MPM - Cartilha - Anpp
MPM - Cartilha - Anpp
MPM - Cartilha - Anpp
Coordenador da Câmara
de Coordenação e Revisão do MPM
Edmar Jorge de Almeida
Corregedor-Geral do MPM
Samuel Pereira
Ouvidor-Geral
Ailton José da Silva ELABORAÇÃO
A perspectiva que calça o ANPP não é e nunca será, portanto, esvaziar a justiça,
mas abrir margem para uma antecipada composição, em condições em que
o sujeito da conduta ilícita assuma, primacialmente, sua responsabilidade,
reparando o dano produzido e/ou cumprindo medidas previamente
estabelecidas, em acordo que sempre contará com a inafastável participação do
Poder Judiciário e da Defesa.
Deste modo, torna-se possível o emprego da consensualidade, dentro de critérios
objetivos e subjetivos, em certas hipóteses de delitos – certamente mais restritos
no contexto penal militar, para se avançar numa resolutividade salutar, que
concretize com almejada amplitude e com a atuação de todos os importantes
atores do sistema de justiça, os fins colimados pelo direto penal e pela moderna
política criminal.
Com tais breves aportes, anseia-se que esta Cartilha que estará, repita-se, em
constante marcha evolutiva, se transforme em um bom apoio para os que buscam
semear a justiça pelas variadas veredas que a ordem jurídica consagra.
3 BASE NORMATIVA 13
4 NATUREZA JURÍDICA 14
5 DIREITO INTERTEMPORAL 16
7 CELEBRAÇÃO DO ANPP 21
8 PROCEDIMENTO SUGERIDO 40
9 POSSÍVEIS INCIDENTES 43
10 ACOMPANHAMENTO DO ANPP 44
No sistema de justiça brasileiro, a tarefa de administração dos conflitos é desenvolvida essencial e conjuntamente
pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público, pela Advocacia Pública e Privada e pela Defensoria Pública.
Com a chamada “terceira onda renovatória do processo”, proposta por Mauro Cappelletti, a pacificação social e
a redução da judicialização tornaram-se tendência mundial no acesso à justiça. Seguindo nessa esteira, o Brasil
inseriu no II Pacto Republicano de Estado, assinado pelos representantes dos três Poderes em 2009, a meta de
fortalecimento da mediação e da conciliação como meios autocompositivos.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também
consolidaram política pública de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios
por meio da normatização da autocomposição. Desde logo, em 2010, o CNJ regulamentou a Política Judiciária
Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, com a Resolução
125, de 29 de novembro de 2010. O mesmo foi feito pelo CNMP, que editou a Resolução 118, de 1º de dezembro
de 2014, para instituir a Política Nacional de Inventivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público.
O instituto do acordo de não persecução penal (ANPP) surge como modalidade de autocomposição, haja vista
que se fundamenta em acordo entre as partes (princípio da autonomia da vontade das partes) e na busca de
solução consensual do litígio por intermédio de técnicas de negociação, e tem previsão no art. 28-A do CPP,
inserido pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime):
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena
mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução
penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as
seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo,
serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais
Criminais, nos termos da lei;
III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento
da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão
condicional do processo; e
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo
membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais
ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para
a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da
denúncia.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não
persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior,
na forma do art. 28 deste Código.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
NOVA COMPREENSÃO DO
2 PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE
DA AÇÃO PENAL
No processo penal militar, como regra, vige o princípio da indisponibilidade, ou seja, diante de uma infração
penal militar, o Estado deve agir no sentido de exercer o jus puniendi, o qual abrange tanto o dever de promover
a persecução penal (art. 30 do CPPM), quanto à vedação de desistir da ação instaurada (art. 32 do CPPM) ou
do recurso interposto (art. 512 do CPPM).
Também é expressão do princípio da indisponibilidade a natureza da ação penal militar, que, em regra, é
pública incondicionada (arts. 29 e 30 do CPPM c/c o art. 121 do CPM).
Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, esse princípio comporta exceções que atraem a incidência do
princípio da disponibilidade (ou da oportunidade). Em exemplo, tem-se as hipóteses legais de ação penal militar
pública condicionada à requisição (art. 122 do CPM) e a aplicação de institutos da Lei 9.099/1995 aos crimes
militares, ainda que polêmica.
Na mesma linha da Lei 9.099/1995, apresenta-se como exceção ao princípio da indisponibilidade o acordo de
não persecução penal.
Com esses novos parâmetros, tem sido proposta uma releitura do princípio da obrigatoriedade (ou
princípio da indisponibilidade), primeiro, enfraquecendo a ideia de que seria ele incompatível com o
princípio da oportunidade.
Não se pode entender que sempre estará obrigado o Ministério Público a promover a ação penal, isso fundado
em razões de política criminal e limitação de recursos, o que daria espaço para o princípio da oportunidade, não
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
sem uma acurada avaliação ou com total liberdade, mas, sim, com regramento, uma “oportunidade regrada” –
expressão cunhada por Alberto Binder1.
Surge, aqui, um segundo ponto da nova compreensão, qual seja, deve haver justa causa para intentar a ação
penal e também para deixar de intentá-la, nessa “oportunidade regrada”.
Percebe-se, dessa maneira, que o princípio da obrigatoriedade depõe não em favor de sempre se promover a ação
penal, mas para evitar a predileção e a seleção desarrazoada do órgão de acusação por determinada causa ou
pessoa, o que afetaria a moralidade e a impessoalidade, vetores constitucionais de reconhecida grandeza.
