As Regras Monásticas de São Basílio Magno

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Coleção

OS PADRES DA IGREJA/4
Orientação editorial:
Frei Fernando A. Figueiredo, O.F.M.
SAO BAS1LIO MAGNO

AS REGRAS MONÁSTICAS

Tradução
Ir. Hildegardis Pasch e
Ir. Helena Nagem Assad

IVOZES;
Petrópolis
1983
Direitos desta tradução:
Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25600 Petrópolis, RJ
Brasil

Diagramação
Valdecir Mello
SUMÁRIO

VIDA E OBRA DE SÃO BASÍLIO, 23


A REGRA MAIS EXTENSA, 39
Prólogo, 39
1. Ordem e seqüência dos mandamentos do Senhor, 45
2. A caridade para com Deus. Há, por natureza, nos homens
inclinação e força para a prática dos mandamentos do
Senhor, 46
3. A caridade para com o próximo. Seria lógico dissertar
agora sobre o segundo mandamento, em ordem e valor, 51
4. O temor de Deus, 52
5. Como evitar a divagação, 53
6. Necessidade da vida retirada, 56
7. A conveniência de se conviver com os que unanimemente
tencionam agradar a Deus. É tão difícil quão perigoso viver
isolado, 58
8. A renúncia, 61
9. Se convém àquele que se une aos que se dedicam ao
Senhor confiar seus bens de maneira indiscriminada a
parentes ímprobos, 65
10. Se devem ser recebidos todos quantos se apresentam. Ou
quais? Devem ser logo admitidos? Ou só depois de
experimentados? E como?, 67
11. Os escravos, 68
12. Como devem ser recebidos os casados, 69
13. Utilidade da prática do silêncio para os recém-vindos, 70
14. Dos que se dedicaram a Deus e depois tentam anular sua
profissão, 70
15. Qual a idade conveniente para a entrega a Deus e quando se
torna irrevogável a profissão, 71
16. Se é necessária a temperança para os que desejam viver
piamente, 74
17. Importa também conter o riso, 76
18. Se convém provar de tudo que põem diante de nós, 78
19. Qual a medida da continência, 79
20. Como há de ser a refeição dos hóspedes, 81
21. Como nos sentamos ou nos reclinamos por ocasião do
jantar ou da ceia, 84
22. Qual a veste conveniente para o cristão, 84
23. O cinto, 87
24. Tudo isso nos foi bem transmitido. Conviría agora
aprendermos como conviver, 88
25. Terrível o juízo do superior que não repreender os que
pecam, 89
26. De que tudo, até mesmo os segredos do coração, deve ser
manifestado ao superior, 90
27. O próprio superior, se errar, seja advertido pelos irmãos
mais antigos da comunidade, 91
28. Como se comportarão todos em relação a um desobediente,
91
29. Orgulho ou murmuração no trabalho, 93
30. Qual deve ser a atitude dos superiores ao cuidarem dos
irmãos, 94
31. Deve ser recebido o serviço prestado pelo superior, 95
32. Relações com os parentes, 95
33. Relações com as irmãs, 97
34. Como devem ser os que dispensam o necessário à
comunidade, 98
35. Se convém estabelecer numa aldeia mais de uma
comunidade de irmãos, 100
36. Os que se retiram da comunidade dos irmãos, 103
37. Se é lícito, sob pretexto de oração e de salmodia, descuidar-
se do trabalho. Qual o tempo apropriado para as orações?
Em primeiro lugar é dever trabalhar?, 104
38. A explicação nos mostrou suficientemente que a oração
não pode ser omitida e que o trabalho é indispensável.
Seria lógico aprendermos agora quais os ofícios adequados
a nossa profissão, 108
39. Como vender os produtos e como viajar, 109
40. Das transações feitas com assembléias religiosas, 109
41. Autoridade e obediência, 110
42. Qual o fim e a atitude dos que trabalham, 112
43. Foi suficientemente explicado o modo de trabalhar. Se algo
faltar, aprenderemos pela praxe a encontrar a boa solução.
Pedimos agora nos seja exposto como devem ser os
superiores da comunidade dos irmãos e de que maneira hão
de governar os discípulos, 114
44. A quem se deve permitir as viagens e como será inter-
rogado, à volta, 115
45. Haja, quando o superior estiver ausente ou ocupado, outra
pessoa para cuidar dos irmãos, 117
46. Não se ocultem os pecados de um irmão ou os seus
próprios, 118
47. Os que não aceitam o que o superior estabeleceu, 119
48. Não se deve investigar curiosamente o governo do superior,
mas antes estar atento a seu próprio dever, 120
49. Controvérsias entre os irmãos, 120
50. De que modo deve o superior corrigir, 121
51. A maneira de corrigir as faltas de quem pecou, 122
52. Com que disposição serão recebidos os castigos, 122
53. Como os mestres dos ofícios hão de corrigir as faltas dos
meninos, 123
54. Conveniência de terem os superiores das comunidades
diálogos a respeito dos respectivos interesses, 123
55. Se o uso da medicina convém às finalidades da piedade,
124
AS REGRAS MENOS EXTENSAS, 129
Introdução, 129
1. É lícito ou útil a alguém fazer ou dizer o que pensa ser
bom, sem ter o testemunho das Escrituras divinas?, 130
2. Que espécie de profissão devem exigir uns dos outros, os
que querem viver em comum segundo Deus?, 131
3. Como converter um pecador? Ou se não se converter,
como agir?, 131
4. Se alguém, mesmo por causa de pecados leves, insiste
com seus irm os, dizendo: Deveis fazer penit ncia ,
acaso é sem misericórdia e destrói a caridade?, 132
5. Como fazer penitência de cada pecado e mostrar dignos
frutos de penitência, 132
6. Que pensar de quem confessa seu arrependimento por
palavras, mas não se corrige do pecado?, 133
7. Qual a sentença dos defensores daqueles que pecaram?,
133
8. Como receber quem está verdadeiramente arrependido?,
134
9. Que atitude tomaremos para com o pecador não contrito?,
134
10. Com que temor e com quantas lágrimas deve a mísera
alma que muito pecou abandonar os pecados e possuída
de que esperança e sentimentos há de se aproximar de
Deus?, 134
11. Como odiará alguém os pecados?, 135
12. Como pode a alma persuadir-se de que Deus lhe perdoou
os pecados?, 135
13. Quem pecou depois do batismo deve desesperar de sua
salvação, por se achar envolvido numa multidão de
pecados, ou até que quantidade de pecados deve confiar
na benignidade de Deus, por meio da penitência?, 136
14. Com que espécie de frutos se há de comprovar a ver-
dadeira penitência?, 137
15. Que significa a palavra: Quantas vezes devo perdoar a
meu irm o, quando ele pecar contra mim? (Mt 18,21). E
quais os pecados que devo perdoar?, 137
16. Por que é que às vezes a alma sem esforço sente com-
punção por um pesar espontâneo que dela de repente se
apossa; e por vezes de tal modo não sente contrição que,
mesmo fazendo-se violência, não pode se compungir?,
137
17. Se alguém pensar em comer, depois censurar-se a si
mesmo, deve ser acusado de ter sido inquieto?, 138
18. Se deve um membro da comunidade que pecou, depois de
muitos exercícios, receber um ofício. E se deve, qual?,
139
19. Se incorrer em suspeita de pecado alguém que não o
comete às claras, deve ser vigiado a fim de que se
depreenda o que se suspeitou?, 139
20. Se deve o que viveu no pecado fugir da companhia dos
heterodoxos ou também evitar a dos que vivem mal, 140
21. Donde vêm as divagações e as cogitações e como corrigi-
las?, 141
22. Donde provêm os sonhos indecorosos?, 141
23. Que espécie de palavras torna ociosa uma conversa?, 141
24. O que é a injúria?, 142
25. O que é a detração?, 142
26. Que merece quem fala mal de seu irmão ou escuta a um
detrator e o tolera?, 143
27. Como receberemos alguém que fale mal do superior?, 143
28. Deve-se acreditar, quando alguém com palavras ousadas e
tom insolente responder a outrem e, advertido, disser que
nada de mal tem no coração?, 143
29. Como pode alguém evitar a ira?, 144
30. Como eliminaremos o vício da concupiscência má?, 144
31. Se não é lícito, absolutamente, rir-se, 145
32. Donde vem o torpor inoportuno e excessivo e como o
repeliremos?, 145
33. Como se descobre que alguém está procurando agradar
aos homens?, 146
34. Como fugir do vício de agradar aos homens e como
menoscabar os louvores dos homens?, 146
35. Como se conhecerá o soberbo e como ficará curado?, 146
36. Se as honras devem ser ambicionadas, 147
37. De que modo o preguiçoso em cumprir o mandamento
poderá recuperar a diligência, 147
38. Se um irmão receber uma ordem e contradisser, mas
depois for espontaneamente, 148
39. Se alguém obedecer murmurando, 148
40. Se um irmão contrista a outro, como deve ser corrigido?,
148
41. Se aquele que contristou se recusar a pedir desculpas, 149
42. Se quem contristou pedir desculpas, mas o entristecido
recusar reconciliar-se, 149
43. Como atender àquele que nos desperta para a oração?, 150
44. Que merece quem ficar de mau humor ou mesmo se irritar,
ao ser despertado?, 150
45. Se algu m, tendo ouvido do Senhor que: O servo que,
apesar de conhecer a vontade de seu Senhor, não a fez,
nada preparou e lhe desobedeceu, será açoitado com
muitos golpes, e aquele que a ignorou e fez coisas
repreensíveis será açoitado com poucos golpes (Lc
12,47-48), negligencia, no entanto, conhecer a vontade do
Senhor, terá ele alguma desculpa?, 151
46. Se é réu de pecado quem permite a outrem pecar, 151
47. Se convém calar diante dos que pecam, 152
48. Como se define a avareza?, 153
49. Que é agir com leviandade?, 154
50. Se alguém rejeita vestes mais preciosas, mas quer para si
coisa vulgar, um manto, ou um calçado que lhe fique bem,
peca? Ou de que mal sofre?, 154
51. Que é raca? (Mt 5,32), 154
52. O Ap stolo ora diz: N o sejamos vidos de vangloria ;
ora: sem servilismo, como para vos fazerdes bem vistos
(Ef 6,6). Quem é ávido da vangloria e quem é que busca o
beneplácito dos homens?, 154
53. Que é mancha da carne e nódoa do espírito e como delas
nos manteremos puros ou que é a santidade e como a
alcançaremos?, 155
54. Que é o egoísmo e como se conhecerá o egoísta?, 155
55. Qual a diferença entre amargura, furor, ira e exasperação?,
156
56. Tendo proferido o Senhor que: Todo o que se exalta ser
humilhado (Lc 18,44), e como preceituou o Ap stolo:
N o te ensoberbe as (Rm 11,20), e em outro lugar:
Arrogantes, soberbos, altivos (2Tm 3,2), e de novo: A
caridade n o se ensoberbece (ICor 13,4), quem que se
ensoberbece, quem o arrogante, quem o orgulhoso, quem
o presunçoso, quem o inchado?, 156
57. Se alguém tiver um vício incorrigível, depois de fre-
qüentemente repreendido, deve ser batido ou é preferível
despedi-lo?, 157
58. Se é condenado apenas quem mentiu conscientemente ou
se também aquele que, por ignorância, afirmou
absolutamente alguma coisa contra a verdade, 157
59. Se alguém planejar uma coisa e não a fizer, será con-
denado como mentiroso?, 158
60. Se alguém teve a idéia de fazer algo que desagradasse a
Deus, e decidiu fazê-lo, será melhor desistir do mau
propósito ou cometer pecado, por receio de se desmentir?,
158
61. Se alguém não pode trabalhar, nem quer aprender os
salmos, que fazer dele?, 159
62. Que é preciso que alguém faça para ser condenado por
ocultar o talento?, 159
63. Que é preciso que alguém faça para ser condenado como
os murmuradores contra os últimos?, 159
64. Como Nosso Senhor Jesus Cristo disse: Mas, se algu m
fizer cair em pecado um destes pequenos, melhor fora que
lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem
no fundo do mar (Mt 18,6), que escandalizar? E como
nos acautelaremos a fim de não so- frermos esta horrível
condenação?, 160
65. Como alguém injustamente detém a verdade?, 162
66. Que é emulação e que é rivalidade?, 163
67. Que é imundície e que é impureza?, 163
68. Que é próprio do furor ou da justa indignação? Como é
que, frequentemente, começando pela indignação,
encontramo-nos enfurecidos?, 163
69. Como agir com aquele que não come menos que os outros,
nem consta estar inválido ou doente, mas se queixa de
falta de forças para o trabalho?, 164
70. Como deve ser tratado o que faz mau uso das vestes e dos
calçados; se for repreendido, suspeita-se haver em quem o
repreende parcimônia ou murmuração. Que convém fazer-
lhe, se, depois da segunda e terceira admoestação justa,
continuar do mesmo modo?, 164
71. Há alguns que procuraram mais o sabor dos alimentos do
que a quantidade; outros, porém, mais a quantidade do que
o sabor, a fim de se saciarem. Como proceder para com
ambos?, 165
72. Se alguém, ao tomar a refeição em comunidade, se
comportar sem polidez, comendo e bebendo vorazmente,
deve ser repreendido?, 165
73. Como deve ser corrigido quem repreender um delin-
qüente não pelo desejo de correção fraterna, mas com
sentimento de vingança, se, muitas vezes admoestado,
persistir no mesmo vício?, 166
74. Devem ser separados dos demais os que se apartam da
comunidade e querem viver uma vida solitária, ou seguir,
na companhia de poucos, o mesmo escopo de piedade?
Desejamos saber o que ensina a Escritura, 166
75. Se convém dizer que Satanás é a causa de todos os
pecados, por pensamentos, palavras e obras, 167
76. Se é lícito mentir por utilidade, 168
77. Que é dolo, e que é malignidade?, 168
78. Quem é inventor de maldades?, 168
79. Como corrigir alguém que é com freqüência surpreendido
a tratar com dureza um irmão?, 168
80. Por que, de certo modo, faltam a nossa mente bons
pensamentos e cuidados agradáveis a Deus, e como
evitaremos isto?, 169
81. Se devem de igual modo ser repreendidos os piedosos e os
indiferentes, quando ambos forem surpreendidos no
mesmo pecado, 170
82. Est escrito: As anci s como a m es (lTm 5,2). Se
acontecer que uma anciã cometa o mesmo pecado que
uma jovem, devem sofrer igual castigo?, 171
83. Se alguém, tendo praticado assiduamente o bem, cair uma
vez, como o trataremos?, 171
84. Se alguém, de modos turbulentos e agitados, for re-
preendido e disser que Deus faz a uns bons e a outros
maus, falou a verdade?, 172
85. Se convém ter algo de próprio na comunidade, 172
86. Se alguém disser: Nada recebo da comunidade dos
irmãos, nem dou, mas contento-me com o que é meu,
como agir com ele?, 172
87. Se é lícito a cada um dar a quem quiser o manto velho ou
os sapatos, segundo o mandamento, 173
88. Que é a solicitude desta vida?, 173
89. J que est escrito: A riqueza de um homem o resgate
de sua vida (Pr 13,8), n s que as n o possuímos, o que
faremos?, 173
90. Se é lícito ter uma veste para a noite, quer de pêlos, quer
de outra espécie, 174
91. Se a um irmão, que nada possui de próprio, for pedido
aquilo que usa, o que fazer, principalmente se estiver nu o
pedinte?, 174
92. O Senhor ordenou vender as propriedades. Por que fazê-lo?
Será porque os bens prejudicam por natureza, ou por causa
da dispersão do espírito que deles costuma provir?, 175
93. Com que espírito aquele que renunciou já a seus bens e
prometeu nada ter de próprio, deve usar do necessário para
viver, como a roupa e o alimento?, 175
94. Se alguém, tendo impostos a pagar, entrar na comunidade,
e seus parentes forem importunados pelos cobradores, há
motivo de dúvida ou de prejuízo para ele, ou para os que o
receberam?, 176
95. Se convém aos recém-vindos aprender imediatamente as
palavras das Escrituras, 176
96. Se convém permitir a quem quiser aprender as letras ou
entregar-se a leituras, 177
97. Se alguém disser: Quero por pouco tempo aproveitar- me
de vossa companhia, deve ser recebido?, 177
98. Que atitude deve manter o superior quando ordena ou
dispõe?, 178
99. Com que disposição deve alguém repreender?, 178
100. Como despediremos os mendigos de fora? Dar-lhes-á,
quem o quiser, pão ou qualquer outra coisa? Ou deve
haver um designado para tal fim? 179
101. Deverá o encarregado da dispensação das ofertas a Deus
cumprir a palavra: D a todo o que te pedir e ao que te
tomar o que teu, n o lho reclames (Lc 6,30)?, 179
102. Se convém, ou não, ser retido por exortações aquele que
sai da comunidade dos irmãos por qualquer razão. Se é
conveniente, sob que condições?, 180
103. Já aprendemos que devemos obedecer aos mais velhos até
à morte. Acontece algumas vezes que o próprio velho erra.
Deve ser admoestado? Como e por quem? Desejamos
sabê-lo. Se não aceitar, o que se deve fazer?, 180
104. Como entregar os ofícios aos irmãos? Só a juízo do
superior, ou com o voto dos irmãos? E o mesmo, quanto
às irmãs, 180
105. Se devem os recém-vindos para a comunidade aprender
logo os ofícios, 181
106. Que penas serão usadas na comunidade em vista da
conversão dos pecadores?, 181
107. Se alguém disser que deseja viver na comunidade dos
irmãos, mas, devido aos cuidados com os parentes carnais,
ou por causa dos tributos, estiver muitas vezes impedido
de se entregar de uma vez a esta vida, deve ser-lhe
permitido o acesso junto dos irmãos?, 182
108. Se convém que o superior, na ausência da superiora, fale
com uma irmã do que se refere à edificação da fé, 182
109. Se convém que o superior fale com freqüência com a
superiora, principalmente se alguns dos irmãos se
aborrecem com isto, 182
110. Se deve estar presente a superiora quando uma irmã se
confessa a um presbítero, 183
111. Se o presbítero ordenar algo às irmãs, sem conhecimento
da superiora, tem ela o direito de se indignar?, 183
112. Se é conveniente, quando alguém vem seguir uma vida
dedicada a Deus, ser recebido pelo superior sem o
conhecimento dos irmãos, ou deve isto ser-lhes comu-
nicado primeiro?, 183
113. Se é possível àquele que tem a responsabilidade das almas
observar a palavra: Se não vos transformardes e vos
tornardes como criancinhas (Mt 18,3), visto ter rela o
com muitas e diferentes pessoas, 184
114. Se é dever obedecer a todos os que dão ordens e a qualquer
um deles, porque o Senhor ordenou: Se algu m vem
obrigar-te a andar mil passos com ele, vai com ele dois
mil (Mt 5,41) e o Ap stolo ensinou a nos sujeitarmos uns
aos outros, no temor de Cristo (Ef 5,21), 184
115 Como hão de obedecer uns aos outros?, 185
116. Até onde vai a obediência, segundo as normas para
agradarmos a Deus?, 186
117. De que vício sofre quem não aceita receber ordens diárias
para a realização de um mandamento, mas quer aprender
um ofício? Deve ser tolerado?, 186
118. Qual será a recompensa de quem é zeloso em cumprir o
mandamento, mas não faz aquilo que lhe é ordenado e sim
o que quer?, 186
119. Se é lícito a alguém recusar o trabalho que lhe é confiado e
procurar outro, 187
120. Se convém sair para algum lugar sem avisar ao superior,
187
121. Se é lícito recusar os trabalhos mais pesados, 188
122. Deve-se permitir a recusa da eulógia a alguém que disser:
Se n o receber a eul gia n o como ?, 188
123. Se alguém se entristece porque não lhe permitem fazer
aquilo que não é capaz de fazer, isto deve ser tolerado?,
L89
124. Se deve alguém que se encontrou com hereges ou gentios
comer com eles ou saudá-los, 189
125. Se alguém a quem foi confiado um trabalho e sem avisar
fizer algo aquém da ordem ou além do prescrito, deve ser
mantido no trabalho?, 190
126. Como não se deixar vencer pelo gosto de comer?, 190
127. Dizem alguns ser impossível ao homem não se irar, 190
128. Se é lícito permitir a quem quiser fazer abstinência além de
suas forças, de modo a ficar tolhido de praticar o
mandamento que lhe é proposto, 191
129. Se alguém jejua muito e por isso não pode tomar dos
alimentos da mesa comum, o que será melhor? Jejuar com
os irmãos e comer com eles, ou por causa do jejum
imoderado ter necessidade de outros alimentos, na
refeição?, 191
130 Como se deve jejuar, quando for preciso jejuar por motivo
de piedade? Por obrigação? Ou de boa vontade?, 192
131. Faz bem quem não toma alimentos quando os irmãos
comem, mas procura outros?, 192
132. Que pensar de quem diz: Isto me faz mal , e se contrista
se não lhe derem outra coisa?, 193
133. Se alguém murmurar por causa da comida, 193
134. Se alguém, irado, se recusar a tomar o necessário, 193
135. Se convém, ao que faz um trabalho cansativo, procurar
mais alguma coisa, além do que costuma receber, 193
136. Se é de obrigação reunirem-se todos à hora do almoço; e
como receberemos o que estiver ausente e chegar depois
do almoço?, 194
137. Se é bom que alguém decida, por exemplo, por algum
tempo, abster-se de alguma coisa na comida ou na bebida,
194
138. Se na comunidade será lícito a alguém jejuar ou fazer
vigílias mais do que os outros, a seu arbítrio, 195
139. Se intensificamos o jejum, tornamo-nos mais fracos para o
trabalho. Que é preferível? Dificultar o trabalho por causa
do jejum, ou negligenciar este último, por causa do
trabalho?, 196
140. Se alguém não se abstiver dos alimentos que lhe fazem
mal e, ingerindo-os fartamente, cair doente, deve ser
tratado?, 196
141. Se convém nas oficinas encontrarem-se hóspedes, ou
alguns de casa, que saiam de seu lugar, 197
142. Se os artífices devem receber alguma encomenda, sem o
conhecimento do responsável por estes trabalhos, 197
143. De que modo devem os que trabalham cuidar dos
instrumentos a seu cargo?, 198
144. Se alguém perder alguma coisa por descuido, ou abusar,
desprezando-a, 198
145. Se alguém, por própria conta, der ou receber uma coisa
emprestada, 198
146. Se por urgente necessidade o prepósito lhe pedir um
instrumento, mas ele negar, 198
147. Quem estiver ocupado no celeiro, na cozinha, ou em coisa
semelhante, se não se apresentar no tempo da salmodia e
da oração, sofrerá detrimento espiritual?, 199
148. Até onde vai a faculdade de administrar do responsável
pelo celeiro?, 199
149. Qual a sentença do ecônomo que fizer algo por acepção de
pessoas ou por contestação?, 200
150. Se por negligência não der a um irmão o necessário, 200
151. Se é permitido no serviço falar em voz mais alta, 201
152. Se alguém, chegado o seu turno de servir na cozinha,
trabalhar acima de suas forças, de modo que por uns dias
fique impossibilitado de trabalhar como de ordinário,
convém impor-lhe este ofício?, 201
153. Como a encarregada das lãs guardá-las-á, e de que maneira
atenderá às que trabalham?, 201
154. Se forem poucos os irmãos e servirem a muitas irmãs, de
modo que precisem separar-se, distribuindo-se o trabalho,
haverá perigo?, 202
155. Aprendemos que devemos servir aos doentes no hospital
como a irmãos do Senhor; se tal não for aquele que é
servido, como tratá-lo?, 202
156. Se o encarregado do celeiro ou de ofício semelhante deve
ser mantido, ou será bom trocar, 203
157. Com que atitude se deve servir a Deus: e o que é, em
resumo, esta atitude?, 203
158. Com que atitude deve ser recebida uma punição?, 204
159. Que pensar de quem se aborrece com quem o repreende?,
204
160. Com que atitude devemos servir aos irmãos?, 204
161. Com que humildade se receberá um serviço da parte de um
irmão?, 205
162. Como há de ser a caridade para com os outros?, 205
163. De que modo exercerá alguém a caridade para com o
próximo?, 206
164. Que quer dizer: N o julgueis e n o sereis julgados (Lc
6,37)?, 206
165. Como pode alguém saber se é por zelo de Deus que se
comove contra o irmão que pecou, ou por ira?, 207
166. Com que atitude se deve ouvir quem insiste na prática do
mandamento?, 208
167. Como há de ser a alma que for considerada digna de se
ocupar na obra de Deus?, 208
168. Com que atitude deve ser recebido o hábito e o calçado,
sejam quais forem?, 209
169. Como se portará um irmão mais jovem a quem for
ordenado dar alguma instrução a um mais velho em
idade?, 209
170. Se devem ser tidos na mesma conta os que procedem
melhor e os que agem menos bem, 209
171. Como trataremos um inferior que se contrista porque lhe é
preferido outro mais piedoso?, 210
172. Com que temor, convicção e atitude receberemos o corpo
e o sangue de Cristo?, 210
173. Se é lícito à hora em que, em casa, se realiza a salmodia,
travar-se uma conversa qualquer, 211
174. Como praticará alguém, com ânimo e grande desejo, os
mandamentos do Senhor?, 212
175. Como se manifestará que alguém ama o irmão segundo o
mandamento do Senhor; e como se convencerá de que não
ama deste modo?, 212
176. Quais os inimigos que temos o dever de amar? Como
amaremos os inimigos? Somente conferindo-lhes bene-
fícios, ou também pela afeição? E isto é possível?, 213
177. Como devem os fortes carregar as enfermidades dos
fracos? (Rm 15,1), 214
178. Que significa: Ajudai-vos uns aos outros a levar os
vossos fardos (G1 6,2)? Qual a lei que cumprimos ao
fazer isto?, 214
179. Como poderá alguém sem a caridade ter tal fé que
transporte montanhas, ou dar todos os seus bens aos
pobres, ou entregar seu próprio corpo para ser queimado?,
215
180. Com que atitude e atenção devemos ouvir a leitura,
durante a refeição?, 216
181. Se houver duas comunidades de irmãos vizinhos, uma que
luta com a pobreza e a outra que dificilmente dá, como
deve a pobre portar-se para com a que não d.á?, 216
182. Quais frutos comprovam a compaixão de quem repreende
o irmão que peca?, 216
183. Se houver entre alguns dos que vivem em comunidade um
desentendimento, será certo concordar com eles por causa
da caridade? 217
184. Como poderá alguém, quando exorta ou censura, não
apenas se esforçar por se exprimir sabiamente, mas
também conservar a devida atitude para com Deus e para
com aqueles aos quais fala?, 217
185. Se alguém, vendo que sua palavra tocou os ouvintes, se
alegrar, como poderá saber se é por boa disposição ou
viciosa afeição para consigo mesmo que se alegra?, 218
186. Uma vez que fomos instruídos a ter tal amor a ponto de
dar a vida pelos amigos, queremos saber para que amigos
devemos querer isto, 218
187. Se devem todos receber alguma coisa dos parentes carnais,
219
188. Como encararemos os antigos companheiros, ou os
parentes que nos vêm visitar?, 220
189. Devemos ouvi-los se quiserem com exortações induzir-nos
a voltar para casa?, 220
190. Se devemos compadecer-nos dos parentes, desejando a sua
salvação, 220
191. Que significa ser manso?, 221
192. Qual a tristeza segundo Deus e qual a de acordo com o
mundo?, 221
193. Que é gáudio no Senhor? Quais dentre nossas ações devem
nos alegrar?, 222
194. De que modo chorar para sermos dignos da bem-
aventurança?, 222
195. Como fará alguém tudo para a glória de Deus?, 223
196. Como haverá alguém de comer e beber para a glória de
Deus?, 223
197. Como agirá a direita, de modo que não o saiba a
esquerda?, 223
198. Que é humildade e como a alcançaremos?, 224
199. Como estará alguém inteiramente pronto até a enfrentar os
perigos, por causa do mandamento do Senhor?, 224
200. Como poderão os que, durante muito tempo, já se gastaram
na obra de Deus, ajudar os recém-vindos?, 225
201. Como chegará alguém a estar bem atento na oração?, 225
202. Se é possível em tudo e sempre não ter distrações e como
realizá-lo?, 225
203. Se, na realização do mandamento do Senhor, a medida é
uma só para todos, ou uns têm mais e outros menos?, 226
204. Como alguém se tornará apto a ser participante do Espírito
Santo?, 226
205. Quem são os pobres de espírito? (Mt 5,3), 227
206. O Senhor ordena que não nos inquietemos com o que
comeremos, o que beberemos, ou com que nos vestiremos
(Mt 6,31). Até onde vai este mandamento? Como o
praticaremos?, 227
207. Uma vez que não se deve ter inquietação a respeito da
própria subsistência, e há outro preceito do Senhor que
diz: Trabalhai, n o pela comida que perece (Jo
6,27) , será supérfluo trabalhar?, 228
208. Se é boa a ascese do silêncio contínuo, 229
209. Como poderemos temer os juízos de Deus?, 229
210. O que é a veste decente, conforme o Apóstolo ensina?, 230
211. Qual a medida do amor de Deus?, 230
212. Como alcançar a caridade para com Deus?, 230
213. Quais os sinais da caridade para com Deus?, 231
214. Qual a diferença entre benignidade e bondade?, 231
215. Qual é o pacífico que o Senhor denomina bem-aven-
turado?, 232
216. Em que devemos nos converter e tornar-nos como crianças
(Mt 18,3)?, 232

