As Metamorfoses Do Escravo - Octavio Ianni

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CORPO E ALMA
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I I DO BRASIL I l I
AS
I METAMORFOSES
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, DO ESCRAVO
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Direção do
Prof. Fernando Henrique Cardoso
li Apogeu e crise da escravatura
no Brasil Meridional

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l SBD-FFLCH-USP

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) Maio de 1962 ~ .
~ DIFUSÃO EUROPÉIA DO LIVRO
Rua Marquês de Itu, 79
Rua Bento Freitas, 362 - 6. 9
SÃo PAuLo
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A AGRADECIMENTOS
J1,LORESTAN FERNANDES )

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por sua atuação inovadora no Esta obra foi escrita no decorrer de 1960 e princípios de
campo da investigação científica, 1961, com base em dados retidos em fontes compulsadas ante·
com admiração e amizade. riormente em Curitiba, São Paulo, Florianópolis, Pôrto Alegre
e Rio Grande. Todavia, como todo trabalho científico, êste tam·
bém não é apenas o resultado do esfôrço isolado de uma pessoa.
Ao contrário, desde as primeiras manifestações ·· do projeto de
investigação, foi o empenho de muitos que possibilitou ·a sua
realização. Por isso quero agradecer àqueles qZLe me ajudaram
de alguma forma, ainda que não me seja possível nomear a todos.
Ao Prof. Florestan Fernandes coube não só a orientação da
)
pesqZLisa, em suas principais fases , como também lhe devo o
despertar do meu interêsse por uma nova orientação no estudo )
das relações raciais na sociedade brasileira. Após ler cuidado-
samente os originais, debateu comigo temas e sugeriu esclareci·
mentos. Além disso, facilitou o desenrolar das minhas atividades
didáticas paralelamente à realização dêste trabalho.
As ·subvenções que me permitiram permanecer na área ·da
pesquisa, durante todo o tempo necessário à coleta dos dados,
devo-as ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e
à Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL )
perior (CAPES), graças ao interêsse que o Dr. Anísio S. Teixeira
301.451 As metamorfoses do escravo : e o Prof. Charles W agley tiveram pelos trabalhos desenvolvidos pela )
111m Cadeira de Sociologia I, da Facu&lade de Filosofia, Ciências e

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e.4
Letras da Universidade de São Paulo. Pelo apoio que me dispensou
I IIII\ IIII\ IIII\ \IIII IIII\ 111111111 IIII então, agradeço também ao Prof. Eurípides Simões de Paula,
diretor da Faculdade de Filosofia na ocasião da pesquisa.
Os meus colegas e amigos Fernando Henrique Cardoso e
Renato Jardim Moreira cooperaram comigo no planejamento e na
obtenção dos dados. Com êles - especialmente com o primeiro
~ debati aspectos da análise que pretendia desenvolver, bem como
Direitos exclusivos alguns dos {esultados alcançados. Em parte, esta monografia é
Difusão Européia do Livro
São Paulo 5
o resultado de um projeto coletivo, que começamos a desenvolver
conjuntamente em 1955, sob a orientação do Prof. Florestan Fer-
H nandes. Nesse plano - presentemente se encontra em fase de
conclusão - prevíamos o estudo das relações entre negros e
I brancos em distintas regiões do Brasil Meridional.

.
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Na etapa de obtenção dos dados, em Curitiba, muito me
ajudaram, com simpatia e empenho, os professôres José Loureiro
Fernandes, Brasil Pinheiro Machado, Wilson Martins, Erasmo Pi-
I
f!' lotto, Bento Munhoz da Rocha, Maria Olga Mattar, Oswal:Jo Pi- INTRODUÇÃO
I j I
botto, Pórcia GUJ.imarã.es Alves, Al~iva Balhana Pilatti, Fausto
Castilho, Benedito José Cordeiro, os senhores Nestor Ericksen, Saul
d.I
)'! Lupion de Quadros, Edgar Antunes da Silva, João Martins, o Cel.
l. Temas
I i Benedito Evangelista dos Santos , a Sra. Adelaide de Souza Paula Uma análise da sociedade escravocrata em Curitiba não pode

:I Rosa, a Dra. Enedina Alves Marques, os doutôres Edwino Tempski


e Valfrido Piloto, e o Major Newton Braga, então prefeito
municipal. ·
prescindir da consideração, ou ao menos da pressuposição, de
algumas peculiaridades do desenvolvimento da escravatura em ou-
tras regiões do país. A significação de uma explanação adstrita
Como esta obra foi apresentada em concurso de doutora- à comunidade adquire novas dimensões se não perdemos de vista
mento em ciências, na Cadeira de Sociologia I, da FaculJdade de as singularidades da escravatura nas diversas áreas do Brasil
1: Filosofia, Ciências e · Letras da Universidade de São Paulo, tive Meridional, nas ·zonas em que se desenvolveu intensa e amplamente
o ensejo de estabelecer um diálogo fecundo com os professôres a exploração de produtos tropicais para o mercado exterior, em
I
J:j Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, José Loureiro Fernandes, confronto com a própria comunidade selecionada. Ainda que não
): Sérgio Buarque de Holanda e Thales de Azevedo, que foram os seja projeto nosso realizar uma análise comparativa, é inegável
'I examinadores. A todos agradeço o interêsse revelado pelo meu que a configuração do regime escravista em Curitiba poderá ad-
1:: quirir maior nitidez e significação quando levarmos em conta as
trabalho e o cuidado com que o discutiram comigo.
feições assumidas pelo mesmo regime em Pernambuco, na Bahia,
I,
Tive ainda a oportunidade de debater diversos aspectos das em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Floria-
explanações com ·os meus colegas e amigos Fernando · Antônio nópolis etc.
Navais, Bento Prado Júnior, Eunice Ribeiro Durham, Marialice
Mencarini Foraachi e José Arthur Giannotti, que tiveram interêsse Sabemos que a sociedade escravocrata é uma ordem social
e paciência para ler . os originais. E em sua preparação final, fundada na produção devida à utilização da fôrça de trabalho
I•
çontei com a colabor.ação .gentil e amiga de Lourdes Sola, Ana Maria i· escràvizada, implicando, portanto, numa estruturação hierarquizada
I
lanni,. José . Cq,rlos Pereira, José César A. Gnaccarini, Cláudio de duas camadas sociais básicas: os produtores submetidos e os
José Tôrres Vouga, Vera Mariza H. de fl.Hranda, Nilce Cervone, proprietários do produto do seu trabalho e das suas pessoas. Mas
Renate Brigitte Nutzler e José Francisco F. Q. dos Santos. Agra- sabemos também, e é o que nos interessa agora, que a escravidão
deço a todos a solicitude com que se dedicaram a uma tarefa instaurada numa comunidade será ou não predominante no con-
muitas vêzes árdua. junto do sistema econômico-social, marcando de maneiras diversas
o modo de ordenação das relações entre os homens. Por um lado,
Todo o meu trabalho, no entanto, beneficiou-se do interêsse o regime pode apresentar-se altamente dominante, como ocorreu
e desprendimento contínuos de Éline Zollner lanni. no Nordeste açucareiro em certas épocas, na extração do ouro
·:4
das Gerais, na cafeicultura do Vale do Paraíba; ou então, como
ÜCTAVIO IANNI sucedeu em outras regiões, êle se mostra fracamente estruturado
e em concomitância com extensos setores da produção ordenados
segundo outiOS regimes de trabalho, como ocorreu em Florianó-

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.

polis ( 1) e em Curitiba. Nesta comunidade, como se verá, o nidades indígenas e caboclas isoladas. Como é natural, em de-
regime escravista nunca chegou a dominar a totalidade do sis- corrência dos tipos de atividades econômicas desenvolvidas nas
tema produtivo, o que se verificou, por exemplo, em certas etapas diferentes zonas do país, o regime alcançou em algumas comuni-
)
da evolução da economia açucareira ou do café, provocando in- dades elevado grau de desenvolvimento, impregnando todo o sistema
clusive a necessidade de importação de gêneros de subsistência. social com elementos peculiares a seu modo de ser, isto é, deter-
iu Houve momentos, nesses casos, em que tôda a terra disponível era minando o modo de organização da vida de brancos e negros. A
incorporada à unidade produtora para o mercado dinamizado pelo par de uma economia comercial de elevado e crescente rendimento,
j funcionamento da economia internacional. Em Curitiba o trabalho verifica-se constante e acentuada incorporação de escravos em todos
h escravo foi progressivamente absorvido, até certo momento, che- os setores das atividades humanas, o que vincou o sistema todo
gando mesmo a provocar elevada concentração de cativos na po- de valores, padrões, normas, mecanismos sócio-culturais próprios
pulação da comunidade, mas não ocasionou uma ampla destruição !. de uma sociedade de castas. A diferenciação social, que acom-
das unidades produtivas apoiadas no trabalho livre, principalmente panha as estruturas econômico-sociais mais complexas, levou os
familiares. Na fase de seu maior desenvolvimento, como se de- .componentes psico-sociais e culturais de uma sociedade de castas
preende da documentação compulsada, _persistiram, lado a lado, a todos os níveis do comportamento humano.
segmentos econômico-sociais apoiados no trabalho escravo e no Mas houve comunidades em que as atividades . produtivas
trabalho livre. E muitas vêzes essas duas formas de utilização da possibilitaram uma concentração menor de escravos. A impor-
fôrça humana aglutinaram-se numa mesma unidade produtora, tância relativa do sistema de produção para a subsistência, ou a
eriando provàveinlente problemas e situações de interêsse e signi- intensidade não acentuada da produção para o mercado, determi-
ficação teóricos. ·~Em qualquer alternativa, todavia, é inegável que naram, nesses casos, reduzido desenvolvimento dêsse regime.
a civilização brasileira estêve marcada pelo poder criador do Estruturas econômico-sociais com fraco índice de diferenciação
sistema de produção baseado no trabalho cativo.~ O escravo incorporaram em menor escala contingente de trabalhadores que
impregnou não apenas a estrutura econômica, dando-lhe o sentido formaram a casta dos escravos. Dêste modo, marcou-se, talvez em
', fundamental, mas também a composição demográfica e o sistema menor intensidade, todo o sistema social, com valores, padrões,
sócio-cultural. Tôdas as áreas e níveis da sociedade estiveram, normas, instituições etc. de um universo escravista. Todavia, esta
ainda que em graus diversos, assinalados pela presença de man- complexidade menos acentuada das estruturas em determinadas
cípios. A instauração do trabalho escravo era sempre, em tôdas comunidades, como ocorreu em algumas zonas do sul do país ( 2),
as comunidades, o alvo a ser alcançado ou a instituição em ela- não deve ser compreendida como se nelas o regime escravo não
boração e expansão. Num mundo dicotomizado em cativos e tivesse assumido a mesma importância básica que em outras áreas.
senhores, negros e brancos, o branco livre desenvolvia tôdas as É preciso que se considere que nas comunidades em que o con-
suas energias para tornar-se senhor, ainda que de um só cativo; tingente de escravos foi pequeno, em têrmos absolutos, nem sempre
I
ou então cercava-se de agregados, geralmente pardos ou negros. isto significou um regime de castas menos caracterizado, ou fraca-
J
·• Portanto, o sistema escravocrata foi instituído com intensidade mente estruturado. Em determinados casos, quando a economia
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variada pelas comunidades do território brasileiro. De conformi- não possibilita um amplo desenvolvimento da escravatura, como
dade com as transformações econômicas dos centros dinâmicos, e ocorre em Curitiba, verifica-se, a despeito disso, uma acentuada
segundo o deslocamento ecológico de determinadas ·atividades pro- ela~oração do regime escravista. Isto se explica principalmente
dutivas, o Brasil acabou totalmente envolvido num vasto sistema
escravista, do qual estiveram ausentes somente pequenas comu-
I.:I (2) Algumas questões, de uma pesquisa ampla sôbre as rela-
ções raciais entre negros e brancos no sul do país, incluindo Curitiba,
(1) As condições de formação e os caracteres fundamentais Florianópolis, Pôrto Alegre e Pelotas, encontram-se examinadas em:
das transformações do regime escravista em Florianópolis estão "O Estudo Sociológico das Relações entre Negros e Brancos no
descritos em: Oôr e Mobilidade Social em Florianópolis, por Fer- Brasil Meridional", por Fernando Henrique Cardoso, Renato Jardim
nando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, Companhia Editôra Na- Moreira e Octavio Ianni, em A ·n ais da II Reun4ão Brasileira de
cional, São Paulo, 1960. Antropologia,• Bahia, 1957, págs. 213-219.

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' pelo seguinte. De um lado, o que define o universo social como
altamente impregnado de componentes de uma ordem escravista
não é o número absoluto de escravos, mas o seu contingente
relativo. Se a população branca, que domina os meios de pro-

natureza peculiar do regime escravista que se constituiu em Curitiba.
· Nesse sentido, o ciclo de formação do sistema econômico e sócio-
-cultural escravocrata será visto também como o processo histórico
de elaboração do escravo, enquanto categoria social e racial. Ve-
dução e o grupo dos escravos, apresenta também pequena den- remos como se encadeiam e se determinam os componentes prin-
III sidade, é possível que as relações sociais, conforme elas podem cipais dessa ordem social, tais como o trabalho, o escravo, o
iii
!i! ser elaboradas por um sistema de castas, sejam completamente senhor, pois, à medida que êsse tipo de trabalho produz um modo
marcadas por tal sistema. Não se pode negar, nestes casos, que as
'I peculiar de organização da vida dos homens, produz também o
d:
f I
condições demográficas de organização das comunidades indicam
pré-requisitos de um sistema de castas perfeitamente caracterizado
como tal. Mas, por outro lado, o que caracteriza de modo típico
escravo e o senhor, os quais, por sua vez e reciprocamente,
produzem o regime. Dêsse modo se evidenciará o regime de tra-
I I uma estrutura econômico-social não é o contingente demográfico
balho escravizado como o elemento básico e determinante da
estruturação e desenvolvimentos da sociedade nos períodos colo-
nem a presença relativa de escravos e senhores. Ainda que êles nial e imperial. Ver-se-á como, mesmo numa comunidade onde
I) '' sejam elementos notáveis e imprescindíveis a uma caracterização o setor de economia de subsistência sempre foi importante, pelo
completa de um dado tipo de estrutura, são os próprios funda- coeficiente relativo de trabalhadores que ocupava, mesmo nesse.

- mentos econômico-sociais em que se baseia que a explicam e carac-


I

caso o sistema de trabalho cativo operou dinâmicamente, como


'I teriz.am. +São as atividades produtivas básicas, conforme elas estão um valor cultural almejado e ao alcance também de empreendi-
determinadas pelo modo de apropriação definido por uma economia mentos familiares. Em conseqüência, os contornos do senhor,
de consumo ou de mercado, que devem ser consideradas impres-
das castas, em suas conexões, bem como de outras categorias
cindíveis a uma compreensão nítida do sistema social. São a
essenciais ao conhecimento da escravatura emergirão pouco a
maneira pela qual é aplicada a fôrça de trabalho social e o modo
pouco; as tensões recorrentes e desagregadoras, expressas nos
de apropriação do produto dêsse trabalho que marcam essencial-
diversos níveis do sistema social (proibições de atividades reli-
mente a sociedade, dando-lhe esta ou aquela configuração. É
giosas, lúdicas; fugas, revoltas, homicídios; conflitos com capatazes
por isso que Curitiha deve ser tomada aqui como uma comunidade
negros ou mulatos; obstáculos ·à ascensão social dos mestiços etc.)
escravocrata. Independentemente do grau de diferenciação do sis-
serão reconstruídas em suas significações principais para o conhe-
tema social, do contingente de escravos e senhores, do ritmo
cimento da sociedade escravocrata e da sua desorganização.
de crescimento da produção para o mercado, ou outros fatôres,
a comunidade está inegàvelmente marcada por um sistema de Além disso, é possível que na análise das condições de estru-
\ castas. Mas é justamente aí que se encontram os fatôres que turação e desenvolvimento da comunidade possamos apanhar alguns
atraem a nossa atenção para o seu estudo: são exatamente os dos mecanismos econômico-sociais de integração do africano e
elementos e condições peculiares à comunidade que sugerem a seUs descendentes. O nível de densidade demográfica de negros, bem
l•tt possível riqueza de significações sociológicas. A investigação como o contingente relativo de brancos, os desenvolvimentos pos-
científica de um sistema de castas, fracamente diversificado como teriores do mestiÇamento, da colonizaçã_o 'etc., são fenômenos
êsse, com somente uma parcela de suas energias orientada pa~a demográficos que assumem significação estrutural cada vez maior,
a produção comercial, com uma densidade demográfica consi- à medida que êsses elementos vão atuando e adquirindo dimensões
derada baixa etc., pode trazer alguma contribuição positiva para sociais novas, cumulativas. Por isso, o processo de absorção dos
a explanação do regime brasileiro de castas, as condições de africanos e seus descendentes, híbridos ou não, será focalizado
sua constituição, a dinâmica de sua desorganização e assim por I/•
em têrmos dos contextos histórico-econômicos e sociais em que
diante. êles foram envolvidos. Especialmente significativas são as duas
Nosso problema preliminar, portanto, será explicar a for- configurações reproduzidas nesta monografia , isto é, o período de
mação e os desenvolvimentos fundamentais da estrutura da comu- constituição e apogeu da escravatura e o ciclo de dissolução do
nidade, reconstruindo os seus pré-requisitos e requisitos econômicos regime. Particularmente êste último, como se verá, tornará explí-
e sociais básicos, o que nos dará uma imagem rigorosa da citas diversas. facêtas das condições em que se realiza a integração

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sócio-cultural e racial, ressaltando-se os produtos sociais que per- em diversos setores do sistema social. Econômicas, demográficas,
mitem compreender as diferentes feições sociais do africano e seus sociais, políticas, essas mudanças determinaram a progressiva ex·
"I descendentes. pansão e diversificação do sistema, produzindo efeitos sociais
imediatos e distantes, que se polarizam em têrmos do processo
É inegável que o conhecimento completo do processo de
I de alteração da ordem escravista em regime de trabalho livre.
incorporação dêsse grupo à civilização "luso-brasileira" depende
I~•I da avaliação segura dos papéis exercidos pelos elementos culturais
Por isso, a abolição será vista, em seus componentes fundamentais,
:j como um processo social complexo, determinado por diversas
transplantados de África. Tanto porque a absorção da cultura
'·I estruturas em interação. Em seus pré-requisitos e requisitos há·
adotiva foi necessàriamente lenta, devido às próprias condições
!i sicos, a análise dêsse processo não iluminará somente o movimento
da escravidão, como porque a preservação dos valores e padrões
político e de opinião pública que se organiza tardiamente em
originários era a única maneira de estabelecer um interregno de
!Ui
Curitiba, área periférica e induzida, mas tentará pôr em evidência
reavaliações e redefinições, é evidente que o patrimônio cultural
também os fatôres estruturais subjacentes às transformações ma·
iii de origem exerceu uma influência decisiva. Êstes componentes
nifestas no próprio movimento abolicionista nacional.
·. JI·' devem ter contribuído para a formação e preservação de proces-
Depois de apanhar o escravo em sua · constituição, focaliza· )
:! I sos psico-sociais que atuaram na conservação da vida individual
e grupal, bem como no ajustamento produtivo dos afro-brasileiros. remos as suas metamorfoses, que reproduzirão, de nôvo, sob outro )
1.1
I I As sobrevivências religiosas, lúdicas, ergológicas etc., denotam a ângulo, o cativo, o senhor," a natureza do estado escravista, suas
1I I contradições internas. Veremos como se dá a dissolução do )
li importância dos aspectos que estamos focalizando. Mas nesta
monografia a análise não poderá lidar com os problemas rela- i regime e a redefinição do trabalho humano, ressaltando a im·
cionados com essa ordem de dados. A investigação orientou-se portância da colonização desenvolvida na segunda metade . do
no sentido de compreender a integração social do negro conforme século XIX, a expansão e diversificação das atividades produtivas,
êsse processo pode ser apreendido pela análise direta dos elementos a revalorização social do trabalho manual etc. Procuraremos tornar
imediatamente responsáveis pelas condições econômico-sociais do explícita a maneira pela qual a miscigenação e certas manifesta·
fenômeno. Considerando-se a intenção básica de conhecer um ções de tensões sociais atuaram cumulativamente, produzindo a
processo social que envolveu o escravo fundamentalmente como contaminação moral dêsse tipo de exploração da fôrça de trabalho
do negro. N'esse sentido, a análise mostrará como se cristaliza
fornecedor de fôrça de trabalho, a investigação pôde selecionar
o ex-escravo, depois de sua metamorfose final, assumindo a con·
um ângulo de observação compatível com o conhecimento satis·
figuração social de negro e de mulato. É que o período crítico
:.:; · fatório das condições de integração social. É evidente que em
de desagregação do sistema econômico e sócio-cultural escravo·
algumas oportunidades a reconstrução revelará a insuficiência de
crata é também aquêle da elaboração dessas categorias, geradas
dados e a necessidade de material relativo à cultura negra, mas
no seu interior, isto é, no seio da sociedade de classes em
isso não perturbará o desenvolvimento da explanação, pois o conhe-
formação. Em outras palavras, as condições de funcionamento do
cimento do negro em processo de integração funda-se, como
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sistema escravista em Curitiba permitem ainda a compreensão
revelamos nesta monografia, na clara ponderação dos índices estru·
dêsse fenômeno, de elevado interêsse para a reconstrução . socioló-
turais que envolvem e determinam o processo, onde o patrimônio
gica do regime servil: a maneira pela qual o escravo assume as
cultural, a despeito de ser fundamental, tem sua significação ela·
configurações de negro e mulato. Somente o exame dos mecanis-
rificadora dependente do modo de estruturação econômico-social mos econômicos e sociais que realizaram essa metamorfose, em
da comunidade.
concomitância com as transformações estruturais, completará a
A análise do processo de desagregação do regime escravista reconstrução da sociedade escravocrata em Curitiba. A investiga·
revelará, em outro ângulo, certas singularidades da unidade sele· ção científica não se fecha senão quando ela esgota tôdas as
I
li
cionada, como um exemplar rico para o conhecimento de processos significações do sistema que ela pretende conhecer. E é inegável
I e fenômenos que se manifestaram no país na segunda metade do que a escravatura somente se encerra ao transformar o cativo em
século XIX. As transformações que começaram a operar em negro e mulato; ou melhor, a liquidação do regime implica, ao
Curitiba durante o segundo quartel dêsse século, repercutiram mesmo tempot na criação de categorias sociais novas. A medida
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que o regime se desagrega, à medida que as transformações eco- de produzirem uma economia monetária integrada à Colônia e
nômicas e sociais expandem e diversificam a estrutura da comuni· aos países do Prata, não provocaram um intenso desenvolvimento
ri j i
dade, o negro e o mulato vão sendo progressivamente gerados, econômico, nem uma elevada concentração demográfica, com den-
como categorias do regime de classes em forma ção. ~ lenta _e sos aglomerados. O que se verifica é a simultaneidade, equilibrada
.I
contínua elaboração_ d~~~s dá-se com a paulatina germinação do e integrada, de dois sistemas produtivos importantes (de subsis-
~~ i regime-- aé trab~lh~ }~':re, onde as pessoas não serão conhecidas . tência e mercantil) na comunidade e na região, com flutuações e
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apenas pela -posição que ocupam na sociedade, ou pelo status desenvolvimentos de um e outro sistema, conforme estímulos
qüe ·· ocupam no sistema produtivo, mas também pela côr, assif!1 internos e externos que a análise pretende clarificar. Portanto,
coriiõ -ª-ª-_:vêzés . se. distinguem . pela religião, pela nacionalida~e vista em conjunto, a sociedade que se formou e desenvolveu na
i ~r~ginári_a etc. Na sociedade de cÍasses ém formação, oilde o tra-
balho terá uma significação social diversa daquela que possuía
região de Curitiba teve sempre um ritmo lento de expansão,
crescendo sem crises acentuadas, em sucessões e desdobramentos
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na estrutura societária de castas, os negros e mulatos serão
distinguidos como membros de um grupo à parte, com alguns
contínuos, onde negros, carijós, caboclos, pardos e brancos con-
viveram e trabalharam como escravos, agregados, ou outras formas
atributos específicos, da mesma forma que no pàssado o escravo sociais de escravidão disfarçada, e homens livres. Em segundo
.
:I! 'I era membro de outra casta, outra raça, outra cultura. Em síntese,
corri a metamorfose social do trabalho, transfiguram-se também
lugar, uma das etapas mais importantes do desenvolvimento eco-
nômico da área, iniciada com o segundo quartel do século XIX,
:111 os trabalhadores, divididos em negros, mulatos, italianos, polo- teve como conseq.üência social importante a elevação da participa-
neses, alemães etc., a despeito de muitas vêzes trabalharem lado ção do trabalhador livre, autônomo ou assalariado, na comunidade,
I ·tÍI a lado, na mesma condição. com a imigração de alemães, poloneses, italianos ou outros "colo-
ll·:!
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Em suma, todo o processo de investigação desenvolvido por nos", concentrados inicialmente na agricultura e, depois, infiltrados
I
nós, destinado a construir um conhecimento sociológico da ma- na indústria ervateira, na pecuária, no artesanato, no comércio
,I neira pela qual os africanos e seus descendentes foram absorvidos da cidade etc. Diversos fenômenos concomitantes e encadeados
,I
,,,1 por um sistema econômico-social escravocrata induzido, orientou-se se dão ao mesmo tempo: à medida que se expandem e diversificam
'.
•Jt•l pelo exame da própria elaboração do sistema em que êles se as atividades produtivas, decresce o contingente escravo e aumenta
1!'1 inseriram, ao lado dos brancos, carijós, caboclos. As condições a população de trabalhadores livres, especialmente nas unidades
i! familiares de produção. Em conseqüência, ao nível do sistema
econômicas, sociais e demográficas de formação, desenvolvimento
lj,! e colapso do regime na comunidade e na área em . que ela se econômico, a desorganização do trabalho cativo não chega a ter
encontra, foram reconstruídas e explanadas tendo-se em vista o caráter catastrófico que uma revolução no modo de utilização
,, certos caracteres relevantes do sistema econômico-social ali ins- da fôrça de trabalho naturalmente produziria, caso a comunidade
tituído, bem como de algumas das suas transformações principais. se apoiasse totalmente na mão-de-obra escravizada. Mas isto não
Em primeiro lugar, nos seus diversos "ciclos" histórico-econômicos, significa, como se verá, que a destruição do trabalho escravo não
.....,
não se constituiu no planalto curitibano uma vigorosa economia tenha produzido efeitos sociais significativos para o conhecimento
colonial ( 3), de modo a propiciar uma expansão acentuada do da ordem escravista em geral, especialmente dos tipos de relações
regime escravista, o que se verificou em Pernambuco, na Bahia, entre negros e brancos. É necessário conhecer também êsse fenô-
em Minas Gerais, em São Paulo. A sucessão e coexistência de meno, numa comunidade onde a escravatura teve a evolução
atividades mineradoras, pecuárias, agrícolas e extrativas, a despeito sugerida nestas linhas, para que se explique como se deu a
'i
carreira social do negro, de cativo a homem livre, como escravo
e como cidadão.
!j. (3) Sõbre o conceito de economia colonial, as suas significa-
ções na história da Colônia e do Império, bem como relativamente
I· ;~
às suas conexões com as economias regionais e locais, veja-se : Caio 2. Procedimentos
Prado Júnior, História Econômica do Brasil, 3• edição, Editôra
Brasiliense Ltda., São Paulo, 1953, passim, esp. págs. 22-23; Celso
Furtado, A Economia Brasileira, Editõra A Noite, Rio de Janeiro, Foram êsses caracteres gerais do passado da comunidade que
' I
1'
1954, passim, esp. págs. 71-79. orientaram a ob~ervação e a análise da realidade histórico-social
·1
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que pretendemos conhecer. O processo de observação das épocas de sua reflexão orientar-se pelas significações explícitas dos dados,

I
passadas de Curitiba, até fins do séc ulo XIX, encaminhou-se ela se guia também pelos seus sentidos velados, subjacentes, pois
segundo as questões formuladas e de conformidade com os pro- que à compreensão sociológica dos eventos e processos histórico-
cedimentos sociológicos de manipulação das evidências retidas -sociais interessam tanto a reproduçã o do comportamento aberto
,ii
pelos documentos. Têrmos de vereança, provimentos de ouvidores, das pessoas, as manifestações e express ões efetivas das instituições
memórias históricas, relatórios dos presidentes provinciais, mapas
~ ·l f e estruturas, como ainda os significad os expressos no nível ideoló-
de população, levantamentos estatísticos de produção e comércio, gico, das representações, e, por isso, subj acentes ou mistificados
li
~~ I
censos demográficos, relatos de viajantes, ensaios e monografias nos textos. Nesse sentido, os requisitos teóricos da análise possi-
de historiadores, economistas, geógrafos, sociólogos, antropólogos, bilitam uma compreensão que não se atém ao nível do que é
enfim, as principais fontes primárias e secundárias foram utilizadas explícito no documento, mas adentra-se pelas significações dos
:il amplamente nesta obra, segundo as exigências da reconstrução fatos, penetrando-os até atingir o sentido do que é vivido, das
11 sociológica. Como os historiadores já haviam submetido as fontes ações, atitudes, ideais. Partindo dos símbolos lingüísticos regis-

l
jl primárias ( 4) à crítica metodológica, pois fizeram alguma utilização trados e buscando uma adequação intelectual consentânea com o
delas em suas obras, pudemos efetuar nosso trabalho sem a realiza- conhecimento dos outros elementos da situação em foco, · procura-
ção dessa tarefa preliminar da observação científica de configurações mos apreender · as expressões relevantes para unia interpretação
sociais do passado. José Francisco da Rocha Pombo, Sebastião sociológica. Muitas vêzes essa orientação nos levou a uma compre-
Paraná, Francisco Negrão, Romário Martins, David Carneiro, ensão das instâncias que ultrapassa ou nega, em certo grau, o
Moysés Marcondes, Júlio Moreira, Brasil Pinheiro Machado, Nestor sentido manifesto do texto, pois o que é dito pelo informante
,I.,
I Ericksen, Valfrido Piloto, F. R. Azevedo Macedo, Arthur Martins não é o que está escrito, explicado, mas o que significam os
I Franco, Ermelino A . de Leão, Affonso de E. Taunay, Oliveira símbolos registrados e cujos sentidos, muitas vêzes, escapam ao
I Viana são alguns dos principais nomes da historiografia ligada seu autor.
I I
ao passado paranaense e do Brasil Meridional, os quais, com suas
investigações, já realizaram o trabalho inicial indispensável da
A boa inteligência da monografia, pois, é necessário que )
jl sejam consideradas algumas condições intelectuais que cercaram )
análise crítica das fontes conhecidas sôbre a região. Efetuada
11! o desenvolvimento da investigação. Em primeiro lugar, devemos
a crítica histórica, o sociólogo se encontra em condições de lidar
1_;11
,,
., ter em mente o tipo de dado retido pela pesquisa, em decorrência
1 com os dados retidos pelos documentos, segundo as exigências
'1 da documentação encontrada. O processo de observação da rea-
descritivas e interpretativas da sua análise, concentrando a obser-
,,,j,ií vação sôbre a consistência sociológica das evidências ( 5) . Em lugar
lidade, como seria desejável que se desenvolvesse, atendendo aos
r'
.jl
I,,
alvos explicativos propostos, não pode ater-se àquelas exigências .
.,.. ,_·
De um lado, as condições materiais de realização da pesquisa
I'
( 4) Além da distinção clássica dos documentos em fontes pri- impossibilitaram um levantamento sistemático, contínuo e seletivo
;!; márias e secundárias, Bloch sugere uma outra, que não é simples
!li variante da anterior. Ao classificar os textos em "voluntários" e I dos dados, pois a coleta de material desenvolveu-se em fases
flj' ~
I I "involuntários", êle mostra que uma compreensão rigorosa da natu-
reza dos documentos propicia um ajustamento intelectual mais ren- ~- interrompidas, segundo as oportunidades oferecidas pelas variações
dos compromissos do autor, devidos às suas atividades didáticas,
··l doso para a inte-r pretação, porquanto explicita as intenções que e não de conformidade com ·as exigências internas da investigação.
:li
'I cercaram a sua elaboração (Cf. Marc Bloch, Apologie pour l'His- i Por isso, o levantamento dos dados não seguiu uma lógica pró-
toire ou Métier d'Historien, Librairie Armand Colin, Paris, 1952,
llj 1
págs. 23-24) . Com as mesmas preocupações metodológicas, Znanie-
cki sugere que se distinga "entre o documento como um instrumento
f: I pria, inerente ao projeto, mas flutuava segundo exigências alheias.
Por outro lado, o passado da comunidade e da região é mal conheci-
de ação e o mesmo documento como uma fonte de informação", do e sôbre êle não se encontram registrados nem a totalidade nem
:i.l pois dêsse modo o sociólogo consegue um domínio maior sôbre as
fontes (Cf. Florian Znaniecki, The Method of Sociology, Rinehart
& Company, Inc., New York, 1934, págs. 181-186, esp. pág. 183).
'I
l· I
a maior parte dos elementos necessários à reconstrução dos pro-

( 5) A respeito da estratégia intelectual de utilização socio-


lógica de fontes primárias, ver, além de Znaniecki, citado, também I Anhambi S. A., São Paulo, 1958, págs. 79-176, esp. págs. 95-96
Florestan Fernandes, A Etnologia e a Sociologia no Brasil, Editôra 'ii i
..
(nota n. 39) .

16 2 17
cessos da vida social. A carência de monografias especializadas têrmos de vereança da Câmara Municipal de Curitiha ; os rela-
é quase total, o que nos imp õe um esfôrço complementar n ão tórios dos presidentes da P rovíncia do Paraná . São documentos
somente de análise; destinado ao enquadramento dos fenômen os que silenciam muitos aspectos da organização social exatamente
e processos de interêsse, como também exigiu que essas explana- porque, por causa das vinculações ideológicas dos seus autores,
ções às vêzes precisassem ser total ou parcialmente apresentadas exprimiam apenas o tipo de consciência elaborada pela casta do-
no texto desta obra, a fim de oferecermos ao leitor os elementos t minante. Em decorrência da progressiva burocratização dos órgãos
mínimos indispensáveis à compreensão das reconstruções e expli- •IJ político-administrativos e da racionali zação incipiente das ativi-
cações. Além disso, a insuficiência de evidências relativas a dades produtoras, por influência da Metrópole e, posteriormente,
determinados setores da realidade nos levou a desenvolver a 1 do poder imperial brasileiro interessado na integraç ão ou rein-
exposição de modo a compensá-las algumas vêzes e contorná-las ! tegração das comunidades em sistemas regionais cada vez mais
~
outras; ou então, fomos obrigados a silenciar sôbre fenômenos amplos e presos à côrte, as técnicas de registro e comunicação
que seriam fundamentais a uma explanação completa. Algumas ,.
;
de acontecimentos " relevantes" adquiriram novos incentivos. Mas
referências no texto revelam essas falhas do material, na medida as orientações dêsses incentivos deixavam de lado extensas áreas
em que afetaram a exposição. · Em boa parte, isto se deve ao da vida social, em especial os aspectos que nos interessam aqui ( 7) .
fato de que a "consciência histórica" ( 6) da comu:-1dade, como
um produto do processo civilizatóúo que é, somente atingiu
maturidade e complexidade no século XIX, sob os influxos de
I Em segundo lugar, o desenvolvimento da investigação pro-
cessou-se ·segundo alvos teóricos que implicavam na seleção quali-
exigências internas e influências dos centros de dominação política, tativa das evidências. Por isso, aquelas insuficiências do material
econômica e cultural, entre os quais se destacam São Paulo e Rio naturalmente refletiram-se sôbre o processo analítico, prejudicando
de Janeiro. É exatamente quando a estrutura econômico-social algumas reflexões, ou impossibilitando-as, ou oferecendo-lhes bases
entra em nôvo ciclo de diversificação e expansão que a cons- precárias, ou exigindo desenvolvimento que uma investigação rigo-
ciência da comunidade, em face do seu passado e das expectativas rosamente poderia dispensar. O tipo de explanação desenvolvida,
prospectivas, adquire concatenação e se manifesta na fixação de entretanto, possibilitou a superação dêsse estado de coisas, permi-
acontecimentos. E mesmo quando essa consciência histórica se I tindo-nos realizar de modo relativamente harmônico a recons-
desenvolve, ela não se orienta num sentido que será útil ao cien- I trução e a análise. A seleção qualitativa das evidências disponíveis

,,~.:;
tJ,
tista, mas àquele que diz respeito aos objetivos das camadas
dominantes, que assumem aquela consciência, como casta antes I
ll
t
efetuou-se segundo uma concepção estrutural da realidade histórica
de modo a conduzir a reflexão à apreensão das condições de
existência e do sentido dos fenômenos e processos sociais. Não
d:·il de tudo. Por isso são pobres as fontes no que tange às relações
;!!I!
))1'H
!; j
e formas de interação sociais, aos mecanismos de socialização,
às avaliações e atitudes relativas aos negros, pardos, caboclos,
ii foi nossa intenção reconstruir todos os componentes ( econômicos,
ecológicos, culturais, demográficos etc.) da realidade que poderiam
. .,'I
l•, i
., r
indígenas etc., salvo na medida em que êsses eventos caiam
no campo das relações de dominação-subordinaç ão vigentes. Ao
I
interessar à análise, fundamentando-a. Fizemos antes uma tenta-

)'!' 1t
contrário, elas são mais ricas relativamente a requisitos institucio-
nais e estruturais que afetavam diretamente o equilíbrio e a (7) l!:sse fenômeno fica evidente, ·por exemplo, na seguinte
~
passagem da "Provizão Regia expedida pelo Concelho Ultramarino
!'
organização do sistema social. Encontram-se neste caso especial- t em 20 de Julho de 1782", que diz : " . .. mandar effetivamente
Jj 1
mente: os provimentos dos ouvidores que visitaram Curitiba nos .
~
fazer todos os annos as Memôrias annuáes, dos novos estabeleci-
séculos XVIII e XIX; as memórias históricas escritas por Antônio mentos, Factos, e cazos mais nótaveis, e dignos de historia, que
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;' ··4'
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i
.
Vieira dos Santos e pelo Padre Francisco das Chagas Lima; os

(6) A noção de consciência histórica, em têrmos de um pro-


I tiverem succedido desde a fundação dessa capitania, e forem succe-
dendo". Transcrição de Antonio Vieira dos Santos, Memoria His-
torica Chronologi ca Topographica, e D escri ptiva da V i lla de Marretes
e do Porto R eal Vulgarmente Porto de Ci ma, edição do Museu
Paranaense, Curitiba, 1950, pág. 5. "Casos notáveis", "estado dos
duto da cultura, é examinada por Ernst Cassirer, Antropologia negócios públicos", interêsses de El-Rei ou do Império, são as
'i li Filosófica, trad. de Eugênio Imaz, Fondo de Cultura Económica, determinações que orientaram a redação dos documentos oficiais
,('i México, 1951, págs. 239-285, esp. pág. 241. amplamente 14tilizados nesta monografia.
,!I
18 19
tiva de isolar, selecionar e analisar seqüências de dados que de análise, êle possibilita uma compreensão histórico-estrutural
possibilitassem a apreensão do modo de incorporação social e das sociedades, conduzindo a reflexão científica, contínua e simul-
11
atuação do escravo e seus descendentes, bem como de outros tâneamente, dos agentes aos fatôres e condições das ações huma-
fenômenos paralelos. Pretendemos tão-somente apreender e ex- nas. Tomando a realidade social segundo os seus critérios,
' primir o escravo, o senhor, o negro, o mulato, o processo da podemos conhecer o estado e os sentidos das conexões estruturais
I! abolição etc. e as tensões recorrentes e dinâmicas do mundo social
em que todos se achavam inseridos como fatôres e agentes. Pro-
dessa mesma realidade, integrando interpretativamente os homens,
os grupos sociais, a organização da sociedade, a estrutura econô-
curando compreender um determinado todo em processo, acredi- mica, o sistema cultural. A análise dialética permite explicar as
:ll
tamos ter apanhado as faces essenciais do escravo, do senhor e múltiplas manifestações da consciência social das diversas camadas
outras categorias sociais, conforme se exprimem no un:iv·e rso de um sistema estratificado, bem como as suas expressões grupais
econômico e sócio-cultural em que se encontraram imersos e ou individuais, em têrmos do modo pelo qual as pessoas estão
~
envolvidos em convivência ativa. Em síntese, é o tipo de seleção inseridas no sistema e conforme concebem-se a si mesmas e
qualitativa dos dados, efetuada nesta monografia, que conduziu atuam socialmente. Evidenciam-se perfeitamente os limites das
a nossa reflexão e provocou a exploração extensa da fase crítica determinações do social pelas configurações econômicas, precisa-
dfi'.l da evolução da escravatura. Como se verá, a etapa da desorga- mente porque estas absorvem, polarizam, a praxis humana, essen-
,11
. )
111.
nização do regime é precisamente aquela em que as categorias cialmente social, responsável pelo seu papel criador. Como diz
l
,,
do sistema escravista se tornam mais ricas de significações, per-
mitindo, por isso, a sua explicação completa e a compreensão
total da escravidão como um modo de organização da vida e
~

i
Marx, sintetizando um princípio fundamental dessa teoria do
conhecimento do social: "Modelando as relações sociais de con-
formidade com os seus modos de produção material, os homens
!,, ~
ordenação dos homens. a modelam também as idéias, as categorias, isto é, as expressões
O tipo de exploração descritiva e interpretativa ( 8) levada
a efeito nesta obra, na medida em que depende do autor, é o
• ideais abstratas das mesmas relações sociais. Assim, as categorias
são tão pouco eternas como as relações que exprimem; elas
resultado da aplicação do método dialético. Fecundo instrumento são produtos históricos e transitórios" ( 9) . Como vemos, essa )

li • concepção impõe uma determinada maneira de integração dos


)
níveis fundamentais da realidade, ressaltando-se a sua aglutinação
'if
1 (8) Sabemos que, em têrmos do próprio método adotado, não singular. Ao pôr em prática o tipo de conhecimento do cosmo
1 il é possível distinguír a descrição da interpretação, · pois há sem- social aí sugerido, em associação com contribuições da sociologia

III pre uma explicação implícita na mais "empirista" das observações


científicas. Haverá sempre categorias teóricas, veladas ou explícitas, t moderna, desenvolvemos a análise do processo de absorção dos
africanos e seus descendentes em Curitiba (região gerada e
1~-
no processo de observação, seja exprimindo abertamente uma orien-
• _·I tação interpretativa, seja subentendendo-a. A simples enumeração vinculada a centros propulsores distantes), especificando as suas
l j de "fatos", o seu agrupamento totalmente isento de comentários, f condições e efeitos sociais.
~!I é já uma classificação, porquanto êles são abstraídos do contexto ~

em que se encontram e ordenados de maneira específica, segundo i Mas a orientação teórica adotada não se torna suficientemente
li-ii um certo modo de apreensão da realidade. Ésse tema tem merecido explícita se não nos detivermos um pouco no exame de um conceito
i' li a atenção de sociólogos modernos tais como: Talcott Parsons, "O fundamental, imprescindível à aplicação do método, pois que êle
:;;i Papel da Teoria na Pesquísa Social", Sociologia, Vol. Vill, n 9 3,
'n.!''•• São Paulo, 1946, págs. 192-202; Robert K. Merton, Social Theory ~ é também um dos resultados do seu emprêgo nesta monografia.
and Social Structure, Toward the Codification of Theory arr...d Re- i
~
Dentre aquelas utilizadas por nós aqui, a noção de estrutura
search, The Free Press of Glencoe, Illinois, 1951, págs. 83-111; econômico-social nos parece essencial, envolvendo a um só tempo
;I Florestan Fernandes, Fundamentos Empíricos da Explicação Socio- i tanto os tipos de evidências com que lidamos como a própria
lógica, Companhia Editõra Nacional, São Paulo, 1959, esp. págs. 2-44 i
e 50-55. Todavia, como nos dedicamos muitas vêzes a explorações
interpretativas especiais, isto é, a explicitações dos significados das
reconstruções efetuadas, julgamos necessária essa distinção de caráter (9) Cf. Carta de Karl Marx a Paul Annenkov, publicada em
metodológico e valor expositivo, para melhor entendimento da estru- J!Jtudes Philosophiques,por Karl Marx et Friedrich Engels, l!lditions
tura da obra. Sociales, Pari~ 1951, págs. 121-25; citação extraída da _pág. 123.

20 21
I
perspectiva interpretativa adotada. Os principais momentos do êstes, onde se multiplicam os conceitos de estrutura social. A
processo de investigação (no que esta se refere aos dados selecio- despeito de atenderem àqueles requisitos, formulações como as
nados e ao modo de conduzir a observação, com respeito à de Radcliffe-Brown (13), de Gurvitch (14), de Levy Jr. (15), de
reconstrução descritiva, relativamente às explanações) estão neces· Nicolai ( 16) e outros são redundantes ou exclusivas, segundo os
sàriamente vinculados a uma concepção de estrutura imposta pelo componentes estruturais que selecionam e as integrações sincrônicas
método e que convém delinear agora {1O) . Como diz Bertrand e diacrônicas sugeridas; às vêzes insuficientes e artificiosas, inade-
Russell, colocando uma preliminar importante, "revelar a estrutura quadas à interpretação sintetizadora dos fenômenos; outras vêzes,
de um objeto é mencionar as suas partes e as maneiras pelas pretendendo alto grau de generalização, elas caem na simples re·
quais elas são interrelacionadas" ( 11). Partindo dêsse argumento formulação de requisitos lógicos, como sugere Russell. Somente
lógico, poderíamos afirmar que a maioria das definições correntes Jean Lhomme apresenta uma definição globalizadora mais aceitá-
de estrutura social, se não tôdas, são corretas ou aceitáveis, · pois vel, pois não foge à complexidade do real, tomando-o como
elas exibem sempre partes fundamentais do sistema social e in- uma entidade econômico-social ( 17). Mas ela é insuficiente a uma
dicam como se ligam e se influenciam. É o que se encontra, por compreensão dialética da realidade, pois apreende o estado mais
exemplo, no conceito de Parsons, que afirma: "Uma estrutura é que o sentido das relações sociais fundadas num modo determinado
um conjunto padronizado de relações relativamente estáveis; ... é
um sistema padronizado de relações sociais de agentes; ... é um
(13) Cf. A. R. Radcliffe-Brown, Structure and Function in
sistema padronizado de relações de agentes que desempenham Primitive Society, Essays and Addresses, Cohen & West Ltd., London,
papéis orientados reciprocamente" ( 12). Aí estão as partes e os 1952, pâgs. 191-192. ·
modos pelos quais elas se relacionam, segundo um sistema socio- (14) Cf. George Gurvitch, "Le Concept de Structure Socia1e",
lógico particular: ações e relações sociais, reciprocidade de expec- Cahiers Internationaux de Sociologie, Vol. XIX, Paris, 1955, pâgs.
tativas, estabilidade relativa dos padrões de comportamento etc. 3-44, esp. pâg. 43.
Outras definições poderiam servir para uma exemplificação seme- (15) Cf. Marion J. Levy Jr., The Structure of Society, Prin-
ceton University Press, Princeton, 1952, pâgs. 57-58.
lhante, o que nos põe diante do seguinte problema: elas são geral-
( 16) Cf. André Nicolai, Comportement lkonomique et Btruc-
mente exclusivas, pois que tomam elementos diversos da realidade tures Sociales, Presses Universitaires de France, Paris, 1960, pâgs.
social, sob perspectivas integradoras distintas e os encadeiam 27-53; esp. pâg. 38.
também de modos diferentes. Em verdade, a proposição do filó- (17) "La stnicture d'un ensemble économico-social donné,
sofo pretende exprimir somente um critério lógico, de validade c'est l'"état" des relations (internes et externes, qualitatives et
universal, que atende às exigências do conceito também em outras quantitatives) qui spécifient l'ensemble considéré, par double réfé-
rence: 1• dans le temps, à des "périodes-délais" ( définies elles-mêmes
disciplinas, como êle mesmo o revela. O que propõe Russell, par l'irréversibilité et Ia discontinuité des mutations) - et 2• dans
portanto, são apenas os requisitos aceitáveis e efetivamente utili- !'espace, à des "espaces-Iieux" (définis eux-mêmes par l'existence
zados pelos cientistas sociais. Mas as dúvidas persistem entre de "correspondances"). Ou, com brevidade, "la structure c'est
"l'état des relations spécifiques" (Cf. Jean Lhomne, "Matériaux
pour une théorie de la structure économique et social e", Revue
:economique, Librairie Armand Colin, Paris, Vol. V, n• 6, pâgs.
(10) Na investigação cientifica, os conceitos são, concomitan- 843-880; citação extraida da pâg. 855). Considere-se que êsse
temente, instrumentos e produtos da pesquisa, que os cria, reelabora, número da Revue é dedicado ao tema "La Structure l!:conomique",
clarifica ou substitui. Apesar de não concordarmos com algumas O~"" se encontram diversos conceitos de estrutura económica,
das suas afirmações, Merton faz uma lúcida discussão das conexões s~ .;uveis de considerações semelhantes às efetuadas a propósito
entre os fundamentos empiricos e teóricos da conceptualização na dos sociólogos. Note-se, contudo, que a revista documenta a mesma
sociologia, justificando a nossa preocupação neste ponto (Cf. R. preocupação que germina entre antropólogos e sociólogos, no sentido
K. Merton, op. cit., pâgs. 87-90 e 108-111). de chegar a uma nova concepção de estrutura econômico-social;
(11) Cf. Bertrand Russell, Human Knowledge, Its Scope and ou revalorizar a orientação dos clássicos das ciências humanas.
Limits, George Allen and Unwin Ltd., London, 1951, pâgs. 267-273; Encontram-se nesse caso a obra de André Nico1ai, citada, e tam-
citação extraida da pâg. 267. bém a de André Marchal, Méthode Scientifique et Science :econo-
(12) Talcott Parsons, Essays in Sociological Theory, revised mique, 2 tomes, l!:ditions M. Th. Génin, Paris, 1953 e 1955, tome
edition, The Free Press, Glencoe, Illinois, 1949, pâg. 230. II, - pâgs. 169-264. ,.

22 23
de ordenação dos fatôres da produção. As configurações sociais de divisão social do trabalho serão elementos básicos em cada
apresentam etapas em seus desenvolvimentos que são altamente segmento e no conjunto do sistema econômico-social, distribuindo
importantes à interpretação científica, já que as suas significações as pessoas por sexo, idade, grupo étnico, linhagem, categoria
dependem do modo pelo qual estão operando os componentes profissional, prestígio social das ocupações etc. Em suma, a

~ !t
econômico·sociais, quais são as suas relações de equilíbrio, possi-
bilidades de modificações etc.; e isto ela não apanha. Além disso,
..
«"
noção de estrutura econômico-social com que lidamos pretende
impor sempre à análise, além dos elementos considerados estrita-
mente sociais, também os fundamentos materiais de organização
j interessa-nos particularmente ressaltar a faculdade preponderante
de certos fatôres e processos, as suas conexões recíprocas e com da vida social, motivo por que a denominamos "econômico-social"
o todo, como se determinam simultâneamente, de maneira a evi- e não simplesmente "social". Nesse sentido, êsses fundamentos
tarmos uma compr.eensão que dilui os fenômenos relevantes, são vistos como parte importante do universo do comportãríiento
juntamente com os secundários, numa totalidade não dialética.
Vejamos então como encarar a noção de estrutura econômico-
-
...
humano, dando-lhe as coordenadas básicas, bem como produzidos
_por êste, de conformidade com os elementos da natureza, fatôres
técnicos e outros componentes da cultura, integrados num modo
·social, que é, em boa parte, uma expressão da análise desenvolvida peculiar de utilização da fôrça de trabalho, isto é, segundo certa
nesta monografia. Colocados em face de eventos sociais que forma de divisão social do trabalho e classificação . social das
apresentavam dimensões econômicas importantes, sem as quais êles pessoas. Em conseqüência, ela não se caracteriza apenas pela
não seriam inteligíveis, e dispondo de um instrumento interpre- singularidade do todo das relações entre os homens e as con-
tativo que exige a apreensão dos fenômenos em seus significados dições econômicas, sociais e culturais, mas essencialmente pela )
múltiplos, fomos levados à utilização de um conceito que possi- maneira de objetivação social do trabalho e do trabalhador. Esta )
bilita a exploração completa da realidade histórica. Na investi- faculdade determinante do trabalho não é o resultado de uma
gação das fases cruciais de um sistema social complexo, como seleção intelectual ocasional, que pode variar com as estruturas,
é a sociedade escravista, não nos era possível preferir um pois êle tem sido, na história do homem, o fator básico dessa
conceito de estrutura social, simplesmente, como seria o caso história, determinando as suas configurações, já que êle é res-
de uma análise do sistema de parentesco, da família, da perso- ponsável pela sua interação com o meio natural e seus seme-
nalidade, de um partido político, do sindicato, ou outros. Pre- lhantes. / A estrutura, portanto, é uma categoria histórica, uma
cisávamos lançar mão .de uma perspectiva que permitisse o exame entidade criada pelos homens e produzindo-os reciprocamente,
completo de fenômenos e processos que são totalidades econômico- possuindo uma dinâmica interna própria, que a preserva e a
sociais, de eventos ligados ao sistema de produção e reprodução modifica, segundo as transformações ocorridas nas formas sociais
de bens de consumo e troca, êles também sociais, porque depen- de utilização do trabalho e os tipos de contradições geradas pelas
dentes das formas e graus da divisão social do trabalho, dos alterações sofridas por seus componentes, isolados ou em suas
tipos de apropriação institucionalizados, dos sistemas de dominação. relações. Haverá uma estrutura econômico-social global no in-
A análise sociológica de aspectos essenciais de uma ordem social terior da qual constituem-se outras estruturas parciais, também '
como a escravista, em sua constituição e desenvolvimento, não econômico·sociais ou apenas sociais, segundo seu grau de diversi-
, pode prescindir do exame ou pressuposição de fenômenos histórico- ficação, a sua complexidade e os seus componentes. Os segmentos
econômicos que dão a feição específica da sociedade. O sistema econômico-sociais apoiados em unidades familiares, de subsistência,
· econômico (em equilíbrio instável, diversificando-se, em expansão serão estruturas parciais, ao lado dos segmentos voltados para
ou outro estado) será mercantil, de subsistência, ou conjugará a economia monetária. Os sistemas políticos, de parentesco, os
segmentos dos dois tipos; terá distribuições relativas, variáveis grupos de vizinhança, de idade e sexo, ou outros, são apenas
no tempo e na ecologia, de recursos materiais e humanos apli- estruturas sociais parciais. Em poucas palavras, a estrutura econô-
cados nos se tores primário, secundário e terciário; o segmento mico-social é uma totalidade integrada que se caracteriza por um
monetário poderá distribuir-se pelos três setores, em combinações tipo de ordenação e funcionamento dos seus elementos complemen-
múltiplas, que lhe darão o caráter de monocultor, policultor, tares e difen;nciados, compreendendo as ações e as formas de
agropecuário, industrial etc.; os índices e os sentidos do processo interação sociais produzidas pelo modo de organização do tra-

24 ?C:
I n .1 ·'
I i
I .

I
, ~r ~.' .i balho social, bem como as tensões ou outros fatôres dinâmicos,
de preservação e alteração do seu estado. Distinguindo os seus
corno componentes organizatórios e dinâmicos das configurações
estruturais em equilíbrio instável ou em transformação. Além
: :!H: fatôres e condições básicas, Marx diz que o conjunto das relações disso, concebida dessa maneira, a estrutura n~o é encarada como
~
de produção "constituí a estrutura econômica da sociedade, a urna entidade fechada, mas como um todo mtegrado que pode,
;, base real sôbre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e como ocorreu na história da comunidade que vamos examinar,
I i1j 1il política e à qual correspondem formas sociais determinadas de incorporar continuamente fatôres impostos por estruturas exógenas
) i!! !!
consciência. O modo de produção da vida material condiciona o roais vigorosas, reintegrando-os. Ela é útil, pois, à análise do
I 1/ ii
modo pelo qual se constitui a comunidade e esta absorve os
~n
processo de vida social, política e intelectual" ( 18). Considere-se,
no entanto, que essa base real, êsse modo de produção da vida africanos, seus descendentes e todos os subgrupos de imigrantes
I :'I ;
I ·~ [.1 material é também uma entidade social, somente inteligível como europeus, e, simultâneamente, ao exame da maneira pela qual êsses

I
~li resultado da vida em sociedade. "As fôrças produtivas, acrescenta
o mesmo autor, são o resultado da energia prática dos ho-
indivíduos e grupos são definidos e definem-se socialmente.
:J.j, É com êsses alvos e procedimentos que realizamos a pesquisa
mens" ( 19), isto é, do comportamento dos homens organizados e redigiu-se esta monografia. Mas, convém lembrar, o método
I ;ii'
l'"'Il'l
l'il:i
socialmente.
Como vemos, o conceito permite que lidemos tanto com os
expositivo segue um caminho diferente do método de investigação,
pois aquêle cai no campo da comunicação social, com seus carac-
~.llj'j
,,,, i
componentes e as relações sociais em geral, tomados individual- teres próprios, impondo a sua feição particular. A exploração
I I
mente, · em suas significações, como com as configurações globais, dos dados disponíveis, conforme ela aparece na obra, é feita por
);!!H encaradas em suas manifestações recorrentes e emergentes. Essa partes, segundo as exigências da reconstrução explicativa, que
perspectiva possibilita-nos, por exemplo, compreender plenamente apanha sucessivamente múltiplas categorias. Por isso, a exposição
'~t.·; ;lI o escravo, o senhor, o mulato, o negro, pois que a sua situação é se desenvolve por etapas, expondo e examinando as evidências,
focalizada como um momento das estruturas encadeadas. Como realizando continuamente sínteses parciais e globalizadoras, con-
).
~ 'l' se indicassem o sentido das nossas preocupações, Radcliffe-Brown forme as impõe o entendimento dos fenômenos. Temas como a
elaboração social da côr, a importância da colonização, a misci-
:.r ~
afirma: "Não podemos estudar as pessoas senão em têrmos de
I, l
li';,; estrutura social, nem podemos estudar a estrutura social senão genação e seus efeitos cumulativos, entre outros, são retomados
r!i!l em têrmos das pessoas que constituem as unidades de que ela se diversas vêzes, até que o processo de incorporação do negro se
' i~
compõe", porquanto as relações sociais, que são objeto da ciência, torne plenamente explicado, isto é, até que as suas múltiplas signi-
I
)!'i" somente podem ser observadas e descritas a partir do comporta- ficações se tornem explícitas. Assim, os proQlemas não se esgotam
';J mento recíproco dos agentes envolvidos num processo (20). Apa- a não ser quando se tornam manifestos todos os seus significados,
)! o que se dá no decorrer da exposição. Em conseqüência, a
nharemos interpretativamente, então, as diferentes configurações
I
sociais do negro - como escravo, negro, mulato, ingênuo, liberto maior parte das reflexões generalizadoras está distribuída nos
,. 'I'
lj;.
diversos capítulos, segundo as exigências da própria discussão, não
- exatamente porque a análise não se deterá apenas em alguma
\~ .. cabendo às conclusões finais senão as considerações que não
manifestação isolada do sistema, mas nas suas manifestações
lti·H totais e nas singulares essenciais. Nesse contexto, a discriminação puderam ser exploradas aqui e acolá, porquanto se referem a
do negro e do mulato, bem como a eclosão do abolicionismo, temas que ficaram implícitos ou apenas aflorados em determinadas
a seleção da côr como atributo social, a formação e modificações passagens, mas que envolvem a totalidade da análise.
da ideologia racial, a redefinição social do trabalho etc. são vistos

(18) Cf. Karl Marx, Contribuição à Crítica da Economia


Política, trad. e introdução de Florestan Fernandes, Editõra Flama
Limitada, São Paulo, 1946, pág. 31.
(19) Carta de Marx a P. Annenkov, citada, págs. 121-122.
(20) Cf. A. R. Radcliffe-Brown, op. cit., págs. 194 e 198. ~

26 27
"ll_l ti_i

l área paranaguara da Capitania de Santo Amaro, bem como no

l~i
planalto adja~ente, foram e~contradas, em épocas sucessivas, fais-
queiras promissoras. Especialmente na marmha, onde as encon-
traram já em meados do século XVI, as lavras foram mais ricas
e justificaram mesmo a instalação de uma casa de fundição,
;ti destinada ao contrôlp da produção e à cobrança do quinto
" ..
exigido pela Metrópole. Os mineradores subidos de Paranaguá,
II quando esta já mantinha sua produção em ritmo estacionário
ou decadente, não tiveram o mesmo sucesso. No planalto, as
faisqueiras foram de escassa produção, exigindo muita lida para
O TRABALHO ESCRAVO
pouco ouro.
A instalação de um agrupamento humano no planalto, origi-
l. A gênese da comunidade nando a vila de Curitiba, é um dos resultados dessa mineração.
Em concomitância, ou imediatamente em seguida, outros fatôres
A constituição de uma sociedade no planalto curitibano é e condições passam a operar, promovendo a fixação dos homens
inicialmente o resultado dos desenvolvimentos dos focos dinâmicos e a gênese de um conjunto· de interêsses mínimos gerais, dando
da economia colonial. São Paulo, o Nordeste açucareiro e Minas origem à comunidade.
Gerais, ou seja, os mercados consumidores de escravos indígenas Adotando uma perspectiva ligeiramente diversa mas com-
e de gado são os núcleos ativos que geram a economia e a socie- plementar e congruente com a anterior, pode-se afirmar que a
dade primordial da região. As bandeiras de apresamento e mi- fundação e primeiros desenvolvimentos de Curitiba (além de
neração, bem como a organização de uma economia pecuária outros fatôres a investigar, tais como os relativos ao próprio
nos campos meridionais da Colônia, são os agentes da instalação sítio geográfico) são devidos à conexão de duas "áreas econô-
dos núcleos humanos naquele planalto. micas" inicialmente distintas e independentes que, em um dado
4
Nos séculos XVI e XVII, áreas cada vez mais amplas no sul momento, estabelecem contacto por causa da expansão de ambas.
foram alcançadas por grupos paulistas empenhados no apresa- A economia mineradora do litoral e a economia pecuária dos
mento de autóctones para uso na própria região de Piratininga campos de pastagens do Brasil . Meridional entram em ligação
ou para o tráfico com o Nordeste açucareiro. Ao mesmo tempo, e passam a interpenetrar-se justamente na região de Curitiba.
os paulistas porfiavam intensamente em localizar terras minerais Primeiramente, é a expansão do grupo minerador que alcança
onde pudessem encontrar ouro, prata ou pedras preciosas. "Dois e -ultrapassa o planalto contíguo à Serra do Mar, vindo da
objetos havia, diz Southey, que os paulistas se propunham com marinha. Em seguida, é a pecuária que, na sua contínua expansão,
incansável atividade, o tráfico de escravos índios e a descoberta envolve os limites extremos das pastagens que atingiam as fraldas
de minas" ( 1). Vasculharam terras e rios nessa esperança. Na

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~I,!

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! de Sérgio Buarque de Holanda, Difusão Européia do Livro, São


I
i (1) Cf. Roberto Southey, História do Brasil, 6 vols., trad. Paulo, 1960, Tomo I, 19 vol., págs. 322-363, citação extraída da

l
de Cônego Dr. J. C. Fernandes Pinheiro, Livraria Progresso Edi- pág. 322). Ainda sôbre os efeitos dinâmicos das expansões paulis-
I tôra, Bahia, 1949, 2~ edição, volume terceiro, pág. 249. Como diz tas e mineiras sôbre a área paranaense, ver: Alfredo Ellis Junior,
i Sérgio Buarque de Holanda, é inegável e compreensível que os A E1Jolução da Economia Paulista e suas causas, Companhia Edi-
'! paulistas fôssem seduzidos por "regiões onde parecessem mais tõra Nacional, S. Paulo, 1937; Roberto C. Simonsen, História
fáceis e abundantes as colheitas de gentio manso e depois de metal Económica do Brasil ( 1500-1829), 2 vols., Companhia Editôra
precioso", pois êsses eram os "bens" que faziam a fortuna e o Nacional, São Paulo, 1944, 19 vol. págs. 311-378; Florestan Fer-
-,~i
: •I
prestígio dos seus possuidores (Cf. "A Colônia do Sacramento
e a Expansão no Extremo Sul", por Sérgio Buarque de Holanda,
nandes, "Do Escravo ao Cidadão", Brancos e Negros em São
Paulo, por Roger Bastide e Florestan Fernandes, 2~ ed., Com-
l '~
História Geral da Civilização Brasileira, 3 tomos, sob a direção panhia Editôl;I'L Nacional, São Paulo, 1959, págs. 1-76.
j
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de duas regwes econõmicas distintas e separadas anteriormente:
da Serra. Historicamente, há uma sucessão de ciclos - primeiro
a do litoral minerador e de agricultura de subsistência e a

I:
)1ii' a mineração e depois a pecuária - que têm grande importância
para a fixação do homem e os desenvolvimentos inicais da
comunidade (2).
dos campos de criação e pastoreio. Êsses fenômenos são regis-
trados por Romário Martins, que afirma: "tôdas as atividades
dos primeiros povoadores do território do nosso Estado, por
11'1 É necessário ressaltar que na economia pecuana, que se
I ~:11
mais de dois séculos, se exerceram exclusivamente à beira dos
constituiu em pousos, currais, fazendas, povoados e vilas, seguindo rios auríferos e no pastoreio" ( 5). Mas o minerado r do primeiro
I: '1 . exatamente a linha marcada por Jaguariaiva, Piraí do Sul, Castro, momento não é ao mesmo tempo criador. A metamorfose de
l :r Ponta Grossa, Palmeira, Campo Largo, Lapa e Rio Negro ( 3),
I '~ um em outro se dá historicamente, isto é, devido às conseqüências
interferia decisivamente o eixo mais vigoroso da economia pecuária
f ;j do Brasil Meridional. O caminho das tropas aberto definitivamente
sociais da alteração da produção básica. De um lado, está
a decadência da mineração, associada ao afluxo de ge\lte empe-
) 'I
I '!
em princípios do século XVIII é uma expressão da pujança nhada na mesma busca infrutífera do ouro, o que acaba llhpelindo
: 11 e expansão dessa 'íeconomia dependente", como a denomina os homens para os campos de criação. E, de outro, é a
Celso Furtado. Portanto, a economia e a sociedade dos Campos
I~ :!J Gerais é um setor de uma economia pecuária mais ampla e
expansão progressiva da pecuária, transformada cada vez_ mais
!I numa atividade rendosa, que alcança aquela comunidade, envol-
vigorosa, perfeitamente integrada à economia colonial e que está vendo-a com os seus homens. Em princípios do século XVIII,
)1'!,,: simbolizada no que denominamos a estrada do gado, que vem afirma Nestor Ericksen, "aberta a ligação entre São Paulo e Rio
dos campos do Continente do Rio Grande à Feira de Sorocaba, Grande, transformaram-se, pouco a pouco, os mineradores curi-
·.·1,1
) ,) i!. passando por Viamão, Rio Negro, Castro e ltararé. O gado é o tibanos em tropeiros, invernadores, criadores e comerciantes de
I
produto que o sistema econômico · induzido sulino oferece nas
I·' ,,:! gado, num intercâmbio ativo com os mercados do extremo sul

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'1: 1\
ii
!!
Minas. "A elevação dos preços dos alimentos e dos animais de
transporte nas regiões vizinhas, afirma Celso Furt~do, constituiu
o mecanismo de irradiação dos benefícios econômicos da mine-
ração" das Gerais ( 4). Em suma, a economia do gado é um
e o de Sorocaba" (6). Em conseqüência, Curitiba foi assumindo
novas configurações. As pessoas envolvidas na extração do
ouro passaram a dedicar-se ao gado. Fixaram-se formas de
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"fenômeno econômico induzido".
trabalho e fixa-se o homem, modificado no seu modo de pro-
dução, de organização da vida social e nos seus ideais.
I Portanto, Curitiba é um produto da atividade humana con-
j",,· A rigor, cada uma dessas fases da economia da área implica
' ~ centrada no planalto em resultado da atuação de fatôres e con-
)ii ,I~ um tipo histórico-econômico de sociedade. A diversidade das
.li:!j dições diversos e simultâneos. De um lado, a descoberta de
formas de produção assumidas pelas atividades humanas na mi-
ti!;J ouro em seus riachos levou à localização e fixação de um
agrupamento humano, já que a área se prestava também à neração e na fazenda produziram tipos de associação diversos.
ii'j
lJi.,, lavoura de subsistência e à pecuária. De outro, devido à junção As relações de dominação e subordinação dos indivíduos e grupos
ii:i!
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j f
em um e no outro caso ganham feições distintas, o que poderia

(2) O processo continuará · em seguida com a erva-mate,


como veremos adiante. (5) Cf. Romário Martins, op. cit.J pág. 217.
(3) Cf. Romário Martins, Hist61'ia do Paraná} Editôra Guaíra (6) Cf. Nestor Ericksen, Síntese da Evolução Económica do
Limitada, 3• edição, Curitiba, s/ d, págs. 95-6. Tôdas as locali- Paraná} Gráfica Mundial, Curitiba, 1945, pág. 14. Segundo informa
dades mencionadas encontram-se no atual Estado do Paraná. Re- Brasil Pinheiro Machado, "em 1731, o capitão-general mandou
ferências aos primórdios das ligações entre Curitiba, à abertura do construir a estrada de Laguna, ligando esta vila com Curitiba, e
caminho terrestre para a Colônia do Sacramento e à pecuária do daí a estrada seguia para São Paulo. ( ... ) Não .só tropas, comércio
Brasil Meridional, encontram-se em Sérgio Buarque de Holanda, e homens circulavam pela estrada, animando a vida rude e primi-
ibidem} págs. 359-363. tiva. Por ela desciam, também, fôrças militares de S. Paulo .. . "
(4) Cf. Celso Furtado, Formação Económica do Brasil} Edi- .(Cf. Brasil Pinheiro Machado, "Sinopse da História Regional do
tôra Fundo de Cultura S.A ., Rio de Janeiro, 1959, pág. 94; tam- Paraná", separata do Boletim do Instituto Histórico} Geográfico e
bém págs. 73-75. Etnográfico do Paraná} Curitiba, 1951, págs. 12-13).

30 31
=h
ser evidenciado por um estudo detalhado das condições e fatôres de apresamento e mineração que cruzaram os territórios em
de constituição, funcionamento e modificações dos sistemas sociais. diversas direções, vasculhando-os. Na composição dêsses grupos
Mas não será possível nesta monografia chegar a tanto. Nem é em movimento, o negro estava ao lado do branco, do índio, dos mes-
necessário para os nossos fins. Cabe-nos neste capítulo apenas - tiços. Sendo, como de fato era, um produto do mundo de Pirati-
distinguir uma e outra dessas formas de produção, somente para ninga, a bandeira necessàriamente levava consigo muitos dos seus
evidenciar alguns caracteres peculiares da utilização da fôrça componentes, não somente humanos como também sociais e culturais.
de trabalho em cada caso. De modo relativamente sumário, Os "índios e tapanhunos" que compunham a comunidade humana
mas suficiente para os desígnios formulados, intentaremos mostrar do Planalto tanto participaram das andanças pelos sertões como
como foi utilizado o trabalho na mineração bem como na lida partilharam dos agrupamentos que se foram localizando aqui
nos campos da área de Curitiba. Em seguida , efetivaremos uma e acolá, povoando os territórios. Segundo as expressõ'es de
análise do trabalho e seus agentes humanos na economia da Sérgio Buarque de Holanda, "a atração do ouro foi causa, se-
erva-mate que, historicamente, é posterior à mineração e, em boa gundo velhas notícias, da fixação de grande número de moradores
parte, contemporânea da pecuária. Em razão de exigências de São Paulo no lugar das novas minas. Não só as margens do
lógicas da exposição, outros aspectos das formas assumidas pelo Cubatão e dos contrafortes que circundam a baía de Paranaguá
trabalho na extração, preparação, acondicionamento e transporte foram esquadrinhadas por essa gente: também no alto da serra,
do mate serão apontadas no capítulo seguinte. O que é neces- as jazidas do Atuba e do Barigui serão logo procuradas. Uma
•l''I
jl''' sário ressaltar, contudo, é que análises ··sucintas das atividades planta de 1653 já assinala nos campos de Curitiba dois casebres,
,- econômicas preponderantes na área, em diversos · momentos das um cruzeiro e até um pelourinho, quinze anos antes de criar-se
1 suas transformações, são essenciais à compreensão do cosmo social ali a vila de Nossa Senhora da Luz" ( 7) . Cumprindo os desígnios
,,
·I
do mercantilismo metalista, a fronteira portuguêsa na Colônia
que se criou na comunidade. Mais ainda, elas são fundamentais
à compreensão da posição e das condições sociais de vida do estende-se em muitas áreas primeiramente em função dos metais
i'
negro e do mulato na região de Curitiba. e pedras preciosas. Paranaguá e Curitiba são etapas do desloca-
I mentos ecológico dessa fronteira (8).
I Em resumo, os povoadores do planalto curitibano buscaram
j
I inicialmente metais preciosos; depois transformaram-se em cria-
r[
dores e tropeiros, bem como em produtores e comerciantes de (7) Cf. Sérgio Buarque de Holanda, "A Mineração: Antece-
! dentes Luso-Brasileiros", História Geral da Civilização Brasilei ra>
q
erva-mate. Nessa sucessão, a comunidade foi fixada e desenvol- 3 tomos sob a direção de Sérgio Buarque de Holanda, Difusão

'.
klj veu-se. O sistema sócio-cultural estêve, em conseqüência, marcado
e enriquecido por êsses períodos histórico-econômicos. As peculia- ~....,.
Européia do Livro, São Paulo, 1960, tomo I, 2• vol., págs. 228-258,
citação extraída da pág. 255.

!111
1·.:
!I ridades do trabalho, determinadas pelos sistemas produtivos básicos, (8) A propósito da participação do negro e do indígena nas
l ! bandeiras, consulte-se Alcântara Machado, Vida e Morte do Ban-
',f serão naturalmente diversas em cada caso, mas a sua natureza deirantes> Livraria Martins Editôra S . A., São Paulo, 1955, esp.
fundamental será preponderantemente escrava. Serão as trans- págs. 169-186; Affonso de E. Taunay, História Geral das Bandeiras
ijijt Paulistas> Typ. Ideal, S. Paulo, 1929, Tomo Quinto, págs. 1-123 ;
forma ções nas técnicas produtivas incorporadas em fins do século
Cassiano Ricardo, Marcha para Oeste, 2 vols., Livraria José Olympio
•.Jt XIX, ao lado da criação de núcleos de economia agrária em Editôra, 2• edição, Rio de Janeiro, 1942, vol. II, págs. 5-47. Paulo
., tôrno de Curitiba, além dos novos modos de conexão com os Prado, Paulistica) História de São Paulo) Ariel Editôra Ltda.,
sistemas econôm.icos inclusivos, dominantes e propulsores, que Rio de Janeiro, 1934, págs. 103-129. Citando Documentos Inéditos
li
I criarão as condições para o progressivo abandono e supressão dos Arquivos Históricos de Lisboa> cujas cópias fotostáticas encon-
tram-se no Instituto Histórico Paranaense, Júlio Moreira revela
do trabalho escravo. que em 1695 a Metrópole era informada por Bernardino Freire de
Andrade de que "os homens moradores da Vila de Pernaguá e
2. A mineração e os primeiros grupos humanos na de Iguape, ficaram com algumas impossibilidades para poderem
,!
H
ir a descobrimentos de minas, como costumavam, por causa de
lhes morrerem os negros de sarampo e bexigas". l!:sse texto encon-
Os primeiros negros localizados na baía de Paranaguá e tra-se em História da Medicina no Paraná> 1654-181il2, edição da
no Planalto curitibano foram trazidos por bandeiras paulistas Associação Médica do Paraná, Curityba, 1953, pág. 60.
~

32 3 33
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1
I·'

·11
lfl~ ::: A mineração é, provàvelmente, em todo o período colonial, As condições de exploração das faisquei ras, lavras ou jazidas,
o fenômeno econômico que mais nitidamente exibe o tipo de pois, associadas aos incentivos econômicos, sociais e políticos,
vinculação que marcou as relações entre a Colônia e a Metrópole. que atuavam ~ada vez . mais intensamente ( 1-~~, levara~ à utili-
rl t O interêsse de Portugal na produção de metais e pedras preciosas, zação progressiVa da for ça de trabalho cariJO ou afncana. A
bem como os mecanismos de fiscalização dos produtos e as produção de ouro resulta diretamente das disponibilidades das
taxas postos em funcionamento revelam claramente até que ponto jazidas e da capacidade de extração dos proprietários das datas
·1, . a política mercantilista alcançou e afetou a Colônia sul-americana. ou contratadores, dependendo, portanto, dos cabedais do mine-
Daí decorre, ao mesmo tempo, a política de incentivos e contrôle
,1
...,1
~
1
I
da produção de metais e pedras. A Metrópole estimula de tal
radar expressos em mão-de-obra em atividade. Basta que se
verifique o modo pelo qual se realizavam as repartições, distri-
modo a localização de descobertos e sua exploração, que leva buindo-se as datas, para se ter uma idéia da importância da
os colonos não só a descobri-las como explorá-las intensamente. utilização do trabalho humano como recurso da produção de ouro.
O metalismo que alimentou o mercantilismo português apossou-se El-Rei dava "duas braças em quadra por cada escravo, ou Indio,
progressivamente dos colonizadores e marcou profundamente a de que se servem nas catas; e assim a quem tem quinze escravos,
economia e a sociedade da Colônia ( 9). se dá huma data inteira de trinta braças em quadra" ( 11).

(9) A propósito do duplo caráter da politica real de estimulo (10) Conforme lembra Antonil, "... ser servido, obedecido,
da produção de ouro associada ao contrôle rigoroso da quintagem, e respeitado de muitos" era o ideal do colonizador branco (Cf.
é bastante significativo o trecho anexo da Carta Régia de 14 de André João Antonil, Cultura e Opulencia do Brazil por suas Drogas
abril de 1673 enviada . aos oficiais da Câmara da Capitania de e Minas, com um estudo biobibliográfico por Affonso de E. Tau-
Paranaguá. Ordena que " . . . assentem o melhor modo que pare- nay, Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1923 - págs. 67).
cesse para que a fabrica do Ouro da lavagem se continue e vá (11) Cf. André João Antonil, op. cit., pág. 215. Em 1603
em augmento, dispondo vos e os Eleitos Provedores da Fazenda, foi elaborada uma Carta Régia acêrca dos descobertos e suas repar-
Capitães e Camaras este negocio de maneira que tenha que nos tições dentre os mineradores. Entretanto, sõmente em 1652 regis-
agradecer; e a elles, elegendo pessoa de saptisfação para que traram-na no Rio de Janeiro e em São Paulo, passando, pois, a
admenistre negocio de tanta importancia, ao que tereis respeito orientar as autoridades e os próprios mineradores. No perlodo
para lhe mandar fazer a merçe que houver por bem, ouvindo ao intermediário, as lavras do sul estiveram entre aquelas declaradas
Provedor das Minas de Pernagua Manoel Rodrigues de Oliveira, "livres" em Carta Régia de 29 de agôsto de 1617, expedida por
cuja. interçessão se entender se pode conseguir melhor este enta- influência de Salvador Correia de Sá. Isto ·é, podiam "ser explo-
bolamento; e do que nisto obrardes me dareis conta com toda a radas por todos os vassalos", conforme as expressões de Rodolfo
miudeza. E se procurando-se mina de bétea se poderá descobrir, e Garcia, desde que fôssem atendidos os regimentos relativos às taxas
o que para este effeito será nesseçario quando ahi sucçeda, o fio devidas ao Rei, ao contrabando etc. li: que, dando cumprimento ao
do vosso Zelo que neste particular ponhais todo o cuidado" ( Cf. regimento que lhe fôra passado em 4 de novembro de 1613, em
transcrição literal de Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica que El-Rei estabelecia a obrigação de averiguar sObre as ditas
da Cidade de Paranaguá e seu Município, 2 vols., edição do Museu minas da região de São Vicente, Salvador Correia de Sá constatara
Paranaense, Curitiba, 1951, 1• vol., pág. 45). o escasso rendimento daquelas descobertas até então. (0 texto do
Secundando as determinações reais, em 10 de maio de 1729, o referido Regimento é transcrito por Rodolfo Garcia em História
General da Capitania Antônio da Silva Caldeira, Pimentel manda Geral do Brasil, por Varnhagen, 5 tomos, Edições Melhoramentos,
publicar "hum Bando" que deve ser levado ao conhecimento de São Paulo, 1948, 4• edição, revisão e notas de Rodolfo Garcia,
todos os moradores da marinha e planalto. Estabelece que " ... tomo II, págs. 153-155.) Em 1702, por influência dos descobertos
toda pessoa de qualquer condição que seja, que dezencaminhar os das minas gerais, é expedido o "Regimento dos Superintendentes,
Reaes quintos, e levar Ouro em pó ou fundido sem o ser na casa da Guarda-Mores e Mais Officiais, Depoutados para as Minas de Ouro
Fundição, ou fora do destricto dellas, haja de perder todo o Ouro; ou Assignado por S. Magestade a 2 de Abril de 1702", que se trans-
seja seu ou alheio e se lhes confiscarão todos os seos bens moveis e forma no texto básico, depois enriquecido ainda com Regimentos
de raiz para a Fazenda Real; e será degradado dez annos para o e Bandos. ( Cf. Rodolfo Garcia, Ensaio sôbre a História Política
Estado da India, dando-se a metade de todo o Ouro que se confiscar, e Administrativa do Brasil (1500-1810), obra póstuma, Livraria
á pessoa que o declarar, cuja declaração ou denuncia se poderá José Olympio EditOra, Rio de Janeiro, 1956, págs. 141-156; tam-
tomar em segredo, para que nunca se venha a saber a pessoa bém W. L. von Eschwege, Pluto Brasiliensis, 2 vols., trad. de
que o denunçiou" (Cf. transcrição literal de Antônio Vieira dos Donúcio de Figueiredo Murta, Companhia EditOra Nacional, São
Santos, op. cit., pág. 136). Paulo, s. d., ~· vol., págs. 143-244.)

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i ~~ Assim se manifesta a atuação da Metrópole: quanto maiores neração instalam-se os brancos, índios e _negros, êstes em menor
os cabedais em africanos ou índios, mais extensas eram as áreas número a princípio. Segundo afirma Taunay, "a grei curitibana

~I atribuídas aos mineradores. A exploração do trabalho humano, morava em sítios dispersos dêsse planalto. . . ( ... ) Além do
•I expresso na utilização do escravo, encontrava justificativas não núcleo principal de povoadores, dos elementos da elite seiscentista
I' somente nos interêsses dos próprios mineradores como também do sertão curitibano, havia os grupos de aventureiros errantes
'i nos alvos da política econômica de El-Rei, da qual aquêles eram
uma expressão coloniaL Além disso, a escravização é a única
arraialados nas regiões auríferas, ao sabor dos descobrimentos
e das explorações, provindos dos primeiros dias da história da
f forma econômica de utilização de fôrça de trabalho numa região
onde, ao lado da escassez de mão-de-obra, as extensões e dispo-
mineração; os gaúchos nômades, índios mestiços, gente egressa
de bandeiras e outros centros da população paulista; e os índios
nibilidades de terras possibilitariam uma fácil e rápida libertação "administrados", "peças do gentio da terra", como diziam os
do assalariado, transformando-o em trabalhador autônomo. O povoadores" ( 14) . Pouco a pouco vai-se constituindo uma econo-
fato de haver terras disponíveis inapropriadas permitiria ao assa- mia local de subsistência, organizada ao lado da mineração. Os
lariado dedicar-se com menores dispêndios de esforços à produção indivíduos distribuem-se em mineradores, agricultores e criadores,
dos bens de consumo necessários à própria sobrevivência e à sendo que inicialmente apenas o ouro saía da comunidade como
I
I. da família. Enquanto na mineração o trabalhador assalariado produto de comércio. O gado e a agricultura destinam-se à subsis-
'ti
"i precisaria produzir para si e para os compradores da fôrça de tência do povoado e somente mais tarde se transformarão em
·:l trabalho, numa gleba poderia produzir apenas o suficiente para produtos de escambo e troca comercial com comunidades do
r!;
o próprio sustento, prese~vando a vida sem vender a sua fôrça litoral. Nas fases iniciais, predominará o escravo índio, ou
~- de trabalho. Em conseqüência, o trabalho é escravizado, de
I seu mestiço com luso, já que a pobreza dos senhores da terra
~ maneira a evitar qualquer possibilidade de emancipação. As não permitirá a importação de africanos para os trabalhos de
t' configurações econômicas, políticas e demográficas do mundo nos mineração. Além disso, os carijós do litoral bem como os
'•
il' séculos XVI, XVII, XVIII e XIX favoreceram a manutenção coroados do planalto estão mais à mão e exigem menores inves-
IH ' de condições necessárias à compra e venda do trabalhador. Os timentos para serem transformados em escravos. Somente nas
.ll interêsses criados nas metrópoles e colônias, em tôrno da explo-
ração econômica de produtos tropicais, permitiram a instituição
fases mais produtivas das faisqueiras e lavras é que afluirão negros
~ em maior número, pois que o seu patrimônio sócio-cultural per-
do regime de trabalho escravizado nestas. Assim, a mineração
i~
,i'l~I curitibana, do mesmo modo que outras atividades. produtivas,
apoiaram-se no trabalho escravo. destas cap.tas por ordem dog.dor Salvador correa de Sa ebenevides
':j
A sociedade constituída em "Nossa Senhora da Luz de Curi- dequelhe levei mostras ehoratenho mandado Rever osdistos Ribeiros
!,-: eminas Esperaçe averen deserra p.a osertão Como as ha deserra p.a
,I tyba", a partir de 1654, é uma sociedade escravocrata fundada ornar desta Costa." (Cf. "Informação de Eliodoro Ebano Sobre
ll1~, na utilização do trabalho de índios ( 12) e africanos, ou seus
descendentes e mestiços. ~sse núcleo inicial, da mesma forma que
a Exploração das Minas de Paranaguá e Serra de Sabaraboçú",
transcrita em Boletim do Instituto Histórico e Geográfico e Etno-
aqueles instalados em outras áreas do Planalto, é um produto gráfico Paranaense} vol. V, Fase. 3-4, Curitiba, 1951, págs. 65-67;
~;! trecho extraído da pág. 66.)
da economia mineradora que se estendia pela Colônia e tinha
~i! (14) Cf. Affonso de E. Taunay, História Geral das Bandeiras
t ,.i ~ um dos seus pólos na Metrópole ( 13). Com os arraiais de mi- Paulistas} tomo oitavo, edição do Museu Paulista, São Paulo,
1
I 1946, pág. 335. Também: Antônio Vieira dos Santos, Memória
História da Cidade de Paranaguá e seu Município} 2 vols., 1• vol.,
( 12) As fontes compulsadas registram índio administrado
J J pág, 35; Romário Martins, Curityba de Outrora e de Hoje} edição
J carijó ou peça para significar indígena escravizado. da Prefeitura Municipal de Curitiba. Commemorativa da Indepen-
( 13) Em relatório datado de 12 de junho de 1651, existente dencia do Brasil, Curityba, 1922. "Primeira Página sôbre Curitiba
r
~
no Arquivo Colonial de Lisboa, Eliodoro Ebano informa sôbre os
descobertos auríferos no planalto curitibano. "Nos campos decuriy-
(1797) ", relatório apresentado por Lourenço Ribeiro de Andrade
ao Cel. Luiz Antonio Neves de Carvalho transcrito em Terra e
.! tiba sertão desta baía sedescubrirão outros Rib.ros Deouro delavagem Gente do Paraná} de Romário Martins, edição da Diretoria Regional
donde jaestive efis espiriençia averadouze anos Vindo enenvizita de Geografia do Est. do Paraná, Curitiba, 1944, págs. 225-229.

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III H, mitia ajustamento mais rápido às condições técnicas e sociais das do já haviam extraído parte da riqueza mecânicamente concentrada
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atividades mineradoras. nas aluviões. A maior parte dêsse tesouro imenso permanecia
ainda nos leitos dos rios, entretanto./Com efeito, só trabalharam
tl~t As faisqueiras e lavras da área curitibana tiveram um período
produtivo que vai aproximadamente de 1650 a 1750, sendo que
as camadas superficiais, na impossibilidade de atingirem as mais
profundas. Daí, buscaram, finalmente, as jazidas primárias, para
lf a época de maior produtividade encontra-se nas décadas que
ficam em tôrno de 1700. Entretanto, nunca foi grande a pro- 0
que bastava demandar as cabeceiras dos rios e córregos aurí-
feros./0 resultado de tais pesquisas deu azo a que se fizessem

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dução dessa região, de tal modo que a Metrópole não se inte- escavações nas montanhas, à procura da rocha matriz do ouro" ( 17).
ressou em nenhum momento pela instalação de uma casa de Para extrair o minério nessas condições, foram utilizados escravos.
fundição em Curitiba. O ouro extraído sempre foi fundido em 0 uso de pequenas vasilhas, ou pratos de estanho, e bateias; o
Paranaguá, onde havia sido instalada uma casa de quintagem represamento, desvio ou escoamento das águas; a construção de
em princípios do século XVIII ( 15). Referindo-se às ·"minas de canais; as escavações às margens dos rios ou nas encostas dos
ouro que se descobrirão no Brazil", Antonil, escrevendo em morros; o transporte das terras e pedras retirados nessas escava-
,,
1710, nos dá uma idéia da importância relativa de umas e ções; "o processo de pescar o ouro" . com Sa.co de couro cru em
)~ , outras ao afirmar que "por muitos annos se continuou a tirar pontas de varas; a cata de minério por meio do mergulho nas
em Paranaguá, o Coritiba, primeiro por oitavas, depois por águas que não podem ser desviadas, processo "introduzido pelos
libras, que chegarão a alguma arroba, posto que com ·muito negros pobres, ou faiscadores" (18); a lavagem dos seixos; essas
trabalho para ajuntar, sendo o rendimento no catar limitado; até são algumas das principais atividades ligadas à mineração do ouro
que se largarão, depois de serem descobertas pelos Paulistas as e que foram em maior ou menor escala utilizadas nos arraiais do
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minas geraes dos Cataguas, e as que chamão do Caeté: e as planalto. Do processo de mergulhar a bateia na água, que exige
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mais modernas no rio das Velhas, e em outras partes, que a permanência do faiscador até aos joelhos dentro da água,
r!. descobrirão outros Paulistas ... " ( 16). Eschwege diz que "êsse trabalho é dos mais fatigantes e penosos
As ocupações ligadas à extração de ouro de caldeirões, alu- e muito prejudicial à saúde dos escravos, pois enquanto os mem-

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viões, leitos e cabeceiras de córregos e rios ou escavações exigem bros superiores ficam expostos longas horas nos ardentes raios
esfôrço cada vez mais intenso, conforme as condições em que é do sol, a parte inferior deve suportar a sensível frialdade das
encontrado o mineral. Como diz Eschwege, "encontrou-se ouro águas. Poucos . negros, por esta razão, prestam-se para o traba-
~~ em pó e em pepitas de algumas libras, à flor da terra. A princípio,
era achado nos caldeirões e aluviões. Assim, era o metal extraído
;:lloo, que só os mais robustos podem suportar" ( 19) .

~~.1 com a própria mão e ·usado, às vêzes, por várias pessoas de


ascendência indígena como objeto de adôrno, pois não lhe conhe- (17) Cf. W. L. von Eschwege, Pluto Brasiliensis, citada, 1o

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ciam o valor./A pesquisa levou-os, então, aos leitos dos rios e vol., pág. 276.
(18) Cf. Eschwege, op. cit., 1° vol., pág. 309.
aluviões próximas e, mais tarde, às encostas da.§ montanhas, quan-
(19) Cf. W. L. von Eschwege, op. cit., 1° vol. págs. 310-311.
J;l Além desta obra, o trabalho de Antonil citado anteriormente, bem
~I como o de Calógeras (João Pandiá Calógeras, As Minas do Brasil
'I'
jil (15) Alguns dados relativos à produção de ouro do litoral e sua Legislação, vol. I, edição da Imprensa Nacional, Rio de
paranaense, em fins do século XVII são fornecidos por Lúcio Janeiro, 1904, págs. 111-132; Roberto C. Simonsen, História Eco-
ti'
1·1 de Azevedo, "Em 1681 os quintos de Paranaguá rendiam 6. 038 nómica do Brasil) 1500-1820, 2 tomos, edição ilustrada, Companhia
oitavas: a 1$500 réis, preço estabelecido mais tarde, pouco mais Editôra Nacional, São Paulo, 1944, tomo II, págs. 47-97), apresen-
;j de 9 contos; em 1690 só 1. 270 oitavas, Rs. 1. 918$500. Embora
necessàriamente houvesse descaminhos, vê-se que a produção era
escassa e diminuida, forçando ao abandono da exploração" (Cf.
tam digressões acêrca dos métodos e problemas técnicos ligados
aos diversos tipos de mineração do ouro. A propósito da ignorâ.ncia
das técnicas extrativas nos primórdios da mineração e relativamente
1,11 J. Lúcio de Azevedo, J!Jpocas de Portugal Económico) Esboços de à maneira pela qual foi realizada a incorporação da tecnologia
História, Livraria . Clássica Editôra, Lisboa, 1947, 2• edição, págs. mineradora à cultura dos grupos humanos instalados na Colônia,
I~ 303-304). veja-se: Sérgio Buarque de Holanda,- "A Mineração: Antecedentes
(16) Cf. André João Antonil, op. cit., pág. 206. Luso-Brasileiros", op. cit., págs. 240-251, 249-251 e 253-255.

