A Perspectiva Pedagógica Do Amor em Paulo Freire
A Perspectiva Pedagógica Do Amor em Paulo Freire
A Perspectiva Pedagógica Do Amor em Paulo Freire
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JOÃO PESSOA/PB
2017
ISLANY COSTA ALENCAR
JOÃO PESSOA/PB
2017
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação
UFPB/BC
Aos meus pais, Ana Maria e João Cardoso, que sempre
acreditaram em mim e que me proporcionaram a primeira
sensação de amor
Após dois anos imersos nesse mundo do mestrado acadêmico, não podia deixar
de agradecer por tantas pessoas fundamentais que passaram por ele. Esse período foi
intenso e de muito aprendizado. Tantas dificuldades passadas, tanto carinho recebido;
não foi fácil finalizar essa dissertação. Por muitos momentos, pensei em desistir e me
fortaleci ao lado de palavras de força e de conforto de pessoas queridas para continuar
trilhando essa caminhada.
Como foi difícil essa escrita e reflexão solitária; a construção de novas ideias
não é fácil. Aprendi com essa dissertação que escrever requer cuidado, tempo,
disciplina, mas também que é importante sentir, se permitir voar e depois retornar,
sistematizando essas reflexões. Aprendi o quanto é difícil sentir nessa sociedade cheia
de regras, normas, padrões, e o quanto ainda precisamos entender que somos seres
complexos.
Nesse momento, gostaria de agradecer a todas as pessoas que me ajudaram a
construir esse trabalho, de forma direta ou indireta. Expresso abaixo meus sinceros
agradecimentos:
Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, que me ilumina, me guia e me
fortalece em todos os momentos e desafios da vida, por quem tenho um amor
imensurável.
Agradeço aos meus pais, Ana Maria e João Cardoso, que me ensinaram a ser
quem sou, que nunca deixaram de acreditar em mim, até mesmo quando eu não
acreditava, que me ensinaram a nunca desistir dos meus sonhos e a lutar sempre por
aquilo que acredito. Estes foram meus primeiros e grandes mestres, que me ensinam
ainda hoje, com amor, carinho, exemplos e presença, as grandes lições da vida.
Ao meu irmão, Igor Alencar, e à minha cunhada e amiga Taliana Kênia, pelo
cuidado, carinho e incentivo de sempre.
Ao meu namorado e companheiro Rodrigo Carvalho, por toda compreensão nas
ausências e nas ocasiões de estresses, estando presente em todos os momentos. Grata
pelo amor, pelo apoio, pelas palavras e pelo abraço apertado e acolhedor sempre que
necessário.
À minha orientadora, Professora Dra. Elisa Possebon, que me conheceu durante
a pós-graduação e que, mesmo assim, acreditou em mim no estudo de uma temática tão
complexa e desafiadora. Obrigada pelos ensinamentos, pela paciência e pela
oportunidade da convivência.
Aos professores membros da Banca Examinadora, pela leitura atenta e por suas
valiosas contribuições na elaboração dessa pesquisa. Gratidão ao convite aceito, à
disponibilidade e à atenção ao trabalho realizado.
Ao Professor Dr. Eymard Vasconcelos, pelas sábias palavras, pelas dicas de
leitura, pelo acolhimento e por sempre está disposto a ajudar e contribuir. Sou grata por
tê-lo por perto.
Ao Professor, ex-orientador da graduação, Dr. Pedro Cruz, por ter me guiado ao
caminho da Educação Popular, pelo ouvido amigo e pelos incentivos sempre presentes,
assim como à Professora Drª. Ana Cláudia, pelo exemplo de educadora, por todos os
ensinamentos e carinho.
A todos que fazem parte da Articulação Nacional de Extensão Popular
(ANEPOP), por acreditarem na luta da formação pela Educação Popular como caminho
necessário.
Ao apoio pleno de uma grande amiga que virou irmã, Daniela Gomes, que me
cedeu inúmeras vezes seu ouvido, companhia, atenção e conselhos, além do seu marido
Tássio, por ter me acolhido também inúmeras vezes no seu lar. Obrigada. O processo da
escrita se tornou bem mais fácil com a amizade e o cuidado de vocês.
A todos os meus amigos, com vocês, as pausas entre um parágrafo e outro de
produção melhora tudo o que tenha produzido na vida. Em especial, às minhas amigas e
irmãs da infância Kaline Castro e Natália Medeiros, aos amigos do grupo da mocozada,
Rafael, Phablo, Talita, Julian, Carlos, Sara, Sandoval, Pollyanna, Fernanda, Pedro,
Tieta, Maria. Aos amigos das acrobacias aéreas, que oportunizaram momentos
terapêuticos e de leveza durante o mestrado, além de todos os outros que não foram
citados aqui, mas que fazem parte da minha história. Obrigado por tudo.
Aos amigos Nirvana Rafael, Ernande Prado, Adriana Bastos, Adriana Tófoli, por
serem pessoas iluminadas, comprometidas e críticas com os caminhos que resolveram
seguir na vida. Pessoas indignadas com as injustiças do mundo e que buscam construir
um mundo melhor. Vocês me inspiram.
Agradeço a meu amigo Bruno Botelho, companheiro de extensão, que me
acompanhou no mestrado desde os estudos preparatórios para seleção. Grata pela
amizade e pelos momentos compartilhados nos projetos, no mestrado e na vida.
Aos Companheiros do GRUPEE, por me fazerem compreender que a pesquisa
vai muito além dos aspectos cognitivos, que o ser humano é um individuo complexo,
movido pelas emoções e necessitando cada vez mais da Educação Emocional. Obrigada
por todos que constituem esse grupo, por se permitirem, acreditarem e insistirem nesse
caminho.
Aos professores, funcionários do PPGE e da UFPB, que se tornaram
indispensáveis nesse processo.
Enfim, agradeço a todos e todas que participaram dessa importante fase da
minha vida, seja direta ou indiretamente, contribuindo para enriquecer esse estudo.
“[...] Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que
vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes
basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio
que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia,
desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o
que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa
demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar” Cora
Coralina
RESUMO
Introdução
A BUSCA DE SER MAIS
14
INTRODUÇÃO
A BUSCA DE SER MAIS
“Madre Tereza Colégio e Cursos”. Dessa forma, a primeira comunhão1 dos alunos acontecia
na própria escola, organizada pelos pais, alguns professores e o padre de uma das paróquias
locais.
No entanto, anteriormente a mim, meu irmão passou pela experiência de fazer a
Comunhão na escola, de modo que a minha mãe percebeu que era um espaço muito mais de
aparências do que realmente de ensinamentos, no qual, nas suas idas às reuniões de pais,
brigavam e discutia-se mais sobre qual o tipo de roupa, sapato e cabelo que as crianças iriam
usar, do que sobre os preceitos que estavam sendo ensinados às crianças. E, com essa
experiência, ela resolveu fazer diferente comigo. Acabei indo fazer minha primeira comunhão
em uma capela católica próxima à minha casa, dentro de uma favela, porque minha mãe dizia
que lá eu iria ver de verdade o significado daquele momento. Na época, não entendi bem, mas
segui para esse encontro junto com outras cinco amigas e vizinhas que participavam do grupo
de jovens comigo.
No primeiro dia do encontro, lembro-me que fomos andando para a capela sem medo
e nem preocupação. No entanto, só no caminhar já começamos a perceber a mudança do
cenário: casas mais simples, com pouca ou nenhuma infraestrutura, ruas estreitas e ausência
de serviços públicos. Ao chegar na capela para nossa primeira aula, deparamo-nos com
crianças que costumavam passar nas nossas casas para pedir comida e roupas usadas. Houve
um momento inicial de estranhamento, em que não sabíamos como agir. Apesar de ter apenas
dez anos, entendia que existia uma separação e um distanciamento entre nós, sentia que as
crianças nos olhavam como se nos quisessem distantes, sem entender porque estávamos ali.
Contudo, com o passar dos encontros, essas barreiras foram quebradas, e fomos identificando
que, na verdade, todas e todos éramos iguais, apesar das barreiras sociais.
Outra forte lembrança desse momento foi quando todos do catecismo fomos visitar
uma das nossas amigas que estava doente. Não lembro bem a doença, mas lembro que era
algo grave. Acredito que esse tenha sido outro momento de perplexidade.
Enquanto andávamos pelas ruas e estávamos pela capela, parecia que uma barreira
imaginária cobria nossas cabeças. Ao entrar naquela casa, pudemos enxergar de fato como era
difícil aquela vida, não só porque faltava uma estrutura básica para se viver, era uma casa
simples e bem pequena, mas também porque faltava amor, cuidado, carinho.
1
Sacramento da Igreja Católica realizado tipicamente durante a infância, momento em que se acredita que a
criança tem o primeiro contato com o Cristo na Eucaristia, por isso denominado "primeira comunhão".
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Levamos alguns alimentos, ideia da catequista, que pediu para que cada um se
esforçasse um pouco e levasse algo para ajudar nossa amiguinha a melhorar. Ela sabia que a
família passava por momentos bem difíceis, mas ela sempre destacava que o que importava
mesmo era a nossa presença. “Ela vai ficar muito feliz com vocês”, dizia-nos a catequista. Ao
encontrá-la, vimos e sentimos como nossa amiga estava triste por estar naquela situação e
como ficou feliz ao nos encontrar. Esse encontro foi uma verdadeira lição de vida e me fez
refletir no porquê daquelas situações, fortalecendo uma mente questionadora, me ensinando
sobre o modelo consumista que tínhamos e despertando uma consciência social até então não
existente.
Os anos se passaram e, chegando ao final do ensino médio, quando tinha por volta de
15 anos, comecei a pensar sobre o que fazer, qual curso superior deveria escolher. Elegi como
primeiro critério que seria algum curso da área de saúde, porque queria ajudar as pessoas.
Mas, entrei em um dilema: qual curso escolher, já que não podia ver sangue que passava mal.
Assim, acabei escolhendo o Curso de Nutrição, mas sabia eu como esse curso tinha uma forte
relação com os movimentos eclesiásticos de base, com a temática da fome e da alimentação e
que iria retomar aquele mundo perdido da infância.
Ao ingressar no curso de Nutrição na Universidade Federal da Paraíba, não víamos
nada relativo diretamente ao tema nos primeiros semestres. Na busca pelo saber, fui procurar
espaços que me aproximassem da temática para ter certeza de que realmente me identificaria
com o curso. Desse modo, após algumas pesquisas, acabei encontrando o programa de
extensão PINAB (Práticas Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição na Atenção Básica),
com cuja proposta me identifiquei muito. Assim, após participar da seletiva, que era bem
disputada, acabei imergindo no programa.
O PINAB, vinculado ao Departamento de Nutrição e ao Departamento de Promoção
da Saúde da UFPB, desenvolve desde 2007 iniciativas de Educação Popular com ênfase na
Promoção da Saúde, na Segurança Alimentar e Nutricional e no Direito Humano à
Alimentação Adequada e Saudável, buscando construir caminhos possíveis para o trabalho
social no campo da Atenção Básica. Suas ações eram desenvolvidas nas comunidades de
Jardim Itabaiana, Pedra Branca, Boa Esperança, no bairro do Cristo Redentor, todas
localizadas na cidade de João Pessoa/PB, com atividades educativas, visitas domiciliares,
cursos de extensão, oficinas e promoção de eventos.
Através da minha inserção no PINAB, desde 2009, pude passar por várias ações.
Entretanto, foi no primeiro contato com o Grupo Comunitário Programa Bolsa Família
(Grupo PBF), que acredito ter emergido de vez nos caminhos da Educação Popular. Nesse
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transformação, quanto para aquela comunidade, de modo que todos precisavam de uma
escuta, um abraço, um encontro. E foi nessa imensa troca de aprendizados e desprendimentos
entre todos que foi possível ocorrer uma maior articulação na construção dos saberes e na
busca da promoção da saúde e da superação dos problemas sociais.
Ao adentrar no mundo da Extensão na linha da Educação Popular, senti-me realizada e
útil em um espaço que ainda não conhecia, mas, ao mesmo tempo, fazia-me sentir em casa.
