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prericio A EDIGKO BR 7 Ageréncia vai & guerra Yasmin Afshar 21 INTRODUGAO eee [1] OS TRABALHADORES INDOCEIS 31 4. Indisciplinas operarias S39 2, Recursos humanos 49. 3-Inseguranga social 59 4. Guerra aos sindicatos pebbee et EES [2] REVOLUAO GERENCIAL 71 5. Uma crise teolégica 79. 6.Gerencialismo ético 95. 7. Disciplinar os gestores 108 8, Catalarquia —_—_——— [31] ATAQUE A LIVRE INICIATIVA 419 9, Ocerco ao governo privado: 130 10. A batalha das ideias sgz_11, Como reagit? 453. 42. Aempresa nao existe 470 13. Teorias de policiamento da empresa [4] UM MUNDO DE GONTESTADORES 189 14, Contra-ativismo corporativo 200 45. A produgao da dialogia dominante 209 45. A gestao dos problemas 219 17. Stakeholders [5] NOVAS REGULAGOES agi 18, Soft Law 253. 19. Custos/beneficios 270 20. Critica da ecologia politica 290 24, Responsabilizar [6] 0 ESTADO INGOVERNAVEL 307 22. Acrise de governabilidade das democracias 321 23. Hayek no Chile 335. 24. Nas fontes do liberalismo autoritério 349 25. Destronar a politica 368. 26. Micropolitica da privatizagao 389 CONCLUSAO 395 Referéncias bibliograficas 427, Sobre o autorPREFACIO A EDIGAO BRASILEIRA AGERENCIA VAI A GUERRA Em novembro de 2018, apenas um més depois da publicagao de A sociedade ingoverndvel, arrebentava na Franga a revolta dos coletes amarelos (giles jaunes). Inicialmente composto de habitantes dos subtirbios de Paris que foram as ruas pro testar contra o aumento dos combustiveis, o movimento se alastrou por todo o pais e suas reivindicagdes se avolumaram. De fato, poucos ‘meses antes, a revista Forbes estampava em sua capa a foto do presidente francés Emmanuel Macron guamecida “0 lider dos livres mercados" [The leader of the free ma Egresso do setor financeiro, Macron vinha implementando um programa tipicamente neoliberal ~ uma vez no cargo, decretou de imediato o fim dos impostos sobre grandes for- tunas e deu andamento as reformas trabalhista e previden- cidria, recorrendo ostensivamente As forcas repressivas para abafar qualquer contestagio. Em resposta & répida difusao e radicalizacao dos protestos dos coletes amarelos, prometeu “mais humanidade” em seu método de governo, sem, con- tudo, abrir mao de suas “ambigdes no plano econdmicc Mas 0s coletes amarelos nao abandonaram as ruas. Justo quando a revolta social (nao apenas na Franca) esta cada vez mais refratéria aos mecanismos de contengao don liberalismo, Grégoire Chamayou nos oferece uma nova inter: pretacao sobre a constitui¢o desses mecanismos. Sua *génese do liberalismo autoritério” chega ao Brasil num momento em que um governo ultraliberal com tendéneias autor aUuvisav NInoWA- uETTIOVUS oyEI03 Y OIOyINE implementa um programa similar ao de Macron ~ centrado em reformas trabalhista e previdencisria, além de cortes em gastos pliblicos ~ e igualmente avesso aos ritos democraticos. Com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, militar reformado saudoso da ditadura militar, eo ministro Paulo Guedes, eco nomista oriundo da Bscola de Chicago, vé-se, na pritica, que liberalismo e autoritarismo nao sao conceitos opostos. Cha- mayou mostra que a imbricacao entre esses termos marcou as manobras levadas a cabo em politicas governamentais ¢ também em praticas de gestio empresarial, as quais fizeram do neoliberalismo um regime politico-econdmico vidvel. Bssas iniciativas foram estimuladas pela necessidade de fazer frente a0 que se percebia como ingovernabilidade, permeando os mais diversos setores sociais, dentro e fora das empresas. “Ingovernivel” foi o termo empregado por tedricos con: servadores no final da déeada de 1960 pata se referir espiral de reivindieagdes que pressionava o poder politico no Estado intervencionista keynesiano. Nesse periodo, do qual o Maio de 68 é apenas um simbolo, os representantes patronais pres sentiram uma crise de legitimidade das empresas. O clima de contestacio atingia o ambiente empresarial tanto por dentro (insubor (movimentos de boicote). Mais ainda, os gestores corpora: tivos passaram a perceber que a propria sociedade havia se o, sabotagem, absenteismo) como por fora tornado insubmissa. Essa sociedade “ingovernive!” - palavra que remete & histéria do controle social da inféncia a partir do século x1x, aludindo ao menor pobre a ser submetido a tutela policial - impunha uma rearticulacao do poder. O autor explicita como o espectro dessa ingovernabilidade justifica a deriva autoritaria do liberalismo nos anos 1970. Para tanto, Chamayou ndo s6 expe as titicas das clas: ses dominantes para aplainar a crise social, como analisa os discursos corporativos, as téenicas de controle e repressa0 das empresas, mas també1 nalizada do Estado. Essas manobras foram acionadas como a repressio violenta institucio meios de despolitizagao da sociedade. Despolitizar significa, aqui, promover a anulag3o gradual da capacidade dos indi viduos de tomar as rédeas dos rumos da vida coletiva, 0 que guarda tragos comuns a qualquer concepgao autoritaria de sociedade. Ble ressalta que essa é uma das marea do pro- grama politico neoliberal: tudo aquilo que coloca em F 0 bom andamento dos negécios é pereebido como ameaca a ldgica de guerra Ora, as préprias técnicas de administragio surgiram no meio a ser combatida, conforme uma verda militar basicamente para fazer face a necessidades de gesto da guerra, sendo a logistica o melhor exemplo. Essa marea de origem, muito anterior aos anos 1960, faz-se presente em cenunciados e desenvolvimentos da chamada “administracao cientifica’, revestidos de indefectivel neutralidade técnica e isengao politica. Ao investigar a concepeao, por assim dizer, “militarizada’ das novas teorias gerenciais e governamentais, Chamayou retoma, de certo modo, o fio condutor de suas pesquisas ante. riores. Depois de finalizar se Norm estudos em filosofia na Beole le Supérieure de Lyon, na Franga, ele traduziu para 0 francés os textos elssicos sobre teoria da guerra de Carl von Clausewitz, general prussiano do século xrx. Em 2008, publicou seu primeiro trabalho de mais folego, Les Corps vils [Os corpos vis], seguido por Les Chasses a ’home (As cagas ao homem] € Teoria do drone, nos quais trata das relagoes entre técnica e dominagao com base em diferentes objetos de estudo. Ne obras, expde os modos brutais de objetificacao e aniquilacio de individuos e grupos ao longo da hist6ria, numa abordagem claramente marcada pela influéneia cle Michel Foucault. A ideia de uma sociedade ingovernavel subjaz ao libera- lismo qutoritério, “esse pequeno monstro conceitual”, nos dizeres de Chamayou, que pode abranger um amplo espec tro politico. Desse ponto de vista, ha mais coisas em comum entre Macron e Bolsonaro, ou Thatcher ¢ Trump, do que se poderia imaginar. Aqui, o liberalismo autoritario & eompreen- dido sobretudo pela despolitizacao da sociedade, que pode se realizar tanto pelo desmonte de mecanismos de participa- go € negociagio, como pela retirada de garantias e direitos sociais. Nos anos 1970, essa reorganizagao do poder patro nal e politico apareceria como andloga a certo gesto “leni nista’, “revoluciondrio", com o sinal trocado, com o objetivo 9de renovar a legitimidade da ordem dominante a qualquer custo - ou, melhor dizendo, com fins contrarrevoluciona rios. Aliss, 0 proprio Milton Friedman vinculou sua linha de pensamento econdmico a essa ideia: “O nome de Keynes é ‘© nome dbvio para associar A revolucao. A contrarrevolucao também precisa de um nome, e talvez 0 mais amplamente usado para se referira ela & ‘a Escola de Chicago". As titicas usadas pelos gestores “do andar de cima” nessa contrarrevo lugio sio justamente o objeto do texto a seguir. Contribuigdes para o estudo do neoliberalismo Ao tracar a genealogia do liberalismo autoritario, Chamayou ‘nao assume a perspectiva das dinamicas impessoais do capi- tal e da concorréncia, tampouco a dos revoltosos, “os de baixo”, mas sim a dos governantes, “os de cima”, “Governo" aqui nao se limita, é claro, ao Estado, mas se refere a toda forma de exercicio de poder soberano, inclusive aquelas que se organizam & margem do poder estatal. O autor trata, em especial, de analisar o governo privado exercido pelos gesto- res do capital. Tal acepedo nbs faz associar o texto ao campo de pesquisas aberto por Michel Foucault A esse campo, incorporaram- dot ¢ Laval! ¢, mais recentemente, Brown’ ~ s6 para mencio- nar alguns trabalhos publicados no Brasil na iiltima décatla is pesquisas de Chiapello e Boltanski? Dar 2 Milton Friedman, “The Counter-Revolution in Monetary Theory” ea Occasional Paper, n.33. London: Institute of Eeonomic Affairs, 1970, po 2 Michel Foucault, Nascimento da Biopolitica, trad. bras. Eduardo Brando. Sto Paulo: Martins Fontes, 2008 3 Luc Boltanski e Eve Chiapello, 0 novo espirito do capitatismo, trad. bras. Ivone Benedetti. Sao Paulo: Martins Fontes, 2009, 4. Pierre Dardote Christian Laval, A nova razdo do mundo: Ensaio sobre a sociedade neoliberal, trad. bras. Mariana Echalar. Sa0 Paulo: Boitempo, 2016. 5. Wendy Brown, Nas ruinas do neoliberalismo, trad. bras. Mario ‘Marino e Eduardo Santos. Sao Paulo: Politeia, 2019, e que tiveram uma recepeao considerdvel no pais. Nessas obras, 0 neoliberalismo ¢ interpretado nao apenas como uma doutrina econémica, mas como uma racionalidade, isto , uma légica subjacente as praticas governamentais. Essa normatividade neoliberal eonsiste na generalizacio da concorréncia nos ambitos da sociabilidade, linguagem, orde namento do Estado e subjetividade. A sociedade ingoverndvel integrase nesse debate como uma contribuicdo inovadora, de earater fortemente politico. ‘Uma primeira novidade do ensaio ¢ a abordagem do pro- blema, centrada na empresa como forma de governo. Cha- mayou define a empresa como uma entidade corporato-poli- tica, ou seja, um ente capaz de eriar dispositivos de controle, mas cujo poder depende do consentimento dos dominados ¢, portanto, precisa ser justificado, Lembrando que, segundo Foucault, uma das consequéneias do programa intelectual do neoliberalismo € a generalizacdo da forma empresa no interior do tecido social, e Chamayou procura desenvolver uma “filosofia critica da forma empresa’. Poderfamos dizer que essa tarefa consiste na critica da ética social empresarial, cujas bases foram langadas por autores como Weber, Sombart € Schumpeter: Como material de pesquisa, ele se vale de arti- £05, relatérios, declaracdes e outros registros feitos entre as décadas de 1950 € 1970 por porta-vozes de grandes corpora- ges dos Estados Unidos (diretores executivos, revistas de negécios, tebricos da administracao). Ao longo do texto, des- mistifica-se 0 “espfrito de aventura” dos investidores, assim como a “capacidade de inovacio” dos empresarios, entre outros clichés que apelam ao primado da vontade autonoma do gestor. Chamayou mostra que conceitos como “liberdad “responsabilidade” e “didlogo” foram empregados, n antes serem deformados, para esvaziar as demandas politicas que obstavam interesses corporativos. Conforme jé apontaram Boltanski ¢ Chiapello, a oposicio: .rigidez.do modelo fordista e as demandas por autonomia, ctiatividade e flexibilidade foram subsumidas, nas dltimas décadas do século xx, pelo capitalismo das redes e dos pro- jetos individuais. Algo dessa recusa & rigidez aparece na fas- iuvsay NINSHA- WuIZTISYNG OybIO3 ¥ OIDYLBKE cinante primeira parte do livro, cujo tema € a insubmissio operaria, Todavia, a énfase do ensaio nao é tanto sobre a cap: tura, por parte da empresa, dos elementos de contestag mas prineipalmente sobre o modo pelo qual esses elementos silo convertidos, no ambito do jogo politico, em procedimen- tos de neutralizagdo da insubmissao. Uma segunda contribuigao particularmente interessante refere-se a andlise da modulagao discursiva conforme um método genealégico. O autor evidencia como esses discursos, cuja emerg@ncia foi possibilitada por conexdes, impasses € jogos de forca vigentes em dado momento histérico, foram alcados a0 nivel de evidéncia e generalidade, constituindo certa racionalidade que orientaria a implementagao de novos dispositivos de poder. Nao se trata, entretanto, de con- ceber sua formulagao como resultado consciente e coorde- nado da classe dominante como grupo uniforme; ao contr rio, Chamayou sublinha que as téticas emergiram em meio a conflitos concretos. Tampouco se trata de uma genealogia entendida como inventario ou enumeracio de concepedes teéricas alinhadas que, ao final, apresentasse as politicas neoliberais de hoje como derivacio direta do que preconiza- vam os pais do neoliberalismo. “Nossa era é neoliberal, isso € certo, mas um neoliberalismo bastardo", diz Chamayou, logo nas primeiras paginas. Ao situar os discursos apologé- ticos na luta politica, revela suas necessarias contradigoes. Ainda dace patronal, trata-se sempre de mostré-la como resultado de uma confrontago. Contudo, no interior dese governo privado que € a empresa, politica e economia se condi ham uma a outra, em camadas sueessivas de determinagao miitua, Seria um equivoco concluir que Chamayou defende 0 primado do politico, embora ele exponha a arquitetura ins titueional que garante a ordem dos mercados ~ a qual nada tem de espontanea. Por fim, outra