Cavalcante - Barros 2019 LAVITS
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Resumo
Este trabalho se configura como um projeto de Dissertação da Pós-graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Ceará e se propõe analisar os efeitos da violência urbana no cotidiano de escolas públicas de
contextos periféricos de Fortaleza. Faremos interlocuções com autores do campo da Psicologia Social que
produzem diálogos com Foucault, Mbembe, Butler, entre outros. Segundo dados da Secretaria da Segurança
Pública e Defesa Social (SSPDS), 2017, foi o ano mais violento da história do Ceará, uma das expressões da
Necropolítica. Pesquisas apontam que os altos índices de homicídios na adolescência e as disputas territoriais
de facções nas periferias afetam alguns equipamentos sociais importantes, dentre eles a escola. Os cotidianos
escolares de segmentos infanto-juvenis são diretamente afetados por essa dinâmica. Sendo assim, esta
pesquisa tem como objetivo principal analisar efeitos da violência urbana no cotidiano de escolas públicas de
contextos periféricos de Fortaleza. Por objetivos específicos: compreender como estudantes e profissionais de
escolas públicas significam a violência na cidade e no bairro onde suas escolas estão inseridas.; problematizar
mudanças no cotidiano escolar provocadas pelas dinâmicas da violência armada em contextos periféricos da
cidade e discutir estratégias produzidas por escolas públicas para o enfrentamento aos efeitos da violência
armada em seus cotidianos. Trata-se de uma pesquisa intervenção, que se prosseguirá com o método da
cartografia e pela política do pesquisarCOM. O território investigado será o Grande Bom Jardim, o segundo
com a maior distribuição de homicídios de adolescentes no ano de 2017. A via de acesso será através da
participação mensal no Fórum das Escolas pela Paz, que surge da articulação entre professores e gestores da
rede estadual para debater implicações da violência urbana no cotidiano escolar e inserção no cotidiano de
uma escola estadual do bairro. As técnicas metodológicas aplicadas serão: observação e conversas no cotidiano
e oficinas com estudantes.
Palavras-chave: Violência urbana. Escola Pública. Necropolítica. Juventudes. Cartografia.
1. INTRODUÇÃO
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Após a conclusão do curso de graduação, atuei como pesquisadora de uma investigação intitulada:
“Violência armada na Cidade de Fortaleza e suas consequências Humanitárias” realizada em alguns
territórios vulnerabilizados da cidade de Fortaleza que apresentam altos índices de homicídios. A
pesquisa foi viabilizada através de uma parceria entre o instituto OCA, o Comitê Internacional da
Cruz Vermelha (CICV), e o Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e
Subjetivação (VIESES) que está vinculado ao Departamento de Psicologia da UFC e, que, desde então,
tenho atuado como integrante. Foi no decurso desta pesquisa e das entrevistas realizadas com os
moradores destes territórios que surgiu a inquietação central deste trabalho, ou seja, as implicações
da violência urbana nos cotidianos escolares, visto que muitos interlocutores colocaram em suas
falas o impacto que as escolas sofriam, como as interrupções em seus calendários por conta das
disputas faccionais de territórios e também de confrontos entre a polícia e as facções.
Tive a oportunidade, durante essa experiência, de trabalhar em parceria com algumas escolas
públicas da rede municipal na realização de palestras e algumas oficinas com adolescentes dentre as
temáticas estavam: projeto de vida, drogas e redução de danos, saúde mental na juventude, dentre
outras.
