Apostila Teoria Dos Numeros

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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Aplicadas e Educação


Departamento de Ciências Exatas
Curso de Licenciatura em Matemática
Período 2021.2

Introdução à Teoria dos Números

Hélio Pires de Almeida


Sumário

1 Números Naturais 4
1.1 Adição e Multiplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1.1.1 Diferença de Números Naturais . . . . . . . . . . . . . 11


1.2 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.3 Axioma de Indução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.4 De…nição por Recorrência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.4.1 Somas parciais dos termos de uma sequência . . . . . . 22
1.4.2 Progressões Aritméticas . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.4.3 Progressões geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
1.4.4 Fatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.4.5 Potências com expoentes em N . . . . . . . . . . . . . 29
1.5 Boa Ordenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
1.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

2 Números Inteiros 37
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.2 Divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

1
2.3 Algoritmo da Divisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.5 Sistemas de Numeração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
2.7 Máximo Divisor Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.8 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
2.9 Números Primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
2.10 Mínimo Múltiplo Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
2.11 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

3 Congruências 104
3.1 De…nições e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
3.1.1 Sistemas Completos de Resíduos . . . . . . . . . . . . . 117
3.1.2 Sistemas Reduzidos de Resíduos . . . . . . . . . . . . . 122
3.2 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
3.3 Congruência Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
3.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
3.5 O Teorema Chinês dos Restos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
3.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
3.7 Equações Diofantinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
3.8 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
3.9 Os Teoremas de Euler, Fermat e Wilson . . . . . . . . . . . . 162
3.10 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170

4 Números: racionais e irracionais 172


4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172

2
4.2 Números Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
4.2.1 Representação Decimal . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
4.2.2 Dízimas Periódicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
4.3 Números Irracionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
4.4 Equações polinomiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192
4.5 Valores Irracionais de Funções Trigonométricas . . . . . . . . . 198
4.6 Valores irracionais de logaritmos decimais . . . . . . . . . . . 201
4.7 Números algébricos e transcendentes . . . . . . . . . . . . . . 203

Referências Bibliográ…cas 204

3
Capítulo 1

Números Naturais

Vamos admitir como ponto de partida que já conhecemos o conjunto dos


números naturais N = f0; 1; 2; : : :g, juntamente com as operações de Adição

(a; b) 7 ! a + b

e de Multiplicação

(a; b) 7 ! a:b ou (a; b) 7 ! ab:

1.1 Adição e Multiplicação

O nosso estudo dos números naturais será baseado em algumas propriedades


básicas das duas operações nos números naturais, Adição e Multiplicação.
Essas propriedades serão admitidas como válidas e, a partir delas, obteremos
os demais resultados.

4
Propriedade 1 As operações de Adição e de Multiplicação são bem de…nidas,
ou seja,

8a; a0 ; b; b0 2 N; a = a0 e b = b0 ) a + b = a0 + b0 e ab = a0 b0 .

Observação 1.1 É esta propriedade que permite, em uma igualdade, somar


a ambos os lados um mesmo número, ou multiplicar ambos os membros por
um mesmo número.

Propriedade 2 As operações de Adição e de Multiplicação são comutativas,


ou seja,
8a; b 2 N; a + b = b + a e ab = ba.

Propriedade 3 As operações de Adição e de Multiplicação são associativas,


ou seja,

8a; b; c 2 N; (a + b) + c = a + (b + c) e (ab)c = a(bc).

Propriedade 4 As operações de Adição e de Multiplicação possuem elemen-


tos neutros, ou seja,

8a 2 N; a + 0 = a e 1a = a.

Propriedade 5 A operação de multiplicação é distributiva com relação à


operação de adição, ou seja,

8a; b; c 2 N; a(b + c) = ab + ac.

Usaremos a notação N = f1; 2; 3; : : :g.

Propriedade 6 (Integridade) 8a; b 2 N , tem-se que ab 2 N .

5
Observação 1.2 Esta propriedade é equivalente a:

8a; b 2 N; ab = 0 ) a = 0 ou b = 0:

De…nição 1.1 Dados a; b 2 N, dizemos que a é menor do que b, e denotamos


por a < b, quando existe c 2 N tal que b = a + c.

Observação 1.3 Dizer que a < b é equivalente a dizer que b é maior do que
a, que é denotado por b > a.

Exercício 1.1 Mostre que 0 < a; 8a 2 N .

Solução. Como a = 0 + a e a 2 N , segue que 0 < a.

Propriedade 7 (Tricotomia) Dados a; b 2 N, uma, e somente uma, das


condições seguintes é veri…cada:

(a) a = b

(b) a < b

(c) b < a.

Exercício 1.2 Sejam a; b 2 N. Mostre que se a + b = 0, então a = 0 e


b = 0.

Solução. Supondo que b 6= 0, temos que b 2 N . Como 0 = a + b, segue


a < 0, que é um absurdo, pois a < 0 ) a 6= 0 ) a 2 N ) 0 < a. Logo,
b = 0. De modo análogo, mostra-se que a = 0.

Observação 1.4 Desse exercício segue que se a 2 N ou b 2 N , então


a+b2N .

6
Proposição 1.1 0a = 0; 8a 2 N.

Prova. 0a = (0 + 0)a = 0a + 0a. Se tivéssemos 0a 6= 0, então teríamos


0a 2 N e, portanto, 0a < 0a, que é um absurdo. Logo, 0a = 0.

Proposição 1.2 A relação < é transitiva, ou seja, 8a; b; c 2 N, se a < b e


b < c, então a < c.

Prova. Se a < b e b < c, então existem d; f 2 N tais que b = a + d e


c = b + f . Daí segue que c = (a + d) + f = a + (d + f ). Mas d; f 2 N )
d + f 2 N . Portanto, a < c.

Proposição 1.3 A adição é compatível com respeito à relação < e vale a lei
do cancelamento, ou seja, 8a; b; c 2 N; a < b , a + c < b + c.

Prova. Suponhamos que a < b. Então existe d 2 N tal que b = a + d.


Somando c a ambos os membros dessa igualdade, obtemos

b + c = (a + d) + c = a + (d + c) = a + (c + d) = (a + c) + d:

Daí segue que a + c < b + c.


Reciprocamente, suponhamos que a + c < b + c. Pela tricotomia, ocorre uma,
e apenas uma, das situações seguintes: a = b; b < a ou a < b. Mas, como
a operação de adição é bem de…nida,

a = b ) a + c = b + c;

que contradiz a nossa hipótese.


Pela primeira parte desta demonstração,

b < a ) b + c < a + c;

7
que também contradiz a hipótese.
Portanto, resta apenas a possibilidade a < b.

Proposição 1.4 A multiplicação é compatível com respeito à relação < e


vale a lei do cancelamento, ou seja, 8a; b 2 N; 8c 2 N ; a < b , ac < bc.

Prova. Suponhamos que a < b. Então existe d 2 N tal que b = a + d.


Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por c, obtemos

bc = (a + d)c = ac + dc:

Daí segue que ac < bc, pois dc 2 N .


Reciprocamente, suponhamos que ac < bc. Pela tricotomia, ocorre uma, e
apenas uma, das situações seguintes: a = b; b < a ou a < b. Mas, como a
operação de multiplicação é bem de…nida,

a = b ) ac = bc;

que contradiz a nossa hipótese.


Pela primeira parte desta demonstração,

b < a ) bc < ac;

que também contradiz a hipótese.


Portanto, resta apenas a possibilidade a < b.

Proposição 1.5 A adição é compatível com respeito à igualdade e vale a lei


do cancelamento, ou seja, 8a; b; c 2 N; a = b , a + c = b + c.

Prova. Suponhamos que a = b. Como a operação de adição é bem


de…nida, segue que a + c = b + c.

8
Reciprocamente, suponhamos que a + c = b + c. Pela tricotomia, ocorre uma,
e apenas uma, das situações seguintes: a = b; b < a ou a < b. Mas, pela
Proposição 1.3, b < a ) b + c < a + c, que contraria a hipótese. Também
não podemos ter a < b, pois neste caso, pela mesma Proposição, teríamos
a + c < b + c, que também contraria a hipótese.
Portanto, resta apenas a possibilidade a = b.

Proposição 1.6 A multiplicação é compatível com respeito à igualdade e


vale a lei do cancelamento, ou seja, 8a; b 2 N; 8c 2 N ; a = b , ac = bc.

Prova. Suponhamos que a = b. Como a operação de multiplicação é


bem de…nida, segue que ac = bc.
Reciprocamente, suponhamos que ac = bc. Pela tricotomia, ocorre uma, e
apenas uma, das situações seguintes: a = b; b < a ou a < b. Mas, pela
Proposição 1.4, b < a ) bc < ac, que contraria a hipótese. Também não
podemos ter a < b, pois neste caso, pela mesma Proposição, teríamos ac < bc,
que também contraria a hipótese.
Portanto, resta apenas a possibilidade a = b.

De…nição 1.2 Dados a; b 2 N, dizemos que a é menor do que ou igual a b


(ou b é maior do que ou igual a a), e denotamos por a b (ou b a), se
a < b ou a = b.

Exercício 1.3 Mostre que a b , 9c 2 N tal que b = a + c.

Solução. Suponhamos que a b. Então, a < b ou a = b. Se a < b,


existe c 2 N tal que b = a + c. Se a = b, temos que b = a + 0. Portanto, em
qualquer caso, existe c 2 N tal que b = a + c.

9
Reciprocamente, suponhamos que 9c 2 N tal que b = a + c. Como não é
possível ocorrer c < 0, pela tricotomia temos que c > 0 ou c = 0: Se c > 0,
temos que a < b. Se c = 0, temos que a = b. Portanto, a b.

Exercício 1.4 Mostre que:

1. a a; 8a 2 N;

2. Dados a; b 2 N, se a b e b a, então a = b;

3. Dados a; b; c 2 N, se a b e b c, então a c.

Solução.

1. Dado a 2 N, como a = a, segue que a a.

2. Sejam a; b 2 N tais que a beb a. Assim,

a b ) 9 c 2 N; b = a + c

b a ) 9 d 2 N; a = b + d:

Dessas duas igualdades segue que

a = b + d = (a + c) + d = a + (c + d) ) a + 0 = a + (c + d):

Então, pela Proposição 1.5, temos que c + d = 0. Daí, pelo Exercício


1.2, segue que c = d = 0. Portanto, a = b.

3. Sejam a; b; c 2 N, tais que a b e b c.

a b ) 9 d 2 N; b = a + d

b c ) 9 e 2 N; c = b + e:

10
Dessas duas igualdades segue que

c = b + e = (a + d) + e = a + (d + e):

Como d + e 2 N, temos que a c.

Observação 1.5 É fácil veri…car que 8a; b; c 2 N, as propriedades a seguir


são veri…cadas:

a. Se a < b, então a b;

b. Se a < b e b c, então a < c;

c. Se a b e b < c, então a < c.

1.1.1 Diferença de Números Naturais

Dados dois números naturais, a e b, com a b, existe c 2 N tal que b = a + c.


Neste caso, de…nimos a diferença b menos a, denotada por b a, como sendo
o número c, ou seja,
b a = c , b = a + c:

Observe que
b a = 0 , a = b:

Temos tambem que


(b a) + a = b:

Proposição 1.7 Dados a; b; c 2 N, se a b, então c(b a) = cb ca.

11
Prova. Se a b, já sabemos que ca cb. Logo, cb ca está bem de…nido.
Seja d = b a, ou seja, b = a + d. Multiplicando ambos os membros dessa
igualdade por c, obtemos

cb = c(a + d) = ca + cd:

Daí segue que cd = cb ca, ou seja, c(b a) = cb ca.

Observação 1.6 Sejam a; b 2 N, com a b. Se d = b a, então d be


b d = a.

Exercício 1.5 Sejam a; b; c 2 N tais que c b e b c a. Mostre que


b a + c e que
a (b c) = (a + c) b:

Solução. Seja d = a (b c), ou seja, a = (b c) + d. Somando c a


ambos os membros dessa última igualdade, obtemos

a + c = [(b c) + d] + c

= (b c) + (d + c)

= (b c) + (c + d)

= [(b c) + c] + d

= b + d:

Logo, b a + c e d = (a + c) b. Portanto, a (b c) = (a + c) b.

1.2 Exercícios
1. Dados a; b 2 N, use a propriedade da Tricotomia para determinar a
negação de:

12
(a) a < b;

(b) a b;

(c) a = b.

2. 8 a; b; c 2 N, mostre que:

(a) a < b ) a b;

(b) a < b e b c ) a < c;

(c) a b e b < c ) a < c.

3. Mostre que:

(a) 8 a; b; c 2 N; a b,a+c b + c;

(b) 8 a; b 2 N; 8 c 2 N ; a b , ac bc.

4. 8 a; b; c; d 2 N, mostre que:

(a) a < b e c < d ) a + c < b + d e ac < bd;

(b) a b e c d)a+c b + d e ac bd.

5. Dados a; b 2 N, mostre que:

(a) a + b = a , b = 0;

(b) a:b = a , a = 0 ou b = 1;

(c) a:a = a , a = 0 ou a = 1.

13
6. Sejam a; b; c 2 N tais que b+c a. Mostre que a (b+c) e (a b) c
estão bem de…nidos vale a igualdade

a (b + c) = (a b) c:

7. Sejam a; b; c 2 N tais que 0 < c < b < a. Mostre que 0 < b c<
a c < a.

8. Sejam a; b; c 2 N tais que c b a. Mostre que b c a c a.

9. Sejam a; b; c 2 N tais que a c e b c. Mostre que

c a c b,b a:

10. Sejam a; b; c; d 2 N tais que a b e c d. Mostre que

b a d c,b+c a + d:

1.3 Axioma de Indução


Propriedade 8 (Axioma de Indução) Seja S um subconjunto de N tal
que:

1. 0 2 S;

2. n 2 S ) n + 1 2 S.
Então S = N.

De…nição 1.3 Uma sentença matemática P (n) que depende de uma variá-
vel n 2 N, a qual se torna verdadeira ou falsa quando substituímos n por um
número natural, é chamada sentença aberta de…nida sobre N.

14
Exemplo 1.1 P (n) : n é par. Temos que P (n) é uma sentença aberta tal
que: P (1) ; P (5) ; P (11) são todas falsas; P (4) ; P (10) ; P (12) são todas
verdadeiras.

Exemplo 1.2 Consideremos a sentença

n (n + 1)
P (n) : 1 + 2 + +n= :
2

Temos que:

1 (1 + 1)
P (1) : 1 = =1
2
2 (2 + 1)
P (2) : 1 + 2 = =3
2
3 (3 + 1)
P (3) : 1 + 2 + 3 = =6
2
4 (4 + 1)
P (4) : 1 + 2 + 3 + 4 = = 10
2
..
.

Veri…camos que P (1) ; P (2) ; P (3) e P (4) são todas verdadeiras. Tendo em
vista esses resultados, podemos até suspeitar que P (n) é verdadeira para todo
n 2 N, mas não podemos a…rmar que isso é verdade. Uma sentença aberta
sobre N pode ser verdadeira para muitos valores de n e não ser verdadeira
para todo n 2 N.

Exemplo 1.3 Consideremos a sentença aberta

P (n) : n2 n + 41 é um número primo.

Podemos veri…car diretamente que P (1) ; P (2) ; P (3) ; : : : ; P (40) são todas
verdadeiras, mas P (41) é falsa.

15
Dada uma sentença aberta P (n) sobre N, é impossível testarmos, um por
um, todos os números naturais para decidirmos se P (n) é verdadeira para
todo n 2 N. Então precisamos de um critério que permita essa decisão. O
teorema a seguir faz esse papel.

Teorema 1.1 (Princípio de Indução Matemática - 1a Forma) Se


P (n) é uma sentença aberta sobre N tal que:

1. P (0) é verdade;

2. se k 2 N e P (k) é verdade, então P (k + 1) é verdade.


Então P (n) é verdade para todo n 2 N.

Prova. Seja S o conjunto-verdade de P (n), ou seja,

S = fn 2 N j P (n) é verdadeg :

Temos que:

1. 0 2 S, pois, por hipótese, P (0) é verdade;

2. se k 2 S, temos que P (k) é verdade e, por (2), P (k + 1) é verdade, ou


seja, k + 1 2 S.
Então, pelo Axioma de Indução (Propriedade 8), temos que S = N.
Portanto, P (n) é verdade para todo n 2 N.

A seguir apresentamos uma forma mais geral desse teorema.

Teorema 1.2 (Princípio de Indução Matemática - 1a Forma) Seja


a 2 N. Se P (n) é uma sentença aberta sobre N tal que:

16
1. P (a) é verdade;

2. se k a e P (k) é verdade, então P (k + 1) é verdade.


Então P (n) é verdade para todo n a.

Prova. Seja P 0 (n) a sentença aberta sobre N dada por P 0 (n) = P (a + n).
Temos que:

1. P 0 (0) é verdade, pois P 0 (0) = P (a + 0) = P (a) é verdade;

2. suponhamos que k a e P 0 (k) é verdade, ou seja, P (a + k) é verdade.


Vamos mostrar que P 0 (k + 1) é verdade. De fato,

P 0 (k + 1) = P (a + (k + 1)) = P ((a + k) + 1)

é verdade, pois P (a + k) é verdade.


Portanto, pelo Princípio de Indução (teorema 1.1), P 0 (n) é verdade
para todo n 2 N. Daí segue que P (n) é verdade para todo n a.

n(n+1)
Exercício 1.6 Mostre que 1 + 2 + +n = 2
, para todo inteiro n 1.

Solução. Consideremos a sentença aberta sobre N

n(n + 1)
P (n) : 1 + 2 + +n= ; 8n 1:
2
1:(1+1)
Temos que P (1) é verdade, uma vez que 1 = 2
. Seja k 1 e suponhamos
que P (k) é verdade, ou seja,

k(k + 1)
1+2+ +k = : (1.1)
2
17
Vamos mostrar que P (k + 1) é verdade, ou seja,

(k + 1)[(k + 1) + 1] (k + 1)(k + 2)
1+2+ + k + (k + 1) = = :
2 2

De fato, somando k + 1 a ambos os membros da igualdade (1.1), obtemos

k(k + 1)
1+2+ + k + (k + 1) = + (k + 1)
2
k(k + 1) + 2(k + 1) (k + 1)(k + 2)
= = :
2 2

Portanto, P (k + 1) é verdade. Logo, pelo princípio de indução (teorema 1.2),


P (n) é verdade para todo n 1, ou seja,

n(n + 1)
1+2+ +n= ; 8n 1:
2

Exercício 1.7 Mostre que 1 + 3 + 5 + + (2n 1) = n2 , para todo inteiro


n 1.

Solução. Consideremos a sentença aberta sobre N

P (n) : 1 + 3 + 5 + + (2n 1) = n2 ; 8n 1:

Temos que P (1) é verdade, uma vez que 1 = 12 . Seja k 1 e suponhamos


que P (k) é verdade, isto é,

1+ + (2k 1) = k 2 : (1.2)

Vamos mostrar que P (k + 1) é verdade, ou seja,

1+3+ + (2k 1) + [2(k + 1) 1] = (k + 1)2 :

18
De fato, somando 2(k + 1) 1 a ambos os membros da igualdade (1.2),
obtemos

1+3+ +(2k 1)+[2(k+1) 1] = k 2 +[2(k+1) 1] = k 2 +2k+1 = (k+1)2 :

Portanto, P (k + 1) é verdade. Logo, pelo princípio de indução (teorema 1.2),


P (n) é verdade para todo n 1, ou seja,

1+3+5+ + (2n 1) = n2 ; 8n 1:

1 1 1 n
Exercício 1.8 Mostre que 1:2
+ 2:3
+ + n(n+1)
= n+1
, para todo inteiro
n 1.

Solução. Consideremos a sentença aberta sobre N


1 1 1 n
P (n) : + + + = ; 8n 1:
1:2 2:3 n(n + 1) n+1
1 1
Temos que P (1) é verdade, uma vez que 1:2
= 1+1
. Seja k 1 e suponhamos
que P (k) é verdade, ou seja,
1 1 1 k
+ + + = : (1.3)
1:2 2:3 k(k + 1) k+1
Vamos mostrar que P (k + 1) é verdadeira, ou seja,
1 1 1 1 k+1
+ + + + = :
1:2 2:3 k(k + 1) (k + 1)(k + 2) k+2
1
De fato, somando (k+1)(k+2)
a ambos os membros da igualdade (1.3), obtemos
1 1 1 1 k 1
+ + + + = +
1:2 2:3 k(k + 1) (k + 1)(k + 2) k + 1 (k + 1)(k + 2)
k(k + 2) + 1
=
(k + 1)(k + 2)
(k + 1)2 k+1
= = :
(k + 1)(k + 2) k+2

19
Portanto, P (k + 1) é verdade. Logo, pelo princípio de indução (teorema 1.2),
P (n) é verdade para todo n 1, ou seja,

1 1 1 n
+ + + = ; 8n 1:
1:2 2:3 n(n + 1) n+1

Exercício 1.9 Mostre que 2n > n, para todo inteiro n 1.

Solução. Consideremos a sentença aberta sobre N

P (n) : 2n > n; 8n 1:

Temos que P (1) é verdade, uma vez que 21 = 2 > 1. Seja k 1 e supon-
hamos que P (k) é verdade, ou seja, 2k > k. Vamos mostrar que P (k + 1)
é verdade, ou seja, 2k+1 > k + 1. De fato, 2k+1 = 2 2k . Como estamos
supondo que 2k > k, temos que

2k+1 = 2 2k > 2k = k + k k + 1 ) 2k+1 > k + 1:

Portanto, P (k + 1) é verdade. Logo, pelo princípio de indução (teorema 1.2),


P (n) é verdade para todo n 1, ou seja, 2n > n; 8n 1.

1.4 De…nição por Recorrência

Dado um conjunto não-vazio A, uma função a : N ! A é chamada de se-


quência em A. Notação a(1) = a1 ; a(2) = a2 ; a(3) = a3 ; : : : ; a(n) = an ; : : :.
Representa-se a sequência a por (an ) = (a1 ; a2 ; a3 ; : : : ; an ; : : :) ou simples-
mente (an )n2N . Os elementos a1 ; a2 ; a3 ; : : : ; an ; : : : são chamados de termos

20
da sequência e an é chamado de termo geral. Por exemplo, na sequência
a:N ! N, de…nida por a(n) = 2n 1, temos que

a1 = 2:1 1=1

a2 = 2:2 1=3

a3 = 2:3 1=5
..
.

Esta sequência pode ser representada por (an ) = (1; 3; 5; : : : ; 2n 1; : : :).


Observe que, neste caso, o termo geral an = 2n 1 é de…nido por uma
expressão que envolve apenas a variável n, ou seja, para obter o valor de um
termo qualquer ak , basta substituir a variável n na expressão do termo geral
an , pelo valor correspondente de k.
Nem sempre o termo geral an de uma sequência é de…nido por uma ex-
pressão que envolve apenas a variável n. Há casos em que se de…ne explicita-
mente um ou mais termos iniciais da sequência, e a de…nição de cada um dos
demais termos envolve um ou mais termos anteriores. Portanto, o cálculo de
cada um desses termos é feito a partir de um ou mais termos anteriores já
conhecidos. Neste caso, diz-se que a sequência é de…nida por recorrência ou
recursivamente.

Exemplo 1.4 Consideremos a sequência de números reais (an ) de…nida re-


cursivamente por:

a1 = 3

a2 = 1

an = 3an 1 an 2 ; 8n 3:

21
Vamos calcular alguns termos dessa sequência.

a1 = 3

a2 = 1

a3 = 3a3 1 a3 2 = 3a2 a1 = 0

a4 = 3a4 1 a4 2 = 3a3 a2 = 3 0 1= 1

a5 = 3a5 1 a5 2 = 3a4 a3 = 3 ( 1) 0= 3

a6 = 3a6 1 a6 2 = 3a5 a4 = 3 ( 3) ( 1) = 8
..
.

1.4.1 Somas parciais dos termos de uma sequência

Dada uma sequência de números reais (an ) = (a1 ; a2 ; a3 ; : : : ; an ; : : :), de…n-


imos a sequência de suas somas parciais (Sn ) = (S1 ; S2 ; S3 ; : : : ; Sn ; : : :),
onde Sn é de…nida por

S 1 = a1

Sn+1 = Sn + an+1 ; 8n 1:

Observe que

a1 = S 1

a1 + a2 = S2 = S1+1 = S1 + a2

a1 + a2 + a3 = S3 = S2+1 = S2 + a3 = (a1 + a2 ) + a3

a1 + a2 + a3 + a4 = S4 = S3+1 = S3 + a4 = (a1 + a2 + a3 ) + a4
..
.

22
X
n
A soma Sn é denotada por ai . Assim,
i=1

X
n
S n = a1 + + an = ai :
i=1

Como Sn+1 = Sn + an+1 , temos que


X
n+1 X
n
Sn+1 = ai = an+1 + ai :
i=1 i=1

1.4.2 Progressões Aritméticas

Consideremos a sequência de números reais (an ) de…nida recursivamente por:

a1 = 5

an+1 = an + 3; 8n 1:

Vamos calcular alguns termos dessa sequência.

a1 = 5

a2 = a1+1 = a1 + 3 = 5 + 3 = 8

a3 = a2+1 = a2 + 3 = 8 + 3 = 11

a4 = a3+1 = a3 + 3 = 11 + 3 = 14
..
.

Portanto, (an ) = (5; 8; 11; 14; : : :).


Essa sequência é um exemplo de uma progressão aritmética.

De…nição 1.4 Uma progressão aritmética (P A) de números reais é uma


sequência (an ) tal que a1 é dado e, 8n 1; an+1 = an + r, onde r é um
número real …xo, chamado razão da progressão.

23
Observação 1.7 Se (an ) é uma P A de razão r, temos que

a2 = a1+1 = a1 + r = a1 + r

a3 = a2+1 = a2 + r = (a1 + r) + r = a1 + 2r

a4 = a3+1 = a3 + r = (a1 + 2r) + r = a1 + 3r


..
.

Proposição 1.8 Se (an ) é uma progressão aritmética cuja razão é r, então

an+1 = a1 + nr; 8n 1:

Prova. Seja (an ) uma progressão aritmética cuja razão é r. Por de…nição
temos que an+1 = an + r; 8n 1. Consideremos a sentença aberta sobre N

P (n) : an+1 = a1 + nr:

Temos que P (1) é verdadeira, pois a1+1 = a2 = a1 + r = a1 + 1r.


Seja k 1 e suponhamos que P (k) seja verdadeira, ou seja,

ak+1 = a1 + kr:

Somando r a ambos os membros dessa igualdade obtemos

ak+1 + r = (a1 + kr) + r ) a(k+1)+1 = a1 + (kr + r) = a1 + (k + 1)r:

Daí segue que P (k + 1) é verdadeira. Portanto, pelo princípio de indução


(teorema 1.2), P (n) é verdadeira, 8n 1, ou seja,

an+1 = a1 + nr; 8n 1:

24
Proposição 1.9 Se (an ) = (a1 ; a2 ; a3 ; : : :) uma progressão aritmética cuja
razão é r, e
S n = a1 + a2 + + an ;

então
n(a1 + an )
Sn = ; 8n 1:
2
Prova. Seja (an ) = (a1 ; a2 ; a3 ; : : :) uma progressão aritmética cuja razão
é r. Consideremos a sentença aberta sobre N
n(a1 + an )
P (n) : Sn = :
2
Temos que P (1) é verdadeira, pois
a1 + a1 1:(a1 + a1 )
S 1 = a1 = = :
2 2
Seja k 1 e suponhamos que P (k) seja verdadeira, ou seja,
k(a1 + ak )
Sk = :
2
Somando ak+1 a ambos os membros dessa igualdade obtemos
k(a1 + ak )
Sk + ak+1 = + ak+1 )
2
k(a1 + ak ) + 2ak+1 ka1 + kak + ak+1 + ak+1
Sk+1 = =
2 2
ka1 + kak + (a1 + kr) + ak+1 (ka1 + a1 ) + (kak + kr) + ak+1
= =
2 2
(k + 1)a1 + k(ak + r) + ak+1 (k + 1)a1 + kak+1 + ak+1
= =
2 2
(k + 1)a1 + (k + 1)ak+1 (k + 1) (a1 + ak+1 )
= = :
2 2
Daí segue que P (k + 1) é verdadeira. Portanto, pelo princípio de indução
(Teorema 1.2), segue que P (n) é verdadeira, 8n 1, ou seja,
n(a1 + an )
Sn = ; 8n 1:
2
25
1.4.3 Progressões geométricas

De…nição 1.5 Uma progressão geométrica (P G) de números reais é uma


sequência (an ) tal que a1 é dado e, 8n 1; an+1 = q:an , onde q é um
número real …xo, q 2
= f0; 1g, chamado razão da progressão.

Exemplo 1.5 A sequência (an ) = (1; 2; 4; 8; : : :) é uma progressão geométrica


com razão q = 2.

Proposição 1.10 Se (an ) = (a1 ; a2 ; a3 ; : : :) é uma progressão geométrica


com razão q, então
an+1 = a1 :q n ; 8n 1:

Prova. Seja (an ) uma progressão geométrica cuja razão é q. Por de…nição
temos que an+1 = q:an ; 8n 1. Consideremos a sentença aberta sobre N

P (n) : an+1 = a1 :q n :

Temos que P (1) é verdadeira, pois a1+1 = a2 = qa1 = q 1 :a1 . Seja


k 1 e suponhamos que P (k) seja verdadeira, ou seja,

ak+1 = a1 :q k :

Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por q, obtemos

q:ak+1 = a1 :q k :q = a1 :q k+1 ) a(k+1)+1 = a1 :q k+1 :

Daí segue que P (k + 1) é verdadeira. Portanto, pelo princípio de indução


(teorema 1.2), P (n) é verdadeira, 8n 1, ou seja,

an+1 = a1 :q n ; 8n 1:

26
Proposição 1.11 Se (an ) = (a1 ; a2 ; a3 ; : : :) é uma progressão geométrica
cuja razão é q, e
S n = a1 + a2 + + an ;

então
qn 1
S n = a1 ; 8n 1:
q 1
Prova. Seja (an ) = (a1 ; a2 ; a3 ; : : :) uma progressão geométrica cuja
razão é q. Consideremos a sentença aberta sobre N
qn 1
P (n) : Sn = a1 :
q 1
Temos que P (1) é verdadeira, pois
q 1 q1 1
S 1 = a1 = a1 = a1 :
q 1 q 1
Seja k 1 e suponhamos que P (k) seja verdadeira, ou seja,
qk 1
S k = a1 :
q 1
Somando ak+1 a ambos os membros dessa igualdade obtemos
qk 1
Sk + ak+1 = a1 + ak+1 )
q 1
qk 1 qk 1
Sk+1 = a1 + a1 :q k = a1 + qk
q 1 q 1
q k 1 + q k+1 q k q k+1 1
= a1 = a1 :
q 1 q 1
Daí segue que P (k + 1) é verdadeira. Portanto, pelo princípio de indução
(Teorema 1.2), segue que P (n) é verdadeira, 8n 1, ou seja,
n
q 1
S n = a1 ; 8n 1:
q 1

27
1.4.4 Fatorial

De…nição 1.6 Dado um número natural, n, o fatorial de n, denotado por


n!, é de…nido por:

0! = 1

(n + 1)! = (n + 1)n!; 8n 0:

Segue da de…nição que

1! = 1:0! = 1:1 = 1

2! = 2:1! = 2:1 = 2

3! = 3:2! = 3:2 = 6

4! = 4:3! = 4:6 = 24
..
.

Proposição 1.12 Se n 2 N; n 2, então

n! = n(n 1) : : : 2:1:

Prova. Vamos usar o princípio de indução (Teorema 1.2) para provar


este resultado.
Para n = 2 o resultado é verdadeiro, pois

2! = 2 1 = 2 (2 1) :

Seja k 2 e suponhamos que o resultado seja válido para n = k, ou seja,

k! = k(k 1) : : : 2:1:

28
Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por k + 1, obtemos

(k + 1)k! = (k + 1)k(k 1) : : : 2:1:

Como (k + 1)k! = (k + 1)!, segue que o resultado também é válido para k + 1.


Portanto, pelo Teorema 1.2, temos que o resultado é válido para todo 8n 2,
ou seja, n! = n(n 1) : : : 2:1; 8n 2.

1.4.5 Potências com expoentes em N

De…nição 1.7 Seja a 2 R; a 6= 0. Se n 2 N, a potência an é de…nida por:

a0 = 1

an+1 = an a; 8n 2 N:

Se a = 0, de…nimos 0n = 0; 8n 2 N . A potência 00 não está de…nida.

Observação 1.8 Da de…nição segue que

01 = 0

a1 = a0+1 = a0 a = 1a = a; 8a 2 R; a 6= 0:

Portanto, a1 = a; 8a 2 R.

Proposição 1.13 Se a; b 2 R e m; n 2 N , então:

i) am an = am+n ;

ii) (am )n = amn ;

iii) (ab)n = an bn .

