Novas Configurações e Debates Sobre As Ações Afirmativas em Um Contexto de Mudanças: Uma Introdução
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RESUMO
Após 20 anos de implantação em algumas universidades públicas e dez anos depois
de se terem tornado obrigatórias nas universidades e institutos federais por conta da
chamada lei de cotas (Lei 12.711 de 2012), as ações afirmativas universitárias ainda
continuam gerando polêmica, como provam os debates em torno da avaliação e da
possível prorrogação da lei de 2012, com diversos projetos de lei com compreensões
opostas tramitando no parlamento. Da mesma forma, o debate sobre como combater
as desigualdades raciais em diferentes setores da sociedade brasileira redimensiona
o tema no campo das políticas públicas no país. Assim, entender os efeitos dessas
duas décadas de ações afirmativas no país é fundamental para que se possa ter uma
visão ampliada dessas políticas, de modo a elevar os termos das discussões sobre o
tema para além de suas implicações diretas. O presente dossiê pretende justamente
contribuir nessa direção. Ao buscarmos dar visibilidade às transformações sociais
provocadas direta ou indiretamente pela introdução de ações afirmativas, esperamos
não apenas contribuir para a avaliação das consequências dessas políticas públicas,
mas também lançar luz sobre o modo como elas afetaram a compreensão da
“questão racial” em nossa sociedade. O que significa ampliar a reflexão sobre os
*
Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, SP, Brasil.
Professor Titular na Universidade Federal do ABC, docente do curso de Políticas Públicas e do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais.
[email protected]
**
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
Professora Titular do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) e do Programa de Pós-
Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM).
[email protected]
NOVAS CONFIGURAÇÕES E DEBATES SOBRE AS AÇÕES AFIRMATIVAS... | Paulo Neves & Paula Barreto
REVISTA BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA | Vol 10, No. 26 | Set-Dez/2022 | p. 5-16.
efeitos e impasses das ações afirmativas, tanto no interior das universidades como
fora delas. Isso a partir de textos sobre diferentes aspectos que transformaram a vida
educacional no sentido mais amplo (com especial ênfase no espaço universitário) e
sociopolítica no país.
ABSTRACT
Following 20 years of implementation in some public universities and ten years after
it became mandatory in federal universities and institutes under the so-called quota
law (Law 12,711 of 2012), university affirmative action still arouses controversy, as
shown by debates around evaluation and possible extension of the 2012 law, with
several bills presenting opposing views under consideration of legislature. Likewise,
the debate on how to fight racial inequalities in different sectors of Brazilian society
reassesses the issue in the field of public policies in the country. Thus, to understand
the effects of these two decades of affirmative action in Brazil, it is essential to attain a
broader view of these policies, in order to raise the terms of discussions on the subject
beyond their direct implications. The present dossier intends to contribute precisely
to this direction. As we seek to raise visibility of social transformations caused either
directly or indirectly by the introduction of affirmative action, we hope not only to
contribute to evaluating its consequences, but also to shed light on how it affects
the understanding of the “racial issue” in our society. Which means broadening the
reflection on the effects and impasses of affirmative action, both within universities
and outside them, by compiling texts on different aspects of changes produced in
educational life in its broadest sense (with special emphasis on universities) and in
the sociopolitical context in the country.
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foi o da existência, ou não, do racismo entre nós (Moehlecke, 2002). Por trás
dessa discussão, estava implícita a disputa pelo discurso hegemônico sobre a
identidade nacional do país. Entre um país idílico, definido pela cordialidade
e pelas relações igualitárias, e um Brasil marcado pelos preconceitos e pelas
desigualdades, inclusive as raciais.
Após 20 anos de implantação em algumas universidades públicas e dez
anos depois de terem se tornado obrigatórias nas universidades e institutos
federais, as ações afirmativas universitárias ainda continuam gerando
polêmicas, como provam os debates em torno da avaliação e da possível
prorrogação da lei de 2012, em que diversos projetos de lei com compreensões
opostas tramitam no parlamento.1 Da mesma forma, o debate sobre como
combater as desigualdades raciais em diferentes setores da sociedade
brasileira redimensiona o tema no campo das políticas públicas no país.
Nesse sentido, entender os efeitos dessas duas décadas de ações
afirmativas no país é fundamental para que se possa ter uma visão ampliada
dessas políticas, elevando assim os termos das discussões sobre o tema para
além de suas implicações diretas. De fato, o que podemos afirmar desde a
introdução das primeiras ações afirmativas é que elas dizem respeito aos
projetos de nações que se confrontaram nos últimos decênios.
O fato é que, a partir das cotas, a visibilidade do debate racial ganha
uma dimensão antes inusitada. Esse sucesso midiático mostra que o que está
por trás dessas políticas de combate às desigualdades educacionais vai além
da discussão sobre o que ocorre no espaço universitário, dialogando com
dimensões que se inserem em diversos espaços socioculturais, políticos e
simbólicos. Razão pela qual este dossiê busca dar visibilidade a textos que
trazem à baila alguns desses aspectos, como veremos.
