Book Volume 03 Internet 230902 143759
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Volume 3
2 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
ORIENTAÇÕES CURRICULARES
PARA O ENSINO MÉDIO
Volume 1: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias
Volume 2: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias
Volume 3: Ciências Humanas e suas Tecnologias
ISBN 85-98171-44-1
CDU 371.214.12
CDU 373.512.14
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃ BÁSICA
ORIENTAÇÕES CURRICULARES
PARA O ENSINO MÉDIO
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
BRASÍLIA
2006
4 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Projeto Gráfico
Eduardo Meneses | Quiz Design Gráfico
Revisão de Textos
Liberdade de Expressão
Lunalva da Conceição Gomes – DPEM/SEB/MEC
PROSA Produção Editorial Ltda
TDA Desenho e Arte
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, sala 500
CEP: 70.047-900 Brasília – DF
Tel. (061) 2104-8010 Fax: (61) 2104-9643
http:// www.mec.gov.br
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
Carta ao Professor
Apresentação
Sumário
CONHECIMENTOS DE FILOSOFIA
Introdução 15
1 Identidade da filosofia 21
2 Objetivos da filosofia no ensino médio 28
3 Competências e habilidades em Filosofia 29
4 Conteúdos de filosofia 34
5 Metodologia 36
Referências bibliográficas 40
CONHECIMENTOS DE GEOGRAFIA
Introdução 43
1 Saberes e experiências do ensino de Geografia 44
1.1 Objetivos da Geografia no Ensino Médio 44
1.2 O papel do professor de Geografia no contexto do mundo atual 46
1.3 O projeto político-pedagógico da escola e a Geografia 48
2 O ensino de geografia: uma combinação entre conceitos e saberes 49
2.1 Sobre Conteúdos e Metodologias no Ensino da Geografia 49
2.2 Os conceitos estruturantes para o ensino de Geografia 52
3 Estabelecendo conexões entre conceitos e conteúdos 54
3.1 Por que pensar em eixos temáticos? 55
3.2 Os eixos temáticos: a articulação entre os conceitos e
os conteúdos 56
4 Avaliação 60
Referências Bibliográficas 61
CONHECIMENTOS DE HISTÓRIA
Introdução 65
1.2 O currículo do ensino médio e a disciplina história 66
2 A história no ensino médio 70
2.1 Questões de conteúdo 70
2.1.1 História 72
2.1.2 Processo histórico 73
2.1.3 Tempo (temporalidades históricas) 74
2.1.4 Sujeitos históricos 75
2.1.5 Trabalho 75
2.1.6 Poder 76
2.1.7 Cultura 77
2.1.8 Memória 78
2.1.9 Cidadania 79
2.2 Questões metodológicas 80
3 Perspectivas de ação pedagógica 84
3.1 A seleção e a organização dos conteúdos 84
3.1.1 A seleção dos conteúdos 86
3.1.2 Diversidade na apresentação dos conteúdos. 87
3.2 Construção e uso dos conceitos e dos procedimentos no
processo de ensino-aprendizagem 90
3.3 O projeto político-pedagógico da escola e o ensino de História 92
4 Referências bibliograficas 94
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA
Introdução 101
1 A Sociologia no ensino médio 115
1.1 Pressupostos metodológicos 116
1.2 A pesquisa sociológica no ensino médio 125
1.2.1 Práticas de ensino e recursos didáticos 127
2 À guisa de conclusão 131
Referências Bibliográficas 132
CONHECIMENTOS
DE FILOSOFIA
Consultores
Antonio Edmilson Paschoal
João Carlos Salles Pires da Silva
Leitores Críticos
Ethel Menezes Rocha
Moacyr Ayres Novaes Filho
Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Capítulo
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
1 CONHECIMENTOS
DE FILOSOFIA
INTRODUÇÃO
A Filosofia deve ser tratada como disciplina obrigatória no ensino médio, pois isso
é condição para que ela possa integrar com sucesso projetos transversais e, nesse
nível de ensino, com as outras disciplinas, contribuir para o pleno desenvolvimen-
to do educando. No entanto, mesmo sem o status de obrigatoriedade, a Filosofia,
nos últimos tempos, vem passando por um processo de consolidação institucional,
correlata à expansão de uma grande demanda indireta, representada pela presença
constante de preocupações filosóficas de variado teor. Chama a atenção um leque
de temas, desde reflexões sobre técnicas e tecnologias até inquirições metodoló-
gicas de caráter mais geral concernentes a controvérsias nas pesquisas científicas
de ponta, expressas tanto em publicações especializadas como na grande mídia.
Também são prementes as inquietações de cunho ético, que são suscitadas por epi-
sódios políticos nos cenários nacional e internacional, além dos debates travados
em torno dos critérios de utilização das descobertas científicas.
Situação análoga foi detectada em outras instâncias de discussão pública e
mobilização social, como o evidenciam, por exemplo, os debates relativos à con-
duta de veículos de comunicação, tais como televisão e rádio. Ainda que, na gran-
de maioria dos casos, não se possa falar de uma conceituação rigorosa, não se
pode ignorar que nessas discussões estão envolvidos temas, noções e critérios de
ordem filosófica. Isso significa que há uma certa demanda da sociedade por uma
linha de reflexão que forneça instrumentos para o adequado equacionamento
de tais problemas. Uma prova disso é que mesmo a grande mídia não se furta ao
aproveitamento dessas oportunidades para levar a público debates de idéias no
nível filosófico, ainda que freqüentemente de modo superficial ou unilateral.
O tratamento da Filosofia como um componente curricular do ensino mé-
dio, ao mesmo tempo em que vem ao encontro da cidadania, apresenta-se, po-
rém, como um desafio, pois a satisfação dessa necessidade e a oferta de um ensino
de qualidade só são possíveis se forem estabelecidas condições adequadas para
sua presença como disciplina, implicando a garantia de recursos materiais e hu-
16 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
1
As Diretrizes foram elaboradas para o MEC-SESu por uma comissão de especialistas de ensino de Filosofia, composta
pelos professores Álvaro Valls (Unisinos), Nelson Gomes (UnB) e Oswaldo Giacoia Júnior (Unicamp).
2
A elaboração da portaria contou com apoio de comissão composta pelos professores Alfredo Carlos Storck (UFRG),
Antonio Edmilson Paschoal (PUC-PR), Ethel Menezes Rocha (UFRJ), João Carlos Salles Pires da Silva (UFBA), Milton
Meira do Nascimento (USP) e Nelson Gonçalves Gomes (UnB).
20 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
1 IDENTIDADE DA FILOSOFIA
3
Cf. SALLES, João Carlos, “Escovando o tempo a contrapelo”, in Ideação Magazine, nº 1, p. 5-6.
CONHECIMENTOS DE FILOSOFIA 23
4
Neste ponto, como em vários outros, mantivemos em parte o texto dos PCN de 1999, endossando, assim, seu conteúdo.
O mesmo não se aplica aos PCN+, de 2002, que pouco contribuíram para esta discussão.
24 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
nos documentos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. As-
sim, o Artigo 2o da Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998, reporta-nos aos
valores apresentados na Lei nº 9.394, a saber:
I. os fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de
respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II. os que fortaleçam os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e
de tolerância recíproca.
mais amplo é, por exemplo, seu papel no processo de formação geral dos jovens. Em
segundo lugar, deve-se ter presente, em função da própria legislação, que a formação
para a cidadania, além da preparação básica para o trabalho, é a finalidade síntese da
educação básica como um todo (LDB, Arti-
go 32) e do ensino médio em especial (LDB,
artigo 36). Não se trata, portanto, de um pa- ... qual a contribuição
pel particular da disciplina Filosofia, nesse específica da Filosofia
conjunto, oferecer um tipo de formação que em relação ao exercício
tenha por pressuposto, por exemplo, incutir da cidadania para essa
nos jovens os valores e os princípios men- etapa da formação?
cionados, nem mesmo assumir a responsa- A resposta a essa
bilidade pela formação para a solidarieda- questão destaca o papel
de ou para a tolerância. Tampouco caberia peculiar da filosofia no
a ela, isoladamente, “o aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico” (LDB, artigo 35, inciso III). Uma vez que é possível formar cidadãos sem a
contribuição formal da Filosofia, seria certamente um erro pensar que a ela, exclu-
sivamente, caberia tal papel, como se fosse a única disciplina capaz de fazê-lo, como
se às outras disciplinas coubesse o ensinamento de conhecimentos técnicos e a ela o
papel de formar para uma leitura crítica da realidade. Esse é na verdade um papel do
conjunto das disciplinas e da política pública voltada para essa etapa da formação.
Não se trata, portanto, de a Filosofia vir a ocupar um espaço crítico que se
teria perdido sem ela, permitindo-se mesmo um questionamento acerca de sua
competência em conferir tal capacidade ao aluno. Da mesma maneira, não se pode
esperar da Filosofia o cumprimento de papéis anteriormente desempenhados por
disciplinas como Educação Moral e Cívica, assim como não é papel da Filosofia
suprir eventual carência de um “lado humanístico” na formação dos estudantes. A
pergunta que se coloca é: qual a contribuição específica da Filosofia em relação ao
exercício da cidadania para essa etapa da formação? A resposta a essa questão des-
taca o papel peculiar da filosofia no desenvolvimento da competência geral de fala,
leitura e escrita – competência aqui compreendida de um modo bastante especial
e ligada à natureza argumentativa da Filosofia e à sua tradição histórica. Cabe,
então, especificamente à Filosofia a capacidade de análise, de reconstrução racio-
nal e de crítica, a partir da compreensão de que tomar posições diante de textos
propostos de qualquer tipo (tanto textos filosóficos quanto textos não filosóficos e
formações discursivas não explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca deles é
um pressuposto indispensável para o exercício da cidadania.
