Peça Teatral - o Casamento Da Maria Feia

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Grupo de Teatro da LEDOC

PEÇA TEATRAL
O CASAMENTO DE MARIA FEIA
Rutinaldo Miranda Batista Júnior

Personagens:
 Lamparina, cangaceiro;
 Maria Feia;
 Zé das Baratas;
 Matilde, irmã de Zé das Baratas;
 Beata 01;
 Beata 02;
 João Biriba;
 Tonha da cocada.

Cenário: Tela, ao fundo, com povoado nordestino.

Figurino:
 Lamparina e Maria Feia usam trajes de cangaceiro.
 Zé das Baratas - camisa social abotoada no pulso;
 João Biriba – Camisa social xadrez;
 Matilde - vestido florido de chita e um chapéu;
 Beatas – Saia rodado e véu;
 Tonha da cocada - vestido de chita e pano de prato.

Objetos de cena:
Quibano – Terço – Garrafa de pinga – Espingada - Borrifador de veneno – Mala – Faca –
Caixinha – Buquê – Sabugo de milho – garrafas e copos – Querosene – Fósforos – Dente –
Rapadura

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(Zé das Baratas e Matilde em cena).

Matilde – (para o público) Minha gente chegue mais. Chegue mais pra escutar. Essa é uma
história esquisita, que deu no que falar. É o Casamento de Maria Feia, a mulher que ninguém
queria namorar. E se você quer assistir, preste atenção que agora vai começar. Porque eu
também fiz parte dela. Eu também estive lá.

(Matilde se coloca ao lado de Zé, que fica olhando atentamente para o chão, procurando
alguma coisa. Ele começa a usar um borrifador de veneno em volta e Matilde faz
anotações numa caderneta).

ZÉ – Vir pra esse sertão foi a pior coisa que me aconteceu. Nessa terra não tem nem barata!

MATILDE – Isso é verdade, Zé. Eu também (olhando ao redor) ainda não vi nenhuma
cascuda por aqui.

ZÉ – Pois eu digo uma coisa. Uma terra que não tem barata, não é uma terra civilizada,
Matilde. Todo lugar que se preza tem uma baratinha subindo pelas paredes. Em Paris tem
barata, em Nova York tem barata. Será que só aqui é que não tem?!

MATILDE – Eu ainda acho que elas estão por aí, só que bem escondidas. A culpa mesmo é
das galinhas.

ZÉ – Das galinhas?! Que é que tem as galinhas?!

MATILDE - O pessoal daqui deixa galinha andando solta por tudo que é lugar. E, antes de
você, elas dão conta do serviço.

ZÉ – Quer dizer que elas comem as baratas!

MATILDE – Barata, carrapato, percevejo e até piolho de cobra.

ZÉ - Não brinca, Matilde! Então (bota a mão no estômago, enojado) acho que eu vou
vomitar.

MATILDE – Mas por quê?

ZÉ - Porque eu andei comendo galinha todo dia!

MATILDE – (amparando) Calma, homem. O que não mata engorda.

ZÉ – (se apoiando em Matilde) Então, compra um caixão pra mim, que eu já tô morrendo.
Barata, carrapato, percevejo e, eca!, até piolho de cobra! Ai, que nojo!

MATILDE – Deixa de ser frouxo! Nem parece ser meu irmão.

ZÉ – Diz pra mamãe não esquecer de rezar a minha missa de sétimo dia!

MATILDE – (endireitando Zé) Quer parar! Isso não pega bem pra você. Já não lembra mais quem tu é?

ZÉ – Eu sou o Zé. O Zé das Baratas.

MATILDE – E é só?

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ZÉ – Ah, não. Eu sou um grande matador. (mostrando o borrifador) Com a minha bomba, eu
mato tudo que é barata. Não deixo uma pra remédio.

MATILDE – Muito bem. E como a propaganda é a alma do negócio, tu tem que alardear pra
todo mundo que é bom no que faz.

ZÉ – É mesmo. Tem toda razão. (gritando em volta) Eu sou o Zé, o Zé matador. Comigo não
fica uma!

Chegam Lamparina e Maria Feia, que carrega uma mala. Maria feia usa uma peruca
esvoaçada e uma maquiagem aberrante, que a torna horrível. Logo em seguida entra
Tonha da cocada.

TONHA DA COCADA - (Gritando) Olha a cocada! Olha a cocada!

LAMPARINA – Ora essa! O que temos aqui? Tu é um matador, é?

ZÉ – (estufando o peito) E dos bons. De uma vez só, eu já matei mais de trinta.

LAMPARINA – Não me diga! De uma vez eu consegui matar apenas vinte... E como foi?

ZÉ - Tentaram correr, se esconder até debaixo cama. Mas eu acabei com tudo.

LAMPARINA – (circulando Zé, admirado) É assim que eu gosto de ver. Um cabra macho.
Coisa rara por essas bandas.

MATILDE – (reconhece que é um cangaceiro, tenta intervir amedrontada, levantando o


dedo) Ô, Zé!

