35bsp Guia - PT ISSUU Compressed
35bsp Guia - PT ISSUU Compressed
35bsp Guia - PT ISSUU Compressed
do impossível
35�
Bienal de
São Paulo 2023
margareth menezes
ministra da cultura do brasil
itaú cultural
bloomberg
coreografias do impossível
Bait, 1980
Casa. Stills do filme.
Filme 16 mm transferido
para vídeo; 51’
Ayrson Heráclito
e Tiganá Santana
Camino/en la grieta
a Xibalbá, 2023
Caminho/na fenda de Xibalbá.
Still do vídeo. Videoinstalação
em 2 canais; 6’, 7’
B
falar de Benvenuto Chavajay a e apesar dos quinhentos anos.
vocês, os outros. Aqui na 35ª Chavajay se apresenta
Bienal de São Paulo, ele, como como filho de analfabetos; isso
alguns outros participantes da significa, na realidade, que ele
mostra, não se enquadra apenas é herdeiro de uma linhagem de
no papel de artista: ele é um des-conhecedores das lógicas
ritualista que convoca mundos, simbólicas da dominação e
submundos, supramundos. do extermínio colonial. Com
Outros mundos possíveis. ele dançam um território, uma
No Ocidente, a ação de uma comunidade, uma língua e uma
pessoa pendurada de cabeça história de resistência.
para baixo é em geral relacio- Benvenuto Chavajay rei-
nada à imagem de tortura ou vindica esses elementos tanto
execução, e por isso a ação quanto a honra perdida das
de Chavajay nos perturba. No pedras, consideradas sagra-
entanto, no mundo maia, ao das em muitas das culturas do
contrário, as pessoas que se continente americano. Portanto,
deixam cair de cabeça para suas ações performativas são
baixo dançando se associam de grande generosidade: ele
à fertilidade e à celebração da mobiliza forças não como um
vida digna. espetáculo vazio, não como uma
O artista fica de cabeça para excentricidade, mas como um
baixo com um chocalho que pequeno fogo que vai dissolver
convoca as almas: mas ele está a alma das pedras.
enquadrado em uma moldura
para que a ritualidade, para nós, natalia arcos salvo
que estamos deste lado, “apa-
reça como arte”. Aqui, então, traduzido do espanhol por
surgem todas as questões sobre ana laura borro
os limites entre os paradigmas
que tornam invisíveis outras exis-
tências – transformando seres
humanos, animais e espíritos
em pura mercadoria (conceitos
segundo os quais nos movemos
diariamente, classificando a rea-
lidade sob parâmetros impostos
a ferro e fogo) – e aquilo que
45
B
em festivais e celebrações suas apresentações ao vivo, não
populares. Se a função de apenas pelos gestos e ritmos
shikhat pode ser considerada vocais repetidos, mas também
subversiva por si só, devido pela força com que esse cole-
à sua liberdade de abordar tivo se manifesta, e que, em
temas proibidos às mulheres sua simultaneidade imperfeita,
em espaços públicos, em seu coexiste com a afirmação da
trabalho com Bouchra elas se singularidade de cada um dos
desfizeram de seus trajes e más- participantes. Essa peça, em
caras espetaculares para expor algum lugar entre a escultura
seus corpos, treinados no aita viva e o ritual ao nível do solo,
e na dança popular, e construir surgiu, segundo Bouchra,
situações de sororidade poética. de um impulso, afetado pela
Com um simples gesto, Bouchra beleza agitada do mercado
e a Compagnie O produzem um de Marrakech. Voando para o
deslocamento em relação aos deserto, esse bando de corvos
modos hegemônicos da dança [corbeaux] mostra toda a beleza,
contemporânea, evitando ao ao mesmo tempo sagrada e
mesmo tempo a exotização e lúdica, dos corpos [corps beaux]
a domesticação da tradição graças à câmera que voa com
típicas do turismo cultural e de eles e pousa nos detalhes como
entretenimento. uma visão encarnada.
Nessa proposta coreográ-
fica singular, a poesia árabe josé antonio sánchez
clássica constitui um elemento
mobilizador, mas não ocupa traduzido do espanhol por
uma posição privilegiada em ana laura borro
relação ao canto berbere, o
vigor criativo ou as experiências
cotidianas dessas atrizes. É essa
cotidianidade que é mostrada
em Fatna, onde Bouchra mate-
rializa a ideia de uma dança que
pode acontecer em qualquer
circunstância, enquanto lê,
cozinha ou conduz as ovelhas.
Seu reverso é a ação coletiva e
ritualizada em uma comunidade
47
C
em meados da década de 1990, tégias que se aprofundam em
o trabalho de Helena Cabello vários aspectos importantes.
e Ana Carceller questiona os O primeiro é que todo retrato
dispositivos e as convenções de é sempre performativo. O
representação de sexualidades e segundo, como explica Paul
identidades fora da norma. B. Preciado, é que a figura de
Em Una voz para Erauso. Un Erauso é um território discur-
epílogo para un tiempo trans sivo e visual em disputa, um
[Uma voz para Erauso. Um lugar “onde uma multiplicidade
epílogo para um tempo trans] de identidades conflitantes é
(2021-2022), as artistas trazem construída e desconstruída”.2
para o presente a complexa Num gesto queer historica-
biografia de Antonio de Erauso. mente denso, Cabello/Carceller
Conhecido como “A freira alfe- coreografam nas margens
res”, foi um personagem do bar- contra-imagens dissidentes.
roco colonial espanhol famoso Seja em uma olhada rápida ou
por ter conseguido contornar por meio de palavras conotadas,
o binarismo de gênero imposto essas notas de rodapé revelam
aos corpos do Império. genealogias elusivas, descontí-
A obra se desenvolve em nuas e bastardas. Como outra
um jogo de distanciamento que adição à pintura a óleo de Van
tece uma temporalidade queer der Hamen, como um Una voz
e quase fantológica.1 Quatro para Erauso. Un epílogo para
séculos depois, três pessoas un tiempo trans, as palavras
trans não binárias questionam e cenas de Cabello/Carceller
o retrato do alferes e, por meio desafiam a integridade do
dele, desdobram uma questão hegemônico e fazem da arte
fundamental: o direito de ser uma ferramenta para abordar o
nomeado. No entanto, longe horizonte sempre trêmulo das
de criar uma nova hagiografia subjetividades que estão por vir.
queer, xs protagonistas ten-
sionam a narrativa e expõem beatriz martínez hijazo
suas áreas obscuras: o racismo
confesso de Erauso, sua partici- traduzido do espanhol por
pação no genocídio mapuche, ana laura borro
os altos níveis de violência que
permeiam sua história.
49
Reflejo, 2015
Reflexo. Vista da instalação, Museo
de Arte de la Universidad Nacional
de Colombia, Bogotá (2015)
C
Carlos Bunga, teremos sempre em suas instalações, que às
um lugar animado. Primeiro, vezes se transformam em palco
por uma razão óbvia, porque para performances de dança
o tema chega a ser comum no (Occupy, 2020). Interessa-lhe a
contexto da site-specific art e estrutura bamba que anuncia
da instalação. Mas o verdadeiro com clareza a coreografia de sua
motivo reside na singularidade própria ruína; pôr montagem e
gravitacional dos corpos em desmontagem em processo de
questão. Há aproximadamente retroalimentação. Interessam-lhe
duas décadas, Bunga vem essas zonas intersticiais onde as
construindo e destruindo uma medidas escapam à racionali-
obra cujos eixos evanescentes dade suméria e indo-arábica – ao
insistem em bagunçar as dez e ao sessenta, ou mesmo
noções de grandeza e de às onze dimensões da física/
medida no espaço-tempo. A mística contemporânea. A quais
monumentalidade da cor, por sistemas teremos de recorrer se
exemplo. Para ir além da pintura ainda quisermos insistir na tarefa
e da tela, a cor precisará de uma de narrar e contar o Universo?
pele (Superfície cutânea, 2015), Os passos de Bunga – a sua
e de uma poética de explosão- dança – descrevem, se não
expansão através do continuum respostas, a coragem para seguir
sensorial. Será possível, assim, em movimento diante daquelas
Habitar el color [Habitar a cor] três questões fundamentais de
(2015-em processo) obra que nosso sempiterno big bang:
espalha no chão uma enorme quem? De onde? Para onde?
área de tinta e convida o público
a tirar os sapatos e entrar nela, igor de albuquerque
a ver a cor com os pés, a sentir,
na própria pele, a pele. Se um
dia a cor se quis eterna nos
quadros dos grandes mestres,
nesta obra ela se mostra tão
esplendorosamente apodrecível
quanto nossa carne.
Em outros espaços expo-
sitivos, Bunga será visto na esta participação é apoiada por: República
labuta de levantar estruturas Portuguesa – Cultura / Direção-Geral das Artes.
51
C
ao dia a dia dos povos Macuxi, poderiam passar despercebidos
seus ritos, mitos, trabalho e ao debate público.
natureza. Seu vigor estilístico Quando Carmézia pinta
afirma uma cultura única que se cenas que evocam a cosmologia
desenvolveu na região do monte de seu povo, abre espaço para
Roraima e se contrapõe à reali- a complexificação do cotidiano
dade de seu entorno, marcado que busca evidenciar. Bons
por conflitos com o garimpo e exemplos são a lenda sobre o
pela explosão migratória. monte Roraima (que teria vindo
Carmézia cresceu na região da Wazaká, a Árvore da Vida) e
da terra indígena Raposa Serra a lenda do Caracaranã, que nos
do Sol. No final dos anos 1980, transportam para a dimensão
ela se mudou para Boa Vista e do fantástico. A abertura para a
iniciou sua prática em pintura. imaginação que a obra da artista
Suas inspirações partem provoca é uma potente manifes-
sempre da memória da vida tação política transmitida com
na comunidade, reforçando sutileza, envolvendo não apenas
continuamente seus laços com os Macuxi, mas todos os
a ancestralidade. A afirmação povos originários.
de sua cultura através das telas
é também uma forma de elabo- pérola mathias
ração do real e do imaginado,
em que desenvolve uma poética
do cotidiano.
A mulher indígena é a
protagonista na maior parte da
obra de Carmézia, que acaba
por demonstrar seu papel e
atuação em todos os âmbitos
da vida Macuxi, seja tecendo,
preparando o beiju, fazendo
a colheita, produzindo cerâmi-
ca, tomando banho de rio ou
cuidando das crianças. A artista,
assim, através de seu trabalho,
tanto apresenta um compro-
metimento com a luta indígena
53
C
Que garantia de pertencimento genas são acionadas pela con-
à humanidade pode ser posta a vocação da memória e da alma
perder? O trabalho de Castiel dos elementos que compõem o
Vitorino Brasileiro enfrenta a espaço instalativo. Existe ainda
mais bem assentada das ficções uma investida arquitetônica,
moderno-coloniais, a raça, presente em Quarto de cura
tensionando-a como ferramenta (2018-2022), a questionar as
que hierarquiza a vida na Terra. formas de habitação do planeta.
Perguntas sobre a condi- O museu em ruína torna
ção de des/humanidade da aparente a ligação entre biologia
vida racializada, em geral, são e história da arte, e no nome da
elaboradas conforme o repertó- obra Castiel nos lembra que a
rio daquilo que a artista define polícia é quem executa a cena
como mitologia da modernidade na qual as diferenças psicofisio-
sobre as raças. Estudando as lógicas atribuídas aos corpos
implicações do dispositivo racial, escuros justificam a narrativa
Brasileiro transmuta os sentidos moderna de superioridade racial.
da presença das corporeidades Os assassinatos desses corpos
escuras com base em um reper- são performados como confir-
tório banto e nas religiosidades mação de que existem tipos de
de matriz africana. gente – uma mentira sustentada
Destaco então a torção do pelo privilégio do olhar antro-
conceito de liberdade que, pológico que fundamenta a
liberada da concepção moderna- iconografia das artes e abastece
-colonial de autodeterminação, o imaginário sobre os outros-do-
é experimentada na condição de -humano, ditando quem pode
impermanência. No livro Quando e deve ser aniquilad_. Assim, o
o Sol não mais aqui brilhar: a trabalho anuncia o fim do dispo-
falência da negritude (2023), sitivo racial como possibilidade
assim como em Montando a de viver infinitamente.
história da vida – Museu fictício
dos objetos roubados pela polícia cíntia guedes
(2023), a liberdade surge também
como prática radical de intimi-
dade interespecífica, assentada
na indistinção do que considera-
mos biótico e abiótico.
55
C
Stojka (1933-2013) foi capaz de figurações do inominável. Seu
fazer ressurgir de suas mãos a desenho conjuga os contornos
tragédia que foi seu mergulho, nítidos dos mártires anônimos
aos onze anos, no inferno do com os fantasmas dos ausentes,
genocídio. Exumados dos lim- já dissolvidos na morte.
bos de sua memória, a persegui- Sua obra oscila do paraíso
ção e o genocídio nazistas foram perdido da vida de antes ao
a matiera prima de sua obra, tempo da caça, ao momento
composta de desenhos, pinturas em que a carroça dá lugar ao
e textos que impressionam por vagão do “trem da catástrofe”,
sua intensidade e sua extraordi- e termina nesse arquipélago
nária poética. Paradoxalmente, onde “nem os mortos esta-
enquanto parte do povo rão seguros”.2 Ela configura a
Roma,1 Stojka é herdeira de trajetória trágica desses corpos
uma tradição oral. Uma verda- arrancados de suas humanida-
deira desvantagem memorial e des e lançados no inferno do
cultural quando se trata de dar genocídio. Há algo do Inferno
conta do “genocídio esquecido” de Dante. Uma grande beleza
de que seu povo foi vítima. Sua transcende seu “não savoir-
escolha de “entrar” na pintura, -faire” em qualidade.
no desenho e na escrita foi um
ato de ruptura radical com sua philippe cyroulnik
tradição. Ligados, os três se
cruzam e se entrelaçam, sem se traduzido do francês por
fundir completamente. celia euvaldo
Muitos de seus desenhos
e pinturas são marcados por
palavras, signos e frases breves.
Uma melopeia gráfica desenro-
la-se em uma obra cuja poli-
cromia confere às paisagens
do desastre uma intensidade
trágica. Seus trabalhos asso-
ciam alucinações, antecipações
visuais e os sinais desses territó- esta participação é apoiada por: Phileas – The
rios da morte e de seus prota- Austrian Office for Contemporary Art e Federal
Ministry Republic of Austria – Arts, Culture, Civil
gonistas. Em suas paisagens, os Service and Sport.
