Universidad Del Zulia: Volumen 30 #3 Julio-Septiembre 2021
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legal PPI201502ZU4636
Depòsito legal pp 199202ZU44 ISSN: 1315-0006
3
Volumen 30
Nº 3
Julio- Septiembre 2021
Resumo
Este estudo tem como objetivo compreender os desafios e os papéis assumidos pelas
cooperativas e associações da agricultura familiar, nas redes de implementação
do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em cinco municípios do
estado de Minas Gerais: Belo Horizonte, Governador Valadares, Juiz de Fora,
Montes Claros e Uberlândia. Para atender ao objetivo proposto, neste artigo,
utiliza-se de uma abordagem qualitativa e caráter descritivo. O PNAE tornou-se,
a partir da Lei n.º 11.947, de 2009, um dos principais mercados de acesso dos
agricultores familiares e suas organizações coletivas (cooperativas, associações
ou grupos informais). Nesse contexto, as organizações coletivas tornaram-
se ferramentas essenciais que atuam em distintos âmbitos: na realização de
articulações sociais e políticas, na negociação de preços e prazos de entrega, na
participação em construção das Chamadas Públicas e na intermediação do processo
de comercialização, pelo fato de realizarem as operações de compra e venda,
representando um grupo de produtores no PNAE. No entanto, as organizações
enfrentam desafios de diferentes naturezas, tanto para acessar como para ampliar
o acesso ao programa, principalmente desafios organizacionais, institucionais
e relacionais. Concluiu-se que, devido à importância das cooperativas e das
associações nas redes de implementação da política pública, é necessário que o
Estado brasileiro apoie tais ferramentas, por meio de articulações entre diversos
atores envolvidos e de processos de planejamento e monitoramento da execução
do PNAE e de fortalecimento do cooperativismo e do associativismo
Palavras-chave: Cooperativismo; Associativismo; Mercado institucional; PNAE;
Agricultura familiar
Universidade Federal de Viçosa. Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]. ORCID: 0000-0002-3219-0078
E-mail: [email protected]. ORCID: 0000-0001-6770-6030
E-mail: [email protected]. ORCID: 0000-0002-5952-2546
E-mail: [email protected]. ORCID: 0000-0002-7130-0735
Abstract
This study aims to understand the challenges and roles assumed by
family farming cooperatives and associations in the implementation
networks of the National School Feeding Program (PNAE) in
five municipalities in the state of Minas Gerais: Belo Horizonte,
Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros and Uberlândia.
To meet the proposed objective, this article uses a qualitative
approach and descriptive character. As of Law No. 11.947 of 2009, the
PNAE became one of the main access markets for family farmers and
their collective organizations (cooperatives, associations or informal
groups). In this context, collective organizations have become essential
tools that work in different areas: in carrying out social and political
articulations, in negotiating prices and delivery terms, in participating
in the construction of Public Tenders and in intermediating the
commercialization process, by fact of carrying out the purchase and
sale operations, representing a group of producers in the PNAE.
However, organizations face challenges of different natures, both to
access and to expand access to the program, especially organizational,
institutional and relational challenges. It was concluded that, due
to the importance of cooperatives and associations in public policy
implementation networks, it is necessary for the Brazilian State
to support such tools, through articulations between the various
actors involved and through planning and monitoring processes for
the execution of the PNAE and of strengthening cooperativism and
associativism
Keywords: Cooperativism; Associativism; Institutional market;
PNAE; Family farming.
Introdução
No Brasil, a pauta da alimentação escolar emergiu, no cenário político nacional, na
década de 1940, com a criação do Instituto Nacional de Nutrição, que defendia a oferta de
alimentação nas escolas. Na década de 1950, pela primeira vez no Brasil, foi elaborado o
Plano Nacional de Alimentação e Nutrição, que se estruturava por meio de um Programa
de alimentação escolar, em âmbito nacional, sob responsabilidade do poder público.
Em 1979, foi criado o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que ficou conhecido
1 As compras dos produtos da agricultura familiar devem ser realizadas por Chamada Pública, conforme
a Lei n.º 12.188 de 2010, que dispensa o processo licitatório e destaca as obrigações dessa modalidade de
compra.