1 Apud CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 36-7.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
3 BASE NORMATIVA
Regras de Tóquio ou Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não-privativas de
Liberdade (Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 45/110, de 14 de dezembro de 1990):
Item 5.1. Sempre que adequado e compatível com o sistema jurídico, a polícia, o Ministério Público
ou outros serviços encarregados da justiça criminal podem retirar os procedimentos contra o infrator se
considerarem que não é necessário recorrer a um processo judicial com vistas à proteção da sociedade, à
prevenção do crime ou à promoção do respeito pela lei ou pelos direitos das vítimas. Para a decisão sobre
a adequação da retirada ou determinação dos procedimentos deve-se desenvolver um conjunto de critérios
estabelecidos dentro de cada sistema legal. Para infrações menores, o promotor pode impor medidas não
privativas de liberdade, se apropriado.
Resolução CNMP 181, de 7 de agosto de 2017. Foi o primeiro ato normativo a regulamentar o instituto
no Brasil. Foi atacado no STF por meio da ADI 5.790, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros,
e pela ADI 5.793, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ambas pendentes
de julgamento, mas com parecer da PGR pelo reconhecimento da perda superveniente de objeto, diante da
entrada em vigor do “Pacote Anticrime”, assim como pela improcedência no mérito.
Resolução CSMPM 101, de 26 de setembro de 2018 (alterada pela Resolução CSMPM 126, de 24 de
maio de 2022). O instituto do ANPP foi reativado no Ministério Público Militar por meio da reinclusão do
art. 18 à Resolução CSMPM 101/2018, que regulamenta o procedimento investigatório criminal (PIC).
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
4 NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica do acordo de não persecução penal está bem assentada como um acordo extrajudicial
celebrado entre o Ministério Público e o investigado, com a chancela da defesa técnica, e não como um direito
público subjetivo do investigado.
É muito importante compreender que o Ministério Público, no momento de aplicação da norma penal, como
titular da ação penal, é ator de concretização da política criminal e, nesse contexto, pode compreender, por
algumas premissas, ser cabível ou não o acordo.
A política criminal, “em um primeiro aporte, pode ser compreendida como um conjunto principiológico,
sistematizado, eleito pelo Estado com o fito de prevenir e reprimir infrações penais. Naturalmente, o conteúdo
axiológico do momento em que se estabelece uma política criminal é fundamental para a definição desses
princípios e até mesmo, claro, para delinear a opção legislativa de criminalização de condutas, e esse conteúdo
axiológico é também iluminado pelos estudos dogmáticos”2.
A materialização da política criminal ocorre no momento de elaboração da norma, pelo legislador, mas também da
aplicação da norma ao caso concreto. É nesse segundo momento que entra a atuação do Ministério Público como
agente de materialização da política criminal, cenário no qual se mostra possível o acordo de não persecução penal.
Dentro da oportunidade regrada, o membro, em sua independência funcional, estará livre para,
fundamentadamente, por exemplo, não celebrar o acordo em casos que aviltem valores extremos da caserna, sob
o argumento de que não será suficiente para “reprovação e prevenção do crime”, como condiciona o caput do
art. 28-A do CPP.
2 NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2022, p.
261.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
A compreensão de que não se trata de direito subjetivo do investigado pode ser encontrada na jurisprudência,
inclusive do Supremo Tribunal Federal, citando-se, por todos os precedentes, o HC 201.610 AgR e o HC
191.124 AgR.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
5 DIREITO INTERTEMPORAL
DA DENÚNCIA.
Agravo regimental a que se nega provimento com a fixação
5 da seguinte tese: “o acordo de não persecução penal (ANPP)
aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019,
desde que não recebida a denúncia”.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
O Superior Tribunal de Justiça, enfrentando igualmente a matéria, entendeu que “O caráter predominantemente
processual, em que pese ter reflexos penais, e a própria razão de ser do instituto – evitar a deflagração de processo
criminal –, conduzem a se sustentar que sua retroatividade, diversamente do que ocorre com as normas híbridas
com prevalente conteúdo material (de que é exemplo o dispositivo que condiciona a ação penal à prévia
representação da vítima), deve ser limitada ao recebimento da denúncia, isto é, à fase pré-processual da persecutio
criminis” (AgRg no Recurso Especial 1.993.989 – AL).
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
ANPP E O MINISTÉRIO
6 PÚBLICO MILITAR
O Superior Tribunal Militar não admite o acordo de não persecução penal na Justiça Militar da União.
A principal fundamentação da Corte para afastar o acordo consiste no fato de a Lei 13.964/2019, ao inserir
o acordo de não persecução penal no art. 28-A do Código de Processo Penal comum, não o ter feito também
no Código de Processo Penal Militar, sem caracterizar mero esquecimento ou omissão, mas verdadeiro silêncio
eloquente, o que afastaria a aplicação do art. 3º, “a”, do Código de Processo Penal Militar3.
3 Por todos os precedentes, cita-se a Apelação 7001106-21.2019.7.00.0000, da relatoria do Min. Carlos Vuyk de Aquino e
julgada em 20/02/2020.
4 Vide o Habeas Corpus 7000374-06.2020.7.00.0000, da relatoria do Min. José Coêlho Ferreira e julgado em 26/08/2020 e o
Habeas Corpus 7000055-67.2022.7.00.0000, da relatoria do Min. Celso Luiz Nazareth e julgado em 17/03/2022.
