Desencantada - Livro Oficial Do - Steve Behling - 230602 - 054307
Desencantada - Livro Oficial Do - Steve Behling - 230602 - 054307
Desencantada - Livro Oficial Do - Steve Behling - 230602 - 054307
Arte
Renato Klisman
B365d
Behling, Steve
Desencantada : livro oficial do filme / ; adaptação de
Steve Behling ; roteiro de Brigitte Hales ; história de
Bill Kelly, J. David Stem, David N. Weiss ; tradução
de Carlos César da Silva. –– São Paulo : Universo dos
Livros, 2022.
168 p : il., color.
e-ISBN 978-65-5609-306-2
Título original: Disenchanted
ERA UMA VEZ, EM UMA TERRA MÁGICA DE CONTOS DE FADAS chamada Andalasia,
um esquilo de nome Pip. Ele era uma criaturinha da floresta, não tão mágico
quando
comparado a alguns outros cidadãos de Andalasia, mas, o que Pip não
tinha de habilidades mágicas, ele mais do que compensava com seu coração
gigante. E seu barulho. Pip era um esquilo muito barulhento.
No entanto, em uma noite, ele estava mais quieto do que o normal.
Já era chegada a hora de seus filhos, Kip e Nip, dormirem. Ele lia aos dois
uma história, esperando que isso os acalmasse para que pudessem cair no
sono.
— Era uma vez, em um reino mágico chamado Andalasia, uma bebê que
fora encontrada na floresta — começou Pip. — Sem mãe ou pai à vista, a
bebê foi criada pelos animais que lá habitavam, e eles a amaram como se ela
fosse uma deles.
As crianças se sentaram e ouviam o pai, deslumbradas.
— Seu nome era Giselle — continuou Pip. — Ela cresceu e se tornou uma
bela jovem, com um coração amoroso que guardava um desejo secreto.
Pip contou como Giselle desejava trocar um beijo de amor verdadeiro com
um belo príncipe.
— Até que um dia ela ganhou o amor do príncipe mais destemido de todos
e lhe pareceu que finalmente teria o seu próprio “felizes para sempre”.
É claro que Pip estava falando de Edward, um homem muito corajoso que
levava jeito para a música — e para a espada.
— E então… — começou Pip.
— Giselle foi banida pela Rainha Má, exilada para um lugar sombrio e
assustador chamado Nova York — interrompeu Nip.
Pip ficou parado segurando o livro enquanto Kip e Nip tagarelavam.
— Lá, ela conheceu animais que eram nojentos, mas que a ajudaram —
disse Kip, num tom brincalhão.
Nip se virou para a parede e brincou com a sombra, imitando as baratas
que prestaram ajuda a Giselle em Nova York.
Pip se aconchegou na poltrona enquanto seus filhos continuavam.
— Ela também conheceu Robert! — disse Kip. — Que tinha uma filha e
olhos bonitões, então, os dois se apaixonaram!
Pip se lembrava de tudo como se tivesse acontecido ontem: Giselle,
enviada para Nova York, encontrou Robert e sua filhinha, Morgan. Os dois
acolheram Giselle e lhe demonstraram bondade.
Depois, com grande empolgação, Kip narrou como Giselle tinha sido
amaldiçoada e recebido um beijo de Robert, e como, juntos, os dois
enfrentaram a rainha má transformada em um dragão!
E Nip não podia deixar de destacar que todos viveram felizes para sempre.
Ele fez a sombra de duas pessoas dançando na parede para ilustrar o que
dizia.
Pip estava impressionado. É claro que a versão da história contada pelos
filhos passava por cima de alguns detalhes. Por exemplo, havia Nancy, uma
amiga de Robert e Morgan, que acabou conhecendo Edward. Eles se
apaixonaram e tiveram o próprio “felizes para sempre” em Andalasia.
Pip fechou o livro e disse:
— Então vocês já conhecem essa.
— Lê de novo, papai! — pediu Nip.
— Papai, você acha que, quando Giselle se mudou para o reino de Nova
York, ela se esqueceu de Andalasia? — perguntou Kip.
Antes que Pip pudesse responder, Nip falou:
— Claro que não, Kip! Ela tinha a Árvore de Lembranças!
— Nip tem razão — concordou Pip. — Todo mundo em nossa terra tem
uma Árvore de Lembranças mágica. Isso significa que, aonde quer que vá,
nenhum cidadão de Andalasia poderia esquecer o que mais importa. Exceto
por aquela vez em que ela e eu, de fato, esquecemos tudo que mais
importava.
— O quê? — indagou Kip.
— Quando foi isso? — perguntou Nip, chocado.
Respirando fundo, Pip se levantou e foi até a estante de livros.
— Certo, pode ser que a história de Giselle seja um pouco mais longa do
que a que vocês conhecem — admitiu ele, tirando um livro empoeirado da
prateleira. — Não me orgulho do meu papel nela, mas, se forem para a cama,
conto para vocês.
Ao sentar-se em sua poltrona, Pip abriu o livro. Seus dois meninos mal
podiam esperar para que a história começasse.
— Tudo começa basicamente no mesmo ponto em que a última parte
acabou — disse Pip. — No reino de Nova York, depois do “felizes para
sempre”.
— Depois? — interrompeu Kip. — Mas não existe nada depois do “felizes
para sempre”.
— É — concordou Nip. — Você só se casa e, então, nada nunca mais
acontece com você.
Pip sorriu.
— Não naquele mundo. Lá, as coisas nunca param de acontecer. Para
Giselle, passaram-se alguns anos, Morgan deu uma espichada, e não demorou
para que…
As crianças olharam maravilhadas para o livro, onde viam Giselle e Robert
segurando um bebê. E bem ao lado deles estava Morgan, agora adolescente.
— Robert e Giselle tiveram uma filha, uma linda menininha chamada Sofia
— contou Pip. — Por um momento, Giselle tinha tudo o que sempre quis. E
foi aí que as coisas começaram a mudar.
Pip virou a página. Kip e Nip viram uma ilustração de Giselle e sua
família. Eles estavam espremidos em seu apartamento pequeno.
— Primeiro, o castelo deles no céu parecia ter diminuído de tamanho —
explicou Pip. — Depois…
Quando Pip virou mais uma a página, as crianças viram Giselle na loja de
vestidos da qual era dona. A página ao lado mostrava Robert em seu
escritório, trabalhando até tarde. Tanto Giselle quanto Robert estavam
imersos em papelada.
— Robert e Giselle ficaram tão ocupados que não era incomum o relógio
bater meia-noite antes que eles parassem de trabalhar.
Mais uma página virada, revelando Morgan em sua cama com o celular na
mão.
— Mas o mais difícil foi Morgan — declarou Pip. — Ela se tornou o que
esse mundo chama de “adolescente” e, para Giselle, era como se Morgan
tivesse ido a uma terra muito distante à qual ela jamais conseguiria chegar.