57
C
Por meio de suas mãos e de estão juntas, em um só corpo,
seu olhar artístico e político, ou vivenciam suas experiências
em sua obra, a pintura Kamasan, umas ao lado das outras. Várias
também feita sobre couro ou cabeças femininas povoam a
tecido, tem novas personagens existência de uma só mulher,
como protagonistas. Em seu demonstrando que elas fazem
projeto artístico Timur Merah parte de uma experiência circu-
[Leste vermelho], mulheres indo- lar, coletiva.
nésias de longos cabelos negros Corpos incompletos e pernas
trançam a existência umas com resumem o desejo de fuga. Rios
as outras e com elementos da formados por mulheres com-
natureza. O vermelho do sangue põem um círculo ribeirinho em
e do fogo jorra da cabeça, do suas margens nos remetendo à
ventre; corpos inteiros estão em mitologia da sociedade tradi-
chamas ou formam um invólucro cional, relembrada pela ótica
que as recobre por inteiro. feminista da artista. Mulheres
Com corpos que se incen- são deusas das águas e do fogo.
deiam e que se mutilam em No projeto Timur Merah,
sofrimento, Sasmita expressa com o protagonismo das
as dores e as opressões sofridas mulheres mitológicas, musas,
sob o patriarcado, que afetam deusas, criaturas meio-humanas,
essas mulheres, ainda que elas meio-feras, meio-árvores,
estejam no centro de tudo. Sasmita encontra formas
Cabeças cortam-se e são corta- possíveis por meio das quais
das. Porém, curiosamente, essas finalmente ganham vida pers-
mulheres produzem vida, pois pectivas impossíveis. Se isso
de seu ventre brotam árvores, não foi possível na arte Kamasan
assim como brotam também tradicional, séculos depois a
da cabeça dessas figuras. artista reconta a história através
Os galhos, abrindo em folhas da arte.
verdes, crescem em direção
ao céu. luciana brito
Essas mulheres deusas
que compõem figuras femini-
nas mitológicas em geral não
aparecem sozinhas. Criando,
procriando natureza ou em
59
C
de criação e de crítica e na pro- comunitário, é a prática coletiva
dução de epistemes alternativas que possibilita o exercício de
aos modos coloniais do pensa- um amor não conciliatório. Ao
mento, propõe uma investiga- contrário da função estética que
ção colaborativa em torno do gera sujeitos apreciadores de
amor. Na 35a Bienal, por meio objetos, desimplicados em sua
de painéis criados e manufatu- transparência, neste trabalho
rados coletivamente por artistas é o próprio fazer que constitui
integrantes do coletivo – com- o modo de operação do que se
posto por Alex Aguirre Sanchez, apresenta como obra e o tipo
Leticia/Kimy Rojas Miranda, pensamento que se faz possível
Francisco Godoy Vega, Lucrecia por meio dessa obra. Assim,
Masson Córdoba e Iki Yos Piña artistas e colaboradoras evo-
Narváez Funes – e colaborado- cam modos de existência que
ras selecionadas em chamada precedem o corpo subjetificado
aberta realizam a escrita de (e racializado, e genereficado),
cartas para ancestrais passadas mirando na retomada de uma
ou futuras. Para isso, utilizam sensibilidade que não distingue
materiais diversos e tecidos corpo e entorno, um modo de
trazidos pelas participantes, em estar e de sentir que se encontra,
uma escritura que proporciona ao mesmo tempo, antes e depois
a transmissão de um saber/ da invenção/roubo do corpo
sentir que ocorre entre o físico pelas tecnologias coloniais.
e o metafísico. Para além dos
debates políticos, antropocen- miro spinelli
trados e individualizantes sobre
o amor, costuram um portal de
fuga do cotidiano, saturado pela
codificação capitalística das
relações e pela brutalidade das
coreopolíticas civilizatórias.
Se a ferida colonial que
perpassa e constitui os sistemas
geopolíticos correntes se alarga
e se aprofunda por meio das
esta participação é apoiada por:
relações interpessoais, fazendo Acción Cultural Española (AC/E)
da intimidade mais uma via de e Embaixada da Espanha no Brasil.
61
Cozinha Ocupação
9 de Julho – MSTC
C
pessoas do Movimento dos Sem de luta por moradia e organiza-
Teto do Centro (MSTC) nasceu ções sociais, mas também com
a Cozinha Ocupação 9 de Julho. a classe artística, transforman-
Desde 2017, ela atua em uma do-se em um importante centro
ampla rede multidisciplinar, com cultural e um espaço ativo de
políticas de redistribuição, lixo encontro entre ativistas, inte-
zero e uma grande preocupa- lectuais, artistas e lideranças
ção com segurança alimentar. políticas. Essa nova perspectiva
Trata-se de um espaço que vai fortalece as conexões do MSTC
além do preparo e do consumo com a cidade e fornece resposta
de refeições. Representa a força direta aos ataques desferidos
da solidariedade e a potência do pela grande mídia e pelos pode-
trabalho coletivo em torno de res estabelecidos, interessados
questões como direito ao uso em criminalizar a luta social.
pleno do espaço urbano. Com Essa forma de coreografar
almoços periódicos abertos ao estratégias de sobrevivência
público, a Cozinha trouxe maior numa megalópole como São
visibilidade à luta por moradia Paulo é especialmente impor-
em São Paulo. Promove formas tante para a 35ª Bienal, que se
de uso social de espaços rele- inspira na Cozinha e em sua
gados à especulação imobiliá- forma de organização, sempre
ria e também funciona como coletiva, horizontal, sonhando
proteção contra o despejo. A o impossível, criando pontes no
estratégia de abrir o movimento marco das im/possibilidades.
reforça o trabalho da Ocupação
e permite que a tecnologia social sylvia monasterios
desenvolvida possa ser apli-
cada em outras comunidades,
outras periferias.
“Quem ocupa cuida”, frase
presente em todos os espaços da
Cozinha, é ao mesmo tempo um
guia para as relações do MSTC e
o compasso que rege a confec-
ção das refeições. Empatia e
afeto são os motores que impul-
sionam o trabalho.
63
D
flores, das frutas e dos vege- outres além de humanes possam
tais mantidos em seu estúdio, romper com uma leitura binária
aquele odor era a manifestação sobre vida e morte.
de um universo de seres ocultos Para a 35ª Bienal de São
que daria novos rumos para sua Paulo, Lie apresenta Outres
prática artística. A investigação (2023) e busca criar um espaço
em curso se debruçava sobre onde o silêncio, não as palavras,
os efeitos do tempo e a ação de conduza a relações entre os
microorganismos, como fungos presentes. Outres é resultado
e bactérias, na transmutação da maturação das técnicas e dos
de matéria orgânica. Presenciar modos de fazer desenvolvidos
as mudanças na materialidade ao longo dos últimos anos de
daqueles elementos, e acom- sua pesquisa. A instalação imer-
panhar ciclos naturais diversos, siva será composta por vasos
possibilitou que Lie refletisse de terracota, colunas e arran-
sobre as complexidades das jos de crisântemos amarelos
relações interespecíficas e seu e brancos, além de tecidos de
papel na geração e na manuten- algodão tingidos com cúrcuma.
ção da vida. Somam-se à composição do
Lie ampliou suas noções de trabalho, os efeitos da passa-
temporalidade e tem se empe- gem do tempo nos materiais e a
nhado em encontrar formas de eventual geração de novas vidas
colaboração que quebrem a derivadas das relações estabele-
noção hierárquica que posiciona cidas entre os agentes orgâni-
a espécie humana no topo da cos presentes no ambiente.
escala evolutiva. Desde então,
elu desenvolve “instalações-en- thiago de paula souza
tidades”: grandes esculturas de
materiais orgânicos, resultado
do processo de degradação/
transformação dos elementos
que lhe dão forma. Apesar de
responderem ao contexto e ao
lugar em que são apresentadas,
em cada uma delas, Lie recorre
65
Con-Junto
(The Ensemble), 2015
Assemblage,
289,6 x 304,8 x 121,9 cm
D
musicais plena e bomba. Também cana e sua estética vernacular
é conhecida pela comida de rua, e cotidiana, que fornece “uma
chamada localmente de frituras, justificativa para as pessoas
e seu Carnaval anual, reconhe- negras reivindicarem as técnicas
cido pelas tradicionais máscaras assemblage [...] e as estratégias
de vejigante feitas com cascas ordinárias de fazer beleza que
de coco. Desse modo, a prática foram permitidas às pessoas
de Lind-Ramos constitui uma que se encontram à margem da
espécie de testemunho da histó- sociedade”.2 Isso não poderia
ria e do significado de Loíza, um ser mais verdadeiro na prática
primeiro plano da negritude de de Lind-Ramos e vincula sua
Porto Rico: “Cuidar de objetos é arte a um campo mais amplo
cuidar da memória”, afirma Lind- da estratégia afro-diaspórica.
Ramos. Ele preserva a memória Suas esculturas conectam-se no
nesses raladores, vassouras, tempo e no espaço, assim como
cabaças e címbalos; memórias o cortejo carnavalesco que sua
de criação alegre, de trabalho, obra Con-Junto (The Ensemble)
de ancestralidade. Memórias nos traz à mente. O Carnaval
que, de outra forma, poderiam se abrange Porto Rico, Trinidad e
desvanecer ou ser apagadas. Tobago, Brasil, Nova Orleans e
Mas essa não é a história tantas outras partes da diáspora
completa. Lind-Ramos afirmou africana, ligadas por uma história
certa vez sobre seu trabalho: de migração forçada e de violên-
“Minha intenção era encontrar cia, mas também de persistência,
uma linguagem, encontrar um criatividade e inovação. Tanto o
processo, encontrar materiais Carnaval quanto a assemblage,
que estabeleçam o vínculo entre lindamente fundidos em seu
nossa experiência coletiva…”. trabalho são momentos da mais
Essa experiência coletiva que ele requintada criação de algo que
menciona vai além de sua cidade poderia ter sido condenado a
e de seu estado natal. Falando ser nada.
sobre artistas afro-americanos
de Los Angeles, que trabalharam nicole smythe-johnson
nas décadas de 1960 e 1970, a traduzido do inglês por
historiadora de arte Kellie Jones naia veneranda
67
D
2018, desenvolvem juntos uma alterações nos significados
série de trabalhos com base na simbólicos da presença negra
identificação e na elaboração em um mundo que ainda não é
radical de suas vivências e pes- capaz de garantir a existência
quisas comuns relacionadas à e a dignidade a essas vidas.
dança e à experiência do corpo Enquanto a dança moderna
dissidente negro no mundo. instruiu o público espectador
Entre seus trabalhos produzidos, a esperar por acontecimentos
como Mata leão, morto vivo impressionantes e grandiosos, a
(2020), Delirar o racial (2021), e repetição reforça a expectativa
a trilogia Repertório (2018 – em do porvir e a incerteza rompe
curso) a dupla utiliza a mimese, com a previsibilidade sobre a
a repetição e a marcação rítmica dança. Ao tomar contato com
do contratempo, feita com os a performance em andamento,
pés, como recursos para dilatar o público se encontra imerso
a percepção de tempo-espaço. na imprecisão sobre início e
Partindo da pergunta “como fim. É possível dizer que Pontes
elaborar uma dança de autode- e Ferreira desenvolvem uma
fesa?”, Pontes e Ferreira expe- anticoreografia contracolonial,
rimentam desvios simbólicos o que, na prática da vida negra,
da violência programada pelo pode significar a recuperação e
Estado e por instituições garan- a fundação de modos estratégi-
tidoras da ordem mediante cos de caminhar em autodefesa
repressão. Com referências às no cotidiano, desviando da
artes marciais e à capoeira, com violência racial, reelaborando
a crítica ontoepistemológica a percepção de si e do tempo-
à filosofia moderna e à histó- -espaço em direção ao fim da
ria da dança, tomam o ato de organização do mundo atual.
criação performática e visual
como possibilidade de ativar e maria luiza meneses
ressignificar os arquivos mne-
mônicos coletivos sobre essas
corporalidades. Se o corpo
negro em repouso é suspeito e
em movimento, uma ameaça,
69
D
tensão inicial e imediata entre Eu sou o terceiro sexo, não um
movimento e paragem. Como homem tentando ser mulher. É
se a fotografia estivesse sem- um problema da sua sociedade
pre atrás do movimento da que você reconheça apenas dois
dança, sem jamais conseguir sexos”.1 Assim, pouco importa
capturá-lo completamente. Há “descrever” Ahmed com preci-
artistas, no entanto, e esse é o são identitária, mas interessa
caso de Dayanita Singh, cuja pensar o movimento infindo
prática emerge e se alimenta que excede o sistema binário de
justamente dessa tensão. Seu gênero e que podemos cha-
interesse pela mobilidade do mar de transição. Para além de
objeto fotográfico quando ex- um retrato da transição como
posto, presente nas estruturas/ alegoria de movimentos estéti-
coleções que chama de museus, co-políticos, como frequente-
encontra ainda mais comple- mente ocorre quando produzido
xidade e nuance nos trabalhos por lentes cisnormativas, a
apresentados na 35� Bienal. intimidade e o pacto de con-
Em Museum of Dance (Mother fiança estabelecidos na colabo-
Loves to Dance) [Museu da ração entre Singh e Ahmed, ao
dança (Mãe ama dançar)] (2021), perpassar a unidirecionalidade
não apenas as impressões foto- etnográfica (o “eu” que vê/des-
gráficas encontram-se móveis creve/produz o “outro”), permite
no espaço expositivo, também que algo formidável aconteça:
os retratados estão em movi- a imagem estática evoca e per-
mento, dançando. Entre eles, forma o movimento incapturável
Mona Ahmed, amiga de longa da transição.
data de Singh que também pro-
tagoniza as demais obras expos- miro spinelli
tas, destaca-se pela recorrência.
De acordo com Singh, no
contexto indiano, Ahmed foi
identificada como eunuco, ou
como hijra. No entanto, em
determinado momento ela
se afastou da comunidade de
71
D
esticadas. Nelas, encontramos da região. A pintura rompe o tipo
linhas e gradientes pintados à de paleta que normalmente se
mão tão perfeitamente processa- associa ao Caribe (alegres céus
dos que parecem digitais, plantas azuis, a o típico azul-esverdeado
vivas crescendo a partir de isopor do mar do Caribe e gramados
sintético mortal e espelhos verdejantes), com rabiscos
que transformam o observador desenhados em forma de seios,
em observado. No universo de símbolo máximo de nutrição e
Anzinger, linhas e pinceladas sexualidade; e, segurando folhas
tornam-se esculturas, íris tornam- com formato de mão − lembran-
-se línguas. Onde deveria haver do-nos que a natureza tem a pró-
um buraco, há um desenrolar. pria subjetividade −, um agente
O trabalho da artista está sempre que toma − como fazem anual-
forçando os opostos a se unirem, mente os furacões nessa região
desestabilizando nosso pensa- − tanto quanto fornece. E então,
mento binário e a taxonomia, é claro, aquela mecha de cabelo
exigindo, em vez disso, o reco- preto crespo. Não exatamente
nhecimento de uma terceira via na pintura, é uma espécie de
escorregadia, lúdica e sensual. excedente em que as plantas de
Especificamente neste corpo aloe vera, reconhecidas por suas
de trabalho, concluído entre 2016 qualidades curativas, crescem a
e 2019, o foco de Anzinger está despeito de todas as probabili-
voltado para o trabalho repro- dades, do poliestireno hostil que
dutivo: sua sensualidade, sua obstrui os cursos-d’água envene-
fecundidade, mas também sua nando a fauna. Essa, eu diria, é
violência. O cabelo crespo sinté- a questão principal de Anzinger,
tico da obra An Unlikely Birth [Um mesmo nas condições mais
nascimento improvável] (2018) inóspitas o que é curativo cresce,
constitui uma referência incon- e mesmo em lugares de beleza
fundível à negritude, assim como inspiradora a violência espreita.
os desenhos de linhas pretas que
perturbam a paisagem abstrata, nicole smythe-johnson
aparentemente em processo de
vir a existir. Como mulher negra, traduzido do inglês por
nascida e criada no Caribe, naia veneranda
73
D
retorno, é incompatível com o tempo acelerado da conquista
as concepções do tempo entre e da colonização e fazer emergir
as culturas ameríndias. Deter- o tempo da reflexão, da espera
minada pela interação entre o e da escuta. Em obras mais
corpo e a natureza, organizada recentes, como Nada que é dou-
através da observação empírica rado permanece, hilo, amáka,
das transformações do meio, terra preta de índio (2021),
a experiência do tempo indí- Ygapó – terra firme (2022) e Es-
gena se assenta, em geral, em cola Panapaná (2023), o artista
fundamentos míticos, que se investe no estímulo à relação e
reinscrevem na vida cotidiana ao contato, resgatando a ima-
através dos ritos. Entre esses gem do cultivo da roça e da vida
ritos está o da transmissão do na floresta como métrica do
conhecimento e o da partilha tempo e metáfora da educação.
dos afetos, que, no mundo Em Kwema/Amanhecer,
ocidental, chamamos educação. Denilson Baniwa aprofunda sua
É baseado no entendimento da pesquisa sobre a integração
educação como um processo entre obra e comunidade,
não linear, processual e coletivo, complexifica os procedimentos
que Denilson Baniwa vem, nos técnicos que permitem a
últimos anos, investigando for- passagem do campo da repre-
mas de introdução de temporali- sentação para o da vivência e
dades indígenas em instituições faz aparecer a possibilidade da
artísticas não indígenas. colheita e da alimentação como
Um dos mais destacados ar- efetivação do ato da partilha e
tistas de sua geração, Denilson da reelaboração da memória.