5 Em 30 de abril de 2020, o Procurador-Geral de Justiça Militar, através da Portaria 99/PGJM, com as chancelas da Câmara de
Coordenação e Revisão e do Conselho Superior do Ministério Público Militar, criou a Força Tarefa da “Operação Química”, que atua no
mencionado inquérito policial militar e em feitos correlatos.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
(…) “a despeito dos percucientes fundamentos esposados no precedente não vinculante
da Corte das Armas, no entendimento deste Juízo, deve ser realizada uma distinção
hermenêutica calcada na assimetria de pressupostos fático-jurídicos, que decorrem da
necessária diferenciação entre imputações por crimes militares (isto é, com lastro
normativo no Código Penal Militar) e por crimes ‘comuns’ (ou seja, previstos no Código
Penal ou mesmo na legislação penal extravagante) de competência da Justiça Militar da
União”;
Essa visão sobre o princípio da especialidade leva à conclusão de que “institutos penais
(e de natureza mista ou híbrida) não estão relacionados à especialidade do foro em
que tramita a ação penal (aspecto formal), mas, sim, à natureza, gravidade e demais
critérios políticos vinculados ao crime imputado ao jurisdicionado (aspecto material).
Logo, não é o fato de ser processado e julgado por uma Justiça Especializada (Justiça
Militar da União) que torna o crime ‘especial’ (crime militar), mas a opção de política
criminal do legislador em conferir um tratamento jurídico diferenciado a determinadas
normas penais que protegem bens jurídicos tidos como merecedores de particular tutela
estatal (Código Penal Militar)”;
Por essa razão, “o Princípio da Especialidade que milita nos crimes militares (CPM) e na
correspondente legislação adjetiva (CPPM) impede que institutos externos subvertam a
natureza do delito ou a índole do processo penal militar, repulsando a aplicabilidade de
institutos não concebidos na legislação especial, salvo para suprir omissões não eloquentes,
o que não é o caso do Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A do CPP), nos termos
do julgado acima transcrito do Superior Tribunal Militar”;
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Prossegue dispondo que “os crimes comuns (com previsão no Código Penal ou na
legislação penal extravagante) de competência da Justiça Militar da União, por um critério
legal de especialidade de foro, não são passíveis de um recorte fragmentário ao arbítrio
do intérprete, de modo que se aplicam in totum as disposições materiais concebidas
politicamente pelo legislador penal, inclusive o Acordo de Não Persecução Penal (art.
28-A do CPP), uma vez que a especialidade não é do crime, mas da jurisdição (Justiça
Especializada)”.
Observa-se, assim, que, no caso da Operação Química, há o direcionamento do princípio da especialidade para
os delitos capitulados no Código Penal Militar, mas não para aqueles previstos na legislação penal comum, os
quais, se podem ser objeto de acordo na Justiça Comum, também o podem na Justiça Militar.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
7 CELEBRAÇÃO DO ANPP
7. 1 Cabimento
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
CRIME MILITAR DE CONCEITO ESTENDIDO
No âmbito do Ministério Público Militar, foi acrescida às condições genéricas previstas no art. 28-A do CPP
a possibilidade de celebração do acordo de não persecução penal apenas para os crimes militares de conceito
estendido, de acordo a previsão do inciso II do art. 9º do CPM, com a redação dada pela Lei 13.491/2017,
excluindo-se as hipóteses previstas no inciso I daquele dispositivo.
Não se trata, aqui, de inovação processual por resolução, mas apenas definição de vetor de política criminal no
âmbito do Ministério Público Militar.
Deve-se notar que a lei fala em pena mínima e não máxima, para estabelecer que o ANPP é cabível quando a
reprimenda é inferior a quatro anos, de modo que, quando a pena mínima for de quatro anos, não será possível
o acordo de não persecução penal.
Além disso, nos termos do § 1º do art. 28-A do CPP e do § 10 do art. 18 da Resolução CSMPM 101/2018, para
aferição da pena mínima cominada ao delito, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis
ao caso concreto.
Nesse sentido, tem-se o Enunciado 29 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos
dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal
(GNCCRIM):
Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o artigo 28-
A, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
concreto, na linha do que já dispõe os enunciados sumulados nº 2436 e nº 7237,
respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Há que se levar em conta, outrossim, que, “na incidência das causas de aumento, para estabelecer-se a pena
mínima, deve-se operar abstratamente o aumento mínimo previsto na Lei e na hipótese de concorrer uma causa
especial de diminuição, deve-se considerar a diminuição máxima prevista em lei”8. Procedendo-se dessa maneira,
será prestigiada a melhor situação em favor do investigado.
Violência, aqui, é a vis corporalis, ou seja, a violência física, podendo ser caracterizada por ação, como na agressão
física, ou por omissão, como na privação da vítima de recursos mínimos de subsistência. Esse conceito pode
enquadrar a violência presumida e imprópria, já que a lei não restringiu a espécie de violência9. Em todas essas
formas de violência, estaria afastada a possibilidade do acordo.
Note-se que o caput do art. 28-A não explicita a violência contra a pessoa, diferentemente do que ocorreu com a
Resolução do CSMPM. Assim, ao menos no âmbito do MPM, haveria a possibilidade de celebração de acordo
em relação a delitos que envolvam violência contra coisas e animais.
6 “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso
formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o
limite de um (01) ano.”
7 “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave
com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.”
8 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 95.
9 Nessa linha, CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 99.
23
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Também há a compreensão de que a violência deve ser praticada dolosamente, de maneira que se pode admitir o
acordo em casos de crimes culposos, ainda que o resultado comporte a violência, como no caso de lesão corporal10.
É nesse sentido o Enunciado 23 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos
Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM):
É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado
violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação
de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência,
cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar
de previsível.
A ameaça a impedir o acordo, como exige o próprio artigo, deve ser grave, ou seja, uma promessa de mal futuro
apta a causar temor na pessoa. Trata-se de violência moral (vis compulsiva). Não cabe o acordo, por exemplo, no
crime de constrangimento ilegal, que possui a elementar típica da grave ameaça, além da violência, ainda que a
pena mínima seja inferior a quatro anos.