CONHECIMENTOS DE FILOSOFIA 27
[...] não é possível fazer Filosofia sem recorrer a sua própria história. Dizer que
se pode ensinar filosofia apenas pedindo que os alunos pensem e reflitam sobre
os problemas que os afligem ou que mais preocupam o homem moderno sem
oferecer-lhes a base teórica para o aprofundamento e a compreensão de tais
problemas e sem recorrer à base histórica da reflexão em tais questões é o mesmo
que numa aula de Física pedir que os alunos descubram por si mesmos a fórmu-
la da lei da gravitação sem estudar Física, esquecendo-se de todas as conquistas
anteriores naquele campo, esquecendo-se do esforço e do trabalho monumental
de Newton.5
5
NASCIMENTO, Milton, apud SILVEIRA, René, Um sentido para o ensino de Filosofia no ensino médio, p. 142.
28 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
6
BANCO MUNDIAL, 1995, p. 63, apud SANTIAGO, Anna, Política educacional, diversidade e cultura: a racionalidade
dos PCN posta em questão, p. 503.
30 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
que se busca na esfera da produção. Medir-se pelo que se espera é sempre deli-
cado. Afinal, em uma sociedade desigual, pode esperar-se também o desigual,
ameaçando um processo global de formação que deveria servir à correção da
desigualdade. Afastado, porém, esse aspecto, a noção de competência parece vir
ao encontro do labor filosófico. Com efeito, ela é sempre interior a cada disci-
plina, não havendo uma noção universal. Sendo da ordem das disposições, só
pode ser lida e reconhecida à luz de matrizes conceituais específicas. Em certos
casos, a competência mostra-se na elaboração de hipóteses, visando à solução
de problemas. Em outros casos, porém, uma vez que as competências não se
desenvolvem sem conteúdos nem sem o apoio da tradição, a competência pode
significar a recusa de soluções aparentes por recurso ao aprofundamento siste-
mático dos problemas.
A pergunta que se faz, portanto, é: de que capacidades se está falando
quando se trata de ensinar Filosofia no ensino médio? Da capacidade de abs-
tração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico ou, ao contrário, da
compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos? Trata-se da criativida-
de, da curiosidade, da capacidade de pensar
... é a contribuição múltiplas alternativas para a solução de um
mais importante problema, ou seja, do desenvolvimento do
da Filosofia: fazer o pensamento crítico, da capacidade de traba-
estudante aceder a lhar em equipe, da disposição para procurar e
uma competência aceitar críticas, da disposição para o risco, de
discursivo-filosófica. saber comunicar-se, da capacidade de buscar
conhecimentos. De forma um tanto sumária,
pode-se afirmar que se trata tanto de compe-
tências comunicativas, que parecem solicitar da Filosofia um refinamento do
uso argumentativo da linguagem, para o qual podem contribuir conteúdos
lógicos próprios da Filosofia, quanto de competências, digamos, cívicas, que
podem fixar-se igualmente à luz de conteúdos filosóficos.
Podemos constatar, novamente, uma convergência entre o papel educa-
dor da Filosofia e a educação para a cidadania que se postulou anteriormente.
Os conhecimentos necessários à cidadania, à medida que se traduzem em
competências, não coincidem, necessariamente, com conteúdos, digamos, de
ética e de filosofia política. Ao contrário, destacam o que, sem dúvida, é a
contribuição mais importante da Filosofia: fazer o estudante aceder a uma
competência discursivo-filosófica. Espera-se da Filosofia, como foi apontado
anteriormente, o desenvolvimento geral de competências comunicativas, o
que implica um tipo de leitura, envolvendo capacidade de análise, de inter-
CONHECIMENTOS DE FILOSOFIA 31
9
LEOPOLDO E SILVA, Frankin apud SILVEIRA, René, op cit., p. 139.
38 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
10
SILVEIRA, René, op. cit., p. 143.
11
Uma espécie de saída de emergência para professores sem formação devida, como se fora um recurso de pleno bom
senso, residindo aí seu maior perigo.
CONHECIMENTOS DE FILOSOFIA 39
vez de uma posição soberana que pretenda suprimir o próprio debate filosófico,
parece necessário retornar, também com perspectivas próprias, ao debate e a tex-
tos selecionados que sirvam de fundamento à reflexão.
Tomando-se como ponto de partida as mesmas Diretrizes Curriculares para
os Cursos de Graduação em Filosofia que norteiam a formação dos professores
para o ensino de Filosofia no nível médio, tem-se a seguinte caracterização do
licenciado em Filosofia: “O licenciado deverá estar habilitado para enfrentar com
sucesso os desafios e as dificuldades inerentes à tarefa de despertar os jovens para
a reflexão filosófica, bem como transmitir aos alunos do ensino médio o legado
da tradição e o gosto pelo pensamento inovador, crítico e independente”. Nesse
universo de jovens e adolescentes, é imprescindível despertar o estudante para
os temas clássicos da Filosofia e orientá-lo a buscar na disciplina um recurso
para pensar sobre seus problemas. Em todos esses níveis, no entanto, não se pode
perder de vista a especificidade da Filosofia, sob pena de se ter uma estranha
concorrência do profissional de Filosofia com o de Letras, Antropologia, Socio-
logia ou Psicologia, entre outros. Diferentemente, ciente do que lhe é próprio, o
profissional de Filosofia poderá desenvolver projetos em conjunto, inclusive com
temas transversais e interdisciplinares, enriquecendo o ensino e “estimulando a
criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado e a afetividade”.
Participação ativa na formação do jovem e capacidade para o diálogo com
outras áreas do conhecimento pressupõem, como já foi visto aqui, que o profes-
sor de Filosofia não perca de vista a especificidade de sua própria área. Por outro
lado, para bem cumprir sua tarefa, não bastará ter em conta seu próprio talento,
pois inserirá seu trabalho em um novo contexto para a Filosofia no país, em que
se ligam esforços os mais diversos, inclusive para sanar o dano histórico resul-
tante da ausência da Filosofia. Com isso, devemos reconhecer que está se abrindo
para o ensino de Filosofia um novo tempo, no qual não se frustrarão nossos
esforços na medida em que reconhecermos a importância da formação contínua
dos docentes de Filosofia no ensino médio, bem como o esforço coletivo de re-
flexão e de produção de novos materiais. É preciso, assim, estarmos à altura da
elevada qualidade que deve caracterizar o trabalho de profissionais da Filosofia,
quando já se pode afirmar, alterando uma antiga diretriz, que “as propostas peda-
gógicas das escolas deverão, obrigatoriamente, assegurar tratamento disciplinar e
contextualizado para os conhecimentos de Filosofia”.
40 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GALLO, Sílvio & KOHAN, Walter (Orgs.). Filosofia no Ensino Médio, Petrópo-
lis, Vozes, Vol. VI, 2000.
GALLO, Sílvio. A especificidade do ensino de filosofia: em torno dos conceitos.
In: PIOVESAN, Américo et al. (orgs.). Filosofia e Ensino em Debate. Ijuí: Edito-
ra Unijuí, 2002.
MEC. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer
CNE/CES n° 492/2001, aprovado em 3 de abril de 2001. Diretrizes Curriculares
Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comuni-
cação Social, Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museo-
logia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 de julho de 2001. Seção 1, p. 50.
MEC. Portaria INEP n. 171, de 24 de agosto de 2005. Publicada no Diário Oficial
de 26 de agosto de 2005, Seção 1, pág. 60. Filosofia.
SALLES, João Carlos. “Escovando o tempo a contrapelo”, in Ideação Magazine,
nº 1, Feira de Santana, NEF/UEFS, 2003.
SANTIAGO, Anna, Política educacional, diversidade e cultura: a racionalidade
dos PCN posta em questão. In: PIOVESAN, Américo et al. (orgs.). Filosofia e
Ensino em Debate. Ijuí: Editora Unijuí, 2002.
SILVEIRA, René. Um sentido para o ensino de Filosofia no ensino médio. In:
GALLO, Sílvio & KOHAN, Walter (orgs.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópo-
lis: Vozes, Vol. VI, 2000.
CONHECIMENTOS
DE GEOGRAFIA
Consultores
Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira
Eliseu Savério Sposito
Helena Coppetti Callai
Lana de Souza Cavalcanti
Sonia Maria Vanzella Castellar
Vanda Ueda
Leitores Críticos
Arthur Magon Whitacker
Dirce Maria Antunes Suertegaray
Elvio Rodrigues Martins
Marcio Antonio Teixeira
Paulo Roberto Rodrigues Soares
Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Ricardo Alvarez
Capítulo
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
2 CONHECIMENTOS
DE GEOGRAFIA
INTRODUÇÃO
Este documento tem como objetivo ampliar e avançar nas discussões ofe-
recendo elementos sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o
ensino médio no âmbito da Geografia, servindo de estímulo e apoio à reflexão da
prática diária do professor.
Nos últimos anos, muitos são os documentos oficiais e acadêmicos que se referem
a como se ensina Geografia nos ensinos fundamental e médio. Esses, em geral, bus-
cam entender como e por que determinados fenômenos se produzem no espaço e
suas relações com os processos econômicos, sociais, culturais e políticos. Portanto,
ao analisar as transformações presentes no espaço, devemos entender que essas não
se produzem de forma aleatória, mas foram construídas ao longo do tempo. O que
implica considerar o processo histórico e a singularidade dos lugares.
Um contexto desejável, e já existente, ampliou a participação e o debate de
professores e alunos em discussões e o professor deixou de ser mero transmissor
de conhecimento, pensando o mundo de forma dialética. Esse processo abriu a
possibilidade de efetiva integração metodológica entre as diferentes áreas do co-
nhecimento e a Geografia , numa perspectiva interdisciplinar.
Leitores Críticos
Helenice Ciampi
Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Capítulo
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
3 CONHECIMENTOS
DE HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
Milhares são os jovens que, como o garoto do qual fala Marc Bloch na introdução
do seu livro, escrito em 1943, Apologia da História ou o ofício de historiador, diri-
gem essa questão ao seu professor de História. Responder aos jovens essa questão
requer muito mais do que saber falar a eles com clareza, simplicidade e correção
sobre o que é a História. Requer oferecer-lhes condições para refletirem critica-
mente sobre suas experiências de viver a história e para identificarem as relações
que essas guardam com experiências históricas de outros sujeitos em tempos,
lugares e culturas diversas das suas.
