A Consolidação Dos Serviços de Streaming e Os Desaios À Diversidade Musical No Brasil
A Consolidação Dos Serviços de Streaming e Os Desaios À Diversidade Musical No Brasil
A Consolidação Dos Serviços de Streaming e Os Desaios À Diversidade Musical No Brasil
2018
ISSN 1518-2487
Eduardo Vicente
Doutor em Comunicação pela Universidade de São
Paulo (USP) e pós-doutor pela Birmingham School of
Media da Birmingham City University (BCU) do Reino
Unido. Professor do Departamento de Cinema, Rádio e
TV (CTR) da ECA/USP e do Programa de Pós-Graduação
em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) da mes-
ma instituição – Brasil.
Contato: [email protected]
Marcelo Kischinhevsky
Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Progra-
ma de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e
do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Co-
municação Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (FCS/UERJ) – Brasil.
Contato: [email protected]
Leonardo De Marchi
Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor visitante
do Departamento de Jornalismo e docente permanen-
te do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
(PPGCOM) da Faculdade de Comunicação Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ)
– Brasil.
Contato: [email protected]
25
Resumo
Abstract
This paper aims to analyze potential impacts of the consolidation of streaming
services, understood as hybrid communication and musical consumption environ-
ments, which poses challenges to music diversity, in a scenario of media industries’
reintermediacy, with the surge of new worldwide actors. Brazilian audio media
markets’ reshaping, with concentration deepened in 2015, raises a series of issues,
focused in this exploratory study, among which we can stress the collapse of tra-
ditional players – musical radio stations, notably –, the uncertainties concerning
royalties regulation on the internet and the barriers to local producers distribution.
Resumen
26
26
Introdução
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27
do mais de 400 em termos globais, estão competindo ferozmente pe-
los consumidores, oferecendo opções sempre crescentes e curadoria
musical. Serviços digitais se tornaram globais, possibilitando à indús-
tria fonográfica atingir mercados que antes não podia monetizar por
meio de vendas físicas no varejo. A digitalização global levou os servi-
3 No original: “Consumers ços licenciados a mais de 200 países3 (IFPI, 2015, p. 5).
are better served than ever
before – and the consumer
research shows it. They have
O Global Music Report, que em 2016 substituiu o Digital Music Report, mostrou
instant access, at any time and que a tendência de crescimento do segmento de streaming se manteve sólida
in any place, to a vast record
collection of more than 43
(IFPI, 2017). As receitas com vendas digitais subiram 17,7%, impulsionadas pela
million tracks. Licensed music expansão de 60,4% no faturamento dos serviços de streaming. Com isso, as ven-
services, numbering more than
400 globally, are competing das digitais passaram a responder por metade das receitas da indústria da música,
fiercely for consumers by que cresceram 5,9% em 2016, apesar da queda de 7,6% nas vendas de formatos
offering ever improving choice
and curation of music. Digital físicos e de 20,5% nos downloads pagos. A marca de 100 milhões de assinantes
services have gone global,
de serviços de streaming em todo o mundo foi superada pela primeira vez, mais
enabling the recording industry
to reach markets that it could que dobrando a população de 41 milhões de ouvintes por assinatura registrada
not monetise through physical
retailing. Global digitisation
no Digital Music Report em 2014. O total de contas pagas no fim de 2016 chegava
has brought licensed services to a 97 milhões, mas, com o crescimento de planos família, o universo de usuários já
some 200 countries”.
superava 112 milhões, respondendo por mais da metade do total de usuários de
serviços de streaming, estimado em 212 milhões.
O ano de 2015 marcou uma inflexão. Pela primeira vez desde 1999, quando a
indústria fonográfica passou a perder faturamento na esteira da ascensão de ser-
viços de P2P como o Napster, houve crescimento nas receitas totais do setor, que
chegaram a US$ 14,8 bilhões, contra US$ 14,3 bilhões em 2014 – ainda assim, um
montante 38,8% inferior ao recorde pré-crise. A recuperação teve continuidade
em 2016, graças, sobretudo, ao segmento de streaming.
No relatório da IFPI de 2015, o Brasil era apontado como “um mercado de alto
desempenho” – no original, “a top performing market” –, figurando na 9ª posi-
ção no ranking mundial, com vendas de US$ 246 milhões em 2014 (IFPI, 2015, p.