A proposta do presente dossiê pretende ir além do que tradicionalmente é
feito nas avaliações sobre as políticas afirmativas. Ao buscarmos dar visibilidade
às transformações sociais provocadas, direta ou indiretamente, pela introdução
de ações afirmativas, esperamos não apenas colaborar para a avaliação das
consequências diretas dessas políticas públicas, mas também lançar luz sobre
o modo como elas afetaram a compreensão da “questão racial” em nossa
sociedade. O que significa ampliar a reflexão sobre os efeitos e impasses das
ações afirmativas, tanto no interior das universidades, como fora delas.
1
Segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN)
e a Defensoria Pública da União (DPU) (DPU & ABPN, 2022), existiriam cerca de 67 propostas
de alteração da lei de cotas em tramitação no congresso no início de 2022.
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Ver as publicações do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas no Nexo Políticas
Públicas. Disponível em: https://pp.nexojornal.com.br/index/2021/Cotas-2022
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desse tema que trata o texto em tela ao trazer uma reflexão sobre a relação entre
as ações afirmativas adotadas por programas de pós-graduação da UFRGS
e o enfrentamento do racismo institucional. As evidências empíricas foram
produzidas através da aplicação de questionários a estudantes negros/as, de
distintos cursos de pós-graduação, optantes pelas ações afirmativas, visando
captar as suas percepções sobre essas medidas. Na conclusão, destacou-se
que as mudanças ocasionadas pela adoção da reserva de vagas convivem com
as manifestações concretas de racismo. Ou seja, fazendo a constatação de
que, apesar da entrada de alunos com um novo perfil, as ações afirmativas
não conseguiram vencer certas práticas racistas, a autora argumenta que há
uma espécie de justiça inconclusa na introdução dessas políticas.
O texto seguinte, de Andréa Costa, Ludmila Moreira Lima e Luma Done
Miranda, sobre as comissões de heteroidentificação em uma universidade
federal no Rio de Janeiro, com o título “Sobre quem somos e sobre quem dizem
que somos: o que revelam os rituais das Comissões de Heteroidentificação?”,
tem a característica de, ao contrário da maioria dos textos sobre o tema,
não se restringir à análise meramente institucional e procedimental dessas
comissões e buscar o significado simbólico e ritualístico das mesmas,
mostrando suas ambiguidades e dilemas. Embora algumas comissões datem
do início dos anos 2000, as comissões de heteroidentificação tornaram-se
comuns nas universidades públicas ao longo da última década. Pensadas
como forma de controle contra as fraudes, elas têm despertado inúmeras
polêmicas por conta das fronteiras indefinidas de classificação racial no país,
levando à publicização de casos de candidatos com clara ancestralidade e
traços físicos negros que foram excluídos de processos seletivos em algumas
universidades (Neves, 2022). Discutir esse tema para além dos dogmas torna-
se, pois, uma tarefa imprescindível!
As transformações que estão ocorrendo nos cursos de pós-graduação
têm interessado um número cada vez maior de pesquisadores/as, que têm
documentado o processo de diversificação da população discente dos cursos
de pós-graduação, em distintas regiões do Brasil, considerando a intersecção
de raça, classe e gênero e buscado compreender as experiências de estudantes
que tiveram acesso por meio da livre concorrência e da reserva de vagas. Em
2016, foi publicada a Portaria do MEC nº 13, determinando que as instituições
federais de ensino superior deveriam apresentar propostas para a inclusão de
estudantes negros, indígenas e pessoas com deficiência em seus programas
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Ver mais informações em https://www.obaap.com.br/
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Referências
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(2017). Entre o isolamento e a dispersão: a temática racial nos estudos
sociológicos no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, 5(11), 113-141.
https://doi.org/10.20336/rbs.223
Barreto, Paula C. da S., Rios, Flávia, Neves, Paulo S. da C., & Santos, Dyane B. R.
(2021). A produção das ciências sociais sobre as relações raciais no Brasil
entre 2012 e 2019. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais, (94), 1-35. https://doi.org/10.17666/bib9405/2021
Campos, Luiz Augusto, & Lima, Márcia. (2022, 19 nov.). Duas décadas de cotas:
conquistas e desafios [Seção “Políticas Públicas” – Opinião]. Nexo. 2022.
https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2021/Duas-d%C3%A9cadas-de-
cotas-conquistas-e-desafios
Campos, Luiz Augusto, Lima, Márcia, & Gomes, Ingrid. (2018). Os estudos
sobre relações raciais no Brasil: uma análise da produção recente
(1994–2013). In S. Miceli & C. B. Martins (org.), Sociologia brasileira
hoje II (pp. 199-234). Ateliê Editorial.
Maggie, Yvonne, & Fry, Peter. (2004), Cotas raciais: construindo um país dividido.
Econômica, 6(1), 153-162. https://doi.org/10.22409/reuff.v6i1.34948
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