Nele, reencontrei a necessidade que habitava em mim de adentrar na luta pelas causas sociais,
de me sentir útil e humana em uma sociedade tão excludente, segregacionista e desigual.
Além disso, aprendi a conhecer e a partilhar um espaço de encontros e realizações, mas
também, de alguns desencontros.
Estas experiências fizeram-me repensar minha visão de mundo, qual seria meu papel
nele e de que modo poderia colaborar para a construção de uma sociedade “economicamente
justa, socialmente solidária, politicamente igualitária, culturalmente diversa", conforme
descreve Calado (2008, p. 231).
Com o passar dos dias no programa e com as reflexões que a experiência me trazia
para a vida, acabei sentindo a necessidade de conhecer seus diversos espaços, a história de
cada pessoa, vivenciar cada experiência, aproximar-me mais da comunidade e conhecer suas
histórias, seu cotidiano, suas lutas por direitos, pois, assim, aprenderia a ver o mundo e aquela
realidade com outros olhos, não mais com sofrimento, tristeza, medo, injustiças, mas com
olhos de criança que haviam se perdido na infância, enxergando o mundo repleto de amor,
respeito, empatia, gratidão, cheio de lutas, sonhos e conquistas.
Tais sentimentos repercutiram nas bases para a construção do meu Trabalho de
Conclusão de Curso na Graduação em Nutrição, no qual analisei uma experiência educativa
de participação nas políticas públicas, a partir de um grupo que dava apoio permanente e
sistemático a um Conselho Local de Saúde na comunidade.
Outro desdobramento de minhas inquietações foi a vivência em outro projeto de
extensão chamado “Vidas Paralelas” (PVP-PB). Este projeto envolvia a Educação Popular e a
Saúde do Trabalhador e possuía o objetivo principal de abordar e difundir a prática e a
vivência cotidiana de trabalhadores, dos setores formais e informais, em seu ambiente laboral
e sua inserção social e cultural. Uma vivência mais direta e cotidiana com as lideranças
comunitárias, trabalhadores de diversas categorias, formais e informais, com uma visão
crítica, e que buscavam conhecer seus direitos para reivindicá-los. Possuía como estratégias
fundantes o diálogo, a organização político-social e a troca de experiências de vida entre os
diversos trabalhadores.
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Na minha primeira visita ao projeto, senti uma energia boa aflorar daquele espaço,
trabalhadores tão cheios de garra e esperança, encharcados de sabedoria e com muita sede de
saber. Eram espaços riquíssimos de diálogo, onde era possível conhecer cada um em sua
individualidade, como também o grupo social pelo qual lutavam. Nas reuniões, eram
abordados assuntos relativos à saúde, ao cotidiano e ao trabalho, seus desafios e
potencialidades, dentre outras questões.
Foi nessas escutas que pude acompanhar mais de perto os descasos do poder público
que ocorriam nas comunidades, nos movimentos e grupos sociais, e, apesar de todas as
dificuldades, era alimentada em mim uma esperança de um mundo melhor e mais justo,
através das esperanças depositadas nas falas daquelas pessoas, além do complemento, nas
leituras de grandes teóricos, feitas para fundamentar e difundir minha prática.
O significado pedagógico e pessoal destas experiências propiciou-me enxergar o
potencial que a Educação Popular pode exercer no sentido de gerar aprendizados formativos,
ensinando novas abordagens, promovendo a autonomia dos sujeitos de modo a intervir
diretamente na busca por seus direitos, inclusive nas políticas públicas, desencadeando
políticas humanizadoras e integrativas.
Todas essas emoções e descobertas vivenciadas na graduação fizeram-me continuar
nessa luta, mesmo após a minha formação. Continuei caminhando na busca de outras
experiências para me capacitar mais e acabei fazendo parte de dois estudos de âmbito
nacional que envolviam a extensão, ambos financiados pelo Ministério da Saúde e com foco
na formação e na saúde do trabalhador, buscando a autonomia dos sujeitos e a outra com
ações de articulação e integração entre as diversas iniciativas e experiências de Extensão em
Educação Popular e Saúde no país.
Em diversos desses cenários, a Educação Popular apresentava-se como abordagem
educacional singular no que tange à mediação e envolvimento dos sujeitos participantes, e a
cada dia têm crescido mais a sistematização das suas práticas e o reconhecimento nas políticas
públicas.
Com toda essa história, e na busca de mais estudos e da valorização dessa abordagem
educacional da Educação Popular, procurei o mestrado acadêmico no Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE), na linha de Educação Popular, para continuar aprofundando
meus estudos relativos a esse tema.
Para chegar ao tema do presente estudo, em um encontro com minha orientadora, Profª
Drª. Elisa Possebon, e analisando a minha trajetória, além da minha participação e
envolvimento no Grupo de Pesquisa em Educação Emocional (GRUPEE), pude compreender
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mais como o ser humano é movido de forma integral pelas emoções, influenciando
diretamente no decorrer da vida, determinando desde o processo educativo, até a maneira de
se relacionar com as pessoas.
A cada reunião no GRUPEE, fui aprendendo o significado das várias emoções, com
discussões teóricas constantes embasadas em artigos científicos nacionais e internacionais,
livros, dissertações e teses, sobre as diversas emoções que permeiam nossas vidas, como
alegria, tristeza, raiva, felicidade, medo, ansiedade, inveja, aversão, empatia, gratidão e amor.
Nesses estudos, visávamos conhecer e aprofundar sobre essas temáticas, e, a partir das
discussões, foi percebido cada vez mais a sua importância, apontando para o desenvolvimento
pessoal e social dos indivíduos.
Segundo Streck (2013, p. 357), “se a Educação ocupa um lugar permanente nos
debates sobre desenvolvimento, é porque ela é percebida como um fator decisivo para
definição dos rumos da sociedade”. Considerando a referência que a Educação Popular
constitui em âmbito nacional, especialmente para a formação de seus estudantes, acreditamos
ser fundamental analisar este novo processo que vem sendo desvelado no interior dessas
práticas, na perspectiva de melhor compreender outros possíveis caminhos e abordagens
pedagógicas para a formação.
O objetivo geral dessa pesquisa é compreender os significados do amor no pensamento
de Paulo Freire utilizando Zigmunt Bauman e Humberto Maturana como interlocutores. Para
tanto, definiram-se os seguintes objetivos específicos:
Apontar a trajetória histórica e conceitual do amor;
Compreender o conjunto de conceitos e concepções sobre o amor, elaborados por
Humberto Maturana e Zigmunt Bauman;
Caracterizar o amor na perspectiva da Educação Popular por Paulo Freire, delimitando
alguns fundamentos e princípios;
Compreender a relação entre a prática da Educação Popular e o amor;
Faundez (2002) destaca essa compreensão em comunicação com Freire, afirmando que as
perguntas que geram a pesquisa são imprescindíveis para o ato de conhecer e investigar.
Nesse momento inicial, foram levantadas minhas primeiras indagações sobre o que estudar.
Qual seria o tema relevante para essa pesquisa? E o que me motivava? Seria o amor um
diferencial da Educação Popular? O que podemos encontrar na Educação Popular em relação
a esse tema? Ao imergir nessas reflexões e na minha trajetória pessoal, acabei me encontrando
submersa na temática das emoções e do amor como caminho educativo diferenciado.
22
CAPÍTULO 1
O DESENHO DA PESQUISA
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CAPÍTULO 1
O DESENHO DA PESQUISA
A emoção pode ser compreendida como um estado complexo de sentir, que resulta
em mudanças físicas e psicológicas, influenciando o pensamento e o
comportamento. Nesses termos, a emoção envolve excitação fisiológica,
comportamentos expressivos e experiência consciente.
Capítulo 2
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO AMOR
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CAPÍTULO 2
Ao refletirmos sobre o que seria o amor, podemos nos perguntar: Como conceituá-lo?
Percebemos o leque de possibilidades que envolvem essa palavra que é difícil significar e até
mesmo mensurar. Existem diversos tipos de amor: o amor filial, o amor carnal, o amor de
amigo, o amor romântico, o amor a Deus, o amor ao próximo, o amor pela liberdade, o amor
platônico. O amor é caridade. Apesar desses diversos tipos de amor, todos contem algo em
comum, ou seja, constituem-se por um sentimento forte voltado a alguém ou alguma coisa.
No entanto, neste capítulo, levantaremos o contexto histórico de amor por diversas
dimensões, buscando compreender o porquê dessa procura e os significados em torno desse
sentimento. Para iniciar, foi debatido sobre a emoção do amor; posteriormente, foi
apresentado o amor da antiguidade, as origens do amor para a ciência, o amor na perspectiva
cristã e o amor da atualidade, percebendo estes como importantes fatores para descrever a
trajetória dessa emoção.
Para iniciar o estudo, buscamos trazer um pouco sobre a compreensão das emoções e
sua ligação com o sentimento do amor. Percebe-se que, nos últimos anos, ocorreu um
aumento no número de estudos das emoções em diversas áreas de conhecimento,
identificando-as no percurso de toda a vida como caminho para guiar as ações. Os
neurocientistas, os psicólogos, diversos profissionais da saúde e da educação, têm discutido
cada vez mais sobre essa temática. Estão entre esses nomes referenciais como Antônio
Damásio (1996, 2000), Humberto Maturana (2002), Rafael Bisquerra (2000), Elisa Gonsalves
(2015), Zigmunt Bauman (2000, 2004, 2005), Leonardo Boff (2004), dentre outros.
Diversos estudos realizados por neurocientistas têm identificado as emoções como
elemento base para o desenvolvimento das ações humanas, ocupando a totalidade dos seus
mecanismos de decisão (GONSALVES & LIMA, 2015). Na Universidade de Stanford, por
exemplo, alguns cientistas propuseram o primeiro modelo de geração emocional, no qual as
emoções surgiriam a partir da avaliação de estímulos (internos e externos), fruto de respostas
fisiológicas, comportamentais e subjetivas (HOLANDA et. al., 2013).
Nesse sentindo, é fundamental compreender as múltiplas influências das emoções no
decorrer da vida, pois ela determina desde o processo educativo até a maneira de se relacionar
com as pessoas.
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Para Piaget (1974), a emoção está relacionada diretamente com o afeto, considerando
a afetividade como um sentimento de fortes dimensões antagônicas, passando por caminhos
de alegrias ou tristezas, do êxito ao fracasso; encontrando, com o passar dos anos, o equilíbrio
desses sentimentos nas estruturas cognitivas e percebendo na afetividade sua influência nesse
desenvolvimento através das experiências adquiridas.
Lima e Sauer (2010), ao pesquisarem o significado de afetividade, denominaram-na
por um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifesta pelas emoções, acompanhada de
sensações de alegria e/ou tristeza. As emoções podem ser entendidas como uma reação
repentina e, ao mesmo tempo, intensa e breve do organismo, relacionada a uma implicação
negativa ou positiva, enquanto a razão é a capacidade humana de decidir, avaliar e julgar as
ideias de acordo com um pensamento.
Maturana (2002) afirma que as emoções constituem uma atribuição importante no
domínio das nossas ações, pelas quais podemos penetrar nas relações humanas, devido à sua
característica dinâmica e fluida. Este autor ainda afirma que, à medida em que nos
distanciamos das emoções e assumimos uma postura puramente racional, nos
desumanizamos, pois perdemos nossas características naturais, causando dor e tristeza para
nós e para os demais à nossa volta; por outro lado, caso também assumamos apenas o lado
emocional, perdemos as características da inteligência para o desenvolvimento humano.
Portanto, não existe ação que seja exclusivamente cognitiva ou estritamente afetiva. Ambas
caminham juntas, pois a emoção é essencial para a inteligência e vice-versa.
Para Piaget (1962), caso ocorresse a separação entre cognição e afeto, não haveria
motivação, os problemas não seriam discutidos, e não haveria soluções inteligentes para eles.
Ele ainda afirma que todas as nossas ações possuem um interesse afetivo por trás, sendo
motivadas por nossas necessidades.
Damásio (2000) aborda as emoções relacionadas à reflexão e às concepções morais.