Deve haver a convicção do membro do Ministério Público de que o crime ocorreu, de que o investigado é
seu provável autor e de que não há causas que impeçam a persecução, como excludentes de ilicitude ou de
culpabilidade. Deve haver “aparência da prática criminosa (fumus comissi delicti), punibilidade concreta (v.g.,
não estar prescrita a pretensão punitiva), legitimidade da parte (v.g.: ser o crime de ação penal pública, praticado
por pessoa maior de idade) e justa causa (suporte probatório mínimo a fundamentar uma possível acusação)”11.
10 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 226.
11 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 226.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
CONFISSÃO FORMAL E CIRCUNSTANCIADA
Não há incompatibilidade da confissão com o direito ao silêncio, pois “todo e qualquer investigado (ou acusado)
pode voluntariamente confessar os fatos que lhe são imputados”12.
A confissão não pode ser genérica, mas deve ser robusta e detalhada, mesmo porque, neste caso, tem ela a função
de garantia ao Ministério Público, no sentido de que, diante da confissão formal, registrada em audiovisual,
como indica o § 2º do art. 18 da Resolução CNMP 18/2017, e circunstanciada, com todos os seus detalhes, o
membro do Ministério Público terá a certeza necessária de autoria e materialidade para prosseguir na avença13.
Ademais, há a função processual da confissão, que se manifesta multiplamente na corroboração das provas
produzidas em contraditório – deve-se lembrar que a confissão, produzida extrajudicialmente no acordo de não
persecução, não se constitui em prova, mas em elemento de informação –, como princípio de busca de outras
fontes de prova e como elemento de confronto de provas já produzidas ou do interrogatório judicial do acusado14.
Pode parecer incongruente sustentar a relevância processual da confissão em acordo de não persecução penal, já
que a ideia primeira é a de que não haverá processo justamente pela celebração do acordo. Todavia, essa aparente
incongruência se dissipa quando lembramos que o não cumprimento do acordo de não persecução celebrado
poderá redundar em um processo penal contra aquele que celebrou e não honrou as condições do acordo (art. 28-A,
§ 10, do CPP), quando a confissão poderá ser utilizada nessa vertente processual, corroborando provas obtidas já em
contraditório contra o autor do fato, inaugurando e indicando a busca por novas fontes de provas etc.
Mas não é essa apenas a possibilidade de utilização da confissão em eventual processo penal. Também é possível
que ela, a confissão extrajudicial no acordo de não persecução penal, seja relevante, na mesma multifacetada
direção acima indicada, para a instrução criminal de um coautor da infração penal. Exemplificativamente, poderá
a confissão de um investigado no acordo de não persecução penal indicar firmemente a necessidade de se ouvir
12 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 231.
13 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 128-9.
14 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 129 a 133.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
uma testemunha no processo penal contra pessoa diversa do acordante, que também tenha praticado a infração
penal, mas não tenha celebrado o acordo.
Consta do caput do art. 28-A do CPP que o Ministério Público poderá propor o ANPP “desde que necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime”. Essa exigência, na Resolução CSMPM 101/2018, consta do inc.
VII do § 1º de seu art. 18, tendo sido estabelecido que não se admitirá a avença se “a celebração do acordo não
atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.
É neste ponto que se abre a principal porta para a manifestação da oportunidade regrada, pois o Ministério
Público avaliará se, no caso concreto, o acordo atenderá aos fins e à perspectiva preventiva do Direito Penal e,
particularmente em nosso caso, do Direito Penal Militar.
A necessidade está ligada à ideia de que o fato não pode ficar sem uma resposta penal, ou seja, haverá a necessidade
de uma resposta do Estado para aquela conduta, de modo a inculcar no autor o caráter ilícito da sua conduta ou
reforçar o conteúdo axiológico da norma penal infringida, demonstrar ao grupo social circundante o equivocado
procedimento do investigado, assim como também exaltar os valores tutelados pela norma, e, claro, na medida
do possível, possibilitar a retomada da normalidade do indivíduo no corpo social.
Embora searas diversas, a necessidade do acordo aproxima-se da finalidade da pena, que será afastada por razões
de política criminal aplicada pelo Ministério Público, diante da celebração do acordo de não persecução penal.
A suficiência, muito atrelada à necessidade, por seu turno, reclama que o acordo seja proporcional ao fim que
se está buscando, isto é, a necessária resposta do Direito Penal (substantivo e adjetivo) não pode ser ineficaz ao
atingimento do objetivo de prevenção (especial e geral) que se busca.
No âmbito militar, essa circunstância ganha ainda mais relevância, pois a hierarquia e a disciplina, enquanto
valores constitucionalmente consagrados (art. 142 da CF), são vitais ao escorreito e eficiente funcionamento das
Forças Armadas (e das Forças Auxiliares).
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
7.2 Requisitos negativos
Considerando a especialidade do Direito Penal Militar, a Resolução CSMPM 126/2022, ao alterar a Resolução
CSMPM 101/2018, restringiu a aplicação do instituto, aumentando o rol de requisitos negativos para a
celebração do ANPP, o que não implica, repita-se, inovação processual com consequente lesão ao inciso I do art.
22 da CRFB, mas, apenas, definição de política criminal no âmbito do Parquet Militar.
I Se for cabível transação penal de competência dos I O dano causado for superior a vinte
Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; salários mínimos, ou a parâmetro
econômico diverso, definido pela Câmara
de Coordenação e Revisão do Ministério
II Se o investigado for reincidente ou se houver
Público Militar;
elementos probatórios que indiquem conduta
criminal habitual, reiterada ou profissional,
exceto se insignificantes as infrações penais II Ter sido o autor da infração condenado
pretéritas; pela prática de crime a pena privativa de
liberdade, por sentença definitiva;
I
III Ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco)
anos anteriores ao cometimento da infração, em III Ter sido o agente beneficiado anteriormente,
acordo de não persecução penal, transação penal no prazo de cinco anos, pela aplicação de
ou suspensão condicional do processo; e pena restritiva ou multa;
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Art. 28-A do CPP Art. 18 da Resolução CSMPM 101/2018
Assim, ao menos no âmbito da Justiça Militar da União, também não será possível a realização de ANPP quando
(a) o dano exceder o valor de vinte salários mínimos; (b) se o delito for hediondo ou equiparado; (c) se o aguardo
para o cumprimento puder acarretar a prescrição; e (d) se o delito for cometido por militar, isoladamente ou em
coautoria com civil, e afetar a hierarquia e a disciplina, circunstância a ser devidamente justificada.
