Câncer: Implicações Nutricionais: Artigo de Revisão
Câncer: Implicações Nutricionais: Artigo de Revisão
Câncer: Implicações Nutricionais: Artigo de Revisão
RESUMO
Bruna de Abreu Flores Toscano1 Em virtude do aumento de sua incidência, o câncer é, atualmente, um
Maíra Silveira Coelho1 problema de saúde pública mundial. A perda de peso e de tecidos cor-
Henrique Barbosa de Abreu1
Maria Hélida Guedes Logrado1 porais é uma condição comum em pacientes oncológicos e está relacio-
Renata Costa Fortes1 nada à localização, o tipo de tumor, a presença e a duração de sinto-
mas gastrintestinais como, por exemplo, anorexia, vômitos e diarréia.
Esta condição afeta a capacidade funcional, a resposta ao tratamento, a
qualidade de vida e a sobrevida do paciente. Anorexia, perda ponderal
involuntária, diminuição da capacidade funcional, depleção progres-
siva de massa magra e tecido adiposo caracterizam a caquexia, con-
dição de desnutrição energético-protéica grave. O estado caquético é
provavelmente mediado por citocinas que alteram o metabolismo de
carboidratos, proteínas e gorduras em pacientes com câncer. Por meio
da avaliação nutricional precoce é possível estimar o risco nutricional,
a magnitude da desnutrição e determinar a intervenção e a educação
nutricional. A terapia nutricional adequada melhora a resposta clínica e
1
Setor de Nutrição Clínica, Hospital o prognóstico do paciente. A intervenção nutricional pode ser realizada
Regional da Asa Norte, Secretaria de Saúde
do Distrito Federal, Brasília - DF, Brasil. por meio de suplementação oral, nutrição enteral e/ou parenteral, desde
que se avaliem seus benefícios, indicações e contra-indicações. O ob-
jetivo principal deste estudo foi revisar, por meio de artigos indexados
nas bases de dados Medline, Lilacs, NCBI, Capes, Scielo e Cochrane, as
Correspondência principais implicações nutricionais em pacientes oncológicos.
Bruna de Abreu Flores Toscano, SHIN
QI 03, conjunto 07, casa 04, Lago Norte. Palavras-chave: Câncer; Desnutrição; Caquexia; Avaliação nutricional;
71.505.270, Brasília-DF, Brasil.
[email protected]. Terapia nutricional.
ABSTRACT
Currently, cancer is considered a public health problem all over the
Recebido em 20/dezembro/2006
Aprovado em 17/junho/2008 world in virtue of the increase of its incidence. The loss of weight and
INTRODUÇÃO
O câncer é uma doença genética, caracterizada pela prevenção baseia-se na adoção de hábitos saudá-
proliferação local descontrolada de células anor- veis de vida, com a prática regular de exercícios
mais, com invasão de estruturas normais adjacentes e alimentação saudável, rica em fibras, vegetais e
e disseminação à distância ou metástase1-3. frutas9. Segundo o Instituto Nacional de Câncer,
um terço da incidência mundial de câncer poderia
A oncogênese é constituída de inúmeros processos ser prevenida10,11.
complexos, que envolvem o acúmulo de mutações
no DNA do hospedeiro. Estas mutações levam a As neoplasias malignas, principalmente aque-
alterações na expressão ou função de genes-chave, las cujo crescimento é lento, levam maior tempo
proto-oncogenes e genes supressores de tumor, para serem diagnosticadas, promovendo, conse-
para a manutenção da homeostasia celular. Uma qüentemente, alterações catabólicas intensas no
falha na expressão desses genes acarreta cresci- hospedeiro. Essas alterações podem culminar em
mento celular desordenado. As células malignas caquexia, desnutrição que apresenta uma incidên-
são identificadas por sua ausência de respostas a cia entre 30% e 50% dos casos, podendo estar as-
impulsos que regulam o crescimento, causam di- sociada com aumento da morbimortalidade pós-
ferenciação e suprimem a sua proliferação4-6. operatória e menor tolerância aos procedimentos
cirúrgicos, quimioterápicos e radioterápicos12.