A
217. Como receber o reino de Deus qual criança?, 232
218 Que entendimento devemos pedir a Deus e como nos
tornarmos dignos dele?, 233
219. Se formos beneficiados por alguém, como poderemos dar a
Deus pura e total ação de graças, e agradecer sabiamente,
não ficando aquém nem além da medida?, 233
220. Se deve ser permitido a quem o desejar um encontro com
as irmãs; ou quem, quando e como, falará com as irmãs?,
233
221. Tendo-nos ensinado o Senhor a rogar que não caiamos em
tentação, devemos pedir que não sintamos dores
corporais? E como suportá-las se as sentirmos?, 234
222. Quem é o adversário de cada um de nós e como con-
cordaremos com ele?, 235
223. Tendo dito o Senhor: Quando jejuares, perfuma a tua
cabeça e lava o teu rosto; assim não parecerá aos homens
que jejuas (Mt 6,17); se algu m quiser jejuar por um
motivo agradável a Deus como se verifica terem os
santos muitas vezes praticado e for visto, apesar de não
o querer, o que fará?, 235
224. Acaso, ainda hoje, uns trabalham desde a primeira hora,
outros a partir da undécima? E quem são eles?, 236
225. Como nos tornaremos dignos das palavras do Senhor:
Onde dois ou tr s est o reunidos em meu nome, a estou
eu no meio deles (Mt 18,20)?, 236
226. Tendo dito o Ap stolo: Amaldi oados, aben oamos;
caluniados, consolamos (ICor 4,12), como deve bendizer
o que é amaldiçoado e como deve consolar o que é
caluniado?, 237
227. Se deve alguém declarar aos outros o que pensa, ou
guardar para si a convicção de aprazer a Deus nisto, se a
tiver, 238
228. Se em tudo se deve fazer a vontade dos que se escan-
dalizam, ou se há alguma coisa que não deve ser simulada,
mesmo se alguns se escandalizarem, 238
229. Se é dever, vencendo o pudor, confessar a todos ou só a
alguns as ações proibidas praticadas. E a quais?, 239
230. Que significa culto e culto racional?, 239
231. Se um irmão, ou até por vezes um sacerdote, me prejudica
e age como meu inimigo, é-me lícito observar também
para com ele os mandamentos acerca dos inimigos?, 240
232. Se alguém, injuriado por outro, a ninguém o referir, por
paciência e mansidão, e parecer deixar para o juízo de
Deus, age conforme o que Deus quer?, 240
233. Se faltar a alguém uma só das boas ações, acaso, por isto,
não se salvará?, 241
234. Como alguém anunciará a morte do Senhor?, 241
235. Se é útil aprender bem muitas coisas das Escrituras, 242
236. Como devem aqueles que forem julgados aptos a aprender
os quatro evangelhos, receber esta graça?, 243
237. Qual é a alma que se orientará segundo a vontade de
Deus?, 243
238. Se é possível, de modo ininterrupto, salmodiar, ler, ou
aplicar-se às palavras de Deus, sem intervalo de tempo,
em absoluto, porque a alguns sobrevêm uma sórdida
necessidade corporal, 243
239. Que é bom ou mau tesouro?, 244
240. Por que se diz que é larga a porta e espaçoso o caminho
que conduz à perdição?, 244
241. Por que é estreita a porta e apertado o caminho que conduz
à vida? E como se entra por ele?, 245
242. Que quer dizer: Amai-vos reciprocamente com caridade
fraterna ?, 245
243. Que quer dizer o Ap stolo com as palavras: Mesmo em
c lera, n o pequeis. N o se ponha o sol sobre a vossa ira
(Ef 4,26), porque diz noutra parte: Toda amargura, ira,
indigna o sejam desterradas do meio de v s (Ib. 31)?,
246
244. Que significa: Deixai agir a ira (Rm 12,19)?, 246
245. Que ser prudente como as serpentes, mas simples como
as pombas (Mt 10,16)?, 246
246. Que quer dizer: A caridade nada faz de inconveniente
(ICor 13,5)?, 247
247. Tendo dito a Escritura: N o vos glorieis e n o faleis
coisas elevadas (ISm 2,3) e como o Ap stolo confessa:
O que vou dizer, na certeza de poder gloriar- me, não o
digo sob a inspiração do Senhor, mas como
num acesso de del rio (2Cor 11,17) e ainda: Tenho- me
tornado insensato (2Cor 12,11); em outro lugar, por m,
afirma: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor (2Cor
10,17), que é gloriar-se no Senhor e qual a maneira de se
gloriar?, 247
248. Se é o Senhor quem dá a sabedoria e de sua face sai a
ciência e a prudência (Pr 2,6); se também pelo Espírito a
um é dada a linguagem da sabedoria, a outro a da ciência
(ICor 12,8); por que o Senhor ex- probra aos discípulos:
Tamb m v s estais ainda sem intelig ncia? (Mt 15,16).
E por que o Apóstolo acusa a alguns de serem insensatos?
(Rm 1,31), 248
249. Que é honesto e que é justo?, 249
250. Como alguém dá o que é santo aos cães ou lança as
pérolas aos porcos? Ou como acontece que se evita o
seguinte: Para que n o suceda que as calquem com os
seus pés e, voltando-se contra vós, vos despedacem (Mt
7,6)?, 249
251. Por que o Senhor uma vez proíbe levar bolsa e alforje no
caminho; outra, por m, diz: Mas agora, quem tem bolsa,
tome-a, aquele que tem uma mochila, tome-a igualmente e
aquele que não tiver uma espada, venda sua capa para
comprar uma (Lc 10,4; 22,36)?, 249
252. Qual o pão cotidiano que aprendemos a pedir cada dia?,
250
253. Que é o talento e como o multiplicaremos?, 251
254. Qual é a mesa onde se deve, como diz o Senhor, depositar
o dinheiro?, 251
255. Para onde recebeu ordem de ir aquele ao qual se disse:
Toma o que teu e vai-te (Mt 20,14)?, 251
256. Qual é a recompensa que eles recebem de igual modo que
os últimos?, 252
257. Quais as palhas queimadas em fogo inextinguível?, 252
258. Quem é o condenado pelo Apóstolo, como afetando
humildade e culto, etc. (Cl 2,18)?, 253
259. Quem é fervoroso de espírito (Rm 12,11)?, 253
260. O Ap stolo s vezes diz: N o sejais imprudentes (Ef
5,17); outras: N o sejais s bios aos vossos pr prios
olhos (Rm 12,16). É poss vel a quem não é imprudente
não ser sábio aos próprios olhos?, 253
261. Tendo prometido o Senhor que: tudo o que pedirdes com
f na ora o, v s o alcan areis (Mt 21,22) e
ainda: Se dois de v s se reunirem sobre a terra para pedir,
seja o que for, consegui-lo- o (Mt 18,19), por que alguns
que suplicavam, até mesmo os santos, não receberam?
Assim o Ap stolo: Tr s vezes roguei ao Senhor que o
apartasse de mim (2Cor 12,8), e não recebeu o que pedia;
e também o profeta Jeremias e até o próprio Moisés, 254
262 Uma vez que a Escritura coloca a pobreza e a indi- gência
entre as coisas louv veis, por exemplo, quando diz: Bem-
aventurados os que t m um cora o de pobre (Mt 5,3), e
tamb m: O pobre e o desvalido louvar o o teu nome (SI
9,17; 73,21), qual a diferença entre pobreza e indigência e
como verdadeira a afirma o de Davi: Quanto a mim,
sou mendigo e pobre (SI 39,18)?, 256
263. Que quer ensinar o Senhor, por meio de exemplos, àqueles
aos quais acrescentou: Assim, pois, qualquer um de v s
que não renuncia a tudo o que possui, não pode ser meu
disc pulo (Lc 14,33)? Se quem quer edificar uma torre ou
guerrear a outro rei, deve-se preparar ou para a construção,
ou para a guerra, e se não for capaz, convém-lhe, de início,
não lançar os alicerces, ou deve pedir a paz, então, quem
quer ser discípulo do Senhor deve renunciar? E se vir que
para si é difícil, ser-lhe-á lícito não começar a ser discípulo
do Senhor?, 256
264. Tendo dito o Ap stolo: Sejais sinceros (F1 1,10), e
ainda: Mas com sinceridade (2Cor 2,17), que ser
sincero?, 257
265. Se somente aos sacerdotes foi dito: Se est s por fazer a tua
oferta diante do altar e te lembrares que teu irmão tem
alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar
e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem
fazer a tua oferta (Mt 5,23.24), ou a todos? E como cada
um de nós faz a sua oferta diante do altar?, 258
266. Que o sal que o Senhor mandou ter, dizendo: Tende sal
em v s (Mc 9,49)? E o Ap stolo diz: Que as vossas
conversas sejam sempre am veis, temperadas com sal (Cl
4,6), 258
267. Se um receber muitos açoites, e outro poucos, como diziam
alguns que as penas são sem fim? (Lc 12,47), 259
268. que sentido alguns são denominados filhos da in-
credulidade e filhos da ira? (Ef 5,6; 2,3), 260
269. Est escrito: Fazendo a vontade da carne e da con-
cupisc ncia (Ef 2,3). Acaso s o diferentes as vontades da
carne e as da concupiscência? E quais são?, 261
270. Que significa: Vivemos em completa pen ria, mas n o
desesperamos (2Cor 4,8)?, 262
271. O Senhor disse: Dai antes em esmola o conte do e todas
as coisas vos ser o limpas (Lc 11,41). Acaso ser algu m
purificado de todos os pecados que cometeu, por meio da
esmola?, 262
272. Uma vez que preceituou o Senhor não andarmos inquietos
pelo dia de amanhã, como entenderemos bem este
preceito? Vemos que temos muito empenho em obter o
necessário, a ponto de armazenarmos o bastante para
muito tempo, 263
273. Em que consiste a blasfêmia contra o Espírito Santo?, 263
274. Como se fará alguém estulto neste século?, 264
275. Se Satanás pode impedir o propósito de um santo, porque
est escrito: J por duas vezes quisemos ir ter convosco,
ao menos, eu, Paulo. Satan s, por m, nos impediu (lTs
2,18), 264
276. Que quer dizer a palavra do Ap stolo: Para que saibais
aquilatar qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe
agrada e o que perfeito (Rm 12,2)?, 265
277. Qual o cubículo onde o Senhor mandou entrar o que vai
orar?, 267
278. Como pode o espírito de alguém orar, seu entendimento,
porém, ficar sem fruto?, 268
279. Que significa: Cantai salmos sabiamente (SI 46,8)?, 268
280. Que quer dizer: puro de coração? 268
281. Deve-se obrigar aquele que não quer salmodiar?, 269
282. Quais s o os que dizem: Comemos e bebemos contigo e
ouvem a resposta: N o sei donde sois (Lc
13,26.27) ?, 269
283. Se quem faz a vontade de outrem, lhe é solidário, 270
284. Se uma comunidade se empobrecer devido a uma
adversidade ou doença, pode receber de outrem o
necessário, sem hesitação? E se convém, de quem o
aceitará?, 270
285. Se deve uma comunidade, ao negociar com outra, inquirir
solicitamente qual o preço bem justo do
objeto, 271
286. Se adoecer um membro da comunidade, deve ser
transportado ao hospital?, 271
287. Quais os dignos frutos de penitência?, 272
288. Quem deseja confessar os pecados, deve confessá-los a
todos? A qualquer pessoa? Ou a quem?, 272
289. Quem se arrepender de um pecado, mas recair, o que
fará?, 273
290. Como alguém trabalhará sempre e muito na obra do
Senhor?, 273
291. Que significa a cana rachada, ou a torcida que fumega? E
como alguém não quebrará aquela e não apagará esta?,
274
292. Se convém ter na comunidade dos irmãos uma escola de
meninos seculares, 274
293. Como proceder com os que evitam os pecados mais
graves, mas cometem, com indiferença, os leves?, 275
294. Qual o motivo de perder alguém a contínua lembrança de
Deus?, 275
295. Por que sinais se reconhece quem se distrai?, 276
296. Como se persuadirá a alma de estar purificada dos
pecados?, 276
297. Como deve alguém arrepender-se dos pecados?, 277
298. Se a Escritura permite que alguém faça o bem como lhe
apraz, 278
299. Como a alma estará bem cônscia de que não tem a
ambição de glória?, 278
300. Como se realiza a conversão, que é uma coisa oculta?, 279
301. Se algu m disser: Minha consci ncia n o me condena ,
279
302. Convém tirar do depósito para dar aos indigentes de fora?,
280
303. Se há obrigação de obedecer na comunidade às ordens de
todos, 280
304. Se os parentes dos irmãos quiserem dar algum presente à
comunidade, deve ser aceito?, 282
305. Se convém receber algo das pessoas de fora, quer amigos,
ou parentes, 282
306. Como se evita a divagação?, 282
307. Se convém que haja revezamento para se iniciar a
salmodia ou a oração, 283
308. Se convém que a comunidade retribua algum donativo, e
se a retribuição deve ser proporcional ao presente, 284
309. Se acontecer a alguém o que é naturalmente habitual, deve
aproximar-se da comunhão das coisas santas?, 284
310. Se convém celebrar a ceia do Senhor numa casa comum,
285
311. Devemos visitar os que nos convidarem?, 285
312. Se convém exortar à oração os visitantes leigos, 286
313. Se convém trabalhar quando há visitantes, 286
índice Analítico, 287