Os jovens vivem e participam de um tempo de múltiplos acontecimentos que
precisam ser compreendidos na sua historicidade. No entanto, a compreensão da
historicidade dos acontecimentos tem sido dificultada não só pela sua quantidade e
variedade, mas também pela velocidade com que se propagam por meio das tecnolo-
gias da informação e da comunicação. O acúmulo e a velocidade dos acontecimentos
afetam não só os referentes temporais e identitários, os valores, os padrões de com-
portamento, construindo novas subjetividades, como também induzem os jovens a
viverem, como diz Hobsbawm (1995), “numa espécie de presente contínuo” e, por-
tanto, com fracos vínculos entre a experiência pessoal e a das gerações passadas.
Auxiliar os jovens a construírem o sentido do estudo da História constitui,
pois, um desafio que requer ações educativas articuladas. Trata-se de lhes ofere-
cer um contraponto que permita ressignificar suas experiências no contexto e
na duração histórica da qual fazem parte, e também apresentar os instrumentos
cognitivos que os auxiliem a transformar os acontecimentos contemporâneos e
aqueles do passado em problemas históricos a serem estudados e investigados.
66 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
2.1.1 História
O conceito “história” tem sido tomado em um duplo significado. Sob um aspec-
to, história são todas as ações humanas realizadas no decorrer dos tempos, inde-
pendentemente de terem sido ou não objeto de conhecimento dos estudiosos.
É o que se poderia chamar de matéria-prima para o trabalho dos historiadores,
que, por sua vez, foram construindo suas representações cognitivas. A essas re-
presentações cognitivas dá-se o nome de História, em geral grafada com mai-
úscula para distinguir da história como acontecimento. O objetivo primeiro do
conhecimento histórico é a compreensão dos processos e dos sujeitos históricos,
o desvendamento das relações que se estabelecem entre os grupos humanos em
diferentes tempos e espaços. Os historiadores estão atentos às diferentes e múl-
tiplas possibilidades e alternativas que se apresentam nas sociedades, tanto nas
de hoje quanto nas do passado, as quais emergiram da ação consciente ou in-
consciente dos homens. Procuram apontar, também, os desdobramentos que se
impuseram com o desenrolar das ações desses sujeitos.
Um dos objetivos do ensino de História, talvez o primeiro e o que condicio-
na os demais, é levar os alunos a considerarem como importante a apropriação
crítica do conhecimento produzido pelos historiadores, que está contido nas nar-
rativas de autores que se utilizam de métodos diferenciados e podem até mesmo
apresentar versões e interpretações díspares sobre os mesmos acontecimentos.
Essa leitura crítica presidirá também os materiais didáticos colocados à disposi-
ção dos alunos, especialmente os livros didáticos.
A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do conheci-
mento histórico, seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico
escolar, torna-se um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se
de um olhar consciente no que tange à sociedade e a si mesmo. Ciente do ca-
ráter provisório do conhecimento, o aluno terá condições de se exercitar nos
procedimentos próprios da História: problematização das questões propostas;
delimitação do objeto; estudo da bibliografia produzida sobre o assunto; busca
de informações; levantamento e tratamento adequado das fontes; percepção dos
sujeitos históricos envolvidos (indivíduos, grupos sociais); estratégias de verifi-
cação e confirmação de hipóteses; organização dos dados coletados; refinamento
dos conceitos (historicidade); proposta de explicação dos fenômenos estudados;
elaboração da exposição; redação de textos. Dada a complexidade do objeto de
conhecimento, é imprescindível que se incentive a prática interdisciplinar.
Faz parte da construção do conhecimento histórico, no âmbito dos pro-
cedimentos que lhe são próprios, a ampliação do conceito de fontes históricas
que podem ser trabalhadas pelos alunos: documentos oficiais; textos de época e
CONHECIMENTOS DE HISTÓRIA 73
2.1.5 Trabalho
A categoria “trabalho” é aqui entendida como um modo de sustentação e auto-
preservação do gênero humano, que se expressa nas transformações impostas
76 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
2.1.6 Poder
O poder pode ser entendido como o complexo de relações entre os sujeitos his-
tóricos nas diversas formações sociais e nas relações entre as sociedades. Arti-
cula-se com todos os conceitos presentes neste documento, pois as relações de
poder permeiam o processo de construção do conhecimento histórico e são um
dos fatores de significação que delimitam o que seria a consciência histórica, que
marca os diversos modos da apreensão e da construção do mundo historica-
mente constituído e suas respectivas interpretações. Além disso, o exercício do
poder encontra-se presente nos usos sociais que se fazem da História tanto para
legitimar poderes quanto para execrar o passado de inimigos políticos, sociais ou
de qualquer outra natureza.
As relações de poder são exercidas nas diversas instâncias das sociedades his-
tóricas, como as do mundo do trabalho e as das instituições, como, por exemplo,
as escolas, as prisões, as fábricas, os hospitais, as famílias, as comunidades, os
Estados nacionais, as Igrejas e os organismos internacionais políticos, econômi-
cos e culturais, os quais se transformam na sua relação com as formações sociais
historicamente constituídas. É na inter-relação entre essas instituições (sociais,
políticas, étnicas e religiosas) e nas relações de dominação, hegemonia, depen-
CONHECIMENTOS DE HISTÓRIA 77
2.1.7 Cultura
A ampliação do conceito de cultura, fruto da aproximação das disciplinas His-
tória e Antropologia, enriquece o âmbito das análises, caminhando, de forma
positiva, para a abertura do campo científico da História Cultural. O recurso à
Filosofia, por sua vez, enriquece e amplia o conceito, especialmente no que se
refere à idéia de cultura como formação advinda da “paidéia” (ligada à educa-
ção) e da cultura humanista, renascentista e iluminista. Na articulação dessas
abordagens (histórica, antropológica e filosófica), o conceito de cultura pode
alcançar maior abrangência e significado.
A cultura não é apenas o conjunto das manifestações artísticas e materiais.
É também constituída pelas formas de organização do trabalho, da casa, da
família, do cotidiano das pessoas, dos ritos, das religiões, das festas. As diversi-
dades étnicas, sexuais, religiosas, de gerações e de classes constroem representa-
ções que constituem as culturas e que se expressam em conflitos de interpreta-
ções e de posicionamentos na disputa por
seu lugar no imaginário social das socie-
dades, dos grupos sociais e de povos. As culturas são hí-
2.1.8 Memória
Um compromisso fundamental da História encontra-se na sua relação com a
memória. O direito à memória faz parte da cidadania cultural e revela a neces-
sidade de debates sobre o conceito de preservação das obras humanas em toda a
sua diversidade étnico-cultural. A constituição do patrimônio cultural diverso e
múltiplo e sua importância para a formação de uma memória social e nacional,
sem exclusões e discriminações, são abordagens necessárias aos educandos. É ne-
cessário chamar a atenção dos alunos para os usos ideológicos a que a memória
histórica está sujeita, que muitas vezes constituem “lugares de memória”, estabe-
lecidos pela sociedade e pelos poderes constituídos, que escolhem o que deve ser
preservado e relembrado e o que deve ser silenciado e “esquecido” (ver PCNEM
99, p. 54).
Enfatize-se também a riqueza que o conceito de memória vem adquirindo
no âmbito da História com os trabalhos de autores estrangeiros e nacionais. Evi-
dencia-se, por exemplo, que os lugares da memória são criações da sociedade
contemporânea para impor determinada memória, que a concepção de memó-
ria nacional ou identidade regional constitui formas de violência simbólica que
silenciam e uniformizam a pluralidade de memórias associadas aos diversos gru-
pos sociais. Por isso, a questão da memória ou da educação patrimonial associa-
se à valorização da pluralidade cultural e ao questionamento da construção do
patrimônio cultural pelos órgãos públicos, que, historicamente, vêm alijando a
memória de grupos sociais (como os escravos ou operários) daquilo que se con-
cebe como memória nacional.
É oportuno lembrar, igualmente, que a memória construída a favor de in-
teresses políticos ou ideológicos pode ser contraditada ou questionada a par-
tir de pesquisas historiográficas calcadas em processos científicos de conheci-
mento. Nesse contexto, é fundamental que sejam introduzidas as conquistas
historiográficas conseguidas nas últimas décadas sobre a memória dos povos
e das nações que estiveram presentes em todos os momentos da História do
Brasil, aí incluídos índios, africanos e imigrantes. Em educação patrimonial
enfatiza-se a importância de a escola atuar para mapear e divulgar os bens
culturais relacionados com o cotidiano dos diversos grupos, mesmo aqueles
bens que ainda não foram reconhecidos pelos poderes instituídos e pelas cul-
turas dominantes.
CONHECIMENTOS DE HISTÓRIA 79
2.1.9 Cidadania
A atenção dada à questão da cidadania participativa, no seu sentido pleno, focada
nos direitos às diferenças, é recente na historiografia. Atualmente, o conjunto de
preocupações que norteia o conhecimento histórico e suas relações com o ensino
vivenciado na escola leva ao aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis
ao exercício pleno da cidadania, tais como: atenção ao conhecimento autônomo
e crítico; valorização de si mesmo
como sujeito responsável pela
É de se ressaltar o papel central construção da História; respeito
da História para alicerçar a prá- às diferenças culturais, étnicas,
tica da cidadania, especialmente religiosas, políticas, evitando-se
ao colocar em evidência a diver- qualquer tipo de discriminação;
sidade das culturas que integram busca de soluções possíveis para
a história dos povos. problemas detectados na comu-
nidade, de forma individual e co-
letiva; atuação firme e consciente
contra qualquer tipo de injustiça e mentira social; valorização do patrimônio
sociocultural, próprio e de outros povos, incentivando o respeito à diversida-
de; valorização dos direitos conquistados pela cidadania plena, aí incluídos os
correspondentes deveres, seja dos indivíduos, dos grupos e dos povos, na busca
da consolidação da democracia. É de se ressaltar o papel central da História em
alicerçar a prática da cidadania, especialmente ao colocar em evidência a diversi-
dade das culturas que integram a história dos povos.