A etiologia do câncer está relacionada à interação
entre fatores endógenos, como os genéticos, e am- O objetivo principal do presente estudo foi revisar
bientais. Dentre os fatores ambientais, destacam- as principais implicações nutricionais em pacien-
se a exposição à radiação, o uso de tabaco, a in- tes oncológicos, por meio de pesquisas publicadas
gestão de álcool, a obesidade, o sedentarismo e o em revistas indexadas nas bases de dados Medline,
consumo de nitritos e nitratos7,8. Por sua vez, a Lilacs, NCBI, Capes, Scielo and Cochrane.
O estudo do Veterans Affairs Cooperative, citado Wilson23 enfatiza a importância do estilo de vida
por Rivadeneira et al.,27 identificou como desnu- como fator contribuinte para a desnutrição, pois o
tridos 39% dos pacientes submetidos a grandes ci- uso do tabaco pode diminuir o apetite e o consu-
rurgias por câncer. Wilson23 afirma que 66% dos mo de álcool não fornece nutrientes, predispondo
pacientes portadores de câncer hospitalizados de- a hipovitaminoses.
senvolvem desnutrição protéico-energética com
conseqüente perda muscular progressiva, além de Pacientes oncológicos com perda ponderal maior
modificações na função e na composição corporal. que 10% do peso corporal possuem menor so-
Bosaeus et al.28, em estudo com 297 pacientes com brevida que pessoas com o mesmo tipo e estádio
diagnóstico de tumor maligno, encontraram perda da doença que se mantém eutróficos20. Bosaeus28
de peso maior que 10% em 43% dos pacientes e corrobora tal fato, concluindo, em seu estudo, que
48% dos estudados com hipermetabolismo. Sarhill o hipermetabolismo e a perda de peso significa-
et al.29 concluíram, em seu estudo com 352 pacien- tiva predispõem a menor sobrevida, enquanto o
tes com neoplasia maligna e doença metastática, aumento da ingestão energética foi associado ao
que homens apresentam maior freqüência e exten- aumento da sobrevida.
são de perda de peso em comparação às mulheres.
A desnutrição em pacientes com câncer tem efei-
A perda de peso é comum em pacientes oncoló- to adverso na qualidade de vida e na sobrevivên-
gicos e pode ser indício de doença maligna25, A cia29,35,36, sendo decorrente de interações do hos-
desnutrição em tais pacientes é um processo mul- pedeiro com o tumor27, O apetite e a habilidade de
ticausal relacionado a fatores associados à doença, comer têm sido considerados alguns dos fatores
ao tratamento e à ingestão alimentar, assim como mais importantes dos aspectos físicos e psicológi-
à condição econômica e social. A ingestão alimen- cos da qualidade de vida dos pacientes37.
tar, o gasto energético, a absorção e metabolismo
de nutrientes30,31, as complicações orais, a toxidade Ravasco et al.36 observaram notável diminuição da
gastrintestinal e a nefrotoxicidade, causada por dro- ingestão alimentar em pacientes com câncer em
gas usadas no tratamento de neoplasias e infecções, estádio avançado; esta diminuição foi significativa
são importantes na etiologia da desnutrição decor- tanto na ingestão energética como na protéica.
rente do câncer22,30. Esses pacientes freqüentemente
apresentam desordens psicológicas como resulta- Os pacientes desnutridos apresentaram pior res-
dos das incertezas sobre a doença, o diagnóstico e o posta a intervenções terapêuticas como quimio-
prognóstico. Esse estado psicológico está associado terapia, radioterapia, cirurgia e aumento da mor-
à depressão, afetando a ingestão alimentar23,32. talidade e morbidade, comparadas aos pacientes
eutróficos27. Pacientes com metástase apresenta-
A perda de peso pode ser desencadeada ou poten- ram menor sobrevida que pacientes com a doen-
cializada durante a terapia antineoplásica devido ça limitada. Estes pacientes são mais suscetíveis
ao aumento dos efeitos colaterais gastrintestinais a desenvolver a síndrome carcinóide, sintomas
como aversão alimentar, náuseas e vômitos, além mediados por hormônios como rubor, diarréia e
de problemas fisiológicos de mastigação e de deglu- broncoconstrição38.