ZÉ – (gabando-se) E quando eu mato, eu mato. Dou até garantia.

LAMPARINA – (fascinado) É mesmo?

ZÉ – Tá aqui! (tira uns recibos do bolso, exibe) No papel.

(Matilde põe a mão na cara e abana a cabeça, desesperada).

LAMPARINA – No papel?! (pega surpreso um recibo. “Olhando”) Eu não sei ler e essa
modalidade de matança eu nunca tinha visto.

ZÉ – É coisa nova, meu amigo. Trabalho de profissional.

MATILDE – Ô, Zé!

(Zé faz um gesto com a mão, para Matilde esperar).

LAMPARINA – (balançando a cabeça, admirado) Tá se vendo!

ZÉ - Eu faço uma limpeza completa. E se não ficar satisfeito, ainda volto pra terminar o serviço.

LAMPARINA – Pois era tu mesmo que eu tava procurando. Um cabra com sangue no olho.

ZÉ – Então encontrou a pessoa certa.

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MATILDE – Ô, Zé!

ZÉ – (repreensivo) Que foi? Não tá vendo que tô arranjando um cliente!

LAMPARINA – Essa é tua mulher?

ZÉ – Não, é minha irmã. Trabalha comigo.

LAMPARINA – Quer dizer que ela também costuma matar?

ZÉ – Não, quem mata sou eu. Ela faz coisa bem pior.

LAMPARINA – Não me diga! E o que é que ela faz?

ZÉ - Sabe quando não matou e fica com as pernas mexendo?

LAMPARINA - Sei.

ZÉ - Pois ela vai lá e arranca as pernas.

(Lamparina fica olhando pra Matilde com respeito, balançado a cabeça, enquanto ela fica
desconcertada. As Beatas passam pela cena com o santo e terço nas mãos rezando bem
alto).

BEATAS – (Cantando alto) Ave, ave, ave Maria! Ave, ave, ave Maria...

LAMPARINA – Essa mulher é das minhas!

MATILDE – (com um sorriso amarelo) Dá licença!

(Matilde puxa Zé pra um canto. Lamparina e Maria Feia ficam olhando os recibos).

MATILDE – O que você tá fazendo, seu doido?

ZÉ – Ora, tô conseguindo trabalho.

MATILDE – Que trabalho?! Olha só pra aqueles dois. Não vê que são cangaceiros?

ZÉ – Ah, é? E daí? Que mal tem em matar barata pra eles?

MATILDE – Eles não querem que você mate barata!

ZÉ – Tudo bem, eu posso matar piolho ou pernilongo ou...

MATILDE – Escuta, não é nada disso.

ZÉ – Claro que é. Não ouviu ele falar que já matou vinte só de uma vez? Deve ter sido um
inseticida dos bons! Depois eu pergunto qual foi.

(Matilde põe as mãos nos ombros de ZÉ).

MATILDE – (mirando nos olhos) Foi gente. Eles matam gente.


ZÉ – (rindo, incrédulo) Que é isso! Eu sei que ele tem uma cara de psicopata, mas no fundo deve ser
um bom sujeito.
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MATILDE – Quer dizer que não acredita em mim?!

ZÉ – Acho que o veneno de barata subiu pra tua cabeça.

MATILDE – Tá certo. Então, eu provo. Olha só. (pra Lamparina) Com licença, o senhor pode
me dizer como foi que matou da última vez?

LAMPARINA – Ah, eu conto. Moça, eu tive de improvisar. Foi um babafá daqueles! A munição
acabou e eu mirei o facão no pé da orelha.

MATILDE (pra Zé) – Viu? Ele usou um facão. Quem mata barata de facão?!

ZÉ – Bem, ele não encontrou um chinelo por perto.

MATILDE – É? E desde quando barata tem orelha?

ZÉ - Ai, minha nossa! Não é que é mesmo! (se escondendo atrás de Matilde e olhando
apavorado pra Lamparina) Então ele é um cangaceiro assassino, um psicopata cruel, de
verdade. E agora, o que a gente faz?!

MATILDE – A gente?! Você que me meteu nisso. Agora me tira dessa!

ZÉ – (recompondo-se e saindo detrás de Matilde) Tá, muita calma nessa hora. (entrega o
borrifador a Matilde) Deixa que eu resolvo. (pra Lamparina e Maria Feia) Bem, foi um prazer
conhecer vocês duas, mas a gente já vai indo. (vai se afastando) Tchauzinho!

(Lamparina o segura pelo braço).

LAMPARINA – Espera! (solta Zé) Eu nem tive o prazer de conhecer o amigo direito.

ZÉ – Tudo bem. Depois a gente se esbarra por aí. (vai indo)

LAMPARINA – (segurando Zé pelo braço) Que é isso! Não é assim. Qual o teu nome?

ZÉ – É Zé.

LAMPARINA – Zé do quê?

ZÉ – Zé das Baratas.

LAMPARINA – Como?!