A população juvenil urbana brasileira tem sido associada ao mito de periculosidade e criminalidade,
situação que, em vez de compreendê-la como vítima, atribui-lhe a responsabilidade pela insegurança
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das cidades. Tem predominado, no imaginário popular e nos espaços midiáticos, a ideia de que o
envolvimento de adolescentes e jovens com o consumo e tráfico de drogas é um fator determinante
para o aumento da violência nos centros urbanos, em especial os homicídios. Entretanto, é
importante assinalar que há um recorte dessa juventude “criminalizada” em que estão presentes
marcadores socioeconômicos e de raça-etnia, isto é, são jovens pobres, negros e moradores de
periferias urbanas (COIMBRA e NASCIMENTO, 2003). É produzida e forjada a figura do “inimigo” que
deve ser eliminado em nome da preservação dos “bons costumes” e da proteção dos ditos “cidadãos
de bem”, dessa forma, a aniquilação dessas vidas é legitimada e naturalizada já que são tidos como
“não-cidadãos” e suas vidas não seriam passíveis de luto (BUTLER, 2018)
Foucault (2008), ao considerar as tecnologias de poder e a sua estreita relação com a biopolítica, isto
é, as práticas disciplinares sobre a vida, a violência e a governamentalidade, nos ajuda a pensar a
questão dessa intensa vitimização de determinados jovens por homicídio, revelando a atividade de
uma sociedade severamente marcada por uma “necro-biopolítica” (BENTO, 2018), de extermínio de
sujeitos considerados indesejáveis (matáveis). Agamben (2009), referindo-se ao projeto biopolítico,
resgata a figura do Homo Sacer, que no direito romano tratava-se daquele sujeito que qualquer um
poderia matar sem que fosse condenado por homicídio, ele remete ao extermínio das figuras
contemporâneas do Homo Sacer, que seriam os jovens negros, pobres e moradores das periferias
urbanas. Quer dizer, seriam as técnicas políticas de produção de morte, chamada tanatopolítica
(BARROS e BENÍCIO, 2017).
Dados do Atlas da Violência de 2018, revelam que em 2016 ocorreram 62.517 homicídios no Brasil, a
crescente desse índice revela uma certa naturalização dessas mortes por parte das autoridades nos
três níveis de governo: federal, estadual e municipal e também de uma parcela da sociedade civil. O
fato é que pela primeira vez na história do país essa taxa foi superior a 30 mortes por 100 mil
habitantes (30,3/100 mil). As consequências desse cenário, semelhante ao de um contexto bélico,
são as mais diversas possíveis trazendo implicações na saúde pública, no desenvolvimento
econômico e social e também na educação do país.
Dados do Relatório do Comitê Cearense pela Prevenção dos Homicídios na Adolescência (CCPHA,
2018) revelam que crianças e adolescentes estão sendo mortos antes de chegar ao ensino médio,
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85% das vítimas letais ainda estavam cursando o ensino fundamental. Esse mesmo relatório expõe
que entre os anos de 2014 a 2016 houve uma redução de mais de 50% das mortes de adolescentes
no Ceará, contudo, no ano de 2017 o número de adolescentes assassinados dobrou, levando a
capital cearense a registrar o maior número de homicídios de sua história. Já no ano de 2018,
observou-se, novamente, uma redução de 27% dos homicídios contra jovens de 10 a 19 anos de
idade.
Esse cenário de violência letal, aliado as disputas por controle de territórios de facções, tem
impactado de maneira contundente o acesso a educação de crianças e jovens moradores da periferia
de Fortaleza. As expulsões de moradores, em casos extremos, e a supressão no direito de ir e vir nas
comunidades, por exemplo, têm coagido alunos da rede municipal a interromperem seus estudos ou
a mudarem de escola. Além da escola, adolescentes e jovens têm sofrido restrições de acesso a
outros equipamentos públicos voltados a esses segmentos, como postos de saúde (Túlio e Paiva,
2018). Vemos, dessa maneira, a manifestação de uma das diversas implicações da violência urbana
no cotidiano dessas populações juvenis, uma intensificação de um processo de precarização da vida
uma condição politicamente induzida, na qual existem sujeitos que não são reconhecidos como
sujeitos e suas vidas são tidas como “desimportantes” ficam expostas a diversas formas de violações
de seus direitos, a violência (inclusive a do próprio Estado que deveria garantir seu bem-estar) e à
morte, retroalimentando essa situação de desigualdade econômico-social em que estão
atravessados (BUTLER, 2018).
