Notícias Falsas e Teorias Da Conspiração Face Ao Absurdo - Arthur Freire Simões Pires
Notícias Falsas e Teorias Da Conspiração Face Ao Absurdo - Arthur Freire Simões Pires
Notícias Falsas e Teorias Da Conspiração Face Ao Absurdo - Arthur Freire Simões Pires
absurdo
Resumo
Este artigo, sob tom ensaístico, estabelece uma discussão a partir dos conceitos de fake news
e teorias da conspiração, leia-se a ornamentação contemporânea da mentira política, face
ao absurdismo camusiano. O empreendimento teórico é lastreado em uma epistemologia
dialógica com o intuito de estender a discussão, que está, em maioria, no efeito destes
artifícios, para como os procedimentos de como a corrupção da factibilidade operam no plano
da consciência. De antemão, considera-se que tanto as notícias falsas quanto as narrativas
conspiratórias constituem lugar comum na mácula do campo comunicacional. Considerando
as propriedades religiosas e ideológicas as quais fundamentam a morfologia atual da mentira,
foi constatado que sua agência reside no eclipse ao absurdo, como maneira de fazer tábula
rasa da consciência humana. A origem deste modus operandi é o fato de que os ideais são
erigidos sob nome de uma utopia construída em nome de um homem que jamais existiu.
Assim sendo, neste vácuo, o arrivismo emerge como método e, portanto, tudo se justifica
sobre valores insustentáveis. Incute-se o defensivismo para expurgo de qualquer oposição
à unidade e ao sentido artificiais provenientes da também artificial clareza da existência.
Mente-se em nome do êxito da subversão, em nome do processo de destruição. A condição
humana é ocultada de seus interlocutores — que possuem alguma predisposição, pois são um
demográfico selecionado —, e com ela, o potencial do despertar para esta que é uma peste
coletiva dos tempos atuais.
Palavras-chave
Albert Camus; Absurdo; Teoria da Comunicação; Notícias falsas; Teorias da conspiração.
1
Doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul — Famecos
(PPGCOM/PUCRS), formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E-mail: [email protected].
Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 16, n. 3, p. 112-126, set./dez. 2022 DOI: 10.34019/1981-4070.2022.v16.38614 112
Fake news and conspiracy theory face the absurd
Abstract
This article, in an essayistic tone, establishes a discussion based on the concepts of fake news
and conspiracy theories, read the contemporary ornamentation of the lie politics, in the face of
Camusian absurdism. The theoretical enterprise is based on a dialogical epistemology in order
to extend the discussion, which is mostly in the effect of these artifices, to how the procedures
of how the corruption of feasibility operate on the plane of consciousness. Beforehand, it is
considered that both fake news and conspiratorial narratives constitute a common place in
the taint of the communicational field. Considering the religious and ideological properties
which underlie the current morphology of the lie, it was found that its agency resides in the
eclipse to the absurd, as a way of making a blank slate of human consciousness. The origin of
this modus operandi is the fact that ideals are erected under the name of a utopia built in the
name of a man who never existed. Therefore, in this vacuum, arrivism emerges as a method
and, therefore, everything is justified on unsustainable values. Defensivism is instilled in
order to purge any opposition to artificial unity and meaning arising from the also artificial
clarity of existence. Lie in the name of the success of subversion, in the name of the process
of destruction. The human condition is hidden from its interlocutors — who have some
predisposition, as they are a selected demographic — and with it, the potential for awakening
to what is a collective plague of our times.
Keywords
Albert Camus; Absurd; Communication Theory; Fake news; Conspiracy theory.
1
Doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul — Famecos
(PPGCOM/PUCRS), formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E-mail: [email protected].
Juiz de Fora, PPGCOM – UFJF, v. 16, n. 3, p. 112-126, set./dez. 2022 DOI: 10.34019/1981-4070.2022.v16.38614 113
Aspectos introdutórios
A gratuidade do mundo é insuperável e definidora enquanto condição individual
da humanidade. Face ao silêncio do mundo em resposta às demandas de resolução
existencial, o ser humano apela ao suicídio, seja ele físico ou filosófico, quando nega
esta mesma condição. Quando se fez da filosofia um atalho, abriu-se um precedente. O
processo de forjar uma metafísica cúmplice de uma artificialidade fomentou, ao longo
O teatro político se fez refém das fake news. Seu processo de difusão, afinal,
instaurou latifúndios fechados em si mesmos, com propriedades de eco (GRUZD;
RECUERO, 2019), e, uma vez inoculado o veneno, a contaminação catalisou seus
efeitos, determinando cursos eleitorais, conforme observado por Jardelino, Barboza
Cavalcanti e Persici Toniolo (2018). Ainda que um grande número de pesquisadoras
e pesquisadores, além dos referidos neste artigo, têm dedicado esforços para dar
contorno à forma — isto é, definir um conceito com o intuito de uniformizar o
uso do termo —, bem como uma parte destas pessoas se esforça para entender o
impacto deste artifício no tecido social, não existem registros de trabalhos do campo
da Comunicação que versam acerca do que as fake news (artifícios comunicacionais)
representam para a condição humana. O presente texto, em vista disso, posiciona-
se nesta intersecção, oferecendo uma leitura crítica da encruzilhada que converge
aspectos deste laivo político contemporâneo entremeado à condição humana em seu
caráter individual e coletivo.
