vos deitar comigo muito defraudada,
Luzia Sánchez, porque nom fodo nada; Luzia Sánchez, porque não fodo nada;
mais se eu vos per i houvesse pagada, mas se eu com isso vos satisfizesse,
pois eu foder nomposso, peer-vos-ia. pois eu foder não posso, peidar-vos-ia.
Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia, Por Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,
se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia. se eu vos pudesse foder, foder-vos-ia.
Deu-mi o Demo esta pissuça cativa, Deu-me o Demo esta pissuça cativa,
que já nom pode sol cospir saíva que já nem pode cuspir saíva
e, de pram, semelha mais morta ca viva, e, de certo, parece mais morta que viva,
e se lh’ardess’a casa, nom s’ergeria. e se lh’ardess’a casa, não s’ergueria.
Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia, Por Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,
se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia. se eu vos pudesse foder, foder-vos-ia.
Deitarom-vos comigo os meus pecados; Deitaram-vos comigo para mal dos meus pecados
cuidades de mi preitos tam desguisados, pensais de mi coisas tão desconcertadas,
cuidades dos colhões, que tragu’inchados, cuidais dos colhões, que tragu’inchados,
ca o som com foder e é com maloutia porque o são com foder e é com doenças
Par Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia, Por Deus, Luzia Sánchez, Dona Luzia,
se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia. se eu vos pudesse foder, foder-vos-ia.
59
João Soares de Paiva
60
Português antigo Português moderno
“Ora faz ost’o senhor de Navarra, “Agora faz isso o senhor de Navarra,
pois en Proenç’est’el-Rei d’Aragon; pois em Provença é o rei de Aragão;
non lh’an medo de pico nen de marrra não têm medo, nem do seu pico, nem à sua Marra
Tarraçona, pero vezinhos son; em Tarazona, nem que está perto;
nen an medo de lhis poer boçon não têm medo de lhes colocar aríetes
e riir-s’an muit’Endurra e Darra; e serão rir muito Inzura e Darren;
mais, se Deus traj’o senhor de Monçon mas, se Deus traz o senhor de Monção
ben mi cuid’eu que a cunca lhis varra. estou certo de que lhes destruirá a bacia.
Se lh’o bon Rei varrê-la escudela Se o bom Rei lhes arrasa a Escudela,
que de Pamplona oístes nomear, que de Pamplona ouvistes chamar,
mal ficará aquest’outr’en Todela, mal ficará o outro em Tudela,
que al non á a que olhos alçar: não tem outra coisa de que se preocupar:
ca verrá i o bon Rei sejornar pois verá o bom Rei em acampamento
e destruir atá burgo d’Estela: e destruir até o burgo de Estella:
e veredes Navarros lazerar verás sofrer os navarros e ao senhor
e o senhor que os todos caudela. que a todos comanda.
Quand’el-Rei sal de Todela, estrëa Quando o senhor sai de Tudela, lança
ele sa ost’e todo seu poder; ele a sua hoste e todo o seu poder;
ben sofren i de trabalh’e de pëa, bem sofrem aí de sacrifício e de pena,
ca van a furt’e tornan-s’en correr; pois saem para roubos e voltam correndo;
guarda-s’el-Rei, comde de bon saber, o Rei procura, como perito,
que o non filhe a luz en terra alhëa, que não amanheça em terra alheia,
e onde sal, i s’ar torn’a jazer e de onde partiu, ele torna a dormir,
ao jantar ou se on aa cëa.” o almoço ou então o jantar.”
61
João Zorro
62
Português antigo Português moderno
63
Jorge Aguiar
64
Poesia (1)
Português antigo Português moderno
65
Tuas mui grandes firmezas, Tuas mui grandes firmezas,
tuas grandes perdições, tuas grandes perdições,
suas desleais nações suas desleais naturezas
causaram tuas tristezas, causaram tuas tristezas,
Pois nam te mates em vão, Pois não te mates em vão,
que, quanto mais as quiseres, que, quanto mais as quiseres,
verás que sam as molheres. lembra-te que são mulheres.