29
Prova. Vamos usar o princípio de indução (Teorema 1.2) para provar
essas propriedades.

(i) Vamos tomar arbitrariamente a 2 R e m 2 N e …xá-los. Vamos usar


indução sobre n. Para n = 1 o resultado é válido, pois

am a1 = am a = am+1 :

Seja k 2 N e suponhamos que o resultado é válido para n = k, ou seja,

am ak = am+k :

Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por a obtemos

(am ak )a = am+k a ) am (ak a) = a(m+k)+1 ) am ak+1 = am+(k+1) :

Daí segue que o resultado também é válido para n = k + 1. Portanto,


pelo princípio de indução, o resultado é válido para todo n 2 N , ou
seja,
am an = am+n ; 8n 2 N :

Como a 2 R e m 2 N foram tomados arbitrariamente, podemos con-


cluir que
am an = am+n ; 8a 2 R; 8m; n 2 N :

(ii) Vamos tomar arbitrariamente a 2 R e m 2 N e …xá-los. Vamos usar


indução sobre n. Para n = 1 o resultado é válido, pois

(am )1 = am = am:1 :

Seja k 2 N e suponhamos que o resultado é válido para n = k, ou seja,

(am )k = amk :

30
Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por am obtemos

(am )k am = amk am :

Por de…nição temos que (am )k am = (am )k+1 e, pelo item (i), segue que
amk am = amk+m = am(k+1) . Portanto,

(am )k+1 = am(k+1) :

Daí segue que o resultado também é válido para n = k + 1. Portanto,


pelo princípio de indução, o resultado é válido para todo n 2 N , ou
seja,
(am )n = amn ; 8n 2 N :

Como a 2 R e m 2 N foram tomados arbitrariamente, podemos con-


cluir que
(am )n = amn ; 8a 2 R; 8m; n 2 N :

(iii) Sejam a; b 2 R:Temos que o resultado é válido para n = 1, pois

(ab)1 = ab = a1 b1 :

Seja k 2 N e suponhamos que o resultado é válido para n = k, ou seja,

(ab)k = ak bk :

Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por ab obtemos

(ab)k (ab) = (ak bk )(ab) ) (ab)k+1 = (ak a)(bk b) = ak+1 bk+1 :

Daí segue que o resultado também é válido para n = k + 1. Portanto,


pelo princípio de indução, o resultado é válido para todo n 2 N , ou
seja, (ab)n = an bn ; 8n 2 N .

31
1.5 Boa Ordenação
Sejam S N e a 2 S. Se a x; 8x 2 S, dizemos que a é um menor
elemento de S. Um conjunto X é dito bem ordenado se todo subconjunto
não-vazio de X tem um menor elemento.
O Teorema seguinte, conhecido como Princípio da Boa Ordenação, a…rma
que N é um conjunto bem ordenado.

Teorema 1.3 (Princípio da Boa Ordenação) Todo subconjunto não-vazio de


N possui um menor elemento.
Prova. Seja S N e suponhamos que S não possui um menor elemento.
Vamos mostrar que S = ;.
Dado n 2 N, seja In = fx 2 N j x ng = f0; : : : ; ng e consideremos o
conjunto A = fn 2 N j In \ S = ;g. Como S não possui um menor elemento,
e0 x; 8x 2 N, segue que 0 2
= S. Como I0 = f0g, segue que I0 \ S = ;.
Logo, 0 2 A. Seja k 0 e suponhamos que k 2 A, ou seja, Ik \ S = ;. Se
x2Nex2
= Ik , então k + 1 x. Logo, k + 1 2
= S, pois caso contrário, k + 1
seria um menor elemento de S. Como Ik+1 = Ik [ fk + 1g, segue que

Ik+1 \ S = (Ik [ fk + 1g) \ S = (Ik \ S) [ (fk + 1g \ S) = ; [ ; = ;:

Portanto, k + 1 2 A. Então, pelo princípio de indução, segue que A = N.


Assim, In \ S = ;; 8n 2 N. Daí segue que S = ;.

Observação 1.9 Em alguns livros o Princípio da Boa Ordenação aparece


como um axioma, ou seja, sem demonstração e, a partir dele, é demonstrado
o Axioma de Indução (Propriedade 8).

32
O teorema seguinte é outra versão do princípio de indução (Teorema 1.2)
que também é muito útil.

Teorema 1.4 (Princípio de Indução Matemática - 2a Forma) Sejam


a 2 N e A um subconjunto de N tal que as duas condições a seguir são
satisfeitas:

(i) a 2 A;

(ii) Dado k > a, se r 2 A, para todo r tal que a r k 1, então k 2 A.


Então n 2 A, 8n a.

Prova. Considere o conjunto

S = fx 2 N j x a ex2
= Ag :

Vamos mostrar que S = ;. Suponhamos, por absurdo, que S 6= ;. Então, pelo


Princípio da Boa Ordenação (Teorema 1.3), S possui um menor elemento
k. Como a 2 A, temos que a 2
= S e, consequentemente, k > a. Logo, r 2 A
para todo r tal que a r k 1. Então, por (ii), segue que k 2 A. Daí
segue que k 2
= S. Isto contradiz o fato de que k é o menor elemento de S.
Portanto, S = ;.

Exercício 1.10 Considere a sequência (an ) de…nida por a1 = 1, a2 = 3 e


an = an 2 + an 1 ; 8n 3. Mostre que
n
7
an < ; 8n 1:
4
Solução. Consideremos o conjunto
n
7
A= n 2 N j an < :
4
Temos que:

33
7 48 49 7 2
(i) 1 2 A e 2 2 A, pois a1 = 1 < 4
e a2 = 3 = 16
< 16
= 4
.

(ii) Seja k > 2 e suponhamos que r 2 A para todo r tal que 2 r k 1.


Então

k 2 k 1
7 7
ak = ak 2 + ak 1 < +
4 4
k 2 k 2 k 2 k 2
7 7 7 7 7 11 7
= + = 1+ =
4 4 4 4 4 4 4
k 2 k 2 2 k 2 k
4 11 7 49 7 7 7 7
= < = = :
4 4 4 16 4 4 4 4

Daí segue que k 2 A. Então, pelo Teorema 1.4, segue que n 2 A; 8n 2.


Como veri…camos diretamente que 1 2 A, podemos concluir que n 2 A;
7 n
8n 1, ou seja, an < 4
; 8n 1:

1.6 Exercícios
1. 8 a; b; c 2 N, mostre que:

(a) a < b ) a b;

(b) a < b e b c ) a < c;

(c) a b e b < c ) a < c.

2. Mostre que:

(a) 8 a; b; c 2 N; a b,a+c b + c;

(b) 8 a; b 2 N; 8 c 2 N ; a b , ac bc.

34
3. 8 a; b; c; d 2 N, mostre que:

(a) a < b e c < d ) a + c < b + d e ac < bd;

(b) a b e c d)a+c b + d e ac bd.

4. Dados a; b 2 N, mostre que:

(a) a + b = a , b = 0;

(b) a:b = a , a = 0 ou b = 1;

(c) a:a = a , a = 0 ou a = 1.

5. Sejam a; b; c 2 N tais que b+c a. Mostre que a (b+c) e (a b) c


estão bem de…nidos vale a igualdade

a (b + c) = (a b) c:

6. Sejam a; b; c 2 N tais que 0 < c < b < a. Mostre que 0 < b c<
a c < a.

7. Sejam a; b; c 2 N tais que c b a. Mostre que b c a c a.

8. Sejam a; b; c 2 N tais que a c e b c. Mostre que

c a c b,b a:

9. Sejam a; b; c; d 2 N tais que a b e c d. Mostre que

b a d c,b+c a + d:

35
10. Mostre que, 8 n 2 N ,
n(n + 1)(2n + 1)
12 + 22 + 32 + + n2 = :
6
11. Mostre que, 8n 2 N; n2 + n é par.

12. Para todo inteiro n 4, mostre que n! > 2n .

13. Mostre que n! > 3n , para todo inteiro n 7.

14. Mostre que 2n3 > 3n2 + 3n + 1; 8n 3.

1 1 1
15. Mostre que 1 + 1
1+ 2
1+ n
= n + 1; 8 n 2 N .

16. Mostre que 2 + 4 + 6 + + 2n = n(n + 1), 8 n 2 N .

17. Mostre que 1 + 2 + + 2n 1


= 2n 1; 8n 2 N .

1 1 1 1 n
18. Mostre que 1:3
+ 3:5
+ 5:7
+ + (2n 1)(2n+1) = 2n+1 ; 8n2N .
h i2
19. Mostre que 13 + 23 + + n3 = n(n+1)
2
; 8n2N .

1 1 1 1
20. Mostre que 1 2
1 3
1 n+1
= n+1
; 8n 2 N .

21. Mostre que xn 1 = (x 1)(xn 1


+ xn 2
+ + x + 1); 8 n 2 N .

22. Encontre uma fórmula para cada uma das soma Sn a seguir.

(a) Sn = 3 + 6 + 9 + + 3n; 8n 1;

(b) Sn = 1 + 4 + 7 + + 3n 2; 8n 1;

(c) Sn = 3 + 9 + 27 + + 3n ; 8n 1;
1
(d) Sn = 3
+ 91 + 1
27
+ + 1
3n
; 8n 1;
5 5 5 5 5
(e) Sn = 2
+ 2:3
+ 2:9
+ 2:27
+ + 2:3n
; 8n 0.

36
Capítulo 2

Números Inteiros

2.1 Introdução
Neste capítulo veremos algumas propriedades e resultados básicos, porém
importantes, dos números inteiros. Vamos admitir que já conhecemos o con-
junto dos números inteiros Z = f: : : ; 3; 2; 1; 0; 1; 2; 3; : : :g, juntamente
com as operações de Adição

(a; b) 7 ! a + b

e de Multiplicação

(a; b) 7 ! a:b ou (a; b) 7 ! ab:

Admitiremos aqui essas operações gozam de todas aquelas propriedades es-


tudads no conjunto dos números naturais, tais como associatividade, comu-
tatividade, elemento neutro, integridade, etc. Abordaremos mais algumas
propriedades dessas operações e consideraremos também a operação de di-
visão em Z. Veremos alguns conceitos e resultados relacionados com essas

37
operações, tais como divisibilidade, algoritmo da divisão, máximo divisor
comum e mínimo múltiplo comum.

O conjunto dos números inteiros não-nulos, denotado por Z , é o conjunto

Z = f: : : ; 3; 2; 1; 1; 2; 3; : : :g = f 1; 2; 3; : : :g ;

o conjunto dos números inteiros não-negativos, denotado por Z+ , é o conjunto

Z+ = f0; 1; 2; 3; : : :g ;

o conjunto dos números inteiros positivos, denotado por Z+ , é o conjunto

Z+ = f1; 2; 3; : : :g ;

o conjunto dos números inteiros não-positivos, denotado por Z , é o conjunto

Z = f: : : ; 3; 2; 1; 0g

conjunto dos números inteiros negativos, denotado por Z , é o conjunto

Z = f: : : ; 3; 2; 1g :

Convém observar que

Z+ [ Z = Z e Z+ \ Z = f0g :

2.2 Divisibilidade
De…nição 2.1 Sejam a e b são números inteiros. Se existe um número
inteiro q tal que b = aq, dizemos que a divide b, e denotamos isto por a j b.
Também dizemos que a é um divisor de b ou que b é um múltiplo de a.
Usamos a notação a - b para expressar que a não divide b.

38
Observe que a j b se, e somente se, a equação ax = b possui solução em
Z.

Exemplo 2.1 3 j 15, pois 15 = 3:5, mas 2 - 15.

Como 0 = 0a; 8a 2 Z, segue que 0 é múltiplo de qualquer inteiro. Por


outro lado, b = 0q , b = 0, ou seja, 0 divide b se, e somente se, b = 0. Por
isto, doravante, mesmo que não seja dito explicitamente, vamos considerar
apenas os divisores não-nulos.
Se b = aq e a 6= 0, dizemos que b é o dividendo, a é o divisor e q é o
quociente da divisão de b por a. Se q é o quociente da divisão de b por a,
b
denotamos isto por a
= q ou b a = q. Observe que a ab = aq = b.
b
Por outro lado, como b = 1b; 8b 2 Z, segue que 1 j b e 1
= b; 8b 2 Z.

Proposição 2.1 Sejam a; b; c 2 Z. Se a j b e b j c, então a j c.

Prova. Como a j b e b j c, existem q1 ; q2 2 Z tais que b = aq1 e c = bq2 .


Logo,
c = bq2 = (aq1 )q2 = a(q1 q2 ) = aq;

onde q = q1 q2 2 Z. Portanto, a j c.

Proposição 2.2 Sejam a; b; c 2 Z. Se a j b e a j c, então

a j (xb + yc); 8x; y 2 Z:

Prova. Como a j b e a j c, existem q1 ; q2 2 Z tais que b = aq1 e


c = aq2 . Daí segue que, 8x; y 2 Z, temos que xb = x(aq1 ) = a(xq1 ) e
yc = y(aq2 ) = a(yq2 ). Então,

xb + yc = a(xq1 ) + a(yq2 ) = a(xq1 + yq2 ) = aq;

39
onde q = xq1 + yq2 2 Z. Portanto, a j (xb + yc); 8x; y 2 Z.

Proposição 2.3 Se a; b 2 Z; b 6= 0, e a j b, então jbj jaj.

Prova. Como a j b, existe q 2 Z tal que b = aq. Daí segue que jaj jqj = jbj.
Sendo b 6= 0, temos que q 6= 0 e, portanto, jqj 1. Multiplicando ambos
os membros dessa desigualdade por jaj, obtemos jaj jqj jaj 1 = jaj. Como
jaj jqj = jbj, segue que jbj jaj.

Corolário 2.1 Sejam a; b 2 Z. Se a j b e b j a, então a = b.

Prova. Como a j b e b j a, temos que a = 0 , b = 0 e, neste caso, a = b.


Suponhamos que a; b 2 Z . Temos que
9
a j b ) jaj jbj =
) jaj = jbj ) a = b:
b j a ) jbj jaj ;

Corolário 2.2 Os únicos divisores de 1 são 1 e 1.

Prova. Se a j 1 então a 6= 0 e jaj j1j = 1. Mas a 6= 0 ) jaj 1.


Portanto, jaj = 1 e, consequentemente, a = 1 ou a = 1.

Proposição 2.4 Sejam a; b; c 2 Z. Valem as seguintes propriedades:

i) a j a;

ii) Se a j b então ac j bc;

iii) Se ac j bc e c 6= 0, então a j b;

40
b
iv) Se a j b e a 6= 0, então a
j b.

Prova.

i) Como a = a1, segue que a j a;

ii) Se a j b então existe q 2 Z tal que b = aq. Mas

b = aq ) bc = (aq)c ) bc = (ac)q ) ac j bc.

iii) Suponhamos que ac j bc. Então existe q 2 Z tal que bc = (ac)q. Mas

bc = (ac)q ) bc = (aq)c:

Como c 6= 0, segue pela propriedade da integridade que b = aq. Por-


tanto, a j b.

iv) Suponhamos que a j b e que a 6= 0. Como

b b
b = a = a;
a a
b
segue que a
j b.

2.3 Algoritmo da Divisão


Se a; b 2 Z, b 6= 0, e b divide a, existe q 2 Z tal que a = bq. Esse inteiro q é
o quociente da divisão de a por b. Por exemplo, como 42 = 6:7, temos que 6
divide 42 e 7 é o quociente da divisão de 42 por 6. Quando b não divide a,
não existe inteiro q tal que a = bq e, neste caso, dizemos que a divisão de a

41
por b não é exata. Mas, mesmo assim, podemos considerar a divisão de a por
b, a divisão com resto. Por exemplo, 6 não divide 45, mas podemos escrever
45 = 6:7 + 3. Neste caso, dizemos que, na divisão de 45 por 6, o quociente é
7 e o resto é 3.
Isto que acabamos de ver é apenas um caso particular de uma situação
mais geral, conhecida por Algoritmo da Divisão.

Lema 2.1 Se a; b 2 N e b > 0, então existem q; r 2 N, com r < b tais que

a = bq + r.

Prova. Consideremos o conjunto

S = fn 2 N j n = a bx; x 2 Ng :

Temos que a 2 S, pois a 2 N e a = a b0. Logo, S 6= ;. Então, pelo axioma


da boa ordenação (Teorema 1.3), o conjunto S tem um menor elemento r, ou
seja, existe q 2 N tal que r = a bq é o menor elemento de S. Daí segue que
existem números naturais q e r tais que a = bq + r. Resta mostrar apenas
que r < b.
Suponhamos que r b. Então

a b(q + 1) = (a bq) b=r b 0:

Daí teríamos que a b(q +1) 2 S. Então, pela minimalidade de r, deveríamos


ter r a b(q + 1) = r b. Daí teríamos que b 0, contrariando a hipótese
que b > 0. Então, não podemos ter r b. Portanto, r < b.

Proposição 2.5 Se a; b 2 N e 1 < b a, então existe n 2 N tal que


nb a < (n + 1)b.

42
Prova. Pelo Lema 2.1 existem q; r 2 N tais que a = bq + r, com r < b.
Daí segue que

bq = a r a = bq + r < bq + b = b(q + 1):

Então, tomando n = q, temos que nb a < (n + 1)b:

Teorema 2.1 (Algoritmo da Divisão) Se a; b 2 Z e b 6= 0, então existem


q; r 2 Z, únicos, tais que

a = bq + r e 0 r < jbj :

Prova. Vamos provar inicialmente a existência dos inteiros q e r. Vamos


dividir essa prova em três casos.
1o Caso: a 0 e b > 0.
Estas são as condições do Lema 2.1 e, portanto, já está provado.
2o Caso: a < 0 e b > 0.
Temos que a > 0. Então, pelo 1o Caso, existem q1 ; r1 2 Z tais que

a = bq1 + r1 e 0 r1 < b:

Se r1 = 0, segue que

a = bq1 + 0 ) a = b( q1 ) + 0:

Neste caso, tomamos q = q1 e r = 0.


Suponhamos que 0 < r1 < b. Temos que

a = bq1 r1 = b( q1 ) r1 = b( q1 ) b+b r1 = b( q1 1) + (b r1 )

0 < r1 < b ) 0 < b r1 < b:

43
Tomando q = q1 1er=b r1 , temos que

a = bq + r e 0 r < b:

Desses dois casos segue que a existência dos inteiros q e r está provada para
quaisquer inteiros a e b, com b > 0. Então falta provar apenas o caso seguinte.
3o Caso: a; b 2 Z, com b < 0.
Como jbj > 0, segue, pelos casos já provados, que existem q1 ; r1 2 Z tais que

a = jbj q1 + r1 e 0 r1 < jbj :

Daí, como jbj = b, temos que

a = jbj q1 + r1 = bq1 + r1 = b( q1 ) + r1 :

Tomando q = q1 e r = r1 , temos que

a = bq + r e 0 r < jbj :

Portanto, a existência dos inteiros q e r está provada.


Para provar a unicidade, suponhamos que existam q1 ; q2 ; r1 ; r2 2 Z, com
0 r1 < b e 0 r2 < b, tais que

a = bq1 + r1 e a = bq2 + r2 :

Vamos mostrar que q1 = q2 e r1 = r2 .


Podemos supor que r1 r2 . Como bq1 + r1 = a = bq2 + r2 , temos que

bq1 bq2 = r2 r1 ) b(q1 q2 ) = r 2 r1 ) b jq1 q2 j = jr2 r1 j = r 2 r1 :

Como 0 r1 < b, 0 r2 < b e r2 r1 0, temos que 0 r2 r1 < b. Então


b jq1 q2 j < b. Mas

b jq1 q2 j < b ) 0 jq1 q2 j < 1:

44
Como jq1 q2 j 2 N, temos que jq1 q2 j = 0 e, consequentemente, q1 = q2 .
Daí segue também que r2 r1 = 0 e, portanto, r1 = r2 .

De…nição 2.2 No Algoritmo da Divisão (Teorema 2.1) os inteiros a; b; q e


r são chamados, respectivamente, dividendo, divisor, quociente e resto da
divisão de a por b.

Dados a; b 2 Z, b 6= 0, observe que b divide a se, e somente se, o resto da


divisão de a por b é zero.

Exemplo 2.2 Deseja-se colocar dois litros e meio de água em copos de


200ml. Quantos desses copos são necessários?
Para determinar a quantidade necessária de copos, observamos que

2; 5l = 2500ml:

Como
2500 = 200 12 + 100;

vemos que a quantidade de água enche completamente 12 copos e ainda


restam 100ml. Portanto, para colocar todo a água em copos, são necessários
13 copos.

Exercício 2.1 Seja n um número inteiro. Sabendo que o resto da divisão


de n por 30 é 26, qual é o resto da divisão de n por 6?

Solução. Se o resto da divisão de n por 30 é 26, então existe um inteiro


q1 tal que
n = 30q1 + 26:

45
Daí obtemos

n = 30q1 + 26 = 6 5q1 + 6 4 + 2 = 6 (5q1 + 4) + 2 = 6q + 2;

onde q = 5q1 + 4. Então, pela unicidade do quociente e do resto, concluímos


que o resto da divisão de n por 6 é 2.

Exercício 2.2 Quantos múltiplos de 3 existem entre 325 e 1682?

Solução. Temos que

325 = 3 108 + 1 e 1682 = 3 560 + 2:

Daí concluímos que existem 108 múltiplos de 3 entre 1 e 325, e 560 múltiplos
de 3 entre 1 e 1682. Então a quantidade de múltiplos de 3 entre 325 e 1682
é 560 108 = 452.

Exercício 2.3 Mostre que, 8n 2 N, o resto da divisão de 10n por 9 é sempre


1.

Solução. Vamos fazer isso por indução sobre n. A a…rmação é ver-


dadeira para n = 0, pois

100 = 1 = 9 0 + 1:

Suponhamos que a a…rmação seja verdadeira para n = k, ou seja, existe q1 2


N tal que
10k = 9q1 + 1:

46
Vamos mostrar que a a…rmação também é verdadeira para n = k + 1. De
fato, temos que

10k+1 = 10:10k = (9 + 1):10k = 9:10k + 10k

= 9:10k + (9q1 + 1) = 9:10k + 9q1 + 1

= 9:(10k + q1 ) + 1 = 9q + 1;

onde q = 10k + q1 . Logo, a a…rmação também é verdadeira para n = k + 1.


Portanto, pelo princípio de indução, a a…rmação é verdadeira para todo n 2
N, ou seja, para todo n 2 N, o resto da divisão de 10n por 9 é sempre 1.

2.4 Exercícios
1. Em cada item a seguir, determine o quociente e o resto da divisão de
a por b.

(a) a = 237 e b = 12.

(b) a = 53 e b = 65.

(c) a = 0 e b = 15.

(d) a = 537 e b = 18.

(e) a = 328 e b = 6.

(f) a = 187 e b = 11.

(g) a = 275 e b = 12.

2. Use o Algoritmo da Divisão para mostrar que:

47
(a) Todo inteiro par é da forma 4q ou 4q + 2, para algum inteiro q.

(b) Todo inteiro ímpar é da forma 4q + 1 ou 4q + 3, para algum inteiro


q.

(c) O quadrado de qualquer inteiro é da forma 3q ou 3q + 1, para


algum inteiro q.

(d) O quadrado de qualquer inteiro é da forma 4q ou 4q + 1, para


algum inteiro q.

(e) O cubo de qualquer inteiro é da forma 9q, 9q + 1 ou 9q + 8, para


algum inteiro q.

3. Determine inteiros a e b tais que a b = 184 e o quociente e o resto da


divisão de a por b sejam, respectivamente, q = 16 e r = 4.

4. Mostre que, se a e b são inteiros ímpares, então a2 + b2 é divisível por


2, mas não é divisível por 4.

5. Quais são os números naturais que, quando divididos por 5, deixam


resto igual:

(a) à metade do quociente?

(b) ao quociente?

(c) ao dobro do quociente?

(d) ao triplo do quociente?

6. Seja n um número inteiro. Em cada item a seguir, mostre que um, e


apenas um, dos três números dados é múltiplo de 3 :

48
(a) n; n + 1 e n + 2:

(b) n; n + 2 e n + 4:

(c) n; n + 10 e n + 23:

(d) n; n + 1 e 2n + 1:

7. Prove que, para cada inteiro positivo n, dados quaisquer n inteiros


consecutivos, um, e apenas um deles, é múltiplo de n.

8. Seja a 2 Z. Prove que um dos inteiros a; a + 2; a + 4 é múltiplo de 3.

9. Seja n um inteiro qualquer. Mostre que a divisão de n2 por 4 nunca


deixa resto 2.

10. Seja a 2 Z. Prove que 4 - (a2 + 2).

11. Seja n um inteiro ímpar. Mostre que n2 1 é múltiplo de 8.

12. (ENC-2000) Mostre que, se um inteiro n não é divisível por 3, então n2


deixa resto 1 na divisão por 3.

13. Seja n um inteiro ímpar que não é múltiplo de 3. Mostre que n2 1é


múltiplo de 24.

14. Seja n um inteiro ímpar. Mostre que n(n2 1) é múltiplo de 24.

15. Sendo n um número inteiro, mostre que a soma dos números n; n + 10


e n + 20 é divisível por 3.

16. Seja n um inteiro que não é múltiplo de 3. Mostre que a divisão de n2


por 3 deixa resto 1.

49
17. Seja n um inteiro qualquer. Mostre que a divisão de n2 por 3 nunca
deixa resto 2.

18. (ENC-2000) Se a e b são inteiros tais que a2 + b2 é múltiplo de 3, prove


que a e b são ambos múltiplos de 3.

19. (ENC-2001) Seja n um inteiro qualquer. Mostre que a divisão de n2


por 6 nunca deixa resto 2.

20. (ENC-2002) Seja n um número inteiro. Sabendo que o resto da divisão


de n por 20 é 8, qual é o resto da divisão de n por 5?

21. Sejam a e b inteiros ímpares. Prove que a2 b2 é múltiplo de 8.

22. Quantos números pares existem entre 139 e 1387?

23. Quantos múltiplos de 3 existem entre 125 e 1382?

24. Determine o menor inteiro positivo n tal que 935 + n é múltiplo de 43.

25. Qual é o maior número de dez algarismos que é divisível por 8?

26. (OBMEP) A Prefeitura de certa cidade fez uma fez uma campanha que
permite trocar 4 garrafas de litro vazias por uma garrafa de litro cheia
de leite. Fazendo várias trocas, quantos litros de leite pode obter uma
pessoa que possua 43 garrafas de litro vazias?

27. (OBMEP) Uma professora tem 237 balas para dar aos seus 31 alunos.
Qual é o número mínimo de balas a mais que ela precisa conseguir para
que todos os alunos recebam a mesma quantidade de balas, sem sobrar
nenhuma?

50
28. Sejam a; b; c 2 Z, b 6= 0 e c > 0. Seja r o resto da divisão de a por b.
Mostre que:

(a) O resto da divisão de ac por bc é rc.


a b
(b) Se c j a e c j b, então c j r, e o resto da divisão de c
por c
é rc .

2.5 Sistemas de Numeração


O sistema de numeração mais usado para representar os números naturais é o
decimal. Nesse sistema cada número é representado por uma sequência única
de algarismos do conjunto f0; 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9g e cada algarismo, além do
seu valor absoluto, também possui um valor posicional. Por exemplo, no
número 252 o algarismo 2 aparece duas vezes e possui valores diferentes de
acordo com a posição que ocupa, pois

252 = 200 + 50 + 2 = 2 102 + 5 101 + 2 100 :

Olhando da direita para a esquerda, o valor posicional do primeiro alga-


rismo 2 coincide com o seu valor absoluto, enquanto o valor posicional do
segundo algarismo 2 é cem vezes o seu valor absoluto. De um modo geral,
na representação decimal de um número natural, observando a sequência de
algarismos da direita para a esquerda, o valor posicional de cada algarismo é
igual ao seu valor absoluto multiplicado por um peso que depende da posição
do algarismo, sendo que o primeiro algarismo tem peso 1, o segundo tem
peso 10, o terceiro tem peso 102 , o quarto tem peso 103 , etc. Assim, se a
representação decimal de um número é ak ak 1 : : : a 1 a0 e 0 r n, o peso
do algarismo ar é 10r .

51
O sistema de numeração decimal também é chamado de sistema de nu-
meração na base 10. Sistemas de numeração em outras bases também são
muito usados em computação, principalmente em bases potência de 2. O
sistema na base 2 também é chamado de sistema binário e a representação
de um número nesse sistema é chamada de representação binária. Como esse
sistema usa apenas os algarismos 0 e 1 para representar os números naturais,
as operações aritméticas de adição e de multiplicação se tornam bastante
simples.
Dado qualquer número natural b, com b 2, pode-se considerar um
sistema de numeração posicional na base b. O Teorema a seguir garante isso.

Teorema 2.2 Se b 2 N e b 2, então, dado n 2 N , existe uma única


representação da forma

n = n k bk + n k 1 bk 1
+ + n1 b + n0 , (2.1)

com k; n0 ; n1 ; : : : ; nk 2 N, nk 6= 0 e 0 ni < b, i = 0; 1; : : : ; k.

Prova. (Existência) Vamos usar o Algoritmo da Divisão (Teorema 2.1)


para provar a existência da representação. Dividindo n por b, obtemos um
quociente q0 e um resto n0 , ou seja,

n = q0 b + n 0 ; 0 n0 < b:

Como b 2 e n > 0, temos que q0 0. Dividindo q0 por b, obtemos um


quociente q1 e um resto n1 , ou seja,

q0 = q1 b + n 1 ; 0 n1 < b:

52
Como b 2 e n > 0, temos que 0 q1 < q0 . Então esse processo pode ser
repetido até ser obtido um quociente qk = 0. Assim, obtemos uma sequência
de expressões

n = q0 b + n 0 ; 0 n0 < b

q0 = q1 b + n 1 ; 0 n1 < b

q1 = q2 b + n 2 ; 0 n2 < b
..
.

qk 2 = qk 1 b + n k 1 ; 0 nk 1 <b

qk 1 = 0:b + nk ; 0 nk < b:

Agora, na primeira dessas expressões, substituímos o valor de q0 dado na


segunda expressão. Em seguida, substituímos na expressão obtida, o valor
de q1 dado na terceira expressão, e assim sucessivamente, obtemos

n = q0 b + n 0

n = (q1 b + n1 )b + n0 = q1 b2 + n1 b + n0

n = (q2 b + n2 )b2 + n1 b + n0 = q2 b3 + n2 b2 + n1 b + n0
..
.

n = qk 1 b k + n k 1 b k 1
+ + n1 b + n0

n = n k bk + n k 1 bk 1
+ + n1 b + n0 :

(Unicidade) Para provar a unicidade da representação, suponhamos que

53
existam duas representações

n = n k bk + n k 1 bk 1
+ + n 2 b2 + n 1 b + n 0

n = n0r br + n0r 1 br 1
+ + n02 b2 + n01 b + n00 :

Então

nk bk +nk 1 bk 1
+ +n2 b2 +n1 b+n0 = n0r br +n0r 1 br 1
+ +n02 b2 +n01 b+n00 :

Daí segue que

(nk bk 1 +nk 1 bk 2 + +n2 b+n1 )b+n0 = (n0r br 1 +n0r 1 br 2 + +n02 b+n01 )b+n00 :

Da unicidade do quociente e do resto (Teorema 2.1), temos que

nk bk 1 +nk 1 bk 2 + +n2 b+n1 = n0r br 1 +n0r 1 br 2 + +n02 b+n01 e n0 = n00 :

Repetindo este processo com

n k bk 1
+ n k 1 bk 2
+ + n2 b + n1 = n0r br 1
+ n0r 1 br 2
+ + n02 b + n01 ;

obtemos que

(nk bk 2
+ n k 1 bk 3
+ + n2 )b + n1 = (n0r br 2
+ n0r 1 br 3
+ + n02 )b + n01 :

Daí segue que

n k bk 2
+ n k 1 bk 3
+ + n2 = n0r br 2
+ n0r 1 br 3
+ + n02 e n1 = n01 :

Repetindo este processo, quantas vezes forem necessárias, concluímos que

r = k; n0 = n00 ; n1 = n01 ; : : : ; nk = n0r :

54
Diz-se que a expressão 2.1 é a representação de n na base b e vamos
denotá-la por
(nk nk 1 : : : n1 n0 )b :

Quando não se especi…ca a base na representação de um número, subentende-


se que se trata da representação decimal, ou seja, a base é 10. Assim,
nk : : : n1 n0 signi…ca (nk nk 1 : : : n1 n0 )10 :

Exemplo 2.3 Vamos encontrar a representação decimal do número

n = (3102210)4 :

Se n = (3102210)4 então

n=3 46 + 1 45 + 0 44 + 2 43 + 2 42 + 1 4 + 0 = 13 476:

A prova do Teorema 2.2 mostra como encontrar a representação de um


número numa base b, a partir da sua representação decimal. Observe que
se n = nk bk + nk 1 bk 1
+ + n1 b + n0 , então n0 ; n1 ; : : : ; nk são os restos
obtidos nas divisões sucessivas feitas na prova do Teorema.

Exemplo 2.4 Vamos encontrar a representação na base 6 do número 26 125.


Temos que

26125 = 4354 6+1

4354 = 725 6+4

725 = 120 6+5

120 = 20 6+0

20 = 3 6+2

3 = 0 6 + 3:

55
Então a representação na base 6 do número 26125 é (320541)6 .
Para entender melhor o que foi feito na prova do Teorema 2.2, observe que

26125 = 4354 6+1

26125 = (725 6 + 4) 6 + 1 = 725 62 + 4 6+1

26125 = (120 6 + 5) 62 + 4 6 + 1 = 120 63 + 5 62 + 4 6+1

26125 = (20 6 + 0) 63 + 5 62 + 4 6+1

= 20 64 + 0 63 + 5 62 + 4 6+1

26125 = (3 6 + 2) 64 + 0 63 + 5 62 + 4 6+1

= 3 65 + 2 64 + 0 63 + 5 62 + 4 6+1

26125 = (0 6 + 3) 65 + 2 64 + 0 63 + 5 62 + 4 6+1

= 3 65 + 2 64 + 0 63 + 5 62 + 4 6 + 1:

Exemplo 2.5 Vamos encontrar a representação na base 12 do número


43 184:
Na base 12 necessitamos de doze símbolos para representar os algarismos.
Além dos dez algarismos 0; 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8 e 9, necessitamos de mais
dois, para representar os números 10 e 11. Vamos usar = 10 e = 11.
Assim, os números naturais são representados por sequências de algarismos
do conjunto f0; 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; ; g obtidos por aplicações su-

56
cessivas do Algoritmo da Divisão. No caso em apreço temos

43184 = 3598 12 + 8

3598 = 299 12 + 10

299 = 24 12 + 11

24 = 2 12 + 0

2 = 0 12 + 2:

Daí segue que

43 184 = 2 124 + 0 123 + 11 122 + 10 12 + 8

e, portanto, a representação na base 12 do número 43 184 é (20 8)12 .