tição. Os tumores do trato gastrintestinal podem,
ainda, causar obstrução e levar ao impedimen- A desnutrição aumenta a morbidade e mortalida-
to físico à ingestão adequada de nutrientes, que de no pós-operatório e o tempo de hospitalização;
implica diminuição da ingestão alimentar29,33,34. este período pode ser reduzido com o suporte nu-
Distúrbios indiretos podem causar anorexia, in- tricional31.
cluindo alterações na percepção de sabor e odor
e anormalidades no sistema nervoso central que
controla a ingestão de alimentos e a sensação de Caquexia
saciedade precoce27. O termo caquexia é derivado do grego “cacos” (ruim)
e “xia” (condição) 29,34. Tal condição é uma síndrome
Whitman20 afirma que a perda ponderal pode ocor- clínica caracterizada pela presença de anorexia, per-
rer na presença de tumores do trato gastrintestinal da de peso involuntária, diminuição da capacidade
ou abdominal, pois o espaço ocupado pelo tumor funcional, depleção progressiva de massa magra e
pode causar saciedade precoce. Outra situação con- tecido adiposo23,25. A caquexia é considerada des-
siderada como fator da saciedade precoce é a gas- nutrição protéico-energética grave e pode acometer
troparesia, diminuição do esvaziamento gástrico. 50% dos pacientes oncológicos29,33,39.
A caquexia não pode ser totalmente explicada pela mar o risco nutricional, a magnitude da desnutri-
diminuição da oferta de nutrientes39,40. A condi- ção, determinar a intervenção e educação nutri-
ção do paciente caquético difere da desnutrição cional adequada e, conseqüentemente, melhorar
simples devido ao fato de o metabolismo inter- ou manter o estado nutricional do paciente e sua
mediário estar alterado, limitando o sucesso da qualidade de vida25.
terapia nutricional20,41. A síndrome inclui distúr-
bios hidroeletrolíticos, anemia, imunossupressão Na terapia nutricional dos pacientes oncológicos
acompanhada de alterações bioquímicas que in- desnutridos deve ser considerada a diminuição da
dicam o efeito sistêmico do câncer33,39. A caquexia ingestão alimentar, assim como a utilização ine-
é resultado de causas complexas e multifatoriais, ficaz desses nutrientes27. Apesar da etiologia da
divididas em dois grupos: alterações metabólicas caquexia no câncer não estar bem definida24,44,45
do hospedeiro e baixa ingestão de nutrientes e má várias hipóteses têm sido elucidadas, incluindo
absorção27. Estas alterações compreendem a res- a ação de citocinas, hormônios, neuropeptídios,
posta sistêmica inflamatória, o aumento da síntese neurotransmissores e alterações metabólicas. Es-
hepática de proteínas de fase aguda, resultando tudos emergentes afirmam que a síndrome da ca-
em depleção de aminoácidos essenciais34. quexia é causada, predominantemente, por citoci-
nas produzidas pelo tumor ou pelo sistema imune
Fatores de risco para depleção do estado nutri- em resposta à presença do mesmo24. D’ Ângelo44
cional na caquexia incluem tumores pulmonar e afirma que, em mais de 50% dos casos de metásta-
gastrintestinal, idade25,40, história pregressa de do- se, a caquexia pode ser causada por citocinas.
enças que interferem no estado nutricional, desor-
dens que afetam os processos digestivos e absorti-
vos de nutrientes e uso prolongado de nicotina25. Alterações metabólicas
A indução tumoral de caquexia e anorexia é mais
Pacientes caquéticos apresentam diminuição da ca- provavelmente mediada por múltiplas citoci-
pacidade funcional, resposta reduzida à quimiote- nas31,37 produzidas pelos monócitos do hospe-
rapia e menor sobrevida. Nesses pacientes, a perda deiro, na tentativa de erradicar o tumor. Como o
de peso superior a 30% é invariavelmente fatal42. hospedeiro não consegue erradicá-lo, a produção
crônica de citocinas pelo hospedeiro e pelo tumor
leva a alterações metabólicas prejudiciais, obser-
Avaliação nutricional vadas nos pacientes com câncer27.