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A freqüência do escravo indígena ou africano nas atividades tamente, pessoalmente essa profissão, o faziam exercer por seus
. mineradoras é referida continuamente nas fontes compulsadas,.
mas sem a necessária precisão para uma análise das condições
filhos, ou por seus escravos, por seus administrados - os aborí-
genes - no geral carijós, tapanhudos e outros, todos "trazidos
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de realização do trabalho, os diversos tipos de ocupações, as
relações sociais e jurídicas de escravos e senhores, o mercado
pelos civilizados, que os aprisionavam em guerras defensivas justas
e humanitarias", ou então, por "índios descidos de suas aldeias,
de escravos etc. Referindo-se aos primeiros povoadores de Curi- por suas proprias vontades, para virem residir com os homens
u tiba, Antônio Vieira dos Santos faz alusão a "índios minera- civilizados" ( 23). E acrescenta em outra obra: "todos os povoa-
dores", trazidos pelos mineradores que subiram de Paranaguá (20). dores do "plateau" curitybano eram - possantes de peças -
Sôbre a fase de instalação dos primeiros arraiais mineradores, que isto é, possuíam numerosos índios ou administrados dos gentios
depois deram origem à comunidade, as informações condensam-se da terra" (24). Em suma, agora em Curitiba, como anteriormente
em relação ao carijó, índio ou administrado. Somente depois em Paranaguá, instala-se o trabalho escravo ( 25). A . medida que
elas começam a referir o negro, o escravo ou africano. A pro- crescem as possibilidades e os recursos dos mineradores, multi-
pósito, é ilustrativa a informação de Antonil, que diz ter sido plicam-se os cativos. O sistema social é profundamente marcado
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! lj, um mulato que havia trabalhado em Curitiba quem fêz o primeiro por êste componente básico, determinante, da estrutura econômica
I'· descobrimento nas Minas Gerais, em fins do século XVII ( 21) . em formação, verificando-se um aumento dos escravos sempre
:,j,
;11·1 No litoral e no planalto "os trabalhos de mineração não que o empreendimento se . expande produtivamente.
' tinham tréguas. Tudo foi revolvido, os rios desviados dos cursos Entre 1733 e 1750, a Metrópole fêz vigorar na Colônia uma
primitivos, para a exploração. Grandes obras foram feitas, que ainda forma de taxação da produção mineral que se apoiava diretamente
'I hoje demonstram a importância e o número avultado . de obreiros, na escravaria existente nas lavras e faisqueiras. O sistema de
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encarregados de executá-las" ( 22). O trabalho escravo, pois, foi capitação funda-se exatamente na cobrança de impostos por
cada vez mais solicitado no represamento, desvio ou escoamento indivíduo utilizado na mineração, tanto "escravos e escravas"
das águas dos córregos e rios, nas escavações, nos transportes como "as pessoas livres que por suas maons minerarem". Esta
de terras etc. Conforme estudo de Francisco Negrão, sôbre as foi, é evidente, uma alternativa destinada a intensificar as rendas
explorações auríferas na área curitibana, "os rios, corregos, serras reais. Mas o sistema de capitação foi ràpidamente abandonado
e montes, eram batidos e percorridos em todos os sentidos. As porque se fundava no número das pessoas dedicadas à mineração
bateias eram objetos de uso obrigatorio em todos os lares; todos e não no produto em ouro das atividades mineradoras. Êle incidia,
eram bateadores e quando não podiam os cidadãos exercer direc- portanto, não somente no trabalho que produzia diretamente ou~o
como também naquele que era dedicado aos trabalhos destinados

(20) Theodoro de Ebano, bandeirante que estêve ligado à


fundação de Iguape e Curitiba, diz Vieira dos Santos, "effectiva- (23) Cf. Francisco Negrão, "Curityba", Revista do Circulo de
mente andava em deligencias do Real Serviço na descoberta das Estudos ((Bandeirantes", Tomo 1•, n• 3, Curitiba, setembro de
Minas de Ouro, prata e pedras preçiozas pelas costas marítimas e 1936, págs. 222-240; citação extraída da pág. 236.
~J! Sertões, sob o Commando de Companhias de Indios mineiros, Ser- (24) Cf. Francisco de Paula Negrão, Memória Histórica Pa·
hfl.'l• tanejos e gente armada, que o acompanhavão em suas expedições, ranaense, Impressora Paranaense, Curityba, 1934, pág. 85.
que fossem marítimas ou terrestres pois se conhece que, no mesmo
:n anno de 1654 fundou as duas Villas de Iguape e de Coritiba" (Cf.
Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica da Cidade de Para-
(25) A propósito da utilização de escravos africanos e indigenas
na mineração paranaguara, consulte-se: Boletim do Archivo Muni-
cipal de Curityba, Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs. 25-30;
naguá, e seu Munlicípio, 2 vols., edição do Museu Paranaense, Curi-
Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Impressora Paranaense,
;j tiba, 1951, 1• vol., pág. 35).
Curityba. 1924, pág. 7; Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica
( 21) " ... e o primeiro descobridor dizem, que foi hum mulato, da Cidade de Paranaguá e seu Município, 2 vols., edição do Museu
que tinha estado nas minas de Paranaguá, e Coritiba" (Cf. André Paranaense, Curitiba, 1951, 1• vol., págs. 46 e 69; Antônio Vieira
João Antonil, op. cit., pág. 207). dos Santos, Memoria Historica Chronologica Topographica, e Des-
(22) Cf. Affonso de E. Taunay, op. cit., tomo oitavo, pág. criptiva da Villa de Mor1·etes e do Porto Real, Vulgarmente P6rto de
329. Cima, edição .P,o Museu Paranaense, 1950, 1• vol,, pâgs. 20-22.

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':1, r às mudanças de cursos de rios, desmontes etc. Por isso, logo das relações entre os senhores e os escravos. A referência a
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voltou a "vigorar o quinto, pago nas casas de fundição ou de fugas tornará a aparecer, como veremos, sugerindo as peculiari-
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moeda" ( 26). Em Curitiba, o sistema foi também aplicado. Em dades do tratamento recebido pelo mancípio. Além disso, há
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1735, um "Mandado para a Villa de Coritiba", expedido pela indicações de que medidas tomadas pela Metrópole afetam direta-
Ouvidoria Geral da Comarca, estabelece aos seus habitantes a mente as relações entre os mineradores e seus cativos, provàvel-
i~ll ,, obrigatoriedade de matrícula dos "escravos e escravas mineiros e mente acentuando a distância social que os separa. O mandado
mercadores". Textualmente, o mandado estipula: "matricular, e citado acima estabelece, implicitamente, que os escravos ou admi-
dar a matricula os escravos e escravas excetuando os criollos athe nistrados podem denunciar os seus senhores que não os matricula-
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a idade de catorze annos que tiverem e todos os que ocuparem ram, quando exige que êstes devem realizar aquela inscrição
'I e minerarem ou em citios e rossas que houver nos Arayais em "emquanto nam estivessem denunciados por tercera pessoa ou
r l que se mineram de qualquer idade que seja ... " (27) . O sistema de seus escravos ou por devassa que requeira , .. " ( 32). Na
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I pôsto em vigor exigia "quatro oitavas e três quartas de ouro verdade, o estado jurídico das relações entre os negros e os
l em pó muito limpo e bom de receber" por indivíduo dedicado brancos é uma das expressões da estrutura econômico-social que
à mineração ( 28). "Os negros, negras e mo latas forros que se estava constituindo na comunidade. Entretanto, disposições
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nam minerarem nam pagaram ... " da mesma maneira que "as como essas vêm atuar diretamente sôbre o estado das relações
negras cativas que estiverem . nas vendas nam pagaram ... " ( 29). sociais, afetando-as de alguma forma.. Os mecanismos de domi-
Outro mandado, expedido pela . Ouvidoria Geral da Comarca no nação postos em prática pela Metrópole inegàvelmente atuaram,
ano seguinte, é mais explícito acêrca dos escravos encontrados muitas · vêzes, de maneira decisiva sôbre as relações entre pessoas
na área curitibana. Refere-se a negros e indígenas, ou seja, uti- e grupos humanos nas comunidades distribuídas pela Colônia. É
lizando as expressões correntes nos documentos da época,. "escravos 0 que se constata novamente no que passamos a relatar. Os
e administrados" que deveriam ser matriculados de modo a comerciantes que negociavam nos arraiais dedicavam-se princi-
cobrarem-se as taxas devidas (30). E acrescenta: "so nam pagarão palmente à venda de tecidos e bebidas aos mineradores e seus
a dita disima parte mais alem da Capitação os escravos adven- escravos. Uma das técnicas desenvolvidas por êles, para obter
tícios que viverem matricular se isto he os escravos chegados lícita ou ilicitamente ouro, era vender bebidas alcoólicas aos
ii digo que chegarem de novo dos destritos do porto de mar", cativos. Desta maneira eram lesados tanto os senhores como
I'· assim como não deverão impostos relativos a "escravos fugidos a fazenda real. Foi essa situação que deu origem a medidas
que os donos recuperarem depois da matricula serrada proce- destinadas a regulamentar as relações entre comerciantes e escravos.
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dendo exacta justificaçam de que andavam fogidos os ditos es- Um provimento de 1779 estabelece que, "atend_endo ao requeri-
crav&s ... " (31). men.to de pessoas Mineiras deste Continente de quão perniciosas
ll·:i sej ão as vendas e vendagins de bebidas por entre as lavras,
tstes textos, apesar das insuficiências evidentes para os nossos
fins, esclarecem alguns aspectos significativos para a compreensão de donde sucede não só a embriagação dos Escravos, mas tãobem
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a extirpação, e lapidagem do oiro em negocios com os mesmos
escravos, que nenhuma Pessoa possa ter venda de bebidas entre
(26) Cf. Rodolfo Garcia, em Ensaio s6bre a História Política as lavras, nem a Camr.a lhe possa facultar sem.te licença ... " (33).
e Administrativa do Brasil ( 1500-1810), citada, pág. 156.
(27) O refendo mandado encontra-se transcrito no Boletim Dêste modo agravam-se as conseqüências sociais da escravização,
do Archivo Municipal de Ourityba, Vol. X, Livraria Mundial, produzindo-se ou acentuando-se o isolamento dos cativos.
Curityba, 1924, págs. 26-28; citação extraida da pág. 26.
(28) Ibidem, pág. 27.
(29) Ibidem, pág. 27. (32) Idem, pág. 29.
(30) Idem, pág. 29. (33) "Auto de Provimento de Correição que manda fazer o
(31) Ibidem, pág, 30. Outras informações acêrca da matricula D.or Ouvidor geral e Corregedor desta Comarca Antonio Barboza de
de escravos na "Villa de Cuiitiba" encontram-se em um mandado Mattos Coittinho neste presente anno de 1779", Boletim do Archivo
de 1743, transcrito no Boletim do Archivo Municipal de Ourityba, Mttnicipal de Ourityba, vol. VIII, Livraiia Mundial, Curityba, 1924,
vol. XI, Impressora Paranaense, Curttyba, 1924, pág. 7. págs. 106-108; citação extraida da pág. 107 .

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A mineração não enriqueceu os habitantes de Curitiba. "Os
exploradores de ouro, diz David Carneiro, nas suas pesquisas
estabeleceram catas: Cubatão, Tagassaba, Faisqueira, Pinto. Nas
Serras, logo após: Guarumbi, Assungui, Itapitangui, Mandira e
, a participação relativa de indígenas e negros na camada escrava.
Mas não será possível fazê-lo, já que a insuficiência de dados
parece i?superável. Em linha~ _?er~is, en~ret~nto, o que ocorreu
foi inicialmente, uma predommanc1a de mdws ou seus descen-
.lil Ariraia" ( 34) . Mas não puderam transformar a própria vida à de~tes; depois os negros, e mestiços seus, começaram a aumentar
base da produção obtida. "Eram pequenos centros de mineração, relativamente aos outros, chegando a dominar numericamente.
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constituídos de portuguêses e mestiços nascidos na terra ou vindos Nestor Ericksen, preocupado com o regime de trabalho escravo

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.11
da metrópole ... " ( 35), não chegando senão para a sobrevivência
do grupo e escassas poupanças. Quando a mineração se tornou
uma atividade improfícua, antieconômica, os habitantes de Curi-
na área, afirma a propósito que "os índios administrados" pre-
cedem os escravos africanos ou de origem no serviço das minas
de ouro, na agricultura e na atividade das estâncias e fazendas
I tiba passaram a dedicar maior atenção à agricultura e ajustaram-se de gado" (39).
I progressivamente ao tipo de produção que pudesse, além de satis-
' Em fins do século XVIII, entretanto, a população apresentava
fazer às necessidades da comunidade, atender à procura crescente uma estrutura nitidamente marcada pelo regime de trabalho pre-
.,~ ... no mercado disperso na Colônia. Produção para a marinha e
••. ,1 dominante. A medida que a economia se modificava e a pecuária
: l para ás Minas Gerais: gêneros e gado, portanto. Como o diz
.,,1 se expandia como atividade fundamental, já que a mineração decai
i Nestor Ericksen, não demoraria "a se alterar radicalmente a
Hll . progressivamente a partir do segundo quartel do século, os negros
I situação quando condições econômicas decorrentes do declínio da
e mulatos se tornavam numerosos e, relativamente, ponderáveis.
mineração marcam novos hábitos às populações planaltinas" ( 36).
No litoral, cuja vila principal é Paranaguá, os "pretos, pardos
Pouco a pouco, as estâncias ou fazendas de gado passariam a
ocupar as principais energias da comunidade, constituindo-se um e mulatos" correspondem a cêrca de 27 % da população total. Na
nôvo mundo econômico, social e humano. "De cada família, como região do planalto, cuja vila principal é Curitiba, êles alcançam
entre os romanos, faziam parte os famulos escravos. E a cada 34% do total dos habitantes. Conforme as estatísticas registradas
uma se agregavam famílias pobres que, mais ou menos indepen- por Romário Martins ( 40); é a seguinte a população recenseada
í J,: dentes, formavam suas moradas em lugares convenientes, para no litoral e no Planalto.
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trabalhar na terra por contratos verbais de fôro ou parceria
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agrícola" ( 37) • População Regional
I •H O fato é que a mineração foi o fundamento econômico da
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I 11' estrutura social constituída em Curitiba. Independentemente do Grupos Litoral (1779) Planalto (1780)
',-i! coeficiente relativo de cativos na comunidade, o regime de trabalho
escravizado foi uma instituição básica para a qual sempre tendeu Brancos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 . 408 6.544
.. :1 a utilização da fôrça dô trabalho (38). O que se pode discutir Pretos e mulatos . . . . . . . . . . . . . . 2. 020 3.316
1r ·· ·;-"'"·
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9 . 860
TOTAIS .. .. . . . . . . .. . . . . .. .. .. . 7.428
(34) Cf. David Carneiro, Afonso Botelho de Sampayo e Souza,
·!! ~ Curitiba, 1951, pág. 12.
(35) Idem, pág. 8.
·I!:
(36) Cf. Nestor Ericksen, Síntese da Evolução Económica do no Juizo Ordinario de Curityba á Manoel Roiz da Motta para a
Paraná, Curitiba, 1945, pág. 23. remessa a Caza de Fundição de Paranagua", referente ao ano de
(37) Cf. F. R. Azevedo Macedo, Conquista Pacífica de G'Uara- 1730, transcrito em Boletim do Archivo Municipal de Curityba,
puava, Edição Gerpa, Curitiba, 1951, pág. 32. vol. X , Livraria Mundial, 1924, págs. 85-108; citação extraida da
(38) Referindo-se às Minas de Potunan, que ficavam nos limites
nota de F. Negrão, à pág. 90.)
dos campos curitibanos com a Serra Francisco Negrão assegura . que (39) Cf. Nestor Ericksen, op. cit., pág. 23.
era "grande escravatura que empregavam nesse serviço". (Cf. Nota (40) Cf. Romá.rio Martins, Quantos Somos e Quem Somos,
ao registro n• 17 do "Livro do Registro do Ouro e Prata entregue Emprêsa Gráfica Paranaense, Curitiba, 1941, págs. 85-86.
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44 45
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A imprecisão das informações acêrca J o trabalho escravo mais ràpidamente possível para um daqueles pólos ; e comprar
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e scravos, libertando-se dêste modo das ocupações "mecânicas",
na mineração em Curitiba, bem como relativamente às condições,
I 1
Í modos de arregimentação de índios e negros etc., não é obra do consideradas socialmente inferiores, era o alvo imediato.
!!:~ ~r .
Ifllli.
acaso. Reflete, em boa parte, uma preocupação definida em A situação também não se altera quando consideramos que
têrmos de interêsses dos senhores de escravos e apropriadores carijó, ou coroado, e o africano, ou seus descendentes, foram
r' f ••::11.1'· do ouro interessados apenas no registro de eventos que possuam
significação histórica para o consenso do seu grupo. As condi-
0
escravos às vêzes lado a lado. Ou, ainda, quando verificamos
que os indígenas, que a princípio eram mais numerosos entre
I
) I ções de trabalho, bem como o trato social com os escravos, são os escravos utilizados na mineração, pouco a pouco foram sendo
problemas que caem no âmbito dos eventos recorrentes que os substituídos pelos negros, ou deslocados para atividades agrícolas,
[:,.·'I,, indivíduos e grupos resolvem quotidianamente por intermédio dos pecuárias ou domésticas. É evidente que êsses deslocamentos
mecanismos sociais organi1.ados. Mas isso não impede que alguns também possuem alguma significação para o conhecimento das
,,.1;,,•:!
aspectos da realidade social deixem de ser conhecidos. f:les podem condições materiais e sociais de vida na comunidade; e podem
i ser apreendidos indiretamente, se considerarmos que a comunidade mesmo iluminar algumas facêtas do próprio regime escravo. En-
; ' apoiou-se durant~ largo período de tempo em uma atividade tretanto, em têrmos globais, o que é fundamental é que. o tra-
produtiva fundamental - a mineração - que, por sua vez, balho escravo foi o requisito básico das atividades produtivas
apoiava-se no trabalho escravo. Os pré-requisitos da estrutura principais .. da economia local. Daí resulta a composição racial
~
econômico-social que se configurou em Curitiba são dados pela ,..,......,. da população inicial de Curitiba, conforme comprova Romário
existência da fôrça de trabalho escrava, de apresadores e com- Martins. Segundo o historiador paranaense, a distribuição dos
': pradores de índios, negros ou mestiços, de um código jurídico
e ético que justificava perante os ·mores da comunidade a utili-
grupos nos arraiais que deram origem à comunidade é a seguinte:
"._.caraíbas (brancos), negros, caipiras (mestiços de índio e
I. zação dessa forma de trabalho; a existência de mecanismos branco) e mulatos (mestiços de branco e negro)" ( 41). Estavam
internos (dados pela comunidade) e externos (dados pela Colônia lançadas as bases de uma estruturação étnico-social da população
11 e pela Metrópole) de modo a incentivar a produção do ouro, isto curitibana. As transformações posteriores, acentuando ou dissol-
11 "·:i. }
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1
é, a produtividade do trabalho minerador escravizado. Em con- vendo êsse caráter, jamais esconderão essa segmentação, inau-
seqüência, a estrutura econômico-social fundou-se na existência de gurada com o advento da comunidade e persistindo após a
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" homens livres e escravizados, fato básico para a caracterização abolição do regime de trabalho escravista.

~I da ordem social que se constituiu na comunidade. Evidente-


mente as posições sociais assimétricas marcam as avaliações 3. Escravidão na fazenda de gado
. i
sociais recíprocas de uns e outros. Há aquêles que são com-
1 li:;
11 pradores de escravos e há aquêles que são vendidos como escravos; A parte do território brasileiro situada abaixo dos limites
há cidadãos, brancos, homens bons, livres, e há índios, negros, meridionais do atual Estado de São Paulo não foi desde o início
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·11... .,. . ,.,,
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mestiços, escravos, semoventes. Esses são os pólos fundamentais
da estrutura que ali se constituía. As proporções de uns e outros
uma área ligada às regiões setentrionais da Colônia. Por muito
tempo a zona sul estêve povoada em apenas algumas extensões
..,,.'H ,;1 I
nesse contexto não vêm ao caso. As coordenadas do problema, delimitadas, relativamente isoladas entre si, com vínculos às vêzes

u\'IT em seus significados econômico, social, jurídico e político, não


se alteram quando consideramos que uma parte da população de -
inexistentes com os centros principais. Grosso modo, houve no
sul
outro
um foco de irradiação na área das missões do Uruguai;
expandia-se de Viamão; o litoral catarinense foi também
Curitiba foi sempre composta de trabalhadores autônomos, livres,
~ uma região relativamente isolada; e, da mesma forma, a marinha
que se dedicavam diretamente a atividades agrícolas, pecuárias,
' ~~
ijl
ll ~


·~ ·: i

.i
artesanais ou mesmo de mineração. Estes foram sempre indivíduos ..
empenhados em mudar de status, em conseguir algum capital !f,- _. (41) Cf. Romârio Martins, História do Paraná, 3• edição, Edi-
para intensificar a utilização dos meios de produção e da terra .I- . tOra Guarira Ltda., Curitiba, s/ d., pãg. 219; também Terra e Gente
li de que dispunham; isto é, empenharam-se sempre na alteração ~1" _ do ~araná, do mesmo autor, e~i~ão da Diretoria Regional de Geo-
~~
i das suas condições materiais de vida, de maneira a passar o .
1
J.r"' grafla do Est. ~ do Paranâ, Cuntlba, 1944, pãg. 203.
,, 46 47
.,
~ :~'1.·1"~:I:
:~ 1!. :. '1;1:. : •.
~ I, . •o•j

·t::~' ,ij.li'.:
i ,t paranaguara e o planalto curitibano. Pouco a pouco, contudo,
a expansão da economia de alguns dêsses núcleos, induzida pelos
quartel do ~é?u1o XVII!, estimulada pe~o merca_d? das Minas
Gerais em rap1da expansao, e outros por ele beneficiados, se esta-
centros · dinâmicos de produção para exportação, vai promovendo, belece uma conexão efetiva entre a região de rebanhos do extremo
· :íP:I I • em associação com a política militar e povoadora da Metrópole, sul e os Campos Gerais: abre-se o caminho do gado ( 45) . A
a integração das áreas. J á vimos as linhas gerais da expansão Feira de Sorocaba é a expressão mais autêntica desta nova con-
:;iÜ• '! da economia e da sociedade mineradora do litoral paranaense, figuração da economia do Brasil Meridional. A partir dêsse
' transbordando a serra e dispersando-se pela zona curitibana. lVIas momento, a pecuária dos campos curitibanos entra em nôvo ciclo
j êsse dilatar não se encerra nesse ponto. Com as transformações de desenvolvimento, estimulada pelo mercado consumidor relati-
I' da economia aurífera, a população do planalto vai paulatinamente vamente próximo e pelas ligações naturais com a zona de pro-
se modificando em agricultores, criadores, tropeiros e, em con- dução rio-grandense. Fazendas de criação e invernadas multipli-
' ··j·· '
seqüência, a economia e a sociedade alcançam os Campos Gerais, cam-se nessas regiões. Criadores e tropeiros circulam por êsses
I; os Campos de Guarapuava e os Campos de Palmas ( 42). Até um campos. A conquista das pastagens de Guarapuava e Palmas aos
determinado momento da evolução da economia do sul, entretanto, aborígines é fruto dessas novas condições ( 46) .
! existe uma relativa solução de continuidade entre os pampas
"I :1· A medida que se adensa a economia dos Campos Gerais,
l:··.
!f:1n;:.,l,
gaúchos e as pastagens paranaenses, adjacentes a Curitiba. Estas
produzem principalmente gado bovino, que abastece São Paulo
estrutura-se uma sociedade rural nas fazendas, cujos caracteres
nos interessam aqui. Êsse processo vinha, como ficou implícito
e o Rio de Janeiro ( 43). Segundo infornüt Caio Prado Júnior, o anteriormente, operando paulatinamente na área. A condensação
extremo sul ficou por muito tempo ligado à "órbita castelhana, da população na zona de Curitiba, a progressiva decadência da
quase destacado que estava seu território do resto do país até mineração, a atração exercida pelo mercado consumidor de carne
meados do séc. XVIII" (44). Somente ao princípio do segundo

págs. 110-113; Caio Prado J únior, História Econômica do Brasil,


( 42) Aliás, como lembra Teresa Schorer Petrone, nos Campos 3• edição, Editôra Brasiliense, São Paulo, 1953, págs. 95-101; Affonso
Gerais, como eram denominados os postos nos arredores de Curitiba, de E. Taunay, História Geral das Bcmdeiras Paulistas, tomo oitavo,
já no período colonial apareceu "ao lado do criador de gado o edição do Museu Paulista, São Paulo, 1946, págs. 489-515; Sérgio
pequeno agricultor" ( Cf. Tereza Schorer Petrone, "As áreas Buarque de Holanda, "Do Peão ao Tropeiro", Caminhos e Fronteiras,
de criação da gado", História Geral da Civilização Brasileira, citada, edição ilustrada, Livraria José Olympio Editôra, Rio de Janeiro,
tomo I, 2'1 vol., págs. 218-227, esp. pág. 224). 1957, págs. 148-159; especialmente págs. 158-159; do mesmo autor,
'\ ,., (43) "Na villa de S. Paulo matão as rezes, que tem em suas "A Colônia do Sacramento e a Expansão do Extremo Sul", op . cit.,
fazendas, que não são muito grandes: e só nos campos de Coritiba esp. págs. 356-363.
. :! .~.
vai crescendo, e multiplicando cada vez mais o gado" ( Cf. André ( 45 )· Relativamente à abertura do que denominamos estrada
João Antonil, op. cit., pág. 264.) do gado consulte-se Varnhagen, op. cit., tomo IV, pág. 14 e Sérgio
( 44) Cf. Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contempo- Buarque de Holanda, "A Colônia do Sacramento e a Expansão do
râneo, Colônia, 4• edição, Editôra Brasiliense, Ltda., São Paulo, 1953, Extremo Sul", op. cit., esp. págs. 359-360.
...........""''
I págs. 198-205; citação extraída da pág. 199. O problema da inte- ( 46) Durante o terceiro quartel do século XVIII foram feitas
1111 gração do Brasil meridional, fundada na exploração . da pecuária tentativas para povoar os Campos de Guarapuava, uma das quais
#41 bovina, muar e cavalar, é discutido sob formas diversas nos trabalhos foi levada a efeito por Afonso Botelho de Sampaio e Souza, em
li!! seguintes: Roberto C. Simonsen, História Econômica do Brasil,
1500-1820, 2 tomos, edição ilustrada, Companhia Editôra Nacional,
1771-1772. Entretanto essas duas zonas de pastagens sõmente foram
incorporadas à economia pecuária paranaense no decorrer da primeira
:1 São Paulo, 1944, tomo I, págs. 253-309; Mafalda P. Zemela, O metade do século XIX. Os motivos económicos (especialmente a
j
Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII, edição necessidade de pastagens e o interêsse pela mão-de-obra indígena)
i da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de e políticos (o afastamento para oeste das fronteiras brasileiras) po-
lj São Paulo, São Paulo, 1951, págs. 49-61; José Honório Rodrigues, dem ser em boa parte esclarecidos com a leitura dos trabalhos
(:!.1
.tr O Contine.n te do Rio Grande, Edições S. José, Rio, 1954; Myriam Ellis, publicados na Revista do Círculo de Estttdos "Bandeirantes", tomo

i
'I Contribuição ao Estudo do Abastecimento das Zonas Mineradoras do I, nQ 4, "Número comemorativo ao Centenário do Povoamento dos
'1•1

Brasil no Século XVIII, separata da "Revista de História", nQ 36, Campos de Palmas", Curitiba, fevereiro de 1937; e na obra de F.
São Paulo, 1958, pág. 435; Celso Furtado, Formação Econômica R. Azevedo Macedo, Conquista Pacifica de Guarapuava, Edição
~~ do Brasil, Editôra Fundo de Cultura S. A., Rio de Janeiro, 1959, Gerpa, Curitibat 1951.

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48 4 cte,;,~ 49
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e gênero agrícolas no litoral, as ligações relativamente fáceis corn
~ lias e seus animais" ( 47). Em verdade, a futura comunidade
o cada vez mais poderoso mercado consumidor de São Paulo (chamou-se Atalaia o núcleo primitivo constituído em Guarapuava)
.. !i~ ~.jj, e das Minas, as crescentes disponibilidades de mão-de-obra corn precisava atrair artesãos, mestres de ofícios etc. que pudessem
il·:r';·~ a mineração decadente, são alguns dos principais fatôres que - atender às ocupações que fugiam do âmbito do trabalho escravo.
promovem a expansão da pecuária nos Campos Gerais. Temos Fenômeno idêntico deve ter-se verificado em Palmas, alguns anos
aí alguns dos pré-requisitos da pecuária curitibana.
depois.
•I; Foi escravo o regime de trabalho predominante nas fazendas. A própria natureza da economia pecuária colocava a fôrça
Determinados caracteres dessa atividade produtiva naturalmente de trabalho na contingência de cristalizar-se sob a forma social
!J podem ter marcado de forma singular o regime escravo que ali escrava. ~ste caráter do regime de trabalho na fazenda pode
'!l' se desenvolveu. Fundamentalmente, entretanto, era escrava a fôrça de ser esclarecido com a própria história da formação desta. A
trabalho utilizada nas ocupações no interior da fazenda. Isto se partir do · seu primeiro instante, ela se constitui como uma estrutura
'
I explica pela atuação de fatôres peculiares à própria economia econômica apoiada bàsicamente no trabalho cativo. A com-
I ii·, da unidade. Houve ali o proprietário do latifúndio, do gado e posição do capital inicial que se investe na pecuária contém,
I• dos meios de produção. Assalariados ou escravos - estas eram entre os seus elementos, a fôrça de trabalho de negros, índios

!
as alternativas para a fôrça de trabalho. Mas as condições his- ou seus mestiços, escravos. Já vimos que o deslocamento de
tórico-econômicas possibilitaram e exigiram a implantação do re- capitais da mineração para a pecuária é um processo que leva
gime escravo, pois houve, como já dissemos, alguma disponibilidade consigo o mancípio, pois que êsse é um fenômeno econômico-
de mão-de-obra escrava (negros, mulatos, índios, mestiços diversos -social. As condições histórico-económicas subjacentes a essas
dêstes) · que se deslocou progressivamente da mineração para as transformações não propiciaram a abolição do· regime, mas, ao
fazendas. Com a decadência da economia mineradora, formou-se contrário, permitiram que êle fôsse transportado junto com os
um estoque de trabalhadores desocupados que representava urn outros componentes do sistema em elaboração, tornando-se um
ônus, um fator antieconómico, no interior da "estrutura" econÔ· dos seus pilares. Nesse sentido, os têrmos das cartas de sesmarias
ilustram satisfatoriamente o fenômeno, trazendo ainda outros ele-

~
mica configurada na época. A passagem dos escravos da mineração "' 1
mentos esclarecedores. As doações, como fica . evidente à . leitura
para as fazendas foi, pois, uma solução que correspondia às
das cartas, eram feitas não somente a indivíduos que se deslocavam
exigências internas da economia da comunidade, que poderia do litoral e de Curitiba para os campos circunvizinhos ou lon-
J' sofrer um colapso grave com a pressão demográfica exercida
ll gínquos desta, mas também àqueles advindos de outras regiões
~
I
:ii'
pela população cativa excedente, cada vez em maior número, e
às exigências externas, devidas à expansão do mercado consu-
da Colônia. Ambos, contudo, levavam capitais muitas vêzes com
I ; trabalhadores escravos em sua composição. Em 1717 é doada
1~
i midor na marinha e em São Paulo. Além disso, as disponibili- uma sesmaria a Domingos Teixeira de Azevedo, "morador da
I
I dades de campos não povoados nem apropriados facultaria ao villa Pernagoá onde se acha com bastantes escravos em que
WI·~·Jil<<t•"

:i assalariado a possibilidade de desligar-se da fazenda e instalar-se faça roças cultivando terras em utilidade de el-rei nosso senhor, e
como agricultor ou criador autónomo, independente. Isto fica dos dízimos reaes, e maior sustentação do povo daquella villa
.,:J ~~ I 11

evidente quando consideraml1S que, na expedição ' destinada ao


I ~ I e por não ter terras para lavrar e para o fazer me pedia em
li
li
povoamento dos campos de Guarapuava, levada a efeito em 1809-
·1810, pequenos sitiantes e trabalhadores livres incorporaram-se
fim de conclusão de sua petição lhe fizesse mercê dar de
sesmaria uma legua de terras pelo ribeiro acima do porto de
1: ao contingente, para tomar posse dos lotes de terras que Diogo
l,
Li ,,,' 1·':. Pinto de Azevedo Portugal, chefe da expedição, estava autorizado
( 47) Cf. F. R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 112. Deve-se
lj
a doar àqueles que com êle fôssem às paragens "não povoadas". registrar aqui, entretanto, que a grande maioria do pessoal que
lt ); ;!j[
:
'
I
..
São êsses indivíduos que F. R. Azevedo Macedo chama "operários acompanhou a Expedição a Guarapuava eram membros de familias de
fazendeiros, ou seus prepostos acompanhados de animais e escravos,
livres", quando diz: em "poucos meses se enfileiram para a
'I li
I
. :i Expedição, em número suficiente operários livres com suas famÍ· interessados em estender as suas áreas de criação. Adiante vol-
taremos a esta. questão;
50 51
t"'WHH·n'
1!iiuu~ll! I

Curitiba ... " ( 48): ·Em outras cartas sucedem-se as alusões a ''nos quaes tinhão . os supptes., desde o principio do anno de
escravos nos cabedais dos candidatos às terras de pastagens e 1722 povoado de . escravos com principio de quinhentas cabe-
lavouras, estas também muitas vêzes referidas nos textos. As ças de gado vacum, e cincoenta de cavallar de q. pagavão
atividades agrícolas, contudo, não eram os alvos principais, salvo ~ dizimas ... " (51) . Indígenas escravizados também fazem parte
quando as terras não eram adequadas à criação de gado. Ao dos cabedais dos fazendeiros dos primórdios da economia pecuária
··~ j: ~ contrário, geralmente eram secundárias e destinavam-se apenas a dos campos curitibanos. Em 1732 é passada carta de sesmaria
'
r' justificar a doação, já que a carência de víveres em certas ocasiões a "Franco. Roiz Penteado que havia annos acoutara Currais de
i ••
causava preocupação às autoridades, levando-as a estimular a Gados vacuns e Cavalares em huns Campos que achara devolutos",

l
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li;

'l' :;•i·
I
agricultura. Nas fazendas de criação, os escravos envolvidos nas
ocupações rurais eram apenas os necessários a suprir especial-
mente o grupo humano que ali vivia. -Contudo, houve sempre
uma produção agrícola para o mercado comunitário e da marinha.
pois que êste criador_ "tinha feito despezas c?nciderav~is na cultura
dos ditos campos as1m em pessas que lhe tmha metido pa. o seo
Beneficio por varias vezes como tambem nos gados de que sempre
pagou dízimos ... " (52).
Conforme veremos oportunamente, em certo momento, quando o Os últimos atos da expansão ecológica da economia e socie-
mercado sul-americano de mate se expande, cresce o interêsse dade pecuária, para os fins que nos interessam aqui, dão-se na
pela produção da erva, chegando a tornar-se um setor funda- primeira metade do século XIX, quando grupos povoadores apos-
mental da economia curitibana. Além disso; houve um tráfico sam-se dos campos ainda ocupados por aborígines nas áreas de
contínuo entre Curitiba e o litoral, onde circulavam gado para Guarapuava e Palmas. Dissemos anteriormente que naqqelas
os açougues das vilas da orla, além de gêneros diversos para expedições encontravam~se sitiantes e trabalhadores livres. Mas a
essas populações e para exportação. O mate entra nesse comércio população civil que acompanhava a de Guarapuava, que foi orga-
cada vez mais intensamente, como se verá. Mas êsse é outro nizada militarmente, compunha-se predominantemente de criadores
problema. ou invernistas, ou seus prepostos, que estavam interessados em
Nas cartas de sesmarias, enfim, os escravos aparecem com instalar-se em novas pastagens. F. R. Azevedo Macedo, que estudou
freqüência. Em 1726 é doada uma data a "Hyeronimo de Car- detidamente esta expedição, informa que "famílias abastadas, al-
valho morador de Curitiba, e cazado com mulher, e famillia, e gumas grandes, outras pequenas, se apresentam a cavalo, com
sem terras pa. poder acomodar os seus escravos, e mais famillias, seus camaradas e seus escravos e com suas tropas carregadas de
e porq. no destricto da da. Curitiba estavão huas t erras devo- bagagem, aderindo á Expedição, com o proposito de ir estabele-
lutas ... " ( 49). Em 1725 foi passada carta de sesmaria a um cer-se lá nos Campos de Guarapuava" (53). E cita especialmente
i criador já instalado nos "campos de curitiba", pois "o Suppte. um dos mais ricos fazendeiros de Castro, José Feliz da Silva, que
:)/
tinha formado curral, metido gado e tomado posse, e se achava "fornece a Diogo Pinto numerosos bois, mantimentos, homens, e
com criados, escravos, e ~s mais fabricas necessras., tudo em adianta dinheiro e empresta uma tropa de cargueiros ... " (54).
,,. . ..........
~
augmento, da fazenda real" (50) . Os pedidos e as doações repe· Êsses são os interêsses em jôgo na instalação das fazendas nessa
{ - . tem-se no sentido da expansão da pecuária com a mão-de-obra região. Também nos campos de Palmas o fenômeno se repete
~~ I i escrava. Considerando as áreas de "restinga de Campos" ainda alguns anos após, quando um grupo de criadores de gado da
ijl disponíveis no "certão de Curitiba" é solicitada carta por dois Freguesia de Belém, em Guarapuava, organiza a "Sociedade par-
fazendeiros já instalados. Querem a posse jurídica dos terrenos ticular dos primeiros povoadores palmenses". São particularmente
í ilustrativos dois artigos dos estatutos da associação, estabelecendo
fins e providências que esclarecem alguns caracteres da estrutura
(48) Cf. Sesmarias, vol. II, Publicação Official do Archivo do
i;t•·J Estado de S. Paulo, Typographia Piratininga, São Paulo, 1921, págs.
87-89; citação extraída da pág. 87.
i :I (51) Idem, págs. 34-39; citação extraída da pág. 35.
!- ·:f ( 49) Carta de Sesmaria doada em 13-3-1726, conforme Sesma-
rias~ vol. II, edição do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo,
(52) Idem, págs. 280-285; citação extraída da pág. 281.
São Paulo, 1937, págs. 86-88; citação extraída da pág. 86. (53) Cf. F. R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 113.
-I
(50) Idem, págs. 22-25 ; citação extraída da pág. 23. (54) Idq.m, pág. 121.

52 53
econômico-social em emergência nos campos. "Art. 3.0 Terá esta ersistência, convém ressaltá-Ia, se liga ao fato de que algumas
Suciede. pr. unico e importante objecto povoar os campos de ~ondições estruturais da economia colonial persistiram semelhantes
Palmas em massa pa. aparte orientá! abrangendo nelle em terreno nesses séculos (58).
sufficiente pa. cada um socio estabelecer sua fazenda servindose tsses, em suma, os pré-requisitos do mundo econômico e
neste contorno unicame. uma sorte decampos d.a a servidão comum social que se vai estruturando progressivamente no Planalto,
e nella fundarce uma Povoação Art. 0 4.° Cada Socio prestará marcando de modo decisivo o sistema econômico e sócio-cultural
nesta Suciede. dois mercenarios ou Escr. os detrabalho osqs. que emerge em Curitiba. O universo da pecuária é um sistema
seempregarão primer.o na exploração dosPortos do Rio do Iguassu econômico-social onde a terra e o escravo são os fatôres funda-
e em opique na matta pa. Palmas, segd. 0 na construção decanoas mentais da produção, e cujos produtos os senhores consomem ou
necesrs. p.a afactura da estrada 3. 0 qe. transportar as criações comerciam, fundamentando-se dessa maneira as suas condições
de seus amos em olugr. em qe. se destinar sua parada 4. 0 em materiais de existência e as relações sociais que lhe são inerentes.
todo ou mais servisso ordin.i q. for obenef.o dasfazendas de Polarizam-se assimetricamente os grupos humanos que atuam num
seus . amos 5.° Commulativamente guarnecerão anova Popoação contexto hierarquizado como êsse.
fasendo as guardas edelige.as precizas" (55). Considerem-se, além A fazenda, enquanto unidade produtora, pode ser pensada
disso, as disponibilidades de indígenas, que poderiam ser arreba- isoladamente. Ela exprime o cosmo sócio-cultural que se organi-
nhados, como o foram de .fato, em "guerras justas", fàcilmente zou com fundamento na pecuária, apresentando os caracteres
improvisadas e justificadas pelos brancos. Uma Carta Régia, essenciais da sociedade dos Campos Gerais, revelando uma ordem
expedida em 1808 ao Governador e Capitão-General de São Paulo econômico-social que assume em Curitiba novas configurações,
por D. João VI, preocupa-se especialmente com "o quasi total como se verá. A fazenda de criação é uma unidade complexa,
abandono em que se acham os Campos Gerais de Curitiba e os onde se encontram, lado a lado, atividades ligadas à pecuária,
de Guarapuava, assim como todos os terrenos que deságuam no à agricultura de subsistência e ao artesanato rústico (59). Apesar
Paraná e formélm do outro lado as cabeceiras do Uruguai, todos
compreendidos nos limites desta capitania, infestados pelos índios (58) A análise do processo de destribalização, conforme êle
denominados bugres, que matam cruelmente todos os fazendeiros pode ser caracterizado cientificamente e segundo a maneira pela
e proprietarios que nos mesmos países tem procurado tomar qual teria operado nas primeiras fases da ação portuguêsa ( coloni-
!:·! sesmarias e cultiva-las em beneficio do Estado" (56). E preconiza, zadores e jesuitas) no Brasil, encontra-se em: Alexander Marchant,
ii,L;:i Do Escambo à Escravidão, 1500-1580, trad. de Carlos Lacerda, Com-
i!li;tll
em conseqüência, "que todo o miliciano, ou qualquer morador panhia Editôra Nacional, São Paulo, 1943; Florestan Fernandes,
··'l :!'i que segurar alguns índios poderá considera-los por quinze anos como Mudanças Sociais no Brasil, Difusão Européia do Livro, São Paulo,
}I prisioneiros de guerra, destinando-os ao serviço que mais lhe 1960, págs. 287-310, esp. págs. 297-305. Uma das últimas expressões
·~ ,,,,, juridicas das relações de trabalho entre indigenas e brancos está
convier ... " (57) . Como se vê, alguns mecanismos de destribali-
J~ ;c.·n
·1
~~!C
,- '',L•:
... if zação, postos em prática pelos colonizadores portuguêses no século
consubstanciada na Lei de 27 de outubro de 1831, que, entre outros
fins, revoga o ato régio de 5-11-1808 mencionado em parágrafo
J ...+·~''"' XVI, ainda eram operantes em princípios do século XIX. Esta anterior. Estabeleceu, ao contrário, que: "Art. 3o Os indios todos
I I ~I até aqui em servidão serão dela desonerados" (Cf. Agostinho
..,.!lq .•1 Marques Pergião Malheiro, A E scravidão no Brasil, Ensaio His-
li ~~
(55) "Estatutos e regulamentos da "Sociedade particular dos
tórico-Jurídico-Social, 2 tomos, tomo I , Edições Cultura, São Paulo,
1944, pág. 316).
q primeiros povoadores palmenses" organizados na Freguezia de Belém, (59) Além das obras mencionadas em outras passagens desta
em Guarapuava, a 10 de Março de 1839", transcrito em Revista

l
parte do capitulo, encontram-se indicações precisas revelando a
do Circulo de Estudos ((Bandeirantes", tomo I, no 4, Número Come- fazenda como uma unidade económica relativamente auto-suficiente
I morativo ao Centenário do Povoamento dos Campos de Palmas,
li ~· i em : Auguste de Saint-Hilaire, Voyage dans l es Provinces de Saint-
i Curitiba, fevereiro de 1937, págs. 317-319; citação extra1da das -Paul et Sainte-Catherine, 2 tomos, Arthus Bertrand, Libraire
' págs. 317-318.
! it11• :!
I
(56) Cf. o trecho da Carta Régia de 5 de novembro de 1808,
1lditeur, Paris, 1851, tome second, esp. págs. 1-113 ; Moysés Mar-
condes, Pae e Patrono (Jesuino Marcondes de Oliveira e Sá),
I. ·I
; ' li!! citada por F. R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 95.
(57) Idem, F. R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 96.
Typographia do Annuario do Brasil, Rio de Janeiro, 1926, esp. págs.
23-24 e 231. ~
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. ; i :li"' das ligações que o comércio do gado necessàriamente estabelecia de 1789, da Câmara Municipal de Curitiba, fica evidenciada não
entre o campo e as vilas, é na fazenda que são produzidos os penas a utilização de escravo capataz nos trabalhos de condução
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~e tropas, mas também registram-se as sanções a que estavam
I

;t;!r ~ gêner os imprescindíveis à sobrevivência do grupo, bem como uten.


sílios e instrumentos que uma tecnologia pobre pode produzir. - uj eitos os tropeiros que, contrariando as posturas municipais,
,,
•;:~~ ,a::'1'!
Os indivíduos na fazenda distribuem-se em uma estrutura ocupa- ~assavam o gado sôbre as pontes, arriscando destruí-las ou dani-
1. cional determinada. As atividades principais resumem-se em: vigi- ficá-las. .É expedida uma ordem de prisão n os seguintes têrmos :
-,,,, lância do gado, com decorrências normais, tais como a reunião "mandado para ser preso - hum gregorio escravo da fazenda
'11 dos animais em recantos prefixados, para protegê-los de animais de "Butucara" e do Cap.am mor da v. a de Parnagua Jose Carnr.o
lt selvagens, aborígines, ladrões; a reunião nos currais; o cuidado dos S.tos por serem contumases em passar Boyadas por sima das
'.>IJ ,
UI :
1 com as vacas de cria e bezerros; a marcação, um a um, que se Pontes tendose publicado sobre isso Edital aque senão passase,
realiza duas vêzes ao ano; a castração dos touros que se pretende e sendo avizados com penna de ficarem condemnados em cabesa
'F' ! engordar para o comércio de carne, também efetuada uma vez a duzentos reis por cada huma cabesa de que recomendarão ao
cada semestre; as queimadas, duas a três vêzes ao ano, de trechos Alcaide recolhese o tal escravo capataz datal Boyada ... " ( 61) .
das pastagens, de modo a proporcionar sempre relva tenra e - Saint-Hilaire, que visitou o território da quinta Comarca da Pro-
verde ao gado; distribuição periódica de sal, dado o insuficiente víncia de São Paulo em 1820, onde se h ospedou em diversas
teor salino das pastagens e, em parte, o papel dessa substância fazendas, faz referências a e~cravos ocupados na peonag~m. . E
na domesticação do gado; o esquartejamento dos animais desti- = descreve, em têrmos impressionistas, o processo de doma do ani-
nados ao consumo local; o curtimento e preparação de couros mal bravio por um hábil " negro domador" (62) . A periódica
para confecção de implementas dos peões ou artefatos domésticos; distribuição de sal aos animais das pastagens curitibanas, o que
a doma dos cavalares ou muares destinados ao uso do pessoal se realiza uma vez por mês, em média, segundo Bigg-Wither, é
da fazenda; o transporte de animais, nas viagens para o mer- uma tarefa que exige o concurso de úm grupo de peões, sob a
cado etc. Sintetizando as atividades fundamentais da estrutura orientação de um feitor ou capataz. Segundo informa, êste e
ocupacional da fazenda, diz o autor anônimo de um estudo que aquêle são escravos na fazenda Fortaleza, visitada por êle (63).
"nesta província h a nas estancias (fazendas de gado vacum e
cavallar) uma classe de empregados que se occupão em domar e
Vetter e Edmur de Souza Queiroz, págs. 66-67. Thomas P. Bigg-
ensinar os animaes, campear, parar rodeio, e trazer os animaes -Wither, Pioneering in South Brazil, Three y ears of Forest and
á mangueira (cercado, onde se recolhem os animaes) no tempo Prairie Life in the Province of Parana, two volumes, John Murray,
da marcação, á qual ajudão" (_60). Segundo um têrmo de vereança London, 1878, tomo I, pãgs. 207-219 e tomo II, págs. 237-253. Há -
obras em que a estrutura ocupacional está caracterizada tendo-se
li::·
•I ;: em vista as fazendas de outras áreas da Colônia. Assim, alguns
aspectos fundamentais da "civilização do gado" no sertão do Nordeste
(60) Cf. "O Peão", O Dezenove de Dezembro, Anno I, nq 47, encontram-se suficientemente descritos em Cultura e Opulencia do
····--t·.,..... Curitiba, 14-2-1855, pág. 3. Elementos para o conhecimento da - Brazil por suas Drogas e Minas de André João Antonil, citada,
f 1·
estrutura ocupacional da fazenda, no que se refere à pecuária, encon- págs. 262-270, também .r. Capistrano de Abreu, Capitulos de
lt i.il
tram-se err. Caio Prado Júnior, História Econômica· do Brasil, 3• História Co~onial, 1500-1800, 4• edição, Livraria Briguiet, Rio de
'I edição, Editôra Brasiliense Ltda., São Paulo, 1953, págs. 99-100; Janeiro, 1954, págs. 213-227. Lycurgo Santos Filho, Uma Comu·
Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo, Colônia, nidade Rural do Brasil Antigo, edição ilustrada, Companhia Editôra
4• edição, Editõra Brasiliense Ltda., São Paulo, 1953, págs. 202-203; Nacional, S. Paulo, 1956, especialmente Partes II e III, onde se
Roberto C. Simonsen, História Econômica do Brasil, 1500-1820, descreve a participação do escravo também nas lidas do campo.
tomo I, 2• edição ilustrada, Companhia Editôra Nacional, São Paulo, (61) Cf. "Vereança de 14 de Febr.o de 1789", in Boletim do
1944, págs. 253-309; Auguste de Saint-Hilaire, Voyage dans les Archivo Municipal de Curityba, Vol. XXXIII, Impressora Para-
Provinces de Saint-Paul et de Saint-Catherine, citada, tome second, naense, Curityba, 1928, págs. 89-90.
págs. 1-55; Nestor Ericksen, Síntese da Evolução Econômica do (62) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, Voyage dans les Provinces
Paraná, Gráfica Mundial, Curitiba, 1945, esp. págs. 22-24; J-B. von de Saint-Paul et de Sainte-Catherine, citada, tome second, págs.
Spix e C.F.P. von Martius, Viagem pela Capitania de S. Paulo, .1-55; referência da pág. 17.
1817-1818, separata do Tomo XVI da "Revista do Museu Paulista", ( 63) Referindo-se à vigilância do pessoal com relação às
Diario Official, São Paulo, 1929, trad. de Herbert Baldus, João condições físical:i, dos animais que se aproximam do cõcho de sal,
56 57
. AO~tras atividades há que se prendem à agricultura de sub. · :~- -~ Quanto ao artesanato, além da produção de arreios e imple-
Sistencia, ou ~esmo comercial, e ao artesanato. Temos nesses _ _h:, ...:.!nentos de montaria e uso pessoal ou doméstico, cabe referir a tece-
setores um conJunto de o?u?ações q~e, a despe~to. de se encadea- "">~-~ }agem de lã de carneiro, para a produ~ão de baixeiros, mantas
r:m a componentes acesso nos do sistema economico da fazenda -~-- ponchos, que chegaram a ser comerciados nas feiras e vilas·
VlS t a_ como U~I"d a d e rIga d a a um mercado comercial, vinculam-se' . r ~; e preparo de queijos e manteigas; o consêrto dos instrumentos'
0
precisament~ aqueles setores que compõem 0 contexto comunitário -~- e utensílios utilizados nas ocupações produtivas e nos serviços
da econOI~na grupal. São atividades essenciais à sobrevivência: · .[! domésticos. Ao descrever as condições de trabalho nas fazendas
e ao fu~c~on~ment~ do _g:upo social. Com relação à agricultura ~ f; visitadas, Saint-Hilaire faz contínuas referências a essas atividades,
de suhsistencia e as at1v1dades conexas, praticadas nas fazendas ·,,' destacando entre elas a tecelagem grosseira de artigos de lã e o
dos ~amp?s Gerais, ~aint-Hilair~ re~ere 0 preparo da terra, 0 1 ;~ preparo de pr?~uto~ de leite como_ mantei~a ~ queijo_s. "Os_Ia~icí­
plantio, cmdado, colheita de cereais ta 1s como feijão milho arroz _ !'-'· nios desta regia o sao de boa quahdade, d1z ele, e sao o prmcipal
trigo, e _a preparação para 0 consumo de farinhas,' pães, 'queijo~ -~t~~ alimento dos, pobres .e escravof' (67), ao lado do "-c harque de
~ manteigas; tabaco e fumo de corda; plantio e cuidado das ~,. vento", que e produzido em todas as fazendas do sul, e que é,
arvores fr~tíferas, linho e seu tecido etc. Nas· cartas de doação .'!: ~~- na expressão de Couty, "um alimento totalmente inferior e desti-
de se$llanas, há contínuas referências ao cultivo da terra .., ~-~ nado aos escravos" ( 68) • Relatando os trabalhos e os dias de
· que, como já dissemos anteriormente, se torna atividade fu~da~ ~;&i um fazendeiro e político paranaense d.o século XIX, Moysés
~e~tal, qua_ndo ela não é propícia ao gado. Assim, em 1678, • a,~_ Marcondes i~forma que_ n~ fazenda_ ~s "escravas fia_vam e tec~am
fo1 concedida uma sesmaria de terras de criação e Plantas . -~ pannos, fabncavam baiXeuos, coxmilhos, rendas fmas de b1lro
- ' com
seus. campos e _capoes, no lugar chamado Cahajurú, districto de- '[':
-~ , . "
e a~e cigarros ; e assim
. ·a
"f . d
OI :api amente augm~ntan o a pro·
Cunt!ba, a _Joao Rodrigues Side, que sendo morador em Para- ·~ duçao rend~sa da faze~?a, destmada a ser. vendida, em grande
nagua, desejava mudar-se para Curityba com sua fa .1.
' mi Ia e
'~·-!
i ..
parte, em Sao Paulo. . . (69). E lembra, amda, que as escravas
h, d "f d .. h-
escravos d e nação da terra" (64). Uma carta de " • . , • ,~-, eram ta;m em ocupa as azen o em casa o queiJo, o sa ao, as
SISmana e ' : • "d d d" • d 1
passa a em 1743, a Antônio Bueno da Veiga mo ad
.d ,
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r or no ermo
r~ velas, o azeite
• _ 1 •11 •
e as torci as pra o gran e can Ieiro e meta ama·
d d · h f d
d a VIla de Nossa Senhora da Luz dos PI"nha"s "t" h "t d :. rei o que I ummava a varan a, e o a cozm a; azen o a roupa
" para .~
1 , que m a ÇI ua o ~ 1. - - h d · h "lh "
tres fazendas de gado vacum ha tempo" 1 .-
naque a regiao ,..,
e os ponc os os escravos, a fann a, o polvi o, & c. . . (70).
nellas conserbar os . ~itos gados, e cultivallas com pl~ntas e .· ' . Não. ~odem deixar de ser _mencionadas as ocupações domés-
lavouras por ter suffiçiente fabrica de escravos com que lavrallas "' ticas, ex1gmdo um pessoal roais ou menos nu_m eroso, conforme
e hene!içiallas ... " (65). Antonio José Pinto 'Bandeira, da Villa ; ~i~.- a e~t~nsão da família do fazende~ro e o padrão de ~ida e ati~idades
de Cuntyba, em 1805, alegando ter "sinco filhos, e alguns Escravos JL sociais que os seus membros se Impunha,m .. Mas nao _eram some~te
P.ara plantar e criar animaes vacuns", pede data de terra para ~'f- negros ou mulatos os escravos domesticos. Havtia-os tarob6fll
nellas crear e trabalhar" ( 66) .
(67) Cf. Le Maté et les Conserves de Viande, rapport à son
Excellence Monsieur le Ministre de I' Agriculture et du Commerce,
f ..
i· liji'"' par le Dr. Louis Couty, sur sa mlssion dans les provinces du
,, n, afirma que "While the mules were thus amiably engaged, Gregorio Parana, Rio Grande et les ~tats du Sud, Typographia Nacional, Rio
and his slaves were not idle" (Cf. Thomas P. Bigg-Wither, Pione- ~ de Janeiro, 1880, pág. 158.
I! ·l,
I ering in South Brazil, Three Years o/ Forest and Praire Life in
the Province of Parana, citado, vol. II, pág. 251). encontram-se às págs. 159-219.
Outras informações sôbre condições
naturais, económicas e sociais imperantes nos campos de gado
I
. ..
I . ,
,,:fi

' ··~ ,_
I t.·L
Íi:!
,, (64) Cf. Francisco Negrão, "Ephemerides Paranaenses", in
Revista do Círculo de Estudos "Bandeirantes", tomo I, n 9 5, Curitiba,
abril de 1938, págs. 350-401; citação extraida da pág. 355.
_ ft

..;...p;;..._
(68) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., págs, 12 e 18;
outras referências são feitas às págs. 1-55.
(69) Cf. Moysés Marcondes, Pae e Patrono, Typographia do
I I
f "!- ._.,.~ •._,
. ' t ~I' , J i·
(65) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, vol. XI, Annuario do Brasil, Rio de Janeiro, 1926, pág. 19.
(70) Idem, págs. 232-233. Ver também Nestor Victor, A
( li Ifi, .. Impressora Paranaense, Curityba, 1925, pág. 11.
Terra do Futuro (Impressões do Paraná), Typ. do Jornal do
d I' I (66) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, vol. X,
f. I• !Jil.'(
Livraria Mundial, Curityba, 1924, pág. 91. Commercio, de • Rodrigues & C., Rio de Janeiro, 1913, pág. 294.
!I';ii 'l·:"1!1,;
1,,!
[ t. 59
58
it I
indígenas ou seus descendentes, conforme revela ' Saint-Hilaire ao • Mas o grau de participação econômica e social dos escravos
referir-se, por exemplo, a "uma índia coroada que havia sido apri. -de ser melhor avaliado quando consideramos que êles foram
sionada na guerra e que o coronel retinha em sua casa ... " ( 71) . ~?stribuídos em múltiplas posições na estrutura ocupacional da
Naturalmente a mão-de-obra escrava era ocupada em outras "~rnprêsa" pecuária ou agro~ecuária. Além de tôdas. as atividades
. , mencionadas, eram tambem ocupados na capataz1a do pessoal
atividades, além daquelas mencionadas. Bastava que essa forma
~s fazendas, servindo desta maneira aos senhores brancos na
de trabalho fôsse justificada econômica e socialmente, isto é,
drninistração do trabalho dos negros, índios e mestiços, cativos
que apresentasse os resultados esperados pelo proprietário da terra
:orno êles. O feitor negro ou pardo não é uma contradição com
e dos meios de produção. Em outros têrmos, atividades que
a natureza do regime escravo, como pode parecer a uma análise
poderiam produzir direta ou indiretamente algum rendimento
superficial, mas uma alternativa, que se liga às técnicas de domi·
eram realizadas com o pessoal disponível ou que pudesse ser
nação e apropriação do produto do trabalho postas em prática
deslocado das outras ocupações. Nas diversas estradas ou ca.
pelos brancos. Deslocar um indivíduo de um grupo social deter·
minhos essenciais ao tráfico de gêneros e mercadorias no lombo
- minado para a liderança dêsse meejmo grupo é, ao mesmo tempo,
de muares, ou do gado para o consumo das . vilas, bem como
alcançar diversos objetivos condizentes com os interêsses do branco.
no caminho do gado que alcançava o extremo sul da Colônia, o
Por um lado, o escravo que é transformado em · feitor apresentará
trabalho escravo foi utilizado juntamente com o de ordenanças
. um elevado rendimento, pois que é conhecedor dos mínimos com·
e outros tipos eventuais de trabalhadores. Conforme manda o'
p'onentes .do comportamento e dos recursos de ajustamento postos
Ouvidor da Comarca em 1809, ao chefe da expedição a Guara.
em prática pelos escravos no trabalho. Como participa do universo
puava, "ordenareis que faça com correr aos fazendeiros de Coritiba
psico-social do grupo, se fôr um indivíduo bem dotado, poderá
e Campos Gerais proporcionalmente as suas forças com alguns
manipular os seus elementos constitutivos com eficácia. A própria
Escravos para a abertura da estrada, que obrigue tão bem a esse
instituição, convém lembrar neste ponto, põe à disposição do
trabalho todas as pessoas que não tiveram estabelecimentos fixos
capataz técnicas de coação e persuasão que suprem as eventuais
de criação ou lavoira, isto porem por seu turno, temporaria-
deficiências menos fundamentais do líder. Segundo Couty, "se
mente, e com a devida moderasão" (72). Aliás, já em 1728,
um escravo bem tratado pelo senhor e depositário de sua confiança
quando se cuidava da abertura do caminho para o Continente
se torna, o que não é raro, vigia, o feitor dos outros, logo em
do Rio Grande, foi estipulado que "podiam Vm.ces e mais mora-
seguida essa escolha se manifestará por um redobramento das
dores dessa V.a fazer hum esforço de gente e escravos para q'
'ji, I punições e injustiças" ( 74), isto é, as técnicas de contrôle social
passando a Pernabua e dahy a Laguna se posa hir emcorporar
! do cativo se tornam mais presentes, atuantes, conforme as expec·
.; 'l.,j com o d.o Cam.o g.to mór p.a que com mais brevidade se conclua
tativas que orientaram a decisão do senhor. Paradoxalmente, sob
o d.o Cam.o" (73).
a capatazia de um dos seus, manifesta-se aos escravos de modo
completo a peculiaridade do seu estado. Em outros têrmos, a
~ · ~ ;IM++•ttto'OI
(71) Augusta de Saint-Hilaire, op. cit.J pág. 46 e também alienação do cativo é de tal modo total que uns são feitos algozes
I ~I
93 e 139-40, onde há referência à escrava doméstica aborlgine em dos outros, segundo as exigências recorrentes da ordem escra·
habitação de Curitiba. Criadas e escravas domésticas são mencio-
l:~to.'t '
nadas por Moysés Marcondes, op. cit.J págs. 19, 232-233 e 241. voc~ata. Por outro lado, o negro, índio ou mestiço que se torna
• l:i'
(72) Cf. Boletim do Archiv o Municipal de Curityba} Vol. XIV, feitor realiza, no consenso do grupo, uma ascensão social que
Impressora Paranaense, Curityba, 1926, pág. 97. Também: Antônio pode levar à alforria. Em conseqüência, os indivíduos tendem
Vieira dos Santos, Memória Histórica da Cidade de Paranaguá e a encarar a capatazia, apesar dos seus componentes negativos
seu Município} 2 vols. edição do Museu Paranaense, Curitiba, 1951,
1<> vol., pág. 213; F. R. Azevedo Macedo, Conquista Pacífica de para êles próprios, como uma alternativa para a superação do
Guarapuava} Edição Gerpa, Curitiba, 1951, pág. 104. Convém lem- status presente. Assim se mantém coeso e ativo o grupo dominado.
h'
11 _·1
brar que as companhias de ordenanças de Curitiba eram compostas Como a casta escrava, vista como coletividade, não tem condições
de "homens pardos" (Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curi.tyba}
vol. IX, Livraria Mundial, Curityba, 1924, pág. 41).
(73) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curi.tyba} Vol. IX,
Livraria Mundial, Curityba, 1924, pág. 48. (74) Cf. Louis Couty, VEsclavage au Brésil} pág. 84.
9

60 61
para formular uma consciência crítica da própria si't a - . - .. , - d no seio do grupo, acentuando a integração do sistema social.
u çao, Justa.·. ~
t" ·. -~-~ -"Y" 1·ão elles em uma repub 1ca, CUJO c e e supremo era a anta,
. , . - ran o 1' . h f S
mente d evido a condiçao totalmente alienada somente 0
I m d'ICar~ -_·• ....8 quem ouviaO e e .quem rece
·ISO 1a d o po d e vu · a ser colocado na condição de ' poder
· re·v· ca IVo --- .IV ·- d b'- d nh-
Iao to as as. ma as_ com a
- : ~""-'
. _ .
ou almeJar a ascensao social. Quando a situação de trabalh ão as ordens do d1a. Assim que amanhecia entravao todos
A , . 'd o em ' enç - d · lh'
que este e msen o envolve 0 contacto contínuo e direto c ,1 . escravos na capella, prostavao·se com to o respeito e reco I·
- d . orn • - os _ 1 -
o sen h or, entao escortmam-se possibilidades inesperadas à co "' . '· t to diante da Imagem, resmungavao uma onga oraçao, e
A
cHmcia
o o o " 'd ua 1 d o. cativo. ~-este caso êle _P~~e formular corn:
m d IVI ns, - _~i~ -.... rnen
depois ião sahindo _um a um, _o seu1an d o . os pes , d.a_ protect_ora e
portamen~~s prospectivas que J_a revelam 0 IniCIO da destruição : ~ _ dindo-lhe a bençao.. Nomeav~o entre SI por ele1çao . o d~rec:or
da ~onsciencia de escravo, pois que se alterou a configuração . · pe da semana. Este d~rector devia receber da Santa as msperaçoes
da situação soei~!, modi~icando-se as possibAilidades das ações. Ern· .f . .: que era Qbrigado_ a faz~r executar.. As irregularidades prati-
suma, ~ capat~zi~ exercida pelo escravo sobre os escravos realiza " ~ · das na fazenda erao pumdas pelo d~rector e segundo as ordens
a funçao ~unomiCa de dis!ender as tensõ_:s sociais entre brancos~ &!..?: ~: padroeira./Todo este povo trabalhava e produzia muito. Criava
e ~egros, merentes ao regime de produçao fundado no trabalho... (' : 't gado e colhia muitos fructos da terra. Para as suas neces-
cativo
a · A.s gra tT - · · ·
I Ica_çoes psiCo-s?ciais. que a instituição propicia ,;~ - muiO
-. "" sidades vendião em Castro 0 que dava o sufficiente. O mais
. personalidades cativas:. envolvidas Isoladamente, são elementos _ ~~ _ ertencia á Santa N. Senhora do Carmo e era conservado com
lmpo;ta?tes na ~anutençao do statu quo, em que o branco domina"- ; _P crupuloso cuidado. E fala-se que entre os negros da fazenda
economiCa e socialmente · ..:L '=:·
' · · -não es havia um ladrao - s1quer,
· um homem que nao - f osse h onesto
Observando a distribuição dos indivíduos nas ocupações nas . :;;, e morigerado" (77). Evidentemente êsse caso atuou dinâmica-
fazendas Avisitadas, Saint-Hilaire notou. capatazes escravos por di- ! ~ rnente no consenso dos grupos brancos, provocando o aparecimento
~ersas ~ezes. Na fa~enda "Boa V_is.ta:', de Luciano. Ca~nei~o, diz _'( :: . ~ ~e alguns novo_s indí?ios dest~nados a produzir a redefinição dos A

ele h~vla. escravos que eram dmgidos pelos mais mtehgentes ::-. ~ atributos morais e mtelectuals do negro. Eventos como esses
~ mais fiel -~~ntre todos" (75). Além disso, os escravos melhor · '· operaram no sentido da humanização do mancípio, o que significa
otaddos e f1eis . c~e~am a ocupar a. c~efi~ da própria fazenda, .!~:_ começar a negar bases morais à escravização.
_ ,. - · ··
A

quan _o o propnetano se v e na contmgenc1a de afastar-se e não ~- ·t ~~:;;.;_


.. .,. ·· rs "
A • •

tem filho ou parente a quem possa deleg l'd d Nao ha mformaçoes debmtlvas acerca do coeflc1ente de tra-
dades. É Saint-Hilaire ainda quem observou
ar a I erança as ahVl· - ·- -
f
1• ~_·~ · · d
balhadores ocupados nas at1v1dades que se esenvo vem nas a-
1 f
ua~ fazenda_s visitadas em 1820. Na fazenda "Cachambu", de ~ ,.... zend~s. com re açao a ~ecua~1a: ag_nc~ tur~,. artesanato e se:viços
A A :

esse enomeno em , ··- l - , , · · 1 ·


d
Xav1er da Silva, "fui atendido pelo capataz ou chefe d
1• ~t:=: - domest1cos. Os dados dispomveis sao msuflc1entes para um calculo
que, na ausência do senhor, administrava a casa e entaontpesso~ ~~~ seguro. Spix e Martius, que viajaram pela Capitania de São Paulo
o, na o ,, ...,. ~ ..
:.• ~. _em 1817-1818, m ormam que
, - ' . f 3 4 000 - "d d .
sera senao um escravo". :f:ste homem, acrescenta 0 via· ante a . reses sao cui a as satls-
"comandava aos outros escravos com autoridade" mas trata~do- ' ~"1: ~- · fatõriamente por 4 a 6 peões liderados por um capataz (78) ·
com bondade (76). Um caso, limite dêsse fenô~eno ocorreu d~~";"tl·~- ~ Luccock, por sua vez, que est~ve no_ Rio Gr~nde do Sul entre
rante a segunda metade do seculo . XIX, na área de Castro. Os !i . 1808 e 1818, alega que 6 peoes cmdam habitualmente de 4 a
escravos negros, tendo sido abandonados pelos proprietários da
41H i fa_zen~a, uns frades C~rmelitas, passaram algum tempo ( 0 texto ·· '
i! f
.II ,r. I
(77) Cf. "Os Escravos de Capão-Alto", Gazeta Paranaense,
i l!í '!
na o mforma a duraçao do período) produzindo, vendendo no - Anno X, n• 218, Curitiba, 30-9-1886, pág. 1. Adiante voltaremos
me~cad? . da vila e administrando a si próprios em condições - a êste texto, quando então examinaremos também a liquidação do
';::1:: i satlsfatonas. Os valores religiosos, nesse caso, continuaram ope- - grupo.
: W··~.~.! (78) Cf. J .B . von Spix e C .F.P . von Martius, Viagem pela
: hi1,i ·- Capitania de S. Paulo, 1817-1818, São Paulo, 1929, págs. 66-7,
;;i'.J: :., ~: . ::
•i!:,l"'' _ trad. de Herbert Baldus, João Vetter e Edmur de Souza Queiroz,
,,,:11 , '+ •1•!1_
(75) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., pág. 40; também separata do Tomo XVI da "Revista do Museu Paulista", Diário
P't.:JJ.I ,, Thomas P. Bigg-Wither, op. cit., pág. 245.
Official.
. ' 'i ~ 'i (76) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., pág. 54 e 58 . ~

~
: .f:'tll!ifl;I Ir
63
li !~i' 62
·.1
5.000 reses (79). Seguram((nte êsses autores estavam preocupados escravatura possibilitaram ao fazendeiro a segura dominação do
com o pessoal estritamente necessário às lides do campo, e não". grupo escravo ( 81).
contaram · os trabalhadores auxiliares, além daqueles ocupados nas As evidências e as reflexões que acabamos · de apresentar
outras atividades inerentes ao funcionamento da fazenda como - precisam ser tomadas em consideração na medida em que revelam
um sistema econômico e social integrado. Saint-Hilaire, que co- fatôres relevantes para a compreensão da fazenda como um siste-
nheceu algumas fazendas dos Campos Gerais em 1820, informa ma social. Como vimos, a escravatura é básica na economia
que a "Fazenda Jaguariaiba", de Luciano Carneiro, que contava • pecuária dos campos curitibanos. O trabalho escravo é o funda-
com cêrca de 2. 000 reses e 800 muares, possuía 30 escravos ( 80). mento do poder econômico dos proprietários das terras, do gado
Naturalmente pode-se argumentar que a capacidade das pastagens e dos meios de produção, motivo pelo qual o cativo impregnou
dos pampas rio-grandenses é maior que a dos paranaenses; ou que a estrutura ocupacional da fazenda, marcando com sua presença
as emprêsas numa e na outra área estavam organizadas diversa. sistema sócio-cultural que ali se constituiu. Como se verá, êsse
mente. Todavia, a discrepância entre os dados apresentados por 0
universo está presente em Curitiba. Os homens da mineração
êste autor e aquêles registrados por Spix-Martius e Luccock somente
e da pecuária, juntamente com aquêles que se ligaram à erva-mate,
podem explicar-se pelo fato de que Saint-Hilaire considerou a
são muitas vêzes membros da comunidade. A trama das relações
totalidade dos · escravos ocupados na fazenda e não somente os
econômicas e sociais da ordem escravista instaurou-se em Curitiba
ligados ao cuidado do gado.
ao mesmo tempo que aquelas atividades produtivas.
Outra questão importante para a caracterização . do regime
escravista na pecuária diz respeito à capacidade de o sistema social
restrito e o global reterem o escravo no seu interior, sem (81) Não foi nossa intenção, ao . realizarmos a reconstrução
possibilitar a alteração das suas condições materiais de vida. Na da situação de trabalho na fazenda de gado, retomar a controver-
verdade, as relações de produção e as relações sociais inerentes tida questão da existência ou inexistência de escravos nesse setor
da produção, no período colonial ou no século XIX. Acreditamos
ao regime propiciaram a elaboração de um sistema jurídico e que 0 problema sõmente se esclarece quando lidamos, ao mesmo
moral suficientemente consistente e atuante para prender o cativo tempo, com dados precisos sObre as condiçõe~ de trabal~o . na
às condições de vida que o branco lhe impunha. As conexões pecuária e com uma compreensão global do s1stema econormco-
dos senhores dos escravos com a organização militar ou policial -social em que se inseria aquela atividade. E foi o que fizemos
nos parágrafos anteriores, onde apresentamos os elementos em-
das comunidades; as penalidades a que estavam sujeitas as insu- píricos disponíveis, segmentários mas suficientes para possibilitar
i•· ·.l bordinações dos cativos; o domínio de instrumentos de comuni- a reconstrução dos caracteres gerais das condições de trabalho
cação com o "correio", jornais, mensageiros etc.; as faculdades na fazenda.
de atribuição de favores pessoais ou que o grupo pode considerar Mesmo em áreas cujo passado deveríamos julgar melhor co-
como tal; a capatazia, as licenças, a alforria etc.; a existência nhecido que o paranaense, a questão pode ser retomada com mais
segurança, se fôssem explorados os critérios aqui preconizados.
de um grupo cada vez mais numeroso de mestiços, filhos naturais Para isto não faltam fontes inexploradas, ou utilizadas apenas
de negros e brancos, beneficiários de favoritismos, que são mani- parcialmente, que lançam novas luzes sôbre o assunto. A propósito
I ,. pulados como líderes, feitores, vigias. Enfim, um conjunto de da presença de escravaria em fazendas de criação, nas estâncias
gaúchas e nos sertões da Bahia, consulte-se, respectivamente: Nico-
I di componentes do sistema social elaborado com fundamento na Ião Dreys, Noticia D escriptiva da P1·ovincia do Rio-Grande de

I I
.<~9) . Cf. John Luccock, Notas sôbre o Rio de Janeiro e Partes ~ :r. . :
S. P.edro do Sul, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp.,
Rio de Janeiro, 1839, pág. 142: "A estancia he servida ordina-

I
riamente por hum capataz, e por peões, debaixo da direção d'aquelle;
ii·•·· ~er1~~onat.S ~o Bra~l, 2• edição, trad. de Milton da Silva Rodrigues, J.;;,~ as vezes os pe6es são negros escravos ... "; Lycurgo Santos Filho,
i·li'l"
j"' L~v~1a Ma~ms Ed1tôra S.A., São Paulo, 1951, pág. 144. Caio Prado . -.. U1na Comunidade Rural do Brasil Antigo (Aspectos da Vida .P~­
'! w.i
Juru~r ace1ta os cálculos de Luccock, conforme Formação do t..:. _ triarcal no Sertão da Bahia nos Séculos XVIII e XIX), ediçao
i·:':::j
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,,,~!1
,.·.,,,
,, .:
Bras~l C?ontempor<ineo, Colônia, 4• edição, Editôra Brasiliense Limi· t =· ilustrada, Companhia Editôra Nacional, São Paulo, 1956, págs.
.
tada, Sao Paulo, 1953, págs. 202-203. f: '- 117-130 : "Foi senhor de grande escravaria, que pode ser calculada
:~ (80) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., págs. 10-11 e 16. tl-.:' 1 entre 80 a 100 indivíduos ... "; "Os negros do Campo Sêco foram
t~
I ~ t'
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65
64 5
·:< .. ·,. . aao e tropeirismo, erva-mate, madeira) responsáveis pelos desen-
4- Engenhos de mate e negros !}!-~.::;..; ,..._golvimentos sociais
-.,. .-~:..- - • na regia
·- o paranaense (82) .
A estrutura econômico-social da Quinta Comarca da Província~Si!ft"',i! No processo de formação da estrutura econômico-social de
de São P aulo, que estamos reconstruindo, paulatinamente, ern ~ · Curitiba, como ela será apreendida nesta análise em certas épocas
seus componentes fundamen~ais p~ra os fins ?~sta investiga~ão, ~ ~~. significativas do sé~ulo X_IX, a economia ervateira dev~ ser exa·
elaborou-se pouco a pouco, a medida que as atiVIdades produtivas . \ :te:. minada com atençao, p01s que ela provoca desenvolvimentos e
concentravam-se na mineração, na pecuária, na agricultura, na ~ i~..:- ~.transformações de interêsse para uma compreensão científica da
extração da erva-mate. H ouve uma sucessão e coexistência ao · 1/~::;;..f; realidade social em, q_ue se movimenta a população ~egr~ e mesti-
mesmo tempo de fases histórico-econômicas, 0 que acabou produ. . ~ ·~-:; f ça. O mate necessanamente conduz a n?ssa reflexao n_ao ~penas
zindo na regi_ã? ?e Curitiba uma estrut_ur~ ~conômico-soci_a 1 ba- ·1 ~.~.· : c·.'." .~ par~ .mais perto do ~resente como tambem a leva ao I~te~wr de
seada no eqmhbno dos setores de subsistencia e mercantil. É .J .f~-- Cuntiba. A eco_nomia_ da erv~-mate, dadas suas p~cuh~ndades,
nesse contexto que devemos compreender 0 que os historiadores ·*:-7 algumas ~as _quais serao exam~nadas nesta. monografia, mst~la-~e
paranaenses denominavam "ciclos" (ouro de lavagem, criação de - ::,:;:::....., no própno amag~ da comun:da~e. Existe ~ma convergenci.a
• · ·- espontânea dos sistemas economicos desenvolvidos no Parana,
no sentido de " produzir" Curitiba e, ao mesmo tempo, exprimir-se
ocupados, como nas demais fazendas, em variados misteres. Nos ;:j4~,. ··em Curitiba. · Considerando_-se o mundo sóci~·cultural elab_or~do
trabalhos de pastoreio, na lavoura de algodão ... " (págs. 117-118) . .-~f';." 1'-"'COm fundamento naqueles sistemas, pode-se afirmar que ah esse
Co~ documentos como êstes alg~as ~nterpretações correntes po- ~ ~.~'.;- .·~.~..:.';.~ · universo se exprime ~o~ asp~ctos diversos, de interêsse para o
derao ser reformuladas. Generahzaçoes como as de Werneck - :;-: ,,: hecimento da condiçao social do negro.
Sodr e,. a f'1rmando que " o reg1me
. pas t onl - poude comportar, ~ , ~>.,-1
. nao con . , . _ .
nunca, o trabalho escravo" (Cf. Nelson Werneck Sodré, Pa~orama , · • :-~ . Aparentemente, os pnmordws da expansao da economia do
do Segundo Imperio) Co~panhia Editôra Nac~onal, São . Paulo, -;•::.'~~ ·· mate coincidem com um período em que Paranaguá e Curitiba
1939, págs. 240-249, esp. pag. 241), se tornam msustentáve1s ante ,t·~~~·- me am a sofrer 0 impacto da decadência da mineração. Mas
essas e aquelas fontes relativas à pecuária paranaense. A pro- '11-;1 co ç, , . • l' - d f' d
pósito, consultem-se ainda, além das indicações efetuadas em pará- . . ~ .. essa e a supe:fi~Ie do fenomeno_: A cana Izaçao , ~ orça e
grafos an~eriores, outr~s referências ao fundamento ?~s relaç_ões · _,_. ;E;.·= trabalho ~ capitais para, a extraçao, preparo e comercw _da co:;·
de produçao na pecuána dos campos do Paraná : Romano Martms, :;<t~~ gonha ( 83), entretanto, e em boa parte o resultado da hberaçao
Terra e Gente do Paraná) edição da Diretoria Regional de Geo- .1• Ft; dêsses fatôres da produção. Os homens e os recursos aplicados às
grafia do Estado do Paraná, Curitiba, 1944, 222-229; Francisco ~ 'Iii~~ f · · · · 1· d · d
· t a do c· de ~• ~,:~.;
c
Negrão, "Ephemerides Paranaenses" , in R ev~s l
~rcu o -~-
lavras e aisqueuas precisaram
, ap Icar-se
. pro .utlvamente quan o
Estudos ((Bandei~ant~sJI, tom? 2, no 2, Curitiba, julho de 1941, :l )~, estas. ~e esgotavam. Dai a alte~ativa de one~t~rem-se para .a
págs. _203-268,_ clt~çao - ~xtra1da da ~ág.. 257; *Davi Carneiro,. OJC. ·"·. ~. . ·'· .~ .. -~ pecuana ou o ma!e, conforme o t_Ipo de c_omposi~ao dos ca~ed~Is
Parana na H~stóna M~lttar do Brasll, tlp. Joao Haupt & Cia., _·: .~ ~ de uns e outros mmeradores. Havia no sew do sistema economiCO
C'!riti~a, 1942, págs. ~4:97; Cecília Maria ~estphalen, Pequ;ma -. t~~;- colonial incentivos nos dois sentid~s. O mercado consumidor de
H~stóna do Paraná, Ed1çoes Melhoramentos, Sao Paulo, s. d.; pags. ~ ' , . . . .,
64-65 ; Saboya Côrtes, Paraná de Outros Tempos, Tip. João Haupt ":; J,;;~ g~do, contmuamente estlmul~do pelas M;~as Gerais, conforme Ja
& Cfa. Ltda., Curitiba, maio de 1950, pág. 12; Nestor Ericksen, :9,.~ ~ vimos, provocava a expansao da pecuana nos Campos Gerais.
Síntese da Evolução Económica do Pamná, Gráfica Mundial, Curi- -:.-..:.:::, · O mercado consumidor de erva-mate no Prata, por sua vez, asso-
tib~, 1945, ~ágs. 22-24; Antônio Vieira dos Santos, Memória His· .... ~'~ ciado aos interêsses políticos da Metrópole, no sentido de acen-
tónca da Ctdade de Paranaguá e seus Municípios) 2 vols., edição --~ --
do Museu Paran~ense , Curitiba, 1951, 1_0 vol., pág. 232; Roberto .,. r; ,. . . .
Avé-L~llemant ~ !'~agem pelo Sul do B rast l, no ano de 1858, 2 vols., ~ . t~. (82) Cf. Romário Martins, Histó?'ia do Paraná, citada, esp.
traduçao e ediçao do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, ~ · ;:_~ caps. IX, x e XI, págs. 177-224. Brasil Pinheiro Machado, Sinopse
1953, 2° vol., pág. 269; Louis Couty, L 'Esclavage au Brésil, Li- ~ :__ . • da Histó-ria Regional do P araná, separata do "Boletim do Instituto
brairie . de Guilhaurnin et Cie., Editeurs, Paris, 1881, págs. 24 e .L.f'·t4·.·.-~. ;;'". Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná", Papelaria Requião
25; Ollveira Vianna, Populações Meridionais .do Brasil, 2 vols., _. ,~ ~ Limitada Curitiba, 1951 págs. 24-25.
Livraria José Olympio Editôra, Rio de Janeiro, 1° vol., 5• ed., . :".· (83), o mesmo q~e erva-mate (Cf. Romário Martins, Ilex-
1952, esp. págs., 113, 125 e 126. _ '"'"" Mate, Empresf Graphica Paranaense, Curityba, 1926, pág. 132).