Sendo estes princípios complexos exclusivos dos seres humanos e que ocorrem
independentemente de sexo, raça, idade, cultura e renda monetária, já que todos buscam a
felicidade e desviam-se de sentimentos ruins. No entanto, em suas reflexões, ele afirma que é
difícil definir um conceito sobre emoção e evidencia se um único termo seria suficiente para
caracterizar os diversos estados presentes nela. Com isso, ele categoriza as emoções em três
níveis: 1) primárias, ou universais: estas contemplariam aquelas emoções consideradas
básicas, inatas ou não aprendidas, mas que todos os seres humanos possuem,
independentemente dos aspectos socioculturais, como, por exemplo, a alegria, tristeza, medo,
raiva, surpresa; 2) secundárias, ou sociais: estas seriam aquelas emoções que sofrem
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O amor envolve uma gama de significados, desde carinho, afeto, cuidado, ternura,
zelo, sentimentos intensos de abnegação ao outro, de adoração, amor a Deus, desejo sexual ao
outro, amor de mãe, de irmãos, de casais, envolvendo energias, amor dos poetas, o amor do
capital, o amor amigo, dentre outros. Na atualidade, o amor romântico é o que ocupa o maior
dos espaços de significações, ficando repleto de idealizações e perdendo a perspectiva de
outras dimensões.
Vasconcelos (2011, apud Batista, 2012) destaca a compreensão do amor relacionado a
fortes vínculos afetivos, podendo conduzir as relações entre os seres, permitindo o
desenvolvimento da consciência e desencadeamento da comunhão e da solidariedade entre
todos, independentemente de diferenças. Assim, gera-se um sentimento de reciprocidade,
união, determinação e emoções entre ambas as partes. Esse sentimento, ao adentrar no eixo
estruturante da vida das pessoas, exerce um papel primordial, passa a possuir características
espontâneas e, ao mesmo tempo, cultivadas. E, ao buscar a consciência para conduzir essa
emoção e para guiar os seus atos, acaba se aprofundando em um movimento de envolvimento
emocional além do racional, contribuindo para um agir humano repleto de emoção,
sensibilidade e intuição.
Boff (2004, p.111) compreende o amor como um “sentimento de benquerença e de
pertença a um mesmo destino e a uma mesma caminhada histórica”, envolvendo valores
como união, afinidade e solidariedade na mesma direção, construindo de forma conjunta o
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Segundo Sponville (2009, 2011), o amor na antiguidade clássica pode ser encontrado
em três dimensões: o Eros, Philia e Agapé. Os primeiros estudos sobre o amor surgem na
antiguidade clássica, na Grécia antiga. O seu significado foi trazido por Platão, no discurso de
Aristófanes, em O Banquete de Platão, denominando de Eros (o Deus do amor). Nessa
compreensão, o significado de amor está atrelado ao desejo de posse do outro, na busca para
encontrar sua metade desprendida. O amor é encontrado no desejo sexual, e não na escolha
entre seres de sexos diferentes ou do mesmo sexo.
[...] Quanto a mim, coisa bem diversa direi. Os humanos desconhecem o poderio
extraordinário de Eros. Se o conhecessem haveriam de construí-lhe templos
magníficos, elevar-lhe altares suntuosos, votar-lhe sacrifícios opulentos. Por que
Eros possui todas as belas qualidades que lhe atribuíram os que me precederam? Por
que é tão zeloso e benevolente para os homens? Porque outrora, no princípio,
éramos unos e havia três tipos de humanos: o homem duplo, a mulher dupla e o
homem-mulher, isto é, o andrógino. Eram redondos, com quatro braços e quatro
pernas e dois rostos numa só cabeça. Vigorosos, sentindo-se completos, decidiram
subir ao céu. Foram punidos por Zeus que os cortou pela metade, voltando-lhes o
rosto para o lado onde os cortara, deixando-os com os órgãos sexuais voltados para
trás. Desde então, cada metade não fez senão buscar a outra e, quando se
encontravam, abraçavam-se no frenesi do desejo, procurando a união, morrendo de
fome e inanição nesse abraço. Para evitar que a raça dos humanos se extinguisse,
Zeus permitiu que Eros colocasse os órgãos sexuais voltados para frente,
concedendo-lhes a satisfação do desejo e a procriação. Eros restaurou a unidade
primitiva e nos faz buscar nossa metade perdida: os que vieram dos andróginos
amam o sexo oposto, os que vieram dos homens e mulheres duplos, amam os de
mesmo sexo. O amor é desejo de unidade e indivisão. Encontrar nossa metade: eis
nosso desejo. Ao deus que isto nos propicia, todo nosso louvor. (PLATÃO, 2009, p.-
apud RAFAEL, 2015, pp.21-22)
Outra importante afirmação sobre o Eros é que, por sua característica egoísta e seu
desejo de posse, ele corresponde ao tipo de amor menos evoluído. Apesar desse fator, ele é
regido com intensidade, grandeza e por encantos, pois, a partir dele, é possível conceber a
geração da vida, sendo reconhecido pela mitologia como “divindade”. Nesse tipo de amor, é
perceptível seu poder de entrega ao outro, física e afetivamente, permitindo a sensação de
inteireza, fazendo fluir o corpo e a alma. No entanto, suas características conflitantes, com
obrigação e renúncia ao amor próprio por amor ao outro, dividem o amor entre o eu e o outro
(BRITO, 2009).
Outro importante teórico da Grécia Antiga que abordava a dimensão do amor foi
Sócrates, com uma compreensão, contudo, divergente da de Aristófanes. Para ele, o amor está
envolto de carências, incompletude e designado à infelicidade ou à religião. Após essa ideia,
passou-se a procurar o amor, buscando sua metade no outro, voltando-se ao amor fusional,
que permite o encontro com a primeira natureza, libertando-a da solidão e encontrando a
34
felicidade. Portanto, em Eros, a carência é seu âmago e a paixão amorosa seu ápice
(SPONVILLE, 2009).
Podemos, assim, descrever o Eros como um Deus que está imerso em desejos de
posse, sofrimento e ciúme, caracterizando o lado sombrio do amor, encontrado no banquete
de Platão e no Fedro. Oscilando entre o martírio e a realização quando se conquista, pode
também ser considerado o amor de si (SPONVILLE, 2009, p. 257).
Após a explicação do amor Eros, compreendido pelo amor a nós mesmos,
posteriormente, aprendemos aos poucos a amar o outro por ele mesmo, com sentimentos de
alegria, amizade, doçura e entrega. Esse amor chama-se Philia (SPONVILLE, 2009).
Segundo Sponville (2009, p. 274), “o verbo philein significa amar, qualquer que seja o
objeto desse amor é usado para as relações interpessoais e como substantivo”, enquanto
philia corresponde ao amor da amizade, buscando a prática do bem com uma intenção, ofertar
amor para quem se ama. Sponville (2009) afirma que o amor, cheio de alegria, é
proporcionado ao outro por meio de ações, em uma relação de dar e retribuir
concomitantemente, através de uma prática generosa e espontânea. Podemos encontrar o
exemplo mais forte desse amor no amor filial, entre mãe e filho.
A Philia constitui para Aristóteles uma noção de virtude, exercendo uma atribuição
importante na vida dos indivíduos e da sociedade. A virtude na Grécia Antiga era
compreendida por um hábito que aprimorava o ser humano e seu estilo de vida, fazendo agir
sempre em excelência e em busca do bem.
Este mesmo autor destaca em seus escritos a ausência da contribuição de Platão e
destaca a afirmação de Aristóteles sobre a Philia, trazendo a seguinte citação: “Sem amizade a
vida seria um erro. Que a amizade é condição de felicidade, refúgio contra a infelicidade, que
é ao mesmo tempo útil, agradável e boa” (SPONVILLE, 2009, p. 267).
Nos textos filosóficos, mesmo na Grécia Clássica e do próprio Platão, ainda não
existe uma distinção clara entre as palavras “amor” (eros) e “amizade” (philia). Em
Aristóteles, porém, já se encontra uma tentativa de definir a amizade, designando-a
como uma convivência íntima, agradável e, sobretudo, benéfica, capaz de fazer da
vida humana uma vida “bela e boa”, digna, portanto, de ser vivida. (ROCHA, 2006,
p.66)
Philia da metafísica de Platão e na ética de Aristóteles, resumiu esse tipo de amor na seguinte
perspectiva:
[...], a Philia é uma forma de amor particular e especial, cuja essência encontra-se
naquela modalidade de “viver junto” e de “viver na intimidade”, na qual os amigos,
tomando consciência de seus sentimentos mais profundos e do desejo de mútuo
bem-querer, criam um tipo de relação amorosa, na qual ao mesmo tempo dão e
recebem, ajudam e são ajudados, amam e são amados, e tudo isso em um espaço
afetivo no qual sempre haverá lugar para a admiração e o respeito, bem como para o
carinho e a ternura. (ROCHA, 2006, p.82)
O amor Ágape possui sua significação em volta do amor como doação ou divino,
sendo considerada a nascente de todos os valores, a formação mais ativa e livre de amar, pela
qual sua caracterização não envolve juízo de valores, diferenciando-se das outras dimensões,
como o amor Eros (em torno da falta ou do desejo) e o Philia (da alegria e da amizade)
(SPONVILLE, 2009). Essa compreensão de amor perpassa os pensamentos gregos, possuindo
forte influência dos ensinamentos cristãos.
O Ágape cristão pretende ser vivido a partir da doação originária da divindade aos
humanos. Assim, o amor primeiramente (divinamente) recebido será realmente
vivenciado a partir do momento que for ‘devolvido’ a Deus e compartilhado entre os
homens, especialmente, pela caridade. (ROCHA, 2006, p.70)
Esse amor Ágape na concepção cristã não surge diretamente dos homens, e sim a
partir de Deus, que entrega seu próprio filho ao sacrifício (morrendo crucificado) para salvar a
humanidade. Dessa maneira, o amor Ágape só poderia ser vivenciado e revelado após
recebido e partilhado o amor de Deus, através da caridade e da misericórdia (QUADROS,
2011).
O temo agapan envolve o acolhimento de sentimentos bons, como amor e amizade. Já
no evangelho de São João, o termo ágape é concebido por “Deus é amor”. Sendo assim, nada
lhe falta, nem amizade, nem alegria (SPONVILLE, 2009). Adentrando na perspectiva do
cristianismo, a compreensão de amor está em torno da caridade e da doação ao próximo como
um dos seus princípios essenciais, de modo que a caridade envolve doação e entrega, sem
esperar nada em troca, consistindo de um amor gratuito, despretensioso, sincero e instintivo
(SPONVILLE, 2009).
Segundo Sponville (2011), o amor ágape pode ser conhecido também por cáritas para
representar o amor preconizado por Jesus Cristo, sendo o amor fundamento de seus primeiros
mandamentos: 1) Amar a Deus sobre todas as coisas e 2) Amar ao próximo como a si mesmo.
36
[...] Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é um só Deus; e amarás o Senhor teu Deus com
todo o teu coração, e com toda a tua alma, e com todo o teu entendimento, e com
todas as tuas forças. Este é o primeiro mandamento. E o segundo é semelhante ao
primeiro: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior
do que estes. (EVANGELHO DE MARCOS, 1951, 12, 29-31 apud QUADROS,
2011, p.169)
Outra percepção de amor é a exaltada por Santo Agostinho, a qual trata do amor como
ilimitado, e a que Sponville (2011) se contrapõe, destacando que esta característica está
distante da nossa realidade, pois a nossa compreensão de amor tem um limite assimilado por
nossa capacidade cognitiva. Todavia, isso não nos impede de continuar na busca dessa
infinitude.
Por fim, se Deus pode ser considerado o próprio amor Ágape, considerado uma
benção na prática rotineira do amor a Deus e ao próximo, independente de ser conhecido ou
não, estimado ou não, constitui o caminho para alcançar a sua integralidade e plenitude nos
mais altos patamares celestiais (QUADROS, 2011).
projetos, sendo necessário, para isso, ter um olhar bem racional e objetivo sem sofrer
interferência da subjetividade em seus pareceres, ocorrendo, assim, uma separação entre o
exercício técnico e religioso. Essa dimensão subjetiva passou então a ser desprezada pela
ciência, e, com o desenvolvimento da modernidade, foi aumentando cada vez mais esse
abismo entre as dimensões objetivas e as subjetivas (VASCONCELOS, 2006).