Para encontrar a representação de um número numa base b, sendo dada


a representação desse número numa base c, encontramos, inicialmente, a
representação decimal desse número e, a partir daí, encontramos a sua rep-
resentação na base b.

Exemplo 2.6 Vamos determinar a representação na base 7 do número n


cuja representação na base 3 é (210122010)3 .
Se a representação de n na base 3 é (210122010)3 , temos que

n = 2 38 + 1 37 + 0 36 + 1 35 + 2 34 + 2 33 + 0 32 + 1 3 + 0 = 15 771

57
Daí, obtemos

15771 = 2253 7+0

2253 = 321 7+6

321 = 45 7+6

45 = 6 7+3

6 = 0 7 + 6:

Portanto, a representação de n na base 7 é (63660)7 .

Na representação (nk nk 1 : : : n1 n0 )b os algarismos são ordenados da es-


querda para a direita, ou seja, nk é o primeiro algarismo, nk 1 é o segundo,
etc.

Proposição 2.6 Se um número natural n tem representação decimal

n = nk : : : n2 n1 n0 ;

então n é múltiplo de 4 se, e somente se, o número cuja representação decimal


é n1 n0 é múltiplo de 4.

Prova. Se n tem representação decimal n = nk : : : n2 n1 n0 , então

n = nk 10k + + n2 102 + n1 10 + n0 = 102 (nk 10k 2


+ + n2 ) + 10n1 + n0 :

Como 102 (nk 10k 2


+ + n2 ) é múltiplo de 4, segue que n é múltiplo de 4
se, e somente se, 10n1 + n0 é múltiplo de 4, ou seja, a = n1 n0 é múltiplo de
4.

Exemplo 2.7 Os números 2576 e 31908 são múltiplos de 4, pois 76 e 8 o


são. Já 3918 não é múltiplo de 4, uma vez que 18 não o é.

58
Proposição 2.7 Se um número natural n tem representação decimal

n = nk : : : n1 n0 ;

então n é múltiplo de 5 se, e somente se, n0 = 0 ou n0 = 5.

Prova. Se n tem representação decimal n = nk : : : n1 n0 , então

n = nk 10k + + n1 10 + n0 = 10(nk 10k 1


+ + n1 ) + n0

= 5 2(nk 10k 1
+ + n1 ) + n0 :

Daí segue que n é múltiplo de 5 se, e somente se, n0 é múltiplo de 5. Como


0 n0 < 10, temos que n0 é múltiplo de 5 se, e somente se, n0 = 0 ou n0 = 5.

Proposição 2.8 Se um número natural n tem representação decimal

n = nk : : : n1 n0 ;

então n é múltiplo de 10 se, e somente se, n0 = 0.

Prova. Se n tem representação decimal n = nk : : : n1 n0 , então

n = nk 10k + + n1 10 + n0 = 10(nk 10k 1


+ + n1 ) + n0 :

Daí segue que n é múltiplo de 10 se, e somente se, n0 é múltiplo de 10. Como
0 n0 < 10, temos que n0 é múltiplo de 10 se, e somente se, n0 = 0.

Proposição 2.9 Se um número natural n tem representação decimal

n = nk : : : n1 n0 ;

59
então n é divisível por 3 (respectivamente por 9) se, e somente se,

nk + + n1 + n0

é divisível por 3 (respectivamente por 9).

Prova. Se n tem representação decimal n = nk : : : n1 n0 , então

n = nk 10k + + n1 10 + n0 :

Somando e subtraindo nk + + n1 + n0 a esta expressão, obtemos

n = (nk 10k + + n1 10 + n0 ) (nk + + n1 + n0 )

+(nk + + n1 + n0 )

= nk 10k nk + + (n1 10 n1 ) + (nk + + n1 + n0 )

= nk (10k 1) + + n1 (10 1) + (nk + + n1 + n0 ):

De acordo com o Exemplo 2.3 cada parcela da soma

nk (10k 1) + + n1 (10 1)

é divisível por 9 e, consequentemente, por 3. Portanto,

nk (10k 1) + + n1 (10 1)

é divisível por 3 e por 9. Daí segue que n é divisível por 3 (respectivamente


por 9) se, e somente se,
nk + + n1 + n0

é divisível por 3 (respectivamente por 9).

Exemplo 2.8 Os números 2487 e 3762 são divisíveis por 3, pois 2 + 4 + 8 +


7 = 21 e 3 + 7 + 6 + 2 = 18 são ambos divisíveis por 3. Observe que 3762
também é divisível por 9, mas 2487 não o é, pois 21 não é divisível por 9.

60
2.6 Exercícios
1. Escreva a representação do número n = 1586:

(a) Na base 2.

(b) Na base 6.

(c) Na base 11.

2. Sabendo que a representação binária de um dado número é 11010011100,


encontre a representação desse número:

(a) Na base 10.

(b) Na base 5.

3. Seja n = nk : : : n1 n0 . Mostre que n é múltiplo de 2 se, e somente se, n0


é par.

4. Seja n = nk : : : n1 n0 . Mostre que n é múltiplo de 6 se, e somente se, n0


é par e nk + + n1 + n0 é múltiplo de 3.

5. Mostre que, na base 10, o último algarismo de um quadrado perfeito


só pode ser 0; 1; 4; 5; 6 ou 9.

6. Seja n = (nk nk 1 : : : n1 n0 )b . Mostre que n é múltiplo de b se, e somente


se, n0 = 0.

7. Determine o valor de b de modo que (243)b = 73.

8. Para todo número natural positivo n, mostre que 9 10n 1


+ +9
100 = 10n 1:

61
9. Dados b; n 2 N; b 2; n 1; mostre que (b 1)bn 1
+ + (b 1)b0 =
bn 1:

10. Seja n = (nk nk 1 : : : n1 n0 )b . Mostre que, para todo número natural


positivo r,
r zeros !
z }| {
n br = nk nk 1 : : : n1 n0 0 : : : 0 :
b

11. Sejam n = (nk nk 1 : : : n1 n0 )b e m = (mr mr 1 : : : m1 m0 )b . Mostre que


se r < k então m < n.

12. determine todos os números naturais múltiplos de 5, tais que a repre-


sentação decimal é formada por três algarismos cuja soma é 19.

13. Qual é o algarismo das unidades do número 3 5 7 11 13 17


19 23 29 31 37 ?

2.7 Máximo Divisor Comum


Vamos considerar a seguinte situação: desejamos recortar uma folha de pa-
pel retangular, medindo 30cm 45cm, em partes quadradas, todas com as
mesmas dimensões. Como determinar as dimensões dessas partes de modo
que elas tenham a maior área possível?
Vamos denotar por x a medida, em centímetros, dos lados dessas partes
quadradas. Então x deve ser um divisor positivo de 30 e também de 45.
Como os divisores positivos de 30 são os elementos do conjunto

f1; 2; 3; 5; 6; 10; 15; 30g ;

62
e os de 45 são os elementos do conjunto

f1; 3; 5; 9; 15; 45g ;

então

x 2 f1; 2; 3; 5; 6; 10; 15; 30g \ f1; 3; 5; 9; 15; 45g = f1; 3; 5; 15g :

Como queremos que as partes de papel tenham a maior área possível,


devemos tomar o maior valor possível de x. Então x = 15.
Nesse problema, o valor que tomamos para x é o maior inteiro positivo
que divide 30 e 45 simultaneamente e, por isso, é chamado de máximo divisor
comum (mdc) de 30 e 45.
Dados dois números inteiros, a e b, se d é um número inteiro que divide
sinultaneamente a e b, dizemos que d é um divisor comum de a e b.

De…nição 2.3 Dados dois números inteiros a e b, não simultaneamente nu-


los, o maior divisor comum de a e b é chamado de máximo divisor comum
de a e b e vamos denotá-lo por mdc fa; bg ou (a; b).

Observe que (a; b) 1, pois 1 é um divisor comum de a e b; 8a; b 2 Z.


Dado um número inteiro a, vamos denotar o conjunto dos divisores posi-
tivos de a por D(a). Por exemplo,

D(30) = f1; 2; 3; 5; 6; 10; 15; 30g

D( 40) = f1; 2; 4; 5; 8; 10; 20; 40g :

Exemplo 2.9 Vamos determinar (54; 72).


Como (54; 72) > 0, basta considerarmos os divisores positivos de 54 e os

63
de 72. Esses divisores são

D(54) = f1; 2; 3; 6; 9; 18; 27; 54g

D( 72) = f1; 2; 3; 6; 8; 9; 12; 18; 24; 36; 72g :

Como estamos interessados apenas nos divisores comuns positivos de 54 e de


72, vamos considerar a interseçao desses dois conjuntos, ou seja,

D(54) \ D( 72) = f1; 2; 3; 6; 18g :

De acordo com a de…nição, (54; 72) é o maior elemento de D(54)\D( 72).


Então (54; 72) = 18.

Observação 2.1 Da de…nição de máximo divisor comum segue facilmente


que:

1. (a; b) = (b; a), para quaisquer dois inteiros a e b, não simultaneamente


nulos;

2. (a; b) = ( a; b);

3. (0; a) = jaj ; 8a 2 Z ;

4. (1; a) = 1; 8a 2 Z;

5. (a; a) = jaj ; 8a 2 Z .

Lema 2.2 Dados a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0, considere o conjunto I(a; b)


de…nido por
I(a; b) = fax + by j x; y 2 Zg :

Então existem x0 ; y0 2 Z tais que:

64
1. ax0 + by0 > 0;

2. ax0 + by0 é o menor elemento positivo de I(a; b);

3. todo elemento de I(a; b) é múltiplo de ax0 + by0 .

Prova. Como a 6= 0 ou b 6= 0, podemos supor, sem perda de generalidade,


que a 6= 0. Assim temos que a2 > 0 e a2 = aa + b0 2 I(a; b). Daí segue que
I(a; b) possui elemento positivo. Seja

A = fn 2 I(a; b) j n > 0g :

Como A N e A 6= ;, o Axioma da Boa Ordenação (Teorema 1.3) garante


que o conjunto A possui um menor elemento c, ou seja, existem x0 ; y0 2 Z tais
que c = ax0 + by0 é o menor elemento de A. Como c 2 A, temos que c > 0.
Vamos mostrar que todo elemento de A é múltiplo de c. De fato, dado n 2 A,
como n e c são positivos, existem q; r 2 N tais que n = qc + r; 0 r < c:
Se r = 0, segue que n = qc, como queríamos. Suponhamos que 0 < r < c.
Como n 2 I(a; b), existem x; y 2 Z tais que n = ax + by. Então

r=n qc = ax + by q(ax0 + by0 ) = a(x qx0 ) + b(y qy0 ) 2 I(a; b);

pois x qx0 e y qy0 são números inteiros. Mas, sendo r > 0, temos que
r 2 A. Mas isto não pode ocorrer, pois r < c e c é o menor elemento de A.
Logo, r = 0 e, portanto, todo elemento de A é múltiplo de c.
Agora tomemos n 2 I(a; b), com n 2
= A, ou seja, n 0. Se n = 0, então
n = 0c. Suponhamos que n < 0. Então n > 0. Como n 2 I(a; b), existem
x; y 2 Z tais que n = ax + by. Daí segue que

n= (ax + by) = ax by = a( x) + b( y) 2 I(a; b);

65
pois x e y são números inteiros. Como n > 0, temos que n 2 A.
Então, pelo que já foi provado, n é um múltiplo de c e, consequentemente,
n também é múltiplo de c.
Portanto, todo elemento de I(a; b) é múltiplo de c.

Observação 2.2 Do lema 2.2 podemos concluir que dados a; b 2 Z, com


a 6= 0 ou b 6= 0, existem x0 ; y0 2 Z tais que c = ax0 + by0 é o menor número
inteiro positivo da forma ax + by, com x; y 2 Z. Além disso, todo número
inteiro dessa forma é múltiplo de c. Em particular, temos que c divide a e b.

Teorema 2.3 (Bézout) Sejam a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. Se d é o


máximo divisor comum de a e b, então existem x0 ; y0 2 Z tais que

d = ax0 + by0 :

Além disso, 8x; y 2 Z, tem-se que d j ax + by.

Prova. Consideremos o conjunto

I(a; b) = fax + by : x; y 2 Zg :

Como a 6= 0 ou b 6= 0, segue do lema 2.2 que existem x0 ; y0 2 Z tais que


c = ax0 + by0 é o menor elemento positivo de I(a; b) e todo elemento de
I(a; b) é múltiplo de c. Além disso, temos que c j a e c j b.
Como d = (a; b), temos que d j a e d j b. Assim, existem q1 ; q2 2 Z tais
que a = q1 d e b = q2 d. Então

c = ax0 + by0 = (q1 d)x0 + (q2 d)y0 = (q1 x0 + q2 y0 )d:

Daí segue que d j c. Logo, como c e d são positivos, temos que d c. Mas,
como c é um divisor comum de a e b, e d é o maior divisor comum de a e b,
temos que c d. Então d = c. Portanto, d = ax0 + by0 :

66
Observação 2.3 Do teorema 2.3 segue que, dados a; b 2 Z, com a 6= 0 ou
b 6= 0, então (a; b) é o menor inteiro postivo da forma ax + by, com x; y 2 Z.
A relação d = ax0 + by0 no teorema 2.3 é chamada Relação de Bézout.

Corolário 2.3 Sejam a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. Se n = ax + by, com


x; y 2 Z, então n é um múltiplo de (a; b).

Corolário 2.4 Sejam a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. Temos que (a; b) = 1


se, e somente se, existem x; y 2 Z tais que ax + by = 1.

Prova. Se (a; b) = 1 então, pelo teorema 2.3, existem x; y 2 Z tais que


ax + by = 1. Reciprocamente, suponhamos que existem x; y 2 Z tais que
ax + by = 1 e seja d = (a; b). Então, pelo teorema 2.3, temos que d j 1. Logo,
d = 1.

Exercício 2.4 Sejam a; b; c 2 Z tais que (a; b) = 1, a j c e b j c. Mostre que


ab j c.

Solução. Como (a; b) = 1, existem x; y 2 Z tais que ax + by = 1.


Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por c, obtemos

acx + bcy = c:

Temos que
9
a j c ) a j cy ) ab j bcy =
) ab j acx + bcy ) ab j c:
b j c ) b j cx ) ab j acx ;

67
Exercício 2.5 Sejam a; b; c; d 2 Z tais que (a; b) = 1, d j ac e d j b. Mostre
que d j c.

Solução. Como (a; b) = 1, existem x; y 2 Z tais que ax + by = 1.


Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por c, obtemos

acx + bcy = c:

Temos que 9
d j ac ) d j acx =
) d j acx + bcy ) d j c:
d j b ) d j bcy ;

Teorema 2.4 Sejam a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. Um inteiro positivo d é


o máximo divisor comum de a e b se, e somente se:

(i) d j a e d j b;

(ii) se um inteiro c é um divisor comum de a e b, então c j d.

Prova. Suponhamos que d = (a; b). Então, por de…nição, d j a e d j b.


Logo, a condição (i) é satisfeita. Para mostrar que a condição (ii) também
é satisfeita, seja c um divisor comum de a e b e sejam q1 ; q2 2 Z tais que
a = q1 c e b = q2 c.
Pelo teorema 2.3 existem x0 ; y0 2 Z tais que d = ax0 + by0 . Então

d = ax0 + by0 = (q1 c)x0 + (q2 c)y0 = (q1 x0 + q2 y0 )c:

Daí segue que c j d.

68
Para provar a recíproca, basta observar que a condição (i) a…rma que d é
um divisor comum a e b, enquanto a condição (ii) diz que d é o maior divisor
comum de a e b. Portanto, d = (a; b).
A condição (ii) do teorema 2.4 garante que o mdc de dois inteiros a e b,
não simultaneamente nulos, é único. De fato, se d1 = (a; b) e d2 = (a; b),
então, como d1 ; d2 2 N , tem-se que
9
d2 j a e d2 j b ) d2 j d1 ) d2 d1 =
) d1 = d2 :
d1 j a e d1 j b ) d1 j d2 ) d1 d ;
2

Corolário 2.5 Dados a; b 2 N , tem-se que a é um divisor de b se, e somente


se, (a; b) = a.

Prova. Suponhamos que a é um divisor de b e seja d = (a; b), vamos


mostrar que d = a. De fato, como a divide b, temos que a é um divisor
comum de a e b. Então, por (ii) do teorema 2.4, segue que a j d. Como
a; d 2 N , segue que a d. Por outro lado, se d = (a; b), então d j a. Logo,
d a. Portanto, d = a.
Reciprocamente, se (a; b) = a, então, por de…nição, a é um divisor comum
de a e b. Portanto, a é um divisor de b.

Proposição 2.10 Sejam a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. Se t 2 Z , então


(ta; tb) = jtj (a; b).

Prova. Vamos considerar primeiro o caso t > 0. Sejam d = (a; b) e


c = (ta; tb). Então existem x0 ; y0 ; n0 ; m0 2 Z tais que d = ax0 + by0 e
c = (ta)n0 + (tb)m0 . Dessa última igualdade segue que
c
= an0 + bm0 :
t
69
Então, pelo corolário 2.3, temos que d j ct . Por outro lado,

d = ax0 + by0 ) td = t(ax0 + by0 ) = (ta)x0 + (tb)y0 ):

c
Também pelo corolário 2.3, segue que c j td e, consequentemente, t
j d.
c c c
Sendo c; d e t inteiros positivos e como d j t
e t
j d, segue que t
= d.
Portanto, c = td, como queríamos provar.
Agora consideremos o caso t < 0. Temos que t = jtj > 0. Então

(ta; tb) = ( ta; tb) = (jtj a; jtj b) = jtj (a; b):

Corolário 2.6 Sejam a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. Se c 2 Z e c divide a


a b 1
e b, então ;
c c
= jcj
(a; b).

Prova. Como c j a e c j b, temos que a = c ac e b = c cb . Então, pela


proposição 2.10, temos que (a; b) = (c ac ; c cb ) = jcj ( ac ; cb ). Pelo teorema 2.4
a b 1
temos que jcj j (a; b). Então ;
c c
= jcj
(a; b).

Exemplo 2.10 Como 2 é divisor de 30 e de 40, temos que

30 40 10 1 1
; = ( 15; 20) = 5 = = 10 = (30; 40):
2 2 2 j 2j j 2j

Corolário 2.7 Sejam a; b 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. Se d = (a; b), então


a b
;
d d
= 1.

375 315
Exemplo 2.11 Observe que (375; 315) = 15. Então ;
15 15
= (25; 21) =
1.

70
De…nição 2.4 Se a; b 2 Z são tais que (a; b) = 1, diz-se que a e b são
relativamente primos ou que a e b são primos entre si.

Exemplo 2.12 Vimos que (25; 21) = 1. Portanto, 25 e 21 são inteiros


relativamente primos.

Proposição 2.11 Sejam a; b; c 2 Z . Se a j bc e (a; b) = 1, então a j c.

Prova. Se (a; b) = 1, então, pelo teorema (2.3), existem x0 ; y0 2 Z tais


que ax0 + by0 = 1. Daí, multiplicando cada membro dessa igualdade por c,
obtemos
acx0 + bcy0 = c:

Como, por hipótese, a j bc, segue que a divide cada parcela da soma do lado
esquerdo dessa última igualdade. Portanto, a j c.

Proposição 2.12 Se a; b; x 2 Z, então

(a; b) = (a; ax + b):

Prova. Sejam d1 = (a; b) e d2 = (a; ax + b). Vamos mostrar que d1 = d2 .


De fato, pelo teorema (2.3), existem x0 ; y0 2 Z tais que d1 = ax0 + by0 . Mas,

d1 = ax0 +by0 ) d1 = ax0 a(xy0 )+a(xy0 )+by0 ) d1 = a(x0 xy0 )+(ax+b)y0 :

Então, pelo corolário (2.3), segue que d2 j d1 .


Por outro lado, como d1 j a e d1 j b, segue que d1 j ax + b. Logo, d1 é um
divisor comum de a e ax + b. Então, por (ii) do teorema (2.4), temos que
d1 j d2 :
Portanto, como d1 j d2 , d2 j d1 e d1 ; d2 2 N , temos que d1 = d2 .

71
Teorema 2.5 Se a; b; q; r 2 Z e a = qb + r, então (a; b) = (b; r):

Prova. Sejam d1 = (a; b) e d2 = (b; r). Devemos mostrar que d1 = d2 .


Como d2 j b e d2 j r, segue que d2 j a, pois a = qb + r. Portanto, d2 é um
divisor comum de a e b. Então, por (ii) do teorema 2.4, temos que d2 j d1 :
Por outro lado, como d1 j a e d1 j b, segue que d1 j r, pois r = a qb.
Logo, por (ii) do teorema 2.4, temos que d1 j d2 :
Portanto, como d2 j d1 , d1 j d2 e d1 ; d2 2 N , temos que d1 = d2 .

Exemplo 2.13 Vamos aplicar o teorema 2.5 sucessivamente para calcular


(1452; 600).
Temos que
1452 = 2 600 + 252
600 = 2 252 + 96
252 = 2 96 + 60
96 = 1 60 + 36 (2.2)
60 = 1 36 + 24
36 = 1 24 + 12
24 = 2 12 + 0
Daí segue que

(1452; 600) = (600; 252) = (252; 96) = (96; 60) = (60; 36)

= (36; 24) = (24; 12) = (12; 0) = 12:

72
A partir das igualdades (2.2), de baixo para cima, podemos escrever

36 = 1 24 + 12 ) 12 = 36 1 24

60 = 1 36 + 24 ) 24 = 60 1 36

96 = 1 60 + 36 ) 36 = 96 1 60

252 = 2 96 + 60 ) 60 = 252 2 96

600 = 2 252 + 96 ) 96 = 600 2 252

1452 = 2 600 + 252 ) 252 = 1452 2 600:

Daí obtemos

12 = 36 1 24

= 36 (60 1 36) = 2 36 60

= 2(96 1 60) 60 = 2 96 3 60

= 2 96 3(252 2 96) = 8 96 3 252

= 8(600 2 252) 3 252 = 8 600 19 252

= 8 600 19(1452 2 600) = 46 600 19 1452:

Portanto, 12 = 19 1452 + 46 600.

O processo de divisões sucessivas 2.2, conhecido como Algoritmo de Euclides


ou Algoritmo Euclidiano, pode ser representado por uma tabela com três lin-
has e o número de colunas depende dos dois números dados. Vamos usar esse
exemplo para ilustrar é construída essa tabela. A segunda linha começamos
escrevendo os dois números dados, começando com o maior, ou seja, 1452 e
600, nesta ordem. Efetuamos a divisão de 1452 por 600 e obtemos quociente

73
q = 2 e resto r = 252. Escevemos o quociente na primeira linha, acima do
divisor, 600, e o resto na terceira linha, abaixo do divisor.

q 2
1452 600
r 252

Em seguida, escrevemos também o resto à direita do divisor e efetuamos a


divisão de 600 por 252, obtendo quociente q = 2 e resto r = 96.

q 2 2
1452 600 252
r 252 96

Esse processo é repetido até encontrarmos um resto igual a zero. O último


resto não-nulo é o máximo divisor comum dos números 1452 e 600.

q 2 2 2 1 1 1 2
1452 600 252 96 60 36 24 12 0
r 252 96 60 36 24 12 0

O Algoritmo de Euclides pode ser generalizado como segue.


Dados dois números inteiros positivos, a e b, vamos descrever o Algoritmo
de Euclides que calcula o (a; b) e expressa (a; b) em função de a e b, conforme
o teorema (2.3). Esse algoritmo faz aplicações sucessivas do Algoritmo da
Divisão e usa o resultado do teorema (2.5). Sem perda de generalidade,
podemos supor que a > b. Efetuando a divisão de a por b, encontramos o
quociente q1 e o resto r1 , com 0 r1 < b, tais que

a = q1 b + r 1 :

74
De acordo com o Teorema (2.5), (a; b) = (b; r1 ). Se r1 = 0, então (a; b) =
(b; 0) = b. Se r1 > 0, repetimos o processo, efetuando a divisão de b por r1 ,
e encontramos o quociente q2 e o resto r2 , com 0 r2 < r1 , tais que

b = q2 r 1 + r 2 :

De acordo com o teorema (2.5), (b; r1 ) = (r1 ; r2 ). Se r2 = 0, encontramos que


(b; r1 ) = (r1 ; 0) = r1 . Caso contrário, repetimos sucessivamente o processo.
Como os restos encontrados são números naturais e diminuem em cada etapa,
em algum momento obtemos um resto rn+1 = 0. Quando isso ocorrer, o
processo termina, pois

(a; b) = (b; r1 ) = (r1 ; r2 ) = (r2 ; r3 ) = = (rn ; rn+1 ) = rn :

Para expressarmos (a; b) em função de a e b, conforme o teorema (2.3), vamos


resumir as etapas do processo no quadro seguinte

a = q1 b + r 1 ; 0 r1 < b
b = q2 r 1 + r 2 ; 0 r2 < r 1
r 1 = q3 r 2 + r 3 ; 0 r3 < r 2
r 2 = q4 r 3 + r 4 ; 0 r4 < r 3
.. (2.3)
.
rn 3 = qn 1 rn 2 + rn 1 ; 0 rn 1 < rn 2

rn 2 = qn rn 1 + rn ; 0 rn < r n 1

rn 1 = qn+1 rn + 0:

75
Das igualdades obtidas em (2.3) obtemos

rn = rn 2 qn r n 1

rn 1 = rn 3 qn 1 rn 2
..
.
(2.4)
r3 = r1 q3 r 2
r2 = b q2 r 1
r1 = a q1 b

Substituindo a expressão de rn k na expressão de rn k+1 , 1 k n 1,


nas igualdades (2.4), encontramos a relação de Bézout para rn expressão de
rn em função de a e b, conforme o teorema (2.3).
O conceito de máximo divisor comum pode ser estendido para conjuntos
de números inteiros com mais de dois elementos, da maneira seguinte.

De…nição 2.5 Dados números inteiros a1 ; a2 ; : : : ; an , com pelo menos um


deles diferente de zero, o maior número inteiro positivo que divide todos esses
números é chamado de máximo divisor comum de a1 ; a2 ; : : : ; an , e vamos
denotá-lo por mdc fa1 ; a2 ; : : : ; an g ou (a1 ; a2 ; : : : ; an ).

Pode-se provar o teorema a seguir, que é uma generalização do teorema


(2.3).

Teorema 2.6 Sejam a1 ; a2 ; : : : ; an números inteiros e d 2 N . Se

d = (a1 ; a2 ; : : : ; an )

então existem x1 ; x2 ; : : : ; xn 2 Z tais que

d = a1 x 1 + a2 x 2 + + an x n .

76
Além disso, se
c = a1 y 1 + a2 y 2 + + an y n ;

com y1 ; y2 ; : : : ; yn 2 Z, então c é múltiplo de d.

Também pode ser provado o teorema a seguir, que é uma generalização


do teorema (2.4).

Teorema 2.7 Sejam a1 ; a2 ; : : : ; an números inteiros e d 2 N . Então,

d = (a1 ; a2 ; : : : ; an )

se, e somente se:

(i) d é um divisor comum de a1 ; a2 ; : : : ; an ;

(ii) se c é um divisor comum de a1 ; a2 ; : : : ; an então c divide d.

O Teorema a seguir mostra que o cálculo do máximo divisor comum de


n números pode ser reduzido ao cálculo do máximo divisor comum de dois
números.

Teorema 2.8 Dados números inteiros a1 ; a2 ; : : : ; an 1 ; an , tem-se que

(a1 ; a2 ; : : : ; an 1 ; an ) = (a1 ; a2 ; : : : ; (an 1 ; an )) :

Prova. Vamos usar indução sobre n. Consideremos o conjunto

A = fn 2 N : (a1 ; a2 ; : : : ; an 1 ; an ) = (a1 ; a2 ; : : : ; (an 1 ; an ))g :

Temos que 2 2 A, pois (a1 ; a2 ) = (a1 ; a2 ). Seja k 2 e suponhamos que


k 2 A, ou seja,

(a1 ; a2 ; : : : ; ak 1 ; ak ) = (a1 ; a2 ; : : : ; (ak 1 ; ak )) :

77
Vamos mostrar que k + 1 2 A, ou seja,

(a1 ; a2 ; : : : ; ak ; ak+1 ) = (a1 ; a2 ; : : : ; (ak ; ak+1 )) :

.
Sejam d1 = (a1 ; a2 ; : : : ; ak ; ak+1 ) e d2 = (a1 ; a2 ; : : : ; (ak ; ak+1 )). Como d1
é um divisor comum de a1 ; a2 ; : : : ; ak ; ak+1 , segue, pelo teorema (2.4), que d1
divide (ak ; ak+1 ). Portanto, d1 é um divisor comum de a1 ; a2 ; : : : ; (ak ; ak+1 ).
Então, pelo teorema (2.7), d1 j d2 .
Por outro lado, como d2 é um divisor comum de a1 ; a2 ; : : : ; (ak ; ak+1 ),
temos que d2 também divide ak e ak+1 . Portanto, d2 é um divisor comum de
a1 ; a2 ; : : : ; ak ; ak+1 . Então, pelo teorema (2.7), d2 j d1 .
Como d1 j d2 , d2 j d1 e d1 ; d2 2 N , segue que d1 = d2 . Logo, k + 1 2 A.
Então, pelo princípio de indução, n 2 A; para todo n 2. Portanto,
(a1 ; a2 ; : : : ; an 1 ; an ) = (a1 ; a2 ; : : : ; (an 1 ; an )) ; 8n 2.

Exemplo 2.14 Vamos usar esse teorema para calcular (231; 234; 252; 396).
Temos que
(231; 234; 252; 396) = (231; 234; (252; 396)) :

Como (252; 396) = 36, segue que

(231; 234; 252; 396) = (231; 234; 36) = (231; (234; 36)):

Como (234; 36) = 18, temos que

(231; (234; 36)) = (231; 18) = 3:

Portanto, (231; 234; 252; 396) = 3.

78
2.8 Exercícios
1. Em cada item, calcule o mdc:

(a) (10 296; 1938);

(b) (2475; 15 600; 5016);

(c) (4950; 19 500; 3432; 13 260).

2. Sejam a; b 2 Z. Mostre que (a; b) = 1 se, e somente se, existem x; y 2 Z


tais que ax + by = 1.

3. Sejam a; b; x; y 2 Z tais que (a; b) = ax + by. Mostre que (x; y) = 1.

4. Sejam a; b 2 Z: Mostre que (a; b) = (a; a b).

5. Sejam a; b; c; d 2 Z tais que (a; b) = 1, d j ac e d j b. Mostre que d j c.

6. Sejam a; b; c 2 Z tais que (a; b) = 1, a j c e b j c. Mostre que ab j c.

7. Sejam a; b; c 2 Z. Se (a; b) = 1, mostre que (ac; b) = (c; b).

8. Sejam a; b; c 2 Z. Se (a; b) = 1 e c j a, mostre que (b; c) = 1.

9. Sejam a; b; c 2 Z. Mostre que (ac; b) = 1 se, e somente se, (a; b) =


(b; c) = 1.

10. Sejam a; b; c 2 Z tais que (a; b) = (b; c) = (c; d) = (a; d) = 1:Mostre


que (ac; bd) = 1.

79
11. Um terreno plano, de forma retangular, medindo 1536m de compri-
mento por 720m de largura, foi dividido em lotes quadrados, com di-
mensões iguais, cujas medidas, em metros, são um número inteiro. Em
quantos lotes, no mínimo, esse terreno foi dividido?

12. Um terreno retangular medindo 221m 117m será totalmente cercado


com uma cerca cujas estacas deverão estar igualmente espaçadas e em
cada vértice do retângulo deverá ter uma estaca. Sabe-se também que
a distância, em metros, entre quaisquer duas estacas consecutivas é um
número inteiro.

(a) Qual será o maior espaço possível entre essas estacas?

(b) Quantas estacas serão necessárias para fazer essa cerca?

13. Uma auxiliar de enfermagem pretende usar a menor quantidade possível


de gavetas para acomodar 120 frascos de um tipo de medicamento, 150
frascos de outro tipo, e 225 frascos de um terceiro tipo. Se ela colocar a
mesma quantidade de frascos em todas as gavetas, e medicamentos de
um único tipo em cada uma delas, quantas gavetas, no mínimo, serão
usadas?

14. (OBMEP) Uma bibliotecária recebeu 130 livros de matemática e 195


livros de português. Ela quer arrumá-los em estantes, que cabem 70
livros cada uma, colocando igual quantidade de livros em cada estante,
sem colocar livros de matemática e de português em uma mesma es-
tante.

80
(a) Quantos livros ela deve colocar em cada estante para que o número
de estantes utilizadas seja o menor possível?

(b) Quantas estantes ela irá utilizar?

15. O mdc de dois números é 48 e o maior deles é 384. Encontre o maior


valor possível para o outro número.