7.3 Condições
As condições “consistem precipuamente nas medidas ou obrigações ajustadas entre as partes que deverão ser
prestadas pelo investigado e que, de algum modo, a um só tempo, prestam-se à retribuição e prevenção do
28
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
direito penal, bem como à tutela do bem, jurídico violado pelo crime. Importa destacar que ‘acordo de não
persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece direitos e obrigações de natureza negocial e as
medidas acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a
reincidência’ (Enunciado 25 do CNPG)”15.
Não se trata de imposição do Ministério Público; deve haver a anuência do investigado e de seu defensor; não é
pena e, portanto, não gera efeitos de condenação, pois nem há processo.
Não há especificação da natureza do dano, de maneira que, uma vez quantificado, pode inclusive ser o dano moral16.
É possível que, no momento da celebração do acordo, o dano não tenha ainda sido quantificado, nada obstando
que a celebração contenha cláusula condicionada à devida apuração por órgão específico. Exemplificativamente,
ocorreu por várias vezes no bojo do IPM 7000030-14.2020.7.03.0203 (“Operação Química”) a celebração
de acordo com a obrigação de o investigado reparar o dano a ser apurado em procedimento administrativo
(sindicância) desencadeado pela administração militar. O melhor seria a celebração do acordo já com o dano
delineado, mas isso nem sempre é possível.
Também não vemos empecilho para uma reparação parcelada, desde que feita no curso do prazo fixado no
acordo, especialmente em danos com valores expressivos. Não há clara indicação de que a reparação do dano
possa se protrair, mas a condição do inciso V, em que se fixa prazo não indicado pela lei para cumprir outra
15 SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal previsto no novo art. 28-A do Código de Processo Penal, inserido pela
Lei 13.964/2019. Lei anticrime: comentários à lei 13.964/2019. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020, p. 128.
16 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 231.
29
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
obrigação, parece permitir essa situação. Em adição, se é possível que essa condição sequer seja avençada, no
caso de o autor não possuir condições de reparar o dano, por qual motivo não se deve admitir uma reparação
parcelada? Melhor tê-la de forma parcelada do que não a ter, por óbvio!
Como muito bem aponta Renee do Ó Souza, tem-se aqui um reflexo da fase de redescoberta da vítima no
processo penal, “primeiro como destinatária da reparação dos danos e depois como titular do direito de ser
intimada acerca da homologação de um determinado acordo e de seu descumprimento (§ 9º)”17. Para o autor,
inclusive, é possível que a vítima participe das negociações, com o objetivo de garantir seu interesse patrimonial,
antes de ser efetivamente celebrado o acordo18. Também essa a visão de Rodrigo Cabral:
Em crimes militares ambientais, a reparação do dano deve se aproximar do que dispõe o inciso I do art. 28 da Lei
9.605/1998. Tal qual ocorre na extinção da punibilidade após o decurso da suspensão condicional do processo (art.
89 da Lei 9.099/1995), para que o acordo de não persecução penal seja dado por cumprido com a reparação do
dano ambiental, deverá ser produzido laudo de constatação de sua reparação, ressalvada a impossibilidade.
17 SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal previsto no novo art. 28-A do Código de Processo Penal, inserido pela
Lei 13.964/2019. Lei anticrime: comentários à lei 13.964/2019. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020, p. 131.
18 Idem. Ibidem.
19 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 156.
30
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos,
II
produto ou proveito do crime
Logicamente, o autor da infração não pode permanecer com objetos (ou direitos) que consistam em instrumento,
produto ou proveito do delito, pois isso seria incongruente do ponto de vista da prevenção do crime.
A medida, rotulada por alguns autores como confisco aquiescido20, pode não ter tanta aplicação no Direito
Castrense, caso haja a orientação de não celebração de acordo de não persecução penal em crime de furto, por
exemplo, que gera a indignidade para o oficialato, nos termos do art. 100 do CPM, e portanto, é avesso à política
criminal encerrada pela lei penal militar. Mas poderá ser útil em outros crimes patrimoniais, especialmente
praticados por civis, como a receptação de animal (art. 180-A do CP), cometida no contexto do inciso II do art.
9º do CPM, configurando-se em crime militar de conceito estendido.
Prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima
III cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na
forma do art. 46 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal)
Nesta condição está o momento muito indicativo da reprovação da conduta, por significar algo além da
reparação do dano. Mas a importância é ainda maior, se considerarmos que se promove “um momento
reflexivo do agente, levando-o, em alguns casos, inclusive, a desenvolver novas potencialidades, habilidades e
aptidões. Além de contribuir com comunidades e entidades públicas. Tudo isso fomenta a ideia de prevenção
geral positiva”21.
20 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 231.
21 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 167.
31
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Note-se que o tempo de prestação é fixado pela lei, coincidindo com a pena mínima diminuída de um a dois
terços. No crime de celebração de contrato com empresa ou profissional inidôneo (art. 337-M, § 1º, CP), por
exemplo, em que a pena é de reclusão de 3 a 6 anos, além da multa, o prazo de cumprimento da prestação de
serviço será de 1 ou 2 anos, de acordo com o necessário para a reprovação da conduta, reflexão do agente etc.
