KANAYAMA, Rodrigo Luís. A Vedação Aos Argumentos Políticos Na Ativdade Jurisdicional
KANAYAMA, Rodrigo Luís. A Vedação Aos Argumentos Políticos Na Ativdade Jurisdicional
KANAYAMA, Rodrigo Luís. A Vedação Aos Argumentos Políticos Na Ativdade Jurisdicional
RESUMO
Desde a escolha das normas jurídicas que ordenarão uma sociedade até sua efetiva
aplicação pelos juízes é preciso que haja coerência. Não é possível permitir que, em
prejuízo da segurança jurídica e da democracia, seja possível o julgamento de casos
concretos pelo Poder Judiciário pela eqüidade ou pelo bom senso dos magistrados.
Portanto, como limite à atuação jurisdicional tem-se a fundamentação, que
obrigatoriamente deverá existir em todas as decisões judiciais, baseando-se em normas
jurídicas pré-existentes. Somente assim será possível chegar mais próximo da Justiça.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo será [procurar] demonstrar como esse impasse pode ser superado.
Mais simples compreender o problema com um exemplo concreto: no editorial do
∗
Advogado e Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Email: [email protected]
jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de junho de 20061, criticou-se a declaração da
Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia Antunes Rocha, que anunciou
aos jornalistas a escolha de dois objetivos principais para balizar sua atuação
jurisdicional. O primeiro é acabar com o que chamou de “exclusão social da maior
parte da população” no acesso ao Poder Judiciário. O segundo objetivo é “tornar
efetivos” os direitos garantidos pela Constituição.
Para o jornal, essa declaração causou apreensão, pois, de acordo com ele, a
Ministra, ao atuar dessa forma, estaria deixando de lado a isenção e a objetividade em
seus julgamentos para atuar como “ministra do social”, disseminando “incerteza
jurídica”. Ainda, de acordo com o editorial, a principal função do magistrado do STF é
garantir a segurança do Direito e a coerência e racionalidade do sistema jurídico.
Por fim, o Jornal pugna por uma interpretação rigorosa das leis, sem que os
Ministros possam “defender” as partes mais fracas. Ainda, diz que a função do
magistrado é puramente técnica, jamais política, e que a isenção e a neutralidade do
juiz é essencial ao Estado de Direito.
5
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Para tanto, existem algumas condições: que o povo possa, por si só, decidir o
caminho pelo qual irá trilhar; que todos possam participar das discussões para escolher
livremente qual caminho tomarão. O povo detém a soberania2, ou seja, a capacidade de
que os próprios membros determinem como deve ser regulada a sociedade em que
viverão.
2
Carl Schmitt traz o conceito de soberania do contexto teológico para o político. Segundo o
prefácio de Hans Georg Flickinger (SCHMITT, Carl. O conceito do político. Rio de Janeiro: Vozes,
1992, p. 21), Schmitt critica o conceito moderno de soberania, “que é esvaziado de seu sentido
verdadeiramente político: o caráter do logos divino enquanto decisão originária, por sua vez não mais
fundamentável e enquanto princípio criador da ordem objetiva aparecerá, de novo, no contexto de sua
interpretação da essência da soberania política”.
3
PALOMBELLA, Gianluigi. Constitución y soberania. Granada: Comares, 2000, p. 24.
4
Conforme Cláudio Pereira de Souza Neto, a Constituição não pode ser entendida como um
mero “reflexo da realidade”, mas deve alentar também a pretensão de conformá-la, contribuindo para
o estabelecimento de termos justos para a cooperação social (SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A
teoria constitucional e seus lugares específicos: notas sobre o aporte reconstrutivo. Revista de Direito
do Estado, a. 1, n. 1, p. 104).
6
escolha normativa, é a soberania, o poder do povo, uma concreta referência à estrutura
organizativa no nível sociológico, político, econômico e da vontade constituinte5.