16. O mdc de dois números é 20. Para se chegar a esse resultado, pelo
Algoritmo de Euclides, os quocientes encontrados foram 2; 1; 3 e 2, nessa
ordem. Encontre os dois números.

17. Mostre que (2n + 1; 11n + 5) = 1; 8n 2 Z.

18. Mostre que (5n + 2; 7n + 3) = 1; 8n 2 Z.

19. Sejam a; b 2 Z tais que (a; b) = 1 e seja d = (a + b; a b). Mostre que


d = 1 ou d = 2.

20. Sejam a; b 2 Z tais que (a; b) = 1 e seja d = (2a + b; a + 2b). Mostre


que d = 1 ou d = 3.

21. Sejam a; b; c 2 Z tais que (a; b) = 1 e c j (a + b). Mostre que (a; c) =


(b; c) = 1.

2.9 Números Primos


Veremos nesta seção alguns conceitos e fatos relacionados com os números
primos, um dos conceitos mais importantes da teoria dos números. Essa
importância não se restringe apenas ao aspecto teórico, ela está presente

81
também no nosso cotidiano. Quando efetuamos uma transação bancária,
seja num terminal de autoatendimento ou pela internet, fornecemos infor-
mações sigilosas. Para que o sigilo dessas informações seja mantido elas são
criptografadas 1 por processos baseados em números primos. Nesses proces-
sos são utilizados números primos extremamente grandes. Quanto maiores
forem os números usados, mais difícil se tornará a quebra do sigilo. Daí o
interesse e a importância de se descobrirem novos números primos cada vez
maiores. Além de transações bancárias, muitas outras informações sigilosas
que são enviadas pela internet também necessitam ser criptografadas.

De…nição 2.6 Seja n um número natural. Diz-se que n é um número primo


se n > 1 e possui exatamente dois divisores positivos distintos, 1 e o próprio
n.

Se um número natural n > 1 não é primo, diz-se que n é um número


composto.
Um número natural n é composto se, e somente se, existem a; b 2 N; 1 <
a < n; 1 < b < n, tais que n = ab. De fato, se n é composto então n > 1 e
possui um divisor a, com 1 < a < n. Logo, que existe b 2 N tal que n = ab.
Daí, como 1 < a < n, devemos ter 1 < b < n. Reciprocamente, se existem
a; b 2 N; 1 < a < n; 1 < b < n, tais que n = ab então a é um divisor positivo
de n, com a 6= 1 e a 6= n. Logo, n não é um número primo. Como n > 1,
segue que n é um número composto.
1
A criptogra…a é o ramo da matemática que estuda técnicas de codi…cação (ou cifragem)
de mensagens, isto é, técnicas que tornam as mensagens acessíveis apenas a quem está
autorizado. O processo de codi…cação também é chamado de criptogra…a.

82
Exemplo 2.15 Os números 2; 3; 5; 7 são todos primos, enquanto 4; 6; 8; 9
são números compostos. É imediato veri…car que 2 é o único número natural
primo que é par.

Na sequência dos números primos há números primos consecutivos arbi-


trariamente distantes, ou seja, cuja diferença é tão grande quanto se queira.
A proposição a seguir garante isso.

Proposição 2.13 Dado qualquer inteiro positivo n, existem n números com-


postos consecutivos.

Prova. Se 2 k n + 1, temos que k divide (n + 1)!. Logo, k também


divide (n + 1)! + k. Então

(n + 1)! + 2; (n + 1)! + 3; : : : ; (n + 1)! + n + 1

é uma sequência formada por n números inteiros consecutivos todos compos-


tos.

Proposição 2.14 Sejam p e q números primos e n 2 N. Tem-se que:

(a) Se p j q então p = q;

(b) Se p - n então (p; n) = 1.

Prova. Consideremos dois números primos, p e q, e n 2 N:

(a) Como p é positivo e p j q, segue que p = 1 ou p = q. Mas sendo p um


primo, temos que p > 1. Portanto, p = q.

83
(b) Se d = (p; n), então d j p e d j n. Como d 1 e d j p, então d = 1 ou
d = p. Mas, como p - n e d j n, devemos ter d = 1.

Proposição 2.15 Sejam a; b; p 2 N e p primo. Se p j ab então p j a ou


p j b.

Prova. Se p j a, não há nada a provar. Suponhamos que p - a. Então,


pelo item (b) da proposição 2.14, (p; a) = 1. Pela proposição 2.11 segue que
p j b.
Essa propriedade mostrada na proposição 2.15 caracteriza os números
primos, como mostra o teorema a seguir.

Teorema 2.9 Seja n 2 N, n 2. Então n é um número primo se, e somente


se, sempre que n divide o produto de dois números naturais, n divide pelo
menos um dos fatores.

Prova. Sejam a; b 2 N. Suponhamos que n é primo e que n j ab. Então,


pela proposição 2.15, segue que n j a ou n j b.
Reciprocamente, suponhamos que sempre que n divide o produto de dois
números naturais, n divide pelo menos um dos fatores. Vamos supor, por
contradição, que n não é primo. Então existem

a; b 2 N; 1 < a < n; 1 < b < n;

tais que n = ab. Então, n j ab. Mas n - a e n - b, contradizendo a hipótese.


Esta contradição vem do fato de supormos que n não é primo.
Portanto, n é um número primo.

84
Proposição 2.16 Sejam p; a1 ; a2 ; : : : ; an 2 N e p primo. Se p j a1 a2 an
então p j ai , para algum i, 1 i n.

Prova. Vamos fazer a prova por indução sobre n. Se p j a1 a2 então, pela


proposição (2.15), p j a1 ou p j a2 . Logo, o resultado vale quando n = 2.
Seja k 2 e suponhamos que o resultado seja válido para n = k, ou seja,
se p j a1 a2 ak então p j ai , para algum i, 1 i k. Vamos mostrar que
também vale para n = k + 1. De fato, suponhamos que p j a1 a2 ak ak+1 .
Então p j (a1 a2 ak )ak+1 . Pela proposição 2.15, segue que p j a1 a2 ak ou
p j ak+1 . Se p j a1 a2 ak , então, pela hipótese de indução, temos que p j ai ,
para algum i, 1 i k. Portanto, em qualquer caso, p j ai , para algum i,
1 i k + 1. Portanto, pelo Princípio de Indução, o resultado vale para
todo n 2.

Corolário 2.8 Sejam a; n 2 N e p um primo. Se p divide an então pn divide


an .

Prova. Como an = a : : : a, se p j an então p j a. Logo, a = pk, k 2 Z.


Então an = (pk)n = pn k n . Daí segue que pn j an .

Corolário 2.9 Se p; p1 ; p2 ; : : : ; pn são números primos e p j p1 p2 pn então


p = pi , para algum i; 1 i n:

Prova. Se p j p1 p2 pn então, pela Proposição anterior, p j pi , para


algum i, 1 i n. Mas, se p j pi então, pelo item (a) da Proposição 2.14,
segue que p = pi . Portanto, p = pi , para algum i; 1 i n:
O teorema a seguir, conhecido como Teorema Fundamental da Aritmética,
mostra que os números primos geram todos os números naturais.

85
Teorema 2.10 ( Teorema Fundamental da Aritmética) Todo número natu-
ral maior do que 1 ou é primo ou se escreve de modo único, a menos da
ordem dos fatores, como um produto de números primos.

Prova. Vamos fazer a prova usando a 2a Forma do Princípio de Indução


(teorema 1.4). Consideremos o conjunto

A = fn 2 N j a a…rmação do Teorema se veri…ca para n g .

Temos que 2; 3 2 A, pois 2 e 3 são primos. Seja n 2 N; n 3, e


suponhamos que k 2 A para todo k; 2 k < n.
Se n é primo então n 2 A, e a validade do teorema segue pela 2a Forma
do Princípio de Indução. Suponhamos que n não é primo. Então existem
a; b 2 N; 2 a < n; 2 b < n, tais que n = ab. Então, pela hipótese de
indução, a 2 A e b 2 A, ou seja, existem números primos p1 ; : : : ; pr ; q1 ; : : : qs
tais que,
a = p1 pr e b = q1 qs .

Daí segue que


n = p1 p r q1 qs .

Portanto, n se escreve como um produto de primos.


Para mostrar a unicidade desses fatores primos, suponhamos que existem
primos p1 ; : : : ; pm ; q1 ; : : : qt tais que

n = p1 p m = q1 qt :

Daí segue que p1 j q1 qt . Então p1 = qi , para algum i, 1 i t. Fazendo


um reordenamento dos fatores de q1 qt , se necessário, podemos supor que

86
p1 = q1 . Então
p2 p m = q2 qt :

Como 2 p2 pm < n, segue, pela hipótese de indução, que t = m e


fp2 ; : : : ; pm g = fq2 ; : : : ; qt g. Portanto,

fp1 ; p2 ; : : : ; pm g = fq1 ; q2 ; : : : ; qt g

e a unicidade dos fatores primos está provada.


Logo, pelo Princípio de Indução 2a Forma, n 2 A; 8n 2, ou seja o teorema
é válido para todo n 2.
No teorema 2.10, agrupando os fatores primos repetidos, se existirem, e
ordenando-os em ordem crescente podemos enunciar o Teorema Fundamental
da Aritmética assim:

Teorema 2.11 Dado n 2 N ; n 2, existem números primos p1 < < pr


e n1 ; : : : ; nr 2 N tais que
n = pn1 1 pnr r :

Além disso, nessa decomposição, tanto os fatores primos como os expoentes


são determinados de modo único.

Os números primos p1 ; : : : ; pr tais que n = pn1 1 pnr r são chamados de


fatores primos de n e a expressão n = pn1 1 pnr r é chamada de decomposição
de n em fatores primos.

Proposição 2.17 Se n é um número composto então n possui um fator


p
primo p tal que p n.

87
Prova. Se n é composto, então existem a; b 2 N; 2 a b < n tais que
n = ab. Assim temos que
p p p
a2 = aa ab = n ) a2 n)a n:

Como a j n, todo fator primo de a também é fator primo de n. Daí segue


p
que n possui um fator primo p tal que p a n.
Quando consideramos a decomposição em fatores primos de dois ou mais
números naturais, é conveniente usarmos o mesmo conjunto de primos para
todas as decomposições, colocando expoente nulo em cada fator primo que
não divide o número em questão. Por exemplo, na fatoração dos números

1960 = 23 5 72 e 7425 = 33 52 11;

consideramos o conjunto de primos f2; 3; 5; 7; 11g para escrever as decom-


posições desses números e escrevemos

1960 = 23 30 5 72 110 e 7425 = 20 33 52 70 11:

Proposição 2.18 Se n = pn1 1 pnr r , onde p1 ; : : : ; pr são primos distintos,


então um número natural a é um divisor de n se, e somente se,

a = pm
1
1
pm
r ;
r

onde 0 mi ni , para i = 1; : : : ; r.

Prova. Seja a um divisor de n e seja p um divisor primo de a. Como


p j a e a j n, temos que p j n. Então, pelo Corolário 2.9, p = pi , para algum
i = 1; : : : ; r. Portanto, a = pm
1
1
pm
r , onde mi
r
0, para i = 1; : : : ; r.

88
Como pm
i
i
j n, para cada i = 1; : : : ; r, devemos ter pini mi
2 N. Daí segue
que ni mi 0, ou seja, mi ni . portanto, 0 mi ni , para i = 1; : : : ; r.
Reciprocamente, seja a = pm
1
1
pm
r , onde 0
r
mi ni , para i =
1; : : : ; r. Temos que

n = pn1 1 pnr r = p1n1 m1


pnr r mr
(pm
1
1
pm
r ):
r

Como ni mi 0, para i = 1; : : : ; r, segue que pn1 1 m1


pnr r mr
2 N.
Portanto, a é um divisor de n.

Exemplo 2.16 Vamos encontrar todos os divisores positivos do número 360.


Como 360 = 23 32 5; seus divisores positivos são da forma

a = 2r 3s 5t ;

onde 0 r 3; 0 s 2e0 t 1. Como existem quatro possibilidades


para r, três para s, e duas para t, existem 4 3 2 = 24 possíveis valores para
o número a, ou seja, o número 360 possui 24 divisores positivos. Calculando
esses divisores encontramos que o conjunto dos divisores positivos de 360 é

f1; 2; 3; 4; 5; 6; 8; 9; 10; 12; 15; 18; 20; 24; 30; 36; 40; 45; 60; 72; 90; 120; 180; 360g :

Corolário 2.10 Seja n = pn1 1 pn2 2 pnr r , onde p1 ; p2 ; : : : ; pr são primos dis-
tintos. Se #D(n) denota a quantidade de divisores positivos de n, e s(n) a
soma desses divisores, então

#D(n) = (n1 + 1)(n2 + 1) (nr + 1)

e
pn1 1 +1 1 pn2 2 +1 1 pnr r +1 1
s(n) = .
p1 1 p2 1 pr 1

89
Prova. Os divisores positivos de n são da forma pm1 m2
1 p2 pm
r , onde
r

0 mi ni , para i = 1; 2; : : : ; r. Assim, os divisores positivos de n são as


parcelas da soma obtida pelo desenvolvimento do produto

S = p01 + p11 + + pn1 1 p02 + p12 + + pn2 2 p0r + p1r + + pnr r :


(2.5)
Para cada i, i = 1; 2; : : : ; r, existem ni + 1 parcelas no i esimo parêntese
de (2.5). Então o desenvolvimento de (2.5) possui (n1 + 1)(n2 + 1) (nr + 1)
parcelas. Portanto, a quantidade de divisores positivos de n é

#D(n) = (n1 + 1)(n2 + 1) (nr + 1):

Por outro lado, como a soma dos termos do desenvolvimento de (2.5) é a


soma dos divisores positivos de n, segue que s(n) = S. Mas, para cada i,
i = 1; 2; : : : ; r, a soma no i esimo parêntese de (2.5) é a soma dos ni + 1
primeiros termos de uma progressão geométrica cujo primeiro termo é 1 e a
razão é pi . Portanto,
pn1 1 +1 1 pn2 2 +1 1 pnr r +1 1
s(n) = S = .
p1 1 p2 1 pr 1

Exemplo 2.17 Vamos calcular a quantidade e a soma dos divisores positivos


do número n = 25 32 53 .
Denotando a quantidade por #D (n) e a soma por s (n), temos que

#D (n) = (5 + 1) (2 + 1) (3 + 1) = 6 3 4 = 72
25+1 1 32+1 1 53+1 1
s (n) =
2 1 3 1 5 1
3 4
3 1 5 1
= 26 1 = 63 13 156 = 127764:
2 4

90
Portanto, o número n = 25 32 53 possui 72 divisores positivos e a soma
deles é igual 127764.

Exercício 2.6 Quantos são os números inteiros positivos que ao dividirem


568 deixam resto 4?

Solução. Um inteiro positivo n deixa resto 4 ao dividir 568 se, e somente


se, n > 4 e existe q 2 N tal que 568 = qn + 4. Daí segue que qn = 568 4=
564. Logo, n deve ser um divisor de 564. Como 564 = 22 3 47, a
quantidade de divisores positivos de 564 é igual a

(2 + 1) (1 + 1) (1 + 1) = 3 2 2 = 12:

Desses 12 divisores, devemos excluir 1, 2, 3 e 4, porque eles são menores ou


iguais a 4 e, consequentemente, não podem deixar resto 4 ao dividirem 568.
Portanto, existem 8 números inteiros positivos que ao dividirem 568 deixam
resto 4. Esses números são:

6; 12; 47; 94; 141; 188; 282 e 564:

Proposição 2.19 Sejam p1 ; p2 ; : : : ; pr números primos distintos e

a1 ; a2 ; : : : ; ar ; b1 ; b2 ; : : : ; br 2 N:

Se
a = pa11 pa22 par r e b = pb11 pb22 pbrr ;

então
(a; b) = pd11 pd22 pdr r ;

onde di = min fai ; bi g ; i = 1; 2; : : : ; r.

91
Prova. Seja d = pd11 pd22 pdr r , onde di = min fai ; bi g ; i = 1; 2; : : : ; r.
Temos que 0 di ai e 0 di bi , i = 1; 2; : : : ; r. Então, pela Proposição
2.18, d é um divisor comum de a e b. Como di = ai ou di = bi , i = 1; 2; : : : ; r,
temos que d é o maior divisor comum de a e b. Portanto, d = (a; b).
Esse resultado pode ser generalizado para o máximo divisor comum de
mais de dois números.

Exemplo 2.18 Vamos calcular (1050; 936). Fatorando esses números, obte-
mos
1050 = 2 3 52 7 e 936 = 23 32 13:

Escrevendo ambas as fatorações com o mesmo conjunto de primos, temos

1050 = 21 31 52 71 130 e 936 = 23 32 50 70 13:

Daí segue que

(1050; 936) = 21 31 50 70 130 = 6:

Proposição 2.20 O conjunto dos números primos é in…nito.

Prova. Consideremos um conjunto …nito qualquer de números primos


fp1 ; p2 ; : : : ; pr g. Nenhum dos primos desse conjunto divide o número

p1 p2 pr + 1:

Então existe número primo que não está nesse conjunto. Logo, nenhum
conjunto …nito de números primos contém todos os primos. Portanto, o
conjunto dos números primos é in…nito.

92
A proposição 2.20 a…rma que existem in…nitos números primos. No en-
tanto, se conhece apenas uma quantidade …nita (embora muito grande) de
números primos. O maior número primo que se conhece atualmente2 é o
número
282589933 1;

conhecido como 51o primo de Mersenne3 , cuja descoberta aconteceu no dia


7 de dezembro de 2018. Esse número é extremamente grande, ele é formado
por 24:862:048 dígitos.

2.10 Mínimo Múltiplo Comum


Dados dois números inteiros, a e b, dizemos que um número m é um múltiplo
comum de a e b, se m é simultaneamente múltiplo de a e de b. Para quaisquer
a; b 2 Z, temos que ab é um múltiplo comum de a e b. Consequentemente,
qualquer múltiplo de ab também é múltiplo comum de a e b. Além disso, um
número m é um múltiplo comum de a e b se, e somente se, m é um múltiplo
comum de a e b. Portanto, se a; b 2 Z então o conjunto dos múltiplos
comuns de a e b é um conjunto in…nito e possui elementos positivos, ou seja,
o conjunto dos múltiplos comuns positivos de a e b é um subconjunto não-
vazio de N. Logo, dados a; b 2 Z , pelo Princípio da Boa Ordenação, existe
um menor múltiplo comum positivo de a e b.

De…nição 2.7 Dados a; b 2 Z , o menor múltiplo comum positivo de a e


b é chamado de mínimo múltiplo comum de a e b, e vamos denotá-lo por
2
Março de 2021
3
Marin Mersenne (1588 - 1648)

93
mmc fa; bg ou [a; b].

Observação 2.4 Decorre da de…nição que, 8a; b 2 Z , temos que

[a; a] = jaj ; [a; b] = [b; a] ; [1; a] = jaj e [a; b] = [ a; b] :

Proposição 2.21 Sejam a; b 2 Z e m = [a; b]. Se n é um múltiplo comum


de a e b, então n é múltiplo de m.

Prova. Sabemos que existem q; r 2 Z; 0 r < m, tais que n = qm + r,


ou seja, r = n qm. Como n e m são múltiplos comuns de a e b, segue que
r é um múltiplo comum de a e b. Então, como r < m, devemos ter r = 0.
Portanto, n = qm e segue que n é múltiplo de m.

Corolário 2.11 Sejam a; b 2 Z . Se m = [a; b], então ab é um múltiplo de


m.

Prova. Como ab é um múltiplo comum de a e b, o resultado segue da


Proposição anterior.

Proposição 2.22 Sejam a; b 2 Z e m 2 N . Então m = [a; b] se, e somente


se:

(i) m é um múltiplo comum de a e b;

(ii) se um inteiro n é um múltiplo comum de a e b, então n é múltiplo de


m.

Prova. Suponhamos que m = [a; b]. A condição (i) segue da de…nição, e


a condição (ii) segue da Proposição 2.21.

94
Reciprocamente, suponhamos que as condições (i) e (ii) se veri…cam.
Como m > 0, a condição (ii) a…rma que se n > 0 e n é um múltiplo co-
mum de a e b, então m n. Essa propriedade juntamente com a condição
(i) garantem que m = [a; b].

Proposição 2.23 Sejam p1 ; p2 ; : : : ; pr números primos distintos e

a1 ; a2 ; : : : ; ar ; b1 ; b2 ; : : : ; br 2 N:

Se a = pa11 pa22 par r e b = pb11 pb22 pbrr , então

[a; b] = pm1 m2
1 p2 pm
r ;
r

onde mi = max fai ; bi g ; i = 1; 2; : : : ; r.

Prova. Seja m = pm1 m2


1 p2 pm
r , onde mi = max fai ; bi g ; i = 1; 2; : : : ; r.
r

Como ai mi e bi mi , i = 1; 2; : : : ; r, segue, pela Proposição 2.18, que a


e b são divisores de m, ou seja, m é um múltiplo comum de a e b. Se c é um
inteiro positivo múltiplo comum de a e b, então

c = kpc11 pc22 pcrr ;

onde k 2 N; ci ai e c i bi ; i = 1; 2; : : : r. Como ci ai e c i bi ; i =
1; 2; : : : r, segue que ci max fai ; bi g ; i = 1; 2; : : : ; r. Logo, ci mi ; i =
1; 2; : : : ; r e, consequentemente, c é múltiplo de m. Portanto, pela Proposição
2.22, m = [a; b].

Exemplo 2.19 Vamos calcular [600; 560]. Temos que

600 = 23 3 52 = 23 3 52 70

560 = 24 5 7 = 24 30 5 7

95
Então
[600; 560] = 24 3 52 7 = 8400:

Lema 2.3 Se x e y são números reais quaisquer, então

max fx; yg + min fx; yg = x + y:

Prova. Podemos supor, sem perda de generalidade, que y x. Então

max fx; yg = x e min fx; yg = y:

Portanto, max fx; yg + min fx; yg = x + y:

Proposição 2.24 Se a; b 2 N então

[a; b] (a; b) = ab:

Prova. Sejam p1 ; p2 ; : : : ; pr primos tais que

a = pa11 pa22 par r e b = pb11 pb22 pbrr :

Temos que

ab = (pa11 pa22 par r ) pb11 pb22 pbrr = pa11 +b1 pa22 +b2 par r +br :

Por outro lado, pelas Proposições 2.19 e 2.23 temos que (a; b) = pd11 pd22 pdr r ,
onde di = min fai ; bi g ; i = 1; 2; : : : ; r, e [a; b] = pm1 m2
1 p2 pm
r , onde mi =
r

max fai ; bi g ; i = 1; 2; : : : ; r. Logo,

[a; b] (a; b) = (pm1 m2


1 p2 pm d1 d2
r ) p1 p2
r
pdr r = pm
1
1 +d1 m2 +d2
p2 pm
r
r +dr
:

Mas, para todo i = 1; 2; : : : r, mi + di = max fai ; bi g + min fai ; bi g = ai + bi ,


pelo Lema 2.3.
Portanto, [a; b] :(a; b) = a:b.

96
Exemplo 2.20 Vamos calcular [462; 182]. De acordo com a Proposição
2.24, temos que
462 182 84084
[462; 182] = = = 6006:
(462; 182) 14
Corolário 2.12 Se a e b são números naturais primos entre si, então

[a; b] = ab:

Prova. Se a e b são primos entre si então (a; b) = 1, e o resultado segue


da Proposição 2.24.

Proposição 2.25 Sejam a e b inteiros positivos primos entre si. Se d é um


divisor positivo de ab, então existe um par de inteiros positivos, d1 e d2 , tais
que d1 j a, d2 j b e d = d1 d2 .
Reciprocamente, se d1 e d2 são divisores positivos de a e b, respectivamente,
então d1 d2 é um divisor de ab.

Prova. Sejam p1 ; p2 ; : : : ; pr ; q1 ; q2 ; : : : ; qs números primos e

a1 ; a2 ; : : : ; ar ; b1 ; b2 ; : : : ; bs 2 N

tais que
a = pa11 pa22 par r e b = q1b1 q2b2 qsbs :

Como (a; b) = 1, temos os conjuntos fp1 ; p2 ; : : : ; pr g e fq1 ; q2 ; : : : ; qs g são


disjuntos. Então
ab = pa11 pa22 par r q1b1 q2b2 qsbs :

Portanto, se d é um divisor positivo de ab temos que

d = p1 1 p2 2 p r r q1 1 q2 2 qs s ;

97
onde 0 i ai ; i = 1; 2; : : : ; r e 0 j bj ; j = 1; 2; : : : ; s.
Tomando d1 = p1 1 p2 2 pr r e d2 = q1 1 q2 2 qs s , temos que d1 j a, d2 j b e
d = d1 d2 .
Reciprocamente, se d1 e d2 são divisores positivos de a e b, respectivamente,
então, pela Proposição 2.18, temos que d1 = pa11 pa22 par r , onde 0 i

ai ; i = 1; 2; : : : ; r, e d2 = q1 1 q2 2 qs s , onde 0 j bj ; j = 1; 2; : : : ; s.
Pela Proposição 2.18 temos que

d1 d2 = p1 1 p2 2 p r r q1 1 q 2 2 qs s

é um divisor de ab.
O conceito de mínimo múltiplo comum pode ser estendido para mais de
dois números.

De…nição 2.8 Dados a1 ; a2 ; : : : ; an 2 Z , o menor inteiro positivo que é


múltiplo comum de a1 ; a2 ; : : : ; an é chamado de mínimo múltiplo comum de
a1 ; a2 ; : : : ; an , e vamos denotá-lo por mmc fa1 ; a2 ; : : : ; an g ou [a1 ; a2 ; : : : ; an ].

Proposição 2.26 Se a1 ; a2 ; : : : ; an 2 Z , então

[a1 ; a2 ; : : : ; an ] = [a1 ; a2 ; : : : ; [an 1 ; an ]] :

Exemplo 2.21 Vamos calcular [42; 56; 16].


Pela Proposição 2.26 temos que [42; 56; 16] = [42; [56; 16]]. Mas, pela Proposição
2.24, temos que
56 16 896
[56; 16] = = = 112:
(56; 16) 8
Então,
42 112 4704
[42; 56; 16] = [42; 112] = = = 336:
(42; 112) 14

98
Também poderíamos ter obtido este resultado por fatoração desses números.
Como

42 = 2 3 7 = 21 31 71

56 = 23 7 = 23 30 71

16 = 24 = 24 30 70 ;

temos que [42; 56; 16] = 24 31 71 = 336.

2.11 Exercícios
1. Calcule:

(a) [ 42; 36];

(b) [18; 35];

(c) [15; 20; 35];

(d) [18; 35; 56; 14];

(e) [90; (126; 99)];

(f) ([90; 126] ; [90; 99]);

(g) (56; [48; 63]);

(h) [(56; 48) ; (56; 63)].

2. Determine os valores positivos de n de modo que (n; 80) = 5 e [n; 80] =


560.

3. Calcule o menor número positivo que, quando dividido por 84 e por


105, deixa resto 31.

99
4. Sejam a; b 2 Z e n 2 N . Mostre que (an ; bn ) = (a; b)n e [an ; bn ] =
[a; b]n .

5. Determine os possíveis valores para m; n 2 N de modo que o número


23 5m 11n tenha exatamente 84 divisores positivos.

6. Determine os possíveis valores para m; n 2 N de modo que o número


4m 15n tenha:

(a) Exatamente 27 divisores positivos;

(b) Exatamente 243 divisores positivos.

7. Duas pessoas fazendo suas caminhadas partem de um mesmo ponto e


contornam, andando, uma pista que circunda uma praça. Uma dessas
pessoas, andando de forma mais rápida, dá uma volta completa na
pista em 12 minutos, enquanto a outra, andando mais devagar, leva
20 minutos para completar a volta. Em quantos minutos, depois de
iniciada a caminha, essas duas pessoas voltarão a se encontrar no ponto
de partida pela primeira vez?

8. Em um jogo que simula uma corrida de automóveis, o primeiro corredor


dá uma volta completa na pista em 10 segundos, o segundo corredor,
em 11 segundos e o terceiro, em 12 segundos. Quantas voltas terão
dado cada um, até o momento em que passarão juntos na linha de
chegada, pela primeira vez?

9. (OBMEP) Qual é o menor número inteiro positivo n tal que n3 ; n n n


; ;
4 5 6
n
e 7
são números inteiros?

100
10. Um pedaço de arame com menos de dois metros de comprimento foi
cortado ao meio e, em seguida, uma das partes foi dividida em pedaços
medindo 20 cm cada um, e a outra parte foi dividida em pedaços
medindo 15 cm cada um. Qual era o comprimento do pedaço de arame
inicial?

11. Um terreno plano quadrado que mede menos de 2 ha foi dividido em


lotes todos quadrados. Metade dele foi dividida em lotes que medem
1024 m2 e a outra metade, em lotes que medem 576 m2 . Calcule a área
desse terreno.

12. Uma caminhonete com capacidade para 1 t deve ser carregada com
quantidades iguais de milho e de feijão. Sabendo-se que o milho e o
feijão estão acondicionados em sacos de 50 kg e 60 kg, respectivamente,
calcule o peso máximo dessa carga.

13. Quantos números inteiros positivos deixam resto 7 quando dividem


2527 ?

14. Determine todos os inteiros positivos de três algarismos que são di-
visíveis por 8; 11 e 12.

15. Sejam n 2 N e p um número primo. Mostre que existem m; k 2 N tais


que (p; m) = 1 e n = pk m.

16. Determine a maior potência de 33 que divide 100!.

17. Com quantos zeros termina o número 50! ?

18. Determine todos os fatores primos de 40!.

101
19. Escreva uma sequência com 40 números inteiros consecutivos compos-
tos.

20. Quantos divisores positivos possui o número 15!?

21. Sejam a; b 2 N . Mostre que [a; b] = (a; b) se, e somente se, a = b.

22. Sejam a; b 2 N tais que b = a2 . Mostre que [a; b] = (a; b)2 .

23. Sejam p1 ; p2 ; : : : ; pr números primos distintos e n = pn1 1 pn2 2 pnr r . Mostre


que n é um quadrado se, e somente se, n1 ; n2 ; : : : ; nr são todos pares.

24. Sejam a; b 2 N tais que (a; b) = 1. Mostre que ab é um quadrado se,


e somente se, a e b são ambos quadrados.

25. Como é a decomposição em fatores primos de um número que possui


apenas três divisores positivos?

26. Como é a decomposição em fatores primos de um número cuja quanti-


dade de divisores positivos é um número primo?

27. Sejam a; b 2 N e m um múltiplo comum positivo de a e b. Mostre que


m m
m = [a; b] se, e somente se, ;
a b
= 1.

28. Encontre os números inteiros positivos, a e b, tais que a quantidade de


divisores positivos de a é 21, a de b é 10, e (a; b) = 18.

29. Sejam a; b; r; s 2 N tais que ra = sb. Mostre que

ra sb
= = [a; b] :
(r; s) (r; s)

30. Sejam a; b; k 2 N . Mostre que [ka; kb] = k [a; b].

102
31. Sejam a; b; c 2 N . Mostre que [a; b; c] (ab; ac; bc) = abc.

103
Capítulo 3

Congruências

Congruência de números inteiros, também conhecida como aritmética mod-


ular, é uma ferramenta muito importante da teoria dos números. Essa fer-
ramenta está presente em várias situações do nosso cotidiano. Dentre essas
situações podemos citar: critérios de divisibilidade de números inteiros, códi-
gos de barras, números de cartões de crédito, números de CPF, números de
títulos eleitorais, o sistema internacional de identi…cação de publicação de
livros - ISBN, criptogra…a, etc.
As ideias que apresentamos neste capítulo são devidas a Gauss1 , que as
introduziu no seu livro Disquisitiones Arithmeticae, de 1801.
1
Johann Carl Friedrich Gauss ( 1777 - 1855) matemático, físico e astrônomo alemão.

104
3.1 De…nições e Propriedades
De…nição 3.1 Dados a; b 2 Z e n 2 N , se n j (a b) dizemos que a é
congruente a b módulo n e denotamos isto por

a b (mod n):

Quando n - (a b) dizemos que a é incongruente a b módulo n e denotamos


isto por a 6 b (mod n).

Exemplo 3.1 35 3(mod 8), pois 35 3 = 32 e 8 j 32, uma vez que


32 = 4 8: Porém 35 6 3 (mod 6), pois 6 - 32.

Proposição 3.1 Se a; b 2 Z e n 2 N então a b (mod n) se, e somente


se, existe k 2 Z tal que a = b + kn:

Prova. Basta observar que

a b (mod n) , n j (a b) , 9k 2 Z ; a b = kn , a = b + kn:

Corolário 3.1 Sejam a; b 2 Z e n 2 N . Se a b (mod n) então

(a; n) = (b; n):

Prova. Se a b (mod n) então existe k 2 Z tal que a = kn + b. Então,


pelo Teorema 2.5, (a; n) = (b; n).

Proposição 3.2 Se a; b 2 Z e n 2 N então a b (mod n) se, e somente


se, a e b deixam o mesmo resto quando divididos por n.

105
Prova. Sejam a; b 2 Z e n 2 N e suponhamos que a b (mod n). Seja
r o resto da divisão de b por n, ou seja, r 2 N; 0 r < n, e existe q 2 Z;
tal que b = qn + r. Temos que

a b (mod n) ) 9k 2 Z; a b = kn ) a = b + kn

) a = qn + r + kn = (q + k)n + r:

Então, pela unicidade do resto, segue que r também é o resto da divisão de


a por n. Portanto, a e b deixam o mesmo resto quando divididos por n.
Reciprocamente, suponhamos que a e b deixam o mesmo resto quando divi-
didos por n. Então existem q1 ; q2 ; r 2 Z; 0 r < n, tais que

a = q1 n + r e b = q2 n + r:

Daí segue que a b = (q1 n + r) (q2 n + r) = (q1 q2 )n: Então a b (mod n).