importante contribuigao para as pesquisas sobre o neoliberalismo é a explicitagao de suas raizes antili- berais e autoritérias. De fato, o debate nao é novo: 0 proprio termo “liberalismo autoritério” retoma o titulo de um texto que ele pretenda construir uma histéria da mental publicado pelo jurista antifascista Hermann Heller, em polé- mica com Carl Schmit, ja em 1933, Heller se contrapds 4 tese schmittiana de que o bom funcionamento da economia de mereado dependeria de um Estado forte ¢ da despolitizagao da sociedade. i esse tltimo elemento, em especial, o marca- dor do autoritarismo inerente a essa vertente do liberalismo, mento da democracia ~ ainda que preseinda do uso explicito da violéncia. Chamayou ressalta que 86 se realiza no esvaz que, muitas vezes, manobras de despolitizagio tém sido con: duzidas sem que 0 aparato repressivo precise ser acionado. Essa dimensao schmittiana do pensamento neoliberal esta presente na tiltima parte, dedicada ao debate da crise da democracia. Se Foucault havia assinalado a existéncia de uma erise da governabilidade no interior de diversas insti tuigGes (familia, presidio, manic6mio), tedricos conservado: res como Samuel Huntington denunciavam, como limite do regime democritico, essa mesma recusa em ser governado. | Ao longo do texto, @ contetido a > da ingovernabil dade transborda, aos poucos, de dentro da empresa para 0 restante da sociedade, que se revela, ela mesma, ingovernd- vel. Bis o impasse: os impulsos autodestrutivos inerentes a0 capital sao em parte contidos pelas politicas democraticas; a0 mesmo tempo, toda tentativa de ampliagao da soberania popular ou até de regulacao social ¢ constantemente perce bida pelas classes dominantes como intoleravel. Essa ideia no deixa de ser uma reformulagao da tese central da obra grande transformagéo na qual Polanyi afirma que, historica- mente, as aspiragées dos liberais pelo livre mercado foram sucedidas por ondas de protegio social que as limitaram. Pode-se dizer que, em termos dialéticos, o capitalismo per- dura gracas a ago contriria a sua expansio e seu aprofun- damento por parte da sociedade organizada. Seguindo essa linha interpretativa, os neoliberais teriam impulsionado a reagao as contestagdes do final da déeada de 1960; e aqui 6 Karl Polanyi, A grande transformagdo: As origens de nossa época, trad. bras. Fanny Wrabel. Rio de Janeiro: Campus, 2000. 13\yoraysaks Layesav NIMS¥A- vUTaTISVEB OY Chamayou sugere um terceiro movimento, um acréscimo & dindmica dual descrita por Polanyi # preciso ter em mente que o Estado de bem-estar social ‘europeu foi implementado para garantir a adesio da classe trabalhadora a nova ordem em um mundo bipolar, ¢ s6 pode durar enquanto foi capaz de sustentar a expansao capitalista ¢ pacificar os conflitos sociais internos - ja que as tensdes ¢ 0s conflitos externos eram permanentes. Essa pacificagio se deu por meio da institucionalizagao das lutas sociais, com a consequente despolitizagio da sociedade. Afinal, para que a democracia seja governdvel, conforme escreve Jacques Donize- lot, é preciso haver um declinio das paixoes politicas. Impos: sibilitado de se submeter plenamente as injungdes da massa no interior do regime democratico, o poder politico a reduz a mero objeto de gestio, mais tarde entendido como “o social”. Dessa mesma sociedade gerenciada do segundo pés-guerra, surgiriam impulsos de contesta¢do, marcando uma fissura da Tegitimidade desse pacto social, Foi assim que a despolitiza go engendrou, de certo modo, um processo de repolitizagao. No fim dos anos 1960, a propria estrutura fordista, de cart ter rigidamente hierarquico (incluindo os sindicatos) sofreu um duro golpe. As classes dominantes passaram, entiio, & via schmittiana: definir 0 inimigo interno (aquele que poe em risco os negécios) e combaté-lo mediante uma estratégia de divisao, neutralizagao e supressio, para enfim reestabelecet ‘© monopélio do poder. £ nesse terceiro movimento que se constitu o liberalismo autoritério, no qual permanecemos enredados até os dias atuais. J Jacques Donzelot, Invention du social: Essai sur le déctin des pas ‘Sons politiques. Paris: Seuil, 1994. Nas palavras do autor: “De acordo ‘com a sua determinacio politica, o social parece ser uma invenca0 necesséria para tornar governével uma sociedade que optou por um sistema democritico de governo” (p. 13) ‘Tecnologias de guerra Chamayou desereve como, logo apés soar o alarme da crise social, um verdadeiro arsenal de guerra discursivo foi acio- nado em paralelo a in cooptac: examinada a par tirde seis eixos, cada um correspondendo a “um novo front em fungdo do qual os defensores do mundo dos negocios teriam que se mobilizar” - tinha por objetivo a neutraliza ao do adversario; a prineipio, mediante sua despolitizagao, neras taticas de ataque, defesa, 0 € legitimagao. Tal estratégia eventualmente seguida de sua aniquilagao. A insubmissao dos trabalhadores no chao de fbrica (tratada na parte 1 do Livro), 0 potencial desvio dos gerentes em relago aos interes- ses dos acionistas (parte 2), 0 ativismo contra as grandes cor poracoes (parte 2), as contestagées em escala internacional (parte 4), as ameagas de regulamentagio publica (parte 5) e, enfim, a ingovernabilidade da propria democracia (parte 6) compoem o teatro de guerra (Os capitulos se sucedem de maneira a evidenciar que, nos regimes democraticos, a anomia emerge de dentro da empresa (trabalhadores) para fora (ambiente social). Como o leitor percebera, e diferentemente do que se poderia pen: sar ao tratar de neoliberalismo, a guerra em questo nao é contra o Estado; antes, essa genealogia se refere as investidas de amplo espectro do setor empresarial contra grupos e ins tituigdes que ameacem restringir a livre concorréncia, seja pela regulamentacao do mercado laboral, tributagao, legis~ lacdo ambiental, seja mediante discursos eriticos eapazes de mobilizar a juventude universitéria ou até mesmo por meio da sabotagem pura e simples da produgdo. Enquanto o neo- liberalismo ¢ apresentado como uma reversto empenhada dos mecanismos de limitagao do livre mereado, o Estado se presenta, ao final do livro, como aliado crucial do patronato em busca da governabilidade perdida. Mas a aproximagao com a arte da guerra nao ¢ somente uma metifora, Chamayou relata que, em 2011, manuais de contrainsurgencia das Forgas Armadas dos Estados Unidos chegaram a ser distribuidos a profissionais de relacdes publi- | 15MIWSYA - YUIZTISVUE 075103 yoTOy.3ue cas de empresas, a fim de orienté-los no combate ao ativismo. Se, para os estrategistas que atuaram nas invasbes do Iraque e do Afeganistao, a “cartografia do terreno hurano” era um meio de identi aco do inimigo a ser aniquilado, no con- texto empresarial, essa técnica é convertida em instrumento de identificag o de grupos cuja atividade possa perturbar os negocios. O mimetismo da linguagem militar esté longe de ser, nesse caso, simples modo de falar: além de os discur- 50s empresi iais serem interpolados por intimeras metfo: ras bélicas, a reacéo & contestacdo sera militarizada em seus métodos. Um diretor executivo preconiza uma "guerra de guerrilha” contra os militantes que provocam boicotes; uma revista de negécios critica a forma com que os sindicatos “sao autotizados a se organizarem como exércitos"; os ditos gos de conduta” das empresas silo con: defensivas que serviriam, em uma fase posterior, como armas ofensivas contra regulagdes existentes" e assim por diante. A guerra pode ser definida como uma situagiio de antago- nismo inconeilidvel, em que a existéncia de um impoe obst- culo a existéncia do outro. Se, para Clausewitz, “a guerra é a mera continuago da politica por outros meios", para Marx e Engels, nao apenas o capitalismo se organiza militarmente, dentro ou fora das fabricas, como ha também uma perma: nente guerra civil, mais ou menos oculta na sociedade, que, se como guerra de classes. Nesse sentido, crise é 0 momento em que a energia codi ebidos como “armas em alguns momentos da historia, expressa latente dessa luta de vida e morte rompe a superficie pacifi- cada da sociedade. Foucault, por sua vez, analisa os mean: dros desse antagonismo radical, concebendo a sociedade dis ciplinar também como uma guerra civil generalizada, Em um de seus cursos, ele inverte 0 dito de Clausewitz, afirmando que “a politica é a continuacao da guerra civil" e que as insti- tuigdes de reclusdo dariam coesao a essa guerra permanente” Em suas dltimas obras, Les Chasses @ "homme e Teoria do drone, Chamayou também se volta para a questao da guerra, 8M. Foucault, A sociedade punitiva trad. bras. one Benedetti. So Paulo: Martins Fontes, 2015, p. 23 ainda que por meio de diferentes abordagens. Nesses textos, © autor discorre sobre os modos pelos quais esses sujeitos foram convertidos em presas para abate: a “cagada” de seres humanos e os ataques por drones sao incursdes unilaterais, que desconsideram 0 outro como semelhante. A caca a pes: soas - eseravizadas, pobres ou imigrantes - distingue-se cla ramente da ideia tradicional de guerra, definida por disputas de posieao ou combates de movimento. A guerra de drone é um desenvolvimento técnico da cagada, um aperfeigoamento do confronto assimétrico na medida em que é possivel ver sem ser visto e matar sem se expor ao risco de ser morto, A guerra da sociedade ingoverndvel, a guerra de clas ses, é tratada na iltima parte do livro em sua forma aberta Segundo Chamayou, nos fundamentos do libetalismo auto: ritario estaria a ideia de que a sociedade precisa “voltar a sen- tir medo’, dai a necessidade de limitar as politicas sociais, ¢ retornar A sociedade da inseguranea. A ditadura chilena (4973-90) reconhecida como 0 “laboratério” dessa concep- lo, Mas, vale lembrar, foi também no Chile que, em outubro de 2019, assistimos A irrupgio de impressionantes manifesta- ‘ges populares - 0 estallida chileno. A semelhanga dos gilets jeunes, os manifestantes sairam 4s ruas de Santiago contra ‘0 aumento das tarifas do transporte piiblico, até desembo: car numa contestagio ingovernavel da politica neoliberal, vigente no pais desde a ditadura, Diante da insurreieo popu- lar, o presidente Sebastian Piftera ~ que, tal como Macron, nunca foi associado ao seleto grupo dos populistas de direita, ao contrario de Jair Bolsonaro e do hiingaro Viktor Orban ~ deeretou estado de emergéncia e tratou de reprimir violenta- mente as manifestagées. Embora A sociedade ingoverndvel tenha em vista um objeto distinto ~a guinada neoliberal das teorias empresariais e seus desdobramentos autoritarios - em relacao as outras obras do aiutor, é possivel perceber uma continuidade em seu singular trabalho de investigagao. Bm Teoria do drone, Chamayou ana- lisa as peas apologéticas de legitimacio desse novo artefato técnico que, desde os anos 2010, marca a doutrina antiterror. F enuneia que sua “teoria critica das armas" tem por obje- 7 |I ISYUR OYDIOR Y OTOYSUE tivo “desmontar 0 mecanismo da luta militar’? revelando as relagdes sociais implicadas na “alquimia discursiva” de sua legitimagao, Sua “teoria do drone” almejaria, portanto, “fornecer ferramentas discursivas a quem quiser se opor & politica que usa o drone como instrumento™ e a filosofia, diz ele, deve “entrar no combate”. Finalidade andloga pode ria ser depreendida de A sociedade ingovernével, que também. trata de uma guerra despolitizada. No mesmo momento em que a indiistria béliea se via prejudieada pelos movimentos pacifistas, a geréncia empresarial era atingida por todo tipo de ataque. Enquanto para o complexo industrial-militar os problemas politicos sao solucionados por artefatos de ata que & distancia, as firmas se orientam por diferentes taticas de neutralizagao da contestagao, Em ambos os casos 0 obje- tivo é a despolitizagao, ¢ desativar os elementos potencial- mente geradores de instabilidade ~ instabilidade intrinseca ao regime democritico - para assegurar o livre curso das ten- déncias destrutivas do capital. Mais tarde, uma nova forma de supressao desses elementos perturbadores seria posta em pratica, mediante cooptacio e conversio de grupos oponen: tes em nichos de mercado ou fontes renovaidas de legitimacéo ‘aexemplo do green washing do capitalismo verde e do pink washing da celebrada diversidade. Na introducéo de Les Chasses & homme, o autor retoma as palavras de Georges Canguilhem: “a filosofia é uma reflexio para a qual toda matéria estrangeira é boa e, nés até diria ‘mos, para a qual toda boa matéria deve ser estrangeira’. No caso da obra de Chamayou, as “matérias estrangeiras” so 0s elementos da histéria da dominagao do homem pelo homem, a qual inclui necessariamente regimes discursivos, de cujo desmonte toda teoria critica deve se por a servigo. A certa altura de A sociedade ingovernével, o autor sugere que a histé- ria moderna das lutas sociais e ambientais poderia ser relida como a “revolta das externalidades’, isto é, como a recusa 9 Grégoire Chamayou, Teoria do drone, trad. bras. Célia Euvaldo, S50 Paulo: Cosac Naify, 2015, P. 24 10 Tbid., p25, da sociedade em endossar os “custos externos” do capital - dentre eles, os desastres ambientais e a destruigao das con- digdes minimas da existéncia humana. Por extensao, pode: riamos dizer que a historia dessas Iutas é também a historia da revolta dos corpos vis, dos cagadas e dos ingoverndveis, cujo estalido pode ser ouvido em toda parte. JULHO DE 2020 YASMIN AFSHAR tem mestrado pela Universidade de Sio Paulo, 6 doutoranda em filosofia social na Universidade Humboldt de Berlim e associada ao Centro Mare Bloch, ins: tituto franco-alemao de ciéneias humanas. 