Assim, é necessário incorporar a cidadania como objeto do ensino de Histó-
ria. No desenvolvimento dos conteúdos, a historicidade do conceito de cidadania
torna-se objeto do ensino de História, ao ressaltar as experiências de participação
dos indivíduos e dos grupos sociais na construção coletiva da sociedade, assim
como os obstáculos e a redução dos direitos do cidadão ao longo da história. A
80 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Continua...
CONHECIMENTOS DE HISTÓRIA 81
...Continuação
Conceitos
Habilidades para o trabalho Elaboração e condução das
básicos da
com a História atividades didáticas
História
História • Reconhecer o papel das diferentes • a importância de tomar os
linguagens: escrita, pictórica, foto- conhecimentos prévios dos
gráfica, oral, eletrônica, etc. alunos como referência para
• Compreender textos de natureza adequar o planejamento e
histórica (obras de historiadores, as intervenções didáticas;
materiais didáticos).
• Organizar a produção do conheci-
mento.
• Produzir textos analíticos e inter- • a adequação do planejamen-
pretativos sobre os processos his- to dos programas com a re-
tóricos a partir das categorias e alidade sócio- econômica da
dos procedimentos metodológicos escola e dos alunos.
da História.
• Reconhecer os diferentes agentes
sociais e os contextos envolvidos
na produção do conhecimento his- • que as atividades são proce-
tórico. dimentos didáticos relacio-
• Ter consciência de que o objeto da nados aos aspectos metodo-
História são as relações humanas lógicos;
no tempo e no espaço.
• Perceber os processos históricos
como dinâmicos e não determina-
dos por forças externas às ações • a importância da prática pe-
humanas. dagógica interdisciplinar;
• Exercitar-se nos procedimentos
metodológicos específicos para a
produção do conhecimento histó-
rico. • que o docente é o mediador
• Praticar a interdisciplinaridade. nos processos de conheci-
mento construídos pelo alu-
Processo • Compreender o passado como no;
histórico construção cognitiva que se baseia
em registros deixados pela huma-
nidade e pela natureza (documen-
tos, fontes).
• Perceber que o fato histórico (di-
mensão micro) adquire sentido re-
lacionado aos processos históricos
(dimensão macro).
• Buscar os sentidos das ações hu-
manas que parecem disformes e
desconectadas.
• Entender que os processos sociais
resultam de tomadas de posição
diante de variadas possibilidades
de encaminhamento.
• Reconhecer nas ações e nas rela-
ções humanas as permanências
e as rupturas, as diferenças e as
semelhanças, os conflitos e as so-
lidariedades, as igualdades e as de-
sigualdades.
• Aceitar a possibilidade de várias
interpretações.
Continua...
82 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
...Continuação
Conceitos
Habilidades para o trabalho Elaboração e condução das
básicos da
com a História atividades didáticas
História
Processo • Problematizar a vida social, o pas- • que é necessário evitar a
histórico sado e o presente, na dimensão in- simples memorização e re-
dividual e social. petição de definições;
• Comparar problemáticas atuais e
de outros momentos históricos.
Tempo • Reconhecer que as formas de me- • o uso da memorização asso-
dir o tempo são produtos culturais ciado aos procedimentos de
resultantes das necessidades de compreensão, análise, sínte-
sociedades diversificadas. se, interpretação, criativida-
• Perceber que as temporalidades de, inventividade, curiosida-
históricas e as periodizações pro- de, autonomia intelectual;
postas são criações sociais.
• Estar atento às referências tempo-
rais (seqüência, simultaneidade,
periodização), que permitem ao • o cuidado em relacionar,
aluno se situar historicamente e nas atividades, competên-
ante as realidades presentes e pas- cias gerais e específicas com
sadas. conceitos estruturadores da
• Estabelecer relações entre as di- História, de forma explícita
nâmicas temporais: continuida- ou implícita;
de–ruptura,
permanências–mudanças, suces-
são–simultaneidade, antes–ago-
ra–depois.
• Perceber que os ritmos e as dura-
ções do tempo são resultantes de
fenômenos sociais e de constru-
ções culturais.
• Evitar anacronismos ao não atri-
buir valores da sociedade presente
a situações históricas diferentes.
Sujeito • Compreender que a História é
histórico construída pelos sujeitos históri-
cos, ressaltando-se:
– o lugar do indivíduo;
– as identidades pessoais e sociais;
– que a história se constrói no em-
bate dos agentes sociais, indivi-
duais e coletivos;
– que as instituições são criações
das ações sociais, no decorrer
dos tempos, e não adquirem
vontade nem ações próprias;
– a importância apenas relativa de
personalidades históricas que
ocuparamlugar mais destacado
nos processos históricos.
Trabalho • Compreender o trabalho como ele-
mento primordial nas transforma-
ções históricas.
Continua...
CONHECIMENTOS DE HISTÓRIA 83
...Continuação
Conceitos
Habilidades para o trabalho Elaboração e condução das
básicos da
com a História atividades didáticas
História
Trabalho • Entender como o trabalho está pre- • a distinção entre saber aca-
sente em todas as atividades hu- dêmico e conhecimento
manas: social, econômica, política voltado para o desenvol-
e cultural. vimento de competências,
• Perceber as diferentes formas de habilidades e conceitos, que
produção e organização da vida é próprio do ensino/aprendi-
social em que se destacam a par- zagem da escola;
ticipação de homens e mulheres,
de relações de parentesco, da co-
munidade, de múltiplas gerações
e de diversas formas de exercício • o desenvolvimento de um
do poder. conjunto de valores e atitu-
des condizentes com o exer-
Poder • Perceber a complexidade das rela- cício da cidadania plena e
ções de poder entre os sujeitos his- da democracia;
tóricos.
• Captar as relações de poder nas
diversas instâncias da sociedade,
como as organizações do trabalho
e as instituições da sociedade or-
ganizada – sociais, políticas, étnicas e
religiosas.
• Perceber como o jogo das relações
de dominação, subordinação e re-
sistência fazem parte das constru-
ções políticas, sociais e econômicas.
Cultura • Compreender a cultura como um
conjunto de representações sociais
que emerge no cotidiano da vida
social e se solidifica nas diversas
organizações e instituições da so-
ciedade.
• Perceber que as formações sociais
são resultado de várias culturas.
• Situar as diversas produções da
cultura – as linguagens, as artes, a
filosofia, a religião, as ciências, as
tecnologias e outras manifestações
sociais – nos contextos históricos
de sua constituição e significação.
• Perceber e respeitar as diversida-
des étnicas, sexuais, religiosas, de
gerações e de classes como mani-
festações culturais por vezes con-
flitantes.
Memória • Ter consciência de que a preser-
vação da memória histórica é um
direito do cidadão.
• Identificar o papel e a importância
da memória histórica para a vida
da população e de suas raízes cul-
turais.
Continua...
84 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
...Continuação
Conceitos
Habilidades para o trabalho Elaboração e condução das
básicos da
com a História atividades didáticas
História
Memória • Identificar e criticar as construções • o combate a todas as formas
da memória de cunho propagan- de preconceitos;
dístico e político.
• Valorizar a pluralidade das memó-
rias históricas deixadas pelos mais
variados grupos sociais. • a indignação diante das in-
• Atuar sobre os processos de cons- justiças.
trução da memória social, partindo
da crítica dos diversos “lugares de
memória” socialmente instituídos.
• Compreender a importância da es- • a atenção às contradições,
cola e dos alunos na preservação às mudanças e às transfor-
dos bens culturais de sua comuni- mações sociais, evitando-se
dade e região. a passividade no processo
ensino/aprendizagem.
Cidadania • Aprimorar atitudes e valores indi-
viduais e sociais.
• Exercitar o conhecimento autôno-
mo e crítico.
• Sentir-se um sujeito responsável
pela construção da História.
• Praticar o respeito às diferenças
culturais, étnicas, de gênero, reli-
giosas, políticas.
• Auxiliar na busca de soluções para
os problemas da comunidade.
• Indignar-se diante das injustiças.
• Construir a identidade pessoal e
social na dimensão histórica a par-
tir do reconhecimento do papel do
indivíduo nos processos históricos
simultaneamente como sujeito e
como produto destes.
• Ter consciência da importância
dos direitos pessoais e sociais e ze-
lar pelo cumprimento dos deveres.
• Incorporar os direitos sociais e hu-
manos além dos direitos civis e po-
líticos.
• Posicionar-se diante de fatos pre-
sentes a partir da interpretação de
suas relações com o passado.
gicos que se foram construindo, especialmente nas últimas décadas, não é possí-
vel pensar em uma metodologia única para a pesquisa e para a exposição dos re-
sultados, nem mesmo para a prática pedagógica do ensino de História. Assim, as
escolhas e as seleções estão condicionadas ao entendimento que o professor tem
a respeito dos conhecimentos históricos e do processo de ensino/aprendizagem.