Diante disso, este estudo pretende contribuir com o fomento de políticas públicas na garantia à
educação de populações que estão em uma realidade de privação de seus direitos, bem como o
desafio de enfrentamento da problemática da violência urbana e sua pior consequência: os
homicídios de jovens periféricos e negros na cidade de Fortaleza.
O Estado do Ceará e, mais particularmente sua capital Fortaleza, se configura como um dos piores
territórios para se ser jovem no Brasil, sobretudo quando se é negro e periférico. Essa afirmação
pode ser visualizada através do histórico crescente dos índices de homicídios do estado e da cidade,
embora seja preciso compreender que essa alta não ocorreu de uma maneira abrupta. De acordo
com o Atlas da Violência (2017) no período de 2005 a 2015 houve um aumento na letalidade nas
regiões norte e nordeste, nesse mesmo espaço de tempo o estado do Ceará foi da 17ª (com uma
taxa de 21 casos por 100 mil habitantes) posição para a 3ª colocação (uma taxa 46,7 casos por 100
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mil habitantes) entre os estados com as maiores taxas de homicídios do país. Fortaleza, em 2017, foi
a capital do país que apresentou o maior número de homicídios (CERQUEIRA et al.,2017).
No que compete a morte da juventude, dados do Comitê Cearense pela Prevenção dos Homicídios
na Adolescência (2017), quase 19 adolescentes foram mortos por semana em 2017 no estado, sendo
981 meninos de 10 a 19 anos - um aumento de quase 50% em relação a 2016. A faceta da
desigualdade racial se manifesta de maneira contundente na concentração dos homicídios na
população negra nesse país, o índice de homicídios de negros, em 2016, foi duas vezes maior que a
de não negros. Os jovens negros do sexo masculino são o perfil mais vitimado pela violência letal em
nosso território e, muitas vezes, possuem um histórico curricular atravessado por abandono escolar
ou repetência, tal cenário corrobora para torná-los ainda mais vulneráveis à violência letal
(CERQUEIRA, 2018).
O aumento de episódios de chacinas dentro desse preocupante cenário de violência letal no Ceará
nos chama atenção. Foram registradas 7 chacinas nos primeiros 7 meses de 2018 , sendo 3 delas
somente em janeiro, ocorrendo a maior chacina já registrada no Estado , no bairro Cajazeiras, no
município de Fortaleza (PINHEIRO, et al., 2019)
Coimbra e Nascimento (2003) abordam essa questão debatendo que a figura do jovem “envolvido”
com o tráfico de drogas, ou membro de alguma facção criminosa, seria uma das maiores expressões
do “inimigo público” para a sociedade. A produção desse “perfil” indica que as identidades para essa
figura do “envolvido” lida como perigosa e ameaçadora são forjadas, homogeneizando-se suas
formas de sentir, viver e agir, tidas como inferiores e desqualificadas. Nesse sentido, os veículos
midiáticos operam como um dos dispositivos mais eficazes na produção de subjetividades,
engendrando formas de interpretar e perceber o mundo, o que provoca a disseminação distorcida de
que as periferias seriam espaços de desordem, do crime e da marginalidade. Através da circulação de
signos, imagens e subjetividades, a mídia atua produzindo vidas, bandidos e mocinhos (COIMBRA,
2008).
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Tais racionalidades operam produzindo e reproduzindo espaços que Agamben (2004) chama de
“Estados de Exceção”, ou seja, territórios, sobre os quais a violação de direitos e a violência de
Estado são legitimadas, apresentando-se como um “espaço anômico onde o que está em jogo é uma
força de lei sem lei” (: 61), ou uma forma legal daquilo que não pode ter forma legal. As periferias e
os espaços de encarceramento em massa são exemplos contemporâneos desses Estados de Exceção
em que a política de precarização da vida se faz presente no cotidiano de jovens periféricos e de suas
famílias, sujeitos de vidas “desimportantes” e, portanto, “matáveis”. Foucault (2005) aborda o
racismo de estado como um um mecanismo para dividir a população entre aqueles que devem viver
e os que devem morrer (“fazer viver e deixar morrer”), tal racismo é expresso de maneira
contundente nesses territórios dos Estados de Exceção.