Baniwa propõe, em sua obra,
uma reelaboração da ideia renato menezes
de arquivo como instrumento
pedagógico de reflexão e de
fábrica da história. Desde seus
trabalhos iniciais, de interven-
ção sobre gravuras produzidas
no contexto da colonização das
Américas, até os trabalhos mais
75
D
Cada uma delas configura a humano e as demais presenças
presença de um tetraedro, que habitam o mundo.
sólido platônico que representa Quando as estruturas de
o fogo e compõe Metafisica dos inseparabilidade, os tetraedros,
elementos – O E/Studio (2023), se reúnem e se transformam
de Denise Ferreira da Silva. em mesas, bancos e arquiban-
O fogo atualiza o exercício cadas, o studio funciona como
pelo qual a artista persegue plataforma para a emergência
esteticamente uma questão de encontros com intelectuais
que retorna em suas produ- negras feministas, artistas e
ções artísticas e filosóficas. Na movimentos sociais engaja-
capacidade de transformação dos no desmantelamento das
radical e na recondução do formas antinegritude do mundo,
fogo em combinação com os e em demandas ecológicas
outros elementos, a forma-con- pelo direito à vida, à terra e
ceito anuncia a abertura de um ao território.
aqui-agora para o fim do mundo A obra dá sequência a uma
como o conhecemos. Percebo série de práticas artísticas pelas
Metafísica dos elementos – O quais Denise Ferreira da Silva
E/Studio como uma rachadura responde ao projeto de ocupar-
que tenciona engolir silencio- mo-nos do mundo através do
samente o pavilhão, o parque, elemental thinking [pensamento
a cidade... Não em uma cena elemental], promovendo um
dramática e apocalíptica, e sim deslocamento vertiginoso e
como espaço para a emergência necessário aos projetos de des-
de coletividades e imaginações colonização que, no contexto
que se mantêm vibrando em brasileiro, seguem confinados a
frequências de afinidade ética. imaginar a correção das institui-
O fim reapresenta uma ções, o que não tem conseguido
disputa e a necessidade de evitar que o colapso siga dando
abandonar as ferramentas do contorno a esse território.
pensamento moderno, que
promove a dominação como cíntia guedes
finalidade, convocando à
cena práticas do pensamento
77
D
e provavelmente entoado por tônicas e artesanais. Definida
todo território onde havia gente pel_s artistas como instalação-
negra explorada. Sumir como -performer, a fantasmagoria que
oportunidade para embarcar se performa não aparece como
em uma temporalidade na qual aposta surrealista de revelação
o lambá – desgraça do trabalho do inconsciente, mas sim como
escravizado e seus encadea- possibilidade de dançar com
mentos seculares – não seja o tudo aquilo que foi sumido. Em
único destino da vida negra. movimento, Sumidouro n. 2
Cantar para uma desaparição promove des/aparições; o que
produtiva que relaciona vida virá se revela em fragmentos,
e morte não como oposições, as obras abrigadas ofertam-se
mas como possibilidade de viver à apreensão integral e rítmica,
a vida outramente. É no rastro mas não totalizante. É possível
desse cântico que Sumidouro apenas contemplá-lo, mas,
n. 2 – Diáspora fantasma se para estar no Sumidouro n. 2,
recusa a se entregar ao olhar demanda-se um corpo inteiro
que tudo revela. Apostando com qualidades da presença
na opacidade formal de uma alarinjo – que, em iorubá, signi-
arquitetura monumental, a obra fica um corpo que canta e dança
liga-se ao chamado ético dos enquanto caminha, implicado
trabalhos em parceria de Laís no desejo de re/des/conhecer. 3
Machado e Diego Araúja ao Essa é uma plataforma sinuosa,
emergir como plataforma e con- na qual se destacam o pacto
gregar artistas afro-atlânticos. coletivo, a intencionalidade do
Encantar-se no Sumidouro n. 2 rito e o desejo de intervir nas
é a oportunidade de estar na dinâmicas de desaparição.
presença de trabalhos que, con-
trariamente às forças coloniais cíntia guedes
de desaparição, jamais deixaram
de ser realizados em experimen-
tações e linguagens próprias.
Como em outros trabalhos
em artes visuais de Araúja e
Machado, a obra conserva fun-
79
D
assimila em sua produção. são manejadas com outros
Para a 35� Bienal de São delineamentos feitos a partir de
Paulo o artista apresenta uma carvão, cochonilha, chá, tabaco
série de pinturas que tensionam, e outros corantes que denotam
a partir de um jogo entre forma o trabalho das crianças que
e matéria, os legados nefastos edificaram a construção.
dos sistemas escolares1 destina- As pinturas que levam o título
dos a crianças indígenas – em they have piled the stone /
funcionamento no Canadá entre as they promised / without
1880 e 1996. Nas composições syrup [Elas empilharam a pedra /
que Linklater persegue desde como prometeram / sem xarope]
2015, quando inicia essa pes- seguem ecoando as perguntas
quisa, ele retoma as geometrias do artista: Como podemos,
da capela Bishop Fauquier, cons- como povos indígenas, viver,
truída com base no trabalho tomar decisões, falar, dançar e
de crianças que frequentaram nos mover em contextos e luga-
a Escola Residencial Indígena res tão impossíveis?
Shingwauk (com funcionamento
entre 1873 a 1970). Além de emanuel monteiro
obrigadas a fornecer o trabalho
braçal nas construções, essas
crianças realizavam sacrifícios
quaresmais relacionados ao
xarope de bordo. Como se lê no
projeto apresentado pelo artista
à 35� Bienal, “As comunidades
Anishinabek desenvolveram
uma metodologia específica de
produção de xarope de bordo
com seu conhecimento íntimo
das estações, da terra e de seus
processos. Portanto, não apenas
as crianças foram solicitadas
a renunciar ao consumo de
xarope, mas isso criou uma des-
81
E
a capacidade de transcen- A partilha em comunidade
der o espaço e o tempo, e é um tema fundamental para
de atravessar entre o dia a produção artística de Calel.
e o espiritual para facilitar as A instalação da Casa Guarani
comunicações e as conexões de Calel na 35a Bienal de São
entre os mundos dos ancestrais Paulo é um grande desenho
e dos vivos. imersivo sobre tela de uma casa
No vídeo XAR – Sueño guarani, cercada por bordados
de Obsidiana [XAR – Sonho de plantas de iúcas. O desenho
de Obsidiana] (2020), reali- é uma imagem arquitetônica
zado com o cineasta brasileiro e, também, uma represen-
Fernando Pereira dos Santos tação da epistemologia indí-
no interior do Pavilhão Ciccillo gena − um mapa da prática da
Matarazzo da Bienal de São comunidade em torno de uma
Paulo, durante a primeira onda fogueira enquanto comparti-
da pandemia de Covid-19 no lha histórias, rituais, música e
Brasil, o artista maia Edgar meditação. O desenho reorienta
Calel veste a pele de uma onça o espaço da horizontal para a
enquanto caminha pelo pavi- vertical e convida o especta-
lhão procurando ver e entender dor a participar do imaginário
como o local foi originalmente comunitário da indigeneidade.
ocupado pelos indígenas que O povo Guarani é o maior grupo
habitaram originalmente esse indígena do Brasil, cuja popula-
território. Isso constitui, a um ção sobrevivente é estimada em
só tempo, uma transmutação 51 mil pessoas. Hoje, três aldeias
entre humanos e não humanos e guaranis, com população total
uma transcendência do espaço de aproximadamente setecentos
e do tempo. É também um ato indígenas, vivem no bairro do
de construção de solidariedade Jaraguá, na periferia da cidade
ou de prática comunitária. Ao de São Paulo.
longo do vídeo, Calel veste um
moletom azul bordado com os mario gooden
nomes das 22 línguas maias,
83
E
artista deixa a nosso alcance para seu olhar partindo da busca
desvendar seu enigma? Os títulos interior ao mundo do entorno.
fornecem pistas (as menções do A organicidade de seus mapas
Ser Beta, do Laboratório da Fonte é a de um corpo vivo, que vai se
Sagrada de Energia, Okidanokh) alterando sem abandonar os ras-
ao remeterem a visões de mundo tros percorridos, mas retoman-
alternativas, como a filosofia do-os. “Visões de mundo como
do Quarto Caminho, fundada memórias de outros tempos”,
por Georges Gurdjieff, da qual diz Cerrato.1 Um exercício de
Cerrato e seu companheiro de memória e, ao mesmo tempo,
vida, o músico experimental projeção para o futuro.
Luis Zubillaga, eram praticantes O seu tenaz desejo de não
ativos desde os anos 1950. aceitar convenções e de conhe-
Com a concretização em cer por seus próprios meios
imagens de uma busca espiri- talvez seja a chave principal
tual, nota-se um conhecimento para nos aproximarmos de uma
preciso de bioquímica (curso trajetória que ilumina desde as
que a artista completou inte- margens, o seu “estar à margem”
gralmente) e a prática da obser- das instituições ou de tendências
vação ao microscópio. artísticas hegemônicas. É essa
Muitas dessas imagens capacidade de descentralizar e
também devem ser abordadas entrelaçar que nos incita a con-
em uma chave erótica: iminên- tinuar em busca de formas para
cia de conjunção entre órgãos, desvendar o enigma que Cerrato
encontro, fusão, montagem, nos legou.
penetração, gestação. Sangue
fluido. Órgãos pulsantes. ana longoni
Essas imagens podem ser
compreendidas como mapas traduzido do espanhol por
e diagramas de uma viagem ana laura borro
estelar até pousar na Terra,
precisamente em uma América
Latina abalada pela radicali-
85
E
volvia um elemento modulado consensual; suas estruturas
com base em uma sequência disciplinadas, desenvolvi-
e um ritmo específicos, exi- das com rigor, permitem que
gindo que o espectador fizesse sejam traduzidas em conceito,
uma reconstrução mental que expandindo assim a autoria em
tensionava e ampliava o limite direção ao leitor. São poemas
do papel ad infinitum. A linha visuais ou partituras – concebi-
– o desenvolvimento de um dos em um sentido performa-
ponto – descobre seu potencial tivo, aberto e sonoro que vem
dimensional ao virar, ao girar: do Fluxus – nos quais o espaço
ela dança, ela soa? De fato, e o tempo se tornam visíveis
para Asins, o que é desenhado com signos linguísticos muito
é tão relevante quanto o que simples, quase leves, inscritos
é pensado e não dito, conec- em preto e branco de forma
tado como está ao pensamento minimalista: porque nada mais
de Wittgenstein. é necessário. De fato, em 2023,
Ela mesma apontou o cru- Cantos de Orfeo (1970), uma
zamento de seu trabalho com a partitura inédita dedicada ao
música (além da literalidade dos artista Eusebio Sempere, foi
títulos que evocam os Quartetos executada pela primeira vez na
prussianos de Mozart ou a estru- Espanha, interpretada pelo Trío
tura do cânone de Bach). De Poesía Acción H,GLAJERU;G
acordo com Javier Maderuelo: e pelo CoroDelantal. Sinais
“Sua arte é musical não apenas incorporados em corpos que
porque suas formas plásticas soam e se movem no espaço e
têm uma relação de semelhança no tempo.
estrutural com certos desen-
volvimentos composicionais na isabel tejeda
música, mas também porque,
como a música é imaterial, ela é traduzido do espanhol por
puro processo mental”.1 ana laura borro
Se pelo menos desde a
esta participação é apoiada por: Acción Cultural
Grécia clássica a música é Española (AC/E) e Embaixada da Espanha no Brasil.
87
cleijne
necessário refletir sobre esse
conceito, que é incerto e não
designa apenas um momento
geológico nem se refere ao
humano genérico. Assim, é
fundamental reconhecer as
estruturas da supremacia
masculina branca como parte
das transformações predatórias
e aceleradas da geobiosfera,
Highway Gothic, 2017-2019
Vista da instalação. Cianótipo, filme contestar sua essência, que
70mm e banners de tecido, caixas
de luz de cianotipia, filme 16mm e
mantém a figura humana no
projeções de filme em cianótipo, som centro da cena em detrimento
E
des com pântanos, oceanos e estéticas aquáticas, Gallagher e
ícones e símbolos racializados, Cleijne propõem uma imersão
levando à construção de outras nas profundezas dos oceanos
paisagens políticas e poéticas em um diálogo com as criaturas
para perceber e narrar o mundo marinhas, biomórficas, histórias/
multiespécies. estórias e mitos que habitam
Pois é na água e no mar que essas profundezas. É impor-
Gallagher e Cleijne se ancoram. tante salientar que, como um
A artista nasceu em Rhode lugar de esquecimento, o mar
Island, Estados Unidos, e vive traz consigo apagamentos que
entre o Brooklyn, Nova York, expressam narrativas coloniais
e Roterdã, Holanda − cidades expansionistas. Desse modo, em
com um papel relevante no suas obras, em devir, es artistes
comércio transatlântico de imaginam a vida após a morte
escravizados. Desde 2024, ela do tráfico atlântico.
divide o trabalho com o holan-
dês Cleijne. Juntes, assinam a barbara copque
instalação multimídia Highway
Gothic (2017), seguida dos tra-
balhos pictóricos de Gallagher
Watery Ecstatic [Êxtase aquoso]
(2007, 2017 e 2021), Morphia
(2008 e 2012) e Ecstatic Draught
of Fishes [O caldo extasiante
dos peixes] (2019 e 2021). Essas
obras tensionam questões
acerca do legado do colonia-
lismo, dos impactos ecológicos,
dos deslocamentos negros e dos
paradigmas da arte eurocêntrica
em um processo que envolve o
afrofabular1 e o afrofuturismo esta participação é apoiada por:
combinados a pinturas, ciano- Mondriaan Fund.
89
E
geométrica. Como escultor, afrodescendentes.
Araujo atentava à seleção dos Além de sua atuação artís-
materiais, incorporando ele- tica, Araujo atuou de modo
mentos das culturas ameríndias, relevante como curador e gestor
africanas e afro-brasileiras a cultural. Organizou exposições
suas obras. Suas esculturas fre- no Brasil e no exterior, exibindo
quentemente aludem a navios, obras de artistas africanos e
a máscaras e a representações afro-brasileiros, além de ter diri-
simbólicas da cosmogonia das gido o Museu de Arte da Bahia,
religiões de matriz africana e a Pinacoteca de São Paulo e ter
afro-brasileira. fundado o Museu Afro Brasil.
Na obra exposta na 35ª A dedicação de Araujo em pro-
Bienal, um monumental relevo, mover a arte e a cultura afro-
é possível constatar o modo -brasileira teve impacto signifi-
como o artista constrói ritmo e cativo no reconhecimento e na
movimento, criando peças que valorização da herança africana
transmitem dinamismo visual e nas cenas artísticas brasileira e
sensação de fluidez marcantes. internacional. Sua influência aju-
A cor também desempenha dou a moldar o cenário da arte
um papel fundamental em seu contemporânea no Brasil e no
trabalho; Araujo utilizava cores exterior, tornando-o uma figura
vibrantes e contrastantes que inspiradora e influente até hoje.
conferiam vitalidade e impacto a
suas esculturas – características horrana de kássia santoz
formais que ajudam a definir
a estética e a identidade de
seu trabalho.