índice Bíblico, 290


VIDA E OBRA DE SÃO BASÍLIO

I O HOMEM
Cerca do ano 330, em Cesaréia, na Capadócia, nasceu Basílio.
Sua família era nobre e rica, mas sobretudo brilhava pela
reputação cristã de virtude e zelo. Seu pai, Basílio, exerceu com
grande competência a profissão de retor e advogado em
Neocesaréia. Sua mãe, Emília, uma capadócia, era filha de um
mártir e irmã de um bispo. Basílio foi um dos dez filhos
nascidos deste consórcio; Gregório de Nissa e Pedro de Sebaste,
seus irmãos, se tornaram bispos; Macrina, sua irmã,
cognominada a Jovem (por oposição à avó, Macrina, a Antiga),
retirou-se com a mãe para a solidão e aí vivendo a vida monacal
procuravam a Deus, após a morte do pai.
Decorria logicamente de tal ambiente de família a sua
formação cristã e bíblica.1 Basílio veio a conhecer quase de cor
a Bíblia, que amava profundamente; era-lhe o livro por
excelência.
Iniciado em Neocesaréia, por seu pai, nos rudimentos da
ciência humana, chegou à idade de freqüentar as escolas;
primeiramente em Cesaréia, onde conheceu seu compatriota e
futuro amigo Gregório, mais tarde bispo de Na- zianzo; em
seguida, em Constantinopla ouviu os sofistas e os filósofos
(Libânio, por exemplo); depois, já com mais de vinte anos,
acompanhou os brilhantes cursos da tradição helenística, em
Atenas, que, apesar de decadente política e economicamente,
continuava a capital da eloqüência e atração para todos os
jovens desejosos de se celebrizarem.

1. De judicio Dei PG 31, 653 A: Desde meu nascimento, educado por pais cristãos, aprendi,
bem criança ainda, as sagradas letras, que me conduziram ao conhecimento da verdade .

23
Aí estreitou sua amizade com Gregório, animados ambos pelo
mesmo zelo no estudo e na fidelidade a Cristo e à Igreja. São
Gregório Nazianzeno nos descreve São Basílio estudante,
contando com que esforço, interesse e entusiasmo aplicava seus
dotes de inteligência e memória não só à gramática, à história, à
métrica e à poesia, mas também à retórica e a todos os ramos da
Filosofia, à astronomia, à geometria, à aritmética. Sempre com o
equilíbrio que o caracterizará. Aprendeu também da medicina
tudo o que possui um cunho doutrinai e filosófico. Enfim, sua
competência em psicologia e moral o torna superior a Minos e
Rhadamente.2. Basílio e Gregório puseram tudo em comum e se
entretiveram freq entemente sobre a filosofia crist , como
então se chamava a vida de renúncia e ascese.
Quando São Basílio julgou já ter atingido uma suficiente
formação científica voltou à sua terra natal, onde ensinou
publicamente e com brilho a retórica.3 Sob a influência de sua
irmã Macrina, sobretudo mediante cartas, e através dela, ao que
parece, sob a influência de Eustátio, foi conquistado pelo ideal
ascético monástico.4 Basílio, então, recebe o batismo (357). É
bem possível que a primeira carta que se tem dele tenha sido
dirigida a Eustátio (PG 32, 219-222), falando de sua
convers o .
Antes, porém, de abraçar a vida monástica, São Basílio
decidiu conhecer a vida monacal visitando os célebres mosteiros
do Egito, da Palestina, da Síria e da Mesopotâmia, entretendo-se
com os mais reputados eremitas da época.
Essa viagem encheu-o de santo entusiasmo: Admirei,
escreverá mais tarde, a vida destes homens que demonstravam
carregar realmente a morte de Jesus Cristo em seu corpo, e
aspirei imitá-los tanto quanto poss vel .5 Voltando de sua
viagem monástica, entregou-se à vida ascética; tor- nou-se
sempre mais amigo de Eustátio, embora não tenha chegado a ser
dirigido propriamente por ele, como se tem insistido em dizer. 6
Renunciou às riquezas, honras, à sua

2. Greg rio de Nazianzo, In laudem Basilii Magni , Oratio 43, n. 23 PG 36, 528 A-C.
3. Rufino, Historia Ecclesiastica, L. II, c. 9 PL 21, 518.
4. Greg rio de Nissa, Vita Macrinae, PG 46, 965 C: Achou-o orgulhoso e cioso de sua eloquência,
mas tratou de atrai-lo tamb m à vida asc tica ; com essas palavras o nisseno sintetizava uma influência
de Macrina que vinha de anos.
5. Basílio de Cesaréia Cartas, 223, n. 2 (pelo fim) PG 32, 824 C.
6. Lèbe, Léon, D. OSB Introduction à ia traduction française des Règles, Maredsous, 1969, p. 14.

24
posição social eminente, à sua reputação já notória de elo-
qüência e cultura. Vendeu seus bens, deu o dinheiro apurado aos
pobres, e retirou-se para a solidão com seus companheiros, perto
de Anesói, no vale do íris, na margem oposta àquela em que sua
mãe e sua irmã viviam. Oração, reflexão e estudo alternando-se
com o trabalho no campo, eis a vida nova de Basílio. Gregório,
o seu grande amigo, o futuro bispo de Nazianzo, veio também
viver aí, mas não pôde ficar, em parte por causa de seu pai
envelhecido, em parte talvez por desejo de maior atividade
apostólica, como se pode deduzir de suas cartas a Basílio. Foram
compostas regras e c nones tirados da Sagrada Escritura
para a vida do grupo; nada ainda das depois chamadas Regras
Mais Extensas e Menos Extensas, pois além dos mandamentos
imutáveis de Deus, concernentes à vida cristã e contidos na
Bíblia, a vida de comunidade organizava-se empiri- camente:
a vontade do superior era legislar à medida das circunstâncias,
pelo menos durante alguns anos. E assim foi.
Mas Basílio, embora no ermo, não esquecia os problemas da
Igreja; seu temperamento ativo e seu senso das solici- tudes
levaram-no a deixar em 360 a solidão para acompanhar Eustátio
de Sebaste a Constantinopla, onde assiste como mero espectador
aos debates entre Eunômio e Eustátio sobre a natureza de Cristo.
Em 362 sai novamente do Ponto, desta vez é para assistir aos
últimos momentos do velho Diânios, seu bispo, que lhe confessa
ent o que sempre aderiu do fundo do cora o ao homoousios ,
apesar de ter assinado um dia a fé de Rímini-Constantinopla, o
que havia desgostado profundamente a Basílio.
No entanto, sua influência sempre crescente, ciência e
eloqüência não permitiríam que Basílio ficasse por muito tempo
em sua comunidade monástica. Foi o que aconteceu: Eusébio,
eleito bispo ainda catecúmeno, embora piedoso e rico, não tinha
experiência teológica; julgando-se pouco capaz para o governo
de uma diocese, teve a sábia idéia de chamar Basílio para junto
de si, conferindo-lhe a ordenação sacerdotal e fazendo-o seu
conselheiro. Todavia, surgiu um desentendimento entre o bispo
e seu conselheiro (seria por causa do movimento monástico de
Basílio, e do espírito monástico que sempre conservava?), o
qual,

25
para não resistir a seu bispo e nem provocar uma cisão, se retira
novamente para o Ponto. Conforme nos conta São Gregório,
retoma a o governo dos seus mosteiros e estabelece para eles
uma constitui o memor vel T, a qual parece ser uma primeira
redação das suas famosas Regras. Entretanto, essa sua volta ao
ermo durou pouco; o tempo suficiente, parece, para a redação
aludida; pois a intervenção tenaz de Gregório de Nazianzo,
junto ao bispo Eusébio, fez com que São Basílio fosse
novamente chamado.
Tendo voltado a Cesaréia, São Basílio passa a dirigir em
nome do velho Eusébio a vasta metrópole eclesiástica; toma
parte ativa nas negociações de Eustátio com o papa Libé- rio,
com vistas à reconciliação do Oriente com a Sé Apostólica;
protege e ajuda os pobres, vela sobre as virgens consagradas,
regula e propaga o monaquismo, regulamenta a liturgia, acode
às vítimas de uma fome que devastou a capital e a Capadócia
por volta de 368.
Com a morte de Eusébio em 370, Basílio foi eleito para
sucedê-lo, não sem oposição da parte de alguns prelados. Tudo
o habilitava para assumir o pesado cargo de bispo de Cesaréia e
metropolita da província da Capadócia.
Não abandonou, entretanto, as comunidades monásticas do
Ponto. Fez vir monges a Cesaréia e colocou-os a serviço da
Igreja, estabelecendo, à entrada da cidade, um grande hospital
para pobres administrado por eles. Frequentemente lhes fazia
conferências e ia procurar para si mesmo aí a calma e a paz de
que também necessitava. O ensinamento que lhes dava
procurava afastá-los da influência do arianis- mo e
especialmente do anomeísmo a grassar então. A moral que
pregava aos monges era essencialmente a mesma que pregava
aos leigos, apenas mais precisa, dada a vida consagrada que
levavam.7 8
A situação religiosa do Oriente era difícil, com partidos
numerosos e apaixonados, sendo o mais poderoso o dos
homeanos, sustentado pelo Imperador Valente. Basílio, pela
força das circunstâncias, tornou-se o chefe natural de todos os
bispos que não se queriam dobrar às imposições homeanas de
Valente, mas aderiam firmemente ao homoou- sios . Nem
mesmo pessoalmente o Imperador conseguiu

7. In laudem Basilii, cit. 536 B.


8. PG 31, 1080 B.

26
dobrar Basílio à assinatura da fórmula de Rímini; chegou
mesmo a lhe mostrar a ordem de exílio, já pronta; mas, em vão.
Nota-se aí sua personalidade, a convicção e o respeito que
infundia; o Imperador é que acabou assistindo às cerimônias
religiosas celebradas pelo grande bispo, desistindo de lhe
impingir a dita fórmula e a comunhão com bispos suspeitos.
Aborrecimentos advieram a Basílio devido à divisão que o
Imperador fez da Capadócia, a primeira com capital em
Cesaréia, a segunda com capital em Tiana, ou ainda com seu
amigo Gregório, que Basílio quis colocar em Sásima como
bispo. Almejando bispos fiéis à ortodoxia da fé nicena, Basílio
sagrou Gregório, após evidentemente o seu consentimento. Este,
todavia, jamais apareceu em Sásima. Além disso, as divisões
internas entre as Igrejas do Oriente o preocupavam sumamente.
Os problemas de fé eram aumentados por questões pessoais e
incertezas terminológicas. Desde o início de seu episcopado viu
claramente que não havia senão um meio de socorrer as Igrejas
orientais: obter um acordo sobre a fé e as pessoas com os bispos
do Ocidente, em particular com o Papa Dâmaso. Encorajado por
Santo Atanásio de Alexandria, dirigiu-se diretamente a Dâmaso
por carta, a qual não chegou às mãos deste. Por intermédio do
diácono Sabino fez chegar novas cartas ao Ocidente. Em 373, o
sacerdote Evágrio apareceu em Cesaréia, portador de uma
fórmula romana muito exigente e imperiosa, cujo efeito foi a
interrupção das negociações com o Ocidente.
Instado por Anfilóquio, bispo de Icônio, na Licaônia, e por
muitos outros discípulos e admiradores, desejosos de terem por
escrito o que Basílio expunha tão admiravelmente em suas
homílias, preces e conferências, decidiu ele escrever o Tratado
sobre o Esp rito Santo ; era o dia 7 de setembro de 374 , festa
do santo mártir Êupsico. Em fins de 375 estava pronto e
publicado. Por outro lado, o sofrimento moral e a angústia que
experimentava diante das infindáveis divisões provocadas pela
heresia e suas conse- qüências o levam a retomar por escrito a
defesa do dogma da Santíssima Trindade e a da moral e da
ascese cristãs.9 10

9. Cf. Cartas 100 e 176, resp. PG 32, 504 653.


10. Lèbe, cit. p. 18.

27
Mas São Basílio não era pessoa para desanimar. Não cessa de
presidir às assembléias litúrgicas e de exortar seu povo em
homílias bem práticas e de soberba eloqüência. Solicita em
favor dos pobres a caridade dos ricos e a indulgência dos
funcionários do fisco. Providencia para que seus corepíscopos
façam construir hospícios regionais. Em Cesaréia edifica num
terreno, que deve à generosidade de Valente, um grande
hospital, que logo toma as proporções de uma cidade, chamada
por seu nome, Basilíada, a qual compreende, além do hospital,
uma escola de artes e ofícios, um orfanato, uma hospedaria, e
um leprosário.
Já se tentou demonstrar que Basílio exerceu sua grande
influência no plano social, não tanto como bispo mas como
membro da aristocracia dirigente, da classe senatorial. Te- ria
sido seu papel social o que lhe valeu o t tulo de Defensor
civitatis . Aspecto importante para o problema das relações
entre a Igreja e o Estado no Baixo Império.11 Todavia, S. Giet,
depois de ter estudado a fundo a questão, prova que nada há que
permita atribuir a S o Bas lio o t tulo de Senador: Tudo o que
salientamos nos testemunhos de seus contemporâneos, como em
sua própria maneira de solicitar os poderosos em favor dos
fracos, tende a afastar esta hipótese, que parece devida a uma
confusão entre a situação do Ocidente no V século e a do Orien-
te no IV .12
Na primavera de 377, dirige uma nova carta aos ocidentais,
sendo dela portadores Doroteu e um outro sacerdote, na qual
exige respeitosamente um anátema contra os lobos que se
transformam em pastores, Eustátio de Sebaste, Apolinário de
Laodicéia e Paulino (comissionado junto ao Papa para os
assuntos relativos à união). Doroteu volta de Roma no decurso
de 378, trazendo uma carta condenatória dos erros, mas
silenciando as pessoas.
378 foi o último ano da vida de Basílio. Não tinha ainda 50
anos e já era um velho. Arruinara sua saúde por suas excessivas
mortificações. As lutas incessantes azedaram seu caráter. Uma
doença do fígado o fazia sofrer muitíssimo e o obrigava a
acamar-se freqüentemente. Alguns meses após

. Daniélou, J. em Recherches de Science Religieuse, 51 (1963) 147/152, citado no artigo da Nota


seguinte.
12. Giet, S., em Revue d Histoire Eccl siastique, 60 (1965 ) 428/444.