27). O crescimento da receita com streaming foi da ordem de 22,1% naquele ano,
impulsionado por mercados como China (+ 20,3%) e México (+ 23,6%). Em 2016,
no entanto, houve queda de faturamento no mercado brasileiro da ordem de
2,8% (IFPI, 2017), o que pode ser atribuído à desvalorização cambial e aos refle-
xos da mais profunda recessão econômica em um século, que afetou fortemente
o consumo das famílias. Ainda assim, os dados revelam crescimento de 57% nas
receitas com streaming – assinaturas e anúncios – na América Latina, que tem
Spotify e Apple Music como principais motores de expansão.
29
29
que, até então, “nunca haviam ultrapassado as cem mil unidades, [...] alcançaram
a cifra de muitos milhões” (FLICHY, 1982, p. 35). Esse fenômeno se repetiu tam-
bém quando do surgimento da fita cassete, em 1964 (Philips), e do CD, em 1982
(Sony e Philips). Assim, a inovação tecnológica sempre ocorreu no âmbito desse
grupo de empresas integradas, garantindo-lhes grandes lucros no processo de
substituição de suportes por parte dos consumidores.
10 Cf. CAULFIELD, Keith. Adele’s Reações têm sido frequentes. Não apenas há artistas que têm retirado suas obras
‘25’ Official First Week U.S.
Sales: 3.38 Million. Billboard.
de certas plataformas como forma de protesto, mas também há a busca por uma
28 nov. 2015. <http://www. nova relação com os intermediários do mercado digital. Por exemplo, a cantora
billboard.com/articles/columns/
chart-beat/6777905/adele-25- britânica Adele (que ainda se mantém na gravadora independente XL Recordings,
sales-first-week-us>. Acesso em: pela qual estreou em 2008) adotou como estratégia comercial valorizar as vendas
2 dez. 2017.
de CD em seu maior lançamento. Assim, optou por não liberar, num primeiro
11 Foi lançado na Noruega
com o nome WiMP Music, em momento, as músicas do seu álbum 25, lançado no fim de 2015, para os serviços
2010, tendo sido adquirido em de streaming. Com a ausência de acesso imediato ao disco pelas plataformas di-
março de 2015 pela S. Carter
Enterprises, empresa controlada gitais, o álbum tornou-se o CD mais vendido na primeira semana de lançamento
pelo rapper americano Jay
nos Estados Unidos – 3,38 milhões de cópias – desde 1991, ano em que a Nielsen
Z. Desde então, usa a marca
Tidal, com a qual já operava começou a fazer esse tipo de levantamento10. Já a cantora pop Beyoncé lançou
nos Estados Unidos e no Reino
Unido. O serviço se apresenta
o clipe de Formation, em janeiro de 2016, pelo Tidal, o serviço de streaming que
como o único de alta qualidade pertence a seu marido, o rapper Jay-Z, buscando fomentar uma plataforma de
sonora, com taxa de compressão
(bit rate) duas a quatro vezes
streaming que “preza os artistas”11.
superior à da concorrência.
Opera em 46 países, com um Em junho do mesmo ano, na mais organizada manifestação pública da classe ar-
catálogo de 36 milhões de
fonogramas e 86 mil vídeos tística até então, mais de mil músicos, cantores e compositores, incluindo nomes
musicais. Com mensalidades como Paul McCartney, Sting, o DJ David Guetta e o grupo Coldplay, divulgaram
entre US$ 9,99 e US$ 19,99, não
informa número de assinantes carta à Comissão Europeia pedindo providências urgentes contra a chamada lacu-
– por ocasião da aquisição por na de valor (value gap, em inglês), distorção que faz com que os grandes players
Jay Z, eram 512 mil, segundo
informações fornecidas à do mercado de streaming repassem valores ínfimos pela execução de fonogramas:
Bolsa de Estocolmo, onde a
companhia estava listada. A lacuna de valor mina os direitos e as receitas daqueles que criam,
12 No original: “The value
investem em e possuem música, distorcendo o mercado. Isso porque,
gap undermines the rights enquanto o consumo de música atinge recordes, usuários de serviços
and revenues of those who de upload estão usando de forma indevida isenções do tipo “porto se-
create, invest in and own music, guro”. Essas proteções foram criadas duas décadas atrás para ajudar a
and distorts the marketplace.