Embora o conceito de
riscadura brasileira seja asso-
ciado à obra do artista baiano
Rubem Valentim, é possível
notar reverberações desse
conceito na obra de Araujo,
91
E
Neves realizou a série Arturos, dado às Congadas na região de
retratando um grupo familiar Minas Gerais), sentado, vestindo
que rememora seu antepassado uma blusa clara e um manto
mais antigo, Artur, no município que cobre os ombros, as mãos
de Contagem, Minas Gerais. unidas sobre as pernas. Ao lado,
Esse grupo é caracterizado há uma foto de uma espada
por suas práticas sagradas, usada para abrir caminho para
baseadas no entrecruzamento o cortejo de Nossa Senhora do
do catolicismo com as religiões Rosário. No segundo díptico,
de matriz africana, durante a o sr. Antonio aparece junto à
celebração da Festa de Nossa sua casa.
Senhora do Rosário, protetora As imagens de Neves
das irmandades negras no Brasil desafiam os limites técnicos
colonial. Na primeira foto, há da fotografia e performaram
um grupo de adultos e crianças “uma realidade que não pode
no centro, todos elegantemente ser nomeada”, como mencio-
trajados. A segunda foto retrata nou a voz autora da publica-
um homem da guarda, em uma ção educativa da 35ª Bienal.1
postura ereta e central, e na Os povos remanescentes são
terceira, “O rei”, enquadrado uma extensão do quilombismo
em busto, veste uma coroa e e, ao reconstituir tempos e
um manto. personagens em uma memória
A segunda obra apresentada aparentemente estática, Neves
é da série Encomendador de indica um resgate de tradições
almas e retrata a comunidade e de paisagens, como a própria
quilombola do Ausente ou do incongruência da construção
Córrego do Ausente, localizada da memória.
próxima ao município de Milho
Verde, na região do Vale do horrana de kássia santoz
Jequitinhonha. O encomendador
de almas é uma figura presente
nas festividades da Nossa
Senhora do Rosário e é respon-
93
F
da dança e do canto flamenco, para produzir uma desobediên-
batendo os calcanhares no chão cia suave. Elas não utilizam os
daqueles que são os respon- mecanismos do flamenco para
sáveis por tirar o sono e o teto serem vivenciadas passiva-
dos cidadãos, cantando para o mente, pois essa é a maneira
sistema bancário sua responsa- de manter um grito de indigna-
bilidade no empobrecimento da ção por tempo suficiente para
população. As filiais do medo e transgredir os códigos formais
da violência se transformaram, do protesto político e entrar em
ao menos por um tempo, em um novo terreno de incerteza no
espaços de potencial político e qual o público começa a duvi-
artístico para virar a história de dar, a prestar atenção, no qual a
cabeça para baixo: “isso não é transgressão penetra de forma
crise, chama-se capitalismo”. muito mais profunda no corpo,
O vídeo de uma dessas até doer.
ações, chamado Flashmob
Rumba Rave “banqueiro” e kike españa
publicado em dezembro de
2010, espalhou-se pela internet traduzido do espanhol por
e foi usado para convocar a ana laura borro
manifestação contra os cortes
sociais que ocorreu em 15 de
março de 2011 – um dos muitos
precedentes do movimento
15-M1. flo6x8 antecipou algumas
de suas inovações políticas:
espontaneidade na ocupação do
espaço, transformação radical
da narrativa da crise, alegria
subversiva e inventiva, abertura esta participação é apoiada por:
Acción Cultural Española (AC/E)
e porosidade contagiosas. e Embaixada da Espanha no Brasil.
95
F
A obra de Toledo alimenta-se as almas descem pelo fio
do que o artista experimenta em e chegam a terra para
livros de viagem e em memórias se alimentar das oferen-
da infância, mas, sobretudo, no das; então, no final da
que ele observa em seu meio. festa, eles voam nova-
As cosmologias zapotecas de mente. Como já haviam
Juchitán, o legado cultural procurado os alunos de
pré-hispânico e o dinamismo e Ayotzinapa no subsolo e
as atualizações dos costumes na água, mandamos as
tradicionais são algumas, entre pipas procurá-los no céu.1
muitas, bússolas que guiam a
prática de um artista que passou Desde 2014, além das muitas
boa parte de sua vida-obra vozes que se reuniram defla-
empinando papalotes (pipas) grando uma das grandes feridas
como forma de ação política. do México, os rostos dos norma-
Um dos marcos de sua listas seguem percorrendo diver-
expressão e de seu engajamento sos contextos, desejando rom-
social surge em Papalotes de per o silêncio instaurado pelas
los desaparecidos [Pipas dos instituições governamentais. Até
desaparecidos] (2014) – projeto hoje as famílias dos jovens desa-
exposto na 35a Bienal de São parecidos procuram construir
Paulo. Nesse trabalho, as pipas sentidos de justiça, assim como
criadas com a colaboração dos os cortes produzidos no vento
frequentadores da Oficina de pelas pipas de Toledo.
Arte e Papel de San Agustín
Etla tiveram o desejo de se tarcisio almeida
agregarem aos muitos protestos
instaurados no México, desde
2014, quando um grupo de 43
estudantes secundaristas, em
sua maioria indígenas, da escola
97
F
dos Palmares, constantemente animação, a videoinstalação
retomado no trabalho artístico conta com arquivos de som y
radical da Frente 3 de Fevereiro, imagens do coletivo, registros
sobretudo em Zumbi somos nós, de suas intervenções radicais
aparece aqui, então, como o que tanto denunciam o plano
mistério que une essas duas for- de morte quanto maquinam o
mulações, colocando em xeque combinado da vida.
o Mundo que as produziu. essas a experiência dessa videoins-
duas formulações cruzam com talação encruzilha passado-
a história da Frente, que surge -presente, vida-morte, revol-
como uma forma de fazer vingar ta-alegria, como um feitiço
a morte-vida de Flávio Ferreira tecnológico para fazer vingar
Sant’Ana, jovem dentista negro a vida preta em sua ingoverná-
assassinado cruelmente por vel performance de ressurrei-
policiais militares de São Paulo ção infinita.
em 2004.
por meio de uma prática que abigail campos leal
faz cruzar ação direta y esté-
tica, transitando entre imagem,
música, performance, literatura
y uma infinidade de formas, a
Frente 3 de Fevereiro elabora
práticas artísticas radicais de
intervenção social como forma
não apenas de denunciar a
situação brutal vivida pelas
pessoas negras no Brasil, mas
de promover a sua imprevisível
força de criação y transmuta-
ção. para as coreografias do
impossível, utilizando tecnolo-
99
G
cos. Corpo, pulsão, fricção, e cadavérico.
união. É o cosmo acontecendo Medicina forte não cura
fértil na saúde da terra. corpo que nasce morto.
Aqui o corpo do mundo está Gabriel Mira. Desenha a
em gestação, transmuta-se e mira. Mira e desenha. Ele é a
atualiza-se em todo e qualquer mira. Seu corpo é o desenho
olhar que espia a presença, a e a continuidade de gestos
escrita e o desenho do meu sonhados aqui e agora, está
parente Gabriel Gentil Tukano à vista, está nas visões e nos
(1953-2006). É um aceno que sopros muito antigos. Continua
acontece. É um sopro quente. a desenhar e mirar a ligação dos
O mormaço da mata fala. corpos antepassados que estão
Redemoinhos desenham no no futuro do mundo.
chão o prenúncio: não existe Reverência
um metro quadrado sobre São obras vivas!
nossos pés que não seja criação Gabriel Gentil Tukano é o
sagrada de território ances- próprio desenho acontecendo
tral. É perpétuo o que se cria entre os mundos.
em linhas.
Um corpo desenha. déba tacana
E o traço ocorre quando a luz
o revela. Uma luz que anda entre
mundos criando outros mundos
no centro dos inícios de todos
os tempos, dos riscos e dos ritos
primeiros. Na próxima luz, os
meus olhos alcançarão as mãos
do meu parente, pois o ponto é
demarcado nos dois mundos, e o
101
G
Com essas palavras, George Alguns querem ver em Krazy Kat
Herriman (1880-1944) refletiu uma representação dos confli-
sobre a condição inescrutável tos que Herriman enfrenta com
de Krazy Kat. Em essência, a relação a sua identidade, como
influente história em quadrinhos homem mestiço em um mundo
narra as desventuras de Krazy, totalmente branco, sob as leis
um gato cujo sexo é incerto − a segregacionistas de Jim Crow.1
ambiguidade de seu gênero A ambiguidade, não apenas do
jamais foi esclarecida −, lou- gato, mas de toda a série, pode-
camente apaixonado pelo rato ria revelar a dualidade entre ser
Ignatz. Esse amor não é corres- ou não ser algo, o que se pode
pondido por Ignatz; suas cons- extrapolar para questões não
tantes agressões ao protago- apenas de raça, mas de gênero
nista, no qual atira tijolos na e de classe.
cabeça, são mal interpretadas Hoje, a releitura dessas obras
pelo felino, que as considera permite vislumbrar Krazy Kat
declarações de amor. Por sua e George Herriman saltando e
vez, Krazy tem um admirador se movendo de um lado para o
secreto, o cão policial Offisa outro da cerca, rompendo os
Pupp, cuja vigilância constante limites desse cercado e lançando
do rato tem o objetivo de evitar os tijolos do rato Ignatz como
essas agressões e prendê-lo mísseis para desarmar e desati-
quando as comete. var hierarquias e identidades.
Tudo em Krazy Kat parece
querer superar as imposições rafael garcía
tradicionais: a inversão de
papéis entre o trio principal de traduzido do espanhol por
personagens, o não binarismo ana laura borro
de seu protagonista, a experi-
103
G
plantas não mais reconhecíveis. ção, The Creatures in Search
Em Oblivious to Oblivion [Alheios of Their Species [As criaturas à
ao esquecimento] (2017), instala- procura de suas espécies] (2012)
ção de grande escala que forma afirmam-se como uma matriz
uma ampla nuvem suspensa, as de seres transformadores. Em
imagens entrelaçadas de vege- vez de apresentarem um mundo
tais improváveis são penduradas morto, fixo e perdido − caso
em meio a espelhos. Os reflexos do pensamento catastrófico
fugazes dos espectadores nesses e retrospectivo −, essas obras
espelhos insistem em mostrar trazem à luz a gramática para
uma humanidade indiferenciada, o enfrentamento de um futuro
desafiando seu antagonismo – regenerativo. Ao destino de
profundamente enraizado – com destruição Javier contrapõe uma
o mundo natural. política do cuidado, que não
Os efeitos visuais resultan- tem similaridade com as formas
tes de suas livres composições políticas do passado. Enquanto
flutuantes remetem a arranjos suas pinturas derivam de uma
cósmicos que se adequam prática individual, suas instala-
perfeitamente à composição all ções envolvem uma atividade
over [que recobre toda a super- comunal que revela sensibilida-
fície pictórica], típica da pintura des singulares no tratamento dos
moderna. Convidam, assim, materiais, expressão da interde-
a uma experiência imersiva, pendência de formas de vida e
coerente com a recusa a um cooperação intergeracional.
engajamento político direto.
Como afirmam os títulos de carles guerra
suas obras mais recentes, Javier
posiciona-se em meio a incerte- traduzido do inglês por
zas. Oscilando entre esperança gabriel bogossian
105
G
texto, a autora articula a fron- o sagrado do secular, a arte da
teira como espaço geográfico vida cotidiana”.3
em disputa e como metáfora Enquanto escrevo este texto,
para a experiência social das me deparo com a notícia4 de
pessoas que cotidianamente que os agentes de imigração dos
são pressionadas a escolher Estados Unidos são orientados
uma identidade única, mesmo a atirar ao rio bebês e crianças
que suas realidades sejam imigrantes encontrados na
constituídas pelo encontro fronteira do Texas com o México.
entre culturas. Enquanto as políticas de vigilân-
Exposto na 35ª Bienal de cia e de genocídio ora criam, ora
São Paulo, um dos desenhos por reencenam modos de manter a
meio dos quais Anzaldúa elabora violência e o terror, as obras de
sua teoria em forma de imagem Anzaldúa permanecem evoca-
apresenta uma serpente roxa e das, atualizadas e em perfor-
sinuosa com uma enorme boca mance, nos relembrando de que
a morder uma maçã. Abaixo do “a guerra de independência é
desenho, escrita em vermelho, uma constante”.5
a frase: “O proibido”. De ime-
diato o desenho remete à cena maria luiza meneses
com a serpente mais conhecida
na história cristã ocidental. No
entanto, aqui o fruto proibido
invoca não o signo de repulsa
e do temor cristão, mas o mais
importante signo da América
pré colombiana, a serpente
que para Anzaldúa é “o símbolo
do obscuro impulso sexual,
107
política (giap)
lena Natalia Arcos Salvo e pelo
sociólogo italiano Alessandro
Zagato. O grupo produz publi-
cações, exposições e palestras
sobre estética e autonomia, e
desde 2017 também organiza
residências para artistas e aca-
dêmicos em Chiapas.
O interesse do grupo reside
na poética que surge dos movi-
mentos sociais com raízes indí-
genas. Essa pesquisa militante
Natalia Arcos Salvo concentrou-se nos dispositivos
La danza del trabajo colectivo del maíz. que constituem a implantação
Bases de apoyo del Ejército Zapatista de
Liberación Nacional, 2016 estética do Exército Zapatista de
A dança do trabalho coletivo do milho.
Bases de apoio do Exército Zapatista de
Libertação Nacional, o EZLN, um
Libertação Nacional. Fotografia digital corpus que é interpretado como
G
dade que o caracteriza: porta- os Caracoles, os Conselhos de
-vozes, comunicados, roupas, Bom Governo e toda a constru-
ações, palavras e obras de arte ção desse outro mundo possível:
configuram um imaginário que bordados, pinturas, danças e
funciona como uma arma de ações milicianas. Porque nas
sedução em massa. montanhas do sudeste mexi-
No zapatismo, a estética e a cano as baleias estão dançando
poética desempenham um papel há muito tempo.3
orgânico dentro da política
revolucionária do movimento. natalia arcos salvo
Um exemplo maravilhoso dessa
fusão é a grande performance traduzido do espanhol por
em massa que ocorreu em 21 de ana laura borro
dezembro de 2012, quando os
zapatistas mobilizaram 45 mil
de seus membros, ocupando
de surpresa e pacificamente as
mesmas cidades de Chiapas que
haviam tomado à força em 1994.
Esse evento encenado marcou
o reaparecimento do EZLN na
esfera da mídia,1 com a intenção
de mostrar a definição ampla de
sua autonomia. Isso aconteceu
no mesmo dia proclamado
pela mídia como o dia do “fim
do mundo”, de acordo com
o calendário maia. Mas, com
essa coreografia, os zapatistas
109
trabalhos em
andamento no ateliê
de Guadalupe Maravilla
G
tos e sem estar acompanhadas épica, Maravilla dispõe escultu-
dos pais. Hoje, o artista revisita ras em grande escala intituladas
essa experiência para desenvol- Disease Throwers [Lançadores
ver uma abordagem conceitual de enfermidades] (2019-em
que alude às somatizações − no curso). Essas formas estranhas,
sentido mais amplo do termo que têm características orgâni-
− do que ele viu e vivenciou cas, são montadas com mate-
nessa travessia. Como uma riais moldáveis e instrumentos
extraordinária caixa de resso- musicais que, com uma vibra-
nância, os projetos de Maravilla ção específica, geram espaços
contam sua história, mas narram terapêuticos que convidam
também as histórias de milhares à resiliência. As “máquinas
de pessoas que foram marcadas de cura” do artista sugerem
por essa vasta cicatriz cha- a abertura de portais para o
mada fronteira. ancestral e a realização de uma
Como resultado, suas propos- cerimônia sonora que, nesta edi-
tas artísticas são performances ção da Bienal, é a possibilidade
e colaborações multitudinárias, de celebrar um ritual coletivo
cenografias sobrecarregadas de para curar traumas e condições
gestos, objetos e mecanismos do corpo.
que são instalados como retábu-
los. Em muitas delas encontra- rossina cazali
mos traços do jogo infantil tradi-
cional conhecido em El Salvador traduzido do espanhol por
como Tripa Chuca, que resulta ana laura borro
da união de números com linhas,
bem como desenhos retirados de
códices e tecidos antigos estam- esta participação é apoiada por:
pados com histórias pictográfi- Y.ES Contemporary.