Podemos tomar outro operador conceitual para pensar essas condições de produção de zonas de
morte, a necropolítica, apresentada pelo pensador camaronês Achille Mbembe (2016). Esse autor,
uma das principais referências pós-coloniais, aborda a necropolítica como formas contemporâneas
que subjugam vidas ao poder da morte.
Segundo Moura (2017), no estado do Ceará, a necropolítica também vem operando, a exemplo da
segregação entre “cidadãos de bem” e “vagabundos” ou, os chamados “pirangueiros”. O autor
também destaca que os homicídios não ocorrem de forma uniforme entre brancos e negros, visto
que, um negro tem cerca de 4,5 vezes mais chances de ser assassinado do que um jovem branco.
Além disso, a resolução dos casos de homicídios é extremamente baixa, demonstrando uma falta de
interesse em se investigar tais casos, visto que suas vidas não seriam passíveis de luto (Butler, 2018).
Diante dessa conjuntura de violência letal de uma juventude produzida como perigosa para uma
sociedade de “cidadãos de bem” que há tempos faz parte da realidade do Brasil também do Ceará,
deve-se considerar o histórico de ascensão de grupos organizados em torno do tráfico de drogas
ilícitas, que, desde o final da década dos anos de 1990 veio se fortalecendo, desde a atuação de
gangues até as formações das chamadas facções criminosas. O ineficaz investimento em políticas de
segurança ostensivas e militarizadas, além do desumano encarceramento em massa contribuiu em
grande escala para o fortalecimento das facções e de seus controles territoriais (Benício et al., 2018).
Um rearranjo das relações e a repactuação local entre facções rivais, ocorrido entre final de 2015 e
2016 no estado do Ceará, ficou conhecido como “pacificação”. Moradores relataram mudanças
significativas em seus cotidianos, a exemplo de uma redução significativa no número de homicídios
e na proibição de roubos e de ciclos de vinganças nesses territórios, o que nos mostra que tal
fenômeno de “pacificação” não teve relação direta com uma política de segurança e promoção de
justiça social eficaz (BARROS et al., 2018). No entanto, a sensação de tranquilidade e paz logo
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acabaram quando esses grupos criminosos, anteriormente responsáveis pelo acordo provisório,
voltaram a entrar em conflito novamente.
Estudantes de escolas públicas das periferias também têm sido atingidos por essas retaliações
decorrentes da violência urbana, alguns jovens são impedidos de estudar ou de se deslocarem até a
escola por conta de conflitos de territórios já mencionados. De acordo com Oliveira (2018), cerca de
3% dos alunos de uma das maiores escolas do bairro Bom Jardim já tiveram sua rotina de
aprendizado afetada de forma direta pelas dinâmicas da violência urbana, particularmente a questão
das territorialidades impostas por organizações ligadas ao tráfico de drogas. Dessa forma, o direito à
educação é seriamente comprometido nesses espaços, o medo, algumas vezes, prevalece e a evasão
escolar aparece como uma das consequências da privação ao direito da educação. Oliveira (2018)
destaca também que a evasão escolar em 2017 chegou a 6,7% nos estudantes de ensino médio de
escolas públicas do Ceará, tais jovens fora da escola acabam sendo estigmatizados pela sociedade
podendo ser cooptados pelo tráfico de drogas tendo seu futuro gravemente comprometido, um
levantamento realizado pelo Relatório do Comitê Cearense pela Prevenção dos Homicídios na
Adolescência, realizada pela Assembléia Legislativa do Ceará, apontou a evasão escolar como uma
das 12 evidências da vulnerabilidade de jovens à violência letal, os dados de 2016 destacam que,
com exceção de Sobral, todas as cidades pesquisadas3 apresentaram percentuais acima de 60% de
abandono escolar há, pelo menos, 6 meses antes da morte (CCPHA, 2016).