19_INTRODUGAO Governdivel. Adjetivo (neologismo): ‘que pode ser governado. Ex.: Bste povo nao é governdvel ‘Complemento ao Dieionati ‘Academia Francesa (Barré 1839) Conhecemos periodos assim. Os sinais néo enganam. Foram observados as vésperas da Reforma Protestante e da Revolu- cdo Russa, afirma o engenheiro e “futurélogo" californiano Willis W. Harman, para quem todos os indicadores de um ma de grande amplitude emitem sinais de alerta, entre 8 quais a recrudescéncia “das doeneas mentais, dos crimes violentos, dos fendmenos de fratura social; 0 recurso mais frequente A policia para controlar os comportamentos; a aceitagao crescente de atitudes hedonistas (particularmente as sextais) [...j a multiplicago das inquietudes perante 0 futuro [...}-a perda de confianca nas instituigdes, sejam elas governo ou empresa; o sentimento de que as respostas do pasado nao funcionam mais".* Em suma, a “propria legi timidade do sistema social do mundo industrializado” que |, prevenia Harman em 2975. De fato, a revolta estava em toda parte. Nenhuma relagao de dominacao escapava: insubmissdes na hierarquia dos sexos e dos géneros, nas ordens coloniais e raciais, de classe e de trabalho, nas familias, nas universidades, nos quartéis, ras fabricas, nos escritérios e na rua, Segundo Michel Fou- ‘*naseimento de uma erise de governo", no sentido de que *se questionava o conjunto dos procedi- ‘mentos pelos quais os homens dirigem u produziu no limiar dos anc ‘Harman 3976, p.27. Foucault [1984] 994, p 94tar, foi uma “erise de governabilidade que precedeu a crise econémica”} “uma crise de governabilidade’ no Ambito das sociedades, assim como no das empresas”;! uma crise da “governabilidade disciplinar” prenuneiadora de grandes alteracbes nas tecnologias de poder. Entretanto, antes de ser retomada pela teoria ertiea, essa ideia jé havia sido anunciada por intelectuais conservado- res. Bra assim que eles interpretavam os eventos em curso, a assim que problematizavam a situagao. A democracia, Samuel Huntington afirmava em 1975, em um famoso rela. tério da Comissao Trilateral que sera retomado com mais detalhe, encontrava-se afetada por um “problema de gover habilidade”: uma onda popular minava a autoridade por toda parte e sobrecarregava o Estado com suas infinitas exigéncias, A palavra “governabilidade” nao era uma criagiio recente. No século xax j4 era empregada para evocar, por exemplo, a “caracteristica de governabilidade” de um navio ou as “condi g0es de estabilidacte e governabilidade” de um dirigivel, mas t ou de um povo. 0 termo designa, dessa maneira, uma dis: mbém a governabilidade de um cavalo, de um individuo posi¢do interna ao objeto a ser conduzido, sua propensio a deixa -se dirigir, a docilidade ou a ductilidade dos governa- dos. A ingovernabilidade concebe-se, desde entio, simetriea- mente, como uma contradisposicao indomavel, um espirito de insubordinacao, uma recusa a ser governado, pelo menos “nao desse jeito, nao para isso, nao por eles".* Mas af esta apenas uma faceta do conceito, somente uma das dimensdes do problema. Agovernabilidade é, de fato, uma capacidade composta que supe, por um lado, no que concerne ao objeto, uma dispo- sigao a ser governado, mas igualmente, por outro, no que se refere ao sujeito, uma aptidao para governar. A insubordina- 3 Chiapello, em Da Gay e Morgan (orgs.) 2013, p. 63, 4 Gore 1997, p. 26 5 6 Hardt e Negri [2000] 200, p. 297. Foucault [3578] 990, p. 38 ao é apen: ingovernabilidade também pode resultar de uma disfungao ou da faléncia do aparelho governamental, mesmo que os governos se mostrem déceis. Um fendmeno de paralisia ins titucional, por exemplo, pode resultar de outras eausas além de um movimento de desobediéncia civil De modo esquemético, a crise de governabilidade pode ter duas grandes polaridades: a de baixo, dos governados, e ade cima, dos governantes; e duas grandes modalidades: a revolta ou a paralisagao, governados rebeldes ou governantes impotentes ~ e ambos os aspectos podem evidentemente se uma situac3o hipotética. Uma conjuntura de combinar. Lénin teorizava que apenas quando “os ‘de baixo’ nlo querem e os ‘de cima’ no podem continuar vivendo da forma antiga” a “erise governamental” é capaz de se transfor mar em crise revoluciondria.? Nos anos 1970, as teorias conservadoras da crise de governabi- lidade também estabeleceram o liame entre esses dois aspec tos. Embora nio se vissem as vésperas de uma revolucao, seus autores se preocupavam com uma dinamica politica que parecia conduzi-los ao desastre. O problema nao é somente Por que as pessoas se revoltam, nem por que os aparelhos dee governo se congestionam, mas por que essas paralisagdes revoltas determinam umas as outras, tornando-se pesadas para o sistema a ponto de fazé-lo curvar-se perigosamente. Foucault, que conhecia o relatério da ‘Trilateral sobre “a governabilidade das democracias”, mencionava-o para ilus- ‘rar o que preferia chamar de “erise de governamentalidade”:* nfo se tratava de um simples movimento de “revoltas de con- ispositivo geral de gover namentalidade’,” ¢ isso por razdes endégenas, irredutiveis as crises econémicas do capitalismo, ainda que a elas articulado. uta”? e sim de um bloqueio do “ 7 Lenin [1920] 1980, p. 48. 8 Foucault [1978-79] 2008a, p. 104. Sobre essa nogio, ef. Jean- “Claude Monod 2006. 9. Ie. [1978] 2008b, p. 259, 40 1d. [1978-79] 20089, p. 86 23piioouin Segundo ele, o que se encontrava prestes a ser bloqueado era “a arte liberal de governar”," que nfo deve ser entendida (se lum anacronismo) como o neoliberalismo no poder, mas como aquilo que, desde o “liberalismo embutido”, chamam de uma forma de compromisso instavel como resultado da associacéo entre economia de mercado ¢ intervencionismo keynesiano. Por ter estudado outras crises similares na historia, Foucault conjecturava que algo mais nasceria desse bloqueio, a comecar por rearranjos significativos das artes de governar. Se a sociedade é ingoverndvel, nao 0 & em mando a formula do engenheiro saint-simoniano Michel Chevalier, ela 6 “ingoverndvel tal como a queremos governar atualmente"." Eis um tema clissico nesse género de discurso: nao hd ingovernabilidade absoluta, somente relativa. Eé nessa diferenca que residem, simultaneam: nao de ser, 0 pro- prio objeto eo desafio construtivo de toda arte de governar nte, ar Este livro estuda a crise tal como ela foi percebida € teori- zada nos anos 1970 por aqueles que se esforgavam em defen: der os interesses dos “negécios”. Ao contriio, portanto, de uma “histéria por baixo”, trata-se de uma hist6ria “pelo alto", eserita do ponto de vista das classes dominantes, sobretudo dos Estados Unidos, na época o epicentro de uma remobil zagao intelectual e politica de grande amplitude. Para Karl Polanyi, historieamente, ao desenvolvimento do “livre mereadlo” em face dos seus efeitos destruidores, a sociedade havia respondido com um vasto contramovimento de autoprotegio - um “segundo movimento” que, ele adver: tia, “era, em tiltima anélise, incompativel com a autorregula gio do mercado e, portanto, com o proprio sistema de merea do3 Ora, € a esse mesmo tipo de conclus Jo que chegam os intelectuais organicos do mundo dos negécios nos anos 3970: isso ja foi longe demais, e, se as tendéncias atuais persisti rem, elas acabario por destruir o ‘sistema da livre-empresa’. Ibid, p 9. 42 Bnfantin 7 p. 125. «9. Polanyi [944] 2000, p. 61 Teve inicio naquela déeada um terceiro movimento, uma rea ao significativa da qual Procuro estudar a formacao desse contramovimento de um ponto de vista flosético, ou seja, fazendo uma genealogia dos conceitos ¢ dos modos de problematizagdo que o inspira- ram, mais do que retragando factualmente sua historia ins- titucional, social, econdmica ou politica. A unidade de meu objeto nio é, entretanto, a de uma doutrina (niio é uma nova, historia intelectual do neoliberalismo), e sim a de uma situa- ‘¢80: partir dos pontos de tensao identificdveis, dos conflitos tais como eles eclodiram, para examinar como foram tema- tizados, as solugdes que foram consideradas. Tento refletir acerca dos pensamentos sobre o trabalho, seus esforgos, as inteneionalidades que os orientaram, mas também sobre as, disse! ‘bes, contradigdes € aporias com que se depararam, O desa fio do trabalho de reelaboragao que entao se impu: nha nao era somente produzir novos discursos de legitima- do para um capitalismo questionado; consistia também em formular teorias-programas, ideias para agis, visando recon: figurar a ordem das coisas. Essas novas artes de governar, cuja génese proponho tracar, ainda esto ativas, Se a investi ‘gaedo tem alguma importaneia, é a de tentar eaptar melhor nosso presente. Esse terceiro movimento est longe de ser redutivel 4 sua componente neoliberal doutriniria. Muitos procedimentos ou dispositivos que se tornaram centrais na governanca con- temporanea nao figuravam nos textos dos pais fundadore: do neoliberalis: 0, € por vezes foram introduzidos e defen- didos em completa oposigdo a suas teses. Nossa era certa~ mente € neoliberal, porém de um neoliberalismo hirido, um conjunto eclético € em muitos aspectos contraditério, cujas sinteses estranhas se esclarecem apenas pela histéria dos conflitos que marcaram sua formacai Acrise de governabilidade teve varias facetas - tantas quantas as relagdes de poder. A elas corresponderam, em cada area, reagdes especificas. Nesta investigagao, vou me concentrar na crise que afetou a empresa como governo privad 25aySnaust Aescolha do objeto ¢ motivada ~ para além dos di sempre atuais que serdo apresentados ao longo dos capitu- afios los = por uma preocupacao mais especifica. Assim, mesmo que a grande empresa seja uma das instituigées dominantes no mundo contemporaneo, a filosofia continua subequipada para pensila, De seu corpus tradicional ela herdou, sobre tudo, teorias do poder de Estado e da soberania que remon tam ao século xvit. Ha muito tempo ela dispoe de tratados acerca das autoridades teolégico-politieas ~ nada do género para as autoridades, digamos, “corporativo-politicas” Quando a filosofia aborda, enfim, o sujeito, por exemplo, integrando-o tardiamente a seus ensinamentos, em geral 0 faz da pior maneira, ruminando um diseurso paupérrimo sobre a ética dos negécios ou a responsabilidade social das empresas produzido nas Business Schools. Ea filosofia como ||serva nao mais da teologia, mas da gestao. Chegou a hora de desenvolver, ao contratio, filosofias erf ticas da empresa, Este livro é um trabalho preparatério nessa direcao, uma investigagio histérico-filoséfica sobre certas categorias centrais do pensamento econémico e gerencial dominante que hoje prosperam em meio ao esquecimento acerca dos conflitos e objetivos que dirigiram sua elaboracao € que continuam a orientar-Ihe o sentido. 0 livro se organiza segundo diferentes eixos que, em seu entrecruzamento, constituiam a crise de governabilidade da iatizada A época, Para os defensores do mundo dos negécios, cada um correspondia a uma nova dif culdade, a um novo front sobre o qual se mobilizar. [1] Uma empresa governa, em primeiro lugar, trabalhadores. No inicio dos anos 1970, a administracao é confrontada com ‘massivas indisciplinas operdtias. Como lidar com a situago? Como restaurar a disciplina perdida? Se os procedimentos antigos esto obsoletos, qual seria a nova arte de governar 0 trabalho? Diversas estratégias sto consideradas e debatidas, [2] Contudo, se avangarmos mais para o alto no eixo verti- cal da subordinaeao, uma segunda crise se apresenta, desta vez na telagtio acionistas /diretores. Ao perceber que, nas empresa tal como t sociedades por aces, os diretores, transformados em sim- ples gestores de negécios alheios, nao tém mais os mesmos interesses dos antigos patrdes-proprietérios em maximizar os lucros, alguns se preocuparam com uma possivel negli géncia da parte deles, ou, pior, com uma “revolugao geren- cial”. Como disciplinar os diretores? Como realinhé-los a0 valor acionario? [3] Ao mesmo tempo, indiretamente, surgem ameacas inéditas no ambiente social e politico da empresa. Em um contexto de rejeigio cultural ¢ politica erescente do capita- ismo, novos movimentos confrontam diretamente a dire¢ao das grandes corporagdes. Como reagir ao que surge como “um ataque ao sistema da livre-empresa”? Nao se chegou a um acordo quanto & estratégia a adotar. [4] Uma vez que esses “ataques” de crescente pujanga se internacionalizam, sobretudo com os primeiros grandes boi cotes contra as multinacionais, as empresas se voltam para novos consultores. Como administrar ndo somente os assa lariados, mas os opositores externos & empresa e, além deles, um “ambiente social” que se tornou tao turbulento? Inven- tam-se novas abordagens ¢ novos conceitos. [5] Diante da iniciativa sobretudo dos movim ambientalistas nascentes, novas regulagoes sociais e am| ao indireta dos movimentos ntos tais se impoem. Assim, a pre sociais acrescenta-se a pressao vertical de novas formas de intervengio piblica. Como obstruir tais projetos de regula- ‘ga? O que contrapor a eles, na teoria ¢ na prética? [6] A que se deve, fundamentalmente, esse duplo fené meno de contestacao generalizada e de maior intervencio governamental? Aos vieios de uma democracia de bem-estat social ~ nos garantem ~ que, longe de assegurar 0 consenso, cava a prépria cova. Aos olhos dos neoconservadores, assim como dos neoliberais, ¢ 0 proprio Estado que esta prestes 1 se tornar ingovernavel. De onde vém as perguntas: como destronar a politica? Como limitar a democracia? Para realizar essa investigaciio, reuni fontes heterogéneas que abrangem disciplinas diferentes e optei por combinar 27oydnaoeit referéncias “nobres” e “vulgares” quando abordam o mesmo assunto— um prémio Nobel de Economia, por exemplo, pode ficar lado a lado com um especialista em “exterminio" de sindicatos. Em comum, esses escritos sao textos de combate que respondem, todos, de uma forma ou de outra, a pergunta “O que fazer?”