111
I
sistemas de crise ou de fracasso. dos, dormentes de ferrovias que
No entanto, as transmutações foram desinstalados, documentos
produzidas pelo artista geram governamentais, ferramentas e
condições poéticas de assembla- utensílios de uma oficina de loco-
gem, montagem e coletividade. motivas, mapas, diários, livros e
Em sua instalação Non- mobiliário de arquivo.
Orientable Nkansa II [Nkansa não Em seu último trabalho,
orientável] (2017), Mahama, com Mahama cria um espaço de
vários colaboradores, produziu montagem que dialoga com
centenas de “caixas de sapateiro” a obra anterior, Parliament of
de madeira, utilizando materiais Ghosts, se transmutando para
de sucata encontrados nas cida- configurar um local de trabalho
des de Kumasi e Acra, em Gana, coletivo negro, produção cultural
usados para polir e consertar e discurso ao longo da 35ª
sapatos. Essas caixas continham Bienal de São Paulo. Esse espaço
os utensílios dos engraxates, reproduz as arquibancadas feitas
jovens empobrecidos que, para de tijolos vermelhos do salão de
sobreviver, percorrem a cidade seu estúdio RED CLAY [Argila
diariamente polindo ou limpando vermelha], em Tamale, Gana. Na
sapatos. Mahama reúne e empilha instalação, também há um con-
essas centenas de caixas em uma junto de vasos típicos de Gana e
parede de dimensões monumen- trilhos de ferrovias, remetendo à
tais, em que cada caixa parece geografia do norte de seu país,
precária, ainda que impossivel- onde seu estúdio se localiza.
mente mantida no lugar.
Parliament of Ghosts mario gooden
[Parlamento de fantasmas] (2019)
113
I
cidade inspiram Desire Lines que dançam e se vestem com
[Linhas de desejo] (2022), obra tecidos ecumênicos inspirados
que representa os atalhos cria- em objetos sagrados. O domés-
dos por trabalhadoras e traba- tico ganha significado sensí-
lhadores menos favorecidas que vel e íntimo, ultrapassando a
desafiam a dureza dos traçados realidade e ganhando formas
urbanos. A tapeçaria, produção impensadas, quase impossíveis.
sul-africana tradicional, é a arte
através da qual Adams materia- luciana brito
liza esses caminhos alternativos,
rios, estruturas mediante as
quais a urbe se (des)organiza.
Essa tapeçaria é composta
de objetos ordinários, miçangas
coloridas, conchas, búzios, fios
de arame, tecidos coloridos fir-
memente trancados, produzindo
imensos tapetes multicoloridos.
Além da tapeçaria, outras produ-
ções de Adams também demons-
tram esse esforço das classes
trabalhadoras para enfeitar seu
cotidiano, e, paradoxalmente,
reafirmam e relembram seu
lugar social, de alegria ou de dor,
de pobreza e de esperança de
dias melhores.
115
I
do Centro Comunitário de instalação de Wolff revela uma
Steinkopf foram encomendados “coreografia de cuidado e con-
pela empresa anglo-americana vívio” que sobrevive às vicissi-
de extração de platina, cobre, tudes da repressão religiosa, do
diamantes, carvão térmico e racismo sistêmico e da explo-
minério de ferro no territó- ração e extração econômicas.
rio sul-africano. A cidade de Wolff revela como esse edifí-
Steinkopf, na África do Sul, foi cio é testemunha de saberes,
fundada em 1817 pela London memórias e histórias nativas
Missionary Society como uma locais de alegria, libertação,
missão religiosa dirigida ao apoio mútuo e solidariedade
povo nativo San, do noroeste do dessas pessoas que usaram o
país. A população da cidade, na centro como espaço de reunião
época da construção do centro e local de resistência.
comunitário, era de aproxima-
damente 6 mil pessoas, em sua mario gooden
maioria mulheres e crianças,
pois grande parte dos homens
vivia e trabalhava nos campos
de mineração na província do
Cabo Ocidental. “A intenção
foi proporcionar um edifício
convidativo, que acomodasse
todas as necessidades das
pessoas e que também abrisse
mais opções ambientais para a
comunidade. Ele foi projetado
117
I
sons, mas o que brota é um do que é considerado harmô-
canto ancestral. Solto e liberto, nico ou erudito. Assim, esse
seu corpo exala memórias de foi o caminho encontrado por
movimentos antigos e refina- Inaicyra para trazer a herança
dos, repetidos milenarmente no africana para os currículos.
cotidiano humano e das divin- Longe de significar estar
dades sagradas, o que se pode presa a um passado estanque,
ainda observar hoje, quando sua percepção de mundo e da
estão na Terra. arte revela mudança, dinamismo
Como mostra a arte de e constante transformação de
Inaicyra, o impossível acontece movimentos e cantos ances-
quando a potência do corpo, da trais. Assim, Inaicyra Falcão se
explosão física provocada pela autodefine uma “articuladora de
necessidade de movimento, se universos”, de mundos multi-
encontra presente até mesmo dimensionais, que ela faz se
nas divindades sagradas. Por conectarem ao corpo e à voz.
isso, para a artista, todo corpo
é dotado de memórias, inscri- luciana brito
ções ancestrais, que se revelam
na consciência corporal forjada
na tradição. Esse movimento
é cultural, memória coletiva,
mas, sobretudo, resulta de
nossas histórias pessoais e de
atravessamentos que habitam
os corpos de pessoas negras da
diáspora. A liberdade pessoal,
119
Baptism, 2019
Batismo. Edição 1/3 + 2 PA.
Jato de tinta sobre papel
fine art 100% algodão.
50 × 44 × 2 cm (20 peças)
J
aos angolanos. O tecido, 100% em seu trabalho; também por
algodão, faz referência aos isso, é diante de si mesmo – do
campos da Baixa do Cassange, espelho, de sua história –, que
onde em 1961 houve o massacre Jano encontra a matéria-prima
que insuflou a luta pela liber- que ocasionalmente lhe escapa
tação de Angola. Tal dimensão à própria vida e acaba ecoando
da violência – sobretudo da nas palavras de uma conterrânea
resposta a ela – emerge de uma sua: “sobreviver à nossa histó-
artesania que entende a pes- ria é parecido com sobreviver
quisa não como uma etapa para numa cidade implacável” – disse
se chegar num produto, mas, Djaimilia Pereira de Almeida,
sim, como a matéria viva à qual como poderia ter dito ele.¹
o olhar precisa retornar cons-
tantemente quando se dispõe a igor de albuquerque
propor outros mundos.
Vídeo, escultura, pintura,
fotografia, instalação, costura,
ou arte interdisciplinar, se qui-
serem. É vasto o repertório de
linguagens que Jano aciona para
pôr em prática suas ideias, assim
como é vasto e perturbador o
alcance das forças subjacentes a
todo fazer artístico como conse-
quência da história e da cultura.
São muitas as mídias, as camadas
121
J
perfil, inserindo-a em composi- se apaga”.2
ções geométricas e reverbera-
ções ópticas e cromáticas, Ruiz fernanda carvajal
Durand dinamizou o rosto de um
dos líderes da mais feroz insur- traduzido do espanhol por
gência andina do século 18 con- ana laura borro
tra a invasão espanhola, dan-
do-lhe uma fisionomia vibrante
que podia sofrer mutações,
multiplicar-se e iluminar-se por
meio de sobreposições e efeitos
de luz. Por meio de uma síntese
formal cinética, ele sincronizou
o messianismo anticolonial de
Tupac Amaru II com a revolução
em andamento.
Mas nos contornos ondula-
dos e amarelados que envol-
vem os corpos dos campone-
ses exibindo ferramentas ou
trabalhando a terra, também
é possível ver a luz dos eclip-
ses, sob a qual os habitantes
do altiplano “caminham cheios
de pressentimentos”, como
escreve Arguedas. A Reforma
123
J
bem como a relação das subje- Augsburgo – Sevilha – México,
tividades com a história – e não em suas ruas, capelas e igrejas,
apenas para representá-la. Em museus, bibliotecas, minas e
Faute d’argent, Ribalta questiona oficinas, que são uma transcrição
tanto a história da nação espa- do ouro, da prata e do chocolate
nhola quanto a lógica imperial- transformados em moedas, lingo-
-financeira do capitalismo desde tes e grãos.
o início da Idade Moderna na
Europa, que transborda em uma rocío robles tardío
colonialidade do poder. Seu título
resume a relação dialética entre traduzido do espanhol por
o imperador em declínio e seus ana laura borro
banqueiros, a saga dos Fugger, ou
seja, entre a necessidade e o endi-
vidamento que garantiu o status
imperial no século 16, em detri-
mento de Castilla, a nação, e das
Índias, transformadas em meros
instrumentos de uma política
colonial extrativista. Sem metáfo-
ras, o episódio é uma tragicomé-
dia composta por 76 fotografias –
ritmadas por notas e citações nas
margens – que rastreia os nomes esta participação é apoiada por:
e a geografia sobre os quais o Acción Cultural Española (AC/E) e Embaixada da
Espanha no Brasil, e realizada em parceria com
Império Habsburgo e a nação Institut Ramon Llull.
125
J
viralizar em impressões, reim- ilustrações para diversos perió-
pressões e reapropriações que dicos em circulação durante
se repetem diante dos olhos dos o tumultuado final de século
vivos. Um memento mori coral 19 até 1913, quando morreu no
– trabalhos ecoando em latim anonimato. Publicou em muitos
a litania do “lembre-se de que jornais pró-classe trabalhadora,
você também vai morrer”. mas sua filiação aos ideais
Posada pertence àquele redu- revolucionários não é ponto
zido grupo de artistas cujas obras pacífico. No entanto, resta uma
são automaticamente reconhe- constante inegável em sua verve
cíveis, mesmo que se ignore o satírica: ridicularizar a burguesia
nome de quem as assina. Suas que se nutre da exploração do
célebres calaveras [caveiras povo. Fato presente nas linhas
ou esqueletos] retiram energia que vão da fase costumbrista às
das páginas baratas às quais se produções tardias, que culmi-
destinavam e fazem parte da nam no chapelão sobre o esque-
história morta-viva do México. leto da socialite Catrina.
A Gran calavera eléctrica (1907),
a La calavera oaxaqueña (1900), igor de albuquerque
a La calavera revolucionária (c.
1910) e, sobretudo, a La calavera
Catrina (1910/1913) são memes
de memento mori anteriores à
rede mundial de computadores.
A um só tempo, piada e refle-
xão filosófica, festa da morte e
127
J
ceu como mulher em 1592 e trajes militares e sustentando
desafiou padrões de gênero no um olhar firme, a imagem do
século 17. Até não muito tempo alferes adere inequivocamente
atrás, muitos estudiosos do ao regime dominante de visuali-
período, provavelmente influen- dade da era colonial, com todos
ciados pela leitura da biografia os seus ditames de gênero,
de Erauso, consideravam a sexualidade, raça e classe.
pintura como parte da tendência Essa constelação de interpre-
barroca de representar “o mons- tações, de apêndices visuais e
truoso”. Essa tendência, que discursivos, foi recuperada por
deu origem a um gênero inteiro Cabello/Carceller. Na exposição
por si só, formou um amálgama Una voz para Erauso. Epílogo
no qual se incluíam tanto os para un tiempo trans [Uma voz
corpos fora da norma quanto para Erauso. Epílogo para um
as identidades sem uma defini- tempo trans] (2021-2022), a obra
ção preestabelecida. mostra novamente seu caráter
No entanto, embora ima- mutável e excepcional e, entre o
gens desse tipo tenham sido passado e o presente, confirma
particularmente abundantes no a performatividade inerente a
contexto espanhol na primeira todo retrato, toda história e toda
metade do século 17, o Retrato construção de identidade.
de Doña Catalina de Erauso
parece questioná-las com base beatriz martínez hijazo
em sua própria excepciona-
lidade. A particularidade da traduzido do espanhol por
obra faz ainda mais sentido se ana laura borro
129
J
Por vezes, suas composi- de um objeto artístico sempre
ções coloridas são estruturas permanece inacabado e incom-
abertas, que revelam o número pleto: irredutível a determinado
infinito de extensões de mate- discurso, determinada imagina-
riais subjacentes em seu interior. ção ou sistema de mediação.
Em outros momentos, os fios
estão entrelaçados em estru- beatriz martínez hijazo
turas compactas e labirínticas,
e suas entranhas só podem ser traduzido do espanhol por
reveladas mediante proces- ana laura borro
sos radiográficos.
Em mais de uma década e
meia de produção incansável,
a artista jamais deu título às
suas obras. Não indicou como
esses trabalhos deveriam ser
exibidos e sequer registrou seus
pensamentos sobre seu trabalho
artístico. Na ausência de uma
narrativa, quando Scott come-
çou a atrair a atenção da crítica,
uma série de rótulos e tentativas
de interpretação gravitou em
torno de seus trabalhos. Muitas
desses indícios se apoiaram
no que estava para além do
131
J
em sua sensualidade. É mais um de outra maneira. A exigência
poema do que um ensaio; não de transparência é por vezes
há figuras sólidas, apenas con- violenta, porque não se deleitar
tornos de coisas. Onde os obje- na opacidade do outro, de si?
tos são decifráveis, como em Afinal, se você pudesse adentrar
seus vídeos, eles se reúnem em a instalação de Creuzet e saber
combinações inusitadas, reba- exatamente o que ela é, consu-
tendo uns nos outros, alterando mindo e digerindo sem maiores
seus significados, associações consequências, afinal, seria tão
surgindo e lembrando a “sopa bom? Você a sentiria de modo
de signos” de Benitez-Rojo.2 tão profundo? Acho que não.
Tudo isso é deliberado, Melhor demorar, vagar, deixar
obviamente. Creuzet está seus pensamentos voltarem-se
comprometido com uma cadeia sobre si mesmos, estabelecer
interminável de referência associações livres, dialogar
que invoca “a multidão” do com um amigo. Prazeres além
pensamento e da experiência do que você pode imaginar
pan-africanista. Seu trabalho te aguardam.
nos lembra que muito é compar-
tilhado pela diáspora africana, nicole smythe-johnson
mas muito não é. O conceito de
negritude está relacionado, mas traduzido do inglês por
não é o mesmo que o conceito naia veneranda
do Black Power. Seria a Mami
Wata [Mãe Água] do Haiti, a esta participação é apoiada por:
Mami Wata da Louisiana? Mami Institut français.