O local de cumprimento foge à negociação, de forma até contrária ao que disciplina a Resolução CNMP
181/2017: nem o Ministério Público (nem o investigado) podem definir o local do cumprimento da prestação
de serviço, tarefa expressamente atribuída ao juiz da execução. Nada impede, entretanto, que os pactuantes
sugiram o local ao juiz.
Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei no 2.848, de
7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada
IV
pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais
ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito
Neste ponto o CPP não traz parâmetro temporal, mas, no que concerne a um valor da prestação pecuniária, por
via indireta, tem-se o mínimo de um salário mínimo e o máximo de 360 salários, nos termos do § 1º do art. 45
do Código Penal, o que deve ser graduado de acordo com a gravidade do delito, a culpabilidade e a capacidade
econômica do pactuante.
Também vemos como possível, se a entidade pública ou de interesse social, por seu representante, preferir, que a
prestação pecuniária se constitua em prestação de outra natureza, como a entrega de gêneros alimentícios, diante
do que permite o § 2º do art. 45 do Código Penal.
32
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que
V
proporcional e compatível com a infração penal imputada
Por derradeiro, é possível que o Ministério Público traga uma outra condição não enumerada na lei, o que torna
o rol dos incisos do art. 28-A aberto (numerus apertus) e não exaustivo.
Obviamente, a escolha da condição deve guardar pertinência lógica com a prevenção do delito e a responsabilização
do autor, podendo-se, por exemplo, ter por parâmetro condições trazidas em outros institutos, como a suspensão
condicional da execução da pena – conforme art. 608, § 2º, do CPPM, frequentar curso de habilitação profissional
ou de instrução escolar, prestar serviços em favor da comunidade, atender aos encargos de família, submeter-se a
tratamento médico –, e o livramento condicional – no art. 626 do CPPM, por exemplo, tomar ocupação, dentro
de prazo razoável, se for apto para o trabalho, não se ausentar do território da jurisdição do juiz, sem prévia
autorização, não portar armas ofensivas ou instrumentos capazes de ofender, não frequentar casas de bebidas
alcoólicas ou de tavolagem ou não mudar de habitação, sem aviso prévio à autoridade competente.
Rodrigo Cabral22, em outro parâmetro, sugere algumas outras condições que, ressalte-se novamente, devem ser
adequadas à prevenção e à emenda do autor do fato:
compromisso de não se candidatar a cargo público ou de não exercer função em confiança ou,
ainda, de prestar concurso público;
compromisso de não exercer profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial,
de licença ou de autorização;
22 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Jus Podivm, 2022, p. 175-7.
33
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
compromisso de não frequentar determinados lugares;
compromisso de não contratar com o Poder Público ou de receber incentivos fiscais ou outros
benefícios, ainda que por intermédio de pessoa jurídica;
O acordo de não persecução penal deve ser homologado pelo juiz com competência para processar e julgar
eventual crime em ação penal intentada, conforme determinado no § 4º do art. 28-A do CPP, em “audiência na
qual […] deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e
sua legalidade”.
34
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Presença do MP na audiência.
Embora omissa essa disposição quanto à presença do Ministério Público, na visão de Renato Brasileiro,
justifica-se a “ausência do órgão ministerial sob o argumento de que tal audiência tem como objetivo
precípuo verificar se houve algum tipo de constrangimento para fins de celebração do acordo”23.
De todo modo, na condição de custos legis, pode o Ministério Público acompanhar o ato, mormente se o
investigado e o seu defensor não se opuserem. Em alguns casos práticos, o Juiz Federal da Justiça Militar
tem pautado essa questão de ordem antes do início da audiência, permitindo a manifestação do Ministério
Público e da Defesa. Em não havendo óbice por esta última, o Parquet participa e não será possível arguir
futura nulidade diante do disposto no art. 565 do CPP (“Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a
que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte
contrária interesse”) ou do previsto no art. 501 do CPPM (“Nenhuma das partes poderá arguir a nulidade
a que tenha dado causa ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à
parte contrária interessa”).
O Juiz Federal da Justiça Militar, singularmente – mesmo em caso de investigado militar, já que ainda não há
processo – não poderá interferir nas condições do acordo, exceto no que a lei lhe permite (art. 28-A, III e IV,
do CPP).
Nas demais condições, ou as considera adequadas e homologa o acordo, ou, caso as considere inadequadas,
insuficientes ou abusivas, devolve os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de
acordo, com concordância do investigado e seu defensor (§ 5º do art. 28-A do CPP).
23 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 234.
35
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Necessidade de reformulação.
Dispõe ainda o § 5º do art. 28-A do CPP que, “Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas
as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para
que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor”.
Já de acordo com o § 6º do mesmo artigo, uma vez homologado judicialmente o acordo de não persecução
penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de
execução penal. O juízo da execução, neste caso, dependerá de algumas situações, como o fato de o
investigado ainda ser militar, local de sua residência etc.
Recusa de homologação.
Entendendo que o acordo não atende aos requisitos legais ou que não foi feita a adequação a que se refere o
§ 5º, o juiz poderá recusar sua homologação, na forma do § 7º, e devolverá os autos ao Ministério Público
“para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia” (§ 8º).
No caso de não homologação, por fim, pelo juiz, fora dos fundamentos legais – por exemplo, simplesmente
por entender pelo não cabimento no âmbito da Justiça Militar da União – será possível a interposição de
Recurso em Sentido Estrito, absorvendo-se a hipótese do inciso XXV do art. 581 do CPP, por força do art.
3º, “a”, do CPPM, de Correição Parcial ou mesmo impetração de Habeas Corpus em favor do investigado.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
7.5 Atuação da Câmara de Coordenação e Revisão
O § 14 do art. 28-A do CPP dispõe que, no caso de recusa por parte do Ministério Público em propor
o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na
forma do art. 28.