. Textos em que se expdem procedimentos, tée- nicas € téticas, seja de moclo muito conereto - como os guias préticos ou manuals destinados a administradores -, seja de forma mais programitica - com reflexdes sobre as estraté- gias discursivas ou priticas de conjunto. Esse corpus é cons: tituido sobretudo de fontes em inglés: no que concerne a0 pensamento gerencial ¢ as teorias econémicas da empresa, ‘05 Estados Unidos foram o berco de novas nogées que logo aleangaram difusio mundial. ‘Muitas vezes fago um recuo na escrita para reconstituir, por decupagem e montagem de eitacdes, um texto compésito ‘cujos fragmentos reunidos valem individualmente, com fre- uéncia, menos por sua atribuiggo a um autor em particular do que como enunciados caracteristicos das diferentes posi- ges as quais me esforgo para dar voz 2 S ras oS gy a o a a za S wo > = = = 3 S a im a1. INDISCIPLINAS OPERARIAS Colocar tree fichinhas em treze pequenos buracos, sessenta vezes por hora, oito horas por dia. Soldar 4 mao 67 pecas de metal por hora e, um dia, se ver diante de wma nova engenhoca que exige 410, Trabalhar com barulho [..] numa neblina de leo, solvente, poeira metélica. [..| Obedecer sem discutr, sofrer penalidades sem direito a recurso. anpRé GOR?, Critica da divisdo do trabalho, 1972. ‘Tommy passa o baseado para Yanagan, que dé uma tragada funda antes de passar para mim [JA fumaga enche meus pulmoes e agita mew sangue. F logo as fafscas que esvoagam no ar, ‘0 ago incandescent, as explosdes na fornatha que nos domina, tudo isso comega a assumir o aspecto frivolo de uma noite de carnaval BENNETT KREMEN, “The New 1973. Steelworker: “A jovem geracio que jé abalou a universidade”, advertiu o New York Times em junho de 2970, mostra também sinais de agita- «Ho nas fabricas dos Estados Unidos industriais. “Sa muitos 6s jovens trabalhadores que exigem mudangas imediatas nas condigoes de trabalho ¢ rejeitam as normas reguladoras da fbrica."*“A disciplina do trabalho desmoronou”, observa um relatorio interno da General Motors do mesmo ano* 4 Sapulkas 1970, p. ag, 2. Rothschild 3972, p. 479. Lé-se no The Wall Street Journal que, na indiistria, “a confianga caiu drasticamente; ha cada vez mais desa- celeracbes deliberadas da producao, e 0 absenteismo explode” Wail Street journal 970 apud Brecher 1972, p-252) 31{2090 S2HOOYH EVEL 801 8 Se disciplina é “ter dominio sobre o corpo dos outros"; a indisciplina se manifesta inversamente por um impulso inresistivel de separaeao: nao se deixar controlar mais, eva dir-se, libertar-se do jugo, retomar 0 proprio corpo e com ele se liberar. Ora, 6 exatamente isso que a fabrica comeca a sus citar massivamente & época, tanto que ha na jovem geracao operdria um “profundo édio pelo trabalho e um desejo de escapar dele” Na industria automobilistica americana, a rotatividade 6 enorme: mais da metade dos novos trabalhadores nfo quali ficados abandonam o emprego antes do fim do primeiro ano Alguns ficam tao desestimulados no primeiro contato com trabalho na linha de montagem que desaparecem jé nas pri meiras semanas sem “‘ao menos se dar ao trabalho de voltar 8 fabrica para buscar o pagamento correspondente ao tempo que trabalharam,, relatam perplexos os gestores”* Na General Motors, 5% dos trabalhadores faltam cotidia. namente sem justificativa genuina, As segundas e sextas-fi: ras, essa taxa se multiplica por dois, e no versio, em algumas fabricas, pode alcangar20%. “Como que se parece uma segun- da-feira de verao numa fébrica?”, indagam a um opersirio da indistria automobilistica em 1973, “Nao sei, nunca fui lnuma segunda-feira.” “Como é possivel que voce s6 venha trabalhar quatro dias por semana?”, perguntam a outro operatio. Res posta: “Porque se eu s6 viesse trabalhar trés dias nfo ganharia o suficiente para viver" “Mas 0 que voc? quer exatamente! indagam a um terceiro, O que eu quero: “ter uma oportunidade de usar meu eérebro”, um trabalho em que “a educacao que recebi no Ensino Médio sirva para alguma coisa’? A fabrica? 3) Foucault [1979] 2004, p38 41 Gooding 1970, em Zimpel 974 5) Rothschild 1974p & Gooding 1970, p65 "0 jovem trbalhador’ testemunha um sin dicalista, “tem o sentimento de nao set dono do proprio destino B por iso que ele tentaeseapar na primeira oportunidade”(P. 65) 7 Segundo um executivo da at apud Weller sd, p.2 8 Apud Weller (a partir do Sunday Telegraph) 1973, p. 2. 9) Apud Aronowitz 197, p26. 6 como uma prisao”, responde outro, “s6 que na cadela voce tem mais tempo livre”. De fato, ali se estraga 0 corpo e se arrasa a mente: et sempre a mesma coisa, isso te mata; [..] eu canto, assobio, jogo agua num outro cara da linha, fago tudo 0 que posso para matar 0 tédio"." Nao suportar mais a infinita repeticao do mesmo, querer mais eriar do que produzir: “As vezes, de brincadeira, quando faco alguma coisa, amasso um pouco 1 pega. Gosto de fazer alguma coisa que a torne realmente nica, Eu dou uma martelada nela de propésito para ver se da certo, s6 para poder dizer que fui eu que a fiz’. As indisciplinas habituais, da mesma maneira que as dis: ciplinas das quais constituem o simétrico oposto, so uma arte do detalhe. Elas investem tanta minjcfa e obstinacao para produzir os desvios quanto 0 campo contririo para ditar as regras. Operando na escala do minimo gesto, rect peram momentos de trégua, pilhagem obstinada cujo saque se conta melhor em dezenas de segundos arrancados pata si na cadéncia da linha de montagem. “No fim, o principal pro: blemaé 0 tempo." Desacelerar de propésito, frear individual ou coletivamente, ou 0 inverso ~ as vezes acelerar para apro: yeitar em seguida um microintervalo de pausa. “Quase todo mundo faz isso, participa desse jogo." Roubar um punhado de instantes para si, para respirar, trocar meia divzia de pala- vras, fazer outra coisa: “Eu me tornei bom o bastante no meu trabalho para fazer muito rapidamente dois ou trés carros seguidos e me dar, talvez, quinze ou vinte segundos antes do préximo carro, Durante esses intervalos, o que eu faco? Eu Ieio, £u leio jornal,leio livros. As vezes livros bem compli adios, O que eu tive de aprender para poder ler nessas con digbes foi memorizar o que leio e encontrar bem depressa o lugar onde parei"!Se a disciplina é uma ritmopolitica ou 10 Gooding 1970, p. 63. 31. Apud Aronowitz 1973, p. 36 12. Apud Terkel [1974] 2013, p. 38. 19, Lippert 1978, p. 8. 14 Ibid. p. 58 33STBOONE ss4OaYHTvAVEL SO [1 pode a indisciplina também 0 é, mas em diregso diametralmente oposta, uma luta contra o relégio de um tipo particular. linha para manter a produgao, fa Fabrica, eu vi uma mulher correr ao longo da Bu nio corro por ninguém. Nem pensar em qualquer um me mandando correr na fébri- ca.” As primeiras grandes recusas da aceleracdo foram lutas operarias. Os indiseiplinados sao ladrdes de tempo." Um sindicalista relata que, na General Motors, “a autoridade exerce seu poder como em uma ditadura’,” O autorita dos chefes, a vigilancia acirrada, as instrugdes minuciosas eas ordens absurdas, os insultos e a pressao: nao se aceita smo mais nada disso. “O supervisor”, resume com seriedade um operario negro de Baltimore, “poderia respeitar mais os tra balhadores, trati-los como homens, nfo como cachorros" Ocstado de tensao social, alerta o he WallStreet Journal em 1969, & © “pior que se conheceu na histéria". A Fortune anuncia que tudo leva a crer que se caminha em dite uma “batalha épica entre a administragio eo trabalho’.® De fato, somente no ano de 4970, quase 2,5 milhdes de trabalha dores entraram em grevi nos stados Unidos." Foi a maior onda de interrupeio do trabalho desde o imediato pos-guerra A importancia numérica das mobilizagoes acrescenta-se a radicalidade das formas de luta, Para além das reivindieagbes salariais, as queixas se referem as formas de organizagao do trabalho e miram a autoridade que as impoe Sapulkeas 1972, p- 16. Cf. De Certeat [1980] 1990, p45. 17 Apud Aronowita 1973, p. 4. 18 Gooding 1970, p68. 0s trabalhadores atuais, constata o New York ‘Times, “querem ser tratados como iguais pelos patroes na fabrica Bles nfo temem mais, como seus antecessores, perder o emprego e contestam frequentemente as ordens de seus supervisores, [..] No coraciio desse novo estado de espirito [..] esti o questionamento da autoridade da gestio” (Sapulkas 1970, p. 23). 19 Armstrong 1969, em Compensation & Benefits Review 3970. 20 Cowie 2010b, p. 19 Bill Watson, operiio de uma fabrica automobilistica de Detroit em 1968, relata uma onda de sabotagem generalizada que testemunhou. Os engenheiros haviam introduzido um novo modelo de motor de seis cilindros que os trabalhado- res julgavam mal concebido. Eles comunicaram, em vao, suas criticas a direcao. Diante do indeferimento, algumas equipes Logo outras reproduzem a sabotagem. Montanhas de aparelhos inope quecer” de montar algumas pet rantes se acumulam: “Em certo ponto, havia tantos moto: res defeituosos empilhados na fabrica que se tornara quase impossivel se deslocar de um setor a outro"." Esse fendmeno, sublinha Watson, nao é isolado. HA conflitos assim por todos 08 Estados Unidos de entdo: eles expressam um desejo de retomar 0 controle da produgio, o controle do proprio tra- balho, da maneira como ele ¢ feito, daquilo que se fabrica al Bm 1970, 0 diretor-presidente da General Motors faz uma adverténeia a seus empregados: “Nao podemo: 0s funcionarios fujam de suas responsabilidades, contrapo: nham-se as normas mais elementares ¢ ignorem a autor dade. [..] AGeneral Motors fez. novos investimentos[.] para melhorar a produtividade e as condigées de trabalho, mas as méquinas ¢ a tecnologia de nada servem se o trabalhador abandona seu trabalho. (...] Bxigimos uma jomada de traba- Iho justa pelo justo salario que Ihes pagamos" Como restaurar a disciplina? A diregio da Gat opta pela linba-dura’:acelerar as eadéncias, automatizar as tarefas nao qualificadas, desqualifiearas que sobram, cortar a massa sala- vial, reforcar! automobil medidas de supervisio e de controle. A fabrica com sua linha de tiea de Lordstown, em OI montagem “mais répida do mundo”, era 0 carro-chefe tecno: légico da empresa, a encarnagao das soluebes patronais para 05 problemas de produtividade, Bla foi submetida em 1971 a0 controle da General Motors Assembly Division, uma equipe 24 Watson 3971, p. 79. 22 Apud Snoeyenbos et al. (orgs:) 1983, P.307. 23 A. Brenner 1996; P. 35wsott] SI30QONT s24oqvHTE administrativa de choque, descrita como a “mais brutal ¢ mais agressiva"™ do grupo. Sob essa direcio, muitos postos sao eliminados, e a taxa de producdo, jé muito répida, se ace: Tera: passa de sessenta vefculos por hora para quase o dobro. Apartir de ento, “em 36 segundos, um trabalhador devia com- pletar ao menos oito operagdes diferentes" “Voce precisa de autorizacao para mijar. Nao ¢ brincadeira, Voeé levanta a mio quando esta com vontade de fazer xixi, Espera bem uma meia hora, o tempo para eles acharem um substituto. F depois eles anotam toda vez, porque voe® tem de fazer isso no seu tempo de pausa, nao no horirio deles. Se voeé vai toda hora, eles te poem na geladeira por uma semana." Em Lordstown, a mao de obra é particularmente jovem, tem em média 28 anos. Eram necessdrios corpos jovens para enfrentar esse ritmo, embora os espiritos jovens sejam os menos propensos a se submeter a ele. Um carro chega ao fim da linha com todas as suas pecas ainda nao montadas, mas em pithas bem organizadas na carcaca. A dire¢ao langa um alerta de sabotagem. “A sabotagem? ff apenas uma forma de aliviar a pressao. Vocé nao consegue manter o ritmo com lum carro, entao vocé o risca no caminho. Uma vez, eu vi um espertinho jogar uma chave de contato dentro do tanque de combustivel. Na semana passada, vi um cara colocar uma luva pegando fogo no porta-malas de um carro. Todo mundo queria ver em que momento iam perceber, na linha... Se voce estraga um carro, eles chamam isso de sabotagem.”” A direcao estima que as perdas resultantes das “indiscipli- nas” so equivalentes a 12 mil carros nio produzidos por ano ereage com crescente rigidez, lancando centenas de medidas Aisciplinares: um trabalhador é demitido por ter chegado um minuto atrasado; outro ¢ suspenso por peidar na cabine de um veiculo; outro por ter cantarolado na fabrica." 