133
K
zado – na vida real e também de rituais diários aparece como
no cinema. uma maneira de impedir a
Mas nenhuma expropriação catástrofe iminente. Em The
jamais é total. Assim como Camera of the Dispossessed
as pessoas, os pixels também [A câmera dos despossuídos]
resistem. Em Recollection (2023), seu projeto para a Bienal
[Recordação] (2015), Aljafari se de São Paulo, ele experimenta
envolveu em um esforço minu- com o formato da instalação,
cioso e brilhante para desfazer empregando justaposição,
o que ele chama de “ocupação montagem e efeitos visuais para
cinematográfica”. Ele explo- se reapropriar criticamente
rou três décadas de filmes de de imagens históricas saque-
ficção israelenses produzidos adas do Centro de Pesquisa
em Jaffa, sua cidade natal, em Palestino, em Beirute, em 1982,
busca daquilo que os fotogra- pelo exército israelense.
mas involuntariamente preser-
vam: a imagem da arquitetura omar berrada
da cidade como foi um dia, e
a imagem de muitos palesti- traduzido do inglês
nos, incluindo seus familiares, por mariana nacif mendes
que acidentalmente aparecem
ao fundo porque, por acaso,
passavam ali quando a cena
estava sendo filmada. Munido
135
pink-blue, 2017
rosa-azul. Tinta rosa Baker-Miller, tinta
branca, luzes brancas fluorescentes, luzes
azuis fluorescentes. Vista da instalação,
Yuz Museum, Xangai (2018)
K
descolonização, mas, sobretudo, eurocêntrica, através da disposi-
nos convida a imaginar formas ção das cores (azul-rosa, branco)
radicalmente outras de conceber y das formas (entrada-saída,
y de nos implicar – para recupe- retilíneo-diagonal) em sentido
rar Denise Ferreira da Silva – com contrário daquele utilizado
o Mundo que somos. um Mundo para cercear y oprimir. talvez aí,
de permeios, atravessamentos quando nós fazemos a passagem
y confusões. rumo a rotas de fuga, inventamos
para a 35a Bienal, Kiwanga uma nova dança da temporali-
traz pink-blue [rosa-azul] (2017), dade. se nos deixamos desorien-
concebida a partir de sua pes- tar pela passagem de pink-blue,
quisa sobre instituições totais numa confusão entre entrada y
– caso das instituições psiquiátri- saída, podemos ainda sentir essa
cas y dos presídios – y o impacto instalação como uma grande
da arquitetura e design puni- y estranha lupa, geométrica,
tivista sobre nossas carcaças, diagonal y colorida, por meio da
além da vigilância constante. a qual podemos vislumbrar (y fazer
instalação traz à tona mecanis- parte de) um tempo não linear ,
mos que, na surdina, moldam, adentrando y inventando espa-
regulam y preveem as formas de ços não mais comandados pela
sociabilidade. assim, a cor rosa, lógica do cativeiro colonial.
de modo especial a Baker Miller
Pink, acalmaria instintos agres- abigail campos leal
sivos (reabilitação ou política
137
K
questionava os modos coloniais o corpo afro-diaspórico, e com
de ver o mundo negro. isso disseminou um conheci-
Sua articulação com a diás- mento próprio e de toda uma
pora negra em termos práticos e comunidade. Sua visão huma-
conceituais foi de tamanha rele- nista e seu ativismo contribuí-
vância que pode ter antecipado ram de maneira multidimensio-
a própria ideia de Atlântico nal para os campos das artes, da
Negro. Dunham vislumbrava educação e da luta antirracista,
a noção de diáspora africana entrelaçando esferas artísticas e
em sua dimensão intercultural acadêmicas de modo pertinente
e geográfica, mostrando ainda e necessário.
como o modernismo das danças
negras contribuiu para o campo luciane ramos silva
mais expandido da dança.
O trabalho da coreógrafa
evidenciava como a dança podia
se relacionar às questões que
atravessavam a vida social. Em
1950, durante turnê pelo Brasil,
sofreu uma ofensa racista no
Hotel Alvorada, em São Paulo,
que desencadeou intensas dis-
cussões no campo das relações
raciais, culminando na promul-
139
K
um friso improvável que dispõe, das histórias contadas uma e
lado a lado, figuras mitológicas outra vez constrói uma forte
ancestrais: Igpupiara (termo tupi contraimagem do progresso.
que significa monstro marinho) e Em um mundo pós-colonial, a
Syokoy (espécie de homem-se- capacidade inventiva apoia-se
reia), originárias respectivamente em torções, combinações e
de povos indígenas brasileiros e mesclas do passado, a despeito
de povos filipinos. Esse é apenas das categorias que mantêm
um capítulo da viagem de circu- separadas formas de vida, cons-
navegação do explorador Fernão truções imaginárias comuns e
de Magalhães, na qual a invasão conhecimento. Desse modo,
abre espaço para a necropolítica estabelecer contato com as
que se estende para muito além instalações de Tahimik é como
dos seres humanos. Primeiro entrar em um ferro-velho legado
representadas como monstros, por todos os regimes imperiais.
depois exterminadas, as figuras
de Igpupiara e Syokoy personifi- carles guerra
cam o assassinato de imaginários
tribais, um profundo e implacável traduzido do inglês por
genocídio cultural que amplifica gabriel bogossian
sua tragédia com o capitalismo
ecocida racial. Helicópteros,
motosserras e mísseis num
confronto desigual com criaturas
141
SHAKEDOWN, 2018
Still do filme; 60’22’’
L
-pesquisa de 72 minutos desmon- resiste à ideia de documentário
tada em mais quatrocentas horas e o define como sendo “sua
de filmagens, flyers e inúmeras própria cápsula”, realizado em
fotografias produzidas quando a determinado momento como
artista trabalhava como fotógrafa um espaço para a curiosidade
e videolady do clube que dá título e a fantasia. Além disso, o que
ao longa-metragem. O resultado Weinraub fez em SHAKEDOWN
é um filme-experiência, íntimo, foi uma obra de arte visceral.
ousado e celebrativo da lesbian-
dade negra afro-americana. barbara copque
Em 2020, SHAKEDOWN
se tornou o primeiro filme
não pornográfico lançado na
plataforma Pornhub. O filme,
que remonta em novas sen-
sibilidades, visualidades e
temporalidades as histórias de
Ronnie-Ron e das Shakedown
Angels − Egypt, Ms Mahogany
e Jazmyne −, é um documento
no qual se entrecruzam várias
camadas, como as indagações
143
L
costumavam levar canários para significados e as possibilidades
o trabalho em minas de ouro. que cada agrupamento carrega.
Pássaro de canto incessante Somam-se à composição do
e metabolismo acelerado, era trabalho, cuias de cobre, pássa-
utilizado como sentinela. Seus ros banhados em prata e cobre,
pulmões reagiam em instantes metais de alto caráter condu-
à presença de gases tóxicos tivo e pó de anil, substância
emanados pela extração mine- frequentemente utilizada para
ral, e seu silêncio era o alerta limpeza energética.
para que os mineiros abrissem
caminhos para escapar daquelas thiago de paula souza
galerias, evitando os perigos de
uma intoxicação letal.
A sobrevivência daquelas
pessoas significava a morte
das aves, evidenciando como o
regime escravagista não devas-
tou apenas vidas humanas,
mas estendeu seu terror sobre
outras espécies.
A narrativa acima é o ponto
de partida da obra de Luana
145
L
não) de gerar? Embora o artista solidariedade e para o ritual,
relate que não cria com base retornando, talvez, à memória
em gêneros,1 o riso branco, de uma dimensão litúrgica que
cisgênero e perverso da pla- sua dança, sem dúvida contem-
teia afirma comédia, uma vez porânea, apreendeu desde os
que é acionado em cenas que terreiros de umbanda.
poderiam causar profundo des-
conforto caso o público fosse cíntia guedes
capaz de reconhecer a tragédia
vivida pela negritude. O riso do
performer, ao contrário, entra
e sai de cena demonstrando a
marcação coreográfica; trata-
-se de uma alegria que revela
sua artificialidade, porque é
decomposta enquanto gesto,
assim como todas as qualidades
e movimentos atribuídos ao
corpo negro o são. Em Histórias
infantis (1995), ao performar a
travestilidade como experiência
na forma de caricatura, Luis
147
M
culturais de gestos ancestrais e nos – como uma partitura para
sua ética de paciência diante da uma dança alternativa de eman-
discriminação. cipação que elimina as fronteiras
Para Bouhchichi, esses cera- nacionais ao encenar debates
mistas e ferreiros são poetas (no entre mãos negras de ambos os
sentido grego do verbo poiein, lados do Atlântico. Com esse
que significa “fazer”). Eles trabalho, o artista busca desa-
criativamente moldam a matéria prender as hierarquias da arte
e dão vida nova a ela. Com ocidental, ao mesmo tempo
seu modo tátil de testemunhar em que aponta para um mundo
uma história de racialização, estruturado, não pela reação à
eles desempenham um papel opressão, mas por uma trama
semelhante ao dos poetas orais ativa e poética de relações entre
Amazighs que, uma geração línguas e geografias.
após a outra, têm registrado a
vida de suas comunidades em omar berrada
canções e recitações. A poesia
é importante para a prática de traduzido do inglês por
Bouhchichi. Ele tem prestado mariana nacif mendes
especial atenção a M’barek Ben
149
M
tiva, às regras de proporção e à aprendizado entre os envolvi-
técnica canônica, para se com- dos, cujo objetivo final é a cura,
prometer unicamente com às for- tanto de quem a realizou quanto
ças de miração, experiências de do observador que a acessa,
visões estimuladas pela ingestão transformando-a em experiência
de ayahuasca durante os rituais espiritual.
de nixi pae. As pinturas podem
apresentar também traduções renato menezes
de narrativas míticas e histórias
ancestrais, descritas nos cânti-
cos rituais, cujo aspecto comum
é a presença viva dos entes da
natureza e a relação de continui-
dade entre eles. Resulta desses
procedimentos uma combinação
de formas e cores, que reacende
o problema do movimento em
pintura, deslocando-o do terreno
da ilustração para o da experiên-
cia interior (que Ibã chama de
151
M
ramos com a recriação de um talvez aí estejam contidos
momento histórico cuja violên- elementos para fabularmos um
cia poética apenas podemos outro tipo de refeitura profética
vislumbrar: o brutal encontro do passado. assim, esse mapa
entre Tlaxcalanos y Castelhanos. não indica as coordenadas
diante dessa imagem misteriosa, para um país geográfico, mas
somos convocadas a presen- para lugares há muito esque-
ciar o inominável: o barulho cidos y que ainda estão para
ensurdecedor dos mosquetes, serem imaginados.
crianças que choram diante do
cadáver de seus pais ensanguen- abigail campos leal
tados, cabanas incendiadas,
jovens sendo violentadas por
espanhóis, saques, destruição,
soldados espanhóis assassinados
sem ao menos saber de onde
partiu a flecha. mas podemos
também nos questionar: que
histórias guardam essas man-
chas estranhas? ou que aconte-
153
M
do lago. A imagem, registrada nidades, das relações humanas
por um drone, é um círculo e interespécies.
quase perfeito dos vinte barcos
que carregam vários recur- rossina cazali
sos e objetos simbólicos. As
embarcações fluem com as traduzido do espanhol por
correntezas da água ou exercem ana laura borro
forças opostas.
No final da ação, o artista
sugeriu aos participantes
que poderiam se desamarrar,
movendo-se de acordo com sua
vontade ou coordenando-se
para retornar juntos à margem,
o que gerou um momento
de confusão. A expressão
Oq Ximtali, na língua tzutuhil,
significa “eles nos amarraram”
ou “nós estamos amarrados”.
Essa ação explora ou recupera
155
M
suas pernas ficam momenta- resgatar a presença e a reverbe-
neamente presas no cimento. ração dos referentes originais.
Nos quitaron la montaña, nos A intenção de Boror Bor é tirar
devolvieron cemento [Tiraram a proveito de certas caracterís-
montanha de nós, nos devolve- ticas dessas linguagens tota-
ram cimento] (2022) consiste em lizantes, institucionalizadas e
uma série de objetos tradicio- acadêmicas para desmantelar
nais produzidos com cimento. os lugares-comuns que o mul-
Simulando breves ficções, Boror ticulturalismo proporcionou.
Bor substitui o milho da comida Como artista indígena contem-
pelo cimento, a argila dos potes porânea, seu desejo é resgatar
pelo peso desse outro material, cosmogonias que foram invisibi-
por meio do qual a alma (cux, lizadas e fragmentadas ao longo
na língua caqchiquel) e o valor dos séculos.
simbólico originais dos objetos
vão se perdendo. Ambas as rossina cazali
obras constituem uma resposta
aos debates sobre o modelo de traduzido do espanhol por
desenvolvimento econômico ana laura borro
na Guatemala e o extrativismo
157
M
senta um acaso que a poesia, de identidades, seus filmes bus-
com suas infinitas possibilidades caram o acerto de contas rumo
de arranjos sonoros e elípticos, a uma redenção possível junto a
representa um traço inconfundí- três identidades estruturantes:
vel de seus filmes. negro, estadunidense e gay.
Tongues Untied [Línguas Em Tongues Untied, Riggs
desatadas] (1989) inaugura a postula essa reconciliação
fase mais inventiva da carreira assertiva como projeto estético
de Riggs e reúne os traços e político.
estilísticos que costumamos
associar à sua obra. Como
heitor augusto
muitos de seus filmes sub-
sequentes, Tongues Untied
transita do radicalmente pessoal
– avizinhando-se, assim, de
um confessionário – ao indubita-
velmente coletivo – enamoran-
do-se, portanto, da polifonia.
Falar de Riggs é também
reconhecer que o paradigma da
159
M
violência] (1948). Esse filme é o bores) e a forma (movimento,
inverso dos rituais de possessão velocidade, enquadramento,
que tanto a fascinaram (e que edição de imagem e som) como
ela mesma praticou) no Haiti. meios da dança e do cinema.
Em contraste com esses rituais,
a dança mostrada aqui é um josé antonio sánchez
exercício de autocontrole, que a
câmera compartilha, assumindo traduzido do espanhol por
a própria gravidade do dança- ana laura borro
rino, aquela aparente leveza
que só é alcançada por meio
do treinamento e da inteligên-
cia do corpo. O resultado é um
filme que pode ser considerado
perfeito em sua construção
formal. Perfeito em sua preca-
riedade: um conjunto de papel
fotográfico e um manuseio
hábil da edição nos permitem
transcender o plano de Maya e
161
M
quais as populações indígenas mapa, a obra de Melchor María
e as cholas desempenham um Mercado sugere zonas de encon-
inegável papel de liderança. No tro e conflito em uma alegoria
entanto, ao mesmo tempo em entre o vivido e o significado.
que captura a cultura, a arqui-
tetura e a natureza boliviana, o beatriz martínez hijazo
artista aponta a fragilidade do
poder político (que vivenciou traduzido do espanhol por
em primeira mão) e satiriza a ana laura borro
corrupção das elites coloniais.