28
o desastre de Andrinopla, que aniquilou na Trácia o exército
romano sob os golpes dos godos, no qual pereceu também o
próprio imperador (agosto de 378), faleceu Basílio (1° de janeiro
de 379), cognominado já pelos contemporâneos: O Grande.
Morria no momento em que a tempestade amainava, em que
soava a hora do triunfo para a sua política eclesiástica. Não pôde
ver a vitória de uma causa que lhe tinha custado tantos trabalhos
e sofrimentos.

II A PERSONALIDADE DE SÃO BASÍLIO E A SUA


IRRADIAÇÃO
Bispo e monge, eis como situamos São Basílio Magno. Bispo
realmente imbuído do espírito da Igreja de Cristo, e monge
verdadeiramente apaixonado pela imitação de Cristo. Daí ser
São Basílio um homem de tal fé e obediência, que pôde ser
comparado a Abraão; decorrência lógica dessa fé e dessa
obediência foi a sua indefectível esperança, quando tudo parecia
perdido, e sua imensa caridade para com Deus e com o próximo,
quando se sentia fraco e notava a incomprensão e até mesmo a
intriga em torno de si. Amar a Deus, para Basílio, é amar sua
vontade, desejar a Deus é desejar sua lei; a obediência aos
mandamentos de Deus está essencialmente ligada ao amor; e
porque por sua vez o primeiro mandamento é o do amor, é por
uma espiral ascendente que Basílio sobe para Deus.18
Foi sem dúvida uma das figuras mais brilhantes da Igreja de
todos os tempos. Foi um teólogo, como defensor da fé (de
Nicéia), um asceta profundo, um dinâmico homem de ação, um
grande orador, um pastor zelosíssimo das almas, um ardoroso
liturgo e místico, um bispo de grande cidade.
Já se exaltou a pureza ática de sua linguagem, a perfeição do
seu estilo, a sua eloqüência simples e atraente. No dizer de
Erasmo, reúne a ciência sagrada de São Jerônimo e a facúndia e
elegância de Lactâncio, e tem um valor que o isenta de toda
crítica em literatura, único assim entre os Padres gregos. 13 14 Por
isso, lemos com raz o: Bas lio, como escreveu M. de Broglie,
foi o primeiro orador que a Igreja

13. Cí. Lèbe, supraeit., p. 19.


14. Enc. Espasa-Calpe, "Bas lio , 1063.

29
possuiu. Antes dele, Atanásio tinha falado aos soldados da fé,
como um general que sobe à brecha, Orígenes havia dogma-
tizado diante dos discípulos, mas Basílio é o primeiro que fala a
toda hora, diante de toda espécie de homens, uma linguagem ao
mesmo tempo natural e sábia, cuja elegância não diminui nunca
nem a simplicidade nem a força. Nenhuma facúndia mais
ornada, mais nutrida de lembranças clássicas que a sua;
nenhuma, entretanto, mais à mão, correndo mais naturalmente
da fonte, mais acessível a todas as inteligências. O estudo
preparou-lhe um tesouro sempre aberto, onde a inspiração haure
sem conta o necessário de cada dia. Nem mesmo seu
condiscípulo Gregório pode ser- lhe comparado quanto ao
mérito dessa facilidade ao mesmo tempo brilhante e usual. A
imaginação é, talvez, mais viva em Gregório, mas se compraz
em si mesma, e aquele que fala é arrastado pela expressão
encontrada ou pela idéia contemplada a ponto de esquecer às
vezes e deixar em caminho aquele que escuta. A palavra é ainda
um ornamento para Gregório; mas para Basílio não é senão uma
arma, cujo gume, por mais bem afiado que esteja, não serve
senão para afundar mais a ponta. Em Gregório há freqüen-
temente o retórico, mas sempre o poeta. Em Basílio é só o
orador que transpira .15
Como teólogo, teve uma grande influência, em função das
circunstâncias. Com efeito, São Basílio é sobretudo um homem
de governo e de ação, mostrando-se teólogo quando as
circunstâncias o levam a defender o dogma católico contra os
adversários ou a integridade da fé contra os caluniadores; o
pendor natural de seu espírito parece levá-lo primeiramente para
o ensino da moral cristã, para aquilo que se traduz
principalmente em aplicação prática e em atos. A influência
doutrinai de São Basílio, no campo da teologia, afirmou-se
sobretudo no exame dos problemas relativos à Santíssima
Trindade; comenta a fórmula corrente então no Oriente, uma só
“ousia” e três “hipóstases”, definindo a ousia ou ess ncia como
aquilo que é comum nos indivíduos da mesma espécie, o que
possuem todos igualmente e o que faz com que sejam
designados todos sob um mesmo vocábulo, sem ser assinalado
nenhum em

15. Dict. de Théolog. Catholique, art. de P. Allard sobre São Basílio, Col. 444 e 445.

30
particular. Para existir realmente a ousia deve ser completada
por caracteres pr prios, que a determinam; a hi- p stase o ser
concreto, determinado e diferenciado; por outro lado, a palavra
pr sopon designa para S o Bas lio n o a pessoa, mas a
personagem de teatro, o papel desempenhado por um indivíduo
determinado; por conseguinte, não poderia ser aplicado sem
perigo às pessoas divinas, que são realidades subsistentes. É o
temor do sabelianismo que dita a São Basílio o uso de tal
vocabulário.
Outro setor da teologia influenciado por ele é o das con-
trovérsias sobre a divindade do Espírito Santo, particularmente
vivas na Ásia Menor no fim do século IV (entre 360 e 380). Se
de fato ele evita dar ao Espírito Santo o título de Deus, por
condescendência para com homens de boa-fé, mostra entretanto
que Ele é conjuntamente nomeado com o Pai e o Filho, que é
propriamente Espírito do Pai e do Filho, que recebe as mesmas
honras que o Pai e o Filho, que age como Pai e o Filho e com
eles, que suas obras s o obras divinas. É o conte do do Tratado
sobre o Esp rito Santo .16
Basílio insistiu ainda na consubstancialidade do Verbo de
Deus, isto é, da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,
afirmando-a categoricamente.17
No plano moral e ascético, a sua doutrina deve ser encarada
em função de sua espiritualidade. A ascese propriamente
monástica de Basílio não existe em si mesma e por si mesma,
não é outra coisa que o coroamento da ascese cristã imposta a
todo cristão. O monge há de ser o cristão autêntico e generoso, o
cristão que se esforça por viver em plenitude o cristianismo e
praticar com mais fidelidade todas as virtudes do Evangelho.
Não há senão uma só Moral, a do Evangelho. A obra monástica
de São Basílio, especialmente as suas Regras, é um dos melhores
testemunhos da vitalidade cristã do século IV, um dos maiores
da nossa história, numa região das mais favorecidas em virtude
de seus grandes doutores: a Capadócia. Não somente os seus
escritos foram muito cedo espalhados pelo mundo grego, graças
a sua qualidade espiritual e ao renome de seu autor, mas
franquearam as fronteiras e foram traduzidas em siríaco, em
armênio, em georgiano, em árabe e em eslavão, isto é,

16. PG 31, 67-218.


17. Por exemplo, no Contra Eun mio . Cf. Obras .

31
por toda a parte onde floresceu o monaquismo, sem contar a
antiga versão latina, na qual os ocidentais foram se dessedentar.
A Regra de S o Bas lio foi objeto de solicitude especial de
S o Bento de Aniane, quando a inseriu no seu Codex
Regularum . F -lo para que os monges pudessem ter à mão as
fontes tão recomendadas pelo Patriarca dos Monges do Ocidente
em sua admirável Regra. sobretudo a São Bento, que no final
de sua Regra chama a Bas lio de nosso Pai S o Bas lio , que
é preciso remontar para se descobrir quanto a tradição
beneditina deveria tomar a peito voltar a esta fonte.
A influência de São Basílio até nossos dias pode ser bem
avaliada pelo que lembra Dom Olivier Rousseau a respeito da
Conferência Mundial de Fé e Constituição do Conselho Ecu-
mênico das Igrejas, em Montreal, 1963, na qual foi redigido um
relatório sobre Escritura e Tradição, em que o estudo dos Padres
foi colocado em primeiro plano. Desde então, um grupo de
sábios estudou-os em três longas sessões (Aarhus, 1964;
Hamburgo, 1965; Salonica, 1966) antes da Conferência de
Bristol em 1967, que retomou o assunto, e, coisa notável, tomou
como tema o De Spiritu Sancto de S o Bas lio em seu quadro
histórico. O relatório depois publicado menciona, como
tendência para a via nova da santidade conscientemente cristã, o
movimento mon stico do s culo IV que se difundiu na
Capadócia onde era até ent o desconhecido .10 E São Basílio
insiste em suas Regras2" na importância dos carismas e da
distribui o do esp rito nas comunidades mon sticas. É com
alegria que se vê a ala doutrinai do movimento ecumênico se
dirigir assim para a pneumatologia basiliana, que deverá ser um
modo de pesquisa útil para equilibrar, voltando-se à mais pura
tradição, as tendências tão diversas a se entrechocarem na Igreja
de hoje. E o monaquismo autêntico permanece e permanecerá
sempre um testemunho estável da vida evangélica e um penhor
do Espírito. São Basílio descreveu-o sob uma das formas mais
completas .18 19 20 21

18. Regra de São Bento, cap. 73, 5: E tamb m as Colaç es dos Padres, as Instituições e suas Vidas, e
também a Regra de nosso santo Pai Basílio, que outra coisa são senão instrumentos das virtudes dos
monges que vivem bem e são obedientes? Trad. e notas de D. João Enout, OSB, Tip. Beneditina,
Salvador, BA, 1958.

19. Nouveaut dans 1 oecum nisme, Taiz , 1968, p. 74. Cit. por Rousseau, infra.
20. Por exemplo, na Regra Mais Extensa, 7.
21. Rousseau, Olivier, D. OSB, no Avant-propos ã tradução de L be, supracitada.

32
Basílio foi um homem dinâmico, um homem de ação social,
como já vimos. A síntese de seu pensamento relativamente ao
trabalho e a todos os problemas por ele despertados está em
diversos capítulos das Regras, assim como em diversas homílias
ou discursos. A oração e o trabalho são para ele dois pólos da
vida monástica e cristã, que devem se harmonizar de modo
perfeito.22 O trabalho é querido por Deus para que o homem
encontre os meios de subsistência e ajude os outros, sem falar das
obras de caridade. Por isso mesmo, como já lembrou São
Gregório Nazianzeno2=, São Basílio estabeleceu seus mosteiros
não longe dos cristãos que vivem na sociedade, misturados com o
mundo. Aproximando os monges das comunidades cristãs das
cidades, para além da santificação pessoal, olhava para a
utilidade da presença deles no meio dos fiéis, como um fermento
na massa e como um organismo ativo perfeita- mente integrado
no Corpo Místico mais vasto da Igreja. É a concepção que
prevaleceu no Ocidente, e fez dos monges beneditinos os
civilizadores da Europa, merecendo para São Bento o título de
Patrono da Europa , outorgado por Paulo VI.24 25

Como o próprio São Basílio escreveu em uma carta23, falando


sobre a sua voca o, li o Evangelho e notei que o grande meio
de atingir a perfeição é vender os bens, partilhá-los com os
irmãos indigentes e se desprender completamente dos cuidados
desta vida... e eu desejava encontrar algum irmão que tivesse
escolhido esta via, para com ele acabar de atravessar as vagas
encapeladas desta vida . E podemos dizer que a , quase
profeticamente, resumia o que seria sua vida. No Evangelho
encontra verdadeiramente mais do que normas de vida, encontra
o modelo perfeito na pessoa de Jesus, cuja imitação será sua
maior preocupação. A ele voltará sempre que quiser conduzir
suas ovelhas à obediência para com os superiores. É a grande
força da espiritualidade de São Basílio. Aí vai buscar também o
seu senso comunitário, que o fez irradiar um monaquismo
cenobítico quase condenatório do eremitismo. Obediência a
Cristo e vida comunitária, eis para ele duas coisas insepa

22. Regras Menos Extensas, 147, por exemplo.


23. PG 36, 677 B.
24. Breve Pacis nuntius , 24/10/1964.
25. Carta 223, n. 2, supracitada.

33
ráveis. Mas com isso poder-se-ia pensar que, sendo exigente e
severo consigo mesmo, o fosse também com os outros. Puro
engano! Animado por uma sincera e profunda caridade para
com o próximo no qual viu os membros de Cristo, foi todo
bondade e misericórdia para com todos, sempre pronto para
servir e curar, mais do que para mandar e castigar. Era todo
moderação no exercício de sua autoridade, o que bem se pode
ver pelas qualidades essenciais que exige do Superior.29
Na forma o da teologia do monaquismo, os escritos
basilianos deram uma orientação para as obras de caridade
(misericórdia e ensino), constituíram um freio às aspirações
extraordinárias e às extravagâncias individualistas;
estabeleceram um laço estreito com a Igreja, a Escritura e
mesmo a experi ncia adquirida pela sabedoria grega . 26 27

III AS OBRAS DE SAO BASÍLIO


É bom lembrarmos de início que os escritos de Basílio che-
gados até nós representam o fruto de reflexão profunda em face
das circunstâncias. Já vimos que ele escreveu, levado pelas
exigências históricas, instado pelos amigos e discípulos. Basta
recordarmos o aparecimento do Tratado sobre o Esp rito
Santo . Depois do pedido de Anfil quio, decorreu mais de um
ano até ser escrito.
Podemos classificar as obras escritas de São Basílio em obras
bíblicas, teológicas, litúrgicas, ascéticas e morais,
correspondência e escritos sobre diversos assuntos.
Entre as obras bíblicas, chamadas por alguns de exegé- ticas
(menos acertadamente, pois hoje em dia exegese significa mais
a crítica dos textos do que um comentário religioso, como é o
caso dos comentários de Basílio em geral), podemos enumerar
as homilias sobre o Hexámeron (PG 29, col. 3-208), as treze
homilias sobre os salmos (Ib., col. 209- 494) e o comentário
sobre os dezesseis primeiros capítulos de Isaías (PG 30, col.
118-666), este último não aceito por todos como autêntico.

26. Cf. Regras Menos Extensas, 96 e 38.


27. "Salnt Basile , em "Th ologie de la vie monastique , por D. J. Gribomont, 113 (cf. n. 29).

34
Entre os escritos teológicos, sobretudo dogmáticos, podemos
colocar Philocalia , o mais antigo trabalho seu, excertos das
obras de Orígenes, um trabalho de escolar, mas no qual já se
manifesta o senso teológico de Basílio e de seu colaborador,
Greg rio Nazianzeno. No tratado Contra Eun - mio (PG 29,
497-670), escrito por volta de 363 a 364, São Basílio refuta em
três livros a Apologia de Eunômio, na qual este defendia o seu
radical arianismo; no primeiro refuta o erro que faz da
inascibilidade a essência de Deus, no segundo demonstra a
consubstancialidade do Filho, no terceiro prova a divindade do
Esp rito Santo. No Tratado sobre o Esp rito Santo (PG 32, 67-
318), dedicado a Anfi- léquio, responde às dificuldades
levantadas então pelos pneu- matômacos e, sem empregar
fórmulas muito categóricas, põe claramente em relevo a
divindade e a consubstancialidade do Espírito Santo.
Entre os escritos litúrgicos, nada temos de certo, pois a
liturgia chamada de São Basílio é apenas a ele atribuída. Parece
que São Basílio reuniu várias preces, hinos e outros textos
litúrgicos da Igreja de Antioquia e os adaptou à sua, como se
pode deduzir da carta 207 (PG 32, 764).
Quanto à correspondência, os editores beneditinos a divi-
diram em três classes: anterior ao episcopado, durante o
episcopado, de datas incertas (PG 32, 219-1112). Versam sobre
os mais variados assuntos; negócios da Igreja, vida monástica,
teologia e disciplina, interesses públicos e privados,
consolatórias a pessoas enlutadas, a pecadores e religiosos
infiéis. Algumas dessas cartas são de uma grande beleza.
Entre os escritos sobre diversos assuntos, poderiamos colocar
as homilias e sermões de PG 31, 163-617. Versam sobre o
jejum, sobre a ação de graças, sobre problemas de economia e
moral, sobre os mártires, sobre pontos de teologia e ascética,
sobre textos bíblicos, etc. Digna de nota é a alocução aos jovens
sobre o modo de ler com proveito os autores pagãos, onde
mostra que o estudo desses autores, uma vez bem feito,
contribui para a compreensão da própria Sagrada Escritura.
Muitos desses escritos refletem as idéias econômicas de Basílio
e de seu tempo, o que os torna muito interessantes ainda hoje.