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Papéis e desafios das cooperativas da agricultura familiar no processo de implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) em cidades de Minas Gerais, Brasil
Isabela Renó Jorge Moreira, Alair Ferreira de Freitas, Alan Ferreira de Freitas, Renato César Cota Miranda y Almiro Alves Júnior 199/
Referencial teórico
Para compreender o acesso da agricultura familiar no PNAE é preciso entender,
primeiramente, a conceituação de mercados e, posteriormente, analisar os mercados
acessados pela agricultura familiar brasileira, aprofundando discussões do PNAE como
um mercado preponderante para os agricultores familiares e para seus empreendimentos
cooperativos e associativos.
agricultores familiares, apesar de algumas limitações de acesso (Triches & Grisa, 2015;
Schneider, 2016).
No Brasil, os mercados institucionais foram construídos mediante políticas públicas,
resultantes de lutas de uma longa trajetória, e conquistaram um olhar mais robusto, a
partir da década de 1990, ocupando, gradualmente, espaço nas discussões voltadas
para as políticas públicas no país. Esse fenômeno foi impulsionado por meio de lutas
protagonizadas por movimentos sociais e sindicais. A pressão proporcionada por essas
ações sociais culminou em ações governamentais com foco na categoria social agricultor
familiar. O desenvolvimento rural é instituído a partir de políticas públicas, que trazem
influências sociais, econômicas e ambientais, além de aumento na renda e melhoria da
qualidade de vida para o meio rural (Grisa & Schneider, 2014).
Segundo Schneider (2016), os mercados públicos e institucionais são altamente
controlados por mecanismos ordenadores formais (leis, decretos, regras e ferramentas de
controle das compras). Na visão do autor, nesses mercados públicos e institucionais, os
dispositivos de regulação são totalmente contratuais, cuja fonte de institucionalização é
formalizada e definem melhores meios de controle e rastreabilidade dos recursos públicos.
Dentre as políticas públicas criadas estão o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) - como programas definidos
por legislações específicas. Ambos são políticas públicas de compra governamental de
alimentos, especialmente voltadas para a agricultura familiar, que emergiram a partir dos
anos 2000. São mercados institucionais de alimentos, nos quais o próprio Estado constrói
as demandas dos produtos, orienta e controla todo o processo de compra. Na perspectiva de
Nierdele (2016: 107), “Enquanto alguns mercados legitimam-se em valores que sustentam
as ações dos atores dominantes no sistema agroalimentar, outros abrem a possibilidade de
inclusão de atores, produtos e qualidades diferenciados”.
A participação de agricultores familiares em mercados diversos, com destaque para
o mercado institucional, implica maior organização coletiva, quantidade e qualidade dos
produtos ofertados, além da valorização de hábitos alimentares locais e do aumento de
renda e qualidade de vida no meio rural. Nesse sentido, o acesso ao mercado institucional,
apesar de complexo, pode oferecer oportunidades e benefícios para toda a comunidade.
Assim, ganha maior relevância a união dos agricultores familiares, por intermédio de
organizações jurídicas, em formato de associação ou cooperativa, viabilizando as atividades
de produção e comercialização.
Procedimentos metodológicos
Neste estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa de abordagem descritiva. Yin
(2016) aponta que as principais características da pesquisa qualitativa são: (i) estudar
os significados da vida real; (ii) apresentar a opinião dos participantes da pesquisa; (iii)
abordar e compreender as condições contextuais; (iv) robustecer a pesquisa com a utilização
de diferentes fontes de evidências; e (v) utilizar de conceitos que auxiliam a compreensão
do comportamento social estudado. Ademais, é um estudo descritivo, visto que se busca
aprofundar em detalhes, nas condicionantes e nas finalidades de um acontecimento social
(Deslauriers & Kérisit, 2008).
Para atender ao objetivo proposto, foram selecionados cinco municípios do estado
de Minas Gerais. Esse estado tem destaque por ser formado por 853 municípios, maior
número dentre os estados brasileiros, com características regionais distintas. O estado
possui mais de três milhões de estudantes matriculados e movimentou, em 2017, cerca de
R$ 373,43 milhões com alimentação escolar, dos quais R$ 55 milhões foram adquiridos
da agricultura familiar. Apesar de ser o segundo estado a receber os maiores montantes
financeiros pelo FNDE, as compras da agricultura familiar não ultrapassaram 14,7% do
total repassado no ano de 2017 (FNDE, 2018).