Dessa forma, além de uma
tentativa inicial de implantar uma
memória e uma episteme andinas,
também é possível perceber as
fraturas e ambivalências que
marcaram o período: a margi-
nalização de certas identidades
ou classes sociais e uma obsti-
nada dominação colonial que
se revelou como o outro lado do
163
M
rossímil, gerando correlações e único que não pertence a nin-
reciprocidades inesperadas com guém: o corpo da terra.
tudo o que está à sua volta, seja Min Tanaka à La Borde [Min
humano ou não. Essa ação foi Tanaka em La Borde] (1986) foi
realizada pelo dançarino e ator realizado por François Pain, um
(como ele mesmo se descreve) cineasta francês que colaborou
Min Tanaka na clínica francesa com Félix Guattari em La Borde,
La Borde, onde Félix Guattari e cuja obra se concentra em
trabalhou por um tempo com questões de esquizoanálise e
Jean Oury, fundador da clínica. antipsiquiatria, entendendo o
Ambos psicanalistas, Félix e Jean cinema como uma máquina para
procuraram criar um espaço gerar espaços de cuidado.
que não reproduzisse relações
hierárquicas de poder, um lugar sylvia monasterios
de intercâmbio entre assisten- e tarcisio almeida
tes e pacientes, entre equipes
de serviços e médicos. A forma
como ele se relaciona com os
pacientes de La Borde evoca
acompanhamento, afeto e apren-
165
M
para quem as dimensões dos insistem em ignorar, como quem
mundos físico, onírico e espiri- foge às responsabilidades.
tual se encontram intimamente No final de Mãri Hi, os esforços
conectadas a cada elemento da tradutórios fecham as rotas de
vida na floresta. Ou melhor, da fuga com a seguinte fala-sonho
terra-floresta – como costumam de Kopenawa, que surge na
chamá-la –, pois é preciso que tela com um caderno na mão:
eles nos relembrem de que a “essas palavras foram traduzidas
floresta é o mesmo planeta em outras línguas dos brancos
compartilhado por todos nós. e agora são capazes de enten-
Nessa jornada sonho aden- dê-las. Vamos compartilhar
tro, a voz-guia é soprada pelo este pensamento para juntos
corpo de Davi Kopenawa. O dis- ficarmos mais sábios”.
curso, então, infiltra-se nos des-
vãos das imagens e materializa igor de albuquerque
zonas de criação cuja existência
seria impossível em registros
literais ou etnográficos. Vemos
vultos em meio à folhagem, as
lentes não enfocam o óbvio;
167
M
em infinitas histórias, contadas cia redimem as consequên-
por pessoas ao redor do mundo. cias dramáticas de guerras e
Cada obra de Al Solh exala de exílios.
uma patologia não declarada do
exílio. Vídeos, patchworks e per- carles guerra
formances costuram fragmentos
coletados durante as conversas traduzido do inglês por
e sua experiência nômade. gabriel bogossian
Um exemplo emblemático é
Lackadaisical Sunset to Sunset
[Apática de pôr do sol a pôr do
sol] (2022), pequeno tapete que
a artista estendeu ao longo do
tempo nos diferentes luga-
res em que viveu, recolhendo
fragmentos e marcas de uma
vida cotidiana. Como muitos
de seus trabalhos, o resultado
é absolutamente terapêutico e
insiste na dimensão patológica e
169
Jamaica, 1986
Serigrafia sobre papel,
54,5 × 36 cm
N
com M.C. Escher. Walcot, que do povo nas festas; que vê o
aprendera muitas línguas em avanço da industrialização che-
seu ofício juvenil de intérprete, gar apenas para os poderosos.
acaba por operar outro tipo de
tradução: das cenas do dia a dia igor de albuquerque
para a linguagem do desenho.
As locomotivas fumegantes,
a exploração do trabalho nos
engenhos de açúcar, as tramas
e transações da mercancia nos
portos. As paisagens são sempre
humanas, mesmo se virmos ape-
nas a figura de um trem. Quando
criança, Walcot costumava
entrar escondido em um vagão
e passava dias fugido de casa,
para, na volta, ser chicoteado
pela avó.
171
N
Esse modo de pensar em torno de um desafio: a área
tornou-se evidente durante a da exposição deve aspirar a ser
Documenta 15, no espaço de uma assays, ou seja, uma praça
hospitalidade oferecido pelo central na tradição Amazigh, um
Le 18, coletivo de Marrakesh do espaço de assembleia, como
qual Bouhmouch e Ait Ahmed declaram em sua proposta para
são integrantes destacados. a exposição: “uma tecnologia na
É também um mecanismo qual a oralidade produz mecanis-
essencial de seu projeto Awal, mos horizontais para a tomada de
que investiga maneiras de docu- decisões populares, resolução de
mentar artes tradicionais orais e conflitos, criação artística, troca
de decolonizar práticas contem- de conhecimento e produção
porâneas nas regiões do Atlas e agrícola – tudo de uma só vez”.1
do sudeste do Marrocos.
Amussu (2019), longa-metra- omar berrada
gem dirigido por Bouhmouch,
retrata a resistência de uma traduzido do inglês por
comunidade rural contra a maior mariana nacif mendes
173
N
pele de árvore, embebida em uma genealogia da memória
água, tornando a secá-la para e o exercício do respeito aos
depois banhá-la outra vez, a ciclos e padrões da natureza, no
matéria-prima desse processo balanço entre água e tempo.
é feita de tempo, e é nele e por
ele que se dá a transformação emanuel monteiro
mágica da qualidade material
da casca em tecido.
Tanto a casca quanto essa
matéria derivada da fibra vegetal
são um invólucro, um tipo de
pele. Os poetas sabem que casa
e corpo partilham da mesma
natureza. Que a árvore quando
em pé nos faz sonhar altitudes do
céu e que suas raízes nos levam
às profundezas do ser. Quando
deitada, facilmente o devaneio
175
N
instalação sonora; o “invisível” dessa outra coreografia não
refere-se à ideia de uma meia- espetacular: aquela composta
-luz que favorece a audição em com os movimentos na escuta
um espaço iluminado apenas ativa de um som espaçado, sem-
por lâmpadas votivas. Foi daí pre fugaz, como as lâmpadas e
que Niño de Elche partiu, de as imagens que contribuem para
uma escuta ativa, de uma leitura a invisibilidade.
atenta do roteiro e de suas ins-
truções de palco e do arquivo de josé antonio sánchez
som, composto por centenas de
fitas cassete. As fonografias do traduzido do espanhol por
“cinemista” atravessam o corpo ana laura borro
do “ex-flamenco” em uma espé-
cie de ritual de posse. A técnica
vocal é colocada a serviço dessa
experiência transcendental e
poética, que não precisa se esta participação é apoiada por:
Acción Cultural Espanola (AC/E)
desprender do material para e Embaixada da Espanha no Brasil.
177
N
A trama de tranças que chegarem às embalagens dos
ornamenta os oris de pessoas produtos de beleza, fizeram
negras, sobretudo mulheres, parte de um vocabulário polí-
além de estar diretamente tico. Tão fluidas como os fios
ligada ao desejo de manifestar que atravessam o espaço entre
beleza, desde a década de 1970 os dentes do pente, para Mutiti
também está ligada ao desejo são a imaginação e a capaci-
de afirmação da ancestrali- dade criativa africana e afro-
dade africana. O corpo como -diaspórica são algo resistente,
instrumento político, que deixa ao mesmo tempo adaptável e
mensagens por onde passa, em constante transformação,
foi habilidosamente utilizado produzindo beleza ao final.
como ferramenta de demons-
tração da beleza e da conexão luciana brito
com o continente africano,
seja nas ruas do Brasil, dos
Estados Unidos, Inglaterra,
França, Colômbia, Cuba, assim
179
P
e em outros projetos, elas
trabalham seguindo diretrizes david pérez
artístico-técnicas tradicionais:
estamparia, gravura, arranque traduzido do espanhol por
de murais, fotografia e vídeo. ana laura borro
Por sua vez, a exposição das
dessas obras produzidas tam-
bém se faz de modo tradicional.
No entanto, o que se propõe,
além do estético, não nos coloca
diante de um objeto, mas de um
sujeito: um sujeito ativo que nos
ativa e nos desafia eticamente.
P
dade, espera encontrar tempo essencialmente não localizável
progressivo e continuidade e, por isso, incapturável; onde
espacial. Ensaios para guerrilha se pode, finalmente libertos das
e fuga na pista de dança portátil amarras do tempo, imaginar
que são os corpos. Permanecer outros mundos.
na sombra por escolha, desa-
parecer. Voltar o foco de luz miro spinelli
para fora, ofuscar o olhar de
quem vê.
As videoinstalações apre-
sentadas por Pauline Boudry e
Renate Lorenz experimentam
espaço-temporalidades não
mensuráveis pela física newto-
niana. A linearidade progressiva
e hierárquica (algo sempre fica esta participação é apoiada por:
Fundação Suíça para a Cultura
atrás, ou abaixo, ou no passado), Pro Helvetia América do Sul.
183
P
para os sons do colonialismo? perspectiva decolonial.
Como nos dirigirmos para
os sons do neocolonialismo? marco baravalle
Mas, mais importante, como
nos dirigirmos para o som de traduzido do inglês por
nenhum deles?”. A resposta à gabriel bogossian
última pergunta é sugerida pela
história de Hartmut Geerken
(1939-2021), músico alemão que,
fascinado pelo caráter afrofu-
turista da obra do compositor
afro-americano Sun Ra (1914-
1993), mudou-se em 1967 para o
Cairo, onde foi um dos criadores
do primeiro grupo egípcio de
free jazz. A segunda projeção
mostra uma gravação musi-
185
Q
não tinha valor. E que, se eles tégia muito ajudou o Cafundó
quisessem continuar vivos, nesse processo de resistência
precisavam ir atrás de vidas de e sobrevivência.2
valor. Então ele vai até o centro
sorocabano e começa a cupo- cintia delgado, uma das líderes
piar, isto é, a falar no dialeto, o da comunidade, em conversa
que chama tanta a atenção, a com sylvia monasterios
ponto de o Jornal Cruzeiro do
Sul fazer uma reportagem em
que afirma que no Cafundó, que
na época ainda era um bairro, há
um povoado onde se fala uma
língua “estranha”.
A notícia tem uma grande
repercussão, atraindo alguns
187
Rasura, 2021
Still do vídeo
R
outrora abandonadas guardam
rachaduras, vazios assombro-
sos, paredes com tintas des-
cascadas, ruínas sobre ruínas
que, ainda assim, são habitadas
em seu precário permanecer.
Quem ocupa esse cenário são
corpos negros, parte da história
primordial do lugar para o qual
seus ancestrais foram levados
como mercadoria − o humano
tornado coisa, rasurado, mas esta participação é apoiada por:
República Portuguesa –
não apagado. Cultura / Direção-Geral das Artes.
189
R
pelo labirinto que ele conhece
“por tê-lo / de cor na ponta dos
pés”. Nesse percurso, a paisa-
gem de suas “composições” é
continuamente alterada pelos
contextos, reais e históricos,
que impõem contingências ao
poeta, ao indivíduo, ao local
onde habita e à língua que fala.
Aleixo atualiza o conceito uti-
lizado pelos poetas concretos a
partir da obra de James Joyce e
chama sua poesia de “reverbivo-
191
R
presença de vermes e os ciclos reintroduzi-los no regime do
das plantas, são as dinâmicas simbólico e do ritualístico.
que ele usa para moldar estraté-
gias performáticas. rossina cazali
Na impossibilidade de
reduzir seu trabalho a um único traduzido do espanhol por
projeto, a presença de Castellón ana laura borro
nesta edição da Bienal de São
Paulo consiste em uma seleção
− ou melhor, um inventário − de
obras. No espaço expositivo
estão depositados apenas
fragmentos de um universo
193
R
marginalizados de cidades
brasileiras, como a Favela Nova
Jaguaré, em São Paulo, a Favela
Santa Marta, no Rio de Janeiro,
e o Bairro Humaitá, em Porto
Alegre. Nesses espaços opacos,
que por vezes estão sob pressão
da polícia militar, Conceição
aborda a construção criativa
de experiências localizadas e
suas críticas implícitas à fusão
entre capitalismo, colonialismo
e poder. Em sua instalação
195
Vidas proibidas,
da série Lésbicas, 1979
Impressão sobre papel
de gelatina e prata
R
des, como bares e boates. Em nhecida em São Paulo como o
1979, Gauditano, contratada Dia do Orgulho Lésbico. E, em
pela revista Veja e sensível 2023, as Imagens proibidas de
aos acontecimentos políticos, Rosa Gauditano retornam como
tornou visível o invisibilizado ao propositoras de novas reflexões.
registrar e celebrar os corpos
lésbicos, durante dois meses, barbara copque
no Ferro’s Bar, em São Paulo.
São registros marcados por
uma forte proximidade entre a
fotógrafa e as frequentadoras.
São imagens que, para além das
estigmatizações vigentes, nar-
197
R
intérprete do Brasil, Paulino série Jatobá, que, com suas raí-
faz do corpo um lugar de zes aéreas − já não é mais neces-
memória; um corpo que opera sário se esconder – e conectadas,
pensamento e abriga questões como é o pensamento afro-dias-
a serem revisitadas. Falando pórico, possibilita trocas e vivem
por e para esse corpo, ela tece, entre mundos: é vida e morte,
desestabiliza e subverte as começo e fim, terra e água, sal-
certezas da colonialidade que gado e doce, preto e branco, e é
nos atravessa. o meio, como a lama.
O corpo da artista tam-
bém carrega o tempo. Um barbara copque
tempo transformador que inter-
rompe violências e que perturba
199
Rubem Valentim em
seu ateliê, sem data
R
que pode ser observado na
monumentalidade do conjunto
de esculturas e relevos que
compõem a obra Templo de
Oxalá, exibida parcialmente e
pela primeira vez em 1977 na 14ª
Bienal de São Paulo.
Um dos textos fundamentais
para a historiografia da arte, foi
com o emblemático “Manifesto
ainda que tardio” (1976), em que
Valentim declarou seu propósito
político e conceitual, e lançou
201
R
uma constelação.1 colaboração com outras perfor-
mers (sempre atravessadas por
Nesse sentido, o corpo, nos questões comuns a sua história,
contextos que são evocados inscrita pela migração, pela
por Maia, extrapola (ou mesmo maternidade e pelo pensamento
recusa) as concepções bioló- diaspórico), a artista elabora
gico-histórico-ocidentais a ele uma metodologia texto-corporal
atribuídas, tornando-se um que deseja “metabolizar memó-
conjunto de forças em estado rias complexas ou indigeríveis
de diferenciação capazes de em pequenas doses de cura
mobilizar novas paisagens, e liberdade”.2
saídas e saúdes. Sempre con-
siderando a paisagem e o meio tarcisio almeida
203
Suzanne Lipinska
Retrato de Sarah Maldoror
em Guiné Bissau, c. 1970
Impressão sobre papel de
gelatina e prata
com
ana paula mathias,
anna turra,
bárbara esmenia
e marta supernova
Malu Avelar
Sauna lésbica, 2019
Vista do Festival Valongo,
Santos (2019)
O estrangeiro, 2011
Acrílica sobre tela,
210 × 138 cm
Se eu rasgar aquela
pesada no meio de meio a
meio, der der der lambada
no chão, na parede, jogar
fora, no meio do mato,
ou do outro lado de lá do
muro, é um malezinho
prazeres [...] Matar a famí-
lia [do cientista] toda. Que
faça um carro, bote tudo
morto e vá pra longe.2
S
Stella afirma ser do tempo do
cativeiro, porque compreende a
maquinaria-fantasiosa que há por
detrás dos encarceramentos de
corpos pretos desde os tempos
de sua bisavó. Diz em voz alta:
Clarice, Celeste, Meritempe,
Luzadia, Adelaide – nomes sobre
os quais talvez nunca saibamos
muito além do carinho com o
qual ela os profere.
223
Charles White
Exodus, 1961
Êxodo. Linoleogravura
sobre papel,
80 × 125 cm
231
Margaret Taylor
Goss Burroughs
Bessie Smith, Queen
of the Blues, 1953
Bessie Smith, rainha
do blues. Litografia,
46,5 × 40 cm
233
Leopoldo Méndez
Fusilado (para la película Un día de vida), 1950
Fuzilado (para o filme Um dia de vida).
Linoleogravura sobre papel, 47,7 × 58,8 cm
Autorretrato, 1987
Guache sobre papel,
66,5 × 50 cm
CONCÍLIO DAS
LAMENTAÇÕES, 2020
Impressão pigmentada
sobre Photo Matt Fibre
200g, 140 × 100 cm
aline motta
1/ Aline Motta, “A água é uma máquina do tempo”.
eLyra: Poesia e Arquivo, n. 18, p. 333-337, 2021.
(Depoimentos). Disponível em: elyra.org/index.php/
elyra/article/view/422/457. Acesso em: 28 maio 2023.