Exemplo 3.2 Temos que

30 22 (mod 4) ;

pois
30 22 = 8 = 2 4:

Observe que 30 e 22 deixam o mesmo resto na divisão por 4. De fato,

30 = 7 4+2

22 = 5 4 + 2:

Proposição 3.3 Se x; y; z 2 Z e n 2 N então:

106
1. x x (mod n)

2. x y (mod n) se, e somente se, y x (mod n)

3. Se x y (mod n) e y z (mod n) então x z (mod n).

Prova.

1. Como x x=0=0 n, segue que x x (mod n).

2. Temos que

x y (mod n) , n j (x y) , n j (y x) , y x (mod n):

3. Se x y (mod n) e y z (mod n), então existem r; s 2 Z tais que


x y = rn e y z = sn. Daí segue que

x z = (x y) + (y z) = rn + sn = (r + s)n:

Portanto, x z (mod n).

O item (2) da Proposição 3.3 a…rma que x é congruente a y módulo n se,


e somente se, y é congruente a x módulo n. Por isso, quando x y (mod n)
também dizemos que x e y são congruentes módulo n. Se x 6 y (mod n),
dizemos que x e y são incongruentes módulo n.

Exemplo 3.3 Se a 30 (mod 8) então, como 30 14 (mod 8), temos que


a 14 (mod 8).

Proposição 3.4 Se a; b; c 2 Z e n 2 N , então:

107
1. a b (mod n) se, e somente se, a + c b + c (mod n)

2. Se a b (mod n) então ac bc (mod n).

Prova. Temos que a b (mod n) se, e somente se, existe k 2 Z tal que
a b = kn. Então:

1.

a b (mod n) , a b = kn , a + c c b = kn

, (a + c) (b + c) = kn , a + c b + c (mod n):

2. ac bc = (a b)c = (kn)c = (ck)n. Logo, ac bc (mod n).

O item (1) da Proposição 3.4 mostra que na relação de congruência vale a


lei do cancelamento para a operação de adição. No entanto, para a operação
de multiplicação isso não vale sempre. O exemplo a seguir mostra isso.

Exemplo 3.4 Temos que 15 4 2 4 (mod 26) mas 15 6 2 (mod 26). Por
outro lado, 10 5 6 5 (mod 4) e 10 6 (mod 4).

Veremos em que condições vale a lei do cancelamento para a operação


multiplicação.

Proposição 3.5 Sejam a; b; c 2 Z e n 2 N . Então ac bc (mod n) se, e


n
somente se, a b (mod (c;n) ).
Prova. Suponhamos que ac bc (mod n) e seja d = (c; n). Temos que
existe k 2 Z tal que kn = ac bc = (a b)c, ou seja, kn = (a b) c.

108
Como d j c e d j n, podemos dividir os dois membros dessa igualdade por d
e obtemos k( nd ) = (a b)( dc ). Daí segue que n
d
divide (a b)( dc ). Mas, pelo
n c
Corolário 2.7, temos que ;
d d
= 1. Então, pela Proposição 2.11, segue que
n n
d
divide (a b). Portanto, a b (mod (c;n) ).
n
Reciprocamente, suponhamos que a b (mod (c;n) ). Então existe k 2 Z tal
n
que a b = k (c;n) . Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por c
obtemos
n c
ac bc = ck = kn:
(c; n) (c; n)
c
Como (c;n)
2 Z, segue que n divide ac bc. Portanto, ac bc (mod n).

O Corolário a seguir é um caso particular da Proposição 3.5.

Corolário 3.2 Sejam a; b; c 2 Z e n 2 N tais que (c; n) = 1. Temos que

ac bc (mod n)

se, e somente se, a b (mod n).

Exemplo 3.5 Vamos considerar novamente aqueles valores que tomamos no


exemplo 3.4. Temos que

15 4 2 4 (mod 26) ) 15 2 (mod 13)

10 5 6 5 (mod 4) ) 10 6 (mod 4):

Observe que
26 26 4 4
= = 13 e = = 4:
(4; 26) 2 (5; 4) 1
Exemplo 3.6 Se a e b são inteiros tais que 3a 3b(mod 8), então

a b(mod 8):

109
Exemplo 3.7 Seja n 2 N tal que (4; n) = 1. Se 40 12 (mod n), então

10 3 (mod n) :

Proposição 3.6 Sejam a; b; c; d 2 Z e n 2 N , tais que a b (mod n) e


c d (mod n): Então:

1. a + c b + d (mod n)

2. ac bd (mod n).

Prova. Sendo a b (mod n) e c d (mod n), existem r; s 2 Z tais que


a b = rn e c d = sn. Então:

1. (a + c) (b + d) = (a b) + (c d) = rn + sn = (r + s)n. Portanto,
a+c b + d (mod n).

2. Como a b (mod n) e c d (mod n), pelo item (2) da Proposição 3.4,


temos que ac bc (mod n) e bc bd (mod n). Daí, pelo item (2) da
Proposição 3.3, segue que ac bd (mod n).

Proposição 3.7 Sejam a; b 2 Z e n 2 N . Se a b (mod n) então

am bm (mod n); 8m 2 N :

Prova. Vamos fazer a prova por indução sobre m. Temos que o resultado
vale para m = 1 pois, por hipótese, a b (mod n). Seja k 1 e suponhamos
que o resultado vale para m = k, ou seja, ak bk (mod n). Sendo

a b (mod n) e ak bk (mod n);

110
segue, pelo item (2) da Proposição 3.6, que aak bbk (mod n), ou seja,
ak+1 bk+1 (mod n). daí segue que o resultado também vale para m = k + 1.
Então, pelo princípio de indução (teorema 1.1), temos que o resultado vale
para todo m 2 N , ou seja, am bm (mod n), 8m 2 N .

Exemplo 3.8 Vamos mostrar que o resto da divisão de 2510:000 por 13 é 1.

De fato, como 25 1 (mod 13), temos que 2510:000 ( 1)10:000 (mod 13),
ou seja 2510:000 1(mod 13). Daí segue que o resto da divisão de 2510:000 por
13 é 1.

Exercício 3.1 Sejam n um inteiro positivo, e r o resto da divisão de 25n


por 13. Mostre que 8
< 1; se n é par
r=
: 12; se n é ímpar.

Solução. Como 25 1 (mod 13), temos que 25n ( 1)n (mod 13).
Então:

se n é par, temos que 25n 1 (mod 13) e, portanto, r = 1;

se n é ímpar, temos que 25n 1 (mod 13). Como 1 12 (mod 13),


segue do item (3) da proposição 3.3 que 25n 12 (mod 13). Logo,
r = 12:

Exercício 3.2 Calcule o resto da divisão de 850 por 15.

111
50
Solução. Observemos que 850 = (23 ) = 2150 . Observemos também que
24 = 16 1 (mod 15). Como 150 = 4 37 + 2, então, pela proposição 3.6,
temos que

37
850 = 2150 = 24 37+2
= 24 22 137 4 4(mod 15)

) 850 4 (mod 15):

Portanto, a divisão de 850 por 15 deixa resto 4.

Exercício 3.3 Seja n um inteiro positivo. Mostre que:

1. se n é par então 5n 1 é divisível por 3;

2. se n é ímpar então 5n 2 é divisível por 3.

Solução. Como 5 1 (mod 3), temos que

5n ( 1)n (mod 3) :

Então:

1. se n é par, temos
5n 1 (mod 3) :

Daí segue que 5n 1 é divisível por 3.

2. se n é ímpar, temos

5n 1 2 (mod 3) :

Daí segue que 5n 2 é divisível por 3.

112
Exercício 3.4 Encontre o algarismo das unidades do número 7100 .
Solução. O algarismo das unidades de um número é o resto da divisão
desse número por 10. Portanto, devemos determinar o resto divisão de 7100
por 10, ou seja, o número r 2 N; 0 r 9, tal que 7100 r (mod 10).
Como 7 3 (mod 10), segue, pela proposição 3.6, que

72 ( 3)2 (mod 10) ) 72 9(mod 10) ) 72 1 (mod 10) )


50
7100 = 72 ( 1)50 (mod 10) ) 7100 1 (mod 10):

Portanto, o algarismo das unidades do número 7100 é 1.

7
Exercício 3.5 Encontre o algarismo das unidades do número 77 .
Solução. Temos que 72 1 (mod 10): Por outro lado, como 7
3 (mod 10), segue, pela proposição 3.6, que

7 7
77 ( 3)7 (mod 10):

7
Como 77 é um número ímpar, temos que ( 3)7 =
7
37 e, consequentemente,

7 7
77 37 (mod 10):

Mas

7 7 77 1 7 77 1 77 1
37 = 37 1
3 = 32 2
3 ) 77 32 2
3 ( 1) 2 3 (mod 10):

77 1
Para determinarmos o sinal de ( 1) 2 , observamos que

77 1 (7 1) (76 + 75 + 74 + 73 + 72 + 7 + 1)
=
2 2
= 3 7 + 7 + 7 + 73 + 72 + 7 + 1 :
6 5 4

113
Como 3 (76 + 75 + 74 + 73 + 72 + 7 + 1) é um número ímpar, segue que
77 1
( 1) 2 = 1. Então
7
77 3 (mod 10):
7
Portanto, o algarismo das unidades do número 77 é 3.

Exemplo 3.9 Vamos mostrar que 22225555 + 55552222 é divisível por 7.


Basta-nos mostrar que 22225555 + 55552222 0 (mod 7). Temos que

2222 = 317 7 + 3 ) 2222 3 (mod 7):

Como 33 = 27 1 (mod 7), então

22223 33 (mod 7) ) 22223 1 (mod 7):

Por outro lado, temos que 5555 = 1851 3 + 2. Então

1851
22225555 = 22221851 3+2
= 22223 22222 :

Assim,

22225555 ( 1)1851 32 (mod 7) ) 22225555 2 (mod 7):

Temos também que

5555 = 793 7 + 4 ) 5555 4 (mod 7):

Como 43 = 64 1 (mod 7), então

55553 43 (mod 7) ) 55553 1 (mod 7):

Mas, como 2222 = 740 3 + 2, temos que

740
55552222 = 5555740 3+2
= 55553 55552 :

114
Logo,

55552222 1740 42 (mod 7) ) 55552222 16 (mod 7) ) 55552222 2 (mod 7):

Então

22225555 + 55552222 2 + 2 (mod 7) ) 22225555 + 55552222 0 (mod 7):

Proposição 3.8 Sejam a; b 2 Z, n 2 N e

f (x) = ar xr + ar 1 xr 1
+ + a1 x + a0

um polinômio com coe…cientes inteiros. Se a b (mod n) então

f (a) f (b) (mod n):

Prova. Suponhamos que a b (mod n). Para cada j, 1 j r, temos


que aj aj aj bj (mod n). Portanto,

ar ar + ar 1 ar 1
+ + a1 a + a0 ar br + ar 1 br 1
+ + a1 b + a0 (mod n):

Logo, f (a) f (b) (mod n).

Podemos usar a proposição 3.8 para provar critérios de divisibilidade.

Exemplo 3.10 Vamos provar que se n = nr nr 1 : : : n1 n0 é a representação


decimal de um número natural n, então n é divisível por 3 se, e somente se,
nr + nr 1 + + n1 + n0 é um múltiplo de 3.
De fato, seja

f (x) = nr xr + nr 1 xr 1
+ + n1 x + n0 :

115
Como n = nr 10r + nr 1 10r 1
+ + n1 10 + n0 , temos que f (10) = n e
f (1) = nr + nr 1 + + n1 + n0 . Como 10 1 (mod 3), temos que f (10)
f (1) (mod 3). Portanto, f (10) 0 (mod 3) se, e somente se,

f (1) 0 (mod 3);

isto é, 3 j n se, e somente se, 3 j (nr + nr 1 + + n1 + n0 ).


De modo análogo, prova-se que n é divisível por 9 se, e somente se,

nr + nr 1 + + n1 + n0

é um múltiplo de 9.

Proposição 3.9 Sejam a; b 2 Z e n1 ; n2 ; : : : ; nk 2 N . Então

a b (mod n1 ); a b (mod n2 ); : : : ; a b (mod nk )

se, e somente se, a b (mod m), onde m = [n1 ; n2 ; : : : ; nk ].


Prova. Suponhamos que

a b (mod n1 ); a b (mod n2 ); : : : ; a b (mod nk ):

Então a b é um múltiplo comum de n1 ; n2 ; : : : ; nk . Se m = [n1 ; n2 ; : : : ; nk ],


então, pela Proposição 2.22, segue que a b é um múltiplo de m. Portanto,
a b (mod m).
Reciprocamente, suponhamos que a b (mod m), onde m = [n1 ; n2 ; : : : ; nk ].
Então, m divide a b. Como ni divide m; i = 1; 2; : : : ; k, segue que ni divide
a b; i = 1; 2; : : : ; k. Portanto,

a b (mod n1 ); a b (mod n2 ); : : : ; a b (mod nk ):

116
Exemplo 3.11 Se a b (mod 15), a b (mod 20) e a b (mod 50), então
a b (mod 300), pois [15; 20; 50] = 300.

Corolário 3.3 Sejam a; b 2 Z e n1 ; n2 ; : : : ; nk 2 N tais que (ni ; nj ) = 1,


se j 6= i. Se a b (mod n1 ); a b (mod n2 ); : : : ; a b (mod nk ) então
a b (mod n1 n2 nk ).
Prova. Como (ni ; nj ) = 1, se j 6= i, temos que

[n1 ; n2 ; : : : ; nk ] = n1 n2 nk :

Então o resultado segue pela proposição 3.9.

3.1.1 Sistemas Completos de Resíduos

De…nição 3.2 Sejam a; b 2 Z e n 2 N . Se a b (mod n), dizemos que b é


um resíduo de a módulo n.

Exemplo 3.12 Como 40 12 (mod 7), temos que 12 é um resíduo de 40


módulo 7.

De…nição 3.3 Um conjunto de números inteiros fr1 ; r2 ; : : : ; rk g é dito um


sistema completo de resíduos módulo n quando as duas condições seguintes
são satisfeitas.

1. Se i 6= j então ri 6 rj (mod n);

2. Para todo inteiro m, existe ri tal que m ri (mod n).

Exemplo 3.13 O conjunto f0; 1; 2; 3; 4g é um sistema completo de resíduos


módulo 5. De fato,

117
1. Se 0 j<i 4 temos que 0 < i j 4. Então 5 não divide i j e,
portanto, i 6 j (mod 5);

2. Dado m 2 Z, o Algoritmo da Divisão garante que existem q; r 2 Z, com


r 2 f0; 1; 2; 3; 4g, tais que m = 5q + r. Daí segue que m r (mod 5).

As duas condições que de…nem um sistema completo de resíduos podem


ser reunidas em uma, como na Proposição a seguir.

Proposição 3.10 Um conjunto de números inteiros A = fr1 ; r2 ; : : : ; rk g é


um sistema completo de resíduos módulo n se, e somente se, para todo inteiro
m, existe um único ri 2 A tal que m ri (mod n).
Prova. Suponhamos que A = fr1 ; r2 ; : : : ; rk g é um sistema completo de
resíduos módulo n e seja m 2 Z. Pela condição (2) da de…nição 3.3 existe
ri 2 A tal que m ri (mod n). Se rj 2 A é tal que m rj (mod n), então,
pela Proposição 3.3, ri rj (mod n) e, pela condição (1) da de…nição 3.3,
segue que rj = ri . Portanto, existe um único ri 2 A tal que m ri (mod n).
Reciprocamente, suponhamos que para todo inteiro m, existe um único ri
tal que m ri (mod n). Obviamente a condição (2) é veri…cada. Para
veri…carmos a condição (1), tomamos m = ri 2 A. Como ri ri (mod n) e,
por hipótese, ri é congruente a um único elemento de A, segue que se i 6= j
então ri 6 rj (mod n).

Proposição 3.11 Dado n 2 N , o conjunto f0; 1; : : : ; n 1g é um sistema


completo de resíduos módulo n.
Prova. Se m 2 Z, o Algoritmo da Divisão garante que existem q 2 Z
e um único r 2 f0; 1; : : : ; n 1g, tais que m = nq + r. Daí segue que

118
m r (mod n). Portanto, pela Proposição 3.10, f0; 1; : : : ; n 1g é um
sistema completo de resíduos módulo n.

Proposição 3.12 Se n 2 N então qualquer sistema completo de resíduos


módulo n possui exatamente n elementos.
Prova. Sejam A = fx1 ; x2 ; : : : ; xk g e B = fy1 ; y2 ; : : : ; yl g dois sistemas
completos de resíduos módulo n. Como fy1 ; y2 ; : : : ; yl g é um sistema com-
pleto de resíduos módulo n, para cada i, 1 i k, existe um único yj tal que
xi yj (mod n). Por outro lado, como A = fx1 ; x2 ; : : : ; xk g é um sistema
completo de resíduos módulo n, quaisquer dois elementos distintos de A são
incongruentes módulo n e, consequentemente, são congruentes a elementos
distintos de B. Portanto, k l. De modo análogo mostra-se que l k. Logo,
k = l. Isso mostra que todos os sistemas completos de resíduos módulo n pos-
suem o mesmo número de elementos. Como f0; 1; : : : ; n 1g é um sistema
completo de resíduos módulo n formado por n elementos, podemos concluir
que qualquer sistema completo de resíduos módulo n possui exatamente n
elementos.

Proposição 3.13 Dado n 2 N , um conjunto A = fx1 ; x2 ; : : : ; xn g é um


sistema completo de resíduos módulo n se, e somente se, xi 6 xj (mod n), se
i 6= j.
Prova. Se A = fx1 ; x2 ; : : : ; xn g é um sistema completo de resíduos mó-
dulo n então, por de…nição, xi 6 xj (mod n), se i 6= j.
Reciprocamente, suponhamos que xi 6 xj (mod n), se i 6= j. Seja B =
fy1 ; y2 ; : : : ; yn g um sistema completo de resíduos módulo n. Se i 6= j, como
xi 6 xj (mod n), então xi e xj são congruentes a elementos distintos de

119
B. Assim, se necessário, podemos ordenar os elementos de B de modo que
xi yi (mod n), para todo i = 1; 2; : : : ; n. Daí segue que, para cada yi 2 B,
existe um único xi 2 A tal que yi xi (mod n).
Dado m 2 Z, como B = fy1 ; y2 ; : : : ; yn g é um sistema completo de resí-
duos módulo n, pela proposição anterior, existe um único yi 2 B tal que
m yi (mod n). Como existe um único xi 2 A tal que yi xi (mod n),
segue que existe um único xi 2 A tal que m xi (mod n).
Portanto, pela proposição anterior, A = fx1 ; x2 ; : : : ; xn g é um sistema com-
pleto de resíduos módulo n.

Corolário 3.4 Sejam n 2 N e A = fx1 ; x2 ; : : : ; xk g tal que xi 6 xj (mod n),


se i 6= j. Então A é um sistema completo de resíduos módulo n se, e somente
se, k = n.
Prova. Se A é um sistema completo de resíduos módulo n então, pela
Proposição 3.12, k = n.
Reciprocamente, se k = n e xi 6 xj (mod n), se i 6= j, então, pela Proposição
3.13, segue que A é um sistema completo de resíduos módulo n.

O Corolário a seguir mostra como se obter outros sistemas completos de


resíduos módulo n a partir de um dado sistema completo de resíduos módulo
n.

Corolário 3.5 Sejam n 2 N , A = fx1 ; x2 ; : : : ; xn g um sistema completo de


resíduos módulo n e a; b 2 Z. Se (a; n) = 1 então

B = fax1 + b; ax2 + b; : : : ; axn + bg

também é um sistema completo de resíduos módulo n.

120
Prova. Se axi + b axj + b (mod n) então pela Proposição 3.4, segue
que axi axj (mod n). Daí, como (a; n) = 1, o Corolário 3.2 garante que
xi xj (mod n). Então, como A = fx1 ; x2 ; : : : ; xn g é um sistema completo de
resíduos módulo n, temos que xi = xj e, consequentemente, axi +b = axj +b.
Logo, axi + b 6 axj + b (mod n), se i 6= j. Portanto, pelo Corolário 3.4,
concluímos que B = fax1 + b; ax2 + b; : : : ; axn + bg é um sistema completo
de resíduos módulo n.

Exemplo 3.14 Dado n 2 N , sabemos que f0; 1; 2; : : : ; n 1g é um sistema


completo de resíduos módulo n. Então, tomando a = 1 e b = 1, obtemos
que f1; 2; : : : ; ng também é um sistema completo de resíduos módulo n. Daí,
temos que fa + b; 2a + b; : : : ; na + bg é um sistema completo de resíduos mó-
dulo n, para quisquer a; b 2 Z, desde que (a; n) = 1.
Considerando o caso particular n = 6, temos, dentre tantos, os seguintes sis-
temas completos de resíduos módulo 6, todos obtidos a partir de f0; 1; 2; 3; 4; 5g,
com os valores de a e b indicados.

Sistemas completos de resíduos Valores de a e b


f0; 1; 2; 3; 4; 5g
f1; 2; 3; 4; 5; 6g a=1eb=1
f2; 3; 4; 5; 6; 7g a=1eb=2
f3; 4; 5; 6; 7; 8g a=1eb=3
f3; 8; 13; 18; 23; 28g a=5eb=3
f 3; 2; 7; 12; 17; 22g a=5eb= 3:

121
3.1.2 Sistemas Reduzidos de Resíduos

De…nição 3.4 Dado n 2 N , um sistema reduzido de resíduos módulo n é


um conjunto de números inteiros R = fr1 ; r2 ; : : : ; rk g tal que as três condições
seguintes são satisfeitas:

1. (ri ; n) = 1; i = 1; 2; : : : ; k

2. ri 6 rj (mod n), se i 6= j

3. todo inteiro relativamente primo com n é congruente, módulo n, a al-


gum elemento de R.

Dado um sistema completo de resíduos módulo n, retirando-se desse con-


junto todos os elementos que não são relativamente primos com n obtém-se
um sistema reduzido de resíduos módulo n. De fato, sejam A = fr1 ; r2 ; : : : ; rn g
um sistema completo de resíduos módulo n e R = fri 2 A j (ri ; n) = 1g. É
claro que as condições (1) e (2) da de…nição 3.4 estão satisfeitas. Vejamos
que a condição (3) também está. Seja m 2 Z tal que (m; n) = 1. Como A
é um sistema completo de resíduos módulo n, então existe ri 2 A tal que
m ri (mod n), ou seja, m = ri + nk, para algum k 2 Z. Pelo corolário
3.1 segue que (ri ; n) = (m; n) = 1, isto é, ri 2 R. Portanto, a condição (3)
também está satisfeita. Logo, R é um sistema reduzido de resíduos módulo
n.

Exemplo 3.15 Como A = f1; 2; : : : ; 10g é um sistema completo de resíduos


módulo 10, temos que

fr 2 A j (r; n) = 1g = f1; 3; 7; 9g

122
é um sistema reduzido de resíduos módulo 10. Mais geralmente, dado n 2 N ,
temos que A = f1; 2; : : : ; ng é um sistema completo de resíduos módulo n.
Então R = fr 2 A j (r; n) = 1g é um sistema reduzido de resíduos módulo n.

Sejam n 2 N, n 2, e R = fr1 ; r2 ; : : : ; rk g um sistema reduzido de


resíduos módulo n. Dado m 2 Z, com (m; n) = 1, a condição (3) da de…nição
3.4 a…rma que existe ri 2 R tal que m ri (mod n). Na verdade, existe um
único ri 2 R tal que m ri (mod n). De fato, suponhamos que existam ri e
rj em R tais que m ri (mod n) e m rj (mod n). Então rj ri (mod n).
Logo, pela condição (2) da de…nição 3.4 segue que rj = ri .

Proposição 3.14 Dado n 2 N , todos os sistemas reduzidos de resíduos


módulo n possuem o mesmo número de elementos.
Prova. Basta mostrar que quaisquer dois sistemas reduzidos de resíduos
módulo n possuem o mesmo número de elementos. Sejam R = fr1 ; r2 ; : : : ; rk g
e S = fs1 ; s2 ; : : : ; sl g sistemas reduzidos de resíduos módulo n. Temos que
(ri ; n) = 1; i = 1; 2; : : : ; k. Sabemos que, para cada 1 i k, existe um
único 1 j l tal que ri sj (mod n). Temos também que quaisquer dois
elementos distintos de R são congruentes a elementos distintos de S. Logo,
k l. De modo análogo, mostra-se que l k. Portanto, k = l.

Essa proposição dá sentido à de…nição seguinte.

De…nição 3.5 A função ' : N ! N, de…nida por '(n) = número de


elementos de um sistema reduzido de resíduos módulo n, é chamada de função
' de Euler.

123
Se n 2 N , observe que ' (n) é a quantidade de inteiros entre 1 e n que
são primos com n, isto é,

' (n) = # f1 m n j (m; n) = 1g :

Assim temos que '(1) = 1; '(2) = 1; '(3) = 2; '(4) = 2; '(5) = 4; '(6) =


2, etc. Se p é um número primo então '(p) = p 1.

Exemplo 3.16 Se n = kd; k; d 2 N , então

# fm 2 N j 1 m n e (m; n) = dg = ' (k) :

De fato, se 1 m n e n = kd, temos que

(m; n) = d , (m; kd) = d , m = qd; com 1 q k e (q; k) = 1:

Portanto,

# fm 2 N j 1 m n e (m; n) = dg = # fq 2 N j 1 q k e (q; k) = 1g

= ' (k) :

Proposição 3.15 (Gauss) Dado n 2 N , tem-se que


X
' (d) = n:
djn

Prova. Sejam I = f1; 2; : : : ; ng, d um divisor positivo de n e Id o conjunto


dado por
Id = fm 2 I j (m; n) = dg :

Observe que para todo k 2 I, existe d 2 I tal que d j n e (k; n) = d, ou seja,


k 2 Id . Portanto,
[
I Id I:
djn

124
Daí segue que
[
Id = I:
djn

Se d e d0 são divisores positivos de n e d 6= d0 , temos que Id \ Id0 = ;, pois

m 2 Id \ Id0 ) (m; n) = d e (m; n) = d0 ) d = d0 :


S
Então a união Id é disjunta. Portanto,
djn

X
n = #I = #Id :
djn

Observe que

n n
m 2 Id , d m n e (m; n) = d , m = kd; 1 k e k; = 1:
d d

Daí segue que os elementos de Id estão em correspondência buinívoca com


os valores k tais que
n n n o
k2Nj1 k ; k; =1 ;
d d
n
ou seja, há uma bijeção entre os conjuntos Id e k 2 N j 1 k d
; k; nd = 1 .
Portanto,
n n n o n
#Id = # k 2 N j 1 k ; k; =1 =' :
d d d

Observe que, quando d percorre todos os divisores positivos de n, os números


n
P P n
P
d
também fazem o mesmo. Logo, ' (d) = ' d
. Então, como #Id =
djn djn djn
n, segue que
X X n X
' (d) = ' = #Id = n:
d
djn djn djn

125
Exemplo 3.17 O conjunto dos divisores positivos de 10 é f1; 2; 5; 10g e
temos que

' (1) + ' (2) + ' (5) + ' (10) = 1 + 1 + 4 + 4 = 10:

Proposição 3.16 Dado n 2 N , um conjunto R = r1 ; r2 ; : : : ; r'(n) é um


sistema reduzido de resíduos módulo n se, e somente se,

(ri ; n) = 1; i = 1; 2; : : : ; '(n); e ri 6 rj (mod n); se i 6= j:

Prova. Se R = r1 ; r2 ; : : : ; r'(n) é um sistema reduzido de resíduos mó-


dulo n então, por de…nição, (ri ; n) = 1; i = 1; 2; : : : ; '(n) e ri 6 rj (mod n),
se i 6= j.
Reciprocamente, suponhamos que

(ri ; n) = 1; i = 1; 2; : : : ; '(n); e ri 6 rj (mod n); sei 6= j:

Seja S = y1 ; y2 ; : : : ; y'(n) um sistema reduzido de resíduos módulo n. Se


i 6= j, como ri 6 rj (mod n), então ri e rj são congruentes a elementos
distintos de S. Assim, se necessário, podemos ordenar os elementos de S de
modo que ri yi (mod n), para todo i = 1; 2; : : : ; '(n). Daí segue que, para
cada yi 2 S, existe um ri 2 R tal que yi ri (mod n).
Dado m 2 Z e (m; n) = 1, como S = fy1 ; y2 ; : : : ; yl g é um sistema reduzido
de resíduos módulo n, existe um yi 2 S tal que m yi (mod n). Como
existe ri 2 R tal que yi ri (mod n), segue que existe ri 2 R tal que
m ri (mod n). Portanto, R = r1 ; r2 ; : : : ; r'(n) é um sistema reduzido de
resíduos módulo n.

126
Proposição 3.17 Dado n 2 N , sejam r1 ; r2 ; : : : ; r'(n) um sistema re-
duzido de resíduos módulo n e a 2 Z. Se (a; n) = 1 então ar1 ; ar2 ; : : : ; ar'(n)
é um sistema reduzido de resíduos módulo n.
Prova. Os conjuntos r1 ; r2 ; : : : ; r'(n) e ar1 ; ar2 ; : : : ; ar'(n) têm o
mesmo número de elementos. Além disso, como (ri ; n) = 1 e (a; n) = 1,
temos que (ari ; n) = 1; i = 1; 2; : : : ; k. Então, pela proposição anterior,
basta mostrar que ari 6 arj (mod n), se i 6= j. Mas, como ri 6 rj (mod n),
se i 6= j, e (a; n) = 1, o corolário 3.2 garante que ari 6 arj (mod n), se i 6= j.
Portanto, ar1 ; ar2 ; : : : ; ar'(n) é um sistema reduzido de resíduos módulo n.

Exemplo 3.18 Já vimos que f1; 3; 7; 9g é um sistema reduzido de resíduos


módulo 10. Então, como (21; 10) = 1, segue que

f21 1; 21 3; 21 7; 21 9g = f21; 63; 147; 189g

também é um sistema reduzido de resíduos módulo 10.

Exemplo 3.19 Se p é um primo, sabemos que f1; 2; : : : ; p 1g é um sistema


reduzido de resíduos módulo p. Se a 2 Z e p - a, então fa; 2a; : : : ; (p 1)ag
é um sistema reduzido de resíduos módulo p.
Por exemplo, tomando p = 7 e a = 10, temos que

f1; 2; 3; 4; 5; 6g e f10; 20; 30; 40; 50; 60g

são sistemas reduzidos de resíduos módulo 7.

Exercício 3.6 Escreva um sistema reduzido de resíduos módulo 8 formado


somente por números que deixam resto 1 na divisão por 3.

127
Solução. Sabemos que f1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8g é um sistema completo de
resíduos módulo 8. Um número n deixa resto 1 na divisão por 3 se, e somente
se, n = 3k + 1; k 2 Z. Assim, como (3; 8) = 1, temos que

A = f3 1 + 1; 3 2 + 1; 3 3 + 1; : : : ; 3 8 + 1g

= f4; 7; 10; 13; 16; 19; 22; 25g

é um sistema completo de resíduos módulo 8 cujos elementos deixam resto


1 na divisão por 3. Retirando de A os elementos que não são relativamente
primos com 8 obtemos um sistema reduzido de resíduos módulo 8. Portanto,

f7; 13; 19; 25g

é um sistema reduzido de resíduos módulo 8 cujos elementos deixam resto 1


na divisão por 3.

Proposição 3.18 Se p é um número primo e k 2 N , então


1
' pk = pk pk 1
= pk 1
(p 1) = pk 1 :
p
Prova. Sabemos que o conjunto S = 1; 2; 3; : : : ; pk é um sistema com-
pleto de resíduos módulo pk . Logo, ' pk é o número de elementos desse
conjunto que são relativamente primos com pk . Dado a 2 1; 2; 3; : : : ; pk ,
temos que

(a; pk ) > 1 , p j a , a = pb; b 2 1; 2; 3; : : : ; pk 1


:

Daí segue que existem exatamente pk 1


elementos do conjunto S que não são
relativamente primos com pk . Portanto,
1
' pk = pk pk 1
= pk 1
(p 1) = pk 1 :
p

128
Exemplo 3.20 Temos que

'(4) = ' 22 = 22 2=2

'(8) = ' 23 = 23 22 = 4

'(9) = ' 32 = 32 3=6

'(27) = ' 33 = 33 32 = 18:

Proposição 3.19 Sejam m; n 2 N . Se (m; n) = 1 então '(mn) = '(m)'(n).


Prova. Sabemos que o conjunto S = f1; 2; 3; : : : ; mng é um sistema
completo de resíduos módulo mn. Para provarmos que '(mn) = '(m)'(n),
basta mostrarmos que o conjunto S possui exatamente '(m)'(n) elementos
que são relativamente primos com mn. Como (m; n) = 1, basta mostrarmos
que no conjunto S existem exatamente '(m)'(n) elementos que são relati-
vamente primos com m e n, simultaneamente.
Vamos dispor os mn elementos do conjunto S em uma tabela m n da forma
seguinte:

1 2 r n
n+1 n+2 n+r 2n
2n + 1 2n + 2 2n + r 3n
.. .. .. .. .. ..
T = . . . . . .
kn + 1 kn + 2 kn + r (k + 1)n
.. .. .. .. .. ..
. . . . . .
(m 1)n + 1 (m 1)n + 2 (m 1)n + r mn

Daí vemos, claramente, que S = fkn + r j 0 k m 1; 1 r ng.