Os municípios mineiros selecionados para compor a pesquisa foram: Belo Horizonte,
Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros e Uberlândia. A justificativa por essas
opções pauta-se no fato de serem municípios de médio e grande porte, com elevado número
de estudantes matriculados nas escolas municipais4, com porções territoriais rurais,
restritas ou ausentes, e baixa proporção de população rural, especialmente de famílias
agricultoras que comercializam seus produtos para o PNAE. O conjunto desses desafios faz
com que o estudo acerca da atuação das associações e cooperativas que acessam o Programa
no âmbito local seja importante e relevante (Costa; Amorim Junior & Silva, 2015).
Além das questões apresentadas, são municípios que representam a diversidade
existente no estado de Minas Gerais, pois pertencem a mesorregiões distintas –
Metropolitana de Belo Horizonte, Vale do Rio Doce, Zona da Mata, Norte de Minas e
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba –, com características que particularizam cada um
deles. Nessas regiões, são considerados municípios-polo, ou seja, subsidiam infraestrutura
e acesso a serviços públicos e privados importantes que são inexistentes ou ineficientes em
muitos municípios de pequeno porte limítrofes (IBGE, 2018).
Por envolver a análise de aspectos da execução do PNAE em mais de um município,
esta pesquisa também se caracteriza como um estudo de casos múltiplos. A proposta de
estudar casos múltiplos possibilita a comparação dos casos, tornando o trabalho científico
mais robusto (Yin, 2005). Além de apresentar diferentes visões entre os indivíduos/
municípios estudados, sendo um dos principais benefícios desse formato de estudo,
possibilita comparar as percepções de distintos atores envolvidos e as diversas realidades
em uma mesma pesquisa.
A entrevista foi o principal instrumento de coleta de dados secundários selecionado
para este estudo, guiada por dois roteiros prévios de perguntas, sendo um aplicado aos
gestores públicos e outro aos representantes das associações e das cooperativas. As
4 Conforme dados do Inep (2020), segue o número de estudantes das escolas municipais: 172.950 em Belo
Horizonte; 18.208 em Governador Valadares; 37.231em Juiz de Fora; 28.448 em Montes Claros; e 58.141
em Uberlândia.
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Em Belo Horizonte, devido à indisponibilidade dos gestores públicos, não foi possível
a realização da entrevista. Os dados analisados nesse município são resultantes de análise
dos documentos disponibilizados pela prefeitura, dos dados disponibilizados pelas
cooperativas e da observação participante em três reuniões com presença de representantes
da prefeitura de Belo Horizonte5.
Ao todo, foram entrevistadas seis mulheres representantes das cooperativas e
associações entrevistadas, sendo: três ocupantes do cargo de presidente, duas funcionárias
do setor administrativo da cooperativa e uma cooperada agricultora familiar. Foram
entrevistados também seis homens, sendo: um agricultor familiar e funcionário de
cooperativa e, os demais, presidentes dos empreendimentos. Com relação às entrevistas
aos gestores públicos, foram entrevistados: uma mulher e três homens, ocupantes de
cargos de diretoria, secretária municipal e coordenador do PNAE6.
As questões discutidas nas entrevistas com representantes das organizações
possibilitaram a obtenção de informações sobre o funcionamento das cooperativas e
suas parcerias, explicitando o papel dessas organizações na implementação do PNAE. A
partir da transcrição literal das entrevistas, foi possível agrupá-las para posterior análise e
5 Reuniões do projeto “Comida de Verdade nas escolas do Campo e da Cidade”, executado pela Rede de
Intercâmbio de Tecnologias Alternativas de Belo Horizonte - MG.
6 As próprias organizações escolheram quais atores seriam entrevistados, a partir da disponibilidade e da
aptidão para dialogar sobre o acesso ao PNAE.
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Papéis e desafios das cooperativas da agricultura familiar no processo de implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) em cidades de Minas Gerais, Brasil
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Resultados e discussões
O acesso ao PNAE pode apresentar uma série de vantagens para as cooperativas
da agricultura familiar, como já foi apontado em estudo dos autores Santos, Campos e
Ferreira (2017), que relataram os pontos positivos de acesso ao PNAE: estímulo ao consumo
de produtos saudáveis, promoção do desenvolvimento local por gerar emprego e renda,
estímulo à agregação de valor, fortalecimento da agricultura familiar e garantia de venda.