MATILDE – O senhor não ouviu direito. Ele disse Zé das Batalhas. O temido Zé das Batalhas.
Aquele que não foge de uma briga.

LAMPARINA – Muito apropriado. (apontando, com um gesto de cabeça o borrifador, que


Matilde segura) E o que é isso?

ZÉ – (apontando) Isso? Nada demais. (borrifando nos olhos) É só o meu colírio (entrega o
borrifador a Matilde, que de imediato esconde nas costas e sutilmente abandona num
canto).

LAMPARINA – Entendo. Um cabra precisa ter uma vista boa pra atirar.
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ZÉ – Com o devido respeito, quem é o senhor? Por acaso é Lampião?

LAMPARINA – Não! Lampião é meu primo. Eu me chamo Lamparina.

ZÉ - E essa daí é a Maria Bonita?

LAMPARINA – Não, é a Maria Feia mesmo. Minha filha, que esse povo botou esse apelido
desgraçado, sem motivo nenhum. Mas eu dei um jeito de eles não coçarem mais dela.

ZÉ – Verdade? E qual foi?

LAMPARINA - (mostrando a faca) Cortei a língua de todo mundo. (guardando a faca)


Detesto calúnia. Como esse povo pôde falar um negócio desses! Ela não é bonita?

ZÉ - Nossa! Nunca vi tanta beleza numa mulher só!

LAMPARINA - Que bom! (entregando Maria a Zé) Pois agora ela é tua.

ZÉ - Minha!

LAMPARINA – Justamente. Há muito tempo que eu procuro um cabra macho pra casar minha
filha.

ZÉ – Mas eu não posso me casar com ela!

LAMPARINA – (sério) E por que não?

ZÉ – Ora, ela mal me conhece!

LAMPARINA – E daí?

ZÉ – Como “e daí”?! As pessoas namoram, depois noivam e só então é que resolvem se casar.

LAMPARINA – Vamos pular essas partes. Tudo isso é muito demorado.

ZÉ – Só que tem de ser assim. As pessoas precisam de tempo pra se gostar.

LAMPARINA – E quem disse que ela não gosta de tu?

ZÉ – Claro que não. Ela só me conhece há cinco minutos!

LAMPARINA – Tá certo. Vamos ver se não gosta mesmo. Eu vou perguntar, Maria Feia, você
gosta desse homem?

MARIA - (abraça-se a Zé, com a cabeça no peito dele) Eu amo ele!

LAMPARINA – Pois então, vamos marcar o casamento.

ZÉ – Marcar?! E pra quando?

LAMPARINA - Agora.

ZÉ - Agora?!
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LAMPARINA – É, (tira uma caixinha do bolso, abre) eu trouxe até as alianças. (se
aproximando de Zé) Vem cá. (coloca a aliança no almejado genro) Olha só, cabe direitinho
no teu dedo.

ZÉ – (pondo a aliança na caixinha, que Lamparina segura) Não, ninguém casa desse jeito
(pra Matilde) Me ajuda!

(Entra João Fubuia, sem saber o que fazer, Matilde dá as costas).

JOÃO FUBIA – (Gritando e quase caindo de tão bebo) Eu caso! Eu caso!

(Ninguém da atenção ao João Fubia)

LAMPARINA – Ora, pra fazer um casório só precisa de dois noivos. E isso já tem.

MATILDE – E o padre? Não tem nenhum padre.

JOÃO FUBIA – (Gritando) Eu caso! Eu caso eles!

LAMPARINA – (Aponta a faca para João Fubuia) É verdade, não tem padre...

(Zé suspira de alívio).

LAMPARINA - ... e não vai ter, porque eu matei, antes de vir pra cá.

ZÉ – O senhor matou o padre?!

LAMPARINA – Claro, ele não quis se casar com a minha filha.

ZÉ – Então o senhor vai pra cadeia!

LAMPARINA – Não precisa se preocupar. Eu também matei o delegado. E todos os policiais.

ZÉ – E o que eles fizeram?

LAMPARINA – Na verdade, foi o que não quiseram fazer. Eu pedi gentilmente, (mostra a
peixeira) botando essa peixeira no pescoço, pra ver se pelo menos um casava com a minha
filha. No começo todo mundo aceitou, mas quando viram a Maria Feia...

ZÉ - O que aconteceu?

LAMPARINA - Eles preferiram morrer.

MATILDE – Então, o senhor sai por aí matando quem não casa com ela.

LAMPARINA – Não é bem assim. Se o sujeito que não quer casar com a minha filha pede pra
eu não matar, eu não mato.... Eu dou a arma e ele se mata sozinho.

MATILDE – Realmente o senhor sabe dar opções.

ZÉ - Bem, como não tem mais padre não vai ter casamento.

LAMPARINA - Não seja por isso! (abre a mala, tira uma batina) Eu sempre quis rezar missa.
Até peguei essa batina emprestado (veste a batina, que fecha com “carrapicho”, fica
folgada).
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(Entram a Beatas e assustam ao vê Lamparina vestido de padre)

BEATAS – (Tomando a benção) Sua benção seu padre?