24 Weller 1974, p.8 25 Aronowitz 1973, p. 23. 26 Weller 1974, p. 3 27 Apud Weller 1974, p.9. 28 Ibid, p.9, - Inicio de margo de 1972: diante do aumento da pressio, os operarios entram numa greve acirrada, A combatividade dos trabalhadores de Lordstown impressiona. “Aqueles caras vira- ram tigres."® “Eles ndo esto mais dispostos a suportar o que sous pais enfrentaram, eles nao tém medo da administragao, Ea questo da greve era muito isso também." A imprensa evoca uma “sindrome de Lordstown", um “Woodstock indus: trial"s* Depois de um més de conflito, a diregao recua € retoma os ritmos de produgao anteriores. Confrontada, entao, com as indisciplinas operarias, a admi: nistracao ndo encontra nada melhor que responder com a intensificaco do regime disciplinar que ja havia sido recu- sado, atigando-as, por sua vez, até o ponto de radicalizé-las em revolta aberta. Os gestores sio pegos em contradicao, Eles saben que a indisciplina operaria exprime justamente uma rejeigio visceral da organizacao do trabalho industrial, “em particular entre os empregados mais jovens, que demons- tram reserva crescente em aceitar uma diseiplina de fébrica estrita e autoritéria”.* Tampouco os gestores ignoram que “as condicdes de trabalho nas novas fabricas sto tais que 0 descontentamento e a rebelido ndo so reagdes excepcion: o trabalho repetitivo, entre o descontentamento e 0 absen- » que existe uma “relagdo entre 0 cansago e teismo tamento “constituisse um ‘abuso’ que devesse ser punido"=* ;ntretanto, continuam a agir como se 0 desconten- e respondido por meio de “técnicas de med e pressio inces- santes que sio fontes de conflitos infinitos".= 29 Sapulkas 1970. 30 Cowie 20108, p46. 31 Ibid, p.7.A greve de Lordstown foi “uma das mais intensas cam- panhas de resistencia operdrias informais a registradas" na historia social norte-americana (Weller 1974, p. 8) 32 Denise apud Weller 3974, p 4. 33 Rothschild 1972, p. 469, 34 Ibid, p. 469, 35. Aronowitz 1973, P. 35 370 continuar assim, aonde 2. RECURSOS HUMANOS S Dai vem a inquietude: se | § vamos? Em voz baixa, alguns respondiam: “Dias sombrios B mnciam-se para a GM se, como frequentemente declarou a © ciregao, Lordstown representa a via do futuro para a indis = tvia automobilistica" "To logo inexsta coer fisica ou outa qualquer g A perplexidade se instala, inchusive entre os especialistas foge-se do trabalho como de uma peste em administragSo. Julgando obsoletos os antigos procedi: ntos, alguns amadurecem projetos de reforma. Diante da ctise de governabilidade disciplinar, seria necessario inventa KARE MARx, Manuscritos econémicofilosdficos, 844, ‘uma nova arte de governar o trabalho. Nos anos 1950, intelectuais conservadores acreditavam poder anunciar “o fim da ideologia” — jé naquele momento -, e, com isso, a extingao da luta de classes. O “trabalhador americano”, assegurava Daniel Bell em 956, “foi ‘domesticado™. Certa ‘mente nao pelos meios que Marx critieava em seu tempo, nem pela pauperizagao, tampouco “pela diseiplina da maquina, mas pela ‘sociedade de consumo’, pela possibilidade de urna vida melhor que a proporcionada pela renda, pelo segundo salério advindo do trabalho da esposa, bem como pelas faci lidades do crédito” Mesmo quando sofre com as condigées / de trabalho, o trabalhador nao se volta para a “acdo militante rio [.-J).mas para fantasias de evasiio ~ tornar-se propre de uma oficina de consertos, de uma granja de aves, de um posto de gasolina, ‘de um pequeno negécio s6 seu”? Tudo estava calmo, e entao desabou. Primeiro as pes soas fiearam aturdidas, nao entenderam nada. Imagine-se a imensa e dolorosa surpresa que os movimentos dos anos 1960 representaram para quem acreditava ferrenhamente no decit nio da conflitualidade social na “sociedade de consumo" 2 Bell 960, p.247.€246, 2 Tid, p.247 3 Gorz resumia assim a reviravolta: “A sede de consumo ao longo dos anos 1950 de fato continuava viva e parecia confirmar a pro- funda convicedo dos gestores: [..] nfo hé nada que um homem nao accite fazer por dinheiro; podem-se comprar sua forga de trabalho, = sua saiide, javentude, seu equilibrio emocional, seu sono, sua inte 36 Rothschild 1972, p. 469. ligéncia. Isso durou um tempo. Em seguida, em meados dos anos . | 39a Alguns, revoltados com a revolta, acusam de ingratidao 0s arruaceiros. Um vice-presidente da General Motors, Earl Brambett, “condena a insisténcia dos jovens trabalhadores em arrancar ainda mais vantagens e melhorias, e acha que eles fariam melhor se demonstrassem mais gratidao pelo que tém".# que mais eles querem, entao? Ai estava 0 escindalo, ‘Mas como ainda podem se revoltar? Ai estava 0 mistério. Bus- cavam explicagdes, arranjavam teorias, etiologias da revolta, Essa agitagdo era compreendida inicialmente como um fato geracional. Os novos trabalhadores, “mais jovens, mais, impacientes, menos homogeneos, afirmam-se cada vez mais, racialmente e nao sao manipuliveis com facilidade" les “levam paraa fabrica as novas perspectivas da juventude ame- ricana dos anos 1970": E 0 que mais? Psicdlogos dao sua contribuiglo as refle- x6es em curso, Uma vez satisfeitas suas necessidades primé- rias, 0 homem quer mais: quando a barriga esta cheia, € avez do espitito, que grita de fome, explicava Abraham Maslow, munido de seu famoso esquema da “pirdmide das necessi- dades”? Para além do salirio ou da carreira, as novas gera: ¢6es almejam outra coisa: relagdes humanas mais intensas, come, segundo a Harvard Business Review, “as experiéncias de vida 4s quais nos langamos quando nos reunimos em 4960, grunhidos preocupantes se produziram nas grandes fabricas" (Bosquet 1972, p. 64). 4 Gooding 3974p. 65 5 Denise apud Weller 3974, p. 4 6 Gooding 1970, p. 62. les entram no mundo do trabalho “com a experiéncia da rebeliao na escola e no servigo militar” (Aronowitz 19734. 3 7._ CI. Maslow 1943. Segundo Maslow, ha, para os seres humanos, diferentes camadas escalonadas de necessidades, das mais primé- Flas ds mais elaboradas, da necessicade de se alimentar a neces: sidade de desenvolvimento espiritual. Ao “progresso" econdmico corresponderia, assim, uma elevacao na pirdmide das necessidades, desde a base, muito materialista, até o topo, muito etéreo. Ainda {que se conceda satisfagao ao homem revoltado, ele sempre hé de querer nao necessariamente mais, porém melhor, "Do mesmo modo, as expectativas dos trabalha: dores se ampliam, ganham uma dimensio mais qualitativa. Eles exigem do emprego mais que a renda: relacdes interpes- " Passagem a um estado de espirito soais, eonteiido, *sentid ‘pos-materialista’ evidente que, quanto mais se firma essa subjetividade, ‘menos ela toleta se submeter a um trabalho alienante, Max ‘Weber jé havia alertado: “A ordem econémica eapitalista pre cisa dessa entrega desi ‘vocaedo’ de ganhar dinheiro’, dessa estranha disposigio que quer "que alguém possa tomar como fim de seu trabalho na vida exclusivamente a ideia de um dla descer sepultura carregando enorme peso material em dinheiro e bens". Se outros apetites sobressaem, “a étiea do trabalho” éabalada. “Quem quer trabalhar?” foi a manchete da Newsweek em marco de 1973." A resposta estava na pergunta. Nessa andlise, 6a relativa prosperidade material -a mesma que Bell assegurava ter selado um consenso duradouro com a exploragio assalariada ~ que se identifica como fonte de novas dissens6es. Opera-se assim uma mudanga nas teorias \\ da revolta, Por que nos insurgimos? Diziam: pornecessidade, Dirio: porque podemos nos dar ao luxo." & Walton 1972, p72 9 Weber [1904] 2004, pp. 64 63 40 “Who Wants to Wotk?..”, Newsweek Magazine 1973 11. Entre 0s modelos proposes época pelas ciéncias socais ame ricanas esta a famosa “curva em J” de James C. Davies: as revoltas ou as revolugbes tém mais chances de se produzir quando a uma fase de desenvolvimento econémieo e social prolongada se segue ‘uma perda brusca. Nesse esquema, nao é a miséria em si fator de rebeliao, mas a discrepancia entre as expectativas subjetivas gera das por uma fase de prosperidade relativa e sua saisfacdo efetiva, quando esta cai brutalmente abaixo do nivel esperado (ef. Davies 4962, pp. 5-19). Uma variante psicossociologica dessa teoria soctoe cconémica da rebelio foi proposta por Ted Robert Gur, baseada em ‘um conceito de "privagto relatva”, definida como a separagao perce Dida entre as expectativas ea eapacidade de obter cde conservar 0s “yalores* aos quais as pessoas acham que tem direito.A“frustracio" tende, entdo, ase converter em “agressio”, em violencia social (f Gur i970) Em eigneia politica, Walter Korp eitiea o modelo, insis: at ———————— lc tlla800"HTYEYUL 90 [7] S1209081 A fabrica é um dos locais onde a interpenetragao das novas aspiragdes e das antigas estruturas é mais brutal. Ci dado, pois “uma organizagao do trabalho anacrénica pode criar um coquetel explosivo ¢ patogénico”.» “Em alguns informa o professor de administracio Richard Walton, cfio se expressa por um afastamento passivo ~ atra s0s, absenteismo, tumover, distragao no trabalho; em outros, Por ataques ativos ~ furto, sabotagem, hostilidade, agres soes, alertas de bomba e outras desordens no trabalho”." Ora, “esas formas de violencia estao se multiplicando nas Abricas”. O perigo é politico: o trabalhador corre o risco de leslocar sua frustracao participando de movimentos sociai ou politicos radicais". “a alien Bcoando a greve de Lordstown, a questao da "qualidade de vida no trabalho” torna-se central, por um tempo, no debate piblico ameri no. Em 1972, retomando a terminolo- gia do jovem Marx, a Harvard Business Review pergunta: *O que fazer contra a alienacao na fabrica?” E 0 Congresso, no mesmo ano, organiza audiéncias no Senado acerca da *alie- nagio do trabalhador tindo nas condigdes da relagao de forga. A “privagao relativa" nao expliea nada por si s6: ela tende a terminar em um contflito aberto apenas quando o difereneial de poder se eurvou em prol dos agentes ‘menos poderosos, que tém maior possibilidade de optar pela luta, justamente por terem visto suas “fontes de poder” erescerem (ef Korpi 1974, pp. 1569-3578). Ver também, para uma discussao dessas teorias e a formulagao de hipéteses mais refinadas, Shorter e Tilly 1974, DP. 337°. 2 Walton 1972, p. 7 x3 Ibid 14 Ibid. 15 O'Toole 1972, p.19.“Osatos de sabotagem, assim como as outras formas de contestaeio, sao as manifestagdes abertas de um conflito entre as atitudes em transformagao dos empregados ea inércia das organizaedes. Hé uma separagao entre o que os empregados espe- ram de seus empregos e aquilo que as organizagdes estio prontas a Ihes oferecer" (ibid. p. xi). 16 CE Worker Alienation... 8972 Mas se a alienacao 6 problemitica, isso se explica acima de-tudo porrazdes econdmicas, em fungao de impactos nega: sobre a produtividade, Se hé uma li¢ao a aprender com, € que “foi muito negligenciada a tivos 0 episédio de Lordstow' 10 entre os recursos humanos e o capital, a tecnolo intera gia’.” Qual é efetivamente o interesse “de ter uma linha de montagem ‘perfeitamente eficiente’ se seus trabalhadores entram em greve em fungao da opresso e da desumaniza- ‘so que experimentam trabalhando nessa linha 'perfeita’*?* Se pudessem recomecar a vida profissional do zero, voces escolheriam de novo o emprego que ocupam atualmente? Em meados dos anos 1960, a essa pergunta responderam “sim 93% dos professores universitérios e 82% dos jornalis: tas entrevistados, contra 31% dos trabalhadores da industria téxtil e 16% dos operdrios especializados da automobilistica.” Os autores do estudo concluiram que, além do menor des: gaste fisieo, 6 a autonomia que constitui o principal fator de satisfagao no trabalho. Inversamente, hi alienago “quando 6s trabalhadores nao tém a possibilidade de controlar 0 pro- cesso de trabalho imediato”." 17 Wooton etal. 1975, p.327- 48 O'Toole 1972, p. 16, “A General Motors havia calculado que, se cada trabalhador em Lordstown trabalhasse meio segundo a mais por hora, a companhia economiaaria 1 milhdo de délares por ano. 6 que, evidentemente, “a produtividade ~ em outras palavras, a produgao por hora de trabalho - decresceu com a agitacio dos ope. ritios em fungao de sua insatistagao" (Zerzan 1975, D-22). 19 Ibid. p-14 Ver também Wilensky, em Baker etal. 1969, p- 556. 20 Deve-se notar, entretanto, que se tratava de uma definicao sim: plista da alienagio no trabalho que, retomando por alto uma nogio ‘marsista, promovia elandestinamente a supressao de seus aspectos mais problematicos. Para o jovem Marx, a alienacdo salarial nao se cearacterizava somente por uma situagdo de heteronomia, pelo fato dese estar submetido ao comando de uma vontade alheia, mas tam: ‘bém por um processo de expropriagio, ao fim do qual o trabalhador via a prépria atividade Ihe escapar para se objetivar na propriedade de um outro, Tal aspecto, o da apropriacio, desaparece na reinter pretagio gerenclal que ¢ feita desse eonceito no inicio dos anos 1970. Essa resttigdo semAntica fixava os limites politicos da proble- 431940 SOQONT S3H0OVH ENE SO (7). si Louvando as virtudes da “autonomia e do autocontrole"* considerando que “a indistria é supergerenciada e supercon twolada’,” os reformadores gereneiais dos anas-1g70 recomen: davam estimular a “participagio” dos trabalhadores a fim de aumentar, a0 mesmo tempo, sua produtividade A antiga “estratégia do controle", opunha do engajamento”.