3 Nesta pesquisa do Comitê Cearense pela Prevenção dos Homicídios na Adolescência foram 6 cidades investigadas ao
total: Fortaleza, Juazeiro do Norte, Caucaia, Eusébio, Horizonte, Maracanaú e Sobral.
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Diversos estudos apontam a importância da escola e de seu caráter formativo para crianças,
adolescentes e jovens, porém há também uma relação entre violência e escola que, por sua vez, não
é uma temática recente. Muitas pesquisas já se debruçaram sobre essa vinculação e dentro desse
universo podem ser abordados diversos tipos de violência que afetam o cotidiano das escolas,
prejudicando tanto alunos como o corpo técnico-pedagógico dentre elas: a própria violência
institucional produzida pelas próprias escolas, racismo, a homofobia, entre outras dificultando a
realização de seu principal papel social, o ensino. Aqui, nos interessa abordar os atravessamentos da
violência urbana nos cotidianos escolares, ou melhor, quais as implicações desses contextos
permeados por violação de direitos em alunos, professores e gestores de instituições de ensino
público de periferia.
Miriam Abramovay (2015) coloca que o entorno da escola e sua localização tem grandes influências
em seu cotidiano e também na percepção de segurança dos estudantes e profissionais da educação.
A infra-estrutura urbana tem grande interferência na visão sobre o bairro e sobre a própria escola
pelos moradores, ademais pode facilitar ou dificultar o acesso à escola a exemplo dos conflitos
territoriais das facções na cidade de Fortaleza. O sentimento de insegurança na cidade atrelado ao
envolvimento com o tráfico de drogas e grupos criminosos têm forte influência nas instituições de
ensino, sobretudo das periferias.
A autora chama de violência dura os atos ou episódios que podem acarretar danos irreparáveis aos
indivíduos que exigiriam uma intervenção do Estado, as ameaças e agressões físicas que podem
ocorrer nas escolas são exemplos desse tipo de violência.
Diante de tais evidências de uma realidade preocupante e também dos escassos estudos que se
proponham a ver uma transversalização da violência urbana em contextos escolares da periferia, a
pergunta de partida desse estudo é: Que efeitos a violência urbana tem produzido no cotidiano de
escolas públicas da periferia de Fortaleza?
3. OBJETIVOS
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Discutir estratégias produzidas por escolas públicas para o enfrentamento aos efeitos da violência
armada em seus cotidianos.
4. PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, caracterizando-se, mais especificamente, como uma pesquisa
intervenção. Tal método consiste em um tipo de Pesquisas Participativas que procura investigar a
vida em um plano coletivo, considerando as situações vivenciadas no contexto pesquisado, na sua
diversidade qualitativa e assumindo um caráter interventivo. Constituindo-se como um dispositivo
de transformação atrelado tanto à formação como às práticas institucionais dos psicólogos, que
possibilita a construção de novas análises em campos macro e micropolíticos, rompendo com os
enfoques tradicionais de pesquisas (ROCHA e AGUIAR, 2003).
Partindo da Pesquisa Intervenção, esse estudo irá manter aproximações com o que Moraes (2010)
chama de PesquisarCOM que seria ultrapassar a clássica separação entre sujeito e objeto,
percebendo-os como indissociáveis. Além do ethos da cartografia, originalmente pensada e
desenvolvida por Deleuze e Guattari, esse método pressupõe um acompanhamento de processos
que vão ocorrendo no decorrer da inserção no campo, isto é, não se faz um trabalho descritivo
orientado por regras já delimitadas a priori, contudo, não se trata de ações sem direcionamentos. O
caminho da pesquisa irá considerar os efeitos do processo de se debruçar sobre determinado objeto
de pesquisa, considerando a inseparabilidade entre conhecer e intervir. A intervenção tomada aqui,
seria uma espécie de mergulho na experiência (PASSOS e BARROS, 2015).