This is because, while music
desenvolver startups digitais então nascentes, mas hoje estão sendo mal
consumption is at record aplicadas por corporações que distribuem e monetizam nossos traba-
highs, user upload services lhos. Conclamamos vocês a entrar em ação agora para criar um campo
are misusing ‘safe harbour’ de jogo justo para artistas e detentores de direitos. Fazendo isso, vocês
exemptions. These protections
asseguram o futuro da música para as gerações que virão12. (IFPI, 2017,
were put in place two decades
ago to help develop nascent
p. 26)
digital startups, but today
are being misapplied to Esses exemplos apontam uma tentativa de negociação entre produtores de con-
corporations that distribute and
monetise our works. We urge teúdos, atravessadores (gravadoras) e distribuidores digitais (lojas virtuais e ser-
you to take action now to create viços de streaming) em favor de algum novo modelo de negócio que favoreça
a fair playing field for artists
and rights owners. In doing so, todas as partes. Porém, para saber quais são as chances de uma nova indústria
you will be securing the future fonográfica na era digital, mais horizontal, é necessário entender como o próprio
of music for generations to
come”. setor digital está se organizando.
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Da pulverização à concentração nos mercados de mídia sonora
Embora existam hoje mais de 400 serviços de streaming operando em mais de 200
países (IFPI, 2015), a chegada de novos atores ligados a conglomerados com atu-
ação nas indústrias de informática, telecomunicações e entretenimento coloca
uma série de desafios para pequenas e médias empresas independentes, que não
têm a mesma capacidade de gerar ganhos de escala.
Não se pretende criar alarmismo, sustentando que os grandes atores das indús-
trias midiáticas virão tomar o mercado. Muitas ações dos grandes conglomerados
se dão na base de tentativa e erro. A Apple Music foi lançada pela Apple em
2015, apenas um ano após a compra pela gigante de informática da platafor-
16 Cf. RAYMER, Miles. Why ma Beats Music, do rapper Dr. Dre, num negócio de US$ 3 bilhões que incluiu a
Apple Is Really Shutting
Down Beats Music. Esquire.
marca homônima de fones de ouvido. Em outubro, a fabricante de iPhones e de
16 nov. 2015. Disponível em: computadores Mac anunciou já ter 6,5 milhões de assinantes – o equivalente a
<http://www.esquire.com/
entertainment/music/a39741/ um terço do total de assinaturas do líder mundial, Spotify. Diante do sucesso do
apple-shuts-down-beats-music/>. novo serviço, no mês seguinte a Apple divulgou curto comunicado informando o
Acesso em: 2 dez. 2017.
fim do Beats Music, que jamais superou 300 mil assinantes nos Estados Unidos16.
17 Curiosamente, usuários
copiaram o site antes do
fechamento e mantêm versões
A despeito de ocasionais aquisições que acabam por resultar em fiascos, a entra-
clandestinas em diferentes da desses atores ligados a conglomerados da mídia e do entretenimento no mer-
endereços, ainda acessíveis
aos internautas, mas com cado musical on-line já vem provocando baixas entre os serviços independentes.
funcionalidades limitadas. Cf. Dois deles, Grooveshark e Rdio, com milhões de usuários, fecharam as portas em
GROOVESHARK é desativado
após acordo em processo 2015, num claro sinal de consolidação do setor.
milionário. G1. 01 maio 2015.
Disponível em: <http://g1.globo. O Grooveshark, que oferecia a possibilidade de transmissão ao vivo de playlists e
com/tecnologia/noticia/2015/05/
grooveshark-e-desativado-apos- informava ter mais de 30 milhões de usuários ativos, foi lançado em 2006 e tinha
acordo-em-processo-milionario.
sede em Gainesville, Flórida, nos EUA. Pressionado pela indústria fonográfica por
html>. Acesso em: 28 jan. 2016;
HIGA, Paulo. O Grooveshark se recusar a recolher royalties, acabou derrotado em ação judicial movida por
está de volta, ou quase isso.
Tecnoblog. 2015. Disponível em:
grandes gravadoras americanas e condenado a pagar indenização de US$ 736 mi-
<https://tecnoblog.net/177809/ lhões, o equivalente a R$ 2,2 bilhões pelo câmbio de dezembro de 2015. Fechou
grooveshark-io/>. Acesso em: 2
dez. 2017. acordo e foi desativado17.