* Enquanto a primeira, intensiva, preten- dia pressionar ainda mais os trabalhadores submetendo-os a Uma disciplina reforcada, a segunda, extensiva, propunha-se ‘recorrer & sua produtividade ‘latente”.* satisfagao, uma “estratégia matizacdo adotada, jd que assim se proibia, por definigao, o pro: longamento da questio da alienagao dos trabalhadores para aquela das relagoes de propriedade que a condicionam. Decerto munidos de tal aparato intelectual, seria possivel admitir que a alienacio é inerente as formas de administragao piramidais, burocraticas tecnologia taylorizada’, mas era possivel também, por isso mesmo, pretender solucionar 0 problema sem jamais questionas a explora ‘0 salarial, rompendo com apenas certas formas desgastadas de gestao hierirquica 21 Walton 1973, p13. 22, Marrow, em Cass e Zimmer (orgs.) 1975, p-35- Desde o fim dos anos 1950, 0 psicédlogo do trabalho Douglas MeGregor tinha contra posto. uma ¢eoria gerencial x, “exclusivamente fundada sobre 0 con: tole externo do comportamento humano”, uma teoria Y, “repow: sando sobre o autocontrole e sobre a autodirecdo” (MeGregor, em Leavitt etal. 1989, p. 32) 23, Walton 1985, p. 79. Muitos comentadores prontos a anunciar ‘uma mudanea de paradigma interpretaram tais declarag6es como sinal de uma ruptura efetiva, como a passagem de uma a outra ‘modalidade de poder: do “controle direto” & “responsabilidade auténoma’, Mas raciocinar assim, por meio de grandes transforma: ses esquemitieas, ecolocar-se em busca da nova forma de controle, hhova panaceia estratégiea que se revezarla com outta, eujo reinado se encerra, significa negligenciar que a gestio, como mostrou John Storey, “nao é inteiramente tributéria de um Unico modo de con- tole”. Ao contririo do que pretendlem as abordagens “monistas” da histéria das téenicas gerenciais, ha persisténcia e coexisténcia de uma multiplicidade de meios de controle, eujas modalidades conhe. em ciclos e oscilagées (cf. Storey 1985, p. 122). 24 O'Toole 1972, p. 16 ¢ 23. Tal era a promessa da “gestto dos recur sos humanos”: explorar melhor *as eapacidades de um recurso Varios projetos-pilotos de gestao participativa nasceram , para alimentar suas dessa forma nos Estados Unidos.” s reflexdes acerca da autogestio, a esquerda francesa teve a sem Besan: experiéneia da fabrica Lip ocupada pelos operat on, em 1973, 0s gestores americanos, por sua vez, tiveram 0 caso da fbrica de racao para cachorros da General Foods, em ‘Topeka (Kansas), em 1971, para avaliar as vantagens da parti cipagao. Era 0 contramodelo de Lordstown: as regras eram fixadas coletivamente e a atividade se organizava em “grupos de trabalho auténomos”, equipes “autogereneiadas” que se responsabilizavam por vastos segmentos da producao.” Havia uma formalidade: “a produtividade aumenta [..] quando 0 trabalhadores participam das decisoes que afe tam suas vidas".” “O enriquecimento das tarefas” psicdlogo Frederick Herzberg, “compensa"* Com base nessa ‘natural primordial ~a forga de trabalho* (Walton 1972, p81). 25 Essa “participaglo” permitiria aos subordinados exercer certa influéncia sobreas decis6es que os afetam, mesmo que a alta gerén- cia “continue a dirigir a empresa, a cuidar das grandes transagbes financeiras” (O'Toole 1972, p. 85). 26 Walton 1972, p. 74 27 O'Toole 3972, p. 84. Walton conclufa igualmente pela “superior dade econdimiea” desse modelo (ef. Walton 1677, p. 423). Ver também Walton 1975, pp. 3-22 2 Cf. Paul etal. 1969, “Lé onde o alargamento ou o enriqueeimento das tarefas foram experimentados*, comentava Gorz, “os resultados foram quase sempre positivos. ss0 prova [...] que a aboli¢ao do des: potismo da fibrica ea introduedo da ‘democracia industrial tornam: se possiveis no interesse do proprio capital? [..] A questo assim apresentada nfo tem muito sentido. Bxistem experimentos contro lados nessa diregio, conduzidos in vitro. Mas nenhum exemplo de ‘que uma insubmissao opersria pode ser recuperada por esse tipo de procedimento. Ao contririo, li (como na Fiat), onde a luta resul tava em formas de organizaeao autonomas, a ditecao fez de tudo para destruf-las. O sentido das novas formas de organizagio nao despética do trabalho depende, entio - como o sentido de toda reforma -, da relagio de forgas que presidiu sua introducdo. Insti tuidas de cabeca fria, ob a iniciativa do patronato, para desintegrar as resisténcias, elas podem ser rentiveis para o capital ¢ consolidar sua hegemonia, Impostas no calor do momento, pela agio orga 45sT30gaNr sauoavinveval s constatago, podia-se enfim anuneiar a boa-nova: hé “uma congruéncia feliz entre a satisfagto dos trabalhadores e a realizagéo dos objetivos g mais satisfagio; para o capital, aumento da p nnciais”» Para os trabalhadores, odutividade. Definitivamente, todo mundo saia ganhando. Entretanto, havia pelo menos um grupo social que acredi tava ter algo a perder: a gestio, que temia se ver desprovida ‘de uma parte importante de suas prerrogativas.» O operdrio militante Bill Watson relata o seguinte episédio: na fabrica onde ele trabalhava, a direcao, antevendo a iminéncia de uma interrupeao foreada das atividades, havia planejado um inventério do estoque, empreitada que duraria seis semanas. A tarefa foi confiada a cerca de cinquenta operarios. Para stema, um inventério auto-organizado que se mostrou mais eficaz. que o procedi ganhar tempo, eles montaram um s mento inicialmente previsto pela geréncia. A direcio encer rou brutalmente a experiéncia espontanea, sob 0 pretexto de que “os canais legitimos de autoridade, competéncia e comunicacao haviam sido violados"" “A geréncia’, comenta Watson, “estava disposta a tudo para impedir os operarios de organizarem, eles mesmos, o trabalho, ainda que o inventério pudesse ser conclutido mais cedo ¢ eles pudessem voltar para casa antes do previsto, de modo que a empresa teria menos nizada dos operirios, elas sao, pois, irreconciliéveis com a autor dade patronal. A ambiguidade da ‘democratizagao" do processo de trabalho é, portanto, ade qualquer reforma: ela € uma recuperacio reformista, pelo capital, da resistencia opera, quando instituida de cima; abre uma brecha no sistema de dominacio do capital se € imposta de baixo, no curso de uma prova de forea” (Gore 1973, PP. 9958). 29 Storey 1983, p. 138. Nesse elteulo virtuoso, prometem-nos que vio ‘melhorar simultaneamente a qualidade de vida no trabalho (c assim diminuir a alienag2o) e aumentar a produtividade” (Walton 1972-70) 30 Aqui, é necessirio fazer a distingdo entze a posigio de certos | tedricos reformadores do gerencialismo e a dos pricas comnuns do gerencialismo, que em geral nao estio prontes a abrir mao faci mente das suas prerrozativas. 558 Watson 3571, p. 84 saldrios a pagar” Os gestores julgavam mais importante preservar o proprio pader que ponderar sobre consideragoes| estritas de eficiéneia econdmica, ' Se “as tentativas para introduzir uma det nao deram certo”, afirma igualmente a Business Week, “é por- que os gestores se sentiram ameagados pelo sucesso dessas experiéncias em que os trabalhadores comecavam a tomar ini ciativas em termos de decisdio”.* "Na verdade”, estima André Gorz, “a hostilidade patronal nao tem razées essencialmente técnicas ou econémicas. Ela é politica. O enriquecimento das tarefas 6 fim da autoridade e do poder despatico dos chefes de alto e baixo escalio. [..] Em suma, uma vez que se opta por esse caminho, onde acabaremos?’ Seria possivel conquistar os ganhos de produtividade associados A participagio sem perder o controle, sem desen- cadear dinamicas perigosas? Os reformadores apostavam que seria possivel entregar aos trabalhadores um certificado de autonomia limitada sem que isso degenerasse; outros se mostravam muito mais céticos. © problema da autonomia € que, uma vez. concedida, ela nao tolera ser apenas parcial. ‘Temia-se um “efeito dominé* De fato, do ponto de vista patronal, as margens de mano bra eram estreitas. Quais as opgdes disponiveis? Primeira estratégia: o status quo, quia o endurecimento dos regimes disciplinares existentes, mas sob o risco de intensificagao das indiseiplinas e dos conflitos sociais, com as perdas que eles implieam. Segunda opeao: introduzir a “participacao”, promessa de uma convergéncia harmoniosa dos interesses, menos alienagao e mais produtividade, simultaneamente Com uma Tessalva: nesse quadro conciliador, temia-se que 10 deixassem a raposa formas limitadas de autonomizai entrar no galinheiro. 32 Ibid, p.84, 33. *Stonewalling Plant De 44 Bosquet 1972, p 64. Marglin, em Lazonick 2002, p. 286. 47 ney" 1977, P78. _—————tl is13090Nr e3u0avHTvEvEL 80 [7] Bis o dilema: reintroduzir um regime diseiplinar que se sabia contraproducente, ou promover uma autonomia que, apesar de artificial, poderia se revelar perigosa. Portanto, pro- dluzia-se um impasse. Outra solugdo, no entanto, delineava-se no horizonte. _ ~~ 3. INSEGURANGA SOCIAL De que teriam medo, conscientes de que, ‘mesmo que sua indoléncia e extravagdncia, sua embriaguez e vicio os howvessere reducido ts necessidades basicas, eles seriam fartamente abastecidos as expensas dos outros: néo sé alimentados e asseados, ‘mas reconduzidos a seus lwxos habituais WNSEND, A Dissertation on the Poor Laws, 1786. Jose Em 4970, um repérter do The Wall Street Journal visitou uma fabriea. Na linha de montagem, viu cabelos compridos, bar bas e as vezes um simbolo da paz espetado numa camiseta. E, sobretudo, “rostos jovens, olhos cheios de curiosidade, olhos que viram a contestagao espalhar-se pelo pais”. Ble perscruta esses olhares que o surpreendem e conclui: “Eles nao parecem ter medo”.\ LA estava, para o patronato, o principal problema. Essa nova intrepidez, de onde vem? Essa juventude nto conhece nada “da dura realidade econémica do periodo anterior”? Antigamente, mesmo que néo se tivessem vivido 5 anos sombrios da erise de 1929, ouvia-se falar dessa época, pelo menos em casa. Mas essa meméria social, teorizarn duas geragoes ~ alguns, se esgotou: “Levou muito tempo para que a motivaeio pelo medo econdmico se dissipasse”. Os trabalhadores atuais, que “nunea tiveram a experiéncia da necessidade ou do medo ~ ou mesmo da inseguranga econd- 1 Gooding 1970, p. 66 2. "Adam Smith” em Supermoney 3572, p.274. *O ‘consenso do sac cio'estd desmoronando,” Esta fora de cogitagao assumir toda a respon: sabilidade dizendo “Eu fago isso por minha familia eu trabalho duro para que meus filhos tenham uma vida melhor que a minha’ (p. 280) 3. Wid, p.77. 49 ifsyHTWEL 80 [7] 3H. st3990 mica -, sabem bem no fundo que, acontega 0 que acontecer, a politica publica nao os deixaré morrer de fome”.! ArazAo fundamental “de nossas dificuldades atu is:com a mio de obra’, resumia um diretor da Ford, Maleolm Denise, consiste no seguint 'H entre os empregados um enfraque "S Essa ideia de que existe niveis variaveis de “tolerdncia a frustragao’ provinha da psicologia do comportamento. No fim dos anos 1930, experiéncias com chimpan: cimento generalizado da tolerdncia a frustragai és conduzidas por psiedlo: g05 americanos revelaram que individuos que haviam experi mentado poucas decepgdes no comeco da vida desenvolviam “um nivel de tolerancia a frustracio insuficiente para enfren: tar as frustra bes posteriore * Esses psicdlogos concluiam que a tarefa fundamental de uma educagdo bem-sucedida hao era tanto desenvolver o jovem sujeito, mas “construir sua tolerdncia A frustragio” por meio da diseiplina. A explicagio ‘que essa teoria de bicho-papao dava para os “comportamen- tos desviantes” era assustadora. Um individuo indisciplinado seria um sujeito cujo nivel de tolerancia a frustragao é pato- logicamente baixo. Para curé-lo, é preciso ensiné-lo a resistir a seu desejo: “A reeducacdo ou a psicoterapia ¢ [...] um pro ‘cesso de construcao da tolerdincin & frustragao que permite ‘a0 paciente [...] experimentar doses suportaveis de frustragao até que a resisténcia gradualmente se desenvolva e as 20 de fraca tolerancia & frustragio desaparecam’? Aplicar esse esquema de interpretacao as revoltas operé rias equivalia a apresenté-las como manifestacées de imatu: 4 Gooding 1570, p. 66. 5 Denise apud Weller 1974, p. 4, grifos do autor. Os assalariados dos anos 1970, reeapitulava ele, esto “1) ainda menos preocupados em perder seus empregos que no passado [...)}2) ainda menos pro- ensos a suportar condigdes de trabalho degradantes ou desconfor tveis; 3) ainda menos suscetivels.a aceitaro ritmo uniforme [..Jdas linhas de montagem; 4) ainda menos dispostos a se conformar is Tegras ou a se curvar a uma autoridade superior” (Denise 1969 apudl Widick 1976, p. 0). 5 Rosenaweig 1938, p. 154. 7 Ibid, p.a54, ridade psiquica, caprichos de criangas mimadas, Considerar que o problema residia na tolerancia demasiadamente fraca dos sujeitos i frustracao equivalia a negar que a questao rele- vante € a da insatisfacao grande demais decorrente de um trabalho alienante, Em suma, dizia-se que os trabalhadores haviam ficado acomodados em excesso. “O absenteismo”, garantia um diretor da General Motors, do resulta da monotonia do trabalho, mas da prosperi dade econdmica da nagio, do alto grau de seguranga ¢ das numerosas vantagens sociais proporcionadas pela indiistria’.