De antemão, é necessário, no entanto, delimitar que muito embora as fake news
estejam sob a forte luz do holofote do debate público — afinal, a pauta da desinformação
circula em âmbito legislativo, judiciário e executivo em diferentes países, como é o
caso do Brasil —, este artifício não é o único que integra o aformoseamento da mentira
dolosa no século XXI. As teorias da conspiração [6] são outro recurso maculoso que
caminha de mãos dadas com o primeiro. Assim sendo, com frequência funcionam,
uma em relação a outra, como complemento ou finalidade; meio e fim, fim e meio.
As teorias da conspiração variam seus alvos, todavia, sempre deságuam, tal qual
se ancoram, na insuficiência, ou mesmo inexistência, de qualquer amparo científico
ou factual. São, conforme Franks, Bangerter e Bauer (2013) sustentam, características
provenientes do senso comum que, por sua vez, segue a narrativa falaciosa tal como
uma religião. Elas são edificadas como verdadeiras antíteses a todo e qualquer
campo do conhecimento (ARAUJO; DE ALBUQUERQUE; QUINAN, 2021). Fuchs (2020)
Qualquer outra postura, que não o alvorecer do pensamento para o vazio que
contorna a vida, deságua em uma forma de negação. A recusa da própria condição,
portanto, descamba na ideia de considerar o mundo excessivo, demasiado, uma vez
que sua unidade não se comprova e seu sentido é nulo; a falta de clarividência sobre
Considerações Finais
Este estudo versou sobre um fenômeno comunicacional político antigo, a
mentira. Agora, todavia, em sua manifestação contemporânea, sua nova morfologia,
leia-se as notícias falsas e as teorias da conspiração. Distante de um estudo de casos
pontuais ou temáticos, o texto não tratou de esmiuçar especificidades. Na realidade,
o propósito foi epistemológico, afinal, a discussão foi erigida a partir dos conceitos
e em como eles, em sua concretude, se relacionam com os seus interlocutores. Isso,
pois, há engendrado no assunto, a questão da adesão, a princípio cega, e é necessário
entender aspectos catalisadores.
Face a condição absurda sob a qual a humanidade está condenada em sistema
perpétuo, o eclipse da consciência é noção chave para o entendimento da movimentação
política inoculada através da mentira. Ao velar os limites da existência, tanto as
fake news quanto as narrativas conspiratórias dão à um demográfico selecionado
Notas
[1] Ver Martino (2021).
[2] Ver J’accuse (ZOLA, 2009).
[3] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BDQPPBRW2ik>. Acesso em: 26 mar.
2022.
[4] Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=cFwVCHkL-JU>. Acesso em: 11 abr.
2022.
[5] Ver Oselame (2021).
[6] A pragmática do senso comum emprega o vocábulo como sinônimo de hipótese, o que não
está correto de acordo com o rigor científico (MARTINO, 2021). No entanto, optei por manter
a grafia popular à título de identificação dos leitores, ainda que não represente a acepção
acadêmica do termo.
[7] Ver Lyotard (2015).
[8] “Pensar não é unificar, familiarizar a aparência com o aspecto de um grande princípio.
Pensar é reaprender a ver, dirigir a própria consciência, fazer de cada imagem um lugar
privilegiado. [...]. A consciência não forma o objeto do seu conhecimento, somente fixa, ela é
o ato de atenção e, para retomar uma imagem bergsoniana, se assemelha a um aparelho de
projeção que de repente congela uma imagem. A diferença é que não há roteiro, mas uma
ilustração sucessiva e inconsequente. [...]. A consciência deixa em suspenso na experiência os
objetos de sua atenção. Isola-os com seu milagre, deixando-os à margem de todos os juízos.
O que caracteriza a consciência é essa ‘intenção’. Mas esta palavra não implica nenhuma
finalidade; é tomada em seu sentido de ‘direção’: tem valor meramente topográfico” (CAMUS,
2021, p. 56-57).
[9] On ne ment jamais inutilement. Le mensonge le plus impudent, pourvu qu’il soit répété
assez souvent et assez longtemps, laisse toujours sa trace.
BOVET, A.; MAKSE, H. A. Influence of fake news in Twitter during the 2016 US
presidential election. Nature Communications, v. 10, 2019. DOI: <https://doi.
org/10.1038/s41467-018-07761-2>.
CALLAHAN, J.; POLLETTA, F. Deep Stories, Nostalgia Narratives and Fake News:
Storytelling in the Trump Era. American Journal of Cultural Sociology, v. 5, n. 3, p.
392–408, 2017. DOI: <https://doi.org/10.1057/s41290-017-0037-7>.
CAMUS, A. Neither victims nor executioners. Eugene: Wipf & Stock, 2007.
PAIVA, R.; SACRAMENTO, I. Fake news, WhatsApp e a vacinação contra febre amarela
no Brasil. Matrizes, v. 14, n. 1, p. 79-106, 2020. DOI: <https://doi.org/10.11606/issn.1982-
8160.v14i1p79-106>.
Dedicatória
À Carol.