No âmbito do MPM, esse órgão é a Câmara de Coordenação e Revisão, cujas deliberações em matéria
de arquivamento de investigações, a partir da edição da Resolução CSMPM 109/2020, passaram a ter
caráter conclusivo.
Assim, havendo interesse do investigado na celebração do acordo, mas recusa do MPM em firmá-lo, poderá
aquele requerer a remessa dos autos à CCR/MPM, à qual caberá, em pronunciamento irrecorrível, decidir
se homologa a recusa ou remete os autos a outro membro, de acordo com as regras previstas nos §§ 3º e 4º
do art. 5º do Resolução CSMPM 6/1993 (Regimento Interno da CCR/MPM), para, como longa manus,
apresentar a proposta ao investigado.
Uma outra forma de a CCR atuar em matéria de ANPP, enquanto colegiado coordenador do exercício
funcional na Instituição, será a delimitação da política criminal do Ministério Público Militar.
Para tanto, a CCR poderá emitir enunciados e recomendações sobre o assunto, nos termos do art. 15 da
Resolução CSMPM 6/1993, com a redação que lhe deu a Resolução CSMPM 95, de 31 de agosto de 2017.
Do mesmo modo, o colegiado poderá fixar “parâmetro econômico diverso” do estabelecido no inc. I do §
1º do art. 18 da Resolução CSMPM 101/2018, segundo o qual não se admitirá o ANPP quando “o dano
causado for superior a vinte salários mínimos”.
37
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Comunicação da CCR.
Por fim, a CCR deverá ser comunicada de todos os acordos realizados em primeiro grau, em atenção ao que
prevê a Resolução CNMP 174/2017. Como as avenças são documentadas em procedimentos administrativos que
tramitam no MPVirtual, o encaminhamento dos autos arquivados ao colegiado coordenador e revisor, de forma
eletrônica, para ciência, atende à disciplina do ato normativo do CNMP.
24 LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 235.
38
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
A rescisão do acordo deverá se dar pelo juiz competente para a ação penal militar e não pelo juiz da execução,
mediante provocação do Parquet. Nesse sentido é o Enunciado 28 CNPG/GNCCRIM: “Caberá ao juízo
competente para a homologação rescindir o acordo de não persecução penal, a requerimento do Ministério
Público, por eventual descumprimento das condições pactuadas, e decretar a extinção da punibilidade em razão
do cumprimento integral do acordo de não persecução penal”.
A confissão no bojo do acordo, neste caso de rescisão, constituirá elemento de informação, com as consequências
processuais já indicadas acima, a exemplo da corroboração de provas produzidas em processo, sob o crivo do
contraditório, e isso ainda que se retrate por ocasião de seu interrogatório judicial. A confissão, ainda que
extrajudicial, poderá dar suporte à denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público25.
O § 11 do art. 28-A do CPP, ademais, dispõe que o “descumprimento do acordo de não persecução penal
pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual
não oferecimento de suspensão condicional do processo”, marcando-se, aqui, mais uma consequência do
inadimplemento.
Satisfeitas na íntegra as condições avençadas, de acordo com o § 13 do art. 28-A do CPP, o juízo competente
decretará a extinção de punibilidade. Também conforme o Enunciado 28 do CNPG/GNCCRIM, esse juízo
será o mesmo competente para a homologação, ou seja, aquele que seria competente para processar e julgar a
infração penal.
Reitere-se que o acordo celebrado, homologado e cumprido não constará de certidão de antecedentes criminais,
exceto para os fins de não celebração de novo acordo, em atenção ao § 12 do art. 28-A do CPP.
25 Idem. Ibidem.
39
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
8 PROCEDIMENTO SUGERIDO
A partir de agora serão sugeridos os passos para a celebração do ANPP, desenhados com base em experiências
bem-sucedidas, em que já foram providenciadas homologações judiciais de acordos e comunicações dos atos à
CCR/MPM:
No curso de um IPM, pode o membro do MPM endereçar expediente à polícia judiciária militar dando a notícia
de que seria possível a celebração de acordo de não persecução penal com um ou mais investigados. Com essa
informação, o encarregado de inquérito transmite a mensagem ao(s) investigado(s), que, se tiver(em) interesse,
deve(m) manifestar sua vontade formalmente.
O(s) interessado(s) em celebrar o acordo, diante da provocação, peticiona(m) ao MPM dando conta de sua
intenção, geralmente por defensor constituído. Essa(s) petição(ões) motiva(m) a instauração de procedimento
administrativo, por portaria sucinta e com delimitação de seu objeto, nos termos do art. 8º, IV, da Resolução
CNMP 174/2017 (“embasar outras atividades não sujeitas a inquérito civil”), aplicando-se, no que couber, o
princípio da publicidade dos atos, previsto para o inquérito civil, no termos do art. 9º daquele ato. A partir de
então, as tratativas são feitas no MPVirtual, em sede de procedimento administrativo.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
3º Audiência de ajuste
O primeiro ato dentro do procedimento administrativo é ter com o investigado, na presença de seu defensor, uma
audiência para esclarecer o instituto do ANPP e para colher a manifestação do investigado no sentido de celebrá-
lo, devendo abrir mão do seu direito ao silêncio e, em consequência, confessar formal e circunstanciadamente a
infração penal que praticou.
Recomenda-se que nessa audiência o membro do MPM deixe claro os elementos indiciários que possui e a
infração penal, em tese, cometida para que o investigado saiba que não se trata de caso de arquivamento. Também
nesse ato serão discutidas as condições a serem cumpridas pelo investigado.