A geração de renda aos cooperados é um dos principais benefícios apontados
pelas cooperativas que acessam o PNAE nos municípios de Belo Horizonte, Juiz de Fora,
Montes Claros e Uberlândia. Consequentemente, há uma melhoria na qualidade de vida,
como aponta a entrevistada da Cooperativa 10. Para ela, o acesso ao PNAE aumentou,
consideravelmente, a qualidade de vida dos cooperados, que mensalmente recebem R$
3.300, aproximadamente, por comercializarem nesse mercado.
Essa melhoria na qualidade de vida traz, como consequência, a valorização do
trabalho dos agricultores familiares, aumentando a possibilidade de sua permanência no
meio rural. Assim, o Programa contribui para a melhoria da qualidade de vida ao criar
oportunidades de ampliar o consumo das famílias e o acesso a serviços, e pode, ainda,
colaborar para a diminuição do êxodo rural. Na visão da entrevistada da A3, o PNAE
“segura as famílias no meio rural” e “faz a gente acreditar que vale a pena viver no campo”
(Entrevistada da Associação 3, 2019). Ademais, para a entrevistada representante da C1,
com a geração de emprego e renda, os agricultores familiares têm demonstrado mais
interesse em permanecer no meio rural para fomentar a agricultura familiar.
Apesar do consenso, em todos os municípios, da importância do PNAE para geração
de trabalho e de renda no campo, cada município possui uma realidade de implementação.
Em âmbito local, a operacionalização do PNAE apresenta diversas particularidades que
modelam e condicionam a política pública. Por isso, pode-se dizer que as organizações
da agricultura familiar encontram distintos papéis e desafios, a depender das condições
encontradas em cada município.
• Mediação comercial
O estudo de Cunha, Freitas e Salgado (2017) já apontava a importância das
cooperativas para organização da logística, da comercialização e da mobilização dos
agricultores familiares para participar de Programas de compra institucional, como PAA e
o PNAE. Em Bezerra et al. (2013), notou-se, também, que a organização dos agricultores
familiares favorecia a mediação comercial, uma vez que as associações e as cooperativas
facilitavam o acesso às Chamadas Públicas e aos mercados institucionais. Neste estudo,
confirma-se essa perspectiva ao investigar a realidade dos municípios analisados.
Segundo relatos de todos os entrevistados representantes das cooperativas e das
associações, um dos papéis preponderantes dos empreendimentos é atuar como mediadores
comerciais no PNAE. Os entrevistados apontam que as cooperativas e as associações
realizam o planejamento das entregas, com base nas quantidades e na periodicidade de
recebimento determinados pelas EExs, e repassam o cronograma aos associados, que
recebem semanalmente ou quinzenalmente os seus produtos.
A mediação comercial realizada por cooperativas e associações também é analisada
a partir da perspectiva do beneficiamento e da agregação de valor dos produtos. Após
o recebimento, as organizações separam os produtos in natura, seja com apoio dos
funcionários, seja dos próprios cooperados. Além disso, podem realizar o beneficiamento
e o processamento dos produtos ou enviá-los a empresas terceirizadas, o que acontece em
todas as organizações, exceto nas associações A4 e A5.
7 De acordo com o FNDE, para a aquisição de alimentos orgânicos, pode-se acrescentar até 30% ao valor
médio pesquisado para os alimentos convencionais.
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O fluxo de vendas demonstra que é possível diminuir algumas das atribuições dos
agricultores familiares, além da produção, que é a sua atividade principal. A cooperativa,
nesses casos, assume as responsabilidades quanto à agregação de valor, logística,
comercialização e burocracias. No entanto, conforme apontado por Silva (2015), o
cumprimento dos trâmites burocráticos depende das condições de infraestrutura e de
recursos humanos oferecidas pelas organizações da agricultura familiar e dos próprios
órgãos públicos, ou seja, as cooperativas e entidades públicas precisam oferecer suporte
necessário para que os agricultores cumpram as adequações burocráticas, como sanitárias
e de segurança.