gico da escola. Por isso, sua escolha não é aleatória, tendo relação também com
a concepção de História subjacente à prática pedagógica. Esse conjunto de espe-
cificidades explica a grande variedade de propostas curriculares, desde as mais
clássicas até as mais recentes tentativas de inovações. Cada uma delas apresenta
qualidades e limitações que serão avaliadas pelos professores segundo suas con-
vicções metodológicas, concepções de História, de Educação e do próprio ensino
de História. A título de exemplo, podem ser citadas:
a) o exemplo clássico de organização dos conteúdos é o que se constitui a partir
das temporalidades. Preponderante ainda na maioria das escolas brasileiras,
o tempo, considerado em sua dimensão cronológica, continua sendo a medi-
da utilizada para explicar a “trajetória da humanidade”. A periodização que se
impôs desde o século XIX – História Antiga, Medieval, Moderna e Contem-
porânea – está presente em grande parte dos livros didáticos e do currículo
das escolas. Retrocede-se às origens, estabelecendo-se trajetórias homogêne-
as do passado ao presente, em que a organização dos acontecimentos é feita
a partir da perspectiva da evolução. Por isso, o que caracteriza a organização
dos conteúdos, nesse contexto, é a linearidade e a seqüencialidade;
b) mais recentemente, vem-se tentando a superação da seqüencialidade e da li-
nearidade em alguns currículos, os quais tomam a chamada História integra-
da como fio condutor da sua organização. Assim, América e Brasil figuram
junto a povos da pré-história, da Europa e da Ásia, fazendo-se presente, por
vezes, a História da África. Nota-se em grande parte dos livros didáticos que
optam por essa forma de organizar os conteúdos de História uma diminui-
ção considerável dos assuntos referentes ao Brasil e pouquíssimo ou nenhum
espaço para a História da África;
c) há propostas diferenciadas, em que os conteúdos são organizados a partir de
temas selecionados ou eixos temáticos, esperando-se maior liberdade e cria-
tividade por parte dos professores. A organização e a seleção dos conteúdos a
partir de uma concepção ampliada de currículo escolar foram elaboradas de
forma mais sistematizada e aprofundada nas propostas dos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais para o Ensino Fundamental, assim como para o Ensino
Médio. Nas Orientações Educacionais Complementares, PCN+ Ensino Mé-
dio de 2002, a opção pela organização programática de assuntos a partir de
eixos temáticos é assumida na apresentação geral para as Ciências Humanas
e para todas as disciplinas da área;
d) nota-se ainda uma via intermediária: mantém-se a opção pela exposição cro-
nológica dos eventos históricos consagrados pela historiografia, mas agora
intercalada ou informada por exercícios e atividades chamados estratégicos,
CONHECIMENTOS DE HISTÓRIA 89
por meio dos quais os alunos são levados a perceber todos os meandros da
construção do conhecimento histórico, instados a se envolver nas proble-
máticas comuns ao presente e ao passado estudado e encorajados a assumir
atitudes que os levem a posicionar-se como cidadãos. Aproximam-se assim
as preocupações com a seqüencialidade dos conteúdos e as finalidades da
educação na formação de indivíduos conscientes e críticos, com autonomia
intelectual;
e) outra construção possível, algumas vezes praticada, consiste em manter, como
fio organizador, a periodização consagrada como “pano de fundo” para a ela-
boração de problemáticas capazes de atingir o objetivo de tornar significativa
a aprendizagem da História. A estruturação temática possibilita discussões
de ordem historiográfica em diferentes períodos históricos e abre a possibi-
lidade de se considerarem os momentos históricos na dimensão da sucessão,
da simultaneidade, das contradições, das rupturas e das continuidades. A
cronologia não é simplesmente linear, pois leva em consideração que tempos
históricos são passíveis de diversificados níveis e ritmos de duração;
f) muitas outras experiências de composição curricular poderiam ainda ser
elencadas. Basta lembrar que, em muitos casos, a organização dos conteúdos
é assumida de forma responsável pelos professores, tendo como referência
suas experiências docentes ou as orientações dos órgãos responsáveis pelas
políticas educacionais dos estados e dos municípios. Há Secretarias Estaduais
de Educação que, com maior ou menor intensidade e envolvimento, têm
trabalhado no sentido de estabelecer diretrizes ou roteiros para as organiza-
ções curriculares da História, cuja diversidade pode ser verificada a partir das
possibilidades já apontadas.
Por fim, ressalta-se que ainda é muito raro encontrar nas organizações cur-
riculares, tanto das escolas como dos livros didáticos, a importância que mere-
ce a História da África. Essa lacuna, que está sendo revista paulatinamente pela
produção historiográfica, deverá ser eliminada por causa do papel histórico que
os africanos trazidos para o Brasil desempenharam na construção da socieda-
de brasileira, assim como pela importância da herança cultural que vem sendo
construída pelos brasileiros de origem africana. A força do Decreto Lei nº 10.639,
que torna obrigatório o ensino da História da África, não terá respaldo se a his-
toriografia não der ainda maior impulso à cultura africana no Brasil. É de se
ressaltar a clareza com que a LDB, em seu artigo 26, se refere à questão:
Art. 26A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasi-
90 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
Leitores Críticos
Ileizi Luciana Fiorelli Silva
Pedro Conteratto
Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Capítulo
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
4 CONHECIMENTOS
DE SOCIOLOGIA
INTRODUÇÃO
Entre 1925 e 1942, com a vigência da Reforma Rocha Vaz e depois com a de
Francisco Campos (1931), a Sociologia passa a integrar os currículos da escola
secundária brasileira, normal ou preparatória, chegando a figurar como exigência
até em alguns vestibulares de universidades
importantes. A primeira parte desse perío-
Entre 1925 e 1942, com
do pode ser entendida como de constitui-
a vigência da Reforma
ção e crescimento da demanda em torno
Rocha Vaz e depois com
das Ciências Sociais, não só da Sociologia.
a de Francisco Campos
Assim, em 1933 e 1934, aparecem os cursos
(1931), a Sociologia
superiores de Ciências Sociais, na Escola Li-
passa a integrar os
vre de Sociologia e Política, na Faculdade de
currículos da escola
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
secundária brasileira ...
de São Paulo e na Universidade do Distrito
Federal.
A partir de 1942, a presença da Sociologia no ensino secundário – agora
denominado especificamente colegial – começa a se tornar intermitente. Per-
manece no curso normal, às vezes como Sociologia Geral e quase sempre como
Sociologia Educacional, mas no curso “clássico” ou no “científico” praticamente
desaparece, visto que aí predominam disciplinas mais voltadas para a natureza
dos cursos: Letras ou Ciências Naturais. Com a primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação – LDB (Lei nº 4.024/61), a Sociologia permanece como disciplina
optativa ou facultativa nos currículos. A LDB seguinte, Lei nº 5.692/71, mantém
esse caráter optativo, raramente aparecendo a Sociologia senão quando vincula-
da ao curso que, obrigatoriamente, deveria ser profissionalizante. Assim, quando
aparece, a Sociologia está também marcada por uma expectativa técnica. Nos
cursos de magistério – nova nomenclatura com que aparece o curso normal –, a
Sociologia da Educação cumpre aquele objetivo original – dar um sentido cien-
tífico às discussões sobre a formação social e os fundamentos sociológicos da
educação.
A crise do “milagre econômico brasileiro”, na passagem da década de 1970
para a de 1980, acaba revelando os limites para sustentar a escola média pro-
fissionalizante obrigatória: não há demanda para tantos técnicos assim, nem
há condições materiais objetivas para a formação desses técnicos, pois faltam
equipamentos, professores e recursos. Assim, em 1982, como parte da “abertura
lenta, gradual e segura”, ainda que tardiamente, o governo flexibiliza a legislação
educacional com a Lei nº 7.044/82 e revoga a obrigatoriedade do ensino profis-
sionalizante, abrindo a possibilidade de os currículos serem diversificados. Apro-
veitando essa oportunidade, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo,
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA 103
por exemplo, passa a recomendar que as escolas incluam em seus currículos So-
ciologia, Filosofia e Psicologia. Começa, então, uma longa retomada da presen-
ça da disciplina nas escolas secundárias propedêuticas, ao lado da Sociologia da
Educação nos cursos de Magistério. São realizados concursos para professores
em São Paulo e em outros estados, elaboradas propostas programáticas; publica-
dos novos livros didáticos e até são feitas algumas pesquisas. Em pouco mais de
uma década, vários estados vão tornando a Sociologia obrigatória, de modo que
seja consolidada sua presença nos currículos.
Com a nova LDB – Lei nº 9.394/96 –, parece que finalmente a Sociologia
se torna obrigatória como disciplina integrante do currículo do ensino médio.
Em seu Artigo 36, § 1º, Inciso III, há a determinação de que “ao fim do ensino
médio, o educando deve apresentar domínio de conhecimentos de Filosofia e
Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. No entanto, uma interpretação
equivocada, expressa a partir das Diretrizes
Curriculares Nacionais do Ensino Médio
... a disciplina Sociologia (DCNEM), do Parecer CNE/CEB 15/98 e da
tem uma historicidade Resolução CNE/CEB 03/98, contribui para
bastante diversa de uma inversão de expectativas: ao contrário
outras disciplinas do de confirmar seu status de disciplina obriga-
currículo ... tória, seus conteúdos devem ser abordados
de maneira interdisciplinar pela área das
Ciências Humanas e mesmo por outras dis-
ciplinas do currículo. Em alguns estados essa interpretação é rechaçada, e a obri-
gatoriedade da Sociologia nos currículos de ensino médio é implementada. No
entanto, a institucionalização dessa conquista em âmbito nacional vem sofrendo
reveses como o veto do presidente da República à emenda à LDB aprovada pelo
Congresso Nacional; o veto do governador de São Paulo ao projeto aprovado na
Assembléia Legislativa; e pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE)
contra a obrigatoriedade da disciplina.
A partir desse quadro, têm-se alguns dados importantes para reflexão. Pri-
meiramente, a disciplina Sociologia tem uma historicidade bastante diversa de
outras disciplinas do currículo, tanto em relação àquelas do campo das lingua-
gens como em relação às das Ciências Humanas, mas sobretudo das Ciências
Naturais. É uma disciplina bastante recente – menos de um século, reduzida sua
presença efetiva à metade desse tempo; não se tem ainda formada uma comuni-
dade de professores de Sociologia no ensino médio, quer em âmbito estadual, re-
gional ou nacional, de modo que o diálogo entre eles tenha produzido consensos
a respeito de conteúdos, metodologias, recursos, etc., o que está bastante avança-
104 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
ausência. Entre 1931 e 1942, especialmente após 1937, a Sociologia está presente
e é obrigatória no currículo em um período que abrange um governo que come-
ça com esperanças democratizantes e logo se tinge de autoritarismo, assumindo
sua vocação ditatorial mais adiante. Em outro momento, em plena democracia, o
sentido do veto do Presidente da República (2001) à inclusão da Sociologia como
disciplina obrigatória traz uma certa dificuldade para essa hipótese. O que se
entende é que nem sempre a Sociologia teve um caráter crítico e transformador,
funcionando muitas vezes como um discurso conservador, integrador e até cívi-
co – como aparece nos primeiros manuais da disciplina. Não se pode esquecer
que a Sociologia chegou ao Brasil de mãos dadas com o positivismo. No caso re-
cente, deve-se entender que a ausência da disciplina se prende mais a tensões ou
escaramuças pedagógico-administrativas que propriamente a algum conteúdo
ideológico mais explícito.