35
Quanto às obras ascéticas e morais, entre as quais se
encontram as Regras Mais Extensas e as Regras Menos
Extensas, cuja tradução agora nos é dada em português, in-
clu mos, al m da dita tradu o, a Institui o Asc tica (PG 31,
619-625), o discurso Sobre a ren ncia ao mundo (Ib., 626-
647), o discurso Sobre a vida asc tica (Ib., 648- 652). As obras
que seguem a esses no tomo 31 da Patrolo- gia Grega de Migne
constituem um conjunto que chegou até nós com o nome de
Hypotypose de ascese , isto , esbo o asc tico . Muito se tem
escrito ultimamente sobre as obras de São Basílio, de cinqüenta
anos para cá, digamos, e particularmente sobre as Regras Morais
e as Regras Monásticas. Estudando tudo o que se tem publicado,
Dom L. Lèbe, que traduziu as Regras Monásticas e Morais para
o francês, debruçou-se sobre as obras basilianas e chegou à
seguinte conclus o, quanto Hypotypose: a Hypotypose um
corpus englobando uma carta, pela qual Bas lio envia todo o
conjunto aos amigos, o De Judicio e o De Fide , que s o
como dois prólogos, depois as Morales (regulae), as Regulae
fusius tractatae e as Regulae bre- vius tractatae .28 Estas duas
últimas são chamadas também Grande Ascética e Pequena
Ascética, respectivamente, por certos autores.29 Por vezes é todo
um conjunto, do qual a Hypotypose é apenas uma parte, que é
chamada Ascética.30
Essa Hypotypose S o Bas lio enviou aos monges do Ponto
mediante uma carta, para que fossem os guardiães e os
propagadores da doutrina. Por modéstia talvez, São Basílio não
deu o nome de Regras a seu ensinamento aos monges; foi a
tradição que o deu, e com razão, porque de fato esse
ensinamento estabelece as leis fundamentais da vida estritamente
cenobítica inaugurada por ele. A forma literária em perguntas e
respostas corresponde ao costume da sua exposição em reuniões
familiares, em que mestre e discípulos estabeleciam um diálogo.
Com Dom Lèbe, podemos dizer que foi bem pouco tempo
antes de sua morte que São Basílio redigiu as Regras Mo

28. L be, L on, D. OSB, Saint Basile et ses R gles Morales , Revue Bénédtetine 75 (1955) 193/200.
29. Cf. "Saint Basile , por D. Jean Gribomont OSB, em Th ologie de la vie monas- tique , Aubier,
1961, p. 104.
30. t>. L be, "Introduction eit.

36
rais, acrescentou as Monásticas e assim compôs essa Hypo-
typose . A doen a o prostrava, tinha sempre a morte diante dos
olhos, e seus discípulos temiam, com razão, ver desaparecer essa
voz eloqüente que tantas vezes lhes tinha exposto a doutrina do
Evangelho. Pediram-lhe que deixasse por escrito o seu
ensinamento. Ele, então, cedeu com a consciência de cumprir
seu dever de Pastor; não devia senão reunir e ordenar suas
próprias notas acumuladas no decorrer dos anos. Aliás, a
primeira redação das suas Regras parece ter sido feita em 365,
durante o ano que passou no ermo, distante de Cesar ia; o texto
dessa primeira redação desapareceu infelizmente, mas cópias
foram propagadas, e foi uma delas que Rufino encontrou em sua
viagem pelo Oriente, trouxe-a para a Itália e traduziu para o
latim para seu amigo Ursácio, superior do mosteiro de Pineto,
sob o t tulo de Instituta monachorum sancti Basilii 30. O texto
grego das Regras que possuímos é portanto o fruto de uma
grande experiência de vida, tendo por isso os devidos e cor-
respondentes acréscimos, reflexo da preocupação de um grande
apóstolo da fé, a saber, a harmonia e a união dos membros do
Corpo Místico de Cristo, mediante o crescimento no amor
fraterno.
No Prólogo São Basílio faz a defesa da vida claustral como
grande meio para se viver mais perfeitamente a vontade de
Deus. Trata, depois, nas Regras 1, 2 e 3, da grandeza do amor de
Deus, como resposta à bondade e misericórdia de Deus que é
Amor. Se o homem deve corresponder a Deus em conformidade
com os talentos dele recebidos (4»), há entretanto muitos
caminhos para Deus: o do amor humano e o dos atrativos e
preocupações deste mundo, que podem, mal utilizados, afastar o
homem de Deus (5* e 8»). Daí a necessidade da renúncia (8»).
Mas o afastamento do mundo deve realizar- se numa
comunidade de irmãos unidos pela caridade fraterna (7»), na
qual se entra em conformidade com várias exigências (10» a
12»). Em consequência, São Basílio exige um engajamento vivo
e decidido na via da castidade (14» e 15»). Tanto nas Regras
Mais Extensas (RM) como nas Regras Menos Extensas (Rm) há
uma porção de normas e detalhes sobre a renúncia em seus
m ltiplos aspectos, sobre a enkr teia (repress o das paix es
da alma), sobre o vício da vontade própria, sobre o uso da
medicina, a separação

37
do mundo e da família, sobre os hóspedes, etc. Alguns temas,
contudo, chamam mais a atenção, como o da autoridade e
obediência, o da comunidade fraterna e Igreja, o do trabalho e o
da oração. Há uma espécie de teologia da autoridade e da
obediência (RM, 24 a 31, 41 e Rm 96 a 125), esta entendida
como linha de libertação na fé, e aquela numa linha de total
doação e responsabilidade, qual a do Bom Pastor. A
comunidade, à semelhança da Igreja, é entendida como um
corpo, cujos membros têm uma função de serviço para com
todos num espírito fraterno e filial (RM 24; Rm 147). Quanto ao
trabalho e a oração, são os dois pólos da vida monástica; devem
harmonizar-se de tal modo que o monge reza quando trabalha,
embora deva observar as sete horas tradicionais da oração
comunitária do Ofício Divino; além disso, o trabalho dos
monges deve ser também o das obras de misericórdia, o do
ministério espiritual das almas exercido dentro do mosteiro para
com os hóspedes e visitantes (RM 32, 45), para com as
religiosas (RM 33), para com as pessoas do mundo (RM 36; Rm
31).
Eis aí os grandes temas dessas Regras Monásticas, úteis
entretanto a todos que procuram correr no caminho da perfeição.
Durante toda a Idade Média essas Regras foram lidas na
tradução de Rufino. Em 1535, as Ascéticas foram impressas
pela primeira vez em grego em Veneza. Em 1720- 1722, D.
Garnier estabeleceu o texto da edição beneditina, refez
inteiramente a tradução latina, e é essa o texto da coleção Migne
(PG 31, 889-1306). Foi afastado o pequeno prólogo da primeira
reda o, cuja tradu o latina foi feita por Rufino nas Instituta
monachorum sancti Basilii .
Dom Bernardo Botelho Nunes, OSB

38
A REGRA MAIS EXTENSA

PRÓLOGO
1. Uma vez que, pela graça de Deus, em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, aqui nos encontramos reunidos, nós que
nos propusemos um só e mesmo escopo de vida, e vós mostrais
evidente desejo de aprender alguma coisa referente à salvação,
sinto-me no dever de anunciar os juízos de Deus, lembrado dia e
noite da palavra do Apóstolo: Por três anos não cessei, noite e dia,
de admoestar, com, lágrimas, a cada um de vós (At 20,31). A
oportunidade é excelente; o lugar, silencioso, livre de agitações
vindas de fora. Façamos, pois, reciprocamente, um pedido. No
tempo devido, distribuamos nós a nossos companheiros a sua
medida de trigo; e vós, acolhendo a palavra, qual terra boa,
produzais, conforme está escrito (Mt 13,23), frutos perfeitos e
múltiplos de justiça.
Exorto-vos pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, que se
deu a si mesmo pelos nossos pecados (Tt 2,14). Sejamos, enfim,
solícitos por nossas almas. Lastimemos a vaidade de nossa vida
passada. Lutemos em vista dos bens vindouros, para a glória de
Deus e de seu Cristo e do santo e adorável Espírito. Não
fiquemos na indiferença e no relaxamento. Não desperdicemos o
tempo em permanente desí- dia, diferindo sempre o início das
boas obras, para não acontecer que, apanhados desprevenidos de
boas obras por quem há de pedir contas de nossas almas,
sejamos excluídos das alegrias das núpcias, e então inutilmente
chorarmos e lamentarmos o tempo mal empregado, quando isto
de nada servirá aos que se arrependerem.
Nós estamos agora no tempo favorável, agora é o dia da salvação
(2Cor 6,2). Agora é o tempo da penitência, então

39
será o da recompensa; agora, o do labor, então, o da remu-
neração; agora, o da paciência, então, o da consolação. Deus é
agora o auxílio dos que se convertem do mau caminho; então,
será o examinador temível, e que se não deixa enganar, das
ações, das palavras e dos sentimentos humanos. Usufruímos,
agora, de sua longanimidade, mas conheceremos, então, seu
justo juízo, ao ressuscitarmos uns para o suplício eterno, outros
para a vida eterna e recebermos, cada um de nós, segundo as
nossas próprias obras.
Até quando adiaremos a obediência a Cristo, que nos chama a
seu reino celeste? Não despertaremos de nossa embriaguez? Não
nos converteremos de uma vida vulgar ao rigor do Evangelho?
Como não representar, diante de nossos olhos, o dia do Senhor,
terrível e manifesto, no qual obterão o reino dos céus os que, por
meio de suas ações, tiveram acesso à direita do Senhor, enquanto
os que, pela carência de boas obras, tiverem sido rejeitados à
esquerda, serão envolvidos pela geena do fogo e pelas trevas
eternas? Ali haverá choro e ranger de dentes (Mt 25,30).
2. Dizemos que desejamos o reino dos céus; contudo, não
cuidamos dos meios de obtê-lo. Nenhum esforço empregamos
para cumprir o mandamento do Senhor e supomos, na vaidade de
nosso espírito, que alcançaremos honras iguais às daqueles que
resistirem ao pecado até à morte.
Alguém, acaso, ficaria em casa sentado ou dormindo no
tempo da sementeira e por ocasião da messe enchería de feixes a
dobra do manto? Quem colherá uvas de uma vinha que não
plantou, nem cultivou? Os frutos correspondem ao labor. As
honras e as coroas são para os vencedores. Quem havería de
coroar aquele que nem ao menos se cingiu perante o adversário?
Não se trata apenas de vencer, mas também de lutar segundo as
regras, conforme diz o Apóstolo (2Tm 2,5), isto é, de não
negligenciar nem a menor das prescrições, mas de tudo realizar
de acordo com os preceitos. Feliz daquele servo que o Senhor
achar procedendo assim, não ao acaso, quando vier (Lc 12,43). E
ainda: Se ofereceres bem, mas não dividires bem, pecas (Gn 4,7,
seg. LXX).
Nós, no entanto, imaginamos cumprir um mandamento
isoladamente e não contamos com a ira por causa das trans-
gressões, mas esperamos recompensa pelo único manda

40
mento que praticamos! Entretanto, diria que não o cumprimos.
Todos os mandamentos de tal modo se compenetram, segundo o
verdadeiro entendimento da Palavra que, menosprezado um,
transgridem-se necessariamente os demais. Quem sonega um ou
dois dos dez talentos sob sua guarda e devolve os restantes, não
será considerado honesto, por causa da devolução da soma
maior, e sim convencido de ser injusto e avaro por ter furtado a
quantia menor. E por que falar de espoliação? Pois, será
condenado até aquele a quem fora confiado um talento e o
devolva todo e na íntegra, como recebera, mas sem rendimentos.
Quem honrar seu pai por dez anos e depois lhe infligir um só
ferimento, não será honrado como benemérito e sim condenado
como parricida.
Ide, pois, diz o Senhor, ensinai a todas as nações. Ensinai a
observar não apenas algumas coisas e a negligenciar outras, mas
a observar tudo o que vos mandei (Mt 28,19.20). E o Apóstolo, em
consequência, escreve: A ninguém damos qualquer motivo de
escândalo, para que o nosso ministério não seja criticado. Mas em
todas as coisas nos apresentamos como ministros de Deus (2Cor
6,3.4).
Se nem tudo fosse necessário ao escopo da salvação, não
haveríam sido escritos todos os mandamentos, nem fora
determinado se observassem obrigatoriamente todos eles. De
que me serve o exato cumprimento do dever se, por ter chamado
louco a um irmão, for réu da geena? Que vantagem alcança
quem se liberta de muitos, se um só o sujeita à escravidão? Pois
todo o homem que se entrega ao pecado, é seu escravo (Jo 8,34). De
que adianta a alguém a imunidade de muitas doenças, se uma só
já lhe consome o corpo?
3. Então, dirá alguém, será inútil à multidão de cristãos, que
não guarda a totalidade dos mandamentos, a observância apenas
de alguns? Seria oportuno relembrar o que, por um só motivo,
foi dito a São Pedro, após tantas ações perfeitas e depois de ter
sido chamado bem-aventurado: Se eu não te lavar, não terás parte
comigo (Jo 13,8). É ocioso asseverar que não denotava com isso
negligência ou desprezo, mas reafirmava, ao invés, honra e
reverência.
E se alguém disser estar escrito: Todo o que invocar o nome do
Senhor será salvo (J1 2,32), bastando, portanto,

41
a invocação do nome do Senhor para salvar quem o invoca, ouça
o Apóstolo: Como, pois, invocarão aquele em quem não têm fé?
(Rm 10,14). Se crês escuta o Senhor: Nem todo aquele que
diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz
a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7,21). Certamente,
quem faz a vontade do Senhor, não, porém, como Deus o quer,
nem por amor a Deus, não lhe aproveita o zelo pelas obras,
conforme a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: Fazem para
serem vistos pelos homens. Em verdade, eu vos digo: já receberam
sua recompensa (Mt 6,5). Por esta razão, o Apóstolo Paulo soube
dizer: Ainda que distribuísse todos os meus bens, e entregasse o
meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, isto nada
aproveita (ICor 13,3).
Em resumo, vejo três atitudes diferentes a nos impelirem de
modo quase inevitável à obediência. Ou desviamo- nos do mal
por temor do castigo: é a atitude servil. Ou cumprimos os
preceitos, ambicionando a recompensa, o proveito próprio, e
assemelhamo-nos aos mercenários. Ou, por causa do bem em si
e por amor a nosso legislador, alegramo-nos em servir a um
Deus tão glorioso e tão bom: nossa atitude, então, é a filial. Nem
mesmo quem cumpre os mandamentos só por temor, receando
sempre a pena da negligência, ousa praticar apenas alguns
preceitos e descuidar dos outros; mas prevê igualmente um
castigo temível para qualquer desobediência. Por isto, declara-se
ser feliz quem vive em temor reverenciai contínuo (Pr 28,14);
ficará firme na verdade, podendo dizer: Ponho sempre o Senhor
diante dos olhos; pois que ele está à minha direita, não vacilarei (SI
15,8). Nada quer omitir do dever. E feliz o homem que teme o
Senhor. Por que motivo? Porque nos seus mandamentos põe o seu
prazer (SI 111,1). Não é próprio de quem teme transgredir as
prescrições, agir com negligência. Nem mesmo o mercenário
quer violar alguns preceitos. Como haver ia de obter salário pelo
cultivo da vinha, se não fizer tudo o que combinou? Se faltar
uma só coisa indispensável, tomá-la-á inútil para o seu
proprietário. Quem ainda oferecerá recompensa àquele que agiu
mal, em troca do prejuízo causado? A terceira atitude é a do
serviço na caridade. Qual o filho que, movido pelo desejo de
agradar ao pai, procura contrariá-lo nas coisas

42
pequenas e alegrá-lo nas grandes? Fá-lo-á tanto mais, se estiver
lembrado da palavra do Apóstolo: Não entristeçais o Espírito
Santo ãe Deus, com o qual estais selados (Ef 4,30).
4. De que lado querem ser colocados os transgressores da
maior parte dos mandamentos? Não assistem a Deus como Pai,
não lhe dão crédito quando faz promessas tão grandiosas, não o
servem como a seu Senhor. Ora, se eu sou pai, diz ele, onde estão
as honras que são devidas? E se eu sou Senhor, onde está o
temor que se deve? (Ml 1,6). Porque o homem que teme o
Senhor, nos seus mandamentos põe o seu prazer (SI 111,1). Foi
dito: Desonras a Deus pela transgressão da Lei (Rm 2,23).
Se preferimos a vida de prazeres à vida segundo os man-
damentos, como podemos esperar a vida bem-aventurada, a
cidadania igual à dos santos, as alegrias na companhia dos anjos,
em presença de Cristo? Seria pueril imaginar tal coisa.
Serei associado a Jó, se não sei suportar a menor tribu- lação
com ações de graças? A Davi, se não me porto com
longanimidade para com o adversário? A Daniel, se não procuro
a Deus em contínua abstinência e laboriosa prece? A cada um
dos santos, se não sigo a suas pegadas? Haverá em algum
certame árbitro tão sem critério que sentencie merecerem coroas
idênticas o vencedor e quem não combateu? Haverá general que
distribua aos vitoriosos e aos que não comparecerem no combate
partes iguais dos despojos?
Deus é bom. É justo também. Justo, remunera de acordo com
os merecimentos, conforme está escrito: Sede bom, Senhor, para
os que são bons e para os homens ãe reto coração. Mas aqueles que
se desviam por caminhos tortuosos, que o Senhor os expulse com os
malfeitores (SI 124,4.5). É misericordioso, mas é também juiz. O
Senhor ama a misericórdia e a justiça (SI 32,5). Diz-se por isso:
Cantarei a bondade e a justiça, a vós, Senhor (SI 100,1). Sabemos
quais os que obterão misericórdia: Bem-aventurados os mi-
sericordiosos, porque alcançarão misericórdia (Mt 5,7). Vês com
que discernimento usa de misericórdia? É misericordioso sem
prescindir do julgamento; julga sem prescindir da misericórdia.
O Senhor é misericordioso e justo (SI 114,5). Não encaremos só
um dos aspectos. Seu amor

43
ao homem não nos sirva de pretexto para desleixo. Para que não
fosse desprezada a sua bondade é que houve trovões e
relâmpagos. Faz ele nascer o sol (Mt 5,45), mas também castiga
com a cegueira (2Rs 6,18). Dá a chuva (Zc 10,1), mas também
faz chover fogo (Gn 19,24). As primeiras coisas indicam a sua
bondade, as segundas a sua severidade. Amemo-lo por causa das
primeiras, temamo-lo em conseqüência das segundas, a fim de
que não nos seja dito, também a nós: Ou desprezas as riquezas da
sua bondade, tolerância e longanimidade, desconhecendo que a
bondade te convida ao arrependimento? Mas, pela tua dureza e
coração impenitente, ajuntas para ti reservas de ira para o dia da
cólera (Rm 2,4.5).
Não pode salvar-se quem não pratica obras conforme o
mandamento de Deus, e é perigosa a omissão de algumas das
prescrições, porque seria péssima arrogância constituir-se em
juiz do legislador, aceitando algumas leis e rejeitando outras.
Nós, portanto, lutadores na arena da piedade cuja vida é
silenciosa e afastada dos negócios, o que contribui muito para a
observância dos preceitos evangélicos empreguemos
conjuntos esforços e conselhos mútuos, para que nenhuma
prescrição nos escape. Se o homem de Deus deve ser perfeito
(como está escrito e as palavras acima demonstram), forçoso é se
aperfeiçoe em cada mandamento até à estatura da maturidade de
Cristo (Ef 4,13). Pois, também de acordo com a lei divina, o
animal mutilado, puro embora, não é vítima aceitável a Deus.
Assim, se reconhecermos que nos falta alguma coisa,
proponhamos a questão a exame em comum. Uma pesquisa
laboriosa de muitos fará descobrir com maior facilidade a
solução oculta, porque Deus mesmo, segundo a promessa de
Nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 14,26), dar-nos-á achar o que
buscamos, pelo ensinamento e pelas inspirações do Espírito
Santo.
Do mesmo modo que é uma obrigação que se impõe e ai de
mim se eu não anunciar o Evangelho (ICor 9,16), assim ameaça-
vos perigo semelhante, se procurardes com negligência ou vos
portardes com frouxidão e indolência na observância e execução
dos ensinamentos transmitidos. Por isso diz o Senhor: A palavra
que anunciei julgá-lo-á no último dia (Jo 12,48). E o servo que,
ignorando a vontade

44
de seu Senhor, fizer coisas repreensíveis, será açoitado com poucos
golpes; mas o que, apesar de conhecer (a vontade de seu Senhor),
nada preparou e lhe desobedeceu, será açoitado com numerosos
golpes (Lc 12,47-48).
Rezemos, pois, a fim de que eu vos dispense a palavra de
modo irrepreensível e o ensino vos seja frutuoso. Cientes de que
as palavras das Escrituras divinas defrontar- se-vos-ão no
tribunal de Cristo Vou te repreender e te lançar em rosto os teus
pecados (SI 49,21) atendamos, vigilantes, ao que foi dito e
apliquemo-nos zelosamente à prática das divinas exortações,
porque não sabemos o dia e a hora em que Nosso Senhor há de
vir (Mt 24,42).