LAMPARINA – Deus abençõe!

MATILDE – Parece que não foi feita sob medida.

LAMPARINA – Ah, é! O dono era mais gordo que eu. (pra Maria) Não podemos esquecer do
véu. (tira um véu da mala) Aqui está. Um véu pra esconder a tua beleza. (dá pra Maria)

ZÉ – (suspira) Pra que esconder o que não existe!

LAMPARINA – O quê?

ZÉ – Eu disse que vai ficar muito linda.

MARIA – (colocando o véu) Papai, e o buquê?

LAMPARINA - Olha que beleza. (tira um buquê da mala) Eu passei no cemitério e peguei
essas flores.

MATILDE - Flor de defunto não dá má sorte?

LAMPARINA - Que nada! (pra Zé) Se o noivo desistir do casamento, já serve pro enterro dele
também. Toma, minha filha.

(Maria Feia pega o buquê).

(Entra Tonha da cocada.

TONHA DA COCADA - (Gritando) Olha a cocada! Olha a cocada!

LAMPARINA – Agora, vamos ao que interessa. Se aproximem.

(Maria, empolgada, pega na mão de Zé, os dois ficam diante de Lamparina).

ZÉ - Eu acho que não vou poder casar hoje. Eu não estou me sentindo muito bem.

LAMPARINA - Ah, é? E o que tu tem?

ZÉ - Eu tenho... eu tenho...

MATILDE – (com mão em concha ao lado da boca) Dor de barriga.

ZÉ – (curva, pondo a mão na barriga) Uma dor de barriga daquelas.

LAMPARINA - E não dá pra segurar?

ZÉ - Não, já tá querendo sair. Já tá pedindo passagem.

LAMPARINA - Tenta prender a tripa.

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ZÉ - Não consigo. O senhor vai querer que eu me case cagado?

LAMPARINA - Não, tudo bem. Pra esses casos eu tenho a solução. Vamos ali numa moita que
(tira um sabugo de milho do bolso) eu vou enfiar esse sabugo.

ZÉ – Não, não! Parece que já tô melhorando. (alisando a barriga) Olha só, não sinto mais
nada. É um verdadeiro milagre!

(Todos ficam em volta para a cerimonia)

LAMPARINA – Ah, que bom! Mas no caso desse milagre não durar muito tempo, (mostrando
o sabugo). E já que vai ter casamento, vamos começar de uma vez. Eu vou pular todo aquele
rodeio que o padre faz e passar logo pros conformes. Maria Feia, você aceita esse cabra como
legítimo esposo? Pra amar, ficar embuchada e me dar um rebanho de netos?

MARIA FEIA – Aceito, papai.

LAMPARINA – Seu cabra, você aceita minha filha na alegria e na tristeza. (mostrando a faca)
E tomara que seja na alegria, porque a tua tristeza pode ser grande!

ZÉ – (abre um sorriso amarelo) Com licença! (vai até Matilde. Com as mãos em oração)
Pelo amor de Deus, faz alguma coisa! (volta a ficar ao lado de Maria) Bem, eu...

LAMPARINA – (mostrando a faca) Aceita ou não aceita?

ZÉ – Eu aceito!

LAMPARINA – Então, eu os declaro...

MATILDE – Espera. Não é uma boa hora pra declarar nada.

LAMPARINA – Mas agora essa! E por que não?

MATILDE – É que ele é católico praticante.

ZÉ – E sou?!

MATILDE – Claro que é!

ZÉ – Tudo bem. Pra sair dessa, eu viro até budista.

MATILDE – O meu irmão é devoto de São José. Tanto, que se chama Zé.

LAMPARINA – E daí?

MATILDE – E daí que amanhã é o dia do santo. E nada melhor que o Zé casar no dia de São
José, pra dar sorte.

LAMPARINA – (coça o queixo, incrédulo) Tem certeza?

ZÉ – Absoluta. Quem casa no dia do santo, casa pra vida inteira.

LAMPARINA – Dessa, eu não sabia.

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ZÉ – Eu também não. Mas que é verdade, é verdade.

LAMPARINA – (pra Maria) Então, minha filha, é amanhã que você vai desencalhar.

(Maria, cabisbaixa, vai guardar o véu e o buquê na mala e os outros saem de cena).

ZÉ – Se é assim, eu vou pra casa com a Matilde. Vocês esperam a gente manhã, nesse
mesmo lugar, que a gente promete que volta. (vai indo)

LAMPARINA – (segurando Zé pelo braço) Não, você fica.

ZÉ – Eu fico? Mas por quê?!

LAMPARINA – (tirando a batina e botando na mala) Tu mesmo disse que os noivos


precisam de tempo pra se conhecer melhor. Pois hoje, você, ela e eu, nós vamos ficar juntos.

ZÉ – Não me leve a mal. Eu e ela até que dá pra entender. Mas o que o senhor vai fazer no
meio?