O modo de acessar os efeitos que esses homicídios têm nos cotidianos escolares se realizará através
do acesso ao plano da experiência tanto de profissionais da escola (professores e gestores) e como
de estudantes (alunos do ensino médio) inseridos em territórios com altas taxas de letalidade. Pode-
se dizer que adotar tal postura de pesquisa também implica uma necessária postura ético-política
dado as estatísticas alarmantes de homicídios de jovens trazidas anteriormente, além de possibilitar
um espaço de discussão de suas práticas e potencializar os espaços coletivos voltados a
problematização dessa realidade e as possibilidades de enfrentamento.
O Grande Bom Jardim foi o local de pesquisa escolhido para esta investigação e essa inclinação se
justifica a partir de algumas estatísticas preocupantes acerca da realidade de violência que atravessa
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Esta pesquisa se dará através da inserção em duas principais frentes dentro do território: a primeira
será através da participação mensal no Fórum das Escolas pela Paz, que surge em 2017 da
articulação entre professores e gestores da rede estadual para debater implicações da violência
urbana no cotidiano escolar, além de traçar algumas ações de enfrentamento a serem realizadas no
Grande Bom Jardim e fomento de espaços coletivos de discussão. A segunda frente se dará a partir
da inserção no cotidiano da escola estadual de ensino médio EEFM Senador Osíres Pontes localizada
no bairro Bom Jardim, na qual o VIESES-UFC já possui aproximação por conta do projeto de extensão
Re-tratos da Juventude, cuja proposta é de criar intervenções micropolíticas em torno de processos
de subjetivação juvenil em territórios da cidade que são atravessados pela desigualdade e exclusão
social.
Através da participação mensal no Fórum das Escolas pela Paz do Grande Bom Jardim e também da
inserção no cotidiano dessa instituição de ensino e também da, a proposta dessa pesquisa-
intervenção seria utilizar as seguintes estratégias metodológicas: 4.2.1) Observação e conversas no
cotidiano com professores e estudantes da Escola de Ensino Médio E.E.M.F Osíris Pontes com
produção de Diários de Campo como registro de percepções e informações, tentando compreender
como eles significam a violência na cidade e no bairro em que estão inseridos; 4.2.2) Oficinas com
Estudantes e Professores com o enfoque nos processos de resistência frente a esse contexto de
violência que atravessa o bairro e, também, a escola e problematizar mudanças no cotidiano da
escola decorrente da violência armada; 4.2.3) Acompanhamento do Fórum das Escolas pela Paz do
Bom Jardim em que estratégias de enfrentamento aos efeitos das violência são produzidas e
discutidas por gestores de escolas públicas, incluindo também a elaboração de Diários de Campo.
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Para a análise desses processos e experiências se utilizará a proposta da análise cartográfica (Barros
e Barros, 2013), esta busca estabelecer um conjunto de múltiplas relações com o “objeto” de estudo,
ou seja, esse procedimento de análise oportuniza o surgimento de heterogeneidades (diferenças). O
que impulsiona a análise em cartografia, por sua vez, são problemas e não a busca de respostas ou
soluções, no entanto, o problema não é algo dado e depende da criação de termos nos quais ele se
apresentará, isto é, procedimentos de criação de sentidos e de novos problemas. Na cartografia, os
dados não são estáticos e puramente passíveis de verificação, há, na verdade, um acompanhamento
de processos e experiências que se darão no decurso da investigação, abrangendo também zonas de
ambiguidades e acolhendo todas as faces da experiência tanto do pesquisador quanto do
participante.
É mister salientar que o projeto de pesquisa em questão será submetido a avaliação do Comitê de
Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Federal do Ceará, como forma de garantir a
integridade dos participantes.
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