* io caminhava bem: aconselhava-se focali A reproblematiza zat mais nas condigées sociais vantajosas que Ihes propor cionavam 0 luxo de poder se mostrar tiio audazes do que se concentrar nos meios de remediar 0 “desénimo dos colari- nhos-aauis”, © problema no é que o trabalho é duro demais, a sociedade é que é muito mole. Desde o fim dos anos de 1960 ~ muito antes, portanto, do famoso “choque do petréleo” de 1973 que costuma servir de cesura historiea -, a taxa de lucro comeca a baixar nos Estados Unidos.’ O ambiente de negécios sabe disso e se pa. Como explicar a queda? A imprensa econdmica preoc ‘mainstream logo arranja uma teoria, ou melhor, uma ideolo- gia da crise de lucratividade. Em margo de 1969, a Fortune registra contracao dos luctos. Em julho, a revista encontra o culpado: a alta do custo da mao de obra," alimentada pela combatividade operiria. Mesmo num contexto de inflagio galopante, de alta dos pregos, os sindicatos conseguem negociar aumentos de salitrios."* Ao mesmo tempo, a produtividade, que antes progredia em um ritmo constante, desacelera. Se os lucros declinam, dizem, € #Bramblett apud Gooding 1070, p. 65, 9 Cf. Duménil e Lévy 2000, pp. 2-38 10 A formagio desse tipo de argumentagao fol estudada em detalhe por Truty 2010. 1 Ibid, p. 344. x2. Gf. A. Brenner 1996, p. 2 61 etal Shela gelesenoavenWwavaL 80 [7] s13090N1 8: unicamente em fun 10 desses dois fendmenos combinados: enquanto os saldrios aumentam sob a pressio das lutas, a alta do custo do trabalho nao é mais compensada pot um cresci mento suficientemente robusto da produtividade, Ora, se “a produtividade comega a diminuir, 6 porque certas motivagoes vem. Pode: adisposicdo e 0 medo~abandonaram os que prod se, portanto, esperar que persista a inflago que conhecemo! Os debates sobre as causas do profit squeeze, do “estran gulamento dos lucros’, dividiram os economistas. Os keyne- sianos, como sempre, destacavam a fragilidade da demanda, © fendmeno de subconsumo. Alguns marxistas retomavam estranhamente, por conta propria, a teoria dos editorialistas da Fortune, enquanto outros formulavam explicagdes alter nativas." Entretanto, qualquer que tenha sido o fator deter minante da queda da taxa de lucro ~ forea da classe operé: ria (Boddy e Crotty), superacumulaedo (Sweezy), aumento da competieao internacional e seus efeitos sobre os pregos (Brenner) como veremos, em atacar o trabalho”."* A.teoria domin; da correlagao de fore “uma coisa é certa: a solugio para a crise estava, ise - vamos chamé-la de “teoria_ ~ culpava a situagao socioecond- mica demasiadamente propicia 4os trabalhadores € suas Tutas, Menos que a consideracdes psicolégicas, ela atribuia tal situagdo a trés fatores principais: 1) o engajamento keyne: 33 “Adam Smith” em Supermoney 1972, p. 276. Deve-se notar, no entanto, que os neoliberais estavam divididos quanto ao fator dete minante da inflaca0. Enquanto os feiedmanianos se concentravam “nas causas imediatas da inflacdo ~ a injeedo de dinheiro recémvim presso na economia" ~, 0s hayekianos insistiam na “eapacidade dos sindicatos de exercer uma influéncia causal sobre o processo de eri 40 monetaria” (ef. Christoph 2012, p. 368) 44 *Nés consideramos’, escreviam em.1975 Radford Boddy ¢ James Crotty, difundindo os argumentos do The Wall Street Journal, “que a cerosdo dos lucros é resultado de uma luta de classes vencedora con- duzida pelo trabalho contra o capital” (Boddy e Crotty 1975, P. 1). tese deles fol imediatamente criticaca por outros da mesma corrente «em fungi de seu carter monocausal (ef. Sherman 1975, pp. 55-00). 45, Parenti099, p. 37. Ver R. Brenner [1956] 2006; Magdoff etal. 19815 ce sobretudo Bellamy Foster 2013, pp. 14, re siano na manuteneao do pleno emprego; de protecdo do Estado de bem-estar social; 3) 0 poder dos sindicatos. Se quisessem reverter a tendéncia, nenhum des- ses pilares deveria se manter de pé. De fato, até o primeiro terco dos anos 1970, 0 mercado de trabalho conheceu nos Estados Unidos uma situacao de quase pleno emprego. Nesse contexto, a ameaga suprema de que 0 patrio dispde, ou seja, a demissdo, nao era mais per cebida como tao terrivel. “Bastava", lembra-se um caminho- neiro de Detroit, “se apresentar em qualquer lugar para achar trabalho em algum depésito ou numa doca qualquer. A gente nao estava nem ai se fosse mandado embora’." Isso explica também a capacidade de dizer nao, a liberdade, a forca que preocupava 0 outro lado. “Em um pais no qual o governo é formalmente responsivel por manter pleno emprego”, pergunta em 1970 a Business Week, que forcas “poderao conter as reivindicacoes dos tra. balhadores, alids perfeitamente naturais, por mais dinheiro e mais poder”? Se é verdade que a indisciplina operaria é filha do pleno emprego, como dizem no ambiente dos neg6- cios, seria preciso, entAo, cogitar seriamente eliminélo, “O emprego em massa nao é uma opgao politicamente vidvel; [.]em outras palavras: para domar esse bando de inconse- {quentes, este pais precisa é de uma boa depressao”, escreve, ) 0s dispositivos no infcio dos anos 1970, um comentarista de economia que se permite ainda mais uma provocagio assinando seus tex- tos com um nome emprestado, um pseud6nimo revelador: “adam Smith"* ‘Quando o ciclo espontineo das crises do capitalismo nao oferece esse tipo de oportunidade, sempre ¢ possivel se esfor car para fazé-lo acontecer artificialmente por si s6. 0 que foi 16 Apud A, Brenner 1996, p. 65. “O medo de ficar desempregado, relata também a Life Magazine em 1972, praticamente desapareceu, ce com ele a ideia de que trabalhar duro é uma virtude em si” ("The Will to Work and some Ways to Increase It" 1972, p- 3). 47 “The us. Can't Afford What Labor Wants” 1970, p.106 apud Phil lipe-Fein 2010, p. 156 38 “Adam Smich 53, Supermoney 1972 275. eli 2 ee‘13990Nr sa¥oayinWavul 80 [7] feito, esperando-se o melhor: intre 1969 e 1970, a adminis: trago Nixon provocou uma breve recessdo a fim de resfriar a economia - um eufemismo para recolocar os trabalhadores no lugar deles”.° Em agosto de 1971, ela anunciou um con- trole dos precos € dos salarios. 0 objetivo do congelamento dos salarios, confiou um dos conselheiros da Casa Branca, ta “abafar o trabalho, e foi o que fizemos*.* .gou a dar frutos, em ag71 uum redator da Fortune entreviu, enfim, razies para ter espe. Assim que essa politica con rangas: se a alta do desemprego se confirmasse, “o trabalha- dor poderia muito rapidamente mudar de atitude”" Poi preciso saber que “mesmo um pequeno nimero de demis: ses pode ter um efeito mirabolante™ para acalmar 0s ani: ‘mos contestatdrios. No entanto, enquanto existirem dispositivos de protegao social, a ameaca do desemprego nao pode desempenhar seu papel plenamente, uma vez que “a existéncia de segu ros-desemprego reduz a ‘penalidade' associada ao fato de ser demitido”.» Publicamente, contudo, 0 ataque contra 419 Perelman 2002, p. 40. Ver também Blinder 1981, p. 107-55, 20 A. Weber, diretor do Cost of Living Couneil no geverno Nixon, -usiness Week 1974 apud Perelman 2002, pt 21 Armstrong 1970, p. 40. 22 Brand, do Bureau of Labor Statisties apud Armstrong 1970, P- 4. 23 No inicio dos anos 1980, 0 trio de economistas marxistas Weisskopf, Bowles e Gordon propse a nocio de custo de saida, definido como a parte do nivel de vida que um assalariado pode prever perder em caso de demissao: “Quanto mais elevado para os trabalhadores é o custo da perda do emprego, maiores as chances de que se mostrem conciliadores no loeal de trabalho. Quanto ‘menor 0 eusto de perder seu emprego, ao contsitio, menos eles responderio aos esforgos dos empregadores pai produtividade” (Weisskopf et al. 1983, p. 987]. Seus eéleulos mostram que 0 custo da perda de emprego, aps ter aumentado na década de 1960, eai no inicio dos anos 1970, A baixa taxa de desemprego, a alta dos saldrios reais, a proteeao social, entre outros fatores, levaram a queda do custo de saida, moderaram os riscos associados demissao e tornaram mais favorivel a carrelagd de Forgas sociais para os trabalhadores. Os “conservadores propdem restaurar a a protecao social foi justificado por outro tipo de discurso, Idedlogos neoconservadores, encabegados por George Gilder matizando a “cul: elaboraram uma ret6riea antiwelfare, es tura da pobreza": “Os pobres devem trabalhar duro ¢ devem trabalhar mais duro do que as classes acima detes [..], mas os pobres de hoje se recusam a trabalhar duro”. Ora, “se 05 pobres optam pelo écio, nao é por fraqueza moral, mas por ‘que sto pagos para isso”. Para Gilder, o Estado de bem-estar social representava um perigo moral, até mesmo civilizacio- nal: ao instituir programas de assisténcia, 0 Estado social dispensa os mais desprovidos de se curvarem inteiramente ‘0s imperativos de mercado apresentados como poderosos incentivos & virtude. Assim, os seguros-desemprego incitam > dissolve o dever filial | a preguica; o direito 4 aposentad perante os ancios; os auxilios 4s pessoas com defi enaltece Esse era o grande retomo de antigas doutrinas. Em 1786, em sua famosa A Dissertation on the Poor Laws [Dissertagao sobre as leis das pobres}, 0 briténico Joseph Townsend opds -se, com argumentos similares, as medidas de assisténcia que, segundo ele, cometiam um erro enchendo a barriga dos necessitados, sufocando neles esse tio precioso estimu a trabalhar, nao ha 0s defeitos fisicos superficiais ete, ante que é a fome. Para levar os pobre: intensidade do trabalho por meio de uma disciplina intensifieada sobre 0 mercado de trabalho (e, poderiamos acrescentar, por um ataque aos sindicatos)" (ibid. p. 438). Numa revirvolta, alguns economistas mainstream retomaram por conta propria essa tese, creditando-a explicitamente aos neomarxistas: “Em um reeente artigo provocador,[..] Weisskopf, Bowles e Gordon apontam a existéncia de seguros-desemprego [..] para explicar 0 declinio da produtividade nos Estados Unidos” (Akerlof et al. 1986, p. 5). Na ‘ocasito, Cail Shapiro e Joseph Stiglitz também diseorreram sobre “o equilibrio com desemprego como instrumento de diseiplina do ‘wabalhador". A premissa de seu raciocinio consiste em (atar “a ameaga de demitir um trabalhador como método de disciplina” ¢ «em considerar “que grande parte da desaceleragao da prodtividade pode ser atribuida a uma baixa do custo da perda do trabalho” (Shapiro & stig 984, p43 24, Gilder 198, p. 69; Philips ein 2010, p.178. 55ST3OQONT SSHOOVHTYEVEL £07 nenhuma necessidade de obrigi-los por lei. Isso *d muito trabalho, exige violencia em demasia e faz barulho exage rado; a fome, 20 contratio, nao somente é uma pressao pack fica, silenciosa e incessante, como, sendo a motivacio mais: natural do trabalho e da induistria, produz também os esfor- 05 mais poderosos". 0 eseravo “deve ser forgado a traba thas, enquanto o homem livre deve ser deixado a seu eritério juizo”. Precioso documento para uma genealogia da moral liberal, onde se aprende que sua concepeao da “liberdade” pressupée o cutelo da miséria e que a destruigdo das formas instituidas de solidariedade social é a condicdo de emergén cia da figura do “trabalhador voluntéri No p6s-guerra, entretanto, era possivel acrediitar sincera: ‘mente nesses antigos esquemas ultrapassados. Se, nas fases anteriores do capitalismo, a inseguranga social foi consi- derada “itil, pois ela impelia as pessoas [...] a trabalhar da ‘melhor maneira e o mais eficazmente possivel",” em contra partida, na “Bra da Opuléneia”, estimava Galbraith em 1959, tornou-se claro que “um nivel elevado de seguranga é essen- cial para uma produgtio méxima"* Os seguros-desemprego, por exemplo, longe de engendrar um afrouxamento da ati- vidade, desempenham, evidentemente, um papel essencial para estabilizar a economia sustentando a demanda. 25 Townsend 1973, p.23. 26. Na formagio das condigbes de existéncia do “trabalhador volun: trio", comentava Polanyi, “o estigio final, porém, s6 fol alcaneado com a aplicagio da ‘penalidade da natureza’ ~ a fome. Para con- seguilo, foi necessirio liquidar a sociedade org sava a permitir que o individuo passasse fome”, Ele acrescenta: contribuigao inicial do homem branco para o mundo do homem negro consistiu prineipalmente em acostuméto a sentir o aguilhao da fome. [... Ora, o que o homem branco ainda pratica ocasio: nalmente em regides remoras hoje em dia, sto é, a derrubada das estruturas sociais a fim de extrair dels 0 elemento do trabalho, foi feito no séeulo xvitt com as populagdes brancas, por homens bran: cos, com propésitos similares”. (Polanyi [1944] 2000, pp. 200 € 199). 