LAMPARINA – Impedir que vocês conheçam além da conta.

ZÉ – Que é isso! Não dá pra conhecer sua filha além da conta nem se ela botasse um saco na
cabeça.

LAMPARINA – (mostrando a faca) Ah, é? E por que não?

ZÉ – É que a gente tem que respeitar. Ela é linda demais.

LAMPARINA – Isso é verdade. Tanta beleza só pode ser de família. Puxou a mãe, que nem
chega perto dela.

ZÉ – O quê?! Tá me dizendo que a mãe é ainda mais feia?!

LAMPARINA – Ei, olha o respeito, rapaz. Minha senhora não é mais feia, ela só é menos
bonita.

ZÉ – Misericórdia! Eu acho que deu pra entender!

LAMPARINA – Seria bom vocês terem se conhecido antes. Mas ela se foi.

ZÉ – Ah, meus pêsames.

LAMPARINA – Pêsames?! Pêsames por quê?

ZÉ – Ora, o senhor não disse que ela morreu?!

LAMPARINA – Eu não disse que ela morreu. Eu disse que ela se foi. Ela se foi com o circo.

ZÉ – Quer dizer que ela fugiu com o palhaço?

LAMPARINA – Não, foi um acidente.

ZÉ – Coitada. Foi comida pelos leões.

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LAMPARINA – Também não. Mas a culpa toda foi minha. Eu que deixei ela ir sozinha ao circo.

MATILDE – Afinal, o que aconteceu?

LAMPARINA - Eles confundiram ela com um gorila, prenderam na jaula e levaram embora.

ZÉ – Mas que coisa!

LAMPARINA – Tudo bem. Isso já foi há muito tempo. Agora me conta mais sobre você. Um
homem pra casar com minha filha tem de ser macho.

ZÉ – (esperançoso) Então se souber que não sou macho, não caso com ela?

LAMPARINA – É, tu não casa. Mas também não fica vivo. Eu detesto cabra frouxo... Ia me
dizer alguma coisa?

ZÉ – Ia dizer que sou macho até o tutano.

LAMPARINA – É assim que eu gosto de ver. Agora me conta como é que tu mata trinta de
uma vez. É só na bala ou na faca também.

ZÉ – Nenhum dos dois.

LAMPARINA – Nenhum dos dois?!

ZÉ – Pois é, eu sou tão macho que vou é no dente (escancara os dentes).

LAMPARINA – Faço gosto de ter um homem com tua valentia como genro. Esse casamento
merece uma comemoração. (pra Maria) Maria, sirva uma bebida pra gente.

(Maria vai pegar na mala uma garrafa e copos).

ZÉ – Então, vamos fazer um brinde.

LAMPARINA – Isso mesmo. Um brinde à nossa felicidade. E aos vinte netos que tu vai me dar.

ZÉ – Vinte netos?!

LAMPARINA – Achou pouco?

ZÉ – Não, é filho demais.

LAMPARINA – Não se preocupe. A Maria vai ser uma boa parideira e dar conta do recado.

(Maria oferece os copos com bebida aos dois. Eles pegam).

ZÉ – (olhando pro copo) Vejo que o senhor gosta de uma cachaça.

LAMPARINA - Cachaça? Macho que é macho não toma cachaça. Cachaça é bebida pra moça.

ZÉ - (assustado) Ah, é? E o que macho que é macho toma?

LAMPARINA – Macho que é macho toma é querosene.

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ZÉ - Querosene!

LAMPARINA – E puro pra descer aquecendo o peito. (bebe de uma vez. De olhos fechados,
aprova, batendo os dedos, que estalam) Ê, coisa boa! Agora é a tua vez.

(Zé bebe de uma vez. Estremece o corpo, rebolando os ombros. Enverga para frente,
respirando a custo, com os olhos arregalados, e recebendo de Matilde tapinhas nas
costas). (Põe a mão na boca).

LAMPARINA – E aí, aqueceu o peito?

ZÉ – (com a mão no peito, abanando a boca) Pegou foi fogo!

LAMPARINA – Ah, que maravilha! Quer um pouco d’água?

(Zé confirma balançando a cabeça. Lamparina lhe estende o cantil, que leva preso à
cintura).

LAMPARINA – Por essas bandas, água boa vale ouro. Mas o amigo beba à vontade

(Ávido, Zé pega o cantil, bebe um gole e cospe).

ZÉ - O que é isso?!

LAMPARINA – (dando de ombros) Ora, é água.

ZÉ – Só que tá com um gosto horrível! (cheira a boca do cantil) E fede!

LAMPARINA – É mesmo? Tem certeza?

ZÉ – (estendendo o cantil) Toma um pouco.

(Lamparina bebe um gole).

LAMPRINA – Hum, tá deliciosa!

ZÉ – Não pode ser! (pega o cantil. Pra Maria) Me dá um copo.

(Maria Feia lhe dá um copo. Zé coloca nele o líquido preto, que saí do cantil).