QUESTÃO 1
ORDEM E SEQUÊNCIA DOS MANDAMENTOS
DO SENHOR
Uma vez que a Escritura nos dá o direito de fazermos
perguntas, queríamos saber, antes de tudo, se há ordem e
seqüência nos mandamentos de Deus, havendo primeiro,
segundo, etc.; ou se todos estão relacionados e são iguais quanto
à precedência, de maneira que sem receio se possa tomar à
vontade o ponto de partida como num círculo.

Resposta
É uma velha questão. Já fora, outrora, proposta nos
Evangelhos, quando um doutor da lei aproximou-se do Senhor e
disse: Mestre, qual é o maior mandamento da lei? Respondeu o
Senhor: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a
tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu espírito. Este é o
maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é:
Amarás teu próximo como a ti mesmo (Mt 22,36-39). O próprio
Senhor, portanto, dispôs em ordem os mandamentos. Declarou
ser o primeiro e o maior dos mandamentos o referente ao amor
de Deus; o segundo em ordem, semelhante àquele, ou antes
complementar e dependente do primeiro,

45
é o do amor ao próximo. Daí e de passagens semelhantes des
Escrituras divinas infere-se a ordem e a seqüência de todos os
mandamentos do Senhor.

QUESTÃO 2
A CARIDADE PARA COM DEUS. HA, POR NATUREZA,
NOS HOMENS INCLINAÇÃO E FORÇA PARA A PRATICA
DOS MANDAMENTOS DO SENHOR
Disserta primeiro sobre o amor de Deus. Ouvimos ser preciso
amar a Deus. Queremos aprender o modo de consegui-lo bem.

Resposta
1. O amor de Deus não é coisa que se aprenda. Não
aprendemos de outrem a alegrar-nos com a luz, a almejar a vida,
nem ensinou-nos alguém a amar os progenitores ou nutrícios.
Assim também, ou com maior razão, não provém de uma
disciplina externa o amor de Deus.
Mal começa a existir este ser vivo, o homem, nele se implanta
uma espécie de razão seminal\ contendo em si a faculdade de
amar e a afinidade com o amor. Costuma tomá-la a escola dos
mandamentos de Deus, cultivá-la cuidadosamente, nutri-la com
a ciência e, pela graça de Deus, levá-la à perfeição.
Por isso, nós, vendo vosso zelo, que aprovamos como
necessário à obtenção de nosso escopo, por um dom de Deus e
com o auxílio de vossas preces, esforçar-nos-emos, apoiados na
força que recebemos do Espírito, por suscitar a centelha do amor
divino em vós latente. Importa saber que uma só é essa virtude;
no entanto, por sua eficácia, cumpre-se e abrange-se qualquer
mandamento. Se alguém amar, diz o Senhor, guardará os
meus mandamentos (Jo 14,23). E ainda: Nesses dois mandamentos
se resumem toda a lei e os profetas (Mt 22,40).
1. O Logos spermatik s designa a presença no homem de um elemento que lhe permite
ascender ao Logos, Cristo, ao qual se chega pelo amor.

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Não vamos, porém, desenvolver agora um discurso muito
acurado talvez despercebidamente incluiriamos o todo
referente aos mandamentos numa parte mas, na medida do
possível e da conveniência do presente propósito, admoestar-
vos-emos a respeito do amor devido a Deus.
Digamos, de início, que de Deus recebemos antes a força a
fim de cumprirmos todos os seus mandamentos, de modo que
não podemos nos insurgir como se nos fossem feitas novas
imposições, nem nos orgulhar como se retribuíssemos com mais
do que nos foi dado. E quando, por essa força, agimos bem, de
maneira reta, levamos piedosamente uma vida virtuosa;
corrompendo-a, caímos nos vícios. Pois tal é a difinição do
vício: abuso dos dons de Deus, destinados ao bem, contra os
preceitos do Senhor. Ao invés, a definição da virtude que Deus
requer, é a seguinte: o uso dos mesmos, procedente de uma boa
consciência, segundo o mandamento do Senhor. Sendo assim,
diremos o mesmo da caridade.
Tendo recebido o mandamento de amar a Deus, entramos de
posse da faculdade de amar, em nós inserta logo que fomos
criados. Não é possível demonstrar tal fato com argumentos
externos, mas cada um pode percebê-lo por si e em si mesmo.
Desejamos naturalmente o que é bom e belo, embora essa
apreciação difira de um a outro. Sem haver aprendido, temos
amor aos amigos e parentes, e, de bom grado, cercamos de
benevolência aos benfeitores. E o que pode haver de mais
admirável do que a beleza divina? Que pensamento há mais
grato do que o da magnificência de Deus? Ou pode haver desejo
da alma veemente e irresistível como o que Deus faz nascer na
alma purificada de todo o vício, a dizer com verdadeiro afeto:
Estou enferma de amor (Ct 2,5)?
São totalmente inefáveis e inenarráveis os fulgores da divina
beleza; a palavra não os descobre, não os depreende o ouvido.
Descrevam-se, embora, os esplendores da estrela d alva, a
claridade da lua, a luz do sol, todos desfalecem diante de sua
glória, e, comparados à verdadeira luz, mais se distanciam do
que uma noite profunda, sombria e sem luar difere do clarão do
meio-dia. É invisível essa beleza aos olhos da carne; só a
apreendem a alma e a mente. Quando ilumina os santos,
estimula-os com um desejo

47
incontido, levando-os a dizer, entediados, da vida presente: Ai de
mim por se ter prolongado o meu exílio (SI 119,5). Quando ir ei
contemplar a face de Deus? (SI 41,3). E: Tenho desejo de ir-
para estar com Cristo, o que é, sem comparação, o melhor (F1
1,23). E ainda: Minha alma tem sede de Deus, (do Deus) forte e vivo
(SI 41,3). E: Agora, Senhor, deixas o teu servo ir (em pas) (Lc
2,29). Mal se podia deter o ímpeto daqueles que, atingidos pelo
anelo de Deus, suportavam o peso da vida presente, como sendo
um cárcere. Com desejo insaciável de contemplar a beleza
divina, pediam que a contemplação da alegria do Senhor durasse
uma eternidade.
Por natureza, os homens desejam o bem e o belo. Pro-
priamente belo e amável é o bem. Deus é o bem. E todas as
coisas apetecem o bem; portanto, todas elas desejam a Deus.
2. Encontra-se em nós, naturalmente, se a malícia não houver
pervertido nossos pensamentos, aquilo que a vontade nos faz
realizar de bom. Por conseguinte, o amor de Deus é reclamado
como um dever. Privada dele, sofre a alma o mais insuportável
dos males. Pois o afastamento e a aversão de Deus é um mal
mais intolerável até do que os ameaçadores suplícios da geena \ e
mais pesado para quem o sofre do que a privação da vista,
mesmo se indo- lor, e a perda da vida para os animais. Se os
filhos, por natureza, amam os pais (demonstra-o o instinto dos
animais e o afeto das crianças de tenra idade às suas mães), não
nos mostremos mais desarrazoados do que as criancinhas, nem
mais selvagens do que as feras, permanecendo estranhos e
desafeiçoados em relação a nosso Criador. Ignorássemos embora
qual a sua bondade, só pelo fato de nos ter criado, deveriamos
querer-lhe bem, amá-lo imensamente e estar continuamente
suspensos a sua lembrança, como os pequeninos aos braços de
sua mãe.
Entre aqueles que por natureza amamos, ocupam o primeiro
lugar os benfeitores. Este afeto aos beneméritos não é exclusivo
ao homem, mas é sentimento comum a quase todos os animais.
Foi dito: “O boi conhece o seu possuidor, e o asno, o estábulo do seu
dono” (Is 1,3). Que não se diga
2. Gêena, lugar de punição futura, compreendido como separação de Deus.

48
r

de nós o que se segue imediatamente: Mas Israel não conhece


e meu povo não tem entendimento (ibid.). Não é ocioso falar da
estima que os cães e outros animais demonstram àqueles que
lhes dão comida?
Se dedicamos benevolência e amizade naturais aos ben-
feitores, se nos sujeitamos a qualquer labor para retribuir- lhes
os dons com que nos cumularam, como encontrar palavras que
expliquem os dons de Deus? A multidão deles é tão grande que
escapa a qualquer cálculo. A magnitude é de tal qualidade e
extensão que mesmo um só deles já exige graças infindas a seu
doador. Omitirei os que, embora em si mesmo sejam excelentes
em grandeza e graça, comparados aos maiores brilham menos,
como as estrelas diante dos raios do sol têm fulgor menor e mais
impreciso. Falta- nos vagar para medirmos a bondade de nosso
benfeitor pelos dons menores, deixando de lado os maiores.
3. Calem-se, pois, o nascimento do sol, as fases da lua, a
temperatura da atmosfera, as vicissitudes das horas, as águas
que caem das nuvens e as que brotam da terra, o próprio mar, a
terra toda, tudo o que nasce da terra, o que vive nas águas, as
espécies que cortam o ar, as inumeráveis diferenças dos animais,
tudo enfim que se destina a serviço da vida humana.
Propositadamente, porém, não é lícito preterir, nem pode
quem é razoável e de mente sã calar um grande benefício,
embora menos ainda possa exprimi-lo dignamente. É o seguinte:
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Honrou-o
com o conhecimento de si mesmo. Dotou-o, excluindo todos os
outros animais, com o uso da razão. Deu-lhe a possibilidade de
deleitar-se com a incrível beleza do paraíso e estabeleceu-o
príncipe de tudo o que há na terra. Enganado pela serpente,
tendo caído pelo pecado e pelo pecado ficando sujeito à morte e
às tribulações dele decorrentes, nem por isso Deus o abandonou.
Primeiramente, deu-lhe a lei em auxílio. Destinou anjos para sua
guarda e cuidado. Enviou profetas para repreenderem os vícios e
ensinarem as virtudes. Reprimiu o incitamento ao mal com
ameaças, despertou o desejo do bem com promessas. Mostrou,
de antemão, as consequências de um e outro, muitas vezes, em
diversas pessoas, para advertência dos demais. Depois de tantos
e de tais benefícios, apesar de

49
permanecermos na desobediência, não se apartou de nós. Não
nos abandonou a bondade de Nosso Senhor. Não abolimos o
amor para conosco pela insensibilidade com que ofendemos o
benfeitor que nos cumulava de honras, mas fomos de novo
chamados da morte e restituídos à vida por Nosso Senhor Jesus
Cristo. No seguinte ponto é mais admirável ainda sua bondade e
benevolência: Sendo ele de condição divina, não considerou a sua
igualdade com Deus como uma presa, mas aniquilou-se a si mesmo,
assumindo a condição de escravo (F1 2,6-7).
4. Ele tomou sobre si nossas enfermidades e encarregou- se de
nossos sofrimentos... e foi ferido por nossa causa... para. que
fôssemos curados graças a seus paãecimentos; e remiu-nos da
maldição da Lei, fazendo-se por nós Maldição (Is 53,4; G1 3,13).
Submeteu-se à morte mais igno- miniosa para nos reconduzir à
vida gloriosa. Não lhe bastou vivificar os que estavam mortos,
mas dignou-se ainda conceder-lhes a dignidade da divinização e
preparou-lhes um eterno repouso, cheio de alegrias tão grandes
que superam todas as cogitações humanas.
Que podemos retribuir ao Senhor por tudo o que nos tem dado?
(SI 115,12). É tão bom que não exige remuneração. Contenta-se
com ser amado por causa dos bens que concedeu.
Quando tudo isso me vem à mente (confesso meus
sentimentos), invade-me certo arrepio e perturbação, receando
que, por falta de ponderação ou por ocupação com coisas vãs,
perca o amor de Deus e me tome motivo de opróbrio para
Cristo. O atual sedutor que se esforça com todos os artifícios,
por meio de atrativos mundanos, para nos induzir ao
esquecimento de nosso benfeitor, e que nos injuria e nos pisa,
visando a perdição de nossas almas, então, diante do Senhor,
converterá em insulto o nosso desprezo e gloriar-se-á de nossa
desobediência e defecção. Ele que não nos criou, nem morreu
por nós, tem-nos por companheiros de sua obstinação e
negligência em relação aos mandamentos de Deus. O Senhor
ofendido e a jactância do inimigo parecem-me mais graves do
que os suplícios da geena, porque dão matéria ao inimigo de
Cristo de se vangloriar e de se. orgulhar contra aquele que por
nós morreu

50
ressuscitou. A este, por tal razão, corno está escrito, somos
mais devedores.
Até aqui, acerca do amor de Deus. Não pretendo, como disse,
esgotar o assunto. Seria impossível. É apenas uma lembrança
sumária para suscitar sempre em nossas almas o desejo de Deus.

QUESTÃO 3
A CARIDADE PARA COM O PRÓXIMO
Seria lógico dissertar agora sobre o segundo mandamento, em
ordem e valor.

Resposta
1. Dissemos mais acima ser a lei agricultora e nutrícia
daquelas forças implantadas seminalmente em nós. Tendo sido
ordenado amarmos o próximo como a nós mesmos,
consideremos se Deus nos deu força para praticarmos esse
mandamento. Quem não sabe que o homem é um ser social e
manso, e não isolado e fero? Nada é tão peculiar a nossa
natureza como vivermos em comum, necessitarmos uns dos
outros, amarmos os semelhantes.
O próprio Senhor, que antes espargiu em nós essas sementes,
reclama frutos adequados, dizendo: Dou-vos um novo
mandamento: Amai-vos uns aos outros (Jo 13,34). Querendo
estimular-nos à prática deste mandamento, não apresentou como
características de seus discípulos sinais e milagres estupendos
(embora lhes houvesse concedido no Espírito Santo também tal
poder), mas disse: Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos,
se vós amardes uns aos outros (Jo 13,35). E assim, sempre
correlaciona esses preceitos, transferindo para si mesmo os
benefícios feitos ao próximo. Diz: Porque tive fome e me destes de
comer, etc. (Mt 25,35). E acrescenta: Todas as vezes que fizestes
isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo
que o fizestes (ibid. 40).

51
2. É possível, portanto, por meio do primeiro praticar bem o
segundo, e novamente, pelo segundo voltar ao primeiro. Quem
ama o Senhor, amará, em conseqüência, o próximo: Se alguém
ama, diz o Senhor, guardará os meus mandamentos (Jo 14,23).
Este é o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como eu vos
amei (Jo 15,12). E reciprocamente, quem ama o próximo,
satisfaz o preceito de amar a Deus, que recebe essa boa ação
como feita a si mesmo.
Por isso, Moisés, o fiel servo de Deus, demonstrou tanto amor
a seus irmãos que desejou ser riscado do livro de Deus, no qual
fora inscrito, se não fosse perdoado o pecado do povo (Ex
32,32). E Paulo ousou pedir ser separado de Cristo por amor de
seus irmãos, de sua raça, segundo a carne (Rm 9,3), porque à
imitação do Senhor, queria fazer-se o preço da salvação de
todos; mas estava bem côns- cio de ser impossível afastar-se de
Deus quem, por caridade, a fim de observar o maior
mandamento, rejeitasse a graça de Deus. Ao contrário, recebería
muito mais do que havia dado.
Aliás, o que foi dito mais acima demonstra suficientemente
haver chegado a esta medida, a caridade dos santos para com o
próximo.

QUESTÃO 4 O
TEMOR DE DEUS

Resposta
O sábio Salomão adverte ser mais útil para os principiantes na
piedade a formação baseada no temor, ao dizer: O temor do
Senhor é o princípio da sabedoria (Pr 1,7). Vós, porém, que em
Cristo já ultrapassastes a infância, não precisais mais de leite e
podeis ser levados à perfeição segundo o homem interior por
meio do sólido alimento dos dogmas 3; necessários se tomam,
portanto, preceitos mais sublimes, nos quais se consuma, em
toda verdade, a caridade em Cristo. Acautelai-vos, para que a
superabundância dos dons
3. Dogmas não deve ser tomado no sentido moderno, mas como doutrinas de f .

52
de Deus não se torne causa de condenação maior, se fordes
ingratos para com o benéfico doador. Quanto mais se confiar a
alguém, dele mais se há de exigir (Lc 12,48).