66 67
tuar a presença portuguêsa no sul, exerciam também atração No decorrer da segunda metade do século XVIII, pràticamente
sôbre capitais disponíveis. f:stes dois alvos, inerentes ao processo a totalidade dos indivíduos e capitais que antes se encontravam
de comercialização da congonha, estão claramente expressos em dispersos na mi~eração incorporam-se a outros set_ores. da ~rodução:
uma observação de Vieira dos Santos. "A Provisão Regia de 19 pecuária e agncultura. Êsses deslocamentos tem mteresse para
de Abril de 1722 Faculta a livre navegação aos Paranaguénses, esta análise na medida em que significam o início e desenvolvi-
de poderem hir livremente Commerciar em suas Embarcaçõens mento de novos processos econômicos, que levam no seu bôj o o
não só á nova Colonia do Sacramento conduzindo suas madeiras, trabalho escravo. Em 1768, no dizer de uma testemunha contem-
Cál de Ostras, Telha e Tijolo, e mais fructos da terra, e espe. porânea, a convocação de jovens para as Companhias de Auxiliares
cialmente a Congonha de que havia muitas pelas terras para se do. Regimento foi um golpe decisivo nas atividades mineradoras.
introduzir em Buenos Ayres; e que a introdução deste Commercio Em conseqüência da conscrição, os habitantes de Curitiba "aban·
facilitaria aos homens a pratica daquella côsta, e fazerem-se por clonarão totalm.te aquelle pesadifsimo off.o de minerar de forma
ella novas povoaçõens, em augmento do Estado" ( 84). Essa pro. q' hoje apenas Se occupará della nem a Centezima p.te do
visão, segundo informa Francisco Negrão, foi o resultado imediato Povo" ( 87) . Evidentemente a produção de ouro já era ínfima
das informações e prognósticos de Raphael Pires Pardinho, que, nessa época, caso contrário nem a ·mineração sucumbiria nem a
tendo visitado Curitiba e Paranaguá em 1720-1, julgo u necessárias própria Metrópole provocaria êsses distúrbios. Os documentos
algumas providências estimulantes por parte da Metrópole. f:sse disponíveis permitem inferir que as atividades mineradoras já
Ouvidor "percebeu ·o valor comercial e as vantagens que da expor- se haviam tornado antieconômicas. Em conseqüência, a comuni-
tação da congonha adveriarri ao progresso do Paraná e solicitou dade estava em vias de reajustar-se, reorganizando-se com base em
a attenção do governo da metropole, conseguindo della a neces- outras atividades produtivas. De fato, em fins do século as
saria licença para a exportação da herva-matte aos mercados do ocupações dos habitantes de Curitiba estão definitivamente ligadas
Prata" ( 85). Em conseqüência, começa o período de comercia- à agropecuária e outras atividades extrativas. O sistema pre-
lização dos produtos agro-pecuários e extrativos das áreas do
litoral e do planalto. Inicia-se a remessa, por via marítima, em
embarcações de pequeno calado, para a Colônia do Sacramento,
de madeiras, cal de ostra, telhas e tijolos e mais frutos da terra,
~isava reajustar-se para que não sobreviesse a desorganização
econômico-social. "A necefsid.de p.a o Suztento, e veztuario a
farSa de perSuaSoiíisE intimaçoinz fez q' o Povo Se ap-licasse
aLavoura." Assim começou a "aumentar a agricultura Como Se
I
inclusive a erva-mate, a fim de, como diz Pardinho, se atenuarem os Vê no tempo prez.te q' della já Se extrae p.a a Marinha bastante
efeitos da grande pobreza em que viviam os moradores destas trigo, feijão e alguma vez milho, fumo, ou tabaco de Corda,
regiões "causada não só da sua preguiça, mas também por não TonSinho, e a erva chamada Congonhas q' a terra produz" ( 88).
terem mais comércio que as pescarias, farinha de pau e alguma As atividades que passam a dominar o sistema econômico-social
cordaria de imbé, que tudo apenas fazem para permutarem com da comunidade dão a esta outras dimensões, tornando-a social-
o vestuário que lhe vem nas embarcações dos Santos e Rio de mente mais complexa, enriquecida pelas novas perspectivas de
Janeiro" (86). A congonha será o principal produto a descer con· estabilidade ou progresso da produção. Ao findar-se o século,
tinuamente ao pôrto a partir dessa época. portanto, Curitiba é uma comunidade apoiada numa estrutura
econôm'ica com feiç-ão própria, com uma produção que, além de
servir ao consumo da população local, principiava a impregnar-se
i
.t:l,., (84) Cf. Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica da
·l:hd Cidade de Paranaguá e seu Município, 2 vols., edição do Museu 'I
~ i
i ijl!'""·! Paranaense, Curitiba, 1951, 1 o vol., pág. 124, nota 76. 11':
~'I ''I (85) Cf. Francisco Negrão, "Ephemerides Paranaenses", in (87) Cf. Relatório apresentado ao Coronel Luiz Antônio Neves
li 1;11 .
j'l.'li·.~1:' · .· . Revista do Circulo de Estudos "Bandeirantes", tomo 2, n° 5, de Carvalho, por Lourenço Ribeiro de Andrade, em 1797, e segundo '

Curitiba, setembro de 1954, págs. 563-740; citação extraída da _....,_ __ transcrição de Romário Martins, TerTa e Gente do Paraná, edição
' '1!.,
L. ~ .
pág. 578. da Diretoria Regional de Geografia do Estado do Paraná,
Iili'·'\ 'i;' (86) . Cf. Nestor Ericksen, op. cit., págs. 15-16; também Ro· Empresa Gráfica Paranaense Ltda., Curitiba, 1944, págs. 225-229;
h! '·l mário Martins, História do Paraná, 3• edição, Editôra Guaíra Limi· citação extraída da pág. 228.
:i 11
·,.-:lt·· tada, Curitiba, s . d ., pág. 224. (88) Idem,.pág. 228.
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dos fatôr~s dinâ~icos inerentes à economia de mercado . Os gêne. ~-...,_- d es A coleta da conO'onha
lllil:lil
(90) é feita durante o dia ao sol
~
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0

. f dacima revelam 0 começo


ros refendas • d a comercia - de uma ~·=
· 1·Izaçao - ortre · 9 e 17 h or as. Ao fmal
• da JO
• rnada os ramos sao
- sapecados
' '

economia un amenta lme n te ex t raIVa


t" e agrana.
· · - · .--" ·: ~· en ou tostados sôbre as chamas de fog ueira de lenha, r ealizando-se
J>: escassez de _dados econômicos acêrca dêsse período não -:--~-i · em seguida_ o "qu~bram~nto", ou, sepa~~ção dos galhos fi~os dos
IJt'"''

permite uma e~t~nsao . dest~s reflexões. Entretanto, alguns ele- . ~,; grossos, _p ois que estes_ somente tem util~dade na _fase anten or. . A
~~0!1' mentos demogra~Ic~s disp?m veis podem esclarecer um pouco m ais ~~ prepara?~
.... erva assim feix~s. ~e
e amarrada em cerca de 60 qmlos
~t.t-:<
,~,. ,

'
o contexto economico-social que estamos reconstruindo. most e entregue n o deposito. Neste ponto se IniCia outra fase de tra·
en t re ou t ras coisas, que a economia de Curitiba estava apoiada ., ~":::~
. ' r am, - 2.""7<
·
d h • ·a ·
tamento, quan o a con~on a ~ su meti a a secage~ e mltiva.
b d f. · ·
~· em la rga escala no trabalho escr avo ( 89) . · f;:'::' Aqui 0 trabalhador precisa r eahzar tarefa penosa, pms cum~re-lhe

I
I
· revolver a erva, enquanto r ecebe o calor do fogo. Depois ela

!·.·:,.:,.).·
é malhada ( canch eada ) em ch ão coberto de madeira ou couro
tl .. , População de Curitiba .r: . ~· _ 'de boi. "A malhação se faz com " facões de malhar", longos e
··'! .~ pesados bastões de madeira, com os quaes um h omem em cada
~~·i
1767 extremidade da cancha realiza esse extenuante trabalho até que
~l·
,: ~ toda a Herva carijada fique reduzida a uma mistura de fragmentos

I)·til'"'·'"
l!i:·l.'; Brancos Escravos Total de folhas e páos . . . " (91). Em seguida o produto é peneirado
1 !t'i

,:iii+ 1 . 035 933 1.968 (~ erva-mate é nativa em determinadas regiões parana·


'l . ~~ ! : I
52,6 % 47,4% 100% enses, bem como em outras áreas do Brasil Meridional. Segundo
~~fl.~l
. ~·I il Reinhard MaaJk as principais zonas de erva-mate, Ilex paragua-
)' ; riensis, encontram-se nas regiões de araucárias parcialmente devas-
~:;:lilijl;: A presença do negro, aborígine e mestiços na comunidade l'' r. tadas. (Cf. Mapa F i tog eográfico do E stado do Paraná, levanta-
·t:!i' é geral. O regime escravista, apoiado em coeficiente tão elevado (:, mentos,. dados, p~squisas e ~onstrução. ~e Reinh~rd Maack, .~dição
!: l' I

'I
de cativos necessàriamente p d ·
. ,
• · I
_ ro uzm um cosmo socw-cu tu~a _pe·
I ;:1 do Instttuto Nacwnal do Pmho, Cuntlba, 1950, também Mapa
~. Fitogeográfico de 1950 do Estado do Paraná", por Reinhard Maack,
,,l
-'I'
cui:a~, onde valores. e padr_oes, normas de comportamento e etiquetas =-~ A nhembi, Ano IV, Vol. XIV, N• 41, São Paulo, abril de 1954,
'.<li socia is, formas de mteraçao e acomodação, r elações de dominação ;;:..ª págs. 227-241, esp. pág. 234.)
(91) Esta, bem como ~ôda a caracterização do yrocesso . de
':Vi•·!
,;'1,1. e subordinação etc. estarão referidos a uma realidade econômica . i"· :,
·i e a grupos populacionais polarizados assimetricamente O t , ;:;:· ~- tratamento da erva-mate fetta ne~tes par.ágrafos apótam-se dtre-
ma e , ~ tamente nas descrições de Románo Martms, Ilex -Mate, Empresa
I
.· • f , ·
Ja e undamental nessa epoca. .:!'. Graphica Paranaense, Curitiba, 1926, caps. VIII e IX, págs. 171-210 ;
a citação foi extrai?a da p~g. 18~. Convém lembr~r. que as refe-
'i•·
As ocupações relativas ao processo completo de I b - ,. :::_:_.
. . · e a oraçao ; rências de Románo Martms nao esclarecem suftctentemente o
), da erva-mate distnbuem-se em coleta, preparo, embalagem, trans· r:·; caráter das ocupações e o regime de trabalho ligados à economia
porte e embarque do produto pr onto para o consumo. Cada uma _. ~:o-do mate, conforme desenvolviam-se no século passado. Acreditamos,
i~'"t'''"
I dessas fases exige um conjunto de atividades adequadamente orga·
· .d d - • _
I>~ contudo,
•t7 que as operaç?~s que estamos descrevendo reproduz7m
os seus aspectos essenciats. Essas, bem como outras referênctas
l:•;l
mza a~ e enca e adas umas em relaça o as outras, em fun çao da - :~;· .. que faremos às diversas ocupações r elativas à cole ta e manipulação
obtençao de um produto que atenda a padrões estabelecidos uni· ......~ da erva, são confirmadas pelos dados registrados por: Roberto
· · ~~
·
formes, conforme se encontram difusos no consenso dos consumi· 1'"· ftt'-~ Southey, op. cit. , tomo quarto, págs. 24-25; Louis Co~ty, . op. cit.,
págs. 18-34 ; P . C . Teschauer, "A H erva-Mate na Htstona e na
Actualidade", R evista do Inst i t uto Histórico e Geographico do Rio
Grande do Sul, Anno VI, III e IV trimestres, Pôrto Alegre, 1926,
. (89 ) . Cf. Os relatórios do Morgado de Mateus ao Conde de ,- ~·- Typographia do Centro, págs. 559-604, esp. págs. 562-591; Virgilio
0 71ras, cttados por David Carneiro, D uas Oonferé.n cias sôbre a - .~.... Corrêa Filho, Ervais do Brasil e E1·vateiros, edição do Serviço de
·"Hil•·· V~~ e a Obra de Afonso Botelho de Sampaio e Souza, P apelaria.-1.,. ;';:"C: . Informação Agrícola do Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro,
,I!! Uruversal Ltda., Curitiba, 1950, pág. 27. O mesmo texto informa · ,.....ci 1957, esp. págs. 2-3 e 31-38; Luís Carlos Lessa, "Chimarrão",
que a população de Paranaguá em 1767 distribuía-se em cêrca separata da Revista do Arquivo, N• CLV, edição do Departamento
'' I
de 1. 000 brancos e 952 escravos. , '". de Cultura, São Paulo, 1953, págs. 361-402.
~

71
70
e remetido ao engenho, onde sofre as últimas manipulações. Du. Jll seguida, o embarque. Durante a primeira metade do século
rante o século XIX o beneficiament o foi realizado inicialmente
em engenhos de "soque", tocado a fôrça humana, sendo, depois
XrXos engenhos do litoral são paulatinamente transferidos para
Curitiba, ao mesmo tempo que no~o~ vão sendo montados na
substituídos por fôrça hidráulica e vapor. Durante muito tempo, localidade. Êsse deslocamento ecolog1co pode ser acompanhado,
en tretanto, "o pilão e o braço escravo" eram os componentes em parte, nos textos das atas ~as sessões da . Câmara Municip_al
básicos do engenho, onde também se realizava o acondicionamento de Curitiba, onde surgem contmuamente pedidos de concessao
do produto acabado ( 92). Em conseqüência, todo um setor de de lotes para instalação de "fábricas". Apenas em 1836 são
produção de artigos de embalagem (cestas de taquara, surrões feitas, explicitamente, vinte e uma "concessões de terras e agua
de couro de boi e, posteriormente, barricas de madeira ) foi para engenho de soque de herva matte" ( 95) . Nos anos seguintes
organizado e desenvolveu-se em conexão com a comercialização continuam a concentrar-se engenho de soque, principalmente hi·
da congonha. Em fin s do século XIX, lembra João do Mio, dráulicos, em Curitiba. Êsse movimento tem alguns aspectos que
em uma das ruas de Curitiba ainda " havia o tanque onde eram se ligam diretamente às transformações da estrutura econômico-
1~HJ
··:jl,l::· imersos os couros destinados ao fabrico dos surrões, contíguo à -social de . Curitiba na ocasião. O próprio fenômeno da expansão
lli·l:.·•i '.· porteira que dava entrada ao vasto potreiro" (93) . Assim, êsse ecológica sofrida pela comunidade a partir dessa época tem
1,ij iíll 'l
·1~.,~
ti'/ij :l'j'
J;. .••
setor da produção influirá continuamente sôbre a comunidade,
marcando-lhe a organização ecológica e levando-a a diversificar·se
relação íntima com as evoluções da economia do mate, pois a
congonha será o produto funda.mental a partir de então. "O
li
I socialmente. -que é notório na história do Paraná, diz João de Mio, é que a
Mas as linhas gerais das fases de elaboração do mate ( 94) erva-mate na segunda metade do século passado (XIX) e cinco
adquirem um sentido nôvo quando consideramos que os engenhos lustros dêste constituía a sua maior fonte de riqueza e a maior
localizavam-se até princípios do século XIX no litoral (Morretes, contribuição de renda para o orçamento do Estado" (96).
Antonina, Paranaguá). A erva era transportada semi-elaborada, As informações disponíveis não são claras acêrca das ocupa-
em lombos de burros, das zonas de coleta do planalto para a ções em que os escravos eram utilizados e quais eram as suas
marinha, onde se encerrava o seu beneficiamento e se operava, condições de trabalho. Inegàvelmente índios e caboclos foram
ocupados na coleta de erva, mas não temos dados relativos às
condições sob as quais trabalhavam êsses coletores. É provável
(92) Cf. Romário Martins, op. cit., cap. IX, págs. 197-210.
Sôbre a renovação tecnológica do engenho de mate consulte-se que o "habilitado", chamado "régulo" por Romário Martins, seja
t~bém Lou~s Couty, op. cit., · págs. 33-34 e 62-63; Vi~gilio Corrêa o herdeiro, no século presente, do capataz ou feitor que liderava
Filho, op. 01t., págs. 31-38. o grupo de ervateiros ou peões escravizados ou semi·escravos
(93) Cf. João do Mio, "Notícias Históricas sôbre a Erva - que colhiam a congonha (97). Mas a imprecisão dos dados não
Mate e os seus Engenhos de Beneficiamento em Curitiba. a datar
;:~;~,, i de 188~. a 1950", Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e
~ -~ .... Etnograftco 'f'aranaense, Papelaria Requião, Curitiba, 1951, vol. V, _ · ~ ;<,.; . (95) Cf. Revista do Archivo Municipal de Curityba, Vol.
! l:! fase. 3-4, pags. 47-58; citação extraída da pág. 48. , ,;. XLVIII, Impressora Paranaense, Curityba, 1930. Em meados do
,,~:.J -~ ,j, (94) Referências diversas ao processo de coleta e beneficia- . ~. r.:o; século, Caetano José Munhoz instala "um engenho de herva mate,
.ij menta da erva encontram-se também em Auguste de Saint-Hilaire ·• - '·-;- movido com róda dágua, à margem do rio Belem", informa Davi
op. cit., págs. 154-161; John Luccock, op. cit., pág. 104; Robert~ : ,;: '_ - Carneiro, O Paraná na História Militar do Brasil, Tip. João Haupt
Avé-Lallemant, Viagem Pelo Sul do Brasil) no ano de 1858 2 vols. _ -- & Cia, Curitiba, 1942, pág. 135. Ao instalar-se a Provincia do
j·-:1
1: edição do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro '1953 2; . k.;, . . Paraná, em 1853, "eram 90 os engenhos hydraulicos na nova cir-
i vol., págs. 251-5; Altiva Pilati Balhana, Aspectos da 'Geog;afia c"', _.. cumscrição politica brasileira", nas palavras de Romário Martins,
~~-i Htt:mana do Pa~aná, Boletim, n• 35 do Instituto de Biologia e Pes- op. cit., pág. 200. Em 1879 é instalado em Curitiba "o prim?iro
!ill qmsas Tecnológicas, Curitiba, 1955, págs. 29-30· Instituto do Mate - , engenho a vapor que se estabeleceu no Paraná", declara Franc1sco
:j' do ~araná,. "O Uso do Mate", Pequena HistÚia do Parwná, por ......._ "-''~- Negrão, em "~pheme;,ides Paranaenses", Re"?i.sta do . Círculo de
,:j''· Ceciha Mana Westphalen, Edições Melhoramentos, São Paulo, s . d., ,-- -· Estudos "Bandetran~es , Tomo 1•, n• 5, Cunt1ba, abnl de 1938,
págs. 49-51; Ernesto Rolim, Contribuição ao Estudo da H erva ·• · págs. 350-401 ; cltaçao extraída da pág. 384.
t·!
l -~ Matte, tese apresentada à Universidade do Paraná, Curitiba, 1919, (96) Cf. João de Mio, op. cit., pág. 47.
i~ págs. 19-32. (97) Cf. Romário Martins, op. cit., págs. 129-142 e 175.
I •
72 73
possibilita u~a. compreensão segura da forma pela qua~ ~ tra:,.·: i~ .;} atos. A coleta da, ~rv~ n~ca se restringiu, no passado, aos
balho era utihzado na coleta da congonha. As referencias a... : .;..........- s prescritos. Ha mdicaçoes de que uma das lutas constantes
índios, bugres e caboclos não dizem sob que condições de "remú.._"""'~Jild.,_ ese autoridades era precisamente a sua disciplina. O próprio
neraçao - - J.li-'- as
- " era ob ~I'da a f"orça d e tr_a b a lh o. P o d em os, cont~ d o, supor-"tf-:=:::R omário Martins diz que tan~o a epoca ' d a c~1et~ _como a ma_neira
A
·
algumas alternativas. A cada tres anos a erva-mate esta em con. _ ~- tar a erva ainda contmuavam em pnncipiOs deste seculo,
. - d e so f rer uma po d a d os ramos CUJas · f"lh - prontas~ ... :· r--· .~-- de . cor 's solucões tradicionais predatórias. '
d Içoes o as estao
para o beneficiamento ( 98). O ervateiro precisa, pois, regular a' '· ";,;_~....., -_p~esosd a
"Os processos ini·
pa;o industrial do 'Mate são ainda com modificações ~
co1eta em ca d a pe' d e mo d o a rea I'Iza-' Ia d e tres
• em tres anos. Alen{'
A , ..· .,......,
!:-!:--
·- t iaes .0 prert t os que os proprios hervateiros' índios e caboclos
d. o- h f d I . d
Isso, a conbon a so re esenvo VImentos etermma os com as
. d li'!+·-"
::-.:
' pouco Impo an es,
· I ' bem de vêr que precisam ser profundamente
- I f"lh lh ., , stabe eceram, e e
e~ta_çoes, o que eva as o as a encontrarem-se em me ores con. - _--_·t _..____e 'stos sob uma orientação intelligente e moderna que os concilie
d1çoes para o corte em certa fase do ano (99). Apesar de não -, reVI . . d · d t · l" ( 103) R f · d e
· 'd d ·A d , . - . '"· -~ m as exigencias o progresso m us na . e enn o-s
h aver unammi a e entre os autores acerca a epoca mais reco.-: -:::,..~~ co ' - d . . f" d t b lh
, , ----: :~~-~ t em a concentraçao e capitais e orça e r a a o na eco-
men d a d a para a c oIeta, to d os concordam em que ha um penod0-r_- ' -: · ":'a ex r . ,
d e cerca d e 5 meses em que e·1e d eve ser co lh'1do. S egundo uma. .:::.~ -.::::-
A · •'. · ~ · · do mate Zacanas de Goes e Vasconcelos escreve que
-e.nomia .. _ ' . ,
informação do Instituto do Mate do Paraná, a colheita deve ser" - '~ :;:, -"só o canJO faz VIVer gra~d: parte de homen_s e mul~e:es da
feita "de maio a outubro" (100). Romário Martins, que dedicou';='?..:<:,;_ p rovíncia (104). Um Relato~w de, 188~, refenndo-s~ a Impor·
todo um livro à congonha, diz que no Paraná a erva deve ser .;. .e:;:- tância da congonha na econo~ma da. area, assegura que os :normes
apanhada "de janeiro a setembro" (101). Saint-Hilaire, por suat --':,.;;;;:lucros obtidos pela nova mdustna chamaram a attençao dos
vez, que também se preocupou com o assunto, procurando saber ~('it' - naturaes da comarca; e aquelles que tinham os recursos neces-
como se distribuem as atividades ligadas à coleta, beneficia- "r- · ~~~ sarios procuraram levantar tanto em Morretes, como em outras
mento etc., informa que a colheita deve distribuir-se pelos meses _ ~.:: localidades, estabelecimentos de mais largas proporções./ Com esta
de março e agôsto (102). Essas são recomendações práticas, dadas~ •;-: ·ro influencia foi augmentando a exploração de nossos hervaes" (105).
com fundamento no conhecimento das condições de floração, desen- '-, · Estava em curso a conversão do sistema econômico-social, segundo
volvimento etc. da planta. .r.~ ~~requeria a comerci,alização do ~a~e .. Nesse pro.cesso, as ex~gências
As condições naturais, sazonais, impostas pelo próprio ciclo~- ~'fé'": da produção contmua e a existencia de contmgentes cativos ou
vegetal, inegàvelmente afetam aspectos do trabalho a ser utilizàdo. " ;-~ , .. escravizáveis influenciavam-se reciprocamente, fazendo crescer o
Se de fato a extração da erva fôsse realizada segundo os pre- ·~- · ~-"grupo dos trabalhadores ligados ao mate. Pode-se admitir, pois,
ceitos mais racionais, a fôrça de trabalho somente seria mobilizada ~- r;- que as atividades ligadas à extração da congonha tivessem - sido
durante uma parte do ano, ficando inativos os trabalhadores du- -: - ~.;"l• realizadas por h omens livres e cativos, sendo que os trabalhadores
rante alguns meses. Assim, o trabalho escravo teria encontrado
um impedimento natural, devido ao qual sua aplicação tornar-se-ia
demasiado onerosa, pois o proprietário dos cativos precisaria' (103) Cf. Romário Martins, op. cit., págs. 174-175.
mantê-los inativos em outra parte do ano, ou então dar-lhes (104) Relatório do Presidente da Provinda do Paranã, o Con-
outras ocupações. Mas não foi dêsse modo que se deram os selheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos, na abertura da Assemblea
- Provincial, em 15 de julho de 1854, Typ. Paranaense .de Candido
.:;_;:r;':" Martins Lopes, Curityba, 1854, pág. 69. Conforme esclarecimentos
- verbais de José Loureiro Fernandes, que já analisou êsse documento,
(98) Cf. Romário Martins, Ilex-Mate, citada, págs. 175-176. no original a expressão carijo aparece grafada erradamente, como
(99) Essa é a época da maturação completa dos frutos (Cf. ;. carijó. Segundo Romário Martins: ((Carijo - Giráu, coberto ou
Romário Martins, op. cit., pág. 173). ..;.t;;;._não, sobre o qual a Herva-Mate em rama é comprimida, tendo fogo
(100) Cf. "O Uso do Mate", Pequena História do ,directo por baixo". (Cf. Ilex-Mate, citada, pág. 131.)
citada; págs. 49-51, citação extraida da pág. 50. (105) Relatório apresentado à Assemblea Legislativa do Pa-
(101) Cf. Romário Martins, op. cit., pág. 174. . raná, no dia 30 de outubro de 1886 pelo Presidente da Provinda
(102) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., 29 vol., pág. Joaquim d'Almeida Faria Sobrinho, Curitiba, 1886, págs. 36-37.
-~

74 75
livr~s estariam. pres?s a fo:~as d~ remuneração que os tornavai!t f,' - J os ( 111) ... Antes d~ utilização , intensiva dos muares no. tráfico
semi-escravos Isto e mancipios disfarçados ( 106). ..;. •. -- _- _ tre Cuntiba e o htoral, atraves da serra, as mercadonas e as
, ,
No comêço d s'c 1 XIX d' R
- · · lY'r t' -""·f·-· · -·- en :. soas com recursos d
eram transporta as por escravos.
A , f'
te ms
o e uo , IZ tomano 1ar Ins, a erva era . ~s. II , · f · · · 1 · d
. · d h d " ·1- d • h d -- ~~ - • -- se'culo XVI o manCip10 OI o pnncipa meiO e transporte
hene f ICia a em engen os e pi oes e soque a raço e escravo 8 - ' .... o · h ·
· d' " E f · d dA · d ·"" d produtos e dos brancos d o planalto para a mann a e vice-
m ws e negros . , para en atizar a" epen encm a econoznj,- .._ • +::; --;,. os
. E - h · 1 h
" nquanto nao avia cava os, nem urros para o rans- t
do mate do braço escravo, acrescenta: o pilão e o braço escravo •
. ~- ,.. -versa. t d
" • E -- te de pessoas ou cousas, o os VIaJavam a pe.
· · • As cou sa s Iam
·
- motor barato daquelles tempos, o factor de todo o movimento - _ ?" · __pord d bípedes humanos quasi sempre escravos. Os banguês
matena · 1 d a Co1oma,
· que os navws · negreiros · ·
Iam ·
contmuamente ·1 ~ -n
o orso Ad e das pessoas de prol ' ou de velhos ou doentes eram
·
huscar a costa d'Af'nca. . . "(107) . N ' d -
1 o mesmo senti o sao as
~, e asrees
b' 1 dos por escravos" ( 112). Escravos e índios (peças)
A · d A d l\,1 d d' " fA taro em eva
re ferenc1as , e zeve o n a_c~ o, ao 1zer que a orça muscular . '• ''Caminheiros" eram em 1726 objeto de provimento destinado ao
de escravos tocava os p1loes dos engenhos (108). Apesar de_,] .,"~;;;..; Ale do comércio entre Curitiba e a marinha (113). Até às
vagas, entretanto, as informações registradas sugerem claramente "~ _;:~~ol~tro s décadas do século a erva-mate ainda era levada ao litoral
A · d a economia
a depen d enc1a · d o mate d o tra ha lh o escravo, corno ~ ~,, " '"'u uma dorso de escravos, que ' voltavam trazendo os produtos que
· d'Icam am
m · d a outras expressoes - d o mesmo · Mace d o: " o Comen:-~ ~·- . teressavam ao mercado curitibano. "Escravos · e agrega d os, a
110

dador M_ariano de Almeida T~rres, proprietário de muitas terras~.. ; ~' solidários, assistindo-se mutuamente, levavam para o litoral não
e de mmtos escravos, estabelecido com engenho de mate no Tim.- - ., · ó conO'onha, mas também alguns outros produtos, e regressavam
botuva", era negro e fôra escravo agraciado em favores e cabedai; 7"·; (" : ~;zend~, em troca, outras mercadorias" ( 114). A rentabilidade
por sua antiga proprietária ( 109). Ainda em fins do século diz" · do trabalho h umano aplicado a outras atividades, o barateamento
J oão de Mio, eram negros ou mestiços os trabalhadores dos- .cio preço do animal, a melhoria dos trechos mais precários do
engenhos de Curitiba que despendiam 0 máximo de fôrça do _. ~ .Caminho da Graciosa etc., acabam provocando a utilização defi-
trabalho diária. "O horário dos engenhos era das 6 às 6 com · · ~ · nitiva dos muares naquele tráfico. Durante o século subseqüente,
uma hora de folga para o almôço os operários seminus cobert~s ~de fins do século XVIII às últimas décadas do XIX, os tropeiros
de pó verde do mate, sendo êles, na maioria gen~e de côr,' pareciam" _ ~':Jj:;_star~~ propician_do o comér~io entre Curi~iba e a marinha, e o
demônios movimentando-se naquele turbilhão de pó e barulho _ ~ ·extenor._ M~s h ao de .s~brevive;. na comumdade,, durante o seculo
ensurdecedor de pilões e do rodar das peneiras" ( 110). Em outras :! XIX, na o so a memona do negro de carga ' que o branco
fases da produção do mate também entram os escravos, como·
fornecedores de fôrça de trabalho. Não era apenas na descarga . (111) Cf. D. P. Kidder e J. C. Fletcher, O Brasil e os B rasi-
das mulas e embarque dos volumes; em Paranaguá, como indicam leiros, esbôço histórico e descritivo, trad. de Elias Dolianiti, 2 vols.
as observações de Kidder e Fletcher, que os "pretos" eram ocupa·_ Companhia Editôra Nacional, São Paulo, 2• vol., págs. 21-24; tam-
bém Nestor Victor, op. cit., pág. 57.
(112) Cf. F. R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 48.
(113) Cf. Revista do Archivo Mun-icipal de Ourityba, vol.
( 106) A propósito das condições sociais dos trabalhadores na _ VIII, Livraria Mundial, Curityba, 1924, pág. 54.
coleta e primeiras manipulações da erva, do que Lessa denomina' (114) Cf. F. R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 41: A utili-
"escravos dos ervais", consulte-se: Roberto Southey, op. cit., tomo r;- _~ zação do trabalho escravo e de homens pobres nos transportes é
quarto, págs. 24-25; P. C. Teschauer, op. cit., págs. 562-3, 567 ~ ' ' referido também por: Romário Martins, História do Paraná, 3•
589-591; Louis Couty, op. cit., págs. 18, 19, 23-24, 28 e 34; Virgilio ,edição, Editôra Guaira Limitada, Curitiba, s. d., págs. 91-92; Auguste
Corrêa Filho, op. cit., págs. 2-3 e 31-38; Luís Carlos Lessa, op. cit., de Saint-Hilaire, op. cit., 2• vol., págs. 162-163; Sérgio Buarque de
págs. 365-366. Holanda, Caminhos e Fronteiras, edição ilustrada, livraria José
(107) Cf. Romário Martins, op. cit., pág. 199. ..::::::~w-·..:.....Olympio Editôra, Rio de Janeiro, 1957, págs. 148-159, esp. págs.
156-157. A Memória do Padre Chagas, citado por Macedo, registra
(108) Cf. F .R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 47. a expressão "escravos de bagagem" para negros utilizados nos
(109) Idem, págs. 68-69, nota n• 12. transportes na expedição aos Campos de Guarapuava, em 1810.
(110) Cf. João de Mio, op. cit., pág. 57. (Cf. F. R. Azevedo Macedo, op. cit., págs. 173-174.)
~

76 77
econom1co global, onde se localizavam centros pro-
utilizou largamente, mas inclusive expressões e estereótipos que
. era também uma exigência do sistema sócio-cultural,
entrarão decisivamente no processo de avaliação negativa ·
Pulsores'
·~ num conJ'unto de valores e pa d roes
- que or d enavam e
Por isso a abolição, por exemplo, terá para o escravo
- 1'1 am 0 comportamento dos membros as d.1versas cama d as
expressa d
que o branco não podia apreender. cana zav cateo·orias peculiares
· · · 1 g lob al. A s ava l'Ia-
ao sistema soc1a
segun do o l ..
* - das atividades produtivas, especialmente aque as que ex1g1am
Çoes 'prias mãos do homem, profun d amente 1 'd enh'f'1ca d as com
* *
.as proões inferiores, de negros, índios,. mestiços
· ou s1mp· lesmen t e
Em suma, com a caça ao índio, a mineração, a pecuária ~ f , _ocup~~s eram componentes dinâmicos do sistema social, exer-
1

a erva-mate, emergiu em Curitiba um sistema social apoiado na 3 . escr:o u~a atuação contínua e persistente sôbre o comportamen~o
?tiliza_ção ma~s ou menos ampla ~o . ~rab~lho esc:av.izado, com J. - ~= brancos que precisavam tr~b~lhar ~ara vi;er. _ Dentro da
mtens1dade d1versa, conforme a ~1gmf1caçao ~conom1ca relativa_, J;': categoria branco, havia um! espec1e d~ _hierarqmz~çao, de c_on~o:­

(o de subsistência e o mercantilizado), o trabalho cativo estêve . 0


r er:
de um ou outro ramo da produçao. Nos d01s grandes setoreS'--, ... """' 'd de com as representaçoes das pos1çoes num s1ste~a soc1et~r~o
em que pode ser dividida a atividade produtiva da população:.:~ '-~ - ~astas sendo que a acepção que implicava maiOr prestigio
e ·al justamente a que compreendia a posse de cativos, isto
sempre presente, seja dominando amplamente, seja coexistindo com ~~~oc~ desnecessidade de trabalhar, a possibilidade de viver como
outras formas de utilização da mão-de-obra, ou, ainda, como uma· _, ; ~h anco" ou seja, do produto do trabalho alheio.
possibilidade ou virtualidade do sistema produtivo. Ao lado d; ...,.. - r ' ·
setor de produção para o mercado, que possuía uma tendênci~
interna para o aproveitamento cada vez inais acentuado do escravo, ~l

a produção para o consumo também apoiou-se nessa forma


de trabalho. Sempre que a unidade produtiva alcançava maior
vigor e extensão, o seu proprietário procurava substituir o
seu trabalho, ou o de membros da família, pela mão-de-obra
cativa ( 115). Como diz Caio Prado Júnior, "em todo lugar ondê
encontramos tal instituição, aqui como alhures, nenhuma outra
levou-lhe a· palma na influência que exerce, no papel que representa
em todos os setores da vida social. Organização econômica,
padrões materiais e morais, nada há que a presença do trabalho
servil, quando alcança as proporções de que fomos testemunhas,
deixe de atingir; e de um modo profundo, seja diretamente,
seja por suas repercussões remotas" ( 116). Esta não era tão•
-somente uma tendência "natural", . inerente aos fundamentos do

( 115) Essa tendência, universal na economia colonial brasi•


i1

!eira, é registrada por autores que examinam a escravidão indígena



e africana: A. M. Perdigão Malheiro, A Escravidão no Brasil, ~(
citada, 2o vol.; Maurício Goulart, Escravidão Africana no Brasil.
(das origens à extinção do tráfico), Livraria Martins EditOra.....:,.:;F ~- -, !:i
2• edição, São Paulo, 1950; Varnhagen, op. cit., tomo I, págs. · · - "'
249-272; Rodolfo Garcia, op. cit., págs. 125-140; Caio Prado Júnior: ~
Formação do Brasil Contemporél.neo, Colônia, 4• edição, Editôrà
Brasiliense, São Paulo, 1953, esp. págs. 267-278.
(116) Cf. Caio P rado Júnior, op. cit., pág. 267. ~

79
78
'
determinado, onde as condições econômicas aluaram decisivamente.
Vejamos agora os mais gerais, de interêsse especial para esta
nálise. Em primeiro lugar, o regime de trabalho fundado na
-~tilização do trabalhador livre, assalariado, não pôde constituir-se,
pois que as disponibilidades de vastas superfícies de terras impos-
sibilitariam a retenção do indivíduo na "emprêsa". A extensão
dos campos não apropriados pelos brancos facilitaria grandemente
III 0
deslocamento do assalariado, que poderia apossar-se de glebas
e produzir com seu trabalho os bens de consumo necessários
ECONOMIA E ESTRuTURA SOCIAL à própria subsistência. Já vimos como mesmo durante a pri-
meira metade do século XIX fazendeiros e sitiantes, ao lado d~
alguns ex-assalariados desejosos de se tornarem autônomos, ocupa·
l. Categorias econômicas ram os campos devolutos de Guarapuava e Palmas. Um dos
problemas permanentes para os grupos dominantes, pois, foi apro-
O regime econômico-social escravista funda-se em um modo priar-se em tempo oportuno das terras disponíveis, para · evitar
peculiar de conexão entre os meios de produção e o trabalhà a ação de assalariados ou outros membros da comunidade que
produtivo. A maneira pela qual a fôrça de trabalho é cristalizada poderiam adiantar-se-lhes. Mas de nada adianta a disponibilidade
em produto de valor, através de um tipo determinado de conexã~ de terras ou capital constante, se o empreendedor não pode
com os meios de produção, define a economia escravocrata como dispor de trabalhadores que, utilizando os meios de produção
·uma forma singular de organização das atividades econômicas, disponíveis, criem valor, cristalizando a. fôrça de trabalho em
gerando uma configuração histórico-social. Em outros têrmos, as artigos de troca. Daí a escravização do trabalhador ( 2) . Por isso,
estruturas econômico-sociais fundam-se em modos de produção que ' a expansão territorial mencionada sempre significou, ao_ mesmo
dependem diretamente da maneira pela qual os meios de produção tempo, a "desapropriação" dos aborígines, colocando-os a utomà-
(terra, ferramentas, máquinas, matéria-prima etc.) combinam-se ~. ticamente no "mercado" de escravos. A apropriação das terras
com a fôrça de trabalho (escravo, servo, trabalhador livre, arte: era uma ação que, além de limitar as possibilidades de evasão
são doméstico, sitiante etc.). " Quaisquer que sejam as formas do escasso contingente de trabalhadores livres com alguma espe-
sociais de produção, diz Marx, seus fatôres são sempre os meios cialização, ao mesmo tempo aumentava o montante de escravos
de produção e os trabalhadores", sendo que "as suas diversas , potenciais, pondo grupos indígenas em contacto com os brancos,
combinações distinguem as diferentes épocas econômicas da es-
trutura social" ( 1). A constituição de um sistema econômico-so- '
cial fundado no trabalho cativo em Curitiba é um fenômeno devido·
à intecpenetmção de fatô<e• e oondiçõe• hi,.ó<ioa. dete<mináveia
em seus caracteres essenciais. É necessário reter agora êsses pré- .;,_
· · · - ,.,..
-reqmsltos a_ Ílm de al_cançarmos m~a compreensao real do processo •· ~- -
t_ agentes de um sistema econômico-social em crescimento.

(2) Gt,ando <eflexões de E . C. Wakefield a •••peito do P<O-


cesso económico nas colónias, Marx mostra cl~r~ente c?mo a
disponibilidade de terras é. um componente economico que Impede
a adoção do trabalho livre. E lembra 0 caso do capitalista inglês,
..

de elaboraçao da sociedade escrav1sta e dos seus elementos cons· ~ o Mr. Peel, que levou para a Austrália 50 . 000 libras esterlinas e
~.· •·!' titutivos, de interêsse para a reconstrução da realidade segundo. · ~·· · .- ·• -.-- 300 trabalhadores para organizar uma emprêsa. Ao chegar, .con-
i"!'
os fins propostos. A estruturação da economia escravocrata na .,_.., tudo, aquêles homens preferiram trabalhar por conta própna e
, área não é o produto da decisão dos homens mas 0 resultado ; Mr. Peel não teve nem um mordomo para arrumar-~he a_ ?ama
~~ - d h · ' . , . . :;. ( Cf. Karl Marx, op. cit., tomo I, págs. 856-857) . Enc Williams,
I!! i' da opçao os omens efet1vada em um contexto histonco-social ~ _ retomando 0 mesmo argumento, esclarece que os referidos "traba-
:::•il' ;;~. ~!• ' - - lhadores preferiram trabalhar para si próprios, como pequenos pro-
.,.,
.u· ·' j!,!:, (1) Cf. Karl Marx, El Capital, 3 tomos, tradução de Wenceslao
prietários, em lugar de se manterem assalariados do capitalista"
(Cf. Eric Williams, Oapitalism & Slavery, The University of North
Roces, Fondo de Cultura Económica, México, 1946, tomo II, pág. 45. Carolina Press, Chapei Hill, 1944, págs. 4-5) .
iL;' .
80
j)·,
Í<Í
h
I • 81
Em segundo lugar, nem a Metrópole portuguêsa nem a Colônia ~· :· d a escravidão é adotada nas colônias das Américas, diz
dispunham de trabalhadores livres em número suficiente para aten:j, F;,. ~Q~an Williams, "ela não é adotada como uma_ escolha .e:U: face
der às atividades produtivas que se inauguravam ou se expandiam~-, Enc t balho livre", pois não havia alternativas possiveis. A
nas diversas regiões da Colônia. Como diz Celso Furtado, na~. f".-.: ~ddo :: da fôrça de trabalho escravizada é o resultado natural
"_agnc · uI tura _d e b aiXo · mve tecmco , q~e r~q~er gr_a~ d e quan. -~ ~:: .. • adessas
· l · · " = 1
oça determmaçoes · - A ·
economicas (4) . . . .
tidade de mao-de-obra, o trabalho assalanado e Imprahcavel quan. ~-~· ·.. • E arto lugar influem os próprios reqmsitos do sistema
d o os tra b a lh a d ores sao - escassos. "A pressao - d a procura de .- W-t' ,t .:: - Am. qu -á constituído,' envolvendo a Metrópole, a ColAoma · e
- d b f · b
mao~ ~-o ra _ ara que su am sa anos . e ta
l • · d l f orm~ que os em,. t?k
· ~ ..- .. economico
Africa.
1
A economia de Curitiba, co~o erAa meno_s ':1gorosa ·
presanos tera~ de en~r~gar aos ass~lanados a totah~a~e. de seus r ...·.: a ue as de outras regiões da. Co~ônia, na~ po?e . fugir as con-
lucros. Em tais cond1çoes, a propnedade tende a dividu-se e a ,,. . ~ A . da própria determmaçao, por mfluencia das outras.
uni'd a d e pro d utora a con f un d u-se ' com a unic,~ · ' de f am1·1·Iar, d entro ~,:r. • · ungencias . d São Paulo ao Rio de Janeiro, à Metropo • l e, a' Af nca ·
d_a qua l na- o exis~e. - l
~paraçao c ara_ entre ucr~ e sa ano.
l l . . / 0 outro" ~~ ' Liga de ois, à prá;pria Paranaguá, constituiu-se um SIS~~ d_e
o a ' .
Sistema de orgamzaçao da produçao com mao-de-obra escassa é. -4~ ...,... e, Ap em toArno da "produção" transporte e comerciahzaçao
· " d · ';-~ ·interesses , ..
o regime escravocrata ( 3). No caso a area paranaense, a escassei f~ ~·d que acabou envolvendo Cuntiba, enquanto centro
. . _ , . ,h . 0 escravo, 0 d ·
d e tra b a lha d ores l IVres para a mmeraça~, a pec~ana, os engen os ·~~ rodutor de valores comerciais. Se, de um la o, a econo~ma
de mate etc. era agravada pela atraçao exercida pelos ?entros ;; r;::::~- P . 'b emergia pouco a pouco fundada no trabalho cativo,
. A .
d mamicos em que a economia . co l oma . l operava como um po d eroso r, ~·~.~ cunti ana t aposição 0 sistema econômico . .
vmcu la d o ao escravo
1
A . A . . E ~ ~~ - ·em con r A 'd d
agente sobre as areas economicamente menos VIgorosas. m con- ,.=..; f . perava uma influência dinâmica sobre a comum a e,
.. A . . . 1 ':J r a r.t.cano o _ d f .
sequencia, a economia paranaense precisou utar sempre com o . lhe impondo fatôres de produçao, exerceQ o um e eito
. d d . .. , .. como que • d
pro blema do lento ntmo e esenvo1vimento, Ja que se cons- ., é';. • l t' sôbre 0 sistema local. Houve um peno o em que a
. • h, . . . d 'd 'f. . cumu a IVO . . S_ P
tltmra . a~I_camente como _economia _m uzi a, _P~r~ enca, o que -~ re ião paranaense "produzia" cativos abon~m~s par~ . ao au1o
lhe possibihtava uma capacidade restnta de aqmsiçao de escravos, - i g t regiões. Em conseqüência, a propna Cunhha acabou
. _ ..J h h lh e ou r as _ d .
e l utou tam bem com a atraçao exerciua so re os seus tra a a-
A

. da de condições propícias à utilizaçao o escravo: pn·


. 1 •
d ores, 1Ivres ou escravos, pe os nuc eos mais prosperos. 1 · • J . unpregna
.~ . meiro aborígine, depois .africano.

Em terceiro lugar, conta-se outro pré-requisito econômico : ~;:: ,._ Em quinto e último lugar, e em .:onexã?. com o_ que, ficou
ponderável, atuando em concomitância com o anterior. A escassez exposto, é preciso ponderar que a regi ao cuntiha~a . na o_ somente
de trabalhadores livres contrapunha-se uma oferta elástica de} r;;-- não era autônoma corrio foi um subsistema economiCo mtegra~o
escravos, isto é, trabalhadores já definidos econômica e social- ?~:""' · a sistemas mais amplos e v~gorosos da Colônia. . ~doçao !'-
mente como cativos, de outra raça, inferiores etc. Os aborígines L": ·
do trabalhador escravo ali, pois, não é um ato de decisao cucuns-
e os africanos constituíram estoques inesgotáveis de fôrça de .:::: crito à comunidade; ao contrário, é o resultado. de um co?te~t?
trabalho para as exigências da área curitibana, assim como de _ ~· . . . no qual a própria Curitiba estava imersa. ~sse e um. dos sig?IÍI·
tôda a Colônia. Segundo já foi referido, quando os Campos..'-··~ - cados mais importantes da compreensão da economia da area
de Palmas foram conquistados aos índios no segundo quartel . -~~ como dependente, ou "fenômeno econômico indu~ido", na expres·
do século XIX, não houve simplesmente a expulsão dos nativos.~.;~7são de Celso Furtado ( 5). Havia poderosos fatores externos, ao
Nesse momento se inicia para êstes, quando não entrava em
nova fase, o processo de destribalização, que traz consigo a ( 4) Em têrmos da rentabilidade do trabalho, das possibili·
deterioração dos seus sistemas ecológico, econômico e sócio- dades de manter-se o funcionamento e a expansão da economia,
-cultural, transformando-os em escravos ou cativos disfarçados. _bem como outras exigências essenciais ao sistema económico, a
__ - ~~- ·constituição do regime escravista é um fato da estrutura económica.
-~ Por isso "os negros foram roubados em Africa para trabalhar as
- terras roubadas aos indios da América" (Cf. Eric Williams, op.
( 3) Cf. Celso Furtado, Uma Economia Dependente, edição cit., pâgs. 6-7 e 9).
do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, (5) Cf. Celso Furtado, Formaçd.o Econômica do Brasil, EditOra
Rio de Janeiro, 1956, pâg. 16. Fundo de Cultur.fL S. A., Rio de Janeiro, 1959, pâgs. 73-75.

82' 83
' 11 .•
)
••• •: -'1•1
lado dos interiores à comunidade, agindo no sentido de difundir de 50% dos habitantes (8) . Naturalmente não se pode atribuir
o trabalho cativo como instituição universal. _grande margem de segurança a contagens da população que não
São essas as condições histórico-econômicas responsáveis pela sabemos como foram realizadas, se se referem apenas a estimativas,
constituição do regime escravocrata em Curitiba, as quais explicam - nem, ainda, em que condições teriam sido efetuadas. Entretanto, há
tanto a emergência da escravatura como a escolha do indígena e outros indícios que sugerem ser elevada a utilização do escravo
'im' . nas atividades produtivas e nos serviços.
do africano. Como vemos, os pré-requisitos que propiciam a
constituição dêsse regime são também aquêles que conduzem à Os dados relativos à mortalidade dos brancos e negros em
eleição do aborígine e do negro. A seleção do negro, assim Curitiba, em algumas décadas daquele século, não podem, também,
como do índio anteriormente, não é devida aos atributos raciais ser tomados senão sob reserva, pois que não se têm elementos
nem a fatôres sócio-culturais, pois mecanismos de funcionamento para avaliar a discrepância entre o índice de mortalidade dos
l':f' da economia no período escravocrata fundam-se · em requisitos brancos e o dos negros. Pode-se apenas supor que êstes apresen-
)

econômicos independentes dos grupos étnicos ou raciais postos tassem um coeficiente de mortalidade maior, dadas as suas con-
em convívio pelos mesmos mecanismos (6). É por isso que o índio dições gerais de vida, menos adequadàs à própria preservação.
pôde ser substituído pelo africano. Foram os ...requisitos do sistem~ Com essas cautelas, contudo, pode-se utilizar os algarismos rela-
econômico constituído, _manifestos ao nível da fôrça de trabalho, tivos ao movimento de óbitos anotados por Júlio Moreira (9),
que possibilitaram e impuseram a substituição de um por outro ( 7). -t~ os quais indicam uma participação elevada dos negros na estrutura
Da mesma forma, são também injunções ligadas ao sistema eco- populacional da comunidade.
nômico que justificam a utilizaç ão do caboclo ou mulato como
escravos, independentemente de sua condição étnica; independen-
temente, ainda, das suas conexões biológicas com o branco e
senhor.

2. O apogeu do regime escravocrata (8) Cf. Os relatórios do Morgado de Mateus ao Conde de


Oeiras, citados por David Carneiro, Duas Conferências sôbre a Vida
e a Obra de Afonso Botelho de Sampaio e Souza, Curitiba, 1950,
Desde meados do século XVIII, é elevada a participação do
pág. 27.
negro e mestiço na população de Curitiba, conforme indicam .
(9) Cf. Júlio Moreira, Histó1·ia da Medicina no Paraná, 1654-
dados disponíveis. Há evidências de que em 1767 os escravos _, -1822, edição da Associação Médica do Paraná, Curityba, 1953, págs.
perfaziam uma porcentagem da população total que se aproximava 48-52. Nessa obra são transcritos os algarismos encontrados nos
,,,I livros de registro da Matriz de Curitiba. Não se pode avaliar, con-
:J:t tudo, qual teria sido o grau de "evasão" de óbitos, devido à dispersão
,.j.....,. ••
! ., de parte da população nas áreas rurais da comunidade, o que
(6) _ _ti:. i~ust~ativa, a proP?sito, a utilização_ de ?r~ncos po~res -.- IL; · dificultaria alguns registros. :ambém não são apresentad~~ escla,:
•.., 't. ~·
nas coloruas mglesas da Aménca do Norte. Enc Wllhams analisa, ~ ~-- recimentos ·acêrca da participaçao dos mulatos no grupo dos pretos
em seus principais caracteres, a fôrça de trabalho forne:!da_ pelos ~!;:: que é a única expressão utilizada pelo autor. Confori?e declara
•·' brancos desocupados na Inglaterra e Irlanda, em conseqtienc1a das ....;, ~:: ~ às págs. 50-51, até 1760 "o registro dos óbitos era fe1to separa-
l-i
transformações económicas que preparavam o advento do capita- ;' . damente dos brancos e dos pretos. Dai em diante não houve mais
lismo inglês. Eram conhecidos como indentured servants na América """"" ·- esta distinção, passando os óbitos a serem registrados por ordem
do Norte, pois que, antes de deixar a pátria, assinavam um con- cronológica. Não sabemos a causa de ter sido abandonado o
~
~ i! trato que os obrigava legalmente à prestação de serviços, por um i ~ ~- registro separado dos brancos e dos pretos. ti:. admissível que na-
tempo limitado, de modo a ressarcir o seu "empregador" das ....;;;..: ;::-- quela época os indivíduos mestiços, mulatos e mamelucos, come-
~· ,, despesas de transporte, acomodação etc. ( Cf. Eric Williams, op. i ~-- çassem a aparecer com maior freqUência, tornando difícil a sua
cit., págs. 9-19; citação extraída da pág. 9). : "" classificação nesse ou naquele grupo de falecidos. Pode, também
~J
(7) Os requisitos básicos do sistema escravagista constituído ter sido decorrência de determinação superior recebida pelo vigário,
em Curitiba estão formulados e examinados no capítulo IV, passim. por questões de o\dem religiosa".

84 85
Fale cimentos em Curitiba ( 1O) munidade a composição demográfica das unidades familiares recen-
estaríamos em condição de assegurar que a participação
1731-1760
dos escravos alcançava cêrca de 23% dos habitantes. De fa to,
.:.::"t; -- tomando por base os dados relativos a uma única freguesia ( 11 ),
Brancos Negros Totais teríamos a seguinte distribuição :
Dados Dados Dados
Periodos absolutos absolutos absolutos População da Fregues ia do Patrocínio de P. S. José
% % %
1731-40 101 52 92 48 193 100 1776
1741-50 125 55 101 45 226 100
1751-60 197 52 183 48 380 1001
Condição Totais
Somas 423 53 376 47 799 100
Livres . ... . . . .. .. .... . .... . ......... . ... , . 868
_ Escravos negros e mulatos . . . . . . . . . . . . . . . . 217
Num período de trinta anos, pois, a média dos óbitos de negros
atingiu 47 % do total das mortes, o que indica, mesmo descon- -f-
i
tando-se um admissível coeficiente maior de mortalidade dos escrav.os, ~.
Administrados (escravos indios) . . . . . . . . . .
Agregados (mulatos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
53
27
!;:::..______S_o_m_a--.-.-.-. -. -.-. -. .- .-.-.-.-.-.-. .-.-.-.-.-. -.-. .-.-.-.-.-. -.-.-..- --. - _ _ _ __
1 16 5
participação significativa dêsse grupo na população da comunidade.
No último quartel do século XVIII a população de Curitiba
é relativamente menor, se aceitarmos os dados dos relatórios do ~sses são os grupos .distribuídos pelas famílias dessa freguesia,
Morgado de Mateus como merecedores de confiança. Não pos- onde, dada a provável preponderância das atividades econômicas
suímos indicações que possam esclarecer os fatôres ou as condições ligadas à subsistência, encontramos os escravos concentrados nas
que teriam propiciado essa evolução demográfica. Como a expan· mãos de poucos proprietários. Das 171 famílias mencionadas,
são econômica da área se efetuava em ritmo lento, não exigindo apenas 50 possuíam cativos negros, mulatos ou administrados;
um afluxo intenso de escravos, é possível que uma parte da res- outras 10 contavam com agregados entre os componentes da uni-
ponsabilidade pela queda da participação relativa do grupo escravo dade econômica doméstica. E 111 não possuíam quer escravos
quer agregados ( 12).
se devesse ao crescimento vegetativo maior dos brancos, o que
seria explicável pelas suas condições de vida. É preciso considerar, A população total de Curitiba, entretanto, continuava a crescer
entretanto, que a população escrava não reúne o total dos habitan· lentamente, chegando a manifestar-se alguns descensos não escla-
tes negros e pardos da população. A miscigenação, que já se
vinha verificando anteriormente, continua atuando como processo
diversificador da estrutura demográfica da comunidade. É de
supor pois que houvesse uma parcela de negros e mulatos livres.
_
· r--~ (11) Cf. População da Freguesia do Patrocinio de P. s. José
_-~-~ ,_:.."":- da villa de Ouritiba~ MS que se encontra no Departamento do
' ' , d' h b' l d . ~ · ~-- arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 203, T.C . 1765-1782, Popu-
D.e fato, -.. ~ lação , Curitiba, Paraná . o document o nã o f ornece 1n
A A

_ como se vera _ a xante, estes a xtantes tem e eva a parti· · d'1caçõ es que
cxpaçao na populaçao local. - nos orientem quanto à participação dos habitantes da vila ou do
. . • - - meio rural adjacente no levantamento realizado.
Em recenseamento reahzado em uma das freguesxas que com· ,• ~""" ( 12 ) Id C
.. ,. . ,. . ~ ·: em. om relação à condição juridica da mão-de-obra
punh aro C untiba em 1t76, foram registradas 171 famdxas dedxca- - disponivel, as familias distribuiam-se do seguinte modo: 5 têm
das a atividades agrícolas, pecuárias, extrativas, de comércio etc. apenas administrados; 46 têm sõmente escravos negros e mulatos;
Se pudéssemos aceitar como representativa da população da co- 18 têm administrados além de outros cativos; 50 contavam com
.., escravos negros, mulatos ou índios; 10 possuiam apenas agregados;
111 não têm escravos nem agregados; destas, 3 eram compostas
(10) Ibidem, págs. 48-50.
de indios e descendentes e 1 se compunha de negros e mulatos
(livres). ·~
~~

86 87
recidos pela documentação, mas que .;q;uramente se ligam às nidade, em 1800, ainda apoiada em uma estrutura econômica
oscilações da conjuntura econômica da área. A própria população- fundamentalmente dedicada à produção para a subsistência. Em
~~~ escrava, como se verá na tabela seguinte, cresce pouco, em 1800 os gêneros produzidos e utilizados na vila incluíam o milho,
têrmos absolutos. P ercentualmente, o grupo cativo atinge em - feijão, farinha (de milho?), trigo, farinha de trigo, toucinho,
1779 cêrca de 20 % dos habitantes e continuará em 1793 com a congonha, bêstas, bois, poldros, coxonilhos ( 19 ) . Os artigos pro·
~Hi
•I; mesma participação relativa . duzidos na comunidade e exportados para outras vilas da marinha,
de outras áreas da Colônia ou para o estrangeiro eram: feijão,
População da Vila de Curitiba toucinho, farinha de trigo, fumo, congonha, coxonilhos, bêstas,
bois, poldros (20). A importância econômica dessa exportação
1779-1793 pode ser perfeitamen.te . avaliada p~la . capacidade . i~portadora de
Curitiba, que era b:ntada quantitativa e qualitativamente. Os
Habitantes • habitantes locais importavam então: vinhos de Lisboa, aguardente
Anos Totais do Reino, vinagre, azeite de peixe, aguarde~te de cana, haetas,
·• Livres Escravos
'l'ii panos ordinários, panos de algodão, chapéu1, açúcar e sal (21).
,t.,: 1779 5.494 1.334 6.828 (13) Como se vê, são artigos que não sugerem ! um padrão de vida
!'t' ;, 1788
1789
6 . 734
5.885
1 . 962
1.390
8 . 696 (14)
7.275 (15)
elevado, em escala ostentatória. ·
A estrutura social elaborada com fundamento nessas ativida·
;~J
jl! ,,, ..
," 1790
1792
6 . 085
6 . 501
1.393
1.488
7.478 (16)
7 . 989 (17)
des produtivas depende diretamente da utilização do trabalho es-
~w .., 1793 6.388 1 . 408 7. 796 (18) cravo, agora de africanos ou descendentes, quase que totalmente.
~'!' 1.·.'
A composição demográfica de Curitiba, em 1800, é um índice
· .~I;
·' claro da sua estrutura fundamental durante a primeira metade
As atividades produtivas da comunidade continuarão a de- do século XIX; ou seja, antes que o nôvo fluxo colonizador, como
senvolver-se com relativa lentidão nas últimas décadas do século. se verá, venha alterar a fisionomia da área.
"l' ~ '
f ... I .,:1,
~·'I 01 A economia concentra-se na produção de bens de consumo desti· Ao iniciar-se o século XIX, o grupo escravo corresponde a
~:~:~~~~'1 nados à subsistência da população local e a trocas de pequena cêrca de 16% da população total da comunidade, se aceitarmos
~\i\1 monta com vilas do litoral e outras. Contudo, se tornarmos os
.J'l dados disponíveis como base para a reconstrução de aspectos da
como elementos para reflexão os dados apresentados na tabela
seguinte ( 22). No te-se, entretanto, que a convivência entre negros
economia e da sociedade de Curitiba, pode-se considerar a comu· ·· e brancos já havia produzido, nessa época, alguns resultados
de importância para a compreensão do mundo social e moral
( 13) Cf. Mapa geral da listas do Povo da villa de Oorityba gerado pelo regime de trabalho cativo. A miscigenação dos
~ ..,....., que conta com quatro Freguesias em Janeiro do anno de 1179, _l;.i...;._ grupos terá resultado, em 1800, na diversificação da composição
';1 ! MS que se acha no Departamento do Arquivo do Estado de São demográfica da comunidade, dando origem a um elevado número
,.... ......... , Paulo, Caixa 203, T . C ., 1765-1782, População, Curitiba, Paraná. de mulatos livres, atingindo 32 % da população total..
(14) Cf. Mapa geral do P~vo da Villa de Oorytiba eseo têrmo
que Consta dequ.atro Freguezias, Janeiro 6 de 1788, MS que se
encontra no Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, (19) Cf. R elatório relativo às produções, consumo, exportações
.i~
Caixa 205, T.C., 1787-1793, População, Curitiba, Paraná. e importações da vila de Ouritiba, em 1800. MS que se encontra no
(15) Cf. Mapa gera.Z do Povo existente notermo desta vila Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, caixa 207, T. C.,
de Oorytiba, que consta de quatro Freguezias, MS, idem. 1800-1804,População, Curitiba, Paraná.
1~ ., (16) Cf. Mapa geral do Povo existente notermo da Villa (20)Idem.

~~~'
de Oorytiba qne consta de tres jrequezias, MS, idem. (21)Idem.
(17) Cf. Mapa geral do Povo existente notermo da Villa (22) Cf. Mappa dos Habitantes, que existem na Parochia da
f' Oor.a, que consta de tres jreguezias, MS, idem.
(18) Cf. Mapa geral do Povo existente notermo da V.a
Villa de Ooritiba em o anno de 1800, MS que se encontra no
Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 207, T . C .
1'1 Oor.a que consta de tres jreguezias, MS, idem. 1800-1804, Popula*ão, Curitiba, Paraná.
;~
.)ii
I~
!~:
88 89
População de Curitiba (23) Ressaltemos, ainda, que negros e mulatos também estão dis·
tribuídos pelas diversas ocupações mencionadas como empregando
1800 trabalhadores ~ivres, o que po:_sui imp~rtância para _a compreensão
"de alguns fenomenos que serao exammados postenormente, espe·
Condição Quantidade cialrnente aquêles ligados aos padrões de convivência entre negros
e brancos. Essa dispersão do grupo negro e pardo manifesta-se
Brancos ............ . . . .. 2.113
e!ll muitas unidades de produção estruturadas à base da família.
o •• • • •• •• • •

Mulatos livres . . ... . .. o •• o ••••• •• o •• 1.278


Negros livres ............. .. . ... . .. . 58 'fodo grupo doméstico branco esforça-se por desenvolver a pro·
Escravos negros . . 0 ••• 0 • •• o .o •• o o o •• 473 d~ção de modo a poder adquirir escravos para os trabalhos
Escravos mulatos . o ••••••• o o ••• •• o • 203 mais pesados, se não para todos. Havia uma compulsão econô-
Soma ••• o. o o o •• o o. o •••••• o •• • o • • • 4.125 mico-social levando continuamente os brancos à utilização do tra·
balho escravo, o que tinha diferentes funções, além de ser requisito
da definição de status elevado. E quando o nível de renda da
Dêsse montante, aproximadamente um têrço compõe a popu- ~nidade não . possibilitava a compra de trabalhadores, o branco
lação ativa distribuída em agricultores, comerciantes, criadores, incorporava agregados, geralmente pardos, com a finalidade de
artesãos, domésticos etc. A estrutura ocupacional da comunidade · suprir-se de fôrça de trabalho para as atiyidades que um senhor
nessa época não é complexa, distribuindo-se os indivíduos em não deve realizar. Mesmo famílias pobres, que apenas produzem
poucas atividades fundamentais (24). É significativo, todavia, a para o próprio sustento, apóiam-se na fôrça de trabalho de agre-
elevada participação dos cativos no conjunto dos indivíduos gados ou mesmo escravos. Em uma "lista geral dos habitantes
ocupados produtivamente, pois que os negros e mulatos escravos, - o
que existem na vila de Coritiba" (26) encontramos uma relação
que correspondem apenas a 16% da população total, alcançam de famílias com os componentes da parentela, agregados e escravos,
mais de 50% dos trabalhadores do conjunto da população ativa.
além da menção das atividades fundamentais. A família "4",
informa a lista, "hé pobre só planta p.a comer" e compõe-se de
Estrutura ocupacional de Curitiba ( 25)
casal e dois agregados pardos. A família "2", por outro lado,
1800 que também "hé pobre planta mantimento para gasto de sua
caza", reúne, além do casal, dois filhos, duas filhas, uma agregada
Ocupações Número parda e um escravo prêto. É desta maneira que os brancos
de pessoas - definem-se reciprocamente as posições sociais relativas. É dêsse
Clero regular .... o • •••••••• o •••••••• 1 >modo, quase que exclusivamente, que os brancos de poucos recursos
Agricultores .. . ... . .... . .... .. ..... . 468 conseguem afirmar-se e firmar-se em determinadas posições da
Negociantes ..... . . . ....... . ...... o. 9
Artistas . . ..... . ...... . ............ . 17 ·-! strutura econômico-social da comunidade.
Mineiro ....................... .. .. . 1 A condição jurídica peculiar do agre?;ado coloca-o na situação
Criadores de fazenda ........ . .. o ••• 29 _de fato de um fornecedor de fôrça de trabalho, em troca de paga-
Arreeiros ............... . ........ . . . 24
Pessoas assalariadas .. ............. . 54 mento em espécie, que é feito no quadro do consumo doméstico.
Escravos ..... . o. o. o •••• • •••• o ••• • •• 338 Nem por isso, contudo, êle deixa de ser, econômicamente, o
Escravas .. . .. .. .. . .......... . ..... . 375 substituto e o equivalente do escravo. De um lado, êle não recebe
Vadios e mendigos ................. . 7

Soma 1.323
(26) Cf. Lista Geral dos Habitantes que existem na Villa
Ooritiba, o anno de 1800, suas ocupaçoens e generos, empregos,
(23) Ibidem. que cultivão, ou em que negocião, MS que se encontra no Depar-
(24) Ibidem. tamento do Arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 207, T. C.
(25) Ibidem. 1800-1804, Popu~ação, Curitiba, Paraná.

91
90
•.
salário em moeda, mas pagamento em espécie, segundo as con. escravos e . agregados de famílias de Curitiba ( 30)
dições da economia doméstica e não de conformidade com um
1 8 00
contrato tácito de obrigações mínimas. Por outro, êle isenta
seus "senhores" dos trabalh os pesad os, braçais, ou brutos, que
na sociedade escravista são apanágio do cativo. Desta maneira, Escravos
N. de ordem Parentela Pardos
o agregado preenche funções de escravo. E isto se torna ainda das familias Agregados
Negros Pardos
mais significativo quando êle se encontra ligado a uma família
de pardos livres, que dêste modo se projetam econômica e social. 1 11 20 4 2
2 7 1 - 1
mente como "senhores". f:sse é o caso de famílias como a "7" 3 5
que, ao lado dos 8 indivíduos pardos que a compõem, conta com' 4 2 - - 2
8 agregados também mulatos; "plantão mantimento fora o que 5 12 ·- - 2
consome em sua caza vendeo naterra 6 alqres. de far.a a 480
6 10 - - 3
7 8 (pardos) - - 8
2$880" (27). As famílias que dispõem de mais recursos apóiam-se 8 6 {pardos) - - 5
em escravaria negra ou parda, que às vêzes alcançam duas a três 9 4 (pardos)
10 6 (pardos)
dezenas. A família "1", por exemplo, que é proprietária de 24 11 11 16 2 1
escravos e duas agregadas, "vive de plantar cana de que vendeo 17 5 2 4 1
este anno na terra 300 medidas de agoardente a 320 a med.a 18 5 - 5 4
35 3 10 21
26$000./Planta mantimento para seo gasto" (28). Uma outra uni- 64 12 (pardos)
dade econômica e doméstica curitibana possui 65 cativos negros 465 ? 34 31
e pardos distribuídos em quatro fazendas das adjacências. Com
Somas 107 83 67 29
relação a duas dessas fazendas, a "Lista Geral" acrescenta a
informação de que parte dos escravos se dedicam à agricultura
de subsistência. "Estes escravos só plantão mantimt.o para cume- Em conexão com a tendência para uma utilização cada vez
rem endavenderão este anno" ( 29). mais acentuada do trabalho escravo, a sociedade encaminha-se
O mundo social e humano constituído em Curitiba pode ser permanentemente no sentido de apoiar-se na organização patriarcal
melhor apreendido quando são examinadas evidências como as , da família. As duas instituições vinculam-se. dinâmicamente, sen·
contidas na tabela seguinte, onde se observa uma estrutura demo. do que uma e outra se estruturam em razão direta da expansão
gráfica que esclarece melhor certas facêtas da realidade. do setor comercializável da produção. A estrutura dúplice da
~ famíli a, em seu núcleo e na sua periferia ( 31), tanto é afetada
~~j.~

· ~w.~

(30) Ibidem.
(31) A propósito dêsse tipo de segmentação da estrutura
da família patriarcal, veja-se: Antônio Cândido, "The Brasilian
Family", Brazil, Portrai t of Half a Oontim.ent, edited by T.
Lynn Smith and Alex ander Marchant, The Dryden Press, New

ouhas famili" _r_-


York, 1951, págs. 291-312, esp. pág. 294. Em outros têrmos, as
(27) Ibidem. A me•ma "Li•ta G"al"
pardas nas mesmas condições, isto é, também
"<'''"' possuidoras de - .
questõ" <elat!vas • e•tmtu'" patriacoal da famllla b'asilffi,_, bem
como às conexões desta com o sistema econôrnico-social inclusivo,
agregados. · ~- se encontram amplamente focalizadas nas obras de Gilberto Freyre :
;
( ) Ib"d J· ~ · · Casa Grande & Senzala, 2 vols., Livraria José Olympio Editôra,
28 t em. / ?" • Rio, 1952, 7• edição; Sobrados e Mucambos, 3 vols., 2• ed., Livraria
(29) Essa família aparece sob o número "465". Ibidem. ;-~~ 1 José Olympio Editôra; Rio, 1951.

92 93
pela expansão econômica apoiada em trabalhadores cativos, OQ do distrito de Curitiba em 1818, Saint-Hilaire registra
escravos disfarçados, como muitas vêzes são os agregados, dados ( 33).
tende a provocar modificações na estrutura ocupacional da unidade
Há uma conexão dinâmica entre os componentes institucionais d~ -~+-'­ População do Distrito de Curitiba
comunidade que somente se esclarece quando consideramos 0 1818
fundamento escravista da sua estrutura, parcial ou plenamente rea.
lizada. Como tendência geral, contudo, a análise da escravatura Brancos .. .. . . ... ....... .. . . ..... .. . 6.140
numa área periférica como a que estamos examinando revela 0 Mulatos livres .. . . . ..... ... .. . . . ... . 3.036
seguinte: a estruturação ou o revigoramento da ordem escravo. Negros livres . .. .. . .. . ... . .... . . . .. . 251
crata implica sempre na instauração ou desenvolvimento de insti. Mulatos escravos . .... . ..... . .. .. .. . 544
tuições pré-capitalistas. Haverá uma época, entretanto, quando 0 .· . Negros escravos .. . . ... . ...... . . . .. . 1 . 043
próprio sistema capitalista, em que estão inseridas as economias....r-~~ Soma .... . ...... .... . . . ..... . . . . . 11.014
coloniais escravocratas, já não suporta essa coexistência. Então:
o que havia sido essencial ao processo de acumulação capitalista . , ,, , . .. , . _
se torna impedimento à expansão ulterior deste sistema raz- ~· _
ela qual ci capitali,mo aluando extoma ' intomamonto 'dost:-~
aP escravatura. ' '
01 -.~··
.
..~ :::
. Nessa epoca a VIla de Cuntiba reune 220 habitaçoes pequenas
e cobertas de telhas, cujos habitantes dispersam-se em atividades
, cliferentes, especia
. Imente agropecuanas., . "N o decorrer da semana,
. , . , . . , ..,. · : · ~~...- Curitiba não é menos deserta que a maior parte das vilas do
. Em prmcipiOs do sec~l~ XIX Cur~tiba e . uma pequena comu.., -interior do Brasil, diz Saint-Hilaire; quase todos os seus habitantes
mdade crescendo com lenhdao. Os efeitos estimulantes provocados ; são, como em muitos outros lugares, agricultores que não ocupam
pela instalação de engenhos de mate e pequenas oficinas sõment; - as suas casas senão aos domingos e nos dias festivos, atraídos
começaram a atuar a partir da terceira década, quando ocorrem ·~: pelas cerimônias religiosas" ( 34). Uma parte do contingente ati v o
também modificações cada vez mais . rápidas na sua estrutura · ·:.' ·dessa população distribui-se em 948 agricultores, 31 comerciantes,
ecológica. Em 1811, segundo estatística publicada no jornal O r.' !·~ t 205 assalariados, e 50 tropeiros, além dos escravos e escravas
Patriota, a população "paranaense" possuía cêrca de 20% cativos. - ~ "'ocupadas em atividades agrícolas, de criação, artesanato urbano,
Nessa época "o Paraná contava apenas 34.940 habitantes, do quaes ,:-: · serviços domésticos etc. ( 35) · Essa estrutura ocupacional, contudo,
28.100 livres e 6. 840 captivos" ( 32). Se considerarmos que havia :~ pode ser melhor compreendida se tomarmos outros dados, relativos
negros e pardos entre os livres e que êstes correspondem, em 1818, ":- ,~ -;:. a alguns anos ~pós, quando .são feitas referências explí~itas. ao
por exemplo, a 30% da população global de Curitiba, podemos ,, trabalho dos, cativos na com~mdade. Em 1830, a populaçao ativa,
estimar grosseiramente em cêrca de 15. 000 o número total dos f: como se vera na t~bela .a~aixo, alcançava 0 total de 3 · 697 traba-
- d a C d p , . :, . lha dores, dos quais praticamente a metade eram escravos ( 36).
negros e pard os d a popu1açao a 5. omarca a rovmc1a -
de São Paulo, naquela data.
(33) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, Voyage dans les Provinces
Antes de se iniciarem os surtos de expansão da comunidade, de Saint-Paul et de Sainte-Catherine, citada, tome second, pág. 130.
devidos aos desenvolvimentos da economia do mate, ao desloca· Em 1815, contaram-se 1. 783 fogos em Curitiba, incluindo as fre-
mento de engenhos para Curitiba, ao afluxo de imigrantes etc., guesias de S. José dos Pinhais e Tamanduá (Cf. Documentos Avul-
·sos, Vol. IV, edição do Departamento do Arquivo do Estado de
o grupo negro e mulato alcançava 45% dos habitantes. E dêstes, S. Paulo, São Paulo, 1954, págs. 24-25).
aproximadamente 15% são escravos. Referindo-se à composição (34) Cf. A. Saint-Hilaire, op. cit., pág. 120, também pág.
136.
Idem, pág. 131.
(35)
(32) Cf. "Resumo Histórico dos Inquéritos Censitários Rea· Cf. Mappa Geral das Ordenanças da Villa de Curitiba
(36)
lizados no Brazil", publicado em Recenseamento do Brasil, realizado anno de 1830, MS encontrado no Departamento do Arquivo do
em 1 de Setembro de 1920, vol. I, Introdução, Typ. da Estatistica, Estado de São Paulo, Caixa 213, T . I., 1828-1830, População, Curi-
Rio de Janeiro, 1922, págs. 401-483; citação extraida da pág. 459. tiba, Paraná.
~

94 95
Estrutura ocupacional de Curitiba principalmente para co~s?mir, exportando-~e os. excede~.t~s, artigos
tais como: couros, t01cmho, charque, la, m1lho, feiJao, fumo,
1830 trigo, congonha, arroz, carneiros, gado vacum e cavalar etc. E
importava-se de outras vilas ou cidades do Império, ou de outras
nações, açúcar, sal, vinho, vinagre, aguardente, bois e potros ( 38) .
Ocupações N. de pessoas
A conjuntura econômica paranaense, conforme ela pode ser
Corpo militar .. . .... . ... .. . _. . . . . . . . . . 2 apanhada através dos artigos de exportação e seus valores, onde
Clero secular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Magistratura e empregos civis . . . . . . . . 9 se refletem os seus setores mais importantes, é fundada especial-
Lavradores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 700 mente na agricultura, pecuária e atividades extrativas. Vista dêsse
Negociantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 ângulo, ela está apoiada na utilização de fôrça de trabalho quali- )
Artistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 tativamente simples, já que não se dedica às ocupações complexas
Jornaleiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272 )
Arreeiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 · de um sistema econômico baseado em tecnologia complicada.
Escravos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 859 Para a época à qual nos referimos, isto é, a primeira metade do
Escravas . . -. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 863 século XIX, essa produção resulta em sua maior parte do regime
Pobre·s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 673 escravista. A presenÇa dos negros e mulatos escravos é ·constante
Vadios e mendigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
em setores da produção tais como: fazenda de gado, engenhos
Soma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.697 de mate, de açúcar e aguardente de cana etc. (39). Antes, con-
t~do, vejamos como se exprime a economia nos seus valores de
exportação. Os produtos que a quinta comarca da Província de
Considere-se, ainda, que havia elevado coeficiente de negros São Paulo exportou nos anos de 1835-36 incluem, além da con·
e mulatos, principalmente êstes, livres e dispersos nas diferentes ganha, gêneros tais como: arroz, açúcar, café, doces, aguardente,
atividades mencionadas. Além dos cativos, havia cêrca de um madeira, cal, carne-sêca, amarras, feijão, fumo em corda, farinha
têrço da população livre composta de indivíduos "de côr", como de mandioca, algodão, lenha, chifres, bêtas, milho, goma. f:sses
se observa na tabela seguinte (37). são os artigos cujos valores exportados Müller registra em seu
Ensaio Estatístico ( 40).
População de Curitiba

1830 (38) Cf. Mappa Geral da.s Produçoens e Exportaçoens da


Villa de Coritiba, amw de 1830, MS encontrado no Departamento
do Arquivo do Estado de São Paulo, Caixa 213, T. I., 1828-1830,
Condição N. de Pessoas
População, Curitiba, Paraná.
( 39) Como se verá, encontramos referências a engenhos de
Brancos ...... . ..... . . . .. . . . ... · · · · · 8.458 açúcar e aguardente no Planalto Curitibano. Não é improvável
Negros livres ....... ..... . . . .. ..... . 221 que também algumas fazendas tivessem fabricado êsses gêneros,
Mulatos livres ..................... . 3.746 como produziam outros artigos, conforme já vimos. No litoral, na
Escravos negros .. .. .. . . . . . . ... .... . 1.076 segunda metade do século XIX, cativos ainda forneciam a fôrça
Escravos mulatos .. .... ... . . . .... .. . 691 de trabalho necessária em engenhos dêsse tipo. Segundo relata
Nestor Victor, " ... a lavoura, principalmente a de canna, e a fa-
Soma 14.192 bricação de aguardente, realizadas em vantajosas condições, com
o braço escravo, vinham completar o sympathico quadro de activi-
. . . _ . . ·- dade e florescimento que então por toda parte ali (Marretes) se
A produtividade do sistema economiCo, bem como a capacl·--=- l -- __ podia observar" (Cf. Nestor Victor, A Ten·a do Futuro (Impres-
dade de consumo da comunidade continuava restrita. Produzia-se ~ sões do Paraná) Typ. do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C.,
- Rio de Janeiro, 1913, pág. 57).
( 40) Cf. Daniel Pedro MUller, Ensaio d'um Quadro Estati.stico
(37) Idem. da Província de S. Paulo ordenado pelas leis provinciaes de 11
~

96 ., 97
Exportação pelo Pôrto de Parana{{uá Paulo, perto de 7. 000 cabeças de gado bovino" ( 4 1) . Na renda
da Província a importância relativa e absoluta do valor das taxas
1835-1836
~ ~
- -- ·.· ~_ .,.;; de passagem de animais pelos registras é sempre elevada, indicando
-----------------------------.::~~ .~: -. 0 relêvo dêsse comércio no quadro da economia provinciaL "A
Gênero Valor em réis renda que mais avulta é a proveniente da passagem de animais
cavallares e muares pelo registro do Rio-Negro, a qual foi no
Erva-mate . . . ... . .... .. . . ..... . . 169:204$000
Carne-sêca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8:504$000 exercício de 1854-55 de 156:148$320", importância esta cores-
Arroz ........... . ............. . 6:149$000 pendente ao trânsito de 112.266 cavalos e 53-524 mulas ( 42).
Madeira ................ . . . .. . . . 3:591$320 Em Curitiba o sistema econômico apóia-se em um conjunto de
Açúcar (reexportado) . . ........ . 2:417$800 "estabelecimentos" agrícolas, de pecuária ou outros, destacando-se,
Bêtas .... . .. . . _........ . ..... . 1:664$000 segundo registra Müller, 7 pequenas destilarias de aguardente,
Cai . ......... .. ....... ... ... _.. . 1:617$600 "" ~•.;.:;:; . .._ 38 fazendas de criar e 22 pequenas fazendas de café, além das
Amarras, viradores e estopa .... . 1 :527$000 outras emprêsas não recenseadas ( 43 ) . A produtividade dêsse sis-
Fumo ..... .... ... ... .. , _. ... . . . 1:410$000
tema concentra-se em: café, farinha de mandioca, feijão, fumo,
Aguardente ... . .... . ........ .. . . 740$000
Café . .. . .. .. .. . . .. .. . ..... . .... . 283$800 milho, porcos, gado vacum, cavalar e lanígero, toucinho, trigo e
Farinha de mandioca . .. . . ... . . . 168$000 erva-mate, que entra com o maior valor da produção da área (44).
Feijão . . .. . . . . . ... .. ... .. .... .. . 156$000 f;sses gêneros destinam-se ao consumo local e às trocas com
Lenha . .. .. . ...... ......... . . . .. . 132$800 outras vilas, especialmente da marinha, ou então à exportação,
Chifres . . ............. . ........ . 104$750 como o caso da congonha. As atividades produtivas fundamentais
-Goma .... ..... ....... . . . . ... .. . 92$000 e secundárias são realizadas por negros, mulatos e brancos, escravos,
Algodão . ... . . ..... ..... . .. .... . 89$600 agregados e livres. Os trabalhadores livres considerados no inqué-
Milho . . .. . .... .. . ... . . ... . . ... . 36$000
Doce .. . .. ... . . . ..... ....... ... . 12$800 rito de Müller distribuem-se do seguinte modo: 1 músico, ll
carpinteiros, 8 ferreiros, 2 seleiros, 8 ourives, 5 oleiros, 1 pedreiro,
Soma ...... .. . . ... . ..... .. . . 197:900$470 10 alfaiates, 12 sapateiros e 1 fabricante de coxinilhos ( 45).
É necessário destacar, contudo, que havia um grande número de
agricultores e comerciantes, bem como escravos e escravas, não
Como se observa na tabela supra, o mate entra com discriminados por êsse autor, cuja fôrça de trabalho entra no
de 85% de valor total da exportação efetuada através de sistema produtivo. É o que revelam os algarismos seguintes.
de Paranaguá para outras províncias e países. Essa preeminência
será mantida no decorrer do século.
Note-se que êsses valores são uma expressão parcial da eco- ( 41) Cf. Nicoláo Joaquim Moreira, "Noticia sobre a Agricul-
tura do Brasil", in ((O Imperio do Brasil na Exposição Universal
nomia paranaense, pois refletem somente a produtividade dos "de 1813 em Vienna d'.Austria", Typographia Nacional, Rio de Janeiro,
setores cujos gêneros encontram mercado no exterior ou outras 1873, pág. 48.
províncias do Império. Convém recordar que as dimensões res- ( 42) Convém lembrar que nessa época a economia cafeeira de
tritas das comunidades e a relativa especialização da produção São Paulo absorvia ainda muitos muares; utilizados em transportes
nelas efetuada exige a comercialização de alguns produtos em de café para os portos de embarque, começam a ser substituidos
em décadas posteriores com o advento das ferrovias (Cf. Relatório
escala regional e local. A título de exemplo, cabe mencionar· apresentado à Assembléia Legislativa Provincial da Provincia do
que, em média, "do Paraná , exportam-se annualmente para S. Paraná, no dia 7 de janeiro de 1857, pelo vice-presidente José An-
tônio Vaz de Carvalhal, Typ. Paranaense de C.M. Lopes, Curityba,
...,...- ,~ 1857, págs. 73-74).

de .Abril de 1836, e 10 de Março de 1831, reedição litteral ( 43) Cf. Daniel Pedro Müller, op. cit., pág. 131.
na Secção de Obras d'"O Estado de S. Paulo", São Paulo, (44) Idem, pág. 128.
págs. 233-234. (45) Idem, pág. 243.
~

98 99
População de Curitiba ( 46)
para a população que aflui (47). Houve, naturalmente, uma in-
1837 teração dinâmica entre os desenvolvimentos da economia e as
transformações políticas que terminaram com a criação da Pro-
Categoria N. de pessoas víncia do Paraná (1853). Assim como Curitiba se torna capital ·;
da Província em conseqüência da posição privilegiada, com relação
Brancos . ... . . . . .. .... · · · · · · · · · · · · · · · 9 . 806 às outras vilas da 5. a Comarca (48) e da sua importância eco-
Indios ..... ... . . .. · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 2 nômica crescente, em seguida, a condição de capital propicia, por
Pardos livres . . . .......... . . . ....... . 4 . 119
- sua vez, a formaçã o de novos fatôres de expansão. É por
Negros livres . .... ..... . . ... .. ... . 289
Escravos negros . . . . . . . . . . .......... . 1 . 237 isto, por exemplo, que, após a instalação do govêrno provincial
Escravos mulatos .. .... . ..... . ...... . 704 em Curitiba, os pedidos de lotes de terras elevam-se repentina-
mente, passando de 52, em 1852, para 114, em 1854. Nessa
Soma ...... ..................... . 16 . 157 época, a exportação da área terá crescido bastante com relação
às décadas anteriores. É o que · se constata pelo exame dos
Para os fins .desta investigação, é conveniente ressaltar que algarismos fornecidos por Vieira dos Santos ( 49). tsses dados,
a população mestiça da comunidade, da qual uma parcela ainda confrontados com os anteriores, revelam que o valor total da
é mantida cativa, continua crescendo, atingindo um têrço do exportação cresceu cêrca de três vêzes mais. E a congonha, que
total. Como se verá posteriormente, os pardos serão, daqui por entra na exportação de 1848-49 com cêrca de 90% do total, teve
diante, produtos dinâmicos no próprio contexto em que foram o seu valor aumentado em quase quatro vêzes.
gerados.
A partir da terceira década do século XIX, Curitiba bene·
ficia-se cada vez mais da expansão econômica da área. Os en-
genhos de mate do litoral transferem-se para a vila, provocando
o adensamento da população e propiciando reajustamentos eco-
lógicos que redundam no crescimento da comunidade. A partir
de 1836, a Câmara Municipal de Curitiba começa a ·doar lotes
(47) As "concessões de cartas de datas de terras no quadro
de terras a um contingente crescente de interessados em construir urbano de Curityba" estão relacionadas no Boletim do Archivo
"fábricas" de mate ou habitações familiares. Em 1856 as conces- Municipal de Curityba, Vols. XLVIII a LXII, Impressora Parana-
sões atingem o seu ponto modal, com 119 cartas de datas de terras ense, Curityba, 1930 e 1933.
do quadro urbano atribuídas aos candidatos. De 1836 a 1865, . ( 48) De acôrdo com Zacarias de Góes, os fatôres que levaram
segundo consta dos têrmos de vereança de Curitiba, são feitas à localização da capital em Curitiba foram assim formulados :
1. 046 doações para o estabelecimento de engenhos novos, a ins- "ser a Curityba mais central e bastante populosa"; "as provi-
dencias do governo partem e distribuem-se mais prompta e regular-
talação daqueles trazidos de outras vilas ou construção de mente por toda a província .. . "; "só a freguezia da cidade dá dous
terços do número de eleitores de toda a marinha, e o respectivo
collegio eleitoral quasi a metade dos eleitores da província" (Cf.
f ê · os arte Relatório do Presidente da Província do Paraná, o Conselheiro
sãos (46) em Idem,
décadaspág.postenores,
165.. Algumas
encon tre
ram-se e aVaels~rrl.ad~ Piloto-• ., ··
er nclams ·;:.;'-~ pZacarias
. . de Góes de . Vasconcellos, na abertura da Assembleia
'
"Reportagem so"bre o Mov1men· t o Abol1·c1·0 n1·sta no Paraná" , "Para· -. , ·;.v....
.' rovmc1al,
. em 15 de . JUlho de 1854,
. Typ. Paranaense de Candido
· --->', do mesmo a u tor, s/ l'nd . do editor, _Curitiba, . 1938, págs. - ~ ~·,..,.... Martms Lopes, Cuntyba, 1854, pags. 9-10) .
n~st<.e.õ
47-112, passim. Ainda escravos artesãos sao menc10nados .por ( 49) Cf. Antônio Vieira dos Santos, Memórias Históricas
David Carneiro, Frederico Virmond e sua vida, J. B. Groff, editor, ~ da Cidade de Paranaguá e seu Município, 2 vols., edição do Museu
Curityba, 1929, págs. 25-26, relativamente a Lapa. Paranaense, CU{itiba, 1952, 2o vol., págs. 310-311.

100
101
Exportação pelo Pôrto de Paranaguá serão examinadas adiante (51) . Em alguns municípios a partici-
..= t't ~ z:. pação do grupo _n ~gro e pardo, escravos e livres, é maior que_ na
1848-1849
-- · Capital da Provmcia, como na Lapa, por exemplo, onde os cativos
~
alcançam 34% dos habitantes. Êsse coeficiente tem significação
Gênero Valor em réis especial, pois que esta comunidade é um centro pecuário impor·
Erva-mate . . .. . ... ............. . 696 :510$429
tante na economia paranaense do gado. Em Ponta Grossa e
Madeiras diversas .. . . .......... . 30 :416$827 Jaguariaíva, que também dedicam a maior parte dos seus recursos
Arroz ........... . ............. . 22:850$600 materiais e humanos à criação e comércio do gado, os escravos
Aguardente ... . ................ . 10:345$800 atingem 33 % e 44 % , respectivamente. E mesmo em Palmas, que
Fumo ......... ........... ..... . 3:812$800 se povoara há menos de vinte anos, e onde se haviam instalado
Farinha ...... . .............. .. . 2:871$240
Feijão ............ . ... ......... . 2 :697$120 fazendas de criar, os cativos totalizam mais de 20% dos habitantes.
Ouro em obras .. . .. . ... ....... . 1:832$000 Nessa comunidade, como se verá na tabela seguinte, os negros
Casca de Mangue . ....... . .. . . . 886$000 e mulatos, livres e escravos, alcançam mais de 50% da população,
Lambiques ...... . .......... . ... . 630$000
Galinhas . ........ .. .... . .. . ... . 383$220 0 que nos permite supor que pràticamente a totalidade da fôrça
Leitões . . .. ..... . ... . .......... . 349$340 de trabalho é fornecida por escravos ou seus descendentes negros
Batatas ... . ... ... .- .. . ......... . 340$985 e mulatos. Aliás, também em aldeias indígenas encontram-se
Bananas .................... . .. . 158$790 .negros escravos, ocupados em diversas atividades. No Aldeamento
Açúcar ................. . ... ·... . 119$000 de São Pedro de Alcântara, fundado em 1855, segundo afirma
Toucinho . .. . ........... ... .... . 98$540
Jasmim ........... . ........... . 78$860 em carta o Frei Timotheo de Castelnovo, "foime preciso eu tomar
Café ... ....................... . 57$200 conta de todas as coisas enclusive da cusinha dos negros . .. ". E
Milho ................ . ... .... . . 46$520 acrescenta, em outra missiva, referências às necessidades de "ração
Ovos de galinha ............ . . . . 40$520 para 70 e mais escravos; que espalhados, e nú se a chão debaixo
Doce .. . ............ . .. · · · · · · · · · 38$000
Selins ........ ...... ........... . 30$000 da minha direção" (52). Portanto, continuando a manifestar-se
Fio ....... . ... . ... .. .......... . 16$000 0 caráter essencial da sociedade brasileira, sempre que as condições
econômicas de uma comunidade ou unidade produtiva o permitiam,
Tot ai 774 :609$791 a fôrça de trabalho do negro escravizado era utilizada; mesmo
onde a produção aparentemente não se destinava à comercialização.
_ Essa produção é o resultado do esfôrço produtivo de escravos,
agregados e t_rabalhadores livres, brancos, mulatos e negros, con· (51) Cf. Documentos a que se refere o Relatório do Presidente
centrados em algumas regiões· da Província, onde Curitiba aparece ~. ~;r , da Província do Paraná, Zacarias de Góes Vasconcellos, na aber-
com a maior concentração populacional. A partir de meados : ·,: . tura da Assembléia Legislativa Provin_cial, em 15 de julho de 1854;
dó -século, contudo, a área começa a beneficiar-se com um nôvo~ -; ;;. - Typ. Paranaense de C. M. Lopes, Cuntyba, 1854, Mappa N. 14.
fi · - ,. · 1 · l (52) Cf. "Frei Timotheo de Castelnovo", por Arthur Martins
_ uxo d e co Iomzaçao europeia, CUJOS aspectos re evantes para esta f' Franco in Revista do Circulo de Estudos "Bandeirantes" tomo I
análise serão apontados adiante. A própria Curitiba passa a ser -- ,: n• 3, Curitiba, setembro de 1936, págs. 203-212; citação> extraid~
procura~a especialment_e por alemães ou descendent~s proven~entes "M "'_[.::_~::. ~a pág. 207. Outras referências a escravos negros em . aldeamen~o
do ambiente rural (50). Em 1854 segundo Zacanas de Goes e - ~ - - mdigena, provàvelmente o mesmo, encontram-se em . Relatóno
- d p ', · , 16ot d -~ --- apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da Província do
Vasconce11os, a popu Iaça~ a rovi?~Ia r.e,une ,o e _escravos, Paraná, no dia 7 de janeiro de 1857, pelo vice-presidente José
ao passo que a escravana em Cuntiba Ja estava reduzida para Antônio Vaz de Carvalhaes, Typ. Paranaense de C.M . Lopes,
cêrca de 9 %, indicando modificações no sistema produtivo que ~-1 ·:.,. Curityba, 1857, págs. 60-61; Relat61·io apresentado ao excelentíssimo
- ·senhor doutor Francisco Liberato de Mattos, muito digno Presi-
dente da Província do Paraná, pelo 2• vice-presidente José Antônio
(50) Em 1856, entre 119 solicitações de terrenos e pedidos Vaz de Carvalhaes, sõbre o estado da administração da -mesma
para alinhamentos para edificar, podem ser identificados 23 cujas Provincia no anno de 1857, Typ. Paranaense de C. Martins Lopes,
assinaturas revelam sobrenome de origem germânica. Curityba, 1858,~ pág. 88.

102 103
População do Paraná (53) são reduzidos ràpidamente. Essa época corresponde a um ponto
de inflexão no processo de utilização do trabalho cativo no Paraná,
1854 especialmente em determinadas áreas, como em Curitiba, por exem·
pio. As colônias rurais estabelecidas em tôrno da Capital, bem
Quanto à condição como outras localizadas em regiões não exploradas até então,
Quanto à côr
Municípios Total começam a produzir resultados econômicos de importância, pas-
Brancos Mulatos Negros Livres Escravos sando a refletir cada vez mais decisivamente sôbre o mundo social
e humano de Curitiba. Antes de estendermos a análise a êsse
Paranaguá ... .. 4.150 1 .109 1.274 5 . 259 1.274 6 . 533 fenômeno, convém examinar mais alguns aspectos, significativos
Guaraqueçaba . . . 2.846 382 248 3 .228 248 3 .476
Guaratuba ...... 736 630 198 1.389 175 1 .564 oara esta monografia, das transformações da economia ervateira.
.Antonina ....... 2 .664 604 892 3 . 322 838 4 .160 Tanto a colonização como as expansões e modificações do sistema
Marretes ....... 1 .563 1.234 912 2 .954 755 3.709 econômico fundado na extração, beneficiamento e comércio da
Curitiba .. ... . .. 4.624 1 . 293 874 6.213 578 6 .791
S. José dos Pinhais 2 .696 992 972 4.295 365 4 .660 congonha, ligam-se diretamente ao processo de desagregação do
Campo Largo ... 2 .101 979 610 3 . 331 359 3 .690 · regime escravista no Paraná.
Palmeira ........ 1 .028 427 363 1.549 269 1 .818
Yguassu ........ 95.2 629 71 1 . 581 71 1.652
Vutuverava ..... 1.060 815 143 1.892 126 2 .018 3. A desagregação da economia escravi..sta
Príncipe (Lapa) - - - 3.548 1.858 5 .406
Rio Negro . . .... . 868 952 64 1 .807 77 1.884 O engenho de soque à fôrça humana escrava foi substituído
Castro ........ .. 3 .618 1.295 986 5 .103 796 5 .899
Ponta Grossa ... 1.889 746 398 1 . 964 1.069 3.033 .pelo engenho hidráulico que, por sua vez, deu lugar ao engenho
Jaguarahiva . .... 490 260 321 631 440 1.071 a vapor. As transformações tecnológicas operaram na emprêsa
Tibagy . .. . .... . 801 492 347 1.286 354 1 .640 ervateira durante o século como um componente natural do pro·
Guarapuava .... . 1 .193 909 418 2.141 379 2 .520
Palmas ......... 354 220 160 576 158 734 cesso de expansão da economia do mate. Obviamente algumas
dessas modificações teriam provocado a redução da área de par-
Soma .. . .... 33.633 13 . 968 9.251 52.069 10 . 189 62 .258 ticipação do escravo no processo produtivo, bem como teriam
forçado a sua substituição pelo trabalho livrei1Já um momento,
Como vemos, em 1854 a população curitibana reunia cêrca 0 que resta ainda a determinar, em que a inversão de capitais .
de 30 % de negros e mulatos, sendo quase 9% os cativos, ao em escravos se torna onerosa em face da rentabilidade que o
passo que a paranaense alcançava, respectivamente, 40% e 16%. empresário pode obter comprando fôrça de trabalho por dia, por
Estava em curso o processo demográfico de branqueamento naquela semana ou por mês. Os novos fatôres que geram, por exemplo,
comunidade. Enquanto em outras comunidades o contingente de a fraude na produção do mate estimulam também transformações
escravos permanece elevado, em Curitiba, em conseqüência dã tecnológicas, visando o aumento da produtividade. O que está
operação de fenômenos econômicos, políticos, demográficos, êles em jôgo é o modo de utilização do trabalho produtivo, do qual
o seu proprietário (senhor de escravos) ou comprador (assala-
(53) Cf. Documentos a que se refere 0 Relatório do Presidente ..-.....·, .....__ riador) deseja obter o maior rendimento, restringindo o emprêgo
da Província do ~araná, Zacarias de Góes e Vasconcellos, na aber- ~ · improdutivo dos meios de produção disponíveis. Segundo Marx, ..
tura da Assembléia Legislativa Provincial, em 15 de julho de 1854; · em reflexões sôbre 0 processo de racionalização inerente à economia
~· ~aranaense de C. M. Lopes, Curityba, 1854, Mappa N. 14. O .. " •
leitor mteressado no conhecimento do estado do regime servil nas ; L. .. mercantihzada, em todo processo de trabalho a força de trablho
comunidades do litoral, cuja economia, depois da fase do ouro, con· ::-:-- aplicada, sob certas condições técnicas, de um modo improdutivo,
centrou-se _:m agricultura de subsistência, beneficamente, comércio ~ mas inevitável conta exata.mente da mesma maneira que a em-
e ex~ortaçao da erva-mate, além do comércio e exportação de '. • · - ·· · · •
madeira, arroz etc. tem nas estatisticas referentes a Paranaguá, pregada produtivamente. Toda movaçao que diminUI o emprego
Antonina e Marretes alguns elementos sugestivos para análise. , improdutivo ~s meios de trabalho, matérias-primas e fôrça de

104 105
I

~I
trab alho, reduz também o valor do produto" (54) . Estas são . -- Se considerarmos, como verificaremos adiante, o decréscimo I
1
as condições internas responsáveis pela substituição progressiv ~ - - · - ~ tivo da pop ulação escrava associado ao crescente estímulo da

~
I
. . - a_ _ re a . d d , I
d o _escravo pe Io t:a ba lh a dor 1Ivre,_ pms _como . este p~de ser sub. · i ... ~''imigraç ão colomzadora, na segunda meta e ;! ~ecu o, ve~e~o_s '

metido a outro sistema de controle e m centivos, alem de estar _;;:· -:- evolução dessas cifras revela uma relaça o mversa, sigm h· '
..r.J1;

suj. eito
. a. d em1ssao
. - ou a dmissao, . - co n f orme as exigências da ern. ~ ·. ::;;. c . que a
. para as reflexões que estamos desenvolvendo. O coeficiente
prêsa, " o trabalho feito por h omens livres, como o diz Adarn - : ·:~ :·._ cauva b lh escravo no total da fôr ça de trabalho aplicado à
Smlt . h , se torna ao f'ma I mais . b arato que o rea l'Iza d o por es. ... . , ""·~ ~.)lo--de dtra - a ,o da vez menor Em outros têrmos as transformações
cravos" (55 ) . -- : ;.:: pro uçao e ca · _ . . . . ' . :;..~
• i :-;·. {ridas pela estrutura economico-social exigiram uma paulatma
A expulsão do escravo da economia do mate é um fenômen~ ' -~ ' .so bstituiçã o do escravo pelo trabalhador livre, ao lado de renova·
f,
·•
~ s tecnolóo-icas
5
resultante das transformações qualitativas sofridas pela própria ·-, destinadas a aumentar o rendimento do trabalho '!
- _ . C
es t ru t ura d esse segment~ economiCo. - om o crescimento c~ntínuo .:. ..i
.
r . çoe o
humano. Aliás, o significado dêsse processo . se torna maiS c1aro
. ~
·~
do valor da exportaç~o da erva, esse _setor da produçao vai~_:; ~ :-· ~se observarmos mais alguns aspectos ?o funciOnamento da ~co~o -

~~
sendo afetado progressivamente, de maneua a transformar-se ern .,. ...... _ . tei'ra Em 1854 Zacarias de Goes e Vasconcellos o pnmeuo
· · d · - , . :; .·- Inia erva ·. , ,
um sistema apoia o cada vez mais na renovaçao tecnologiCa e na ·"
- de t r a h a !h o I'Ivre, em su h stltmçao . . - a. escrava. O aumento _. ~
·G.. - . .... presi
'd t da recém-criada Província do Paraná mostra-se alar·
f orça d en e · depende'nc 1·a da economia' paranaense do
- b f' · d h. d · XIX --- ~ma o com a excessiva
d a· extraçao
· e eneA ICio a - congon d a urante o seculo , eleva-se - ·-=.~•.,. · tor ervateuo. • - poucas as "f a' b ncas
5 ao · " I. m
-· portantes da Província
contmuamente.
'l
expansao o mercado nos pa1ses do Prata e--- ·-~se
f · d'" ·
no Ch I e exerceu um e e1to mam1zador nessa atividade, estimulan- ~ :;. - e I
· · . '= d d'cadas a outros setores.
h
A I d d
o a o e uns poucos engen os
d d "
· "
"
h
h
~
d · " " o e escascar arroz e engen os
do-a sob diversos aspectos. A partir de 1837, em especial no firn ' de serrar ma eu,~ ' engen s . "
do século, o volume de exportação para Montevidéu, Buenos Aires ~ - de fazer assucar ' sobressaem ~ais de 90 _engenhos de soc~r
e Valparaíso cresce progressivamente. Romário Martins, que reu- erva" (57). E teme, segundo _a:Irma, um~ ~r~se desastrosa, poiS
niu dados sôbre a produção exportada durante longo período, : .~ que é demasiado alt,~ o coefic_Iente de mdividuos ocupados no
ano a ano, apresenta as cifras da tabela seguinte, onde é manifesta _ i "j,~. ~ setor da congonha. No excessivo numero de pessoas,_ q~e nesta
a progressão contínua dessa atividade. .• ; ~ _ -~{província applicão-se á produção ·de mate q~~r no pnmeiro_ pro·
~~-' 1 -cesso da herva em rama, quer no de beneficio que lhes da o as
Erv!mate exportada do Paraná (56) ·}·~ . fabricas, existe também um germem de ruina./Dissereis, ao ver
· · - a ancia com que todos, ricos e pobres, velhos e moços, homens
e mulheres, occupão-se e tratão de congonha, dissereis, repito, que
Anos Quilos
• ·só 0 carijo faz viver, e que sem num engenho de socar mate não
1837-38 ... .. ... . . ..... . ... . . . .. . . 46.380 ~e pode fazer fortuna./Ora, he huma lei economica - que todo
1845-46 .. . ... . . . ... . . . .. .. . . . . . . . 182 . 160 amo de industria, á que se aplica maior somma de trabalho, e
1856 . . .... .. .. . . .. . ... .. . . .. . . . . 6 . 905.695 capital do que o que elle naturalmente comporta, tende a de·
1866 ' . . ... . . . . . . . - ... . . ' . . . . . .. . . 9.877 . 218 cahir" (58 ) . Essas afirmações ficam comprovadas em sua parte
1876 . ' . . . . . . . .. ' . . . ..... . .. ' .. . . 12 . 702 . 371
1886 .. .. . .. . . . . . .. . .. . . ... . . . . ' . 14 . 524 . 420 essencial quando examinamos os valores dos três produtos que ~

1896 ... .. .. . ... . ....... . . . . . . . . . 25 . 098 . 930 entram com os maiores coeficientes nas exportações paranaenses.
É o próprio Zacarias de Góes quem fornece êsses dados.

Cf. Karl Marx, E l Capital, citada, tomo II, pág. 259.


(54)
(55 )
Cf. Adam Smith, The W •alth of N ati&M, two vols.,
M. Dent & Sons Ltd., London, 1954, volume one, pág. 72 . Vol-
taremos a esta questão no capitulo V, quando o processo em causa
J. 1:-'., ,
(57) Cf. R • latório do p,,;d,nt• da P.ov;nda do
· 1 -:- ... conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos, na abertura da Assem-
' :-,~ .. bleia Provincial, em 15 de julho de 1854, Typ. Parana ense de
Pa<an~ o

será um dos temas centrais da anãlise. ··· ~ Cândido Martins Lopes, Curityba, 1854, pág. 73.
(56) Cf. Rornário Martins, Ilex-Mate, citada, págs. 249-250. ·:;· · (58) Cf. Rflatório, op. cit., pág. 69.