ZÉ – Mas que água é essa?!

LAMPARINA – Ah, não ligue, não. Ela tá só um pouquinho escura, mas é assim mesmo.

ZÉ – Só um pouquinho escura?! Olha só, ela é preta, feito carvão!

LAMPARINA – Pra gente, o importante é matar a sede. (pega o copo da mão de Zé e bebe).

ZÉ – Certo. E de que rio vocês pegaram esse negócio?

LAMPARINA - Rio?!

(Lamparina e Maria se entreolham, dão uma gargalhada. Entrega o copo pra Maria, que
guarda).
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LAMPARINA - Aqui não tem isso, não.

MATILDE – Se não foi de rio, de onde foi?

LAMPARINA - Foi de um açude que tava secando. Era de dar dó. Só tinha uma pocinha
rodeada de lama.

ZÉ - Mas essa água foi tratada, não foi?

LAMPARINA - Quê?!

ZÉ - Tratada.

LAMPARINA - Eu não entendi.

MATILDE - Ele tá perguntando se vocês limparam a água.

LAMPARINA – Limpar água?!

(Lamparina e Maria se entreolham, dão uma gargalhada).

ZÉ – Tudo bem, nem precisa responder!

LAMPARINA – O que a gente fez foi pegar o pouquinho que tinha na poça e encher metade do
canteiro.

ZÉ – Metade?! O cantil tava cheio.

LAMPARINA – Bem, a outra metade a gente usou uma água alternativa.

ZÉ – Água alternativa? Mas o que é isso?

LAMPARINA – Mijo de cavalo.

ZÉ – Mijo de cavalo! Quer dizer que eu tomei mijo de cavalo?!

LAMPARINA – Foi, mas não tem problema. Era um cavalo conhecido e eu coletei direto da
fonte. Botei a boca do cantil no chafariz do cavalo.

(Zé cospe enojado).

LAMPARINA – Assim, o senhor me ofende. (mostra a faca) Assim me deixa furioso!

ZÉ – Mas o que foi que eu fiz?!

LAMPARINA – Como é que eu te dou uma água dessas, de primeira qualidade, e tu fica
cuspindo? Aqui no sertão, água é tão valiosa que a gente não desperdiça nem cuspe.

MATILDE – Ele não fez por mal.

ZÉ – É que a minha garganta tava ardendo.

LAMPARINA – (guarda a faca) Ah, então, tudo bem. Eu vou te dar uma coisa pra adoçar a
língua (pra Maria) Minha filha, pega um lanche.
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(Maria vai pegar na mala. Entrega uma rapadura a Lamparina).

LAMPARINA - (pra Zé) Toma, é coisa fina.

ZÉ – Não tem mijo de cavalo aqui não, né?

LAMPARINA – Relaxa. Como isso todo dia.

(Zé dá uma mordida é põe a mão na boca, fazendo uma careta de dor).

LAMPARINA – Ué, o que foi, cabra?

(Zé dá uns saltinhos de dor, coma mão na boca. Matilde estende o chapéu e ele enfia a
cabeça, cuspindo algo. Matilde tira do chapéu um dente monstruoso e examina. O ideal é
o dente esteja no chapéu desde o início).

MATILDE – É um dente!

ZÉ - Você me deu uma pedra pra comer. E eu perdi um dente!

LAMPARINA - Eu não dei pedra nenhuma. Eu dei foi um pedaço de rapadura. Não tenho culpa
se tu tem a boca frouxa. (pega a rapadura, dá uma mordida, passa pra Maria)

(Maria dá uma mordida. Oferece pra Matilde, que abana um dedo e mostra o dente na
outra mão. Maria guarda a rapadura na mala. Matilde jogo o dente fora).
ZÉ – Por que mentiu, dizendo que come esse troço todo dia?

LAMPARINA – E por acaso eu sou homem de mentir? A gente come rapa- dura, sim, todo dia.
Rapadura com farinha. Rapadura de manhã, rapadura meio-dia e rapadura de noite. E quando
tu casar com a Maria, também vai comer.

ZÉ – Mas eu vou acabar ficando banguela!

LAMPARINA – Tudo bem. Pra que ter dente? Macho que é macho quebra coco no beiço. Até
por que não quero que minha filha fique viúva. Depois de casar, tu vai deixar as armas e viver
sossegado. Pra isso, vai comer muita rapadura pra pegar no batente. Rapadura dá força.

ZÉ – Ah, é? E eu vou trabalhar com o quê?

LAMPARINA – Nada demais. É um trabalho tranqüilo.

ZÉ – Ah, que bom! Não gosto de preocupação.

LAMPARINA – Então esse trabalho caiu do céu. Eu vou te dar uma marreta e tu vai quebrar
pedra das cinco da manhã às dez da noite. Não vai dar tempo de se preocupar com nada.

ZÉ - Quebrar pedra?! E quanto eu vou ganhar por isso?

LAMPARINA - É por produção.

ZÉ – Paga por quilo?