QUESTÃO 5
COMO EVITAR A DIVAGAÇÃO

Resposta
1. Importa saber que não é possível cumprir os outros
mandamentos e nem mesmo amar perfeitamente a Deus ou ao
próximo se o espírito divagar para cá e para lá.
Não pode alguém dedicar-se a uma ciência ou arte, tran-
sitando sempre de uma a outra, e nem mesmo adquirir o
conhecimento de uma delas, se ignorar os meios de alcançar sua
finalidade. Convém que as ações quadrem com o escopo,
porque, de fato, nada de razoável se alcança por meios
inadequados. Não se consegue com bom resultado forjar metais
exercitando-se em cerâmica; nem tocando frequentemente flauta
se chega a obter coroas atléticas; mas para cada fim requer-se
labor peculiar e ajustado.
Também a ascese, segundo o Evangelho de Cristo, que agrada
a Deus, realiza-se pelo afastamento das preocupações do século
e a fuga completa da divagação. Por isso, embora sejam
permitidas e dignas de bênçãos as núpcias, o Apóstolo opõe as
preocupações destas à solicitude pelas coisas que são de Deus,
como sendo impossível coexistirem ambas, ao dizer: O solteiro
cuida das coisas que são do Senhor, procurando agradar a Deus.
Mas o casado preocupa-se com as coisas do mundo, procurando
agradar à sua esposa (ICor 7,32.33). Assim, o Senhor
testemunhou a respeito dos discípulos, por causa de seu ânimo
sincero e firme: Não sois do mundo (Jo 15,19). E, ao contrário,
atestou ser impossível ao mundo receber o conhecimento de
Deus e aceitar o Espírito Santo: Pai justo, disse, o mundo não te
conhece (Jo 17,25), e: o Espírito da verdade que o mundo não pode
receber (Jo 14,17).

53
2. Todo aquele, portanto, que verdadeiramente quer seguir a
Deus, deve romper os vínculos das afeições desta vida. Realizá-
lo-á por afastamento completo e esquecimento dos hábitos
anteriores. Por esta razão, a menos que nos façamos estranhos
ao parentesco carnal e à vida em sociedade e emigrarmos de
certo modo para outro mundo, quanto a nossos hábitos,
conforme aquele que disse: Nós somos cidadãos dos céus (F1
3,20), será impossível atingirmos a meta de agradar a Deus.
É terminante a declaração do Senhor: Assim, pois, qualquer um
de vós que não renuncia a tudo o que possui, não pode ser meu
discípulo (Lc 14,33). Feito isto, guardemos cuidadosamente nosso
coração (Pr 4,23); jamais percamos a lembrança de Deus, nem
manchemos a memória de suas maravilhas com vãs
imaginações. Por toda a parte carreguemos pura e
continuamente a santa lembrança de Deus, cuja recordação se
imprima em nossa alma qual indelével sigilo.
Assim adquirimos o amor de Deus que também nos concita à
prática dos mandamentos do Senhor, enquanto esses, por sua
vez, o conservam perpétua e constantemente. O Senhor no-lo
mostra ao dizer: Se amais, guardareis os meus mandamentos
(Jo 14,15), ou ainda: Se guardardes os meus mandamentos,
permanecereis no meu amor (Jo 15,10). E o que é ainda mais
persuasivo: Como também eu guardei os mandamentos de meu Pai
e permaneço em seu amor (ibid.).
3. Com isto, ensina-nos ele que, ao decidirmos fazer uma
obra, tenhamos sempre o escopo de realizar a vontade daquele
que ordena, concentrando nisso nossos esforços, conforme ele
mesmo declarou em outra passagem: Desci do céu, não para fazer
a minha vontade, mas a vontade daquele que enviou, o Pai (Jo
6,38). Os ofícios necessários a nossa subsistência têm fins
específicos e em conseqüência acomodam as atividades
particulares a essas finalidades.
Assim também, tendo nossas obras uma só meta, uma só
regra, a saber, a observância dos mandamentos no intuito de
agradar a Deus, é impossível fazer um trabalho bem feito a não
ser realizando-o de acordo com a vontade de quem no-lo
confiou. Se ao fazermos uma obra, aplicarmo-

54
nos com zelo diligente a cumprir a vontade de Deus, uni- mo-nos
a ele por essa intenção.
O ferreiro, por exemplo, ao forjar um machado, lembra- se de
quem o encomendou e, conservando-o na memória, pensa na
forma e no tamanho do instrumento, executando-o conforme os
desejos de quem fez a encomenda. Se por acaso se esquecer de
tudo isso, fará outra coisa ou outra muito diferente da que
intencionara. Também o cristão, em qualquer ação, pequena ou
grande, orientada pela vontade de Deus, simultaneamente a
pratica com diligência e conserva a lembrança de quem a ordena,
realizando a palavra: Ponho sempre o Senhor diante dos olhos; pois
que ele está à minha direita, não vacilarei (SI 15,8). E cumpre
aquele preceito: Quer comais e bebais ou façais qualquer outra
coisa, fazei tudo para a glória de Deus (ICor 10,31).
Se alguém, ao agir, prejudica o rigor do preceito, evidencia ter
deixado se enfraquecer a recordação de Deus. Lembrados,
portanto, da palavra daquele que disse: Porventura, não enche
minha presença o céu e a terra? Oráculo do Senhor (Jr 23,24). E:
Apenas eu sou Deus quando estou perto? Não o sou também quando
de longe? (ibid. 23). E: Onde dois ou três estão reunidos em meu
nome, aí estou eu no meio deles (Mt 18,20), tudo devemos fazer
como convém a uma ação feita sob o olhar de Deus e tudo pensar
como sendo visto por ele. Assim teremos constante temor, o
qual, conforme está escrito (SI 118,163), odeia a injustiça, a
injúria, a soberba e os caminhos dos maus; realizaremos a
caridade, cumprindo o dito do Senhor: Não busco a minha
vontade, mas a vontade do Pai que enviou (Jo 5,30), e
convencidas estarão continuamente as nossas almas de que as
boas ações são bem aceitas pelo juiz e árbitro de nossas vidas e
de que as más receberão do mesmo a condenação.
Creio que assim acontecerá, como disse, que não sejam
empregados os mandamentos do Senhor para se captar a
benevolência dos homens. Ninguém há que se volte para um
inferior, se está certo da presença de um superior. Mas, se
suceder que uma ação seja aceitável e grata a uma pessoa ilustre,
porém contrarie a um inferior e lhe pareça repreensível, dar-se-á
mais valor à aprovação da pessoa mais importante, sem
considerar a censura de quem

55
está abaixo. Entre os homens é assim que se passam as coisas.
Qual será, pois, a alma verdadeiramente vigilante e equi-
librada que, convicta da presença de Deus, menosprezará o que
é do agrado de Deus e voltar-se-á para a glória humana? Ou,
negligenciando os preceitos de Deus, escravizar-se-á a práticas
humanas, ou deixar-se-á prender por um preconceito banal, ou
dobrar-se-á por causa de dignidades? Tal era a disposição
daquele que disse: Contaram-me os ímpios coisas, mas quão
diferente é tudo isso da tua lei, Senhor! (SI 118,85). E ainda:
Diante dos reis falarei de vossas prescrições e não envergonharei
(ibid. 46).

QUESTÃO 6
NECESSIDADE DA VIDA RETIRADA

Resposta
1. Morar retirado é auxílio para se adquirir a estabilidade de
espírito. O próprio Salomão demonstra ser pernicioso levar a
vida no meio dos que não receiam desprezar a perfeita
observância dos mandamentos, ao nos ensinar: Não faças
amizade com um homem colérico, não andes com o violento, com
receio de que aprendas os seus costumes e prepares um laço fatal
para a tua alma (Pr 22,24.25). E também: Saí do meio deles e
separai-vos, diz o Senhor (2Cor 6,17), induz à mesma conclusão.
Por isso, procuremos primeiro habitar num lugar retirado, para
não sermos incitados ao pecado através dos olhos e dos ouvidos,
e não nos habituarmos a ele de maneira despercebida, nem
permaneçam na alma certas impressões e imagens do que vimos
e ouvimos, causando nossa ruína e perdição, e ainda a fim de
persistirmos na oração. Assim podemos vencer os hábitos
anteriores de uma vida em desacordo com os mandamentos de
Cristo (não é pequeno combate superar os próprios hábitos; pois
o hábito, corroborado durante muito tempo, adquire força de
segunda natureza) e também conseguiremos apagar as máculas
do pecado tanto por

56
preces infatigáveis quanto pela meditação assídua da vontade de
Deus. A essa oração e meditação é impossível nos entregarmos
em meio à multidão que distrai a alma e a absorve com os
negócios desta vida. E quem poderá, envolvido em tudo isso,
cumprir a palavra: Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si
mesmo (Lc 9,23)?
Importa renegarmos a nós mesmos e tomarmos a cruz de
Cristo, e assim o seguirmos.
Renunciar-se a si mesmo consiste em esquecer-se com-
pletamente do passado e abandonar as próprias vontades. Numa
convivência com os homens seria dificílimo realizá- lo, para não
dizer totalmente impossível. Esta companhia serve de empecilho
quando se quer tomar sua cruz e seguir a Cristo. Tomar a sua
cruz é estar pronto a morrer por Cristo. É mortificar os membros
terrenos, é estar disposto em ordem de batalha, enfrentando
qualquer perigo iminente por causa do nome de Cristo e não ser
apegado à vida presente.
Vemos assim os grandes obstáculos que provêm da con-
vivência comum em uma sociedade profana.
2. Além de outros impedimentos e são muitos a alma
considera a multidão dos transgressores.
Em primeiro lugar, não tem, com isso, oportunidade de
perceber os próprios pecados e de ter contrição dos delitos, por
meio da penitência. Compara-se aos piores e imagina que possui
certa retidão.
Em seguida, devido aos tumultos e negócios que brotam da
vida vulgar, perde a preciosa lembrança de Deus e não somente
sofre o prejuízo de não se alegrar e se deleitar em Deus, de não
fruir das delícias do Senhor, de não experimentar a doçura de
suas palavras, de modo a poder afirmar: Lembrei-me de Deus e
senti-me cheio de gozo (SI 76,4), e: Quão saborosas são para mim
vossas palavras, mais doces que o mel à minha boca (SI 118,103),
mas ainda acostuma-se inteiramente a desprezar os seus juízos, a
deles se esquecer, o que constitui o maior e pior dos males que
lhe possam suceder.

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QUESTÃO 7
A CONVENIÊNCIA DE SE CONVIVER COM OS QUE
UNANIMEMENTE TENCIONAM AGRADAR A DEUS.
É TÃO DIFÍCIL QUÃO PERIGOSO VIVER ISOLADO
Uma vez que vossas palavras nos persuadiram de que é
perigoso passar a vida em companhia dos que desprezam os
mandamentos do Senhor, queremos agora saber se quem deles
se afasta deve viver sozinho ou conviver com irmãos que
tenham o mesmo modo de pensar e escolheram idêntico escopo
de piedade.

Resposta

1. Estou convicto de que a vida em comum dos que têm


idêntico escopo é a mais adequada à obtenção de muitas
vantagens. Primeiramente, porque nenhum de nós é auto-
suficiente para prover às suas necessidades corporais; para
adquirirmos o indispensável precisamos uns dos outros.
Os pés têm algumas capacidades, porém para algumas coisas
são incapazes. Privados do auxílio dos outros membros não têm
em si força bastante, nem continuamente são auto-suficientes;
não podem suprir as próprias deficiências. Assim também a vida
eremítica torna inútil o que possuímos e não nos possibilita
adquirirmos o que nos falta. Deus, nosso Criador, quis que
precisássemos uns dos outros, e, como está escrito, que o homem
se associasse a seu semelhante (Eclo 13,20). Além disso, a
caridade de Cristo impede que cada um considere apenas o que é
seu. A caridade, diz-se, não busca os seus próprios interesses (ICor
13,5).
A vida eremítica, porém, tem um só escopo: o de atender às
próprias necessidades. Evidentemente, isso é oposto à lei da
caridade, que o Apóstolo praticou, porque não buscava o
interesse próprio, mas o de muitos, para que fossem salvos (ICor
10,33).
Em seguida, quem vive isolado não reconhecerá facilmente
seus pecados, pois não há quem o repreenda e cor

58
rija com mansidão e misericórdia. A repreensão, mesmo se parte
de um inimigo, muitas vezes desperta nos bons o desejo de
correção. A purificação, porém, do pecado é realizada
conscientemente por aquele que ama de coração sincero: Quem
ama (seu filho), foi dito, corrige-o continuamente (Pr 13,24). É
dificílimo encontrar um tal na solidão, se não houver antes
vivido em comum. Acontece-lhe o que foi dito: Ai do homem
solitário. Se ele cair não há ninguém para o levantar (Ecl 4,10).
Muitos preceitos são facilmente cumpridos, quando o são por
muitos reunidos; por um sozinho, não, porque uma obra impede
outra. A visita de um enfermo, por exemplo, obsta à recepção de
um hóspede e a doação e distribuição do necessário
(principalmente quando esses serviços tomam muito tempo)
tolhe o zelo na prática de boas obras. Com isso cai no
esquecimento o preceito máximo e mais condizente com a
salvação: não é nutrido o faminto, nem vestido o nu.
Quem pretendería dar precedência à vida inerte e infrutífera e
não à vida frutuosa, segundo o mandamento do Senhor?
2. Se todos nós que fomos assumidos numa só esperança da
vocação (Ef 4,4) somos um só corpo, tendo a Cristo por Cabeça
(ICor 12,12), e somos membros uns dos outros, se não nos
unirmos na harmonia do Espírito Santo, na constituição de um só
corpo, mas ao contrário escolher cada um viver isolado, sem
servir, como é agradável a Deus, à utilidade comum na
dispensação dos bens, seguindo, como lhe apraz, os próprios
apetites, como conservaremos, separados e divididos, a mútua
relação de membros e o serviço ou a obediência devidos a nossa
Cabeça, que é Cristo?
Não poderemos, vivendo separados, alegrar-nos com quem é
glorificado, nem sofrer com quem sofre (ibid. 26), não nos sendo
possível, como se vê, conhecer as condições do próximo.
Além disso, como ninguém é capaz de receber todos os
carismas espirituais, mas segundo a proporção ãa fé (Rm 12,6) de
cada um é dado o Espírito, o dom peculiar a um transmite-se aos
seus concidadãos. A um é dada uma palavra de sabedoria, a outro a
palavra de ciência, a outro a fé, a

59
r outro a profecia, a outro a graça de curar as doenças, etc. (ICor
12,8.10). Recebe-os cada um, não tanto para si, mas para os
outros.
Na vida em comunidade, necessariamente a força do Espírito
Santo concedida a um transmite-se simultaneamente a todos.
Quem vive sozinho, talvez possua um dom; mas enterra-o em si
mesmo por preguiça e torna-o inútil. Quão grande é esse perigo,
sabeis vós todos que lestes os Evangelhos. Na convivência com
muitos, porém, goza do que lhe é próprio, multiplica-o ao
comunicá-lo e colhe frutos dos dons alheios, como dos próprios.
3. Possui ainda a vida em comum outras vantagens, difíceis
de enumerar em sua totalidade.
É mais proveitosa para a conservação dos bens que Deus nos
deu do que a solidão. Também para a preservação das ciladas
externas do inimigo é mais seguro ter alguns vigias que o
despertem no caso de adormecer naquele sono mortal, que Davi
nos preveniu pedirmos se afaste de nós: Iluminai meus olhos com
vossa luz, para eu não adormecer na morte (SI 12,4). É mais fácil
ao pecador abandonar o pecado, se receia a condenação unânime
de muitos, de maneira a convir-lhe a palavra: Basta a esse homem
o castigo que a maioria lhe infligiu (2Cor 2,6).
Mais forte será a convicção daquele que age bem, sendo
muitos os que o aprovam e concordam com a sua atuação. Se
toda questão deve se resolver pela decisão de duas ou três
testemunhas (Mt 18,6), é claro que há de se sentir muito mais
seguro quem fez uma boa obra, atestada por muitos.
Além dos supracitados, há outros perigos que acompanham a
vida isolada. O primeiro e o maior é o da auto- complacência.
Não tendo quem examine suas obras, julgará ter atingido a
perfeição do mandamento. Em segundo lugar, deixando inertes
os bons hábitos, não conhecerá seus próprios vícios, nem o
progresso realizado em obras, estando supressa a matéria para a
prática dos mandamentos.
4. Como demonstrará humildade, se ninguém houver em
comparação do qual se mostre mais humilde? Para com quem
usará de comiseração, se está longe da companhia dos demais?
Como se exercitará na paciência, se ninguém se opõe às suas
vontades? Se disser alguém bastar-lhe o

60
ensinamento das divinas Escrituras para a emenda dos costumes,
age à semelhança de quem aprende a construir, mas nunca
edifica, ou como quem aprende a forjar metais, mas não quer
aplicar as normas de sua arte. O Apóstolo poderia lhe dizer:
Diante de Deus não são justos os que ouvem a lei, mas serão tidos
por justos os que praticam a lei (Rm 2,13).
E eis que o Senhor, no excesso de seu amor aos homens, não
se contentou com ensinar só por palavras. A fim de nos dar
exemplo claro e expresso de humildade, na perfeição do amor,
cingiu-se e lavou os pés dos discípulos. De quem os lavarás tu?
A quem servirás? Como serás o último, se moras sozinho?
Sendo bom e agradável para irmãos unidos viverem juntos (SI
132,1), o que o Espírito compara ao óleo puríssimo que exala da
cabeça do sumo pontífice, como se realizará isso para quem
mora isolado?
A vida em comum de irmãos é estádio de atletismo, caminho
excelente de progresso, exercício perpétuo e meditação dos
mandamentos do Senhor. Tem por escopo a glória de Deus,
segundo o mandamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, que
disse: Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as
vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt
5,16). Esta vida comum conserva o caráter da vida dos santos,
mencionada nos Atos, onde está escrito: Todos os fiéis viviam
unidos e tinham tudo em comum (At 2,44). E ainda: A multidão
dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram
suas as coisas que possuía; mas tudo entre eles era comum (At
4,32).

QUESTÃO 8
A RENÚNCIA
Se é preciso, primeiro, renunciar a tudo e depois ingressar na
vida conforme Deus determina.