Não existe um indicador ideal que isoladamente
possibilite a avaliação do estado nutricional. Por- Inúmeras citocinas, como o fator de necrose tu-
tanto, a escolha dos indicadores utilizados é de moral alfa (TNF-α.), o interferon-gama (INF-γ),
difícil definição e depende, entre outros fatores, e as interleucinas 1 e 6 (IL-1 e IL-6), são conside-
do tipo de doença estudada e da disponibilidade e radas determinantes na indução da caquexia no
da rotina do serviço43. Todos os pacientes oncoló- câncer. A administração destas citocinas é capaz
gicos devem ser submetidos à triagem nutricional de reduzir a ingestão alimentar e reproduzir efei-
no momento da admissão e esta prática deve ser tos da síndrome da caquexia24. O estudo de Cahlin
incorporada à rotina clínica para ser efetiva25. et al.46 confirma que a produção pelo hospedeiro
de IL-6 contribui para o desenvolvimento da ca-
A avaliação nutricional fornece uma estimativa da quexia. Entretanto, a produção de TNF-α, inter-
composição corporal que ajuda a identificar os leucina 12 e INF-γ, foi insignificante.
pacientes em risco de desnutrição induzida pelo
câncer e estima a magnitude da depleção nutricio- Estudos têm demonstrado que citocinas produzi-
nal em pacientes que já estão desnutridos. Perda das pelo tumor e pelo hospedeiro são responsá-
de peso involuntária maior que 10%, em 6 me- veis pelas alterações metabólicas encontradas em
ses, significa déficit nutricional importante e é um pacientes com câncer20. As citocinas estimulam
bom método para avaliar o prognóstico clínico27. a degradação vigorosa de massa magra e causam
alterações no metabolismo dos carboidratos e de
O estado nutricional é um fator prognóstico19,25, lipídeos, o que resulta em perda de gordura sub-
além de ter uma significativa associação com as cutânea e massa corporal magra.
funções cognitivas, sociais, emocionais, psicológi-
cas, qualidade de vida e senso de bem-estar nos Alterações no metabolismo de proteínas, car-
pacientes oncológicos32,36. Dessa forma, por meio boidratos, gorduras, minerais e vitaminas são
da avaliação nutricional precoce, é possível esti- comuns em pacientes com câncer e diferem dos
pacientes somente desnutridos, tornando a te- tabólica do hospedeiro, causada pela presença do
rapia nutricional um desafio maior no paciente tumor.
oncológico28,32,37. Observa-se, em pacientes com
câncer, alteração no gasto energético basal, que A mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo
pode estar reduzida, como nos pacientes des- pode ocorrer antes da perda de peso, sugerindo a
nutridos, inalterada ou aumentada; ocorrendo presença do fator mobilizador de lipídio (FML).
um descompasso com a ingestão de nutrientes, Em contraste, as citocinas inibem a enzima lipase
que está tipicamente reduzida37. A elevação da lipoprotéica, resultando em aumento da circula-
taxa de metabolismo basal pode ser observada ção de lipídios42. Essa depleção progressiva das re-
em pacientes com variados tipos de tumores, servas gordurosas é associada à hiperlipidemia41.
como carcinoma gástrico e sarcomas27. Em es-
tudo com pacientes portadores de tumores só- A diminuição de tecido adiposo em pacientes on-
lidos, a taxa de metabolismo basal mostrou-se cológicos que perderam peso está relacionada ao
elevada mesmo antes da perda ponderal37, su- aumento de ácidos graxos livres e turnover de gli-
gerindo que a elevação da taxa de metabolismo cerol em comparação com aqueles que não perde-
basal pode ser causa (assim como conseqüên- ram peso. Em situações normais, a infusão de gli-
cia) dessa condição37,41. cose suprime a lipólise, mas esse efeito não ocorre
em pacientes com câncer27.