66
Poesia (2)
Português antigo Português moderno
67
Martin Codax
Martim Codax (século XIII e inícios do XIV) foi um jogral galego. Pouco se
conhece acerca da sua biografia, a começar pela sua origem. Acredita-se
que seja oriundo do sul da Galiza, de Vigo ou da ilha de São Simão, em
Redondela. Viveu entre a segunda metade do século XIII e o começo do
século XIV.
68
Português antigo Português moderno
Mia yrmana fremosa, treides comigo Minha irmã formosa, vinde comigo
a la igreja de Vig', u é o mar salido à igreja de Vigo, onde o mar é agitado
e miraremo-las ondas. e miraremos as ondas.
Mia yrmana fremosa, treides de grado Minha irmã formosa, vinde de bom grado
a la igreja de Vig', u é o mar levado à igreja de Vigo, onde o mar é levantado
e miraremo-las ondas. e miraremos as ondas.
69
Martin de Grijó ou Matin de Ginzo
70
Português antigo Português moderno:
Se uos prouguer, madr', oj' este dia Se vos aprazer, mãe, hoje este dia
hirey oj' eu fazer oraçon, irei hoje eu fazer oração,
e chorar muit'en Saneta Ceçília e chorar muito em Santa Cecília
destes meus olhos e de coraçon destes meus olhos e de coração
ca moyr'eu, madre, por meu amigo, pois morro eu, mãe, por meu amigo,
e el morre por falar comigo. e ele morre por falar comigo.
Se uos prouguer, madre, desta guisa Se vos aprouver, mãe, deste modo
hirei alá mhas candeas queimar irei lá minhas candeias queimar
eno meu mant' e na mha camisa e com o meu manto e a minha camisa
a Saneta Ceçilia ant' o seu altar, a Santa Cecília ante o seu altar,
ca moyr'eu, madre, por meu amigo, pois morro eu, mãe, por meu amigo,
e el morre por falar comigo. e ele morre por falar comigo.
71
Martin Suarez
72
Português antigo Português moderno
73
Nuno Fernandes Torneol
Quase nada sabemos sobre este autor, cujo nome tem dado origem a
alguma discussão. Assim, Resende de Oliveira, tendo em conta
exatamente a referida ausência de dados, sugeriu que o seu nome
poderia ser apenas Nuno Fernandes, sendo Torneol uma mera nota
de Colocci relativa ao tornel (refrão) das cantigas seguintes.
Esta hipótese não parece, no entanto, confirmar-se, já que,
posteriormente, Beltran localizou um documento, datado de 1244,
onde é referido um João Fernandes Torniol, à época, proprietário de
uma vinha em Córdova, o qual, segundo este investigador, poderia
ser irmão do trovador. Já mais recentemente José António Souto
Cabo localizou o apelido em dois documentos galegos, o primeiro
referindo um Fernandus Petri, dictus “Turniol” de Villari, que, em
1262, testemunha uma venda ao arcebispo João Airas, e o segundo em três sobrinhos do cónego compostelano Abril
Fernandes (no seu testamento, datado de 1269). A ser assim, Nuno Fernandes seria galego, e talvez originário da
região de Santiago.
Seja como for, o que parece certo é Nuno Fernandes ter desenvolvido a sua atividade trovadoresca por meados do
século XIII, muito provavelmente na corte castelhana de Fernando III ou Afonso X. De resto, os topónimos
castelhanos referidos na sua única cantiga de escárnio conservada parecem apontar nessa direção.
74
Português antigo Português moderno
75
Paio Soares de Taveirós
76
Português antigo Português moderno
77
Pero da Ponte
78
Português antigo Português moderno:
Con est' afan tan longado Com est' afã tão alongado
en forte pont' eu fuy nado! em má hora fui nascido!
que uos amo sen meu grado que vos amo contra vontade
e faço a uós pesar y. e vos causo mágoa.
