Capítulo 1 - Gilpin

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Capitulo 1

A natureza da economla politlca

E a existéncia paralela e a intera ño reciproca do Estado e do mercado


que cria, no mundo moderno, a “economia politica”; sem o Estado e o
mercado essa disciplina nao eKistiria. Ausente o Estado, o mecanismo dos
prepos e as forpas do mercado determinariam o resultado das atividades
econñmicas: esta- riamos no mundo puro do economista. Na auséncia do
mercado, os recursos econfimicos seriam distribuidos pelo Estado, on um seu
equivalente; estariamos no mundo puro do cientista politico. Embora nenhum
desses dois mundos possa existir de forma pura, a influéncia relativa do Estado
e do mercado muda com o tempo e com as circunstancias. Portanto, os
concertos de “Estado” e “mer- cado” na analise que segue sao o que Max
Weber denominou de “tipos ideais”. A expressiio “economia politica” sofre de
ambigiiidade. Adam Smith e os economistas classicos a utilizaram com o
sentido do que hoje chamamos de “ciéncia econñmica”. Mais recentemente,
alguns estudiosos como Gary Becker, Anthony Downs e Bruno Frey definiram
“economia politiea” como a aplicapao da metodologia da economia formal, ou
seja, o chamado “modelo do ator racio- nal”, a todos os tipos de conduta
humana, Outros usam a expressño querendo referir-se ao emprego de uma
teoria econñmica especifica para explicar a con- duta social: os jogos, a as ao
coletiva e as leorias marxistas sño trés exemplos. A abordagem baseada na
escolha publica inspira-se tanto no método como na teoria econñmica para
explicar o comportamento social. E outros ainda usam “economia politica”
para indicar um conjunto de questâes geradas pela interapao das atividades
economicas e politicas — questoes a ser exploradas com todos os
métodos teoricos e metodolsgicos disponiveis (Tooze, 1984).
Embora as abordagens a economia politica baseadas na teoria e no méto-
do da economia sejam muito uteis, sño ainda inadequadas para propiciar um
26 Robert Gilpin

arcabougo abrangente e satisfatorio para a investigapño académica. Os con-


certos, as variaveis e as relapñes de causalidade niio foram ainda desenvolvi-
das de forma sistematica: o fator politico e outros fatores niio-econñmicos sao
muitas vezes desprezados. Com efeito, uma metodologia unificada ou uma te-
oria da economia politica exigiriam uma compreensño genérica do processo
da mudanpa social, incluindo-se at os modos como interagem os aspectos
social, eeonñmico e politico da sociedade. Por essas razñes uso aqui
“economia politi- ca” apenas para indicar um conjunto de questñes que devem
ser examinadas com uma mistura eclética de métodos analiticos e
perspectivas teoricas.
Essas questñes sño geradas pela interapao do Estado e do mercado como
a incorporapño da politica e da economia no mundo moderno. Etas investi-
gam de que forma o Estado e seus processos politicos conexos afetam a
produqño e a distribuigao de riqueza, assim como, em particular, o modo
como as decisfies e os interesses politicos influenciam a localizapao das
atividades econñmicas e a distribuipño dos seus eustos e beneficios.
lnversamente, essas questñes indagam também qual o efeito dos mercados e
das fork as econñmi- cas sobre a distribuipao do poder e do bem-estar entre os
Estados e outros atores politicos, e especialmente como essas fork as alteram
a distribuipño internacional do poder politico e militar. Nem o Estado nem o
mercado sâo causa primaria; as rela ñes causais entre eles sño interativas, e na
verdade ciclicas. Assim, as questñes a ser exploradas aqui focalizam as
interapfies multiplas de meios muito diversos para ordenar e organizar as
atividades hu- manas: o Estado e o mercado.
Essa formulaqao certamente nao é original, e é pelo menos tño antiga
quanto a distinpao critiea de Georg Hegel na sua Filosofia do direito
(1945 182 l ]), entre Estado e sociedade (economia). Outros autores
propuseram definipñes semelhantes. Charles Lindblom (1977), por
exemplo, propñe “in- tercambio” e “autoridade” como os conceitos
fundamentais da economia pol itica. Peter Blau (1964) usa “intercamb io”
e “coerpao”; Charles Kindleberger (1970) e David Baldwin (197 I)
preferem “poder” e “dinheiro”; Klaus Knorr (1973) emprega “poder” e
“riqueza”. Enquanto Oliver Williamson (1975) contrasta “mercados” e
“hierarquias”, Richard Roseerance (1986) contrasta “mercado” e
“territorialidade”, dois concertos prñximos dos esco- lhidos por nos. Note-
se que cada uma dessas visñes da economia politica tern seus proprios
méritos.
Charles Kindleberger observou (1970, p. 5) que tanto o or amento do Es-
tado como o mercado funcionam como mecanismos para a alocapño de recur-
sos e de produtos. Em um mundo exclusivamente politico, em que niio
existisse o mercado, o Estado distribuiria os recursos disponiveis de acordo
com seus objetivos sociais e politicos, decisfies que assumiriam a forma do
A eco nomi a pol ftica das relaqoes i nternaci onais 2