Quando Pip virou para a página seguinte, Kip e Nip viram Giselle parada
diante da porta do quarto de Morgan. A garota encarava o celular, sem se dar
conta de que Giselle estava logo ali.
Mais uma página foi virada, e as crianças viram Giselle com Robert e
Morgan, empurrando um carrinho com a bebê Sofia pelas ruas cheias da
cidade de Nova York.
— Giselle começou a se perguntar se o reino de Nova York era mesmo o
seu “felizes para sempre”. E foi aí que ela recebeu um sinal.
Pip virou mais uma página, mostrando Giselle olhando para uma placa
com uma foto de uma linda cidadezinha e os dizeres MONROEVILLE — SEU
CONTO DE FADAS COMEÇA AQUI!
— E, de repente, eles souberam o que precisavam fazer — disse Pip. —
Precisavam ir atrás da felicidade, onde quer que ela estivesse. E então…
A ilustração seguinte mostrava três caminhões de mudança estacionados à
frente do prédio onde moravam.
— Eles fizeram as malas e partiram…
CAPÍTULO UM
Quando Morgan voltou para casa depois da aula, não se surpreendeu ao ver
Giselle na sala de estar, debruçada sobre o que parecia ser uma maquete de
parquinho feita de palitos de dente e tampinhas de garrafa. Um sinal no topo
dizia SEJAM BEM-VINDOS, GRILOS!
Sofia deu um gritinho de felicidade em seu cercadinho.
— Morgan, como foi? — perguntou Giselle.
— Tudo bem — respondeu Morgan, apesar de não soar nada bem.
A garota foi direto para as escadas.
Giselle lançou a Sofia um olhar de preocupação.
Giselle estava sentada no sofá da sala quando o relógio bateu dez horas.
Ela segurava a Árvore de Lembranças de Morgan e a encarava com tristeza
nos olhos.
Robert andava para lá e para cá com o telefone grudado no ouvido.
— Ela deve ter desligado o celular — disse ele, com raiva. — Não estou
nem aí que o quarto dela esteja quase todo incinerado, ela nunca mais vai sair
de lá.
Giselle estava em silêncio. Continuou passando os dedos pelas fotos da
Árvore de Lembranças, de quando Morgan ainda era menina. Mãe e filha
estavam abraçadas. E felizes.
— Lembra de quando fizemos isso? — perguntou Giselle.
— Não sei, talvez? — respondeu Robert, distraído.
— Ela me implorava para contar histórias de Andalasia todas as noites —
disse Giselle. — E suas favoritas eram sobre as Árvores mágicas de
Lembranças. Ela as amava tanto.
Robert se sentou ao lado de Giselle.
— Ela só está crescendo — disse ele, com calma.
— Mas nada mais é como antigamente — falou Giselle. — Quase não
conversamos e, quando acontece, eu nunca digo a coisa certa. Achei que ao
menos poderíamos criar lembranças novas aqui. Quer dizer, lembranças boas.
— E nós vamos — disse Robert, tentando confortar a esposa. — Mas você
precisa dar um tempo para que isso aconteça. As coisas não mudam da noite
para o dia como num passe de mágica.
— E você também não quer que elas mudem? Você não parece muito feliz
aqui.
— Isso não é verdade — disse Robert, pego de surpresa.
— Não é? — perguntou Giselle. — Quando foi a última vez que você foi
feliz de verdade, Robert?
Ele hesitou.
— Não é que eu esteja infeliz — respondeu ele finalmente. — É que às
vezes eu só me pergunto se tudo o que me resta é pegar o trem de novo e de
novo até morrer.
— Por que você faria isso? — perguntou Giselle, horrorizada.
Robert percebeu que, fora de contexto, sua fala não fazia muito sentido.
Antes que pudesse explicar a Giselle, uma chave girou na fechadura da porta
de casa e Morgan entrou. Ela não parecia nem um pouco arrependida por
chegar tarde.
— Onde você estava, mocinha? — Robert exigiu saber.
— Fui a Nova York — respondeu Morgan com indiferença.
— Nova York? — perguntou Robert, abismado.
— Sozinha? — perguntou Giselle?
— Eu ando de metrô sozinha desde que tinha treze anos — relembrou-os
Morgan.
— Não acredito que você fez isso — disse Robert. — O que é que estava
passando pela sua cabeça?
— Sei lá, pai — respondeu Morgan, com a voz carregada de sarcasmo. —
Que talvez você devia ter me deixado lá, que é meu lugar.
— Morgan, seu lugar é aqui — disse Giselle, tentando confortar a filha.
Aquilo foi a gota d’água para Morgan.
— Não, não é, e nunca vai ser — ela vociferou. — Sei que você quer viver
num país das fadas perfeito, mas não moramos lá. Nós moramos aqui, nesta
cidade idiota, e eu odeio esse lugar.
Giselle estava prestes a começar a chorar.
— Ei, pode ficar brava comigo o quanto quiser, mas não fale com a sua
mãe desse jeito — repreendeu Robert.
— Minha mãe? — protestou Morgan. — Ela não é minha mãe, ela é minha
madrasta.
Giselle ficou atônita. Morgan a fulminou com olhar.
— E isso é tudo que ela sempre vai ser.
Giselle estava sem palavras.
— Morgan! — gritou Robert enquanto a filha subia as escadas. Em
seguida, a garota bateu a porta do quarto.
— Madrasta... — repetiu Giselle, quase sussurrando. Morgan pensava
mesmo que ela era uma madrasta má?
Giselle foi até a porta.
— Giselle, ela não quis dizer aquilo. — Robert tentou acalmá-la.
Giselle bateu a porta ao sair da casa. Respirou o ar da noite e sentiu a
escuridão a seu redor. A vontade de cantar a tomou por inteiro. Então, como a
verdadeira andalasiana que era, Giselle colocou seus sentimentos em uma
música.
Sentou-se na beira do poço. Encarando o fundo, Andalasia apareceu em
um reflexo na água. Nele, Giselle via Pip, o esquilo, que tinha ouvido a triste
canção de sua amiga. Ele não podia ficar parado diante desta situação. Se
pudesse ajudar Giselle, faria isso.
Então, Pip pulou do fundo do poço, cruzando mais uma vez a barreira entre
Andalasia e este mundo.
— Olá, velho amigo — cumprimentou Giselle, com um sorriso fraco.
Em seguida, o olhar dela repousou em algo no parapeito da janela da
cozinha.
— A Varinha dos Desejos — disse baixinho.
Correu para dentro da cozinha, abriu a caixa e pegou a Varinha.
— É isso! — concluiu.
Pip foi atrás dela, chiando com sua voz aguda de esquilo. Ele tentou fazer a
amiga desistir do que quer que estivesse passando por sua cabeça.
— Talvez eu não deva — respondeu Giselle. — Mas que escolha tenho?
Se eu quiser ser feliz aqui, preciso fazer as coisas serem como eu quero.
Giselle voltou para o jardim com a varinha em mãos.
Mais uma vez, cantou enquanto se preparava para fazer seu desejo.
Segurou a varinha com mais força e fechou bem os olhos. Giselle sabia o
que queria: que ela e a família tivessem uma vida de contos de fadas.
E assim, o desejo foi feito.
Um tímido brilho reluzente caiu sobre Giselle e Pip.
Giselle abriu os olhos com esperança.
Tudo continuava igual.
Ela suspirou, decepcionada:
— Acho que não funcionou.
Pip se sentiu mal pela amiga, mas também aliviado. Se o feitiço tivesse
funcionado, que problemas poderia ter causado?
— Fazer o quê… — disse Giselle. — Amanhã é um novo dia. Por que não
dorme aqui em casa? Temos galhos bastante confortáveis.
Pip adorou a ideia. Empoleirou-se no ombro de Giselle e juntos foram para
dentro da casa.
Se tivessem se demorado mais um minuto que fosse, teriam visto as
videiras e flores subindo pela lateral do poço.
O relógio anunciou a meia-noite.
Parecia coisa de contos de fadas.
CAPÍTULO QUATRO
Giselle, ainda de roupão, correu pela Avenida Principal com seu bom-
humor inabalável. Ela viu que a placa da cidade agora dizia BOAS-VINDAS A
MONROLASIA — SEU CONTO DE FADAS ESTÁ AQUI!
Os estabelecimentos estavam todos no mesmo lugar, mas pareciam mais
embelezados do que no dia anterior.
E os cidadãos, agora vestidos com roupas de contos de fadas, formavam
uma multidão na avenida para cantarem e dançarem junto com Giselle.
O coração de Giselle se encheu de felicidade quando Morgan apareceu,
empurrando o carrinho de Sofia. Giselle viu de relance algo brilhando na mão
da bebê.
Quando a música terminou, uma grande carruagem surgiu na rua.
— É a rainha! — exclamou Morgan.
— Quem? — perguntou Giselle.
O cocheiro correu até a lateral da carruagem e abriu a porta com um gesto
floreado. De dentro, saiu Malvina, vestindo um sofisticadíssimo traje da
realeza, mas com um toque obscuro.
Ela exalava uma energia de rainha má.
— Oh! — exclamou Giselle, olhando inocentemente para Malvina. —
Monrolasia tem uma rainha. Parece que todo mundo teve seu desejo
realizado.
E então, Ruby e Rosaleen saíram da carruagem, imitando os movimentos
elegantes de Malvina. Giselle notou que Ruby usava grandes brincos
vermelhos que realçavam com perfeição o seu rosto. As moças afofavam a
cauda do vestido da rainha quando, por acidente, derrubaram o tecido em
uma poça de lama.
Malvina não pareceu notar. Sua atenção estava voltada para uma flor morta
em um canteiro. Desta vez, em vez de usar uma tesoura de jardinagem,
Malvina apenas mexeu a mão. Magicamente, a flor ganhou vida com um tom
vermelho-sangue.
— E ela é uma rainha mágica — disse Giselle. — Elas são sempre
divertidas!
— Ahm, Giselle? — chamou Pip, incapaz de ignorar a energia sinistra de
Malvina.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, a multidão se curvou
diante da rainha. Pip teve que desviar de joelhos, e então tropeçou e caiu em
um bueiro, espirrando água.
Malvina viu Giselle, que ainda estava de camisola e roupão, e foi até ela.
— Giselle, que bom ver você — disse Malvina, no tom mais insincero
possível.
— É mesmo — concordou Ruby.
— Para mim, nem tanto — reclamou Rosaleen.
— Veio fazer comprinhas de última hora para hoje à noite, é? —
perguntou Malvina.
— O que tem hoje à noite? — perguntou Giselle, e logo acrescentou: —
Majestade.
— O festival, milady! — gritou um camponês.
— O Festival de Monrolasia, milady? — Uma mulher relembrou Giselle.
Olhando para cima, Giselle viu que as faixas que anunciavam o Festival
Monroe ainda estavam lá, só que agora diziam Festival de Monrolasia.
— O festival! — disse Giselle, lembrando-se do evento. — Ainda vai
acontecer?
— Por que não aconteceria? — perguntou Malvina. — Não há poder na
face da Terra que poderia impedi-lo. É meu presentinho para o meu povo.
— É claro, Vossa Majestade — disse Giselle, um tanto quanto entretida.
Malvina sentiu que algo estranho estava acontecendo. Independentemente
do que fosse, ela iria descobrir. Olhou para Morgan, que estava segurando
Sofia. E então, algo na mão da bebê chamou a atenção da rainha.
Era uma varinha.
Uma varinha brilhante.
— Que brinquedo interessante — disse Malvina.
A rainha foi sem pressa em direção à Sofia e fez menção de pegar o objeto
da mão da bebê, mas Giselle se colocou entre as duas, bloqueando o caminho
de Malvina. Não queria que ela segurasse a varinha. Vai saber o que poderia
acontecer?
— Não é nada de mais — disse Giselle. — Só um brinquedo bobo.
— Um brinquedo bobo? — repetiu Malvina. — É mesmo?
Ela se inclinou em direção à Sofia e disse, com calma:
— Posso ver, querida?
No mesmo instante, um badalar alto veio da torre do relógio. Embora
tivesse um aspecto impressionante no dia anterior, Giselle percebeu que a
torre agora era monumental, estendendo-se em direção ao céu, parecendo
uma das belas e opulentas torres de Andalasia.
O relógio bateu, anunciando o meio-dia. E, nesse instante, Giselle
pestanejou de leve e sentiu um pequeno arrepio.
De repente, algo mudou por completo na postura de Giselle. O carinho e a
doçura de sempre tinham desaparecido, ela agora parecia fria e um pouco
perversa.
— Por que não se ocupa com a sua festinha? — Giselle respondeu para
Malvina em um tom ligeiramente arrogante. — Afinal de contas, doces são o
seu forte. Vossa Majestade.
Em seguida, pegou a varinha de Sofia e a enfiou na camisola. Um gesto
nada típico de Giselle.
Um segundo depois, estremeceu de novo e sua doçura voltou.
— Que malvada — murmurou Rosaleen.
— Cruel — confirmou Ruby.
Giselle olhou ao seu redor, de repente desejando estar em qualquer lugar
que não fosse ali.
— Quer saber? Acabei de me dar conta… — disse Giselle para Morgan.
— Esta é a sua primeira festa de contos de fadas. Você precisa de um
vestido! Melhor corrermos para resolver isso. Vejo você hoje à noite,
Majestade!
Antes que Malvina pudesse responder, Giselle e Morgan saíram depressa.
A rainha observou enquanto as duas se afastavam, a mente girando a todo
vapor.
— Nós também vamos precisar de vestidos novos? — perguntou Ruby.
— Já temos, lembra? — respondeu Rosaleen. — Para combinar com os de
sua majestade.
— Mas eu fico feia de roxo — reclamou Ruby. — Que tal fúcsia? Fico
linda de fúcsia.
— Pare de dizer “fúcsia” — rebateu Rosaleen.
— Tem algo de estranho acontecendo com ela — disse Malvina,
interrompendo as duas. — E eu quero saber o quê.
— Ah, mas não vai mesmo, queridinha — disse com desdém para si
mesma.
MAIS UMA VEZ, ROBERT SENTIU AQUELE CHAMADO PARA aventura quando chegou
a uma taverna. Ao entrar, percebeu que ela estava lotada de fregueses. Ele viu
um príncipe, um caçador, um guerreiro e mais do que um ou dois ferreiros.
Se Robert não estivesse tão consumido por sua nova sede de conquistas
emocionantes, talvez os teria reconhecido como os trabalhadores que estavam
no mesmo trem que ele no dia anterior.
Todos estavam bebendo em canecas, e pareciam infelizes.
Mas Robert, não.
— Bom dia, amigos viajantes — bradou com entusiasmo. E, então, com
uma música, anunciou sua intenção de ir em busca de uma aventura para
testar sua valentia.
— Ótimo — disse uma guerreira, revirando os olhos. — Mais um.
— Pega uma caneca, amigão — disse um príncipe rabugento.
Uma mulher entregou uma caneca a Robert, e depois se afastou.
— O quê? Não! — disse ele. Não poderia perder o dia socializando entre
quatro paredes. — A aventura que buscamos está lá fora — proclamou.
— Antigamente, sim — disse um caçador cansado, corrigindo Robert.
— Agora tudo o que nos resta é passar muito, muito tempo andando pela
floresta. Muito, muito tempo mesmo, até morrermos! — reclamou a
guerreira.
— Mas eu estou com essa sede de aproveitar o dia — admitiu Robert.
— Eu também era assim — disse a guerreira. — Era uma vez…
— Todos nós éramos — disse o caçador.
— Mas fomos feitos para aventuras — argumentou Robert, tentando trazer
a multidão para o seu lado. — Com certeza vamos conseguir encontrar algo!
— Pensávamos isso também — disse o caçador.
Todos na taverna pareciam concordar que agora era mais difícil encontrar
aventuras.
E, então, eles cantaram sobre seus problemas, e dançaram. Ah, como
dançaram!
Aquele bando de pessoas estava transbordando de energia e entusiasmo,
mas não tinham mais como dar vazão a tudo o que sentiam — ou, pelo
menos, era o que pensavam.
Robert se juntou à cantoria e deu voz ao seu desejo de aproveitar a
oportunidade de mostrar ao mundo que ainda existem heróis.
Todos achavam que ele era otimista até demais, mas Robert permaneceu
implacável. Estava só começando sua jornada. Como é que ela poderia
terminar tão repentinamente?
E, aos poucos, a animação e o fervor de Robert cativaram a clientela da
taverna, e eles começaram a pensar que talvez — mas só talvez — se Robert
tivesse sucesso em sua busca por uma aventura heroica, ainda poderia haver
esperança para outros heróis.
— Então, lá vou eu! — gritou Robert em meio à agitação, dirigindo-se à
porta da taverna. Todos o saudaram, levantando seus canecos no ar.
Mas ninguém o seguiu.
MORGAN SEGUIU APRESSADA PELA RUA, PROCURANDO Tyson. Enfim, ela o viu
entrando com os amigos em um mercado.
Reunindo toda sua coragem, ela foi atrás do grupo. Mercadores lotavam o
espaço, vendendo elixires, poções, frutas exóticas e praticamente qualquer
coisa que a imaginação pudesse conjurar.
Quando Morgan foi até uma banca de frutas-dragão, muito parecidas com
pitaias comuns, Tyson se aproximou, tentando parecer casual, assim como a
garota.
Depois de um estranho momento de silêncio,Tyson pegou uma das frutas,
tentando pensar em algo para dizer.
— Esta aqui está bem molenga — disse ele, apertando o fruto.
— Melhor tomar cuidado então — avisou Morgan. — Quando molengas,
frutas-dragão podem ser um pouco…
A fruta se abriu, e um dragãozinho saiu de dentro dela.
— Rabugentas — continuou Morgan.
Tyson derrubou a fruta. Limpou as mãos, tentando manter a atitude
descolada.
— Bem, daqui para frente terei cuidado com frutas-dragão — disse ele
com um sorriso. — Presumo que você irá ao festival hoje à noite?
— Ah, sim — respondeu Morgan. — Minha madrasta não costuma
permitir este tipo de coisa… nem nada, na verdade… mas desta vez ela até
me comprou um vestido novo, e eu pretendo aproveitar.
— Você tem sorte — respondeu Tyson. — Queria que a minha mãe fosse
restrita assim.
— Você não gostaria de ir? — perguntou Morgan. — Mas por que não?
— Bem, em primeiro lugar, é meu dever dançar com cada princesa do
reino.
— Sim, isso soa como uma tarefa e tanto — provocou Morgan com um
sorriso.
Tyson sorriu de volta para ela.
— Juro que é mesmo — insistiu ele.
— Bem, sinto muito, mas não acredito nisso nem por um segundo — disse
Morgan.
Para ilustrar seu argumento, Tyson começou a cantar sobre como é
cansativo dançar com tantas princesas quando tudo o que ele queria era
conhecer alguém diferente.
Então, ele começou a dançar, e Morgan o acompanhou, cantando e
dançando com Tyson.
Giselle saiu em disparada pela rua, examinando as lojas atrás de algo que
pudesse ajudá-la.
Nesse mesmo momento, um pequeno grupo de garotos passou correndo
por ela, acidentalmente espirrando lama em seu vestido. Como se um botão
tivesse sido apertado, Giselle lançou um olhar cruel para os garotos.
Agarrou um deles pelo braço.Com a voz cheia de fúria,disse:
— Olha aqui, seu…
Mas, bem no fundo, a verdadeira Giselle lutou contra o impulso de ser
malvada.
— …doce garotinho, que é claro que não fez nada de errado — disse a
Giselle real, assumindo o controle de volta. — Pode seguir seu caminho. Vá
logo.
Ela soltou o braço do garoto e ele saiu correndo. Estava prestes a continuar
sua busca quando, do outro lado da rua, viu Morgan e Tyson trocando
sorrisos.
— Ah, não — falou Giselle, sentindo a raiva tomar conta de si mais uma
vez. — Não, não, não, não. Madrastas nunca levam isso numa boa.
Morgan e Tyson foram na direção dela. Giselle se virou.
— Vai guardar uma dança para mim hoje? — perguntou Tyson. — Quem
sabe duas?
— Só se você dançar assim — brincou Morgan.
Com uma reverência exagerada, Tyson respondeu:
— O que minha donzela desejar.
Morgan sorriu para Tyson. E então os dois seguiram caminhos opostos.
Giselle se virou.
A crueldade estava estampada em seu rosto quando sorriu para a enteada.
Rosaleen e Ruby se apressaram pela entrada de carros da casa de Malvina,
brigando pela varinha que tinham roubado da casa de Giselle.
— Eu entrego para ela — disse Rosaleen.
— Eu que roubei! — reclamou Ruby.
— Mas eu que te puxei — relembrou Rosaleen.
— Você não teria que me puxar se eu não tivesse roubado! — declarou
Ruby.
Rosaleen puxou a varinha da mão de Ruby e entrou na casa de Malvina
com Ruby vindo logo atrás.
Lá dentro, encontraram Malvina no salão do trono se consultando com
Edgar. Rosaleen entregou a varinha enquanto as duas explicavam o que havia
acontecido.
— Então Giselle fez algum tipo de desejo com a varinha? — disse Edgar,
olhando para o objeto mágico.
— Foi o que ela disse — ofereceu Rosaleen.
— E depois fez o esquilo dela virar um gato! — falou Ruby, tentando sair
por cima de Rosaleen.
— Que desejo mais peculiar para se fazer. — Edgar pensou em voz alta.
— Bem, estamos falando de Giselle — argumentou Malvina, e então
examinou a Varinha dos Desejos. — Uma varinha de Giselle não pode ser tão
poderosa, mas acho melhor testarmos o que eu posso fazer com ela. Vejamos.
Desejo… que Ruby seja um sapo pelo resto da eternidade.
Ruby soltou um gritinho, apertando os olhos. A mágica do feitiço lançou
Malvina contra a parede e, com o impacto, ela derrubou a varinha no chão.
Estantes caíram ao seu redor. Rosaleen assistiu à cena muda de pavor.
— Croac croac! — Foi o que saiu da garganta de Ruby. — Funcionou?
Rosaleen bateu no braço de Ruby, que então abriu os olhos. Quando a
moça viu que não tinha se transformado em um sapo, suspirou de alívio.
Malvina se levantou e pegou a varinha.
— Espelho! — gritou Malvina.
— Sim, Majestade — respondeu Edgar. — Estou consultando cada
espelho mágico que consigo encontrar, minha soberana.
Malvina ficou estática, a raiva exalando de seus poros. Ela olhou para a
varinha.
— Que tipo de magia é esta? — perguntou ela.
Puf! O rolo de pergaminho apareceu de repente na bancada.
— Faça qualquer pergunta que eu apareço! — disse o pergaminho,
animado. — Essa é fácil! É magia de Andalasia, o que significa que só uma
verdadeira filha ou um verdadeiro filho de Andalasia consegue… usá-la…
O rolo foi desacelerando sua fala quando percebeu que não estava mais em
posse de Giselle. Ele olhou para a varinha e depois para Malvina, Rosaleen e
Ruby.
— Ah... — ele gemeu. — Ah, não.
— Peguem-no! — ordenou Malvina, e Rosaleen e Ruby o agarraram.
— O que é isto? — perguntou Rosaleen a Ruby.
— Ele é tão bonitinho! — Ruby soltou um gritinho.
— Por favor, não relem nas minhas notas de rodapé — implorou o
pergaminho.
— Por acaso você disse “qualquer pergunta”? — indagou Malvina.
O pergaminho tentou se soltar de Ruby e Rosaleen para desaparecer.
Parecia que, enquanto o rolo estivesse sendo segurado, não podia fazer puf e
sumir.
— Ah, não, você não vai a lugar nenhum — disse Malvina com um nítido
tom de maldade. — Tenho algumas perguntinhas para você. Então por que
não — ela pegou uma tesoura e se aproximou dele — começamos do início?
O pergaminho engoliu seco.
Morgan voltou para casa, carregando uma cesta cheia de flores silvestres.
Cantarolava uma música feliz enquanto pensava no festival daquela noite.
Ao entrar em casa, a garota foi direto para seu quarto bolorento no sótão.
Lá, colocou as flores silvestres no colchão e começou a separá-las.
Morgan olhou para cima quando ouviu Giselle entrar no sótão.
— É um belo buquê — disse Giselle em um tom maldoso.
— É mesmo, não é? — concordou Morgan. — Vão combinar muito bem
com meu vestido. Eu as encontrei ao ar livre, ali perto do mercado. Não é
maravilhoso?
— O mundo é mesmo um milagre — disse Giselle. Agora sua voz estava
impregnada de sarcasmo. É claro que estava, pois Giselle estava se sentindo
particularmente perversa.
— Oh, preciso lhe contar — disse Morgan, não percebendo a mudança em
Giselle — a coisa maravilhosa que aconteceu comigo. Tyson me convidou
para acompanhá-lo ao festival! Pelo menos, tenho quase certeza de que me
convidou. Bem, nós cantamos sobre o festival, o que me parece sugerir um
convite. Seja como for, é maravilhoso.
— Hmm, que emocionante — respondeu Giselle, claramente nada
impressionada. — É mesmo uma pena que você não poderá ir ao festival esta
noite. Ainda tem muitas tarefas domésticas a fazer.
— Mas eu já fiz tudo o que você pediu — protestou Morgan.
— Ah, fez mesmo? — perguntou Giselle. — E o tapete no corredor? Está
empoeirado demais. E as janelas? Mal consigo enxergar o lado de fora. E tem
o jardim, as costuras, os ajustes em minhas roupas, e não se esqueça da
chaminé. Está imunda.
— Certo — disse Morgan. — Talvez eu tenha deixado passar alguns
afazeres, mas com certeza são tarefas que podem esperar.
Giselle encarou Morgan, furiosa.
— Está me contrariando?
— É claro que não — falou Morgan, se afastando. — Jamais faria isso.
— Talvez você precise se lembrar do seu lugar aqui — desdenhou Giselle.
— Até que consiga, não sairá deste quarto, exceto para cumprir suas tarefas.
E só quando eu deixar.
E, então, um saco caiu do teto, dando um susto em Morgan que a fez pular
para trás. O saco tinha o vestido que elas haviam comprado, além de
espanadores e aventais. Morgan levantou a cabeça e viu Pip, o gato,
empoleirado em um canto alto, onde esfregou o corpo, soltando pelos.
— Faltou limpar aqui — provocou ele.
— Sim, vejo que há muito a ser feito — disse Morgan. — E farei tudo
assim que o festival acabar. Não vou nem dormir, mas prometi a Tyson que
eu iria.
— Ora, ora, Morgan — falou Giselle. — Um garoto como ele tem muitas
opções. E, francamente, opções melhores. Mas não se preocupe. Você ainda
pode aproveitar a noite daqui do seu sótão. Tenho certeza de que será tão
mágica quanto lá no festival.
Uma sombra de compreensão passou pelo rosto de Giselle.
— Ah, isso foi sarcasmo, não foi? Olhe só! Não é tão difícil de entender,
afinal de contas.
— Madrasta, por favor — implorou Morgan. — Não seja tão cruel assim.
— Não consigo evitar, querida — respondeu Giselle, divertindo-se com o
momento. — É quem eu sou.
Em seguida, Giselle revelou que ela estava segurando a Árvore de
Lembranças o tempo todo, e a jogou em cima da pilha com o vestido de
trapos, os espanadores e os aventais. Deu as costas para a enteada, batendo a
porta ao sair.
E Morgan?
Morgan só conseguiu ficar parada ali, desolada.
Então ouviu o barulho de uma chave na porta.
E o barulho da tranca.
Giselle havia trancado a menina no sótão.
E, se tivesse visto o rosto de Giselle ao fazer aquilo, Morgan teria
testemunhado um sorriso fino e cruel surgindo nos lábios da madrasta
perversa.
Enquanto isso, no sótão, Morgan estava muito quieta usando seu vestido de
trapos. Não conseguia deixar de olhar para o próprio reflexo no espelho
poeirento. A garota puxou uma tira solta e a prendeu no lugar com um
alfinete, mas ela cedeu de novo.
Suspirando derrotada, estava prestes a cair em desespero quando notou
algo diferente no espelho.
Era a fruta-dragão do mercado. Morgan se virou para pegá-la. Um sorriso
brincou em seus lábios ao se lembrar do encontro com Tyson.
Aos poucos, uma ideia começou a criar raízes em sua mente.
Alguns instantes depois, Morgan fez uma corda de lençóis. Amarrou uma
das pontas dentro do quarto, com um nó bem apertado. Depois, jogou o resto
pela janela do sótão.
Olhando para baixo, Morgan agarrou o lençol e saiu pela janela, descendo
pela parede da casa. Quando chegou a menos de um metro do chão, pulou,
caindo de pé.
Morgan estava batendo no vestido para se limpar quando ouviu alguém
dizer:
— Vai a algum lugar?
A garota se virou e viu Giselle com um sorriso zombeteiro.
— Não é o que está pensando — disse Morgan, nervosa. — Eu só preciso
avisar Tyson que não vou ao festival. Madrasta, por favor. Prometo voltar
logo.
— Tem razão — concordou Giselle. — Vai voltar logo mesmo. Porque
não vai a lugar algum.
A madrasta cruel agarrou o braço de Morgan e a menina protestou:
— Por favor. Por favor, não faça isso.
Algo no apelo sincero de Morgan tocou Giselle bem lá no fundo e, por um
momento, ela se lembrou de quem era.
— Morgan! — exclamou Giselle, soando apavorada consigo mesma.
— Madrasta? — perguntou a menina.
Giselle balançou a cabeça, lutando contra a perversidade dentro de si, mas
era uma batalha perdida.
E, então, a torre do relógio soou a primeira badalada das três horas.
Bong!
— Ah, não! — arfou Giselle. — Não pode ser! Ainda não!
— Do que está falando? — perguntou Morgan, sem entender.
— Ambição — falou Giselle. — É o último dos atributos. E, então, vou
virar ela por inteiro.
— Ela quem?
Mas Giselle não respondeu. Vasculhou ao redor com desespero no olhar e
viu o poço logo atrás delas. Arrastou Morgan até ele.
— O que está acontecendo? — Morgan exigiu saber.
— Sinto muito — falou Giselle, mal conseguindo manter a bondade que
lhe restava. — É tudo minha culpa! Eu desejei que Monroeville fosse como
Andalasia e tudo deu terrivelmente errado…
Bong! A segunda badalada veio. Morgan estava apavorada.
— Ou terrivelmente certo — disse Giselle, com seu alter ego perverso
tomando conta dela mais uma vez. — A pobrezinha não sabe o que quer. Mas
eu sei.
— Madrasta, por favor — implorou Morgan.
— Você precisa me ouvir, está bem? — falou Giselle com lágrimas nos
olhos, tentando se agarrar à sua bondade que já estava lhe escapando por
completo.
— Ah, sim, sim, sim — respondeu o alter ego perverso de Giselle. —
Morgan, a perfeitinha. Onde foi parar tamanha perfeição, hein?
— Você. Não. Ouse. — Giselle ameaçou sua inimiga interior.
— Ouso tanto quanto eu quiser!
— Você está me assustando — disse Morgan, chorando.
Reunindo todas as suas forças, a Giselle verdadeira ressurgiu.
— Eu sei, mas não há tempo. Queria eu mesma fazer isso, mas vai saber o
que pode acontecer se eu for lá assim? Você precisa ir. Vá atrás de ajuda
antes que seja tarde demais. Você só tem até a meia-noite para conseguir.
— Conseguir o quê? — perguntou Morgan.
Bong!
Veio o terceiro toque. Giselle lançou um último olhar a Morgan.
— Salve-nos — pediu Giselle.
E, então, sem dizer outra palavra, ela empurrou Morgan no poço.
A garota gritou ao cair. O pouco de bondade que restava em Giselle sabia
que Morgan não se machucaria, que o poço a levaria em segurança para
Andalasia.
Mas quando Giselle estremeceu uma última vez, o que restava de bondade
nela desapareceu.
Agora ela era pura maldade.
Giselle olhou para dentro do poço.
— Menina malcriada — disse, com uma perversidade aguda.
Checou a torre do relógio, enfim despreocupada com a hora.
O som de um choro veio de dentro da casa.
Era Sofia.
Giselle suspirou, revirando os olhos.
— Quem tem tempo para isso? — disse ela com desprezo.
Foi aí que viu três fadinhas ali por perto.
— Vocês três parecem ser boas com crianças — falou Giselle. — Minha
queridinha precisa de cuidados. Cuidem disso para mim, sim?
Estava claro para as fadas que Giselle não estava pedindo. Estava
mandando.
E elas obedeceram.
CAPÍTULO SETE
Logo Robert voltou para casa após um dia difícil de uma aventura quase
heroica. Ao entrar na sala, encontrou três fadas cuidando de Sofia. Lançou a
elas um olhar de curiosidade e subiu as escadas.
Quando chegou ao quarto, viu Giselle se admirando no espelho, de costas
para ele.
— Giselle, aí está você! — disse ele, cansado. — Eu tive um dia e tanto…
E, então, Giselle se virou, revelando um rosto que só poderia pertencer a
uma rainha má. Seus olhos estavam acentuados com maquiagem pesada,
dando a ela um ar ao mesmo tempo reverente e ameaçador.
— Somos dois — respondeu ela.
— Sabia que era uma casa na árvore — falou Morgan, assimilando o que
estava vendo. — Mas isso aqui é a casa na árvore.
— Aqui fazemos tudo no capricho — disse Nancy.
E, então, eles entraram na casa de verdade sobre a árvore onde Giselle
havia morado. Embora a magia estivesse sumindo, sendo sugada com
lentidão para o vórtex, a moradia ainda parecia um sonho.
— É bem como eu tinha imaginado — falou Morgan. Ela ouvia as
histórias de Giselle desde que era uma menininha. Até a estátua do Príncipe
Edward estava lá! O manequim tinha dois cristais brilhantes no lugar dos
olhos e o cabelo era feito de folhas. Curiosamente, não tinha uma boca.
Morgan observou enquanto Edward olhava para a estátua.
— Passe aquele pente para mim — pediu Edward, soando ofendido.
Morgan lhe entregou o pente e Edward o segurou na altura de onde a boca
do manequim deveria estar.
Mas aqueles lábios não agradaram a Edward.
— Edward, será que a gente não pode encontrar seus lábios depois de
salvarmos nosso reino da total e completa destruição? — perguntou Nancy
educadamente.
Os lábios do Edward de verdade fizeram bico.
— Certo — respondeu ele.
— A Árvore está aqui — falou Nancy, abrindo um painel em uma janela
circular.
Morgan e Edward a acompanharam pelo jardim. Bem no centro, estava a
Árvore de Lembranças de Giselle. A árvore estava coberta de enfeites de
memória. Morgan viu fotos do pai dela, de Sofia e de si mesma. Eram todos
momentos magníficos, congelados para sempre em lembranças do tempo que
eles haviam passado juntos como família.
As memórias estavam intactas, mas a árvore…
Morgan foi até ela, sentindo seu coração se partir.
— Está morta — a garota disse baixinho. — O que faremos agora?
— Não tenha medo — falou Edward, tentando soar corajoso. — Teremos
uma ideia brilhante no último minuto que resolverá todos os nossos
problemas.
Nancy e Morgan o encararam.
— O quê? É assim que as coisas funcionam aqui — explicou ele.
— Deve haver algo que possamos fazer — disse Nancy, pensativa.
Talvez houvesse, mas Morgan não sabia o quê. Olhou para um dos enfeites
na Árvore de Lembranças. Era uma foto dela criança, olhando para Giselle no
topo de um outdoor. Morgan se lembrava bem daquele momento. Foi a noite
em que ela e o pai conheceram Giselle.
Morgan passou os dedos pela imagem de si mesma mais nova.
— Essa versão de mim teria tido uma ideia. Eu vi uma princesa mágica em
cima de um outdoor mequetrefe no meio da chuva, de dentro de um táxi!
Talvez seja por isso que Giselle gosta mais daquela Morgan.
— Morgan, não, isso não é verdade — defendeu Nancy.
— É sim — continuou a garota. — E eu entendo. Naquela época, a gente
nunca brigava. A gente só se divertia juntas.
O calor daquela lembrança inundou cada pedaço de Morgan.
— Sei que ela acha que é minha culpa que tudo tenha mudado — falou
Morgan. — Mas a verdade é que… eu também sinto falta.
De repente, as flores que estavam em volta dos enfeites começaram a
brilhar. Só durou um momento, mas reluziram!
Conforme o brilho sumiu, Morgan perguntou:
— O que foi isso?
— Mágica — respondeu Edward. Uma bolinha de luz se desprendeu de
sua mão e subiu até o vórtex. — Bem, isso é preocupante — acrescentou
Edward.
— Rápido — Nancy incitou Morgan, — olhe para mais uma lembrança.
Vacilante, Morgan fez o que Nancy pediu. Nesta memória, a garota se via,
de novo como criança, dançando alegremente com Giselle e o pai no
apartamento deles em Nova York. Ela se lembrava como se fosse ontem.
Mais uma vez, as flores reluziram e, em seguida, de novo o brilho sumiu.
— Não consigo! — falou Morgan, frustrada. — Não consigo de novo.
Outra bola de luz saiu de Edward, desta vez de seu peito. E foi sugada pelo
vórtex.
— Por favor — implorou ele. — Por favor, tente de novo.
— Não sei como — admitiu Morgan.
Nancy foi até a garota e segurou sua mão.
— Morgan, você só precisa olhar para dentro de si mesma.
E, então, Nancy começou a cantar sobre mágica e como ela era necessária
naquele momento — não o tipo de magia que vinha de feitiços ou varinhas,
mas algo de dentro de Morgan.
A garota tentou de novo. As flores começaram a se iluminar mais uma vez.
— Está funcionando — disse ela, impressionada.
Ela continuou observando os enfeites de memórias, lembrando-se de todos
os momentos maravilhosos que sua família tinha compartilhado ao longo dos
anos. Festas de aniversário, primeiros dias de aula e jogos de futebol.
Atrelada a cada uma dessas lembranças estava Giselle, e seu amor pela
família.
Nancy continuou a cantar enquanto Morgan continuava a olhar as
memórias, que agora cresciam, girando ao redor delas. Logo, um portal
começou a se formar.
A energia mágica — de Edward, dos animais ali com eles, de tudo e todos
em Andalasia — continuou a flutuar para o céu em direção ao vórtex.
Enquanto isso, o portal crescia cada vez mais. Agora estava grande o
bastante para que passassem por ele.
Edward olhou para trás, para todas as criaturas de Andalasia. E viu o
quanto elas estavam com medo de perder a magia que tinham.
Nancy e Edward sabiam o que precisava ser feito.
Afastando-se de Nancy e Morgan, Edward desembainhou sua espada e
colocou-se à frente de seus amigos andalasianos. Por sua honra, ele os
defenderia até o final.
Um momento depois, com um barulho alto de ventania, Nancy e Morgan
foram parar no quintal da casa de Morgan em Monrolasia.
Ao redor das duas, as memórias reluzentes giravam e dançavam como se
fossem fantasmas. Elas observaram enquanto a trilha mágica seguiu pela
lateral da casa de Morgan e entrou pela janela da torre.
As duas correram para dentro e quando chegaram ao quarto de Morgan no
sótão, a garota viu a pilha de roupas brilhando com magia.
— O que é isso? — perguntou Nancy.
Morgan deu um passo adiante. E então viu que não eram as roupas que
estavam iluminadas. Era algo em cima da pilha.
Era a sua Árvore de Lembranças.
As pequenas flores de papel cor-de-rosa que Morgan havia colado nela
vários anos antes brilhavam com magia. Admirada, a garota pegou a Árvore
de Lembranças.
— É o poder do amor — disse Morgan.
Talvez não fosse tarde demais, ela pensou. Talvez ainda pudesse salvar
Giselle e Andalasia.
CAPÍTULO OITO
QUANDO O RELÓGIO BATEU ONZE E MEIA DA NOITE, UMA carruagem desceu pela
rua em direção ao centro de Monrolasia. Dentro dela estavam Giselle e
Robert, enquanto os cavalos trotavam pelo caminho.
— Vamos mesmo precisar de algo mais majestoso do que isso — disse
Giselle, gesticulando com nojo pela carruagem. — E servos. Vamos precisar
de serviçais se quisermos fazer tudo direito.