Como f1; 2; 3; : : : ; ng é um sistema completo de resíduos módulo n, segue,

129
pelo corolário 3.5, que cada uma das m linhas dessa tabela é formada por
elementos que formam um sistema completo de resíduos módulo n, pois cada
linha, a partir da segunda, é obtida da anterior somando n a cada elemento.
Portanto, cada uma dessas m linhas contém exatamente '(n) elementos que
são relativamente primos com n. Além disso, se 1 r n, como a coluna
r dessa tabela é formada pelos elemntos r; n + r; 2n + r; : : : ; (m 1)n + r, e
observando que

(r; n) = 1 , (kn + r; n) = 1; 0 k m 1;

segue que, na coluna r, ou todos os elementos são relativamente primos com


n ou nenhum deles o é. Portanto, existem '(n) colunas cujos elementos são
todos relativamente primos com n, e, nas demais colunas, nenhum elemento
é relativamente primos com n. Vamos descartar essas últimas colunas e
considerar o bloco B formado pelas '(n) colunas cujos elementos são todos
relativamente primos com n. Se r1 ; r2 ; : : : ; r'(n) é um sistema reduzido de
resíduos módulo n tal que 1 r1 < r 2 < < r'(n) < n, temos que

r1 r2 r'(n)
n + r1 n + r2 n + r'(n)
2n + r1 2n + r2 2n + r'(n)
.. .. .. ..
B= . . . .
kn + r1 kn + r2 kn + r'(n)
.. .. .. ..
. . . .
(m 1)n + r1 (m 1)n + r2 (m 1)n + r'(n)

Como f0; 1; 2; : : : ; m 1g é um sistema completo de resíduos módulo m e


(m; n) = 1, segue, pelo corolário 3.5, que cada uma das '(n) colunas desse

130
bloco é formada por elementos que formam um sistema completo de resíduos
módulo m. Portanto, cada uma dessas colunas contém exatamente '(m) ele-
mentos que são relativamente primos com m. Logo, nesse bloco, existem ex-
atamente '(m)'(n) elementos que são relativamente primos com m. Então,
como esses elementos também são relativamente primos com n, o conjunto
S possui exatamente '(m)'(n) elementos que são, simultaneamente, relati-
vamente primos com m e n.
Portanto, '(mn) = '(m)'(n).

Exemplo 3.21 Temos que 300 = 16 25. Como mdc f16; 25g = 1, temos
que

'(300) = '(16 25) = '(16)'(25) = '(24 )'(52 )

= 24 23 (52 5) = 8 20 = 160:

Teorema 3.1 Se p1 < p2 < < pn são primos e a1 ; a2 ; : : : ; an 2 N , então

' (pa11 pa22 pann ) = ' (pa11 ) ' (pa22 ) ' (pann ) :

Prova. Vamos fazer a prova por indução sobre n. Se n = 2, como


(pa11 ; pa22 ) = 1, o resultado segue pela proposição 3.18. Suponhamos que o
resultado seja válido para n = k 2, ou seja,

' (pa11 pakk ) = ' (pa11 ) ' (pakk ) :

Sejam p1 < < pk < pk+1 primos e a1 ; : : : ; ak ; ak+1 2 N Então, como


a
pa11 pakk ; pk+1
k+1
= 1, pela proposição 3.19 e pela hipótese de indução temos
que

a a a
' pa11 pakk pk+1
k+1
= ' (pa11 pakk ) ' pk+1
k+1
= ' (pa11 ) ' (pakk ) ' pk+1
k+1
:

131
Logo, o resultado também vale para n = k + 1. Então, pelo princípio de
indução 1a forma (teorema 1.1), o resultado vale para todo n 2.

Corolário 3.6 Se p1 < p2 < < pn são primos e a1 ; a2 ; : : : ; an 2 N ,


então

' (pa11 pa22 pann ) = pa11 pa11 1


pa22 pa22 1
pann pann 1

a
= p11 1 pa22 1
pann 1
(p1 1) (p2 1) (pn 1)
1 1 1
= pa11 pa22 pann 1 1 1 ::
p1 p2 pn

Prova. A primeira igualdade segue do teorema 3.1 e da proposição 3.18.


Para veri…car as outras duas segunda, basta observar que

1
pai i pai i 1
= pai i 1
(pi 1) = pai i 1 ; i = 1; 2; : : : ; n:
pi

Exemplo 3.22 Como 36000 = 25 32 53 , temos que

'(36000) = '(25 32 53 ) = '(25 )'(32 )'(53 )

= (25 24 )(32 3)(53 52 ) = 16 6 100 = 9600:

3.2 Exercícios
1. Sejam a; b 2 Z e d; n 2 N tais que d j n. Mostre que se a b (mod n),
então a b (mod nd ).

2. Sejam a; b 2 Z e n 2 N . Mostre que se a b (mod n), então (a; n) =


(b; n).

132
3. Se n é um número inteiro ímpar, mostre que n2 1 (mod 4).

4. Se n é um número inteiro par, mostre que n2 0 (mod 4).

5. Se n é um número inteiro ímpar, mostre que n2 1 (mod 8).

6. Se n é um número inteiro par, mostre que n2 0 (mod 8) ou n2


4 (mod 16).

7. Se n é um número inteiro ímpar, mostre que n 1 (mod 4) ou n


1 (mod 4).

8. Mostre que 102n 1 (mod 11); 8n 2 N.

9. Encontre um sistema completo de resíduos módulo 10 formado apenas


por mútiplos de 3.

10. Mostre que 270 + 370 0 (mod 13).

11. Determine o algarismo das unidades de cada um dos números a seguir

(a) 398 (Resp. 9)


3
(b) 33 (Resp. 7)
9
(c) 99 (Resp. 9).

12. Mostre que:

(a) 31000 4 é divisível por 7;

(b) 22225555 + 55552222 é divisível por 3 e por 11.

13. Em cada caso a seguir, calcule o resto da divisão de a por b:

133
(a) a = 856 ; b = 11 (Resp. 3); (Dica: 25 1 (mod 11).)

(b) a = 3817 ; b = 39 (Resp. 38);

(c) a = 2656 ; b = 15 (Resp. 1); (Dica: Mostre que a 1 (mod 3) e


a 1 (mod 5).)

(d) a = 1532 ; b = 112 (Resp. 1). (Dica: 112 = [14; 16]).

14. Seja f (x) um polinômio com coe…cientes inteiros. Mostre que, se ne-
nhum dos números f ( 1), f (0) e f (1) é divisível por 3, então f (x) não
possui raíz inteira.

3.3 Congruência Linear


De…nição 3.6 Sejam a; b 2 Z e n 2 N . Uma congruência da forma

aX b (mod n);

onde X é uma incógnita, é chamada de congruência linear.

De…nição 3.7 Dada uma congruência linear aX b (mod n), se x 2 Z é


tal que ax b (mod n) dizemos que x é uma solução de aX b (mod n).

Exemplo 3.23 Temos que x = 4 é uma solução da congruência

6X 9 (mod 15) ;

pois 6 4 9 (mod 15).

A proposição seguinte dá uma condição necessária e su…ciente para que


uma congruência linear tenha solução.

134
Proposição 3.20 Sejam a; b 2 Z, n 2 N e d = (a; n). A congruência
aX b (mod n) possui solução se, e somente se, d j b.
Prova. Sejam a; b 2 Z, n 2 N e d = (a; n). Suponhamos que a con-
gruência aX b (mod n) possui solução, ou seja, existe x 2 Z tal que
ax b (mod n). Então existe k 2 Z tal que ax = b + kn. Daí temos que
ax + n( k) = b. Então, pelo teorema 2.3, temos que d j b.
Reciprocamente, suponhamos que d j b e seja q 2 Z tal que b = qd. Sendo
d = (a; n), pelo teorema 2.3, existem x1 ; y1 2 Z tais que d = ax1 + ny1 . Mul-
tiplicando ambos os membros dessa igualdade por q, obtemos qd = a(qx1 ) +
(qy1 )n. Daí, como qd = b, temos que a(qx1 ) = b + ( qy1 )n. Isso mostra que
m = qx1 é solução da congruência aX b (mod n).

Se x0 é uma solução da congruência aX b (mod n) e x x0 (mod n)


então x também é solução de aX b (mod n).
De fato, pelas proposições 3.3 e 3.4 temos que

x x0 (mod n) ) ax ax0 b (mod n) ) ax b (mod n):

Neste caso dizemos que x0 e x são soluções congruentes módulo n. Portanto,


todos os elementos do conjunto

fx 2 Z j x x0 (mod n)g

são soluções de aX b (mod n), todas congruentes módulo n. Daí con-


cluímos que a partir de qualquer solução particular podemos obter uma in-
…nidade de soluções da congruência, todas congruentes módulo n.

De…nição 3.8 Se x1 ; x2 2 Z são soluções da congruência aX b (mod n) e


x1 6 x2 (mod n), dizemos que x1 e x2 são soluções incongruentes módulo n.

135
Exemplo 3.24 Temos que x1 = 4 e x2 = 9 são soluções incongruentes de
6X 9 (mod 15). De fato, pode ser veri…cado facilmente que x1 e x2 são
soluções dessa congruência e que x1 6 x2 (mod 15).

De…nição 3.9 Dada uma congruência aX b (mod n), onde (a; n) j b, um


conjunto de soluções fx1 ; x2 ; : : : ; xk g é dito um sistema completo de soluções
incongruentes de aX b (mod n), se as condições seguintes são satisfeitas:

1. Se i 6= j então xi 6 xj (mod n);

2. Se x é uma solução qualquer de aX b (mod n), então x xi (mod n),


para algum 1 i k.

A proposição a seguir mostra que se uma congruência linear possui uma


solução então ela possui in…nitas soluções. Além disso, conhecendo-se uma
solução qualquer, a partir dessa solução pode-se obter o conjunto-solução da
congruência e também um sistema completo de soluções incongruentes.

Proposição 3.21 Sejam a; b 2 Z, n 2 N e d = (a; n). Se d j b e x0 é uma


solução de aX b (mod n), então:

1. o conjunto-solução de aX b (mod n) é
n n o
S = x = x0 + k j k 2 Z ;
d

2. se A é um sistema completo de resíduos módulo d, o conjunto


n n o
S0 = x k = x 0 + k j k 2 A
d

é um sistema completo de soluções incongruentes de aX b (mod n).

136
Prova. Sejam a; b 2 Z, n 2 N e d = (a; n). Como d j b, a congruência
aX b (mod n) possui solução. Seja x0 uma solução dessa congruência.

1. Inicialmente vamos mostrar que todo elemento do conjunto S é uma


solução de aX b (mod n). De fato, se x = x0 + nd k então

n n a
ax = a x0 + k = ax0 + a k = ax0 + k n:
d d d
a
Como ax0 b (mod n) e d
k n 0 (mod n), segue, pela proposição
3.6, que
a
ax0 + k n b+0 b (mod n):
d
Logo, ax b (mod n) e, portanto, x é solução de aX b (mod n).
Vamos mostrar agora que toda solução de aX b (mod n) é um el-
emento do conjunto S. De fato, como x0 é uma solução de aX
b (mod n), existe q 2 Z tal que ax0 = b + qn e, portanto, b = ax0 qn.
Seja x uma solução qualquer de aX b (mod n). Então existe q1 2 Z
tal que ax = b + q1 n. Como b = ax0 qn, temos que

ax = b + q1 n = ax0 qn + q1 n = ax0 + (q1 q) n ) ax = ax0 + (q1 q) n

) a (x x0 ) = (q1 q) n:

Como d j a e d j n, podemos dividir ambos os membros dessa última


igualdade por d para obtermos

a n
(x x0 ) = (q1 q) :
d d
n a
Daí segue que d
j d
(x x0 ). Mas, sendo d = (a; n), pelo corolário 2.7
a n n
temos que ;
d d
= 1. Então, pela proposição 2.11, d
j (x x0 ), ou

137
seja, existe k 2 Z tal que x x0 = nd k. Portanto, x = x0 + nd k; k 2 Z.
Logo, x 2 S.
Então, como todo elemento de S é solução de aX b (mod n) e
toda solução de aX b (mod n) pertence a S, concluímos que S é
o conjunto-solução da congruência aX b (mod n).

2. Sejam A um sistema completo de resíduos módulo d e


n n o
S0 = x k = x 0 + k j k 2 A :
d
Como S0 S, todos os elementos de S0 são soluções de aX b (mod n).
Vamos mostrar que essas soluções são incongruentes módulo n. De
fato, se i; j 2 A temos que
n n n n
xi xj (mod n) ) x0 + i x0 + j (mod n) ) i j (mod n):
d d d d
Daí, como ( nd ; n) = n
d
, segue pela proposição 3.5 que i j (mod d).
Como A é um sistema completo de resíduos módulo d, devemos ter
i = j. Isso mostra que as soluções em S0 são incongruentes módulo n.
Vamos mostrar agora que toda solução de aX b (mod n) é con-
gruente a alguma solução em S0 . De fato, seja x uma solução de
aX b (mod n). Do item (1) segue que x 2 S, ou seja, existe k 2 Z tal
que x = x0 + nd k. Como A é um sistema completo de resíduos módulo
d, existe j 2 A tal que k j (mod d). Daí segue que existe q 2 Z tal
que k = j + qd. Substituindo na expressão de x obtemos
n n n
x = x0 + k = x0 + (j + qd) = x0 + j + qn = xj + qn:
d d d
Daí segue que x xj (mod n). Como xj 2 S0 , concluímos que toda
solução de aX b (mod n) é congruente a alguma solução em S0 .

138
Portanto, S0 é um sistema completo de soluções incongruentes de aX
b (mod n).

Geralmente consideramos esse sistema completo de resíduos módulo d,


A = f0; 1; : : : ; d 1g, para obtermos um sistema completo de soluções incon-
gruentes. Neste caso, obtemos o sistema completo de soluções incongruentes
n n n no
S0 = x 0 ; x 0 + ; x 0 + 2 + + x0 + (d 1) :
d d d

A proposição 3.21 garante que, dada uma congruência aX b (mod n),


onde (a; n) j b, é possível obter todas as soluções dessa congruência a partir
de uma solução particular. Então o problema de determinar as soluções de
uma tal congruência resume-se a encontrar uma solução particular x0 dessa
congruência. Isso pode ser feito pelo método de tentativas e erros ou por meio
do Algoritmo Euclidiano. A vantagem de se usar o Algoritmo Euclidiano é
que ele sempre conduz a uma solução, enquanto o primeiro método pode se
tornar inviável, dependendo dos coe…cientes da congruência.
Na aplicação desses dois métodos, principalmente do primeiro, os cálculos
se tornam mais simples quando (a; n) = 1. Portanto, se (a; n) > 1, é con-
a b n
veniente considerar a congruência (a;n)
X (a;n)
(mod (a;n) ), uma vez que
a
; n
(a;n) (a;n)
= 1 e toda solução dessa congruência também é solução de
aX b (mod n).

Exemplo 3.25 Consideremos a congruência linear 42X 90 (mod 150).


Como (42; 150) = 6 e 6 j 90, sabemos que essa congruência possui solução.

139
Vamos determinar o conjunto-solução e um sistema completo de soluções in-
congruentes.
Vamos usar o método de tentativas e erros para determinar uma solução par-
ticular x0 dessa congruência. Para facilitar, vamos considerar a congruência
42 90
6
X 6
(mod 150
6
), ou seja, 7X 15 (mod 25). Atribuindo valores à va-
riável X, encontramos que 7 20 15 (mod 25), ou seja, x0 = 20 é uma
solução de 7X 15 (mod 25). Como toda solução dessa congruência tam-
bém é solução de 42X 90 (mod 150), segue que x0 = 20 é uma solução de
42X 90 (mod 150). Então
n n o 150
S = x = x0 + k j k 2 Z = x = 20 + k j k2Z
d 6
= fx = 20 + 25k j k 2 Zg

é o conjunto-solução de 42X 90 (mod 150).


Para encontrarmos um sistema completo de soluções incongruentes, vamos
considerar o sistema completo de resíduos módulo 6

A = f0; 1; 2; 3; 4; 5g :

Então
n n o
S0 = xk = x0 + k j k 2 A = fxk = 20 + 25k j k 2 Ag
d
= f20; 45; 70; 95; 120; 145g

é um sistema completo de soluções incongruentes.


Qualquer solução de 42X 90 (mod 150) é congruente módulo 150 a exata-
mente uma dessas 6 soluções.

Vamos ver agora como usar o Algoritmo Euclidiano para encontrar uma
solução particular de uma congruência aX b (mod n), onde (a; n) j b. Se

140
d = (a; n), usamos o Algoritmo Euclidiano para encontrar x1 ; k1 2 Z tais
b
que ax1 + nk1 = d. Daí, como d j b, temos que d
2 Z. Multiplicando
b
ambos os lados da última igualdade por d
obtemos a( db x1 ) + n( db k1 ) = b, ou
seja, a( db x1 ) = b + n( b
k ).
d 1
Daí segue que a( db x1 ) b(mod n) e, portanto,
x0 = db x1 é uma solução de aX b (mod n).

Exemplo 3.26 Consideremos a congruência linear 200X 40 (mod 256).


Vamos determinar o conjunto-solução e um sistema completo de soluções
incongruentes:Vamos usar o Algoritmo Euclidiano para determinar uma solução
particular x0 dessa congruência. O primeiro passo consiste em determinar
x1 ; k1 2 Z tais que 200x1 + 256k1 = (200; 256) = 8. Usando o Algoritmo de
Euclides encontramos

200 9 + 256 ( 7) = 8:
40
Multiplicando ambos os lados por 8
= 5 obtemos

200 45 + 256 ( 35) = 40;

ou seja, 200 45 40 = 256 35. Portanto, x0 = 45 é uma solução de


200X 40 (mod 256). Daqui pra frente procedemos como no exemplo 3.25.
Temos que
n n o 256
S = x = x0 + k j k 2 Z = x = 45 + k j k2Z
d 8
= fx = 45 + 32k j k 2 Zg

é o conjunto-solução de 200X 40 (mod 256).


Para encontrarmos um sistema completo de soluções incongruentes, consi-
deremos o sistema completo de resíduos módulo 8

A = f0; 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7g :

141
Então
n n o
S0 = xk = x0 + k j k 2 A = fxk = 45 + 32k j k 2 Ag
d
= f45; 77; 109; 141; 173; 205; 237; 269g

é um sistema completo de soluções incongruentes.

Exercício 3.7 Dada a congruência 330X 42(mod 273), encontre:

1. um sistema completo de soluções incongruentes;

2. conjunto-solução dessa congruência;

3. a menor solução positiva dessa congruência.

Solução. Usando o algoritmo euclidiano encontramos

330 24 + 273( 29) = 3:

42
Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por 3
= 14 obtemos

330 336 + 273( 406) = 42:

Daí segue que


330 336 = 42 + 273 406

e, portanto, x0 = 336 é uma solução de 330X 42(mod 273).

1. Como A = f0; 1; 2g é um sistema completo de resíduos módulo 3, temos


que
273
xk = x0 + kjk2A = fxk = 336 + 91k j k 2 Ag = f336; 427; 518g
3
é um sistema completo de soluções incongruentes.

142
2. O conjunto-solução é
273
S= x = x0 + kjk2Z = fx = 336 + 91k j k 2 Zg :
3

3. Como as soluções são da forma x = 336 + 91k; k 2 Z, o menor valor


inteiro de k tal que 336 + 91k 1 nos dá a menor solução positiva.
Temos que
335
336 + 91k 1 , 91k 335 , k 3; 68:
91
Portanto, como k é um número inteiro, devemos tomar k = 3. Logo,
x = 336 + 91 ( 3) = 63 é a menor solução positiva.

Os corolários a seguir são consequências imediatas da proposição 3.21.

Corolário 3.7 Sejam a; b; n 2 Z e n > 0. Se (a; n) = 1 então a congruência


aX b (mod n) possui uma única solução módulo n, ou seja. se x1 e x2 são
duas soluções quaisquer então x1 x2 (mod n).

Corolário 3.8 Sejam a; n 2 Z e n > 0. A congruência aX 1 (mod n)


possui solução se, e somente se, (a; n) = 1. Além disso, quaisquer duas
soluções, se existirem, são congruentes módulo n.

Exercício 3.8 Dada a congruência 25X 15(mod 120), encontre um sis-


tema completo de soluções incongruentes e o conjunto-solução dessa con-
gruência.

Solução. Podemos considerar a congruência 5X 3(mod 24) para


encontrarmos uma solução particular. Por tentativa encontramos que 15 é

143
uma solução dessa congruência. Então x0 = 15 é uma solução da congruência
25X 15(mod 120). Como A = f0; 1; 2; 3; 4g é um sistema completo de
resíduos módulo 5, temos que

120
S0 = xk = 15 + kjk2A = fxk = 15 + 24k j k 2 Ag
5
= f15; 39; 63; 87; 111g

é um sistema completo de soluções incongruentes. O conjunto-solução é

120
S= x = 15 + kjk2Z = fx = 15 + 24k j k 2 Zg :
5

Exercício 3.9 Resolva a congruência 9X 11(mod 26).

Solução. Temos que (9; 26) = 1. Então a congruência 9X 11(mod 26)


tem solução única módulo 26. Como 9 3 26 = 1, multiplicando ambos
os membros dessa igualdade por 11 obtemos 9 33 = 11 + 26 11. Logo,
x0 = 33 é uma solução particular da congruência 9X 11(mod 26), e toda
solução dessa congruência é congruente a 33 módulo 26, ou seja, é da forma
x = 33 + 26k; k 2 Z.

De…nição 3.10 Dada uma congruência aX 1 (mod n), com (a; n) = 1, se


b é uma solução dessa congruência, dizemos que b é um inverso de a módulo
1
n e denotamos isto por a = b:

Exemplo 3.27 Temos que 7 é um inverso de 3 módulo 10, pois 7 é uma


1
solução da congruência 3X 1 (mod 10). Neste caso temos que 3 = 7.

144
Observação 3.1 Seja n 2 um número inteiro. Dado a 2 Z, de acordo
com o corolário 3.8, a congruência aX 1 (mod n) possui solução se, e
somente se, mdc fa; ng = 1. Daí segue que a possui inverso módulo n se, e
somente se, mdc fa; ng = 1.

Proposição 3.22 Seja p um número primo. Um número inteiro positivo


a é o seu próprio inverso módulo p se, e somente se, a 1 (mod p) ou
a 1 (mod p).
Prova. Se a é o seu próprio inverso módulo p então a2 1 (mod p), ou
seja, p j (a2 1) = (a 1)(a + 1). Como p é primo, segue que p j (a 1) ou
p j (a + 1). Daí segue que a 1 (mod p) ou a 1 (mod p).
Reciprocamente, suponhamos que a 1 (mod p) ou a 1 (mod p). Então
p j (a 1) ou p j (a + 1). Logo, p j (a 1)(a + 1) = (a2 1). Daí segue que,
a2 1 (mod p) e, portanto, a é o seu próprio inverso módulo p.

Observação 3.2 Da proposição 3.22 segue que se p é um primo e a 2 N ,


então a é o seu próprio inverso módulo p se, e somente se, a 1 (mod p) ou
a 1 (mod p), ou seja, existe k 2 Z tal que a = 1 + kp ou a = 1 + kp.
Os únicos valores de k que tornam 1 a p 1 são 0 e 1, para os quais
obtemos, a = 1 + 0 = 1 e a = 1+p = p 1. Portanto, se 1 a p 1,
temos que a é o seu próprio inverso módulo p se, e somente se, a = 1 ou
a=p 1.

Exemplo 3.28 Tomando p = 11, temos que 1 1 (mod 11) e 10 1 (mod 11).

145
Além disso temos que

2 6 1 (mod 11)

3 4 1 (mod 11)

5 9 1 (mod 11)

7 8 1 (mod 11):

Então, pela proposição 3.6, segue que

(2 6) (3 4) (5 9) (7 8) 1 1 1 1 (mod 11);

ou seja,
9 8 7 6 5 4 3 2 1 (mod 11):

Então, como 10 1 (mod 11), segue, pela proposição 3.6, que

10! = 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 1 1 (mod 11):

Portanto, veri…camos que (11 1)! 1 (mod 11): Observe que agrupamos os
8 elementos do conjunto f2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9g em 4 pares, ai ; bi ; 1 i 4, tais
que ai bi 1 (mod 11). Este exemplo é um caso particular de uma situação
mais geral que será vista mais adiante no Teorema de Wilson (teorema 3.6).

3.4 Exercícios
1. Sejam a; b 2 Z e d; n 2 N tais que d j n. Mostre que se x 2 Z é solução
da congruência linear aX b (mod n), então x também é solução da
congruência linear aX b (mod nd ).

2. Resolva as congruências lineares seguintes.

146
(a) 4X 3 (mod 7);

(b) 5X 3 (mod 24);

(c) 3X 1 (mod 10);

(d) 3X + 1 4 (mod 5);

(e) 9X 11 (mod 26);

(f) 23X 7 (mod 19);

(g) 8X 6 (mod 14);

(h) 7X 5 (mod 18);

(i) 25X 15 (mod 120);

(j) 330X 42 (mod 273);

(k) 26X 1 (mod 17);

(l) 315X 12 (mod 501).

3.5 O Teorema Chinês dos Restos


Dizemos que um inteiro x é solução de um sistema de congruências lineares
8
>
> a1 X b1 (mod n1 )
>
>
>
>
< a X b (mod n )
2 2 2
. ;
>
> ..
>
>
>
>
: a X b (mod n )
r r r

147
se x é solução de cada congruência desse sistema, ou seja,
8
>
> a1 x b1 (mod n1 )
>
>
>
>
< a x b (mod n )
2 2 2
. :
>
> ..
>
>
>
>
: a x b (mod n )
r r r

O teorema a seguir nos dá condições sob as quais um sistema de congruências


lineares possui solução.

Teorema 3.2 (Teorema Chinês dos Restos) Sejam

a1 ; a2 ; : : : ; ar ; b1 ; b2 ; : : : ; br 2 Z e n1 ; n2 ; : : : ; nr 2 N :

Se (ai ; ni ) = 1, para cada i = 1; 2; : : : ; r, e (ni ; nj ) = 1, para i 6= j, então o


sistema 8
>
> a1 X b1 (mod n1 )
>
>
>
>
< aX b2 (mod n2 )
2
.. (3.1)
>
> .
>
>
>
>
: aX br (mod nr )
r

possui solução e a solução é única módulo n = n1 n2 nr . Se x0 é uma


solução qualquer, o conjunto-solução é

S = fx = x0 + kn j k 2 Zg:

Prova. Como (ai ; ni ) = 1, para cada i = 1; 2; : : : ; r, o corolário 3.7


garante que cada congruência ai X bi (mod ni ) possui solução única módulo
n
ni , que vamos denotar por xi . Pondo Ni = ni
, onde n = n1 n2 nr , temos
que (Ni ; ni ) = 1, pois (ni ; nj ) = 1, se i 6= j. Então, pelo corolário 3.7,
segue que, para cada i = 1; 2; : : : ; r, a congruência Ni Y 1 (mod ni ) possui

148
solução única módulo ni , que vamos denotar por yi . Observe que se j 6= i
então ai xj Nj yj 0 (mod ni ), pois ni j Nj .
Pondo
x 0 = x 1 N1 y 1 + x 2 N2 y 2 + + x r Nr y r ;

temos que x0 é solução do sistema (3:1). De fato, para cada i = 1; 2; : : : ; r,


temos que

ai x0 = ai (x1 N1 y1 + x2 N2 y2 + + x r Nr y r )

= ai x 1 N 1 y 1 + ai x 2 N 2 y 2 + + ai x r N r y r :

Como ai xj Nj yj 0 (mod ni ), se j 6= i, segue que

ai x 0 = ai x 1 N 1 y 1 + ai x 2 N 2 y 2 + + ai x r N r y r ai xi Ni yi (mod ni ):

Por outro lado, como Ni yi 1 (mod ni ) e ai xi bi (mod ni ), temos que

ai x 0 ai x i N i y i bi (mod ni ):

Portanto, como x0 é solução de cada congruência do sistema (3:1), segue que


x0 é solução do sistema (3:1).
Para concluir a prova, vamos mostrar que x é uma solução do sistema 3.1
se, e somente se, x x0 (mod n). De fato, seja x uma solução do sistema
3.1, ou seja, ai x bi (mod ni ); i = 1; 2; : : : ; r. Então temos que

ai x bi ai x0 (mod ni ); i = 1; 2; : : : ; r;

pois x0 é solução do sistema 3.1. Daí segue que ai x ai x0 (mod ni ); i =


1; 2; : : : ; r. Como (ai ; ni ) = 1, segue, pela proposição 3.2, que x x0 (mod ni );
i = 1; 2; : : : ; r. Então, pela proposição 3.9, segue que x x0 (mod [n1 ; n2 ; : : : ; nr ]).

149
Mas, sendo (ni ; nj ) = 1, para i 6= j, temos que [n1 ; n2 ; : : : ; nr ] = n1 n2 nr =
n. Portanto, x x0 (mod n), ou seja,

x = x0 + kn; k 2 Z:

Reciprocamente, se x x0 (mod n) então, para cada i = 1; 2; : : : ; r, temos


que

n
N i ai x Ni ai x0 (mod n) ) ai x ai x0 mod )
Ni
ai x ai x0 (mod ni ) ) ai x bi (mod ni ) :

Portanto, x é solução do sistema 3.1.

Se x0 é uma solução particular do sistema (3:1), dizemos que

x = x0 + nk; n = n1 n2 nr ; k 2 Z;

é a solução geral do sistema (3:1). A prova do teorema 3.2 mostra como


encontrar uma solução particular do sistema de congruências lineares (3:1)
e, consequentemente, a sua solução geral.

Exercício 3.10 Encontre o menor número inteiro positivo que deixa restos
2; 3 e 2 quando dividido, respectivamente, por 3; 5 e 7.

Solução. Primeiro vamos encontrar a solução geral do sistema de con-


gruências lineares

X 2 (mod 3)

X 3 (mod 5)

X 2 (mod 7):

150
Vamos proceder de acordo com a prova do teorema 3.2. Temos que 2
2 (mod 3), 3 3 (mod 5) e 2 2 (mod 7). Então, de acordo com a notação
adotada na prova do teorema 3.2, temos x1 = 2, x2 = 3 e x3 = 2. Sejam
105 105 105
n=3 5 7 = 105, N1 = 3
= 35; N2 = 5
= 21 e N3 = 7
= 15. Agora
consideremos o sistema de congruências
8
>
> 35Y 1 (mod 3)
>
<
21Y 1 (mod 5) :
>
>
>
: 15Y 1 (mod 7)

Como 35 2 (mod 3), 21 1 (mod 5) e 15 1 (mod 7), temos que


8 8
>
> 35Y 1 (mod 3) >
> 2Y 1 (mod 3)
>
< >
<
21Y 1 (mod 5) , Y 1 (mod 5) :
>
> >
>
>
: 15Y >
: Y
1 (mod 7) 1 (mod 7)

Então podemos tomar y1 = 2, y2 = 1 e y3 = 1. Então, de acordo com o


teorema 3.2,

x 0 = x 1 N1 y 1 + x 2 N2 y 2 + x 3 N3 y 3 = 2 35 2+3 21 1+2 15 1 = 233

é uma solução do sistema dado. Portanto, a solução geral é

x = 233 + 105k; k 2 Z:

Estamos interessados na menor solução positiva, que é obtida quando k é o


menor inteiro tal que
233 + 105k 1:

Mas
232
233 + 105k 1 , 105k 232 , k 2; 2:
105
151
Portanto, devemos tomar k = 2. Logo, x = 233 + 105 ( 2) = 23 é a menor
solução positiva. Então a resposta é 23.

Exercício 3.11 Resolva o sistema de congruências lineares

3X 1(mod 7)

5X 2(mod 11)

4X 3(mod 13):

Solução. Adotando a mesma notação da prova do teorema 3.2, temos


que a1 = 3; a2 = 5; a3 = 4; b1 = 1; b2 = 2; b3 = 3; n1 = 7; n2 = 11
e n3 = 13. Como (ai ; ni ) = 1 e (ni ; nj ) = 1, para i 6= j, o sistema dado
está de acordo com as hipóteses do teorema 3.2. É fácil veri…car que x1 =
5; x2 = 7 e x3 = 4 são soluções de 3X 1(mod 7), 5X 2(mod 11) e
4X 3(mod 13), respectivamente. Sejam n = n1 n2 n3 = 7 11 13 = 1001,
1001 1001 1001
N1 = 7
= 143; N2 = 11
= 91 e N3 = 13
= 77. Agora consideremos o
sistema de congruências Ni Y 1(mod ni ); i = 1; 2; 3, ou seja,
8
>
> 143Y 1 (mod 7)
>
<
91Y 1 (mod 11) :
>
>
>
: 77Y 1 (mod 13)

Como 143 3 (mod 7), 91 3 (mod 11) e 77 12 (mod 13), temos que
8 8
>
> 143Y 1 (mod 7) >
> 3Y 1 (mod 7)
>
< >
<
91Y 1 (mod 11) , 3Y 1 (mod 11) :
>
> >
>
>
: 77Y >
: 12Y
1 (mod 13) 1 (mod 13)

Daí vemos que y1 = 5, y2 = 4 e y3 = 12 são soluções de 143Y 1 (mod 7),


91Y 1 (mod 11) e 77Y 1 (mod 13), respectivamente. Então, de acordo

152
com o teorema 3.2,

x0 = x1 N1 y1 + x2 N2 y2 + x3 N3 y3 = 5 143 5 + 7 91 4 + 4 77 12 = 9819

é uma solução do sistema dado. Portanto, de acordo com o teorema 3.2, a


solução geral é x = 9819 + 1001k; k 2 Z.