107
106
Em síntese, a decisiva predominância da congonha na economia
Exportações paranaenses (59) determinada pela expansão do consumo nos mercados
'estimulará, ao lado da fraude, também a renovação
1854
do enO'enho. Já em 1857 um presidente da Província
belece um prêmio o de 6:000$000 ao inventor de " uma mach'ma
Artigos Valores esta fabrico do matte .
que se avantaJasse, pe los menos 30 ot. ;o ,
0
pabra 0 methodo usado nesse tempo". Depois, em 1862, nova
Erva-mate 527:619$780 so re
Madeira e tabuado .. . ... .. .... . . 42 :070$070 _ · "autorisava os estudos sobre os melhores processos para o
1t~rico e acondicionamento do matte". Em seguida, em 1875,
Arroz pilado ............. . ..... . 15:130$090
a t a lei voltará ao problema da qualidade do produto ( 63).
, _ . . . o.u r maneira é estimulado o au_mento d a pro,d utivi
Desta · 'da de e a
. Dai a_ fraude na _P~eparaçao do artigo e as suctss~vas rne- .;::-4 ;.. .·;melhoria do teor do artig~ .. E assim se :xp~lsara o escravo do
didas destmadas a coibir os abusos. Em 1824 um termo de ~·~i:"' ' terior do engenho, substitumdo-o por maqumas novas e traba-
vereança registrara que. "s~, passou Edital para nin~uem fazer<~~ ·~- _,. ~adores livres, dos quais se ~o~p~ará apenas a !ôrça de trabalho,
congonha ~a Erva caum~ha (60). .P.ou?os anos ~e~ois repetem. · ~de conformidade com as ex~gencia~ da produçao. E~m suma, a
se preca?çoes da~ autondad;,s mumcipais de Cunti~a, no mes:_.:. '-~- dinâmica da emprêsa erva teu a, alem~. de outros . f_:nomenos que
mo . sentido, destmadas a co.rta_r os ~b?zos praticado_s pelo /- :,: atuaram na comunidade, traz no seu boJO a destrmçao. do tr~halho
fabncante da h erva matte substitUindo cnmmozamente a mgenu1f • -. · · .,. . avo. Aí se encontram alguns dos fundamentos e smgulandades
Congon h a por outras p Iantas h eterogeneas. . . " (61) . E o propnó , . ." ·escr d0 aboliciomsmo . paranaense, visto. como um processo socia . I·
Zacarias de Góes, já em 1854, estabelece multa de 50 a 100$00()_ · i:.. d , d ·· , · t ecanizarão
' 1 - d " 1 d h , <i • '"' No fim o peno o escravocrata Ja sera m ensa a m "'
aque es que nao aten eram ao regu amento _ a erva mate , por U , . d 1885 1 t d d~s desen·
~l d'd · d d' · l' 1 h f' · d0 engenho m anuncio e reve a o es a o e se
e e expe I o, visan o ISCip mar a co· eta e o ene ICiamento, de· .·. ,· ~. 1 · ento •na epoca , "Ven d e-se por mo d'ICO preço uma machi'na
mo d o a obter produto de boa quahdade e aumentar a renda , ·-' vo vim · d f . h t d ·
· · 1 (62) ' a vapor de 4 cavallos e orça, em mmto om es a o, quasi nova,
provmcia . .:. · T b,
~ "" ··servindo para engenho de herva-matte ou serrana. am em ven-
-cle-se um celyndro para torração de herva-matte" ( 64). Uma no-
(59) Idem, pág. 74. tícia acêrca de um dos engenhos de Curitiba na mesma época
(60) Cf. Boletím do Archivo Municipal de Curityba, Vol. XLI,.
suo-ere claramente o elevado grau de mecanização já atingido pela
Impressora Paranaense, Curityba, 1929, pág. 81. er:prêsa ervateira. "O matte é deseccado n'um grande cylindro,
(61) Conforme postura municipal de 15 de outubro de 1829,
transcrita por Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica da
Cidade de Paranaguá e seu Município, 2 vols., edição do Museu·· l;~ ~ do Paraná Francisco Liberato de Mattos, na abertura da Assem-
~,......,
Para~aense, Curitiba, 1951, 1• vol., págs. 394-397; cita!;ão extraida..,..._
·" - •, _..__·b.léia Legi~lativa P:ovincial, em 7_ de janeiro de 1853, Typ. Para-
fê,!
·"i
da pag. 394. . · ; , · -naense de c. Martins Lopes, Cuntyba, 1858, pág. 37).
(62) VE;ja-se "Regulamento da Herva Mate" transcrito no .: ..,_ ·,__ (63) Cf. }.fá.rio J. Affonso da Costa, Paraná, co~tri?uição
"Documento" anexo ao Relatório do Presidente da Provincia do Pa.:-= , ~ >..: para 0 estudo do commercio e das industria;S do Estado, mdlCaç_ão
raná, o Conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos, na abertura ~- ~ do editor truncada, Rio de Janeiro, 1913, pags. 51-52. . Outras ~n­
'·'·.i.,j da Assembléia Legislativa Provincial, em 8 de fevereiro de 1855, ,__ , "' -.-..formações relativas às inovações tecnológicas na econonna erv~teir'i .(V.
Typ. Paranaense de C. Martins Lopes, Curityba, 1855, págs. 109-110. - ~ encontram-se em: Louis Couty, Le Maté et les Conserves de Vwnde,
·')j!
l!:sse aspecto da economia ervateira continuará presente nos do-_ citada, págs. 33-34 e 62-63; Virgílio Corrêa Fi~ho, op. ci_t., págs. ·:;j
l
:ií,.1 cumentos relativos à segunda metade do século XIX, especialmente.'"".,.... ;;;. . 31-38; Romario Martins, Ilex-Mate, citada, passu:n; Francisco Ne-
nos "relatórios" dos presidentes provinciais. Como dirá alguns anos __ ·-- - grão "Ephemerides Paranaenses", Revisttt do Ctrculo de Estudos
!!i'
~t\~~
~~· ~ ..."
~~T: .:~~
. depois de Zacarias um outro presidente, "a causa de não gozar a

em s~a qua~I~ade m~z:seca, mas no ~al _a perda que lhe advem


. ,-"Ba~irantes" Tomo 1•, N• 5, Curitiba, abril de 1938, págs.
herva mate ~esta ~rov~ncia o mesmo preço do Paraguay não está• _ · f.... ····~·l:"350-401, à pág., 384.
· ( 64 ) Cf. 0 Dezenove de Dezembro, Anno XXXII, n• 156,
~:iii
:1
j
pel~ Imperfeiça? . e VICios de sua f~bncaçao, ~s quaes podem s~r ~ ; *"' Curit ba 12-7-1885 pág. 4. ;tj
" ~;" . 'I

facilmente corngidos" ( Cf. Relatóno do Presidente da Provincia ~ r' Y ' ·~


1·,
109 I
108 ,:·,
:r:.
onde uma helice se encarrega de dividir e espalhar com aos fatôres econômicos e humanos da própria zona.
ridade as folhas, que ficão assim igualmente expostas ao calot ·Em lugar de ligar-se a capitais estranhos à região ou ao país, o
do forno. / Depois um systema de pilões e um grande moinho, tra': processo de coleta, beneficiamento e exportação da congonha estru-
balhando conjunctamente, se encarregão de reduzil-as em pequenos turou-se paulatinamente com fatôres deslocados de outros setores
fragmentos e finalmente uma serie de peneiras engenhosas separa da economia regional, ou com capitais oriundos da intensificação
gradativamente os pequenos pausinhos contidos na substancia~ da renda do m esmo setor. Em conseqüência, o sistema econô-
Na Fábrica Fontana, em Curitiba, acrescenta a informação, "DãÓ w,ico-social estruturado com fundamento na produção do mate teve
emprego a 18 operarias, começando o serviço pela deseccação dá possibilidades de desenvolver-se internamente, autofecundar-se, ou
materia prima e terminando com a etiqueta da barrica que segue deslocar capitais para a comercialização da madeira, atividades
viagem" ( 65). Observe-se a referência a operários, e não "es. agrárias artesanais ou manufatureiras. Apesar da insuficiente in-
cravos", em 1885. É perfeitamente possível que já nessa épo~a · • corporação da mentalidade racional pelos grupos dominantes na
os engenhos estivessem utilizando apenas trabalhadores livres. €sse economia da erva, o que os levaria a canalizar rendimentos para
não seria o único setor da produção a expulsar o cativo, antes -"gastos ostentatórios em São Paulo, Rio de Janeiro ou Paris, ainda
mesmo da abolição, pois havia atividades que há décadas se estavam assim partes dos seus 1ucros teriam sido retidas na área, promo-
desenvolvendo apoiadas no trabalho de homens livres. A política vendo outros desenvolvimentos no mesmo setor, ou em outros · ( 67).
imigratória, iniciada em meados do século XIX no Paraná, é Com a própria expansão, contudo, ocorrerá uma diversificação
fenômeno que se liga diretamente às transformações da estrutura cada vez mais acentuada no interior do sistema. Como afirma em
econômica e social da área, propiciando, em conseqüência, o aÜ. 1886 o presidente provincial Faria Sobrinho, como se fôra um
mento progressivo do coeficiente de trabalhadores livres. eco das exclamações de Zacarias de Góes, "esta industria extrativa
continua a ser a mais importante de nossa província, pelo valor
A economia do mate foi um sistema organizado para produzir
de sua exportação e pela quantidade de actividades e braços com
para os mercados externos. Após a visita do Ouvidor Pardinho,
ella occupados" ( 68) . Apoiado na utilização da fôrça de trabalho
em correição em 1720-21, a erva começou a ser exportada em
escravo, êsse setor da produção terá delineado a nova configuração
escala crescente. Mas não se constitui, por isso, uma economia
da estrutura econômica, onde os homens são reordenados social-
colonial no sentido estrito, corrente entre economistas ( 66). lstó
iiiente de outro modo, divididos em proprietários de meios de
se deve ao fato de que êsse setor da produção foi vinculado prO'~

.·.. _ ., 1953, págs. 22-23). Algumas reflexões de Celso Furtado_ orien-


(65) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno XXXIII, n 9 168;"'"' tam-se no mesmo sentido, como se observa nas formulaçoes se-
Curityba, 26-7-1885, pág. 2. • ... guintes. "A unidade produtiva colonial era funda~entalmente um
( 66 ) Nesse sentido, a economia colonial seria o fundamento ; ·_ sistema independente, no que respeita às demais umdades que com
de um sistema económico-social organizado para exportar produtos· ·ela coexistiam no mesmo território. Todos os seus canais de
tropicais, sistema êsse voltado para os centros que exercem -9~ . ligação básicos estavam voltados para o exterior. ( ... ) Os frutos
papéis de áreas "metropolitanas", isto é, que se beneficiam ou_. do aumento de produtividade podiam ser total ou qu~e totall'!le~te
absorvem elevada parcela do pro.duto do trabalho dos grupos colo: ~ _. retidos no exterior" ( Cf. Celso Furtado: A Econo??na Brasde?._ra,
niais (escravos ou livres). Segundo as expressões de Caio Prado;'.- ~:.;... ·contribuição à análise do seu desenvolvimento, Edttôra A Notte,
Júnior, "no seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional,"· ;!,!: ~Rio de Janeiro, 1954, pág .. 79).
a colo~ização. dos trópicos toma o ~pecto . de. uma vasta emprê~ .. (67) Teria ocorrido com a economia do mate o oposto do
comerctal, ma1s complexa que a antiga feitona, mas sempre com · .o.que aconteceu na economia colonial clássica, conforme foi carac-
o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais . · terizada na nota anterior, na qual não havia "nenhuma possibili-
de um terri~óz;io virg~m. em prov.eito do comércio europeu. ( .. · ) lt . . . , .. ,j!de de que 0 crescimento com base no impulso exte:n?, desse lugar
com tal O~Jetlvo, O~Jebvo_ extenor, _volt~do para . fora do pais e . _ .~-~~ um processo de desenvolvimento de auto-propulsao ( Cf. Celso
sem. a~ençao a conside:aço:s que ~ao fossem o mte~êsse ~a~uele- •.• . rtado, op. cit., pág. 78).
comercio, q~e s~ orgamzarao a. s~ciedade e a econo~ma brasileira~ -· ;.,. ( 68 ) Cf. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa _do
Tudo se dispora naquele sentido. a estrutura social, bem com " Par ná di _1886 pelo Presidente da Província Joaqmm
as atividades do país" (Cf. Caio Prado Júnior, História Econ6· :..~ d'~ :d noF ~ 30
61
S -b10.nh 'pág 36
mica do Brasil, 3• edição, Editôra Brasiliense Ltda., São Paulo, ". · > a ana 0 n o,
~
· ·

110 111
produção e trabalhadores livres. Mas outros fenômenos estavalll O esfôrço concentrado e contínuo dos grupos dominantes na
ocorrendo na comunidade e precisam ser considerados neste ponto. - província, no sentido de ampliar a expansão ecológica da econo-
O fenômeno da colonização da Província do Paraná não en. mia e da sociedade, especialmente com europeus, encontra expli-
volveu apenas as regiões onde a economia e a sociedade não haviam· cação, portanto, no estado da conjuntura econômica paranaense
ainda lançado as suas raízes. É um processo amplo e complexo na época. Isto ficará claro se examinarmos algumas ev idências
que alcançou não apenas aquelas áreas como também comunidades disponíveis. De fato , os presidentes da Província referem-se com
preexistentes, onde os grupos estrangeiros se localizaram, prom0 • freq üência à necessidade de criação de núcleos de imigrantes
vendo modificações na estrutur~ econômica, na composição demà.· europeus como a maneira mais eficaz de diversificar a produção
gráfica e no mundo social cada vez mais diversificado. Os colonos agrícola da área. Preocupavam-se especialmente com a produção
foram trazidos para núcleos onde se transformaram em pequenos de gêneros de primeira necessidade, pois havia contínua escassez
proprietários, dedicados plincipalmente a atividads agrícolas. A ' de víveres, dada a fuga de capitais e fôrça de trabalho para os
dinâmica das relações de produção, entretanto, acaba envolvendo-os
setores da economia onde a comercialização havia alcançado
na primeira e seguintes gerações, transformando-os novamente
outra vez no mundo econômico e'
. maior desenvolvimento, tais como a pecuária, a madeira, a con-
levando-os a redistribuir-se
social que estavam ajudando a transformar; modificaram-se ern gonha etc. Como assegurava Vaz de Carvalhaes, em relatório
pecuaristas, coletores ou "industriais" da erva-mate, proprietários ·de 1857, "é por tanto obvio, Srs., o decrescimento da lavoura
de áreas de terras cada vez maiores, artesãos urbanos, domésticos, da pr~vincia, devido talvez à applicação exclusiva de quasi todos
comerciantes etc. Em poucas palavras, os alemães, italianos, os braços a produção de herva mate, cujo augmento coincide
poloneses etc. que se localizaram na Província do Paraná durante sempre com a crescente falta e carestia de generos alimentícios.
a segunda metade do século XIX ajustaram-se dinâmicamente às jSe tal é a causa do phenomeno, que · deixo apontado, deverão
condições econômicas e sociais que os atraíram, promovendo, por os seus effeitos diminuir muito com a introdução de colonos
sua vez, alterações mais ou menos profundas naqtrelas con- europeus, que se mostrão mais propensos à cultura dos cereaes
dições (69). e de outros generos alimentícios do que a exploração da herva
mate, que lhes é desconhecida, e estranha aos seus habitos". No
mesmo relatório encontram-se outras referências à insuficiência
(69) Não interessa à análise a referência aos núcleos colo- da oferta de trabalho para as necessidades de expansão das
niais que não se integraram ao sistema económico da Província,
vindo a estagnar ou extinguir-se. O assunto já foi analisado an- atividades produtivas. "A falta de trabalhadores em numero
tropológica e sociolõgicamente por diversos autores, destacando-se sufficiente tem sido, até hoje, o maior embaraço que encontra o
Emilio Willems, com sua obra A Aculturação dos Alemães no adiantamento das obras da estrada de carro da Graciosa./Essa
Brasil (Companhia Editôra Nacional, São Paulo, 1946, passimf
onde discute a interferência de fatõres tais como : o isolamento defficiencia de operarias, que trabalham debaixo de administra-
do grupo, o papel do equipamento adaptativo transportado da co,:.: ção, tem aconselhado a adopção do systema de pequenas em·
munidade originária, as condições naturais da área etc., na deter- preitadas, por meio do qual se ha conseguido, sem desvantagem
minação do sucesso ou insucesso do núcleo. Em relato da · viagem
que fêz pelo interior da Província em 1886, Alfredo D'Escragilolle... para os cofres da província, realizar a maior parte dos serviços
Taunay expõe algumas reflexões acêrca do malôgro de alguns que se achão feitos. / 0 maior pessoal, que se tem obtido durante
núcleos coloniais. No Paraná, diz êle, houve "não poucos desastres o anno é o que actualmente existe, e esse consta apenas de 54
em colonisação por causa do pessimo systema de isolar os immi~
grantes em invias regiões. Para prova, o Assunguy, que se tornou
theatro de verdadeiro desastre. Anteriormente se déra a mallograda.
tentativa do illustre Dr. Faivre, o qual levára habitantes dos arre•t - - naense". O referido relatório de Taunay foi transcrito por Sebas-
dores de Pariz ao fundo dos sertões, para localisal-os na colonia ·- . ~ -- tião Paraná, Chorographia do Paraná, Typ. da Livraria Economica,
Thereza, perto do rio Ivahy! O desespero em que se vio aquella · ;.. Coritiba, 1899, págs. 198-217; a citação encontra-se às págs. 201-202.
pobre gente foi tal, que alguns recorrerão ao suicidio, outros se Informações extensas sôbre o estado da colonização do Paraná em
dispersarão e morrerão na miseria. ( . . . ) Em Guarapuava, encontrei fins do século XIX encontram-se às págs. 316-400 da mesma obra
curioso resto desse infeliz ensaio de povoamento do sertão para· : } de S. Paraná.
~

112 8 113
indivíduos"
t' d C(70).. 'b Dest ~ ma n"· · -se ~m. ..cm
-.~Ira ena · t ura~
- ;er d e" elll• - · · ou corn escassos recursos, recebia
geralmente sem capitais, · capital
orno e unti a, . ~UJOS Siste~_as economi?o.s e ,s~cw -cultural~:ft em adiantamento (terra, instrumentos de trabalho, material para
bem como
. - a composiçao
d demografiCa,
l . seA beneficiam
. rapidamente
. . d-
a ·-- ~-. .constrUir · a h ab't -
I açao, a 1gum d'm h euo
· · · - d e viveres
para aqmsiçao •
co l omzaçao
· e seus
d f' esenvo
d VImentos
h lh · ss1m um
' r coeficiente
. d _...._ · .... · · ) · d
ca a · ::- -- nos pnmeuos meses etc. , a ser amortiza o em parcelas algum
vez m:wr . e orç~ e t;a a . o, escrava ou . Ivre, hberta-se das _ ;. -" tempo depois. Além disso, houve a proibição expressa de uti-
A

ocu~aç~es hga~as. a ~uhsis~encia, poden~o, p01s, conc~ntrar-se na_·~ , · '" lização do escravo nos núcleos coloniais, pois a própria coloni-
A

pro uçao e~?~omica ucratlva. Esses, sao alguns efeitos _do si~ -... •,' : '<- .za ão é um fenômeno que se li ga ao processo de desagregação
tema p_e_cumano, que se estende contmuamente na comumdade e . _ "" daç escravatura, na área e no país. Não possuímos dados acêrca
na regiao. ~ dêsse pro blema no p arana, · mas e· mmto
· provave
· 1 que h ouvesse
Os núcleos coloniais constituíram-se em sistemas econômicos _ proibição legal nesse sentido; é o que fica indicado em um artigo
apoiados no trabalhador livre. A fôrça de trabalho escravizada----~ L.... do regulamento da Colônia Teresa (Paraná), onde se lê: "os
não teve possibilidades de ser incorporada como componente da 7 ".::'_escravos não serão admitidos na colónia" (71). Seria incom-
estrutura econômica dessas comunidades por duas ordens de fa. 7 '·.: 'é pleta, entretanto, a análise que não fôsse adiante na compreensão
tôres, de natureza fundamentalmente econômica. De um lado ;:;.., . _ dêsse fenômeno. Por mais rígidos que tivessem sido os regula-
porque o próprio processo de colonização é 0 produto do process~ · i .,.. mentos, os colonos não poderiam fugir às com pulsões da outra
inclusive de diversificaçã? quantitativa.~ qualitativa qu_e es!ava ocor:-=- ~: : face do sistema ~conôn:ico e social em que estava~ imersos. ~e, A

rendo na estrutura economiCa da regiao. A modermzaçao técnica·- . · ,.;. de um lado, haVIa fatores que levavam a economia das colomas
do engenho de mate, a difusão de uma mentalidade mais ajustada _ 1(: "' a apoiar-se principalmente no trabalho livre, por outro, condições
a padrões racionais nos donos das fazendas de criar, 0 caráter :~ -~ econômico-sociais preexistentes compeliam os colonos ou seus
oneroso da imobilização de capitais em escravos que podiam :' descendentes, especialmente os mais prósperos, a lançarem mão
adoecer, fugir ou falecer etc. são fatôres que, ao estimular a _ -~ .'.de trabalho cativo. Êste fenômeno é inerente ao processo de
colonização, propiciam também o seu desenvolvimento em bases.. ·~ " absorção dos imigrantes. Em outros têrmos, a utilização do
pecuniárias mais próximas do sistema em que se constituíam ~ . trabalhador escravo pelos imigrantes seria uma decorrência normal
alguns pré-requisitos do capitalismo. Por outro lado, a própria - . j:,., ..,_do tipo de assimilação que estivesse ocorrendo, ou seja, dependia
natureza da organização da unidade econômica apoiada no pe-" _.. ;;_,. "'' diretamente da contextura do sistema econômico e sócio-cultural
queno lote · de terra de agricultura e fundada na família como · , ·: ao qual o alienígena se integrava paulatinamente (72). É que
unidade de produção implicava a eliminação preliminar do · cativó :.t !~ • o negro e o mulato escravos estavam ainda presentes em todos
como fornecedor de fôrça de trabalho. O colono, que chegava

( 71) Êsse é o texto do artigo 2• do Regulamento da Colônia


( 70) Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial .., _ ;: Teresa, aprovado em 7-6-1859, cf. transcrição de Wilson Martins,
da Província do Paraná, no dia 7 de janeiro de 1857, pelo vice.;;;.... ....:.....um Brasil Diferente) citada, pág. 138. No Rio Grande do Sul,
-presidente José Antônio Vaz de Carvalhaes, Typ. Paranaense de - . r lembra Denis, uma lei de 1851 impedia a entrada de escravos nos
C. M. Lopes, Curityba, 1857, págs. 94 c 118, respectivamente. 4~· ': . t: distritos coloniais. (Cf. Pierre Denis, Le Brésil au XXe. Siecle)
Convém lembrar que já o primeiro presidente da Província havia--:"::; ~~ Librai rie Armand Colin, Paris, 1909, pág. 207.) Na área de colo-
dado irucio à politica colonizadora. Jl'J êsse o sentido da Lei n• 29; i;;'- ~ ~_;; nização de Santa Catarina também procurou-se impedir a utilização
de 21-3-1855, assinada por Zacarias de Góes e Vasconcellos, trans· _.._ · · - ·: do trabalhador escravo. "0 doutor Blumenau, diz Willems, nunca
crita integralmente por Wilson Martins, em Um Brasil Diferente, ··-·i i' . .. admitiu que os colonos adquirissem escravos, mas a abolição atraiu
Editôra Anhambi Limitada, São Paulo, 1955, págs. 72-73. No ano . · alguns escravos libertos com as suas famílias" (Cf. Emilio Wil-
seguinte Rohan dirá em seu relatório: "uma das idéias, que mais .. _ . -~- lems , A Aculturação dos Alemães no Brasil) citada, pág. 116).
prende a attenção publica no Brazil, é certamente a da colonisação",~-- ~ : ~'"7: (72) Referindo-se aos núcleos coloniais alemães no Rio Grande
iniciando_ u~a digressão d~ . algumas páginas sobre o and~e~toZ7, .~-.,_do Sul, Willems informa que "alguns casos foram observados em
da coloruzaçao. (Cf. Relatorw apresentado á Assemblea Leg1sla~1va · _ '"'· zonas onde os imigrantes incorporaram a escravidão no seu patri-
Prov~ncial do Paraná; .no dia . 1• de março de _1856, pelo VICe· · mônio cultural como, por exemplo, em São Leopoldo", onde Tshudi
-presidente em exerc1c10 Henn9-ue de Beaureprure Rohan, Typ. .,contou cêrca de 150 escravos (Cf. Emilio Willems, op. cit.) pág.
Paranaense de C. M. Lopes, Cuntyba, 1856, págs. 29-32.) · 280; ver tambéÇl pág. 3H).

114 115
os setores do sistema produtivo, bem como n os transportes urba. Exportação do Paraná para o Exterior
nos, serviços domésticos etc. Não é acidental a presença de 1873
doentes negros na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, ao
lado de imigrantes de diversas procedências ( 73) . Apesar de que Produtos Valores
destinados a alterar cada vez mais acentuadamente a feição da
comunidade, os sucessivos grupos imigrados não puderam senão Erva-mate .. .. . .. .. . .. .. ..... . 1 . 017 :764$375
Fumo .. . . . . . .. . .. . .. . .. .. ... . 919$177
ajuntar-se a um sistema social preexistente. Aliás, o processo Lenha ... .... .. . .. . . ... .. .. .. . 120$000
de absorção em andamento achava-se em conexão dinâmica corn Madeira ..... .... .. . . ... . .. .. . 108$000
os outros processos internos e externos que atingiam a comuni-
d~de e dos quais aquêle era parte. Foram as transformações Soma 1 . 018 :911$552
do sistema econômico-social que geraram .a colonização, )
por sua vez, alterou aquêle sistema. Essa produção, bem como aquela relativa aos artigos con-
As novas condições materiais de vida na Província do Paraná sumidos nas comunidades da Província, resulta da conjugação
serão melhor avaliadas se voltarmos às evidências econômicas de capitais e fôrça de trabalho fornecidos por uma população
que as exprimem. Logo que os efeitos da colonização começam etnicamente cada vez mais heterogénea. Brancos, pardos, cabo-
a fazer-se sentir, cresce o volume e o valor das trocas com 0 _clos, negros, estrangeiros de múltiplas origens e brasileiros, es-
estrangeiro e outras comunidades do Império. A partir de 1870; cravos e livres, distribuem-se pelas diferentes ocupações. Em
a economia e a sociedade começam a manifestar a presença do 1873 o Paraná conta com 4. 889 estrangeiros, dos quais a grande
alienígena e seus descendentes, sob diversas formas. Agora, êles maioria compõe-se de alemães, italianos e poloneses, enquanto
já são absorvidos nos setores mais vigorosos da economia, como 738 são africanos escravizados. Mas a população cativa já terá
agentes e fatôres da nova configuração do sistema. Enfatizando diminuído sensivelmente, não alcançando 10% dos habitantes (76).
talvez demasiado êsse fenômeno, Denis dirá que "o mate salvou
as colonias do Paraná", já que constituía o setor mais próspero Nacionalidade da População do Paraná
e vigoroso da conjuntura econômica (74). A erva-mate pràtica· - 1873
mente monopoliza os capitais e a fôrça de trabalho aplicados
à produção de artigos comerciáveis. Etn 1873 entra com cêrca· Livres Escravos
de 35 % do valor das exportações para outras províncias do
Império e com pràticamente 100% do montante das remessas Brasileiros . .. ... .. . ... . 113.273 9 . 822
para outros países ( 75) . Estrangeiros . ........ . . 4.889 738
Totais .... .. ...... 118 . 162 (77) 10.560

(73) Em 1875, informa Lamenha Lins, encontravam-se doentes


na Sta. Casa de Misericórdia da Capital 90 individuos, sendo 24 r'" (Cf. .Relatório com que o Excellentissimo Senhor Doutor Frederico
~ras!leiros, 23. alemães, 12 ~rancese~, 7 itali_anos, 6 polon~ses, 5 - - ~~ ~ José Cardoso de Araujo Abranches abriu a 1' sessão da 11• Legis-
mgleses, 2 su1ços, 1 holandes, 1 dmamarques, 1 paraguaiO e 8 . ;;:; la.tura da Assembléia Legislativa Provincial, no dia 15 de fevereiro
"africanos". (Cf. Relatório apresentado á Assemblea Legislativa......., ......-.c de 1874, Typographia da Viuva Lopes, Curityba, 1874, pág. 50; os
do Paraná, no dia 15 de fevereiro de 1876, pelo presidente da ~ro- -:..- .dados relativos à exportação para o exterior encontram-se na
vincia o ~xcelentissimo ~en~or Doutor Adolpho _Lamenha Lms, pág. 49.)
Typ. da Vmva Lopes, Provmc1a do Paraná, 1876, pags. 39-40.) . (76) Cf. Relatório com que o Excellentissimo Senhor Doutor
(74) Cf. Pierre Denis, op. cit.J pág. 226. '~ • Frederico José Cardoso de Araujo Abranches abriu a 10 sessão
(75) Em 1873 a Provincia do Paraná exportou para outras- :- ---._ da 11• L~gislatura da Assemblé~ Legisl~tiva Provincial,_ no dia 15
provincias algodão, arroz, bêtas, bolacha, café, crina, esteiras, fumo, de fevereiro de 1874, Typographia da Vmva Lopes, Cuntyba, 1874,
erva-mate tabuado e telhas num montante de 29:477$504 (em págs. 28-29.
réis) · os 'artigos que entram' nesse total como os maiores valores (77) Observe-se que êste total da população livre é diverso
são ~ algodão, com 10 :031$000, e a congonha, com 8:023$977. do que se achv- na tabela seguinte. O exame da fonte utilizada

116 117
A convivência inter-racial, estabelecida desde o principio fica do Paraná, em 1872, os pardos reuniam 34,59% dos ha- i~ .
povoamento do Planalto Curitibano, continua produzindo ~-- bitantes; em 1890 êles serão 31,03%. No mesmo sentido, veri-
tados propiciados pelo sistema econômico apoiado na . _ fica-se a queda relativa da partiCipação do negro, como se pode
do trabalho escravizado. A mestiçagem é um processo que, ini~ •J { -õ avaliar na tabela abaixo ( 79) .
ciado com os primeiros povoadores, atravessa todo o período
escravocrata e persiste no presente, marcando profundamente 0 Negros e Mulatos no Paraná (80)
mundo social e humano em que ocorre. Em 1873, cêrca de (FreqUência percentual)
30% da população é parda, dos quais 5% permanecem escravos.
Os híbridos de aborígines e brancos reúnem aproximadamente ·
8%. Se somarmos os mulatos aos caboclos, observamos que 0 1872 1 890
coeficiente reconhecido de mestiços na população paranaense atinge
quase 40%. Eis aí um produto do sistema escravista que precisa _. _ ... Negros ................ . . . 10,41 5,17
ser retido . p~ra_ digressões posteriores. :tss~ conting~mte será um I':'; J.i.-sÇ Mulatos ................. . 34,59 31,03
~-
produto dmamico no contexto em que foi produzido. - · -~:ô'··-----------------------------

:tsse fenômeno não é simples, unilinear, como parece à pri-


"Côr" da População do Paraná (78) ~:·

meira vista. :tle ocorre no interior de uma sociedade que se


1873 torna cada vez mais complexa econômica e socialmente. Conco-
mitantemente com a progressiva regressão do coeficiente relativo
do mestiço e do negro, verifica-se o fenômeno do branqueamento
Livres Escravos estatístico da população, que ocorre de par em par. As con-
dições histórico-econômicas e demográficas examinadas indicam
Brancos .. ..... . ... . . . 69.098
Negros . ..... .. . . . .. . . 6.741 6.451
um progressivo branqueamento da população, levando as pessoas
Pardos .. .... .... . ... . 30.636 4.109 escravizadas a comparecer cada vez menos, em têrmos relativos,
Caboclos .... ........ . 9.081 no mundo humano de Curitiba. Em 1872 os brancos alcançavam
55,00% dos habitantes do Paraná; em 1890 serão 63,80% (80).
Totais ......... .. 115.556 10.560 Em Curitiba êsses processos demográficos, de elevada significação
social, manifestam-se mais nitidamente, dado o fato de a comuni-
dade beneficiar-se de modo acentuado e concomitante da expan·
A progressiva mestiçagem, contudo, embora aumente em
são das atividades econômicas e do crescimento da população
mos absolutos, decresce relativamente. A contínua entrada
proveniente da imigração. Por um lado, o grupo estrangeiro é
imigrantes no Paraná e o crescimento vegetativo diverso das
...~ · ·:....-relativamente maior, alcançando cêrca de ll % do total, enquanto
populações livre e da escravizada, são fatôres que provocam umâ em tôda a Província êle atinge aproximadamente 4%. Por outro,
redução progressiva da participação relativa não só do mulato
; p:~:. -· o contingente cativo é percentualmente menor, com quase 8%
como também do negro na população. Na composição demográ· · dos curitibanos, ao passo que em tôda a Província êle é ligeira·
superior, com cêrca de 9% dos habitantes.
não permite o esclarecimento da discrepância. Supondo, contudo,
que os dados utilizados por Araujo Abranches foram retirados do . . .
con•o do 1872, dovomoo con,idmx ' ' " total igual a 116 . 162 li""' ~,:,..;~ . ( 79) Cf. "A Oompo>içao da Popula<4o oegundo a Ofn', no
e 10. 560 escravos, conforme Recenseamento do Brazil de 187S ·· ·' ·."'- ·· ·· Brasil, nas Regiões Fisiográficas e nas Unidades da Federação",
(Paraná), pág. 72, dados citados por Romário Martins, Quantos : ·• ~.:. -... N• 306, publicada em Análise . de Re~ultados do Censo Demogr~fico,
Somos e Quem Somos, Empreza Grafica Paranaense, Curitiba, 1941, ' ;"~- vol. VIII, n.•s 281 a 320, ed1ção m1meografada do IDGE~ R10 de
pág. 94. Janeiro, 1946, págs. 196-219; citação extraida da pág. 214.
(78) Idem, págs. 28-29. ;4 :'.-- "'
,~ -- .
(80) Idem, pág. 212.

118 119
Nacionalidade da População da Parochia de N. economia do Planalto Curitibano, a partir do início do último
Senhora da Luz de Coritiba (8 1) ~~uartel do século XIX, entra em nova fase de transformações.
..- "Tanto o desenvolvimento da agricultura, como da pecuária e
1372 àa indústria, se operou, porém, gradativamente, a partir de 1879, '"i
exatamente às vésperas da instituição do trabalho livre no
Livres Escravos ' aís" (82a). Com a progressiva desagregação do regime escra-
~sta os estímulos à entrada de imigrantes brancos são cada vez
Brasileiros .. oo. ooooooooooo 100391 876 ~ais acentuados, em se us aspectos econômicos como nas suas
Estrangeiros ooooooo. oooooo 1 0339 45 ~onseqüências demográficas desejadas. Muitos verão no europeu
fator decisivo de branqueamento acelerado. Como dirá Miranda
Totais 00 00 .. oo • .. . ... llo730 9?.1 Ribeiro em fins do período imperial, "nenhuma duvi da mais,
em todos OS pontos do paiz de que a imigração é uma das SO·
No mesmo sentido comportam-se os algarismos relativos à ·luções para a grande questão economica que affecta actualmente
"côr" dos habitantes de Curitiba. Em 1872, 25 % da população 0 Estado e todas as províncias do Imperio./Alem de sua rele·
livre e escrava é mulata, ao passo que lO % é negra. vancia por este lado, sua importancia sóbe de ponto considerada
'a immigração como factor ethnico de primeira ordem destinado a
"Côr" da População da Parochia de N. tonificar o organismo nacional abastardado por vícios de origem
e pelo contacto que teve com a esCravidão" ( 83). De fato, os
Senhora da Luz de Coritiba (82)
núcleos coloniais vão pouco a pouco sendo absorvidos pelo sistema
econômico-social inclusivo. Em Curitiba concentram-se os efeitos
Livres Escravos econômicos, sociais e culturais dêsse processo. Conforme assinala
Brancos .. ooo.. oooooo.. 7o894 Denis, "a cidade aumentando, torna-se industrializada. Abrem-se
Negros oooooo. o. o. ooooo 638 559 algumas fábricas. A mão-de-obra é recrutada principalmente nas
Pardos ooooo. oo. ooooooo 20812 362 colônias. Os homens chegam pela manhã e partem à tarde; ou
Caboclos ooooooooo..... 386 então, se a distância é muito grande, não voltam à colônia senão
aos domingos. As mulheres têm também empregos industriais
Totais .......... .. 11.730 921 na tecelagem de algodão; outras, em maior número, empregam-se
como domésticas" ( 84) . ~mo ~s, os fatôres internos do sis-
tema econômico propiciam a destruição do regime escravista em
Note-se, entretanto, que ainda é elevado o coeficiente de
negros e mulatos, livres e cativos, na população curitibana, pois diversos setores. A expansão econômica não tem mais possibili-
alcançam mais de um têrço do total, com 35% dos habitantes. dades de apoiar-se na fôrça de trabalho escravo, tendo à sua
Trata·s,e , pois, de uma comunidade fortemente marcada pelo frente, ao contrário, possibilidades cada vez maiores de utilização
sistema econômico-social produzido pela escravidão. Essas eví: do trabalhador livre. Na última década do período escravocrata
ciências indicam que a sociedade curitibana, nas últimas décadas do ê cada vez menor a participação do cativo no sistema produtivo.
escravismo, ainda se acha extensamente impregnada dos elemento ·Ao lado dos fatôres já mencionados, a . legislação imperial des-
sócio-culturais de uma estrutura de castas. Mas a colonização
continuará produzindo resultados, esperados ou não. Estimulada
pelo trabalho desenvolvido nos núcleos coloniais prósperos, a (82•) Cfo Nestor Ericksen, opo cit., pág. 29.
(83) Cf. R elatório do Presidente da Provincia do Paraná,
Dr. José Cezario de Miranda Ribeiro ao 2• vice-presidente Ildefonso
(81) Cf. R ecenseamento do Brasil em 1872 (Paraná), Rio Pereira Carreira, em 1888, pág. 26 o
Janeiro, pág. 1. (84) Cf. Pierre Denis, Le B1·ésil au XXeo Siecle, Librairie
(82) Ibidem, pág. 1. 'Armand Collin, Paris, 1909, págso 216-217.
~

120 121
tinada a abolir progressivamente a escravatura continua racional joga um papel cada vez mais importante etc. As manu-
os seus efeitos, ainda que com lentidão. Uússões, espontâneas ou adquiridas com verbas oficiais, doações
Entretanto, em 1882 os negros e mulatos cativos ainda somatn particulares e economias dos próprios escravos repetem-se em pro-
7. 635 indivíduos, para tôda a Província, e encontram-se dispersos gressão (86) . Em 1882 é comprada a liberdade de 101 cativos
nos diferentes setores da produção e serviços. Concentram-se, da Província tôda, dos quais 13 na Lapa, lO em Ponta Grossa,
contudo, principalmente nas atividades "agrícolas" (provàvelmente .ll em Curitiba. Deixando-se de lado a avaliação dos escravos
a expressão engloba atividades agropecuárias e extrativas) e nos se"undo a idade, qualificação profissional etc. os cativos da Capital
serviços domésticos. Salvo nos municípios da Lapa, Guarapuava fo~am avaliados, em média, a 759$000 cada um ( 87). Em 1884
e Palmeira, onde os escravos artesãos alcançam algumas dezenas, são emancipados 160 escravos, dos quais 19 na Lapa, 17 em An-
no Município de Curitiba as atividades artesanais são realizadas tonina, 14 em Paranaguá, 12 em Castro e 20 em Curitiba. Í:stes
quase que totalmente por trabalhadores livres. Registram-se ali _ tiveram seu valor computado, em média, a 675$000 cada um (88).
somente 8 escravos artesãos, ao lado de 446 ainda aplicados na .......:..=~ 0 volume de escravos continua, assim, a reduzir-se progressiva-
criadagem doméstica. Nessa época, convém lembrar neste ponto. mente, sendo poucos os negros e mulatos alcançados pela Lei
muitas filhas de imigrantes, como não encontrassem ocupaçõe~ Áurea. Mas a extinção gradual do regime não se fazia sem
produtivas nas terras dos núcleos coloniais, ou por influência de obstáculos, às vêzes deliberados, como se verá no capítulo seguinte.
outros fatôres ainda não investigados, empregavam-se como domés- Por ora, cabe-nos somente indicar as. tentativas de escamoteações
ticas na cidade de Curitiba. Dos 1. 395 escravos existentes na dos dispositivos legais, como as denunciadas pelo presidente pro-
comunidade em 1882, cêrca de 70 % eram utilizados nas atividades vincial Taunay. "Tem em geral ocorrido n'esta Província, infeliz-
"agrícolas". mente de modo bastante vagaroso, o processo da libertação de
·escravos sexagenarios, conforme ficou determinado pela lei ultima
População Escrava do Paraná (85) n. 3270 de 28 de Setembro de 1885; novamente chamo a attenção
de V. S. para tão grave assumpto, devendo elle merecer a appli-
1882 cação de toda a sua atividade e zelo, afim de fazer entrar no
goso do immenso beneficio da liberdade, infelizes que não podem
Residência Profissões ser mais considerados captivos" (89). Nessa época a Província
Urbana Rurat Lavoura Domésticos "Officios" Inválidos
· do Paraná conta com 4.192 escravos, dos quais os maiores grupos
962" , concentram-se, em ordem decrescente, na Lapa (490), em Ponta
Curitiba o •••433 941 446 8
Paraná o o. 1.349
o. 6.286 4 . 670 2 . 609 352 4
(86) Já em 1867, o poder central participava dos gastos das
libertações. Segundo registra Lupion Quadros, "S. M. mandou dar
Mas os efeitos do processo de desagregação do regime ace- 100:000$000 para serem empregados na liberdade de escravos que
leram-se, propiciados pela interrupção do tráfico em meados do quizerem seguir para a guerra" ( Cf. Lupion Quadros, Reportagens
século, pelas leis que libertam os nascituros e os velhos, . pelas Retrospectivas, Emprêsa Gráfica Paranaense, Curitiba, 1942, págs.
54-55).
transformações econômicas em curso, principalmente nos centros
(87) Cf. Relatório de Carlos Augusto de Carvalho, de 1•
dinâmicos, pela política imigratória iniciada com a instalação da de outubro de 1882, op. cit., págs. 82-83.
Província, pelas reintegrações sucessivas do sistema econômico da (88) Cf. Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Pro-
área ao sistema inclusivo do Brasil Meridional, onde a mentalidade vincial do Paraná pelo Exm. Snr. Dr. Brazilio Augusto Machado
d'Oliveira, presidente da Província, por occasião da abertura da
1• sessão da 16• Legislatura, no dia 15 de Setembro de 1884, Typ.
(85) Cf. Relatório apresentado á Assemblea Legislativa do r --
. ---
r "Perseverança", de J. F. Pinheiro, Corytiba, 1884, pág. 21.
Paraná por occasião da instalação da 1• sessão da 15• Legislatura ~ ..;.,. (89) E x posição com que S. Ex. o Sr. Dr. Alfredo d'Escragnolle
no dia to de Outubro de 1882, pelo Presidente da Província o · - Taunay passou a administração da Província do Paraná ao exm.
Exm. Snr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho, Typ. Perseverança, Snr. Dr. Joaquim de Almeida Faria Sobrinho, 1• vice-presidente,
de J. F. Pinheiro, Curityba, 1882, págs. 82-83. . · · -. a 3 de Maio dl 1886, indicação do editor truncada, pág. 30.

122 123
Grossa ( 454) e Antonina ( 335). Em Curitiba lo~:1liza-se o maior crescendo a participação, no sistema, das atividadP"> secundárias
contingente, que atinge 579 negros e mulatos (90). Dêsses escra. e terciárias, estas típicas dos ambientes com um mínimo de urba-
vos, ainda em 1886, são emancipàdos, além de outros, 23 elll nização. Como já vimos, Denis notava em Curitiba um surto
Curitiba, 19 em Antonina, 14 em Ponta Grossa e 21 na Lapa· incipiente de "industrialização", isto é, a instalação de pequenas
totalizando 200 manumitidos. Na Capital êles são avaliados, e~ fábricas e oficinas destinadas a atender as novas solicitações do
média, a 630$000 cada um ( 91 ) . mercado ( 93). Em 1893 a comunidade conta com 233 estabeleci-
O processo de desagregação do regime de trabalho cativo mentos comerciais e industriais e um total de 1. 2<)3 trabalhadores
que vinha ocorrendo desde meados do século, é um fenômen~ distribuídos em ocupações no comércio e na indústria local (94).
que dependia de muitos fatôres, alguns dos quais foram apontados A estrutura demográfica da área reflete aspectos dessas novas
em parágrafos anteriores. Em Curitiba êle operava com intensi-'
condições, que também interes1.-.:m à reconstrução das bases fun-
dade, de tal forma que as iíbertações de escravos aceleraram-se
damentais da vida do negro e do mulato, vistos como membros
nos últimos anos. Como se verá no capítulo seguinte, se 08
fatôres que haviam gerado o movimento abolicionista impuseralll de uma sociedade em que se vão inserir como ex-escravos. Em
aos escravocratas uma luta mais intensa, êles atuaram, tamhélll 1890, enquanto a população total do Paraná conta com 2 % de
de modo mais profundo sôbre a política imigratória, sôbre a' estrangeiros, entre os habitantes do Município de Curitiba há 8%
opinião pública da comunidade etc., provocando a criação de con- de alienígenas, além dos seus descendentes nacionais ( 95) . A
dições que possibilitaram ou facilitaram as libertações sucessivas. composição da população segundo a "côr", todavia, apresentará
Uma expressão representativa dos efeitos das novas condições e caracteres que não podem deixar de ser levados em conta. A
do clima criado pela campanha abolicionista encontra-se em notícia participação relativa dos grupos precisa ser ressaltada em sua
publicada em jornal de Curitiba, onde se informa que "Gertrudes expressão estatística, para que se compreenda o significado ver-
Corrêa Pinto, em regosijo pelo seu aniversário natalício e como dadeiro das transformações econômicas e sociais ocorridas nas
recompensa aos serviços que lhe tem sido prestados pela sua últimas décadas do século. A diversidade dos graus de "densidade"
escrava de nome Joanna, declara que na parte que lhe tocou de cada grupo terá significação especial para a caracterização
em inventario por fallecimento de seus paes, dá liberdade á refe- objetiva das condições demográficas de contacto inter-racial.
rida escrava. Curityba, 19 de Março de 1888. Gertrudes Corrêa Em 1890 a população paranaense foi distribuída pelos recen-
Pinto" (92). A abolição ocorre em um período em que a estru-.
seadores em "brancos", "pretos",. "mestiços" e "caboclos", na
tura econômico-social de Curitiba começa a tornar-se mais complexa,
qual êstes seriam os híbridos de brancos e aborígines e os "mesti-
ços", os descendentes de negros e brancos. As dificuldades que
(90) I dem, pág. 32. os órgãos censitários têm encontrado na pesquisa dos grupos de
(91) Idem,pá~· . 33. A distribuição das quotas do fundo :'côr" da população brasileira sempre foram grandes, pois que
de emancipação é sempre realizada com base no coeficiente de a conotação social da "raça" tem impedido o levantamento rigoroso
escravos registrados em cada Município. Por isso, em 1886 Curitiba
ainda recebe a mafor parcela da dotação consignada à Província,
obtendo 1:204$320 que, reunidos a outros recursos disponíveis, pos- ~. .. , . . .
sibilitariam a libertação de alguns dos seus 549 escravos. (Cf. ;.. (93) Cf. P1erre Dems, op. mt., págs. 216-217.
Relatório á Assembléa Legislativa do Paraná, apresentado pelo- •- (94) Cf. Nestor Ericksen, op. cit., pág. 28.
pres. Joaquim d'Almeida Faria Sobrinho, a 30 de Outubro de '" (95) Nessa mesma data a população total brasileira possui
1886, pág. 17.) um coeficiente de cêrca de 2,5o/o de estrangeiros. No Paraná ha-
(92) Cf. "Gazeta Paranaense", texto citado por Valfrido Piloto, ·' verá 244.388 brasileiros e 5.153 estrangeiros, totalizando 249 . 491
no estudo "Reportagens sôbre o Movimento Abolicionista no Pa~ ··· · ~ ;"'.·- habitantes. No Município de Curitiba encontram-se 1. 961 estran-
raná", publicado em Paranistas, pág. 47-112; citação extraída da geiros e 22.592 nacionais, somando 24.553 pessoas (Cf. Sex_o, Raça
pág. 96. Alguns desenvolvimentos da campanha abolicionista serão e Estado Civil, Nacionalidade, Filiação, Culto e AnalphabettSmo da
apresentados na análise das relações entre os escravos e os brancos, ·' População Recenseada em 31 de Dezembro de 1890, Officina da
em capitulo seguinte, segundo as necessidades da explanação. ,;~ ~ Estatistica, Ri9 de Janeiro, 1898, págs. 145 e 191) ·

124 125
dos dados (96). Por isso, convém observar que, nos coeficientes Composição da População (99)
mencionados pelo levantamento de 90, deve ter havido "evasão''.:.
1890
de um contingente ainda não estimado de pardos sob a expressã;'"'
"caboclos". A luta pelo branqueamento, produzida por um sistema _ (FreqUências absolutas e percentuais)
de avalia ções e auto-avaliações sociais, leva os informantes a escamo.
tearem-se à própria côr, sob impulsos sociais que atuam vigorosa. Brancos Negros Mulatos Caboclos Totais
mente no seio do próprio grupo e no interior da sociedade in.
clusiva. Em conseqüência, alguns negros ter-se-ão declarado mu~ 159.181 12.897 46 . 565 30 . 848 249.491
latos, enquanto que alguns ou muitos mulatos ter-se-ão definid~ (64) (5) (19) (12) (100)
caboclos ou brancos ( 97) . Conforme registra o censo de 1890 19.027 997 3 .194 1 .335 24.553
quando os estrangeiros reuniam 2 % dos habitantes paranaenses: (78) (4) (13) (5) (100)
~\ I
os negros e mulatos ainda alcançavam 24%, dos quais 5% er
negros e 19% pardos. Na população da Paróquia de N. S. da Luz 17 .837 948 2 . 816 1 . 093 22.694
de Curitiba, onde havia 5% de estrangeiros, além dos seus descen. (79) (4) (12) (5) (100)
dentes nacionais, encontravam-se 16% de indivíduos pertencentes Brasil .......... 6 . 302.198 2 . 097.426 4 . 638 . 495 1.295.796 14 . 333 . 915
aos grupos negro e mulato. Dêsse coeficiente, aproximadamente (44) (15) (32) (9) (100)
12% são pardos e 4% negros (98).

Quando confrontamos as freqüências percentuais de negros


( 96) Conforme diz publicação do ffiGE, mencionando explici- e mulatos presentes na população brasileira com aquelas da para·
tamente . ~ problema, "a experiência censitária brasileira demons-
tra as difiCuldades que se opõem à coleta de informações relativas naense é que fica evidenciada, sob outro ângulo, o tipo de presença
à _cõ_r'' (Cf. B_rasil, Censo Demográfico, Série Nacional, Vol. I, dos grupos de "côr" no Paraná e em Curitiba. :f;sses dois grupos
Ed1ç~o do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, Rio de representam cêrca de 4 7 % dos habitantes encontrados no território
Jane1ro, 1956, pág. XVII). Referindo-se ainda ao mesmo assunto nacional em 1890, sendo que os negros atingem IS % e os mulatos
outra publicação esclarece que "o número apurado dos pardo~
pr~v~velmente está abaixo do que seria dado por uma classificação 32 % . A "rarefação" da população negra e parda em Curitiba,
ObJetlva, sendo decerto maior o número dos pardos classificados pois, assume um significado mais preciso quando observamos que
entre os brancos do que o possível excedente em favor dos pardos aos 79 % de brancos dos seus habitantes correspondem, no plano
nas trocas de classificação com os pretos" (Cf. "A composição 'nacional, um contingente de 44% ( 100).
da população segundo a cõr, no Brasil, nas Regiões Fisiográficas
e nas Unidades da Federação", N• 306, Análise de Resultados do
Censo Demográfico, Vol. VIII, n•s 281 a 320, Edição do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatistica, Rio de Janeiro, 1946, Análise _
N• 306, págs. 196-219 ; citação extraída da pág. 198) .
't'· (99) A diferença entre a população total do Municipio de
_.;....ii :,:;_ __ Curitiba e a Paróquia de N. S. da Luz de Curitiba é devida aos
. (97) Reconhecendo a significação dêsse fenômeno e a con- "~ H·_· . ~. habitantes localizados no distrito de Cr.u~eiros, 9-ue ~otalizam. ~ - 8~9
ftança precária que merece parte dos dados colhidos no século ~ : ~ pessoas (Cf. Sexo, . Raça e Estado _Cwü, Namonaltdade, F1l\açao,
p_assado, uma nota colocada à pág. 207 da Análise N• 606, supra- _"- ..:, ...;.. ~_ Culto e Analphab~~·ttsmo da Populaçao Recen>Seada em 31 de De-
cttada, esclarece que "reúnem-se no grupo dos pardos, em sentido ~- "'i"' "' zembro de 1890, c1tada, págs. 2-3 e 90-91).
lato, os subgrupos dos "pardos" e "caboclos", discriminados no :;....:: .....-.,:::;.., (100) Essas observações mantêm o mesmo sentido se consi-
censo de 1872, e os dos "caboclos" e "mestiços", discriminados no . . · . derarmos a presença dos caboclos, que alcançam 9% da população
censo de 1890". Em suma, os dados apresentados na tabela abaixo . ., nacional, 12 % da paranaense e 5% dos habitantes da Paróquia de
devem ser tomados sob reserva. _ .,''· Curitiba. Recordemos neste ponto que os Campos de Guarapuava
( 98) A população estrangeira localizada apenas na Paróquia "" 2'- ~ ~ : e Pa_lmB:s, no Paraná, foram conquistados aos aborigi~es durante
de N. S. da Luz de Curitiba reúne 1 . 138 individuas, ao lado de a pnme1ra metade do século XIX, onde houve absorçao de uma
21.556 nacionais. :Jl::sses dados, bem como os relativos à cõr en-""' ~~ : ·-· - parcela dêstes. Além disso, em outras áreas, como no chamado
contram-se em Sex o_, Raça e Estado Civil, Nacionalidade, Fili~ção, ~ · · ·· · "no~e velho" paranaens~, as terras continuaram ~ s~r conq~i~t~das
Culto e Analphabet~smo da População Recenseada em 31 de ne- aos mdigenas, prossegumdo o processo de destnbahzação 1ructado
zembro de 1890, citada, págs. 2-3, 90-91 e 191. ·' · no século XVI, ,com a acaboclização do incola.

126 127
4. O trabalho escravo e '1 trabalho livre (la outra situação do negro, .. agora de cidadão, após abolir-se
iegalmente o escravismo. Portanto, serão focalizadas três repre·
Como vemos, à medida que um nôvo regime de produção sentações do negro (escravo, liberto e cidadão ) , com as quais
começa a estruturar-se, como ocorre em Curitiba a partir da épocél' julgam?s a?ree~der a verdadeira condição escrava, em suas prin·
que coincide com o início dos fluxos imigratóri os colonizadores cipais 1mphcaçoes.
e à medida que êste outro sistema se impõe e ultrapassa em vigo;
a ordem escravista, a fôrça expansionista daquele começa a dorni. Antes de mais nada, contudo, é preciso que se compreenda
nar e a manifestar-se cada vez mais amplamente. Tôda a segunda nitidamente o significado da condição social do trabalho na
metade do século XIX, por isso, está assinalada pelo sentido ê (leterminação dessas configurações. O que distingue a estrutura
peculiaridades .sociais dos desenvolvimentos de uma ordem econô. social da comunidade nos dois momentos históricos, na época do
mico-sQcial fundada na produtividade do trabalho livre. Quando apogeu da escravatura e no período da sua dissolução, é a especi·
comparamos as configurações sociais no momento do apogeu e ficidade social do trabalho, num e noutro instante. A distância
ao final da escravatura, conforme possibilitam os dados disponíveis _que vai entre ambas as estruturas é determinada pela natureza
examinados nos itens anteriores, constatamos que a comunidade diversa do trabalho produtivo: escravo e livre, um implicando a
apresenta transformações radicais de uma para outra época. O alienação inclusive da própria pessoa do trabalhador e a outra
valor global da produção; a distribuição dos bens produzidos; 0 fundada na sua condição de pessoa autônoma. Nesse sentido, a
crescimento do intercâmbio mercantil, em comparação com a análise de certos aspectos da colonização será importante para a
produção para o consumo; a distribuição dos contingentes relativos explicação do processo de redefinição social do trabalho.
dos grupos negros e brancos; a diversificação interna dêsses gru- As singularidades dessas formas de trabalho, ou das duas
pos, com o aumento contínuo de imigrantes flÚropeus na segunda categorias de trabalhadores, se tornam mais claras quando con·
metade do século XIX; a expansão ecológica da comunidade e sideramos que se encontram na base do processo de desagregação
sua área de dominância, decorrente da ampliação das atividades do escravismo as exigências da racionalização das atividades
produtivas e da política colonizadora inaugurada com - a criação econômicas ligadas à emergência e desenvolvimento dos setores
da Província ; a diferenciação social provocada por êstes dois.. secundário e terciário ( 101). As condições histórico-econômicas
fenômenos fundamentais (crescimento do sistema econômico e que geraram a sociedade escravocrata são incompatíveis com os
fluxos imigratórios), o que, em conexão com outros fatôres, tais requisitos racionais da produção artesanal urbana, da manufatu-
como interrupção do tráfico de escravos, produz uma inclinação reira, dos serviços públicos, da comercialização, dos transportes
essencial do fundamento do sistema social; a emergência e fun> -;_e serviços vinculados às atividades econômicas, que dependem
cionamento de instituições político-administrativas e culturais, rela- cada vez mais do descortínio e decisão do trabalhador. A profis·
tivas a atividades anteriormente exercidas pelas comunidades domi- sionalização de um operário de usina de mate, de um guarda-livros,
nantes, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro; eis as alterações de um oficial de marcenaria etc. depende de exigências que são
básicas verificadas na comunidade durante o intervalo que vai inconciliáveis com o sistema de dominação necessário à manu·
do princípio ao final do século XIX. São essas as transformações tenção do trabalhador cativo.~ Conforme assegura Couty, a pro·
econômicas, sociais, demográficas, ecológicas etc. que revelam uma pósito da modernização tecnológica das atividades ervateiras no
mudança completa da estrutura social da comunidade. Com as ... Paraná, ao final do século, "o trabalho é dividido e, à primeira
modificações institucionais em curso durante o século, ~e acentuadas ~anipulação ·da erva na mata, acrescenta-se a da usina; e tanto
nas últimas décadas, verifica-se uma alteração essencial da situação
histórico-social do negro. f:sses pontos serão obj etQ das análises (101) Segundo Colin Clark: a) produção primária: produção
posteriores, quando explicitaremos a real ,condição escrava, em agricola e pastorial, pesca, arboricultura, caça; b) produção secun-
suas dimensões fundamentais, e quando serão examinados os_ ";.....;;:::w.dária : mineração, construção civil, manufatura, serviços públicos,
aspectos mais relevantes da situação do negro · cativo e manumi: ( eletricidade, gás etc.) ; c) produção terciária: distribuição, trans-
portes, administração pública, serviços domésticos etc. ( Cf. Colin
tido, no fim da escravatura. A comparação das duas represen· Clark, The Conxlitions of Economic Progress, second edition, Mac-
tações permitirá a compreensão do sentido do desenvolvimento millan and Co., Ltd., London, 1951, page 401.)
~

128 9 129
uma como outra já receberam muitos aperfeiçoamentos" ( 102)
Como os desenvolvimentos do processo de divisão do trabalho n~
interior das unidades produtivas não se realiza senão em decor.
rência da racionalização das atividades, transforma-se o própriõ
trabalhador, com as modificações sofridas pelo trabalho produtivo.
É por êsse motivo que a renovação tecnológica do engenho de
mate, a diferenciação da estrutura ocupacional da cidade, devid~
à diversificação e expansão das atividades produtivas, o adensa. IV
mento social progressivo da população local etc. impõem a redefini.
ção do trabalho. O processo de racionalização em desenvolvimento O ESCRAVO E O SENHOR
ainda que em ritmo lento, impulsiona a substituição do trabalhado;
cativo pelo trabalhador livre.
Requisitos estruturais da sociedade de castas
Focalizada em suas linhas gerais, ao encerrar-se o século XIX
a economia _paranaense havia passado por uma série de fases
distintas, que moldaram as principais feições assumidas pela sua
estrutura no decorrer do tempo e se encontram presentes ao final
da escravidão. Pode-se afirmar, sugerindo os seus delineamentos
básicos, que a região passou por três "ciclos" principais, sucessivos,
mas interpenetrados reciprocamente, afetando-se, estimulando-se,
fecundando-se uns aos outros. No século XVII a mineração ab·
sorveu a maior parte das capitais e recursos humanos disponíveis,
concentrando-se inicialmente no litoral, depois deslocada ecolõgi·
·camente, subdividida, para o Planalto. Assim se instituiu a escra·
vização do aborígine e do africano e descendentes em Curitiba.
A pecuária praticou-se por todo o século XVIII, entrando
pelo seguinte. Realizou também a dispersão ecológica da popu-
lação branca, negra e indígena, promovendo a fixação de pequenas
comunidades nos Campos Gerais, nos de Guarapuava e em Palmas.
Esta economia, nitidamente induzida pela economia colonial mais
~igorosa de outras áreas, apoiou-se principalmente no trabalhador
escravizado, presente tanto na lida do gado como nos serviços
domésticos, isto é, infiltrando-se em todos os níveis do mundo
social ali criado.
O período seguinte é dominado pelo mate, em associação com
a agricultura e a pecuária. Vinda do século anterior, a atividade
ervateira será preponderante no século XIX, mobilizando a maior
___ __ parte dos trabalhadores e capitais. Em conexão com a expansão
...;,;:~.
~
R· · ~·- comercio
' . d a ma deira,
. o que ocorre no u, Itimo
. quarte I d o secu
' 1o,
a congonha, o gado e a produção agrícola dos núcleos coloniais
(102) Cf. Louis indicam uma aceleração cada vez mais intensa da produção e a
citada, págs. 33-34. conseqüente diversificação do sistema econômico-social.

130 131
A compreensão do modo de fun cionamento dêsses três períod 0 · uando 0 prod uto do trabalho se transforma de meio de consumo )o-

gerais depende da consideração preliminar de que êles se liga !..~ ·.) !rn mercadoria. Como diz Marx, "o intercâmbio de mercadorias
dinâmicamente. A inversão de capitais em dado setor da pr · .. -.- e meça onde termina a comunidade, precisamente onde esta toma
dução, bem como de fôrça de trabalh o escrava ou de trabalhador~· .. . r: ......c~ntacto com outras comunidades, ou com membr os de outras
autônomos, algumas vêzes res ultou de deslocamentos de um par: comunidades ( .. . ) À fôrça de repe tir-se continuamente, a troca
~-~·';!
outro setor. Da mesma forma que a mineração, ao decair, possi." ~e- torna um processo social periódico" ( 1), definindo a comunidade
bilitou a transfe rência de h omens e cabedais para a pecuária "'": · orno uma economia de mercado. Nesse esquema, a u,nidade
quando o mercado de mate expandiu-se, por sua vez, ao lado dê ~- • "'/ miliar e a emprêsa escravocrata são os dois pólos das atividades
novos recursos investidos nessa " indústria", uma parcela proveio das - : odutoras. Em função das disponibilidades de terras, de capitais,
fazendas. Esses setores fundamenta is, em conseqüência, dinami. p ·o-de-obra, dos incentivos dos consumidores e de fatôres insti-
zaram a produção
_ de gêneros a grícolas, possibilitando
, inclusive~ ~ ·. tuc1·onais ' a economia da comunidade estrutura-se com base na
rna
a exportaçao de excedentes que, ~ ~e u t_urn ~, atrairam posterior~~..: -.:-utilização universal da fôrça de trabalho escrava, ou apoiada na
men~e alg un:_ recurso~. . Essa constitUI _a dueçao ~entrai do process<?. -_ ~- _atividade produtiva dos membros . da família, considerados traba-
de . mtegraçao econom1ca da comumdade, apoiada no trabalho '!':' . !hadores livres (2) . "Em verdade, afirma Sereni, não se d eve per-
cativo. ~ . .der de vista que, para que a escravidão se torne o fundamento das
Se atentarmos para a própria natureza do regime escravocra; ·<:- ;:~relações de produção numa dada comunidade, é necess.á rio que
mesmo quando não chega a a lcançar elevado grau de desenvolvi~-- :· ·;:.0 desenvolvimento das fôrças produtivas sociais e da produtividade .
mento, como no caso de Curitiba, verificamos que êle manifesta ;' do trabalho propiciem formas de exploração escravagistas. Numa
durante certa época (especialmente no período que vai até meados cornunidaçle onde o grau de desenvolvimento das técnicas e das
do século XIX) uma tendência de expansão acentuada. :f:sse fôrças produtivas é tão pouco adiantado que cada trabalhador
crescimento, que se traduz imediatamente no aumento relativo da " ._produz apenas o estritamento necessário à sua substância; numa
população escrava, precisa ser considerado, ainda, como uma pr~- sociedade em que as formas de produção simples predominam
pensão a definir totalmente o sistema econômico e sócio-culturaL. ainda amplamente sôbre as de reprodução ampliada", um es-
como escravocrata. Isto significa que, à medida que o regime se-"" cravo não representará uma vantagem econômica, senão um
expande, êle tende a absorver a maioria dos trabalhadores, fazendo ~ pêso morto ( 3). Quando pensamos numa comunidade como
crescer o contingente de cativos. Com o desenvolvimento da escra· . um todo, êsses fundamentos estritamente econômicos devem ser
vatura, como regime de produção e organização social das relações1 -·considerados, precisamente, nesses têrmos. Mas, quando se trata
de produção, todos os "segmentos" da sociedade tendem a s~T - de tima comunidade mais complexa, em que economias de subsis-
absorvidos, ou seja, reintegrados; isto é, a comunidade é marcada;
em seus valores e padrões, instituiçõ es, normas, pelo fundamento
escravocrata de sua vida. O sentido do comportamento social, (1) Cf. Karl Marx, op. cit., tomo I, págs. 97-98; ver tam.bém
que é dado por uma estrutura de castas, envolve tôdas as ações,· !orno III, pág. 226.
(2) A propósito das conexões da escassez de mão-de-obra
polarizando duplamente as pessoas em escravos e livres.
na Colônia com as duas formas limites de estruturação das atividades
. É que a incorporação da mão-de-obra escrava é um fenômeno produtivas, veja-se: Celso Furtado, Uma Economia Depe-ndente,
~ determinado também pelo processo de conversão da economia edição do Serviço de Documentação do Ministério da Educação
"e Cultura, Rio de Janeiro, 1956, págs. 16-17. Ainda. com relação
·de subsistência em economia de mercado. Quanto mais uma à importância da insuficiência de trabalhadores em certas épocas
comunidade produz excedentes que podem ser absorvidos por da vida colonial, consulte-se: Maurício Goulart , "O Problema. da
outras, mais ela se estrutura nesse sentido, reordenando os fatôres Mão-de-obra: o Escravo Africano", História Geral da Civilização
Brasileira, citada, tomo I, 2• vol., págs. 183-191, esp. págs. 1.84-188.
materiais e sociais da produção. É o ato de troca . que conver._€
(3) Cf. Emilio Sereni, "Différenciation interne et évolution
o produto do trabalho em mercadoria, definindo dado sistema, vers l'Etat des communautés ligures", :Stat et Cla:Jses dam l'Anti -
ou apenas setor produtivo como mercantil. A conversão das quité Esclavagiste, ll'Jditions de la Nouvelle Critique, Paris, 1957,
atividades de subsistência em mercantilizadas dá-se exatamente págs. 53-100, cita~ão extralda da pág. 56.

132 133
tência e de mercado coexistem integradas, então o ânguk cle do trabalhador ·cativo, impedindo-lhe qualquer tipo de evasão;
análise precisa alterar-se, procurando ver a comunidade em tôda mecanismos de socialização próprios das camadas sociais super-
a sua complexidade, como um sistema econômico e sócio-cultural postas, ordenadas como segmentos sócio-culturais no interior da
diversificado. Especialmente quando há dois tipos de comunidade; impossibilidade de mobilidade social vertical; endo·
numa mesma comunidade, a análise não pode olvidar as condições '" gamia intra-racial; regras de conduta ordenadas segundo um padrão
extra-econômicas que operam no interior do sistema econômico de obediência rígida dos negros em face dos brancos, senhores
envolvendo-o em mecanismos sócio-culturais de importância. Po; ou não. f:sses são alguns dos componentes básicos do regime
isso é que em Curitiba "unidade familiar" e "emprêsa escravocrata" escravocrata estruturado em Curitiba ( 4). Como estamos obser·
não podem ser focalizadas como configurações exclusivas e suces- vando, êsse sistema social foi impregnado do sentido decorrente
sivas, mas simultâneas ou paralelas, isto é, integradas. Pois essas do funcionamento do complexo de requisitos referidos, sem os
são as configurações polares sob as qi..üis é possível caracterizar -quais é impossível uma compreensão da estrutura societária de
as estruturas econômicas vigentes ali. De fato, a comunidade não castas e do intrincado processo de desagregação do sistema eco·
só oscilou continuamente entre êsses dois extremos, como teve nômico-social escravocrata. Revelando uma compreensão completa
durante todo o período que nos interessa aqui, os dois tipos d~ _do caráter essencial assumido pela escravidão africana na elabo-
economias de par em par: uma predominando especialmente no ração da civilização brasileira, Nabúco dirá em 1883: "O africano
setor da produção de víyeres e outra, mais vigorosa, dominando tem sido o principal instrumento da ocupação e da manutenção
a mineração, a pecuária, ou a economia ervateira. Estas natural- do nosso território pelo europeu. ( ... ) Onde êle não chegoü
mente sempre definindo a comunidade em função do sistema eco- ainda, o país apresenta o aspecto com que surpreendeu aos seus
nômico regional, colonial e com relação à Metrópole. De qualquer primeiros descobridores. Tudo o que significa luta do homem com
forma, todavia, o regime de trabalho escravizado era o fenômeno a natureza, conquista do solo para a habitação e cultura ... ", tudo
determinante da comunidade, em ambos os casos. Se, por um foi produzido pelos escravos negros ( 5) . E Caio Prado J únior
lado, os setores mercantilizados absorviam progressivamente cativos, acrescentará, referindo-se também a tôda a Colônia: "Assim no
por outro, as unidades familiares também tendiam a absorvê-las, campo como na cidade, no negócio como em c~sa, o escravo é
se não porque se encontravam em processo de comercialização, onipotente" (6). Em suma, ainda que não se possa dizer que a
ao menos por causa do prestígio social inerente à condição de civilização brasileira nessas épocas seja o produto exclusivo da
proprietário de escravos, ou seus substitutos, os agregados. A con.-
dição de "branco" soment~ se objetiva plenamente nessas condiçi)es,
pois branco e negro são funções recíprocas: .un1 inexiste sem 0 -.. - .. ( 4) Os pré-requisitos fundamentais do sistema ~ervil instau-
outro. · rado em Curitiba estão formulados no capitulo III, ttem 1.
• (5) Cf. Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, Discursos e Con-
É nesse sentido que emergem e estruturam-se os componentes . .-. fe.r ências Abolicionistas, Instituto Progresso Editorial, São Paulo,
básicos de um sistema societário de castas, dicotomizado em .-- '• · · ,.. 19.49, pág. 20. Como dizia · Nóbrega no século XVI, "os homens
senhores e mancípios brancos e negros. Fundada nos requisito~ ' • - que para aqui vê~m não acham ?~tro modo senão viver do trabalho
· . .' . .. .· . · dos escravos". Cttado por Maur1c10 Goulart, "O Problema da Mão-
menciOnados a segmr, a sociedade formada em Cuntlba foi mal_!_ .. : ._ -ele-Obra: 0 Escravo Africano", op. cit., pág. 183.
uma unidade no conjunto das comunidades brasileiras envolvidas ':'. · (6) Cf. Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contempo-
e marcadas pelo regime de trabalho cativo. A propriedade privada . h rdneo, 4• edição, Editôra Brasiliense, São Paulo, 1953, pág. 277.
dos meios de produção por membros do grupo branco. a produçã;" ·.Uma outra face dêsse fenômeno, justamente ace!'ltuando-lhe a
. . . , ' , . ' . universalidade que estamos apontando, será descortmada se !em-
social por mdiVIduos de uma umca raça, a negra, afncana, ou brarmos que a escravidão do indio e 0 negro nas Américas foi um
a casta dos escravos; a posse, pelo branco, do produto do trabalho _ dos motores da acumulação do capital comercial da Europa. O
e da própria pessoa do trabalhador neO'ro; eis os requisitos funda· - - ~.··- ~ capital mercantil, pré-requisito do capitalism~ industria~ europeu,
· d · . , • b • · · · - dependia em grande escala da produçao colorual, determmando-lhe,
mentais o SI~ tema soc.Ia!. Alem destes,. outros devem s~r consi:, por isso, muitas transformações. ( Cf. Sergio Bagu, Economia; de
dera dos, tambem essenciais ao pleno funciOnamento do regime: um la Sociedad Colonial, Libreria "El Ateneo" Editorial, Buenos Atres,
sistema rigoroso, drástico, de contrôle do comportamento social 1949, esp. págs. 130-142.)
9

134 135
praxis "negra", é inegável que a escravidão impreanou o tod os.. " •"· · -.; . . -..·..' ·~.'·"'.aformo seamento e r. egularidade da Capital" (9) . No "anod' seguinte d
os níveis da realidade, pois os brancos, ao almejarem ou defini:;.:_ _ ;;.,..a Câmara voltava a . preocupar-se c?m o assunto, pe m o um
rem-se como senhores, definiam-se em função dos escravos, 08 --. Engenheiro para o mvelamento e almhamento das ruas alem do
~egr?s_: ambos são produzidos reciprocamente no processo civi- . :"' rio Ivo e pedindo de no~o qu,; o Governo mande leva~tar pla~ta
hzatono. . nivelamento geral da cidade (lO) . Em suma, o antigo arraial
~e mineradores, depois de passar por diversas alterações em sua
estrutura ecológica, entra em nova fase de transformações no
2. O escravo no sistema social curitibano
segundo quartel do séc ul~ XIX. A eco~om!a mercantil tende a
Durante todo 0 período de mais ampla utilização do traba- · .,... .- _.... dominar amplame~te_ a _;'Ida da nova_ vila-cidade, com as _reper-
lhador cativo Curitiba é uma comunidade impreanada pelo . ·"'' ~ cussões da comerciahzaçao da produçao do mate, gado e generos
' o IDCiú ... .:· . ' Ab . 'd d . . d . . . t
rural em que está inserida A constituição de um mundo . l ;. ;,.; ~ agncolas so re as outras ati vi a es sociais; expan e-se o mcipien e
. . . · , · . . . , , socia ·· · ~ · · ~ t bano com a concentração de funcionários da admi-
urbano mcipiente somente se miCia lentamente, as vesperas da --:':: ;~ ~" artesan~ 0 ur . .' . ..
- d a p rovmcia
·ms t a 1açao , · d o p arana,, quan d o a VI·1 a se l'b I erta de
- .-;;':-
.. · - ·. nistraçao . provmcial
. . . e local, o aumento dos
. I contmgentes
· · d mihtares ·
· d · f - . . ;::.\!:~ ,.-·~O:" e policiais; diversifica-se a estrutura sacia, constltum o-se os pn-
a Iguns elemen t os rurais e começa a pro uzir unçoes propnamente - i · - · . . · d d
A d e 1853 , a VI·1 a se transf orma em centro eco- ,.,. " ~;· ·. '!'~. meiros . . grupos .sociais que denotam o nascimento . , . e uma cama a
ur b anas. E m torno
A ·
nomico. mais
· ·
• . Importante, com
de. residencias de fazendeuos e
. l - d
comerciantes, de
h d
. a msta açao. e engen os. . e erva-mate
atividades fman- .. . ""
j. . b · -
, .
-:;::::'· ,;;::::.. social mtermediana entre as duas castas assimetncas; mauguram-se
. ' : .~~~ <· • focos d e m . t cresses
A
d
e corren t"es d e opmiao
- d' c t'd
· ·- t'IpiCos
· como
·
ocorre
.
de am b'Ien tes e m
em dec ' ad..as
. • - , . . ._ =' . .. t ur amzaçao, quan o sao IS u 1 as,
ce1ras hgadas a exportaçao e comerciO com outras vilas e regwes; ::l ;- - • t s políticas miaratórias que podem servir à Província
, · d · · · . - d • . segum es, a 0 ,
em centro po lItico-a mimstrativo, com a cnaçao o governo pro- ... do se debatem teses relativas à extinção do tráfico re1acio-
. · l e ~eu_ secretana
v_mcia · d o, e _f uncwn~m~n~o
· d ~ Ass~~bl" e1a Le g_Isla-
· ~ quan
nadas às _v antagens do regime republicano, à abolição do ' trabalho
tlv~, dos orgaos de ~rreca~~çao prov;nciai~ e ~mpen~~s ( 7). Cna-se -1 ': · cativo etc. Assim, emergem formas sociais de organização da vida
a Impr: nsa local, e mtens~flca -se o mtercambw pohtico e cultural . .. ., que se diferenciam cada vez mais das rurais. As influências dos
c o~ Sao Paulo e a Corte, pr_omovendo-se o_ ~l:rgamen:o . do ~-;. -~ -~ ·t políticos e administradores vindos de co-~unidades mais urbani·
honzonte cultural dos grupos dommantes, a substltmçao de habitas, ;.:: . . .~~··zadas, 0 contacto dos membros das fam1has dos senhores, espe-
a incorporação de outros valores e ideais etc. A população da .d~ ~: ; cialmente estudantes, com aquêles núcleos, os efeitos sócio-culturais
comunidade adensa-se em ritmo mais rápido com · a concentração · dos fluxos imigratórios, associados aos outros fenômenos meneio-
de naturais da área, escravos, imigrantes, funci onários do govêrno_ nados, começam a produzir um nôvo tipo de personalidade e
local e provincial, fôrças militares etc. (8). O crescimento da vila • as formas urbanizadas de pensar, agir e sentir. Durante os três
intensifica-se de tal maneira em meados do século, que um vereador :::.'-~: . _· últimos quartéis do século, êsse processo se intensifica continua·
é impelido a fazer com que a Câmara Municipal de Curitiba . . ·. mente, precisamente pela persistência da ação dos principais fatôres
"pedisse ao Governo que mandasse levantar um plano da cid.e ~- referidos ( 11).
para edificação dos predios, reservando os lugares para edeficios
publicas, marcando novos becos e tudo que fosse · necessario pa.o ;;- (9) O requerimento foi aprovado em 12 de julho de 1856,
oficiando-se em seguida ao governo provincial no sentido indicado.
(Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. LX, Impressora
. . .,.. Paranaense Curityba, 1932, pág. 18.)
(7) Em _1820 Cuntiba po~suia 220 casas; ~m 1853 contava ·- ~ ( 1 0) Idem , pág. 86.
com 308 e mais ~O em constru~ao. (Cf. N:;stor VIctor, A Terra_ ~~ ( 11 ) Para uma análise sociológica do mundo urbano, veja-se:
Futuro, _Invpressoes d~ P arana, _Typ. do Jornal do Commerc10 , Louis Wirth, "Urbanism as a Way of Life", publicado em Com-
de Rodngues & C., R10 de Janeiro, 1913, págs. 97-98.) , mwnicaty Life and Social Policy, do mesmo autor, The University
(8) A população local em 1780 alcança 2 . 949 pessoas; em of Chicago Press, Chicago, 1956, págs. 110-132 ; Florestan Fer-
1858 conta com 11 . 313 habitantes e em 1890 aumentou para ·'. J1 nandes, "Aspectos da Evolução Social de São Paulo", publicado
24 . 553. ( Cf. Almanach dos Municípios, diretor: Alberto F igueira, ( em Mudanças Sociais no Brasil, do mesmo autor, Difusão Européia
Paraná, Curitiba, 1927.) ·H ,... do Livro, São Paulo, 1960, págs. 177-283, esp. págs. 179-201.
~

136 137
Nesse ambiente, os negros e mulatos, escravos e livres, • a ressaltar a honestidade de propósito. "Uma pessoa que possue
um escravo, moço e robusto sem vicio algum, deseja trocai-o por
tribuíam-se pelas ocupações menos qualificadas socialmente. Em
atividades agropecuárias, no artesanato urbano, nos serviços do. :t. uma escrava nas mesmas condições; convindo que, antes de rea-
mésticos, nos transportes locais e entre as vilas, os escravos estão ·. . . lizar-se a transação, um e outro escravo fiquem a contento./Será
presentes, como fatôres da produção e agentes sociais em urna um meio seguro para um negocio consciencioso. Informa-se nesta
ordem polarizada econômica e socialmente em dois estratos prin. typographia" ( 16). E assim sucedem-se os anúncios destinados
cipais. Nesse contexto, o negro e o mulato são acepções da mesma a facilitar a comunicação entre os senhores de escravos das mais
categoria do sistema econômico; fornecem a mão-de-obra produtora diversas idades, de ambos os sexos, negros ou mulatos e qualifi-
de valores. Mas não é somente a sua fôrça de trabalho que é . cados profissionalmente como domésticos, artesãos, domadores etc.
mercadoria; êles próprios são mercadoria, pois são colocados entre As vêzes a oferta ou a procura se intensifica, revelando oscilações
os meios de produção pelos seus proprietários ( 12). É por isso ligadas às flutuações das atividades produtivas, das necessidades
que em Curitiba anunciam-se escravos e escravas, negros ou mulatos, dos serviços domésticos, ou outros. Na edição de 16 de fevereiro
como se anuncia chapéu ou botina: compram-se, vendem-se, tro. de 1861 de O Dezenove de Dezembro são solicitados 3 horticultores
cam-se, alugam-se, cavalos, mulas ou escravos.. No decorrer do para compra. ·Mas é no setor dos serviços domésticos que o
século XIX, os curitibanos donos de cativos ou interessados em mercado se revela mais intenso em certa ocasião, como o exprimem
possuí-los, ainda que temporàriamente, continuaram realizando aque. · ~~=!" os anúncios da edição do mesmo jornal no dia 12 de dezembro
las operações. Com a fundação do j ornai O Dezenove de Dezembro, de 1872, quando são oferecidas 6 domésticas para aluguel ( 17).
em 1854, começam a aparecer os anúncios destinados a facilitar ~ Em 1878, quando a influência do processo de colonização por
os negócios, caracterizando os "produtos" postos à venda. Assim europeus já se fazia sentir em Curitiba, em um só dia são pro-
circulam os negros e mulatos cativos: arrumadeiras, cozinheiras; curadas para compra 4 escravas domésticas ( 18).
lavadeiras, costureiras, artesãos, moleques de recado, domadores, A qualidade de mercadoria do escravo não se exprime somente
horticultores etc. As exigências dos interessados muitas vêzes são nessa área. O próprio poder provincial extrai dêsse comércio
precisas, inclusive acêrca das virtudes morais do escravo. "Nesta resultados financeiros para a sua receita. A entrada e a saída
typographia compra-se uma preta, sem molestias nem vícios, que da Província, ou a simples transferência por compra e venda,
lave e cozinhe" ( 13). Outro quer um profissional qualificado, proporcionava aos cofres públicos resultados financeiros explici·
para que a inversão de seus capitais lhe seja rendosa. "Compra-se tados em orçamentos. Segundo Müller, em Alvará de 3 de junho
um escravo official de sapateiro; nesta typographia se dirá quem de 1809 fôra estipulado o coeficiente de 5% "do preço pelo qual
o quer" ( 14) . O mercado de escravos que funeiona em Curitiba se vende o escravo" como "meia sisa dos €scravos" ( 19). Em
conta também com filhos de escravos comercializáveis. "Precisa-se Relatório de · 1858, Liberato de Mattos informa que a taxa de
C()mprar uma negri~ha ou moleque de oito a dez annos; quem tiver saídà de cativos da Província ficava fixada em 50$000 (mil-réis)
dirija-se a esta typographia, que indicará a pessoa que pre·
tende" ( 15). Outras vêzes, a transação é estimulada de modo (16) Idem, Anno XIX, N• 1314, 29-6-1872, pág. 4.
(17) Repetem-se amiúde os anúncios pedindo ou dando a
alugar escravos. Um dêles diz: "aluga-se um pardo cosinheiro"
(12) Os trabalhadores livres, diz Marx, "não figuram dire· (Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno II, N• 51, Curityba, 19-3-1856,
tamente entre os meios de produção, como os escravos . .. " (Cf. pág. 4). Outro anúncio, repetido no mês seguinte, estabelece: "Pre·
Karl Marx, op. cit., tomo I, pág. 802). E acrescenta: "a compra cisa alugar um homem livre ou escravo para se encarregar do
e a venda de escravos é também, quanto à sua forma, compra tratamento de animaes; quem se quizer empregar neste trabalho
e venda de mercadorias" (Cf. Karl Marx, op. cit., tomo II, pág. dirija-se á esta typographia que se dirá com quem deve tratar"
41). (Cf. Idem, Anno I, N• 47, Curityba, 14-2-1855, pág. 4).
(13) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno I, N• 52, Curityba, (18) O Paranaense, edição de 18-4-1878.
21-3-1855, pág. 4. (19) Cf. Ensaio d'urn . Quadro Estatístico da Provincia de S.
(14) Idem, Anno II, N• 7, 16-5-1855, pág. 4. Paulo, por Daniel Pedro MUller, Reedição Litteral realizada na
( 15) Ibidem. Secção de Obras d'"O Estado de S. Paulo", São Paulo, 1923, pág. 211.