Com essa busca incessante pelo amar e pelo viver, acaba-se gerando a disposição
metafísica no indivíduo, a partir dos desejos da espécie, e não das predileções individuais,
fomentando a paixão e produzindo o movimento da vida (HOLANDA, 2006).
“trata-se aqui simplesmente de cada João encontrar a sua Maria", vale dizer de um
par de amantes se unir pela genitalidade para, então, darem origem a um novo ser
que manterá as suas características, herdando do pai a vontade, da mãe o intelecto. É
a chamada “composição da próxima geração”. (SCHOPENHAUER, 2000, p 9-10)
Ao estudar o amor, percebemos que muito dos seus preceitos se encontram e são
sempre lembrados na perspectiva cristã, de modo que buscamos trazer abaixo alguma de suas
ideias principais que guiam essa dimensão.
No Cristianismo, o amor é revelado ao humano pelo transcendente, guiando suas
ações. Encontramos o amor em diversos fragmentos bíblicos, como na primeira carta de João,
onde afirma: “Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. E todo aquele
que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus
é Amor” (BÍBLIA SAGRADA, Jó, 4, 7-8, 2010). Nessa estrofe, o amor é revelado como algo
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inerente ao homem, mas que só pode ser encontrado ao perceber e reconhecer o amor de
Deus, retornando à compreensão de amor Ágape, já discutido neste trabalho, no qual Deus é
amor. Essa citação serviu de base também para compreender a base do pensamento cristão,
pelo qual o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, portanto, sendo guiado
pelas vicissitudes do amor e do desamor, possuindo como principal dificuldade amar
semelhante ao amor de Cristo por nós (BATISTA, 2012).
Batista (2012) aborda a afirmação de Paulo de Tarso (5-67 d.C.) sobre o amor na Carta
aos Romanos (Rm 13:10), relacionando o amor à execução absoluta das leis e atrelado à
justiça. Santo Agostinho escreveu sobre o amor, relacionando-o à liberdade e expondo o
melhor de cada um. Frei Betto (1994, p.33), correlacionado a essa ideia, afirma que o amor
“é capaz de aceitar e conviver com o diferente”.
SPONVILLE (2011), ao falar do amor, destaca o amor de renúncia e entrega,
conhecido pelo amor Ágape. Essa forma de amar requer doação, sem pedir nada em troca, no
qual o indivíduo ama apenas pensando no bem do outro e não em si. No cristianismo, esse
amor de caridade, beneficência, altruísmo e abnegação, pode também ser denominado de
amor incondicional (BARRETO, 2013).
Segundo Ferreira (1986), caridade significa, na expressão comum do termo, “amor ao
próximo, esmola, favor, benefício, bondade e compaixão”. Assim, culturalmente, essa noção
de caridade está ligada a um benefício ao outro, de forma altruísta e humanitária, sem esperar
nenhuma recompensa em troca, mas, apenas por amor e compaixão. Pode ser compreendida,
teologicamente, como o amor a Deus e ao próximo. Portanto, é um sentimento que envolve
muitos significados a serem observados. Sponville (2009, p. 302) afirma que “a caridade é
esse amor que não espera ser merecido, esse amor primeiro, gratuito, espontâneo, de fato, que
é a verdade do amor e seu horizonte”.
Ferry (2012) destaca o amor como unidade absoluta do ser humano, capaz de dar
sentido à vida. Segundo esse autor, quando se ama verdadeiramente, não se substitui esse
amor por nada, como também se sabe e se sente que esse amor compreende o alicerce da vida
e da existência, consolidando todas as ações para um único objetivo.
Ainda no livro de Coríntios, em certo trecho, podemos encontrar a importância do
amor para a constituição do homem e sua relação com Deus e o mundo, vinculando a
princípios, como a fé, a esperança e o amor.
“1 Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se não tivesse o amor,
seria como o sino ruidoso ou como címbalo estridente.
2 Ainda que eu tivesse o dom de profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de
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toda a ciência; ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se
não tivesse o amor, eu não seria nada.
3 Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o
meu corpo as chamas, se não tivesse amor, nada disso me adiantaria.
4 O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se
incha de orgulho.
5 Não se faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita, não
guarda rancor;
6 Não se alegra com a injustiça, mas regozija com a verdade;
7 Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
[...] 13 Agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A
maior delas, porém, é o amor.” (BIBLIA, Coríntios, 13:1-8)
O amor passou por um processo profundo de mudanças nos últimos anos, desde a
antiguidade até a atualidade. Para buscar a compreensão de amor na atualidade, trouxemos
inicialmente o olhar de Bauman (2004), um dos principais estudiosos dos últimos anos. Para
ele, das muitas naturalidades do ser humano, o desejo sexual constitui um dos principais
pontos das relações sociais, a partir do momento em que se tem que se relacionar com outro
ser humano, a partir do sentir, dialogar, olhar e tocar, para que ocorra o envolvimento e a
comunicação necessária, para alcançar a completude e satisfação almejada.
Chaves (2010), ao investigar a percepção dos jovens sobre os relacionamentos
amorosos na atualidade, identificou variações extremas nos seus estudos, onde muitos dos
jovens não perceberam nenhuma variação das relações comparadas a tempos remotos,
enquanto outros identificavam o amor da atualidade como altamente instável, inseguro e
transitório.
Neste mesmo estudo, Chaves (2010) ainda destaca que muito do que se vive nos
relacionamentos atuais surge fruto da influência do capitalismo sobre as relações amorosas e o
modo como os indivíduos passaram a se relacionar, sempre na busca do seu prazer pessoal,
sem pensar no outro e mantendo a diversão e liberdade como regra. O relacionamento estável
passa a ser visto como tedioso, repleto de responsabilidade e compromisso em uma sociedade
competitiva que já cobra demais outras demandas. Outro aspecto trazido por Bauman (2004) é
o olhar da relação estável como um aprisionamento em uma sociedade de mercado, na qual se
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CAPÍTULO 3
A LIQUIDEZ DO AMOR NA CONTEMPORANEIDADE
44
CAPÍTULO 3
Ao refletir sobre a concepção de amor na era moderna, não posso deixar de destacar o
nome de um dos maiores sociólogos da atualidade, Zigmunt Bauman, que visou, em suas
diversas publicações, abordar a emoção do amor e os diversos tipos de relações da nova era,
as quais denomina de relações líquidas. A compreensão dessa emoção, o amor, na atualidade,
constituiu a principal base para construção deste capítulo.
Por Bauman ser considerado um sociólogo consagrado no desenvolvimento desse
tema, apresentando argumentos e reflexões pertinentes a essa dissertação, procurei abordar
um capítulo inteiro com base em suas compreensões. Para isso, utilizei-me das seguintes
obras: “Modernidade Líquida” (2001), “Amor Líquido” (2004), “Vidas desperdiçadas” (2005)
e “A arte da vida” (2009).
A proposta deste capítulo é trazer um pouco das categorias abordadas por Bauman em
suas obras, destacando a emoção do amor como elo principal, pois, ao imergir na
compreensão sobre os laços líquidos, tal liquidez se molda com rapidez em tudo de forma
imprevisível, influenciando diretamente a capacidade de amar a si e ao próximo.
O principal dilema do amor na modernidade é a incessante busca pelo amor, em uma
relação plena e estável, em contraposição a uma sociedade imersa no capitalismo, no
consumismo, nas suas relações de poder e no individualismo. Posto isto, Bauman (2004, p. 9)
busca em suas análises compreender “a misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o
sentimento de insegurança que ele inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal
sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos”.
Na atual conjuntura, relações longas e profundas são cada vez mais difíceis, devido
aos confusos e inseguros vínculos construídos, afetando não só os laços amorosos e
familiares, mas toda a humanidade, partindo do pressuposto que, para vivermos em
comunidade, precisamos ser gentis e amorosos uns com os outros.
Com o desenvolvimento tecnológico após a revolução industrial, a sociedade começou
a se desenvolver de forma muito acelerada, sendo difícil para as pessoas conseguirem se
adaptar a esse ritmo. Isso acabou acarretando em consequências no âmbito cognitivo,
emocional e comportamental dos seres humanos, que tinham que, cada vez mais, acelerar seus
ritmos para serem aceitos na nova sociedade, de modo que a maneira como o ser humano se
adaptaria, determinaria qual espaço ele ocuparia na sociedade (BAUMAN, 2001). A partir
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dessa percepção de Bauman, percebemos quantas fragilidades teremos que enfrentar, caso o
ser humano não se adapte a tempo à conjuntura dessa nova sociedade, onde os problemas de
ordem emocional estão sendo dominantes.
Para desenvolver este capítulo, comecei me perguntando sobre qual o significado das
relações líquidas tão faladas por Bauman, o que seria uma Modernidade Líquida e quando ela
surgiu, para, depois, adentrar no aspecto do amor nessa conjuntura.
O termo sólido, segundo o dicionário Aurélio, significa corpo limitado por superfícies;
que tem consistência; íntegro, duro, firme e estável, diferenciando da fluidez dos líquidos
(FERREIRA, 2008). Bauman (2001, p.7) aborda em seus escritos “a fluidez como qualidade
de líquido e gases”, trazendo a divergência dos estados físicos, líquidos e sólidos, para
caracterizar a sociedade e suas relações.
Portanto, Bauman (2001) qualifica a sociedade sólida como uma era, constituída de
preceitos rígidos e bem definidos, divergindo da atual, líquida, em que tudo é feito sem
nenhuma perspectiva de durabilidade, e, por isso, foi trazida a metáfora do estado da água
para denominar esse conceito, pois os líquidos possuem dificuldade de assumirem uma forma
fixa, como pode ser verificado neste trecho:
[...] os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade.
Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os
sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto,
diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam
irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente
prontos (e propensos) a mudá-las [...]. (BAUMAN, 2001, p. 8)
Bauman traz o olhar de Claus Offe (1987) sobre as sociedades complexas para
contextualizar a rigidez com que se buscava estabelecer a nova organização social. Atingia-se,
assim, um nível, no qual, por mais que se tentasse mudar os padrões já estabelecidos, era
impedido pela sua futilidade, dificultando a sua adequação. Ou seja, por mais livre que
parecesse ser a nova ordem, a forma de sua estruturação era rígida e sem liberdade alguma de
escolha e de participação, facilitando o desengajamento e os laços frouxos das relações
(BAUMAN, 2001).
Após essas observações, podemos afirmar que o homem moderno está imerso em um
ambiente líquido, fluido e facilmente moldável, no qual os laços afetivos estão cada vez mais
frágeis e descartáveis, devido ao desenvolvimento de uma sociedade insegura e repleta de
complexos. Sendo assim, esse novo estado (ou forma) possui uma grande capacidade de
adaptação, alterando valores e concepções anteriormente já bem firmes e definidas
(BAUMAN, 2001).
Outro aspecto da sociedade líquida é que ela nunca se contenta com o que tem e está
sempre em busca de mudança do algo a mais, do que está faltando e pela autoafirmação. E por
mais que atinja o ponto máximo, nunca vai ser suficiente, sempre vai querer mais
(BAUMAN, 2001), como é destacado a seguir:
Você não está mais livre quando chega o final; você não é você, mesmo que tenha se
tornado alguém. Estar inacabado, incompleto e subdeterminado é um estado cheio
de riscos e ansiedade, mas seu contrário também não traz um prazer pleno, pois
fecha antecipadamente o que a liberdade precisa manter aberto. (BAUMAN, 2001,
p. 81)
devem ser aproveitados ao máximo, porque, logo depois, esses sentimentos serão saturados e
novamente se buscará novas mudanças.
erros pelas más escolhas, faz com que a instantaneidade predomine como melhor caminho
para o desenvolvimento (BAUMAN, 2001).