Somente assim uma Constituição será válida e legítima. Essa é a idéia que predominou
no constitucionalismo pós-guerra e foi determinante para a limitação do poder estatal.
Para Rawls, a sociedade deve estar regida por um conceito público de justiça.
Os homens, pois, podem propor demandas reciprocamente, no entanto concordam com
um ponto de vista comum a partir do qual elas serão julgadas: "poder-se-ia pensar no
conceito público de justiça, como sendo a carta fundamental de uma sociedade
humana em boa ordem"6.
5
PALOMBELLA, op. cit., p. 27.
6
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Brasília: UnB, 1981, p. 28.
7
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Tudo terá pretensão de ser justo, sendo que “uma característica da justiça
como eqüidade é considerar as partes iniciais como encontrando-se numa situação
racional e de desinteresse mútuo”8. Os princípios fundantes deverão ser escolhidos
racionalmente e sem nenhum interesse, exceto o bem comum. Para deixar claro, os
princípios da justiça deverão obedecer a certas condições e ninguém poderá tirar
vantagem na escolha dos deles.
7
RAWLS, op. cit., p. 33-34.
8
Ibidem, p. 34.
9
Conforme Bobbio (BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1995, p.
147), a coação possui duas concepções: clássica e moderna. “Para a teoria clássica, a coerção é o meio
mediante o qual se fazem valer as normas jurídicas, ou, em outras palavras, o direito é um conjunto de
normas que se fazem valer coativamente; para a teoria moderna, a coerção é o objeto das normas
jurídicas ou, em outros termos, o direito é um conjunto de normas que regulam o uso da força
coativa”.
8
se que elas aceitam o ordenamento (ou, ao menos, a maioria).
Para o autor era nessa norma de reconhecimento (que era norma secundária
fundamental para Hart) que estava o fundamento da obediência, não no monopólio do
poder11. Sendo assim, uma norma pode ser obrigatória porque é aceita ou porque é
válida. A despeito da existência de uma norma de reconhecimento12, de Hart, e da
coercibilidade, é acima de tudo necessário que haja a obrigatoriedade moral ou
correção material13, pois é preciso distinguir o Direito da mera força (ou seja, apenas
sanções não são suficientes para legitimá-lo).
10
HART, H. L. A. O conceito de direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1961, p. 145.
11
Para Austin (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes,
2002, p. 29), a regra jurídica é uma ordem proveniente de uma pessoa dotada de força. Típico
pensamento positivista, tal como Kelsen, que atribuía a obediência à sanção. Além disso, defendia em
sua teoria a possibilidade do juiz criar um novo direito para o caso de não haver previsão ou
jurisprudência, cuja discussão virá adiante.
12
Dworkin explica a “norma de reconhecimento” de Hart. Para ele, essa norma é a regra
secundária, que fundamenta o ordenamento jurídico. A autoridade está nela, e não no monopólio do
poder, como afirmava Austin (ibidem, p. 33).
13
SANCHÍS, Luis Prieto. Constitucionalismo y positivismo. México: Fontamara, 1999, p.
59.
14
É preciso ressaltar que para manter um sistema jurídico não é suficiente apenas a força,
mas também legitimidade. A adesão ao direito não pode ser forçada, mas voluntária. (SANCHÍS, op.
cit., p. 72). Conforme Rousseau, “convenhamos que a força não faz o direito e que só devemos
obedecer aos legítimos poderes”. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato social. Lisboa: Presença,
[s.d.], p. 14).
9
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poderia argumentar que os princípios não podem ser vinculantes ou obrigatórios. Tal
argumento seria um erro. Sem dúvida, é sempre questionável se algum princípio particular
obriga, de fato, alguma autoridade jurídica. Mas não há nada no caráter lógico de um
princípio que o torne incapaz de obrigá-la.16
15
DWORKIN. Levando ..., p. 35. Conforme Dworkin, “os positivistas sustentam que quando
um caso não é coberto por uma regra clara, o juiz deve exercer seu poder discricionário para decidi-lo
mediante a criação de um novo item de legislação” (ibidem, p. 50).