138 139
cada escravo. No exercício menciunado por êsse presidente, a escravos cuj os donos deixam de recolhê-los à coletoria. Por isso,
"meia sisa de venda de escravos" alcança 7:005$817 (mil-réis) mencionam a "aprehenção de quatro africanos" sobre os quais eram
e o "imposto sobre sahida de escravos" o total de 250$000 (mi}. devidas "meias custas na importancia de Rs. 22$603" ( 24) . Marcado
réis). No exercício anterior, a meia sisa de ca tivos na coletoria ~.:;­ dêsse modo pela presença de trabalho cativo, o sistema econômico
de Curitiba havia produzido 2:934$973 (mil-réis) enquanto em produziu, por sua vez, efeitos sociais em diversos níveis do sistema
Paranaguá se havia arrecadado l: 181$900 (mil-réis) (20). Entre sociaL Os produtos sociais de uma estrutura econômica fundada
os diversos impostos devidos ao movimento de escravos na Pro- num contingente de escravos impregnaram de modo acentuado
víncia, em 1877-78, a receita estimará, com base nas médias dos a estrutura social ali configurada. Como produtos históricos,
três exercícios anteriores, uma arrecadação total de 33 :596$000 uns e outros acabaram marcando-se reciprocamente, configurando
(mil-réis), alcançando cêrca de 7 % da renda global estimada (2 1). 0 cosmo social que estamos reconstruindo em seus mecanismos
Nos últimos anos da escravatura ainda são computados essas arre- principais.
cadações nos orçamentos. Em 1886 as "taxas de escravos" alcan- Nesse contexto, escapou totalmente ao escravo as possibili-
çarão o montante de 12:397$481 (mil-réis ), segundo registra Faria dades de manipulação da própria posição social. O status de
Sobrinho ( 22) . Em suma, dada a sua importância no sistema econô- cativo é atribuído pela camada dos brancos, especialmente pelos
mico que se organizara, o escravo se havia transformado em mer- senhores dos meios de produção, com apoio dos grupos compostos
cadoria sôbre cujos atributos não cabia tergiversações. Todos que ·de trabalhadores autônomos, -agregados, parceiros, assalariados,
negociassem negros ou mulatos cativos deveriam contribuir para 0 fôrças policiais e militares, o clero etc., muitos dêles impregnados
orçamento público. Já em 1720 o ouvidor Pardinho estabelecera por mestiços em diversos tons. No sistema social fundado na
que mesmo os padres ou as confrarias e irmandades deveriam escravatura dos trabalhadores, as possibilidades de aquisição de
"pagar dízimos de todos ·os frutos, creassoens, e pescarias, que status são exíguas, exprimindo-se apenas na mobilidade relativa
tiverem de suas fazendas, gados, redes, ou escravos, como todos no interior da estrutura ocupacional de uma "emprêsa", o que
somos obrigados por preceito divino ... " ( 23). A mesma vigilância pode ser devido à diversificação da qualificação profissional ou
é revelada pelos vereadores de Curitiba no século seguinte, aos deslocamentos decorrentes das transferências da propriedade
quais se mostram preocupados com a evasão dos impostos temporária ou definitiva do indivíduo. Excepcionalmente o cativo
isolado pode, como veremos melhor adiante, insinuando-se junto
(20) Cf. Relatório do Presidente da Província do Paraná, Fran- ~:~ r;; a membros da família do senhor, conquistar a alforria em tes-
cisco_ L_iberato de 1\~att~s, na abertura da Assemblea Legislat~va ;:,.~ ~.. tamento. Em geral, contudo, nascerá e morrerá escravo, filho
Provmcial, _em 7 de Janeiro de 1858, Typ. Paranaense de C. Martms ""9 i\' - escravo de pai escravo propriedade que é do senhor branco e
Lopes, Cuntyba, 1858, Anexo 4. Nesse mesmo anexo encontra-se "~ . '
o seguinte esclarecimento: "50$000 sobre cada escravo que sahir .;;J..:..! descendentes.
' '"t •. ·-
para fora da província". .. ~;;; :~.' No século XIX a leo-islação escravocrata criada pelo poder
(21) A_ renda total estimada para o exer~ício . atinge 451 :113$000 ""'::.:; ~:·· - imperial eximirá as provÍncias e comunidades de promulgarem
(Cf. Relatórto apresentado á Assemblea Legislativa do Paraná, no ~ 1 • _ A , •

dia 15 de Fevereiro de 1877, pelo Presidente da Província 0 Excel- ___ \ . outras, restando-lhes apenas a obngaçao de po-Jas em pratica.
lentissimo Senhor Doutor Adolpho Lamenha Lins, Typ. da Viuva ·-::~. ?.J. _ Anteriormente, contudo, as ordenações, as leis "extravagantes"
Lopes, Curityba, 1877, págs. 120-121). =h' r.'". (não codificadas, como nos informa Perdigão Malheiro ), os
(22) C~- Relatório ap_resentado á Assemb~éa Legislativ!!; ~o -._~ .7.. provimentos dos ouvidores e as posturas municipais atendiam às
Paraná no dia 17 de Feve:e1ro de 18_87, pelo ~residente da Provmc1a _ y.;;j ~:"j exigências de uma sociedade apoiada no regime escravista. O
o Exmo. Snr. Dr. Joaqmm d'Alme1da Sobrmho, Typ. da "Gazeta --~ .~ \ , . , . . , .
Paranaense", curityba, 1887. , -1 ,~. seculo XIX, por Isso, herdara todo um sistema JUndiCo complexo,
(23) Cf. "Treslado dos Capitulas de Correição desta Vila de _ .,. liõ destinado a exprimir as feições fundamentais da condição escrava.
Nossa Senhora do Rosario de Pernagua este anno de 1721", por ~--- Como diz Perdigão Malheiro, referindo-se aos primórdios da colo-
Raphael Pires Pardinho, Ouvidor Geral de São Paulo, Documentos
para a Historia do Paran.á, recolhidos e annotados por Moysés
Marcondes, 1• Série, Typographia do Annuario do Brasil, Rio de (24) Cf. Boletim do Archiv o Municipal de Curityba, Vol. LV,
Janeiro, 1923, págs. 27-138, citação extraida das págs. 32-33. Impressora Paranaense, Curityba, 1931, pág. 78.
~

140 141
nização lusa, "sôbre a escravidão dos negros e seu comércio que _ ~tudes dos semo~entes . Pode ser herdado, doado, p~nh?rado, _a~­
naqueles tempos não havia dúvida nem escrúpulo. Pelo menos .....;:..: ..:-..&;;..; rematado,. v~nd.Id_o, alugad~, permutado et~- . -!'- propna fa~Iha
não causaram essas questões aos povos e aos governos a mesní' · : _é outra mstltmçao que nao encontra possibilidades de configu-
inquietação, perturbação, e tormento, que a respeito dos índio: ....;;..:;-· ~- rar-se entre ?s cativ?s•. aind~ .que a. !~reja,. sancione as uniõe~ de
A escravidão dos Africanos, já legalizada antes da descoberta do Todavia, o Dueito Civil Brasileiro 'quase nenhuns efeitos,
Brasil foi nêle recebida e introduzida como coisa lícita; 0 comér- . em regra, lhes dá, conquanto reconheça o fato e o sancione impli-
cio d'os escravos neo-ros foi natural e suavemente estabelecido r;;.. citamente pela recepção das leis da Igreja. Continuam marido,
para a colônia, e att protegido e promovido pelo govêrno" (25), ~ -: ~-mulher e ~il~os a ser. proEriedade do se.nhor" . Por .~sso,. ~~res-
A instituição está, pois, desde 0 princípio, suficientemente estru- . centa Perdigao Malheiro, os escravos VIvem em umoes IiiCitas,
turada, exprimindo-se em seus aspectos básicos em textos legais. por via de regra, tan~o os , de. serviço urbano ~orno os. d_o ,rural;
. Mesmo quando se libertaram os aborígines, conforme lei de 6 _ entregues, por consegumte, a lei da natureza ou a devassidao (29).
de junho de 1755, sob a influência de Pombal, ficou estipulado, ~:_ ~-~ . Em Curitiba, provimentos e posturas municipais serão ex-
no mesmo texto, que fariam e.xceç~o os descend;n.tes de indígenas _
e "pretas escravas, -que contmuanam no dommw dos senhores
'1.: :; pedidas segundo as condições sociais emergentes e de conformi-
~! -~"' dade com os requisitos estipulados pela legislação metropolitana,
enquanto outra providência se não desse" ( 26). Aliás, esta dis- ~ ·-:.. - inicialmente, e pela imperial, depois. Aquelas instituições serão
posição resulta de uma interpretação direta do princípio legal _"'§ ~:_-;... ajustadas às condições efetivas da comunidade como passamos
vigente desde tempos anteriores, onde se estabelece que "o filho ~ - .,. ~ .....::. a observar. A definição da condição escrava não se encontra
de escrava nasce escravo" seja livre ou cativo o seu pai ( 27). ~ :;<J ·L formulada de maneira completa na documentação compulsada.
f:sse é um dos fundamentos econômicps e sociais do regime, não · \ .,.. Muito menos em um texto só. Mas a condição real do escravo,
sàmente porque marca juridicamente o descendente, mesmo o em face do senhor e do universo econômico e social em que ambos
mulato claro, filho de senhor branco e negra, como também se achavam envolvidos, pode ser apreendida por intermédio da
possibilitando a reprodução da escravaria, multiplicando-se dessa ~>: i". manipulação de evidências retidas em disposições e referências
~aneira os rendimentos da in~ersão inicial de ca~itais .. Além _ J -~- fragmentárias•. dispers~s em textos rel~tivos a diversas épocas.
disso, o escravo, enquanto propnedade do senhor, esta eqmparado .;;;;- +- -Pela sua anahse, sera possível constrUir abstratamente a verda-
à~ coisas, "n.ão tem. p~rsonalidade, esta?o. É p~is privad.o. d.e ;iJ t deira condição do cati~o. As primeira~ referências encontram-se
toda a capacidade CIVIl ( 28), sendo ohjeto de todas as VICISSI· ~ .~ .., nos "Autos dos Provimentos do Ouvidor Raphael Pires Par-
dinho", passado em correição em Curitiba, no ano de 1721, onde
os deixou registrados em livro, para govêrno dos seus habitantes.
(25) Cf. Agostinho Marques Perdigão Malheiro, A EsCTavidão Uma alusão apesar de seu caráter restrito possui particular
no Bras-il, Ensaio Histórico-Jurídico-Social, 2 tomos Edições Cultura, . • 'h, h . d ' d , .
São Paulo, 1944, tomo II, pág. 35. Referindo-se à "pré-história" mt~resse tam em para o con ecimento . a presença e. m~ws e
da escravidão no Brasil, Goulart informa que "a urgente precisão _ _ afncanos escravos lado a lado na comumdade. Com o mtmto de
de braços para o amanho das terras desertadas do reino justifica ~: . ,...garantir a manutenção da ordem e a supremacia dos brancos em
o alvorotamento com que se receberam em Portugal, em 1441 , 08 • '-- face dos cativos em grupo ou individualmente um provimento
primeiros cativos azenegues trazidos do continente africano por ..::...·.._ .. . ' . , d' , . d "'
Antão Gonçalves". E acrescenta que em princípios do século XVI, _-_- · • estipulava que os JUIZes or manos ve assem o uzo das armas
"em Lisboa, para uma população de cem mil almas, numeravam-se """ ,. ...,; prohibidas, aqualq.er pesoa dentro da villa, ainda fora della aos
dez mil escravos". Aliás, já "em 1552, havia em Lisboa doze .............. negros e carijós . .. " ( 30) . A sucessão das fugas, bem como a
corretores de escravos, que o eram igualmente de cavalos" (Cf.
Mauricio Goulart, EsCTavidão Afr-icana no Brasil (das Origens 4
Extit!1Ção do Tráfico), 2• edição, Livraria Martins Editora, São (29) Ibidem, págs. 57 e 56, respectivamente.
Paulo, 1950, págs. 7 e 27, respectivamente).
(30) Grifado no texto. (Cf. provimento n. 86 in "Autos de
(26) Cf. A. M. Perdigão Malheiro, op. cit., tomo I, pág.
Provimentos de Correições do Ouvidor Raphael Pires Pardinho, Cor-
(27) De conformidade com o Direito Romano, partus sequitur regedor das Villas do Sul", transcritos no Boletim do Archivo Muni-
ventrem. Cf. Perdigão Malheiro, op. cit., tomo I, pág. 50. cipal de Curityba, vol. VIII, Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs.
(28) Ibidem, pág. 53. 5-50; citação ext.-aida da pág. 29.) O mesmo Pardinho deilca regis-

142 143
significação dP.ssa prática para a consolidação, manutenção ê despesa de cem réis ($100), destinada ao pagamento
expansão . da escravatura levou o mesmo Pardinho a orientar 08 tronquo" instalado na vila (33) . Assim, a comunidade
habitantes locais sôbre o destino a dar aos escravos fugidos, dé símbolo material dos direitos dos senhores sôbre os
modo a evitar a consolidação da auto-emancipação pela fuga escravos ; assim, os senhores poderiam repetir os castigos sempre
impedindo o prejuízo econômico do senhor e a deteriorizaçã~ que necessários,. .e exemplarmente,_ em público,. como lição aos
ou enfraquecimento da propriedade exclusiva e inalienável co:rno fugitivos potenciais e para educaçao dos que Iam crescendo ou
instituição fundamental do sistema. Aparecendo, pois, nesta vila vinham d'Africa. No tronco ou pelourinho infligiam-se os cas-
"algum escravo fu gido, a pessoa que o achar será obrigado dentro tigos, consentâneas com os crimes cometidos e com a condição
em quinze dias, despois de o achar villo apresentar ao juiz ordi- social do contraventor: para o mesmo crime, aos escravos cabiam
nario desta villa o qual logo o fará a saber a seu domno, sendo penas mais duras que aos livres. Em Provimentos de 1774, re-
morador nesta vi !la ou nas circ unvizinhas" ( 31) . T odavia, alo . gistrados na Câmara de Curitiba, o ouvidor Antonio Barhoza de
fugas bem sucedidas repetiam-se, preocupando os senhores de ca- Mattos Coutinho estipula penalidades nos " Pretos vadios, Bas-
tivos e levando outro corregedor a voltar ao assunto alguns anos tardos, caboclos e outros desta qualidade" ladrões de cavalos.
após. "Porq.to os escravos dos moradores desta Comr.a comum.te "Sendo preto forro , ou cativo o m.de prender, e prezo seja levado
custumão handar fugidos a seos Snr.es de huas p.a as outras V.as ao Peloirinho, e por cada vez, que asim for compreendido leve
as Justas em achando escravos seye dos moradores da V.a 0 ~-;:;,. duzentos asoites por no ve dias, e esteja prezo trinta dias de Cad.a,
prendão logo e o mettão na cadeya seguro athe seo Dono avisado e sendo branco vadio caboclo ou outro qualquer desta qualidade,
o mande buscar" (32) _ Dessa maneira ia-se pouco a: pouco con- seja prezo e tenha trinta dias de Cad.a ... " ( 34).
solidando o regime vigente. A progressiva definição da posição Mas o sucesso dos senhores nas relações de dominação com
do escravo no sistema social da comunidade era condição neces- os escravos depende da capacidade daqueles em alcançar os fugi-
sária para assegurar a continuidade do seu estado. Por isso, tivos nas mais diversas condições, escondidos sós ou aquilomhados
outras determinações sucedem-se, a fim de realizar adequada- nas matas, ou dissimulados entre os negros cativos ou livres em
mente aquêles desígnios. outras comunidades. Por isso, pede-se a nomeação de capitães-
Os fatôres e mecanismos de contrôle das ações e da posição -do-mato, conforme registra um têrmo de vereança em 1780. Para
social do escravo entram em operação na medida das necessi- prender "negros e negras fugidos aquilombandoçe em partes vi-
dades reveladas pelas instabilidades divergentes do seu comporta-
mento. Em 1699 a Câmara Municipal consignava em seu orça-
(33) Cf. Boletim do Archivo Municipal, vol. VI, Typ. e Lith.
a vapor "Imp. Paranaense", Curityba, 1908, pág. 7. Em 1830 um
trado em livro na Câmara de Paranaguá, sob o n. 134, um provi- -ii .~ verea~or requereu a ."a_!:Jolição do Tronco". Seu requerimento foi
menta também sôbre a proibição de porte de armas por escravos j ,' r~metldo a u:_na com1ssao, sem _que a notícia esclareça para que
negros ou carijós. Veja-se Raphael Pires Pardinho, "TrE:slado dos ; :"- f1m. Como ~ao encontramos qua1squer informações sôbre o destino
Capitules de correição desta Villa de Nossa Senhora do Rosario de~ ·, '"'- dessa sugestao, supomos que ela tenha sido rejeitada ou esquecida.
Pernagua este anno de 1721", Documentos para a História do Paraná, ~ ~. ::. Veja-se Boletim do Archiv ? Municipal de Curityba, Vol. XLlli,
recolhidos e annotados por Moysés Marcondes, 1• Série, Typographia ~ ..L z,_ Impressora Paranaense, Cuntyba, 1929, pág. 90.
do Annuario do Brasil, Rio de Janeiro, 1923, págs. 102-103. - (34) Grifado no texto. Cf. Boletim do Archiv o Municipal de
(31) Provimento n. 119, conforme "Autos de Provimentos ... ", Curityba, Vol. VIII, Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs. 99-100.
op. cit., pág. 41. Veja-se também Moysés Marcondes, op. cit.,..... José Loureiro Fernandes informa que na cidade da Lapa e I greja
págs. 124-125, cujos provimentos n.os 167, 168 e 169, do mesmo Ou- de São Benedito foi levantada no "local onde, outrora, levantara,
vidor, também dispõe sôbre os escravos e gado ou cavalgaduras no tempo da escravidão, o pelourinho para castigo dos escravos"
fugidas. ~- (Cf. "Notas para a Festa de S. Benedito - Congadas da Lapa",
(32 ) Cf. 0 Cap. 1 9 dos "Cap.os de por José Loureiro Fernandes, Anais do 1• Congresso Brasileiro de
Cap.am Manuel de S. Payo Juiz Ordinario e orphãos da V.a - F~lc!ore, rea~i~ado _no Rio de Janeiro de 22 a 31 de agôsto de 1951,
de Pern.a e nella e sua Cunr.a . Ouvidor Geral Ley", em 1726, ediçao do ~1mstén~ das Relações Exteriores, Departamento de Im-
no Boletim do Archivo Municipal de Curityba, vol. VIII, Livraria p~ensa Nacwnal, Rw de Janeiro, 1955, III volume, págs. 241-302;
Mundial, Curityba, 1924, págs. 51-57; citação extraida da pág. 52. ,. citação extraida da pág. 245).
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144 10 145
zinhas as fas.das de. gados
. vacuns deste distrito" pede-se "ouveçe' "-· • a escrava t ura como uma " o r d em natura 1" sempre have ri · ·'
d e se nomearem capitams do mato . dpor esta Camera
d q'nas
N para gens ..., _..,...
-~ ., .,.... . mulatos e negros, hvres . ou na_o, dispostos
. ' àquelas açõesa canJos,
exer-
remo
·d tas po d·ecem
d I" e f oçem
t ( S) osE egros f 0 • . ...-.-
ohnga os apren, erem cen d o, pois,
· os papeis, . de mstrumentos
· ' ·
preservadores do sistema
g1 os e mais e mquen es que ou verem. . . 3 . m carta de _ ·
7 de novembro de 1746 enviada por Dom Luiz Mascarenha .. · Em Curitiba, certas atividades lúdicas dos escravos eram
General na "Villa e Praça de Santos", ao Juiz Ordinario ds, ""• vigiadas e punidas severamente, como manifestações de uma ci-
"Villa de Curitiba Pedro Ant.o Morera", pede-se 0 combate ao~ ·..;;; ~...., vilização inferior. Os_ senhores, segundo é possível ouvi-los pela
negros fugidos, "desses negros que aquillombados e vadios andam "-'~ li.. voz dos vereadores, nao ~stavam ?~spostos a permitir que negros
vagando pellos Campos e matos desses districtos ... ". Na mesma · -. e mulatos, escravos ou hvres, utihzassem os seus momentos de
carta sugere o Gal. Mascarenhas que sejam nomeados capitães- ·~.; ·;. lazer perturbando o sossêgo da comunidade ou comportando-se
-do-mato que, "com a companhia de alguns negros - Carijós ou ..,· ~~ . s:gundo valo.res _e pad~õe_s i~compatíveis com os seus. A condi-
bastardos - que saibam buscallos pella trilha ... " possam dar _ ~L:l ~ _ çao e:crava _Imphcava_ hmitaçoes que os negros não compreendiam
caça aos cativos e os "atirem e os matem" se necessário ( 36). As .: 'J :; -... ou na o podiam respeitar plenamente, o que os levava aos açoites
fugas e crimes de escravos são manifestações contínuas das ten- .,!!.§ ~- ii;;. ou outras penas. Por isso, a 8 de abril de 1807 é expedido
sões inerentes à ordem escravista, como revelam notícias e relatos .• -~1 '.: "· "Edital par~ se ivitarem os ''fandangos" e principalmente nos
que examinaremos adiante. A medida que se expande 0 uso _;,] :.._f que costumao entrar os Escravos captivos no qual se declarou
do cativo na comunidade, multiplicam-se as incidências· de com- ~ .··1. - apena aos mesmos sincoenta asoutes no Pelourinho, e trinta dias
portamentos divergentes, que os senhores procuram reprimir. Para .,: ;' J"' :..de cadeia, ~ seis mil reis _de condenação aos que dessem casas
atender às necessidades crescentes determinadas pelo crescimento ~ ~ ~~- r.:. para este fi~.··" (38) · Nessa luta, os senhores tinham a seu
da população escrava, a 10 _de . março de 1821 prestaram jura- "' ~ ;_ la~o a_ IgreJa? que também agia com sev~rida<:{e na politica de
mentos e foram nomeados mdivíduos para que "servicem de . ,\ : a,~orçao so~IO:cultu:a!, procurando canahzar as manifestações
capitains do Matto" (37). No sistema de contrôle social estru- ~~ ~- ludicas e magico-religiosas segundo os padrões dominantes na
turado em função da dominação da casta dos escravos pelos ~ : . · com~n,i~ade. EI? 1773, diz !osé Loureiro Fernandes, o Visitador
brancos, o cap_itão-do-mato, é um ?os. P!i~cipais agentes, quando ~ ;. . Ordmano. do Bispado de !3a~, Paulo, ao passar pela capela da
se trata de agu fora da arca de JUnsdiçao do senhor. E êle é -:'~ . -..Lapa, estipulou. q_ue se devia condenar em duas patacas, a cada
tanto mais eficiente quanto melhor conhece ou pode descobrir ._ -"-~ · ; pessoa que assistir aos Batuques e ao Donos das casas em oito
as eventuais soluções dadas às fugas, motivo por que se faz acom- . ;~', -~ ' pat~cas . c_ada _vez que executarem êstes iníquos folguedos" (39).
panhar de negros, carijós ou bastardos, que saibam buscar os :-$ i ·A IdentiÍicaçao entre fandango e escravo, se não também negro
foragidos pelas trilhas. São utilizados, portanto, elementos ou ., """".:"1i ". ~ e mulato, desenvolveu-se de tal maneira durante a escravatura
ex-membros da própria casta dos cativos para mais rápido e ~ -.: que alg_u~s bran~o~ acabaram ~xigindo uma distinção legal para
seguramente realizarem-se os desígnios dos senhores. Envolvidos ~ es~as atividades ludic.as. A partir de 1864, uma postura municipal
por um sistema de compensações psico-sociais e levados a encarar .':# -~~ foi formulada especialmente para possibilitar a separação entre
_...,..,. " - o que é "fandango" e o que é "baile", ou seja, entre o que é de
escravos e o que é de homem livres - de nearos mulatos e hran-
(35) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, cos. "0 s hatuques ou fandangos de que tracta o ' o art. 0 135 das
XXXI, Impressora Paranaense, Curityba, 1927, págs. 89-90. -- ~,. pusturas municipaes e que for mister licença não se refere
(36) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol.
Impressora Paranaense, Curityba, 1925, págs. 5-6.
(37) Apesar de exprimir-se no plural, o texto não informa . • (38) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Ourityba, Vol.
quantos foram nomeados. Veja-se Boletim do Archivo Municipal ;.;...." "XXXVII, Impressora Paranaense, Curityba, 1928, pág. 77. Anterior-
de Ourityba, vol. XL, Impressora Paranaense, Curityba, 1929, págs. - .':':"'· mente, em 1792, um têrmo de vereança estabelecia "que ninguem
77-78. Alguns anos antes, em 1817, um capitão-do-mato havia sido " ~ ~fasa fandangos rodas tomando por preteisto adevosão de Santos".
destituido de suas funções "por ser intrigante e revoltoso e embebe- " ' Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. XXXIV, Im-
darce" (Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. pressora Paranaense, Curityba, 1928, pág. 64).
XXXIX, Impressora Paranaense, Curityba, 1929, pág. 92). ~ (39) Cf. José Loureiro Fernandes, op. cit., pág. 301.
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a bailes que com musica se danção valças quadrilhas chottes · Se não fôssem suficientes tôdas essas manifestações da do-v
etc ... " ( 40). Além de exprimirem algumas facêtas insuspeitadas ~ minação exercida por uma casta sôbre outra, poderíamos ainda
da natureza da dominação dos brancos sôbre os negros, essas mencionar mais uma, de grande significação, sendo a expressão
evidências manifestam aspectos notáveis do processo assimilatório rnais extrema e aberta do sistema de contrôle social a que eram
em curso. Definido fundamentalmente pela condição escrava dos submetidos os negros. Também a morte podia ser infligida ao
seus agentes humanos, o processo de absorção dos africanos e escravo, sem que fôsse necessário recorrer à Capitania, ao Rio
descendentes orienta-se no sentido de produzir o consolidar a de Janeiro nem à Metrópole. Ao Ouvidor de Paranaguá, a cuja
subcultura das senzalas, dos negros, como manifestações não cons- Ouvido ria pertencia Curitiba no século XVIII, cabia jurisdição
pícuas da civilização. Fora dessa alternativa, subsistem outras: plena sôbre os cativos, das mínimas às máximas penas. Conforme
ou a absorção submissa, passiva, da cultura branca, superior, ou autorizava o Conselho Ultramarino, cabia-lhe "sem appelaçam
a desorganização da personalidade do cativo. Essas são as três nem agravo - sentenciar à morte, os escravos e Indios, mulatos
principais polarizações do sistema sócio-cultural vigente. e bastardos, ainda que forros, que estes heram os mais inso- l
Em verdade, o escravo não tem personalidade, estado, sendo lentes ... " ( 42). Segundo registra ata da sessão extraordinária
indivíduo privado de capacidade civil e somente podendo expri.- da Câmara, em 3 de fevereiro de 1852, êsse dispositivo foi pôsto
mir-se por intermédio do senhor, de que é propriedade inalienável. em prática, quando recebeu-se "off.o do Delegado de Policia
Assim como não pode fugir ao trabalho nem divertir-se segundo declarando que o escravo Candido hé Réo da Villa do Príncipe e
os padrões definidos pela tradição cultural do grupo originário, condenado a pena ultima" ( 43) . Dêsse modo fica plenamente con-
o africano ou descendente não poderão nem mesmo circular sem figurada a condição social do escravo. A sua alienação total
estar vinculados de algum modo ao seu senhor; isto é, sem que manifesta-se sob muitas formas, especialmente pelo direito de
esteja claramente definida a sua condição econômico-social e mo- vida e morte a que estava sujeito e pela ação repressiva exercida
ral de propriedade de outrem. A palavra do escravo não tem por intermédio de membros da própria casta.
voz. Por isso o cativo em trânsito pela comunidade ou entre as Os caracteres fundamentais do escravo, como mercadoria, como
vilas será prêso se não estiver munido de um salvo-conduto, assi- meio de produção e como membro de uma casta inferior, ficam
nado pelo seu proprietário. tsse o significado do provimento que assim plenamente evidenciados. E, à medida que o cativo assume
estabelece "que os Juizes Ordinarios fação prender a todos os um perfil mais nítido, mais definidos se tornam os traços do
negros e mulatos cativos de outros districtos que não apresenta- senhor. Um e outro clarificam-se mutuamente. Mas essa recons-
rem passaporte da pulicia com a licença de seus Senhores reme- trução pode ganhar novas facêtas se continuarmos a análise, lan-
tendo os para a cadeia da cabeça da comarca" ( 41). Dessa çando mão de outras evidências, suscetíveis de tomarem ainda
maneira, o domínio do escravo é completo. Secundados por ór- mais acentuados os contornos dessas duas categorias sociais. A
gãos e agentes policiais, os senhores conseguem o contrôle total condição escrava do negro ganha outras dimensões quando ela
dos cativos, mantendo-os na condição de semoventes. é cotejada com a do outro cativo do mesmo universo. O abo-
rígine foi o "administrado", ou "peça", mencionado nos inven-
( 40) Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. LXIII, tários, cartas de sesmarias ou outros documentos dos séculos XVII
Curitiba, 1957, pág. 74. Outras referências a mecanismos de con· -- e XVIII. Isto é, foi o escravo da própria terra, enquanto não
trôle de comportamento dos escravos encontram-se ainda nos têrmos se transportaram os negros d'Africa ( 44) . Como já vimos no
de vereança. Assim, em sessão de 1829 os vereadores curitibanos
estabelecem "vinte e cinco assoites" como castigo aos escravos que
forem surpreendidos jogando. (Cf. Boletim do Archivo Municipal
de Ourityba, Vol. XLII, Impressora Paranaense, Curityba, 1929, ( 42) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. XI,
págs. 86-87.) Impressora Paranaense, Curityba, 1924, pág. 37.
( 41) Cf. 8• provimento formulado pelo Ouvidor Geral Dr. João· ( 43) Veja-se Boletim do Archivo Mtmicipul de Ourityba, Vol.
Baptista dos Guimarães Peixoto, "Auto de Provimentos que mandou LVII, Impressora Paranaense, Curityba, 1932, pág. 96; também
fazer · oD.or Corrgd.or neste anno de 1800", transcrito no Boletim págs. 99 e 102.
do Archivo Mu'l1!icipal de Curityba, Vol. XIV, Impressora Paranaense, ( 44) Como diz Pizarro, referindo-se aos primórdios da Ca-
Curityba, 1925, págs. 5-11; citação extraida da pág. 6. pitania de São ~ Paulo: "Sendo então defesa a entrada franca de

148 149
item relativo à mineração, o íncola teve elevada participação na~ Pede aos juíze5 e oficiais da Câmara Municipal de Curitiba que
atividades produtivas no século XVII e princípios do XVIII, "prohibão que nenhua pessoa entre pelo certão a correr o
começou a ser substituído pelo africano, cuj o patrimônio sócio. Gentio pera os obrigarem a · seu serviço ... " ( 48). No mesmo
cultural possibilitava mais rápido ajustamento às condições sociai~ --:::; r=: sentido repetem-se as determinações jurídicas e policiais desti-
do trabalho e cuja oferta elástica permitia expansões sucessivas. nados a pôr côbro ao empenho dos colonizadores n o afã de re-
Mas nem por isso o indígena deixou de estar presente na economia duzir os índios ao cativeiro ( 49). Em 1733 é registrado um bando
e na sociedade locais. Já os primeiros moradores de Curitiba em Curitiba cujo conteúdo visa combater a escravização e a
eram " possantes de pessas", como registram as doações de ses- prostituição de aborígines, práticas comuns na época (50 ) . Alguns
marias. Uma "carta de sesmaria de data de terra passada a Bal- anos após, em 1745, um Regimento estabelece que não se escra-
thesar Carrasco dos Reis", em 1661, informa que " o supp.te com vizará índios, " salvo aqueles que fossem tomados em guerras
seu Pay, tem ajudado nas guerras da Capitania com seus admi- justas" (51). Mas êles continuam escravizados, como era do in-
nistrados .. . " ( 45 ) . Em 1668, outra carta diz que a Matheus terêsse dos colonizadores e da Metrópole, que queria ver crescer
Martins Leme "lhe hera necessario terras para lavrar e fazer suas a sua riqueza e os seus domínios. Em princípios do século XVII
lavoura e hera possante de pessas . .. " ( 46 ) . E no século seguinte Portugal admite que os administrados são o esteio da economia
o problema da escravização dos índios será preocupação constante ·da parte meridional da Colônia. Reconhece que "os justos fun-
das autoridades, no longo jôgo diplomático resultante dos con- damentos que alegavão a respeito de não poderem os Paulistas
flitos de interêsses do clero e colonizadores ( 47). Em 1721 0 sem gentio talar os certoins nem fazer os descobrimentos de ouro"
ouvidor Pardinho proverá contra a
escravização do aborígine. e asim desaparesser a que eu me servisse conseder lhes a admi-
nistração de todos aquelles que conquistarem ... " (52). Em bando
de 1736 as autoridades reconhecem explicitamente a utilização
indivíduos da Costa da África, por cujos braços se pudesse aumentar de escravos indígenas na mineração em Curitiba. Como diz, "faço
a lavoura, começaram os habitantes da nova província a guerrear a saber a todas as pessoas de qualquer qualidade e condiçam que
mais àvidamente os índios, conduzindo-os sob cativeiro, para se ser- costumam minerar por si ou por seus escravos e administra·
virem de seus trabalhos" (Cf. José de Souza Azevedo Pizarro e
Araujo, M emórias Históricas do R i o de Janeiro, Imprensa Nacional dos ... " (53). Mesmo no princípio do século XIX, como vimos
Rio de Janeiro, 1948, 8• Vol., tomo I, pág. 252). Ao estudar a~ no item relativo à pecuária, os aborígines continuavam objeto
expansões paulistas nos primeiros séculos, Sérgio Buarque de Ho- das preocupações dos brancos. Num.a área em que a economia
landa observa que "quase um século antes das ofensivas de caça-
dores de índios sôbre o sertão ao sul do Paranapanema, já alguns
naturais de São Vicente iam buscar no Paraguai braços para as ~""' r;:-, t;· -.,. " . .
suas lavouras, ao passo que outros, como Pascoal Fernandes, mo~ ~. · (48). Cf. A';ltos de Provimentos de .corre1ção d?, OuVld~r Ra-
rador em Santos, despovoam de carijós o litoral entre Cananéia e :J .; phae~ Plres .P~rdinho, C~rregedor das Vll!as ~o Sul '. Bolett"!" do
Santa Catarina, conforme se lê numa das relações do pilôto Sanchez, -~ -:·, Archwo M~mc~pal ~e Cur1tyba, Vol. vm, LlVrana Mundial, Cuntyba,
de Biscaia" (Cf. Sérgio Buarque de Holanda, E x pansão Paulista :} ~.:i 1924, provlmento n 72, pág. 25.
em fins do Sécu.lo XVI e Princípio do Século XVII, edição do Ins--~ "-: · ( 49) "lndios cujo cativeiro constantemente proibiram as nossas
tituto de Administração da Faculdade .de Ciências Económicas e 5. ~-. leis, desde os primeiros dias de fundações portuguêsas no Brasil. . . "
A_?ministrati:-as da Universidade de São Paulo, Publicação N• 29, '" :.._; ;·, (Cf. José de Souza Azevedo Pizarro e Araujo, op. cit., pág. 253).
Sao Paulo, JUnho de 1948, pág. 15). ·- • ::= J:· (50) Cf. "Rezisto de hft bando q'veyo da Cidade de S. Paulo
( 45) Cf. "Sesmaria do Bariguy", Boletim do Archivo Municipal "· do Snr. General Conde de Sarzedas" in Boletim do Archivo Muni-
de Curityba, Vol. VII, Livraria Mundial, Curityba, 1924, pág. 9. ;;,.;.:;.;,.,;; • cipal de Curityba, Vol. IX, Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs.
(46) Cf. "Sesmaria do Bariguy", Idem, pág. 6 . 98-99. No mesmo d?Cumento, às _págs. 63-65, publica-se outro bando
. . combatendo a subm1ssão dos índios.
( 47) Segundo af1rma Rodngo Otávio, que estudou a Iegis- . . . .
lação relativa às relações dos indígenas com os colonizadores e 0 ....,. , (51) Cf. B?lettm do Archtvo Mume1pal, Vol. XI, Impressora
clero, "a sorte dos infelizes índios foi regulada ora de uma maneira, · ..,J -" Paranaense, Cuntyba, 1924, pág. 38.
ora de outra, segundo predominava no Conselho do Rei, no momento " ~ ··:· <.52) Cf. "~ei sobre os Carijós", Ordem Régia transcrita no
do conflito, a influência do jesuíta ou a do colono ... " (Cf. Ro- *· Bol~ttm do Archwo Municipal de Curityba, Vol. X, Livraria Mundial,
drigo Otávio, Os Selvagens Americanos Perante 0 Direito, Com- Cuntyba, 1924, págs. 7-8; citação extraída da pág. 8. ·
panhia Editora Nacional, São Paulo, 1946, pág. 91). ,;. (53) Idem, pág. 29.
'
150 151
não havia atingido um elevado grau de expansão e riqueza, que no território paranaense os africanos e aborígines foram reu-
as disponibilidades de indígenas continuavam satisfatórias e à mão nidos numa mesma comunidade, mas com posições econômico-so-
as atividades produtivas não puderam fugir à !Ua utilização: ciais diversas. Nos aldeamentos indígenas, os africanos serão
Em 1809 uma Carta Régia relativa à organização de uma expe. - - escravos dos índios, por disposição de brancos. Como já vimos,
dição para a conquista (aos índios) dos Campos de Guarapuava em 1855 fundou-se, sob a direção de Frei Timotheo de Castelnovo,
autorizará o cativeiro dos aborígines. Ao comandante fica auto- 0 Aldeamento de São Pedro de Alcântara, onde os negros eram
rizado que, "quando seja obrigado a declarar a guerra aos Indios cativos. Conforme relata o clérigo, em carta de 29 de março de
que então proçeda a fazer e deixar fazer presioneiros de Guer- 1856, dirigida ao Presidente da Província, "não pude fazer roças
ra . . . ( ... ) Bem entendido que esta prisão ou captiveiro só por não ter que dar de comer aos escravos que me forão accor·
durará quinze annos contados desde o dia em que foram Bapti- dados para este fim" (55) . E em outra missiva do mesmo ano,
zados" (54). ·Essa é- uma autêntica guerra justa, onde a Metrópole com idêntico fim, r.sclarece : " tenho 70 e tantos escravos para
e a Colônia viam os seus interêsses perfeitamente conjugados: dar de vestir, sem fallar dos Indígenas, que todos se achão nú
campos de pastagens, fôrça de trabalho gratuita, consolidação da e em estado lastimavel por falta de panno e cuhertoes ... " (56).
posse dos territórios por súditos do Reino etc. Aí · temos uma das mais curiosas manifestações da situação racial
tsse o contexto em que se dá a escravatura do africano e brasileira. Nesses aldeamentos, as três raças, hierarquizadas em
seus descendentes. Muitas vêzes o negro e o aborígine cativos escravos, administrados e dirigentes, isto é, em cativos e senhores,
estarão lado a lado nos mesmos trabalhos. Muitas vêzes, depois, têm condições de absorção, no desenvolvimento do processo civi-
o africano e seus descendentes estarão sós, já que uma poderosa lizatório brasileiro, que são naturalmente diferentes, quanto às
corrente de interêsses e opiniões terá procurado subtrair o índio condições relativas e ao ritmo. Mas restará ao africano ou seus
ao domínio do colonizador. Mesmo no Paraná, onde as dispo- descendentes a pior posição.
nibilidades de indígenas puderam atender parte da procura ainda Dêste modo se criará no consenso da comunidade a conexão
no século XIX, mesmo aí, e por isso exatamente, os aborígines definitiva entre escravo e negro. A posição oscilante dos indí-
foram envolvidos por um regime semi-escravo ou livre, diverso genas no decorrer do processo não alterará nem atenuará o fato
do negro, portanto. No consenso da comunidade branca, o afri- fundamental de que os africanos e seus descendentes nascem e
cano acaba tornando-se mais adequado à escravização. Fala-se morrem cativos. Enquanto o sistema jurídico, exprimindo as
inclusive na sua maior versatilidade e nas suas experiências an- condições efetivas de produção, toma o índio umas vêzes como
teriores, nas aldeias nativas, como fatôres positivos para a escra- peça ou administrado e outras como trabalhador livre, êsse mesmo
vização. Como produto histórico de um processo que se inicia -
com a descoberta do Brasil, os africanos e seus descendentes são
definidos socialmente como escravos, enquanto os índios e caboclos (55) Cf. Arthur Martins Franco, "Frei Timotheo de Castel-
novo", in Revi8ta do Circulo de Estudos ((Bandeirantesn, tomo I,
como livres. A legislação pombalina é uma peça nesse processo, n• 3, Curitiba, Setembro de 1936, págs. 203-212; citação extraída
sendo ao mesmo tempo expressão e fator dos mesmos aconte· da pág. 207.
cimentos. (56) Idem, pág. 208. Martins Franco informa ainda o seguinte:
"contava o aldeamento em 1881 com uma população de 837 pessoas
Mas os significados do fenômeno em questão não se inter· sendo destas 229 indigenas "coroados", 211 "guaranys", 191 "Caicós",
r ompem aí. tle assume uma coloração nova quando verificamos 49 negros e 157 europeus". Idem, pág. ·210. No aldeamento N.S .
do Loreto de Pirapó, segundo registra Vaz de Carvalhaes, havia em
1857 : 1 administrador, 2 camaradas e 19 africanos, além da popula-
(54) Cf. "registro de huma Ordem -ao Doutor Ouvidor Geral ção indígena para a qual aquêles trabalhavam sob a direção do
Correg.or da Com.ca Antonio Ribeiro de Carvalho com Carta de administrador. ( Cf. Relatório apresentado ao Excelentissimo Senhor
Off.o dos Deputados da Junta e Carta Regia incerto na m.ma Ordem ·· -- ~ Doutor Francisco Liberato de Mattos muito ·digno Presidente da
dirigida ao Juiz Ordinr.o desta Villa sobre a Conquista de Guara- Provincia do Parana pelo 2• vice-presidente José Antônio Vaz de
puava" in Boletim do Archiv o Municipal de Ourityba, Vol. XIV, Carvalhaes, sobre o estado da administração da mesma Província no
Impressora Paranaense, Curityba, 1925, págs. 93-99; citação extraida anno de 1857, Typ. Paranaense de C. Martins Lopes, Curityba,
da pág. 95. ,
1858, pág. 88.)

152 153
sistema tomará o negro sempre, desde o princípio da colonização da fazenda do Capão-Alto, de junto d'Aquella que os fazia bons
como escravo. As condições para que se torne trabalhador livr~ e felizes, e isto, segundo consta, com clamorosa violencia e cruel-
serão diversas, não atingindo ao grupo como um todo, mas apenas dade; e por ordem dos antigos proprietarios da fazenda, q'a havião
ao indivíduo, isoladamente. Os fundamentos do seu estado serão vendido! ... " (59).
os mesmos até abolição.
Por intermédio das notícias de j ornai, os proprietários de
Entretanto, se a verdadeira posição do escravo na estrutura escravos comunicavam-se uns aos outros as fugas e roubos pra-
social da comunidade pode ter escapado à consciência dos cativos, ticados pelos cativos, solicitando colaboração na captura. Dessa
jamais foi esquecida pelo branco, em tôdas as situações. Em maneira, o regime mantinha em ação outras das suas técnicas,
caso de dúvidas, ou disputas, os brancos lançavam mão dos recur. propiciando-se condições para a própria estabilidade. Em 1855
sos disponíveis e decidiam a questão em benefício próprio. Tôdas um anúncio registra: "Fugiu a 15 de junho proximo passado, a
as formas de comunicação existentes na área estavam sob o seu escrava de nome Casimira, crioula, de 16 annos pouco mais ou
domínio e contrôle, da mesma maneira que os órgãos de admi. menos, cor preta, estatura baixa, tem falta de dentes e ambas as
nistração policial e militar do regime. Por isso os escravos, in. orelhas rasgadas . no lugar dos brincos; quem della souber queira,
dividualmente ou em grupo, jamais podiam escapar à própria por favor, noticiar á sua senhora D. Beatriz Anna de Oliveira" (60).
condição. Dando também caracteres do fugitivo, outro anúncio do mesmo
· São sintomáticos dêsse estado de coisas os acontecimentos ano informa que "fugiu do Bacachery, no dia lO do corrente,
relativos aos "Escravos de Capão-Alto", de que nos fala uma um escravo, pardo claro, de nome Fructuoso, de 28 a 29 annos
notícia inserida na Gazeta Paranaense, em 1886. Viviam numa de idade, alto e bastante reforçado, barba cerrada, com uma
fazenda abandonada pelos frades Carmelitas, em Castro, cêrca de cicatriz em uma perna de um golpe de faca, e falia muito bem;
300 negros e mulatos que, se haviam sido escravos daqueles clé- quem o levar a seu senhor José Leandro Borges, no Bacachery,
rigos, passaram depois a uma situação de fato de trabalhadores receberá 50$000 de gratificação" (61). Como se vê, os anúncios
livres autônomos, vivendo em comunidade, consumindo o produto revelam não apenas a técnica de contrôle e definição da posição
do próprio trabalho do grupo; enfim, organizados socialmente. do escravo, ao mesmo tempo, como também o tratamento dispen-
Segundo se depreende do relato policial que faz parte do Relatório sado pelos senhores. As marcas físicas de maus tratos são
de 1865, de Padua Fleury, os negros foram arrendados ou ven· sempre mencionadas, para facilitar a identificação. A condição
didos pelos frades à firma Bernardo Gavião, Ribeiro & Gavião; inferior do cativo possibilita um tipo de tratamento sub-humano
de São Paulo, para onde deveriam seguir, tornando-se cativos que às vêzes se traduz em estropiamentos.
nos cafezais paulistas. Todavia, êles se recusavam a partir, "sob Finalmente, resta lembrar o último elemento da condição es-
pretexto de que eram livres, e se escravos, somente de Nossa Se- crava, aquêle que aparentemente é a sua negação, mas que é, de
nhora do Carmo" (57). Camilo Gavião e Guilherme Witaker, fato, a sua última expressão. Paradoxalmente, a derradeira ma-
que vieram para levar "os escravos para aquella província", ale- nifestação do estado cativo se dá com a manumissão, conforme
garam "estado de insurreição" e pediram a colaboração das fôrças era outorgada pelos senhores. Há uma peça do processo da
policiais da Província do Paraná, no que foram atendidos. Di. abolição que exprime suficientemente até que ponto "ia a sociedade
zia-se que "nessa desobediencia poderá talvez haver o germen de inclusiva nas suas prerrogativas de avaliar econômica, jurídica,
uma futura insurreição, e cujo desenvolvimento cumpria matar política ou moralmente o escravo. A Lei n. 0 3.270, de 28 de
ao nascer" (58). Por isso, foram presos os líderes do grupo e
os outros remetidos à Província de São Paulo, como queria aquela
firma. "E dizer-se que esses pobres escravos forão arrancados (59) Cf. Gazeta Paranaense, Anno X, N• 218, Curitiba, 30·
9-1886, pág. 1.
(60) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno II, N• 16, Curityba,
(57) Relatório de André Augusto de Padua Fleury à Assemblea 19-9-1855, pág. 3.
Provincial do Paraná, em 19-8-1865, pág. 2. (61) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno II, N• 25, Curityba,
(58) Idem, pág. 3. 19-9-1855, pág. 3 .
.
154 155
setembro de 1885, , qu~ pretendia regular "a extinção gradual do 3. Convivência e.-- ~_tiquêta das relações socwts
elemento servil", continuava utilizando, exatamente para libertar
o cativo, as mesmas categorias econôniicas e jurídicas fornecidas As relações sociais entre os escravos e os senhores concen-
pelo próprio regime escravocrata. Não somente exigia-se-lhes 0 - tram-se principalmente na área das atividades produtivas. Fora
valor, nas matrículas, como a própria lei estipulava os preços dos delas, separam-se por obstáculos intransponíveis, que barram a
cativos-mercadoria, para que não houvesse prejuízo de seus pro. irrupção do cativo no mundo social do homem livre, especialmente
prietários. As duas castas continuavam, ainda nos últimos atos nos grupos aos quais pertencem os senhores. Em conseqüência,
da própria existência, a definir-se como castas; isto é, os senhores, aquêles ficam adstritos ao próprio cosmo social, sem outros con-
pelas ações dos seus legisladores, definiam-se os próprios direitos tactos com os não escravos senão quando êstes o querem, neces-
e obrigações, cabendo ao escravo o papel passivo de objeto de sitam ou permitem. Algumas vêzes negros, mulatos e brancos
ações alheios. Prevendo o desgaste natural do trabalhador escra- podem entrar em contactos mais ou menos contínuos, mas êsses
vizado, visto como meio de produção e avaliado monetàriamente, serão os indivíduos das camadas "inferiores" da população, isto
a lei estipula no Art. 3. 0 , § 1.0 , que "do valor primitivo com é, são os escravos, trabalhadores assalariados, agregados, traba-
que for matriculado o escravo se deduzirão, no primeiro anno lhadores autônomos que trabalham juntos em determinadas oca-
2%, ( .. :) no quinto 6%, ( ... ) no decimo. terceiro 12%" (62).' siões. Êsse é um aspecto da fisionomia social -da comunidade que
Dessa maneira o senhor ficará isento do risco de receber menos possui interêsse para a compreensão das condições de convivência,
que o devido pela manumissão, conforme manda a experiência .. seus mecanismos e produtos s·ociais.
com o ritmo de desgaste do escravo. As · expectativas de comportamento inerente às posições so-
Na vigência da escravatura, o manumitido será sempre identi- ciais recíprocas desenvolvem-se segundo as auto-representações que
ficado com o ex-cativo pela própria lei que o liberta; a mesma os indivíduos se fazem das próprias posições. Em conseqüência,
lei que o emancipa deixa-lhe a marca de antigo escravo, de negro se o senhor de escravos não tem dúvidas relativamente às posi-
que foi mancípio. Isto é evidenciado e estabelecido com clareza ções respectivas na estrutura social, há indivíduos, como os agre-
em alguns parágrafos do mesmo Art. 3. 0 , da Lei n. 0 3.270, aos gados, por exemplo, que não apenas podem representar-se tomando
quais voltaremos adiante. Por ora, limitemo-nos a reter das suas por padrão a posição de homem livre, como também acentuando
determinações apenas as expressões do § 17: "Qualquer liberto, as posições dos outros, especialmente quando podem ser apro-
encontrado sem occupação, será obrigado a empregar-se ou a ximados ou confundidos com membros num mesmo grupo. O
contratar seus serviços no prazo que lhe for estipulado pela po- agregado mulato jamais admitirá qualquer associação com o mulato
licia" ( 63). Dêsse modo as atividades produtivas não corriam escravo, ainda que mais claro. O agregado mulato considera-se
o risco de sofrer escassez de oferta de fôrça de trabalho; e o ou procura ser socialmente branco. A própria comunidade, ape-
liberto continuará a participar do processo produtivo, evitando sar das reservas que lhe opõe, considera-o diferentemente do
oscilações indesejáveis na produção. cativo. As expectativas de comportamento, as auto-avaliações das
posições recíprocas, o conteúdo das ações sociais, assumem cono-
Em suma, como verificamos por intermédio da reconstrução tação peculiar conforme a situação social e o grupo em que o
efetuada até aqui , a elaboração . do escravo reproduz, ao mesmo indivíduo se encontra envolvido. Enquanto um senhor pode per-
tempo e necessàriamente, o senhor, pois que um inexiste sem o
r
j
outro. A casta dos cativos e a casta dos senhores definem-se
reciprocamente, e somente podem ser conhecidas dêsse modo, já
feitamente estar à vontade em face do cativo, já que as normas de
comportamento estão claramente definidas para ambos em têrmos
de padrões e valores adequadamente incorporados, nas relações entre
que ambas criaram-se historicamente uma à outra. um escravo e um trabalhador autônomo, quando estão empenha-
dos em atividades conexas, a sensibilidade dos sujeitos envolvidos
pode aguçar-se, tendo em vista as auto-representações respectivas
(62) Cf. "Lei n• 3270 de 28 de Setembro de 1885", transcrita
por Luiz Maria Vida!, R epertório da Legislação S ervil, 3 volumes, e os ideais correlatos. As marcas raciais, por exemplo, bem como
Laemmert & C., Rio de Janeiro, 1886, 3 vol., págs. 56-57. outros atributos dos sujeitos, podem ser componentes dinâmicos
(63 ) Iclem, pág. 62. do contexto psico-social imediato, levando-os a definirem-se assi-
~

156 157
metricamente, não apenas porque suas posições sociais relativas por seus escravos, por seus administrados ... " ( 64) . A partir dessa
são diversas, ainda que não discrepantes ou incompatíveis, mas _ . .... . época, africanos, índios, brancos e mestiços trabalharão juntos em
porque projetam-se em contextos ideais, que os distanciam, pola. - ... "".~,- determinadas ocasiões, ou, de forma mais permanente, nas áreas
rizando-os em dois planos distintos. da economia onde o vigor da emprêsa não possibilita uma sepa-
ração nítida entre senhores e cativos, entre brancos e negros,
Na mineração, nas fazendas de criar, nos engenhos de erva- entre agregados e escravos. Um mandato sôbre a matrícula de
mate, no artesanato urbano, nos serviços domésticos, nos trans- "escravos e escravas mineiros e mercadores" também indica aquela
portes no interior da vila e entre vilas, nas fôrças policiais, nas participação conjunta nos mesmos empreendimentos nos seguintes
milícias, nas atividades lúdicas, nas relações sexuais etc., os es- têrmos: "Matricular, e dar a matricula os escravos e escravas
cravos, agregados, assalariados, trabalhadores autônomos, pequenos excetuando os criollos athe a idade de catorze annos que tiveram
proprietários, senhores de escravaria, conviveram em maior ou e todos os que ocuparem e minerarem ou em citios e rossas que
menor proximidade social. A própria natureza do escravismo houver nos ARayais em que se mineram de qualquer idade que
impunha aos indivíduos soluções consentâneas com a sua preser- seja ... " ( 65). Os que podem, compram escravos ou adminis·
vação, produzindo certas formas de convívio ou determinados trados; outros utilizam agregados ou membros da própria família,
mecanismos de ajustamento (relações afetivas, companheirismo, além do próprio trabalho. Êstes, assim que alcançam ·alguma
favoritismo, apadrinhamento, relações sexuais etc.) suscetíveis . riqueza, passam à fôrça de trabalho escrava. Essas são exigências
de assegurar a ordem existente. Todavia, os produtos sociais das ..-~-~ peculiares ·ao sistema. O "povo", que medeia entre as castas dos
relações entre o senhor e o escravo possuíam significações sociais senhores e escravos; vive e luta entre posições polares, às quais
diversas, independentemente dos significados que os homens nêles procura aproximar-se ou fugir.
viam. A parte do conteúdo que o senhor pudesse dar às suas
Atividades transitórias, que reuniram muitas vêzes trabalha-
relações com o escravo, a despeito do caráter puramente lúdico
dores escravos e livres, foram a abertura de estradas e construção
que a escrava pudesse ver nas relações sexuais com o senhor, ou de pontes, ocupando geralmente, além dos escravos ou agregados
seu filho, os resultados dessas relações produziam, por sua vez, emprestados às autoridades locais, também trabalhadores autôno-
efeitos sociais incontroláveis ou desconhecidos para os próprios mos ou assalariados. Uma lista de pessoas que participaram da
agentes e cujos significados somente podem ser apreendidos no construção de uma ponte sôbre o Rio Grande (lguaçu), ao lado
âmbito do contexto econômico e sócio-cultural em que se davam, da vila de Curitiba, reuniu alguns trabalhadores livres, além de
pois é nesse contexto que se objetivarão aquêles efeitos sociais. um grande número de cativos ( 66). Alguns anos após, em 1728,
Mas esta face da realidade interessa à explanação desenvolvida novamente eram solicitados os esforços comuns para abertura de
no capítulo seguinte. Por ora, cabe-nos continuar a caracteriza-
estrada. Os oficiais da Câmara de Curitiba recebem uma carta
ção e análise das condições concretas e do caráter das relações
de Santos sugerindo que "podiam Vm.ces e mais moradores desa
entre o senhor e o escravo.
l
I
O desenvolvimento feito até aqui da análise do escravo revela
V.a fazer hum esforço de gente e escravos p.a q' pasando a Per-

I. a existência de múltiplos círculos em que êle entrou em interação


com o branco. Escravos e livres, mulatos, negros, brancos, cabo- (64) Cf. Francisco Negrão, "Curityba", Revista do Circulo
clos e índios conviveram em graus diferentes nas mais diversas de Estudos "Bandeirantes))) tomo I, NQ 3, Curitiba, Setembro de
1936, págs. 222-240; citação extraída da pág. 236.
ocupações produtivas. Desde as atividades mineradoras dos pri-
(65) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Ourityba) vol. X,
mórdios de Curitiba até no interior das casas de fazenda ou da Livraria Mundial, Curityba, 1924, pág. 26. Outro texto informa:
vila, uns e outros participaram lado a lado das mesmas tarefas, "que todos os Mineyros venhão ou mandem matricular a sua gente,
às vêzes sem hierarquização nas ocupações, a despeito da distância e pesoas de sua obrigação . .. " (Cf. Boletim do ArcMvo Municipal
de Ourityba) Vol. XI, Impressora Paranaense, Curityba, 1924,
social. Nos primeiros tempo! da fundação de Curitiba "todos eram pág. 7) .
bateadores e quando não podiam os cidadãos exercer directamente, (66) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Ourityba) Vol. X,
pessoalmente essa profissão, o faziam exercer por seus filhos, ou Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs. 39-41.
~

158 159
nágua e dahy a Laguna se posa hir emcorporar com o d.o Sarg.to .Paz mandassem "vigiar aos escravos e filhos famílias que em
mór p.a que com mais brevidade se conclua o d.o Cam.o" (67). diversos lugares de roda das povoações se juntão para jogos,
No mesmo sentido são as determinações de uma Carta Régia fasendo prender huns e outros mandando castigar os mencionados
de 1809, a propósito da abertura de um caminho para os Campos escravos com vinte e cinco assoites e enviando os filhos famílias
de Guarapuava. "Ordenareis que faça com correr aos fazendeiros a seos paes ou tutores para serem por elles castigados ... " ( 72).
de Coritiba e Campos Gerais proporcionalmente as suas forças O mesmo fenômeno se verifica no artesanato urbano, onde
com alguns Escravos para abertura da estrada, que obrigue tão- cativos e trabalhadores livres são reunidos para construir casas,
bem a esse trabalho todas as pessoas que não tiverem estabeleci- · consertar ruas, passagens, pontes etc. As condições de vida na
mento fixos de criação ou lavoira ... " ( 68 ) . vila levaram necessàriamente os assalariados existentes a trabalhar
lado a lado com escravos em muitas ocasiões. No grupo social
Durante o século XVIII, enquanto não se passava a utilizar
4 intermediário da população local, houve sempre u.ma parte que
regularmente muares nos transportes entre Curitiba 'e· Paranaguá, . precisou viver muito próxima dos escravos, dadas as suas condi-
)
escravos e livres pobres transportaram, lado a lado, mercadorias
ções de vida. E muitos dêles eram também negros ou mulatos
e pessoas. "As cousas iam então no dorso de bípedes humanos,
como revelam as estatísticas já apresentadas. Um têrmo de ve-
quase sempre escravos" ( 69) . Não fôra êsse transporte, diz Sérgio
reança de 1839 regÍstra: "Foi presente o Sr. Fiscal desta villa
Buarque de Holanda, citando um têrmo de vereança de meados
que . declarou não poder apresentar o orçam. to da calsada por
daquele século, "não teriam os homens pobres da vila e têrmo de não se achar nesta villa Pedr.os libertos para assignar o orça-
Curitiba "de que sustentarse pois pela mayor parte viviam e
mento ... " ( 73). Em outras oportunidades- a convivência social
vivem de conduzir carga às costas do dito porto para esta villa
e a participação em atividade produtivas comuns alcançavam in-
e della para elle ... " ( 70) . Até as primeiras décadas do século clusive os membros das famílias de senhores de escravaria, como
XIX, como refere Saint-Hilaire, o transporte entre a marinha e ocorria especialmente nas fazendas, onde as · condições de vida do
Curitiba é ainda feito às costas de escravos ou assalariados, que
, · · grupo podiam proporcionar certa intimidade, a despeito da preser-
conduzem mercadorias ou brancos em bangüês ( 71). vação da distância social. Nas casas de fazenda, observa Moysés
Em outras ocasiões os mesmos indivíduos participam, lado Marcondes, referindo-se a antepassado seu, membros da família
a lado, de atividades lúdicas, tais como fandangos ou batuques, do senhor muitas vêzes participavam de atividades domésticas
e jogos proibidos. As vêzes a convivência é tão intensa e repetida, ou artesanais ao lado de escravos. "Filhas e escravas fiavam e
pondo em risco os padrões vigentes, que as autoridades intervêm. teciam pannos, fabricavam baixeiros, coxinilhos, rendas finas de
Os vereadores de Curitiba, em 1829, pedem que os juízes de bilro e até cigarros ... " (74). Essas possibilidades de convivência
entre negros e brancos surgiram também em ofícios religiosos,
(67) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, vol. IX, a que assistiam todos, ainda que separados em alas dentro da
Livraria Mundial, Curityba, 1924, pág. 48. igreja, ou ouvindo missas diferentes. Nesse sentido, Saint-Hilaire
(68) Cf. Boletim do Archivo Muni cipal de Curityba, vol. XIV, menciona a presença de "brancos" e "gente de côr" assistindo à
Impressora Paranaense, Curityba, 1925, pág. 97. Na extração de vila "Freguezia Nova", nos Campos Gerais (75).
madeira à ser enviada à côrte metropolitana também reuniram-se
trabalhadores livres e escravos. Cf. Boletim do Archivo Municipal
de Curityba, Vol. XVI, Impressora Paranaense, Curityba, 1925, (72) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol.
XLII, Impressora Paranaense, Curityba, 1929, págs. 86-87. Já vimos
pág. 12. em parágrafos anteriores a participação conjunta dessas pessoas
(69) Cf. F. R. Azevedo Macedo, Conquista Pacífica de Guara-
puava, Edição Gerpa, Curitiba, 1951, pág. 48; ver também págs. 41 em fandangos.
e 42. Veja-se ainda Romario Martins, História do Paraná. 3• edição (73) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. LI,
EditOra Guaira Limitada, Curitiba, s . d., pág. 91. Impressora Paranaense, Curityba, 1931, pág. 35.
(70) Cf. Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e Fronteiras, (74) Cf. Moysés Marcondes, Pae e Patrono (Jesuino Marcondes
edição ilustrada, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, de Oliveira e Sá), Typographia do Annuario do Brasil, Rio de Janeiro,
1926, pág. 19; também págs. 232-233.
1957, págs. 156-157.
(71) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., págs. ,
(75) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., pág. 100. I

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160
Em suma, as condições da vida social, fundadas em relações ~ balho cativo, mas também os requisitos da estrutura social elabo-
de produção organizadas com base no trabalho cativo, propiciaram rada com fundamento naquele sistema envolveram os indivíduos,
o desenvolvimento de padrões de convivência social que afetaram levando-os a utilizar escravos para melhor configurar a sua posição
em maior ou menor intensidade as posições de escravos e livres, social em face dos outros membros da comunidade. P or isso, o
brancos e negros. Nasceram da convivência, às vêzes prolongada, sitiante que adquiriu escravos se tornou capitão de milícia. No
vínculos sociais ou estados de tensão que acabaram afetando as mundo servil, o branco que não possui escravo não só pode estar
próprias condições de emergência daqueles mesmos fenômenos. socialmente distante do senhor de escravaria como também estará
Os maus tratos aumentaram o isolamento e os conflitos entre em uma camada social mais ou menos próxima daquela dos
o senhor e a escravaria, produzindo fugas, formação de quilombos, cativos. Possuir apenas um cativo é ser "senhor de escravo", o
homicídios, roubos. O tratamento cordial, paternalista ( 76), por que permite assumir papéis sociais inerentes ao status. Como
sua vez, provocou o aparecimento de novos componentes psico- diz LaPiere, "o status social de-·uma pessoa, ou melhor, os seus
sociais nas relações entre êles, conduzindo às vêzes à alforria vários status, tendem a determinar em larga medida a definição
por disposição testamentária, a padrões de tratamento menos que ela faz de si" (78) desenvolvendo-lhe as expectativas de com-
rígidos, a relações de amizade que intensificaram a fidelidade do portamento de conformidade com êsses requisitos do processo de ·
cativo, a relações sexuais de resultados sociais imprevisíveis aos socialização. Como o status social mais importante, aquêle que
próprios agentes etc. melhor exprime a posição social do indivíduo, tende a determi-
nar-lhe a autodefinição, em conseqü( ncia da valorização, social
Na primeira metade do século XIX essa situação não afetava
dada pelo consenso da camada e da comunidade, é em função
os requisitos fundamentais da sociedade, ainda que propiciasse
dêsse status que êle organizará o seu comportamento. .f:stes são
a germinação de fatôres que irão operar mais tarde. As posi·
os componentes psico-sociais dinâmicos do comportamento do se-
ções recíprocas de senhores e escravos não eram afetadas pela
nhor nesse caso. Nesse sentido, a personalidade do branco é
continuidade ou tipo de convivência a que brancos, negros e
estruturada, no processo de socialização, em função das significa-
mulatos eram levados. Expressão bastante significativa do uni-.
ções básicas inerentes ao sistema escravocrata.
verso em que se inseriam os indivíduos, é o evento relatado por
Saint-Hilaire, relativamente a um sitiante que cultivava a terra Por isso, o comportamento social do cativo em face do senhor,
com o seu trabalho e o de seus familiares. Próximo a Curitiba e reciprocamente, não corresponde aos limites estritos definidos
encontrava-se o "Sítio de ltaque", cujo proprietário "cultivava a juridicamente. As flutuações do comportamento efetivo do escravo
terra com as próprias mãos" dedicando-se à cultura do tabaco não corresponde ao seu status legal, mas depende diretamente
e à manufatura do fumo. Como empregou técnicas mais aperfei- das suas condições reais de vida, isto é, das condições dinâmicas
çoadas que os seus vizinhos, ràpidamente conseguiu aumentar os subjacentes às suas relações com os senhores e outros grupos da
seus rendimentos, acabando por adquirir escravos para realizar comunidade. Em conseqüência, o código de etiquêta das relações
aquelas tarefas. Pouco a pouco, diz Saint-Hilaire, o sitiante sociais entre o escravo e o senhor é um produto necessário do
livrou-se do estado de pobreza em que se encontrava e comprou fundamento econômico da escravidão, supondo uma disposição
escravos ( 77). Nesse processo não se encontram atuando somente hierarquizada, assimétrica, dos sujeitos nas suas relações recí-
os fatôres inerentes ao sistema econômico caracterizado pelo tra· procas. Mas êle não se apresenta, por sua vez, consubstanciado
em fórmulas rígidas. O código de etiquêta vigente no regime
(76) Relativamente ao tratamento paternalista dispensado a
escravos, encontram-se referências em: Saint-Hilaire, op. cit., págs.
40, 54, 58; Moysés Marcondes, Pae e Patrono, citada, passim; de muito pobre o seu proprietário, ali encontravam-se alguns es-
David Carneiro, Frederico Virrnond e sua Vida, J. B. Groff, editor, "c:t • cravos ocupados em atividades diversas. "Eu me instalei, diz êle,
Curityba, 1929, págs. 25-26. sob um pequeno rancho coberto de fôlhas de palmeria que servia
(77) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., págs. 108-109. de habitação aos escravos."
Na mesma obra, à página 171, Saint-Hilaire informa que se ins- (78) Cf. Richard T. LaPiere, A Theory of Social Control,
talou no "Sitio Carniça", no litoral, próximo a Paranaguá. McGraw-Hill Bo* Company, Inc., Nova Iorque, 1954, pág. 73.

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apresenta alternativas que vão desde o tratamento benigno, cordial 0 peito e sem proferir uma única palavra" (80). Obediência 1
paternalista, implicando sempre a manutenção da distância sociai soluta é o que espera o senhor do escravo e o que êste d~
própria das suas posições sociais relativas, até às sanções físicas. àquele. Essas são as expectativas recíprocas, a que o cativo n
E estas, como aquelas, são aceitas pelos sujeitos em suas mani. deve faltar.
{estações e conseqüências. A assimetria das posições, dinamizada Quando se cruzam, o escravo deve perfilar-se convenien
pelo sistema de contrôle social, possibilita aos senhores arroga- mente e invocar com respeito a bênção do senhor, que respondf
rem-se direitos e impõe aos escravos sujeitarem-se a obrigações. com aceno, resmungo ou silêncio. "Escravos de mão postas, im
~sse código implica especialmente mecanismos de contrôle do cando o nome de Jesus, pedem a bênção do patrão ... " (81
comportamento do escravo, tendo em vista a sua posição social, Dessa maneira, diàriamente, repete-se o ritual que atualiza
conforme é definida econômica e juridicamente. Formas de reco- consciência soc_ial dos sujeitos envolvidos as posições assimétric
nhecimento, de J,,ferência, regras de obediência, rituais diversos, )
em que se encontram. O respeito devido pelo escravo ao s
cristalizados e reconhecidos tàcitamente pelos indivíduos ou grupos senhor leva-o a reverenciá-lo quotidianamente e segundo códi;
envolvidos, são expressões do contrôle social do comportamento vigente.
do escravo, como pode ser exercido por intermédio do código
O paternalismo é geralmente a solução adotada para as rel
de etiquêtas. Por isso, o ritual social inerente ao código de eti-
ções sociais recorrentes, quando o comportaii1ento social do escra·
quêtas envolve o contrôle externo, segundo pode manifestar-se em
se exprime segundo as expectativas herdadas da tradição. O !
sanções graduadas diversamente, tais como observações verbais, _
nhor envolvia a todos os membros do grupo que lhe devia
admoestações, regras de polidez, reprintendas, castigos corpo-
obediência, em menor ou maior grau, segundo a posição soei
rais etc., além do contrôle interno, fundado no próprio processo
de cada um, com os benefícios e as obrigações que a instituiçi
de elaboração da personalidade e status do cativo.
lhe outorgava. Segundo relata José Loureiro Fernandes, em époc
Saint-Hilaire apanhou um aspecto essencial do código de eti- de festejos e cerimônias religiosas os senhores, bem como outr·
quêtas das relações entre escravos e senhores ao referir-se à soli- brancos, dispensavam aos negros acolhida afável, muitas vêz
citude e à grosseria dos escravos, segundo o modo pelo qual são associada a oferecimentos que revelavam nitidamente a situaçi
tratados pelos seus senhores. Os maus tratos provocam compor- de dependência dêstes. "Tinham os pretos acolhida segura <
tamentos audaciosos, inconvenientes, enquanto o trato cordial pro- parte de antigos curitibanos e nas tradições do velho sobrado 1
duz respostas sociais polidas. ~sses são dois pólos do ritual meus avós maternos encontrei na referência de contemporânec
social implícito nas relações entre o senhor e o escravo. Na a notícia de uma festa que nêle se proporcionavam aos Congo
Fazenda do Tenente Fugaça, diz o viajante, onde o proprietário Era costume, nos dias de Congada, minha avó fazer abrir l
não se encontrava quando lá cheguei, "fui recebido perfeitamente portas do seu sobrado para dar entrada ao Rei Congo e se
pelos negros. As suas maneiras polidas, a satisfação expressa séquito, recebendo-o com uma mesa de doces. Os Congos, depo
em seus semblantes fizeram-me tomá-los por homens livres; mas de merecerem as honras da casa, agradeciam respeitosamente ca1
eram escravos. Fizeram grande elogio ao senhor e me admirei tando e dançando, o que era para a gente do velho sobrad
de vê-los alegres e solícitos em servir-me. Se os negros têm avoengo - motivo de grande júbilo e satisfação" (82). Escrav<
habitualmente o ar sombrio, sofredor e estúpido, se em certas
ocasiões se revelam mesmo grosseiros e audaciosos, é porque são
maltratados" (79). Mas o próprio Saint-Hilaire apreende outra (80) Idem, pág. 94.
face dêsse complexo ritual ao referir-se a uma repreensão que (81) Cf. N. Marcane, Gli Italiani in Bra.sile, Tip. Roman:
Roma, 1877.
êle dirigiu a um dos seus camaradas, que permanece mudo, ou-
(82) Cf. "Notas para a Festa de S. Benooito - Congadas d
vindo-o sem resposta. "Ele ouve, com a cabeça inclinada sôbre Lapa", por José Loureiro Fernandes, Anais do 1• Congresso Bras
leiro de Folclore, realizado no Rio de Janeiro, de 22 a 31 de agôst
de 1951, edição do Ministério das Relações Exteriores, III volumo
pá~s. 243-302; citação extraída da pág. 244.
(79) Cf. Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., pág. 58.

16
164
e livres que participassem da· congada seriam recebidos do mesmo das 10 as 11 horas da noite de 29 de Setembro de 1858, em
modo nos dias de confraternização, quando as tensões canaliza- companhia de sua senhora, uma . filha e uma criada, quando foi
vam-se e exprimiam-se segundo normas preestabelecidas e sancio- surprehendido, no Largo da Matriz, por dous indivíduos que o
nadas pela sociedade ·escravocrata. É nesse sentido que operam puzeram por terra apossando-se da j ovem que aos gritos procurava
determinadas regras de etiquêta relativas às relações entre o senhor defender-se das mãos dos seus aprehensores. Perseguidos pela
e o escravo, e também ex-escravo. Conforme esclarece Moysés escrava que os alcançou, foram estes vencidos e a moça conseguia
Marcondes, um antigo senhor de escravos " depois de sua retirada escapar-se" (85). Essa adesão do escravo ao senhor n ão é apenas
do Paraná, encarregava sua irmã da distribuição de alguns socor- a resposta às situações emergentes. Fundamentalmente ela é pro-
ros aos pobres da Palmeira, e principalmente aos que tinham duzida, organizada e orientada no processo de socialização do
sido escravos da família. ( ... ) Os que foram escravos são dos cativo, pois as condições psico-sociais e culturais de elaboração
mais dignos de compaixão; porque, no captiveiro, não aprenderam da person:~.lidade do escravo são aquelas peculiares à casta dos
a dirigir-se a si mesmos" ( 83) . Quando as relações j á não são negros, de conformidade com os alvos da outra casta. Daí a
entre senhor e escravo, como nesse caso, o ex-senhor se permite adesão e fidelidade nas situações sociais emergentes, em corres-
~
até mesmo reconhecer o estado alienado em que criou ou manteve pondência com o paternalismo do senhor.
o cativo. Afirma que "não aprenderam a dirigir-se a si mesmos", O código de etiquêta às vêzes possibilita manifestações por
mas não leva a reflexão adiante, deduzindo-lhe as implicações parte do senhor que se destinam especialmente a captar as sim-
inevitáveis. Não a explora porque isto seria condenar implicita- patias da escravaria, pois que atendem a determinados anseios
mente o regime de que um é beneficiário e outro alienado. grupais, inofensivos, satisfazendo aos negros e mulatos sem afetar
Da mesma maneira que o próprio escravismo acaba por sofrer os interêsses dos seus proprietários. Segundo relata Saint-Martial,
abalos em conseqüência das relações sociais mais ou menos ínti- que passou por Paranaguá no fim do período da escravatura, no
mas ou próximas entre o senhor e o escravo, assim também o dia de festa na casa grande do barão de Nakar, que oferecia a
próprio cativo às vêzes chega a estágios imprevisíveis de alienação, seus convidados uma recepção acompanhada de danças, os cativos
contràriamente às exigências da própria preservação. Muitas vêzes tiveram autorização para realizar um baile à parte. Manifes-
o cosmo moral inerente ao regime envolveu-o de tal modo que tando regozijo por uma data significativa para o Império, êle
êle foi levado a arriscar até mesmo a sobrevivência física em "autorizou seus negros e negras a organizarem um batuque (dança
benefício de seu proprietário. Inegàvelmente êsse é também um negra )" (86) . Essas concessões, contudo, eram excepcionais. Como
produto do paternalismo desenvolvido no interior dessa sociedade. já vimos, os fandangos e batuques eram proibidos pelos brancos,
Essa situação é clara em diversas evidências retidas pela documen- como práticas repreensíveis, que atingiam os mores da comuni-
tação. Em 1857 as autoridades policiais registram a participação dade. Somente eram permitidos se coincidiam com os interêsses
de senhor e escravo, lado a lado, numa briga: Maneco dos Santos, dos senhores como, por exemplo, quando podiam operar como
"acompanhado de um filho menor e de um escravo, armados elle mecanismos de relaxamento de tensões ou de absorção do ócio

I de uma pistola, o menino com um arreador e o preto com umà


foice" ( 84). A mesma solidariedade é manifesta por uma escrava
que luta contra os raptores de uma filha do seu senhor, conse-
guindo salvá-la. "O respeitável Sr. B. V. recolhia-se a sua casa,
da escravaria. Outras vêzes, o tratamento dispensado ao escravo

. (8~) Cf. Fr~ncisco Negrão, "Efemérides Paranaenses", 2• vol. ,


m ~~msta do O~rculo de Estudos "Bandeirantes", tomo II, N• 5,
Cuntiba, setembro de 1954, págs. 563-740; citação extraida da
Moysés Marcondes, Pae e Patrono, citada, pág. 193.
(83) pág. 64~ .. Como diz Azevedo Macedo, "havia escravos capazes de
Cf. Relatório apresentado ao Excelentíssimo Senhor Dou-
(84) ... se sacnf1ear por seu amo" (Cf. F. R. Azevedo Macedo, op. cit.,
tor Francisco Liberato de Mattos muito digno Presidente da Pro- pág. 68) · Ver também pág. 128 onde refere o comportamento cordial
vincia do Paraná, pelo 2• vice-presidente José Antônio Va~ ~e .. . - do chefe da expedição ao~ Campos de Guarapuava. "E não havia
Carvalhaes, sobre o estado da administração na mesma Provmc1a trabalhador branco ou preto, que lhe não mereça uma saudação."
no anno de 1857. Typ. Paranaense de C. Martins Lopes, Curityba, (86) Cf. Saint-Martial, Au Brésil de Rio de Janeiro a Para-
1858, pág. 4. naguá, Imprime~ie Ernest Flammarion, Paris, 1898, pág. 106.

167
•]66
era rígido, destinando-se a transformá-lo em exemplo para todo tiveiro, não aprenderam a dirigir-se a si mesmos" ( 89), êle expli-
o grupo, coibindo outras insubordinações que afetassem os in. cita uma questão crucial do processo de socialização do negro
terêsses dos senhores ou a ordem estabelecida. Ainda na época no sistema escravocrata. A singularidade das condições psico-
de manifestação plena do processo da abolição, as denúncias de -sociais e culturais de elaboração da personalidade do cativo,
maus tratos infligidos a cativos sucedem-se ( 87). Ali ás, é uma como se encontram estruturadas na senzala, na "família" negra,
decorrência normal do processo em curso a polarização mais em função da fôrça de trabalho alienada em benefício do branco,
intensa das expectativas de comportamento, levando a acentua- estão implícitas naquela constatação. Na sociedade escravista não
rem-se as tensões inerentes às posições assimétricas dos sujeitos se dá nem pode dar-se ao escravo a alternativa de dirigir-se a
envolvidos. Um evento limite na gama das flutuações das rela. si mesmo, pois isto seria negar-lhe o fundamento, dando-lhe pos-
ções entre senhores e escravos é o suicídio do cativo, fenômeno sibilidades de auto-afirmação, de apreensão de uma consciência
observa do em comunidades paranaenses. O receio de sanções ex- soc;al, histórica, que negará o regime.
cessivamente drásticàs, penosas, levou escravos à autodestruição (88).
Tôdas essas manifestações do comportamento social do escravo, 4. Classificação e ascensão social do liberto
estruturadas e manifestadas com relação -ao senhor, possuem uma
As explanações descritivas, desenvolvidas em parágrafos an-
unidade essencial, que é necessário ressaltar. Como vimos, a po-
teriores, evidenciaram satisfatoriamente alguns caracteres morfo·
sição social da pessoa determina em sua maior parte a definição
lógicos das condições de contacto entre os membros do grupo
que ela faz de si, organizando e dando-lhe a orientação básica }
escravo e os dos outros grupos da comunidade, bem como sugerem
das ações, atitudes e emoções. E isto também é verdade para
a coexistência de africanos, negros e mulatos cativos e livres. Em
o cativo, que nasce e cresce no interior de uma subcultura, gerada
especial, as estatísticas já apresentadas revelam aumento progres-
fundamentalmente pela escravização do trabalhador. Nesse sen-
sivo do contingente de negros e mulatos livres, principalmente êstes.
tido, a personalidade-status do escravo é um sistema de ações e
Os próprios requisitos econômicos, jurídicos, morais do regime
expectativas organizadas de conformidade com o sistema de ações
não impediram que um grupo cada vez maior de escravos ou seus
e expectativas do senhor, que detém os mecanismos principais
descendentes passasse à condição de cidadãos, trabalhadores livres,
do comportamento cativo. Por isso, quando o senhor afirma, seja por intermédio da manumissão, seja por nascimento. Em
num momento de crise de consciência, que, os escravos "no cap- verdade, as condições reais de vida peculiares ao regime continham
componentes que, atuando no sentido da preservação da ordem
estabelecida, possibilitavam a alforria de alguns ou o nascimento
(87) Veja-se Romário Martins, História do Paraná, Editôra
Guaíra Limitada, Curttiba, s. d., págs. 307-312, especialmente pág. em estado livre de outros. A ordem escravista continha elementos
311. Como se lê em outra fonte: "No distrtcto de Palmas, em destinados ao relaxamento; eliminação ou canalização, com fins
dias do mez de abril, o preto Luiz, escravo e feitor do fazendeiro socialmente construtivvos, das tensões sociais inerentes ao sistema.
João Carneiro Marcondes, castigou por tal modo a um seu parceiro Em conseqüência, a posição social do escravo podia, em deter-
de nome Adão, que, apenas solto do palanque, a que fora atado,
expirou immediatamente" (Cf. Relatório apresentado à_ Assembleia minados casos, ser alterada por efeito de_ alforrias e mestiçamentos.
Legislativa Provincial da Provincia do Paraná, no dia 7 de janeiro As próprias condições de convivência entre cativos e senhores,
de 1857, pelo vice-presidente José Antonio Vaz de Carvalhaes, Typ. da mesma forma que podiam acentuar ainda mais a alienação
Paranaense de C .M. Lopes, Curityba, 1857, pág. 6). Note-se que daqueles, outras vêzes produziam o efeito contrário, levando-os
neste caso o senhor elimina fisicamentE' o escravo pelas mãos de
outro escravo, jogando com indivíduos alienados. a adquirir uma liberdade parcial, ou mesmo total. A posição
(88) Em Palmeira um escravo suicida-se por andar fugido e social do mancípio, pois, poderia ser e às vêzes era de fato
recear as represálias (açoites) do preposto do senhor. Em Campo alterada, ainda que fôssem mínimas as possibilidades de mobili-
Largo outro escravo também suicida-se por não desejar servir a dade social abertas a êle. A alforria foi uma das alternativas
seu senhor. (Cf. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa
Provincial do Paraná, no dia 1• de março de 1856, pelo vice-presi-
dente em exercício Henrique Beaurepaire Rohan, Curityba, 1856,
págs. 4 e 7. ) (89) Cf. Moysés Marcondes, Pae e Patrono, citada, pág. 193.
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168 169
com que os senhores acenavam consciente ou inconscientemente. núcleo central, legalizado, composto do casal branco e seus filhos
Essa era a forma limite de compensação oferecida ao escravo legítimos; e a periferia, nem sempre bem demarcada, composta
mas concretizava-se sàmente quando o senhor ou algum membro' de escravos e agregados, índios, negros ou mestiços, em que
da sua família pudesse julgar-se compensado, material ou moral- estavam incluídas as concubinas do senhor e seus filhos ilegí-
mente. A manumissão, por serviços prestados ou para solenizar timos ( ... ) . . . desta periferia irromperam elementos que ou
um acontecimento considerado relevante pelo proprietário do cativo, ganharam um lugar no núcleo ou separaram-se definitivamente
jamais deixou de ser praticada, especialmente no século XIX, dêle" ( 90). Portanto, houve condições de a j ustarriento entre es-
ainda que em escala suficientemente discreta para não afetar 0 cravos e senhores, no contexto de uma instituição social básica
regime. No capítulo seguinte, na parte relativa ao processo de como essa, que provocaram alterações na situação do cativo,
abolição, ainda que sob outro ângulo, indicaremos evidências re- considerado isoladamente, chegando a transformá-lo em agregado
veladoras do fenômeno. Aliás, por influência de fatôres que ou até em homem livre. Os mecanismos psico-sociais inerentes
descreveremos na ocasião, as alforrias se tornam cada vez mais à familia patriarcal, da mesma maneira que produziam formas
freq!Üentes quanto mais intenso se torna o movimento abolicio- mais refinadas de dominação do negro, geravam soluções que
nista. É que as exigências de equilíbrio do siste~a alteram-se propiciavam a emancipação parcial ou completa. Em ambos os
na mesma medida em que se modificam as próprias condições casos, todavia, essas alternativas oferecidas ao comportamento do
de seu equilíbrio. negro visavam facilitar a preservação da instituição e do regime.
Se a manumissão é uma expressão das possibilidades, dentro Em capítulo anterior mencionamos a existência de famílias
da própria ordem escravista, de o escravo ver a sua posição social patriarcais em Curitiba, organizadas como "famílias grandes", com
alterada, havia outras alternativas também suscetíveis de propiciar um núcleo central, com o casal de brancos e seus filhos legítimos,
ou concretizar mudança de posição. Os mancípios, desde que e a periferia, onde se encontram agregados e escravos negros,
fôssem colocados em condições de discernir em seu próprio inte· índios, mulatos ou caboclos. As vêzes o grupo inclui apenas
rêsse e sempre que as possibilidades oferecidas pelas condições agregados ou sàmente cativos, enquanto em outros casos acham-se
de seu estado o permitissem, jamais deixariam de pressionar reunidos uns e outros. Encontram-se nessas categorias, por exem-
aberta ou veladamente . no sentido de conseguir uma modificação plo, as famílias: "1 ", composta de casal de brancos, 5 filhos, 4
para melhor. lndubitàvelmente, os escravos domésticos estariam filhas, 2 agregadas pardas, 17 escravos negros, 4 pardos e 3 negras;
em situação privilegiada para êsse fim, ao contrário daqueles "5", reunindo casal de brancos, 3 filhos, 4 filhas, 3 netos e 2
cujas ocupações os mantinham longe dos olhos e das simpatias agregados pardos; "35", composta de viúvo, l filha, 1 filho na·
dos senhores, pois que êstes os dominavam e comandavam por tural, 14 escravos pardos, 7 escravas pardas, 7 escravas negras e
intermédio dos capatazes ou outros interpostos. Daí o apadri- 3 escravos negros (91). Evidentemente os padrões de organiza·
nhamento, que às vêzes se estendia dos agregados a um ou outro
escravo, cujas técnicas de aproximação, insinuação e ajustamento
às expectativas do senhor ou membros de sua família fôssem mais (90) Cf. Antônio Cândido, uThe Brasilian Family", Brazil,
Portrait of Half a Continent, Edited by T. Lynn Smith and Ale·
eficazes. Aliás, a estrutura da família patriarcal, apoiada em xander Marchant, The Dryden Press, New York, 1951, págs. 291-312;
círculos sociais homogêneos, orientados para o centro, possibili- citação extraida da pág. 294. A propósito dêste tipo de estruturação
tava o eventual deslocamento de um escravo da senzala para a da familia patriarcal, no regime escravocrata-senhorial,· bem como
parte do núcleo periférico em que se encontravam os agregados. relativamente a alguns fenômenos examinados nos itens 3 e 4 dêste
capitulo, veja-se também Gilberto Freyre: Casa Gtande & Senzala,
E êsse deslocamento era sempre um fenômeno social implicando citada, 2• vol., passim; e Sobrados e Mucambos, cit., 3• vol., caps.
mobilidade na escala social. Quanto mais próximo do núcleo, XI e XII.
mais elevada tendia a ser a posição social relativa do indivíduo. (91) Cf. Lista Geral dos Habitantes que Existem na Villa
A solução mais freqüente de elaboração do "grupo doméstico" de Coritiba, o ano de 1800, suas ocupaçoins e generos, empregos,
que cultivão, ou em que negoceião, MS, Departamento do Arquivo
no Brasil, diz Antônio Cândido, deu-se com "a organização pa- do Estado de São Paulo, T. C ., 1800-1804. População-Curitiba-
triarcal da família, que apresentava uma dupla estrutura: um Paraná, Caixa 207.
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ção patriarcal encontram-se presentes nas famílias da camada escravos; 8 com agregados e escravos ; 10 apenas com agregados; )
superior da comunidade, onde as condições econômicas próprias 50 com escravos índios, negros ou mulatos ; 46 com escravos
da ordem patrimonial possibilitavam a sua elaboração e persis- negros ou mulatos; e 23 com escravos índios (peças ou adminis-
tência. Por isso, os padrões patriarcais regem também a organi- trados) ( 94) .
zação de famílias compostas de pardos livres. À medida que Em síntese, é preciso ponderar que a família curitibana é
os indivíduos se afastam econômica e socialmente do grupo cativo, uma instituição social que, apesar de sua consistência interna pe-
tendem a organizar a sua conduta segundo os valores e padrões culiar, encontra-se diretamente vinculada à sociedade inclusiva.
das camadas sociais nas quais almejam inscrever-se. Assim, mu.' Por um lado, a sua estrutura depende das condições da estrutura
latos cujos cabedais o permitissem constituíam unidades familiares econômico-social da comunidade, na qual se acha inserida dinâ-
amplas, incluindo a periferia dos dependentes. É o que se veri- micamente. Por outro, e em conexão com essa vinculação, a
fica nas famílias: "7", composta de viúvo pardo, 1 filho pardo, estrutura da família depende do modo pelo qual os ,indivíduos
'' 2 filhas pardas, 2 netos pardos, 2 netas pardas, 4 agregados estão distribuídos naquela estrutura. Como ela é também uma
pardos e 4 agregadas pardas; "8", reunindo casal de pardos, 2 unidade econômica, o tipo de apropriação do produto do trabalho
filhos pardos, 2 filhas pardas e 5 agregadas pardas (92). Não é essencial para a sua constituição em uma ou , outra configuração.
se deve perder de vistas, contudo, que patriarcais não eram tôdas É por isso que a sociedade escravocrata apresenta a família pa·
as famílias da comunidade. Ainda que os padrões organizatórios triarcal e o par acasalado transitoriamente, em extremos assimé-
dominantes fôssem definidos e determinados pelas unidades da tricos, permeados por configurações intermediárias. No seio da
camada superior, cujos fundamentos econômicos podiam supor- própria família patriarcal subsistem formas assimétricas de orga-
tá-la, famílias colocadas em um nível intermediário ou inferior nização da vida sexual e afetiva. Não apenas no interior da
não se apresentam constituídas nesses têrmos. Ao menos é o periferia, mas também nas relações do núcleo com a periferia
que fazem supor os dados disponíveis. Os mapas de população germinam continuamente fatôres que afetam em certo grau a
compulsados revelam a existência de famílias "conjugais", isto estabilidade da unidade patriarcal, produzindo efeitos sociais di-
é, famílias "pobres" cujos membros eram trabalhadores autôno- nâmicos. A destruição dos suportes morais do regime tem aí um
mos, geralmente sitiantes, ou podiam ser assalariados. Os dois foco fundamental. A dissolução dessa sociedade ocorre em diver-
casos mencionados a seguir referem-se a famílias de sitiantes, sos níveis, inclusive nesse. O mulato, como se verá, é um produto
uma composta de brancos e outra de mulatos: "3", reunindo casal dessa situação, exercendo, independentemente da sua consciência
de brancos, 1 filho e 2 filhas; "10", composta de casal de pardos, real da situação, efeitos sociais .ativos, contraditórios com os
1 filho pardo e 3 filhas pardas ( 93). Êsse manuscrito, bem como requisitos de estabilidade do regime. Voltemos, contudo, à questão
outros que .se encontram também no Departamento do Arquivo centra_! desta parte da exposição.
do Estado de São Paulo, relacionam famílias que podem enqua-
drar-se nas categorias: "patriarcal" e "conjugal". Ainda que não É inegável, e provàvelmente muito ao contrário do significado
apresente outros esclarecimentos, as informações relativas a sexo, que possuía para os senhores, que o intercurso sexual entre êstes
côr, condição jurídica (livre, escravo, agregado) e atividades pro· e as escravas produziu efeitos sociais contraditórios com os inte·
dutivas (agricultura, pecuária, atividades extrativas, artesanato etc.) rêsses ligados à vigência e preservação do regime. O filho de
são evidências mínimas suficientes para caracterizá-las. Em ma· escrava e senhor nascia juridicamente cativo, como já vimos.
nuscrito relativo a 1776, como já mencionamos em capítulo an· Todavia, ainda que o senhor encarasse o seu comportamento
terior, num total de 171 famílias encontradas em uma freguesia, sexual como um meio de produzir escravos, como indicam os
havia: 1 família composta de negros e mulatos (livres); 3 com· números relativos a mulatos escravizados, que eram em parte
postas de índios e descendentes (livres) ; 11 sem agregados nem
·( 94) Cf. População da Freguezia do Patrocinio de P. S . José
da villa de Ouritiba, em 1716, MS, Departamento do Arquivo do
( 92) Ibidem. Estado de São Paulo, T. C., 1765-1782, População, Curitiba, Pa-
( 93) Ibidem. raná, Caixa 203.
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açoites em: outro cativo, levando-o às vêzes à morte. "No districto
produtos dessas relações, ainda assim o cosmo moral que cercava
de Palmas, em dias do mez de abril, o preto Luiz, escravo e feitor
ou envolvia os membros da comunidade não podia deixar de
afetá-los. Os valores ligados à paternidade e à criança às vêzes
...=:::.,. t--;:::. do fazendeiro João Carneiro Marcondes, castigou por tal modo
a um seu parceiro de nome Adão, que, apenas solto do palanque,
afligiam os senhores ou membros de sua família, levando-se à
a que fora atado, expiro u immediatamente" (96). Êsses dados
concessão de privilégios aos mulatos, sôbre os outros escravos,
revelam perfeitamente alguns requisitos funcionais do sistema so-
ou até mesmo à manumissão. O conúbio sexual entre a escrava
cial, mostrando como, numa sociedade distribuída em camadas
e senhor não é fenômeno isolado, ainda que possam ser consi-
hierarquizadas assimetricamente, um mesmo fenômeno assume múl-
derados raros aquêles efeitos, pois fazia parte integrante do código
tiplas faces, atendendo a funções não sõmente diversas como até
de etiquêta das relações sociais vigentes no regime, correspon-
mesmo contraditórias, mas sem afetar o equilíbrio do sistema,
dendo às expectativas do senhor (prerrogativas de proprietário,
satisfação de aventuras sexuais) c às da escrava (aceitação passiva ainda que atingindo-o tangenci.almente.
do estado cativo, em tôdas as suas conseqüências)_ Assim 0 Os egressos da escravidão, na vigência do regime, sõmente
branco e a negra realizavam o mestiçamento, que é, ao mesmo a partir de certo ponto, como se verá, transformam-se qualitativa-
tempo, um recurso de autobranqueamento fenotípico e social, mente em fatôres de dissolução do estado escravocrata. Até um
que a escrava vislumbra em benefício do seu filho. Apesar de dado momento, contudo, que nos interessa agora, os negros e
. não ligar-se, sob qualquer aspecto, diretamente à manumissão, mulatos livres eram sistemàticamente absorvidos pelos setores da
o branqueamento é um requisito favorável à mudança de posição. economia e .da sociedade em que podiam atuar produtivamente,
Como veremos, em alguns dados estatísticos apresentados no ca- sem afetar a ordem estabelecida. A própria sociedade os enca-
pítulo seguinte, nesse fenômeno já encontramos as preliminares minhava para ocupações em que pudessem realizar satisfatõria-
de uma das categorias fundamentais do problema negro: a misci- mente tarefas submetidas a um regime semi-escravo, como no caso
genação como um mecanismo de classificação e ascensão social. dos agregados, ou, de trabalho assalariado, como em serviços tais
Na escravatura, êle será um requisito para a libertação individual, como os dos soldados ou no artesanato urbano. Já em 1728
além de ser um meio de solapamento . da ordem vigente. havia companhia de "ordenança dos homens pardos da villa de
As condições de convivência entre escravos e senhores, ainda Corytiba" absorvendo mestiços livres da comunidade (97). Em
que organizadas segundo uma constelação disposta em pólos assi· 1820, quando visitava Curitiba, Saint-Hilaire se refere a "orde-
métricos, às vêzes possibilitou aos cativos insinuarem-se junto nanças, soldados de uma milícia inferior composta de diferentes
àqueles, mesmo enquanto mancípios, mas ganhando privilégios tipos de mestiços" (98). O próprio escravo às vêzes era incor-
que os compensavam, não só psíquica mas às vêzes também
socialmente. Aliás, os favores concedidos redundavam sempre em
benefício para senhores e um ou outro escravo, pois a escolha de (96) Cf. R elatório apresentado à Assembléia Legislativa Pro-
um escravo para capatazia, como ocorria com certa freqüência, vincial da Província do Paraná, no dia 7 de janeiro de 1957, pelo
se, de um lado, premiava alguns, gratificando por seu intermédio vice-presidente José Antonio Vaz de Carvalhaes, Typ. Paranaense
de C. M. Lopes, 1857, pág. 6.
a todo o grupo, por outro lado, e em conseqüência, atendia aos (97) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. IX,
interêsses do senhor diretamente envolvido e funcionava como Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs. 41-42; às págs. 8-15 encon-
recurso de canalização construtiva dos atributos de líder de tra-se o Regimento das Companhias de Ordenanças, expedido a
alguns membros da escravaria. Conforme observamos anterior- tôdas as vilas da Capitania de São Paulo. Outras referências às
companhias e à sua composição, quanto à côr, encontram-se em
mente, Saint-Hilaire encontrou, em sua passagem pelos Campos Documentos Avulsos, edição do Departamento do Arquivo do Estado
Gerais e Curitibanos, escravos liderando escravos e administrando de S. Paulo, São Paulo, 1954, Vol. IV, págs. 24-25 e V, pág. 103.
as fazendas na ausência dos senhores ( 95) _ Por outro lado, como (98) Cf. A. Saint-Hilaire, op. cit., pág. 189. Avé-Lallemant
relata Vaz de Carvalhaes, o feitor escravo pode exceder-se nos · registra um soldado negro em Campo do Ambrósio. Cf. Roberto
Avé-Lallemant, Viagem Pelo Sul do Brasil, no Ano de 1858, 2 vols.,
tradução e edição do Instituto 'Nacional do Livro, Rio de Janeiro,
(95) Cf. A. Saint-Hilaire, op. cit., págs. 40, 54 e 58. 1953, 2• vol. pág. 263.
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porado à tropa, substituindo o senhor ou seu filho. "Instigado temente não podem ser consideradas homogêneas e universais.
pelo pai, o filho apresenta-se como voluntário, sendo, porém, Elas coexistiram com outros tipos de apropriação do produto do
substituído, graças à generosa intervenção do Capitão José Boni- trabalho, incluindo-se entre êles o trabalho autôn"omo do sitiante,
fácio Vilela, por um escravo de propriedade deste" (99 ) . Dêste - 0 trabalho assalariado em dinheiro ou espécie do artesão, solda-
modo alguns ganhavam a alforria imediata ou em testamento. do etc., o trabalho semicativo do agregado. Aquelas relações,
Entretanto, nem sempre a manumissão era uma mudança positiva contudo, marcaram totalmente a estrutura econômico-social, deter·
da situação do escravo, considerado isoladamente. A despeito minando-a, pois que a fôrça de trabalho e os capitais constantes
dos outros efeitos sociais do fenômeno, muitas vêzes o egresso ' reunidos pelos senhores produziram a maior parte dos artigos
perdia não só a segurança econômica como também a psico-social. comercializados da comunidade, no intercâmbio com outras loca·
Para muitos, a libertação individual era um lôgro ( 100), pois, !idades da área, do Império e do exterior, além dos consumidos
como o reconhece o próprio se~:~hor "no captiveiro, não apren- pelos sujeitos ligados à sua produção. A produtividade fundou-se
deram a dirigir-se a si mesmos", sendo-lhes a liberdade uma durante largo período principalmente na utilização do trabalho I
fonte de novas tensões, para as quais não estavam preparados. cativo, o que produziu formas de organização social, relações
O sistema de ações, atitudes e emoções que regulam e exprimem sociais, sistema de valores e padrões etc. profundamente impreg-
o comportamento do homem livre não pode ser produzido nem nados daqueles fundamentos. A divisão do trabalho fundada
adquirido no interior da casta escrava. Por isso, quando a pessoa nessas relações de produção acabou separando os indivíduos em
não houvesse passado por uma fase intermediária de reajustamento diversos grupos ocupacionais tais como: proprietários dos meios
ou re-socialização prospectiva, como era possível e comum espe- de produção, que utilizam a fôrça de trabalho escrava, semi-escrava
cialmente entre os cativos da cidade, a liberdade seria o princípio ou eventualmente assalariada; os trabalhadores livres autônomos,
da desorganização da personalidade, ou então seria falsa, levando como os sitiantes, artífices, empreiteiros, parceiros etc.; os agre-
o indivíduo a reescravizar-se sob outras formas, como medida de gados reunidos na periferia da unidade patriarcal, produzindo sob
autopreservação. um regime de servidão disfarçada; e os cativos, incluídos econô·
Em suma, na ordem econômico-social fundada na utilização mica e juridicamente entre os meios de produção dos seus pro·
da fôrça de trabalho escravo, sempre foram estimulados os meca- prietários, que utilizam a sua fôrça de trabalho dando-lhe em
nismos sociais, comportamentos etc. que pudessem contornar, re- troca alimentação, vestimenta e habitação, ao nível da sobrevi-
primir ou canalizar as tensões sociais inerentes ao sistema. Nesse vência física. Em síntese, a ordem econôrnico-social constituída
sentido, não apenas os negros ou pardos livres como também em Curitiba dividiu os indivíduos em diversos grupos diferente-
alguns escravos encontravam possibilidades mais ou menos res· mente inseridos na estrutura econômico-social. Entre êles sobres-
tritas de compensação de aspirações sociais admitidas, o que saem aquêles ligados às áreas mais produtivas da economia, isto
despertava novas expectativas entre os cativos. é, os senhores e ós escravos, os brancos e os negros e mulatos.
Uns são apropriadores do produto do trabalho, os outros os
5. Escravo e casta produtores; uns vivem do trabalho dos outros. Encontram-se, pois,
em pólos opostos no universo social que criaram. A assimetria
As relações de produção que vigoraram no período do apogeu das posições recíprocas, determinada inicialmente pelo tipo de
da escravatura em Curitiba, servindo-lhe de sustentáculo, eviden· participação na conjuntura econômica, acabou marcando decisi·
vamente o sistema social, em seus componentes estruturais e fun-
cionais. O próprio homem é diverso no seu modo de ser, agir
(99) Cf. Davi Carneiro, O Paraná na História Militar
Brasil, Tip. João Hapu & Cia., Curitiba, 1942, pág. 88. e pensar. O escravo e o senhor são constituídos como duas
(100) Como diz um personagem de Machado de Assis, apon- - e- entidades diametralmente distintas. A alienação do cativo se rea·
tando com humor êsse aspecto da questão, o diploma da Universidade liza em benefício do senhor, também alienado.
"era como uma carta de alforria: se me dava a liberdade, dava-me
a responsabilidade" (Cf. Memórias Póstumas de Brás Cubas) edi- Por isso, o escravo é uma categoria à parte, cujos contornos
ção do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1960, pág. 151). se exprimem com maior ou menor nitidez ao nível econômico,
~

176 12 177
jurídico, social, cultural e racial. A condição de mercadoria do cesso aculturativo dos africanos no ambiente brasileiro esbarra
cativo é provàvelmente a expressão mais pura da sua configuração com as condições econômicas de convivência, determinantes gerais
peculiar. Ela dá ao mesmo tempo a medida da sua posição no sis- dos sentidos da absorção cultural do negro. Numa comunidade
tema econômico e no sócio-cultural. Aí está expresso o caráter culturalmente segmentada, como é a escravocrata, os mecanismos
não humano a que é relegado o semovente pôsto no acervo do e processos de socialização, as manifestações mágico-religiosas,
senhor como meio de produção, como peça das atividades produ. as atividades lúdicas, os valores e padrões sócio-culturais, em
tivas. Daí os tipos de ocupações que lhe são atribuídos. As síntese, o sistema de ações, atitudes e emoções que se estruturam
atividades braçais, consideradas "brutas" ou "degradantes", só com a personalidade são peculiares às castas superpostas, isto
o mancípio as executa, pois que são apanágio do boçal ou seus é, às subculturas. Como escravos e senhores pertencentes a ca-
descendentes. Há uma especialização coletiva imposta pela pró- madas dispostas dicotômicamente, operam no interior de cada uma
pria condição, levando-os a serem substituídos por novos africanos processos substancialmente diversos, particulares, produzindo e
ou descendentes, mantendo-se assim as gerações sucessivas de preservando o afastamento psico-social e cultural de ambas ao
negros e mulatos na mesma condição econômica, nas mesmas mesmo tempo que são mantidas reciprocamente ajustadas, no
ocupações braçais, desenvolvendo trabalhos em que se usam as âmbito da ordem social global. As condições e os fatôres sin-
atividades psico-motoras, a fôrça física, e não as intelectuais. gulares a cada casta, pois, bem como a própria tessitura do
Outra feição se reúne a essa, ampliando-a, se considerarmos sistema social global atuam de maneira contínua, mantendo a
que o filho de escravos nasce escravo, ou que o próprio descen- distância social entre senhor e escravo.
dente do branco e escrava é cativo. As fórmulas jurídicas que Além disso, as peculiaridades do grupo, enquanto uma con-
regulam a descendência estão orientadas no sentido de perpetuar gérie de indivíduos definidos como pertencentes a uma só raça,
o grupo escravo e manter também os seus descendentes mais implicam em componentes sócio-culturais particulares, que pro-
claros na mesma categoria. Aliás, a endogamia do grupo, que duzem efeitos dinâmicos notáveis. As condições de organização
era uma decorrência normal e necessária da própria condição, e funcionamento do grupo, fundadas no trabalho em comum, nas
somente era quebrada por decisão do senhor ou em conseqüência habitações coletivas ou reunidas no espaço ecológico, em ativi-
das condições de vida encontradas na periferia da família do dades mágico-religiosas e lúdicas próprias, em formas transitórias
senhor. Convém observar, contudo, que geralmente a exogamia de convivência de pares sexuais, abandono parcial da criança à
não afetava a situação escrava do nascituro, servindo ao con- }'rÓpria sorte, devido às ocupações da mãe etc., acabaram pro-
trário para ampliar o grupo dos cativos. Em síntese, os man- duzindo não sõniente uma consciência incipiente ou insuficiente-
cípios são definidos econômica, jurídica e racialmente como mente estruturada, como também criando as condições recorrentes
membros do mesmo grupo. As marcas raciais pouco a pouGo peculiares de socialização dos indivíduos. A personalidade-status
vão sendo selecionadas socialmente como caracteres grupais, defi- do mancípio é, pois, um produto elaborado no interior do grupo
nindo fenotipicamente os negros, ou seja, os que são escravos, e segundo as necessidades do sistema econômico e sócio-cultural
ou de sua procedência. inclusivo. O escravo será dócil e respeitoso, trabalhador e obe-
Há mesmo uma participação coletiva em um cosmo cultural diente, conforme os interêsses e as determinações do senhor. O
à parte, ainda que resultante de um sincretismo afro-luso-brasi- código de etiquêta de relações sociais que o indivíduo absorve,
leiro cada vez mais acentuado. Especialmente os valores e pa- incorpora, durante o processo de constituição da sua personali-
drões mágico-religiosos e lúdicos estão suficientemente integrados dade, é exatamente aquêle que corresponde aos requisitos funcio-
e atualizados, possibilitando a vida em comum da escravaria. As nais do sistema escravocrata. Os mecanismos formais e informais
festas e cerimônias ligadas a Nossa Senhora do Rosário e a São de contrôle do comportamento delimitam adequadamente as posi-
Benedito, bem como as congadas, fandangos ou batuques, que ções sociais recíprocas e fundamentam a distância social inerente
muitas vêzes aparecem associados àquelas atividades, são com- à estrutura do regime.
ponentes de um subsistema cultural, uma subccl.tura estimulada Também o negro e o mulato livres serão membros de "outro"
pelas condições reais de vida do grupo. Nesse sentido, o pro- grupo, indiví~uos ligados racial e socialmente aos escravos de

178 179
''

que procedem. Na comunidade, ue mestiços ou negros livres serão ordem destinado a tonificar o organismo nacional abastardado
isolados dos brancos e estranhos entre os escravos. Uma certa por vícios de origem e pelo contacto que teve com a escra·
dose de marginalidade os envolve e compõe a própria tessitura vidão" ( 102). Assim, o que era escravo se vai transformandq
do seu comportamento, afastando-os dos extremos assimétricos. socialmente em negro, que permanece à parte, impossibilitado de
A transformação do escravo em liberto, no seio da sociedade penetrar, em igualdade de condições, nos círculos de convivência
escravista, nem sempre é uma ascensão social satisfatória. Muitas social dominados pelos brancos. E os próprios mulatos não
vêzes o indivíduo perde em segurança - porque não se integra escapam a essa definição social, produtos espúrios, bastardos,
convenientemente em outros grupos - o que ganhou em liberdade. que são de uma sociedade dividida em categorias assimétricas.
O próprio dispositivo jurídico que o liberta prende-o e marca-o Como vemos, a estrutura societária de castas constituída em
de modo implacável. Conforme estipula a lei n. 3. 270, de 1885, Curitiba é um fenômeno devido aos próprios fundamentos eco·
"é domiciho obrigado por tempo de cinco annos, contados da nômicos da sociedade escravocrata. Apesar das singularidades l
data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação, o que o regime assumiu nessa área, em conseqüência das condições
mancipio onde tiver sido alforriado, excepto o das capitaes./0 histórico-econômicas descritas, a configuração básica da sociedade
que se ausentar de seu domicilio será considerado vagabundo foi a de castas, repetindo o que ocorria em tôdas as outras regiões
e apprehendido pela Policia para ser empregado em trabalhos brasileiras, nas quais, como o diz Bastide, "a estrutura social
publicos ou colonia~ agricolas./ Qualquer liberto, encontrado sem escravagista separava as raças em castas, o branco como senhor,
occupação, será obrigado aempregar-se ou a contratar seus servi- o índio mais ou menos mestiçado ou caboclo como trabalhador
ços no prazo que lhe for estipulado pela policia:/,Terminado o livre, o negro como escravo" ( 103). Nas cidades, entre as cate·
prazo, sem que o liberto mostre ter cumprido a déterminação da gorias . senhor e escravo, interpõe-se a subcategoria trabalhador
policia, será por esta enviada ao juiz de orphãos, que o constran- livre, que será, nas décadas da segunda metade do século XIX,
gerá a celebrar contrato de locação de serviços, sob a pena de um agente decisivo de solapamento da ordem social. Funcionários,
15 dias de prisão com trabalho e de ser enviado para alguma artesãos, comerciantes, profissionais liberais, literatos, membros das
colonia agrícola no caso de reincidencia" ( 101). É que o ex-es- fôrças armadas e policiais, políticos e outros, eis os homens que
cravo ainda não deixou completamente de ser escravo. O "cida- formam a camada intermédia, possibilitando o funcionamento do
dão" é uma categoria que implica em atributos psicÕ-sociais e sistema social, e fazem emergir correntes de opinião e movimentos
culturais que o ex-cativo não pode assumir plenamente, na medida específicos do mundo citadino. Mas, por muitas décadas, en·
em que são definidos pelo branco. A côr, como uma marca quanto o regime não entra em decomposição, êsses grupos serão
racial decisiva, êle a transportará consigo do interior da escra- função das duas castas fundamentais, estas sim definidoras da
vidão, como símbolo desta. Por isso, ainda na vigência da ordem social. Reciprocamente opostos e integrados, escravos e
escravatura começou a produzir-se a metamorfose do escravo em senhores somente são compreensíveis, como categorias histórico·
negro, a que inicialmente o próprio negro nada ou muito pouco sociais, uns em relação aos outros. Joaquim Nabuco, que esboçou
pôde opor. Somente depois da abolição, muitas décadas depois, com precisão o perfil das duas castas, afirma o seguinte sôbre
êle tentará "destruir" a sua raça, para ser "branco", homem a .condição servil: "Essa escravidão consiste na obrigação, de ·
livre como o são os brancos, já que é penosa a condição de quem está sujeito a ela, de cumprir, sem ponderar, as ordens
negro. Como se dirá no último momento da escravatura, expri· que recebe; de fazer o que 15e lhe manda, sem direito de reclamar
mindo essa face do negro, é necessário acelerar a imigração de coisa alguma, nem salário, nem vestuário, nem melhor alimentação,
brancos europeus, pois ela traz um "factor ethnico de primeira

(102) Cf. Relatório do presidente da Província do Paraná


(101) ll:sse é o texto dos parágrafos 14, 15, 17 e 18 do Art. dr. José Cezario de Miranda Ribeiro, ao 2o vice-presidente lldefonso
ao da Lei n. a . 270, de 28 de setembro de 1885, que "regula a extinção Pereira Correia, em ao de junho de 1888, pág. 26.
gradual do elemento servil". ( Cf. Repertório da Legislação Servil, (10a) Cf. Roger Bastide, "Estruturas Sociais e Religião Afro-
por Luiz Maria Vida!, a vols., Laemmert & C., Rio de Janeiro, Brasileira", Anhembi, Ano VII, Vol. XXVI, n. 77, S. Paulo, 1957,
1886, ao vol., págs. 49-65; citação extraida das págs. 61-62.) págs. 228-24a, citação extraida da pág. 229.
t

180 181
I nem descanso, nem medicamento, nem mudança de trabalho".
E, para acentuar melhor as implicações do estado cativo, acres-
centa, dando-lhe a outra fa ce : "Não há lei alguma que regule
nido como uma categoria social pouco diferenciada, cuj os membros
se dedicam a atividades produtivas ou serviços considerados social-
mente inferiores, submisso à · casta dos senhores, segundo um
as obrigações e os direitos do senhor; qualquer que seja 0 padrão de obediência total, racialmente endógamo e hereditário,
número de escravos que possui, êle exerce uma autoridade limi- caracterizado por uma subcultura integrada, ou seja, um segmento
tada, apenas, pelo seu arbítrio" ( 104 ). É que um e outro são relativamente autônomo da cultura da comunidade, no interior
gerados no interior do mesmo sistema histórico-social que cons- do qual se desenvolvem formas de interação social e mecanismos
truíram. de socialização orientados no sentido de formar personalidades
consentâneas apenas com as necessidades do sistema produtivo
Enfim, êsses são os atributos sociais fundamentais das castas relativamente estável e com as expectativas dos senhores. Em
dos escravos e senhores, os quais nos dão uma acepção complexa poucas palavras, é uma categoria social cuj os membros são alie-
do conceito: status de escravo e senhor atribuídos pela sociedade, nados não só no produto do seu trabalh o como também em sua
o que implica na transmissão hereditária das ocupações e posições própria pessoa; ou seja, é uma casta alienada, que não está em
sociais recíprocas; subsistemas culturais integrados, como seg- condições de apreender, enquanto casta, · o sentido da própr ia
. mentos da cultura global, nos quais operam os processos e meca- existência social, quer em face da casta à qual se acha submetida
nismos de socialização condizentes com as personalidades ideais quer de si mesma.
das respectivas castas; em · conseqüência, desenvolvem-se }lerso-
nalidades-status típicas, estruturadas em têrmos de sistema de
ações, atitudes e emoções peculiares; sistemas de avaliação recí-
procas e auto-avaliações fundados em conjuntos coerentes de va-
lores e padrões sócio-culturais; mecanismos de contrôle sociais
organizados diferencialmente, de maneira a preservarem-se as rela-
ções de dominação-submissão decorrentes da alienação do traba-
lhador; código de etiquêtas e regras de conduta orientadas no
sentido de possibilitar a eliminação ou a canalização socialmente
construtiva das tensões inerentes à estrutura societária de castas;
condições diversas de mobilidade social: fundamentalmente, pos-
sível e sancionada a mobilidade vertical dos brancos e a horizontal ·
dos negros; sentido principal da estrutura demográfica: endogamia
intra-racial hereditária, elaborando e cristalizando socialmente as
marcas raciais. Em síntese, o conceito de casta aí implícito pos-
sibilita a apreensão integrada dos níveis :fundamentais do com-
portamento social, pois apanha o estado das fôrças produtivas,
as relações sociais, o sistema cultural, a·s configurações da per-
sonalidade e a estrutura demográfica nos seus aspectos relevantes
para a reconstrução da ordem escravista. · Nesse sentido, a casta
dos escravos é um produto histórico-econômico que pode ser defi-

(104) Cf. Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, Discursos e


Conferências Abolicionistas, Instituto Progresso Editorial, São Paulo,
1949, págs. 111 e 112, respectivamente. A reconstrução empirica
da condição servil, no mesmo sentido encontra-se também em Cartas
do Solitário, de A.C. Tavares Bastos, 3• edição, Companhia Editora
Nacional, São Paulo, 1938, págs. 123-146 e 453-465. ~

183
182
mas, os efeitos reflexos da miscigenação, a influência de ideais
e avaliações produzidos em ambientes urbanos mais complexos e
que exercem dominância sôbre Curitiba etc., são alguns dos fe-
nômenos que devem ser lembrados aqui. Para compreendermos
a totalidade do significado da abolição, pois, é preciso que se
apreendam as conexões reais entre as condições efetivas de orga-
nização e funcionamento da sociedade escravocrata e o sentido
v dos seus desenvolvimentos. f:sse é o resultado necessário da in-
tegração da explanação desenvolvida até aqui com as explanações
A DESAGREGAÇÃO DA SOCIEDADE dêste capítulo. Com êsse objetivo, comecemos por retomar a
ESCRAVISTA colonização européia desenvolvida no século XIX como um fenÔ· )
meno que, ao mesmo tempo, exprime exigências novas do sistema
econômico da região e proporciona outras alterações nesse mesmo
l. Colonização e trabalho escravo sistema, enriquecendo-o. 1

Alguns desenvolvimentos e transformações da estrutura eco- Como já vimos em . capítulo anterior, a partir de· meados
nômico-social indubitàvelmente estão na base do processo que leva do século XIX a configuração econômica, social e humana de
à destruição da escravatura no Paraná. Ainda que de profun- Curitiba começa a modificar-se. As relações dinâmicas estabele·
didade e extensão limitadas, aquelas modificações são decisivas cidas entre as transformações da infra-estrutura econômica e a
para o destino do trabalho como componente fundamental das colonização se tornam cada vez mais intensas e aceleradas. O
relações de produção. Mas o sistema econômico-social em fun- problema da entrada de imigrantes europeus e sua distribuição
cionamento na área, além de ter sido gerado com fundamento na pelo espaço geográfico é urna das questões permanentes de tôda
utilização da fôrça de trabalho cativo, não possui o vigor dinâmico a segunda metade do século, entrando pelo século XX. O tra·
necessário para promover isoladamente, por si mesmo, a subs- balho escravo perde prestígio progressivamente, em conseqüência
tituição daquele tipo de trabalho. Ainda que admitamos as suas das inovações tecnológicas, do encarecimento do preço do cativo,
potencialidades nesse sentido, a destruição do trabalho escravo, da destruição das bases morais do regime, da própria eficácia
como fundamento do regime, é um fenômeno complexo, que ocorre do trabalho de grupos europeus que se dedicam à agricultura
em conseqüência da operação de fatôres internos e externos que
em geral, especialmente à horticultura, também à extração da
agiram no interior do sistema, modificando-o. Um conjunto de
erva-mate, depois às ocupações urbanas, comércio, rnanufaturas e,
fenômenos e processos correlatos precisam, por isso, ser levados
finalmente, pequenas ernprêsas industriais. Os imigrantes, em ritmo
em conta, pois que também atuaram em graus diversos na dis·
solução daquele tipo de sociedade, promovendo a substituição diverso para cada grupo, vão permeando progressivamente a estru·
do trabalho cativo pelo livre, do escravo pelo cidadão. tura econômica e social da comunidade.