Além dessas questões mencionadas, cabe às organizações desenvolver mecanismos de
transparência e de governança para aproximar os associados dos trabalhos desempenhados
no cotidiano organizacional. A participação social torna-se importante para inteirar
os agricultores familiares dos processos de venda mediados pelas organizações para
comercializar no PNAE. Portanto, os associados precisam ser atores ativos e participativos
na gestão dos empreendimentos, participando dos espaços de deliberação das cooperativas
e associações, como reuniões extraordinárias e assembleias, uma vez que são os principais
ambientes de discussões e repasses aos associados.
• Relações institucionais
É consensual entre os entrevistados a importância das cooperativas e associações na
atuação como ponte entre a Administração Pública e os agricultores familiares. Em termos
práticos, em geral, são os representantes legais da organização, por exemplo, presidentes
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• Representação política
Com relação à representação política das organizações, os entrevistados relataram a
importância do papel de reinvindicação, desempenhado pelas cooperativas e associações,
que direcionam demandas coletivas às prefeituras para solicitar preços mais elevados no
PNAE. De acordo com o entrevistado da C11, em Uberlândia, por exemplo, as cooperativas
participaram de reuniões com a prefeitura para discutir um acréscimo de 30% nos valores
dos produtos solicitados nas Chamadas Públicas, visando subsidiar custos com embalagens
e transporte.
Os representantes das C9 e C10 afirmaram que é papel das cooperativas solicitar
apoio técnico e cobrar da Secretaria de Agricultura e Abastecimento recursos para
fortalecer as cooperativas da agricultura familiar do município de Uberlândia. Para isso,
é necessária a participação em reuniões com a prefeitura e com a Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural (EMATER). Nas reuniões com a prefeitura, conforme relatos dos
entrevistados, é possível solicitar maquinários para produção de novas culturas, visando
atender ao PNAE. Os representantes citaram também que, por meio de parceria firmada
com a prefeitura, as três cooperativas do município de Uberlândia receberam máquinas de
classificação e embalagem de ovos, produto que seria inserido nas Chamadas Públicas a
partir de 2020.
Em Belo Horizonte, a representante da cooperativa C2 informou que a organização
representa os agricultores familiares nos espaços criados pela prefeitura para discussões
sobre a logística de distribuição dos alimentos, grande gargalo em um município de grande
porte.
As organizações de Governador Valadares, Juiz de Fora e Montes Claros apresentaram
visões congruentes no quesito representação política. Nesses municípios, a atuação das
cooperativas e associações estão direcionadas à solicitação de melhores condições para as
estradas rurais, visando melhorar o deslocamento para realização das entregas de produtos
na zona urbana. Além disso, a articulação política pode ser fundamental para questionar
as razões pelas quais as EExs adquirem baixos percentuais da agricultura familiar ou
para esclarecer junto à prefeitura o porquê não são solicitados produtos produzidos pela
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i. Desafios organizacionais
Falta recursos, não é fácil, meu Deus, como é difícil [...] gente trava muito na questão
do dinheiro [...] planejamento financeiro ligado a gestão é importantíssimo, e é um
baita desafio que a gente vem enfrentando e ainda enfrenta ele e o planejamento
produtivo, porque as duas contas que tem que fechar muito bem fechando baixo.
(Entrevistado da C7, 2019)
[...] a gente passa muito apertada para a gente aumentar também junto a
nossa gestão nosso capital de giro, a gente ter um capital que a gente consiga
se autossustentar, em alguns períodos, né, que a gente consiga cada vez mais
gerando mais investimento. (Entrevistado da C9, 2019)
As barreiras organizacionais apresentadas no estudo de Santos, Campos e Ferreira
(2017) apontavam as dificuldades gerenciais das cooperativas similares às citadas
anteriormente. A falta de conhecimentos gerenciais, a falta de recursos para investimento,
o baixo ou inexistente capital de giro e a rigidez burocrática são fatores limitantes para o
desenvolvimento e desempenho organizacional. Isso resulta na dependência de auxílio de
terceiros por parte das organizações, que carecem de apoio para execução das atividades
gerenciais, administrativas e contábeis.
Uma estratégia apontada é o aprimoramento gradual da gestão do empreendimento,
visando aperfeiçoar a gestão financeira, reduzir os riscos das atividades, aumentar a
eficiência e dar o maior retorno financeiro aos cooperados, por meio do crescimento nas
vendas e da redução de custos desnecessários. Além disso, aprimorar a gestão refere-se
à agilidade nos processos de venda e à transparência aos cooperados, com objetivo de
preservar os vínculos, a partir da democrática disseminação de informações – questões
importantes para fidelização dos cooperados.