orpamento
28 Robert Gilpin

estatal. E em um mundo sem intervenpao do Estado, em que so exista o


merca- do, este funcionaria na base dos prepos relativos das mercadorias e dos
servi- pos; as decisñes teriam a forma da busca do interesse individual. Assim,
os estudiosos da economia politica internacional devem procurar entender
como esses modos contrastantes de deeidir e de organizar as atividades
humanas se influenciam mutuamente, determinando, assim, resultados
sOGlfiiS.
Embora o Estado e o mercado sejam aspectos distintos do mundo moder-
no, incorporando respectivamente a politica e a economia, é obvio que nño
podem ser separados de forma completa. Com efeito, o tema deste livro é o
seu inter-relacionamento. O Estado influencia profundamente o resultado das
atividades do mercado ao determinar a natureza e a distribuiqño dos direltos
de propriedade, assim como as regras que regulam a conduta econñmica
(Gerth e Mills, 1946, p. 181-182). A crescente percepgao de que o Estado
pode infiuen- ciar as fork as do mercado, e as influencia, determinando o seu
destino em gran significativo, é um fator importante para explicar a
emergéncia da economia politica. Por outro lado, o prñprio mercado é uma
fonte de poder que influencia os resultados politicos. A dependéncia
economica cria uma rela§ño de poder que é fundamental na economia sundial
contemporanea. Em suma, embora seja pos- sivel considerar a politica e a
economia como duas forpas distlntas, as quais determinam a fei ño da época
em que vivemos, elas nao funcionam de forma independente.
O Estado e o mercado tern procurado deslocar outras formas de organiza-
Rao politica e econsmica no mundo moderno em virtude de sua eficiéncia na
produpao do poder e/out da riqueza. Originarios do prlncipio da Europa
moder- na, o Estado e o mercado difundiram-se daquele recanto relativamente
peque- no do globo para abranger uma frapño substancial da humanidade.
Hoje, muito poucas pessoas vivem a margem da sombra do Estado; e estas
consideram a instituipao de um Estado como um dos seus objetivos mais
importantes, como testemunha a luta dos judeus, dos palestinos e de outros
povos. Ao seguir um ritmo alternado, o mercado como modalidade de
intercambio também se ex- pandiu, e trouxe um numero cada vez maior de
sociedades para a rede da interdependéncia econñmica.'
A relapño entre Estado e mercado, e especialmente as diferenqas entre
esses dois principios de organizapao da vida social, é um tema recorrente do

' A relap3o historica entre Estado e mercado é tema de intensa controvérsia académica. Se os
dois tiveram um desenvolvimento autñnomo, se o mercado gerou o Estado ou o contrario, s3o
questoes historicas importantes cuja solu9ño nao é relevante para o argumento apresentado
neste livro. Qualquer que tenha sido a sua origem, o Estado e o mercado tern hoje uma
existencia independente, uma l‹igica prfipria e uma intera9ño reciproca.
A eco nomi a pol ftica das relaqoes i nternaci onais 2

discurso académito. De um lado, o Estado baseia-se nos conceitos da


territorialidade, lealdade e exclusividade, e tern o monopñlio do uso
legitimo da forsa. Embora nenhum Estado possa sobreviver por muito tempo
sem o consentimento dos grupos sociais mais poderosos, e nño garanta os
seus inte- resses, os Estados gozam de graus de autonomia variados com
respeito as sociedades das quais participam. De outro lado, o mercado
fundamenta-se nos conceitos da integrapiio funcional, das rela$ñes
contratuais e da crescen- te interdependéncia de compradores e vendedores.
E um universo composto principalmente por prepos e quantidades; o agente
econñmico autñnomo, que responde aos sinais dados pelos prepos, tern uma
base para a sua decisao. Para o Estado, as fronteiras territoriais sao
necessarias para a unidade politi- ca e a autonomia nacional. Para o
mercado, é imperativo eliminar todos os obstaculos politicos e de outra
natureza ao funcionamento do mecanismo dos pre os. A tensao entre essas
duas maneiras de ordenar as relatñes humanas, fundamentalmente
distintas, afetou profundamente o curso da histfiria mo- dema e constitui
um problema crucial no estudo da economia politica.2
Essa conceppiio da economia politica difere sutilmente da definipiio
usa- da no meu livro anterior sobre o assunto, a qual definia a economia
politica como “a interapiio reciproca e dinamica (...) da busca da riqueza
e do poder” (Gilpin, 1975, p. 43). Embora ambas focalizem os efeitos
da relapao entre “economia” e “politica”, a presente formulapao salienta a
organizapiio dessas atividades na Era Moderna, enquanto o trabalho
anterior acentuava o objeti- vo dessas atividades. Obviamente, essas
conceppñes inter-relacionam-se. Conforme observado antes, os mercados
constituem certamente um meio de conseguir e de exercer o poder, e o
Estado pode ser usado (e é usado) para alcan ar a riqueza. Estado e
mercado interagem para influenciar a distribui- Rao de poder e riqueza
nas relapñes internacionais.

0s temas da economia politica

O conflito entre a crescente interdependéncia técniea e econñmica do


mundo e a continua compartimentaliza ao do sistema politico, composto de
Estados soberanos, é um motivo dominante dos trabalhos contemporaneos
sobre a eco- nomia politica internacional.° Enquanto poderosas forpas do
mercado — o co- mércio, os fluxos financeiros e os investimentos externos —
tendem a ultrapas-

2
0s conceitos de Estado e de mercado usados neste livro derivam primariamente de Max
Weber (1978, v. 1, p. 56, 82 e passim),
30 Robert Gilpin
O primeiro autor a abordar sistemaiicamente esse lema deve ter sido Eugene Staley (1939).
A economia politica das relagées internacionais 2

sar as fronteiras nacionais, a escapar ao controle politico e a integrar as socie-


dades, a tendéncia dos govemos é restringir, canalizar e fazer com que a ativi-
dade econfimica sirva os interesses percebidos dos Estados e dos grupos
pode- rosos que atuam no seu interior. A logica do mercado consiste em
localizar as atividades econñmicas onde elas sao mais produtivas e
lucrativas; a logica do Estado consiste em capturar e controlar o processo de
crescimento econñmico e de acumulaqño de capital (Heilbroner, 1985, p. 94-
95).
Durante séculos, debates-se sobre a natureza e as consequéncias do cho-
que das logicas do mercado e do Estado, que se opunham fundamentalmente.
Desde os primeiros pensadores modemos sobre a economia, como David
Hume, Adam Smith e Alexander Hamilton, ate luminares do século XIX,
como David Ricardo, John Stuart Mill e Karl Marx, e os autores
contemporñneos, a opinlño esteve sempre profundamente dividida a respeito
da interapño da economia e da politica. As interpretapses conflitantes
representam trés ideologias funda- mentalmente diferentes, as quais
discutiremos no proximo capitulo.
O choque inevitavel cria tres temas genéricos inter-relacionados que
pene- tram as controvérsias historicas no campo da economia politica
internacional. Todos se relacionam com o impacto do crescimento de uma
economia do merca- do sundial sobre a natureza e a dinamica das relapses
internacionais.’ E todos podemos encontrar nos tratados dos mercantilistas do
século XV III, nas teori- as dos economistas classicos e neoclassicns dos
ultimos dois séculos, nos to- mos dos marxistas do séculO XIX e dos criticos
radicais contemporaneos do capitalismo e da economia da globaliza ao. Uma
longa tradipao teorica e especulativa é crucial para o entendimento dos
problemas contemporaneos do comérc o, das finan as e das rela ñes monetarias
entre os parses.
O primeiro tema tern a ver com as causas e os efeitos econñmicos e poli-
ticos do surgimento de uma economia de mercado. Em que condipñes emerge
uma economia global altamente interdependente? Ela promove harmonia
entre os Estados nacionais on provoca conflitos entre eles? Sera necessaria a
pre- sen a de um poder hegemñnico para assegurar que Estados capitalistas
man-