Na nova era moderna, ocorrem mudanças constantes nas relações de poder. Bauman
(2001) destaca que, nos tempos remotos, o poder poderia ser encontrado nos povos
sedentários que se firmavam nas terras, de modo que os nômades eram condenados, ao passo
que, na atualidade, o perfil de dominação e poder se inverteu, e pode ser encontrado na elite
nômade, que não se preocupa mais com a administração do negócio para a vida toda ou em
fortalecer as relações com seus subordinados, pois, na nova era, essas questões são
irrelevantes, visto que o que dá lucro não se procura mais com durabilidade e confiabilidade, e
sim com circulação, novidade e reciclagem em alta velocidade. De modo que, os grandes e
poderosos buscam cada vez o efêmero, enquanto as classes mais baixas vivem na busca
constante da estabilidade das suas posses.
Bauman (2001) considera que a desintegração das redes sociais é tanto uma condição
como uma consequência das relações de poder, que possui como objetivo o desengajamento e
a evasão dos laços, permitindo a fluidez do movimento, não se firmando em redes sociais,
nem territoriais. Deste modo, os detentores do poder fortalecem-se no rompimento das
relações frágeis, evitando se fixar a um só objetivo, quando se possui uma ampla variedade de
possibilidades.
Com a grande revolução tecnológica, as pessoas estão cada dia mais conectadas e
próximas digitalmente, mas distantes presencialmente umas das outras, vivendo uma falsa
ilusão de proximidade, traçando diálogos cada vez mais superficiais. É evidente que existe
também a contribuição positiva dessa nova era digital, a qual permite que as pessoas de todo o
mundo tenham contato, que a informação venha cada vez mais rápido e que pessoas que
haviam perdido os laços continuem em contato, mesmo com o distanciamento geográfico e de
condições de vida.
Com a crítica excessiva sobre a realidade, as pessoas acabaram absorvendo a
insegurança e a necessidade constante de autoafirmação, tratando seus sofrimentos como
banalidades e possíveis de resolução rápida, buscando a fuga pelos seus problemas e também
formas rápidas de preparação para as diversas questões que possam aparecer, vivendo em um
estado constante de alerta frente às adversidades.
Nessa sociedade moderna, a principal dificuldade para alcançar a emancipação é
transformar a autonomia individual em uma autonomia de fato. Bauman (2001), ao discutir
sobre emancipação, associa-a diretamente com o conceito de liberdade, de movimento e ação,
como caminho para atingir a independência necessária. Todavia, essa liberdade é constituída
pelo equilíbrio entre alcançar todos os desejos e agir sobre eles, mantendo a responsabilidade
pelas decisões tomadas.
Segundo Marcuse (apud Bauman, 2001, p. 25), para alcançarmos a liberdade desejada
[...] temos que nos libertar de uma sociedade rica, poderosa e que funciona
relativamente bem... O problema que enfrentamos é a necessidade de nos libertamos
de uma sociedade que desenvolve em grande medida as necessidades materiais e
mesmo culturais do homem – uma sociedade que, para usar um slogan, cumpre o
que prometeu a uma parte crescente da população. E isso implica que enfrentamos a
libertação de uma sociedade na qual a libertação não consta com uma base de
massas.
Isso quer dizer que, na sociedade moderna, as pessoas tendem a viver em uma “falsa
liberdade”, na qual se iludem e se satisfazem com o pouco ofertado, estando atreladas à
imagem de liberdade imposta pelo governo e pela mídia. Porém, esta libertação está longe de
ser alcançada. Para isso, é necessário que as pessoas tenham a oportunidade de experimentar a
liberdade de fato, para que, assim, juntem forças para lutar pelo modelo ideal (BAUMAN,
2001).
E, assim, o amor é compreendido como algo oculto, difícil de prever, pois, nessa
relação, duas pessoas distintas se envolvem. Mesmo assim, deve-se arriscar, pois seria através
dessa relação que seria encontrada uma possível completude, transmitindo na liberdade um
possível caminho para a felicidade. Nesse sentido, Bauman (2004, p. 32) afirma: “Ninguém
está dizendo que seja fácil transformar as pessoas em parceiras do destino, mas não existe
alternativa senão tentar, repetidamente”.
Além disso, não é possível encontrar amor “sem atingir a humildade, a coragem, a fé e
a disciplina verdadeira” (FROMM, 1957, 1995 apud BAUMAN, 2004, p. 18), pois é no
complemento desses elementos que o amor caminha. Este mesmo autor ainda afirma a
dificuldade que é desenvolver esses laços nesse mundo líquido e de consumo, e que conseguir
a capacidade de amar constitui uma grande conquista em um mundo que transmite a ideia de
amor repleto de fascínio e desejo sem esforço e suor.
Na atualidade, os relacionamentos humanos buscam mais encontrar o fracasso nas
relações do que a plenitude do amor, garantindo a individualidade como via estratégica de
preservação dos sujeitos e dos seus sentimentos (BAUMAN, 2004).
Para Bauman (2004), o amor pode ser encontrado também no cuidado, no zelo com o
outro. O amor busca ajudar na construção do mundo, pela doação de si ao todo, pois amor
gera amor e significa também entrega, permitir-se, estar à disposição, sem deixar a
responsabilidade de lado.
51
Não se pode perder também o amor próprio ao se referir a si. Bauman (2004), ao trazer
essa concepção para reflexão, destacou como é difícil amar estranhos ou se desprender de
relações egoístas e inseguras em busca de um amor sem valores impostos ou relações de
troca. O amor como entrega, doação e como preceito da existência humana.
O ser humano, ao aceitar o preceito de amar ao próximo, para Bauman, corresponde a
(2004, p. 70) “um ato de fé”, no qual assume a postura de ser racional e pensante,
diferenciando-o dos animais irracionais. Os instintos são afastados, e a racionalidade ocupa a
base da existência da humanidade, surgindo a moralidade como eixo orientador do
comportamento humano dentro da sociedade. Dessa forma, “a sobrevivência de um ser
humano se torna a sobrevivência da humanidade no humano” (BAUMAN, 2004, p. 71).
O amor ao próximo para Bauman (2004) caminha em sentido contrário aos princípios
naturais, da sobrevivência e dos instintos de proteção encontrados no amor próprio
(BAUMAN, 2004). O amor próprio envolve o amor por si mesmo, na perspectiva de se
manter vivo, resistindo a todo tipo de adversidade que possa desencadear a perda da vida,
funcionando como um instinto de proteção. Além disso, o amor próprio proporciona nos
sentirmos amados e sermos reconhecidos por isso. E esse amor só surge pelo reconhecimento
de já ter sido amado por outro, ou seja, só conseguimos o amor próprio após nos sentirmos
amados por outro e, a partir daí, conseguimos amar a nós mesmos.
O amor próprio acontece quando se sente o respeito e se reconhece a importância que
a presença do outro exerce à sociedade. Dessa forma, ao revisitar o conceito de amor ao
próximo, levando em consideração a significação do amor próprio, que depende do outro para
acontecer, identificamos a importância dessa recomendação para valorizar a particularidade
de cada um, para desenvolver o mundo à nossa volta de forma exuberante e encantadora.
Numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso
imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, são resultados que não
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Para o autor, os laços humanos no mundo fluido têm como guia a palavra “AGORA”,
não se apegando a relações para manter-se sempre livre para o próximo passo, não refletindo
sobre as perdas envoltas dessas ligações enfraquecidas e da dificuldade para retomá-las.
Nessa nova modernidade líquida, as relações são tão frágeis, e acabam tornando-se
gradualmente individuais. As pessoas passam a ser mais egoístas, olhando mais para si do que
para o outro e parando de pensar no coletivo, como caminho para desenvolver um mundo
melhor. A partir da leitura das obras de Bauman (2001, 2004), o relacionamento humano é
visto como a chave da transformação da sociedade, no qual, a partir do momento que o ser
humano internaliza essa visão, o olhar de “comunidade” para si e para o mundo, será possível
atingir mudanças sociais significativas.
Nessas relações, ocorre muito o olhar individualizado, onde falta confiança em si e no
outro, enfraquecendo o engajamento político e as ações políticas.
No mundo capitalista, até o ato de gerar um filho pode ser encontrado facilmente entre
os desejos da modernidade, em clínicas de reprodução. No mundo moderno, a geração de um
filho passa a ser uma fonte de consumo emocional, desejada por muitos e, ao mesmo tempo,
desprezada por outros que enxergam a figura do filho como uma possibilidade da retirada da
liberdade, exigindo compromisso, custo e aprendizados por toda a vida.
Foram estabelecidos dois sistemas de mercado, um econômico e outro consumista. O
modelo econômico vive em constante mudança e segue as exigências tecnológicas e
industriais, no qual as pessoas ficam submissas às necessidades impostas, e não abertas a
ouvir os seus desejos interiores, seu corpo e suas paixões.
Na lógica consumista, é natural ser rápido e aberto, mas não sensível ao mundo e às
pessoas. Seres consumistas passam por um processo, no qual se tornam primeiro mercadoria
para depois se transformarem em sujeitos, desenvolvendo as relações, semelhante aos
consumidores e os objetos de consumo (BAUMAN, 2008). Além destes, Bauman (2004)
ainda destaca outro grupo, os habitantes que ficam imersos em uma área cinzenta, que
corresponde à massa da população que não se encaixa no mercado; são as pessoas que vivem
em comunidades e que acreditam em
Bauman (2004) destaca em sua obra que os seres humanos são os principais
responsáveis pelo ataque constante do mercado. Em sua ânsia pela produção e consumo sem
responsabilidades, acabam desfazendo suas habilidades sociais e seus valores internos ao
julgar, avaliar e tratar os outros seres humanos como objetos, valorizados pelos bens que
56
possui ou pelo grau de satisfação ofertados por eles, atingindo o consumidor e reduzindo a
solidariedade.
Com o surgimento e o uso indiscriminado das novas tecnologias, repleta de múltiplas
ofertas, frequentemente esses equipamentos diluem e consomem todo o tempo dos seres
humanos, no entanto, a sua finalidade permanece a mesma, cativar mentes e corações.
As tecnologias digitais permitiram a diminuição das distâncias entre os seres humanos.
Todavia, durante a descoberta de novas facilidades, o ser humano não parou para pensar que
estas poderiam se voltar contra eles mesmos (WANDSCHEER, 2012).
Um exemplo disso é o uso excessivo dos aparelhos celulares, dificultando cada vez
mais as relações sociais dos indivíduos, uma vez que eles ficam imersos constantemente na
atmosfera virtual e acabam não se permitindo construir novas relações presenciais, vivendo
uma falsa ilusão de proximidade em ambientes virtuais. Sendo assim, as pessoas passam a se
relacionar cada vez menos, evitando olhares, diálogos, contatos presenciais, preferindo estar
conectadas a engajarem-se realmente em ações coletivas, tão necessárias para à significação
da vida humana (BAUMAN, 2004).
Como Bauman (2004, p. 58) anuncia, trata-se de “uma separação final entre o
fisicamente distante e o espiritualmente remoto”. Tornando as conexões humanas breves,
intensas e passíveis de rápidos rompimentos, de acordo com a conveniência necessária,
acabando com a comunicação e os relacionamentos.
Com a modernidade líquida, as pessoas tendem a se conectar à globalização, pela qual
se distanciam da sua localidade, perdendo sua essência local e absorvendo o valor do outro.
De maneira que o que é usado pela elite global passa a ser objeto de desejo de todos,
contribuindo para o desenvolvimento de novas identidades locais.
[...] que é uma reação que confunde a mente humana, gerando calafrios e colapsos
nervosos” com a ideia de mudança e diversidade, mantendo os padrões estabelecidos
e a polifonia que constitui a “diversificação cultural no cenário urbano, estimulando
impulsos segregacionistas.
Com isso, Bauman (2004) identificou com suas análises um distanciamento espacial e
social, decorrente do medo de se envolver, de sentir o desconhecido, de conviver com
“estranhos”, de gerar humanidade no humano. Amar ao outro como a si próprio envolve o
desejo de querer ao outro o que se quer para si. Os vínculos virtuais e de pouco envolvimento
prevalecem, onde as pessoas tendem gradualmente a se esconderem em seus condomínios
fechados ou a buscarem se isolar de modo a se proteger e não perceber as dificuldades do
outro, se igualando àqueles que vivem próximos a si. Até porque, o que não pode ser visto,
não pode ser sentido. Vivendo-se, portanto, nessa ilusão de bem-estar geral, ao evitar o
compromisso com o outro.
58
CAPÍTULO 4
O AMOR COMO EMOÇÃO FUNDANTE DO SOCIAL
59
CAPÍTULO 4
Segundo Maturana (2002), o amor pode ser encontrado na origem do ser humano,
constituindo uma parte importante da dimensão individual e orgânica e exercendo forte
influência para evolução da espécie humana.
Os seres humanos são constituídos por sistemas moleculares que vivem em constante
mudança e transformação estruturais, devido às relações e influência do meio em que
habitam. Para constituir essa afirmação, Maturana (2002) sofreu grande influência dos estudos
do naturalista inglês Darwin sobre a teoria da evolução humana, na qual a hominização sofre
influência de fatores multidimensionais.
Maturana (2002) classificou o desenvolvimento humano a partir de fatores
ontogenéticos, onde o desenvolvimento sofre influência dos aspectos socioculturais para
promover os estímulos cerebrais, e o filogenético, pelo qual o desenvolvimento se dá por
mutações genéticas e funcionais produzindo novos indivíduos pelo ato da reprodução de
espécies distintas.
Desse modo, Maturana afirma em diversos trechos da sua obra que o desenvolvimento
humano vai além dos aspectos naturais, sofrendo forte influência dos aspectos socioculturais.
O amor constitui um importante sentimento para fundamentar a evolução e o agir humano,
fazendo parte inata do seu ser, participando ativamente da sua estruturação, alcançando o
âmago mais profundo do indivíduo, contribuindo diretamente para o desenvolvimento de
todos os indivíduos (MATURANA, 2002).
Para este autor, o amor acontece de forma espontânea, através da aceitação de dois
organismos que se respeitam, promovendo a relação entre ambos, não precisando de um
motivo para acontecer; ele simplesmente “acontece por que acontece e permanece enquanto
60
permanece” (MATURANA, 1997, p. 184). Sendo assim, ao destacar esse sentimento nas
dimensões pedagógicas, podemos afirmar que uma prática amorosa pode ajudar a promover
uma disposição maior de aceitação, acolhimento e socialização ao outro.
Outra importante afirmação de Maturana (2002) é que o amor pode ser encontrado nas
práticas cotidianas, que insistimos em negar, criando barreiras culturais, devido à influência
de outras emoções.
Isso tudo ocorre devido a resistências dos seres humanos ao amor, ensejadas pela
absorção de discursos racionais de negação, criado pelos mesmos. No entanto,
biologicamente, estamos propícios ao amor, independentemente da racionalidade; é algo que
não conseguimos controlar, pois nossa disposição biológica está presente na nossa história
evolutiva (MATURANA, 2002).
Para Maturana (2002, p. 23), “a emoção fundamental que torna possível a história da
hominização é o amor”. O autor relaciona o aparecimento dessa emoção ao surgimento da
62
Sendo assim, Maturana (1998) aborda o amor como emoção primordial que fundamenta
o social, através das relações de aceitação e de reconhecimento do outro, reafirmando o amor
como base da convivência, que só se realiza pelo conversar e possui o professor como
protagonista desses processos, no âmbito da escola.
Além disso, ele aborda que a linguagem atinge diversos segmentos da realidade e que só
existe a partir de uma experiência base. Para Maturana (1998), as diversas visões são sempre
válidas nos diferentes segmentos, porque se estabelecem a partir de vivências diferentes. A
partir do momento que essas diferenças divergem, entra em um estado de negação, onde é
necessário "domínio de coordenações condutais coordenadas" (Maturana, 1998, p. 96). E o
papel do professor torna-se fundamental nesse processo, desempenhando papel de guia na
criação desse espaço de convivência construído pelas diferenças.
Sendo assim, a educação passa a ser essencial à medida em que protege o lado biológico
do amor presente no humano, potencializando a aprendizagem humana pela associação da
solidariedade com o amor, no processo de socialização, gerando uma teia produtiva,
promovendo um ambiente com gestos e atitudes de cooperação, tolerância e acolhimento do
outro (MATURANA, 2002).
Maturana (2002) defende que as relações sociais são fundamentais para o exercício do
amor. Acredita que só conseguimos nos relacionar bem se estas relações forem pautadas no
amor, explicando que o amor, na verdade, é fruto da socialização. No entanto, alerta para o
fato de que relações pautadas na competição não se configuram como socialização e destroem
63
a naturalidade da presença do amor nas relações humanas. Assim, afirma que a competição,
tão presente nas relações contemporâneas, nega o outro, e negando o outro, nega o amor.
O amor é a emoção central na história evolutiva humana desde o início, e toda ela se
dá como uma história em que a conservação de um modo de vida no qual o amor, a
aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, é uma condição
necessária para o desenvolvimento físico, comportamental, psíquico, social e
espiritual normal da criança, assim como para a conservação da saúde física,
comportamental, psíquica, social e espiritual do adulto. (MATURANA, 2002, p. 25)
Sendo assim, o conceito de amor não nasce com o sentido de culto a esse amor, e sim
exemplifica como uma atitude para o desenvolvimento da evolução para aprendizagem, pela
aceitação legítima do outro, independente das diferenças.
O acolhimento deve acontecer no amor, e não na competição. É desta perspectiva que
partem muitos dos estudos de Maturana, para quem o ato de aprender se constitui em um
fenômeno complexo que envolve as múltiplas dimensões do humano em seu indissociável
processo de ser e de estar no mundo.
Atualmente, na sociedade moderna, associa-se competição à fonte de progresso. As
pessoas acreditam que quem é mais competitivo garante um bom lugar na sociedade, o que é
tido com um sucesso pessoal. Nessa discussão, questionamos essa postura. Para Maturana, a
competição pode fazer com que não enxerguemos quem está à nossa frente, levando-nos a
negar o outro. Negando o outro, deixamos de nos relacionar verdadeiramente, fato
indispensável à nossa existência, e deixamos concomitatemente de evoluir enquanto seres
biológicos.
O amor constitui a emoção que domina nossas ações, o qual, na interação constante
com o outro, faz do outro um legítimo outro na convivência, indicando que a interação com
amor amplia e firma a convivência, enquanto as interações com agressão afetam e rompem a
convivência (MATURANA, 2002, p. 22).
No entanto, hoje, depois de tantos avanços tecnológicos, observamos a forma como as
relações virtuais crescem, o que poderia não significar um afastamento real entre as pessoas,
se esta forma de relação não estivesse substituindo o encontro pessoal, antes vivenciado da
forma mais natural possível. Fato é que esta modernidade em que vivemos traz consigo uma
misteriosa fragilidade dos laços humanos, um “amor líquido”. Há uma transposição da lógica
das relações de consumo para o relacionamento amoroso (BAUMAN, 2004). Assim, a
sociedade pós-moderna oferece novas formas de relacionamentos amorosos.
Numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso
imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam
esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do
dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que
se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à
semelhança de outras mercadorias, que fascinam e exibindo todas essas
características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem
esforço. (BAUMAN, 2004)
O amor pós-moderno está ancorado nesse desafio, que é saber e aprender o que é
amar, residindo em novos tipos de relacionamentos entre as pessoas e gerando novos desafios
para o saber e aprender a amar, alterando o vínculo com o transcendente, entre as pessoas e a
matéria, e na conexão da própria pessoa com seu interior (SOUSA; ROCHA, 2013).
Assim, constata-se que o processo de aprendizagem está diretamente vinculado às
variações no processo ecológico relacional, em um enlaçamento envolvendo o racional e o
emocional. Então, é deste enlaçamento que surgem as coerências operacionais de nossos
sistemas de argumentação. Dessa forma, acreditamos que tomamos nossas decisões racionais
sem que as emoções estejam envolvidas no processo, mas o que acontece, de fato, segundo
Maturana (2002) são as emoções, que primeiro direcionam nossas decisões racionais.
65
CAPÍTULO 5
O AMOR EM PAULO FREIRE
66
CAPÍTULO 5
É nesse período que Saviani (2007, p. 315) declara que a expressão Educação Popular
assume o sentido de “educação do povo, pelo povo e para o povo”, buscando superar seu
significado anterior, visto que era uma educação das elites, dos grupos dirigentes e
dominantes, para o povo, de modo a controlar, manipular e regular a ordem existente.
68
² "Isebiano" vem de ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), constituído predominantemente por
escritos e conferências de Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbisier. Foi uma das fontes principais usada por Freire
para desenvolver a consciência crítica.
69
cultura, difundindo não só a escrita, mas a consciência crítica, política e social dos indivíduos,
de modo a intervir diretamente na realidade. Enquanto o MEB, vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), desenvolveu um programa de educação através de
escolas radiofônicas, com o mesmo objetivo de promover a conscientização, valorizando
aspectos físicos, morais e espirituais (FÁVERO, 1983; PAIVA, 2003).
Além dessas duas entidades, podemos destacar outras experiências envolvidas no
Sistema Paulo Freire, como a Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR),
formada por profissionais e estudantes universitários advindos da Juventude Universitária
Católica (JUC) e a campanha “De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler”, em Angicos/RN,
uma das experiências mais destacadas pela mídia desse sistema, ambas desenvolvendo o
trabalho de alfabetização de base com o Sistema Paulo Freire (SCOCUGLIA, 2001). De
modo que, no encerramento dos trabalhos em Angicos, Paulo Freire fecha seu discurso
afirmando
Concluindo, eu apenas gostaria de citar duas coisas aqui de Angicos. É que quando
os homens começam a criar palavras, eles criam palavras que não são apenas
vocábulos, mas que são conceitos; ora são conceitos do seu universo, não são do
nosso. Eles chamam a estas palavras que não existem e que eles criam e depois
descobrem que não têm uma existência funcional, eles chamam de palavras mortas e
chamam as palavras que existem de palavras de pensamento. No que há, aliás, uma
coisa até certo sentido poético e daí em diante, Senhor Presidente, apenas onze
situações sociológicas foram necessárias para nós deixarmos estes 300 homens de
Angicos, não apenas podendo fazer uma carta a V. Exª., mas sobretudo podendo
dizer conscientemente que de hoje em diante estes homens vão votar não nos
homens que lhes peçam voto; vão votar não nos padrinhos, vão votar não nos
políticas que somente porque sejam políticos se apoderam do seu destino; vão votar
não somente nos coronéis ou porque coronéis, mas vão votar precisamente na
medida em que estes candidatos revelem uma possibilidade realmente e de lealmente
servir ao povo e servir a eles mesmos” (FREIRE apud SCOCUGLIA, 2003, pp.36-
37)
Vanilda Paiva (1984) destaca a preocupação com a alfabetização dos jovens e adultos
na busca do ajustamento social nesse período:
A educação dos adultos convertia-se num requisito indispensável para uma melhor
reorganização social com sentido democrático e num recurso social da maior
importância, para desenvolver entre as populações marginalizadas o sentido de
ajustamento social. A campanha significava o combate ao marginalismo, como
pronunciamento de Lourenço Filho: “devemos educar os adultos, antes de tudo, para
que esse marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário;
devemos educá-los porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para
que todos melhor saibam defender a saúde, trabalhar mais eficientemente, viver
melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral (PAIVA, 1984, p. 179).
Em todos esses movimentos citados, Freire valorizava a cultura popular, seus hábitos e
costumes, como guias para construção do processo educativo e do seu universo vocabular, no
70
qual se aprendia a ler as palavras para poder ler o mundo. Compreendendo a educação, como
um ato político, fazendo do ato de ensinar uma ação cultural, buscando pela problematização
da realidade, a reflexão para solucionar esses problemas, gerando a transformação da
realidade
Desse modo, ao compreender a contribuição da proposta pedagógica de Paulo Freire,
em 1964, foi instituído o Plano Nacional de Alfabetização, que visava à sua difusão em
âmbito nacional, porém, nesse mesmo ano, esse plano nem chegou a ser executado, devido ao
golpe militar de 1964. No entanto, o país ainda precisava de um rápido processo de
alfabetização. Com isso, foi criado, em 1967, o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL).