A fidelização dos associados e a atração de novos cooperados aparece como um
grande desafio para aumentar o volume de produção, visando atender o PNAE em outros
municípios ou mais itens das Chamadas Públicas nos municípios onde atuam. Para ampliar
a quantidade e a diversidade dos produtos comercializados no Programa, as cooperativas
também têm estimulado a participação dos jovens e das mulheres das comunidades, além
da estratégia de convidar outros agricultores familiares de produções diversificadas a
participarem das cooperativas.
[...] a gente vai ficar com o PNAE e vai trabalhar em outro mercado, a
gente veio acessar outros mercados simplesmente porque o PNAE para em
dezembro [...] para julho ou tem alguma greve a gente prejudica muito,
porque as contas não param de chegar, então a gente tem que ter uma outra
segurança para poder não ficar somente nisso. (Entrevistado da C1, 2020)
O sonho nosso é a gente virar 70% de entregas no mercado convencional
e se fosse só 30% mesmo para o PNAE era o que seria o saudável para
a vida da cooperativa. Porque você pega aí o exemplo do PNAE, quando
entra o período de férias é o período que o faturamento da cooperativa cai
e é o mesmo período que a nossa produção chega toda. (Entrevistado da C7,
2019)
[...] a gente só vende 100% da comercialização via PNAE, via institucional,
então assim, a sobrevivência da cooperativa depende desses Programas hoje,
a gente tem intenção em um futuro próximo expandir outros mercados, mas
hoje sem o mercado institucional a cooperativa nem existiria. (Entrevistado
da C10, 2019)
Considerações finais
As discussões realizadas neste artigo demonstram que as cooperativas são essenciais
para operacionalização da política pública e para o fortalecimento da agricultura familiar,
não só pela atuação no processo comercial ou na gestão burocrática do PNAE, mas
também pela articulação com os cooperados e pelo diálogo com a gestão pública, buscando
melhorias na logística, nos preços e no acesso às informações e aos recursos.
Compreendendo a importância dos papéis desempenhados por essas organizações,
é necessário que as prefeituras desenvolvam estratégias para aumentar a participação da
agricultura familiar no PNAE, fomentando a participação das cooperativas e associações,
já que nos municípios estudados, majoritariamente, as compras da agricultura familiar são
mediadas por essas organizações.
Percebe-se, nas situações analisadas, que não basta a definição de políticas públicas
e o interesse da gestão pública em adquirir produtos para agricultura familiar, haja vista
a gama de necessidades e carências gerenciais, econômicas, produtivas e sociais das
organizações de agricultores familiares. É necessário revelar que, apesar da importância das
organizações, elas enfrentam inúmeros desafios de distintas naturezas para o abastecimento
alimentar. As limitações podem ser superadas por meio de articulação dos diversos atores
envolvidos, como também por intermédio de processos de planejamento e monitoramento
da execução do PNAE e de fortalecimento do cooperativismo e do associativismo.
É necessário pensar estratégias de apoio às organizações, uma vez que, tratando-
se de cooperativas e de associações da agricultura familiar, não basta estimular a
comercialização. Se não oferecer suporte necessário, não auxiliar com recursos, com
apoio técnico e financeiro, para estimular a própria produção, a comercialização ficará
comprometida. Além disso, incentivar a participação das cooperativas e associações no
processo de execução torna-se necessário para construir e condicionar uma política pública
com resultados efetivos.
Apesar da importância reconhecida por três representantes da gestão pública
municipal, apenas admitir que as cooperativas e associações são relevantes na execução do
PNAE, não basta. No processo de implementação, as cooperativas e as associações devem
ser protagonistas, participar como ator central e levar as reivindicações e necessidades à
gestão pública, aos burocratas, às instituições de apoio técnico e produtivo.
Este trabalho pretende contribuir para reflexões das próprias prefeituras e das
cooperativas e associações da agricultura familiar, que podem utilizar do diagnóstico sobre
papéis e desafios de distintas naturezas realizado na pesquisa, para repensar estratégias
que potencializem a participação da agricultura familiar no mercado institucional.
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