3.6 Exercícios
1. Resolva os seguintes sistemas de congruências:

(a) X 3 (mod 7) e X 2 (mod 5);

(b) X 2 (mod 5) e 3X 1 (mod 8);

(c) 3X 2 (mod 5) e 2X 1 (mod 3);

(d) X 1 (mod 3), X 1 (mod 5) e X 1 (mod 7);

(e) X 2 (mod 3), X 3 (mod 5) e X 5 (mod 2);

(f) X 1 (mod 4), X 0 (mod 3) e X 5 (mod 7);

(g) X 1 (mod 2), X 2 (mod 3) e X 5 (mod 7);

(h) X 1 (mod 5), X 2 (mod 7) e X 3 (mod 11);

(i) 2X 1 (mod 5), 3X 2 (mod 7) e 5X 7 (mod 11);

(j) X 7 (mod 11), 3X 5 (mod 13) e 7X 4 (mod 5);

(k) 6X 5 (mod 11), 5X 6 (mod 7) e X 6 (mod 13);

(l) X 17 (mod 504), X 31 (mod 35) e X 33 (mod 16).

2. Determine o menor inteiro positivo que deixa restos 5; 4; 3 e 2 quando


dividido, respectivamente, por 6; 5; 4 e 3.

153
3. Determine o menor inteiro positivo que deixa restos 2, 3 e 2 quando
dividido, respectivamente, por 3, 5 e 7.

4. Determine o menor inteiro positivo que deixa restos 3, 9 e 17 quando


dividido, respectivamente, por 10, 16 e 24.

5. Determine o menor inteiro positivo que deixa restos 1, 4, 2, 9 e 3 quando


dividido, respectivamente, por 3, 5, 7, 11 e 13.

6. Determine o menor inteiro positivo que deixa restos 5, 4, 3 e 2 quando


dividido, respectivamente, por 6, 5, 4 e 3.

7. Determine o menor múltiplo positivo de 7 que deixa resto 1 quando


dividido por 2, 3, 4, 5 e 6.

8. Determine quatro inteiros consecutivos divisíveis por 5, 7, 9 e 11, res-


pectivamente.

3.7 Equações Diofantinas


Na resolução de muitos problemas de aritmética nos deparamos com equações
do tipo
aX + bY = c;

onde os coe…cientes a, b e c são números inteiros.

De…nição 3.11 Uma equação da forma aX + bY = c, onde os coe…cientes


a, b e c são números inteiros, é chamada equação diofantina linear.

154
De…nição 3.12 Se um par ordenado de números inteiros (x; y) é tal que
ax+by = c, dizemos que (x; y) é uma solução, em Z, da equação aX +bY = c.

Se a = b = c = 0 então qualquer par (x; y) 2 Z Z é solução da equação


aX + bY = c. Se a = b = 0 e c 6= 0, a equação aX + bY = c não possui
solução. Consideraremos a seguir os casos em que a 6= 0 ou b 6= 0 e veremos
as condições sob as quais a equação aX + bY = c possui soluções em Z e,
quando for o caso, como determiná-las.

Proposição 3.23 Sejam a; b; c 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0. A equação

aX + bY = c

possui solução em Z se, e somente se, (a; b) j c.


Prova. Consideremos a equação aX + bY = c e seja d 2 Z tal que
d = (a; b).
Se a equação aX + bY = c possui solução em Z então existe (x; y) 2 Z Z
tal que ax + by = c. Daí, pelo teorema 2.3, segue que d j c.
Reciprocamente, suponhamos que d j c e seja c = dk. Como d = (a; b),
pelo teorema 2.3 existem x1 ; y1 2 Z tais que ax1 + by1 = d. Multiplicando
os dois lados dessa igualdade por k obtemos a(x1 k) + b(y1 k) = dk, ou seja,
a(x1 k) + b(y1 k) = c. Como x1 k; y1 k 2 Z, segue que (x1 k; y1 k) é solução e,
portanto, a equação aX + bY = c possui solução.

O teorema a seguir mostra que se uma equação diofantina linear possuir


uma solução então ela possui in…nitas soluções. Além disso, conhecendo-se
qualquer solução, pode-se obter todas as soluções a partir dela.

155
Teorema 3.3 Sejam a; b; c 2 Z, com a 6= 0 ou b 6= 0, e d = (a; b). Se d j c
e (x0 ; y0 ) é uma solução da equação aX + bY = c, então o conjunto-solução
dessa equação é

b a
S= (x; y) 2 Z Z j x = x0 + k; y = y0 k; k 2 Z :
d d

Prova. Seja (x0 ; y0 ) uma solução da equação aX + bY = c. Basta


mostrar que todo elemento do conjunto S é solução de aX + bY = c e que
toda solução dessa equação é um elemento do conjunto S.
Consideremos o par ordenado (x; y) = x0 + db k; y0 a
d
k 2 S. Como ax0 +
by0 = c, temos que

b a
ax + by = a x0 + k + b y0 k
d d
ab ab
= ax0 + k + by0 k = ax0 + by0 = c:
d d

Então (x; y) é uma solução da equação ax + by = c. Portanto, S está contido


no conjunto-solução de aX + bY = c.
Reciprocamente, seja (x; y) uma solução da equação aX + bY = c, ou seja,
ax + by = c. Como (x0 ; y0 ) também é solução da equação aX + bY = c,
temos que ax0 + by0 = c. Então ax + by = ax0 + by0 e daí segue que
a(x x0 ) = b(y0 y). Como d j a e d j b, dividindo ambos os lados dessa
última igualdade por d obtemos ad (x x0 ) = db (y0 y). Mas, pelo corolário 2.7
a b b
temos que ;
d d
= 1. Então, pela proposição 2.11, segue que d
j (x x0 ), ou
seja, existe k 2 Z tal que x x0 = db k e, portanto, x = x0 + db k. Substituindo
b
x x0 = d
k em a(x x0 ) = b(y0 y), obtemos a db k = b(y0 y). Daí
a
segue que y = y0 d
k. Portanto, (x; y) = x0 + db k ; y0 a
d
k 2 S. Logo, o
conjunto-solução de aX + bY = c está contido em S.

156
Então, tendo em vista as duas inclusões obtidas, podemos concluir que o
conjunto-solução de aX + bY = c é S.

Vimos que, dada uma equação diofantina aX + bY = c, onde (a; b) j c,


é possível obter todas as soluções dela a partir de uma solução particular.
Então o problema de determinar as soluções de uma tal equação resume-se
a encontrar uma solução particular (x0 ; y0 ) dessa equação. De modo análogo
ao que …zemos com congruências lineares na seção 3.3, isso pode ser feito
pelo método de tentativas e erros, por meio do Algoritmo Euclidiano ou
resolvendo-se uma das congruências aX c (mod b) ou bY c (mod a).
Quando (a; b) > 1, para encontrarmos uma solução particular de aX +
bY = c, às vezes é conveniente considerar a equação

a b c
X+ Y = ;
(a; b) (a; b) (a; b)

uma vez que toda solução dessa equação também é solução da equação

aX + bY = c:

Exercício 3.12 Considere a equação diofantina 84X + 99Y = 45.

1. Encontre o conjunto-solução dessa equação.

2. Encontre o menor valor positivo possível para x + y, sabendo que (x; y)


é solução dessa equação.

Solução. Como (84; 99) = 3 e 3 j 45, essa equação possui solução.

157
1. Vamos encontrar o seu conjunto-solução.
Primeiro vamos encontrar uma solução particular (x0 ; y0 ) dessa equação,
ou seja, determinar x0 ; y0 2 Z tais que 84x0 + 99y0 = 45. Como
(84; 99) = 3, usando o Algoritmo de Euclides encontramos

84 13 + 99 ( 11) = 3:

Multiplicando ambos os lados dessa igualdade por 15 obtemos

84 195 + 99 ( 165) = 45:

Portanto, (x0 ; y0 ) = (195; 165) é uma solução da equação 84X +


99Y = 45. Então, pelo teorema 3.3, todas as soluções de 84X + 99Y =
45 são da forma

99 84
(x; y) = x0 + k ; y0 k = (195 + 33k ; 165 28k) ; k 2 Z:
3 3

Então, o conjunto-solução da equação 84X + 99Y = 45 é

S = f(x; y) 2 Z Z j x = 195 + 33k ; y = 165 28k ; k 2 Zg :

2. Se (x; y) é uma solução da equação dada então existe k 2 Z tal que

x = 195 + 33k ; y = 165 28k:

Assim,
x + y = (195 + 33k) + ( 165 28k) = 30 + 5k:

Como queremos x + y > 0, devemos ter 30 + 5k > 0, ou seja,

30
k> = 6
5
158
Logo, devemos determinar k > 6 de modo que 30 + 5k seja o menor
valor inteiro positivo possível, isto é, o menor valor inteiro de k de modo
que 30+5k > 0. Portanto, devemos tomar k = 5. Para k = 5 temos

x + y = 30 + 5 ( 5) = 5:

Logo, se (x; y) é solução da equação dada, o menor valor positivo pos-


sível para x + y é 5.

Exercício 3.13 Considere a equação diofantina

88X + Y = 110:

Encontre o menor valor positivo possível para x + y, onde (x; y) 2 Z Zé


solução dessa equação.

Solução. Temos que

88 1 + 1 ( 87) = 1:

Multiplicando ambos os lados dessa igualdade por 110, obtemos

88 110 + 1 ( 9570) = 110:

Daí segue que (x0 ; y0 ) = (110; 9570) é uma solução da equação 88X + Y =
110. Então as soluções dessa equação são da forma

(x; y) = (110 + k; 9570 88k) ; k 2 Z:

159
Logo, se (x; y) é uma solução da equação dada, existe k 2 Z tal que

x + y = (110 + k) + ( 9570 88k) = 9460 87k:

Para encontrarmos o menor valor positivo possível para x + y, devemos de-


terminar o maior valor inteiro de k tal que

9460 87k 1:

Temos que
9461
9460 87k 1, 87k 9461 , k 108; 75:
87
Então devemos tomar k = 109. Para esse valor de k temos

x+y = 9460 87 ( 109) = 23:

Portanto, o menor valor positivo possível para x + y é 23.


Consideremos uma equação diofantina aX + bY = c, com b > 0, tal
que (a; b) j c. Vejamos agora como encontrar uma solução dessa equação,
resolvendo a congruência aX c (mod b). Como (a; b) j c, a proposição 3.23
garante que a equação aX + bY = c possui solução. Então existem x; y 2 Z
tais que ax + by = c, ou seja,

ax c = b( y):

Logo, x é solução da congruência aX c (mod b). Reciprocamente, se


a congruência aX c (mod b) possui solução então a equação diofantina
aX + bY = c também possui.
Se x0 2 Z é uma solução de aX c (mod b) então existe k 2 Z tal
que ax0 c = bk e, consequentemente, ax0 + b( k) = c. Então, tomando

160
y0 = k, temos que (x0 ; y0 ) é uma solução de aX + bY = c. Observe que,
c ax0
uma vez encontrado x0 , temos que y0 = k = b
. Logo, x0 ; c ax0
b
é
uma solução de aX + bY = c.
Portanto, o problema de encontrar uma solução particular de aX +bY = c
resume-se a encontrar uma solução particular da congruência aX c (mod b).
Já vimos na seção 3.3 como encontrar uma tal solução.
Obviamente, se a > 0, também podemos considerar a congruência bY
c (mod a), em vez de aX c (mod b).

Exemplo 3.29 Consideremos a equação diofantina 35X +42Y = 21. Como


(35; 42) = 7 e 7 j 21, essa equação possui solução. Vamos encontrar o seu
conjunto-solução.
Para determinarmos uma solução particular dessa equação, vamos encon-
trar uma solução particular x0 da congruência linear 35X 21 (mod 42).
Como (35; 42) = 7, podemos considerar a congruência 5X 3 (mod 6).
Por tentativa encontramos que x0 = 3 é uma solução de 5X 3 (mod 6)
e, portanto, também é solução de 35X 21 (mod 42). Seja k tal que
105 21
35 3 = 21 + 42k, ou seja, k = 42
= 2. Logo, tomando y0 = k= 2,
temos que (x0 ; y0 ) = (3; 2) é uma solução particular da equação diofantina
35X + 42Y = 21. Então, pelo teorema 3.3, todas as soluções dessa equação
são da forma

42 35
(x; y) = x0 + k ; y0 k = (3 + 6k ; 2 5k) ; k 2 Z:
7 7

Portanto, o conjunto-solução da equação 35X + 42Y = 21 é

S = f(x; y) 2 Z Z j x = 3 + 6k ; y = 2 5k ; k 2 Zg :

161
3.8 Exercícios
1. Em cada caso a seguir, resolva a equação dada, exibindo o seu conjunto-
solução.

(a) 24X + 14Y = 18

(b) 11X + 7Y = 58

(c) 90X + 28Y = 22

(d) 50X + 56Y = 74

(e) 40X + 65Y = 135

(f) 8X + 13Y = 23

(g) 16X + 11Y = 15

(h) 30X + 13Y = 51

(i) 47X + 29Y = 320

(j) 7X + 15Y = 22:

2. Usando apenas cédulas de R$ 2; 00 e de R$ 5; 00, de quantas maneiras


é possível formar uma quantia de R$ 100; 00 ?

3.9 Os Teoremas de Euler, Fermat e Wilson


Teorema 3.4 (Euler) Sejam a; n 2 N . Se (a; n) = 1 então

a'(n) 1 (mod n):

162
Prova. Seja R = r1 ; r2 ; : : : ; r'(n) um sistema reduzido de resíduos
módulo n. Como (a; n) = 1, a proposição 3.17 garante que

S = ar1 ; ar2 ; : : : ; ar'(n)

também é um sistema reduzido de resíduos módulo n. Então, a cada ari


corresponde um único rj tal que ari rj (mod n). Além disso, elementos
distintos de S correspondem a elementos distintos de R. Assim, os elemen-
tos de R são resíduos módulo n dos elementos de S. Então, pela proposição
3.6, o produto dos elemntos de S é congruente, módulo n, ao produto dos
elementos de R, sendo que os fatores desses produtos não estão, necessari-
amente, na mesma ordem. Mas, reordenando esses fatores, se necessário,
podemos escrever
'(n) '(n)
Y Y
ari rj (mod n):
i=1 j=1

Daí segue que


'(n) '(n)
Y Y
'(n)
a ri ri (mod n):
i=1 i=1
!
Q
'(n)
Como (ri ; n) = 1; i = 1; 2; : : : ; '(n), segue que ri ; n = 1. Então, pelo
i=1
corolário 3.2, podemos dividir ambos os lados dessa última congruência por
Q
'(n)
ri para obtermos a'(n) 1 (mod n).
i=1

Exemplo 3.30 Vamos usar o teorema de Euler para determinar o resto da


divisão de 3470 por 34. De fato, como (3; 34) = 1, o teorema de Euler garante
que 3'(34) 1 (mod 34), ou seja, 316 1 (mod 34). Como

470 = 16 29 + 6;

163
temos que
29
3470 = 316 29+6
= 316 29
36 = 316 36 :
29
Então, pela proposição 3.7, temos que (316 ) 129 1 (mod 34). Como
2
33 = 27 7 (mod 34), temos que 36 = (33 ) ( 7)2 15 (mod 34). Daí
segue que 36 15 (mod 34). Então, pela proposição 3.6, temos que

29
3470 = 316 29+6
= 316 36 1 15 15 (mod 34) :

Daí segue que o resto da divisão de 3470 por 34 é 15.

Dados inteiros positivos a e n, nem sempre existe um número inteiro


positivo h tal que ah 1 (mod n). A proposição seguinte dá uma condição
necessária e su…ciente para exista um tal inteiro h.

Proposição 3.24 Dados a; n 2 N , existe h 2 N tal que ah 1 (mod n) se,


e somente se, (a; n) = 1.

Prova. Se (a; n) = 1, o teorema de Euler garante que a'(n) 1 (mod n).


Então, neste caso, basta tomar h = ' (n). Por outro lado, se (a; n) > 1, a
congruência aX 1 (mod n) não tem solução. Então não existe h 1 tal
que ah 1 (mod n), pois, se existisse, ah 1
seria solução de aX 1 (mod n).

Teorema 3.5 (Pequeno Teorema de Fermat) Sejam a 2 N e p um número


primo. Se p - a então ap 1
1 (mod p).
Prova. Se p é primo temos que '(p) = p 1. Além disso, se p - a
segue que (a; p) = 1. Então, pelo teorema de Euler (teorema 3.4) temos que
ap 1
1 (mod p).

164
Corolário 3.9 Se p é um número primo e a 2 N então ap a (mod p).
Prova. Existem apenas duas possibilidades: ou p j a ou p - a.
Se p - a então, pelo teorema 3.5, temos que ap 1
1 (mod p). Daí, multipli-
cando ambos os lados por a, obtemos ap a (mod p).
Se p j a então p j ap e, consequentemente, p j (ap a).
Portanto, ap a (mod p); 8a 2 N.

Exemplo 3.31 Vamos mostrar que a divisão de 3510000 por 29 deixa resto
20.
De fato, como 29 é primo e 29 - 35, segue, pelo teorema 3.5, que

3528 1 (mod 29):

Por outro lado, temos que 10000 = 28 357 + 4 e, consequentemente,


357
3510000 = 3528 357
354 = 3528 354 :

357
Então, pela proposição 3.7, temos que (3528 ) 1357 1 (mod 29). Como
35 6 (mod 29), temos que 352 62 7 (mod 29). Daí segue que 354
72 20 (mod 29). Então, pela proposição 3.6, temos que
357
3510000 = 3528 354 1 20 20 (mod 29):

Portanto, a divisão de 3510000 por 29 deixa resto 20.

Exercício 3.14 Calcule o resto da divisão de 7100000 por 13.


Solução. Como 13 é primo e 13 - 7, o teorema 3.5 garante que 712
1 (mod 13). Por outro lado, 100000 = 8333 12 + 4. Logo,
8333
7100000 = 78333 12+4
= 78333 12
74 = 712 74 :

165
8333
Pela proposição 3.7 temos que (712 ) 18333 1 (mod 13). Como 7
6 (mod 13), temos que 72 ( 6)2 3 (mod 13). Daí segue que 74
9 (mod 13). Então, pela proposição 3.6, temos que

8333
7100000 = 712 74 1 9 9 (mod 13):

Portanto, a divisão de 7100000 por 13 deixa resto 9.

Exercício 3.15 Calcule o resto da divisão de 950 por 14.


Solução. Pelo teorema 3.5 temos que 96 1 (mod 7). Daí segue que
8
948 = (96 ) 18 1 (mod 7). Por outro lado, como 9 1 (mod 2), temos
que 948 148 1 (mod 2). Assim temos que

948 1 (mod 2) e 948 1 (mod 7) :

Então, pelo corolário 3.3, temos que 948 1 (mod 14). Logo, como 92
11 (mod 14), pela proposição 3.6, temos que

950 = 948 92 1 11 11 (mod 14):

Então a divisão de 950 por 14 deixa resto 11.

Exemplo 3.32 Vamos mostrar que 712 + 136 1 (mod 7 13).


De fato, como 7 e 13 são primos e (7; 13) = 1, o teorema 3.5 garante que
712 1 (mod 13) e 136 1 (mod 7), ou seja, 13 j (712 1) e 7 j (136 1). En-
tão, como 13 j 136 e 7 j 712 , temos que 7 j (712 + 136 1) e 13 j (712 + 136 1).
Então, sendo 7 e 13 primos, temos que 7 13 j (712 + 136 1). Portanto,
712 + 136 1 (mod 7 13).

166
O que mostramos nesse exemplo é um caso particular do caso geral, dado
na proposição seguir.

Proposição 3.25 Se p e q são números primos distintos então

pq 1
+ qp 1
1 (mod pq):

Prova. Como p e q são primos distintos temos que (p; q) = 1 e, do


teorema 3.5, segue que pq 1
1 (mod q) e q p 1
1 (mod p), ou seja,

q j (pq 1
1) e p j (q p 1
1):

Então, como q j q p 1
e p j pq 1 , temos que

p j (pq 1
+ qp 1
1) e q j (pq 1
+ qp 1
1):

Então, sendo p e q são primos distintos, temos que pq j (pq 1


+ qp 1
1).
Portanto, pq 1
+ qp 1
1 (mod pq).

Exemplo 3.33 Da proposição anterior segue que

510 + 114 1 (mod 55) :

Teorema 3.6 (Teorema de Wilson) Se p é um número primo então

(p 1)! 1 (mod p):

Prova. Como (2 1)! = 1! = 1 1 (mod 2) e (3 1)! = 2! =


2 1 (mod 3), o resultado é válido para os primos 2 e 3. Então podemos
supor que p 5. Se a 2 f1; 2; : : : ; p 1g temos que a é o seu próprio in-
verso módulo p se, e somente se, a = 1 ou a = p 1. Suponhamos que

167
a 2 f2; : : : ; p 2g. Como (a; p) = 1, a congruência aX 1 (mod p) possui
solução, ou seja, existe b 2 Z tal que ab 1 (mod p). Logo, existe k 2 Z tal
que ab = 1 + kp, ou seja, ab + ( k)p = 1. Daí segue que (b; p) = 1. Portanto,
como f1; 2; : : : ; p 1g é um sistema reduzido de resíduos módulo p, existe um
único elemento do conjunto f1; 2; : : : ; p 1g que é congruente a b módulo p.
Logo, podemos considerar b 2 f1; 2; 3; : : : ; p 1g. Como b 6= a, temos que
b não é o seu próprio inverso módulo p. Portanto, b 2 f2; 3; : : : ; p 2g e,
além disso, b é o único elemento desse conjunto que é inverso de a módulo
p. Daí segue que os p 3 elementos desse conjunto podem ser agrupados em
p 3
2
pares ai ; bi tais que, para todo i = 1; : : : ; p 2 3 , temos ai bi 1 (mod p)
e bi 6= ai . Além disso, se i 6= j, então aj 6= ai e bj 6= bi . Portanto,
n o
a1 ; b1 ; : : : ; a ; b
p 3 p 3 = f2; 3; : : : ; p 2g. Como
2 2

a1 b 1 1 (mod p)

a2 b 2 1 (mod p)
..
.

ap 3 bp 3 1 (mod p);
2 2

segue, pela proposição 3.6, que

(a1 b1 ) (a2 b2 ) ap 3 bp 3 1 1 1 (mod p):


2 2
n o
Daí, como a1 ; b1 ; a2 ; b2 ; : : : ; a p 3 ; b p 3 = f2; 3; : : : ; p 2g, obtemos
2 2

(p 2) (p 3) 2 1 (mod p):

Então, como p 1 1 (mod p), a proposição 3.6 garante que

(p 1) (p 2) (p 3) 2 1 1 (mod p):

168
Portanto, (p 1)! 1 (mod p).

Lema 3.1 Seja n 2 N . Se n é composto então n não divide (n 1)! + 1.


Prova. Se n é composto então existe a 2 N, com 2 a n 1 tal que
a j n. Como a j (n 1)! e a - 1, segue que a não divide (n 1)! + 1. Portanto,
n também não divide (n 1)! + 1.

A recíproca do teorema 3.6 também vale, como mostra o teorema a seguir.

Teorema 3.7 Seja n 2 N, com n 2. Se (n 1)! 1 (mod n) então n é


primo.
Prova. Se (n 1)! 1 (mod n) então n divide (n 1)! + 1. Então, pelo
lema 3.1, n não é composto. Portanto, como n 2, segue que n é primo.

Exercício 3.16 Encontre o menor inteiro positivo n de modo que

6 7 8 9 n (mod 5):

Solução. Temos que 6 1 (mod 5); 7 2 (mod 5); 8 3 (mod 5) e


9 4 (mod 5). Então, pela proposição 3.6,

6 7 8 9 1 2 3 4 (mod 5):

Mas, pelo teorema 3.6, temos que 4! 1 (mod 5). Logo,

6 7 8 9 4! 1 4 (mod 5):

Portanto, n = 4.

Exercício 3.17 Seja p um número primo. Mostre que p é o menor fator


primo de (p 1)! + 1.

169
Solução. Pelo teorema 3.6, temos que (p 1)! 1 (mod p). Daí segue
que p é um fator primo de (p 1)!+1. Se q é um número primo e q < p, então
q = p j, para algum j 2 N . Então, como (p 1)! = (p 1) (p 2) 2,
temos que q j (p 1)!. Como q - 1, segue que q não divide (p 1)! + 1.
Portanto, p é o menor fator primo de (p 1)! + 1.

Exercício 3.18 Encontre o resto da divisão de 16! por 17.


Solução. Como 17 é um número primo, o teorema de Wilson garante
que (17 1)! 1 (mod 17), ou seja

16! 1 (mod 17) :

Como 1 16 (mod 17), segue que 16! 16 (mod 17). Portanto, o resto da
divisão de 16! por 17 é 16.

3.10 Exercícios
1. Em cada caso a seguir, calcule o resto da divisão de a por b:

(a) a = 2692 ; b = 23 (resp. 12);

(b) a = 586 ; b = 29 (resp. 25);

(c) a = 734 ; b = 51 (resp. 49); (Dica: Mostre que 732 1 (mod 3) e


732 1 (mod 17).)

2. Seja n > 4 um número inteiro. Mostre que (n 1)! 0 (mod n)


ou (n 1)! 1 (mod n). (Dica: Considere os casos n primo e n
composto.)

170
3. Encontre o menor inteiro positivo n de modo que 13 12 11 10
9 8 n (mod 7). (Resp. n = 6)

4. Seja p um número primo. Mostre que (p 1)! p 1 (mod p).

5. Seja p um número primo. Mostre que o resto da divisão de (p 1)! por


pép 1.

6. Seja p um número primo. Mostre que (p 2)! 1 (mod p).

171
Capítulo 4

Números: racionais e
irracionais

4.1 Introdução
Quando trabalhamos com números naturais observamos que nem sempre
podemos realizar a operação de subtração entre dois números. Sabemos que
se a; b 2 N e a < b então a b 2
= N, pois a b é um número negativo.
Portanto, para que a subtração de dois números naturais seja sempre pos-
sível necessitamos de um conjunto que contenha todos os números naturais
e também os seus opostos. O conjunto dos números inteiros tem essa pro-
priedade, pois Z = N [ ( N), onde N = f0; 1; 2; 3; : : :g. Portanto,
em Z podemos efetuar todas as operações que podem ser realizadas em N e
também a operação de subtração. Porém, já observamos que o quociente de
dois números nem sempre é um número inteiro, pois se a; b 2 Z e b não é
a
um divisor de a, então b
2
= Z. O conjunto do números racionais supre essa

172
de…ciência do conjunto dos números inteiros.

4.2 Números Racionais


x
Se x e y são números quaisquer e y 6= 0, então y
é chamado de fração com
x
numerador x e denominador y. Se x e y são números inteiros dizemos que y

é uma fração ordinária. Observe que toda fração ordinária é uma fração mas
p
2 5
nem toda fração é uma fração ordinária. Por exemplo, 3
e 4
são frações. No
p
2 5
entanto, 3
não é uma fração ordinária enquanto 4
o é. Uma fração ordinária
é dita irredutível quando o numerador e o denominador são inteiros primos
3 6 2 10
entre si. Por exemplo, 8
e 5
são frações ordinárias irredutíveis, mas 4
e 6

não são. As frações ordinárias são chamadas de números racionais. Mais


precisamente, temos a de…nição seguinte.

De…nição 4.1 Um número é dito racional se ele pode ser posto na forma ab ,
com a; b 2 Z e b 6= 0.
p
Exemplo 4.1 2
; 4
; p8 ; 3 ; 1; 3 são números racionais.
3 5 2 5

Veremos que existem números reais que não são racionais, isto é, não
a
podem ser postos na forma b
com a; b 2 Z e b 6= 0.

Notação 4.1 O conjunto dos números racionais é denotado por Q.

Observação 4.1 Todo número inteiro é um número racional. De fato, se


m
m 2 Z então m = 1
2 Q.

173
Teorema 4.1 O conjunto dos números racionais é fechado com relação às
operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, ou seja, se ab ; dc 2 Q,
então:

a c
1. b
+ d
2 Q;

a c
2. b d
2 Q;

ac
3. bd
2 Q;

a c c
4. b d
2 Q, desde que d
6= 0.

4.2.1 Representação Decimal


6
O número racional 5
pode ser representado de várias outras formas, por
12
exemplo, 10
; 18
15
; 24
20
, etc. Esse número também pode representado por 1; 2
que é obtido pela divisão 6 5 e é chamada representação decimal do número
6
5
. Nesta representação decimal, 1 é a parte inteira e 2 é a parte decimal.
A representação decimal de um número racional pode ser …nita ou in…nita.

Exemplo 4.2 Os números 21 ; 1


; 1
5 40
e 2
125
têm representações decimais …ni-
tas, pois

1
= 0; 5
2
1
= 0; 2
5
1
= 0; 025
40
2
= 0; 16:
125

174
Exemplo 4.3 Os números 13 ; 2
; 1
9 15
e 2
7
têm representações decimais in…ni-
tas, pois

1
= 0; 33333 : : :
3
2
= 0; 22222 : : :
9
1
= 0; 06666 : : :
15
2
= 0; 285714285714 : : :
7

O teorema a seguir dá uma condição necessária e su…ciente para que um


número racional tenha representação decimal …nita.

Teorema 4.2 Um número racional ab , na forma irredutível, tem uma repre-


sentação decimal …nita se, e somente se, b não tem fator primo diferente de
2 e de 5.

a
Prova. Suponhamos que b
está na forma irredutível e tem uma repre-
sentação decimal …nita. Então essa representação decimal pode ser escrita
na forma de uma fração ordinária onde o denominador é uma potência de 10
cujo expoente é o número de algarismos da parte decimal. Portanto, após a
simpli…cação dessa fração, o denominador não tem fator primo diferente de
2 e de 5.
Reciprocamente, suponhamos que b não tem fator primo diferente de 2 e de
5. Então b = 2m 5n ; m; n 2 N. Temos que, ou n m ou n > m. Se n m,
então m n 0 e segue que 5m n
2 Z. Neste caso, temos que

a a 5m n a 5m n a 5m n a
= m n = m n m n
= = :
b 2 5 2 5 5 2m 5m 10m

175
a
Como 5m n
a 2 Z, segue que b
tem uma representação decimal …nita.
Se n > m, então n m > 0 e segue que 2n m
2 Z. Neste caso, temos que

a a 2n m a 2n m a 2n m a
= m n = n m m n = n n = :
b 2 5 2 2 5 2 5 10n
a
Como 2n m
a 2 Z, segue que b
tem uma representação decimal …nita.

Exemplo 4.4

23 23 2 23 46 46
1. 50
= 2 52
= 22 5 2
= 102
= 100
= 0; 46

37 37 37 52 925 925
2. 400
= 24 5 2
= 24 54
= 104
= 10000
= 0; 0925

5 5 5 53 625 625
3. 8
= 23
= 23 53
= 103
= 1000
= 0; 625.

Exercício 4.1 Escreva uma representação decimal …nita de cada uma das
frações a seguir.

3
1. 200

321
2. 400

9
3. 625

352
4. 125

3149
5. 2500
:

Solução.

3 3 3 5 15
1. 200
= 23 5 2
= 23 53
= 103
= 0; 015

321 321 321 52 8025


2. 400
= 24 5 2
= 24 5 4
= 104
= 0; 802 5

176
9 9 24 9 144
3. 625
= 54
= 24 54
= 104
= 0; 014 4

352 352 23 352 2816


4. 125
= 53
= 23 53
= 103
= 2; 816

3149 3149 22 3149 12596


5. 2500
= 22 54
= 24 54
= 104
= 1; 259 6.

4.2.2 Dízimas Periódicas

De…nição 4.2 Uma representação decimal in…nita com um grupo de alga-


rismos que se repete inde…nidamente é chamada dízima periódica. O grupo
de algarismos que se repete inde…nidamente é chamado período da dízima.

Observação 4.2 Para indicar uma dízima periódica, usaremos uma barra
sobre o período da dízima.

Exemplo 4.5

1. 0; 66666 : : : = 0; 6

2. 0; 272727 : : : = 0; 27

3. 1; 5919191 : : : = 1; 591

4. 1; 328457457457 : : : = 1; 328457.

Exemplo 4.6 Vamos mostrar porque o período de uma dízima periódica se


repete inde…nidamente. Vamos tomar como exemplo, a representação deci-
mal de 37 . Para encontrarmos a representação decimal, efetuamos a divisão
3 7. No processo dessa divisão, o primeiro passo é dividir 3 por 7, que dá

177
quociente 0 e resto 3. Em seguida, colocamos 0 à direita desse resto e dividi-
mos 30 por 7, que dá quociente 4 e resto 2. Prosseguimos com o processo.

3; 0 0 0 0 0 0 0 7
3 0 0; 4285714 : : :
2 0
6 0
4 0
5 0
1 0
3 0
2:::

Os restos obtidos são, sucessivamente e nesta ordem,

3; 2; 6; 4; 5; 1; 3; 2; : : : :

Quando se obtém novamente o resto 3, completa-se o ciclo e reaparece a


divisão de 30 por 7, que faz reaparecerem todos os restos anteriores e na
mesma ordem. Então temos
3
= 0; 428571 : : : = 0; 428571:
7
Observe que no processo da divisão 3 7 os restos são todos menores do
que 7 e, portanto, haverá, necessariamente, repetição, uma vez que existem
apenas seis restos positivos possíveis. (O resto 0 não aparece, pois estamos
considerando representação decimal in…nita.)