2/ Ibid., p. 93.
anne-marie schneider
1/ Frase do poeta francês Arthur Rimbaud (1854-
1891), “Je est un autre” (Eu é um outro) está presente
em uma carta de 13 de maio de 1871, endereçada a
seu professor Georges Izambard. El País, Madri, 16
nov. 2016.
flo6x8
1/ 15-M é como ficou conhecido o movimento
dos indignados na Espanha. Em 15 de maio
ocuparam um grande número de praças espanholas,
protestando contra os cortes sociais causados pela
crise econômica de 2007. [n.e.]
261
george herriman
1/ Leis segregacionistas que vigoraram em vários
estados do sul dos Estados Unidos entre os anos de
1877 e 1965. [n.e.]
gloria anzaldúa
1/ No inglês “women of color”. Ver Cherrie Moraga e
Gloria Alzandúa, This Bridge called my Back: Writings
by Radical Women of Color (1967), 4. ed., Nova York:
State University of New York Press, 2015.
3/ Ibid., p. 120.
igshaan adams
1/ Áreas criadas durante o Apartheid para confinar
negros e mestiços.
ilze wolff
1/ Architecture SA, primavera 1980, p. 13.
sonia gomes
1/ Conceição Evaristo, “A noite não adormece nos
olhos das mulheres”, in Cadernos negros, vol. 19, org.
Márcio Barbosa, Sônia Fátima Conceição & Esmeralda
Ribeiro. São Paulo: Quilombhoje; Ed. Anita, 1996.
stanley brouwn
De acordo com o desejo do artista, o guia não
reproduz nenhum dado biográfico, nem imagens,
nem textos sobre ele.
stella do patrocínio
1/ Referência a Grada Kilomba, Ilusões vol. I – Narciso
e Eco. In Grada Kilomba: Desobediências poéticas.
Catálogo de exposição. São Paulo: Pinacoteca de São
Paulo, 2019.
tejal shah
1/ Sobre as noções de contrassexualidade e prótese,
ver Paul B. Preciado, Manifesto contrassexual. São
Paulo: n-1, 2014. Nesse livro, o autor lembra que
o falo não é uma substituição do pênis, mas o
contrário, e que o pênis, por sua vez, não passa de
um dildo de carne.
torkwase dyson
1/ Tradução nossa. Texto completo com tradução
de Pedro Levi Bismarck disponível em: www.
revistapunkto.com/2015/04/espaco-saber-e-poder-
michel-foucault_88.html. Acesso em jul. 2023. [n.t.]
ventura profana
1/ Fabulação da autora sobre como poderia ser a
descida de Deize à Terra, com base em referências
visuais da artista. [n.e.]
wifredo lam
1/ A edição apresentada na 35a Bienal é a seguinte:
André Breton, Fata Morgana. Ilustrada por Wifredo
Lam. Buenos Aires: Éditions des Lettres Françaises,
1942.
diane lima é curadora, pesquisadora, escritora e manuel borja-villel é doutor em história da arte pela
uma das principais vozes do feminismo negro na arte City University de Nova York, foi diretor do Museu
contemporânea brasileira. Em 2021 foi premiada Reina Sofía (Madri, Espanha) entre 2008 e 2022,
com o Ford Foundation Global Fellowship, programa sendo responsável pelo desenvolvimento e profunda
que celebra a próxima geração de líderes de justiça releitura da coleção do museu. Nos últimos anos, o
social ao redor do mundo. Sua trajetória composta Reina Sofía fortaleceu sua posição como referência
por projetos que desafiam as práticas institucionais para a produção cultural pelo trabalho realizado
e curatoriais resultou na organização do livro Negros com uma rede assimétrica de instituições que inclui,
na Piscina: Arte contemporânea, curadoria e educação entre outros, museus, universidades e instituições
(2023) e Textes à lire à voix haute (2022). Outros pro- independentes. Dirigiu a Fundación Antoni Tàpies
jetos recentes incluem as exposições Paulo Nazareth: (Espanha) desde sua criação, em 1990, até 1998, e fez
Vuadora (Pivô, São Paulo, 2022); Antônio Obá: Path da fundação uma instituição experimental com uma
(Oude Kerk, Amsterdam, 2022) e Frestas – 3ª Trienal de programação centrada na crítica institucional. Já à
Arte Sesc-SP – O rio é uma serpente (Sesc Sorocaba, São frente do Museu d’Art Contemporani de Barcelona
Paulo, 2020-21). Mestra em comunicação e semiótica de 1998 a 2008, colocou a gestão pública a serviço da
pela PUC-SP, suas palestras e textos tem ressoado em agenda cidadã, criando um lugar de dissidência por
diversas instituições e publicações internacionais. meio da pedagogia radical, da crítica e da experimen-
tação institucional. Ele reflete sobre esses e outros
grada kilomba é artista interdisciplinar, escritora temas em seu último livro: Campos magnéticos:
e doutora em filosofia pela Universidade Livre de escritos de arte y política (2020).
Berlim, Alemanha. Lecionou em diversas universi-
dades internacionais, como a Universidade de Artes
de Viena, na Áustria. Suas obras levantam questões
sobre conhecimento, poder e violência cíclica, e foram
exibidas em eventos significativos como a 10ª Berlin
Biennale; Documenta 14; La Biennale de Lubumbashi VI;
e 32ª Bienal de São Paulo; assim como em inúmeros
museus e teatros internacionais. Seu trabalho dispõe
de diferentes formatos como performance, leitura
cênica, textos, vídeo e instalação, tendo como foco
memória, trauma, gênero e pós-colonialismo. Obras
de sua autoria integram coleções públicas e privadas
como a da Tate Modern (Inglaterra).
abigail campos leal transita entre arte e filosofia déba tacana é artista visual, pesquisadora e
para criar poéticas anticoloniais. É professora no professora na Universidade Federal do Acre (UFAC).
curso de especialização em Ciências Humanas e Desenvolve uma investigação poética das dimensões
Pensamento Decolonial da PUC-SP. Apresentou per- visíveis e invisíveis por meio da matéria: corpo cerâ-
formances no Museu da Imagem e do Som do Ceará e mico × corpo indígena × corpo-território, em diálogo
no Itaú Cultural (SP). Entre suas publicações está ex/ com transformações das fronteiras e paisagens de
orbitâncias: os caminhos da deserção de gênero (2021). guerra em Abya Yala.
ana longoni é escritora, curadora, pesquisadora e emanuel monteiro é artista e professor de artes
professora na Universidad de Buenos Aires (UBA) visuais na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
(Argentina). Estuda as intersecções entre arte e Desenvolve pesquisa nas linguagens de desenho e
política na Argentina e na América Latina de meados pintura.
do século 20 até o presente. É autora de Parir/Partir
(2022), entre outros. fernanda carvajal é socióloga e trabalha com a
intersecção entre arte, sexualidade e políticas.
barbara copque é professora na Universidade do Atualmente é pesquisadora no Consejo Nacional
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), antropóloga-que-fo- de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet)
tografa, membra do Comitê de Antropologia Visual da (Argentina) e membra da Red Conceptualismos del
Associação Brasileira de Antropologia e conselheira do Sur (RedCSur).
Museu Afrodigital Rio de Janeiro. Participa do grupo
Afrovisualidades, do projeto Mapeando Arte e Cultura getsemaní guevara romero é historiadora da
Visual Periférica e possui obras no acervo do Museu arte, arquivista e curadora. Atualmente colabora
de Arte do Rio. no Centro de Documentación Arkheia, do Museo
Universitario Arte Contemporáneo (MUAC) (México).
beatriz martínez hijazo é pesquisadora. Mestra em Seus interesses de pesquisa giram em torno de
história da arte contemporânea e cultura visual pela feminismos, memória e arquivo.
Universidad Complutense de Madrid, foi cocuradora
da mostra Un acto de ver que se despliega – Colección heitor augusto atua nas intersecções entre curadoria
Susana y Ricardo Steinbruch (2022) no Museo Reina e programação de filmes, pesquisa, escrita e ensino no
Sofía (Espanha). campo do cinema. É programador-chefe do Instituto
Nicho 54.
carles guerra é artista, escritor e pesquisador
independente. Foi diretor de La Virreina Centre horrana de kássia santoz é curadora, educadora e
de la Imatge, curador-chefe do Museo de Arte realizou a pesquisa curatorial das mostras 40 anos
Contemporáneo de Barcelona (MACBA) e, de 2015 a do Videobrasil, da Associação Cultural Videobrasil, e
2020, diretor executivo da Fundació Antoni Tàpies Zonas de sombra, na Pinacoteca de São Bernardo do
(Espanha). Foi curador da mostra Francesc Tosquelles: Campo (SP). Desde 2007, atua no desenvolvimento
Like a Sewing Machine in a Wheat Field (2022) no de novas práticas educativas em museus e espaços
Museo Reina Sofía (Espanha). culturais.
cíntia guedes é artista multidisciplinar, professora igor de albuquerque é editor, tradutor e ensaísta.
e pesquisadora. Doutora em comunicação pela Editou a Revista Barril e hoje edita a Revista Canarana.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Em 2022 venceu o prêmio de ensaísmo da Serrote.
ênfase em relações raciais e colonialidade do poder e Autor de -13, -38: Amanhã de novo (2019), atualmente
produção da subjetividade. prepara uma tese na Universidade de São Paulo (USP)
sobre arte e filosofia na obra de Carlo Michelstaedter.
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rocío robles tardío é PhD em história da arte e thiago de paula souza é curador, educador e pes-
professora assistente no Departamento de História quisador. Doutorando pela HDK-Valand – Academy
da Arte da Universidad Complutense de Madrid. É of Art and Design da Universidade de Gotemburgo
curadora de diferentes instituições (Museo Reina (Suécia), é responsável pela cocuradoria do
Sofía, Artium Museoa), pesquisadora em projetos Nomadic Program 2022/2023 do Vleeshal Center for
nacionais/internacionais e autora de vários ensaios Contemporary Art (Holanda) e integra o comitê de
e livros, como Dora Maar: codificado documentário curadores da Nesr Art Foundation (Angola).
para la serie fotográfica “Guernica” de Picasso (2023)
e Informe “Guernica”: Sobre el lienzo de Picasso y su
imagen (2019).
bienal de
presidente perpétuo
Conselho de administração
Membros vitalícios
Adolpho Leirner
Beno Suchodolski
Carlos Francisco Bandeira Lins
Cesar Giobbi
Elizabeth Machado
Jens Olesen
Julio Landmann
Marcos Arbaitman
Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa
Pedro Aranha Corrêa do Lago
Pedro Paulo de Sena Madureira
Roberto Muylaert
Rubens José Mattos Cunha Lima
Membros
Alberto Emmanuel Whitaker
Alfredo Egydio Setubal
Ana Helena Godoy Pereira de
Almeida Pires
Angelo Andrea Matarazzo
Antonio Henrique Cunha Bueno
Beatriz Yunes Guarita
Camila Appel
Carlos Alberto Frederico
Carlos Augusto Calil
Carlos Jereissati
Claudio Thomaz Lobo Sonder
Daniela Montingelli Villela
Danilo Santos de Miranda
Eduardo Saron
Fábio Magalhães
Felippe Crescenti
Flavia Buarque de Almeida
Flávia Cipovicci Berenguer
Flavia Regina de Souza Oliveira
Flávio Moura
Francisco Alambert
Gustavo Ioschpe
Heitor Martins
Helio Seibel
Isay Weinfeld
Jackson Schneider
Joaquim de Arruda Falcão Neto
Conselho fiscal
Edna Sousa de Holanda
Flávio Moura
Octavio Manoel Rodrigues de Barros
bienal de
Superintendências
Antonio Thomaz Lessa Garcia ·
superintendente executivo
Caroline Carrion ·
superintendente de comunicação
Superintendência executiva
Giovanna Querido
Marcella Batista
Superintendência de projetos
Produção
Dorinha Santos ·
coordenadora de produção
Ariel Rosa Grininger
Bernard Lemos Tjabbes
Camila Cadette Ferreira
Camilla Ayla
Carolina da Costa Angelo
Manoel Borba
Nuno Holanda de Sá do Espírito Santo
Tatiana Oliveira de Farias
Educação
Simone Lopes de Lira ·
coordenadora de produção
Thiago Gil de Oliveira Virava ·
coordenador de conteúdo
André Leitão
Danilo Pera
Diana Dobránszky
Giovanna Endrigo
Regiane Ishii
Renato Lopes
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de imagens
Cortesia: Aruac Filmes
amos gitaï
Coleção: Museo Nacional Centro de Arte Reina
Sofía, Madri
Doação: Amos Gitaï, 2015
Foto: Archivo Fotográfico Museo Nacional Centro
de Arte Reina Sofía
anna boghiguian
Coleção: E. Righi
anne-marie schneider
Cortesia da artista e Michel Rein, Paris/Bruxelas
bouchra ouizguen
© Compagnie O; Production Association Rokya
/ Association Originale; Co-production MuCEM /
Festival de Marseille
carmézia emiliano
Foto: Abreu Mubarac
Cortesia: Central Galeria, São Paulo
ceija stojka
Coleção: Marcus Meier
citra sasmita
Foto: Yeo Workshop
colectivo ayllu
Edição de 10 cópias produzidas em colaboração com
Australian Print Workshop, Melbourne
Coleção: Museo Reina Sofía e CA2M, Madri
de imagens
Cortesia: Marie-Christine Dunham Pratt
kidlat tahimik
Imagem: Kabunyan de Guia e Nona Garcia
luana vitra
Foto: Victor Galvão
luiz de abreu
Foto: Gil Grossi / Instituto Itaú Cultural, São Paulo
malinche
Coleção: The Nettie Lee Benson Latin American
Collection, LLILAS Benson Latin American Studies
and Collections, The University of Texas at Austin
Cópia de exibição
marlon riggs
Foto: Signifyin' Works
maya deren
© Todos os direitos reservados aos artistas
Cortesia: Light Cone
morzaniel ɨramari
Cortesia: Aruac Filmes
mounira al solh
Cortesia da artista e Sfeir-Semler Gallery
Beirute / Hamburgo
nadal walcot
Coleção particular
niño de elche
Foto: Juan Carlos Quindós
quilombo cafundó
Cortesia: CEDAE - Centro de Documentação Cultural
Alexandre Eulálio, Universidade Estadual de Campinas
apoio
internacional
parceria
cultural realização
Assistência de edição
Mariana Leme
Índices para catálogo sistemático:
Projeto gráfico e diagramação
Equipe de Comunicação da 1. Bienais de arte : São Paulo : Cidade 709.8161
Fundação Bienal de São Paulo
Tamara Lichtenstein 2. São Paulo : Cidade : Bienais de arte 709.8161
Tradução
Alexandre Barbosa de Souza
Ana Laura Borro
Bruna Barros e Jess Oliveira © Copyright da publicação: Fundação Bienal de
Celia Euvaldo São Paulo. Todos os direitos reservados.
Gabriel Bogossian
Mariana Nacif Mendes As imagens e os textos reproduzidos nesta
Naia Veneranda publicação foram cedidos por artistas,
fotógrafos, escritores ou representantes
Produção gráfica legais e são protegidos por leis e contratos
Márcia Signorini de direitos autorais. Todo e qualquer uso
Equipe de Comunicação da é proibido e condicionado à expressa
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artistas e dos fotógrafos. Todos os esforços
Famílias tipográficas foram feitos para localizar os detentores de
LL Circular direitos das obras reproduzidas. Corrigiremos
Bagatela prontamente quaisquer omissões, caso nos
sejam comunicadas.
Impressão
Ipsis Este guia foi publicado em setembro de 2023,
como parte do projeto da 35ª Bienal de São
Paulo – coreografias do impossível.
978-85-85298-85-2
realização