LAMPARINA - Não, por montanha. Eu vou apontar qual montanha deve desaparecer e tu vai
descer a marreta.
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ZÉ – Mas esse trabalho é desumano!

LAMPARINA – Ah, não ligue pra esse pequeno detalhe. O importante é que é trabalho de
macho... (sinistro) ou tu prefere costurar?!

ZÉ – Não, eu pego no batente. Só que até quando eu vou quebrar pedra?

LAMPARINA - A vida toda.

ZÉ – Misericórdia! E quando eu tiro férias?

LAMPARINA - Bem, as férias só quanto tu morrer. Aí, vai descansar mais do que merecia. Vai
descansar por toda a Eternidade.

ZÉ – Quer saber de uma coisa? (fecha os olhos, abre os braços) Vai, me mata!

LAMPARINA – Como é?!

ZÉ - Agora, eu quero morrer. Me mata de uma vez.

MATILDE – O que tu tá fazendo?!

ZÉ – (pra Matilde) Diz pra papai e mamãe que eu amo muito eles e que não precisa chorar
muito. (abre os braços. Pra Lamparina) Me mata.

LAMPARINA – Mas o que é que ele tem?

MATILDE – Acho que foi o mijo de cavalo.

ZÉ – (olhando pra cima) Ô, vida cruel! Eu não merecia isso!

LAMPARINA – Mas merecia isso o quê?!

ZÉ – Casar com essa tua filha feia, ter vinte filhos, beber querosene, mijo de cavalo, ficar sem
dente e, ainda por cima, passar a vida toda quebrando pedra! (abre os braços) Vai me mata
de uma vez. Eu prefiro morrer!

MARIA FEIA – (chorosa) Papai, ele me chamou de feia!

LAMPARINA – Tá vendo o que você fez? Magoou a minha filha.

ZÉ – Eu até peço perdão. Não é culpa dela ter nascido assim. Agora, casar, eu não caso!

LAMPARINO – Você é um homem sem coração. Um desalmado. (abraça Maria) Calma,


minha filha, ele só tava mentindo. Da próxima vez, eu faço uma maquiagem melhor e você vai
ficar mais bonita ainda.

MATILDE - Como é que é?!

LAMPARINA – Ela vai ficar mais bonita.

MATILDE – Não, o que disse antes?

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LAMPARINA – Que eu vou maquiar melhor.

MATILDE – Você é quem faz a maquiagem dela?!

LAMPARINA – Claro que sou eu. A mãe ainda não voltou do circo.

MATILDE – (apontando com o dedo) E o que foi que o senhor passou no rosto?

LAMPARINA – Tudo foi eu que fiz. Tudo é produto caseiro (apontando com o dedo) Na boca,
esse batom vermelho é urucum com baba de bode.

(A base no rosto, titica de galinha com sebo de carneiro. E nos olhos, um rímel básico de
toucinho queimado).

MATILDE - E o cabelo?

LAMPARINA - (pegando no cabelo) No cabelo, eu faço um alisamento na brasa.

MATILDE – (pra Zé) Espera um pouco que tenho a solução. (pega no braço de Maria) Vem
comigo.

MARIA FEIA – Mas pra onde?

MATILDE – Confia em mim. Vamos ali tirar esse estrago que teu pai fez na tua cara.

(Matilde sai com Maria levada pela mão e desaparecem atrás do cenário. Lamparina olha
sinistramente pra Zé).

LAMPARINA – Eu devia te matar!

ZÉ – (despreocupado) Então mata.

LAMPARINA – (mostrando a faca) Olha que eu mato mesmo!

ZÉ – Posso escolher?

LAMPARINA – Escolher o quê?

ZÉ – Se morro de faca ou de tiro. Eu acho melhor de tiro. Acho tão chique! Adoro filme de
faroeste. Pena que o índio sempre leva a pior.

LAMPARINA – Ué! Então quer mesmo morrer?!

ZÉ – Querer, eu não quero. (abre os braços) Mas já que vai me matar...

LAMPARINA – Prefere na bala.

ZÉ – Isso. Uma bala (aponta) aqui, bem no coração, que é mais rápido.

LAMPARINA – Não quer mudar de idéia?

ZÉ – Não. Pode me matar no tiro.

LAMPARINA - Olha que eu mato mesmo.


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ZÉ - Essa conversa já tá cansando. (abre os braços) Mata logo de uma vez!

(Lamparina faz a mira com revólver, trêmulo).

LAMPARINA – Não vai querer dizer nada? Um último pedido?

ZÉ - Mas você vai me matar ou não vai? Já tô ficando nervoso!

(Lamparina faz a mira trêmulo, por alguns instantes. Tira um lenço do bolso, enquanto
guarda o revolver. Chora convulsivo, com o lenço na cara. Zé fica de braços abertos,
sem saber o que fazer).

ZÉ – Ei, não vai me matar?

LAMPARINA – Não.

ZÉ – E por quê?

LAMPARINA – Por que eu sou um frouxo!