A presença da Sociologia no currículo do ensino médio tem provocado mui-
ta discussão. Além dessa justificativa que se tornou slogan ou clichê - j“formar o
cidadão crítico” –, entende-se que haja outras mais objetivas decorrentes da con-
cretude com que a Sociologia pode
contribuir para a formação do jovem
É possível, observando
brasileiro: quer aproximando esse jo-
as teorias sociológicas,
vem de uma linguagem especial que
compreender os elementos
a Sociologia oferece, quer sistemati-
da argumentação – lógicos
zando os debates em torno de temas
e empíricos – que justificam
de importância dados pela tradição
um modo de ser de uma
ou pela contemporaneidade. A So-
sociedade, classe, grupo social
ciologia, como espaço de realização
das Ciências Sociais na escola média,
pode oferecer ao aluno, além de informações próprias do campo dessas ciências,
resultados das pesquisas as mais diversas, que acabam modificando as concepções
de mundo, a economia, a sociedade e o outro, isto é, o diferente – de outra cultura,
“tribo”, país, etc. Traz também modos de pensar (Max Weber, 1983) ou a reconstrução
e desconstrução de modos de pensar. É possível, observando as teorias sociológicas,
compreender os elementos da argumentação – lógicos e empíricos – que justificam
um modo de ser de uma sociedade, classe, grupo social e mesmo comunidade. Isso
em termos sincrônicos ou diacrônicos, de hoje ou de ontem.
Um papel central que o pensamento sociológico realiza é a desnaturalização
das concepções ou explicações dos fenômenos sociais. Há uma tendência sem-
1
Efeito de naturalização: fazer parecerem naturais certas construções sociais; por exemplo: a dominação masculina fun-
damentada em uma possível superioridade biológica.
106 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
doença também tem explicações, mesmo que não se tenha chegado a terapias to-
talmente exitosas para sua cura; ou do mesmo modo que as guerras, as mudanças
de governo podem ser estudadas pela História ou os cataclismos naturais, pela
Geografia; os fenômenos sociais merecem ser compreendidos ou explicados pela
Sociologia. Mas só é possível tomar certos fenômenos como objeto da Sociologia
na medida em que sejam submetidos a um processo de estranhamento, que se-
jam colocados em questão, problematizados.
Muitas vezes as explicações mais imediatas de alguns fenômenos acabam
produzindo um rebaixamento nas explicações científicas, em especial quando
essas se popularizam ou são submetidas a processos de divulgação midiáticos,
os quais nem sempre conservam o rigor original exigido no campo científico.
Do mesmo modo que explicações econômicas se popularizaram, sendo repeti-
das nas esquinas, nas mesas de bares, etc. e assim satisfazendo as preocupações
imediatas dos indivíduos, alguns outros fenômenos recebem explicações que não
demandam elaborações mais profundas e permanecem no senso comum para as
pessoas.
O exemplo tomado por Durkheim – o suicídio – pode servir para se compre-
ender esse processo de estranhamento realizado pela ciência em relação a fatos
que, à primeira vista, não têm nem precisam de nenhuma explicação mais pro-
funda. A partir de estudos estatísticos – tabelas de séries históricas da ocorrência
do fenômeno em vários países e períodos determinados –, Durkheim conclui
que, quando se observa o suicídio na sua regularidade e periodicidade, percebe-
se que suas causas estão fora do indivíduo, constituindo um fato social tal como
o autor o define: exterior, anterior, coercitivo aos indivíduos. Estranhar o fenô-
meno “suicídio” significa, então, tomá-lo não como um fato corriqueiro, perdido
nas páginas policiais dos jornais ou boletins de ocorrência de delegacias, e sim
como um objeto de estudo da Sociologia; e procurar as causas externas ao indi-
víduo, mas que têm decisiva influência sobre esse, constitui um fenômeno social,
com regularidade, periodicidade e, nos limites de uma teoria sociológica, uma
função específica em relação ao todo social.
Entende-se que esse duplo papel da Sociologia como ciência – desnatura-
lização e estranhamento dos fenômenos sociais – pode ser traduzido na escola
básica por recortes, a que se dá o nome de disciplina escolar. Sabemos, mas sem-
pre é bom lembrar, que os limites da ciência Sociologia não coincidem com os da
disciplina Sociologia, por isso falamos em tradução e recortes. Deve haver uma
adequação em termos de linguagem, objetos, temas e reconstrução da história
das Ciências Sociais para a fase de aprendizagem dos jovens – como de resto se
sabe que qualquer discurso deve levar em consideração o público-alvo.
108 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
sobretudo a mediação (ou o meio) com que se apresenta essa mensagem. É estra-
nho que entre cientistas sociais a linguagem com que ensinam as Ciências Sociais
não seja posta em relevo, e sobre ela também se apresentem questionamentos. O
que se quer dizer é que uma dimensão importante do ensino – em qualquer nível
– é a percepção sobre o modo de exposição ou a linguagem com que se apresenta
esse ensino. A linguagem da Sociologia não nos deve passar despercebida, sob
pena não só de um empobrecimento do que é ensinado e aprendido, mas so-
bretudo de se passar a idéia de que existiria uma “linguagem dos fatos” (Popper,
1974), de que não existiria mediação entre o sujeito e o mundo, ou mesmo que
a linguagem da Sociologia fosse “transparente” e não constituísse um problema
sociológico. (Isso explica as nossas opções, apresentadas mais à frente, em termos
de conteúdos e metodologias.)
As razões pelas quais a Sociologia deve estar presente no currículo do ensino
médio são diversas. A mais imediata, e de que já se falou, mas não parece sufi-
ciente, é sobre o papel que a disciplina desempenharia na formação do aluno e
em sua preparação para o exercício da cidadania. Isso se tem mantido no registro
do slogan ou clichê; quer-se ultrapassar esse nível discursivo e avançar para a
concretização dessa expectativa.
Para dar um conteúdo concreto a essa expectativa, pensa-se, então, numa
disciplina escolar no ensino médio que fosse a tradução de um campo cientí-
fico específico – as Ciências Sociais. Não se pode entender que entre os 15 e os
18 anos, após oito, nove, 10 anos de escolaridade, o jovem ainda fique sujeito a
aprender “noções” ou a exercitar a mente em debates circulares, aleatórios e ar-
bitrários. Parece que nessa fase de sua vida a
curiosidade vai ganhando certa necessidade
de disciplinamento, o que demanda proce- O acesso às ciências
dimentos mais rigorosos, que mobilizem ra- e às artes deve ser
zões históricas e argumentos racionalizantes entendido nesse
acerca de fenômenos naturais ou culturais. projeto: a escolha pelo
Mesmo quando está em causa promover a homem de ser mais
tolerância ou combater os preconceitos, a humano.
par de um processo de persuasão que pro-
duza a adesão a valores, resta a necessidade
de construir e demonstrar a “maior” racionalidade de tais valores diante dos cos-
tumes, das tradições e do senso comum. Trata-se, recorrendo a Antônio Cândido,
de “humanizar o homem” (Cândido, 1995). O acesso às ciências e às artes deve
ser entendido nesse projeto: a escolha pelo homem de ser mais humano. Ora, há
muito que as Ciências Sociais têm feito essa opção. Repugna ao cientista social
110 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
[...] as implicações desse ponto de vista foram condensadas por Mannheim sob a
epígrafe “do costume às ciência sociais” e formuladas de uma maneira vigorosa,
com as seguintes palavras: “enquanto o costume e a tradição operam, a ciência
da sociedade é desnecessária. A ciência da sociedade emerge quando e onde o
funcionamento automático da sociedade deixa de proporcionar ajustamento.
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA 111
Outra razão se deve à idéia seguinte: pelo fato de tanto a História quanto a Ge-
ografia, como ciências ou disciplinas escolares, terem sofrido influências decisivas
das Ciências Sociais desde os fins do século XIX, influências que mudaram defini-
tivamente seus padrões de pesquisa e compreensão dos fenômenos históricos e ge-
ográficos, então as Ciências Sociais já esta-
riam sendo “contempladas” pelos produtos
... a fronteira entre as
daquelas ciências, particularmente pelas
Ciências Sociais e a
disciplinas escolares. Não é o que ocorre
História e a Geografia
na verdade: quando uma narrativa histo-
não deve constituir
riográfica ou a descrição geográfica traz os
impedimento para um
fatos sociais para o contexto dos “seus” te-
diálogo entre elas ...
mas, não percorre todas as conseqüências
nem apresenta todos os pressupostos das
teorias das Ciências Sociais. Muitas vezes é quase uma transcrição indevida dessas
teorias, mas que nunca ocorre com a paciência e a especificidade próprias das Ci-
ências Sociais, uma vez que o que está em causa é preservar a linguagem, a metodo-
logia e o objeto peculiar dessas ciências (História e Geografia). O fenômeno social
ocorre, por certo, num tempo e num espaço, mas não se reduz a essas dimensões,
pois suas características são definidas por leis próprias, específicas das relações so-
ciais. Há aqui, como diria Durkheim, algo a mais – e sua explicação, sua significação
e seu sentido vão depender das teorias das Ciências Sociais, variando de autor para
autor, tal como acontece no campo das Ciências Humanas. No entanto, a fronteira
entre as Ciências Sociais e a História e a Geografia não deve constituir impedimen-
to para um diálogo entre elas ou para uma atuação em conjunto. Ao se tomar um
fenômeno como objeto de pesquisa ou de ensino, podem-se reconhecer tanto os
limites como as possibilidades que cada ciência tem para tentar compreendê-lo ou
falar dele. Certamente esses objetos não são exclusivos de uma determinada ciência,
mas deve-se atentar para as diferenças de tratamento, da própria linguagem com
que cada ciência fala dele, das metodologias, dos aspectos ressaltados, e perceber
até que ponto uma ciência aprofunda tal objeto, ou ainda tem um conhecimento
precário acerca dele. Esses procedimentos – que muitos chamam de interdiscipli-
naridade, outros de multidisciplinaridade e outros ainda de transdisciplinaridade,
porque ainda não se conseguiu unificar ou homogeneizar a linguagem pedagógica
– são tanto mais profícuos quanto menos ilusões e entusiasmos se tiver ao exercitá-
los. Aqui a parcimônia ainda é a melhor conselheira.