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18 Cf. TOZETTO, Claudia. O Rdio, por sua vez, surgiu em São Francisco, nos EUA, em 2010, e alegava ser o
Serviço de música Rdio chega
ao Brasil em parceria com segundo maior serviço de streaming do planeta, presente em 51 países, embora
a Oi. iG Tecnologia. 01 nov.
não informasse o número de usuários. No Brasil, foi pioneiro, iniciando suas ope-
2011. Disponível em: <http://
tecnologia.ig.com.br/servico- rações em 2011, em associação com a operadora de telefonia móvel local Oi18.
de-musica-rdio-chega-ao-
brasil-em-parceria-com-a-oi/
Oferecia um acervo de mais de 20 milhões de fonogramas e 400 estações de rádio
n1597347965817.html>. Acesso classificadas por gêneros musicais, além de operar como site de redes sociais, mas
em: 28 jan. 2016.
não conseguiu atingir o ponto de equilíbrio financeiro. Pediu concordata e teve
19 No Brasil, onde não há seus principais ativos adquiridos pelo Pandora por US$ 75 milhões19.
acordo para operação do
Pandora, os usuários do Rdio
tiveram o serviço suspenso A chegada de novos concorrentes tende a afetar a sustentabilidade dos servi-
em dezembro de 2015. Cf. ços independentes, que podem não ter fôlego financeiro para permanecer no
LUNDEN, Ingrid. Pandora To Buy
Rdio Assets For $75M In Cash, mercado. Esse cenário coloca desafios extraordinários para a atuação de atores
Rdio Files Ch.11, Will Shutter tradicionais – como as emissoras de rádio em ondas hertzianas – e a discussão de
Service. TechCrunch. 16 nov.
2015. Disponível em: <http:// políticas públicas que assegurem condições justas de competitividade, sobretudo
techcrunch.com/2015/11/16/
equalizando regras de incidência de direitos autorais.
confirmed-pandora-buys-key-
rdio-assets-for-75m-in-cash-
rdio-files-ch-11-to-shut-down/>. Para entendermos a desigualdade de tratamento entre os diferentes atores no
Acesso em: 2 dez. 2017; RDIO.
Farewell. 2015. Disponível
mercado de música, basta recorrer aos dados do Escritório Central de Arreca-
em: <http://www.rdio.com/ dação e Distribuição (Ecad). Em 2014, enquanto serviços como Deezer e Spotify
farewell/>. Acesso em: 2 dez.
2017.
aparecem pela primeira vez na lista de recolhimento de direitos autorais sobre re-
produção de fonogramas, com irrisórios R$ 140 mil e R$ 23 mil, respectivamente,
20 Cf. ECAD. Balanço o Ecad arrecadou, somadas as rubricas “Rádio AM/FM” e “Rádio + direitos gerais
patrimonial. Disponível em:
<http://www.ecad.org.br/ (Sudeste, Sul, Centro-Oeste, Norte, Nordeste)”, um total de R$ 43,770 milhões20.
pt/o-ecad/resultados/Paginas/ Mesmo considerando a grande pulverização da indústria da radiodifusão sonora,
Balancos.aspx>. Acesso em: 18
dez. 2016. com 9.771 emissoras em operação no país21, fica evidenciada a desigualdade de
tratamento dado a esses novos atores. Essa situação se agravou com o questiona-
21 Disponível em: <http://www.
teleco.com.br/radio.asp>. Acesso mento judicial do recolhimento de direitos sobre execução pública por parte do
em: 18 dez. 2017. Vale destacar YouTube e do Deezer, que suspenderam os repasses ao Ecad e passaram a efetuar
que, desse universo, uma fatia
considerável de emissoras depósitos em juízo, alegando falta de clareza da legislação22.
não recolhe direitos autorais,
por manter programação Não é coincidência que grandes grupos de comunicação, como o Sistema Glo-
essencialmente informativa.
bo de Rádio (SGR), o Grupo Bandeirantes e as Emissoras e Diários Associados,
22 Cf. MIRANDA, André.
A conta da música na rede.
tenham reduzido ou mesmo cancelado seus investimentos no rádio musical ao
Segundo Caderno, O Globo, longo de 2015, assumindo sua incapacidade de enfrentar a concorrência trazida
p. 1, 15 fev. 2016. Os serviços
alegam que streaming não é
pelas novas empresas do entorno digital.