As alterações no metabolismo dos carboidratos
no câncer incluem o aumento do turnover de A depleção de massa magra corporal é a principal
glicose e a resistência à insulina27,47, que levam à responsável pela redução da sobrevida em pacien-
hiperglicemia; ao contrário da glicemia normal tes com câncer42. Em pacientes oncológicos des-
ou hipoglicemia verificada em pacientes sem nutridos, o aumento do turnover das proteínas e
estresse, submetidos a jejum prolongado27. A a subseqüente perda de nitrogênio corporal têm
intolerância a glicose é uma das primeiras alte- sido reportados em 50% a 70% dos pacientes27.
rações metabólicas nessa patologia. No entanto,
a resistência à insulina não ocorre devido à des- O tecido muscular representa aproximadamente
nutrição, mas parece estar relacionada à presen- 50% do turnover de proteínas corporais em cir-
ça do tumor47. cunstâncias normais41. Em biópsias do músculo
esquelético de pacientes com câncer encontrou-se
A maioria dos tumores sólidos produz grandes tanto redução da síntese protéica como aumento
quantidades de lactato32,41,47, que é convertido da proteólise. No entanto, o turnover de proteínas
em glicose pelo fígado, num processo conhecido corporais é significativamente maior em pacientes
como ciclo de Cori. A gliconeogênese, à custa de oncológicos com perda ponderal devido à prio-
lactato, utiliza moléculas de adenosina trifosfato rização da síntese hepática de proteínas de fase
(ATP) que é muito dispendiosa para o hospedeiro. aguda32.
Este ciclo fútil pode ser responsável, pelo menos
em parte, pelo aumento do gasto energético32,41. O paciente com câncer não é capaz de conservar
Aumento de 40% na produção de glicose hepática energia, o que resulta em constante catabolismo
foi observado em pacientes com câncer que per- e conseqüente depleção de massa magra. Esta
deram peso32. quebra indevida da proteína fornece substrato
para gliconeogênese, que não pode ser suprimi-
A atividade do ciclo de Cori representa 20% do da completamente nem com infusão de glicose e
turnover de glicose. Porém, em pacientes caqué- nem com a nutrição parenteral total. Dessa forma,
ticos com câncer, tem sido demonstrado que esse a proteólise ocorre mesmo com aumento da gor-
turnover aumenta para 50%42. O turnover de gli- dura corporal e com ganho de peso27. Todos esses
cose aumenta à medida que aumenta a extensão efeitos metabólicos geram custo considerável para
do tumor e ocorre menor utilização de glicose o hospedeiro, como extensiva depleção tecidual,
após ressecção curativa do tumor27. anorexia, anemia, observadas em pacientes sub-
metidos à injúria45.
A gordura constitui 90% das reservas dos indiví-
duos saudáveis e a perda de gordura corporal é
sinal do estado caquético32,37. Uma grande propor- Terapia Nutricional
ção da perda de peso em pacientes com câncer A caquexia é uma importante causa de morte em
é proveniente do tecido adiposo41. Esse substrato pacientes com câncer e é responsável direta por
energético é utilizado para suprir a demanda me- 10% a 22% das mortes desses pacientes. Dessa
forma, uma terapia efetiva para a caquexia não plementos contendo aproximadamente 100% da
somente deve aumentar a qualidade de vida dos Ingestão Dietética Recomendada (IDR) possui um
pacientes, mas também pode ser esperado aumen- provável benefício durante e após a terapia anti-
to do tempo de vida. Especialmente nos pacientes neoplásica. Alguns estudos sugerem que os ácidos
com possibilidades terapêuticas limitadas, em que graxos ômega-3 podem beneficiar portadores de
a caquexia é comum, a terapia nutricional pode câncer com melhora da caquexia, da qualidade
ser de grande benefício clínico37. A dietoterapia de vida e dos efeitos de alguns tratamentos. No
pode ser usada como tratamento coadjuvante du- entanto, recomenda-se incluir alimentos fonte de
rante a terapia antineoplásica ou com aporte para ômega-3 na dieta devido à associação com o me-
pacientes que não conseguem manter ingestão nor risco de doenças cardiovasculares, com redu-
adequada27. ção da mortalidade e evidências de falta de efeitos
colaterais50.