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA 113
cioná-los com a sociedade de agora e com aquela que se estará constituindo nos
próximos anos. Afinal, em pleno século XXI, as transformações que estão sendo
anunciadas e com certeza virão exigem que a Sociologia esteja presente nesse
debate. Mas para participar dele é necessária uma interlocução com as ciências
(disciplinas) naturais que desenvolvem esses saberes e com eles afetam a sociabi-
lidade contemporânea.
Com relação à Matemática, a Sociologia tem-se valido enormemente dela
nas suas pesquisas quantitativas, e, em boa medida, da Estatística. Esse ramo da
Matemática tem tido papel decisivo em pesquisas de campo das Ciências Políti-
cas, por exemplo no que se refere ao comportamento eleitoral. De modo que um
possível tópico de um programa de Sociologia no ensino médio é trabalhar com
tabelas e gráficos, sem o que parte relevante dos conhecimentos sociológicos e
políticos ficaria ignorada.
Com as Artes, ou no caso específico da Literatura (Brasileira e Portuguesa), a
simbiose é mais acentuada. Não há teoria estética, história da arte, crítica literária
que prescindam inteiramente de fundamentos sociológicos. O contexto social – o
público, por exemplo – é um elemento impossível de se ignorar quando está em
causa o estudo da obra de arte. Por outro lado, parte do exercício de compreensão
da sociedade feito pelas Ciências Sociais só foi possível com o recurso a obras de
arte, em especial à Literatura, e não haveria exagero em dizer que muita obra lite-
rária é animada por uma perspectiva sociológica, mas infelizmente os sociólogos
raramente incorporam uma perspectiva literária quando escrevem...
Há uma Sociologia da Arte, do Cinema, da Literatura, do Teatro, a mostrar que
esses fenômenos são compreendidos rigorosamente como fenômenos sociais, tal
como a religião, a cidade (Sociologia Urbana), o campo (Sociologia Rural), etc.
Seria ocioso percorrer as possíveis relações entre as Ciências Sociais e as
outras ciências, ou entre a disciplina Sociologia e as outras disciplinas da esco-
la média. Acredita-se que sem muito esforço, mas também sem artificialismos
constrangedores, seja possível efetivar um trabalho em equipe contando com
professores de Sociologia e das demais disciplinas ao tratar de um tema, de um
fato ou de um conceito.
Resta ainda uma referência necessária sobre a presença da Sociologia no en-
sino médio. A escola como instituição social pode ser objeto de estudo da So-
ciologia e tornar-se um tópico do programa do curso – aliás, entre nós, o estu-
do da educação e da escola constituíram mesmo um capítulo da Sociologia da
Educação, momento importante da formação, da consolidação e do prestígio da
Sociologia brasileira. Pode-se também tomar a própria escola onde o professor
trabalha como objeto de estudo e com isso ensejar pesquisas quantitativas e qua-
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA 115
Pelos motivos apresentados na primeira parte, fica claro que, diferentemente das
outras disciplinas escolares, a Sociologia não chegou a um conjunto mínimo de
conteúdos sobre os quais haja unanimidade, pois sequer há consenso sobre al-
guns tópicos ou perspectivas. Se forem considerados uns 10 casos de propostas
programáticas2 de 10 professores, certamente se encontrarão uns dois tópicos
comuns, ainda assim não idênticos. Um talvez seja “Introdução à Sociologia”,
que consiste na definição da ciência, seu objeto e principais temas ou conceitos;
outro, recorrente, pode ser uma “História da Sociologia”, em especial que trate da
tríade de autores clássicos – Marx, Weber e Durkheim –, que muitas vezes percor-
re um curso inteiro dando a impressão de que tais autores são complementares
e obrigatórios. Sabe-se que nem uma coisa nem outra. Há entre eles possíveis
interseções quando tratam dos mesmos objetos ou se referem aos mesmos con-
ceitos. No entanto, pode ocorrer aí oposição e significação diversa, mostrando
que eles não coincidem. Por vezes, há entre esses autores “vazios teóricos”, isto é,
2
Expressão usada aqui pela sua objetividade e não necessariamente pela sua validade.
116 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
fenômenos de que suas teorias não dão conta, quer pela inexistência de tais fe-
nômenos na época quer pelos limites da própria teoria. Como se sabe, as teorias
respondem aos problemas de sua época, e os autores dialogam com seu tem-
po. Assim, outros autores impuseram-se e também já podem ser considerados
clássicos porque acrescentaram outros modelos explicativos ou compreensivos
acerca de fenômenos que ou surgiram depois daqueles autores pioneiros ou que
eles não conseguiram responder ou sequer circunscrever. Assim, dependendo do
recorte que se faz, certos autores são obrigatórios e outros não, inclusive aqueles
tidos como incontornáveis, sem contar que certos autores contemporâneos tra-
zem em suas teorias referências implícitas àqueles da tradição.
Essa aparente desvantagem da So-
ciologia em relação a outras disciplinas
... as teorias respondem
escolares – não ter um corpus consensu-
aos problemas de sua
almente definido e consagrado – pode se
época, e os autores
revelar uma vantagem, no entanto. É cer-
dialogam com seu tempo.
to que pode trazer um questionamento
da parte de outros professores e mesmo
alunos, ferindo sua legitimidade já tão
precária diante do currículo, mas também é certo que, pelas mãos das recentes e
predominantes concepções pedagógicas – os construtivismos, por exemplo –, há
um questionamento e uma revisão da organização curricular de todas as outras
disciplinas. Questiona-se, por exemplo, a idéia de pré-requisito, isto é, que um
tópico dependa de outros anteriores para ser desenvolvido, negando-se, portan-
to, a idéia de seqüência estabelecida entre os tópicos. Nesse sentido, a Sociologia
fica à vontade. Por um lado, a não existência de conteúdos consagrados favore-
ceria uma liberdade do professor que não é permitida em outras disciplinas, mas
também importa numa certa arbitrariedade ou angústia das escolhas... Bem se
entende que essa situação também é resultado tanto da intermitência da pre-
sença da Sociologia no ensino médio quanto da não constituição ainda de uma
comunidade de professores da disciplina, comunidade que possa realizar encon-
tros, debates e a construção de, senão unanimidades – que também não seriam
interessantes –, ao menos consensos ou convergências a respeito de conteúdos e
metodologias de ensino.
a) Conceitos
Os conceitos são elementos do discurso científico que se referem à realidade con-
creta. O discurso sociológico merece um tratamento especial em sala de aula. Por
isso, em parte, o trabalho do professor de Sociologia consiste numa tradução, ou
o que no campo das Ciências Naturais muitos chamam de alfabetização científica.
Trabalhar com conceitos requer inicialmente que se conheça cada um deles em
suas conexões com as teorias, mas que se cuide de articulá-los com casos concre-
tos (temas). Isso se torna fundamental para que, ao se optar por esse recorte –
conceitos –, não se conduza o trabalho em sala de aula como se fosse a produção
118 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
b) Temas
Pode-se trabalhar com muitos temas, e, dependendo do interesse do professor,
dos alunos e também da própria escola, adequar essa escolha à própria realidade.
Assim, por exemplo, é possível considerar como atuais dois importantes temas
que, sob certo aspecto, são antigos: violência e globalização.
O tema violência pode ser abordado levando em conta onde ela acontece e a
forma como costuma se manifestar. Isso leva a situações concretas e importa no
120 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
uso de conceitos, bem como de teorias, para explicar tais situações e manifesta-
ções. Assim, pode-se encontrar a violência nas relações pessoais ou nas relações
entre o indivíduo e as instituições, como ela aparece na escola e por que alguns a
chamam de violência simbólica. Há o uso legítimo da violência pelo Estado e seu
uso abusivo pelo mesmo Estado, em momentos de crise institucional, repressão
política, censura, etc. Há violência nos meios de comunicação, nos movimentos
sociais, nos processos de transformação das diferentes sociedades, patrocinada
por governos à direita ou à esquerda.
Como se pode perceber, a “questão da violência” não está apenas ligada à
criminalidade, e fazer uma análise enfocando somente essa dimensão significa-
ria permanecer nas aparências da questão, no que é mais visível, ou, no limite,
dando-lhe um enfoque ideológico ou preconceituoso. A Sociologia preocupa-se
com a análise de todas as formas de violência para poder dar uma visão ampla do
fenômeno e explicar como ele acontece
na nossa sociedade.
A globalização também é outro ... o recurso aos temas
tema muito recorrente. Pelas conseqüên- visa articular conceitos,
cias que vem provocando, ela pode es- teorias e realidade social
tar presente nas discussões do processo partindo-se de casos
educacional (socialização, mundializa- concretos ...
ção da educação), dos movimentos so-
ciais, da cultura em geral e da indústria
cultural, das relações de trabalho, das questões ambientais, da estruturação do
Estado nacional, etc., além, é óbvio, dos processos econômicos – seu aspecto mais
visível. É um tema extremamente vasto e com uma bibliografia ampla, o que re-
quer um conhecimento sempre atual sobre o assunto. Trabalhar a história da glo-
balização, como ela se desenvolve, quais as teorias que abordam esse fenômeno,
como contemporaneamente se trata essa temática, é algo necessário para depois
analisar as questões específicas relativas à sua presença no cotidiano das pessoas.