execução pública, nos moldes
da radiodifusão tradicional, Em 2015, o SGR tirou do ar a Beat 98, emissora do segmento pop contemporary hit
pois a escuta é individualizada
e sob demanda. Para disciplinar radio que historicamente disputava a liderança geral em FM no Rio de Janeiro. Em
a questão, o Ministério da seu lugar, entrou o sinal replicado da Globo AM, emissora informativa do segmen-
Cultura colocou em consulta
pública, na mesma data da to talk, antes alocada numa frequência arrendada. A Beat era a última rádio musi-
reportagem, o texto de uma cal do grupo em ondas hertzianas, já que a Globo FM foi extinta para dar lugar à
Instrução Normativa que
promete atualizar a legislação repetição do sinal da all news CBN AM, em 2005. As Emissoras e Diários Associados,
de gestão coletiva de direito
autoral, datada de 1998, ou
por sua vez, acabaram com sua emissora de música popular, a Nativa FM, cedendo
seja, anterior a serviços P2P. a frequência para replicar o sinal da Rádio Tupi AM, também do segmento talk. Em
maio de 2015, o Grupo Bandeirantes anunciou o fim das operações da Ipanema
FM, emissora de Porto Alegre que foi uma das responsáveis diretas pela consolida-
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35
ção da cena rock nacional nos anos 1980. A frequência foi assumida pela all news
Bandeirantes AM. Em janeiro de 2017, o Grupo Bandeirantes também tirou do ar,
no Rio de Janeiro, a emissora adulta contemporânea MPB FM, da qual era sócio há
cinco anos, deslocando para a frequência sua emissora informativa BandNews, que
ocupava posição no dial arrendada ao Grupo Fluminense.
Ainda que possa ser considerada como uma evolução do fenômeno da mundializa-
ção da cultura, que se dá a partir da formação de conglomerados de comunicação e
cultura e da desigualdade das trocas comerciais de bens simbólicos na esfera inter-
nacional (MARTEL, 2012; ORTIZ, 1994; UNESCO, 1980), a nova dinâmica da indús-
tria fonográfica na era digital resulta de uma convergência peculiar entre indús-
trias de comunicação, informática e cultura, acarretando novos desafios tanto para
os agentes desse mercado quanto para os formuladores de políticas nacionais de
comunicação e cultura. O objetivo desta seção é tornar inteligível o funcionamen-
to desse sistema integrado global, apontando os desafios que o novo cenário traz
para o mercado de música e para as políticas nacionais de comunicação e cultura.
Assim, quando serviços como YouTube, iTunes, Spotify ou Deezer iniciam suas
operações em um país, podem agregar esse mercado nacional aos seus sistemas
globais de forma imediata. Evidentemente, abrem escritórios próprios em cada
país, mas apenas para resolver problemas burocráticos, como licenciamento local
de conteúdos, pagamento de direitos autorais e conexos, pagamento de impos-
tos locais ou cumprimento de outras obrigações legais locais (como ter sede física
no país para poder operar naquele território).
Ainda que essa característica aponte uma solução para um crônico problema dos
mercados de música, atenuando o poder discricionário das grandes gravadoras
em relação à produção musical de mercados locais (o que deveria privilegiar a
produção de artistas independentes locais), as empresas eletrônicas internacio-
nais acabam gerando outro tipo de hierarquização do mercado cultural em con-
textos locais, podendo prejudicar o desenvolvimento tecnológico nesses países.
Em suas pesquisas sobre o desenvolvimento do mercado fonográfico digital no
Brasil, Leonardo De Marchi (2015, 2016) observa que o início das operações de
grandes players como iTunes, Deezer, Rdio, Spotify e agregadores de conteúdo,
como The Orchard e Believe Digital, acarretou a transformação das empresas
eletrônicas nacionais de plataformas de varejo em prestadoras de serviços para
os atores internacionais, diminuindo a possibilidade de se criar um mercado local
de conteúdos digitais com características próprias.