O material disponível não possibilita um exame sistemático A intensificação da produtividade num setor, em conseqüência
do ·problema, de modo a alcançar-se uma caracterização completa da introdução de novos procedimentos, · geralmente mais ajustados
do fenômeno em curso. Mas é suficiente, entretanto, para a carac- a normas racionais, e por isso mais produtivos, provoca reno-
terização do processo conforme êle interessa a esta monografia. vações em outras unidades do sistema produtor, do mesmo ou
A dissolução da sociedade escravista como um fenômeno que outros setores. Desde que haja condições econômico-sociais satis-
permite a elucidação dos caracteres e do destino do negro de fatórias, com potencialidade de transformações, a inovação sempre
Curitiba, é processo que pode ser descrito satisfatoriamente. A tende a propagar-se. Se a produtividade do trabalho alcançada
colonização, a interrupção do tráfico, a lei de 1871, o comporta· por uma inovação é, descontadas as inversões necessárias no caso,
mento divergente de escravos, manifesto em fugas ou outras for· maior que a anterior, então será incorporada pelo sistema, pro·
~

184 185
vocando às vêzes transformações nos outros setores ( 1). Como não obstante estes embaraços, o espírito nacional estava prepa-
dirá Couty em 1880, o engenho de mate, por exemplo, sofre rado para arrostal-os e a lei de 28 de Setembro de 1871 que
modernização técnica substituindo-se por novos instrumentos ou sanceonou o evangelico preceito de que ninguem mais nasceria
máquinas tarefas que eram realizadas pela fôrça humana do es- escravo no Brasil, foi recebida com applausos por todo o paiz
cravo. Os cativos e os pilões, diz êle, estavam sendo substituídos que em repetidos actos de philantropia tomara a iniciativa na
por meios de produção mais fecundos, provocando inclusive a grandiosa idéa da emancipação./ N'estas condições crearam-se leis
diversificação das ocupações no interior do engenho, promovendo que convidassem a corrente da immigração estrangeira e desde a
outros desenvolvimentos na divisão do trabalho ( 2). Assim é atin- de 18 de Setembro de 1850, chamada lei das terras, tornou-se o
gido na base o regime escravista. O colono, por um lado, e a governo imperial o tutor immediato do immigrante, provendo o
renovação tecnológica, ainda que incipiente, por outro, destroem seu bem estar desde seu transporte do paiz de onde procede, até
no nível das relações de produção o trr.l>alho escravo. o seu definitivo estabelecimento no logar a rrue é destinado" ( 3).
Curitiba foi grandemente alcançada pelos imigrantes e os efeitos
É essa situação que faz de Zacarias de Góes e V asconcellos,
de sua presença nos diversos setores da produção e nos diferentes
Lamenha Lins, Taunay, presidentes da Província, propugnadores
círculos de convivência social. As colônias dispersas em tôrno
da intensificação das correntes imigratórias. . A necessidade de
da comunidade foram pouco a pouco impregnando o sistema eco-
dinamizar e diversificar a economia, de modo a aproveitar terras,
nômico e sócio-cultural vigente, modificando-o. Conforme acres-
matérias-primas, fôrça de trabalho e mercado consumidor cada
centa Lamenha Lins no documento citado, "o lisongeiro aspecto
vez mais amplo, leva-os a incentivar a entrada de trabalhadores
que apresenta a florescente colonia do rocio da · capital, que já
europeus em larga escala. Como pequenos proprietários, inicial-
conta uma população estrangeira de mais de dous mil habitantes;
mente, e como trabalhadores assalariados, em seguida, às vêzes
o progresso e bem estar que se nota nos nucleos que fundei nos
já mesmo na primeira geração, o trabalho fornecido pelos aliení-
arredores d'esta cidade, são provas sufficientes das vantagens do
genas cumpriu em boa parte aquelas expectativas. Em 1876,
systema que tenho adoptado e que felizmente vae merecendo a
Lamenha Lins, que possuía uma compreensão clara da situação
approvação do governo imperial" ( 4) . Estava em processo a
reinante, toma tôdas as providências a seu alcance para instalar
desagregação do trabalho cativo, o que se manifestará no com-
colonos no território paranaense, concentrando-os especialmente em
portamento dos escravos e dos senhores. Como veremos, as fugas
redor de Curitiba. Como afirma em seu relatório, "a falta de
sucedem-se nessas décadas; e o movimento abolicionista encontra
braços é um facto economico que teve origem na cessação dos
tratados de commercio com a Inglaterra. . . ( ... ) A cessação do solo favorável.
tráfico poz em apuros o lavrador brasileiro; para conseguir os Mas a colonização é um processo complexo que alcança o
braços que faltavam, teve de comprar escravos por alto preço, · escravo de forma imprevisível. A medida que ela se torna bem
sujeitando-se adebitos com grandes juros que elevaram a divida sucedida, o mancípio começa a ser focalizado, no plano ideológico,
hypothecaria do imperio a um(l somma enorme, tocando á pro- como uma vítima a libertar-se e, ao nível das condições efetivas
víncia do Paraná a de 345:931$./ A e.sta divida se deve attribuir da atuação social, como um mal, como algo que ainda contamina
principalmente a crise porque ha tempos está passando a . nossa o sistema. É por isso que a louvação do movimento imigratório
agricultura e que tanto tem affectado o commercio./Entretanto, é acompanhada de referências ao cativo; um se liga ao outro.
I
Segundo assegura Miranda Ribeiro, "a immigração tem se desen-
volvido com felicidade logrando os estrangeiros que para aqui
(1) Como diz Marx, "se o instrumento de trabalho que vigora
socialmente no ramo de fiação é a máquina de fiar, não se deve
pôr o operário trabalhando numa roca" (Cf. Karl Marx, EZ Capital,
citada, tomo I, Vol. I, pág. 219). (3) Cf. Relatorio apresentado à Assembléa Legislativa do
(2) Cf. Louis Couty, Le Maté et Zes Conserves de Viande, Paraná, no dia 15 de Fevereiro de 1876, pelo Presidente da Pro-
rapport à son Excellence Monsieur le Ministre de 1' Agriculture et víncia o Excellentissimo Senhor Doutor Adolpho Lamenha Lins,
du Commerce, Typographia Nacional, Rio de Janeiro, 1880, págs. Typ. da Viuva Lopes, Província do Paranã, 1876, pág. 78.
33-34 e 62-63. (4) Ibidem, pág. 79.
t

186 187
1"

,I

vierão verdadeiro bem estar e concorrendo em muito para . pro- tado de alguns círculos de convivência social dominados pelos
gresso industrial e agrícola do Paraná". Além disso, ela é "factor _ __ brancos. O negro elaborado pelo regime em emergência é diverso
ethnico de primeira ordem destinado a tonificar o organismo ~- do branco, em seus atributos morais e intelectuais.
nacional abastardado por vícios de origem e pelo contacto que teve
Mas as conexões entre a colonização européia e o trabalho
com a escravidão" ( 5) . Isto significa também que os suportes
morais da escravidão ruíram definitivamente na consciência do cativo sàmente se tornam mais claras quando focalizamos dois
fenômenos fundamentais, apenas insinuados anteriormente. Um
branco. Mas ruíram com o sacrifício do negro, daquele que 0
dêles diz respeito ao tipo de valorização social do trabalho pro-
branco culpa ter abastardado desde a origem o seu mundo. No
dutivo e o outro refere-se às significações econômicas do escravo.
epílogo da escravidão, o branco projetará sôbre os negros e
mulatos a responsabilidade pelos esforços necessários de reajus-
Em primeiro lugar, a valorização social do trabalho não é homo-
gênea em todo o decorrer do período de vigência da escravidão.
tamento da fôrça de trabalho. A indenização que se cobrará do
Podemos disting~ir, gr:osso modo, duas polarizações distintas,
negro será expressa em atitudes, avaliações negativas, estereótipos,
revelando nitidamente duas configurações da estrutura econômico-
que se destinam a mantê-lo tolhido em seus movimentos e afas-
social. No período de pleno funcionamento da escravatura, quando
0 regime se acha completamente constituído, e trabalho produtivo,

(5) Cf. Relatório do Presidente da Província do Paraná, Dr. José


isto é, o uso da fôrça de trabalho na produção de valores ou
Cezario de Miranda Ribeiro, ao 2• vice-presidente lldefonso Pereira bens de consumo e comércio é apanágio dos cativos, daqueles
Correia, em 30 de Junho de 1888, Curityba, 1888, págs. 27 e 26, _; .. ~ - socialmente inferiores. Nesse contexto, o preconceito contra o
respectivamente. Alguns aspectos do processo de colonização do trabalho braçal é um requisito funcional da estrutura societária
Paraná e as orientações da politica imigratória encontram-se dis- de castas. Independentemente da significação da atividade para
cutidos ou documentados em: Sebastião Paraná, Chorographia
do Paraná, Typ. da Livraria Economica, Coritiba, 1899, págs. 198-217 a manutenção e enriquecimento do homem e da comunidade, o
e 361-400; Nestor Victor, A Terra do Fttturo (Impressões do Pa- trabalho agrícola, as ocupações extrativas, o artesanato etc. são
raná), Typ. do "Jornal do Commercio", Rio de Janeiro, 1913, cap. consideradas ideolàgicamente como formas de utilização inferior
XI, págs. 217-251; Wilson Martins, Um Brasil Diferente, Editôra
Anhambi Limitada, São Paulo, 1955, págs. 71-288, esp. págs. 71-116; da energia humana. Conforme as palavras de Caio Prado Júnior,
Ernilio Willems, A Aculturação dos Alemães no Brasil, edição a propósito do período colonial brasileiro, "a utilização universal
ilustrada, Companhia Editôra Nacional, São Paulo, 1946; Leo do escravo nos vários misteres da vida econômica e social acaba
Waibel, Princípios da Colonização Européia no Sul do Brasil, reagindo sôbre o conceito do trabalho, que se torna ocupação
edição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, Rio de pejorativa e desabonadora" (6). Por isso, os homens livres fogem
Janeiro, 1949; J. Fernando Carneiro, Imigração e Colonização no
Brasil, edição da Cadeira de Geografia do Brasil, da Fac. Nacional das atividades manuais, contaminadas pela casta dos escravos.
de Filosofia da Universidade do Brasil, publicação avulsa n• 2, "Como tôdas as obras servis e artes mecânicas são manuseadas
Rio de Janeiro, 1950. Em carta a seu filho que se encontrava nos por escravos, diz Vilhena, poucos são os mulatos, e raros os
EE. UU. da America do Norte, em 1880, Jesuino Marcondes pede- brancos que nelas se querem empregar, nem aquêles mesmos
lhe: "Não te descuides de examinar ahi o chim, como trabalhador,
recurso que o Brasil tenta obter, para substituir o braço africano. indigentes que em Portugal nunca passaram de criados de ser·
Ha entre nós o écho. da opinião d'ahi contrária ao chim" (Trans- vir ... " ( 7). Em plena vigência da escravatura, pois, as . ocupa-
crita em Pae e Patrono (Jesuino Marcondes de Oliveira e Sá), por ções dividem-se em nobres, superiores, intelectuais e braçais,
Moysés Marcondes, Typographia do Annuario do Brasil, Rio de
Janeiro, 1926, pág. 135). Lembremos novamente neste ponto que
a própria legislação imperial proibia a presença de escravos nos
lotes coloniais. Ao dispor que fôssem concedidos a cada uma das (6) Cf. Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contempo-
Províncias terras devolutas para distribuição aos imigrantes, a Lei rd.neo, Colônia, 4• edição, Editôra Brasiliense Ltda., São Paulo, 1953,
n. 514, de 28-10-1848, do govêrno imperial, estabelece que aquelas pág. 277.
áreas "serão exclusivamente destinadas à colonização e não po- (7) Cf. Luis dos Santos Vilhena, Recopilação de Notícias
derão ser arroteadas por braços escravos" (Cf. citação de Sérgio Soteropolitanas e Brasílica.! contidas em XX cartas, edição orga-
da Costa Franco, "A Politica de Colonização do Rio Grande do nizada por Brás do Amaral e publicada pela Imprensa Oficial
Sul", Revista Brasiliense, São Paulo, 1959, N• 25, págs. }4-89, do Estado da Bahia, 1827, citado por Caio Prado Júnior, op. cit.,
citação extraída da pág. 77). pág. 277. ~

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I I~ inferiores, apoiadas na fôrça Hsica ( G). Essas duas avaliações emprêsas industriais exigem e impõem novos padrões de trabalho
do trabalho humano, entretanto, são componentes necessários do fprodutivo.
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sistema escravista que separa os homens em duas castas: os se.
I nhores e os escravos, cada uma com o seu universo partic~lar
Em segundo lugar, há que contar as significações econom1cas
i do escravo, que também precisam ser focalizadas em suas duas
de valores e padrões sócio-culturais. polarizações principais. Como já foi amplamente discutido ( 1O),
Todavia, com as transformações internas e externas da socie- houve condições histórico-sociais que impuseram o trabalho cativo
dade brasileira, ocorridas no século XIX, começa a manifestar-se no Brasil colonial. Escassez de mão-de-obra, terras inaproveitadas
uma alteração da avaliação social do trabalho e do trabalhador, à disponíveis em excesso, oferta elástica de africanos, os mecanismos
medida que vão sendo solapados os fundamentos económicos de formação do capital comercial na Europa etc., propiciaram a
do regime, redefinem-se componentes sociais, de conformidade instauração dêsse regime, como uma forma produtiva de agluti·
com as exigências do nôvo sistema econômico em estruturação. nação dos meios de produção. Entretanto, a contar do segundo
A expansão contínua do uso da fôrça de trabalho livre, uma quartel do século XIX, começa a modificar-se a importância rela-
exigência das transformações estruturais em curso, provoca a tiva da fôrça de trabalho escravo no sistema produtivo. Em
reelaboração do ·significado social do trabalho, que, por sua vez, decorrência de fatôres que também já foram examinados ( 11),
à medida que se redefine, favorece e atua naquele sentido. É ..;r ~ aquela 1Uão-de-obra se torna cada vez . mais onerosa, exigindo-se
nessa corrente de opinião que estão formuladas as referências à a sua substituição. Como já dizia José Bonifácio, em represen·
imigração e colonização dos relatórios dos presidentes provinciais . tação à Assembléia Constituinte, numa antevisão lúcida do pro·
do Paraná, conforme vimos em parágrafos anteriores. É êsse hlema: "Se calcularmos o custo atual da aquisição do terreno,
o significado das reflexões de Tarquínio de Souza Filho, antes os capitais empregados nos escravos que o devem cultivar, o valor
da abolição, quando diz: "Aos olhos da opinião publica, falsa- dos instrumentos rurais com que deve trabalhar cada um dêstes
mente formada neste, como em outros assumptos de igual rele- escravos, sustento e vestuário, moléstias reais e afetadas, e seu
vancia, as profissões do trabalho carecem de força moral, têm curativo, as mortes numerosas, filhas do mau tratamento e da deses·
uma tal quebra de bastardia, um tal vicio de origem que, mesmo peração, as repetidas fugidas aos matos, a quilombos, claro fica
certos espíritos cultos, que têm uma responsabilidade moral e -que o lucro da lavoura deve ser mui pequeno no Brasil. .. " ( 12).
certa ascendência sobre a opinião publica, não se têm podido De fato, aí estão os dados do problema, que assumem significados
emancipar do prejuízo de considerai-as como funções secundarias, cada vez mais relevantes nas décadas posteriores. Com as trans·
exercidas por orgãos inferiores do corpo social. ·Tal é a fôrça formações do sistema econômico, no qual estão inseridas direta
e o enraizamento do preconceito!" ( 9) . É que agora a estrutura ou indiretamente as comunidades brasileiras, e com as alterações
econômico-social se transforma em suas bases e é urgente com· da estrutura demográfica, devidas à interrupção do tráfico, a po-
bater o preconceito contra o trabalho braçal. A agricultura em lítica imigratória etc., o trabalhador escravo se torna econômi-
.. 0!+•1·1

expansão, tanto nas outras áreas do Brasil como nos núcleos colo- camente oneroso, ou inadequado às novas exigências. É por
niais paranaenses, e o artesanato modificando-se em pequenas . por isso que Couty, em 1881, percebendo as implic&ções da nova
conjuntura, afirma que também no Brasil o escravo, "esta forma

( 8) A propósito das conexões entre a valorização social do


trabalho, especialmente essa dicotomização, e as configurações da (10) Ver especialmente o item 1 do capitulo III.
estrutura social, veja-se: Karl Mannheim, Systematic Sociology,
edited by J. S. Eros and W. A. C. Stewart, Routledge & Kegan (11) Verificar especialmente o item 3 do capítulo III.
Paul, London, 1957, págs. 96-98. (12) Cf. "Representação à Assembléia Geral Constituinte e
(9) Cf. Tarquínio de Souza Filho, O Ensino Technico no Legislativa do Império do Brasil sôbre a Escravatura", transcrita
Brasil, vol. III da coleção "Livros de Propaganda da Sociedade por Octavio Tarquínio de Souza, in O Pensamento Vivo de José
Central de Immigração", Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1887, Bonifácio, Livraria Martins Editôra, São Paulo, 1944, págs. 39-66,
pág. 51. citação extraída da pág. 50.
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~ :':~ inferior de mão-de-obra", aproxima-se de seu fim ( 13). É que 0 ·


trabalho cativo não está em condições de operar de conformidade
mestiçamento, processo inerente ao .nróprio regime, como já vimos,
serão componentes do processo mais amplo de dissolução da
~ I
1: com os requisitos do sistema econômico-social em formação. As sociedade escravista. O escravo não é uma ·categoria estática,
' representações sociais inerentes ao regime obstaculizam a emer- cristalizada, mesmo porque faz parte de um sistema que também
gência de componentes do nôvo sistema. Como observa Nabuco, possui potencialidades dinâmicas. As relações sociais entre o
a escravidão "impede a imigração, desonra o trabalho manual, escravo e o senhor, requisitos inerentes ao regime, geram uma
retarda a aparição das indústrias" ( 14). Aí está a função revo- categoria de natureza diversa, o mulato, que em parte implica a
lucionária da abolição, vista como um processo social deflagrado negação da condição escrava. Escravo, senhor e mulato, pois,
por influência das condições estruturais emergentes. Por isso al- são categorias antinômicas, quando ordenadas socialmente dessa
tera-se a significação básica do escravo, considerado como fator
maneira.
da produção.
No período da escravidão, diz Azevedo Macedo, os "homens
São essas, em síntese, as ligações fundamentais entre o tra-
casados concorriam quasi tanto como os celibatários para a
balho cativo e o trabalho livre, conforme elas são postas e expli-
existência de filhos batizados como de pais incógnitos. . . A
citadas pela presença ativa dos colonos em Curitiba.
miscegenação luciou com isso sem dúvida alguma" (15). A pro-
priedade do escravo não tem limites. Além disso, as próprias
2. Significados sociais da miscigenação _ condições de vida dêste o levam a um comportamento sexual que
É inegável que a procriação dos africanos e seus descendentes possibilita e favorece a miscigenação. Muitos filhos permanecem
no Brasil serviu de alguma forma à manutenção da população escravos, como as suas mães: "Estevão, pardo, de Pay incognito,
cativa. O crescimento vegetativo dos escravos, propiciado pelo criado na fazenda de S. João dos Campos geraes desta V.a. ( ... )
acasalamento endogâmico ou exogâmico, é um fenômeno que pre- Pedro, pardo, de Pay incognito, criado na fazenda de S. João
cisa ser avaliado em têrmos dos próprios mecanismos desenvol- dos Campos Geraes desta V.a" ( 16). Mas outros serão livres por
vidos pela sociedade para a consecução de sua continuidade. O nascimento ou alforria e assim aumenta pouco a pouco o conti-
significado econômico da reprodução da escravaria salta ao mais gente de mulatos livres. O crescimento vegetativo da população
superficial exame. É o "capital" se reproduzindo por si mesmo, de Curitiba não se dá em condições tais que os escravos e os
com um mínimo de despesa para o seu proprietário, pois os es- livres reproduzam-se à parte. · As condições materiais de vida
cravos, como os animais, são meios de produção que se repro- propiciam a reprodução cruzada, exogâmica, levando à formação
duzem sem alterar o próprio estado jurídico. · de um grupo cada vez maior de mulatos livres. Por isso, em
Mas essa é apenas uma face da questão, é o componente 1800 já haverá na Paróquia de Curitiba um contingente de 30%
recorrente de um fenômeno que possui também uma propriedade de mulatos livres, como parte de uma população negra e parda,
diacrônica. Como fenômeno humano, econômico e social, ao mes- escrava e livre, que alcança 50% do total dos habitantes.
mo tempo, a reprodução do escravo gera consigo efeitos sociais
dinâmicos, que escapam à compreensão, interêsse e domínio dos
agentes das ações, reagindo reflexivamente sôbre os mesmos e
no interior do contexto econômico-social em que ocorre. A mis-
cigenação, uma das manifestações da reprodução do escravo, é
um fenômeno dessa ordem. Os efeitos cumulativos reflexos do
Cf. F. R. Azevedo Macedo, op. cit., pág. 65.
(15)
(13)Cf. Louis Couty, L'Esclavage au Brésil, citada, pág. 18. Cf. Boletim do .Archivo Municipal de Curityba, Vol. V,
(16)
(14) Cf. Joaquim Nabuco, O Abolicionri.smo, Discursos e Con- Typ. e Lith. a vapor "Impressora Paranaense", Curityba, 1908,
pág. 11.
ferências Abolicionistas, citada, pág. 100. ,
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População da Paróquia de Curitiba (1 7) População do Paraná ( 19)


1800 13 74

Brancos . ................ . ........... . 2. 113 Livres Escravos


Negros livres .... . ...... .. ........ .. . 58
Mulatos livres . . . .. . .. . . . ............ . 1 . 278 Brancos ... . .. .... . . .. . . 69 . 098
Negros escravos .. . ....... . . . . . ..... .. . 473 Caboclos ...... .. . .. . .. . 9 . 081
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Mulatos escravos ....... . . . .......... . 203 Pardos 30 . 636 4 . 109
,
Negros ........ .. .. . .. . . 6 . 741 6.451
! T ot a1 . .... .... .............. .. .... 4 . 125

Logo após a abolição, em 1890, quando o fluxo imigratório


Em meados do século XIX, contudo, a população negra e europeu já está produzindo resultados também nos índices de cres·
parda de Curitiba e do Paraná começa a decrescer percentual- cimento vegetativo dos brancos, os mulatos mantêm a sua parti-
mente. Em fins da primeira metade do século, como já vimos, cipação na população da Paróquia de Curitiba com 12% do
o afluxo de brancos europeus já se faz presente. .E, a partir total, ao · lado de 5 % de caboclos e 4 % de negros ( 20).
da instalação da Província do Paraná, uma política imigratóiia
O crescimento da população mestiça em uma comunidade
cada vez mais decidida começa a produzir resultados. Mas não
apoiada na utilização da fôrça de trabalho escravo, suprida por
deixa . de ser significativa a . participação do mulato livre na po·
negros, não é um fenômeno que tem expressão apenas quantita·
pulação local. Em 1854, os negros e pardos de Cmitiba alcançam tiva. A partir de um dado momento, os mulatos serão um grupo
30% do total, dos quais 20% são mulatos e somente 8%, espe· presente · em muitos setores da sociedade, exercendo, apenas com
cialmente negros, são escravos (1 8). Em 1874, quando já é, sua presença social, efeitos que escapam aos interêsses ligados
grande a influência do contingente de europeus imigrados, pois à preservação do regime. O mestiço é, nessa situação, um pro·
a população passa de 62. 258, em 1854, para 126. 722, naquela . duto social qualitativamente diverso dos que o geram, negando-os.
data, os mulatos livres perfazem cêrca de 25% dos habitantes da Por isso é que podemos dizer que a . escravatura levou no seu
Província, continuando ainda os pardos escravos com 40% do bôjo, entre outros fatôres dinâmicos, o híbrido do branco e
total dos cativos. negro, do escravo e senhor. O mulato será, com o correr dos
anos, um dos elementos destinados a afetar os suportes morais
do regime. Por um lado, as dificuldades de ajustamento econô·
(17) Cf. Mappa dos IlabUantes, que existem na Parochia da
mico e social produtivo e condizente com as exigências da escra-
Villa de Coritiba em o anno de 1800, MS, Departamento do Arquivo .. ". ..
do Estado de São Paulo, T. C., 1800-1804, População, Curitiba, ~ •I '·*·*
Paraná, Caixa 207. Um recenseamento de 1830, tomando por base ·
uma unidade administrativa mais ampla, definida como jurisdição (19) Cf. Relatório com que o excellentissimo senhor doutor
das "Ordenanças da Villa de Curitiba", registra: 8.458 brancos, Frederico José Cardoso de Araujo Abranches abriu a 1• sessão da
221 negros livres, 3. 746 pardos livres, 1.076 negros escravos e · 11• Legislatura da Assembléa Legislativa Provincial, no dia 15 de
691 pardos escravos, totalizando 14.192 habitantes. (Cf. Mappa fevereiro de 1874, Typographia da Viuva Lopes, Curityba, 1874,
Geral das Or denanças da Villa de Curitiba, anno de 1830, MS, De·
págs. 28-29. Se levarmos em conta as dificuldades conhecidas para
a classificação censitária dos indivíduos segundo a côr, poderemos
partamento do Arquivo do Estado de S. Paulo, T. I. 1828-1830, considerar que o grupo caboclo reúne não sõmente indivíduos mes-
População, Curitiba, Paraná, Caixa 213.) tiços de indios e brancos como também mulatos que se confundem
iij'
(18) Cf. Documentos a que se refere o Relatório do Presidente com aquêles.
da Província do Paranã, Zacarias de Góes e. Vasconcellos, na aber- (20) Cf. Sex o, Raça e Estado Civil, Nacionalidade, Filiaçao,
tura da Assembléa Legislativa Provincial, em l ã de julho de 1854; Oulto e Analphabetismo da PopulaçtLo Recenseada em 31 de De-
Typ. Paranaense de C. M. Lopes, Curitiba, 1854, Mappa N. 14. zembro de 1890, citada, págs. 90-91.
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vidão ser~ o . cada vez maiores. Por outro, o pardo é uma expres- princípi o -lo século XVIII, como se observa, o mulato já é uma
são real das contradições entre valores universais da cultura e categoria social em crise de ajustamento, pois que o sistema
o comportamento efetivo dos brancos, especialmente os senhores. econômico-social não está em condições de absorvê-lo satisfato·
A simples presença do híbrido evidencia as contradições entre riamente. Além disso, o próprio pardo luta por definir-se como
as avaliações cristãs das relações sex uais, do respeito à pessoa, trabalhador livre. Mesmo livre, êle é igualado aos outros mem-
especialmente a criança, e a realidade histórico-social e humana. brs da camada inferior da sociedade, marcado racial e socialmente.
Todavia, levando consigo atributos nega tivos do regime, o mulato "Seria utilicimo que os Ouvidores nos taes cazos pudessem com
não deixa de carregar também as avaliações negativas que a 0 G.or e Juiz de Fora sem appelaçam nem agrravo - sentenciar
sociedade branca atribui aos negros e mestiços, escravos ou livres. á morte, os escravos e Indios, mulatos e bastardos, ainda que
O pardo livre será considerado entre outras coisas, "insolente", forros, que estes heram os mais insolentes ... " ( 25) . Eis aí como
lo ~-i ou então, "produto inferior" das duas raças. Como diz um po. é criado o mulato; ou melhor, como a sociedade escravista, fazen :h
)
lítico paranaense do século XIX, até à Europa já haviam chegado gerar o mulato, que a contradiz, gera também os fatôres do seu
essas expressões ideológicas. Um j ornai europeu, diz Jesuíno Mar- contrôle. Os estereótipos, o código de etiquêtas etc., que o mund o
condes de Oliveira e Sá, lastimando-o, afirma que "somos uma escravocrata elaborou, passarn a fazer parte do próprio pardo, da
raça bastarda de mestiços, cobarde incapaz de conquistar a libe-r- mesma forma que a sociedade que produziu o escravo vai gerar
dade" ( 21). Todavia, se neste ponto procura rejeitar essas for- o negro. Mas nem por isso o pardo perderá suas_ significações
mulações, em outra ocasião é êle mesmo que as manifesta, ainda dinâmicas, contraditórias com a ordem social existente. A medida
que de maneira não totalmente explícita. Os Sertões, diz, é que vai participando das ocupações ligadas ao mundo urbano,
"livro de alto valor historico e scientifico, sobre climas e costumes êle toma consciência da necessidade de branquear-se ainda mais
do Brasil, dando uma idéa da admiravel energia da nossa raça, ou éntão libertar os membros cativos do seu grupo. Essas são
tão mesclada ainda" (22). Assim, o mulato é agora uma expres- as alternativas limites que a situação lhe oferece e possibilita:
são negativa naquele mundo social. As avaliações correntes sôbre ou branquear-se socialmente, exercendo ocupações intelectuais
êle, já no período escravagista, são expressões de uma ideologia não braçais, e aproximando-se dos círculos de convivência social
restritiva de brancos contra não brancos. Em 1728, quando "brancos"; ou definir-se politicamente como membros do grupo
precisava ser nomeado um mulato pa ra comandar a "ordenança oprimido, lutando, em conseqüência, pela abolição do regime.
dos homens pardos da villa de Corityba", o registro do ato assinala Nesse sentido é que o híbrido do escravo e senhor é um produto
que se trata de "homem pardo", mas de "comfiança", e pede ativo, efeito social cumulativo que vem atuar sôbre as condições
que "os Seus officiais e soldados lhe obedeçam cumprão e que o elaboraram. O mulato é, por isso, um produto dialético,
goardem suas ordens de palavras e por escrip.to ... " (23). No negação do escravo e do senhor, e, em decorrência, um dos
ano seguinte um têrmo de vereança registra a demissão de um agentes de destruição da escravatura. Como categoria que resulta
escrivão da Câmara Municipal de Curitiba onde se alega a côr da interação dos extremos assimétricos da ordem vigente, das
para justificá-la. "E as mas causas que p.a isso ouve he dizerçe .........,;:,;,t ......:íó contradições internas inerentes ao sistema, êle é um dos seus
publicam. te que o dito Thomé Pacheco h e mulato ... " ( 24). Em fatôres de solapamento. No seio do processo de miscigenação,
·com seus efeitos cumulativos reflexos, o pardo é, por sua ·vez, um
(21) Cf. Moysés Marcon.des, op. cit., pág. 116. agente desagregador.
(22) Idem, pág. 1956. Em outros têrmos, o mestiçamento é um processo demográfico
{23) Cf. "Registro de hua patente de Cap.m de ordenanças e social que exerce efeitos sociais dinâmicos na medida em que
de Guilherme Nogueira Passos", in Boletim do Archivo Municipal assume significação ao nível da estrutura social. Conforme
de Curityba, Vol. IX, Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs. 41-42.
(24) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. XI,
já o compreendeu Couty, o cruzamento entre escravos e brancos
Impressora Paranaense, Curityba, 1924, pág. 63. O mesmo inci-
dente. é consignado por Francisco Negrão, "Efemérides Parana-
enses", Revista do Circulo de Estudos "Bandeirantes", tomo II, N 9 (25) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. XI,
4, Curitiba, Setembro de 1949, págs. 459-512; referência à pág. 502. ,
Impressora Paranaense, Curityba, 1924, pág. 37.

196 197
é um mecanismo emancipador, ainda que de resultados lentos fe 11 tação divergente do comportamento. Além disso, êle pode ser
restritos ( 26). Como os indivíduos que se cruzam pertencem e envolvido, como efetivamente o é, por grupos sociais ou condições
categorias sociais distintas, encontram-se em posições sociais hie-. de convivência que alteram · a sua experiência social e psicológica,
rarquizadas, como um é submisso e propriedade do outro é - afetando o seu discernimento das próprias condições. Neste mo-
natural e inevitável que o fenômeno produza repercussões sociais mento êle pode adquirir a consciência, ainda que difusa, insufi-
dinâmicas sôbre as próprias condições que o geraram. O con- ciente, não estruturada, do seu estado de alienação. Da~ o
tingente de mulatos livres, que se dispersavam pela comunidade comportamento . definido pelos proprietários de mancípios como
na vigência do regime, operou como um efeito reflexo da escra- divergente e susceptível de sanções mais ou menos drásticas.
vatura sôbre o sistema s~cial. Compo~ta~do-se como cidadãos, As múltiplas formas assumidas pelas reações dos escravos
como trab~lhadore~ em d1versas , espec1ahdades, _asce~dendo na às condições de vida propiciadas pelo regime refletem contradições
escala social, p_roJetando-se tambem em ocupaçoes ~ntele~tuais inerentes aos componentes do sistema, além . de denunciarem as-
reservadas anterw_rment~ ~penas aos brancos,_ os m:shços 1mpu- """ ectos dinâmicos do próprio sistema. Independentemente da cons-
seram, por seu mtermedw, uma representaçao soc1al nova do · P.. ·a que os suJ· eitos (brancos ou neo-ros e mulatos) tinham
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d • · - d cnenc1 0
negro, negan o com seus propnos atos a concepçao e que se das condições e dos efeitos daquelas alternativas de canalização
t~a!~ de_ membros }e uma "raça inferior", incompatível com a das tensões, o fato é que as fugas, revoltas, homicídios, suicídios
ClVIhzaçao "branca . __,_ -..,concorreram para o so1apamento d as h ases sociais · · · e morais · .. d o
. . _ . . ~- regime. As formas extremas de comportamento divergente assu-
3. EjeLtos cumulatwos das tensoes socwls --~~... ·!.... roidas pelos cativos exerceram efeito dinâmico em determinadas
· - d h lh d d · , . ~ áreas do sistema, ampliando-se dêsse modo as condições que,
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· -escravizaçao
d · d" 'd
o tra a a or pro uzm necessanamente a po
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ao la o dos enomenos Ja aponta os, un amentaram o processo
Ianzaçao os In IVI uos em ois conJuntos opostos pe a posição b . · · t - d · -
· · I E . . . . ..,- a o1ICioms a e a preparaçao a emancipaçao.
que ocupavam no sistema socia . ssa ass1metna 1mp11cava, por ·.· • A " • , • ,

sua vez, em mecanismos particulares de socialização, associados _ Segundo se depreende dos termos de um registro , J a em
a valores sócio-culturais distintos, em normas de comportamento ~~- 1736 as fugas dos escravos das faisqueiras preocupavam tanto
substancialmente diversas etc. Nesse contexto, as flutuações do ~ ;= . · aos seus proprietários como aos prepostos da Metrópole, esta
comportamento dos sujeitos envolvidos alcançaram os limites proi- ~ ··: ,-,· '" interessada na cobrança dos quintos reais por pessoa (escravo,
bidos pelos mores. Em casos extremos, produziram-se maus tratos .-.-. ·rt: administrado, livre) ocupada na mineração (27). Mas nessa época
por parte de senhores e insubordinações de mancípios, estas ex- _. ~-~ If ; a evasão de escravos ou administrados encontrava tênue reper-
pressas em roubos, f~gas, revoltas, ho~icídios, suicídios. Assim, ·~ ~i: cussão além do círculo dos sujeit~s diretan:ente interessados. As
os comportamentos divergentes dos cativos, produzidos por desa- L . ·* fugas eram um dos resultados da madequaçao do comportamento
justadamentos com relação às normas estabelecidas ou às expec- ~. do senhor, capataz ou escravo. Maus tratos, trabalho excessivo,
-H~t-• .....
tativas dos seus proprietários, operaram como válvulas de relaxa- .- /ti< penoso, ou outros fatôres poderiam levar àquela solução. No
mento das tensões sociais inerentes ao sistema e que não encon- , mais, tudo permanecia segundo os fundamentos do regime vigente.
;iii ~
travam ~ossibilidad_es de cana~ização construtiva, . ~esmo . porque ---~ Ocorre, entretanto, que os acontecimentos sociais possuem
a ab~orça_o construtiva d_as tensoes depende de cond1çoes adJacentes : propriedade de conservar ou desenvolver suas potencialidades
que 1mphcam na atuaça_o tanto do ~enhor, ou seu~ prep~stos, e·..;.; . :::· ...-.-.dinâmicas, ou em si mesmos ou repercutindo recorrentemente em
os escravos, como tambem de mecamsmos ou canais sanciOnados " • ~ outros fenômenos. Além disso, as fugas não eram as únicas
pelo grupo. mam'festaçoes - ·
mcon formistas
· dos manc1p10s.
• · A s contra d'Içoes
- entre
A socialização insuficiente ou inadequada do escravo, · .. o estado escravo e as potencialidades da pessoa do cativo produ-
quanto cativo, é, de um lado, um aspecto decisivo para a mani-

(27) Veja-se Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol.


(26) Cf. Louis Couty, L'Esclavage au Brésil, citada, pág. 24.
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Livraria Mundial, Curityba, 1924, págs. 29-30.

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ziram continuamente comportamentos divergentes. Algumas vê:r.es Pouco a pouco os senhores percebem os efeitos desagregadores
os próprios senhores eram vítimas dos escravos, como atesta 0 das ações inesperadas e não desejadas de seus escravos. Em
ouvidor Pardinho, em 1721, lastimando homicídios de cativos que 1746 um alvará real estipnla que "os Negros que forem achados
assassinaram seus donos. "Tem elle Ouv.or Geral visto o absurdo em Quilombos, estando nelles voluntariamente se lhes ponha com
de se matarem na m.ma cadea alguns escravos que nella estavam, fogo hua marca em huma das espaduas com a letra F, e sendo
por matarem a seus proprios Senhores ... " ( 28). Por mãos da. achado com esta marca se lhe corte hua orelha sem mais pro-
queles que eram os seus instrumentos, os mortos exterminaram cesso que a notoriedade do fa cto" (3.0). No mesmo ano uma
os próprios homicidas. "Carta do Exm.o Snr. General" dá instruções para o cumprimento
Mas os mancípios não se detêm nessas soluções; fogem e daquelas determinações em Curitiba e Campos Gerais. Manda
aquilombam-se, encontrando uma libertação precária, às v~s que se faça do "Charimbo de ferro com a letra F" aos "negros
fatal. Organizados em pequenas comunidades fundadas em eco- que aquilombados e vadios andam vagando pellos Campos e matos
nomia de subsistência, os fugitivos da escravidão desfrutavam desses districtos ... "; e acrescenta , instruindo aos capitães-do-mato,
a totalidade do produto do próprio trabalho, sem as intervenções que "atirem e matem" ( 31). Em fins do século XVIII, um têrmo
e apropriações dos seus proprietários ou prepostos. Como assi- de vereança registra quilombos nos Campos Gerais e trata da
nala Ermelino de Leão, "em 1739, existiu um quilombo nos nomeação de capitães-do-mato (32). Conforme registra Vieira dos
Campos Geraes, cujos negros commetiam frequentes razias, matando Santos, em 1757, na área de Curitiba, mandava-se "prender a
e assaltando os viandantes./Nesse anno uma das victimas foi Fran- hum Francisco Martins · Lustoza que morava no descoberto novo
cisco de Almeida, de quem roubaram 200$000, um muleque e das minas de Ouro lugar chamado a Pedra Branca onde se
toda a roupa que levava./ Os moradores dos Campos Geraes repre- achava acantonado com muitos aggregados Criminozos; e calham-
sentaram a camara pedindo providencias. A 16 "de Maio os bolas; ... " ( 3 3) . Em meados da terceira década do século XIX,
vereadores concederam licença a Francisco de Almeida para que 0 litoral e o planalto foram alertados por notícias de uma ameaça

fosse, com a gente que lhe parecesse, paga a sua custa, dar de sublevação de escravos em grandes proporções. As informa·
combates aos calhambolas" ( 29). É necessário acrescentar que ções fornecidas por Vieira dos Santos, que faz o relato, não
ficava reservado a Francisco de Almeida a plena posse do espólio esclarecem se houve apenas ameaças, uma insurreição frustrada
dos vencidos, em caso de vitória. Repetem-se as alusões a qui- ou se se tratava de temores infundados. "Em fins de Dezembro
lombos, formados por negros fugidos de fazendas, da mineração, 1825 surgiu hua noticia de que os Escravos captivos pertendião
dos serviços domésticos, .das atividades agrícolas ou artesanais etc. fazer huma insurreição Geral e levantamento contra os brancos,
e logo as Auctoridades locaes, tanto de Paranaguá como as
demais Villas derão as nesseçarias providençias em rondas diurnas
(28) Cf. "Autos de Provimentos de Correição do Ouvidor Ra- e nocturnas, prendendo e castigando com açoites aquelles que se
phael Pires Pardinho, Corregedor das Villas do Sul", in Boletim
do Archivo Municipal de Curityba, Vol. VIII, Livraria Mundial,
Curityba, 1924, provimento n. 82, pág. 28. Veja-se também, do (30) Cf. "Registro de hum Alvara de sua Magestade que
mesmo Ouvidor Pardinho, "Treslado dos Capítulos de Correição Deus goarde a Respeito de negros ·fugidos e que andam em Qui·
'lesta Villa de Nossa Senhora do Rosario de Pernagua este anno lombos", transcrito em Boletim do Archivo Municipal de Curityba,
de 1721", transcrito em Documentos para a História do Paraná,
Recolhidos e Annotados por Moysés Marcondes, 1• Série, Typogra- Vol. XI, Impressora Paranaense, Curityba, 1924, págs. 56-58; citação
phia do Annuario do Brasil, Rio de Janeiro, 1923, págs. 26-154, extraida da pág. 57.
conforme provimento n. 128, pág. 99. Em "Carta do Ouvidor Geral (31) Cf. "Registro de hua Carta do Exm.o Snr. General",
Raphael Pires Pardinho", transcrita também nessa obra, às páginas transcrito em Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. XII,
18-26, encontra-se outra referência ao mesmo assunto: "dous es- _ Impressora Paranaense, Curityba, 1925, págs. 5-6; citação da pág. 5.
cravos, que estavão prezos por matarem a seos proprios senhores, (32) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol.
cujos parentes á cadeia os forão mattar ... " ( cf. pág. 24). XXXI, Impressora Paranaense, Curityba, 1927, págs. 89-90.
(29) Cf. "Negros Fugidos", verbête do Diccionario Historico (33) Cf. Antônio Vieira dos Santos, Memórias Históricas da
e Geographico do Paraná, de Ermelino de Leão, Vol. IV, Fascículo Cidade de Paranaguá e seu Município, 2 vols., edição do Museu
I, Curityba, 1929, pág. 1376. Paranaense, Curitiba, 1951, 1 • volume, pág. 372.
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200 201
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~ prendião em ajuntamentos ou em alta noi te" ( 34). O grau de -- Antonio Fidencio de Souza Pontee, um escravo crioulo, de nome
l
~l:j; .1:
manifestação da revolta possui naturalmente significação para 8 - 'fhomé, alto, peitos largos, cintura fina, pernas finas, pés grandes, 1
I
análise. Todavia, mesmo como expressão de temores infundados --...-L.e · D. Catharina poderá informar melhor de sua physionomia;

t~:
ela exprime perfeitamente um estado bastante tenso das relaçõe: (Juem o entregar a Irineo Gonçalves Guimarães receberá 50$000 .j
entre escravos e senhores. Apesar de que os documentos não de gratificação" ( 36) . Também das fazendas de gado fugiam
li informam as causas da insurreição - e por razões óbvias não escravos peões, pois que peões eram cativos. "Fugiu no dia
j!l l!il
informariam - a simples referência não deixa de exprimir mani. .20 do corrente do quarteirão do Barro Branco, districto de
festações das tensões inerentes às condições econômico-sociais de Votuverava, um escravo de nome Manoel, pertencente a João da
convivência. . Costa Rosa./Tem côr parda, estatura regular, 19 a 20 annos de

1:'"
idade, cabello corridio, olhos grandes e vivos; foi este escravo
À medida que se vão alterando os requisitos básicos do
pertencente a Sr. Ildefonso Marques dos Santos. Evadiu-se mon·
regime, o que se revda de modo cada vez mais claro a partir
>tado em um macho vermelho, sellado com sella antiga./Quem ·o
de meados do século XIX, sucedem-se manifestações divergentes
·apprehender e entregar nesta capital ao Sr. João Baptista Ribeiro,

l
i' dG comportamento do mancípio. Escravos de tôdas as categorias,
! "'·' será gratificado com 50$000./Proceder-se-ha com todo o rigor da
dos domésticos aos peões, aventuram-se às fugas. Independente-
lei contra quem o tiver acoutado. Curityba, 24 de Fevereiro
)l
mente do tratamento dispensado pelo senhor, êles começam a
de 1872" ( 37). As informações relativas às fugas das fazendas 'l.g
discernir e a desejar ou realizar a fuga, ou outros comportamentos
:I denotam um tratamento dispensado · ao escravo que não é tão
não s(lncionados. Os maus tratos são apenas uma das variáveis
benevole.nte como se infere das reflexões de Couty. "Não posso ,;~
que caracterizam a condição escrava. No capítulo anterior fica-
considerar escravos, diz êle, os campeiros do Rio Grande ou
ram evidenciados os requisitos inerentes ao regime, isto é, . os
do Paraná, que vivem a seu gôsto nas estâncias afastadas, onde
fatôres responsáveis também pelas tensões naturais entre o escravo
e o senhor. Por isso, o tratamento agressivo pode não ser 0 senhor não comparece senão em raros intervalos, e dirigem
êles mesmos tôda uma "emprêsa", onde geralmente possuem taro·
decisivo. Além disso, como foi evidenciado, na segunda metade
do século entram em jôgo novos fatôres, precipitando-se o pro- bém grande parcela do gado" (38). Evidentemente êle não se
cesso de desagregação do escravismo. Conforme se lê em uma refere a todos os escravos da estância, mas talvez apenas àqueles
edição de O Dezenove de Dezernbro de 1856, que noticia também que se encontram na condição de capatazes, pois são êstes que
fugas de cativos, "fugiu, no dia 24 de Março p. p., a preta podem tornar-se proprietários de uma percentagem da criação,
1
Martha, pertencente a Rodrigo José Fernandes,, tendo os signaes como recurso indireto de contrôle da sua atividade de líder do l

seguintes: - fula, papuda, gorda, tem um signal no braço es· grupo dos peões. Além disso, é necessário ponderar que Couty .l
iii i querdo. Quem a entregar na rua Fechada n. 7 será gratificado;
e protesta-se com todo o rigor da lei contra quem a tiver acou·
tada" (35). Outro anúncio, em lugar de ameaçar eventuais apro·
........ ..~
exprimia-se
mento,
segundo
negros
a
o
ainda
tendo
situação
autor
em
dos
vista, como elemento básico do seu pensa·

francês
efetivamente
escravos dos cafezais paulistas, pois êstes,
escreve na mesma obra, são os únicos
escravos (39). Mas não eram somente
l
l
-
veitadores, oferece gratificação monetária precisa: "Fugiu, de
I
(34) Cf. A. Vieira dos Santos, op. cit., 1• vol., págs. 386-388; (36) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno III, N• 43, Curitiba,
citação · extraída da pág. 386. Em outra obra o mesmo autor 21-1-1857, pág. 4.
volta ao acontecimento relatado nestes têrmos: "Desconfianças que ---< ~
houverão de que no dia 10 de Janeiro deste anno ( 1826), se havião (37) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno XIX, N• 1280, Curi-
!i de insurgir os Escravos captivos em Marretes e Paranaguá . .. " tyba, 28-2-1872, pág. 4. Anúncios como êsse repetem-se no refe-
! (Cf. Antônio Vieira dos Santos, Memó1-ias Historica, Chronol6gica rido jornal em tôrno dessa data. Veja-se: O Dezenove de Dezembro,
I
Topographica, e Descriptiva da Villa de Morretes e do Porto Real, ;; ·w Anno XVIII, N• 1192, de 15-4-1871, pág. 4; idem, idem, n• 1248, 1-11-
ll ' vulgarmente Porto de Cima, edição do Museu Paranaense, Curitiba, -1871, pág. 4; idem, n• 1262, 23-12-1871, pág. 4; idem, Anno XIX,
l,:jj,
) 1950, tomo 1•, pág. 134). n• 1271, 27-1-1872, pág. 4.
(35) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno III, N9 1, Curitiba, (38) Cf. Louis Couty, L'Esclavage au Brésil, citada, pág. 24.
I
I
I
2-4-1856, pág. 4.
,
(39) Ibidem, pág. 25.
)

I 202 203
I
l
adultos do sexo masculino e feminino que tentavam evadir-se sociais inerentes ao regime acabaram . produzindo. Os próprios
àquelas condições de vida. Uma notícia de 1872 revela a fuaa brancos começaram a ver claro a partir de certo momento. Em
de um menor, sem informar as · razões da evasão. "Fugiu ha quando se acelerava o processo em curso, afirma-se em
8 mezes, mais ou menos, o escravo Antonio de 12 para 13 annos Curitiba: "Não são raras, antes constantes e assíduas, as queixas
de idade. É de cor entre fula e preta; cabello não muito grenho que tenho recebido sobre castigos immoderados impostos aos
corpo franzino. / Supõe-se que ten ha ido para os Campos-Geraes: escravos./ Ao conhecimento da autoridade chegão os delictos mais
/ Gratifica-se com 100$000 rs. a quem o trouxer a seu senhor notaveis perpetrados por esses infelizes, aquem a lei nega o direito
Alfredo Caetano Munhós. Curityba, 9 de Janeiro de 1872" (40}. ~ de legitima defeza./São frequentes os assassinatos, as tentativas
Tôdas as subcategorias da casta escrava em dissolução são atin- de morte, os ferimentos que tem por autores os escravos. Impera
gidas pelo processo em curso. À medida que se rompem os a vindicta privada, áquem ou alem da gravidade da offensa" ( 42).
fundamentos cconômico-sociais do regime, também os imaturos f;stes são os têrmos fundamentais da questão: os maus tratos
tomam consciência, ainda que indiretamente, da condição escrava geram delitos que geram maus tratos, desenvolvendo-se progres-
e fogem. Ao consciencializar o estado escravo, o cativo deixa sivamente um círculo vicioso cumulativo, cujos efeitos imediatos
de sê-lo, mesmo que se preservem em sua personalidade sobre- podiam exprimir-se inclusive em mortes. Em conseqüência da
vivências da cultura escravista. natureza intrínseca dêsse processo, as fugas, homicídios, suicí-
dios etc. tiveram efeitos múltiplos sôbJ.1e a própria condição
O suicídio do cativo pode perfeitamente ser o resultado da
escrava, afetando a consciência coletiva, dos grupos brancos e
desorganização da personalidade, em conseqüência de fatôres que
não são retidos pelos documentos. Além disso, o estado de anomia negros. Os valores universais da cultura voltaram a operar sôbre
da personalidade não é um produto exclusivo do regime social. 0 comportamento e avaliações dos brancos, quando êsses mesmos
comportamentos e avaliações entram em discrepância excessiva ·com
A autodestruição de ~lguns mancípios, contudo, pode ter sido uma
êles. E as ações divergentes dos mancípios tiveram como um
solução extrema para as tensões psico-sociais produzidas no seio
dos seus efeitos atuar exatamente nesse sentido. Quando um chefe
do regime. Escravos houve que, provàvelmente em decorrência
de polícia provincial lastima que esteja imperando "a vindicta
de peculiaridades individuais associadas às sanções violentas a
privada" nas relações entre senhores e escravos, e que a êstes
que estavam sujeitos, optaram pelo suicídio como ato de completa "a lei nega o direito de legitima defeza", isto significa que a
alienação. Não encontrando ou não percebendo outras alterna· instituição está condenada e que os próprios beneficiários do
tivas para a canalização de suas insatisfações, decidiram-se pela trabalho escravo o reconhecem. Por isso a abolição não foi um
autodestruição. Como diz Rohan, em 1856: "Suicidou-se em Pal- processo catastrófico nem doloroso. Quando ela se dá, o sistema
meira um escravo de Tristão Cardoso de Menezes. Andava fugido econômico-social está em condições de recebê-la sem perturbações
e receiava ser açoitado pelo seu senhor. ( ... ) Suicidou-se em essenciais.
Campo Largo um escravo pertencente a Candido Gonçalves Cor-
deiro, por não querer servir a seu senhor" (41). Assim se vão Essas manifestações do comportamento dos escravos, pois,
no plano individual, a impossibilidade de preservação
destruindo ou modificando as condições morais necessárias à so-
social. É a crise da estrutura econômico-social que se
brevivência da instituição. O estado escravista pode controlar
sempre o escravo, indo inclusive buscá-lo nos quilombos recônditos,
manifesta no nível das ações humanas. À medida que o sistema
mas não conseguiu dominar os efeitos negativos que as tensões de castas. se deteriora, tornam-se inoperantes os mecanismos recor-
rentes, difusos ou organizados, de contrôle social dos cativos.
Além disso, perdem-se ou alteram-se as condições de socialização
( 40) Cf. O Dezenove de De?l:embro, Anno XIX, N° 1266, Curi· no seio dos grupos que compõem a casta. E essas duas ordens
tyba, 10-1-1872, pág. 4.
( 41) Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provin·
cial do Paraná, no dia to de Março de 1856, pelo vice-presidente ( 42) Cf. Relatório do chefe da Policia Carlos Augusto de
em exercício Henrique Beaurepaire Rohan, Typ. Paranaense de C. Carvalho ao presidente da Província do Paraná, Dr. Rodrigo
Martins Lopes, Curityba, 1856, págs. 4 e 7. Octavio de Oliveira Menezes, em 20-2-1879, pág. 9.
9

204 205
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de fatôres exercPm acentuados efeitos desorganizatórios sôbre que dá tôda a significação do comportamento do escravo
vida social. senhor na fase que antecede a abolição.

Por outro lado, também _na área dos bran~os alteram-se as A abolição como processo social
formas tradicionais de resoluçao dos problemas hgados aos escra-
vos. Formam-se grupos e tendências de opinião divergentes, 0 Considerado como movimento social organizado, o abolido-
! :;
que, se diminui a eficácia do contrôle dos senhores sôbre aquêles, . 0 é um fenômeno que se manifesta tardiamente em Curitiba.
acentua seu rigor: Como . diz Si~mt;l•, "se alguém se e~contra_.
totalmente submetido a diversos mdividuos ou grupos, Isto é,
ê 1
::o veremos nesta parte da exposição, so.mente nos últimos
s do regime é que se estrutura na comumdade uma corrente
sujeito de tal maneira que não possa ser espo~tâneo n:s relações, reo opinião, um movimento vigoroso, que alcança aos escr~vos
mas inteiramente dependente ~e_ cada su~no~; entao sofllerá; e ao presidente da Província, vereadores, ~ulheres, _ professore~,
duramente quando houver ·oposiçoes entre estes (43). No caso fissionais liberais, clérigos etc. Essa tardia eclosao do ab~h-
dos escravos, é tôda a casta que é submetida a técnicas mais rigo- , ~ J: p~onismo oraanizado em Curitiba não se deve a uma possJVel
rosas de dominação, ou às tradicionais aplicadas com maior rigor. As ... , -~ .... ciO acidade do reaime escravocrata, pois que o seu apogeu se
. • · e uisputas
d Ivergencias _)· entre os grupos b rancos 1·Iga d os a' escra- _·- :;:, ten ifestara em décadas° anteriores a l 850 , mas d eve-se, ao con-
vidão, ao trabalho livre, à colonização etc. agravam a condição ' ·; m~n. 0 à sua relativa inoperância como forma de utilização da
dos que_ ainda se encontram c~tivos .. ~aí os homicídios e suicí~ios; ~--. j :::;:; }~:~~ ' de trabalho, em conexão com · outi:as ordens de fat~res
expressoes extremas das tensoes sociais a que estavam submetidos .;. - ' : · - - minados em paráarafos anteriores. Havia, por um lado, mte·
vez mais restritos 1iga d os a' escravi·a-ao,
!, - ·!l~i

brancos e negros. Corno os cativos, · - d e N a h uco, - "::· :_.· exa


na expressao ·sses econômicos cada o
"não podem. t~r consciênci~, ou:, . te~?o-a,_ não podem reclamar, · · .\ :e que tornava a eventualidade da aboliç~o uma medida. sem
pela morte CIVIl a que estao SUJeitos ( 44); resta-lhes o compor- - nseqüências danosas. Desde meados do seculo, a economia. ex-
l.
J
tamento "divergente", que não deve nestes casos ser considerado . ;l co ndia-se e diversificava-se, apoiada na fôrça de trabalho hvre,
t um produto de socialização inadequada ou insuficiente, mas o \ ~ panforme êste se estendia especialmente com os desenvolvimentos
i
resultado irrecorrível. da nova ~ituação em. que são envolvi~os. ; :'~ ., ~: colonização européia. Por outr~ lado, o ambiente em urb.a-
Mesmo o escravo CUJa per~onahdade ~er-se:Ia est~uturado satisfa- : .;: · • nização, se possibilitava a formaçao de um grup? d~ profi~­
tõriamente pode ser compehdo, pela sJtuaçao social emergente, a • l :, ·o na is liberais relativamente desvinculados dos mteresses h-
orientar o seu comportamento segundo outras expectativas ou · ~ ~- ~ s~dos à escrav~tura, não permita o seu crescimento rápido, de
.'I

auto-avaliações. É que as tensões a que são submetidos os indi- -;,;..i?, '" ~odo a transformá-lo em uma fôrça polítiCa atuante e indepen-
víduos, considerados isoladamente como nos casos examinados, -.!!'";- :~ · dente dos escravistas. Foi em parte estimulada por eleme~tos
i estão além das possibilidades de contrôle ou domínio, por cativos -· ~ ,:_,. alheios (militares, as manifestações da campanha aboliciomsta
li ou senhores. Ainda que adquiram consciência da situação, o · • :-: desenvolvida no Rio de Janeiro e em São Paulo etc.) que a comu-
~~ comportamento de uns e outros somente pode manifestar-se em --~ }:;. nidade começou a organizar um movimento abolicionista atuante,
...I '''"" ?
cons~nância co~ as possibilidades e o_sentido geral das transf~r::- ~, ._ liderado por políticos, literatos,. , militares. E ~o ~oment~ em
maçoes _da so~Ie~ade global, on~e ~ao dt;flagradas as_ tensoes :j ; : :. . _ que se estruturou, como eram J& escas~os os mter:sses hga?~s
" que esta o expnmmdo a desorgamzaçao social ( 45). É este con---: · · ao reaime vincularam-se a êle professores, comerciantes, clen-
gos etc. 0 '
Tanto c·
o presidente da Província como a ama~a M u~I: ·
cipal de Curitiba manifestam-se abertamente. A comumdade Ja
( 43) Cf. The Sociology of Georg Simmel) translated
edited and with an introduction by Kurt H. Wolff, The
Press, Glencoe, Illinois, 1950, pág. 229.
(44) Cf. Joaquim Nabuco, O Abolicionismo. Discursos e ou ieja, em contradição com as exigências do todo. A tensão
ferências Abolicionistas) citada, pág. 19. social é um fenômeno resultante da dinâmica interna do sistema,
( 45) Entendemos que tensão social é um estado de interaçã.o em seu todo ou em suas partes e, a partir de certo ponto, passa
social em que os componentes de um sistema social (personalidade, a fazer parte ativa da situação ou proc~sso em curso, interferindo
grupo, instituição etc.) encontram-se em ajustamento imperfeito, em seu desenvolver num ou outro sentido.
9

207
206
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·'.~c~ se encontrava de tal maneira apoiada no trabalho livre, que a · Terá sido por êsse motivo que um italiano da comunidade, como
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maioria dos grupos sociais pôde representar-se n o movimento. - representante do seu grupo, participa da "passeiata cívica" reali-
j
,I;
Aliás, · o abolicionismo foi utilizado, nessas condições, como um -
recurso de redefinição social do trabalho produtivo, que se en-
zada na data da instalação da Confederação Abolicionista Parana-
ense. Como registra uma reportagem de j ornai curitibano da
contrava identificado com atividade inferior, desprezíveL O pro- época, "um cidad ão, italiano orou então em nome da colonia
~~ cesso de reabilitação da fôrça de trabalho, iniciado especialmente . italiana aqui residente, e, em palavras resentidas da maior adhesão
com a entrada de imigrantes lavradores, artesãos etc. teve no ao abolicionismo, saudou a Confederação" ( 48) . Essa é provà-
movimento abolicionista uma das suas expressões extremas, des- velmente a feição mais peculiar do abolicionismo curitibano e
tinado que foi também a glorificar o "Paraná livre" que, como paranaense. Os trabalhadores livres queriam em parte redimir-se
o Ceará desde 1884, segundo se dizia, com a abolição iniciaria com a redenção do escravo. O trabalho livre, que já era o
nôvo surto de progresso, isto é, de utilização intensiva da fôrça de fundamento da vida das comunidades, precisava ser libertado
trabalho livre disponíveL Como diz um documento da Confede- dos entraves psico-sociais inerentes à persistência de um regime
ração Abolicionista Paranaense, fundada em 25 de março de 1888, agonizante.
e dirigido ao Presidente da Província do Paraná, "felizmente os
paranaenses não precizam do braço escravo para sustentar aquilo Mas a abolição não é um evento estritamente político, ainda
que lhes fornece a sua fonte de vida; é diminuta a escravatura tenha cristalizado como taL Trata-se de um processo
pelas fazendas; nos imos acostumando ··ao trabalho digno, do desenvolvia pouco a pouco no seio da sociedade escra-
homem livre; portanto, com a liberdade dos poucos escravos que - vocrata, como um dos seus produtos naturais. Muito tempo antes
há entre nós, não havendo abalo algum a temer, só temos a de organizar-se, já vinham operando fatôres internos e externos
lucrar nos vendo livres dessa instituição que tem envilecido os no sentido de destruir o regime. vigente. Alguns foram já exa-
nossos costumes e a nossa educação, que nos faz suspeitos . e minados. A colonização, a miscigenação, as alternativas diver-
isolados perante os póvos, que por tal modo nos embaraça que gentes dó comportamento dos escravos são fenômenos que atuaram
sem a sua extincção completa não poderão os brazileiros cuidar cumulativamente no sentido de produzir o solapamento da ordem
dos sérios interesses que clamam pela sua atenção e pelo seu escravista: ou são expressões ou são fatôres das transformações
patriotismo" ( 46). Aliás, no ano anterior, em discurso pronun- básicas que se vinham verificando na sociedade. Há, contudo,
ciado no Rio de Janeiro, o Conselheiro Manoel Francisco Correia, outros fenômenos e processos que atuaram no mesmo sentido de
segundo relata Valfrido Piloto, transcrevendo as suas palavras, destruir a sociedade escravocrata. Ligam-se de modo mais explí-
dizia que pràticamente "nenhuma fonte de riqueza repou.sa sôbre cito· ao processo que emergira e se estruturava de maneira im-
o trabalho escravo. A immigração forneceu braços para o mo- previsível· para muitos. As condições próprias de desenvolvimento
mento industrial e para o serviço doméstico. O desaparecimento do sistema social, bem como as suas vinculações com outros
da escravatura nenhum abalo econômico produzirá. Há um es· sistemas, dos quais muitas vêzes era elemento periférico, provo-
cravo para cem pessoas livres" ( 47) . Como se vê, com a abolição aparecimento de fatôres novos, que intervieram naquele
almeja-se redefinir e revalorizar determinados componentes do sentido. Fenômenos e condições exógenos e endógenos atuaram
sistema sócio-cultural, de modo a ajustá-los às condições emer· de modo a acelerar o processo em curso, produzindo um aboli-
gentes. Seguramente, extensos grupos da população encontravam· - cionismo peculiar em Curitiba. Examinaremos aqui alguns 'dos
se empenhados nesse processo, pois que êle implicava, ·ao mesmo mais relevantes. Algumas vêzes, contudo, a análise não poderá
tempo, a revalorização própria, isto é, do branco trabalhador. distinguir o que é devido a desenvolvimentos internos e externos.
Outras vêzes, ainda que distinto e delimitado inicialmente, não
se poderá acompanhar o seu comportamento no interior do pro-
( 46) Cf. Texto de oficio dirigido pela Confederação ao Pre-
sidente da Provincia do Paraná, transcrito em "Reportagem sôbre
o movimento abolicionista no Paraná", Paranistas, de Valfrido
Piloto, citada, págs. 47-112; citação extraida das págs. 71-72. ( 48) Cf. Reportagem extensa publicada pela "Gazeta Parana-
ense", de Curityba, em abril de 1888, e transcrita por Valfrido
( 47) Cf. Valfrido Piloto, op. cit., pág. 73. Piloto, op. cit., ,;ãg. 70.

208 a 209
cesso, tal o ?rau de_ absorção ~~lo . sistema sócio-~ultural inclusivo: ~~ .-.• ~ acredita que o tráfico perdurou ainda mais tempo, "pois ainda
Por consegumte, .ha urna sequencia de acontecimentos que pre- ~-=- '::': .!:..- ern 1861 o govêrno do Império, por denúncias levadas ao seu
cisam ser retidos neste ponto, pois que se ligam a condições - - .. · ""conhecimento, agia no sentido de extinguir o contrabando humano
que, ainda que aparentemente laterais ou tangenciais, atuaram em --·· ;,c- feito então pela barra do rio Superaguí, onde podiam entrar, até
maior ou menor grau no processo de dissolução da ordem escra. .~ 0 Guaraquessaba , embarcações até 200 toneladas". O comércio
vocrata. -~ ~ teria continuado, portanto, exatamente no litoral da Província
Já a legislação imperial, relativa ao tráfico de escravos, aos. · _ do Paraná (52!· Em verdade, al?~ma~ fontes regis_tram uma ;ea-
nascituros, aos sexagenários, à extinção gradual do regime, na tu.~ _ ção das autondad~s contra o trafico_ Ilegal de .a~ncanos na .a~ea
ralmente exerceu influências diversas no escravismo paranaense. paranaense a partir de 1831. A Camara Mumcipal_ de Cuntiba
É inegável que a lei de 4 de novembro de 1831, com a qual 1 "~ preocupou-se com o assunto, como revelam alguns~ termos , d_e ve-
o Brasil se comprometia a suspender o tráfico e declarava livres -~ \::C. reança. Em 1834 os vereadores recebem e debatem um oficiO do
os escravos entrados clandestinamente, passou a operar na cons- ..:_~ ~.; vice-presidente da Província de São Paulo, à qual se encontrava
ciência coletiva, denunciando continuamente a ilegitimidade da ...i i -jé·: subordinada a Co~arca de Curitiba. O doc~ento recomen~a
escravidão de africanos que continuaram a ser importados até ·~ '' ~ ".todo. o ze!~ e cmdado -sobre os pretos Af~I~a~o.~ que ten~~o
1850, quando se promulga a lei Euzébio de Queiroz, tida como ...2.~ ,2r_o. sido mtrudiz~dos po_r cont~~bando ?este MumcipiO (53). Abas,
o marco oficial da suspensão definitiva do tráfico ( 49). Os in- .· .'~ no ano antenor a Camara Ja se havia ocupado do mesmo assunto,
terêsses ligados ao comércio de escravos, no entanto, eram pode- ..:. .·::; ·~· .,. quando recebeu informações de desembarque de "africanos" na
rosos. Os capitais nêle invertidos e os lucros propiciados pelo -, -~ /•: "' costa (54 )·
tráfico levaram alguns a tentar a continuação das operações. Por i ;,.> Seja por causa das necessidades regionais de escravos, seja
isso, depois de 1850 ainda foram desembarcados africanos nas '! ;"'~; porque a marinha paranaense se tornara uma via de penetração
costas brasileiras. Segundo Duque-Estrada, "a abolição definitiva : i.r.
de africanos com destino aos cafezais paulistas, em ambos os
do trafico só se operou em 1853 ... " (50). Evaristo de Moraes, ; :' '1-'-~ ·casos, êsses acontecimentos fizeram entrar em ação os órgãos
no entanto, alega que "houve, até 1855, alguns casos vultosos ..,;, ?;! criados para executar as leis imperiais, o que tornava mais arris-
de importação de africanos" (51). Romário Martins, por sua vez, .=:.; ~~ cadas e condenadas as atividades ligadas ao comércio dos cativos.
Também a partir dêsse ângulo começam a ser solapadas as bases
I
( 49) A lei Euzébio de Queiroz é promulgada a 4 de setembro
do regime, pois que os próprios senhores, pela voz de seus repre-
de 1850. Dizia o "Art. 19 - As embarcações brasileiras encontra- sentantes no govêrno, aceitam o debate do assunto e, ao aceitá-lo,
das em qualquer parte, e as extrangeiras encontradas em portos admitem implicitamente a condenação próxima ou remota da
ou enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil tendo instituição.
a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7
de Novembro de 1831, ou havendo-os desembarcados, serão apre- O fato de Curitiba encontrar-se vinculada, s9b diversos as-
~~ ....~':'" endidas pelas autoridades ou navios de guerra brasileiros, e con- economia colonial, fêz com que ali repercutissem, em
sideradalil importadoras de escravos./Aquelas que não tiverem es-
cravos a bordo, nem os houverem recentemente desembarcado,
porem que se encontrarem com os sinais de se empregarem no ~:---;-- (52) Cf. Romário Martins, H istória do Paraná, 3• edição,
tráfico de escravos, serão igualmente apreendidas e consideradas ~.:::" r ~ EditOra Guaira Limitada, Curitiba, s. d., pág. 236.
/li em tentativas da importação proibida" (Cf. Transc_rição de Da~_d..;.o;:,;_ •. (53) Cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol.
'I Carneiro, A Historia do Incidente de Cormorant, Edição da Murucl-... ~ft. ·,;,- XLVII, Impressora Paranaense, Curityba, 1930, pág. 4.
palid~de de Parana~á, Curitiba, 1950, 1' Parte, págs. 38 - 41 ; citação .., -~i :~: (54) Cf. Bolet im do Archivo Municipal de Curityba, Vol.
extrruda das págs. 38-39). . . ..... ~ ~ ..;.. XLVI, Impressora Paranaense, Curityba, 1930, págs. 28 e 46. Ainda
(50) Cf. Osorio Duque-Estrada, A Abohção (Esbôço H.stó- __ i ~ · sObre 0 tráfico ilegal de africanos na área paranaense, veja-se:
rico), 1831-1888, Livraria EditOra Leite Ribeiro & Maurillo, Rio_.: i ~ Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. LV, Impressora
'!!:r
de Janeiro, 1918, pág. 42. j ..;;; Paranaense, Curityba, 1931, pág. 78; Antônio Vieira dos Santos,
(51) Cf. Evaristo de Moraes, A Escravidão Africana oo ~ :~. Memória Histórica da Cidade de Pamnaguá e seu Município, 2
Brasil (das origens à extinção), Companhia i:ditôra Nacional, ,.;,·~ ;.~ vols. edição do Museu Paranaense, Curitiba, 1952, 2 9 vol., págs. 218,
São Paulo, 1933, pág. 89. ·r · 222-234 e 328. 9

210 211
;;.:~'i: ::1

passamos a narrar, êsses fenômenos repercutem em gradações _._


maior ou menor grau, os processos que envolviam diretamente ._ diversas sôbre as comunidades brasileiras.
as áreas econômicas mais prósperas e ligadas ao comércio inter-
nacionaL Isto se evidencia em outros eventos que afetavam 0 O "incidente de Cormorant" é uma peça marcante da evo-
país como um todo. lução do regime escravocrata, não somente na s.a Comarca da
Província de São Paulo como também no país. Assinala com
Não interessa a esta monografia examinar as razões ec 0 .
nitidez um ponto de inflexão entre um ciclo plenamente escravista
nômicas e políticas que levaram a Inglaterra a atuar decisivamente
e a fase seguinte de desagregação. Ocorrido em junho de 1850,
sôbre o tráfico de escravos do Brasil com a África, provocando
0 incidente havido na Baía de Paranaguá com o cruzador Cormo-
a sua supressão, ou seja, o primeiro impacto de vulto sôbre
rant, da marinha inglêsa, deve ter exercido influência direta na
o regime escravista no território brasileiro. As relações do capi-
promulgação da lei Euzébio de Queiroz, de 4 de setembro do
talismo inglês com a escravatura, sob êsse aspecto, encontram-se
mesmo ano. Nessa época Paranaguá se tornara um entreposto
amplamente descritas na obra de Eric Williams, Capitalism & )
de alguma importância para os escravocratas. Aí os africanos
Slavery, que "é um estudo estritamente econômico do papel da
eram desembarcados e, em seguida, reembarcados para os locais
escravidão negra e do tráfico de escravos na criação de capitais
do território nacional _onde deveriam servir como escravos. Via-
que financiaram a Revolução Industrial na Inglaterra e do capi-
jando por terra ou por mar, depois de alcançada Paranaguá, os
talismo industrial maduro destruindo o sistema servil" (55) . A
negros não podiam mais ser apreendidos pelas autoridades brasi-
partir de um determinado momento, em fins do século· XVIII,
leiras ou pela marinha inglêsa encarregadas da repressã() ao
a Inglaterra começou - a lutar contra os monopólios típicos ao
sistema colonial vigente até aquela época. A própria indepen- tráfico, pois que passavam a ser dados pelos contrabandistas
dência do Brasil se liga sob certo aspecto à destruição do pac~o como escravos nacionais. Encobrindo-se a procedência africana
colonial (56). A dinâmica do sistema capitalista em expansão imediata, os negros podiam circular como cativos nacionais em
exigia mercados consumidores de produtos manufaturados e pro- trânsito. Referindo-se ao assunto, Kidder e Fletcher afirmam que
dutores de matéria-prima, os quais eram obstados até então pelas "Paranaguá foi antigamente um celebre ponto de reunião para
instituições mercantilistas que vinculavam as colônias direta e aventureiros de tôdas as nações empenhados no comércio de
1: ,.:;! exclusivamente às metrópoles. Todavia, o açúcar desempenhou um escravo; e quando o govêrno britânico, há alguns anos passados,
I I papel decisivo na política de repressão ao tráfico de escravos posta ordenou seus cruzadores que fizessem uma vigorosa demonstração
em prática e desenvolvida pela Inglaterra. Como diz Eric Wil- na costa brasileira, o "Cormorant", da Marinha Real, navegou
liams, "no século XIX o ambicioso plano britânico orientava-se por êsses canais, entrou no pôrto, e acabou um ninho inteiro
no sentido de tornar a Inglaterra o empório açucareiro mundial, de navios negreiros" (58). De fato, ao examinar o mesmo evento,
para dulcificar o chá e o café de todo o mundo, assim como Romário Martins assevera que "parece até, que foi depois da
no século XVIII a Revolução Industrial lhe havia permitido vestir proibição de 1831, que em Paranaguá tomou incremento o comér-
o mundo todo" (57). Como o revelam os acontecimentos que cio de escravos" (59). Daí o ataque do navio inglês, apresando

(55) Cf. Eric Williams, Capitalisrn & Slavery, The Universlty Janeiro, 1959, pág. 117). Um relato dos principais eventos ligados
of North Carolina Press, Chapei Hill, 1944, pág. VII. à repressão e extinção do tráfico é a.presentado por Mauríciq
(56) Veja-se Caio Pràdo Júnior, H·i stória Econôrnica do Bra- Goulart, em Escravidão Africana no Brasil (das origens à extinção
sil, 3• edição, Editõra Brasiliense Ltda., São Paulo, 1953, págs. do tráfico), 2• edição, Livraria Martins Editôra S/ A, São Paulo,
125-133. 1950, Cap. IV, págs. 219-263.
(57) Cf. .E ric Williams, op. cit., págs. 163-164. Como diz (58) Cf. D. P. Kidder & J. C. Fletcher, O Brasil e os Bra-
um economista brasileiro, o govêrno britânico " ... impulsionado sileiros (Esboço Historico e Descriptivo), 2 vols., tradução de Elias
pelos interêsses antilhanos que viam na persistência da escravatura Dolianíti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, Com-
brasileira o principal fator de depressão do mercado do açúcar, panhia Editôra Nacional, São Paulo, 1941, 2• vol., págs. 14-15.
usou inutilmente todos os meios a seu alcance para terminar com (59) Cf. Romario Martins, História · do Paraná, citada, pág.
o tráfico transatlântico de escravos" ( Cf. Celso Furtado, Forma- 234.
ção Económica do Brasil, Editôra Fundo de Cultura S. A., Rio de ~

212
213
bergantins nacionais ancorado11, "a titulo do trafico illicito da É inegável que a lei de 1871 foi uma ocorrência necessana
Escravatura", nos têrmos de Vieira dos Santos (60). A partir e ·positiva no processo da abolição. Ainda com seu caráter mis-
dêsse momento entra em fase descendente o escravismo na área ~......_ tificador, por não atender aos próprios desígnios propostos no

e no país. Inicia-se de forma organizada o processo imigratório Art. I. 0 ( 61), ela exerceu um efeito dinâmico no desenvolvimento J
da corrente social que levaria à abolição. Foi principalmente
e colonizador que permeará a ordem econômico-social, colab 0 •
um elemento ideológico atuante naquele sentido. Além disso,
rando nas transformações que se apresentam cada vez mais amplas.
apesar de que precàriamente, com ela interrompeu-se a outra
Nesse sentido, a dissolução da sociedade escravista é um fenô- fonte de suprimento de cativos. Vinte anos depois da extinção
meno cujos primórdios se fixam com nitidez por acontecimentos
tais como a "lei de terras" do govêrno imperial, a "lei Euzébio
do tráfico aplacava-se a sua pr9dução na própria área da escra-
varia. Todavia, nem a lei denominada popularmente "lei do ven- I
de Queiroz", a emancipação da s.a
Comarca da Província de tre livre", de 28 de setembro de 1871, escapou ao princípio legal ~
São Paulo, a expansão d~ economia ervateira, a · diversificação que reconhecia a condição- escrava ao filho de escrava. As
da estrutura econômica paranaense etc. Houve outros eventos, garantias dadas ao senhor eram tais que, como diz Osório Duque-
todavia, que tiveram efeitos mais acentuados e imediatos sôbre Estrada, criava-se "para os nascituros uma situação em tudo com-
a comunidade, na medida em que envolveram diretamente os . . parável á do captiveiro, até que attingissem a maioridade" ( 62).
,, próprios escravos e as suas relações com os brancos~ Encon- De fato, as formas estipuladas de indenização dos proprietários
li' tram-se nesse caso, como se verá a partir dêste ponto, a lei do de escravaria levaram necessàriamente à manutenção do ingênuo
,11, 1
"ventre livre", a luta armada cóm o Paraguai e a circulação em estado escravo até 21 anos. Como especifica o primeiro
das elites paranaenses. parágrafo do Art. 1. 0 , ao chegar aos 8 anos o filho da escrava,
"o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a
indenização de 600$, ou de utilisar-se dos serviços do menor
(60) O "incidente de Cormorant " ) ocorrido a 29 de junho de até a edade de vinte e um annos completos" ( 63). É ao senhor
1850, ocupou a atenção de alguns dos principais historiadores que cabe a decisão entre a recompensa monetária ou a utilização
paranaenses. A fonte fundamental para o seu exame, no entanto, da fôrça de trabalho por 13 anos. É evidente que a opção
continua sendo Vieira dos Santos, que faz circunstanciado relato depende da significação econômica, para o senhor, de uma ou
do acontecimento. Segundo informa, o comandante da nave inglêsa,
apoiado no "direito de visita e busca" estipulado pelo bill Aberdeen outra forma de pagamento. Mas a questão não se encerra nesse
(8-8-1845), manifestou-se do seguinte modo: "Venho a este porto ponto, se pensamos no filho da escrava. Na hipótese de o
arrestar as Embarcações que se empregão, e se tenhão empregado, senhor optar pelos "serviços do menor até a edade de vinte e

!
no trafico illicito da costa d' Africa autorisado por meu Almirante, um annos completos", que será do indivíduo depois dessa data?
não tenho que dar satisfações e Autoridades do paiz, e nem tão
pouco a Alfandega" (Cf. Antônio Vieira dos Santos, Memória Que será do liberto que se tornou adulto na condição de cativo?
Histórica da Cidade de Paranagt~á e seu Município, 2 vols., edição Os componentes e mecanismos psico-sociais e culturais que elabo-
do Museu Paranaense, Curitiba, 1952, 2• vol., págs. 218 e 222-234; raram e compõem a sua personalidade serão adequados à sua
citações extraídas das págs. 218 e 223). Além de Romário Mar- sobrevivência como trabalhador livre? É indiscutível que os
tins, já citado, o assunto é ventilado ·a inda por: Francisco Negrão,
componentes prospectivas da socialização estarão sempre deter-
.I
"Efemérides Paranaenses'', R evista do Circulo de Estudos "Ban- I
deirantes") tomo, II, N• 4, Curitiba, setembro de 1949, págs. 459-
512, esp. págs. 509-511; David Carneiro, A História do Incidente
de Cormorant, edição da Prefeitura de Paranaguá, Papelaria Uni·
versai Ltda., Curitiba, 1950; Davi Carneiro, O Paraná na História
(61) "Art. 1• - Os filhos de mulher escravos, que nascerem l
·~
no Imperio desde a data desta lei, serão considerados de condição
Militar do Brasil) Typ. João Haupt & Cia., Curitiba, 1942, págs. livre e havidos por ingenuos" (Cf. · transcrição de Osório Duque-
121-125 e 256. Segundo se lê à pág. 124 desta obra, "não há dúvida Estrada, A Abolição (Esbôço Histórico), 1831-1888) com um prefa-
que o Cormorant perseguia um navio negreiro ... " E Romário

l
cio do Conselheiro Ruy Barbosa, Livraria Editôra, Leite Ribeiro
Martins, à pág. 234 da obra citada, acrescenta: "Para não se & Maurillo, Rio de Janeiro, 1918, pág. 57).
deixar prender. com sua negra carga, o comandante do brigue Astro)
José Francisco do Nascimento, teve uma resolução trágica, bra- (62) Idem) pág. 59.
dante de deshumanidade, - afundou seu navio". (63) Idem) pág. 57.