27 Galbraith [3958] 1967, p. 98 28 Ibid, p-u3 nica, que se reew. ra, favorecendo um novo movimento pendular, esse é 0 consenso questionado no inicio dos anos 1970. Alguns pre- o, voltar as soviedades da inseguranca social, "As tendem, ent politicas governamentais de pleno emprego”, escreve Gilbert Burck na Fortune, em 1971 velhos temores de ficar desempregado por longos periodos. raticamente extinguiram os 0 seguro-desemprego, combinado a outros amortecedores instituidos por uma sociedade bem-intencionada, encoraja as greves, permitindo aos grevistas usufruir de relativo con: forto enquanto esperam que o empregador capitule”* Dai o programa: desmantelar esses “amortecedores” a fim de reavi- var os “velhos temores” que eles acabaram sufocando. Como disciplinar os trabalhadores? A primeira opgao era, mn 0 risco de como vimos, exacerbar o poder disciplinador, haver efeitos adversos. A segunda, proposta pelos reformado- res gerencialistas, consistia em introduzir formas de partici: pagio com fins de autodiseiplina, “As iniciativas gerenciais ‘ parahumanizar o trabalho”, analisa Stephen Marglin, “sfo fem geral concebidas como resposta ao erescimento dos eus tos de mao de obraligado a indisciplin, ela mesma resultado da prosperidade"™ - mas esse género de bons projets definha assim que o desemprego se toma novamente uma realidade ‘Aparece, entio, uma tereeira perspectiva: para disciplinar pordentro, deixar que a inseguranca econdmicae social opere plenamente por fora, Se as pessoas continuam a trabalhar mesmo sob condigdes que detestam, explica o operdrio mili- tante John Lippert no fim dos anos 1970, momento em que 0 retorno da conjuntura ja se faz sentir, nao é “por causa de um controle interno que a empresa teria sobre os trabalhadores, O controle é mais externo: as privagdes econdmicas scriam seve ras demais se os trabalhadores fizessem 0 que o instinto deles, impulsiona: deixar aquele local e nunca mais botar os pés ali”. 29 Burek 1971 p65. 30. Marglin 2002, pp. 284-85. 31. Lippert 1977, p. 36. A taxa de desemprego, que nos Estados Uni: dos era de 3.5% em 1965, atinge 8.5% em 1975, 57 ees13090Mr sawoavinwavul $0 [7 A disciplina nao se impoe da mesma forma nas instituigoes bandonar pela evasiio, do Lipo prisio ~e nas abertas ~ aquelas das quais podemos sem- fechadas ~ aquelas que s6 poder pre pedir demisslo, do tipo empresa. Nas primeiras, a disci plina reina num sistema fechado, impedindo a sada dos suje- tos; nas segundas, ela funciona ao contréiio, ameacando-os de expulsio foreada. De um lado a reelusio, de outzo a demissio. Em instituiedes em que os sujeitos sio “livres” para ir embora, 0s rigores do poder disciplinador intemo no sfo suficientes, pata obter obediéneia. Ademais, isso requer, na auséncia de motivacao positiva suficiente, a incitaeao negativa de efeitos disciplinantes externos. A nogio desdobra-se, Nao hi uma “anica diseiplina, mas duas a0 menos: um poder diseiplinador iniemoe uma presto disciplinante ext rma, num esquemaem que a intensidade da segunda determina o grau de tendéncia 4 submissio do primeiro.* As geragdes que nasceram depois de 197 eresceram na era da “crist aquelas que perpétua, uma apés outra, inte- iorizaram a ideia de que cada qual viveria globalmente “menos bem” que a anterior, Blas reaprenderam a ter medo. Foi um retorno histérico que também poderia ser lido como uma espécie de psicoterapia ent grupo, uma reeducagio de massa para a “tolerincia & frustragao @ & preciso acrescentar que o complemento de tal instauragao de inseguranea econdmica e social foi uma politica de introdugio de inseguranga policial e careericia, uma “disciplina do ehicote” exer cida sobre os mais pobres, Um duplo fendmeno de recuo do Estado solidario ¢ de desenvolvimento do Estado penal que Lote Waequant descreveu como uma “politica estatal de criminalizagao da misé ria de Estado” (Waequant 2004, p. 79). Ver também Piven e Cloward 19935 Bowles etal. 2015; Dhondt 2012, 4, GUERRA AOS SINDICATOS As pessoas da mesma profissao raramente se que seja para momentos alegres divertidos, mas as conversagoes terminam em uma conspiracao contra o piblico, ou em algum incitamento para aumentar os preos fetivamente, é impossivel evitar tas reunides, por meio de leis que possam vir a ser cumpridas ¢ se coadunem com espirito de iberdade de justica ADAM SMITH, A rigueza das nagbes, 1776 “O pais nao pode se dar ao luxo de ceder as reivindicacées dos trabalhadores”, titulo da Business Week de abril de 1970: ova militancia sindical poderia fazer disparar os saldrios e alimentar uma inflagio galopante’. A revista denuncia um dominio quase absoluto dos sindicatos sobre a economia: “O funcionamento de uma sociedade democritica implica que nenhum grupo possa acumular em seu seio um poder tal que Ihe permita dlitar sua lei. [..] A negociagao coletiva ainda é negociagao, ou se transformou em uma espécie de chanta gem exercida pelos sindicatos?"* ‘0 problema econémico mais grave que o mundo ociden: tal enfrenta no inicio dos anos 1970", afirma igualmente Gil: bert Burck na Fortune, “6 da inflagdo ligada aos custos indu zidos pelas altas excessivas de salarios. [...] O fendmeno é 0 mesmo em toda parte do mundo ocidental: as organizagdes de trabalhadores esto indo longe demais Mas a constatagiio era paradoxal, pois ao mesmo tempo que se denuneiava o abuso de poder dos sindicatos, havia também a preocupacso com a perda de autoridade nes: Ibid. p. 107 4 “The us. Can't Afford What Labor Wants...” 1970, P. 105. 3 Burck 3971, p65, 59sas agremiagdes. As dire¢des sindicais, apontava Richard Armstrong na Fortune, no pareciam mais ter condicoes de controlar uma base “com estado de espirito vido e rebelde", cada vez mais tomada por “uma onda creseente de eélera e revolta contra a administragao, contra seus proprios lideres e, em grande medida, também contra a sociedade"s Cada vez menos eapazes de conter suas tropas, as direcdes sindicais ja nao parecem desempenhar seu papel de pacifi- \sIideres sindicais que envelhecem perderam a mao?™* Bm suma, eles também enfrentariam uma crise de governabilidade. Na ocasifo, lamentava um executivo da industria automobilistica, o interlocutor nao era mais o buro crata sindical de costume, mas “um tipo limitado, o lider local irresponsavel rosto da base” parecia pressagiar “uma nova era nas relagoes Essa tomada de poder pelos “homens sem com 0 trabalho”, possivelmente mareada por greves de ampli- tude inédita.* ‘No pés-guerra, teorizava 0 soci6logo Michael Burawoy em 1979, 08 sindicatos americanos se integraram a um “Estado interno” da empresa: por terem se formalizado em um dis- positivo regulado de negociacao coletiva, renuneiando em grande medida ao conflito efetivo, eles mais reproduzem a ordem da dominacao do que a questionam.’ Colaborando com uma forma de “governo privado na indistris assegu: 4 Anstrong 970, p37 5. Ibid, p. 43. "0 colarinho-azul, ele aerescentava, est [.] descon tente com seus patrdes, aborrecico com o ‘sistema pelos revolucionérios do Black power" (p. 37) © Ibid, pas 7 Apud Armstrong 1970, p. 4 4 Gart 4966 apud A. Brenner 1996, p26 9 Recusando uma dicotomia estrta demais entre economia e pol: tic, ele procurava teorizar uma *politca da produsao”. “A formula ‘Bstado interno’ refere-se ao conjunto de instituiedes que ongan transformam ou reprimem as lutas referindo-se as relagdes na pro dlugao eas relagbes de produgao no mbito da empresa,” (Burawoy 1979, p-130) 10 Ibid, p. 109 — ram ~ ao mesmo tempo que as mantém ~ a ordem produtiva, a fabricagdo do consenso, a hegemonia do regime de produ. do em vigor. Contudo, no exato momento em que 0 socid: logo marxista desenvolvia suas teses, demonstrando por @ mais b até que ponto esse regime de dominagao era robusto, este se enchia de fissuras por todos os lados.* Do ponto de vista patronal, 0 diagndstico era duplo: os sindicatos sao simultaneamente fortes demais e, em certo sentido, fracos demais. Fortes demais, pois ainda em posi¢ao de arrancar aumentos salariais, mas nao mais fortes o sufi ciente, j4 que as burocracias sindicais ndo so mais capazes de disciplinar seus grupos.” Em suma, de que adianta, dizia se, continuar a fazer concessdes As diregdes sindicais se isso jé nao permitia comprar a paz social na base? ‘Uma queda de brago era iminente, mas s6 um lado da mesa, das negociagdes se preparara para ela, ja que os dirigentes das trade-unions nao a haviam previsto." Quando afinal eles a com- preendem, é tarde e sua reagdo é amarga. Em 1978, Douglas Fraser, grande figura do sindicalismo americano, bate & porta do Labor Management Group e redige uma earta aberta que soa como um testamento politico: *Os dirigentes da comuni dade empresarial escolheram hoje, com raras exce¢Oes, con: duzireste pais a uma guerra de classe unilateral - uma contra 0s trabalhadores, contra os desempregados, os pobres, Nos Estados Unidos, os dirigentes da indus tria, do comércio e das finaneas romperam e rejeitaram o frégil pacto verbal que sustentou uma era hoje terminada de cresci mento e de progresso”." Ele refletia sobre o fim de quase trinta anos de relagdes cordiais, um periodo ao longo do qual “um yerra 42 Ver Burawoy 2012, 12 Cf. Armstrong 1970, p-38. 43. CF. Edsall 1984, p-a55 14 Fraser 1978 apud Bowles et al. 2015, p. 30. Quase inconscicnte: mente, comenta Cowie, Fraser entregava uma Interpretacto ins trutiva do mencionado compromisso que, segundo ele, repousava, portanto, menos sobre a pujanca do trabalho que sobre a tolersneia Litiea e proviséria do capital (ef. Cowie 20102, p. 297) 61 oe es lie i,S13990Nz S3HOOVHTaVEL $07 grande mimero de empresas passou a depender dos sindicatos como forga primordial de estabilizagtio". E uma corrente intelectual cujas teses, outrora minoritérias, reviravolta fora preparada no campo da teoria por serviriam de base para um ataque langado contra o sindi- calismo, recusado em seus prdprios principios. Os econo- mistas neoliberais haviam elaborado muito antes uma crf tica agressiva aos sindicatos. J4 em 1947, 0 economista Fritz Machlup caracterizava a ago deles como uma tentativa de 1oca, Henry C. Simons, oponente feroz do New Deal e mentor do jovem “fixagao monopolistica dos salarios"°A mesma é Milton Friedman, denuncia as “anomalias do controle pela associagao voluntéria’: diante da ameaca de instauracao de uma espécie de governo sindical, era vital “preservar a disci plina da concorréncia’.® Nos debates estratégicos sobre essa questio, que dividiam a Sociedade do Mont-Pélerin, bergo ¢ vanguarda do neoliberalismo, Machlup defendia uma posi ‘40 bélica: “A paz industrial é algo de que deverfamos descon fiar, pois ela s6 pode ser comprada ao prego de uma distorea0 elevada da estrutura dos saléios”.# # essa posigto que predomina no inicio dos anos 1970 nas elites econdmicas. A Fortune difineta, em 1971, “o poder monopolistico do trabalho": “Autorizados a se organizar como exércitos, os sindicatos recorrem & coereao e 2 intimt- dacao e nao hesitam em desestabilizar a e para aleangar seus fins. [..]A questio no é mais saber se tl forca deve ser reprimida, mas como. & crucial compreender que o poder do sindicalismo nao é uma necessidade natural. 15 Raskin 1979 apud Cowie 20:08, p. 298, A contradigao, explica Michele Naples, estava em que a “trégua" capital/ trabalho forne: cia o quadro institucional de uma relativa prosperidade econdmiea, uma prosperidade que por sua vex “fornecia [..] contexto econ6- mico no qual os trabalhadares podiarn Iu assim solapar a trégua” (Naples 1986, p. 116). 36 CE Machlup 1947. 47 Simons 1944, p. 5 18 Apud Steiner, em Mirowski et al. 2009, p. 190 19 Burek 1971, p. 65; .r por seus interesses e sua existéncia depende, na verdade, de uma série de excegoes e privilégios que o governo concede aos sindicatos a fim de hes propiciar uma espécie de santuario sem igual em nossa sociedade. Nossa tarefa é derrubar esse santurio"* Isso se revestiu de ares de ataques politicos diretos, vindos de cima, mas também de manobras mais locais. A partir de meados dos anos 1970, desenvolve-se a atividade florescente de um novo género de consultores, os union busters ou “exter: minadores de sindicatos”.” Alto executivo em uma grande empresa americana, vocé recebe pelo correio um folheto com 0 titulo “Os sindieatos: como evi Jos, veneé-los ¢ se livrar deles”. Anexo, 0 convite para um seminério de trés dias em um grande hotel. Na noite da véspera, vocé chega encontra os organizadores. 0 jeitio do primeiro, um psicélogo do trabalho ~ barba, camisa aberta, mangas arregacadas -, inicialmente o faz divagar, até compreender que esse ar descontraido faz parte da pandplia de uma profissao que ele exerce ha mais de vinte anos junto a grandes empresas americanas, entre elas 18m, Shell, Dupont e Texas Instruments. 0 segundo é um advogado nova-iorquino com o uniforme de praxe: terno sébrio e camisa sob medida. O semindrio se desenvolve em trés partes: 1) Como impedir a sindicalizacdo?; 2) Como lutar contra uma organizacao sindi: cal em implantagio?; 3) Como “dessindicalizar” uma empresa? © primeiro dia é reservado ao “psiedlogo industrial”, que vai ensinar “como tornar os sindicatos supérfluos” “Quando uma equipe diretora depara com um sindieato em sua empresa’, ele diz, “€ porque ela deu motivos para isso” “Diante dos sindicatos, ha apenas duas atitudes possiveis: dar uma de cacto ou de ameixa, A ameixa é um alvo facil [...,j40 cacto é resistente, e quem procura acha ~ é preciso criar um ambiente decididamente hostil aos sindicatos."" 30 Davenport 197%, p. 52. 21 Ver Logan, em Gall etal. 2013, 22 Apud Georgine 1979, pp. 4115s. Reconstituo aqui um relato com: pésito a partir de diferentes textos. 63
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