" Obviainente. nem todos que trabalham no Campo da economia politica international
concorda- rao com a escolha desses trés temas como os mais impOriafltes. M uitos poderiam
apresentar outros temas, coin boa raz3o. Assim, por exemplo, os temas propostos excluem a
forma ño e a substancia da politica economica externa. Embora esse seja um assunto relevante, o
foco principal do livro sao a estrutura, o funcionamento e a interapGo dos sistemas econñmico e
politico internacionais. Uma distin9ao paralela pode ser feita (e é habitualmente feita) entre o
estudo da politics externa de determinados Estados e o estudo da teoria das relapoes internaci-
onais. Embora se trate de assuntos muito relacionados entre si, eles propfiem questoes distin-
3 Robert G il pi
tas, e baseiam-se cm diferentes premissas. Gaddis (1982) e Waltz( 1979) sao,
respectivamente, excelenies exemplos de cada tipo de abordagem.
A economia politica das relagées internacionais 2

tenham relapses cooperativas on poderd essa cooperapño surgir espontanea-


mente do interesse mutuo? Sobre este ponto os teoricos de diferentes escolas
de pensamento tern apresentado opiniñes profundamente eonflitantes.
0s libera is em economia acreditam que as vantagens de uma divisao
internacional dO trabalho com base no principio das vantagens comparativas
fazem com que os mercados surjam espontaneamente e promovam a harmo-
nia entre os Estados; acreditam também que as redes de interdependéncia
econfimica, que se encontram em expansao, criam uma base para a paz e
para a cooperapao no sistema de Estados soberanos, competitivos e anarqui-
cos. Por outro lado, os nacionalistas economicos acentuam o papel do poder
na formapao de um mercado e a natureza conflitiva das rela fies econsmicas
internacionais; argumentam que a interdependéneia econñmica precisa ter
um fundamento politico, cria outra arena para o conflito entre os Estados,
aumenta a vu l nerabil idade nacional e constitui mecanismo que uma
socieda- de pode usar para dominar outra. Embora todos os marxistas
enfatizem o papel do imperialismo capitalista na criapño de uma economia de
mercado global, eles se divides entre os leninistas, para quem as relapñes
entre as economias de mercado sao pela sua natureza conflitivas, e os
seguidores de Karl Kautsky, o principal protagonista de Lenin , os quais
acreditam que as economias de mercado (pelo menos as dominantes)
cooperam na explorapño conjunta das economias mais fracas. A alegada
responsabilidade do sistema de mercado pela paz e pela guerra, pela ordem e
pela desordem, pelo imperialis- mo e pela autodeterminapao esta implicita
nesse tema importante, como tam- bém a questao crucial de saber se a
existéncia de uma economia internacional liberal exige a participa ao de uma
economia hegemfinica para governar o sistema. O desafio aos Estados
Unidos e a Europa Ocidental representado pelo Japao e outras poténcias
eeonfimicas em asceosao, no finn do século XX, dramatiza a importancia
dessa matéria.
O segundo tema relacionado com a economia politica internacional é o
vinculo entre a mudanqa econñmica e a politica. Quais sño os efeitos sobre
as rela ñes politicas internacionais e que problemas estao associados as
mudan- has estruturais no locus global das atividades econñmicas, nos
principals seto- res da economia e nos ciclos da atividade econñmica? Vice-
versa, de que modo os fatores politicos afetam a natureza e as conseqiiéncias
das mudanpas estru- turais nos assuntos ecOnñmicos? Assim, por exemplo,
pode-se questionar se os ciclos econñmicos e seus efeitos politicos sao um
fenñmeno endogeno (intemo) ao funcionamento da economia de mercado on
se essas flutua ñes sño devidas ao impacto de fatores exogenos (externos)
sobre o sistema econñmico, tais como guerras ou outros eventos politicos. E
necessario taiiibém indagar se a instabilldade econñmiea é on nño a causa de
certos distiirbios politicos profun-
3 Robert

dos, como a expansao imperialista, as revolu ñes politicas e as grandes guerras


dos ultimos séculos.
Assim, este livro interessa-se em parte pelos efeitos das mudan as eco-
nñmieas 5obre as relapñes politicas internacionais. Essas mudanpas pertur-
barn o status quo internacional e levantam problemas politicos de grandes
dimensñes: qual sera a base da nova ordem econfimica, e qual a nova lideran-
a politica? Havera um ajuste apropriado as novas realidades econñmicas
(por exemplo: novas rela Ses monetarias e comerciais)? Como se podera
resolver o choque inevitavel da vontade de os Estados manterem sua autono-
mia interna com a necessidade de regras internacionais que regulem tais
mudan as? Esses aspectos da transipño entre épocas historicas surgiram no-
vamente com a difusao global de atividades eeonñmicas e as alterapñes pro-
fundas nos principals setores econñmicos que ocorrem no fim do século XX.
E importante pesquisar a relapao entre essas mudan as estruturais e a crise
na economia politica internacional.
O terceiro tema do livro é o significado, para as economias naclonais, de
uma economia de mercado globalizada. Quais sño as eOnseqiiéncias para o
desenvolvimento econñmico, o declinio e o bern-estar de cada uma dessas so-
ciedades? De que modo a economia de mercado sundial afetara o desenvolvi-
mento dos parses menos desenvolvidos e o declinio das economias
avanpadas? Quais os seus efeitos sobre o bem-estar interno dos paises
envolvidos? Como afetara a distribui ao do poder e da riqueza entre as
sociedades nacionais? O funcionamento de uma economia sundial tendera a
concentrar a riqueza e o poder ou, ao contrario, contribuira para a sua
difusño?
Tanto os liberais como os marx lstas tradicionais considerar a integrapao
de uma sociedade na economia mundial como um fator positivo para o bem-
estar intemo e o desenvolvimento econñmico. Para a maioria dos liberals, o
comércio é um “motor do erescimento”; embora as fontes internas de desen-
volvimento sejam mais importantes, o processo de crescimento beneficia-se
grandemente com os fluxos inteniacionais de comércio, de capital c de
tecnologia produtiva. 0s marxistas tradicionais acreditam que essas forpas
extemas pro- movem o desenvolvimento ao destruir as estruturas sociais
conservadoras. Por outro lado, nos parses desenvolvidos como nos paises em
desenvolviinento, os nacionalistas acreditam que a economia de mercado
mundial prejudica a eco- nomia e o bem-estar intemos. Para eles, o comércio
é, na verdade, um “motor de explorapao” dos seus parses, um fator de
subdesenvolvimento — no caso das economias avanpadas, uma causa do
declinio econñmico. Essa controvérsia sobre o papel da economia mundial na
distribi ipño global da riqueza, do poder e do bem-estar constitui uma das
questñes mais controvertidas e mais intensa- mente discutidas da economia
politica.
A economia politica das relagoes internacioriais 3

Esses trés temas — as causas e os efeitos da economia de mercado global,


a relapiio entre as mudanpas econñmica e politica, o significado da economia
mundial para as economias internas — constituem as mais importantes areas
de interesse do livro. Naturalmente, nem todos os aspectos desses temas serao
examinados aqui em detalhe: pretendo concentrar-me naqueles tspicos especi-
ficos que esclarecem os problemas da economia mundial contemporanea.
No restante deste capitulo discutiremos a natureza do mercado, suas con-
seqiiéncias econfimieas, sociais e politicas, assim como as respostas politicas
a esses efeitos. E nos capitulos subseqiientes estudaremos o papel do Estado
na sua tentativa de controlar as for§as do mercado, No entanto, antes de consi-
derar a tematica tedrica implicada nessa interapao, e sua relevancia para a
compreensao de assuntos tais como o comércio, as relapñes monetarias e o
investimento extemo, devemos fazer a segtiinte pergunta sobre o foco desse
mercado: por que enfatiza-lo como o ponto crucial da vida econñmica
modema em vez de focalizar, por exemplo, o capitalismo, o advento da
industrializapao ou o impacto da tecnologia cientifica?

A importiincia do mercado

Nosso estudo da economia politica fern como foco o mercado e suas rela-
pñes com o Estado porque na nossa época a economia de mercado mundial é
critica para as relaqñes internacionais; até mesmo nas sociedades socialistas a
chave para o debate econñmico é o papel atribuido as forpas intemas e exter-
nas do mercado. No seu estudo classieo sobre a transformapño da sociedade
modema Karl Polanyi disse:

(...) a fonte e matrix do sistema [econfiiriico e politico modemo] era a


auto- regulagein do mercado. For essa inovaqao que criou uma
civilizapao especifi- ca, O padrao-ouro era simplesmente uma tentativa
de estender ao campo internacional o sistema intemo de mercado; o
sistema do equilibrio de poder era uma superestrutura erigida sobre o
padrao-ouro e que em parte funciona- va por meio dele; o prñprio Estado
liberal era uma criapño do mercado auto- regulado. A chave para o
sistema institucional do século XIX [assim como o da nossa época] sño as
ieis que governam a economia de mercado (Polanyi, 1957, p. 3).

Por outro lado, Karl Marx acentuava a importñncia do capitalismo ou do


modo de produpao capitalista como um fator exclusivo, e criativo, do mundo
moderno. Segundo Marx e seu colaborador Engels, os trapos qtie definem o
capitalismo (e que aceito) sao a propriedade privada dos meios de produgao, a
3 Robert

existéncia de trabalho livre on assalariado, o lucro como motivaqño e a


tendén- era para acumular capital. Sño essas caracteristicas que dao ao
capitalismo o seu dinamismo, e, por sua vez, o carater dinamico do sistema
capitalista trans- formou todos os aspectos da sociedade modema. Conforme
Gordon Craig dei- xou claro, a natureza revolucionaria do capitalismo reside
no fato de, pela pri- meira vez, o instinto de acumulaqao da riqueza ter se
incorporado ao processo produtivo; o que mudou a face do globo foi a
combinapño desse sistema econñ- mico com o desejo de adquirir riqueza
(Craig, 1982, p. 105-106).
Nao ha duvida de que é correta essa caracterizapño da natureza dinamica
do capitalismo, e do seu impacto: é o espirito agressivo do capitalismo
aquisitivo que da vida ao sistema de mercado (Heilbroner, 1985). Mas for o
mercado que liberou inicialmente essas forpas do capitalismo, e depots as
canalizou. O capitalismo exerce sua infiuéncia profunda nas relapfies sociais e
no sistema politico por meio do mecanismo de mercado. O mercado e o
intercambio co- mercial unificam o universo econsmico; no entanto, nño se
pode falar de um modo internacional de produpao capitalista. A despeito da
emergéncia da em- presa multinacional e das finanpas internacionais, a
produpao e as finan9as ainda tern uma base nacional, e, apesar da maior
interdependéncla econfimica, poucas economias estño completamente
integradas na economia mundial. Além disso, nas ultimas décadas do século
XX o bloco socialista, o qual nño privilegia o mercado, aumentou sua
participaqño no mercado global. Portanto, o mercado global nño se confunde
com o sistema capitalista, e é bem maior.
O dinamismo do sistema capitalista deve-se precisamente ao fato de, esti-
mulado pela motivapao do lucro, o capitalista precisar competir para
sobreviver em uma economia de mercado competitiva. A competipao elimina
os ineficientes, premia a inovapao e a eficiéncia e promove a racionalidade.
Na auséncia de um mercado, o capitalismo perde sua eriatividade e seu vigor
essencial (McNeill, 1982). As caracteristicas proprias do modo capitalista de
produgao, conforme definidas pelos marxistas, nao teriam levado ao progresso
econñmico sem o estimulo da competi ño no mercado. No entanto, na
presenpa do mercado, ate mesmo as firmas nacionalizadas precisam lutar para
manter-se lucrativas e com- petitlvas. Assim, o advento do socialismo nño
deve alterar necessariamente essa dinamica subjacente, desde que continue a
haver a competi§ño ou um seu equivalente funcional. John Rawls lembra-nos
que “nño ha um vinculo essenci- al entre a utilizapño do mercado livre e a
propriedade privada dos meios de produpao” (Rawls, 197 l, p. 27 I ). O
capitalismo nño esta associado necessaria- mente ao sistema de trocas no
mercado.
Assim, o concerto de “mercado” é mais amplo do que o de “capitalismo”.
A esséncia de um mercado, a qual definimos adiante com maiores detalhes, é
A economia pol itica das rela5oes internaci ona is 3
o papel central dos pre os relativos na tomada de decisñes para a alocapao de
3 Robert

recursos. A esséncia do capitalismo, como dissemos anteriormente, é a pro-


priedade privada dos meios de produqiio e a eKisténcia de trabalho livre.
Teori- camente, um sistema de mercado poderia ser composto por atores
pñblieos e com forma de trabalho sem liberdade, como no conceito de
socialismo de mer- cado. O papel crescente do Estado e dos atores publicos
no mercado criou ultimamente uma economia mista de empresa publica e
privada. Na prdtica, porém, o mercado tende a vincular-se ao capitalismo
internacional.
Em suma, o sistema de intercambio no mercado e o modo de produpño
capitalista sao coisas distintas, embora haja uma conexao estreita entre elas, e
algumas vezes sejam mencionadas neste livro indiferentemente. O termo “ca-
pitalismo” é ambiguo demais para ser usado como uma categoria analitlca.
Com efeito, existem muitas variedades de capitalismo, as quais funcionam
de maneira diferente. Sera a Franca, por exemplo, genuinamente capitalista,
com 90% do seu setor financeiro e boa parte da sua indñstria pesada em
maos do Estado? Como classificar o capitalismo japonés, com o papel tño
importante atribuido ao Estado na orientapño da economia? O mundo
contemporaneo esta composto em grande parte de economias misias,
forpadas a competir entre si no contexto internacional.
Outros pesquisadores identificaram o industrialismo, a sociedade
industrial e/ou o desenvolvimento da tecnologia cientifica como caracteristicas
da vida econñmica modema.' O desenvolvimento da tecnologia industrial e o da
cién- cia modema sño obviamente importantes para a prosperidade e para o
earater do mundo moderno. Nño se pode explicar a Revolupao Industrial e o
advento da ciéncia modema simplesmente como uma resposta as forpas do
mercado; sem a tecnologia baseada na ciéncia, a modema economia do mercado
nao ieria podido progredir tanto.
0s avanpos cientificos dos séculos XVII e XVIII que instituiram os
alicer- ces da industria e da tecnologia modemas nño podem ser explicados
sfi por motivos econñmicos. A ciéncia é uma criapao intelectiial resultante da
curiosi- dade humana e da tentativa de compreender o universo. Contudo,
sem uma demanda por maior eficiéncia e novos produtos, o estimulo para
explorar a ciéncia e para desenvolver inovagfies tecnologicas seria muito
menor. Embora o progresso cientifico aumente o suprimento potencial de
novas indñstrias e novas tecnologias, é o mercado que produz a demanda
necessarla para que essas tecnologias sejam criadas. Assim, o papel crucial
do mercado, ao organi- zar e ao promover a vida economica, justifica
nosso enfoque no mercado, as- sim como as implica ñes da
interdependéncia econfimica nas relapñes intema- cionais.

Goldthorpe (1984, cap. 13), Giddens (1985) e Rostow (1975) representam essas posi$ñes.
A economia politica das reIa§oes internacionais 3

O concerto de mercado, ou de interdependéncia econñmica, é ambiguo,


havendo muitas definipñes diferentes.’ Neste livro usaremos a definipao de
interdependéncia econñmiea do Oxford Englfsh Dictionary, favorecida por
Richard Cooper: interdependéncia é “o fato ou condi ño da dependéncia reci-
proca; a mutua dependéncia” (Cooper, 1985, p. 1196). Além disso, como
Robert Keohane e Joseph Nye (1977) observaram, a interdependéncia
econfimica pode referir-se a uma relapao de poder, isto é, ao que Albert
Hirschman (1945) chama de “interdependéncia de vulnerabilidade”. A
expressao pode significar também interdependéncia de sensitividade, on seja,
a pronta interapao das mu- danpas nos prepos e nas quantidades em diferentes
mercados nacionais.
Embora em teoria esses diferentes sentidos se possam distinguir facil-
mente uns dos outros, na realidade isso nem sempre acontece. A nao ser
adverténcia em contrario, uso “interdependéncia” no sentido de
“dependén- cia mutua, embora niio igual”. Aceito a interdependéncia
econsmica como um fato ou condipño, mas nño concordo com muitas das
suas alegadas con- sequéncias econfimicas e politicas.
Se por aumento da interdependéncia econñmlca se pretende indicar o fun-
cionamento da “let do prepo unico” — isto é, o fato de os bens idénticos
tende- rem a ter o mesmo preqo —, entao, a interdependéncia global alcanpou
um nivel sem precedente. No entanto, as conclusñes a que podemos chegar
nao sao obvias. Embora examinemos neste livro a integrapño dos mercados
nacionais em uma economia global interdependente e em expansao,
questionaremos tam- bém alguns dos efeitos que se atribui a essa crescente
interdependéncia no campo das relapñes intemacionais. A lntcrdependéncia é
um t”enomeno a ser estudado, nño tim conjunto pronto de conclusñes a
respeito da natureza e da dinamica das relapñes intemacionais.

As conseqiiéncias econñmicas do mercado

Embora “mercado” seja um conceito abstrato, a economia de mercado


pode ser definida como aquela em que bens e servl3os sao intercambiados na
base de prepos relativos; no mercado as transapñes sao negociadas e os pre-
Nos determinados. Nas palavras de um economista, sua esséncia é “a forma-
Rao de um prepo, mediante a negociaqao entre os que vendem e os que com-
pram” (Condliffe, 1950, p. 301). Em termos mais formats, mercado é “o con-
junto de qualquer regifio onde compradores e vendedores se encontram com
tal liberdade que os prepos das mesmas mercadorias tendem a se igualar
rapida-

Cooper (1985, p. l 196-1200) apresenta uma excelente anilise desses varios sentidos.
3 Robert

mente e sem dificuldade” (Cournot, citado em Cooper, 1985, p. 1199). Suas


caraeteristicas especificas dependem do grau de abertura e da intensidade da
competipiio. Os mercados diferem entre st no concemente a liberdade que tern
os participantes de nele ingressar, e também na medida em que compradores e
vendedores podem influenciar individualmente os termos desse intercimbio.
Assim, um mercado perfeito ou auto-regulado é aquele que esta aberto a todos
os interessados potenciais, e no qual nenhum vendedor ou comprador pode
determinar os termos desse intercambio. Embora nunca tenha havido nenhum
mercado perfeito a esse ponto, este é o modelo implicito no desenvolvimento
da teoria economica.
A economia de mercado representa um afastamento significativo dos
trés tipos mais tradicionais da economia de troca. Embora nenhuma dessas
formas de intercambio tenha existido de forma exclusiva, uma delas sempre
tendeu a predominar. O sistema economico que mais prevaleceu ao longo da
historia, e que ainda é caracteristico de muitas economias menos desenvolvi-
das, é o intercambio localizado, muito restrito em termos do escopo geografi-
co e da cesta dos bens oferecidos. O segundo tipo de intercambio é o das
economias comandadas, como as dos grandes impérios historicos da Assiria
e, em gran muito menor, de Roma; que é também a dos paises socialistas de
hoje. Nessas economias planificadas, a produpño, a distribuipño e o prepo das
mercadorias tendem a ser controlados pela burocracia governamental. O ter-
ceiro tipo é o do comércio por meio de grandes distancias, com mercadorias
de alto valor, como as caravanas que cruzavam a Asia e a A frlca, principals
centros desse intereambio. Embora com um comércio geograficamente exten-
so, envolvia sñ um pequeno numero de bens (condimentos, sedas, escravos,
metais preciosos, etc.). Por muitas razoes, os mercados tendem a deslocar as
formas mais tradicionais de intercambio.
Um dos motivos da primazia do mercado na formapao do mundo moderno
é o fato de ele obrigar a reorganiza ao da sociedade, para que possa funcionar
mais adequadamente. Como Marx percebeu claramente, quando surge um
mercado ele se toma uma forma poderosa para a transformapao social. Vale a
pena citar uma autoridade no assunto:

Quando o poder econñmico é redistribuido por aqueles que abraqam o


ideal produtivo, sua influéncia como compradores, investidores e
empregadores é considerada capaz de modificar o resto da sociedade. O
passo critico no estabeleciinento de um momento do mercado é a
alienapao da terra e do trabalho. Quando esses componentes fundamentais
da existéncia social sen- tern a influéncia do mecanismo dos preqos, a
direqño social transfere-se para os determinantes econñmicos (Appleby,
1978, p. 13-15).
A economia politica das relagoes internacionais 3

Na auséncia de limites sociais, fisicos e de outra natureza, a economia


de mercado tern uma qualidade dinamica e expansiva. Tende a provocar o
desen- volvimento economico, a expandir-se territorialmente e a abranger
todos os segmentos da sociedade. Estados e grupos de interesse procuram
restringir o funcionamento do mercado porque ele tern a capacidade potencial
de exercer uma pressao consideravel sobre a sociedade; os esforpos para
controlar os mer- cados levam ao surgimento da economia politica das
relapñes internacionais.
Trés caracteristicas da economia de mercado sao responsaveis pelo seu
dinamismo: 1) o papel critico dos pre os relativos na troca de bens e de
servipos; 2) a importancia fundamental da competipao como determinante da
conduta individual e institucional; e 3) a importancia da eficiéncia na determi-
napño da capacidade de sobrevivéncia dos atores econñmicos. Delas decor-
rem todas as profundas conseqiiéncias do mercado para a vida econfimica,
social e polltica.
A economia de mercado promove o crescimento por razñes estdticas e
dinamicas. O mercado aumenta a aloca9ao eficiente dos recursos existentes.
O crescimento econsmico existe porque o mercado promove uma
redistribuipño de terra, trabalho e capital, orientando-os para aquelas
atividades mais compe- titivas. E como as formas competitivas do mercado
obrigam o produtor a inovar e levam a economia a niveis cada vez mais altos
de tecnologia e eficiéncia produtiva (para que possam prosperar ou meramente
sobreviver), o mercado promove dinamicamente inovapñes tecnologicas e de
outros tipos e expande, assim, o poder e a capacidade da economia. Embora
tanto os aspectos estati- cos como os dinamicos dos mercados tenham ao
longo da histñria contribuido para o crescimento economico, o fator dinamico
adquiriu importancia decisiva com o advento da ciéncia modema, base da
tecnologia de produpao.
A economia de mercado tende a expandir-se geograficamente, ultrapassar
fronteiras politicas e incorporar mrna parte cada vez maior da populapño do
globo (Kuznets, 1953, p. 308). A demanda por recursos e mño-de-obra mais
baratos faz com que se difunda o desenvolvimento econñmico (H. Johnson,
1965b, p. 1 1-12). Com o tempo, uma parte crescente da periferia economica é
atralda para a Srbita do mercado. As razses dessa tendéncia expansionista
incluem as eficiéncias de escala, o aperfeipoamento dos transportes e o au-
mento da demanda. E o que Adam Smith tinha em mente quando afirmou que
tanto a divisao do trabalho como o crescimento econñmico dependem da esca-
la do mercado (Smith, 1937 (1776], p. 17). Para aproveitar esse aumento da
eficiéncia e reduzir os custos, os atores economicos procuram expandir a ex-
tensao e a escala do mercado.
Outra caractetistica da economia de mercado é a tendéncia para incorpo-
rar todos os aspectos da sociedade as relaqñes de mercado. Por meio dessa
3 Rober1:

“comercializaqao”, todas as facetas da sociedade tradicional sao trazidas para


a érbita do mecanismo dos pre§os. A terra, a forma de trabalho e outros
chama- dos “fatores de produ no” passam a ser mercadorias, a ser
intercambiadas, sujeilas ao jogo das formas do mercado (Heilbroner, 1985, p.
117). De forma mais crua, pode-se dizer que tudo tern o seu pre o; como um
amigo economista costuma dizer, “o valor de Lima coisa é o seu prepo”. Em
conseqiiéncia, os mer- cados tern um impacto profundo e desestabilizador na
sociedade, porque dissol- rem as estruturas tradicionais e as rela oes sociais
(Goldthorpe, 1978, p. 194).
Tanto no nivel intemo como no internacional, o sistema de mercado
tende também a criar uma divisño hierdrquica de trabalho entre os
produtores, ba- seada principalmente na especializapño e no que os
economistas ohamzm de 1ei das vantagens (ou custos) comparativas, Em
conseqiiéncia das formas do mercado, a sociedade (interna e internacional)
é reordenada sob a forma de um centro dinamico e uma periferia
dependente. O centro caracteriza-se princi- palmente pelos niveis mais
avanpados de tecnologia e de desenvolvimento econ“omico, a periferia
depende do centro, pelo menos inicialmente, como um mercado para suas
exportapñes de produtos basicos e como fonte de técnicas produtivas. No
curto prazo, a medida que o centro cresce ele vat incorporando ñ sua orbita
uma parte cada vez maior da periferia; no longo prazo, contudo, em
conseqiiéncia da difusao da tecnologia produtiva e do processo de cresci-
mento, novos centros tendem a formar-se na periferia, tomando-se nñcleos
altemativos de crescimento. Essa tendéncia para a expansño do centro e o
surgimento de novos nucleos tern consequéncias profundas para a
economia e para a politica (Friedmann, 1972).
A economia de mercado tende também a redistribuir a riqueza e as ativi-
dades economicas entre as sociedades e no seu interior. Embora todos se
beneficiem, em termos absolutos, ñ medida que enriquecem com a participa-
Rao na economia de mercado, alguns ganham mais do que outros. HP uma
tendéncia para que os mercados, pelo menos inicialmente, concentrem a rique-
za em determinados grupos, classes ou regiñes, 0s motivos sao inuitos: as
economias de escala, a renda dos monopñlios, os efeitos das extemalidades
positivas (transferéncias de uma atividade para outra), as vantagens do apren-
dizado e da experiéncia e muitas outras eficiéncias que produzem um Clclo
caracterizado por “dar mais a quem tern mais”. No entanto, subsequentemen-
te, os mercados tendem a difundir a riqueza por todo o sistema, em razño da
transferéncia de teGnologia, das mudan9as nas vantagens comparativas e ou-
tros fatores. Em certas sociedades pode haver também um clrculo vicioso de
declinio a depender da sua flexibilidade e da capacidade de ajustar-se as mu-
danpas. Mas o crescimento e a difusao da riqueza nño ocorre de forma homo-
génea em todo o sistema; tende a concentrar-se naqueles novos centros ou
A economia politica das rela§oes internacionais 3

nucleos de crescimento em que as condip0es sao mais favoraveis. Em conse-


qiiéncia, a economia de mercado tende a promover um processo de desenvol-
vimento irregular nos sistemas intemo e internacional.
Deixada a seus prñprios impulsos, uma economia de mercado tern efeitos
profundos sobre a natureza e a organizapao das sociedades, assim como sobre
as relaqñes politicas entre elas. Embora muitas dessas conseqiiéncias possam
ser benéficas, e desejadas por uma sociedade, outras contrariam os desejos e
os interesses de grupos e Estados dotados de poder. Assim, a tendéncia resul-
tante é a de que os Estados intervenham nas atividades econfimicas para pro-
mover os efeitos que os beneficiam e para reduzir os que lhes sño prejudiciais.

Os efeitos do mercado e as readies politicas

No universo abstrato dos economistas, a economia e outros aspectos


da sociedade existem em esferas separadas. 0s economistas propñem a
hipñtese de um universo teñrico composto de atores autonomos e
homogéneos, os quais tendem a maximizar vantagens, sao livres e capazes
de reagir as fork as do mercado em termos do que entendem seja seu auto-
interesse. Assumem o fato de as estruturas economicas serem flexiveis e
os comportamentos mu- darem automaticamente e de forma previsivel em
funpño dos sinais emitidos pelos prepos (Little, 1982, cap. 2). Como se
nao existissem classes sociais, lealdades étnicas e fronteiras nacionais.
Quando lhe perguntaram certa vez o que faltava no seu classico livro de
texto, o economista Paul Samuelson, ganhador do Prémio Nobel, teria
respondido: “a luta de classes”. O que é correto, embora ele pudesse ter
acrescentado, sem exagero indevido e sem violar o espirito do seu livro,
“rapas, Estados nacionais e todas as outras diVls0es politicas e sociais”.
De acordo com os economistas, a esséncia da economia e de suas
impli- canoes para a organizapao politica e social esta contida no que
Samuelson qual ificou de “mais bela idéia” da teoria economica, a saber: a
let das vanta- gens comparativas de David Ricardo. Esse simples conceito
implica a orga- nizapño da sociedade internacional e das sociedades
nacionais em termos de eficiéncia relativa. Implica uma divisño universal
do trabalho baseada na es- pecializa ño, em que cada participante se
beneficia de acordo com a contri- huipño que dñ ao conjunto. E um mundo
em que a pessoa mais humilde e a napño com menos recursos podem
encontrar um nicho de prosperidade. Por baixo do crescimento e da
expansao do mercado e da interdependéncia eco- nomica presume-se uma
harmonia fundamental de interesses entre os indivi- duos, os grupos e as
nagoes.
Robert G ilpin