214
t

215
1
minados e limitados pela subcultura do grupo cativo, ao qual as inegável que as expressões e avaliações manifestas aí denotam que
condições sociais de vida e a lei ligam o nascituro. A sua for. eínergiam as condições ideológicas favoráveis à abolição. Con·
mação, portanto, não se pode realizar de conformidade com · 0 siderando-se que os seus leitores eram evidentemente profissionais }
padrão de personalidade ideal do homem livre mas €1m conso. liberais, políticos, burocratas e outros, além, naturalmente, de
nância com o da casta escrava, que é o seu mundo até a idade senhores de escravos, fica patente a estruturação de um contexto
adulta. propício à substituição do cativo pelo trabalhador livre.
Curitiba não escapou a essa mistificação. Após a lei de O intrincado desenvolvimento das condições e fatôres que
1871, a Coleteria passou a expedir avisos no sentido de controlar se estruturaram progressivamente no sentido de culminar com a
os nascimentos de filhos de escravas e preparar·se para legalizar extinção do regime foi atingido também pela Guerra do Paraguai.
a sua futura libertação. As relaçoes dos nascituros devem, diz A utilização de escravos nas tropas brasileiras foi mais um ele-
um aviso, ser apreser.tadas em duplicata, "contendo a declaração mento envolvido no processo social em curso. Por um lado, o
do nome por inteiro e Jogar da residencia do senhor da mãi do simples engajamento é um fenômeno que automàticamente pro·
matriculando e do nome, sexo, côr, dia, mez e anno do nasci. piciava a libertação do cativo. As duas coisas andavam juntas:
mento, naturalidade e filiação deste./ Se os matriculantes não esti. ·como os brancos sabiam que o mancípio não poderia corres-
verem ainda baptisados, declarar:se-ão os nomes que tiverem de ponder aos papéis de soldado, caso fôsse mantido na condição
receber" (64). Dessa maneira a comunidade atende aos requi. de coisa sem personalidade civil, libertavam-no. Somente nesta
sitos da lei, criando·se, apesar da lei, novas condições para a condição êle poderia assumir os papéis sociais inerentes ao status
abolição. Assim os fundamentos morais do regime continuam a do soldado que defende a "sua" pátria. Mesmo assim, por uma
ser abalados, pois que os valores cristãos da comunidade vo}. liberdade paradoxal, escravos foram à guerra, pois as incertezas
taram a operar num contexto em que a criança é objeto de das lutas eram o ônus da emancipação. Como informa Lupion
controvérsia. O dilema "escravo ou livre", colocado em função Quadros, em 1867, "S. M. o Imperador mandou dar à Província
dos nascituros, não podia deixar de afetar a moral do próprio do Paraná 100:000$000 para serem empregados na liberdade de
grupo branco, solapando·a. Aliás, o debate acêrca do anteprojeto escravos que quizerem seguir para a guerra" (66). Manipulando
em exame no Senado repercutia em Curitiba de forma a atuar a riqueza em boa parte produzida pelo próprio escravo, compra·
na consciência da comunidade, retomando-se a propósito valores va-se a sua liberdade para a defesa do país dos brancos. Por
culturais contrários à persistência do regime. A linguagem uti- outro lado, a participação ativa dos negros nas batalhas revela
lizada no noticiário denota já naquela época a existência em aos brancos atributos humanos que êstes, senhores ou não, nunca
Curitiba de uma opinião pública libertária em elaboração. O mais puderam deixar de ponderar. As avaliações relativas ao
principal j ornai de então, referindo-se às discussões que depois escravo, fundadas na ideologia dos senhores de escravaria, não
levaram à aprovação da lei de 71, informa nos seguintes têrmos: puderam continuar resistindo. Os negros, em conseqüência, ele·
"Emancipação - Passou em 3.a discussão, no senado, o projecto vam-se moralmente no consenso do próprio grupo e no consenso
ttto~~ .. ~: sobre o elemento servil, que hoje deve ser lei do Estado./Um dos brancos. Especialmente os profissionais liberais dos núcleos
telegrama da corte acaba de dar-nos esta grata noticia, e nós urbanos brasileiros, aquêles que Oliveira Vianna e Nelson Werneck
a transmittimos ao publico com a maior satisfação./Dentro de Sodré chamam de "a elite dos letrados", foram muito sensíveis
poucos dias ninguem nascerá escravo no Brazil!/Estas poucas pa· a essas manifestações. Ainda depois da abolição, segundo depoi·
lavras elevam ao maior gráo o serviço que se acaba de prestar mento de Leôncio Correia, a condição de "veterano da guerra
á liberdade./Honra aos seus autores. Gloria ao Brasil!" ( 65). É do Paraguai" era um atributo relevante da personalidade do negro
Arlindo, presidente da "Sociedade Treze de Maio" (67). Como
(64) Cf. "Matricula de filhos livres de mulher escrava", in
O Dezenove de Dezembro) Anno XIX, N• 1276, Curityba, 14-2-1872, ( 66) Cf. Lupion Quadros, Reportagens Retrospectivas) Em-
pág. 4. presa Gráfica Paranaense, Curitiba, 1942, págs. 54-55.
(65) Cf. O Dezenove de Dezembro) Anno XVIII, N• 1240, (67) Cf. Leôncio Correia, Meu Paraná) edição do Estado
Curityba, 4-10-1871, pág. 4. do Paraná, 1954, pág. 58.

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fenômeno que envolveu o negro e o branco, impondo-lhes altera. que !e radicaram temporária ou definitivamente usos e cos·
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·~~·· · teorias, opiniões etc. que às vêzes encontravam condições
ções nas expectativas recíprocas de comportamento, de acôrdo com _ i
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as exigências da situação criada, a guerra com o Paraguai pro. .....-rpropíc1as à incorporação e propagação. Além disso, a domi- '
~. J ''I"
;1:Li ~~-.:: duziu efeitos sociais que a análi se pode incorporar a urna nância sócio-cultural exercida por outras comunidades efetivou-se l
preensão sociológica do processo da abolição. A guerra, diz também por intermédio da circulação de membros de famílias
Werneck Sodré, é urna das vias pelas quais "o elemento servil se abastadas da área, que mandavam seus filhos a instruir-se nas
eleva", pois "ela contribuiu, fundamente, para nivelar as camadas academias de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife ou de países ~
humanas, para desbastar asperezas e preconceitos" (68). As con.· europeus. Em outras localidades travavam contacto com correntes
dições sociais de convivência nas tropas e os benefícios gerais de opiniões, políticas ou outras, que acabavam repercutindo na
da luta vitoriosa fizeram com que brancos e 11egros se redefi. comunidade originária de alguma forma ( 71) . O processo aboli- l
nissrm mutuamente. Particularmente no exército, onde as regras cioniata em Curitiba foi alcançado também por essas influências. .~~
de conduta são próprias, definidas por valores peculiares ao Mesmo não sendo possível estudá-lo aqui sob êsse ângulo, · é ~
grupo, seria impossível fazer prevalecer o código de etiquêtas e necessário registrar que o fenômeno ocorreu, exercendo alguma
as normas sociais da ordem escravocrata. a~uação no d-esenvolver do movimento de emancipação dos cativos.
Somente uma investigação especial poderia exibir adequada- Naturalmente o abolicionismo encontrou condições peculiares em
mente os efeitos inovadores · da circulação de políticos, adminis- Curitiba, emergindo e estruturando-se de conformidade com elas.
tradores, militares, bacharéis, viajantes etc. pelo território brasileiro
durante o século XIX. Em boa parte, a dominância exercida por
São P aulo e Rio de Janeiro sôbre Curitiba efetivou-se por inter.
médio de pessoas ligadas àqueles grupos. Curitiba foi alcançada por
múltiplas influências, com os contínuos deslocamentos da oficia·
lida de das guarnições; as visitas de personalidades como os natu-
Todavia, êsse processo, produto de condições e fatôres econômico·
sociais complexos, teve na circulação das elites da comunidade
um componente dinâmico significativo. Como a dissolução do re·

(71) Sôbre a circulação de jovens curitibanos ou paranaenses


l
ralistas Auguste de Saint-Hilaire e Roberto Avé-Lallemant, ou os que freqUentaram escolas em outras comunidades, às quais Curitiba
se ligava em têrmos de dependência, consultem-se os seguintes tra-
engenheiros Thomas P. Bigg-Wither e Joseph e Franz Keller (69); · balhos : Auguste de Saint-Hilaire, op. cit., vol. II, pág. 61; Moysés
as permanências temporárias de administradores e burocratas, lihe· Marcondes, Pae e Patr01-w, obra citada, págs. 45-58; Saboya Côrtes,
rais ou conservadores, conforme as alterações dos gabinetes minis- Paraná de Outros Tempos, Tipografia João Haupt & Cia. Ltda.,
teriais e segundo a política centralizadora vigente no período Curitiba, maio de 1950, págs. 11, 14 e 27; Sebastião Paraná de
.Sá Sottomaior, Gale1·ia Paranaense, notas biographicas, edição come-
imperial ( 70). Por intermédio dessas pessoas difundiram-se valo- - •. morando 1• Centenário da Independencia do Brasil, Coritiba, 1922,
res e padrões de comportamento, ideais, concepções, doutrinas etc. págs. 11, 18, 29, 35, 79, 81, 128 etc. Como relata Sebastião Paraná
por remotas comunidades do país. Como se fôssem "instrumentos" nessa obra, às págs. 18-19, o desembargador Emygdio Westphalen
passivos ou ativos de comunicação social, levaram às localidades que preconizava a "substituição rlo trabalho servil pelo trabalho
, recebeu "o grau de bacharel em sciencias sociaes e juridicas"
na Faculdade de Direito de São Paulo em 1867. E Leôncio Correia,
. (68) Cf. Nelson Werneck Sodré, _Panorama do Segundo Im- acrescenta às págs. 128-140, um dos lideres do abolicionismo em
péno, Companhia Editôra Nacional, São Paulo, 1939, págs. 73-76. ~ ,-Curitiba, "formou-se em sciencias juridicas e sociaes pela Faculdade
(69) A propósito de viajantes ilustres, que percorreram áreas ~ . ~ ~ de Direito do Estado do Rio de Janeiro". Convém observar ainda
do ~tual Estado do Paraná, consulte-se: Newton Carneiro Icono- -- _ :."- ,_ que, enquanto permaneceu na condição de uma . das comunidades
graf'l.a Paranaense, Impressora Paranaense Curitiba 1 9 ' _,., ::.-::da 5• Comarca da Província de São Paulo, Curitiba "nunca teve
50
lj·~1 (70) Encontram-se nesses casos p ' ' Z · o d . :-_1 · o seu periódico próprio". ( . . . ) Noticias, os tropeiros as traziam
es e Vasconcellos e Alfred d'Esc, o r exemp
T 1o, acanasod t e , · ~ ., a c un·t·b
·& ~ ' ~ 1 a e as vagarosas bà rcaçoes
- p á. ( . . . ) Em
· · 1 de em · a aranagu
~'III~''
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Gó o ragno e aunay, pres1 en es _.. · · · · oz;: 1837 a c·amara Mumc1pa
""'_ .._ c unot·b o pen"ódo1co "P au1·1st a
.. ,
~~:1 :: a rovincia do Paraná em 11 to t Sã 1 a assmava
Po .
ad rmmstradores 1853 e 1885, . respec
que se notabilizaram -
1vamen e.. o ·---"" ..., Of'1c1a o 1" escolh"d · pu bl'1cad os em s . p au1o por ser
1 o ent re os ma1s
~~·~~
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setores da vida provincial sendo que amp0br mov~çtoes em d1versos -- ·:~~ ~ justamente a que publicava todos os átos do govêrno" ( Cf. Oswaldo
, os se 1n eressaram gran- - :_,.. p 1·1ott o, "A I mprensa do p aran á no I mp éno · " , em R emsta· d
.~· ~ . 11
d emente pela coloniza ção de áreas P ar an a enses com 1. m1.grantes ,,
europeus. Circulo de Estudos ((Bandeirantes", tomo I, N• 3, Curitiba, setem-
o

H· r, ~
. bro de 1936, págs. 212-221; citações extraídas da pág. 213).
~
Iii· ·ii
218 219
gime se manifestou em diversos níveis da realidade, as alterações que passa por fa ses de significação variada para a sua plena
dos elementos ideológicos dos grupos brancos dominantes não consecução. No interior do processo mais amplo de dissolução
pode ser subestimada. Ainda que não se possa avaliar devida. do mundo escravista o abolicionismo vai pouco a pouco caracteri·
mente a natureza e as dimensões assumidas pelo fenômeno, é zando-se como uma corrente social e, depois, como um movimento
impossível negar a influência sôbre a sociedade curitibana dos organizado, estruturado num "partido", com órgãos, técnicas, lí-
movimentos que estiveram em moda na Côrte ou em São Paulo (72). deres, adeptos, valores, normas de ação etc. integrados e atuantes.
As relações de dependência estabelecidas historicamente manifes-
As manumissões começam a ser encaradas como ações sociais
taram-se normalmente tanto na área do intercâmbio econômico
moralmente aprovadas pelo consenso da comunidade somente a
como na do comércio social em sentido amplo.
partir de um determinado momento, quando o~ fundamentos ma-
Neste ponto podemos passar à análise de outra ordem de teriais e morais do regime são afetados ou ·'átacados de forma
dados, àqueles que dizem respeito, de um modo mais direto, a cada vez mais radical. A Guerra do Paraguai, sob cuj.o pretexto
Curitiba, aos fatôres e condições efetivamente endógenos, produ- se deu "liberdade gratuita aos escravos da nação designados para
zidos pela própria ordem escravista na comunidade, vista em o serviço militar" ( 73), a "lei do ventre livre" (1871), a criação
têrmos das transformações estruturais descritas anteriormente. O do fundo de emancipação ( 1875) são eventos que influíram em
proéesso de desagregação da sociedade escravocrata desenvolveu-se escala nacional sôbre o regime. No plano da Província do Paraná
por etapas e em níveis diversos, conforme foram sendo postos e da comunidade curitibana, êsses fenômenos atuaram em conexão
em ação fatôres e condições que nêle passaram a operar. É com as condições econômico-sociais peculiares à área. As liber-
verdade que o fulcro dêsse processo é a destruição do trabalho tações espontâneas são uma expressão da nova etapa em que
escravo como fator de produção; mas a análise não pode deixar entra o processo em curso. À medida que os interêsses individuais
de reconhecer que elementos dos mais variados setores da reali- o permitiam, alguns senhores de escravos procuravam corresponder
dade atuaram de algum modo, entravando, acelerando ou es- às expectativas morais em emergência na comunidade, no sentido
tendendo a ação do fenômeno em curso. Fatôres e agentes de emancipar os cativos. O comportamento de proprietários de
endógenos e exógenos operaram no interior dos sistemas econô- mancípios ajusta-se aos valores universais da cultura sempre que
micos e sócio-cultural, em graus e com eficácia diversos, provo- essa redefinição das suas ações não fôsse contraditória com os
cando transformações que fazem parte do processo geral de próprios interêsses econômicos ou outros. Libertam-se os escravos
dissolução da escravatura. desde que êsses atos não afetem a integridade dos capitais indi-
O período que cerca a data da instalação da Província do viduais, como nos casos em que o "ex-escravo" se obriga a con·
Paraná é exatamente aquêle no qual se verifica a emergência tinuar trabalhando para o "antigo" senhor; ou então quando a
das primeiras condições econômico-sociais que põem em evidência emancipação, mesmo significando uma perda de substância do
a necessidade de substituição do trabalho cativo pelo livre, assi- capital individual, atua como uma válvula de restabelecimento
nalando, portanto, a época na qual é deflagrado o fenômeno em do equilíbrio de uma unidade produtiva em crise. Neste sentido,
"''ii•:,:·,
"'·.....;,., questão. Visto em tôda a sua complexidade, pois, o processo que a manumissão é um recurso para eliminar da unidade de produção
11n1.t t
culmina com a abolição do regime desenvolve-se a partir de meados e consumo uma sobrecarga que, não estando com a sua capaci-
~- .... ~jl<lo
do século XIX. Densenrolando-se em etapas e níveis diferentes, dade produtiva a operar ( 74), continua afetando a área do consumo.
conforme as condições concretas de existência social subjacentes,
o abolicionismo, ainda que não definido como tal, é um evento (73) Cf. José Maria dos Santos, Os Republicanos Paulistas
e a Abolição, Livraria Martins, São Paulo, 1942, pág. 46. Os
aspectos econômicos, humanos e morais ligados ao engajamento
de escravos para as lutas com o Paraguai estão implícita e
(72) Alguns dos fatôres que ativaram o abolicionismo (em explicitamente evidenciados em parecer de Nabuco de Araujo. ( Cf.
São Paulo e nas áreas em que os primórdios da industrialização Joaquim Nabuco, Um Estadista do Imperio, 2 tomos, Companhia
se instituíam) encontram-se examinados em: Octavio Ianni, "Fa- Editôra Nacional, São Paulo, 1936, tomo II, págs. 60-62.)
tôres Humanos da Industrialização no Brasil", em Revista · Brasi- (74) Seja por velhice, doença ou incapacidade do cativo, seja
liense, N 9 30, São Paulo, 1960, págs. 50-66, esp. págs. 51-55. por desequilíbrips que afetam a estrutura da emprêsa.

220 221
I'

Daí as libertações que se repetem a partir de 1871 sendo . · Ern 1280, diz Saboya Côrtes, para homenegear o Imperador D.
ciadas comentadas e avaliadas como exemplos a serem ' d ---
imi't noh. -.....;, ---~ . pedro II de passagem pe1a p rovmcia, · · o Barao - de Campos Gerais ·
E assim' elas vão operando efeitos cumulativos sôbre as pr · a ·os· " -"'~ , · "concedeu a lforna . a to dos os escravos existen . t es nas suas 3 Fa-
condições que as propiciaram, afetando ainda mais 0 sistema opnasern _, ;· - - zendas do Parana; , e na d e,· p.asso- F, un d o, no R·10 G~an de_ d o S u,
I
crise. Como informa Affonso da Costa "antes da decretaç- d para melhor solemsar essa 'Islta. . . Mas a produçao nao sofreu
lei do ventre-livre, em Janeiro de 1871, ' o humanitario coronel
ao a -
soluçao d e contmm . " era taman h a sua hon d a d e que
. 'd a d e,. pois
Fernando Penteado Rozas declarou livres todos os filhos de todos esses escravos contmuaram trabalhando nas suas Fazendas,
escravos sendo esse exemplo seguido por varios outros e d'seus.- -já como assa 1ana · d os, ate' morrerem, e usan d o se us d escendentes
nuindo 'portanto o elemento servil na Província" (75). No IIUI- 0 seu nome, como derradeira homenagem aos seus dotes de
mo ano• um outro • coronel liberta quatro escravos de sua p mes. · fidalga no hresa " (78 .) . D'esse mo d o, Ia-se
· · · d o um con-
constltum
ropne-
dade, o que é noticiado pelo Dezenove de Deze 1nbro nos seguintes _ tingente. de tra al a ores Ivre~, Ispomveis ou_ J_a ocup&.t1os, so h
h h d I' d" , - ..
têrmos: "Liberdade. - O sr. Tenente coronel João Manuel d "-~ .- " um regime de trabalho assalanado ou na cond1çao de ag:egados.
Cunha concedeu sem condição alo-uma liberdade às suas escrav a - -~ • As ações desses proprietários de escravos, como vemos, mdepen-
as ~-~ ::O:- .·-- dentemente d e seus Imoveis,
h

Eulalia, Thereza,' Deolinda e Silvia"


b '
(76). Outra notícia de manu- . , . tamh'em a t uaram no processo d e
missão, do mesmo jornal, está redigida desta maneira: "Liberdade ~ ·.: destruição do regime.
de escravo - O Sr. Capitão Manoel Euphrasio d'Assumpção e -l , ::;. As autoridades administrativas provinciais, por seu lado, agiram
sua mulher D. Germani Vellozo d'~ssumpção, dera~ lib~rdade,- " l ·'·- no mesmo sentido, especialment~ _quando em co_nsonância ~om
sem onus algum, a seu escravo Dommgos. A carta foi registrada _r: ~~ interêsses dos novos grupos economicos em expansao. É por Isso
no carto:io ?o .Tabellião ~estor. Borba" ( 7!). Apesar d~ gue as 'li ~·- que ~ política. colonizado~a de . ~lguns presiden~es ~rovinciai~ deve
fontes nao md1quem precisamente as razoes e as condiçoes de :1 - ser hgada diretamente a pohtlca de emanc1paçao. Presidentes
libertação, é inegável que muitas vêzes o manurnitido se obriga a :~ ::: como Lamenha Lins e Taunay tiveram clara consciência da cor- ~
permanecer sob as ordens do "antigo" proprietário, para recom- .1 ·..! relação das condições econômicas em transformação com a imi-
~en~á-lo do "prejuízo" causado ~ela libertação. O regime. cons- {_~ gração européia e a progressiva :limi~a5ão do tr~balh~do~ cati;o
titum-se e operou de tal maneira, que os escravos aceitaram ~ · • do sistema. Além disso, havia d1sposiçoes da leg1slaçao 1mpenal
naturalmente a sua legitimidade, ou não podiam compreender o • ~ ~: que atuavam de maneira a precipitar o processo em desenvolvi-
significado real que a instituição tinha para si; isto é, não ;j
~-- mento. É 0 que ocorre com a aplicação das quotas do fundo de
estavam em condições de apreender o fato de que eram alienados, ~ ~ ~ _ emancipação, a partir de 1875, conforme registram os Relatórios
não apenas no produto da sua fôrça de trabalho como na própria ~ "'" dos presidentes provinciais, as quais eram distribuídas às corou-
pessoa. Em alguns casos os cativos eram ligados afetivamente 1 nidades de acôrdo com o contingente relativo de escravos, para
de modo tão íntimo aos seus proprietários que permaneciam , , . que as libertações fôssem proporcionais (79). Pelo que se pode
espontâneamente trabalhando na mesma unidade depois de libertos. ·· ·

. (75) Cf. ·Mário J. Affonso da Costa, Paraná (indicação do ,_ ~;,; - (78) Cf. Saboya Côrtes, Paraná de Outros Tempos} Tipografia
editor truncada), Rio de Janeiro, 1913, págs. 31-32. -::---:;- - ::-. João Haupt & Cia. Ltda., Coritiba, maio de 1950, pág. 12.
. (76) Cf. O Dezenove de Dezembro} Anno XVII, Nq 1208, é. (79) Alguns presidentes dedicaram longas exposições à aná-
Cuntyba, 10-6-1871, pág. 3. •- -- ,._ lise da situação do "elemento servil", a propósito da aplicação
(77) Cf. O Dezenove de Dezembro} Anno XIX, Nq 2172, Curi- - ... - das quotas do fundo de emancipação. Veja-se, por exemplo: Re-
tyba, 31-1-1872, pág. 3. Observem-se as expressões "sem condição i i.' latório apresentado à Assembléa Legislativa do Paraná, no dia 15
alguma" e "sem onus algum" que acompanham as cartas de j !:;._ de Fevereiro de 1876, pelo Presidente da Provincia o Excellentissimo
alforria _que livr~m totalmente os cativos dos seus proprietários. __ .:, ;~ _ Senhor Doutor Adolpho Lamenha Lins, Typ. da Viuva Lopes, Pro-
Outras mformaçoes relativas a mam,\missões encontram-se em: - --.- vincia do Paraná, 1876, págs. 77-78; Relatório que o Exm. Snr. Dr.
Moysés Marcondes, Pae e Patrono} obra citada, págs. 200-201· Vai- • "' BrasUio Augusto M. d'Oliveira apresentou ao Exm. Snr. Commen-
frido Piloto, "Reportagem sôbre o movimento abolicionista n~ Pa- dador AntOnio Alvez d'Araujo, 1q Vice-Presidente da Provincia em
raná", em Parananistas} Curitiba, 1938, págs. 47-112, esp. págs. .. 4 de Setembro de 1885, Typ. da Gazeta Paranaense, Corityba,
95-97. ·-' e-: 1885, págs. 81 986.

222 223
?epreen~er_: d_e no_ticiário , do jorn.al local, dava-se ampla difu· - . · j :"'dqs wuuo, "' não seu numero, influem na c_l~ssificação d?~ can-
as providencias hgadas as alfornas. "A junta classificad ~-2 _- ~ }!lges, _seus paes.. ( · · ·) Na falta de famihas, a classifiCação
escravos dos municípios acima declarados (Capital V tora * <Ie;: "tecahira nos segumtes escravos e pela ordem em que vão enume-
e A rraia . ) faz pubhco, . que tendo de reunir-se no paço ' dao uverava
C - - := J.~ ··-'Ta dos: 1), E m pnmeuo · . 1ugar: A mae, - vmva . .
ou solteira, com
1 amara --· ... ~ f'lh 1· 2 ) E
Municipal desta cidade (Curitiba) no dia 1.o de Ao·osto p . :1; •.. .. todos os I os Ivres. m segundo lugar : O pae viuvo.
• • ' b roxuno ~~ 11. . f'lh 1' 3) E . ' .
vmdouro e em dias successivos ate ll do mesmo mez -,. . com I os Ivres. m tercei:;-o lugar : Os escravos solteiros
horas da tarde, por isso convida á todos os Srs. pos~u~~ quatro. · .- ·..faté 50 annos; devendo classificar-se em igualdade de circunstancias,
. ores de . , ·.. . t d ) A . I . .
escravos nas con d IÇÕes de serem alforriados pela quota do f d •
1 ,;na segui~ e o_r em: a s escravas so teiras, ou vmvas sem
de emancipação á apresentarem seus requerimentos na un .o..... .t - {jlhos, ate a Idade de 50 annos começando pelas mais moças.
secretana -~ O 1 · ' 'd d d 50
d a mesma junta, afim de não serem prejudicados os dir 't d · · :~ .- •b) s e~cravos so teuos ate a I a e e annos, a começar
interessados" ( 80). A legislação imperial. contudo estabeti ?s 08
·~ t. pelos mais velhos. Os paes viuvos, com todos os . filhos escravos
ecia pre. · J t ·1 " ( 81 ) M ·1 • - •
!~·I~
c~ d encias que os pr_e~Identes provmciais procuraram atender
A • • • • • • '

cõ~i:::-~ ;.: ~u sem f'lh t


I os, en. r_am ne~ a_ c asse . : r_ as a ei ~~o se m-
1
ngor, como se . venflca, por exemplo, no Relatório de B 'Ü ~- .. ~teressa pelos reqmsltos cnstaos de . orgamzaçao da famiha apenas
''li;.!.•
Augusto M. d'Oliveira. Dedicando longas considerações rasi _0- :.""'por causa dos ~e~s aspectos morais. A proteção da integridade
pósito do modo pelo qual deveriam reunir-se e trabalha a. pro- · • :.do grupo domestico do escravo que é libertado significa, ao
. . - . , . r as Juntas - d . . d ,
•,.J'. de classiÍl~açoe~ e alforna de mancipws, 0 presidente da Província '::'· ,,. . es:no tem~o, a preservaçao e :e.qm~Itos a e.9uado~ a repro-
do. _Parana deix~ b~m claras as intenções últimas da política- _, ; iifduçao. d_a força de tr~balho neces.san~ a prod~çao e a e~pans~o
A

ofiCial de emancipaçao. O texto de suas recomendaçõe .. 'ãas atividades economiCas. A legislaçao que hberta o cativo nao
s exp1ICita . , . Ib d 1 h
a necessidade de preservar a família do trabalhador escrav 0 ~
A

:· foi e a ora a por este, mas pe os seus sen ores ou pelos bacharéis,
e' l'bI erta d o, quan d 0 ha' 0 vínculo matrimonial. Observa-se que,; ·: . !leste caso seus I'd eo'I ogos. E m · consequencia, ..
A •
eI a estar a' natura-1
r,.'. ~ente impregnada das preocupações inerentes aos interêsses eco-
0
penho de manter, de conformidade com os valores culturais • emt.: ·
. _ ' InS l. ' ""A • d d d • ' . d . d d -
tmçoes como a paternidade a maternidade a educação do • t'"~ · · , " nom1cos os onos e escravos, propnetanos e meios e pro uçao,
' , mes Ica .. f d .
do imaturo etc. "Começando pela ordem das famílias e precisa!· ..:. , pois .e.stes ator.:_s ~ao po em permanecer maproveitados nem
A A -

mente serão classificados e alforriados" os cativos na se u~tf___:~,; · :s~butlhzados. Nao e por acaso que os homens que fizeram essas
~rdem: "Em primeir~ _lugar: _ O~ escravos casados com p;sso!.s~ ~ -~ / eis yropugna_r.am, ao mes~~- tempo, pela int~nsificação da imi-
hvres, devendo classificar-se, em Igualdade de circunstancias na.
'i -~ ' . ~raça o europeia. Os_ bachareis, a chamada eh te dos letrados da
seguinte ordem: a) As escravas casadas com homens livres ·-., ~:· :i segunda metade do seculo XIX, foram quase sempre os intérpretes
libertos sujeitos a prestação de serviços; tenhão ou não filhJt':;-.:-.~ ,t;fiéis, ideólog?s ou executo~es, dos interêsses dos grupos que deti-
b) Os escravos casados com mulheres livres ou libertas sujeitá! :J . ~ham os meiOS de produçao.
a prestação de ser_viços, tenhão ou não filhos. ( ... ) Em segund~ _ ~ . · O movimento abolicionista propriamente dito é um fenômeno
lug~r: - Os_ conjuges que forem escravos de diversos senhores1 ,-!o'i!?' or< f que se manifesta na fase mais aguda das transformações que se
esteJam. o.u na,o separ~dos, pertençam aos. mesmos o~ a diversrs-- .· .. r!Yinham verificando desde as décadas precedentes. Apoiado num
••. ~ ..,I;·~
?ondommws./Em terceiro lugar: - Os conjuges que tiverem filho~> ii"_ "',.complexo de fatôres, dos quais apontamos os principais, o aboli-
mgen~os men?res d~ 8 annos./ Em quarto lugar: - Os conj ug~~ ""' : ,~io.nismo organizado em "partido" estrutura-se em Curitiba nos
que t1V~rem filhos ~Ivres menores de 21 annos./ Em quinto lugar,:"="'&, ~ ~~lhmos anos da vigência do regime escravocrata. No mesmo
Os conjuges con: ülho_s escravos menores de 21 annos./ Em sexto '"" _ ;t,. •ano, em 1883, grupos da comunidade, levados por injunções filan-
lugar: - As maes, vmvas ou solteiras, com filhos escravos mt · ~ rópicas, políticas ou outras, fundaram três organizações destinadas
nores de 21 annos./ Em setimo lugar: -- Os conjuges sem filhos,
ou sem filhos escravos menores de 21 annos./A condição de ·
_ (81) Cf. Relatório que o Exm. Snr. Dr. Brasilio Augusto
M. d'Oliveira apresentou ao Exm. Snr. Commendador Antônio
(80) Cf. O Dezenove de Dezembro> Anno XXXIII, N• Alves d'Araujo, 1• Vice-Presidente da Provinda em 4 de Setembro
Curttyba, 15-7-1886, pág. 3. de 1885, Typ. da Gazeta Paranaense, Corityba, 1885, págs. 81-83.
9

224 225
a propagar os ideais abolicionistas e a atuar pràticamente no comunidades paranaenses, o movimento de opinião se torna mais
sentido de promover manumissões. Representavam-se nesses clubes vigoroso. Ao final, passam a participar das atividades . de pro-
especialmente as · camadas altas e médias, tais como políticos · paganda e atuação prática, em escala variável, as pessoas represen-
administradores, proprietários de engenhos de erva-mate, militares' HH-.~ F­ tadas pelos seguintes clubes: Club Militar, Club Curitibano, Club
bacharéis, j ornalistas, poetas, historiadores, professôres etc. Assim' de Corridas, Arcádia Paranaense, União dos Artistas, Itiberê da
sob a presidência do Comendador Antonio Alves de Araujo, cons: Cunha, Beneficência Italiana, Protectora dos Operarios, Club Dr.
tiuiu-se "a Sociedade Emancipadora Paranaense com o fim de Pedrosa, Club Clarimundo Rocha, Clube Republicano; e os jornais:
promover a emancipação dos Escravos existentes na Província" (82)". Republica, Diário Popular, Gazeta Paranaense, Pioner (periódico
li No mesmo ano, sob a presidência de Maria Amália Almeida da colônia alemã) ( 86) . As atividades dos abolicionistas, sempre
Queiroz e com a colaboração de outras senhoras da comunidade que possível, eram registradas pelos jornais, de modo a provocar
fundava-se a Sociedade Liberta dora do Paraná (83). Ainda e~ adesões novas e criar um estado de opinião favorável no con-
!~: 1883, com a participação de homens como o Comendador llde: senso da comunidade. Patrocinavam alforrias, escondiam escravos
fonso Pereira Correia e o Dr. Joaquim de Almeida Faria Sobrinho . fugidos, procurando legalizar a sua liberdade, promoviam con-
que seriam posteriormente presidentes da Província, organizou-~ ferências, palestras, comícios, campanhas de fundos para manumis-
outra "Sociedade com identicos fins" ( 84) . Segundo o mesmo sões etc. E O Dezenove de Dezembro e a Gazeta Paranaense,
autor, já em 1884 estava em funcionamento o Club Abolicionista entre outros, secundavam os abolicionistas no terreno do noticiário,
de Curitiba. " O Club Abolicionista de que fora· fundador 0 reportagens, proclamações etc. Assim, o Club Abolicionista, por
Capitão Floriano de Castro Lavor, realizou grandes festas aboliciô- . exemplo, dava a público a seguinte informação: "De ordem do
nistas no Theatro São Theodoro. No proscenio apparece uma Sr. presidente, convido aos escravos que tenhão peculio á se
alegoria representando o Anjo da Liberdade. ( ... ) Em poucos apresentarem ao abaixo assignado, afim de · se promover as res-
dias, em Curityba, Paranaguá e Antonina se haviam dado liberdade pectivas liberdades. - J. Saturnino, Secretario" ( 87). Ou então
mais de 200 escravos, tal a intensidade da propaganda emanci- informava: "Havendo amanhã ás 8 horas da noite, nos salões
padora" ( 85). Pouco a pouco a luta pela emancipação definitiva do Club Curitibano uma sessão em honra ao aniversario da morte
dos cativos empolga setores cada vez mais amplos da população. de Luiz Gama, convido, de ordem do Sr. presidente do Club, a
À medida que os clubes se organizam e atuam, em correspondência todos os socios e Exmas famílias para assistirem-n'a J Declaro,
com as atividades desenvolvidas em São Paulo e Rio, além das de ordem do mesmo Sr. presidente, que . o convite feito aos Srs.
socios do Club Curitibano, deve ser subentendido com suas Exmas.
familias./J. Saturnino, Secretario" ( 88).
(82) Francisco Negrão, "Efemérides Paranaenses", in Revista
do Circulo de Estudos "Bandeirantes", tomo II, N 9 5, Curitiba, se- As vésperas da proclamação da Princesa Isabel, as atividades
tembro de 1954, págs. 563-740; citação extraída da pág. 575. Em abolicionistas em Curitiba ficam centralizadas por um órgão de
Paranaguá, onde o movimento estruturou-se anteriormente, funda- coordenação, destinado a aglutinar os esforços dos diversos núcleos.
ram-se dois jornais abolicionistas: "O Operário da Liberdade", ~A 25 de março de 1888, menos de dois meses antes do dia 13 de
em 1870, e Livre Paraná, em 1883. O primeiro teve como principal
redator o Desembargador Dr. João A. de Barros Junior e o segundo maio, funda-se a Confederação Abolicionista Paranaense, que se
o jornalista Fernando Simas. Cf. Francisco Negrão, op. cit., ibidem, propõe eliminar completamente o trabalho cativo no Paraná, em
pág. 567. Herbert Munhós van Erven, Datas do Paraná, ediçãQ.
do autor, Curitiba, 1945, págs. 28 e 29; Valfrido Piloto, op. cit_., ·
esp. págs. 51-52; Osvaldo Pilotto, "A Imprensa do Paraná, no, . . .
Império", Revista do Circulo de Estudos "Bandeirantes", tomo 19, (86) Cf. Valfndo P1loto, op. Cit., pág. 59.
N• 3, Curitiba, setembro de 1936, págs. 212-221, esp. pág. 218; (87) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno XXXII, N• 177, Curi-
Evaristo de Moraes, A Campanha Abolicionista (1879-1888), Li-~ tyba, 11-8-1885, pág. 3.
vraria Editôra Leite Ribeiro, Rio de Janeiro, 1924, págs. 277-278. • - ·- . (88) Cf. O Dezenove de Dezembro, Anno XXXII, N9 187,
(83) Cf. Francisco Negrão, op. cit., pág. 644. ~.. Cuntyba, 23-8-1885, pág. 3. Note-se que o Curitibano é na época
(84) Ibidem, pág. 645. f: oe~ube do grupo domi?~nte _na comunidade. Para se ter uma ima-
(85) Ibidem á s _ ,é· . ,. g . ~d~uada d~ part1c1paçao da Gazeta Paranaense no movimento
' P g · 645 646 · ·· \, • abohcwmsta, veJil-se Valfrido Piloto, op. cit., esp. págs. 58-71.

226 227
nome dos "nossos civilizados sentimentos religiosos" (189). 0 porais indignamente aplicados aos míseros escrav9s, ainda que,
abolicionismo é o movimento social mais vigoroso de todos os que se necessário for, lançando mão da força, não poupando o
\
se haviam desenvolvido na comunidade no século XIX. As cam. : . - - próprio sangue para conseguir fim tão nobre e justo. ( ... ) ... pela
panhas pela criação da Província do Paraná e em prol da coloniza- -= :i- memória dos antepassados e pela felicidade dos entes queridos,
ção tiveram repercussão restrita. Nem o movimento republicano tudo fazer em benefício dos irmãos cativos". A êsse núcleo só
apesar de que em boa parte foi desenvolvido na mesma époc~ devem pertencer "os resolvidos a tudo sacrificar pela nobre idéia" .
e pelos mesmos particípantes, nem êsse alcançou aquela penetração . E ao presidente é conferido o direito de "ordenar a qualquer
e amplitude (90). a sócio o serviço que haja de fazer, embora dessa ordem possa
O caráter humanitário do movimento não foi aceito io-u }. advir sacrifício a quem fôr dada". E recomenda, finalmente,
mente por todos. Apesar das liberações espontâneas conseg~id:s -~ !" ~ue "usem ?e nome de guerra para tal fim", ( 9.1) · , Ainda que
pelos propagandistas da abolição, continuavam a ser mantidos : ~ . t1vess~ r:_um do ape.nas um pequeno grupo, e mega~e~ q.ue a
escravos na comunidade. Assim como havia interêsses ligados """:: " ?rga?Izaçao de lJ ltunatum revela, d~ _um lado, a ex1sten:1a d.e
à transformação do trabalho cativo em livre, persistiam ainda - • mteresses poderosos obstando _a- abohçao e, por outro, a mtensl·
aquêles vinculados à manutenção do escravo como fornecedor da~e do processo de destrmça.o do trabalho escravo. Ma~ a
de fôrça de trabalho. Por isso a campanha abolicionista em . soc1~dade escravocrata . e~tava mmada por dentro e pouco amda
Curitiba precisou assumir uma feição mais radical, não só pro- ':.:;.c~' ::.;- podia contra as cond1çoes emergentes.
curando envolver o maior número possível de associações e clubes, '·· ·.é .,.. Salvo nesse caso, contudo, a campanha abolicionista _estêve
inclusive o militar, como também utilizando técnicas subversivas sempre configurada como um movimento humanitário destinado
de propaganda e atuação. ~sse caráter do movimento fica evi- a ''cristianizar" o escravo, transformando-o em pessoa, num ser
denciado nos têrmos da ata de fundação da "sociedade secreta . "civilizado", de um dia para outro. O fulcro da ideologia da
anti-escravagista Ultimatum", constituída em 12 de junho de 1887. - abolição são os valores universais da cultura, sob cuja inspiração
Romário Martins, que examinou as atas dêsse clube, transcreveu "'· foram proferidos discursos e conferências, escritos artigos, com-
em sua História do Paraná alguns trechos das recomendações '!.' ; postas poesias, organizados clubes etc. O manifesto da Confe-
da primeira sessão: "Tratarem todos os sócios de concorrer para .!
.t,-..: de ração A bolícíonista Paranaense exprime nitidamente essa orien-
livrar o Brasil da mancha negra da escravidão que tanto nos
amesquinha, e, de qualquer fórma se oporem aos castigos cor-
(91) Romário Martins registrou também os nomes e ape-
lidos dos membros do grupo presentes na primeira sessão: S. Paulo
(89) Cf. "Manifesto da Confederação Abolicionista Parana- (Antônio Ricardo do Nascimento), Trovão (José Celestino de Oli-
ense ao povo da Provinda", publicado na Gazeta Para·naense a 12 veira Jr.), Bilbau (Frederico Solon), Washington (João Pimentel),
de abril de 1888, transcrito por Valfrido Piloto em Paranistas, Patrocinio (João Luz), Luiz Gama ( Itaciano Teixeira), Castelar
obra citada, págs. 115-118. Em anotação manuscrita de Valfrido (Bernardino Saldanha), Saldanha Marinho (Joaquim Bitencourt) e
Piloto, sob título "Manifesto da Confederação . .. ", lê-se: "Autoria Clapp (Inácio Carneiro). (Cf. Romário Martins, História do Pa-
de Rocha Ponto, Segundo depoimento de Leôncio Correia". Além raná, citada.) Veja-se também Herbert Munhoz van Erven, Datas
das informações registradas pela obra de V. Piloto, outros dados do Paraná, edição do autor, Curitiba, 1945, pág. 26. Note-se que êsse
relativos à Confederação encontram-se em Francisco Negrão, "Ephe- "partido" pode ter sido criado ou bastante influenciado por grupos
merides Paranaenses", Revista do Circulo de Estudos «Bandeirantes", maçons, que se organizaram em Curitiba e Paraná, na segunda
tomo I, N• 5, Curitiba, ·abril de 1938, págs. 350-401, esp. págs. metade do século XIX, e que não devem ter ficado à margem do
377-381. Como diz Negrão, (pág. 377) "a 25 de Março de 1888, abolicionismo. Como informa um abolicionista, em Paranaguá, "em
funda-se em Curityba uma Confederação Abolicionista da qual fa- 1870 a Loja Maçónica Perseverança, da qual era, então, venerável,
ziam parte elementos de destaque de todas as classes sociaes e o dr. Alexandre Bousquet, pai do saudoso e brilhante Gastão Bous-
politicas. Na classe armada da guarnição militar a idéa aboli- quet, instituiu uma caixa de caridade para o fim de promover a
cionista contava geral aceitação". alforria de escravas grávidas" (Cf. Leôncio Correia, Meu Paraná,
(90) "Os clubes republicanos fundados no Paraná foram dois, edição do Estado do Paraná, 1954, pág. 124). Já em 1853 os têrmos
um em Curitiba fundado em 1885 e outro em Paranaguá fundado de vereança de Curitiba registram a presença de maçons na comu-
em 1887" (Cf. Romário Martins, História do Paraná, citada, págs. nidade (cf. Boletim do Archivo Municipal de Curityba, Vol. LVIII,
319-323; citação extraida da pág. 321). ,
Impressora Paranaense, Curityba, 1932, pág. 61).

228 229
tação ideológica ao afirmar: " A escravidão é tão barbara e tão " ~:''" atividade de mando ou intelectuais,- ou vivem do próprio traba-
profundamente perniciosa, que nem que fossem necessários 08 ~ • ..t...... .• .:;; lho ou vivem do trabalho do escravo. Processos econômicos,
esforços mais impossíveis para exterminai-a se deveria por mãos -~ sociais, psíquicos, culturais; estão permeados pelos valores uni-
á obra immediatamente. t ... ) Como uma verdadeira aberração,--::,~ .,. ,--;- versais ou especiais determinados pelo sistema escravocrata. É
apesar de todos os nossos civilizados sentimentos religiosos, sociaes ' por isso que o abolicionismo não operou sem obstáculos. Em
e políticos, ergue-se sob a nossa egide, para affrontar por todos lugar de ser um fenômeno restrito, que pudesse ser avaliado
os lados a civilização que applaúdimos, o barbaro vulto antiO'o racionalmente, .êle exprimia o processo mais amplo e complexo
da escravidão!" ( 92). E assim, encoberto por ideais coeren~s '" de dissolução da sociedade tradicionaL Todo um sistema de
com valores culturais vigentes na comunidade, o movimento aho- valores e padrões, processos e normas, precisou ser pouco a
licionista alcançou seus objetivos. Como componente dinâmico do pouco solapado, destruído ou redefinido. Um paranaense con-
processo mais geral de desagregação da sociedade escravista, êle temporâneo . do regime e proprietário de escravos apreende intuiti-
procurou, ao mesmo tempo que libertar, valorizar o negro como - " vamente êsse contexto ao afirmar que "a escravidão é um vulcão
pessoa. O sistema econômico-social em que o processo se desen- ~ ·< sobre o qual dormimos a somno solto,. . . e que não temos a
volvia garantia-se, por meio de mecanismos sociais adequados, a ~ . :_" resolução de extinguir, por não sabermos vencer a força de habitos
continuidade de um dos seus fatôres fundamentais: o trabalhador. · adquiridos desde a infancia" (93). Essas reflexões afloram em
No fundo, o que ocorria era simplesmente a metamorfose do -. parte o caráter do fenômeno que Celso Furtado denominou "heca-
trabalho escravo em trabalho livre. Nesse processo, o negro não tombe": "Constituindo a escravidão h o Brasil a base de ·um
foi o único, mas foi o principal personagem, cujas novas confi~ -:--· sistema de vida secularmente estabelecido, e caracterizando-se o
gurações serão analisadas no capítulo seguinte. sistema econômico escravista por uma grande estabilidade estru-
Uma dimensão do movimento abolicionista ficará para sempre t?ral, explica-s~ !àcilmente que para. o hom~m que integrava êsse
encoberta se não compreendermos o que siO'nifica séculos de sistem~ a abohçao d~ trabalho servil assumisse as proporções de
. ·a 0
escravismo em uma mesma comum a d e. A progressiva •
estru- · uma hecatombe, . · De fato ' essa preocupaça~o pe r .
social" (94)
turação de uma economia baseada na utilização da fôrça de passa ate mesmo 0 mamf1esto da Confederação A bolicioroista
trabalho escravo a partir de meados do século XVII conforme . Parana~nse, ao procurar evidenciar o caráter benéfico da extinção
· · d ' f' , f
f oi caractenza a nesta monogra Ia, e um enomeno que carregou
A ' - ,._ do regime escravocrata. Lembrando uma Provi'nc1·a do norte
u • • • • • ,

consigo a constituição de uma ordem escravocrata, isto é, um ~· ond~. em 18~ se extmgmra ~ escravatura" os abohcwmstas de
mundo econômico e sócio-cultural em que as condições de · pro- Cuntiba :xpnmem-se. do segumte modo: O Ceará le~antou-se
dução marcaram profundamente todos os níveis do sistema. A do seu leJ_to de soffnmentos, voltou ao. seu estad? antenor, tor-
polarização assimétrica dos indivíduos nas relações de produção nou-se mais florescente, sem fazer-s~ ,mister para Isso dos ~raços
impregnou valores, padrões, normas, código de etiquêtas, ideo· ,. enc.adeados. (:. · · ) E 0 , que se dua quan~o souber.-se q , ella
loO'ias etc. A partir de um dado momento quando a sociedade extmta aman~a, ~ara nos ?s paranaenses, nao causana o menor
t>
escravista :""'\ ~•· ·abalo economiC 0 siquer ·I?"
se acha constituída os homens ou' nascem escravos ou- :::.::::: • · como se v e, a fastar
· t95) · É necessano, A

'
nascem livres, ou são trabalhadores braçais ou dedicam-se a •·· ·
~ .. 0 fa t s d "h t h · · · l"
n a ma a" . e~a 0 ~, e mevitave , que. ~mtos · ·
temia~ com
· o advento da lei aurea . Mesmo em Cuntiba, onde o sistema
econômico estava já tão pouco prêso ao trabalho cativo foi neces-
(92) Cf. "Manifesto da Confederação Abolicionista Paranaense
ao Povo da Província," publicado na Gazeta Paranaense de 12 de
Abril de 1888 e transcrito na íntegra por Valfrido Piloto, em , . . .
.., 16. 2 8 • e transcnta por Moysés Marcondes, Pae Patrono, obra
Paranistas, s/ indicação de editor, Curitiba, 1938, págs. 115-118; _ _i9;~ Carta de __ Jesuino Mar condes de Ohve1ra e Sá, datada de
citações extraídas das págs 116 e 117 Como registrou V Piloto ~
.
sob o titulo do mamfesto: · "Autona
. ·de Rocha Pombo, segundo
· c1tada' pág · 200 ·
depoimento de Leôncio Correia". Sob inspiração dos mesmos valo- ~ (94) Cf. Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, Edi-
res são conipostas poesias como as seguintes: "Ave Libertas e tôra Fundo de Cultura S.A ., Rio de Janeiro, 1959, pág. 162.
19 de Dezembro, por Leôncio Correia; Liberdade, por Silveira (95) Cf. "Manifesto da Confederação .Abolicimista Parana-
Netto; "Escravo, serás livre", por Francisco Carvalho de Oliveira. ,
ense ao Povo da Província", obra citada, págs. 115-116.

230 231
sano lutar contra o que ;;e apresentava, na ideologia de certos nurna concepção do negro q ue implica reconhecê-lo como um ser
grupos, como a expressão de um "perigo" incalculável para a pertencente a " outra " raça, d"1versa, m
. f enor
. a' "h ranca " . o con-
~..J; ..
sobrevivência da comunidade. Por isso, uma das tarefas da flito de avaliações persiste na consciência social do branco por
rf=l~ "·'
i campanha abolicionista foi atuar no sentido de transformar cor- tôda a duração do regime, explodindo nas últimas décadas, quando
rentes de opiniões, concepções etc. incoerentes com as condições já não existem mais possibilidades de contrôle ou mistificações
concretas de vida em emergência, envolvendo e absorvendo as ideológicas, quando, mui sintomàticamente, o próprio clero passa
posições e os interêsses tradicionalistas. a condenar a instituição, for çando também a superação da contra-
dição insuportável. Nesse sentido, a abolição é a medida extrema
5. O escravo em face da abolição para a resolução dessa contradição axiológica. Aliás, as liberta-
ções esparsas, individuais, que se realizam por ocasião de uni-
. . A contínua transformação da ordem escravista num sistema vers;:1rios, nascimentos etc. de membros das famílias de proprie-
apoiado na · utilização da fôrça de trabalho livre é um processo tários de cativos, eram já soluções isoladas orientadas naquela
amplo e complexo, que não poderia ser visto somente num dos direção; eram formas de reajustamento da consciência individual
seus níveis de atualização, senão com o risco de ser apreendido " e social aos mores da comunidade. Quando se proclamam a abo-
segmentàriamente. Por isso, nesta monografia procurou-se foca- lição, ' quando é outorgado o status de homem livre ao escravo,
lizá-lo em sua totalidade, selecionando-se, nos diversos níveis, os ·"-~ ."' ,. elimina-se o impedimento axiológico intrínseco ao sistema. Com
fatôres e condições essenciais à sua reconstrução e explicação. ,.•:: a abolição, verifica-se a reestruturação do sistema, superando-se
Abordando-se diacrônicamente a desorganização da escravatura, foi --: 9 - ~o conflito de valores pela constituição de uma nova estrutura,
possível isolar os seus componentes significativos fundamentais, ~~ ·, na qual serão outros os impedimentos.
em cada p~sso, desde _as_ alte:ações es_t:utura!s que pr~vo~aram : ; Por outro lado, a paulatina desagregação da ordem escravista
o desenvolvimento . d~ 1m1g!açao europeAia, ate ~s pecuha~Idades • , precisava operar a "recuperação" da fôrça de traballho repre-
do processo ~e miSCig:naçao, no que ele possUI de c?nti_n?ente ',·.~ :
1
sentada pelo negro, a fim de que o sistema produtivo não sofresse
e de __ determma~o ~oc1almente. P~ocurou-se. reter 0 sigmficado L~ :~ solução de continuidade. Num mundo social em que o trabalho
descntlvo e explicativo das a_It:raçoes . assumidas pelos comporta- - -"3. \ ·. se encontra impregnado de avaliações negativas, produzidas no
mentos div:rgentes do_s _man~Ipws, assim como apanhar . as fases interior do regime de castas, houve necessidade, antes que se
fu ndamentais, . da abohçao ' vista como um processo
· social estru- . "d d f" . . . . . - AI
11qm asse e Imtivamente a mshtmçao, que e e passasse a ser
turado pohticamente. . . . encarado sob outro prisma. Por isso, o abolicionismo é um
. Obs_ervada em conjunto e e~ seus elementos essenciais, a processo social que envolve a função subjacente de dignificar a
dissoluçao do mundo escravo, que e, ao mesmo temp_o, 0 processo atividade humana produtiva, redefinindo-a socialmente. Tôda a
de ~onstituição da soc~ed~de livre, pod~ ser _apree?d~da como um ideologia dêsse movimento está impregnada da preocupação de
fenomeno que se ~xpnmm em du~s ~!m~n:oe~ di~t~~tas conexas. - revalorizar as atividades humanas produtoras em geral, livran.-
Por um lado, prop~ci?u a p~ogres~IVa cnst.Iar:Iz~çao do es_cravo.- - ,_do-as do estigma de ações inferiores, das identificações com o
A escravatura expnmia um Impe~Imento axwlogico ( 9_6 )_,_ pois que . .,. . escravo. Essa revalorização visa dois grupos sociais distintos,
os ~res_ do sistema cultural nao . encontrªv~ possihihda?e: _de - - -r pois é um fenômeno que, polarizado em tôrno dos cativos, exprime
atuahzaçao no plano do ~omportamento efetivo dos propnet~nos · · · ,._ · também uma corrente social desenvolvida no seio dos grupos
de . escravos ou pessoas hgad.as ao produto do trabalho destes. "" .... · :-·- ';.coloniais dos trabalhadores livres CUJ. o contino-ente crescia desde
Havia uma ava1Iaçao r a· . CIVI
. - d o h ornem, pecu_Iar · ·rIzaçao
- "~ns· t-"
a j . " meados ' do século. Negros e brancos ' devemb ser "reeducados"
insta~rada na comuni?a~e, que se nao aphcava ao cativ-~, a -: ,_ • na avaliação do significado econômico, social e moral do trabalho
despeito de sua cond1çao humana. O estado escravo apoia-.se __ produtivo. Em têrmos, o trabalhador é re-socializado em função
das exigências da nova situação.
(96) Cf. Florian Znaniecki, The Method of Sociology, Rine-
hart & Company, Inc., New York, 1934, págs. 298-301, esp. pág. 'Não é, pois, uma "revolução" de cativos que destrói o
298. trabalho escravo para implantar o livre. São transformações
~

232 233
ii :1,
internas ao sistema que paulatinamente arruínam os últimos ves. ciaram o substrato social para a ação dos abolicionistas, é inegável
tígios do regime, pois que êle se tornara inadequado, envelhecido que a atuação daquele não teve nem pôde adquirir imediata·
e novas formas de produção e existência social se haviam ins: ·mente caráoter político. Note·se, contudo, que não teve, mas
talado e expandiam·se. Portanto, a abolição não pode ser encarada assumiu configuração política. Por intermédio dos homens livres
como o resultado direto e imediato do comportamento deliberado que organizam e lideram o abolicionismo, o comportamento do
do escravo. Apesar de tôda sua atividade "divergente", manifesta • cativo acaba adquirindo uma significação política notável. Aliás,
em fugas, revoltas individuais ou grupais, atos "delinqüentes" etc., a partir de um dado instante, o movimento abolicionista, que
não é possível afirmar·se que êle tivesse desenvolvido uma ação .. foi uma expressão política num sistema econômico·social em
social à qual se possa atribuir tal significação política. A sua _ desorganização, passou a estimular o comportamento divergente
atuação não era diretamente abolicionista, nem deve ser encarada do escravo, para melhor desenvolver·se. Passou a repercutir dinâ-
interpretativamente com.o tal, pois que os fins que a orientavam micamente na situação individual do mancípio, levando-o a opções
não foram caracterizados pela necessidade de destruição do regime. _ para as quais na maioria das vêzes não estava socialmente pre-
Ela era definida pela necessidade individual de evadir-se da parado, ainda que as tensões psico-sociais o predispusessem a
situação escrava, onde a sobrevivência reduzia-se aos mínimos isto. É como se tivesse sido estabelecido um processo de inte-
físicos, e não pela exigência coletiva de abolir o regime. A ração circular cumulativo, envolvendo homens livres e cativos,
condição escrava é incompatível com uma organização do compor- negr~~ e brancos. Em o~tr~s têrmos, o comportamento "diver- .
tamento neste sentido. Exatamente porque não foi nem podia gente do escravo, que ongmalmente, sob o angulo do membro
ser formulado nem estruturado como um movimento coletivo da da casta, não é revolucionário, adquire a: significação política
casta dos escravos, o comportamento individual "qesajust~do" condi~en.te com. o abolicioni:mo! exata~ente no . instante. e~. que
do cativo não teve o caráter revolucionário que necessàriamente o prop_no moviment~ lhe da novo senti~o. Assim, o sigmficado
impregnava a ação dos abolicionistas brancos, isto é, livres. Para anarqmco de determm~das formas assumidas . pelo comporta~~nto
q ue assumisse tal sianificado
0 ,
seria preciso que 0 compo r tamen to do escravo em - rebeldia
l' . transforma-se essencialmente,
. adqmnndo
l .
da coletividade cativa fôsse organizado em função de uma elabo- uma ex~ressao po Itica coerente com o movimento co et1vo em
ração consciente da condição escrava; seria necessário que se que se mscreve.
atribuísse à casta dos cativos a possibilidade de apreender, ainda Enfim, se o abolicionismo foi um fenômeno político aparen-
que fragmentàriamente, a situação alienada em que se encontrava. temente orientado em benefício dos cativos, e apesar das mani-
E isto consistiria na própria negação da natureza da condição festações exteriores nessa direção, êle foi essencialmente um mo-
escrava, que traz em si, porque é da sua essência, a impossibili- vimento organizado e liderado pelos cidadãos livres, brancos,
dade de consciencialização da total alienação da pessoa, do man- mulatos ou negros. No contexto histórico-econômico em que se
cípio, do instrumentam vocale. O próprio cativo, pois, estava ,_;~ ? manifestou, precisa ser considerado um fenômeno "branco", em
impossibilitado de romper o círculo fechado em que se encontrava. -:;]' :,.: nome do negro. Lutando pela abolição do trabalho escravizado,
Por si só, por sua ação coletiva deliberada, êle jamais poderia _~ ~ os brancos lutavam em ben:fício dos seus. própr~os. interêsses,
libertar-se. Quando a alienação é completa, como 0 é ·no caso , ~~ c?nforme est~va~ con.substanciados ou podenam. objetivar-s~ nu~
do escravo, êste não pode apropriar-se dos mínimos necessários -:..; " ~ sistema ec~n?m~co-soci~l fundado no- tr~,balho Hv~e. ~or Isso e
ao desenvolvimento de um processo de desalienação. Somente q~e o aboh?I.omsmo fo: uma r~voluçao branc~ . ' Isto e, um mo-
as condições externas ao mancípio c à casta é que deflagram VImento poh~Ico que nao se onentava. no_ sentido de tra~sformar,
um fenômeno impossível internamente. Somente as condições estru· como se afumava, o escravo ~m cidadao, mas transfigurar o
turais, em suas contradições e tensões, é que conduzirão - --·=-·~ trabalho escravo em trabalho hvre.
a uma situação histórico-social em que êle se negará.
Por conseguinte, ainda que fornecendo ingredientes políticos
para o movimento, apesar de que tôdas as formas assumidas pelas
tensões sociais, expressas no comportamento do escravo, propi-
9

234 235
mente dos seus trabalhos e dias. Em benefício do outro, um
é alienado no produto e nas formas de seu trabalho, bem como
em sua pessoa. Por isso (I) sistema econômico e sócio-cultural
que produziu, o escravo produziu também o modo de produzir
escravos, tanto biológico como socialmente. O contingente de
cativos era renovado ou acrescido pela importação de african os
e pela reprodução física da escravaria. Além disso, o universo
VI cultural que se constituiu com o regime organizou-se de maneira
que o ambiente criado pelos senhores e escravos aos imaturos
dêste grupo levava-os paulatinamente à autodefinição como man·
O NEGRO E O :MULATO
cípios. Assim como podia ser socializado o filho do senhor, para
tornar-se senhor, da mesma forma socializava-se o filho do escravo, )
l. A metamorfose do escravo em negro e mulato para ser escravo.
)
Com as transformações da estrutura econômica não se veri-
As relações sociais entre negros, mulatos e brancos no período ficaram imediatamente modificações, no mesmo sentido, na estru- )
escravocrata estão diretamente determinadas pela sua distribuição tura social, em todos os · seus componentes e requisitos sociais )
na área da produção econômica e da apropriação do produto e culturais. É postulado nas ciênc·ias sociais que as alterações
do trabalho. A partir das posições relativas no sistema produ- )
dos componentes de um todo econômico e sócio-cultural geral-
tivo, determinadas pela divisão do trabalho peculiar ao regime, mente se verificam com ritmo e intensidade diversos, conforme
os indivíduos definiram-se no sistema social com tôdas as impli- os setores da realidade. Em conseqüência, os brancos transpor-
cações inerentes, desde a utilização de elementos do código de taram consigo valores, padrões, ideais, técnicas de ajustamento
etiquêta nas relações sociais até o processo de socialização. e contrôle do comportamento etc. específicos do mundo escravista
Apoiado na divisão do trabalho produzida pelo regime de pro· em que se constituíram. Transportaram-se juntamente os ideais
dução fundado na utilização da fôrça de trabalho cativo, todo
de mobilidade, as avaliações de posições e status, as técnicas
um complexo psico-social e cultural emergiu, institucionalizando
de socialização etc. E nesse processo transferiu-se e preservou-se
as condições vigentes, segundo valores, padrões, normas, ideais
também a identificação do negro como membro da camada
de mobilidade social, concepções dos grupos sociais e da socie-
inferior, com o que foi escravo· ou é seu descendente. Negro ou
dade etc. próprios de cada camada. Daí a assimetria das castas
mulato é ou foi gerado pelo escravo, em tudo o que a categoria
superpostas, com figurações particulares, conforme foram carac·
significa. Os negros e os mulatos, por sua vez, também levam
terizadas no desenvolvimento desta monografia. No contexto do
sistema sócio-cultural da comunidade, às duas grandes camadas consigo os componentes fundamentais do subsistema sócio-cultural
naturalmente vincularam-se sistemas sócio-culturais restritos. Os em que se achavam imersos enquanto cativos. Valores, ideais
subsistemas de valores e ideais das castas escrava e senhorial de mobilidade, avaliações do que é "branco" e do que é "negro",
são, evidentemen-te, diversos e muitas vêzes antagônicos em seus identificação do branco com a camada superior, os mecanismos
sentidos. A manipulação do código de etiquêtas em cada caso básicos de socialização etc. são elementos que fazem parte dêsse
exprime muito bem a assimetria existente não somente no plano todo em movimento. Dessa maneira, o escravo e o senhor me-
dos status econômicos como também em todo o universo psíquico tamorfosearam-se em branco, negro e mulato. Do mesmo modo
e sócio-cultural que cerca o senhor e o cativo. Utilizando uma que o mundo que criou àqueles persistiu em parte na sociedade
imagem que enfatiza a idéia, poderíamos dizer que as persona· livre, assim também os personagens se prolongaram nas pessoas.
lidades-status do escravo e do senhor são opostas pelo vértice, Por isso, já no período escravocrata a discriminação começa a
tal a distância social entre elas. Mas essa distância não é emergir em manifestações em parte registradas pelas fontes co·
apenas econômica e social; ela é também p::Jicológica e moral, nhecidas. No momento em que brancos, mulatos e negros são
porquanto um é coisa, semovente, e o outro pode dispor livre· colocados face a face, como libertos e cidadãos, entram em jôgo
~

236 237
os padrões de avaliações recíprocas elaborados no univer::.o es.· negro, ou escravo" ( 1), indicando assim a
cra~ocrata. Não ~ão somente :s situa~~es sociais presentes que __ _ de um e outro. Ou então, como estabelece
defmem e determmam as relaçoes sociais entre as pessoas. AÕ ___,-;;;;.;;:;:, " provimento de Mattos Coutinho, por ocasião de desordens ou
lado dêsse fator, é necessário considerar a experiência social promovidas em Curitiba, "sendo preto forro , ou cativo
passada, acumulada por um e outro, além das avaliações recíprocas 0 m.de prender, e prezo seja levado ao Peloirinho . .. " ( 2) .
efetuadas em função dessas duas ordens de fatôres. A discri- Assim se vai exprimindo continuamente a ideologia racial do branco
minação é um mecanismo de manutenção da distância social que com relação àqueles. Ao manifestar em parte as condições con-
foi gerada no regime escravocrata entre negros e brancos, do cretas de vida e as condições ideais desejadas, essa ideologia
mesmo modo que um e outro foram produzidos no mundo vai, pouco a pouco, construindo as categorias novas, relativas aos
escravocrata. Quando o status jurídico já não fixa mais a dis- que não são brancos nem escravos, mas uma outra entidade,
tância que separa um do outro, quando os status econômicos mais próxima sob muitos aspectos do t:ativo, pois o que é, em
recíprocos sofreram abalos, alterando-se, os brancos reelaboram parte é o que foi.
socialmente os remanescentes do antigo regime, tais como ocupa- - O mesmo fenômeno continua operando durante todo o século
ções, marcas raciais, atributos morais, psico-motores etc. para XIX, impulsionado por condições semelhantes e por nov_os fatôres
assinalar o universo do "nós" e dos "outros"; uma camada e acrescidos aos preexistentes, a partir do período inicial da colo-
. outra camada, mesmo onde as bases reais da distinção já ruíram nização; e depois, ainda, entram em ·j ôgo elementos ligados à
parcial ou totalmente. Assim emergem estereótipos, por exemplo, dissolução da sociedade escravista, especialmente o abolicionismo.
como componentes de ideologias raciais. O caráter de ser estranho, diferente do branco, que se definiu na
O desenvolvimento dado a est~ monografia tornou dispensável vigência do regime escravocrata, exprime-se em diversas oportuni-
uma descrição pormenorizada das manifestações restritivas, dé di- dades, sempre que possível e, desde que a coerência do compor-
versa ordem, de brancos com relação a negros e mulatos. A tamento do branco o permite, êste discrimina, afasta, delimita em
maneira pela qual foram elaborados textos legais, têrmos de ve-
reança, provimentos de ouvidores, notícias de jornais, relatórios . T d d c ít d c
d e p_resi'd entes provmciais
· · · l' · 'd" . ,-:· -~ . (1) Cf. Provimento "100", em " res1a o os ap u1os e or-
etc. tor_n~ram exp ~citas as evi encias · ~- _ : reição desta Villa de Nossa Senhora do Rosario de Per~agu~ este
que mteressam a esta parte da anahse. As diversas formas assu- · J anno de 1721" transcrito em Documentos para a Htstóna do
midas pelos documentos escritos não poderiam deixar de registrar " . ; ;. Paraná, recolhidos e annotados por Moyses Marc?ndes, 1• S~rie,
' 1utave
o f ato· Ine ' l d e que o escravo e' re 0rr'd · ·
I o por normas especiais,
-~
-~~ :· . , .,- Typographia
. 't -
do Annuario
t 'd d doá Brasil, Rio t de . Janeiro,.
mbe'm 1923, pags.
prov1 mento
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em to as as areas f un d amentais J. .
· d o seu comportamento. O status -. .. · ' 27-15 as págs.ci 75-76.
4
.
açao ex rru a a p g. 82 , ver a
"86"
,
econômico, jurídico, social e moral do cativo determinava uma , (2) Cf. "Provimentos" do Ouvidor Dr. Antonio Barboza de
delimitação conseqüente, que as fontes registraram. Pouco a Mattos Coutinho, passados em 1774, transcrito no Boletim do Archivo
pouco todavia escravo negro e mulato foram sendo utilizadas . ..,.:i • Municipal de Curityba, Vol. VIII, Livraria Mundial, Curityba, 1924,
' -' · - · ' ·a · · • . - :i~ .- - págs. 99-100; citação extraída da pág. 100. Para outros textos em
c_omo expressoes smo~~ma_s p~ra SI~mficar o que e cativo. Paula- . . ~ · . que as expressões empíricas das categorias m~lato e neg;o apa-
tmamente, em consequencia, a ·medida que negros e mulatos eram ~- ~ :::. tecem sob acepções diversas, consulte-se: Bolehm do Archwo Mu-
libertos, carregavam consigo atributos do grupo original. Na côr, • . _ · ~ ~ nicipal de Curityba, Vol. IX, Livraria Mundia!, Curityba, 1924, págs.
na especia· l'Izaçao
- pio 1 no umverso
. f'Isswna,
· · 1 no mo d o de _.~
ver b a, - .·· ~41-42;P Boletim do CArchivo
·t b Munic-ipal
ágs de37Cuntyba, Vol. XI,
e 63· Boletim Impres-
do Archivo
· d 1 'b . 1 sora aranaense, un y a, 1924, p . ,
vestir-se, e comportar-se etc., evavam os atn utos socia mente ':"~. -~Municipal de Curityba, Vol. XIII, Impressora Paranaense, Curityba,
definidos como específicos do ex-escravo. No sistema em que se • 1929, págs. 86-87; "Efemérides Paranaenses", por Francisco Negrão,
criou o cativo o nearo e 0 mulato se encontram em relação ·....... .: em Revista do Circulo de Estudos "Bandeirante:S",. tomo II, N•
• · ' - t; . - ·- --- 4 Curitiba setembro de 1949, págs. 459-512; referencia à pág. 502;
genehca com o manc1p10: aparentemente porque eXIste uma relaçao . F. R. Aze~edo Macedo Conquista Pacífica de Guarapuava, Edição
de descendência física, natural, e historicamente, porque o sistema - Gerpa, Curitiba, 1951,' págs. 173-175; Auguste de Saint-Hila~re,
sócio-cultural o caracteriza como tal. Conforme estipula Pardinho, 'V_oyage dans les Provinces de Saint-Paul et de Sainte-Cathenne,
em um dos seus provimentos aos ladrões se dará vinte dias de Citada, tome second, págs. 83 e 185.
' '
238 239
benefício próprio ou do seu grupo. Às vêzes fica evidenciada - de fatôres em conexão. De um lado, atua o etnocentrismo ine-
uma convicção profunda de que o mundo dos escravos ou negros rente aos grupos coloniais que se instalavam na comunidade,
é diferente daquele do branco, pois uns e outros participam de ainda em primeira ou no máximo segunda ·geração. Por outro,
culturas diversas, uma das quais é "inferior". Êsse é o significado as dificuldades apresentadas pela diversidade de línguas exigiam
de evidências como esta, expressa em notícia de O Dezenove de uma seleção dos trabalhadores que levasse em conta as possibili-
Dezembro: "Pergunta-se: Será bonito que figura em Congadas dades de intercurso verbal. Mas não se pode negar que a ope-
ou Marujadas o estandarte nacional pertencente a um batalhão? ração dessas variáveis, mesmo que tivessem sido definidas em
Implora-se, bem do brio, a substituição". "Dessas Congadas, acres- têrmos não raciais, acabou produzindo efeitos discriminatórios
centa Loureiro Fernandes, eram participantes os pretos, em geral inesperados e imprevisíveis para os agentes. O comportamento
ainda cativos" ( 3). Mais clara, a mesma concepção dúplice se expresso nos textos dos anúncios dos jornais, por exemplo, dizem
encontra em reflexões de Jesu.íno Marcondes, ao lamentar que respeito a um sentimento de "nós" que necessàriamente distancia,
se afirme, referindo-se aos brasileiros em geral, que "somos uma afasta os "outros". No processo de absorção dos grupos europeus
raça bastarda de mestiços, cobarde incapaz de conquistar a liber- em Curitiba, a discriminação do "brasileiro", negro, mulato, ou
dade" ( 4) . Aqui · se lastima abertamente a miscigenação ou, mesmo outros estrangeiros, foi-lhe um fenômeno intrínseco, per-
pelo menos, a sua afirmação verbal. A subavaliação do negro e sistente no século XX. ·
do mulato e a necessidade de conviver com êles, dependendo do Precisamente quando se deflagra o abolicionismo, a consti-
seu trabalho, leva o paternalismo escravista ao silêncio sôbre tuição dos novos tipos sociais "negro" e "mulato" entra em fase
a côr, uma norma do código de etiquêtas que persiste na socie- final. Nesse período, os grupos sociais envolvidos diretamente
dade não escrava. no fenômeno reorganizam as ideologias raciais em têrmos daqueles
Na mesma direção orientam-se os anúncios de jornais relativos que também devem ser considerados sêres humanos, "cidadãos",
a "empregados procurados", na segunda metade do século. A e não semoventes, como repugnava aos mores da sociedade global.
progressiva participação de alemães, italianos, poloneses ou seus Uns valorizam assim o escravo ou ex-escravo, ressaltando as suas
descendentes na comunidade dos brancos levava a uma freqüência potencialidades humanas, morais, sociais etc. No afã de rede-
cada vez maior de anúncios procurando: "menino ou menina fini-los em função dos valores ideais e dos outros membros da
estrangeiro", "criada alemã", "casal de estrangeiros", "estrangeira comunidade, acabam caracterizando-os como out-group, como
para cozinheira", ou outras verbalizações ( 5). Naturalmente essa indivíduos que "podem" vir a possuir os mesmos atributos do
orientação da procura de trabalhadores é devida a um complexo branco. Empenhados em redimir os escravos, colaboram na estru-
turação, no plano da consciência coletiva, de uma entidade sin-
gular, à parte. Êsse também é o significado de verbalizações
(3) Cf. O Dezenove de Dezem bro, N• 1.570, Curityba, 6-1-1875,
transcrição de José Loureiro Fernandes em "Notas para a Festa como aquelas registradas nos textos dos abolicionistas, como as
de S. Benedito - Congadas da Lapa", Anais do 10 Congresso que seguem: "o escravo, ma china viva"; "o trabalho amaldiçoado
Brasileiro de Folclore, realizado no Rio de Janeiro, de 22 a 31 de do escravo" ('6) ; "o escravo desnobilita o trabalho e não é mais
agôsto de 1951, edição do Ministério das Relações Exteriores, De- do que uma machina incoqsciente, que obedece o impulso de
partamento da Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1955, pâgs. 243-
-302; citação extraída da pág. 244.
estranhas vontades" ( 7) ; "celebre agora Curityba o seu noivado
( 4) Cf. Moysés Marcondes, Pae e Patrono, citada, págs. 116,
156 e 198-202; citação extraída da pág. 116.
(5) Uma lista dêsses anúncios é apresentada por Wilson Mar- (6) Cf. "Manifesto da Confederação Abolicionista Paranaense
tins, Um Brasil Diferente, citada, págs. 189-196. Segundo se pode ao Povo da Província", publicado na Gazeta Paranaense, de 12
observar na mesma relação, as págs. 189-190, outras vêzes os de abril de 1888, transcrito integralmente por Valfrido Piloto, págs.
anúncios referiam-se a doméstico ou empregado "nacional ou es- 115-118; citações extraídas da pág. 115.
trangeiro". Mas essas evidências, mesmo que numerosas, não inter- (7) Cf. transcrição do "Discurso" pronunciado pelo Capitão
ferem na significação da análise que estamos desenvolvendo, a Inácio de Sá Sõto-maior, em "Reportagem sôbre o Movimento Abo-
qual pretende apreender uma dada dimensão do mundo social da licionista no Paraná", por Valfrido Piloto, Paranistas, citada, pág.
época. 89.
~

240 18 241
com a virgem loira e consoladora . . " (alusão a caracteres feno. vida dos escravos e ex-cativos, ou seus descendentes, como membros
típicos de imigrantes europeus) ( 8) ; "mancha negra da escravidã (las camadas mais baixas da população, passaram a ser atribuídas
que tanto nos amesquinha" (9). Mas o pleno significado dêsse~ à sua responsabilidade. A subcultura peculiar do escravo, · e que
dados ficará evidenciado quando observamos as famosas frases teve de prolongar-se no cidadão egresso do escra-
do Barão de Cêrro Azul, proferidas na abertura de seu discurso vismo, passou a ser considerada produto do próprio cativo, e não
em sessão do Club 13 de Maio, de Curitiba. Disse êle: um subproduto da ordem escravocrata.
Mas essas não são tôdas as faces essenciais do processo que
" Negros! Negros! e ainda uma vez negros!
p;oduz o negro e o mulato. Como já vimos anteriormente, a
Negros eram os olhos de Maria!"
própria legislação emancipadora procurava manter conexões es-
treitas entre o escravo e o negro, como aquêle que foi cativo,
Como diz Leôncio Correia, entre a primeira e a segunda frase pois que um era a transfiguração jurídica do outro. Aos libertos
"estabeleceu-se no auditório um indisfarçável mal-estar, que amea- pela lei de 1885 eram estipuladas exigências que não somente
çava o desencadeamento de uma tempestade" ( 10). É evidentli" ~ traduziam uma limitação da liberdade como reproduziam também
que o sucesso delas, devido ao caráter insólito, inesperado, da 'Uma definição clara do ex-escravo como tal. "Qualquer liberto,
expressão "negros", repetida vigorosamente por diversas vêzes, é encontrado sem occupação, será obrigado a empregar-se ou a
o resultado natural da manipulação de um estereótipo negativo cõntratar seus serviços no prazo que lhe for estipulado pela
diante daqueles aos quais era referido. tsse evento, ocorrido policia" ( 11) . Assim, à medida que se modificam as condições
nos primeiros anos após a abolição da escravatura, não teria~-0 u ·
econômicas e sociais ligadas à desagregação do regime escravo-
significado que a análise sociológica lhe pode atribuir se a cate- •j
crata e à elaboração da sociedade livre, vão-se constituindo também
goria · já não estivesse elaborada, como de fato estava, desde a
novas entidades sociais. Na sociedade em que o trabalhador é
vigência do regime.
livre de oferecer a sua fôrça de trabalho, segundo as solicitações "':~
Os escravagistas, por sua vez, também atuaram no sentido de do mercado, os trabalhadores serão uma outra e nova classe.
dar uma configuração :rnais nítida a negro e mulato, seja negan- Negro e mulato são imagens ideológicas que facilitam a identifi-
do-lhes capacidade para se comportarem como cidadãos, homens cação dos membros das "outras" camadas sociais.
livres, seja afirmando a necessidade de preservar a produtividade
A compreensão plena do processo de constituição das novas
dé suas unidades econômicas; ou então, nas ameaças de que tôda
categorias sociais .da comunidade depende ainda do exame de outra
! •• ] a economia da área entraria em colapso. Enfim, por vias dife:

i~ J rentes, os antiaboljcionistas reforçaram os traços que deveria~


definir socialmente o negro e o mulato. E êstes não puderam
ficar imunes à dialética dos produtos ideológicos da comunidade
ordem de fatôres, cuja significação assume em certos momentos

(11) ltsse é o texto do parágrafo 17 do Art. 39 da Lei n.


na qual estavam inseridos. Além disso, as condições reais de 3~270, de 28 de setembro de 1885, destinada a regulamentar "a I
''·I
extinção gradual do elemento servil". Cf. Luiz Maria Vidal, Reper- 'i
t ório da Legislação Servil, 3 volumes, Laemmert & C., Rio de Janeiro,
(8) Cf. Notícia da Gazeta Paranaense, transcrita por 1886, 39 vol., págs. 61-62. Outras evidências significativas encon-
tram-se nos relatórios dos presidentes da Província e no noticiário
Piloto, op. cit., pág. 97. dos jornais relativos ao "elemento servil". Veja-se, por exemplo.
(9) Cf. texto da ata da primeira reunião do grupo que fundou ''Matricula dos filhos livres de mulher escrava" e "Taxa de escravos",
a sociedade secreta antiescravista Ultimatum; transcrição de O Dezenove de Dezembro, Anno XIX, N 9 1 . 276, Curityba, 14-2-1872,
Romário Martins, História do Paraná, obra citada, pág. 309. pág. 4; "Matricula especial dos escravos", "Estado Servil". O
(10) Cf. Leôncio Correia, Meu Paraná, Edição do Estado do Dezernove de Dezembro, Anno XIX, N9 1 . 279, Curityba, 24-2-1872,
Paraná, 1954, pág. 75. O evento referido ocorreu certamente entre 1; "Elemento Servil", Relatório que o Exm. Snr. Dr. Brasilio
6-6-1888, época da fundação do Olub Beneficente 13 de . Maio ~ e -- M. d'Oliveira apresentou ao Exm. Snr. Commendador
20-5-1894, data em que foi fuzilado o Barão de Cêrro Azul. Outras Alves d'Araujo, 19 Vice-Presidente da Provincia, em 4
evidências que interessam a esta análise encontram-se às págs. de Setembro de 1885, Typ. da Gazeta Paranaense, Curityba, 1885,
33-34 e 95 da mesma obra de L. Correia. págs. 81-86.
~

242 :l48
interêsse especial. tles se ligam ao fenômeno mais amplo de reza humana segundo processos econômicos e sócio-culturais, onde
elaboração de uma civilização no país. O processo de "europei- 0 homem é criador e criatura, focalizam os homens como criadores
zação" do nôvo mundo foi o resultado da dinâmica da expansão autônomos e atribuem aos negros, mestiços e brancos atributos
da economia dos núcleos europeus mais prósperos. O substrato que não lhes são intrínsecos, mas criados historicamente. Atri-
último da ação "civilizatória" exercida pelos portuguêses, por buem-lhes a responsabilid ade e o domínio sôbre condições reais
exemplo, no Brasil, foi a exploração das riquezas e potencialidades de vida que lhes são impostas. Spix e Martius, em suas andanças
econômicas da região. Nesse contexto, o contacto, a permanência pelas terras do Brasil, acabaram "convencidos" de que "o europeu
e a integração do europeu na Colônia lusa efetivo u-se em função é superior aos homens de cor na intensidade do fluido nervoso
de relações de dependência, de submissão. Grupos hierarquizados e assim domina as outras raças de maneira especifica, tanto
passaram a operar e desenvolver-se, apoiados na exploração de somatica como psychicamente. ( ... ) O europeu especialmente é
algum produto agrícola, pecuário ou mineral. Necessàriamente a dotado de organização e forças espirituaes bem superiores aos
ideologia dos grupos dominant~s ( colónizadores portuguêses e demais typos de outras raças. Se o h omem de raça caucasica
clérigos inicialmente ) estava impregnada de avaliações etnocên- é verdadeiramente inferior ao negro em agilidade e capacidade
tricas dos atributos das raças humanas em convívio. O mundo sexual, ao americano em estatura firme e robusta, força muscular,
que se abre ao europeu com os grandes descobrimentos marítimos perseverança e longevidade, e a este como ao mongolico em agu·
é aquêle no qual êle vai provar e expandir engenho e arte no deza dos sentidos, é porém superior a todos em belleza do corpo,
trato com outros povos, aquêles que não possuem a "graça" da proporções e attitude, alem de moralmente livre,· independente
civilização européia, cristianismo ou mercantilismo. Segundo as na evolução universal do espírito" ( 13). As mesmas concePÇões
reflexões de Manoel Guedes Aranha, Procurador do Estado do básicas se repetem em obra de outro europeu, que também viveu
Maranhão em 1654, "si os riobres nos paizes civilizados são tidos no "Brasil e cita Martius a propósito da mesma questão. O
em grande estima, com maior razão devem ser estimados os sensualismo do negro e a superior inteligência do branco são ,)
brancos em paiz de hereges; porque aquelles foram creados com reafirmados por Gobineau. "Ã imensa superioridade dos brancos,
o leite da Igreja e da fé christã" . E acrescenta, "sabido é que no domínio completo da inteligência, associa-se uma inferioridade
diferentes homens são proprios para diferentes coisas; nós (bran- não menos acentuada na intensidade das sensações. O branco é
cos) somos proprios para introduzir a religião entre elles (indios menos dotado que o negro e o amarelo nas relações sensuais" ( 14).
e pretos); e elles adequados para nos servir, caçar para nós, Somente uma investigação especial poderia esclarecer em que
trabalhar para nós" ( 12). É clara a dicotomia: há "nós", os medida essas formulações exprimem elementos da ideologia dos
brancos, e " êles", os negros, indígenas, mestiços ; e a missão brancos da camada superior do Brasil no século XIX. Se con·
do europeu é moldá-los a seu modo, segundo os seus valores siderarmos, no entanto, a coerência dessas avaliações com aquelas
e desígnios. registradas por documentos brasileiros, reproduzindo manifestações
Em princípios do século XIX, o etnocentrismo do branco, da ideologia da casta senhorial, podemos concluir que alguns
daquele proveniente do europeu, assume foros de ciência, onde os estrangeiros, mesmo cientistas, deixaram-se impressionar pelas idéias
brancos são vistos como· superiores aos negros, amarelos, ver- e opiniões dos senhores que os hospedaram. É inegável que
melhos e mestiços. Incapazes e desinteressados de verem a natu-
(13) Cf. J . B. von Spix e C. F. P. von Martius, Viagem pela
Capi tania de S. P attlo (1811-1818), citada, págs. 54-55.
(12) Cf. Manoel Guedes Aranha, "Papel Politico sobre . o (14) Cf. Le Comte de Gobineau, Essai sur l'Inegalité des
Estado do Maranhão Apresentado em Nome da Camara, por seu Races Humaines, quatriême édition, Firmin-Didot et Cie. Impri-
Procurador Manoel Guedes Aranha (1665) ", R evista do Instituto meurs-lflditeurs, Paris, s. d. (data da primeira edição : 1854) , tomo
Histórico e Geográfico Brasileiro, XLVI, pág. 1, citado por Gilberto I, pág. 217. A propósito de concepções semelhantes, consulte-se
Freyre, Sobrados e Mocambos, 3 vols., 2• edição, Livraria José outro viajante que passou também por Curitiba : Roberto Avé-Lal-
Olympio Editôra, Rio de Janeiro, 1951, 1o vol. págs. 13-14, 2o vol., lemant, Viagem pelo Sul do Brasil n o Ano de 1858, 2 partes, tra-
648 e 714. Na mesma obra G. Freyre apresenta outras evidências dução e edição do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1953,
no mesmo sentido. 2• parte, págs. ,282 e 287.