A Sociedade Americana de Nutrição Enteral e
Parenteral (ASPEN) recomenda o uso da terapia Estudos clínicos sugerem benefícios da suplemen-
nutricional se houver perda de peso maior que tação de glutamina em situações de catabolismo,
10%48. Tal suporte pode auxiliar na diminuição incluindo câncer. Este aminoácido é classificado
do tempo de internação e aumento da sobrevida como não essencial; no entanto, em períodos de
dos pacientes oncológicos caquéticos31,49. estresse metabólico, torna-se condicionalmente
essencial52.
A rotina da terapia nutricional deve incluir a ava-
liação nutricional periódica, pois está relacionada Caso a ingestão via oral esteja diminuída ou não
com a susceptibilidade a infecções, a resposta te- possa ser utilizada, a nutrição enteral ou paren-
rapêutica, o prognóstico e a identificação dos pos- teral é indicada. A nutrição enteral, assim como
síveis sintomas relacionados ao tratamento50,51. O a nutrição oral, requer absorção dos nutrientes
suporte dietético individualizado pode melhorar o pelo trato gastrintestinal27. Os benefícios da nu-
apetite e a ingestão alimentar e reduzir os efeitos trição enteral em relação à parenteral são manter
colaterais da terapia50. o trofismo gastrintestinal, prevenir a translocação
bacteriana, apresentar menos complicações e me-
Tal suporte tem como objetivo oferecer condi- nor custo23,44.
ções favoráveis para o estabelecimento do plano
terapêutico, oferecer energia, fluídos e nutrientes Em pacientes que não podem receber nutrição
em quantidades adequadas para manter as fun- oral ou enteral, a nutrição parenteral é uma opção
ções vitais e a homeostase. Deve, ainda, recuperar importante23. A ASPEN recomenda a terapia com
a atividade do sistema imune, garantir as ofertas nutrição parenteral total em pacientes com pre-
protéicas e energéticas adequadas para minimizar visão de ingestão oral ou enteral inadequada por
o catabolismo protéico e a perda nitrogenada22. mais de 10 a 14 dias53.
Acrescenta-se o objetivo de prevenir ou reverter a
caquexia associada aos tumores27. As duas formas de suporte nutricional, geral-
mente, promovem ganho de peso e melhora do
Durante a agressiva terapia do câncer, a meta balanço nitrogenado, porém o efeito na massa
nutricional é dar suporte a composição e função magra é mínimo. Segundo ASPEN (2002), essas
corporal23. Em pacientes com hiporexia e, conse- terapias, quando utilizadas por 7 a 49 dias, foram
qüentemente, ingestão oral reduzida, é recomen- relacionas com efeitos positivos nos níveis séricos
dado aumentar a freqüência das refeições, reduzir de proteínas. O uso rotineiro de nutrição paren-
o volume delas e restringir os líquidos durante as teral total (NPT) em pacientes em quimioterapia
refeições50. pode ser prejudicial devido ao aumento do risco
de infecção. O suporte nutricional para pacientes
A suplementação oral é a modalidade preferida em terapia anticâncer é recomendado nos casos
em pacientes que são capazes de se alimentar por de desnutrição e absorção deficiente por longos
esta via32,50, mas que requerem dietas especiais de- períodos53.