Quando se propõe o recorte de temas para o ensino da Sociologia, não se faz
isso pensando analisar os chamados “problemas sociais emergentes” de forma
ligeira e imediatista. Muitas vezes, sem se preocupar muito com o que vai ser
analisado, o professor propõe: “Hoje vamos discutir um assunto muito impor-
tante: a sexualidade”, e a partir daí vai perguntando aos alunos o que eles acham
disso ou daquilo. Assim, o que se tem no final é uma coleção de obviedades ou
manifestações do senso comum. Ora, a Sociologia posiciona-se contra esse tipo
de abordagem, e o recurso aos temas visa a articular conceitos, teorias e realida-
de social partindo-se de casos concretos, por isso recortes da realidade em que
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA 121
se vive. Não se pode tratá-los como se fossem “coelhos tirados de uma cartola”,
numa apresentação de mágica. Assim, temas escolhidos pelo professor e pelos
alunos, como menor abandonado, gravidez na adolescência, violência e criminali-
dade, desemprego, etc. são importantes no cotidiano e não podem ser tratados de
modo desconectado da realidade em que se inserem, mas também não devem ser
apresentados sem uma articulação com os conceitos e as teorias que podem ex-
plicá-los. A idéia de recorte aqui não significa “colcha de retalhos” nem fragmen-
tos, mas uma perspectiva de abordagem: há costura e composição, viabilizadas
pela intervenção do professor com o auxílio das teorias e dos conceitos.
A vantagem de se iniciar o trabalho de ensino com temas é evitar que os alu-
nos sintam a disciplina como algo estranho, sem entender por que têm mais uma
disciplina no currículo e para que ela serve. Discutir temas sempre que possível do
interesse imediato deles permite ao professor desencadear um processo que vai
desenvolver uma abordagem sociológica mais sólida de questões significativas
sem que isso represente um trabalho muito complexo, abstrato e, por vezes, árido.
A desvantagem de se trabalhar
com temas é a necessidade de o profes-
... uma teoria “reconstrói”
sor ter uma capacidade analítica muito
a realidade, tentando dar
grande e um amplo conhecimento da
conta dos fatores que a
realidade da sociedade em que vive, pois
produziram e dos seus
do contrário será apenas uma saída para
possíveis desdobramentos.
tornar as aulas mais interessantes, ou,
como se disse acima, apenas uma rela-
ção de temas sem conexão entre si, com a história e as teorias que possam explicá-los
– uma banalização e uma perda de tempo. Não se pode reduzir essa abordagem a
coletar informações em jornais e revistas sobre esta ou aquela temática, pois é neces-
sário fundamentar o debate em bases teóricas e construir um discurso sobre os temas
com bases conceituais rigorosas.
Outros temas que podem ser incluídos em um programa: questão racial, et-
nocentrismo, preconceito, violência, sexualidade, gênero, meio ambiente, cida-
dania, direitos humanos, religião e religiosidade, movimentos sociais, meios de
comunicação de massa, etc.
c) Teorias
É muito comum encontrarem-se programas de Secretarias Estaduais de Educa-
ção ou de escolas isoladas que contenham conteúdos de teorias clássicas: análise
dialética (Marx), análise funcionalista (Durkheim) e análise compreensiva (We-
ber). Trabalhar com as teorias clássicas ou contemporâneas impõe a necessidade
122 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Para uma pesquisa de campo, isto é, na qual os alunos vão levantar dados di-
retamente com a população-alvo, é preciso que eles tomem outros cuidados, tais
como preparar a pesquisa com antecipação, o que engloba discutir o tema, defi-
nir o objeto, os instrumentos; fazer um roteiro; aplicar um pré-teste nos instru-
mentos; enfim, todas as precauções para que a pesquisa não seja viciada. Assim,
ao utilizar a história de vida, o questionário, a entrevista, é necessário que o aluno
conheça cada uma dessas técnicas, seus limites e possibilidades, para saber o que
está fazendo e como fazer, o que vai encontrar em cada uma delas e por que elas
são, muitas vezes, usadas complementarmente. Com isso, desde o ensino médio,
o professor deve ensinar que fazer pesquisa requer uma série de procedimentos
prévios, e isso constitui, certamente, um tópico do programa da disciplina.
tado muito aquém do esperado. É o caso dos seminários, que muitas vezes são
entendidos como uma forma de o professor descansar, pois eles são realizados
de modo que o mestre define vários temas sobre um determinado assunto, divi-
de a turma em tantos grupos quantos forem os temas e depois diz: agora vocês
procurem tudo o que existe sobre este tema e apresentem segundo o calendário
predeterminado. Assim, nos dias definidos, os grupos de alunos trazem o que en-
contraram e “apresentam” o que “pesquisaram” para o conjunto da sala. É preciso
dizer que um seminário é algo completamente diferente e requer um trabalho
muito grande do professor. Ele deve organizar os grupos, distribuir os temas,
mas orientar cada um deles a respeito de uma bibliografia mínima, analisar o
material encontrado pelos grupos, estar presente, intervir durante a apresentação
e “fechar” o seminário. Dessa forma, o professor auxiliará os alunos na produção
e na apresentação do seminário, complementando o que possivelmente tiver sido
deixado de lado. Possibilitará aos alunos a oportunidade de pesquisarem e de ex-
porem um determinado tema, desenvolvendo uma autonomia no processo e na
exposição dos resultados da pesquisa.
Excursões, visita a museus, parques ecológicos – É possível afirmar que es-
sas práticas são as mais marcantes para a vida do estudante. Guardam em si a
expectativa de se desviar completamente da rotina da sala de aula e de se realizar
uma experiência de aprendizado que jamais será esquecida. A escola que puder
propiciar a seus alunos esse tipo de experiência deve fazê-lo. Mas quando o custo
da excursão é impraticável, uma simples caminhada ao redor do quarteirão ou
pelas ruas do bairro da escola, se forem levados em conta aqueles procedimen-
tos críticos de estranhamento e desnaturalização, pode guardar riquezas visuais
interessantíssimas e capazes de propiciar discussões voltadas para a questão dos
direitos e dos deveres do cidadão, a preservação ambiental, as políticas públicas,
a cultura, enfim, um leque de possibilidades voltadas aos objetivos da Sociologia
no ensino médio.
Leitura e análise de textos – Os textos sociológicos (acadêmicos ou didáticos),
de autores ou de comentadores, devem servir de suporte para o desenvolvimento
de um tema, ou para a exposição e análise de teorias, ou, ainda, para a explicação
de conceitos. Eles não “falam” por si sós, dependem de ser contextualizados e anali-
sados no conjunto da obra do autor, precisando da mediação do professor. Ou seja,
os alunos precisam saber quem escreveu, quando e em vista do que foi escrito o
texto, a fim de que este não seja tomado como verdade nem tenha a função mágica
de dizer tudo sobre um assunto. A leitura e a interpretação do texto devem ser en-
caminhadas pelo professor, despertando no aluno o hábito da leitura, a percepção
da historicidade e a vontade de dizer algo também sobre o autor e o tema abordado,
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA 129
3
Cf. BITTENCOURT, C. Cinema, vídeo e ensino de história. São Paulo, USP (mimeo.), 1993; VESENTINI, C. A. História
e ensino: o tema do sistema de fábrica visto através de filmes, Anais do Seminário Perspectivas do Ensino de História,
Feusp, 1988; Lições com cinema, Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, FDE, 1992; ROCHA, A. P. O filme: um
recurso didático no ensino da história?; FRANCO, M. S. A natureza pedagógica das linguagens audiovisuais; PICCHIA-
RINI, R. A constante abstração na produção cinematográfica.
130 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
4
“Os grandes autores de cinema nos pareceram confrontáveis não apenas com pintores, arquitetos, músicos, mas também
com pensadores. Eles pensam com imagens-movimento e com imagens-tempo, em vez de conceitos.” Cf. DELEUZE, G.
Cinema 1 - A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense,1985.
CONHECIMENTOS DE SOCIOLOGIA 131
alidade social, apresentando-a de forma crítica e com muito humor. Mas as char-
ges, os cartuns e as tiras não são todos iguais. Existem alguns que apenas apresen-
tam uma situação engraçada ou procuram fazer rir. Outros, entretanto, podem
fazer rir, mas também fazem pensar sobre o tema ou a realidade que apresentam.
É esse tipo de humor gráfico que interessa ao professor que quer introduzir uma
determinada questão, seja conceitual ou temática. Ao projetar em sala de aula
uma charge ou tira de humor, é bem possível que os alunos se sintam instigados
a saber o porquê de o professor fazer aquilo. A partir dessa situação, já se cria um
ambiente para colocar em pauta o que se pretendia discutir naquela aula. Aí co-
meça a motivação, e a imagem projetada serve de estímulo. Inicia-se, então, uma
segunda parte, que é analisar a imagem, seus elementos, por que provoca o riso,
de que modo esse discurso se aproxima e se distancia do discurso sociológico,
como a “deformação” sugerida pela imagem acerca da realidade representa uma
realidade em si mesma “deformada”...
2 À GUISA DE CONCLUSÃO
Visa-se com esta proposta a evitar os efeitos negativos que poderiam advir da apre-
sentação de um programa ou lista de conteúdos para a disciplina, quer pelo caráter
oficial que pudesse assumir e então ser entendido como obrigatório, aceito ou rejei-
tado por ser oficial, quer pela supressão da liberdade e pelo exercício da criatividade
que os professores devem manter e que seriam importantes para a consolidação da
disciplina, tendo em vista a variedade de experiências de ensino que pode produzir.
Por esses motivos, esta proposta apresenta-se como mais um passo num pro-
cesso que, se espera, seja de consolidação definitiva da presença da disciplina no
currículo do ensino médio, processo descrito na primeira parte desta exposição,
que continua com ela e segue com os próprios professores. Assim, o que se ofe-
rece é um ponto de partida, antes de tudo uma avaliação das vantagens e des-
vantagens de um ou outro recorte programático, e sugestões metodológicas de
ensino, além de breve discussão acerca de recursos didáticos. Tudo isso deve ser
entendido como uma tentativa de superar propostas rígidas e sempre falhas, mas
também propostas abertas em excesso, que se mostram inócuas por não conse-
guirem apresentar sequer uma orientação mínima para os professores, muitos
em início de carreira e, portanto, sem experiência em que estribem suas escolhas;
outros que, apesar da experiência, querem superar a tendência à rotinização ou
ao modismo, duas graves doenças das práticas escolares.
Recorrendo a uma imagem, o que se pensa fazer é dar um amplo mapa da
questão, como se fosse o mapa de uma cidade, para cada um se localizar no pro-
132 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS