Bioquímica II - Aula 10

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a u l a
Glicólise: oxidação
de glicose a piruvato I

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Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I

INTRODUÇÃO Na aula anterior, você conheceu a história da Glicólise e soube como se chegou
ao conhecimento disponível sobre esta via metabólica. Agora podemos falar um
pouco mais sobre ela, suas funções, seus intermediários, enzimas, cofatores etc.
Essa é uma via importante, pois a glicose (que você já conhece da Bioquímica I)
é, quantitativamente, o principal substrato oxidável na maioria dos seres vivos:
dos microorganismos ao homem. A glicólise é a principal via para a utilização da
glicose e ocorre no citosol da maioria das células, sendo considerada, portanto,
uma via universal. Ela pode ocorrer se o oxigênio estiver disponível (aerobiose)
ou na total ausência dele (anaerobiose).

A GLICOSE COMO SUBSTRATO OXIDÁVEL

Quase todas as células são capazes de atender às suas demandas


energéticas apenas a partir de glicose. Esse açúcar é imprescindível para
algumas células e tecidos, como hemácias e tecido nervoso, por constituir
o único substrato que eles são capazes de utilizar para obter energia.
Você viu nas nossas aulas iniciais que a energia contida nas moléculas
oxidáveis, como a glicose, são derivadas em última análise da radiação
solar. Esse tipo de energia é transformado em energia química durante
a síntese de moléculas orgânicas (principalmente glicose) que ocorre na
fotossíntese. Os organismos chamados heterotróficos são capazes de
utilizar tal energia presente nas ligações químicas das moléculas orgânicas
para realizar suas atividades celulares. Mas essa utilização não ocorre de
forma direta: primeiro a energia precisa ser convertida em ATP.

Luz solar ADP + Pi ATP

Esquema 10.1: CO2 + H2O (CH2O)n piruvato


fotossíntese glicólise

Uma das vias metabólicas de extração de energia, acoplada à


síntese de ATP, é a glicólise, também chamada via glicolítica. Nela,
a glicose é oxidada (degradada, quebrada) e, durante esse processo
oxidativo, a célula é capaz de utilizar a energia liberada para sintetizar
duas moléculas de ATP.

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A GLICOSE COMO INDICADOR METABÓLICO

O nível sangüíneo de glicose é chamado glicemia. Variações

AULA
na glicemia são indicadores do estado fisiológico do organismo.
Assim, quando a glicemia está baixa (hipoglicemia), as células têm
um comportamento metabólico distinto daquele que ocorre quando a
glicemia está alta (hiperglicemia).
Hiperglicemia indica um estado fisiológico de fartura e, portanto,
de armazenamento ou biossíntese (anabolismo – como você viu nas aulas
de introdução ao metabolismo).
Hipoglicemia indica um estado fisiológico de privação, mesmo
que momentânea, e as células respondem derivando seu metabolismo
para a degradação (catabolismo).
Os níveis sangüíneos de glicose são mantidos dentro de uma
faixa estreita, graças a diferentes vias metabólicas de síntese de glicose
(gliconeogênese) ou armazenamento de glicose na forma de glicogênio
(glicogenogênese), em contraposição a vias de oxidação de glicose
(glicólise). Esse processo, que procura manter os níveis de glicose no sangue
constantes, chama-se homeostase e é finamente regulado por hormônios.
Pequenas variações nesse nível indicam, para as células, o que fazer.

Glicogênio, amido Glossário:

Glicogênio – um
polímero de glicose.

Gliconeogênese ou neo-
glicogênese – síntese de
Glicose glicose a partir de precur-
sores não glicídicos.

Glicogenogênese – sín-
tese de glicogênio.
Glicólise e ciclo Via das
Fotossíntese Gliconeogênese Glicólise – quebra da
de Krebs pentoses-
glicose.
fosfato
Glicogenólise – quebra
do glicogênio.

Co2 e Piruvato ATP NADPH e


luz solar e ribose-5-P
Alanina

Figura 10.1: A homeostase de glicose é mantida pelas vias de síntese e de degradação.

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Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I

6CH GLICÓLISE – ASPECTOS GERAIS


2OH
5 O
H Na via glicolítica, uma molécula de glicose (seis carbonos
H H
4 1 – Figura 10.2) é quebrada, produzindo duas moléculas de três carbonos
HO OH H OH denominadas piruvato. É um processo oxidativo no qual duas moléculas
3 2 de NAD+ (Figura 10.3) são reduzidas a duas moléculas de NADH + H+.
H OH
H O H H O
Figura 10.2: Glicose ou
C C +H
α-D- glicopiranose (projeção 2e-
NH 2 NH 2
de Haworth).
+ 2H+ ..
N N
O CH2 O
R NADH
H H
O P O- H H
Reduzido

O OH OH
NH 2
N
O P O- N Adenina

N N
O CH2 O
H H
H H

OH OH -

NAD+
(oxidado)

Figura 10.3: Nicotinamida adenina dinucleotídeo – NAD. O NAD pode estar na sua
forma oxidada NAD+ ou na sua forma reduzida NADH.

Para que esta via ocorra, existem etapas que consomem energia
(através da hidrólise de ATP - Figura 10.4): etapas endergônicas, onde a
molécula de glicose é preparada para ser clivada; e etapas que sintetizam
ATP: etapas exergônicas, onde moléculas de ATP são formadas a partir
da energia liberada durante o processo oxidativo.

fosfoéster
NH 2
Ligações Figura 10.4: Adenosina
fosfoanidras N
N trifosfato – ATP. Em
destaque, a ligação
N
fosfoéster entre a
O O O N adenosina e o fosfato e
as ligações fosfoanidras,
O P O P O P O
g b a CH2 O entre fosfatos.
O O O H H
H H

OH OH -

Adenosina

AMP
ADP

ATP

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10 MÓDULO 3
No processo completo, associando-se consumo e formação de
ATP, temos um saldo líquido de duas dessas moléculas. Vale ressaltar

AULA
que, na realidade, conservamos parte da energia liberada nesse processo
oxidativo na formação de ligações éster–fosfato (ligações ricas em energia)
entre a molécula de ADP e fosfato inorgânico (Pi). Uma visão geral deste
processo é apresentada na Figura 10.5.
Como produtos desta via temos, além de ATP e NADH, duas
moléculas de piruvato. O destino deste piruvato depende da célula e da
presença ou ausência de oxigênio, como veremos mais adiante.

Figura 10.5: Resumo


da via glicolítica. Uma
Glicólise molécula de glicose (seis
carbonos) é quebrada
em duas moléculas de
piruvato (três carbonos).
Glicose Neste processo, a energia
2ADP +
2NAD liberada é utilizada para a
+ 2Pii síntese de duas moléculas
de ATP. O produto final
(piruvato) pode ter des-
Frutose - 1,6 -
tinos diferentes (lactato,
bisfosfato CO2 e H2O ou etanol e
CO 2 ), como veremos
mais adiante.
2ATP 2NADH

2 piruvato

Lactato CO2
2+ Etanol
H2
2O + CO2
2

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Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I

A VIA GLICOLÍTICA PASSO A PASSO

A glicólise pode ser dividida em dois estágios. O estágio 1 é chamado


estágio de investimento; e o estágio 2, o de pagamento ou de síntese de
ATP. Nesta aula, nós iremos mostrar o primeiro estágio apenas. Na aula
seguinte você verá a última fase, o estágio 2.
Estágio 1: Neste primeiro estágio da via glicolítica, são gastas duas
moléculas de ATP, sendo a molécula de glicose (seis carbonos) convertida
em duas moléculas de três carbonos (gliceraldeído 3-fosfato).

Resumo do estágio 1: Glicose 2 x gliceraldeído 3P

A glicose entra na via glicolítica por fosforilação, na hidroxila do


carbono 6, formando uma molécula de glicose 6-fosfato (G6P).

Reação 1: Glicose + ATP Glicose 6-fosfato + ADP

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Esta reação é dependente de energia, sendo, portanto, acoplada à
clivagem de uma molécula de ATP e é catalisada pela enzima hexoquinase.

AULA
(Figura 10.6).

a b

Figura 10.6: Hexoquinase e seu mecanismo de ação. A seta indica o substrato (glicose)
em (a) se aproximando do sítio ativo. Em (b) a mudança conformacional induzida pela
ligação do substrato (fit induzido).

Entretanto, nas células do parênquima hepático e nas ilhotas


!
pancreáticas, tal reação é catalisada pela enzima glicoquinase, cuja Para relembrar
atividade é induzida e afetada por mudanças no estado nutricional. A os conceitos de
enzima alostérica
hexoquinase é inibida de maneira alostérica pelo produto de sua reação, e Km – ver as aulas
de enzimas da
a G6P. A hexoquinase está presente em baixas concentrações em todos Bioquímica I.

os tecidos extra-hepáticos e possui alta afinidade (baixo Km) por seu


substrato, a glicose. Sua função é permitir que a glicose seja utilizada pelos
tecidos, mesmo quando os níveis de glicose no sangue estejam baixos.
No momento em que uma molécula de glicose entra na célula e é
fosforilada, ela permanece dentro da célula mesmo contra um gradiente
de concentração. A hexoquinase pode catalisar a fosforilação dos
isômeros α (alfa) e β (beta) da glicose, bem como de outros açúcares de
seis carbonos. A função da glicoquinase é remover glicose do sangue após
a alimentação. Ao contrário da hexoquinase, a glicoquinase tem um alto
Km por glicose e opera em condições ótimas quando os níveis de glicose
do sangue são elevados, sendo específica para este tipo de açúcar.
A glicose 6-fosfato, além de ser a molécula utilizada nas próximas
etapas da via glicolítica, é um componente importante na junção de diversas
outras vias metabólicas, tais como gliconeogênese, via das pentoses,
glicogenogênese e glicogenólise, como estudaremos mais adiante.

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Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I

Além disso, essa primeira reação da glicólise tem conseqüências


importantes para a célula: ao ser fosforilada, a glicose não pode mais
sair da célula, pois os mecanismos de transporte dessa molécula não
servem para aquela que já foi fosforilada. Isto mantém o nível de glicose,
na célula, sempre baixo em relação à concentração extracelular. Como
o transporte de glicose é dependente da concentração (ver difusão
facilitada e glicose, em Biologia Celular I), a tendência da glicose é
sempre entrar na célula.
Outra conseqüência desta primeira reação é indicar o caminho
metabólico que a glicose vai seguir. A fosforilação no carbono 6 indica
que a glicose será degradada na via glicolítica. Como veremos mais
tarde, a glicose pode receber diferentes “etiquetas” que indicam outros
destinos metabólicos.
Na segunda reação da glicólise, a glicose 6P é convertida em
frutose 6P (Fru 6P). Essa é uma reação do tipo isomerização aldose-cetose
e é catalisada por uma fosfo-hexoisomerase (reação 2).

Reação 2: Glicose 6P Frutose 6P

Na etapa seguinte, também dependente da energia de clivagem de


ENZIMA INDUZÍVEL
ATP, a molécula de frutose 6P é fosforilada na hidroxila do carbono 1,
Uma enzima cuja
síntese pode ser formando uma molécula de Frutose 1-6-bisfosfato (Fru 1,6-bisP) (reação
aumentada (induzida)
em uma determinada 3). Tal reação é catalisada pela enzima fosfofrutoquinase (PFK). (Veja
situação metabólica.
Em contraposição,
reação 3 e figura 10.7). A PFK é tanto uma enzima alostérica quanto
utilizamos o termo uma ENZIMA INDUZÍVEL, cuja atividade é considerada o principal ponto de
enzima constitutiva,
cujo nível é constante, regulação da velocidade da via glicolítica.
independente da
situação metabólica.

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Reação 3: Frutose 6P Frutose 1,6-bisfosfato

O O O

AULA
6 6 1
- O P O CH 1 - O P O CH CH O P O-
2 O ATP ADP 2 O 2
- CH 2 OH
O- O-
2+
O 5 Mg 5
H HO 2 H HO 2
H OH H OH
4 3 4 3
OH H OH H
frutose 1,6-bisfosfato
Frutose 6-fosfato
Gº = -14,2 kJ/mol

Figura 10.7: Fosfofrutoquinase (PFK). A PFK é uma enzima chave da glicólise. Preste atenção nas
características da enzima e da reação que ela catalisa. Esta reação é um importante ponto de
regulação da via, como veremos na próxima aula.

A seguir, a molécula de frutose 1-6-bisfosfato sofre uma clivagem !


pela ação da enzima aldolase, gerando duas moléculas isômeras, que Fique atento. Em alguns
livros você vai encontrar
possuem três carbonos: gliceraldeído 3P (G3P) e dihidroxiacetona notações diferentes para
fosfato (DHAP). Pela ação de uma triose-isomerase específica, a DHAP as moléculas. A frutose
1,6-bisfosfato pode
é convertida em G3P. Assim, iniciaremos os passos seguintes com duas ser encontrada como
frutose 1,6-bifosfato ou
moléculas de G3P. frutose 1,6-difosfato; a
fosfofrutoquinase pode
ser encontrada como
fosfo-frutose-quinase ou
ainda fosfofrutocinase,
junto ou separado.

Reação 4: Frutose 1,6-bisfosfato dihidroxiacetona-P + gliceraldeído 3P


∆G10 = 23.8 kJ/mol

O O O H
6
O
O P O CH 2 CH 2 O P O- C
O CH 2 O P O-
O O- HCOH O
5
H HO 2 C O O- +
H OH aldolase CH 2 O P O-
4 3
C H2 OH
OH H O-
Dihidroxiacetona Gliceraldeído
Frutose 1,6-bisfosfato 3-fosfato 3-fosfato

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Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I

Reação 5: dihidroxiacetona-P gliceraldeído 3P


∆G = 7,5 kJ/mol
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O H
CH 2OH C

C O O HCOH O

CH 2 O P O-
Triose fosfato CH 2 O P O-
isomerase
O- O-
Dihidroxiacetona Gliceraldeído
fosfato 3-fosfato

Até aqui uma molécula de seis carbonos (a glicose) foi parcialmente


quebrada em duas moléculas de três carbonos (gliceraldeído 3-P). Note
que as duas moléculas geradas são fosforiladas e apresentam a metade
do número de carbonos que a molécula original de glicose.
Se você prestou atenção, provavelmente reparou que até aqui não
ocorreu síntese de ATP. Pelo contrário, a célula gastou duas moléculas
de ATP (reações 1 e 3). Por este motivo, essa primeira fase é chamada
etapa de investimento ou etapa preparatória. Tal etapa é fundamental,
pois nela a célula coloca à disposição do processo a energia já
existente, e esse investimento possibilita, em etapas posteriores, não
só a recuperação do investimento inicial, como também a síntese de
mais ATP. Isto acontece através de um conjunto de reações conhecido
por etapa de pagamento ou etapa de conversão de energia
a ou simplesmente
etapa de síntese de ATP.

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AULA
Clivagem de um
açúcar-fosfato de seis
carbonos em dois
açúcares- fosfato de
três carbonos.

Figura 10.8: Resumo das reações da etapa de investimento ou etapa


preparatória da glicólise. Nessa fase, os eventos principais são a fosforilação
da glicose e sua conversão a gliceraldeído-3P.

Lembre-se de que esse assunto não acabou. Na próxima aula, você


verá o estágio 2 da glicólise, e como a célula usa a energia da quebra
da glicose, para sintetizar ATP. Não esqueça que, embora por motivos
didáticos os dois estágios estejam separados, o processo é um só.

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