O MOBRAL possuía muitas semelhanças com o método Paulo Freire, mas com
diferenças consideráveis. Esse método limitava-se a ensinar o aluno a ler e escrever
mecanicamente, simplesmente, utilizando-se de palavras geradoras para guiar o processo
educativo, divergindo, contudo, da metodologia freiriana, pois não partia de suas experiências
cotidianas, não possui as perspectivas críticas e nem identificava os anseios de cada povo,
padronizando seu material ao de toda dimensão territorial (PAIVA, 1987).
A Educação Popular desenvolveu-se em um contexto de resistência à opressão,
integrando-se, nesse período, com o movimento social de luta contra a ditadura, devido à
crescente mobilização da sociedade, que mesmo em um contexto de grande repressão, fez-se
presente no enfrentamento que deslegitimou uma política autoritária (OLIVEIRA et al, 2004).
Este período também foi marcado pelo exílio de vários educadores populares,
incluindo Paulo Freire, e foi durante o mesmo que surgiram as inspirações teóricas para a
escrita do livro “Pedagogia do Oprimido”, uma das principais obras freirianas, a qual
posteriormente, foi difundida por diversos países da América Latina, Europa, EUA e em
trabalhos de bases em geral.
Segundo Vasconcelos (2008), o movimento da Educação Popular sofreu grandes
mudanças com o Golpe Militar. Apesar disso, a Educação Popular foi adquirindo sentido
enquanto forma de resistência ao regime ditatorial, inspirando o surgimento e o
desenvolvimento de inúmeras experiências educativas, não apenas no Brasil, mas em toda
América Latina (BRASIL, 2012).
De modo que a educação popular durante os anos passou por grandes influências
mundiais, como
Nos anos 1970 e 1980, a Educação Popular esteve presente nos movimentos
populares, junto às associações comunitárias, grupos populares e setores progressistas da
Igreja Católica, como nas Comunidades Eclesiásticas de Base (CEB’s) ou nas Pastorais
(marcadamente a Comissão Pastoral da Terra – CPT), nas quais acabaram abrindo espaço
para as experiências, exercendo funções diretamente na sociedade em aspecto organizativo,
educativo, padronizando os setores populares envolvidos. Além disso, nesse período ocorreu
uma maior abertura política, apesar do rígido controle da censura, de modo que a Educação
Popular exerceu papel primordial de aglutinação no movimento de redemocratização e na
construção da Constituição de 1988 (CORREA, 1993).
No entanto, o cenário dos anos 1990 foi diferente, com o fim da Guerra Fria. O projeto
neoliberal foi implementado no país e gerou inúmeras dificuldades em vários campos. Além
disso, houve a globalização e o avanço tecnológico, refundamentando a Educação Popular
(GUEVARA, 2005). Essas mudanças perpassavam principalmente pela escassez de diálogos
72
teóricos presentes nas ações de Educação Popular, focadas principalmente em âmbito local e
refletindo pouco a nível nacional, gerando um localismo, não promovendo a reflexão da
experiência (GOHN, 2002).
Segundo GOHN (2002), foi um momento de redefinições de teorias, conceitos,
metodologias e objetivos, antes centrada na política e na estrutura da sociedade, e que passou
a se voltar para os indivíduos, para sua cultura e representações, organizadas em torno de lutas
específicas pelos movimentos sociais, estabelecendo novas formas de relações.
Em seu percurso de mais de cinquenta anos de história, a Educação Popular tornou-se
um referencial importante aos movimentos sociais e coletivos interessados na transformação
social, assim como para gestões que apresentam a ampliação da democracia e do
protagonismo dos setores populares como princípios básicos de suas políticas, na perspectiva
da ampliação do espaço público (BRASIL, 2012).
O conceito de amor nasce na perspectiva freiriana fruto da forte influência do
Cristianismo, mais precisamente da Teologia da libertação, possuindo vinculação às bases
humanitárias e ao compromisso para com as classes mais empobrecidas, propondo o
engajamento político dos cristãos na construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Considerando o pobre não como um objeto de caridade, mas sujeito de sua própria libertação,
protagonista de sua história (SILVA, 2009).
Nesse período de fortes conflitos políticos e de propagação do desafeto, o estudo sobre
o amor gera novos caminhos, promovendo a reflexão sobre transformação social, de modo
que a análise desses textos possibilitou a leitura mais ampla sobre a proposta emancipatória de
Freire, que pode ser analisada de uma perspectiva micro, ao se voltar ao individuo, ou macro,
em âmbito mais geral e coletivo.
A ligação de Freire com a perspectiva Cristã surge ainda na infância, como ele aborda
no livro “Conscientização”, a partir da influência do catolicismo praticado por sua mãe e sua
escolha ao fazer a primeira comunhão, após identificação com os preceitos da Igreja Católica
(FREIRE, 1979). Posteriormente, sua inserção cada vez maior em estudos teológicos e sua
identificação com a teologia da libertação o motivou a participar por dez anos de ações no
Conselho Mundial das Igrejas, o que culminou com seu trabalho na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. No entanto, apesar de sua inserção nesses espaços, Freire não se
denominava um homem religioso, e sim um ser cristão.
Streck (1991), ao analisar a leitura de Freire a partir da educação cristã, destaca a
relação de Freire com a igreja e o cristianismo, a influência da religião para a formação deste
educador, fortemente presente nas suas relações sociais e em diversas ações de sua vida,
principalmente no seu compromisso com os pobres, oprimidos e marginalizados.
O afastamento de Freire das ações religiosas da igreja veio a ocorrer quando ele tinha
por volta de 20 anos, através de uma mudança de sua compreensão, ao notar que existia um
distanciamento entre a vida, os engajamentos exigidos nela e o que era propagado nos
sermões dos padres, gerando com isso reflexões, frustrações e desmotivações sobre, até então,
sua religião. Apesar disso, Freire nunca se afastou dos preceitos cristãos. A retomada da
leitura sobre Tristão Athayde, pensador católico e intelectual, fez com que ele se
reaproximasse novamente da igreja, o que levou posteriormente ao encontro com o
movimento de ação católica em Recife (STRECK, 1991).
Paulo Freire foi o intelectual que ajudou a restabelecer o diálogo entre a perspectiva
pedagógica e a teológica em um momento peculiar, no qual estava começando a desabrochar
a consciência de povo nos brasileiros. Destacando o lançamento de duas importantes obras na
década de 1970, a “Pedagogia do Oprimido”, com Freire, e a “Teologia da Libertação”, com
Gustavo Gutiérrez, ambos trabalhos que propõem novas práticas reflexivas (STRECK, 1991).
Além disso,Streck (1991, p. 272) abordou também a divisão entre essas duas tendências
O novo momento representa também uma ruptura com duas tendências dominantes
na relação entre teologia e pedagogia. Numa delas, havia uma instrumentalização
mútua, sendo que a teologia entrava com os conteúdos (já estabelecidos) e a
pedagogia com os mecanismos de transmitir (“depositar”) estes conteúdos de forma
eficiente. Na outra, simplesmente havia um distanciamento: a pedagogia estava
fortemente influenciada pelo positivismo e pragmatismo que deixavam pouco
espaço (se deixavam algum) para a dimensão religiosa e a teologia também não
encontrava os caminhos para dialogar com uma ciência secularizada.
Esta afirmação de Streck (1991) serviu para compreender o papel da teologia no novo
momento, em que alguns autores costumavam denominá-la como um forte processo
74
pedagógico que abrangia a dimensão teórica em si pela reflexão das experiências do povo em
busca da sua libertação, e a pedagogia difundiria aos demais essas experiência. Sobre a sua
compreensão para a teologia da libertação, Freire destaca em seus escritos
[...] a primeira condição para saber ouvir e efetivamente pôr em prática a Palavra de
Deus é, na minha opinião, estar genuinamente disposto a se comprometer no
processo de libertação do homem [...] A Palavra de Deus me convida, em última
análise, a re-criar o mundo, não para a dominação de meus irmãos, mas para sua
libertação [...] Isso significa que ouvir a Palavra de Deus não é um ato passivo, nem
um ato em que somos recipientes vazios a serem preenchidos por essa palavra que
não poderia, então, ser salvadora. Essa Palavra de Deus, enquanto salvadora, é uma
Palavra libertadora que os homens têm que assumir historicamente. Os homens
devem transformar-se em sujeitos de sua salvação e libertação”.
Uma das releituras que desejo fazer em diálogo com outros colegas é a teológico-
bíblica. Já falei com o amigo Danilo Streck, da UNISINOS, que aderiu logo à idéia.
Trata-se de ler tua obra e tua trajetória de luta a serviço dos condenados da terra,
dos oprimidos do mundo, na perspectiva de tua fé cristã, que não foi à fé de um
cristianismo comprometido com o status quo, mas sim na linha de uma teologia da
libertação e da laicidade, como preconizaram La Tour Du Pin, Ozanan, Buchez,
Teilhard de Chardin, Bernanos, Péguy, De Lubac, Chenu. Um cristianismo como o
queriam Lebret, Hélder Câmara, Duclerq. Um cristianismo de fortes, de lutadores,
como o visualizava Mounier no seu livro -meditação L’affrontment chrétien. Um
cristianismo como o descortinou João XXIII.(ANDREOLA, 2000, p. 12)
aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse o amor,
nada disso adiantaria. (BÍBLIA SAGRADA, Coríntios, 12,29-30; 13,1-13, 2010)
Assim sendo, é possível perceber como a perspectiva cristã possui forte influência do
amor como princípio ético, lutando pela justiça, pela libertação encharcada de participação e
cidadania, pelo respeito, pelo fim da miséria, mas tudo com amor e para o amor,
diferenciando-se de outras perspectivas emancipatórias, focada nas relações políticas e
econômicas de suas organizações institucionais (BATISTA, VASCONCELOS, COSTA,
2014).
Calado (2009) destaca em seus estudos a forte relação da base cristã freiriana com a
perspectiva social difundida pela teologia da libertação, na qual ambas convergem no
engajamento político, buscando a construção de uma sociedade melhor, com justiça social e
mais igualitária. Silva (2009) destaca o forte sentimento de amor humanitário presente nas
práticas freirianas, através de uma relação de compromisso para com os pobres, oprimidos e
marginalizados da sociedade. Não vendo o indivíduo pobre como um ser excluído da
sociedade ou digno de caridade, mas como um ser humano como qualquer outro, repleto de
potencialidade, podendo, assim, se tornar protagonista da sua própria história, a partir da
libertação das prisões sociais que se encontra.
A compreensão freiriana parte desse mesmo princípio, expressando-se através de
práticas educativas libertárias, conscientizadoras, críticas e problematizadoras, encontrando
nas lutas políticas a chave para a transformação.
Podemos encontrar na amorosidade de Freire sua conexão com o amor Ágape,
abordado por Sponville (2009), ancorando a dimensão de amor ao bem-estar do outro,
firmando uma relação benevolente, caridosa, acolhedora e altruísta, distante de fundamentos
materialistas. Um amor sem amarras e barreiras, pensando no universal, possibilitando um
amor menos egoísta e individualista.
É importante destacar que a dimensão cristã não se encontra exclusivamente em Paulo
Freire, mas perpassa por toda a Educação Popular, onde muitos dos seus militantes já
possuem bases cristãs, devido ao movimento das ações pastorais vinculadas às igrejas por
toda a América Latina (BATISTA, 2012).
O amor de Freire pode ser encontrado tanto nas suas obras quanto nas suas ações
humanitárias por toda sua trajetória de vida, como afirma Araujo Freire (2000), através da sua
compaixão e solidariedade para com os oprimidos, pelos atos de fé na humanidade e,
principalmente, por nunca perder a esperança na transformação da realidade. Nesse sentido, o
amor não seria só apenas uma estratégia metodológica, mas o que motiva a caminhada dos
78
Nessa perspectiva cristã, a amorosidade não seria apenas uma metodologia para o
diálogo mais intenso, mas um fim em si mesmo. Não se busca apenas uma sociedade
justa, participativa e sem marginalizados ou oprimidos, mas uma sociedade
amorosa, pois só assim o ser humano se realizaria plenamente. (BATISTA et. al.,
2014, p. 1410)
Com base nessas considerações e abordando o conceito de Freire (1987) que abrange o
amor como um compromisso com o gênero humano e com as lutas pela libertação dos
sujeitos oprimidos, podemos dizer que encontramos o amor integralmente nas práticas
educativas desenvolvidas pela educação popular, gerando práticas problematizadoras aos
oprimidos, repletas de intencionalidades políticas, fazendo com que os sujeitos se apropriem
da causa de sua libertação para, assim, gerar a transformação social necessária.