16
Ibidem, p. 56.
17
Ibidem, p. 57.
18
Ao contrário das regras que, em caso de conflito, um deixará de ser válida.
10
que não podem ser defendidos em conjunto como a expressão de uma série coerente de
princípios da justiça, eqüidade ou devido processo legal.
As decisões conciliatórias são obtidas com muito mais facilidade, pois a cada
grupo de uma comunidade pode-se aplicar o Direito que mais lhes aprouver. Não há
conflito de opiniões e isso dispensa discussões. Mas os reveses são, por exemplo, a
ausência da “igualdade formal”, a existência da parcialidade, impossibilidade da união
da vida moral e política do cidadão.
19
“Um Estado é legítimo se sua estrutura e suas práticas constitucionais forem tais que seus
cidadãos tenham uma obrigação geral de obedecer às decisões políticas que pretendem impor-lhes
deveres” (DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 232).
11
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4 A APLICAÇÃO DO DIREITO
20
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério, p. 9.
21
Os positivistas reconhecem a existência de lacunas no ordenamento jurídico e indicam a
solução: o intérprete, conforme Kelsen, deverá criar o direito para preencher a “moldura” da lei e se
alcançar a sentença correta. Para o jurista, juiz e legislador produzem o direito, mas este o faz muito
mais livremente. Apesar disso, a atividade do juiz envolve sua vontade, criando uma regra individual
para o caso concreto. (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado,
1979, p. 469)
22
ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 75.
23
“Las reglas son normas que, cuando se cumple el tipo de hecho, ordenan una consecuencia
jurídica definitiva, es decir, cuando de cumplen determinadas condiciones, ordenan, prohíben o
permiten algo definitivamente o autorizan definitivamente hacer algo”. (ALEXY, op. cit., p. 75)
24
Os princípios “son normas que ordenan que algo se realice en la mayor medida posible
según las posibilidades fáticas y jurídicas. Esto significa que pueden ser realizados en diferente grado
y que la medida de su realización de un principio están determinadas esencialmente, a más de por la
reglas, por los principios opuestos”. (ALEXY, op. cit., loc. cit.)
12
Isso porque as regras agem de forma definitiva, ou seja, simplesmente ordenam ou
proíbem, por exemplo. Já os princípios são totalmente contrários a essa concepção,
dando maior liberdade à interpretação.
As regras dizem com exatidão o que se pode fazer, o que não se pode etc. Mas
a aplicação dos princípios só pode ser vislumbrada perante o caso concreto, como
afirma Zagrebelsky25, o que, segundo Kelsen, daria abertura para o decisionismo
judicial (ou “discricionariedade forte”, para Dworkin26), já que são indeterminados.
Expõe Dworkin:
25
SANCHÍS, op. cit., p. 31.
26
A discricionariedade do juiz, neste trabalho, é utilizada no sentido forte (de arbitrariedade)
(DWORKIN. Levando ..., p. 49). No direito anglo-saxão, o juiz poderá decidir discricionariamente
dentro dos limites impostos pelas normas jurídicas. Dworkin explica o termo. Para ele, existem duas
acepções: no sentido fraco e no sentido forte. Quanto ao sentido fraco, aplica o termo para a
capacidade de julgamento, ou para dizer que um determinado funcionário tem o poder da “última
palavra”. Já em relação ao sentido forte, utiliza o termo para mostrar que aquele funcionário “não está
limitado pelos padrões de autoridade em questão” (p. 52). Neste caso, o funcionário não precisaria
recorrer ao padrão de autoridade (poderá, até mesmo, utilizar-se do bom senso ou eqüidade, o que não
descaracteriza o sentido forte).
27
Ibidem, p. 39.
13
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entram em conflito e interagem uns com os outros, de modo que cada princípio relevante
para um problema jurídico particular fornece uma razão em favor de uma determinada
solução, mas não a estipula. O homem que deve decidir uma questão vê-se, portanto, diante
da exigência de avaliar todos esses princípios conflitantes e antagônicos que incidem sobre
ela e chegar a um veredicto a partir desses princípios, em vez de identificar um dentre eles
como ‘válido’. 28
28
Ibidem, p. 114.
29
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1,
p. 258.
30
No direito pátrio a determinação decorre da Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art.
4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”. E no Código de Processo Civil, art. 126: “O juiz não se exime de
sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á
aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de
direito”.
14
o sistema jurídico31.
Para procurar resolver casos difíceis, Dworkin idealiza a tese dos direitos. Por
meio dela, separa, inicialmente, as decisões baseadas em argumento de política e
argumentos de princípio.
Os argumentos de política justificam uma decisão política, mostrando que a decisão fomenta
ou protege algum objetivo coletivo da comunidade como um todo (...). Os argumentos de
princípio justificam uma decisão política, mostrando que a decisão respeita ou garante um
31
“Se um juiz tem o poder discricionário, então não existe nenhum direito legal (right) ou
obrigação jurídica – nenhuma prerrogativa – que ele [juiz] deva reconhecer” (DWORKIN. Levando ...,
p. 71).
32
Dworkin cita o famoso caso Riggs contra Palmer: “um tribunal de Nova Iorque teve que
decidir se um herdeiro nomeado no testamento de seu avô poderia herdar o disposto naquele
testamento, muito embora ele tivesse assassinado seu avô com esse objetivo. O tribunal começou seu
raciocínio com a seguinte admissão: ‘é bem verdade que as leis que regem a feitura, a apresentação de
provas, os efeitos dos testamentos e a transferência de propriedade, se interpretados literalmente e se
sua eficácia e efeito não puderem, de modo algum e em quaisquer circunstâncias, ser limitados ou
modificados, concedem essa propriedade ao assassino’. Mas o tribunal prosseguiu, observando que
‘todas as leis e os contratos podem ser limitados na sua execução e seu efeito por máximas gerais e
fundamentais do direito costumeiro. A ninguém será permitido lucrar com sua própria fraude,
beneficiar-se com seus próprios atos ilícitos, basear qualquer reivindicação na sua própria iniqüidade
ou adquirir bens em decorrência de seu próprio crime’. O assassino não recebeu sua herança”. (ibidem,
p. 37).
15
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Não existe nada que faça obedecer a um direito que não é proveniente da
decisão política. Essa é primeira das objeções à originalidade judicial de Dworkin.38 A
segunda objeção tem o seguinte significado: "se um juiz criar uma nova lei e aplicá-la
retroativamente ao caso que tem diante de si, a parte perdedora será punida, não por ter
violado algum dever que tivesse, mas sim por ter violado um novo dever, criado pelo
33
Como exemplo, o autor diz que "o argumento de política é aquele o em favor de um
subsídio para a indústria aeronáutica, que apregoa que tal subvenção irá proteger a defesa nacional, é
um argumento de política. Já o argumento de princípio é aquele em favor das leis contra a
discriminação, aquele segundo o qual uma minoria tem direito à igualdade de consideração e
respeito”. (DWORKIN. Levando ..., p. 129).
34
Ibidem, p. 141.
35
O entendimento de Dworkin para decisões políticas é uma decisão que tenha como
objetivo agradar o povo. No entanto, essa decisão usurpa a atribuição da função legislativa, que é
representante da vontade popular. Decisões políticas diminuiriam o respeito pela lei (DWORKIN,
Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 28). Importante ressaltar que a
decisão política para o caso em tela é aquela que substitui a decisão majoritária do povo (por isso
também chamada decisão contramajoritária).
36
DWORKIN. Levando ..., p. 131.