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soberania digital) tão urgentes quanto as políticas culturais (lei de direitos au-
torais ou políticas de fomento à diversidade cultural). No entanto, é necessário
reconhecer que se abre um novo e delicado campo de questões: qual deve ser
o papel dos Estados nacionais em um cenário no qual seu poder se vê significa-
tivamente diminuído? Será necessário fundir as políticas de telecomunicações
(que remetem a aspectos técnicos) às de cultura (que remetem a aspectos éti-
cos)? Se a resposta for positiva, como isso deve ser feito? Qual é a capacidade
de países periféricos de atuar em um mercado que se desenvolve nos países
centrais? Quais são os efeitos desse fenômeno para a produção de música nos
vários contextos nacionais e continentais?
Considerações inais
39
39
25 Cf. BILLBOARD. Top 100. ras entre as cem mais tocadas no mês de janeiro de 2016, enquanto a estrangeira
2016. Disponível em: <https://
www.billboard.com/charts/ mais bem classificada (Hello, da cantora Adele) figurava apenas na 42a posição25.
year-end/2016/hot-100-songs>.
Acesso em: 18 dez. 2017. Porém, há uma clara concentração dos artistas em pouquíssimos segmentos mu-
sicais, sob controle das grandes gravadoras. Os dez primeiros colocados da lis-
26 Em ordem de classificação:
tagem, por exemplo, eram todos do gênero sertanejo e ligados a majors26. Já
Henrique & Diego (Sony), Luan na listagem dos artistas mais tocados no Spotify ao longo do ano de 2015, os
Santana (Som Livre), Zé Neto &
Cristiano (Som Livre), Jorge & números eram bem menos favoráveis ao repertório doméstico, trazendo só dois
Mateus (Som Livre), Matheus representantes nacionais – as duplas sertanejas Jorge & Mateus e Henrique &
& Cauan (Universal), Henrique
& Juliano (Som Livre), Paula Juliano (ambas da Som Livre) – entre os cinco artistas mais tocados. Na lista das
Fernandes (Universal), Marcos artistas femininas, a única presença nacional é Anitta (Warner Music)27. Mesmo
& Belutti (Sony) e Leonardo
(Sony/Talismã). Entende-se que reconhecendo a limitação do levantamento do Spotify, que lista apenas os cinco
a Som Livre desempenha papel
de major no mercado brasileiro,
primeiros colocados de cada categoria, e a óbvia dificuldade em comparar uma
por ser controlada pelo Grupo parada mensal com uma anual, parece-nos claro que a questão da concentração
Globo, maior companhia de
mídia do país.
econômica também pode ser percebida nesses números, assim como uma aparen-
te valorização do repertório internacional nos serviços de streaming.
27 Cf. SPOTIFY revela os artistas Como se discutiu em outra ocasião (KISCHINHEVSKY, 2013), não se deve confundir
e músicas mais ouvidos no Brasil pluralidade com diversidade. O rádio musical, embora de grande capilaridade, vive
e no mundo em 2015. Canal
Tech. 07 dez. 2015. Disponível também seu momento de consolidação, com o avanço de segmentos como serta-
em: <http://canaltech.com.br/
nejo, gospel e pagode, numa lógica ainda regida pelos pagamentos mensais de
noticia/musica/spotify-revela-
os-artistas-e-musicas-mais- verbas de promoção por selos fonográficos. A oferta de milhões de fonogramas,
ouvidos-no-brasil-e-no-mundo-
em-2015-53979/>. Acesso em: 2
seja nos serviços de streaming, seja no rádio hertziano, não assegura a representa-
dez. 2017. tividade das listas de mais tocadas, que permanecem condicionadas por acordos co-
merciais bilionários, privilegiando os catálogos das grandes companhias musicais.
O acesso ubíquo à música está cada vez mais próximo da previsão do futurólogo
Gerd Leonhard, para quem o fonograma se assemelha à água: não mais um pro-
duto, mas, sim, um serviço a ser fornecido (LEONHARD, 2008, p. 37). Podemos ir
além e afirmar que música é hoje uma commodity, cujo preço (declinante) tende
a se manter na casa das frações de centavos de dólar. O maior desafio é gerar va-
lor, o que tem sido obtido pelos artistas com apresentações ao vivo e com a ação
direta nas mídias sociais e, no caso dos novos e velhos intermediários da mídia
sonora (serviços de streaming independentes, algumas poucas FMs musicais), com
uma hábil curadoria de conteúdos digitais, possibilitando a construção de víncu-
los afetivos e, ocasionalmente, econômicos com os consumidores.
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Referências
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