Ao pensar sobre as relações presentes dos humanos com o mundo, podemos perceber
que ela vai muito além das relações animais, existindo diversos tipos, podendo ser superficial,
profunda ou corpórea. Na visão do homem, o mundo é constituído de uma realidade que
existe independente dele. No entanto, é importante percebermos a importância do papel do
homem na sociedade, onde não basta que a sua figura esteja presente no mundo, mas que ela
ajude a construir o mundo, exercendo um papel participativo e fundamental na realidade
(FREIRE, 1986).
Para Freire, toda ação humana depende de diversos fatores para acontecer, relacionada
diretamente à relação presente no tempo e no espaço. Segundo esse autor, é primordial
acontecer o diálogo entre a consciência e o mundo, de modo que não há um sem o outro,
ambos acontecem em comunhão e a partir da reflexão de sua própria prática (STRECK,
1991).
Na compreensão sobre o diálogo, podemos identificar a proposta pedagógica de
Freire.
Com essa citação, o autor buscou abordar a importância de o diálogo ocorrer como
uma comunicação entre os seres, desenvolvendo a criticidade, e sendo alimentado por
diversos sentimentos, como o amor, a esperança, a fé e a confiança. Pelo qual, guiam-se
questões vitais ao desenvolvimento do ser, levando o homem a crer em si ao crer no outro
(FREIRE, 1986).
A perspectiva dialógica amorosa de Freire vem surgir ainda na sua infância e repercute
por toda sua vida, com suas primeiras experiências de alfabetização – inicialmente com seus
pais, no quintal da sua casa, devido à dificuldade financeira, em que era ensinado a partir das
palavras e frases ligadas à sua experiência –, e posteriormente com sua professora Eunice –
que, de forma amorosa, fazia-o usar as suas palavras em sentenças, fazendo uso dos verbos,
modos, tempos, e depois discutia os seus significados, intervindo só quando necessário, e,
nesse processo de ensino aprendizagem, fazia-o refletir e criar a partir de sua vivência –.
Esses representaram momentos significativos em sua vida (TONIOLO, 2010).
Em diversas falas de Freire, ficou clara a sua relação dialogal e de respeito presente
nas suas relações, sejam familiares, profissionais ou entre amigos.
Com eles aprendi o diálogo que procuro manter com o mundo, com os homens, com
Deus, com minha mulher, com meus filhos. O respeito de meu pai pelas crenças
religiosas de minha mãe ensinou-me desde a infância a respeitar as opções dos
demais. (FREIRE, 1979, p. 13)
Como exposto, o respeito é uma das condições primordiais para que ocorra o diálogo.
Assim, as relações também são construídas com o outro, a partir do momento em que cada um
aprende a falar, respeitando a opinião do outro, respeitando concomitantemente a si mesmo,
conhecendo o mundo e as interações presentes nele (TONIOLO, 2010).
Freire acredita em um diálogo que estimule a criticidade do educando, superando a
“cultura do silêncio”, possibilitando ao educando uma releitura do mundo ao problematizar o
seu significado de estar nele, além das suas ações sobre ele, assumindo, assim, o papel de
protagonista da sua história. Para Freire, o problema da educação encontra-se no ensino pela
transmissão do conhecimento, no qual o conhecimento fica centralizado no educador, que
detém e passa o saber para o educando, que o recebe, fragilizando a curiosidade, a
criatividade e a busca de conhecer do educando. Quanto à dificuldade de uma relação dialogal
para que ocorra o ato educativo, Freire (1986, p. 114) destaca
80
A dificuldade está na criação mesma de uma nova atitude — e ao mesmo tempo tão
velha — a do diálogo, que, no entanto, nos faltou no tipo de formação que tivemos
[...]. Atitude dialogal à qual os coordenadores devem converter-se para que façam
realmente educação e não “domesticação”. Exatamente porque, sendo o diálogo uma
relação eu-tu, é necessariamente uma relação de dois sujeitos. Toda vez que se
converta o “tu” desta relação em mero objeto, se terá pervertido o diálogo e já não se
estará educando, mas deformando. Este esforço sério de capacitação deverá estar
acompanhado permanentemente de um outro: o da supervisão, também dialogal,
com que se evitam os perigos da tentação do antidiálogo.
Para Freire (1987) o amor constitui o alicerce que fundamente o diálogo entre os
homens e o mundo. A educação para Freire é vista como uma prática amorosa, cuidadosa,
corajosa, que não foge a luta, e que só se é possível por via do diálogo. Definindo o diálogo
como algo difícil e corajoso de ser realizado, pois com ele se precisa assumir a luta pelas
causas dos excluídos da sociedade. No enfoque freireano, o amor é um método educativo, que
possui em sua base o diálogo e o compromisso como guias para atingir a libertação e
emancipação dos oprimidos (BARRETO, 2013).
O diálogo, segundo Freire (2006, p. 91), deve ser entendido como “o encontro dos
homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo”, por isso é uma condição existencial,
um ato de criação. Toda criação que permite a libertação e transformação, é dialógica, ao
contrário encontra-se opressão, medo, alienação e vazio.
desafio são as relações sociais, nas quais precisa aprender a conviver consigo e com os demais
e, nessa convivência, eles acabam desenvolvendo o seu ser.
Ao compreendermos de fato o ser humano como um indivíduo complexo, que pensa,
sorri, chora, brinca, sente de diferentes maneiras e contextos, cada um com sua
individualidade, percebemos que aprendemos constantemente a ser a gente e, além disso,
percebemos a importância de valorizar as emoções como parte desse processo educativo,
permitindo ir além dos livros e palavras, compreendendo a realidade que reflete na sua escrita
e na sua prática.
Existem diversos espaços sociais, entre eles podemos encontrar a escola como um dos
primeiros locais de interação dos seres humanos, nos quais se aprende na convivência com o
outro, tanto o educador quanto o educando. Todavia, é notável que os educadores passem por
processos que os limitam a valorizar as interações naturais que acontecem dentro do âmbito
escolar e acabam reprimindo essa troca de saberes existente, restringindo ao conhecimento
científico como o único saber considerável para a sociedade (TONIOLO, 2010).
Na escola, aprendemos a cultura do silenciamento, como aborda Fleuri (2008),
começando pela carga horária de ensino, a qual, muitas vezes, não propicia nenhum momento
de comunicação entre os estudantes. Então, o aluno passa a ser reconhecido por se manter
quieto e calado o máximo possível, absorvendo os ensinamentos passados pelo professor.
Nessa cultura de submissão, delimitando a escola ao ensino e os professores aos transmissores
do conhecimento, acaba-se gerando nos educandos o medo de expor suas opiniões, e esse
clima é desencadeado pela repressão de pensamento sofrida pelo educando, em quem o ato de
pensar acaba sendo desmotivado pelo sentimento de insegurança sobre si, na perspectiva de
reproduzir apenas o que os outros pensam e falam; em quem tudo que é pensado e criado por
si não é de importância, assumindo, assim, uma postura de passividade frente ao aprender,
repercutindo diretamente na participação de ações coletivas na sociedade, influindo no ato de
decidir, no pensamento crítico, na criatividade e na sua autonomia dos educandos.
Segundo Freire (1986), quando a relação pedagógica é perpassada pela amorosidade e
pela dialogicidade, oportuniza o desenvolvimento da educação como prática de liberdade e de
humanização. O amor está presente nessas práticas libertadoras com sua dimensão política,
sendo uma das tarefas mais importantes para desenvolver a criticidade.
Arroyo (2004 apud Toniolo, 2010) destaca que trazemos nas nossas memórias marcas
das nossas experiências, incluindo do período de aprendizagem vivenciados na escola, ficando
mais presentes recordações dos gestos e práticas dos nossos professores do que das matérias
ensinadas, servindo de guia para nossas ações futuras.
As bases metodológicas da Educação Popular abrangem elementos essenciais para o
processo ensino-aprendizagem, a partir da afetividade e da amorosidade, constituindo fatores
pedagógicos motivadores da aprendizagem, apresentando vínculo e solidariedade, ao
contrário do pragmatismo da educação tradicional. O processo de ensino aprendizagem
envolve muitos fatores, não só os intelectuais.
para Freire (1993, p. 99) “é uma exigência ou uma condição que se vem fazendo
permanentemente na história que fazemos e que nos faz e re-faz”.
Freire (2006) afirma que a prática pedagógica do amor nos provoca para o
desenvolvimento de processo de aprendizagem dialógico, encharcando a razão de emoção,
capaz de perceber e ler a história humana contribuindo para a emancipação do ser e sua
liberdade, através de uma escola cidadã, levando a transformação e o desenvolvimento de um
mundo mais justo e solidário.
No âmbito de iniciativas e trabalhos sociais orientados pela perspectiva da Educação
Popular, diferentes abordagens surgem cotidianamente, inspirando novas formas de
compreender seus diversos saberes e dimensões filosóficas, éticas, políticas e metodológicas.
Neste caminho, muitos trabalhos acadêmicos vêm sendo desenvolvidos abordando
principalmente os seus aspectos teóricos e metodológicos das práticas na formação,
demonstrando a potência desta perspectiva educacional e elencando algumas das suas
principais categorias.
Este processo tem levantado um debate importante em torno das categorias, bem como
na discussão de valores e princípios importantes nas obras de algumas referências teóricas,
especialmente Paulo Freire, que tenham sido pouco sistematizados pelos autores.
Segundo Paludo (2006), são considerados elementos centrais da Educação Popular a
dimensão cultural (resgate da cultura, construção da identidade, leitura crítica da realidade,
respeito à diversidade e vivência da interculturalidade), a dimensão ética (com forte aporte
para a vivência dos valores, diálogo, participação), a dimensão produtiva (resgate do trabalho
também como formador do humano), a dimensão corporal (cuidado com a saúde e com o
corpo) e a dimensão psicoafetiva (importância do amor, da alegria e da espiritualidade).
Contudo, discorre-se sobre a dimensão psicoafetiva do amor como um dos princípios
teóricos metodológicos da Educação Popular, pelo qual busca orientar a sua práxis a partir da
valorização do que há de humano no ser humano. A Educação Popular veio se desenvolvendo
até hoje sem se sentir exigida a identificar o que permeia a mente e o coração dos seus
educadores. A ausência de estudos relativos a dados emocionais dessas experiências, como a
imersão na consciência e no pensamento crítico, na busca das motivações internas, costuma se
justificar diante da impossibilidade de “medir” processos subjetivos de longa maturação e
escassas transparências.
Paulo Freire escreveu diversas vezes sobre a amorosidade, desde suas primeiras obras,
e a utilizou como ferramenta de ação na Educação Popular para estabelecer troca de
conhecimentos entre pessoas. Este mesmo autor ainda afirma que a amorosidade é um
87
Para Freire, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e
liberdades, é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia. Para
ele, a liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa dos seus
direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado. É nesta perspectiva
que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências
estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências
respeitosas da liberdade. (PONTUAL, 2005, p. 99)
Nessa linha, cabe ao educador preparar os educandos para exercer esses papéis na vida
real, podendo se libertar das amarras do poder através do confronto, possuindo na educação
um caminho para preparar os diferentes atores para esse diálogo, sem perder, desenvolvendo
uma nova forma de poder.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
profunda e sincera, buscando a construção de novas e melhores condições de vida para todos
e todas. Se a vida social é fundada no amor, compete aos educadores e às educadoras a tarefa
de criar situações de aprendizagem desta emoção. Se a modernidade tratou de criar relações
líquidas, talvez seja urgente a tarefa de entrar em contato com as bases biológicas do ser
humano para fazer emergir laços fundados na solidariedade.
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