— Onde você disse que Morgan estava mesmo? — perguntou Robert, um
pouco distraído.
— Ah, vai saber — respondeu Giselle. — E quem se importa? Esta é
minha noite.
— Certo — disse Robert. — Pare a carruagem — disse ele para o
cocheiro, que obedeceu.
Os cavalos pararam. Robert desceu da carruagem em meio à multidão que
estava a caminho do festival.
— Robert! — gritou Giselle, incrédula com o comportamento dele.
— Morgan não iria simplesmente desaparecer assim — falou Robert. —
Se ela fez isso, é porque tem algo errado, e eu vou encontrá-la.
— Uma busca infrutífera — desdenhou Giselle. — Mas boa sorte com
isso.
Então, com um sorriso maldoso, ela se virou para o cocheiro.
— Adiante — ordenou ela.
Em meio à briga com Giselle, Malvina reparou no lustre que pairava acima
de sua inimiga e teve uma ideia horrível. Com um aceno de sua mão, ela fez
o lustre cair magicamente.
Giselle o desviou com a varinha antes que o lustre pudesse atingi-la,
transformando-o em uma revoada de pássaros azuis.
Mas não pássaros azuis comuns.
Pássaros azuis furiosos.
Que partiram para cima de Malvina.
— Armamento — comandou Malvina sem perder tempo.
De imediato, uma variedade de clavas, chicotes, marretas e outras armas
surgiram nas mãos das pessoas no festival.
— Destruam-na! — gritou Malvina com um aceno do punho.
Sob o controle de Malvina, a multidão avançou em direção a Giselle.
— Ah, Malvina — falou Giselle. — O amor é mais forte que o ódio.
Com um balanço da varinha, Giselle transformou as armas nas mãos dos
festeiros em borboletas.
Enquanto a batalha seguia, as paredes do salão de baile começaram a
desmoronar. Galhos surgiram do lado de fora, fazendo um buraco imenso na
parede.
Livres do controle de Malvina, as pessoas saíram correndo pelo buraco,
aproveitando a oportunidade de escapar.
Paft! Malvina bateu contra uma parede espelhada.
— Acho que, afinal de contas, existe, sim, alguém mais bela do que você
— gabou-se Giselle. Mais uma vez, Malvina sacudiu a mão e o chão abaixo
de Giselle cedeu e ela caiu.
— Você é que não é, queridinha — falou Malvina.
Quando Robert saiu do salão de baile, foi direto para a torre do relógio e
subiu correndo as escadas.
Ao chegar no topo, viu as engrenagens, cordas e polias que faziam o
relógio funcionar. Pensando rápido, puxou a espada bem quando o último
toque estava prestes a soar.
Então, golpeou as engrenagens com a espada, e o relógio parou.
A última badalada não ressoou.
Malvina olhou para cima, furiosa. Ela estava esperando o último toque,
mas agora só havia silêncio.
Morgan percebeu que ainda tinha tempo. Voltou para o lado de Giselle
com os pedaços da varinha quebrada em mãos.
— Peguei — falou a garota. — Mas está quebrada.
— Tudo bem — disse Giselle, fraca. — Precisamos fazer um novo desejo.
E então os olhos de Giselle se fecharam.
— Aqui — Morgan balançou a mãe.
Ela tentou colocar os pedaços da varinha na mão de Giselle, mas sua mãe
não tinha mais forças para segurá-los.
— Acho que precisa ser você — arfou Giselle.
— Mas não consigo usá-la — falou Morgan. — Não sou uma filha
verdadeira de Andalasia.
— Você é sim uma verdadeira filha de Andalasia — disse Giselle, ainda
fraca. — Porque é minha filha, Morgan.
Com toda a força que ainda lhe restava, Giselle cantou leve e docemente
sobre como tinha orgulho da filha e como o amor que tinha por ela sempre
estaria com Morgan.
Mas Giselle não conseguiu terminar sua canção.
Estava fraca demais. Seus olhos se fecharam mais uma vez.
Uma onda avassaladora de pânico e tristeza inundou Morgan.
— Espere. O que eu peço? Qual deve ser o meu desejo? — gritou ela,
desesperada.
Mas Giselle não respondeu.
Morgan respirou fundo para clarear a mente.
— Procure dentro si mesma — sussurrou. — Procure.
Quando a garota olhou para os pedaços da varinha, Malvina a encarou,
percebendo o que Morgan estava prestes a fazer. A rainha invocou sua magia
maligna, com um aceno da mão na direção da torre. Com um estalo agudo, o
vidro se quebrou.
Dentro da torre, Robert se protegeu dos cacos que caíram em cima dele.
Com grande esforço, tentou segurar a espada firmemente, mas seus dedos
escorregaram, e as engrenagens do relógio começaram a deslizar.
De volta ao salão de baile, Morgan olhou para a casa na árvore de Giselle
se lembrando de como era estar lá dentro. Com uma clareza impressionável,
de repente Morgan sabia exatamente o que pedir. Encarou os pedaços da
varinha em sua mão.
— Não ouse — ameaçou Malvina. Ela levantou as mãos, pronta para
atacar Morgan com sua magia.
As engrenagens do relógio voltaram a funcionar e, enfim, veio o último
toque da meia-noite.
Morgan fechou os olhos bem apertados e disse:
— Eu desejo estar em casa com a minha mãe.
De imediato, surgiu um feixe de luz.
Malvina gritou.
Robert estava com dificuldades na torre. Ao mesmo tempo, Nancy
observava o reflexo de Edward na cachoeira ficando cada vez mais fraco,
sem poder fazer nada para ajudar.
Pip, o gato, segurava o rolo de pergaminho.
Giselle deu seu último suspiro.
CAPÍTULO DEZ
FIM
Giselle e sua família se mudam para uma casa encantadora em uma
cidadezinha chamada Monroeville.
Os desenhos que Morgan fez quando criança são parte da decoração de seu
novo quarto, incluindo sua ilustração da Árvore de Lembranças.
Malvina, Rosaleen e Ruby fazem uma visita de boas-vindas à família de
Giselle em sua nova casa.
Malvina, Rosaleen e Ruby organizam uma venda de doces para um grande
evento chamado Festival Monroe.
Em seu primeiro dia de aula na escola nova, Morgan conhece Tyson, o filho
de Malvina.
Giselle organiza sua própria venda de doces. Morgan fica morrendo de
vergonha.
Morgan diz a Giselle que ela nunca será sua mãe de verdade, apenas sua
madrasta.
Giselle usa a Varinha dos Desejos para pedir que ela e sua família tenham
uma vida de contos de fadas.
O desejo se torna realidade! Monroeville se torna Monroelasia, onde todos
vivem em um conto de fadas.
Mas Giselle percebe que, com o passar do tempo, ela começa a virar uma
madrasta perversa!
Giselle faz uma visita a Malvina, que se tornou uma rainha má.