37
“O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os
direitos das partes, e não de inventar novos direitos retroativamente”. (Ibidem, p. 127).
38
Ibidem, p. 132.
16
juiz após o fato".39
39
DWORKIN. Levando ..., p. 132.
40
Ou, ao menos, mais injustiça se decidido o caso com argumentos de princípio. Como se vê
em Derrida, Justiça é um avenir, ou seja, sempre se está em busca dela. “La justice reste à venir, elle a,
elle est à-venir, la dimension même d’evénements irréductiblement à venir (...). Il y a um avenir pour
la justice et il n’y a de justice que dans la mesure ou de l’evénement est possible qui, em tant
q’evénement, excede le calcul, les règles, les programmes, les antecipacions, etc. La justice comme
expérience de l’altérité absolue, est imprésentable, mais c’est la chance de l’evénement et la condition
de l’historie. (DERRIDA, Jacques. Force de loi: le “fondament mystique de l’autorité”. Cardozo Law
Review, v. 11, p. 970, 1990).
41
A reserva do possível: a aplicação de um direito poderá ser contida devido à ausência de
recursos do Estado. O juiz será omisso nesse caso e também estará tomando uma decisão não baseada
no direito, mas numa situação de conveniência política.
42
Como afirma Dworkin, “(...) parece que esses juízes exercem um poder de veto sobre a
política da nação, proibindo as pessoas de chegar a decisões que eles, um número ínfimo de nomeados
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priori, contramajoritariamente (declara que uma lei, decidida pela maioria, não está de
acordo com a Constituição), é legítimo, sim, esse poder de declarar que uma regra
definida discursivamente está em desacordo com a Carta Constitucional, haja vista que
nela já existem princípios superiores que também foram discursivamente decididos
originalmente e que sempre deverão ser respeitados. Nesse caso, a necessidade da
integridade do ordenamento se impõe.
Além disso, o juiz está declarando inválida uma lei discursivamente criada
com fundamento em princípios também discursivamente criados e que possuem um
status superior, já que são os princípios originais e que também são discursivamente
criados com a finalidade de serem superiores.
Portanto, a tese dos direitos tem como finalidade precípua demonstrar que o
juiz poderá tornar efetivos os direitos políticos – que foram exercidos no passado com
a escolha das normas – com base na lei e princípios, ressaltando que esses direitos,
conforme Dworkin, “são criações tanto da história, quanto da moralidade: aquilo a que
um indivíduo tem direito, na sociedade civil, depende tanto da prática quanto da
vitalícios, acham erradas. Como isso pode ser conciliado com a democracia? Qual é a alternativa,
porém, exceto abdicar do poder que Marshall declarou? (...)”.(DWORKIN. Império ..., p. 41)
18
justiça de suas instituições políticas”.43
Somente pela teoria dos direitos de Dworkin é que se faz possível uma
sociedade com um sistema seguro de direitos e, acima de tudo, com vistas à Justiça.
5 CONCLUSÃO
A análise acima permite fazer retornar às primeiras linhas desse trabalho. Duas
questões devem ser levantadas: está de acordo com o que foi exposto acima a
declaração da Ministra do Supremo Tribunal Federal? Está correto o editorial do
Estado de S. Paulo, quando protestou contra princípios “vagos” no sistema
constitucional?
Se o julgamento será justo, é outra dúvida que surgirá. Entretanto, mais injusto
é julgar sem qualquer fundamento, já que é impossível haver um ordenamento jurídico
que não contenha lacunas e que preveja a pluralidade de situações materiais.
43
DWORKIN. Levando ..., p. 136.
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REFERÊNCIAS
DUARTE, Écio Oto Ramos. Teoria do discurso e correção normativa do direito. São
Paulo: Landy, 2004.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A teoria constitucional e seus lugares específicos:
notas sobre o aporte reconstrutivo. Revista de Direito do Estado, a. 1, n. 1, p. 89-104.
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