79
Pedro Garcia Burgalês
80
Português antigo Português moderno
Roi Queimado morreu con amor Rui Queimado morreu de amor
en seus cantares, par Sancta Maria, nos seus cantares, por Santa Maria,
por ūa dona que gran ben queria: por uma dona a quem muito queria:
e, por se meter por mais trobador, e, para se mostrar melhor trovador,
porque lhe ela non quis ben fazer, porque ela não lhe quis bem fazer,
feze-s'el en seus cantares morrer, fez-s'ele em seus cantares morrer,
mais resurgiu depois ao tercer dia! mas ressuscitou ao terceiro dia!
Esto fez el por ūa sa senhor Isto fez ele pela sua senhora
que quer gran ben, e mais vos en diria: a que quer grande bem, e mais vos diria:
por que cuida que faz i maestria, como cuida que é mestre em trovar,
enos cantares que faz, á sabor e nos cantares que faz, tem prazer
de morrer i e des i d'ar viver; em morrer e logo voltar a viver;
esto faz el que x'o pode fazer, isto faz ele que o pode fazer,
mais outr'omem per ren' nono faria. mas outro homem por nada o faria.
E non á já de sa morte pavor, E não tem já de sua morte pavor,
senon sa morte mais la temeria, senão a sua morte mais temeria,
mais sabe ben, per sa sabedoria, mas sabe bem, por sua sabedoria,
que viverá, des quando morto for, que viverá, depois que morto for,
e faz-[s'] en seu cantar morte prender, e faz em seu cantar prender a morte,
des i ar vive: vedes que poder voltando logo à vida: vedes que poder
que lhi Deus deu, mais que non cuidaria. Deus lhe deu, mais do que se podia crer.
E, se mi Deus a mim desse poder E, se me Deus a mim desse o poder
qual oj'el á, pois morrer, de viver, que ele hoje tem, de viver após morrer,
já mais morte nunca temeria. jamais a morte eu temeria.
81
Nota Final
Chegámos ao fim da primeira coletânea, de uma série de três, com poesia portuguesa. Nesta primeira,
recordam-se, apenas, 20 poetas dos muitos que estão referenciados nos três cancioneiros e noutras fontes.
Repito: para quem se interessa por Poesia Medieval Portuguesa, recomendo a visita ao “site”, da responsabilidade do
Instituto de Estudos Medievais, denominado “Cantigas Medievais Galego-Portuguesas”.
O conteúdo é vastíssimo, para além do rigor técnico e literário.
Se tiver algum comentário ou sugestão a fazer pode contactar-me visitando o Estúdio Raposa.
II Volume - Do Cancioneiro de Garcia de Resende até à aparição do poema “Camões” de Garrett, que inaugura a
reforma romântica.
III Volume - Desde o início da reforma romântica pelo poema “Camões” de Garrett até aos nossos dias.
O Terceiro Volume pode vir a ser desdobrado em dois dada a enorme quantidade de poesia disponibilizada com o
advento dos blogues e das redes sociais com destaque para o Facebook.
A edição deste trabalho para iPad, assim como as futuras coletâneas, são da responsabilidade de André Gaspar.
Se pretende editar um trabalho seu, neste formato, recomendo-lhe este Editor, reconhecido como tal pela Apple.
Você pode ter o seu livro disponibilizado na Apple Store sem custos para si, apenas ganhos, se escolher uma das
possibilidades de edição.
Obrigado!
83
Título
............................................................................................
COLETÂNEA DE
POESIA PORTUGUESA
I VOLUME
Autor
............................................................................................
Luís Gaspar
[email protected]
Estúdio Raposa
Capa
.............................................................................................
Nuno Boquinhas
Editor e Designer...........................................................................
André Gaspar
91 351 74 56
[email protected]
Site Oficial
Ano de edição..................................................................................
Agosto de 2012
ISBN
..............................................................................................
978-989-97993-1-8
A revisão dos textos desta obra foi feita, exclusivamente, pelo autor. Copyright 2012 Luís Gaspar
84