No mundo real, dividido em muitos grupos e Estados, freqiientemente


conflitantes, os mercados tém um impacto difererite daquele proposto pela
teoria econñmica, e provocam poderosas reapñes politicas. As atividades
economicas afetam diferentemente o bem-esiar politico, social e economico de
varios gmpos e Estados. O mundo real é um universo de lealdades exclusivas,
muitas vezes contrastantes, e de fronteiras politicas em que a divisao do
trabalho e a distri- buipao dos seus frutos sño determinadas tanto pelo seu
poder e sua sorte como pelas leis do mercado e do mecanismo dos prepos.
Com freqiiéncia a premissa de uma harmonia fundamental de interesses nao se
sustenta, e o crescimento e a expansño dos mercados em um mundo social e
politicamente fragmentado tém conseqiiéncias profundas para a natureza e o
funcionamento da politica internacional. Quais sao essas consequéncias que
provocam reapñes politicas? Uma conseqiiéncia da economia de mercado para
a politica nacional e internacional sao os efeitos altamente perturbadores
sobre a sociedade; a intro- dupao das formas do mercado e do mecanismo dos
prepos em uma sociedade tende a sobrepor-se as instituipñes e as relapñes
soclais da tradipao, e ate mesmo a dissolve-las. A competigño da eficiéncia
expulsa os ineficientes e obriga todos a se adaptar a novos habitos. Como ja
notamos, os mercados tern uma tendéncia inerente para expandir-se e atrair
tudo para a sua ñrbita, Novas demandas sao estimuladas constantemente,
novas fontes de suprimento sao procuradas. Afern disso, os mercados estao
sujeitos a disturbios e flutua§ñes ciclicas sobre os quais a sociedade pode ter
pouco controle; a especializaqño e as dependéncias resultantes aumentam a
vulnerabilidade a eventos imprevis- tos. Em suma, os mercados constituem
uma fonte poderosa de transformapao social e politica e provocam rea fies
igualmente importantes, a medida que as sociedades tentam se proteger contra
as formas que desencadeiam (Polanyi, 1957). Portanto, nño ha Estado, por
mais liberal, que permita a manifestaqño
plena e livre das formas do mercado.
Outra conseqiiéncia da economia de mercado é o fato de ela afetar signi-
ficativamente a distribui$ao de riqrieza e de poder entre as sociedades e
dentro de cada uma. Teoricamente, todos podem aproveitar as oportunidades
do mer- cado; na pratica, porém, os individuos, os grupos e as napñes tern
dotes dest- guais, e estao em situapñes diferentes para beneficial-se dessas
oportunida- des. Assim, o aumento da riqueza e a difusño das atividades
econñmicas em um sistema de mercado tendem a ser desiguais, o que
favorece alguns atores mais do que outros. Por isso os Estados procuram
orientar as formas do merca- do de modo a que tragam beneficios a seus
cidadaos, e disso resulta, pelo menos no cuno prazo, uma distribuipao
desigual da riqueza e do poder entre os participantes daquele mercado e a
estratificapao das sociedades na economia politica internacional (Hawtrey,
1952).
A economia politica das reIa§oes internacionais Al

Outra conseqiléncia importante da economia de mercado, no que se


re- fere aos Estados, é em decorréncia do fato de a interdependéncia
econñmica criar uma relapao de poder entre grupos e sociedades. 0s
mercados nño sao politicamente neutros; criam poder econñmico, o qual um
ator pode usar contra outro. A interdependéncia provoca vulnerabilidades
que podem ser explore- das e manipuladas. Nas palavras de Albert
Hirschman, “o poder de intercom- per as relaqfies comerciais e financeiras
com qualquer pats (...) é a causa fundamental da posipâo de influéncia on
de poder que um pats adquire com relapño a outros” (Hirschman, 1945, p.
16). Portanto, em graus variados, a interdependencia econñmica
estabelece uma dependéncia hierarquica e cria relapñes de poder entre os
grupos e as sociedades nacionais. Ao reagir a essa situapño, os Estados
procuram aumentar a sua propria independéncia, assim como a
dependéncia dos demais.
Uma economia de mercado traz beneficios e custos para os grupos e
para as sociedades. De um lado, a espeeializaqño e a divisao do trabalho
promovem o crescimento da economia e o aumento da riqueza dos que parti-
cipam do mercado. Embora esses beneficios nao se distribuam de forma
igualitaria, de modo geral todos ganham em termos absolutos. Assim, poucas
sociedades procuram fugir ñ participapño no sistema econñmico mundial. De
outro lado, porém, a economia de mercado impñe também custos economi-
cos, sociais e politicos a determinados grupos e sociedades, de forma que, em
termos relativos, alguns se beneficlam mats do que outros. Por isso, os Esta-
dos procuram proteger-se ao 1 imitar os custos que incidem sobre eles e
sobre os seus cidadaos. No mundo contemporaneo, a disputa entre grupos e
Estados, a proposito dessa distribui§ao de vantagens e custos, tornou-se um
dado importante das relapñes internaeionais.

CO H C) US 0

As preocupapñes principals deste livro sao com o impacto da economia


de mercado global sobre as relapñes entre os Estados, e o modo como estes
pro- curam influir nas formas do mercado para maximizar suas vantagens.
lmplicitos nessa relapao entre Estado e mercado, ha trés temas lnterligados,
importantes para o estudante de politica. O primeiro é o modo como a
interdependéncia no mercado afeta a politica internacional e é afetada por ela,
particularmente pela presenpa ou pela auséncia de uma lideranpa politica. O
segundo tern a ver com a interapao das mudanpas econñmicas e politicas, a
qual provoca uma intensa competipao entre os Estados pela localizapao global
das atividades economi- cas, em particular nos nucleos de maior imponancia
da industria modema.
42 Rober1: Gilpin

O terceiro é o efeito do mercado mundial sobre o desenvolvimento


econñmico e o conseqiiente esforpo dos Estados para controlar ou pelo menos
para ter condipñes de influenciar as regras on os regimes que governam o
comércio, o investimento externo e o sistema monetario internacional, assim
como outros aspectos da economia politica internacional.
Por tras dos temas aparentemente técnicos do comércio e das finanpas
internacionais hit temas politicos que influenciam profundamente o poder, a
independéncia e o bem-estar dos Estados. Assim, embora o comércio possa
trazer beneficio mutuo para o comprador e para o vendedor, todos os Estados
pretendem que seus ganhos sejam desproporcionalmente maiores do que a
vantagem que o comércio lhes traz; e querem utilizar a tecnologia para obter
o maior acréscimo de valor a sua contribuigao a divisño internacional do
trabalho. E da mesma forma, todos os Estados querem ter influencia no
processo decisdrio das regras do sistema monetario internacional. Em todos
os segmentos dos assuntos econñmicos intemacionais, os temas econñmicos e
politicos entrela- Ham-se.
Os pesquisadores e outros individuos diferem, contudo, a respeito da na-
tureza dessas rela§ñes entre os temas econñmicos e politicos. Embora pos-
samos identificar muitas posipñes distintas, quase todas tendem a recair em
trés perspectivas, ideologias on escolas de pensamento contrastantes: o libe-
ralismo, o nacionalismo e o marxismo. No proximo capitu!o vamos avaliar as
formas e os limites de cada uma delas. Em particular, estudaremos o desafio
fundamental do nacionalismo, especialmente do marxismo, com respelto as
perspectivas de persisténcia da economia internacional liberal do pñs-guerra.

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