244 245
os europeus transmitiram aos brasileiros brancos uma concepção ao expnm1r a concepção de que o negro, relativamente ao branco,
das raças e sua hierarquização biológica, moral, intelectual, como apresenta certa morosidade no civilizar-se. "O que importa ao
uma doutrina da missão do branco em face dos africanos, aborí- Brasil determinar - diz êle -- é o quanto de inferioridade lhe
gines e híbridos. Essa influência encontrou campo propício, onde ---=- - advém da dificuldade de civilizar-se por parte da população negra
as relações humanas estavam ordenadas no mesmo sentido. E que possui e se de todo fica essa inferioridade compensada pelo
os brasileiros, por sua vez, muitas vêzes transformaram os euro- mestiçamento ... " ( 16) . Como vemos, Nina Rodrigues retoma a
peus em trânsito pelo país (engenheiros, naturalistas, artistas etc.) problemática das raças no Brasil nos têrmos propostos pela casta
em porta-vozes de suas concepções sôbre a escravatura, relativa- dos senhores na vigência da escravatura. Em verdade, seria difícil,
mente à adequação dos negros, mulatos e indígenas aos regimes com os elementos teóricos de que lançou mão, colocar a questão
de trabalho livre e escravo etc. O francês A. Rendu é talvez um em outras bases. Os autores que o influenciaram não lhe per-
dos que melhor exprimiram essa face do problema. Como afirma mitiam analisar o problema em função da historicidade dos sis-
em sua obra sôbre o Brasil: "A observação demonstra que, trans- - temas econômico-sociais e dos homens. Além disso, e é o que
portados de outras regiões, os negros conservam a sua ignorância nos interessa especialmente, através de obras como a dêste autor
secular; os exemplos que êles têm sob os olhos não contribuem a ideologia dominante se reafirma, difunde-se, retornando às suas
em nada para o desenvolvimento de sua inteligência. ~les assistem bases sociais e dando-lhe fundamentos novos. Inconscientemente,
ao movimento da civilização sem dêle participar. ( ... ) Trabalhar , ;;.:r;;;... o cientista se transforma em ideólogo.
o menos possível, essa a sua idéia fixa. ( ... ) Os negros livres Curitiba não foi nem poderia ser imune a essa ideologia. Colo-
têm poucas necessidades; dormem todo o tempo em que não estão nizada sob os mesmos influxos iniciais de todo o povoamento
a caçar ou pescar. ( ... ) Não é raro encontrar negros que, sob do País, a comunidade foi alcançada pelas mesmas doutrinas
a condição de escravos, se revelam bons, ativos e trabalhadores; acêrca da legitimidade da escravização, das diferenças das raças etc.
e que, uma vez em liberdade, tornam-se corruptos, heberrões, Os portuguêses e clérigos que ali se instalaram teriam levado as
libertinos e gatunos. ( ... ) Temos a convicção íntima de que, mesmas preocupações de enriquecer, europeizar, cristianizar. Tanto
no estado atual das coisas, a emancipação dos escravos seria uma a destribalização ou destruição de grupos indígenas como a
calamidade para o Brasil e para os próprios negros" ( 15). Talvez submissão e absorção de africanos e descendentes operou-se sob
essas concepções sejam pessoais e seria difícil descobrir como aquêles mesmos desígnios fundamentais. A conquista dos campos
Rendu as concebeu. Indubitàvelmente, todavia, elas exprimem de Guarapuava e Palmas, na primeira metade do século XIX, são
avaliações e explicações que coincidem com os interêsses dos escra- eventos exemplares dêsse amplo e intrincado processo. A hierar-
vistas. A coerência lógica entre essas reflexões e os dados quia dos homens, dos problemas e das coisas em Guarapuava,
retidos nos documentos analisados nesta monografia denotam a como revelam as fontes, refletem-no. E no bôjo do sistema social,
transformação dêsse escritor em ideólogo dos senhores de cativos constituído ali como em outras comunidades, estavam também as
e daqueles que dependiam da escravatura. As condições em que concepções sôbre as gentes e seus atributos. Por isso, na compre-
essas pessoas circulavam pelo país, forçosamente as punham em -~ ~ ensão do que são o negro e o mulato libertados, é necessário que se
contacto permanente com os membros · da camada superior da socie- apreenda adequadamente também essa dimensão ideológica do
dade, o que as levava imperceptivelmente a incorporar as atitudes, - - processo civilizatório desenvolvido nessas partes do Brasil.
opiniões e doutrinas dominantes no . meio, dando-lhes, por sua As condições histórico·econômicas e sociais que produziram
vez, foros de teorias científicas elaboradas na Europa. Nem o escravo geraram ao mesmo tempo o negro e o mulato, como
mesmo Nina Rodrigues pôde escapar a essa determinação histÕ·
rico-social, sob a influência da ideologia racial do branco brasi-
leiro e das teorias antropológicas em voga nos países europeus, (16) Cf. Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, 3• edição,
revisão e prefácio de Homero Pires, Companhia EditOra Nacional,
São Paulo, 1945, esp. págs. 411-432; citação extraida das págs.
417-418; também, do mesmo autor, As Raças Humanas e a Res-
(Ui) Cf. Alp. Rendu, I!Jtude s Sur le B1"ésil, chez J.-B. Bailliere, ponsabilidade Penal no Brasil (1• ed. de 1894), Livraria Progresso
Paris, 1848, págs. 31-47. Editôra, Salvador, 1957, passim.
'
246 247
outras categorias peculiares a uma estrutura econômico-social bipo- controlaram-se ou reprimiram-se os comportamentos sociais diver- )
larizada. Negros e mulatos são aquêles que pertencem ao "outro" gentes, mantendo -se assim a vigência do sistema em decomposição.
)
grupo, à outra camada social; são aquêles que possuem faculdades Por outro lado, contudo, mesmo as soluções construtivas das
intelectuais e morais diferentes do branco; que devem ser utili- contradições e tensões não deixaram de atuar no sentido de )
zados por êste nos trabalhos menos "dignos", isto é, nas atividades constituírem-se fatôres negativos. Gerando estabilizadores do sis- )
que produzem riqueza. Negro e mulato são categorias produzidas tema, êsse mesmo sistema produzia os seus contrários, porquanto,
no interior do processo de constituição da sociedade escravocrata. na medida em que o escravo se transforma em liberto, negro )
Cada um com suas peculiaridades, ambos foram gerados no ou mulato, são negados, implícita e explicitamente, os fundamentos )
desenvolvimento dêsse fenômeno. Por um lado, o negro é 0 morais do próprio sistema que os produzia. A valorização da
escravo transfigurado pela reintegração de camadas assimétricas. pessoa, inerente à transformação do escravo em homem livre, é,
A custa de _ser inferior, semovente, objeto de determinações dos ao mesmo tempo, a negação dos requisitos morais e jurídico s
brancos, indivíduos sem pessoa, o sistema escravocrata transfor- que fundamentam o regime. Além disso, o mulato carrega com
mou o cativo em negro. Por outro, o mulato é outro produto )
0 seu hibridismo uma denúncia permanente do regime. Produto
da reintegração do sistema. O _processo de miscigenação que do escravo e do senhor, da exogamia reprovada pelos more.s ~
envolveu senhores e escravos, negros e brancos, acabou transfi- da sociedade global, o mestiço não sàmente é, por si mesmo, uma )
gurando o escravo também em mulato, o cativo em liberto. Mas das mais puras evidências das contradições intrínsecas ·ao regime
não em cidadão totalmente livre, como eram os outros, e sim numa como é também agente direto da abolição. Em conseqüência,
pessoa livre "em têrmos", porque marcada pela sua origem híbrida, 0 preconceito contra o negro e o mulato, ainda no período escra-
biológica, social e moralmente. Na sociedade "brai_lca", o mulato vista, é um fenômeno que exprime a negação da negação, isto
é um homem livre estigmatizado pelas marcas raciais do "outro" é, revela já então o germe da nova "submissão" do negro livre.
grupo, daqueles que foram escravos. Assim, nessa sociedade se O preconceito, como expressão das contradições próprias à dis-
modificou o cativo sob diversos aspectos. Envolvendo-o numa posição hierarquizada das camadas sociais, subsiste ao mundo onde
trama complexa de relações e determinações, ela produziu outras estas persistem. Produto de um sistema econômico-social em que )
categorias. A metamorfose do escravo em negro e mulato é o os indivíduos estão ordenados assimetricamente, as avaliaçõ~s
resultado da dialética das contradições e da dinâmica inerentes negativas dos negros e mulatos pelos brancos serão redefinidas
ao regime em processo de desagregação. O africano, transfor- no nôvo sistema econômico-social, onde também vigorará uma
mado em mancípio, transfigurou-se com o decorrer do tempo em distribuição bipolarizada dos indivíduos. .
negro e mulato. Mas essa metamorfose não é acidental. Sendo,
como é, o resultado concreto da ordem escravocrata, um processo
2. Obstáculos à integração social
em devir, aquela transfiguração é ao mesmo tempo uma negação
da própria ordem escravista. Do jôgo das contradições inerentes Os significados essenciais da desorganização social do re-
à própria natureza da sociedade escravocrata resultaram, entre gime sàmente se tornam explícitos e. interpretativamente relevantes
outros, o negro e o mulato como entidades que negam a ordem quando a análise se detém, como o fizemos, em questões tais
vigente. Os cativos que o regime não pôde evitar se transformas· como: por que se dá a desagregação, em que sentido ela se de-
sem em homens livres, se foram produtos necessários do sistema, senvolve, quais as manifestações da· nova estrutura social em
no sentido de que eram o resultado normal do seu funcionamento, emergência etc. É com o exame global do sistema econômico-
foram também a sua negação. De fato, o regime escravocrata social em dissolução, especialmente conforme êle se configura
muitas vêzes não pôde impedir e precisou mesmo promover a em determinados momentos da segunda metade do século XIX,
modificação de alguns escravos em negros e mulatos. Para poder que se torna possível explicar os seus significados sociais funda-
sobreviver, a sociedade desenvolveu mecanismos sociais de reso- mentais: a redefinição social do trabalho social, a reavaliação
lução das tensões e contradições estruturais e funcionais ideológica do · negro, as conexões da colonização com a mística
graves, canalizando-as em geral construtivamente; outras da branquidade, o processo de seleção da côr como atributo
~

248 249
social etc. Além disso, é também a análise da época final do geração. Vejamos por quê. Antes de mais nada, o processo de
regime, quando êle se acha em fase de regressão, que esclarece absorção não é unidimensional, pois a integração de alienígenas
a verdadeira condição escrava, em seus significados principais. -: ê um fenômeno resultante da operação recíproca das expectativas
Em especial, a alienação do homem no regime escravista assume dêstes e dos membros da comunidade adotiva, de conformidade
a sua plena significação quando se dá a liberdade ao escravo com as condições institucionais desta e a compatibilidade relativa
quando êle é transformado juridicamente em liberto, sem que ~ entre os sistemas culturais. Conforme as expressões de Eisenstadt,
tenha possibilitado a formação de sua personalidade em conso- "o processo de absorção e integração de imigrantes na comuni-
nância com as exigências da condição de homem livre. É quand·o . dade adotiva é o produto da interação entre seus desejos e
observa os membros da casta escrava que começam a ser eman- .. expectativas e o nôvo ambiente, bem como a extensão em que
cipados que a explanação apreende a incapacidade civil do ex- · êles podem realizá-las, de conformidade com as exigências im·
cativo, o grau de sua dependência do senhor, a ausência de uma . postas ao alienígena pela estrutura institucional da sociedade
consciência histórica que lhe desse a imagem parcialmente ade- - j; : • adotiva" ( 17). Por conseguinte, a incorporação do africano e
quada do seu mundo social. Portanto, a essência mesma da - :i .i ~ seus descendentes foi perturbada pelas condições estruturais em
subcultura da casta escrava e de como ela está determinada """ :"1 ,_. -~ que êles se · encontraram inseridos. A natureza escravocrata do
historicamente pelo tipo de trabalho explicitam-se no instante da ~ "" sistema econômico-social operou negativamente sôbre os negros
emancipação, quando as singularidades da personalidade-st.atu.s ... -i · .~· e mulatos, pois que os colocou _sempre numa situação social
do cativo, quando o tipo de estrutura do sistema familiar, quando · g : circunscrita, relativamente fechada, tolhidos, o que se exprime
a estreiteza do horizonte sócio-cultural do negro adquirem 0 s~u ·· "'1 ·. ::-plenamente na condição de casta. Isto fica inais evidente quando
pleno significado. É através da análise da etapa final do regime, ,; observamos que a absorção é um fenômeno que se manifesta
é por meio do exame da ordem social em sua fase crítica, que geralmente ao mesmo tempo que a mobilidade social ( 18). É
os sentidos de determinados processos, como o de integração exatamente sob êsse ângulo que se evidencia o caráter socialmente
do africano e seus descendentes, por exemplo, se tornam claros. negativo da condição escrava no desenvolvimento da integração
- d
A na t ureza d o processo d e a h sorçao os a ncanos e seus f · , . O fato de que era .inerente à condição
sócio-cultural.
_ , escrava, .a
·a d d p , ,
desce n de n te s, na S comum a es o ais as quais oram eva os · f I d .., inserçao ngida
d f
numa
,a·estrutura
d
social,
h'l'd d
esta tambem,
1· ·
pela propna
' ·
'
somen te se t orna exp I'ICita · quan d o e, enf oca d o a dequa damente' · natureza, e raco, m Ice . . e mo . . II . a e, e Immava - automatica·
.. d
um fenomenoA h,asico,
· ·
Impor tan te a, compreensao - t an t o dAes t.e como mente um .dos pre-reqmsitos prmcipais da absorçao . positiva, ..o
d e ou t ros f enomenosA I'
que envo vem o negro: a con Iça o e
a· - d ponto de VISta do negro. Como todos os mecamsmos de mohih·
, , . a· - .
Ad · · - É A dade se encontravam ohstrmdos pela propna con Içao cativa, o
escravo, em to as as suas Imphcaçoes.
. d . - .
este o componente essen-
A .
d . - - a· d "
processo e mtegraçao nao se po Ia esenvo 1ver espon aneamen e ,
tA t "
Cial essa situaçao social e de todos os processos economicos,
. . . . . . . .
. , d f ·a d . ·A d
Isto e, e con ormi a e com o 1Ivre Jogo os componen es os
t d
psiCo-sociais
. e . culturais
. _ desenvolvidos
. . no . mtenor , .do sistema
. es- d . h · t , · lt ·
ois su SIS emas socw-cu uraiS em m eraçao.· t - A 1 d d
o a o a Ie· h"
?ravista: _As Imph~açoes sociais, culturais e psiq~ncas mer:n!~ rarquia "natural" branco-negro, vistos como categorias raciais
a condiçao de cativo encontram-se na base da mcorporaçao e ualitativamente distintas operava a condição totalmente alienada
e':olução da situa.ção do negro e do mulato na s_ociedade ~rasi:_ ;_ __ :_ da pessoa do cativo, 0 ~ue lhe barrava tôdas as alternativas de
leua. Pode-se afirmar que o processo de ahsorçao do afncano.._ _ __ ajustamento satisfatórias para si. ~sse fenômeno se manifesta
e seus descendentes, do ponto de vista dêstes, apresenta um~ · - -
etapa que poderíamos denominar "sociopática", fundamentalmente
negativa para os negros, pois é pràticamente antiaculturativa. A- (17) Cf. S. N. Eisenstadt, The Absorption of Immigrants,
forma pela qual êles foram inseridos no processo produtivo, na :_ Routledge & Kegan Paul Ltd., London, 1954, pág. 258.
condição de fôrça de trabalho escravizada, é responsável pela -- (18) As conexõ~s entre a absorçã~ e mobilidade e~contran:-se
eclosão de um conjunt de mecanismos e manifestações que se · exploradas nas anállses de S .. N_. E1senstadt, op. ~nt., _P~strr:;
. . ~ . . . também Roberto Cardoso de Ollve1ra, O Processo de Asstmtlaçao
tornaram, mclusive depois, na fase de homens hvres, Impedimentos ~ dos Terêna, edição do Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1960, esp.
psico-sociais e culturais ao desenvolvimento equânime da inte· pâgs. 111-127.
'
250 251
bastante visível em diversos aspectos da evolução da sit uaçã~ vimos, um dos componentes essenciais da personalidade é a
do negro no período escravocrata . . Em primeiro lugar, o escravo submissão social, "natural", ao branc o, senhor ou não. Isto
procurava sempre reintegrar e preservar amplos setores do seu significa que a condição cativa dos membros da casta limitava-lhes,
patrimônio sócio-cultural, tais como religião, língua, padrões de - quando não lhes anulava os componentes dinâmicos da persona-
comportamento lúdico etc., de modo a alcançar a sobrevivência lidade, importantes para o desenvolvimento "normal" da absor-
"autônoma" e garantir-se contra os riscos da desorganização ção. Conforme as expressões de Hallowell, "os indivíduos são
da personalidade no . seio de um sistema sócio-cultural hostil. os centros dinâmicos dêsse processo de interação" ( 22), e a
Como diz Bastide, se "a escravidão destruiu completamente tôda especificidade do regime escravocrata, neste caso, é exatamente
a organização social dos negros africanos", ela deixou, por outro limitar, circunscrever ou destruir fatôres dinâmicos da pessoa
lado, "intacto o mundo dos valores, de idéias e de crenças do cativo. Aliás, os requisitos da personalidade-status do escravo
religiosas" ( 19). Mas isto não afetaYa a delimitação do espaço implicam, ao mesmo tempo, na anulação do discernimento, da
social atribuído aos escravos na comunidade, segundo a estrutura livre iniciativa, da autonomia psico-social etc., além das expec-
social. O fato de que fôra imposta a condição escrava à maioria tativas do senhor e dos brancos. É por êsse motivo que o negro
dos africanos e seus descendentes impedia-lhes que participassem liberto se acha incapacitado de agir segundo as expectativas do )

da cultura e da sociedade dos brancos em igualdade de condi- branco para com os homens livres. Naturalmente, diz Couty, o
ções, a não ser nos casos isolados de alguns mulatos claros negro livre continua "incapaz de exercer os seus deveres sociais
livres. Em verdade, assegura Bastide em outra passagem, "os e respeitar os direitos de seus concidadãos" ( 23) . Por isso, do
valores africanos foram transportados para um mundo nôvo, para ponto de vista do processo de absorção do africano e seus des-
uma sociedade composta de duas classes, a dos senhores e a cedentes pela comunidade, é antiaculturativa a estrutura .eco-
dos escravos, uma dominante e a outra explorada" (20). Por nômico-social escravocrata. É por êsse motivo que Seppilli distingue
isso não se dava a aculturação e a integração social equânime. duas fases distintas no longo processo aculturativo afro-brasileiro:
A hierarquização própria da estrutura societária de castas impedia o período escravista e o post-escravatura (24). Mas não se deve
a participação, em igualdade de condições, dos brancos e negros. deixar de ponderar que o segundo período somente é inteligível
Além disso, em decorrência da estruturação em castas, as con- quando submetemos à análise alguns aspectos do primeiro. Há
dições psico-sociais e culturais de socialização do negro estavam algumas facêtas fundamentais das relações sociais entre brancos,
delimitadas, restritas ao próprio grupo negro, cuja estrutura do negros e mulatos livres, após a Abolição, que somente se escla-
sistema familiar e cujas técnicas de tratamento dos imaturos são recem quando examinamos determinadas sobrevivências e processos
diversas daquelas dos brancos. "Numa sociedade heterogênea - desenvolvidos na ordem escravocrata-senhorial. Por exemplo, como
diz Steward - as famílias dos subgrupos sócio-culturais não vimos no item anterior, o negro e o mulato são categorias
são completamente iguais nos modos de cuidar das crianças" ( 21), histórico-sociais específicas do período do trabalho livre, mas
o que significa que as estruturas típicas das personalidades, nas foram estruturadas na fase precedente, especialmente à medida
diversas castas, são distintas. E no caso do escravo, como já que se desorganizava o regime. A gênese do negro se dá em
concomitância com a destruição do escravo: um nasce do outro.

(19) Cf. Roger Bastide, "Immigration et Métamorphcse d'un


Dieu", in Cahiers Internationaux de Socwlogie, nouvelle série, (22) · Cf. Irving Hallowell, "Sociopsychological Aspects of Accul·
Presses Universitaires de France, vol. XX, 1956, págs. 45-60; cita- turation", in The Science of Man in The World, Crisis, edited by
ção extraída da pág. 46. li:sse problema se encontra amplamente Ralph Linton, New York, 1952, págs. 171-200; citação extraída da
discutido em obra recente do mesmo autor: L es R eligions Afri- pág. 175.
caines au Brésil, Presses Universitaires de France, Paris, 1960, (23} Cf. Louis Couty, L'Esclavage au Brésil, citada, pág. 84.
passim. (24} Cf. Tullio Seppilli, La Acculturazione come Problema
(20) Cf. Roger Bastide, Les R eligions Africaines au Brésil, Metodologico, Tipografia Editrice Italia, Roma, 1955, esp. págs 7-10;
citada, págs. 215-216. ver também, do mesmo autor, Il Sincretismo Religioso Afro-Cattolico
(21) Cf. Julian H. Steward, Theory of CultU?·e Change, Uni- in Brasile, Nicola Zanichelli, Bologna, 1953, esp. págs. 35-37 e
versity of Illinois Press, Urbana, 1955, pág. 49. 40-46. 9

252 253
Em segundo lugar, a importância da condição escrava para a - brancos, nessas condições, abre-lhes outros horizontes à consci-
compreensão do caráter paradoxal do processo de absorção de ne- · ~. ência social, permite que se coloquem em posição de superioridade
gros pardos se torna ainda mais evidente quando voltamos a nossa ~~ , -~ 0 u liderança em face dos outros escravos etc. Na medida em
observação para a análise da evolução do negro e mulato livres ---d. · - que êsse fenômeno se verifica, observa-se alguma alteração no
no seio da sociedade escravocrata. Nesses casos, o processo e~ · status do cativo, manifestando-se, ao mesmo tempo, um índice
causa sempre se encontra mais adiantado, precisamente porque • -~ maior de integração do negro ou mulato ao sistema sócio-cultural
ao lado da destruição da condição de propriedade do branco, 5~ . ~- e ao grupo branco.
estabelece alguma possibilidade de mobilidade social. O negro :.., ~~ Em síntese ' as condições de a b s0 rçao
- d o af ncano
·
. , · d' 'd · 'd d d e seus
1Ivre. e um m. IVI uo que possm oportum aA es e redefinir-se desce ndentes escravo s se desenvo1vem segun d o um processo " um-·
socialmente, pms -se encontram . 'd abertas para ele d algumas vias. de _po lanza · d o pe1a es t rutura economica
· d o" , de termma A · e pe1o tipo·
acesso, ah ocupaçoes ou atlvi · Alades de
d , que po
. f' . em compartilhar
. . d d · - f h 'd 1 h
e ommaçao a que oram su meti . os pe os rancos. Al' d'
em Isso
tamh em rancos, ou nas quais e e po era mais aci1mente msmuar-se ~ .. d' - ( · 1' · · · 'b'l'd d d f '
Al I t t · · 1 d · d' 'd ··- as con Içoes maus tratos, VIO encia, ImpreVISI I I a e 0 uturo,
en t re e es. s o _se orna mais Simp es quan o o m IVI uo é - . ~. l d h d 'd . . . . · ,.
mulato claro, que é aquêle que na sociedade escravista conse . :;_ ~.. . ISO amento os mem. ros a comum ade ongmana, da famiha etc.)
ascender mais na- escala sociaL Ainda que limitado· pelas con guiu
d'I· ~ - ' • que eram submetidos os n eg ros des de 0 em h arque em Afnca,
., ·.._ a . I, . . _
·
. ções de socialização em que se achou envolvido enquanto membro ;:..:.:..! .; ... yr~paravam-nos . psico ogiCa~ente_ para a aceitaçao passiva e suh-
da casta dos escravos, o liberto, quando não está prejudicado ~ .- ., mi~sa de um. t~po _de dommaçao que marcou profundamente os
fundamentalmente no modo pelo qual se estruturou sua persona:· :;,..: ~~- mews de soCiabzaçao elaborados ~o interior da casta .. Por fim,
!idade, pode reajustar-se às expectativas dos brancos, como homem ---. · · a sub?ultura do ?rupo escravo, Impregnada e determmada por
livre. Opera-se nesse caso uma ré-socialização, porquanto os dois êsse tl~o de ?o.mmação, p_assou a , o~erar de conformidade com
pólos da sua carreira são: personalidade-s tatus de cativo e per- o sentido . defimdo pelo Sistema so~w-cultural global, formando
sonalidade-status de homem livre. Portanto, ao observarmos 0 a personahdade do escravo de maneira congruente com os alvos
problema à luz das condições de comportamento e integração do . do sistema social inclusivo: alienação completa do produto do
manumitido, daquele que inicia a carreira social de homem livre · - trabalho, submissão às normas e regras impostas pelos senhores etc.
' . ,.,.
~u parcialmente livre, tornam-se ma~s evi~entes as lim~taç~es São essas as singularidades do regime especialmente no que
1mp_ostas aos ~scravos. A? passo que est:_s simplesmente n~o tem - . • êle afeta os componentes dinâmicos da personalidade do negro,
1
senao oportumdades restntas de locomoçao no espaço social, os.. ~ · · _que recolocam a "lei áurea" como 0 último ·ato da ordem escra-
libertos, mes~~ que também definidos socialme_nt; como. me~br~s · ·:..~ ._; "'~'vista contra os cativos. Sob certo aspecto, os brancos, ao pro-
~e uma especie. ~e subca~ta, encontram , co~diçoes mais. diversi· · clamarem a libertação de negros e mulatos, retiram-lhes, juntamente
fiC~das de mobilidade. Amda que as tecmcas de pene1r~mento ·com a destruição dos fundamentos econômicos e jurídicos da
~oc~al os ma_ntenham afastados do grupo dos sen~ores, el~~ . se_ . . :• ·dominação de casta, também a segurança econômica. O escravo
msmua~ mais ou menos fundamente nos grupos mtermedianos_ ganha a liberdade e perde as garantias de subsistência que o
da sociedade. . .. regime lhe dava. Nesse sentido, essa foi a derradeira manifesta-
Em terceiro e último lugar, a própria evolução da condição -i"" .: ; ção da condição alienada em que foram mantidos os escravos.
social de alguns indivíduos escravizados denota a elevada impor· _ · -~- -_Como a grande maioria dêstes não foi preparada nem tinha
tânci~ do fenômeno que estamos examinando, para uma compre:-' _condições, como as tinham alguns da cidade e domésticos, para
ensão completa do sistema social. Especialmente alguns escravos preparar-se para a liberdade de ganhar o seu sustento com o
domésticos e urbanos (entre êstes, por exemplo: artesãos, mo· produto da fôrça de trabalho vendida livremente, a abolição foi
leEJues de recado etc.) beneficiam-se da convivência social contínua --:: uma espécie de lôgro a que alguns não resistiram, regredindo
e mais ou menos íntima com os senhores ou membros da sua a um estado de anomia fatal. É por êsse motivo que Bastide
família, alcançando concessões que significam uma alteração da -diz que "se a escravidão é um crime, a sua supressão, sem a
sua condição social. A própria convivência continuada com os · preparação preliminar das massas que vão sf!r jogadas à liberdade,
'
254 255
é provàvelmente um crime maior" ( 25). E foi o que se de sória dêles "j ustifica" as avaliações negativas que o grupo branco
pois aos verdadeiros interessados na emancipação geral não i~: vem reformulando e, também, que sejam mantidos nas ocupações
portava o escravo, senão enquanto fonte de fôrça de trabalhõ"· mais rudes, que exigem escassa desenvoltura mental.
que apenas deveria ser disponível no mercado. Não se cuidar'
de criar as condições para uma socialização prospectiva do escravo A seleção da côr como atributo social
preparando·o para a aquisição de uma consciência social diversa'
mais complexa, orientada para a liberdade. Em conseqüência, durant~ Na medida em que se referem ao negro, atingindo-o direta-
um interregno que alcança algumas décadas, o negro contiriua mente ou atuando sôbre elementos do sistema social em que êle
a ser um ex·escravo, não sendo ainda um cidadão plenamente se insere, afetando-o, algumas manifestações dos efeitos sociais
livre. Somente com as novas possibilidades abertas com o evoluir da desorganização do escravismo em Curitiba precisam ser retidas
da absorção, inaugurados com a destruição dos remanescentes aqui, a fim de que completemos a reconstrução da escravatura,
do estado escravista, é que os negros se reajustam conveniente. em suas múltiplas configurações. Reunindo em parte o que foi )
mente. A alteração dos mecanismos gr upais de socialização, em exposto e retomando explanações efetuadas sob outros ângulos,
decorrência da reintegração dos grupos sociais, de conformidade são os seguintes os produtos sociais da dissolução do regime. Em
com as exigências da estrutura social em formação, se verifica primeiro lugar; verifica-se, ao final, a libertação do trabalho
paulatinamente nos anos posteriores a 13 de maio de 1888. En- humano da condição de atividade inferior. Independentemente
quanto isso, os negros e mulatos reintegram-se nos grupos econô-· da importância do trabalho na reprodução da vida individual e
mico-sociais de maneira precária, insatisfatória do ponto de vista grupal, as conotações que o impregnavam no regime escravista
dos brancos e dêles próprios, sendo que alguns são levados à tornaram-no, sob aquela forma, incompatível com as exigências
desorganização das personalidades, à anomia social. Desprepa· das transformações econômico-sociais. Somente com a sua rede·
rados psíquica e socialmente para os novos status, muitos perma. finição é que aquela ordem social foi completamente extinta (26).
necem à margem do sistema econômico-social "branco" incapazes Nesse sentido, a reavaliação do trabalho é o efeito social básico
de um reajustamento satisfatório para êles e segundo as expec- da dissolução da escravatura.
tativas dos brancos. Mas êstes não consideram dêsse modo 0
Em segundo lugar, verifica·se a "cristianização" do negro,
problema, e vêem na situação criada outras provas de que 0
quando êle é reconhecido moral e juridicamente como membro
negro e o mulato pertencem a uma "outra" categoria racial, com
da comunidade e não mais como um ser estranho e inintegrável,
patrimônio biopsíquico e cultural próprios, incompatí~is com
pôsto que de outra natureza. Os brancos reconhecem-lhe a seme-
a "sua" civilização. A incapacidade transitória de reajustamento
lhança fundamental a si próprios, a despeito das reavaliações em
produtivo de grupos ex-escravos opera na ideologia racial do
curso. Com as transformações ocorridas e em desenvolvimento
branco em têrmos de uma herança da escravatura, confirmando-se
ainda no fim do século, os brancos foram obrigados a reintegrar
a segmentação e as avaliações que se haviam cristalizado. A
ideologicamente o negro, agora na condição de ser humano, à
reelaboração social da côr, que se inicia já no período escravist.!l,
semelhança dos próprios brancos. Em outros têrmos, a modifi.
estrutura-se definitivamente na sociedade de classes em formaç~o.
cação do sistema social não se realiza segundo os desígnios estritos
Negro e mulato serão os trabalhadores braçais no sistema social
em emergência, pois que êste também é um sistema societáriô ~­ de um ou outro grupo socia], mas de conformidade com alvos
ou com o sentido que acaba por beneficiar também aos ex-escravos,
h ierarquizado em camadas superpostas, onde haverá trabalhadores
ainda que como negros.
e proprietários dos meios de produção. A incapacidade prõvi.=

(26) Como já observamos anteriormente, as avaliações dife-


(25) Cf. Roger Bastide, Sociologie du Brésil, edição do iais das atividades humanas produtivas e improdutivas revelam
de Documentation Universitaire, Institut des Hautes Études também na sociedade de classes uma dicotomia expressa na ideo-
1' Amérique Latine, Paris, s. d., pág. 17. ll::sse sentido da emanci- logia das camadas superpostas. Mas as avaliações do trabalho na
pação já fôra explorado inclusive literàriamente, por Machado de estrutura societária de classes é de tipo diverso, pois que são pro-
Assis (Vide cap. IV, nota n• 100). duzidas por outras condições histórico-estruturais.
~

256 17
257
Em terceiro lugar, . um dos efeitos sociais mais importantes corno foram expostoR, êsses efeitos sociais apanham simultânea-
do processo em causa diz respeito à metamorfose do escravo em. mente as manifestações dos níveis essenciais do sistema social:
negro e mulato, isto é, à reelaboração de uma categoria social ... ,;;;;; ~·= tanto daqueles que se referem aos fundamentos da confl.guração
em outras duas, díspares, em boa parte estranhas entre si e ao. ... :J • estrutural, tais como o relativo ao trabalho e ao trabalhador,
branco. Dividiram-se em três o que eram dois, numa multipli- -· quanto os que dizem respeito aos efeitos que exprimem alterações
cação paradoxal, em que as contradições sociais reaparecem 6 na ideologia do branco, corno a seleção social da côr. É espe-
ampliam-se, modificadas. Redefine-se êsse contingente de traba- cialmente esta última manifestação que nos interessa nesta parte,
lhadores, novamente como um grupo à parte. A despeito do para explicarmos a derradeira expressão da transmutação sofrida
seu reconhecimento como membro natural da comunidade, a êles pelo escravo. Operada e manifestada no nível ideológico, a seleção
será dispensado um tratamento distinto, pois são negros e mulatos da côr corno um atributo social somente adquire interêsse analítico
categorias humanas à parte do branco, que já se multiplica e~ na medida da sua significação para a compreensão do comporta-
alemão, polonês, italiano, brasileiro etc. Considerada como um mento · social do negro e do mulato, seja encarados reciprocamente,
sistema de relações sociais, a situação inter-racial em Curitiba - seja vistos em face do branco. Trata-se de uma reelaboração
se torna cada vez mais complexa. ideológica, iniciada, corno vimos, no interior do sistema escravista
Em quarto e último lugar, manifesta-se a emergência em dissolução, que possui · importância primordial para a expli-
atributo marcante, definidor, específico do ex-escravo; a côr será cação da situação racial criada em Curitiba com a emancipação
a última manifestação da metamorfose operada no interior do dos escravos ( 28). Mesmo porque, êste é um aspecto relevante
sistema em desagregação e reorganização. No processo de co~: do processo de integração dos africanos e seus descendentes na
versão do escravo em negro e mulato, a seleção da côr como comunidade. Como diz Park, "a ideologia de urna sociedade ou
atributo social é a expressão final e definitiva do nôvo ser grupo é, da mesma forma que os costumes ·e os folkways, parte
social, porquanto com ela será marcado um grupo humano perfei- integrante da estrutura social. ( ... ) A ideologia de urna classe,
tamente delimitado socialmente. Na ideologia racial do branco, casta ou grupo social parece desempenhar, no funcionamento
na sociedade de classes em estruturação, os negros e mulatos de uma coletividade, o mesmo . papel que a autoconcepção indi-
guardarão a filiação original dos antigos mancípios, daqueles aos vidual na atuação da pessoa. Da mesma forma que a autocon-
quais foram concedidos, outorgados direitos, prerrogativas novas: cepção do indivíduo projeta os seus atos no futuro, e nesse
mas também aos quais são impostas outras exigências, determi- sentido se destina a controlar e orientar o curso de seu com-
nações mais ou menos formuladas, expressas ou insinuadas. portamento, assim também ocorre com a sociedade, cuja ideologia
Em resumo, êsses são os produtos sociais fundamentais do
período crítico das transformações econômico-sociais da área curi- (28) Não há dúvidas de que as condições de contacto inter-
racial criadas com a formação da ordem escravocrata-senhorial
tibana, conforme êles interessam a urna explanação das manifes- favoreceram a identificação da côr como tributo social. Os dados
tações essenciais da integração social do negro ( 27). Tornados expostos anteriormente mostram como pouco a pouco ela se vai
erigindo como símbolo social. Além dos documentos manipulados
• . por nós e citados, a discriminação do negro e do mulato é referida
(27) Em têrmos de uma análise funcionalista, poder-ae-ia__:: r. - com clareza por André João Antorúl, op. cit., págs. 91-97; Anônimo,
afirmar que foram descritas as principais funções B?~iais (m~- ,._;;,... ' "Discurso Preliminar, Histórico, Introdutivo com Natureza de Das-
festas, latentes e derivadas) do aboliciorúsmo e da polltlca coloruza- :.... .. _ crição Econõmica da Comarca e Cidade do Salvador", transcrito
dor a inaugurada com a criação da Província. ( Cf. Robert K.u--;::: ;: - por Pinto de Aguiar, Aspectos da Economia Colonial, Livraria
Merton, Social Theory and Social Structure, The Free Press of -~ ;· Progresso Editôra, Salvador, 1957, págs. 17-152; esp. pág. 25; com
Glencoe, Illinois, 1951, págs. 21-81; Florestan Fernand~s, F~a- : 1 "·' relação às partes meridionais da Colônia: Oliveira Vianna, Popula-
mentos Em~íricos da Explicaç~o Sociológi~a, Companhia E~tôr~ ""~ l'' ç~es Meridio'!lais do Brasil, 2 vols., . L!vraria !osé Olympio Editôra,
Nacional, Sao Paulo, 1859, paga. 254-307, esp. págs. 267 269. - • .· .-_ RlO de Jane1ro, 1952, 19 vol., 5• ed1çao, pas.s1.m., esp. págs. 102-104
I Todavia, como estamos interessados numa análise estrutural dia:. .,.; "' :.... e 149-165. Mas é no período final do regime, justamente quando
!ética, preferimos apanhar as funções dos processos em têrmos das êle se encontra em desorgarúzação, que a côr adquire 0 seu pleno

r
I
transformações da estrutura económico-social global, onde as funções
se classificam, adquirindo sua plena sigrúficação expansiva.
significado social, transferida com o negro e o mulato para a
sociedade ds trabalho livr&.

258 259
I
I
orienta, controla e dá consistência aos seus atos coletivos em uma linha de côr" ( 32). E acrescenta, caracterizando uma situa-
face das vicissitudes do mundo social em mudança" ( 29) .' Em ção típica do período escravocrata, em tôdas as comunidades
conseqüência, à medida que se estrutura a concepção social de onde houve escravos: "O negro era relegado para fora da capela
negro e mulato, nos têrmos expostos aqui, a sociedade curitibana - do senhor; assistia do pórtico à missa dos brancos ; quando podia
ou seja, os grupos brancos e negros se redefinem, criando-s~ penetrar no interior da igreja é porque havia duas missas dis-
dessa maneira as condições ideológicas do comportamento social tintas, uma para os pretos e a outra para os brancos" (3 3). Além
futuro. À medida que · a seleção da côr como marca e atributo
disso, ainda durante a escravatura, os próprios negros se discri-
social se realiza, uns e outros passam a dispor de mais um
minavam reciprocamente em pardos e negros, pois que haviam
elemento, definido socialmente, destinado a orientar a formação
das expectativas recíprocas de comportamento. Conforme as ex- incorpomdo o preconqeito que os brancos desenvolviam. No
pressões de Wirth, a ideologia de um grupo social "não é mera- esfôrço de se classificarem socialmente, os libertos em geral pro-
mente a formulação de fins, mas um instrumento de consecução" curavam afastar-se dos escravos, bem como distinguiam-se, entre )
dêsses fins", isto é, uma arma destinada a ganhar e preservar si, pelas nuanças da côr. "Mais claro", significa socialmente
adesões ( 30). Paradoxalmente, no caso da ideologia racial_ do "mais branco", isto é, menos próximo da casta dos cativos, dos
branco, até mesmo o negro e o mulato, dadas as condições his- africanos, dos inferiores. Daí a segmentação dos indivíduos da
tórico-sociais .em que são formados, também são levados a aderir, comunidade em negro, pardo-escuro, pardo-claro, caboclo, carijó,
ainda que passivos. Em conseqüência do modo pelo qual foram branco ou outras expressões de nítida conotação social ( 34). E
integrados socialmente, êles são levados a se conformarem com é por isso que as categorias da ideologia racial do branco são
a situação e com as avaliações que os brancos desenvolvem, incorporadas dinâmicamente pelos negros e mulatos, verificando-se
devendo inclusive comportarem-se em consonância com as suas uma· autoclassificação diferencial. "Os preconceitos de côr -
expectativas ( 31). ajunta Bastide - marcavam-se nitidamente até mesmo no terreno
A condição psico-social e econômica subalterna do escravo religioso, pois havia irmandades exclusivamente de brancos, exclu-
prolonga-se no cidadão modificado em negro e mulato. Como sivamente de negros, exclusivamente de mulatos, recusando-se êstes
as transformações são lentas e também se preserva na sociedade. últimos a misturar-se aos negros mas sendo por sua vez repelidos
de classes em formação a hierarquização fundamental dos homens pelos brancos" (35). Nas palavras de Oliveira Vianna, referin-
em trabalhadores e proprietários dos meios de produção, o branco · do-se às regiões do sul da Colônia: "O mameluco - cruzado de
e o ex-cativo carregaram consigo representações · sociais assimé- branco e índio - se faz o grande inimigo do índio. ( ... ) Por
tricas, redefinindo-as continuamente, de conformidade com as si- seu turno, o mulato - cruzado de branco e negro - desdenha
tuações e com a propriedade cumulativa dos fenômenos sociais. e evita o negro". E o branco menospreza a todos, considerando-se
É da própria natureza do regime seccionar racialmente os homens,
produzindo-se a cristalização da côr como símbolo de condição
social, identificando-se assim a pessoa, a raça e a casta. "Nà ( 32) Cf. Roger Bastide, "Estruturas Sociais e Religiões Afro-
medida em que a escravatura separa - diz Bastide - vai formar-se Brasileiras", in Anhembi, Ano VII, Vol. XXVI, No 77, págs. 228-
243; citação extraída da pág. 229.
( 33) Ibidem, pág. 231.
(29) Cf. Robert Ezra Park, Human Communities, The (34) Mas os três grandes grupos serão os negros, brancos
Press, Glencoe, Illinois, 1952, pág. 247. e mulatos. "Os negros, dizem, são embrutecidos, e não o podiam
(30) Cf. Louis Wirth, Community Li/e and Social Policy;
ser menos sob certo regime. Os brancos são débeis, fruto do calor
e da ociosidade. Os mestiços, porém, híbridos quanto à côr, têm
The University of Chicago Press, Chicago, 1956, pág. 202. o espírito ativo e forte o músculo" (Cf. Charles Ribeyrolles, Brasil
(31) Até mesmo as ideologias do negro e do mulato, como Pitoresco, 2 vols., trad. e notas de Gastão Penalva, Livraria Martins,
verá em monografia que estamos elaborando acêrca da situação São Paulo, 1941, 2° vol.) . t!lsses são também os têrmos fundamentais
racial presente em Curitiba, são expressões sociais da ideologia do da ideologia dos grupos interessados na dissolução do regime escra-
branco, pois são contra-ideologias, nos têrmos impostos, delimitados vista bem como da mística da "raça brasileira".
pela ideologia racial dos brancos. (35) Cf. &oger Bastide, op. cit., pág. 231.

260
261
superior (36). Na base dêsse complicado mecanismo de discr '. t~abalhadores livres. Passar por branco é um processo ativo no
minação múltipla, · recíproca e circular, encontra-se o fenômen~ comportamento do negro e do mulato, revelando as avaliações
do branqueamento social, que é a identificação ou a aproximáçã:Q da côr como fenótipo de negro, tanto para o branco
social aos grupos médios ou superiores da sociedade, processo como para aquêles. Isto é, dá-se a seleção da côr com'J um
êsse que implica também no branqueamento fenotípico, ou seja produto social necessário das condições de ajustamento inter-racial
a absorção pela descendência de marcas raciais do branco, d~ geradas no seio da ordem escravocrata e preservadas após. A
camada privilegiada. O prestígio social inerente aos status atua côr se torna um elemento imprescindível das situações de contacto
dinâmicamente sôbre o comportamento das pessoas, levando-as a social, orientando o ajustamento recíproco, por intermédio da
agirem, como um todo, como se estivessem sendo movidas ao atuação de expectativas de comportamento elaboradas em têrmos
mesmo tempo por fôrças centrífugas e centrípetas. As escassas das sígnificações atribuídas àquela marca. Como símbolo de con-
' possibilidades de mobilidade social vertical oferecidas por um dição social, real ou imaginária, a côr é selecionada historicamente,
sistema social essencialmente rígido, como é o de castas, eram adquirindo importância essencial nas avaliações e auto-avaliações
aproveitadas pelos indivíduos naquele sentido: os negros, na razão dos sujeitos envolvidos na situação. Essa significação eminente-
direta da nuança da côr, ascendendo ou esforçando-se por ascen- mente social Ja côr clarifica-se · ainda mais ao episódio relatad o
der na escala social; e os brancos, na razão direta da posição por Rugendas. Quando um viajante pergunta se determinado
social, afastando ou procurando afastar os negros e mulatos. Ess~ ·capitão-mor era também mulato, o pardo a quem êle se dirige
não era apenas uma luta por status, prestígio ou outras expres· responde: "Era, porém, já não é". E como o estrangeiro, intri-
sões de posições sociais, mas a manifestação social da dicotomia gado, desejasse uma explicação para tão estranha metamorfose,
econômica existente e que dependia daqueles mecanismos psico- 0 mulato acrescenta: "Pois, senhor, capitão-mor pode ser mu-
-sociais para preservar-se. A manutenção dos negros e mulatos lato?" (39). Aí se exprime precisamente o significado social
na casta dos escravos, ou na condição de membros do grupo assumido pela côr já no período escravista onde, segundo tôdas
cativo, é uma das condições para a manutenção do status quo. expectativas, quanto mais negra a pessoa, mais baixo na escala
Portanto, entre as conseqüências dessas fôrças dinâmicas operando ela seguramente se encontrava. Muitas vêzes, pois, a partir
no interior da ordem escravista, conta-se o branqueamento fe· ~a;;;.;.;,u" um determinado nível social, não mais se distinguem as pessoas
notípico, expresso estatisticamente na estrutura demográfica (37 ) pela côr, mas pela condição social "respeitável": será advogado,
e o branqueamento social, expresso na infiltração de mulatos capitão-mor, deputado etc. Aos seus próprios olhos e aos de
claros em posições intermédias da estrutura ocupacional da comu·
muitos brancos, o mulato que se torna advogado é um pardo que
nidade. Daí a expressão "limpar o sangue", registrada por Caio
se branqueou. Mas isto não impede que, em momentos de
Prado Júnior (38) como verbalização dêsse componente básico
frustrações das suas expectativas, o branco lhe lembre a origem.
do comportamento do negro ou mestiço. A mística da bran·
Ainda que o código de etiquêtas das relações raciais imponha
quidade, pois, não é senão um dos produtos sociais normais
silêncio ou a não-referência aberta à côr, haverá insinuações
do sistema de castas, gerado na escravatura e transmitido à socie:
possíveis que lembrarão a um e outro a consciência dos antepas-
dade de classes em formação, pois · que também esta se organiza
-ªados de cada um. "Por mulatos envergonhados - diz Ruy Barbosa,
segundo uma escala de prestígio de status, em função da dis~ri­
satirizando um dos grupos escravistas - designo eu certos homens
huição fundamental das pessoas de conformidade com uma estru•
~""'-de côr; mais ou menos claro-escuros, mais ou menos escuro-claros,
tura econômica fundada na alienação do produto do trabalho de
circassianos de lusco-fusco, desertores da rainha Pomaré, que sup·
põem filiar-se á Teutonia, azular o sangue, e jaspear a tez, alu-
(36) Cf. Oliveira Vianna, Populações Meridionais do Brasil, gando-se aos senhores dos seus paes, como algozes dos seus
citada, 10 vol., pág. 102.
(37) Como já vimos, conforme especialmente o item 3 do
capitulo III. (39) Cf. João Mauricio Rugendas, Viagem Pitoresca Através
(38) Cf. Caio Prado Júnior, trad. de Sérgio Milliet, edição ilustrada com 110 gra-
B rasil,
râneo, Colônia, citada, pág. 106. vuras, Livraria Martins Editôra, São Paulo, 1954, págs. 94-95.

262 263
\

parentes" (40). Como é evidente nesse caso, o próprio aboli- do escravo" (43). Como uma peça fundamental dêsse processo
cionista lembra ao negro a sua "negritude", pois que os móveis de reelaboração do negro, cristalizando a sua identificação ao
das suas ações, conscientes ou desconhecidos, não são as pess~as regime que se quer destruir, os abolicionistas paranaenses dirão:
dos escravos, mas um requisito básico do sistema económico. Em "Como uma verdadeira aberração, apesar de todos os nossos
suma, no universo das relações inter-raciais, a cór é um elemento civilizados sentimentos religiosos, sociaes e politicas, ergue-se sob
presente, omisso ou aberto, que participa da situação social a nossa egide, para affrontar por todos os lados a civilização
interferindo no comportamento do branco, negro ou mulato. ' que applaudimos, o barbara vulto antigo da escravidão!" (44).
Não é ao senhor de cativos, pois, que se associa o regime de
Seja a propósito da política imigratória, na qual se empenha
trabalho e a insuficiência intrínseca dêste em face das novas
a comunidade, seja nas reflexões sóbre a abolição, a escravatura
ou os negros, os brancos exprimem sempre uma avaliação negativa exigências da comunidade, mas é ao escravo que se liga e atribui
subjetivamente a escravatura. Por isso a memória coletiva reterá
da cór. Incapaz de apreender as conexões das estruturas demo-
gráfica e económico-social, em seu funcionamento e condições de a conexão deformada entre um e outro, o que se tornará um '
formação, a ideologia do grupo dominante retém a côr como .estigma nas décadas seguintes.
símbolo isolado, sem ligação com o tipo de dominação em vigor. Assim o preconceito de côr emerge paulatinamente. O pre·
Como dirá Pernetta em 1898, no clube da aristocracia de Curitiba, conceito de cór, a mística do . branqueamento, o mito da ariani·
a propósito de Cruz e Souza, "a cór negra, o talento, a impressio- zação, o mito da democracia racial, todos são produtos dessa
nabilidade doentia e o orgulho haviam-no isolado da Multi· fase crítica de desorganização e. reorganização do sistema social,
dão" ( 41). Ou então, o que é semelhante, a ideologia racial do na medida em que êle é afetado pelas transformações do trabalho.
branco, que é ininteligível se não a vemos também como a ideo- A divisão dos homens em grupos raciais, definidos socialmente
logia de um grupo social dominante, revelará uma avaliação como diversos qualitativamente, mantém-se e desenvolve-se na socie·
diferencial das raças, acentuando a arianização em confronto com dade em estruturação. Gerada com fundamento no status econó·
a negritude. A imigração, diz Miranda Ribeiro, é um "factor mico e nas relações sociais emergentes dessa condição primordial,
ehnico de primeira ordem destinado a tonificar o organismo a discriminação racial se apresenta como uma dimensão social
nacional abastardado por vicias de origem e pelo contacto que do preconceito de casta e, posteriormente, de classe. É êste o
teve com a escravidão" ( 42). Assimilando a incapacidade de ex· fato fundamental, que possibilita a preservação das "raças", após
pansão da ordem escravista à presença do escravo, identificando a escravidão. Segundo observa Couty, "o estado social de negro
o regime de produção ao trabalhador cativo, e não ao sistema permanece inferior porque o preconceito de raça, tanto antes -como
produtivo, a ideologia da comunidade, que é a da camada domi- depois da libertação, continua a se lhe opor como uma barreira
nante, realiza a discriminação do negro como responsável direto mais vigorosa que tôdas as outras" ( 45). É que o negro continua
ou indireto pela estagnação ou lento crescimento da economia trabalhador, proprietário de fórça de trabalho a ser incorporada
escravocrata. Por isso, na consciência coletiva "negro" se associa no processo produtivo e a preservação da posição relativa do
ao que deve ser superado, e o será com o imigrante europeu. Já negro no sistema económico oferece os fundamentos da persis·
no seio do próprio movimento abolicionista realizava-se essa iden· tência -reelaborada da discriminação -racial. O preconceito de côr,
tificação negativa, quando se faziam referências ao "trabalb.o -- pois, não é uma manifestação inteligível ao nível da estrutura
amaldiçoado do escravo" ou se afirma ser "barbara luxo o serviço - demográfica, como ela se apresenta , em sua composição racial,
mas uma expressão parcial das tensões entre grupos sociais, das
posições assimétricas em que se encontram no sistema económico·
( 40) Cf. Ruy Barbosa, Discursos e Conferéncias,
Portuguêsa Editôra, Põrto, 1933, pág, 97.
(41) Cf. Emiliano Pernetta, "Cruz e Souza", Club Curitibano, ~~
Anno IX, n. 4, abril de 1898, págs. 3-4; citação extrai da da pág. 3. ( 43) Cf. "Manifesto da Confederação Abolicionista Parana·
( 42) Cf. Relatório do Presidente da Província do Paraná, Dr.
ense", citado, págs. 115 e 116.
José Cezario de Miranda Ribeiro, ao 2• vice-presidente lldefonso ( 44) Ibidem, pág. 117.
Pereira Correia, em 30 de junho de 1888, Curitiba, 1888, pág. 26. ( 45) Cf. r;ouis Couty, L'Esclavage au Brésil, citada, pág. 27.

264 265
-social. As tens ões sociais, recorrentes ou não, inerentes ao mod~ .,. - .' ~. tôdas as suas relações sociais. ( ... ) Os mesmos homens que
de estruturação das relações humanas numa sociedade de classes ~~ ...;_estabelecem as relações sociais de acôrdo com a sua produtividade
que se forma , exprimem-se em têrmos de preconceito de côr, de~-.::.':. material, produzem também os princípios, as idéias, as categorias,
classe, religioso etc. conforme os componentes estruturais e orga-- - - - :---·de conformidade com as sua q relações sociais" (4 7). Em outros
nizatórios do sistema. Fundamentalmente, contudo, elas são sem- , . têrmos, a seleção da côr como índice de categoria socia l é um
pre manifestações da hierarquização económico-social das pessoas . ~' · ( dos resultados do processo histórico-económico e social de reorga·
expressa num sistema de dominação de casta ou classe (46) . · ~~ ·;: ~- .; _ nização dos fundamentos materiais da vida. Com as transfor-
Em S m , t
ese, e re t oman d o a ques t-ao mais · gera 1 na me t amorfo ~-- .... ." " mações .advindas da .modernização . do engenho, da diversificação
hi .sto'ri'co soc'al d I t f ~ ~ se das atividades produtivas na agncultura e no artesanato urbano,
· I o escravo em negro e rnu a o, enomeno este · - . d d fl · • · d ·
I·neren t e a t~d f 't' d 'l d
o a ase cn ICa o ep1 ogo a escrava ura e a estru- · · ·1""\. t d , . da condensaçao
_ •
social ecorre
..., .
_ nte •
os uxos m1gratonos,
• • •
a rem-
turaça- 0 de ou t ro s1s · t· · 1 • d'd I . "c<~ • "' tegraçao da sociedade local a naciOnal etc., modifiCa-se radicalmente
ema soc1a , a me 1 a que se a teram os·' --""" .,;;;; d 'I' - d f~ d h lh 'f ' d
· · d 'd d'f' · - d ~' modo e utJ 1zacao a orça
fundamelltos mat ena1s a VI a, mo 1 1cam-se a orgamzaçao as -·.::;··; · ~ 0 .. - • ~ . d I e trad a- o, ven 1can o-se · d
a
relaço -es soc 'ai's
1 e as c - t't d t · . . ..~.,. . redehmçao .ou emergenc1a e va ores, pa roes, normas, atitu es.
oncepçoes, a 1 u es, r espos as psiqUicas etc !."~.;! ·- o. ~ b' · • h 1 · 1 d ·
q ue atualizam 0 comp or tamen t o h umano. É. a na t ureza essencia. . · · ~-- Nesse contexto, a cor se o jetJva como sim o o soc1a · e parti·
1 -~- .;;. - ~ . · · d 'd I' ·
mente histÓri"ca d h d f' rr -
o ornem e as con I 0 uraçoes soc1a1s e VI a .,....,....._. ~
· · d 'd "'::/1 - cipaçao em grupos eCOnOilllCO·SOCiaiS toma OS I eo ogiCamente COillO
· · d" · A d'd · 'f' d · 1
q ue se encontra n h · d
a ase e ransmu açao t t - d t b
o ra a o e em .......,.. · .•grupos
lh ·' ·"·_'f!
l' . raciais 1stmtos. 'b preen 1 a f'rnisti
~ · 1ca amente ~ , no f mve
Conexa- 0 com essa a lt eraçao - h·asiCa, · d e t od o o SIS · tema d e va•ores, . _.;~~_. - ideo ogiCo, corno atn uto autonomo e su ICiente, a cor e trans orma-
1 1 • ...;; . • •
adro-es , normas , op·mwes. ·- p or Isso · ,e que se d a, · com a progres-. ~~'<-'i da, . pelos brancos, negros e mulatos,
P -· ) r . , , d' -num fetiche,· · d marca racial d que
Sl·va destrui'ça- 0 do si'stem a ·d e casas, t t - d
a mu açao o escravo · em ··· '", . '"'. defme,
. por SI so, . o carater e. a con Içao sociais . a pessoa e o grupo
.
liberto ingênuo pardo negro caboclo. A maneira p I I '";:•~:.; ~' raciaL É a sociedade, pois, que elabora socialmente os atnbutos
' ' ' ' e a qua ' I • • . d d . 'f' - . f d d
0 homem produz 0 seu ambiente social e é, ao mesmo tem o, . . ~ _· · raciais, Impreg~an o-os e SI~m Icaçoes que mter erem e mo o
produzido por êle, é que lhe dá a feição social singular, ne~te .,".· ~:/ 1 ~ acentuado no aJU~tamento reciproco de_ mulatos,. b~ancos .e n:gros,
caso manifestação da categoria aeral "trabalhador" S a d . . ·_·_·· · levando-os a projetarem em suas açoes avahaçoes cnstahzadas
t:> • eoun o o ~-~ ~ ~ d . . f' d . 1 D,
rincípio formulado por Marx "ao adquirir novas f' · d '"E!'~ · ~~;. em torno as marcas raciais con Igura as socia mente. ai a
P , orças pro U· n.iõl~- r; - d b d 'd d " " d' '
tivas , os homens modificam seu modo de produção d -~ .::.,} ~ segmentaçao os rnem ros a comum a e em raças Istmtas,
. 0 e, ao mu ar . ,_ ~ . , · h ·d ·
i"; 0 modo de produção a maneira de ganhar a vi'da e~l lt ;':';j _Isto e, em grupos CUJOS mem ros se consi eram reciproca e
, , es a eram '· "· ~ mternamente
. como mem ros e categonas sociais Iversas, " raças"
h d · · · d'
cujos atributos, visíveis ou não, elaborados socialmente, são
( 46) Dada a natureza desta obra, uma monografia de recons- . -... ·;.:::;, ,. to~a?os como simbólicos. Em out:as palavras, .as c,onsciências
trução histórica restrita a uma comunidade não tipica da escravatura .\~'4 sociais dos membros de cada um desses grupos, Isto e, as auto-
no Brasil, preferimos formular, como estamos realizando nos itens "~4' . · -~ consciências individuais, nitidamente polarizadas pelas significa-
dêste CB;_pitulo: . o conce~to _soc~ológico . ~e raçc: por ~ntermédio da.....,;;.,.; . ções das marcas raciais que atribuem aos outros e em conse-
elaboraçao teonca das mstanc1as emp1ncas d1sponive1s. :t!:sse con- - _ - ~ .. ~ . . . . . . '
ceito, todavia, formulado indutivamente, é semelhante ao . que se : -~•:. · quencia, Imputam-se a SI, orgamzam, onentam e controlam o curso
encontra em análises tais como: Roger Bastide e Florestan Fernandes;--"' ~" "' do comportamento social, manifestando-se no nível racial as tensões
"O Preconceito Racial em São Paulo (Projeto de Estudo)", Brancos ·"' ~L.~ aeradas pela disposição diferencial das pessoas na estrutura eco-
e Negros em São Paulo, dos mesmos autores, 2• edição, Companhia ·~ · ~-
0
• • - 1 0 · · ·1 . d h d a
Editôra Nacional, São Paulo, 1959, págs. 32 1 .3 58 ; esp. págs. 341 _322 ; _~;: rl .~ r ~omiCo:s~cia. contmuo assimi ai o I_II~m ro a raça. ne 0 ra
Florestan Fernandes, "Côr e Estrutura Social em Mudança", Brancos · " a cond1çao de trabalhador braçal, desquahftcado, num reg1me de
e ~egros em Sã,o Pa1-!lo, citada, págs. 77-161, esp. págs. 113-115; ._ produção estruturalmente incapacitado de expandir-se, produz a
veJa-se também : Lew1s C. Copeland, "The Negro as a Contrast ·~ seleção da côr como símbolo social e a discriminação do nearo
Conception", Race Relations and Race Problem, a Defiwition and "
a Analysis, by Edgar T. Thompson, editor, Duke University Press,
Durham, North Carolina, 1939, cap. VI, págs. 152-179, ~sp. pág.
166; Gunnar Myrdal, An American Dilemma, Harper & Brothers ( 47) Cf. Karl Marx, Misere de la Philosophie, Alfred Costes,
Publishers, New York, 1944, págs. 113-117. ltditeur, Paris, ,1950, pág. 127.

266 267
e do mulato como herdeiro dos escravcf, responsáveis pela escra.
vatura. A sociedade de classes em formação, que é a negação da \
ordem escravista, porque fundada no trabalho livre e na racio.
nalização progressiva do empreendimento econômico, traz no seu
bôjo também a negação do escravo, assim como repudia o senhor
duas entidades sociais, duas personalidades-status incompatívei;
com o nôvo sistema. Na abjuração do cativo e de tudo que VII
o lembre, como expressão essencial de uma idade a esquecer-se
o branco preservará a côr, nas décadas seguintes, como últim~ CONCLUSõES
traço de um ser que se reintegrará no sistema, ainda na camada
dos trabalhadores. Como a reincorporação do negro e do mulato
se faz no seio de um sistema econômico·social que também dispõe Devido ao método expositivo adotado, a reconstrução descri·
~ hieràrquicamente as pessoas, e como ao lado dêles haverá traba. tiva e a interpretação desenvolveram-se em concomitância, sendo
lhadores brancos de diversas origens em competição, reifica-se a exploradas ao mesmo tempo, para que os temas fôssem examinados
côr, ·delimitando-se o grupo e os indivíduos como negros e mulatos. e explicados, bem como retomados e reinterpretados em outros
Aqueles que detêm o domínio da sociedade, pois, será mais fácil níveis da análise, de conformidade com as exigências do método
distribuir os homens segundo a côr, conforme a religião, pela de explanação escolhido. Por isso, nesta parte não vamos resumir
origem nacional ou outro atributo acidental qualquer, antes que as conclusões dispersas na discussão, nem reproduzi-las. Prefe·
dividi-los segundo a posição na estrutura social. Por isso haverá rimos, ao contrário, retomar alguns assuntos que ficaram menos
negros, mulatos, italianos, poloneses, judeus, alemães, identificados debatidos ou que permaneceram apenas implícitos nas reflexões
socialmente como distintos uns dos outros, mesmo quando convivem desenvolvidas, a despeito de permearem tôda a monografia.
no mesmo grupo social, trabalhando em condições de igualdade.
l. A escravatura no Brasil
Em verdade, na reconstrução do universo social escravocrata
em Curitiba ativemo-nos rigorosamente aos fatos e às suas .conexões
significativas, procurando conformar a reflexão, relativamente à
análise descritiva e às possibilidades de conceptualização, às reais
alternativas oferecidas pelas evidências disponíveis. Mas essa ati·
tude não foi nem deveria ser mantida nos limites estritos dêsse
enunciado, pois que o período histórico examinado foi esclarecido
pelo presente da comunidade ( 1) e pelo passado coetâneo ao
estudado, relativo a outras áreas. O conhecimento do negro -
cativo ou livre - em outras regiões do País, inegàvelmente facilita
a apreensão da condição escrava em seus níveis e manifestações
fundamentais, porquanto em qualquer lugar o regime escravista
se funda num modo de utilização do trabalho humano, determi·
nando um sistema de relações sociais. Essa situação nos coloca

t ( 1) Ao mesmo tempo que desenvolvemos a investigação do


"negro na sociedade de castas", pesquisamos as condições atuais
de contacto entre negros e brancos em Curitiba, tema que é objeto
de outra monografia, em elaboração.
~

:t 268 269
i
Por conseguinte, o conhecimento formulado nesta monografia
diante de duas questões de interêsse, que precisam ser esclare.
não é produto simples e imediato . de uma decisão intelectual, que
cidas aqui. Uma se refere à posição do sociólogo em face do
exprime uma relação artificial entre o pesquisador e o objeto.
objeto da pesquisa; e a outra se relaciona · ao conhecimento
~le é, mais que isso, o resultado e elemen to da praxis do cien·
adquirido nesta obra sôbre a escravatura no Brasil.
tista social, que se dá no presente em conexão e como resultado
Em primeiro lugar, o conhecimento histórico, na acepção do passado e outros presentes estudados, todos manifestações de
tomada aqui, não se dá em têrmos das vinculações diretas, unili- uma totalidade cuja essência é a forma de objetivação do trabalho
neares, entre os "fatos" e as categorias teóricas. Há uma mediação social. Sob certos aspectos, êsse passado se torna conhecido pela
possível e necessária que permite e impõe o alargamento do mediação do cientista, que o insere no presente, ao mesmo tempo
entendimento do que se quer explicar, o que se dá pela significação que se integra o próprio cientista no devir da história. "Em
heurística do conhecimento acumulado sôbre o escravo, ou negro, verdade - diz Sartre - o sociólogo e seu "objeto" formam um
com relação ao branco. É que a situação social do cativo ou par, em que cada um é interpretado pelo outro e do qual as relações
negro brasileiro não é senão o resultado social de condições devem ser, elas também, decifradas como um momento da his·
histórico-estruturais semelhantes, ainda que com singularidades re- tória" (2). Não podemos, pois, deixar de reconhecer que o pre·
gionais. O regime de trabalho que produziu o escravo na área sente da situação de contacto inter-racial entre negros e brancos
do açúcar, das minas ou do café foi o mesmo regime que se interferiu construtivamente no tipo de entendimento do passado
estendeu e dominou, modificado, na pecuária, nos engenhos de conseguido por esta investigação. Há ·uma parcela do conheci·
mate, nas charqueadas do sul, na economia familiar ou em outros · _ mento obtido que . é .devida ao estado das relações raciais na atuali-
tipos de atividades. Estendeu-se por dois modos: · porque essa dade, na comunidade estudada e no País, conforme elas são co·
era uma das condições para a própria preservação do regime nas nhecidas pelo autor. Há categorias sociais plenamente constituídas no
áreas principais da economia colonial e, também, em conseqüência presente, como a côr, por exemplo, que clarificam a análise das
do modo pelo qual ao núcleo propulsor da estrutura econômica suas manifestações iniciais, verifícadas no passado investigado.
da Colônia se ligavam por diversas maneiras as economias regio- Neste caso, as suas significações mais típicas, atuais, iluminaram
nais, dependentes, ancilares. Além disso, é necessário reafirmar, as suas primeiras expressões, retidas fragmentàriamente pelos
êsses núcleos regionais, periféricos, se orientaram sempre no documentos. Por outro lado, seria impossível compreender ple-
sentido de organizar uma ordem econômico-social mais vigorosa namente as manifestações do preconceito na atualidade, ou o
e, inevitàvelmente, escravocrata. · As mesmas condições que atua- significado da côr como marca social, se deixássemos de per·
vam na área do açúcar, das minas, do café, operavam, ainda quirir as condições histórico-sociais em que êsse atributo se
que com intensidade diversa e com freqüência menor, nas regiões cristaliza socialmente. Uma parte da sua tenacidade, como elemento
de economias menos prósperas. Os requisitos do sistema econô- das relações inter-raciais, se descobre quando desvendamos como
mico-social escravista agiam em todo o País, a despeito de fortemente se constituiu a sua tessitura.
influenciados pelas características e disponibilidades locais de capi· Vejamos agora o segundo ponto, relativo à escravatura no
tais, terras etc. Brasil. Além da análise comparativa, que permite isolar, em
Considere-se, também, em que pêse às transformações ocor· têrmos de um esquema experimental, as variáveis principais e
ridas a partir do regime escravocrata, modificado em regime de secundárias responsáveis pelas manifestações de um fenômeno, a
trabalho livre, que é inegável que estamos, em qualquer caso,
numa das "saliências" de um processo histórico-econômico e social
contínuo, todo êle marcado por formas congêneres de distribuição (2) Cf. Jean-Paul Sartre, "Question de Méthode", Critique
de la Raison Dialectique, Librairie Gallimard, Paris, 1960, págs. 13-111;
do produto do trabalho social. Ainda que se possa falar em citação extraida da pág. 53; ver também pág. 55. O mesmo
sistema de trabalho livre e sistema de trabalho escravo, em graus - problema das ligações entre o presente e o pai'sado, entre o inves-
diversos de alienação do trabalhador, é indiscutível que ambos tigador e o objeto da pesquisa, que é um dos temas importantes
são configurações singulares de um sistema mais geral, definido das ciências humanas, é tratado de maneira técnica por Marc
pela produção social e pela apropriação privada. Bloch, op. cit., págs. 13-16.

271
270
outra via pela qu11l é possível alcançar a essência do regime ordem escravocrata ·. geral. Em que pêse às suas manifestações
escravista no País é aquela adotada aqui. A investigação inten- superficiais próprias, tanto em sua gênese como na sua desagre- \
siva de · um evento, com a exploração de tôdas as suas manifestações gação, tanto em seu ritmo de desenvolvimento como em seus
significativas, segundo um método de amplas possibilidades, é a componentes, a escravatura em Curitiba é uma expressão com-
alternativa que se apresenta à pesquisa científica também neste pleta da natureza do regime no Brasil. As conexões entre os
caso. Examinando detidamente o contexto colonial de formação escravos e os senhores; o tipo de alienação do trabalho e da
da sociedade em Curitiba, as condições endógenas e exógenas pessoa do cativo; a maneira pela .qual o senhor controla, reorienta
de suas diferentes transformações e expansões, os fatôres decisivos ou reprime o comportamento divergente do mancípio; a hibridação
de seu ciclo crítico e as manifestações finais da ordem escravista de brancos e negros, como resultado necessário do modo de
conforme elas podem ser apreendidas somente no momento ime-' ordenação social dos homens; a acentuada dependência do senhor
diatamente posterior à emancipação geral, nos foi possível com- em face do escravo; a alienação do senhor, da mesma forma que
preender não apenas a sociedade escravocrata em Curitiba, mas aquêle, a despeito das substâncias diversas dessas alienações; a
a natureza da escravatura no Brasil. Deixando-se de lado a incapacidade social do cativo de lutar contra o estado escravista;
intensidade da concentração de escravos em outras áreas, a vio- os efeitos sociais desagregadores da miscigenação; a seleção e
lência da dominação exercida por parte dos brancos no eito dos cristalização da ·côr como atributo social; o sentido . da redefinição
cafezais ou nas charqueadas de Pelotas, a rudeza do trabalho do trabalho social; tôdas são manifestações fundamentais do
nas minas gerais, o caráter "lúdico" das lidas nos campos de regime, em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, ou
gado, as vantagens especiais obtidas pelos artesãos ·em atividades qualquer outra comunidade escravocrata do País. É que essa
complexas, as possibilidades de interação empática no ambiente ordem social se formou em tôdas as regiões segundo os mesmos
doméstico ou nas cidades, e muitas outras manifestações típicas requisitos estruturais básicos; ou então não seria escravocrata.
do escravismo na sociedade brasileira, é inegável que a natureza Fundada numa estruturação econômico-social única, a despeito
fundamental do regime foi a mesma em tôdas as situações conhe- da participação relativa distinta de negros e brancos, escravos e
cidas; que a polarização assimétrica de escravos e senhores, de livres, nos diferentes segmentos econômicos e setores da produção,
negros e brancos, foi o efeito social universal, inerente à forma o escravismo repetiu-se, em gradações diversas, mas da mesma
pela qual os indivíduos se distribuíam pelo sistema produtivo. forma, em tôdas as comunidades, motivo por que são semelhantes
Tôdas as manifestações regionais da escravatura são expressões os tipos de ações, as formas de interação social e a maioria das
epidérmicas de um mesmo regime de trabalho, de uma forma de categorias essenciais produzidas pela organização escravista do
utilização da fôrça de trabalho que era única em todo o País. trabalho social.
São as contingências econômico-sociais locais ou regionais que Em síntese, o esclarecimento das relações entre o pesquisador
explicam a lhaneza ou violência das relações senhor-escravo, a e o tema da pesquisa, como o fizemos, revela que o entendimento
rudeza ou a amenidade do trabalho, o modo de atuação das do regime escravocrata na área de Curitiba é clarificado pelo que
técnicas sociais de contrôle do comportamento produtivo ou reli- já conhecemos dêle relativamente a outras regiões do País, expli-
gioso do cativo, porquanto a forma pela qual se acha. estruturada cando-o também. Em conseqüência, nesta monografia a escra-
socialmente a comunidade, a maneira pela qual ela se caracteriza vatura no Brasil é, necessáfia e simultâneamente, fator e alvo
como uma economia de subsistência, ou as suas vincula.ções com de conhecimento.
os sistemas de economia monetária, são os requisitos determi-
nantes do tipo de situação social configurada. Em qualquer caso, 2. A desagregação da escravatura e sua significação heurí.stica
haverá escravos e senhores, como membros de castas distintas,
pois que o modo de utilização social da fôrça de trabalho definirá Os significados heurísticos da desorganização social que carac-
todo o sistema. terizou a etapa derradeira e crítica do regime escravista podem
ser retomados agora, explicitando-se outros aspectos dos fenômenos
Por isso é que a escravatura em Curitiba pode ser tomada analisados e completando-se a compreensão das condições, carac-
como uma expressão local, com alguns caracteres singulares, da teres principais, e efeitos sociais do processo de integração dos

272 18
273
africanos e seus descendentes no sistema societário de castas crítico o pesquisador vê crescerem as suas oportunidades de com-
tituído em Curitiba. preensão dos fenômenos essenciais e do modo pelo qual se glo-
É inegável que a verdadeira natureza da escravatura pode baliza o regime assumindo sua plena feição o senhor, o
ser melhor apreendida exatamente na fase da sua dissolução. As escravo, a natureza social singular do trabalho cativo, o modo
possibilidades de observação e exame científico das ações, relações de organização social da vida, o tipo de dominação dos negros
processos e mecanismos de preservação ou transformação da estru~ pelos brancos etc. À medida que se acentua o estado de crise,
tura se tornam mais amplas precisamente no período em que 0 . em concomitância com a progressiva emergência dos processos
sistema econômico-social estala e entra em seu ciclo final de exis-· e eventos que prenunciam a nova configuração estrutural do
tência. Exatamente no instante em que os requisitos estruturais sistema social, mais clara e evidente se torna a especificidade da
e funcionais do regime deixam de operar satisfatoriamente, quando • ordem escravagista. Isto significa que a verdadeira feição do
novos processos econômicos, demográficos, psico-sociais, culturais cativo se apresenta nítida nesse estágio final da vida da sociedade
se manifestam, quando os mecanismos básicos principiam a sofrer escravista. O escravo e o senhor se apresentam, ·nesse instante,
o colapso, êste é o instante em que a observação é mais fecunda límpidos, plenos de significações. De um lado, delineia-se aquêle
e a análise mais rica. É a crise do sistema que exibe a singula- que almeja preservar o regime em decadência e, por isso, expri-
ridade da sua estrutura global, as estruturas parciais, os seus me-se em tôdas as suas d imensões. Isolado ou em grupo, mas
elementos sociais constitutivos fundamentais. As reais condições ·· -:-,.;~ sempre eni luta com aquêles que pretendem instaurar o trabalho
e exigências do seu funcionamento explicitam-se quando não livre, e acentuando a dominação dos cativos, o escravocrata se
se sustenta a estrutura escravocrata. manifesta totalmente, com função do escravo que o produziu ao
ser produzido. Por outro lado, pela voz e. pelas ações de seus
Na fase de constituição e pleno funcionamento do
filhos e daqueles que estão empenhados na alteração da situação
os seus mecanismos e processos principais, justamente porque
e dependem do trabalho livre, o mancípio se apresenta em tôda
operam satisfatoriamente, muitas vêzes são mais dificilmente ob-
a sua plenitude. Gerado pelo sistema de produção que êle
serváveis e interpretáveis. Quando o sistema se encontra em
mesmo ajuda a criar, o cativo aparece então com tôdas as suas
fase adiantada de formação, nem a sua natureza essencial nem
nuanças e marcas. A sua condição de "coisa", de membro de
as suas contradições intrínsecas são postas t;m evidência, porquanto
"raça inferior", de "incapaz" intelectual e moralmente - um ser
a . ideologia dominante, que é a ideologia da camada senhorial,
impossibilitada de absorver a civilização "branca", contaminado pelo
impregna todos os setores e componentes do sistema, alterando-lhe
trabalho braçal; desqualificado socialmente - é então revelada
a fisionomia real, disfarçando suas contradições internas, seus
em sua totalidade. A própria maneira pela qual os homens
fundamentos etc. Nessa etapa da história social do Brasil, os
promovem a desorganização do regime; também as técnicas ado ta das
homens consideram e são levados a considerar a escravatura
para propiciar a evasão à condição escrava; inclusive a criação do
como um estado natural e os cativos naturalmente inferiores,
mulato como produto antitético do senhor e do escravo, em
bem como a sua exploração pelos senhores ou outros
suas relações de interdependência; tudo, enfim, exprime a real
como uma instituição legítima, indiscutível e inviolável. O mundo .
condição escrava em desaparecimento ( 3}.
estará inapelàvelmente dividido em mancípios e senhores, ou negros _.;.!!._
e brancos, os que trabalham com as mãos e os que governam ós ··"'
bens e os homens. ~
.:· .- - • (3) Contràriamente ao postulado positivista, o método dialético
Mas quando a estrutura entra em colapso, quando começam --~~ .... recoloca o problema das possibilidades do conhecimento do social
a manifestar-se aberta e extensamente as incoerências profundas " · ·.,~ sob outro p~sma. . Mais do que ~m seu estado cons~ituido, o
"'· do sistema quando o trabalho escravo por sua insuficiência-
. . • . ' . . ~
::?' fenômeno SOCI~l sera melh<;>r conhecido quando fôr exammado em
sua etapa critica, no estágto do colapso. Como escreveu Simiand :
~t quantitativa ou de quahdade, se transforma num 1mped1ment~ ....;..
à expansão e à diversificação das atividades, então a perspectiva ~
"Dans l'étude d'un phénomêne ou d'un ensemble des phénomênes à
développement historique, ou à développement organique, on arrive
do investigador se altera acentuando-se as possibilidades de oh· plus tôt aux résultats explicateurs les plus accessibles et Ies plus sQrs,
servação e de análise rn'ais fecundas. Exatamente nesse período en étudiant_r~.tat formé av~nt l:ét~t naissant, l'~tat adulte a:vant l'état
embryonnaire ~f. François Srmiand, Le Salatre, L '.lí:volutton Sociale

274 275
r$
)

crise do sistema escravocrata nessa área é o colap!o de uma


É nessa etapa histórica do regime, também, que aparecem sociedade fundada de maneira peculiar no trabalho escravo. É
os primeiros e principais delineamentos da condição futura do a crise de uma estrutura econômico-social sui generis, mistura
escravo. A medida que emergem os componentes estruturais da equilibrada, integrada, de extensos segmentos de economias de
sociedade "livre", quanto mais se acentua o desenvolvimento dos mercado e de subsistência. O caráter não catastrófico da eman-
processos econômicos e sociais que vão produzir a nova forma cipação geral, bastante evidente nos desenvolvii?entos da campanha
social de vida, explicitam-se os elementos que irão definir 0 abolicionista, no relativamente pequeno contingente de escravos
ex-escravo como negro e mulato. Como o sistema social não )
remanescentes nos últimos anos da escravidão, no acentuado fluxo
pode adquirir as diversas configurações com soluções de conti- de alemães, poloneses, italianos e outros, na lenta mas progressiva )
nuidade, com hiatos que impossibilitam a preservação da socie- diversificação e expansão das atividades, ficou também evidenciado
dade, o próprio processo de desorganização do escravismo, ou nessa época. A singularidade do regime exprimia-se plenamente
seja, a elaboração de um sistema econômico-social apoiado no nas condições e desenvolvimentos do processo geral de desagregação )
trabalho livre é, ao mesmo tempo, o processo de constituição da escravatura. Foi um sistema econômico mesclado, misto de
do negro e do mulato. Como o nôvo sistema também será )
amplos segmentos de produção comercial e familiar, para o mer-
composto de camadas sooiais hierarquizadas; como h;lVerá- a cado e para o consumo individual dos produtores, ambos igual- )
camada dos que produzem e a dos que governam a todos, neces- mente importantes à vida da comunidade, que se viu obrigado, em
sàriamente reelabora-se o universo social em seus componentes conseqüência da reintegração dêsses segmentos, a· abandonar o
psico-sociais e culturais básicos, de modo a preservar-se a assi- trabalho cativo, inadequado às instâncias do outro sistema em )
metria na distribuição dos homens. Como a nova sociedade precisa emergência. )
de homens livres, que vendam a sua fôrça de trabalho, a ideologia
da classe dominante logo redefine socialmente o escravo, metamor· · Enfim, a análise realizada mostra que a integração social
)
foseando-o em negro e mulato - elementos necessários da "nova" do africano e seus descendentes não se deu somente em têrmos
classe de trabalhadores. Nesse caso, o comportamento do branco de contactos culturais e da convivência entre membros de contin-
é determinado, ao mesmo tempo, pelas condições presentes e gentes raciais distintos. Outra ordem de fatôres interferiu nesse
pelas exigências futuras do sistema social. .É por isso que o processo de absorção, determinando-lhe as condições e o sentido
abolicionismo reelabora a ideologia racial do branco, transfigu- fundamental. Enquanto propriedade do senhor e componentes dos
rando o cativo em negro e mulato. meios de produção, o negro tinha o seu espaço social totalmente
determinado e delimitado, obstando-lhe a recriação de expectativas
Inclusive a singularidade primordial do regime escravista em
de comportamento e a invenção de ações sociais imprevisíveis. No
Curitiba fica evidenciada nessa etapa crítica de sua história. A
seio da casta dos escravos, a personalidade-status do negro cons-
tituiu-se em têrmos de um patrimônio cultural particular, ainda
)
et la Monnaie, 3 tomes, Librairie Félix Alcan, Paris, 1932, tome II, que em integração à cultura da comunidade, das significações
pág. 578). A análise desenvolvida por nós, entretanto, revela que o sociais das densidades demográficas de negros, brancos, pardos, )
momento mais rico para a explanação científica é a fase da crise,
quando os eventos exprimem tôdas as suas significações. 1!: quando a . carijós, caboclos, e de conformidade com a condição escrava,
instituição, a personalidade, o grupo social, a comunidade, ou qual- que era a variável independente e determinante do modo pelo qual
quer outro sistema entra . a soçobrar que podemos, juntamente · poderiam operar as outras. A situação geral dos escravos, vistos
com as suas leis internas recorrentes, apreender as suas conexões como grupo em integração, se torna mais clara quando a escra-
estruturais conhecendo a sua feição anterior, em dissolução, e
projetando a próxima, em gênese. Com isto não pretendemos negar vatura entra em crise, passando a ter a sua área cada vez mais
as possibilidades indicadas pela orientação expressa na proposição delimitada. O caráter determinante do estado cativo se manifesta
citada, como exemplo da concepção positivista, pois é inegável que em sua plenitude precisamente quando é necessário libertá-lo e
elas existem e muitas vêzes são as únicas abertas à pesquisa. se verifica que êle não está preparado para a emancipação. É
Mas é preciso que tenhamos consciência da potencialidades heurís-
ticas dos ciclos críticos das totalidades sociais, para que possamos quando enfrentam os problemas relativos . à liberdade, à concessão
melhor explorar a investigação, alcançando a compreensão mais de cidadania ao negro, que os brancos descobrem que o horizonte
rica da realidade. ~

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276
cultural restrito da senzala é incompatível com o da cidade. A sentido de resolver a questão que se manifesta" ( 5), esfôrço êsse
estrutura de sua personalidade, os seus componentes dinâmicos que pode muitas vêzes ser inadequado ou insuficientemente estru-
a capacidade de auto-avaliação e projeção do comportamento turado. Nesse momento o escravo deixa de sê-lo, transformando-se
estão determinados e fechados pela experiência cle escravo. A em homem livre, ainda que limitado por uma personalidade cujos
consciência que o negro pode adquirir da sua situaçiio em mudança elementos estruturais foram elaborados no seio da casta. Quando
é uma consciência precária, deformada, insuficiente para reorientar êle adquire os mínimos da consciência social, histórica, que
as suas ações e a formação de expectativas de comportamento caracteriza a condição escrava, nesse instante êle deixou de sê-lo.
condizentes com as exigências da nova ordem social. É, pois, A consciência da situação nega a situação, projetando o compor·
quando se liberta o negro que se descobre até onde o alcançou tamento do negro no futuro, para a liberdade, isto é, para a
a escravatura, incapacitando-o ou tornando-o parcialmente ina- disposição livre de si mesmo. Não há dúvida de que o significado
bilitado para a plena posse da sua pessoa. pleno da condição escrava, conforme ela pode ser apreendida
pelo negro, somente se apresenta no momento da emancipação,
3. Estrutura e dinâmica da sociedade escravocrata individual ou coletiva. À medida que são libertos, os cativos
são postos na situação necessária, imprescindível, à compreensão
O comportamento do escravo, quando o sistema social se mais ampla da natureza do regime, em consonância com o sentido
encontra em pleno funcionamento, quando as suas contradições que possui para êle. o estado de alienação do cativo somente é
internas não produzem senão tensões que os mecanismos recor· apreendido em certo grau pelo liberto, pelo mancípio transformado
rentes de contrôle canalizam, reorientam ou absorvem, nessas em homem livre, pois que, enquanto escrava, a pessoa não se
condições, êsse comportamento se dá estritamente segundo as encontra na posse nem dos mínimos necessários à compreensão
formas estabelecidas pela estrutura social vigente. Como diz e avaliação da situação. Ao estado escravista correspondem uma
Linton, diante de determinadas situações quotidianas, enfrentadas consciência social .e uma autoconsciência individual incapazes de
pelos indivíduos, "as respostas são preestabelecidas, automáticas apreender e organizar os elementos da situação, de conformidade
e podem produzir-se sem a apreensão da situação ou a conexão com os sentidos das tensões entre as ca!"tas; falta-lhes a histo-
do comportamento a uma consciência da situação" (4) . As téc- ricidade.
nicas habituais de contrôle e as conexões das expectativas recí- Por outro lado, além da modificação social do trabalho
procas, desenvolvidas de conformidade com as personalidades- produtivo, que é a única alternativa de emancipação coletiva, as
status em convívio, evitam os atritos e prescindem da consciência possibilidades de participação do escravo em outras situações
da situação. Como os escravos estavam adequadamente integrados sociais lhe dão escassas oportunidades de alterar a condição
à sua casta e à estrutura social global, os mecanismos de socia- geral. No seu grupo social, nas cerimônias religiosas, em suas
lização vigente, organizados segundo valores, padrões, normas atividades lúdicas, nos quilombos, ou em outras situações, o
consentâneas com a preservação do statns quo, eram suficientes escravo encontrará sempre e apenas evasão subjetiva, de caráter
para ordenar prospectivamente as suas ações, apenas canalizadas compensatório. Jamais, ou apenas poucas vêzes, encontrará oca·
pelas formas sancionadas de dominação. siões de alteração real de seu estado. Somente na área dos
Mas o comportamento do cativo se altera substancialmente próprios brancos, quando o cativo é solicitado no ambiente do-
quando o sistema econômico-social se encontra em dissolução, méstico, na capatazia, em alguma qualificação profissional rara
quando a situação escrava se modifica, quando as condições ou complexa, nas relações sexuais com o senhor, somente, enfim,
materiais, psico-sociais e culturais do ambiente se transformam. quando interfere nas relações sociais a empatia própria de certo
Em face da nova situação, "as respostas emergentes envolvem tipo de convivência face a face é que se pode alterar ou afetar
sempre algum grau de consciência da situação e um esfôrço no a condição escrava. Aliás, é precisamente a empatia, ou seja,
como no caso em questão, é a reelaboração intuitiva, vicária,

( 4) Cf. Rálph Linton, The Cultural Backgrownd of Personality)


Routledge & Kegan Paul Ltd., London, 1952, pág. 61. (5) Ibidem) pág. 61.
~

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278
do "sofrimento" inerente à condição escrava que pode levar 0 ao trabalho cativo. Como a estrutura global da sociedade é
branco comportamentos altruísticos, divergentes. Como diz Simmel definida por seus fundamentos econômicos, pelo modo de orga-
"a recriação psicológica do sofrimento - o veículo essencial d~ · nização social da produção, a fôrça de trabalho do homem escra-
compaixão e do carinho - malogra fàcilmente se o sofredor é vizado delineia ao mesmo tempo o cativo e o senhor. Em con·
anônimo ou não singularizado, mas somente uma totalidade que seqüência, o "contrato" entre o senhor e o escravo não pode nem
não possui, por assim dizer, estados mentais subjetivos" ( 6). mesmo ser considerado uma societas leonina, já que a uma das
Precisamente quando o escravo deixa de ser anônimo, não espe- partes não se aliena somente o produto do seu trabalho, mas
cificado e, ao contrário, obtém um nome e adquire significado tôda possibilidade de escolha; inclusive aliena-se a própria pessoa
preciso para o senhor, como pessoa, é exatamente nesse instante - do cativo, definido juridicamente como semovente, não podendo,
que se modifica a situação, como resultado nôvo da interação pois, propor-se opções. Mas, ao dominar dêsse modo o escravo,
psico-social escravo-senhor. Daí as manumissões espontâneas que ao fixar em têrmos tão rígidos e unívocos a situação, o senhor
não afetaram o regime, a não ser remotamente, em conseqüência penhora-se a êle, aliena-se também, pois que passa a depender
da propriedade cumulativa dos fenômenos sociais. do que é sua propriedade, daquilo que subjuga, submetendo-se
Fundamentalmente, contudo, dado o modo pelo qual se en- por sua vez. Em síntese, a associação entre êles transforma-os
contrava estruturado e em funcionamento o regime em seu apogeu, em dependentes do trabalho escravizado. Ainda que em graus
os comportamentos do escravo e do senhor são "automáticos", isto diversos, mesmo que substancialmente diferentes, as duas castas
é exprimem-se segundo as condições sociais recorrentes, polari- sã'o produzidas pelo reg.ime., ao produzirem-se reciprocamente
zadas em têrmos de personalidades-status definidas pela cultura nessas condições.
e constituídas no seio das castas. Nesse contexto, é dispensável Por conseguinte, é a condição escrava do trabalho e do tra·
a consciência plena da situação, salvo em função da· convivência balhador que define a estrutura econômico-social escravocrata como
habitual. Uma clara e complexa consciência social, histórica, da uma categoria histórica. Somente a especificidade da ordem social
situação, vista como uma expressão de um modo de estruturação assim caracterizada é que pode explicar as diversas configurações
da vida social, esta nem o escravo nem o senhor possuem. H~ assumidas pelo africano e seus descendentes: como cativo, manu-
num como no outro a ausência de uma consciência especifica- mitido, ingênuo, pardo, negro. Assim como se constituem o
mente histórica, que apreenda a transitoriedade do regime. A cons- senhor e o escravo, emergem também as outras categorias, geradas,
ciência histórica que a casta dos senhores desenvolve é parcial, pelo regime em seu ciclo de formação ou na etapa final. Nesse
incompleta, concebendo a ordem escravista como perene, o escravo contexto, como vimos, o mulato é o produto antitético do branco
como ser intrinsecamente inferior, a civilização "branca" como e do negro. Mas, se é a negação do regime, pela sua própria
superior à "negra". Por isso, no escravismo dá-se a alienação formação, também os negros e mulatos são atingidos pela situação
do escravo e do senhor, isto é, ao produzir a sociedade escravista criada, pois a côr emerge como atributo negativo de um e outro.
ambos se produzem reciprocamente, sem jamais adquirir a cons-
A medida que se dissolve moralmente o regime por meio da
ciência dêsse fato, salvo na etapa crítica do regime (7). Nesse
miscigenação, além dos outros fatôres, elabora-se a côr como
sentido, um e outro são mediações recíprocas, porquanto ambos
símbolo social que distingue o branco dos "outros". A verdadeira
são criados e caracterizados pela maneira pela qual se vinculam
importância da côr para a conpreensão do negro e do mulato
apóia-se no fato de que êsse atributo, ou suas variantes sociais
(6) Cf. The Sociology of Ge01·ge Simmel, translated, edited (as marcas raciais), transformaram-se em elementos da situação
and with an introduction by Kurt H. Wolff, The Free Press, Glencoe, social do negro em geral, interferindo, em maior ou menor grau,
Illinois, 1950, pág. 226. na sua praxis, como mediação do seu comportamento, seja nas
(7) "A emancipação - dizia Nabuco - não significa tão avaliações e expectativas dos brancos, seja na elaboração das
sõmente o têrmo da injustiça de que o escravo é mártir, mas também auto-avaliações e expectativas. Por isso, o preconceito do branco
a eliminação simultânea dos dois tipos contrários, e no fundo os
mesmos: o escravo e o senhor" (Cf. Joaquim Nabuco, O Abolicio- entra em nova fase com a metamorfose do escravo em negro e
nismo, citada, pág. 19). mulato. Enquanto no período propriamente escravocrata a dis·

280 2(11
cnmmação se realiza contra o membro da casta, da raça negra da pecuária e da erva•mate, em suas manifestações fundamentais,
dos escravos, na sociedade de classes em formação, em lugar d; e examinando os componentes sócio-culturais de estabilidade e
exprimir-se entre as classes sociais, o preconceito concentra-se sôbre mudança das conexões entre as castas escrava e senhorial, pu·
a côr, distinguindo e distanciando os homens, ainda quando tra- demos caracterizar as condições de emergência e funcionamento
balham lado a lado, na mesma condição. A côr, como símbolo de um sistema representativo das zonas parcialmente escravocratas.
incorporado pela consciência social do branco, do mulato e do Assim, ressaltamos os requisitos e processos básicos, responsáveis
negro, exprime uma metamorfose ideológica das pessoas que pelo equilíbrio e desenvolvimento de uma estrutura económico·
originàriamente ocupavam posições distintas no sistema social. social apoiada, ao mesmo tempo, na utilização do trabalho escravo,
Símbolo de status económico específico, a côr é pouco a pouco semicativo e livre, produzidos com os diversos segmentos econÔ·
elaborada pelo consenso social, reintegrada continuamente pelas mico-sociais. Tomada como um todo, entretanto, · essa configu-
ideologias racia s e transformada num elemento básico das re- ração da sociedade caracteriza-se fundamentalmente pelo trabalho
lações humanas, nos diversos · grupos sociais, inclusive naqueles escravo e pela economia monetária, que impregnaram em maior
constituídos em tôrno de um mesmo tipo de trabalho e também ou menor profundidade o sistema social global, afetando-o em suas
entre os próprios negros e mulatos. Discriminando-se racional- tendências essenciais e em suas manifestações particulares. É
i i
mente, os membros dos grupos sociais, hierarquizados ou não, que, em qualquer sociedade, há sempre uma forma social de d.
não tomam consciência dos verdadeiros fundamentos das tensões produção superior às outras, afetando-as em graus diversos e t.·_,'
1'1'
,li:
que os opõem. Objetivadas na cÕr, ou outros atributos ideolo- envolvendo-as em seus sentidos determinantes.
gicamente constituídos, essas tensões não alcançam a consciência ··· -~~ Na segunda parte da monografia foram descritos e analisados 1:: I
social dos membros da sociedade, enquanto membros das classes. · os fenômenos e processos preponderantes do sistema escravista I;'
E o preconceito se infiltra entre os discriminados, dividindo-os em dissolução. Tomando a expansão e a diversificação da estru- 'i l
plenos matizes da pele, como se as marcas fenotípicas fôssem o
fundamento das distinções sociais.
tura económico-social de uma região secundária e dependente da
economia do País, conforme ela se apresenta num período de
li_

!!.
I

l]'
reintegração à economia colonial em crescimento, focalizamos as 1. lo
4. A sociedade de classes em formação condições e as tendências de atuação dos mecanismos e fatôres ,I
de desagregação do regime. Neste sentido, ressaltamos a impor·
Encarada em suas partes principais, a análise desenvolvida
tância explicativa de fenômenos tais como a colonização, como
nesta monografia apanha a sociedade escravocrata em suas duas·
se instaura e difunde o trabalho livre "oficialmente" reconhecido
formas mais ricas de significações. Na primeira parte foram
como o mais produtivo, os efeitos cumulativos e dinâmicos das
examinadas as condições e os efeitos sociais do sistema escra-
vocrata numa comunidade representativa das regiões do País não tensões sociais, da miscigenação, das relações hierarquizadas entre
atingidas totalmente por uma economia de tipo colonial. Consi· os próprios escravos, dos mores cristãos, que passam a operar
derando-se a intensidade e a extensão alcançadas pelo regime nas ;;.; em novos sentidos ao condenar-se a escravização do trabalha-
diversas regiões brasileiras, onde se destacam aquelas em . que - .._ dor etc. Esta análise nos permitiu, ao mesmo tempo, mos~rar
a escravatura atingiu seus maiores desenvolvimentos (economia como são paulatinamente gerados o negro e o mulato, como pro·
monetária) e as outras, nas quais o escravo não chegou a ser dutos sociais das castas escrava e senhorial, isto é, da escravatura.
utilizado (economia de subsistência), a unidade investigada é Mais precisamente, pudemos reconstruir as condições de elabo·
típica das áreas em que a escravatura alcançou um desenvolvi- ração social da côr como atributo do nôvo tipo de trabalhador,
mento intermédio. De fato, nela houve, em graus diversos du- do trabalhador livre, a última transfiguração do escravo, pre· ':I
servada na sociedade de classes.
rante os séculos XVII, XVIII e XIX, contínuo expandir da
escravidão, mas coexistindo integrados e periodicamente reinte· Como vemos, o modo de produção social predominante, quando
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grados os segmentos mercantil, de escambo e de economia natural. impregnou todos os níveis do sistema social, entra em colapso
Descrevendo a maneira pela qual se constituiu o regime escravo· e é destruído ao esgotarem-se tôdas as suas possibilidades, sem !:'··
crata, por meio das atividades concentradas em tôrno da mineração, alternativa de renovar-se. Quando as terras já estão apropriadas, l

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quando as perspectivas de suprimento de mão-de-obra cativa di-
minuem e se extinguem, quando se altera favoràvelmente ao pro- livre que a impregna e reelabora o sistema social, inexoràvelmente,
prietário dos meios de produção o mercado de fôrça de trabalho, marcando-o de modo cada vez mais acentuado e atuando na
quando os estímulos dos centros econômicos mais prósperos se destruição dos remanescentes eco nômico-sociais escravistas. Há
acentuam e diversificam, quando desmoronam as bases morais um instante em que a produção social baseada no uso da fôrça
do regime - então o trabalho escravizado se estiola e se reduz de trabalho do homem livre já é determinante e atinge áreas
irremediàvelmente. Há um momento em que, ao exaurirem-se cada vez mais amplas da sociedade. Ao expandir-se a produção
tôdas as virtualidades do sistema escravocrata, germinam as con- para o mercado, o trabalho livre se torna a categoria social des-
dições de instauração do sistema de produção e organização da tinada a definir a totalidade do nôvo sistema societário. À me·
vida social baseado no uso do trabalho livre. A medida que dida que se instaura a sociedade sem escravos, o que se constitui
se esgotam tôdas as possibilidades de preservação do regime é a sociedade de classes embrionária, onde os homens se dividem
escravista, em conseqüência da ação de condições endóg~nas em vendedores de fôrça de trabalho e proprietários de meios de
e exógenas conjugadas historicamente, emergem no seio da socie- produção, em lavradores e latifundiários, em assalariados e bur·
dade em decomposição os requisitos fundamentais de outra con- gueses.
figuração -social globalizadora. As transformações operadas no Nesse contexto, o ex-escravo ou seus -descendentes serão
setor de produção do mate, com o progresso técnológico, com negros e mulatos, ainda em processo de absorção pela sociedade
a ampliação da divisão do trabalho social, com a difusão de inclusiva, pois estarão socialinente configurados como uma cate·
técnicas racionais de organização da emprêsa e do trabalho; as goria à parte, à qual a ideologia racial do branco representa de
modificações advindas da condensação sodal da população na maneira diversa daquela pela qual se concebe o próprio branco.
região e na comunidade, propiciando a diversificação das funções É como se êste se encontrasse mais próximo dos valores universais
econômico-sociais e o alargamento do núcleo monetário do sistema e aquêles estivessem alguns graus abaixo, talvez irremediàvelmente
econômico; as alterações provenientes da modificação da estrutura incapacitados de alcançar os refinamentos do branco, seja em
demográfica da camada dos trabalhadores, com a criação das con- seus atributos estéticos, seja nos morais ou intelectuais. Conforme
dições sócio-culturais de revalorização do trabalho produtivo livre;
as representações da consciência dos brancos das outras classes,
as determinações estruturais dos centros dinâmicos, propulsores;
somente no nível dos atributos psico-motores, considerados espe·
todos êsses são fenômenos reveladores do nôvo sistema social
cíficos de um estágio "inferior" da civilização, é que aquela
em estruturação. É a sociedade de classes sociais em formação
ideologia lhes concede primazia. _Numa estrutura societái-ia de
que emerge dos escombros do edifício escravocrata a desmoronar.
classes em formação, dá-se-lhes exatamente o que nega ou sub-
Quanto êste já não mais pode expandir-se, dado o esgotamento
verte a sua humanidade, preservando-se cristalizada uma hierar-
de tôdas as suas potencialidades estruturais, aparecem os primeiros
quia de atributos sociais que corresponde às exigências das relações
indícios da nova forma de organização da vida social, fundada
no trabalho livre, como componente privilegiado, determinante, de dominação-subordinação constituídas com o nôvo sistema.
da configuração social que se estabelece. Nesta etapa ainda se
encontram na sociedade- formas diversas de utilização do trabalho,
coexistindo o trabalhador livre, sem meios de produção, ao lado
do trabalhador autônomo (dono dos seus instrumentos e da terra,
ou outros elementos produtivos), do agregado, num estado de
escravo disfarçado etc.; encontram-se também, lado a lado e em
interdependência recíproca, a economia de subsistência, especial·
mente apoiada na unidade doméstica, a economia de mercado
(regional, nacional e internacional) e a economia de escambo.
Todavia, ainda antes de 1888, já não é mais a escravatura que
caracteriza a sociedade. A partir de certo momento, é o trabalho
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(•) Além dos trabalhos citados no texto, esta bibliografia reúne também os
principais dentre aquêles que tiveram certa importância na formulação das
reflexões desenvolvidas ~elo autor nesta obra.

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1NDTCE

I - Introdução 7
I. Temas 7
) 2. Procedimentos 15

II - O Trabalho Escravo 28
I. A gênese da comunidade 28
... 2. A mineração e os primeiros grupos humanos 32
3. Escravidão na fazenda de gado 47
4. Engenho de mate e negros 66
t III -
tv Economia e Estrutura Social
I. Categorias econômicas
80
80
I
~
>-.. 2.
3.
O apogeu do regime escravocrata
A desagregação da economia escravista
84
105
4. O trabalho escravo e o trabalho livre . 128
IV - O Escravo e o Senhor . 131
I. Requisitos estruturais da sociedade de castas 131

,
l 'X
2.
3.
4.
O escravo no sistema social curitibano •.
Convivência e etiquêta das relações sociais
Classificação e ascensão social do liberto •.
136
157
169
S. Escravo e casta 176
V - A Desagregação da Sociedade Escra11ista 184
I. Colonização e trabalho escravo 184
~ 2. Significados sociais da miscigenação 192
3. Efeitos
t
cumulativos das tensões sociais 198

311
)
)
)
4.
5.
A abol ição como processo social
O escravo em face da abolição
207
232 t l )

)
236 I
VI - O
l.
NPp:,rn P. n Mulntn
A metamorfose do escravo em negro c mulato. 2:36
249
j I )

)
- 2.
. 3.
Obstácul os ;l integração social .
A seleção da cô r como atributo social 257 I )

269 )
VII - Conclusões .
l. A escravatura no Brasil 269 . II )

2. A desagregação da escrava tura e sua significação


heurística 273
' i
)
)
273 I
3. Estrutura e dinâmica da sociedade escravocrata )
• 4. Sociedade · de classes em forma ção 282
)
Bibliografia . 287 I )
)
)
)

)
)

*
E::ste livro foi composto e impresso pela )
EDIPE - Artes Gráficas - Rua Conse-
lheiro Furtado, 516 - São P aulo .

312

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