ZÉ – O quê?! Tu é um frouxo?!

LAMPARINA – Eu não mato ninguém. Nem uma barata. Era tudo mentira.

ZÉ – Tá brincando!

LAMPARINA – Não, é sério. Inventei que era um cangaceiro perigoso, só pra casar minha filha.
(Todo homem foge dela. A coitadinha tá ficando pra titia).

ZÉ – Mas desse jeito, o senhor mata qualquer um de susto.

LAMPARINA – Não fiz por mal.

(Lamparina chora convulsivamente, com o lenço no rosto).

ZÉ – Olha, tudo bem. Mentira por mentira, eu também não sou esse terror que o senhor tava
pensando. Esse Zé das Batalhas foi a Matilde que inventou pra salvar a minha pele. Mas não
vou dizer que não mato uma barata, porque eu mato, sim. Mato muitas. E essa é a minha
profissão de verdade. Apenas um matador de baratas. O Zé das Baratas.

(Lamparina tira o lenço do rosto, olha pra Zé. Volta a pôr o lenço na cara e chorar
convulsivamente). (Entra Matilde).

MATILDE – O que ele tem?

ZÉ – Tá emocionado. Tá chorando de emoção.

MATILDE – Pois eu tenho uma surpresa pra te mostrar.

ZÉ – Maior que a que eu já tive não pode ser.

MATILDE – Depois você me conta. Agora, feche os olhos.

(Zé fecha os olhos)


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MATILDE – Tão bem fechados?

ZÉ – Fechadíssimos.

(Entra Maria Feia, agora, sem a maquiagem que a enfeava, revelando-se muito bonita. Ela
fica em frente de Zé).

MATILDE - Pode abrir.

(Zé abre os olhos e se encanta, sorri).

MATILDE – (sorridente) Não é bonita?

Zé – Muito!

MATILDE – É a Maria Feia.

ZÉ – (procurando ao redor) Onde?

MATILDE – Na tua frente.

ZÉ – Não pode ser!

MATILDE – Mas é. (olhando pra Lamparina, repreensiva) A maquiagem do pai é que fazia
ela parecer um dragão.

ZÉ – (pega na mão de Maria) Mas é linda, linda!

MATILDE – Ih! Pra quem queria morrer, você tá bem empolgado.

ZÉ – (mirando os olhos de Maria, deslumbrado) Eu querer morrer? Não, não quero mais.
Agora, morrer só se for de amor.

MATILDE – Então?

ZÉ – (pra Matilde) Amanhã eu vou me casar.

LAMPARINA – Vai mesmo casar com a Maria?

ZÉ – (indo beijar Maria) Sem falta.

(Beijam-se).( Lamparina e Matilde sorriem).

MATILDE – Qual era a surpresa que tu tinha pra me contar?

ZÉ – Nada é o que parece. (aponta Lamparina com um gesto de cabeça) Ele não é
cangaceiro coisa nenhuma.

MATILDE – O quê?!

ZÉ – Apenas inventou essa história pra casar a filha. (segura na mão de Maria, olha nos
olhos dela) A Maria que, de feia, não tem nada e vai ser mesmo a minha mulher.

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MATILDE – Bem, espero que esse teu amor seja maior que toda a dificuldade que tu vai
passar. Já esqueceu da água com lama e xixi de cavalo?

LAMPARINA – Pra falar a verdade, era só café com pimenta.

MATILDE – E trabalhar quebrando pedra o resto da vida?

LAMPARINA – Ele pode ficar tranqüilo. Não vai precisar mover uma palha. Eu sou fazendeiro
e sou remediado.

ZÉ – Remediado? Quanto assim de “remediação”?

LAMPARINA – Só o bastante pra uma vida mais ou menos. Tenho sete fazendas, cinco mil
cabeças de gado e vinte e três casas de aluguel.

MATILDE – Nossa! Assim, até que vai ser fácil ter os vinte filhos.

LAMPARINA – Essa questão também pode ser revista. Deixo fazer um abatimento de dezoito,
e dois já tá bom.

ZÉ – Não, não carece. Com uma mulher tão bonita, esse número só vai aumentar.

MATILDE - Mas isso é bom pra você aprender.

ZÉ - Aprender o quê?

MATILDE - Uma coisa que todo homem deveria saber. Não existe mulher feia. O que existe é
mulher maltratada. Agora, vamos tocar a vida em frente, que ela é muito curta e não
merecesse ser perdida.

(Zé, Lamparina e Maria concordam, entreolhando-se e balançando a cabeça).

MATILDE – E pra terminar essa história, nada como dançar um forró. Ritmo que junta dois
corpos num abraço gostoso. E por ser tão bonito, deve ser guardado com carinho aqui, (bota a
mão no coração) do lado esquerdo do peito, dentro do coração.

(Começa a tocar um forró. Todos entram em cena. Matilde forma par com Lamparina, e
Zé com Maria. Dançam. Termina a música).

Todos dão as mãos e cumprimentam o público, curvando-se para frente.

FIM

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