Em regra, nos casos já ocorridos, foram feitas audiências remotas, devidamente gravadas em audiovisual, para
posterior anexação dos arquivos à petição de ajuizamento no e-Proc.
4º Formalização do acordo
Feita a audiência supracitada, é hora de formalizar o acordo, conforme preconiza o § 3º do art. 28-A do CPP: “O
acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público,
pelo investigado e por seu defensor”. Como se trabalha no MPVirtual, a peça do acordo é assinado no sistema
pelo membro e, depois, encaminhado para a assinatura física do investigado e de seu defensor.
5º Lançamento no e-Proc
Assinado o termo que formaliza o acordo, deve-se peticionar ao juízo pela homologação da avença. Em caso
de vários autores, em que a celebração do acordo não seja conveniente de ser conhecida pelos coautores (ou
partícipes), recomenda-se que a petição seja destacada do procedimento apuratório, postando-se uma “petição
inicial” com seus anexos.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
6º Arquivamento do procedimento administrativo
Diante da petição acima referida, será marcada a audiência judicial para a homologação (ou não) do acordo,
presentes, minimamente, o investigado e seu defensor.
Homologado o acordo, cópia da decisão judicial deve ser extraída e juntada ao procedimento administrativo,
promovendo-se, em seguida, o seu arquivamento, com remessa eletrônica à CCR, para ciência.
O procedimento administrativo também será arquivado se não houver, por qualquer motivo ou incidente, a
celebração do acordo ou se não houver homologação judicial, seja por falta de amparo legal, seja pelo fato de o
juiz não concordar com as condições e não queiram os pactuantes ajustá-las.
O expediente, nesse caso, “deverá ser arquivado no próprio órgão de execução, com comunicação ao Conselho
Superior do Ministério Público ou à Câmara de Coordenação e Revisão respectiva, sem necessidade de remessa
dos autos para homologação do arquivamento”, conforme o art. 12 da Resolução CNMP 174, de 4 de julho de
2017.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
9 POSSÍVEIS INCIDENTES
Neste ponto, serão enumeradas algumas possibilidades incidentais que podem obstar o procedimento sugerido
para o ANPP, sem prejuízo de, com futuras experiências, outras serem adicionadas.
Mudança na condição financeira, passando o pactuante a não ter mais condições, por motivos
justificáveis, de compor o dano ou honrar a prestação pecuniária ajustada no termo formal de
acordo. Sugere-se, na audiência de homologação, proposta de ajuste, substituindo-se as condições,
desde que suficiente a alteração para a reprovação da conduta.
Se na audiência de ajuste do acordo, nas declarações de confissão do investigado, for percebido que não
há prática de conduta delitiva, verificando-se ser caso de arquivamento, sugere-se encerrar as tratativas,
promover o arquivamento em relação ao pretenso pactuante e arquivar o procedimento administrativo.
O pactuante confesso nega posteriormente a autoria da infração. Entende-se, neste caso, que houve
uma prática incongruente com a vontade de confissão, sugerindo-se não prosseguir no ajuste.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
10 ACOMPANHAMENTO DO ANPP
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
11 ENUNCIADOS SOBRE ANPP
Enunciado 4:
O Ministério Público Militar pode formalizar Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), com base no art. 3º, alínea
“a”, do CPPM, c/c art. 28-A do CPP, tanto para civis, quanto para militares, desde que necessário e suficiente para a
reprovação e prevenção do crime militar.
Enunciado 5:
Na celebração do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), deve o membro do MPM fixar o prazo do cumprimento do
acordo em tempo inferior ao da prescrição da pretensão punitiva em abstrato, aplicável ao caso concreto.
Enunciados do CNPG/GNCCRIM
O acordo de não persecução penal é faculdade do Ministério Público, que avaliará, inclusive em última análise (§ 14), se
o instrumento é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime no caso concreto.
Cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não
recebida a denúncia.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Enunciados do CNPG/GNCCRIM continuação
Não caberá o acordo de não persecução penal se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que
indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas,
entendidas estas como delitos de menor potencial ofensivo.
Veda-se o acordo de não persecução penal aos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou
praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, bem como aos crimes hediondos e equiparados, pois
em relação a estes o acordo não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos delitos desta
natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo
resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar de previsível.
A homologação do acordo de não persecução penal, a ser realizada pelo juiz competente, é ato judicial de natureza
declaratória, cujo conteúdo analisará apenas a voluntariedade e a legalidade da medida, não cabendo ao magistrado
proceder a um juízo quanto ao mérito/conteúdo do acordo, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade, atributo
que lhe é indispensável no sistema acusatório.
O acordo de não persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece direitos e obrigações de natureza negocial
e as medidas acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a
reincidência.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Enunciados do CNPG/GNCCRIM continuação
Deverá constar expressamente no termo de acordo de não persecução penal as consequências para o descumprimento
das condições acordadas, bem como o compromisso do investigado em comprovar o cumprimento das condições,
independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo apresentar, imediatamente e de forma documentada, eventual
justificativa para o não cumprimento de qualquer condição, sob pena de imediata rescisão e oferecimento da denúncia
em caso de inércia (§ 10º).
Havendo descumprimento dos termos do acordo, a denúncia a ser oferecida poderá utilizar como suporte probatório a
confissão formal e circunstanciada do investigado (prestada voluntariamente na celebração do acordo).
Caberá ao juízo competente para a homologação rescindir o acordo de não persecução penal, a requerimento do Ministério
Público, por eventual descumprimento das condições pactuadas, e decretar a extinção da punibilidade em razão do
cumprimento integral do acordo de não persecução penal.
Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o artigo 28-A, serão consideradas as causas de
aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto, na linha do que já dispõe os enunciados sumulados nº 243 e nº 723,
respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
https://www.mpm.mp.br/
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