vido às alterações do trato gastrintestinal27. Esta
suplementação pode melhorar o aporte calórico Dessa forma, o uso indiscriminado de nutrição pa-
e protéico50. renteral em pacientes com câncer traz pouco ou
nenhum benefício. Em muitos momentos, a nu-
Devido à dificuldade de atingir as quantidades trição parenteral total pode trazer mais prejuízos,
recomendadas de micronutrientes, o uso de su- aumentando a morbidade27. As maiores compli-
cações da nutrição parenteral total são pneumo- in human tumours. Journal of Pathology. 2002;
tórax, trombose venosa, trauma arterial e sepse35. 196(1):1-7.
Essa terapia não parece beneficiar pacientes eu-
tróficos ou pouco desnutridos submetidos a qui- 2. Vogelstein B, Kinzler KW. The multistep nature of
mioterapia, radioterapia ou cirurgia, em particular cancer. Trends in Genetics. 1993; 9(4):138-141.
aqueles com ingestão oral adequada27.
3. Esteves EA, Monteiro JBR. Efeitos benéficos das iso-
O potencial benefício da parenteral pode ser maior flavonas de soja em doenças crônicas. Revista de Nu-
que os riscos. No entanto, os pacientes devem ser trição. 2001; 14(1): 43-52.
constantemente avaliados e monitorados23. Sem-
pre que possível, deve ser associado o uso da nu- 4. Lai C, Shields PG. The Role of Interindividual Varia-
trição enteral com a nutrição parenteral com o ob- tion in Human Carcinogenesis. The Journal of Nutri-
jetivo de manter o trofismo intestinal20. tion. 1999;129 Suppl: S552-5.
Em um estudo foi demonstrado que a terapia nu- 5. Beltrão-Braga PCB, Teixeira VR, Chammas R. As-
tricional parenteral pré-operatória diminuiu as pectos moleculares da transformação celular: Con-
complicações e a mortalidade pós-operatória em ceitos e implicações. In: Waitzberg DL, editor. Di-
pacientes com câncer de esôfago26. Bozzetti et al.49 eta, Nutrição e Câncer. São Paulo: Atheneu; 2004.
afirmam que o suporte parenteral no pré-operató- p. 79-87.
rio é efetivo em pacientes com significativa desnu-
trição e se iniciado pelo menos sete dias antes da 6. Morin PJ, Trent JM, Collins FS, Volstein B. Genética
intervenção cirúrgica. A nutrição parenteral deve do Câncer. In: Kasper DL, Braunwald E, Fauci AS,
ser indicada desde que contribua com a qualidade Hauser SL, Longo DL, Jameson JL. Harrison Medici-
de vida e de sobrevida e pode ser utilizada tanto na Interna. Rio de Janeiro: McGraw-Hill interameri-
em nível hospitalar como domiciliar54. cana do Brasil, 16ed, 2006. p.468-474.
A terapia nutricional em pacientes oncológicos é 7. World Health Organization. Policies and managerial
controversa. Estudos têm demonstrado efeito po- guidelines for national cancer control programs. Re-
sitivo no aumento da sobrevida e melhora da res- vista Panamericana de Salud Publica. 2002; 12(5):
posta ao tratamento paliativo ou curativo. Dessa 366-7.
forma, para indicar a terapia nutricional em pa-
cientes portadores de câncer, deve ser feita uma 8. Garófolo A, Avesani CM, Camargo KG, Barros ME,
avaliação criteriosa do estado clínico e nutricio- Silva SRJ, Taddei JAAC, et al. Dieta e câncer: um en-
nal55-57. A análise de fatores prognósticos é uma foque epidemiológico. Revista de Nutrição. 2004; 17
forma de identificar pacientes com melhor ou pior (4): 491-504.
evolução58,59.
9. Instituto Nacional de Câncer. Prevenção e controle
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quada, a intervenção precoce e o monitoramento 11. The World Health Organization’s Fight Against
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