Observação 4.3 No exemplo 4.6 a repetição dos restos começou quando


apareceu o resto 3 pela segunda vez. Esse resto foi o primeiro que apareceu

178
no processo da divisão. Vamos ver no exemplo a seguir que nem sempre o
primeiro resto do processo da divisão se repete.

Exemplo 4.7 Vamos considerar a divisão 25 44. No processo dessa di-


visão, o primeiro passo é dividir 25 por 44, que dá quociente 0 e resto 25.
Em seguida, colocamos 0 à direita desse resto e dividimos 250 por 44, que dá
quociente 5 e resto 30. Prosseguimos com o processo.

2 5; 0 0 0 0 0 0 4 4
2 5 0 0; 5 6 8 1 8 1
3 0 0
3 6 0
8 0
3 6 0
8 0
3 6
..
.

Os restos obtidos são, sucessivamente e nesta ordem,

25; 30; 36; 8; 36; 8; : : : :

Quando se obtém o resto 8, completa-se o ciclo e reaparece a divisão de 360


por 44, que faz aparecer pela segunda vez o resto 8 e, a apartir daí, os restos
36 e 8 se repetem inde…nidamente, nessa ordem. Então temos
25
= 0; 568181 : : : = 0; 5681:
44
No exercício 3.3 (página 112) vimos que se n é um inteiro positivo, então
3 divide 5n 1, se n é par, e divide 5n 2, se n é ímpar.

179
Exercício 4.2 Seja n um inteiro positivo par. Mostre que o algarismo das
5n 1
unidades de 3
é 8.

Solução. Como o algarismo das unidades de 5n é 5, o de 5n 1 é 4. Seja


r, 0 r 2, o penúltimo resto obtido no processo da divisão de 5n 1 por
5n 1 5n 1 10r+4 10r+4
3. Como 3
2 Z, o algarismo das unidades de 3
é 3
. Mas 3
Z se,
e somente se, r + 4 é um múltiplo de 3. Logo, a única possibilidade é r = 2
5n 1 24
e, portanto, o algarismo das unidades de 3
é 3
= 8.

Exercício 4.3 Seja n um inteiro positivo ímpar. Mostre que o algarismo


5n 2
das unidades de 3
é 1.

Solução. Como o algarismo das unidades de 5n é 5, o de 5n 2 é 3. Seja


r, 0 r 2, o penúltimo resto obtido no processo da divisão de 5n 2 por
5n 2 5n 2 10r+3 10r+3
3. Como 3
2 Z, o algarismo das unidades de 3
é 3
. Mas 3
Z se,
e somente se, r + 3 é um múltiplo de 3. Logo, a única possibilidade é r = 0
5n 1 3
e, portanto, o algarismo das unidades de 3
é 3
= 1.

Exercício 4.4 Seja n um inteiro positivo. Mostre que a parte não-periódica


da dízima periódica que representa o número

1
x=
3 2n

possui n algarismos.

Solução. Temos que


5 n
1 5n 5n 3
x= = = = :
3 2n 3 2n 5n 3 10n 10n

180
Vamos considerar primeiro o caso em que n é par. Temos que
5n 5n 1+1 5n 1 1 5n 1
= = + = + 0; 3:
3 3 3 3 3
Daí segue que
5n 1 5 1 n
3
+ 0; 3 0; 3
x= n
= 3n + n :
10 10 10
5n 1
5n 1
Já vimos que 3
é um inteiro cujo algarismo das unidades é 8. Logo, 3
10n

é uma fração decimal …nita cuja parte decimal é formada por n algarismos
0;3
cujo último algarismo é 8. Por outro lado, 10n
é uma dízima periódica cuja
5n 1
parte não-periódica é formada por n zeros. Portanto, como 3
10n
< 1, segue
que a representação decimal de x é da forma

x = 0; a1 a2 : : : an 3;

onde an = 8. Como an 6= 3, podemos garantir que a1 a2 : : : an é a parte não-


periódica dessa dízima:
Vejamos agora o caso em que n é ímpar. Neste caso temos que
5n 5n 2+2 5n 2 2 5n 2
= = + = + 0; 6:
3 3 3 3 3
Daí segue que
5n 2 5 2 n
3
+ 0; 6 0; 6
x= n
= 3n + n :
10 10 10
5n 2
5n 2
Já vimos que 3
é um inteiro cujo algarismo das unidades é 1. Logo, 3
10n

é uma fração decimal …nita cuja parte decimal é formada por n algarismos
0;6
cujo último algarismo é 1. Por outro lado, 10n
é uma dízima periódica cuja
5n 2
parte não-periódica é formada por n zeros. Portanto, como 3
10n
< 1, segue
que a representação decimal de x é da forma

x = 0; a1 a2 : : : an 6;

181
onde an = 1. Como an 6= 3, podemos garantir que a1 a2 : : : an é a parte não-
periódica dessa dízima.
Portanto, 8n 2 N , a parte não-periódica da dízima periódica que representa
o número
1
x=
3 2n
possui n algarismos.
No exemplo a seguir mostramos como passar de uma dízima in…nita per-
iódica para uma fração ordinária.

Exemplo 4.8 Consideremos o número x = 1; 35812. Vamos escrever esse


número na forma de fração ordinária. A parte não-periódica tem dois alga-
rismos e o período tem três algarismos. Multiplicando x por 102 (o expoente
2 é o número de algarismo da parte não-periódica) e por 105 (o expoente 5
é a soma do número de algarismos da parte não-periódica com o número de
algarismo da parte periódica), obtemos

102 x = 135; 812 = 135 + 0; 812

105 x = 135812; 812 = 135812 + 0; 812:

Daí segue que

105 x 102 x = 135812 135 = 135677

105 102 x = 135677


135677
99900x = 135677 ) x = :
99900
a
Proposição 4.1 Todo número racional b
pode ser representado por uma
fração decimal …nita ou uma fração decimal in…nita periódica. Reciproca-

182
mente, toda fração decimal …nita ou in…nita periódica representa um número
racional.

a
Prova. Consideremos um número racional x = b
, com a e b inteiros
positivos primos entre si. Se a representação decimal de x é …nita, não há
nada a ser provado. Então podemos supor que a sua representação decimal
é in…nita. Na divisão de a por b, os possíveis restos são: 1; 2; : : : ; b 1.
Portanto, podemos a…rmar que haverá repetição de restos no processo dessa
divisão. Quando ocorre a primeira repetição um novo ciclo se inicia e resulta
numa dízima in…nita periódica.
Reciprocamente, suponhamos que x tem uma representação decimal …nita.
Se n é o número de casas decimais da representação decimal de x então 10n x
a
é um número inteiro, digamos 10n x = a. Daí segue que x = 10n
2 Q.
Suponhamos agora que a representação decimal de x é in…nita periódica.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que a parte inteira de x é 0, ou
seja, a representação decimal de x é da forma

x = 0; a1 a2 : : : as b1 b2 : : : bt :

Temos que

10s+t x = a1 a2 : : : as b1 b2 : : : bt ; b1 b2 : : : bt = a1 a2 : : : as b1 b2 : : : bt + 0; b1 b2 : : : bt

10s x = a1 a2 : : : as ; b1 b2 : : : bt = a1 a2 : : : as + 0; b1 b2 : : : bt :

Então

10s+t x 10s x = a1 a2 : : : as b1 b2 : : : bt a1 a2 : : : as )

10s+t 10s x = a1 a2 : : : as b1 b2 : : : bt a1 a2 : : : as )
a1 a2 : : : as b1 b2 : : : bt a1 a2 : : : as
x = 2 Q:
10s+t 10s

183
Exercício 4.5 Em cada item, escreva o número x na forma de fração or-
dinária.

1. x = 0; 1.

2. x = 5; 6.

3. x = 0; 3743.

4. x = 0; 9987.

5. x = 0; 0001.

Solução.

1. x = 0; 1. Então

1
10x = 1; 1 = 1 + 0; 1 = 1 + x ) 10x x = 1 ) 9x = 1 ) x = :
9

2. x = 5; 6 = 5 + 0; 6. Tomemos y = x 5 = 0; 6. Temos que

6 2
10y = 6; 6 = 6 + 0; 6 = 6 + y ) 10y y = 6 ) 9y = 6 ) y = = :
9 3

Então
2 17
x=y+5= +5= :
3 3
Também podemos resolver assim:

10x = 56; 6 = 51 + 5; 6 = 51 + x )
51 17
10x x = 51 ) 9x = 51 ) x = = :
9 3

184
3. x = 0; 3743. Temos que
9
10 x = 3743; 43 = 3743 + 0; 43 =
4
) 104 x 102 x = 3743 37 = 3706 )
2
10 x = 37; 43 = 37 + 0; 43 ;

104 102 x = 3706 ) (10000 100) x = 3706 )


3706 1853
9900x = 3706 ) x = = :
9900 4950

4. x = 0; 9987. Temos que


9
10 x = 9987; 987 = 9987 + 0; 987 =
4
) 104 x 10x = 9987 9 = 9978 )
10x = 9; 987 = 9 + 0; 987 ;

104 10 x = 9978 ) (10000 10) x = 9978 )


9978 1663
9990x = 9978 ) x = = :
9990 1665

5. x = 0; 0001. Temos que


9
10 x = 1; 01 = 1 + 0; 01 =
4
) 104 x 102 x = 1 )
2
10 x = 0; 01 ;
1
104 102 x = 1 ) 9900x = 1 ) x = :
9900

Vamos ver que toda fração decimal …nita pode ser escrita na forma de
uma dízima in…nita periódica e, portanto, todo número racional pode ser
representado por uma dízima in…nita periódica. Para ver como isso pode ser
feito, vamos considerar um caso particular.
Sabemos que
1
= 0; 3333 : : :
3
Multiplicando ambos os membros dessa igualdade por 3 obtemos

185
1 = 0; 9999 : : : = 0; 9

Essa igualdade, aparentemente estranha, também pode ser obtida de outra


maneira: Pondo x = 0; 9999 : : : temos que

10x = 9; 9999 : : : = 9 + 0; 9999 : : : = 9 + x ) 9x = 9 ) x = 1:

Consideremos a igualdade 1 = 0; 9999 : : : Dividindo essa igualdade por 10; 100; 1000;
etc. obtemos

0; 1 = 0; 0999 : : : = 0; 09

0; 01 = 0; 00999 : : : = 0; 009

0; 001 = 0; 000999 : : : = 0; 0009


..
.

Esses resultados permitem transformar qualquer representação decimal …nita


em uma dízima in…nita periódica.

Exemplo 4.9

3 = 2 + 1 = 2 + 0; 999 : : : = 2; 999 : : : = 2; 9

5; 7 = 5; 6 + 0; 1 = 5; 6 + 0; 0999 : : : = 5; 6999 : : : = 5; 69

0; 48 = 0; 47 + 0; 01 = 0; 47 + 0; 00999 : : : = 0; 47999 : : : = 0; 479

2; 015 = 2; 014 + 0; 001 = 2; 014 + 0; 000999 : : : = 2; 014999 : : : = 2; 0149

Exemplo 4.10 Vamos ver agora como transformar uma dízima in…nita pe-
riódica, com uma sequência in…nita de noves, em uma fração decimal …nita.

5; 31999 : : : = 5; 31 + 0; 00999 : : : = 5; 31 + 0; 01 = 5; 32

0; 458999 : : : = 0; 458 + 0; 000999 : : : = 0; 458 + 0; 001 = 0; 459:

186
Exercício 4.6 Em cada item, represente o número x por uma dízima in…nita
periódica.

1. x = 0; 58.

2. x = 1; 0099.

3. x = 10.

Solução.

1.
x = 0; 58 = 0; 57 + 0; 01 = 0; 57 + 0; 009 = 0; 579:

2.

x = 1; 0099 = 1; 0098 + 0; 0001 = 1; 0098 + 0; 00009 = 1; 00989:

3.
x = 10 = 9 + 1 = 9 + 0; 9 = 9; 9:

Exercício 4.7 Em cada item, escreva a representação decimal …nita do número


x.

1. x = 1; 23999 : : :

2. x = 0; 038999 : : :

3. x = 5; 1999 : : :

187
4. x = 7; 999 : : :

Solução.

1.

x = 1; 23999 : : : = 1; 239 = 1; 23 + 0; 009 = 1; 23 + 0; 01 = 1; 24:

2.

x = 0; 038999 : : : = 0; 0389 = 0; 038 + 0; 0009 = 0; 038 + 0; 001 = 0; 039:

3.
x = 5; 1999 : : : = 5; 19 = 5; 1 + 0; 09 = 5; 1 + 0; 1 = 5; 2:

4.
x = 7; 999 : : : = 7; 9 = 7 + 0; 9 = 7 + 1 = 8:

4.3 Números Irracionais


Já vimos que todo número racional possui uma representação decimal …nita
ou in…nita periódica. Então o número

x = 0; 101001000100001 : : :

não é racional, pois sua representação decimal é in…nita não-periódica.

De…nição 4.3 Qualquer número que possui representação decimal é chamado


número real. O conjunto dos números reais é denotado por R.

188
Existe número real que não é racional, por exemplo,

x = 0; 101001000100001 : : : :

De…nição 4.4 Os números reais que não são racionais são chamados números
irracionais.

Exemplo 4.11 x = 0; 101001000100001 : : : é um número irracional.

O conjunto dos números irracionais é constituido pelos números reais que


possuem representação decimal in…nita não-periódica. Como toda represen-
tação decimal …nita pode ser posta na forma de uma representação decimal
in…nita periódica, podemos dizer que o conjunto dos números racionais é cons-
tituído pelos números que possuem representação decimal in…nita periódica,
enquanto o conjunto dos números irracionais é formado pelos números que
possuem representação decimal in…nita não-periódica.
Duas representações decimais in…nitas representam o mesmo número real
se, e somente se, forem iguais em todos os algarismos.
p
Exercício 4.8 Mostre que 2 é irracional.
p
Solução. Suponhamos que 2 é racional. Então existem inteiros a e b,
p 2
primos entre si, tais que 2 = ab . Então 2 = ab2 . Mas

a2
2= ) a2 = 2b2 ) 2 j a2 ) 2 j a ) a = 2c; c 2 Z:
b2
Então

a2 = 2b2 ) (2c)2 = 2b2 ) 4c2 = 2b2 ) 2c2 = b2 )

2 j b2 ) 2 j b ) b = 2d; d 2 Z:

189
Logo, a e b são ambos múltiplos de 2, que contradiz a suposição de que a e b
p
são primos entre si. Essa contradição nos leva a concluir que 2 é irracional.

p
Exercício 4.9 Mostre que 3 é irracional.
p
Solução. Suponhamos que 3 é racional. Então existem inteiros a e b,
p 2
primos entre si, tais que 3 = ab . Então 3 = ab2 . Mas

a2
3= 2
) a2 = 3b2 ) 3 j a2 ) 3 j a ) a = 3c; c 2 Z:
b
Então

a2 = 3b2 ) (3c)2 = 3b2 ) 9c2 = 3b2 ) 3c2 = b2 )

3 j b2 ) 3 j b ) b = 3d; d 2 Z:

Logo, a e b são ambos múltiplos de 3, que contradiz a suposição de que a e


p
b são primos entre si. Essa contradição nos leva à conclusão de que 3 não
é racional.
p
Exercício 4.10 Mostre que 6 é irracional.
p
Solução. Suponhamos que 6 é racional. Então existem inteiros a e b,
p 2
primos entre si, tais que 6 = ab . Então 6 = ab2 . Mas

a2
6= 2
) a2 = 6b2 = 2 3b2 ) 2 j a2 ) 2 j a ) a = 2c; c 2 Z:
b
Então

a2 = 6b2 ) (2c)2 = 6b2 ) 4c2 = 6b2 ) 2c2 = 3b2 )

2 j b2 ) 2 j b ) b = 2d; d 2 Z:

190
Logo, a e b são ambos múltiplos de 2, que contradiz a suposição de que a e
p
b são primos entre si. Essa contradição nos leva à conclusão de que 6 não
é racional.

Observação 4.4 O conjunto dos números irracionais não é fechado em re-


lação a qualquer uma das operações: adição, subtração, multiplicação e di-
visão.

Proposição 4.2 Se x é um número irracional e r é um número racional


1
não-nulo, então: x + r; rx e x
são todos números irracionais.

Prova. Seja x um número irracional e r 2 Q . Temos que

x + r 2 Q ) (x + r) r 2 Q ) x 2 Q
1
rx 2 Q ) (rx) 2 Q ) x 2 Q
r
1
1 1
2 Q) 2 Q ) x 2 Q:
x x

Proposição 4.3 Sejam x 2 R e n 2 N . Se xn é irracional então x é


irracional.

Prova. Se x fosse racional teríamos xn racional.

p p
Exercício 4.11 Mostre que 2+ 3 é irracional.

p p
Solução. Seja x = 2+ 3. Temos que
p p 2 p p p
x2 = 2+ 3 = 2 + 2 2 3 + 3 = 5 + 2 6:

191
p p p
Como 6 é irracional, temos que 2 6 é irracional e, portanto, 5 + 2 6 é
p p
irracional. Logo, x2 é irracional. Então x é irracional. Portanto, 2 + 3 é
irracional.

Observação 4.5 Os números e (base do logaritmo natural) e são irra-


cionais. O conjunto dos números irracionais é in…nito.

4.4 Equações polinomiais


De…nição 4.5 Uma equação da forma

cn xn + cn 1 xn 1
+ + c1 x + c0 = 0;

onde cn ; cn 1 ; : : : ; c1 ; c0 são constantes reais e cn 6= 0, é chamada equação


polinomial. As constantes cn ; cn 1 ; : : : ; c1 ; c0 são chamadas coe…cientes da
equação.

Aqui vamos considerar apenas equações polinomiais com coe…cientes in-


teiros.

De…nição 4.6 Dada uma equação polinomial

cn xn + cn 1 xn 1
+ + c1 x + c0 = 0;

se um número a é tal que

c n an + c n 1 an 1
+ + c1 a + c0 = 0;

dizemos que a é uma raiz dessa equação.

192
Proposição 4.4 Consideremos uma equação polinomial com coe…cientes in-
teiros
cn xn + cn 1 xn 1
+ + c1 x + c0 = 0:
a a
Se essa equação tem uma raiz racional b
, onde b
é uma fração ordinária
irredutível, então a é um divisor de c0 e b é um divisor de cn .

a a
Prova. Seja b
uma raiz da equação dada, onde b
é uma fração ordinária
irredutível. Então

a n a n 1 a
cn + cn 1 + + c1 + c0 = 0:
b b b

Multiplicando ambos os membros dessa última igualdade por bn , obtemos

c n an + c n 1 an 1 b + + c1 abn 1
+ c0 bn = 0:

Daí temos que

c n an = c n 1 an 1 b c1 abn 1
c 0 bn

= b c n 1 an 1
c1 abn 2
c 0 bn 1
:

Daí segue que b é um divisor de cn an . Como mdc fa; bg = 1, segue que b é


um divisor de cn .
Para mostrarmos que a divide c0 , escrevemos a igualdade

c n an + c n 1 an 1 b + + c1 abn 1
+ c 0 bn = 0

como

c 0 bn = c n an c n 1 an 1 b c1 abn 1

= a c n an 1
c n 1 an 2 b c 1 bn 1
:

193
Daí segue que a é um divisor de c0 bn . Como mdc fa; bg = 1, segue que a é
um divisor de c0 .

Exemplo 4.12 Consideremos a equação polinomial 2x3 + 8x2 12x + 3 = 0.


a a
Se b
é uma raiz racional dessa equação e b
é uma fração ordinária irredutível,
então a é um divisor de 3 e b é um divisor de 2. Assim, os possíveis valores
para a são: 1; 3, e os possíveis valores para b são: 1; 2. Portanto,
a
os possíveis valores para b
são:
1 3
1; 3; ; :
2 2
Vamos testar cada um desses valores na equação.

2 13 + 8 12 12 1+3 = 1

2 ( 1)3 + 8 ( 1)2 12 ( 1) + 3 = 21

2 33 + 8 32 12 3 + 3 = 93

2 ( 3)3 + 8 ( 3)2 12 ( 3) + 3 = 57
3 2
1 1 1 3
2 +8 12 +3 =
2 2 2 4
3 2
1 1 1 43
2 +8 12 +3 =
2 2 2 4
3 2
3 3 3 39
2 +8 12 +3 =
2 2 2 4
3 2
3 3 3 129
2 +8 12 +3 =
2 2 2 4
Portanto, a equação 4x3 + 8x2 12x + 3 = 0 não possui raiz racional.

Corolário 4.1 Sejam c0 ; c1 ; : : : ; cn 1 números inteiros. Se a equação poli-


nomial xn + cn 1 xn 1
+ + c1 x + c0 = 0 possui raiz racional então essa raiz
é um inteiro que divide c0 .

194
a a
Prova. Se b
é uma raiz da equação dada, onde b
é uma fração ordinária
irredutível, então, pela proposição 4.4, temos que b divide 1 e a divide c0 .
a
Logo, b = 1 e, portanto, b
é um número inteiro que divide c0 .

Exercício 4.12 Encontre as raízes inteiras da equação x5 4x4 x + 4 = 0:

Solução. Uma raiz inteira dessa equação deve ser um divisor de 4, ou


seja, deve ser um elemento do conjunto f 1; 2; 4g : Vamos testar cada um
desses valores na equação.

x= 1 : ( 1)5 4 ( 1)4 ( 1) + 4 = 0
x=1: 15 4 14 1+4=0
x= 2 : ( 2)5 4 ( 2)4 ( 2) + 4 = 90
x=2: 25 4 24 2+4= 30
x= 4 ( 4)5 4 ( 4)4 ( 4) + 4 = 2040
x=4: 45 4 44 4 + 4 = 0:

Portanto, as raízes inteiras dessa equação são

1; 1 e 4:

Exercício 4.13 Sejam p e n números inteiros, com p primo e n 2. Mostre


p
que n p é irracional.

p
Solução. Temos que n p é uma raiz da equação xn p = 0. Pelo
corolário anterior, se essa equação tivesse uma raiz racional, ela seria um
número inteiro divisor de p. Mas, como p é primo, os divisores de p são
1; p. Nenhum desses números é raiz dessa equação. Portanto, xn p=0

195
p p
não possui raiz racional. Logo, n p não é racional, ou seja, n p é irracional.

p p
Exercício 4.14 Mostre que 7 5 é irracional.

p p
Solução. Seja a = 7 5. Temos que
p p p p p 2 p 2
a = 7 5)a+ 5= 7) a+ 5 = 7 )
p p 2 p 2
a2 + 2 5a + 5 = 7 ) a2 2= 2 5a ) a2 2 = 2 5a )

a4 4a2 + 4 = 4 5a2 ) a4 24a2 + 4 = 0:

Então a é raiz da equação x4 24x2 +4 = 0. Se a fosse racional, pelo corolário


anterior, teríamos que a seria um número inteiro. Vejamos que a não é um
número inteiro. De fato,
p p p p
7<3e 5>2) 7 5<3 2 = 1 ) a < 1:
p p
Como, 5 < 7, segue que 0 < a < 1 e, portanto, não é um inteiro. Então
p p
7 5 é irracional.

p p
3
Exercício 4.15 Mostre que 3 2 é irracional.

196
p p
3
Solução. Seja a = 3 2. Temos que
p p
3
a = 3 2)
p p
3
a 3 = 2)
p 3 p
3
3
a 3 = 2 )
p 2 p
a3 3 3a + 9a 2) 3 3 =
p
a3 3 3 a2 + 1 + 9a + 2 = 0 )
p
a3 + 9a + 2 = 3 3 a2 + 1 )
h p i2
2
a3 + 9a + 2 = 3 3 a2 + 1 )

a6 + 18a4 + 4a3 + 81a2 + 36a + 4 = 27a4 + 54a2 + 27 )

a6 9a4 + 4a3 + 27a2 + 36a 23 = 0

Então a é raiz da equação x6 9x4 + 4x3 + 27x2 + 36x 23 = 0. Se a fosse


racional, pelo corolário anterior, teríamos que a seria um número inteiro.
Vejamos que a não é um número inteiro. De fato,
p p
3
p p
3
3<2e 2>1) 3 2<2 1 = 1 ) a < 1:
p p
Como, 3 2 < 3, segue que 0 < a < 1 e, portanto, não é um inteiro. Então
p p
3 3 2 é irracional.

p
Proposição 4.5 Sejam a e n números inteiros positivos, com n 2. Se n
a
p
é racional, então n a é um número inteiro.

p
Prova. Temos que n a é uma raiz da equação xn a = 0. Pelo corolário
p p
anterior, se n a é racional então n a é um número inteiro.

197
4.5 Valores Irracionais de Funções Trigonométri-
cas
Considere as identidades trigonométricas

cos2 x + sen2 x = 1 (1)


cos (A + B) = cos A cos B senAsenB (2) :
sen (A + B) = senA cos B + cos AsenB (3)

De (2) e (3), fazendo A = B = , obtemos

cos 2 = cos2 sen2 (4)


:
sen2 = 2sen cos (5)

De (2) e (3), fazendo A = 2 e B = , obtemos

cos 3 = cos 2 cos sen2 sen (6)


sen3 = sen2 cos + cos 2 sen (7)

De (1); (4); (5); (6) e (7), obtemos

cos 3 = 4 cos3 3 cos (8)


sen3 = 4sen3 + 3sen (9):

De fato,
(6)
cos 3 = cos 2 cos sen2 sen
(4) e (5)
= cos2 sen2 cos (2sen cos ) sen

= cos3 sen2 cos 2sen2 cos

= cos3 3sen2 cos


(1)
= cos3 3 1 cos2 cos

= 4 cos3 3 cos :

198
(7)
sen3 = sen2 cos + cos 2 sen
(4) e (5)
= (2sen cos ) cos + cos2 sen2 sen

= 3sen cos2 sen3


(1)
= 3sen 1 sen2 sen3

= 4sen3 + 3sen :

Exemplo 4.13 Vamos usar a identidade (8) para mostrar que cos 20 é um
número irracional. De fato, substituindo = 20 em (8), obtemos

cos 60 = 4 cos3 20 3 cos 20 :

Pondo a = cos 20 e usando o fato de que cos 60 = 21 , temos que

1
= 4a3 3a;
2

ou seja,
1
4a3 3a = 0:
2
Daí segue que
8a3 6a 1 = 0:

Logo, a = cos 20 é raiz da equação 8x3 6x 1 = 0. As possíveis raízes


racionais dessa equação são:

1 1 1
1; ; e :
2 4 8

Substituindo esses valores na equação 8x3 6x 1 = 0, veri…camos que


nenhum deles é raiz dessa equação. Logo, a equação 8x3 6x 1 = 0 não
possui raiz racional. Portanto, cos 20 é um número irracional.

199
Exercício 4.16 Mostre que sen10 é um número irracional.

Solução. Da identidade (9), com = 10 , obtemos

sen30 = 4sen3 10 + 3sen10 :

Pondo a = sen10 e usando o fato de que sen30 = 21 , temos que

1
= 4a3 + 3a;
2

ou seja,
1
4a3 3a + = 0:
2
Daí segue que
8a3 6a + 1 = 0:

Logo, a = sen10 é raiz da equação 8x3 6x + 1 = 0. As possíveis raízes


racionais dessa equação são:

1 1 1
1; ; e :
2 4 8

Substituindo esses valores na equação 8x3 6x + 1 = 0, veri…camos que


nenhum deles é raiz dessa equação. Logo, a equação 8x3 6x + 1 = 0 não
possui raiz racional. Portanto, sen10 é um número irracional.

Proposição 4.6 Se cos 2 é irracional então cos ; sen e tg são todos


irracionais.

Prova. Como o quadrado de qualquer número racional também é racional,


segue que se x é um número tal que x2 não é racional, então x também não

200
é racional. Então, se cos 2 não é racional, temos que cos ; sen e tg são
todos irracionais, pois

1 + cos 2
cos2 = 2
=Q
2
1 cos 2
sen2 = 2
=Q
2
1 2
tg 2 = 2
1= 12
= Q:
cos 1 + cos 2

Exercício 4.17 Mostre que cos 15 ; sen15 e tg15 são todos irracionais.
p
3
Solução. Como cos 30 = 2
é irracional, segue que cos 15 ; sen15 e
tg15 são todos irracionais.

4.6 Valores irracionais de logaritmos decimais


De…nição 4.7 Se x é um número real positivo, o seu logaritmo na base 10,
denotado por log x, é o número y tal que

10y = x;

ou seja,
log x = y , 10y = x:

Exemplo 4.14 Vamos mostrar que log 2 é irracional. De fato, suponhamos


que log 2 é racional. Então, como log 2 > 0, existem inteiros positivos a e b
tais que log 2 = ab , ou seja,
a
2 = 10 b :

201
Elevando ambos os membros dessa igualdade à potência b, obtemos

2b = 10a = 2a 5a :

Como a e b são inteiros positivos, essa igualdade contraria o teorema fun-


damental da aritmética. Essa contradição nos leva a concluir que log 2 é
irracional.

Exercício 4.18 Mostre que log 21 é irracional.

Solução. Suponhamos que log 21 é racional. Então, como log 21 > 0,


existem inteiros positivos a e b tais que log 21 = ab , ou seja,
a
21 = 10 b :

Elevando ambos os membros dessa igualdade à potência b, obtemos

21b = 10a = 2a 5a :

Daí segue que


3b 7b = 2a 5a :

Como a e b são inteiros positivos, essa igualdade contraria o teorema fun-


damental da aritmética. Essa contradição nos leva a concluir que log 21 é
irracional.

Exercício 4.19 Sejam m e n inteiros distintos não-negativos. Mostre que


log 2m 5n é irracional.

Solução. Suponhamos que log 2m 5n é racional. Então, como 2m 5n > 1


temos que log 2m 5n > 0. Logo, existem inteiros positivos a e b tais que
log 2m 5n = ab , ou seja,
a
2m 5n = 10 b :

202
Elevando ambos os membros dessa igualdade à potência b, obtemos

2mb 5nb = 10a = 2a 5a :

Pelo teorema fundamental da aritmética, essa igualdade se veri…ca somente


se
mb = a e nb = a:

Mas
mb = a e nb = a ) mb = nb ) m = n:

Isto contraria a nossa hipótese, pois estamos supondo que m e n são inteiros
distintos. Essa contradição nos leva a concluir que log 2m 5n é irracional.

4.7 Números algébricos e transcendentes


De…nição 4.8 Seja a um número real. Se a é raiz de alguma equação poli-
nomial com coe…cientes inteiros, dizemos que a é um número algébrico. Se
um número real não é algébrico, dizemos que ele é transcendente.

Exemplo 4.15 Todo número racional é algébrico. De fato, o número racional


a
b
, a; b 2 Z; b 6= 0, é raiz da equação bx a = 0.

p
Exemplo 4.16 O número 3
5 é algébrico, pois é raiz da equação x3 5 = 0.

Exemplo 4.17 O número cos 20 é algébrico. De fato, da identidade cos 3 =


4 cos3 3 cos temos que 4 cos3 20 3 cos 20 = cos 60 . Como cos 60 = 21 ,
segue que
1
4 cos3 20 3 cos 20 = ;
2

203
ou seja,
8 cos3 20 6 cos 20 1 = 0:

Logo, cos 20 é raiz da equação 8x3 6x 1 = 0 e, portanto, é algébrico.

Pode ser provado o teorema seguinte.

a
Teorema 4.3 Se a e b são números algébricos então a b; ab e b
(se b 6= 0)
também são números algébricos.

Observação 4.6 Os números e (base do logaritmo natural) e são trans-


cendentes.

Pode ser provado teorema o seguinte.

Teorema 4.4 (Gelfond-Schneider): Se e são números algébricos, 2


=
f0; 1g e é irracional, então é transcendente.
p
2
Exemplo 4.18 2 é transcendente.

Exercício 4.20 Mostre que log 2 é transcendente.

Solução. Já vimos que log 2 é irracional. Como 10log 2 = 2, temos que


10log 2 é algébrico. Então, pelo teorema de Gelfond-Schneider, temos que log 2
não é algébrico. Portanto, log 2 é transcendente.

204
Referências Bibliográ…cas

[DOMINGUES] DOMINGUES, Hygino H. & IEZZI, Gelson. Álgebra


Moderna. Editora Atual. 4a ed. 2003.

[FERREIRA] FERREIRA, Jamil. A Construção dos Números.


Coleção Textos Universitários, Sociedade Brasileira de
Matemática. 2011.

[HEFEZ] HEFEZ, Abramo. Elementos de Aritmética. Coleção Tex-


tos Universitários, Sociedade Brasileira de Matemática.
2005.

[MARTINEZ] MARTINEZ, Fabio Brochero, et al. Teoria dos Números.


Sociedade Brasileira de Matemática. Projeto Euclides.
2010.

[MILIES] MILIES, César Polcino & COELHO, Sônia Pitta. Nu-


meros Uma Introdução à Matemática. Universidade de São
Paulo. 3a Ed. 2001.

205
[NIVEN] NIVEN, Ivan, ZUCKERMAN, Herbert S. & MONT-
GOMERY, Hugh L. An Introduction to the Theory of
Numbers. John Wiley & Sons, Inc. 5th Ed. 1991.

[SANTOS] SANTOS, José Plínio de Oliveira. Introdução à Teo-


ria dos Números. Coleção Matemática Universitária, So-
ciedade Brasileira de Matemática. 1998.

[SHOKRANIAN] SHOKRANIAN, Salahoddin. Uma Introdução à Teoria


dos Números. Editora Ciência Moderna. 2008.

206

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