Resposta
1. Como Nosso Senhor Jesus Cristo diz a todos, após muitas
e vigorosas manifestações, através de numerosas

61
obras: Se alguém, quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome
sua crus e siga-me (Mt 16,24), e ainda: Assim pois, qualquer um de
vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo
(Lc 14,33), julgamos abranger esse preceito muitas coisas que é
forçoso abandonar.
Renunciamos antes de tudo ao diabo e às paixões carnais, nós
que rejeitamos as torpezas ocultas e renunciamos ao parentesco
segundo a carne, às amizades humanas e aos costumes contrários
à perfeição do Evangelho da salvação. E uma coisa ainda mais
necessária: renuncia-se a si mesmo quem se despojou do velho
homem com seus atos (Cl 3,9), o qual é corruptível, devido a
desejos ilusórios (Ef 4,26). Renuncia igualmente a todos os
afetos mundanos que possam impedir a piedade.
Considerará ele como verdadeiros pais aqueles que o geraram
em Cristo Jesus pelo Evangelho (ICor 4,15); como irmãos, os
que receberam o mesmo Espírito de adoção. Ainda, terá as
riquezas todas, como de fato o são, na conta de estranhas a si
mesmo.
Em uma palavra, como ainda partilhará as solicitudes do
século aquele para quem o mundo todo está crucificado e ele
para o mundo (G1 6,14), por causa de Cristo? Nosso Senhor
Jesus Cristo exalta em sumo grau o ódio à própria vida e a
renúncia a si mesmo, quando diz: Se alguém quiser vir após mim,
renuncie-se a si mesmo e tome sua crus e acrescenta: E siga-me (Mt
16,24). E ainda: Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua
mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até sua
própria vida, não pode ser meu discípulo (Lc 14,26).
Assim, a perfeita renúncia consiste em não se abalar nem
mesmo pelo amor à própria vida e ter em si a sentença da morte
a ponto de não confiar em si próprio (2Cor 1,9). Começa pelo
abandono dos bens exteriores, como seriam as riquezas, a
vanglória, a vida vulgar, o apego às inutilidades, conforme nos
ensinaram os santos discípulos do Senhor, Tiago e João, que
deixaram o pai, Zebedeu, e até a barca que lhes fornecia todo o
sustento; quanto a Mateus, levantando-se do telônio, seguiu o
Senhor, e com isso não só abandonou os lucros do telônio, mas
ainda desprezou os perigos decorrentes das contas em desordem,
para si e

62
para os seus, diante das autoridades. Para Paulo, enfim, todo o
mundo estava crucificado e ele, para o mundo (G1 6,14).
2. Deste modo, quem desejar ardentemente seguir a Cristo, a
nada mais desta vida pode se prender; nem ao amor dos pais ou
parentes, quando este se opõe aos preceitos do Senhor (então
aplica-se a palavra: Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua
mãe, etc. [Lc 14,26]); nem por temor dos homens, de modo a
furtar-se a algo de útil, conforme agiram os santos que diziam:
Importa obedecer mais a Deus do que aos homens (At 5,29); nem
dará importância à zombaria que suas boas obras excitarem nos
de fora, de tal sorte que não cederá diante do desprezo.
Se alguém quiser conhecer mais apurada e claramente a força
unida ao desejo que existe nos que seguem o Senhor, lembre-se
do que refere o Apóstolo de si mesmo, para nosso ensinamento:
No entanto eu podería confiar também na carne. Se qualquer outro
julga poder fazê-lo, quanto mais eu que fui circuncidado no oitavo
dia, que sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu, filho
de hebreus. Quanto à lei, fui fariseu; quanto ao zelo, persegui a
Igreja; quanto à justiça da lei, vivi irrepreensivelmente. Mas tudo
isso que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo. Na
verdade, em tudo isso só vejo dano, comparado com esse bem
supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo
desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo (F1
3,4-8).
E se (direi com ousadia, mas com verdade) o Apóstolo
comparou com as imundícias repugnantes do corpo das quais
depressa fugimos, os próprios privilégios da lei, dados
temporariamente por Deus, porque eram impedimento para o
conhecimento de Cristo e a justiça que nele se encontra, assim
como para nossa conformidade à sua morte, que dizer das
determinações dos homens? E que necessidade há de tornar
fidedigna esta palavra com nossos raciocínios, ou com os
exemplos dos santos? Pois é possível apresentar palavras do
próprio Senhor para convencer a alma temente a Deus. Ele
atesta com clareza, de modo incontestável: Assim, pois, qualquer
um de vós que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu
discípulo (Lc 14,33).

63
E em outra passagem: Se queres ser perfeito, tendo dito primeiro:
Vai, vende teus bens, dá-os aos pobres, acrescenta depois: Vem e
segue-me! (Mt 19,21).
A parábola do mercador evidentemente refere-se ao mesmo
assunto para qualquer um que julga com prudência: O reino ãos
céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas
preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que
possui, e a compra (Mt 13,45.46). Evidencia-se que o reino dos
céus é apresentado sob a imagem de uma pérola de grande
preço. A palavra do Senhor demonstra ser-nos impossível obtê-
la, se para comprá-la não abandonarmos de uma vez tudo o que
temos: riquezas, glória, condição de família e tudo o mais a que
tantos estão presos.
3. O Senhor afirmou em seguida ser impossível realizar os
maiores desejos se a mente está dividida entre solici- tudes
diversas: Ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6,24). E ainda:
Não podeis servir a Deus e às riquezas (ibid.). Por isso,
escolhamos como único tesouro o celeste, para aí fixarmos o
nosso coração. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu
coração (ibid. 21). Se restar em nosso poder alguma posse
terrena ou bens corruptíveis, forçosamente mergulhará a mente
nesse lodo e a alma jamais atingirá a contemplação de Deus,
nem será movida pelo desejo das belezas celestes e dos bens
prometidos. Não os poderemos obter se um desejo assíduo e
veemente não nos impelir a impetrá-los e não tornar leve o labor
assumido por causa deles.
A renúncia é, portanto, conforme ficou demonstrado, li-
bertação dos vínculos da vida material e temporal, libertação de
compromissos humanos, tomando-nos mais idôneos a
empreender a caminhada para Deus. Dá também oportunidade
desimpedida de posse e uso de bens valiosos, mais desejáveis que
o ouro, que muita pedra preciosa (SI 18,11). Em suma, é a
transladação do coração humano à cidadania dos céus, de modo
a podermos afirmar: Mas nós somos cidadãos dos céus (F1 3,20).
Mais ainda. É o início da semelhança com Cristo que, sendo
rico, se fez pobre por nós (2Cor 8,9). Se não o conseguirmos,
não nos será possível atingir a forma de vida consentânea com o
Evangelho.

64
Como se poderá obter a contrição do coração, a humildade do
espírito, a libertação da ira, da tristeza, das preocupações, em
resumo, das outras más paixões da alma, em meio às riquezas e
aos cuidados dessa vida e a outras tendências e hábitos? Em
uma palavra, se não é permissível nem mesmo a inquietação por
causa do necessário, como o sustento e o vestuário, seriam
lícitas as más preocupações com as riquezas, que retêm quais
espinhos, a impedirem dê fruto a semente lançada pelo
agricultor em nossas almas? Diz Nosso Senhor: A que caiu entre
os espinhos, estes são os que... são sufocados pelos cuidados,
riquezas e prazeres da vida, e assim não dão fruto (Lc 8,14).

QUESTÃO 9
SE CONVÉM AQUELE QUE SE UNE AOS QUE SE
DEDICAM AO SENHOR CONFIAR SEUS BENS DE
MANEIRA INDISCRIMINADA A PARENTES ÍMPROBOS

Resposta
1. Como o Senhor diz: Vende os teus bens, dá-os aos pobres, e
terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me! (Mt 19,21), e
ainda: Vendei o que possuís e dai esmola (Lc 12,33), julgo não
dever quem se desfaz de seus bens, em vista deste objetivo,
descuidar-se deles, mas procurar que seja administrado tudo o
que recebeu por justiça, com toda a piedade, como já tendo sido
oferecido a Deus. Faça-o por si, se for capaz e experiente, ou
por outros escolhidos após sério exame e provas suficientes de
que sabem administrar com fidelidade e prudência. Esteja certo
de que é perigoso cedê-los aos parentes, ou distribuí-los por um
intermediário qualquer.
Se aquele a quem foram confiados os bens régios nada roubar
do que já foi acumulado, no entanto não lucrar, por certa
negligência, o que podia, não é absolvido do crime, a que juízo
pensamos serem submetidos os que dispensarem os bens já
dedicados ao Senhor com descuido e displicência? Acaso não
sofrerão o castigo dos negli-

65
gentes? Está escrito: Maldito aquele que faz com negligência a
obra do Senhor (Jr 48,10).
2. Tenhamos sempre a precaução de não darmos mostras de
menosprezar um mandamento, sob pretexto de cumprir um
outro. Não é decoroso disputarmos ou entrar em luta com os
iníquos (pois não convém a um servo do Senhor altercar, 2Tm
2,24), mas recordemo-nos a respeito dos parentes carnais que
agirem injustamente contra nós, da palavra do Senhor: Ninguém
há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou
mulher, ou filhos, ou terras, não simplesmente, mas por causa de
mim e por causa do Evangelho, que não receba já neste mundo cem
vezes mais e no mundo vindouro a vida eterna (Mc 10,29.30).
Convém declarar a esses ímprobos que pecam por sacrilégio,
conforme o preceito do Senhor, que disse: Se teu irmão tiver
pecado, vai e repreende-o, etc. (Mt 18,15). A piedade nos impede
um litígio contra eles diante do tribunal civil, de acordo com a
palavra: Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-
lhe também a capa (Mt 5,40). E: Quando algum de vós tem litígio
contra outro, como se atrevería ele ir a juízo perante os injustos, em
lugar de recorrer aos santos? (ICor 6,1). Chamemo-los a juízo
perante estes, dando importância maior à salvação de um irmão
do que à abundância das riquezas. Tendo dito o Senhor: Se te
ouvir, acrescentou: terás ganho, não riquezas, mas teu irmão (Mt
18,15).
Acontece que, a fim de se manifestar a verdade, quando
aquele que nos ataca injustamente apela não raro a um tribunal
ordinário, temos de nos submeter juntos a um mesmo processo,
sem que tenhamos agredido, mas apenas seguindo os que nos
citaram. Não atendemos a sentimentos próprios de ira ou de
disputa, mas simplesmente declaramos a verdade. Assim,
arrancá-lo-emos, também a ele, do mal, mesmo contra a sua
vontade, e não transgrediremos os mandamentos, como
ministros de Deus que não procuram litígios, não são avaros,
porém insistem, constantes, na manifestação da verdade, sem
jamais ultrapassarem a medida permitida do zelo.

66
QUESTÃO 10

SE DEVEM SER RECEBIDOS TODOS QUANTOS SE


APRESENTAM. OU QUAIS? DEVEM SER LOGO
ADMITIDOS? OU SÓ DEPOIS DE EXPERIMENTADOS? E
COMO?

Resposta
1. Nosso Salvador Jesus Cristo, Deus que ama os homens,
anuncia e diz: Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo,
e eu vos aliviarei (Mt 11,28). É, portanto, perigoso repelir os que,
por meio de nós, se aproximam do Senhor, querendo se
submeter a esse jugo suave e ao peso dos mandamentos, que nos
eleva até ao céu. Não consintamos, porém, que recebam as
santas instruções, senão depois de terem os pés lavados. Mas,
como Nosso Senhor Jesus Cristo interrogou acerca da vida pas-
sada o jovem que o procurava e, vendo que procedera bem, deu-
lhe preceitos sobre a realização do que ainda carecia para ser
perfeito, permitindo, então, que o seguisse, assim também nós
indaguemos acerca do passado daqueles que se apresentam.
Aqueles que já praticaram algum bem ensinemos uma doutrina
mais perfeita. Quanto aos que se converteram de uma vida má,
ou da indiferença passaram para uma vida melhor, no
conhecimento de Deus, convém perscrutar quais os seus
costumes e se são instáveis e inclinados às críticas.
2. Esses são suspeitos de inconstância. Nada lucram e ainda
prejudicam os outros, acarretando contra nossas obras injúrias,
mentiras e blasfêmias. Mas, como tudo se pode corrigir pela
diligência e o temor de Deus vence qualquer vício da alma, não
se desanime logo a respeito deles, mas sejam levados a
exercícios apropriados. Com o correr do tempo e por meio de
laboriosas práticas, teremos provas de seu propósito, e se virmos
que estão firmes, recebamo-los com segurança. Se não,
enquanto estão de fora sejam despedidos, a fim de que a
experi ncia n o prejudique a comunidade dos irmãos.

4. Atividade própria de candidatos à vida monástica.

67
r

É preciso verificar se quem anteriormente pecou vence o


falso pudor, acusa-se a si mesmo da torpeza oculta e ao mesmo
tempo incute rubor a seus companheiros no mal, afastando-se
deles, conforme a palavra: Apartai-vos de mim, vós todos que
fazeis o mal (SI 6,9); e ainda, se para o futuro se precavem de
recaída nos mesmos vícios.
Além disso, há um modo comum de provação, que consiste
em ver se alguém está pronto, superando a vergonha, a aceitar
qualquer humilhação, tal como exercer os ofícios mais vis, se a
razão mostrar a utilidade desse trabalho.
E se depois de todas as provações alguém for considerado
pelos que são capazes de julgar sabiamente estas coisas, como
um instrumento útil ao seu possuidor, preparado para toda obra
boa, seja enfim contado entre os que se entregaram ao Senhor.
Especialmente àquele que, oriundo de um gênero de vida
mais ilustre, à semelhança de Nosso Senhor Jesus Cristo, busca
a humildade, convém prescrever alguma coisa que aos de fora
pareça um opróbrio, e observar se sabe se portar plenamente
como um operário de Deus que não tem do que se envergonhar.

QUESTÃO 11
OS
ESCRAVOS
Resposta

Quaisquer escravos, ainda presos ao jugo, que se refugiarem


na comunidade dos irmãos, depois de instruídos e melhorados,
sejam mandados de volta a seus senhores, à imitação de São
Paulo que, tendo gerado pelo Evangelho a Onésimo, reenviou-o
a Filêmon (Fm 10.12). Persuadiu a um a que carregasse o jugo
da escravidão de modo agradável a Deus, tornando-se assim
digno do reino dos céus; ao outro exortou não só a desistir das
ameaças, lembrado do verdadeiro Senhor, que disse: Se
perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também
vos perdoará (Mt 6,14), mas a ter para com ele melhores
sentimentos,

68
escrevendo-lhe: Sem dúvida, ele se apartou de ti por algum tempo e
para que tu o recobrasses para sempre, mas já não como servo, e
sim, em vez de servo, como irmão caríssimo (Fm 15.16).
Se, porém, o senhor for mau, ordenar alguma coisa contra a
lei e forçar o escravo a transgredir os mandamentos do
verdadeiro dono Nosso Senhor Jesus Cristo, será preciso
combater para não ser blasfemado o nome de Deus, se o escravo
tiver feito alguma coisa que não agrada a Deus. Será uma luta,
ou do escravo que se há de preparar para sofrer com paciência o
que lhe for infligido, obedecendo mais a Deus do que aos
homens conforme está escrito (Mt 6,14); ou dos que o
receberam, suportando de maneira agradável a Deus as
provações que lhes advirão por causa dele.

QUESTÃO 12

COMO DEVEM SER RECEBIDOS OS

CASADOS Resposta
Aos vinculados em matrimônio e desejosos de abraçar tal
gênero de vida, é preciso indagar se o fazem de comum acordo,
segundo a ordem do Apóstolo, que diz: Não pode dispor de seu
corpo (ICor 7,4), e o recém-vindo seja assim recebido na
presença de várias testemunhas. Nada se prefira à obediência
devida a Deus. Se uma das partes não consente e se opõe, por
ser menos solícita do que agrada a Deus, lembre-se da palavra
do Apóstolo: Deus nos chamou para viver em paz (ibid., 15), e
cumpra-se o preceito do Senhor, que disse: Se alguém vem a mim,
e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, etc., não pode
ser meu discípulo (Lc 14,26). Nada, portanto, se prefira à
obediência a Deus. Sabemos nós que, freqüentemente, a oração
intensa e o jejum assíduo têm prevalecido para muitos, em
relação ao escopo de uma vida casta, porque o Senhor induz os
que se mostraram inteiramente obstinados, até mesmo por
necessidade física, a cederem diante de um juízo reto.

69
r

QUESTÃO 13
UTILIDADE DA PRATICA DO
SILÊNCIO PARA OS RECÉM-VINDOS

Resposta

É bom para os noviços também a prática do silêncio. Se


dominam a língua, darão simultaneamente boa prova de
temperança. Com o silêncio aprenderão junto dos que sabem
usar da palavra, com concisão e firmeza, como convém
perguntar e responder a cada um. Há um tom de voz, uma
palavra comedida, um tempo oportuno, uma propriedade no
falar, peculiares e adequados aos que praticam a piedade. Não os
aprende quem não tiver abandonado aquilo a que estiver
acostumado. O silêncio traz consigo o esquecimento da vida
anterior, em consequência da interrupção, e proporciona lazer
para o aprendizado do bem.
Assim, a não ser por questão especial atinente ao bem de sua
própria alma, ou por inevitável necessidade de um trabalho em
mãos, ou por negócio urgente, guarde-se silêncio, excetuada, é
claro, a salmodia.

QUESTÃO 14
DOS QUE SE DEDICARAM A DEUS E DEPOIS
TENTAM ANULAR SUA PROFISSÃO

Resposta

Se um dos que foram recebidos entre os irmãos faltar a sua


profissão, deve se considerar que pecou contra Deus, diante de
quem e a quem fez a declaração de seu pacto. Se um homem
pecar contra o Senhor, quem intervirá a seu favor? (lRs 2,25).
Quem se deu a Deus e depois passa a outro gênero de vida é
sacrílego, pois furta-se a si mesmo e rouba um dom consagrado
a Deus. É justo não lhe abrir a porta dos irmãos, nem mesmo se,
de passagem, pedir abrigo. É bem clara a regra do Apóstolo que
ordena fugir

70
mos do desordeiro e não termos comunicação com ele, a fim de
que fique confundido (2Ts 3,14).

QUESTÃO 15
QUAL A IDADE CONVENIENTE PARA A ENTREGA A
DEUS E QUANDO SE TORNA IRREVOGÁVEL A
PROFISSÃO

Resposta

1. Como diz o Senhor: Deixai vir a mim os pequeninos (Mc


10,14) e o Apóstolo louva aquele que desde a infância conheceu
as Sagradas Escrituras (2Tm 3,15), e preceitua que se eduquem
os filhos na disciplina e correção (Ef 6,4) do Senhor, julgamos
que qualquer tempo, mesmo o da primeira idade, convém para
recebermos os que se apresentam.
Recebamos espontaneamente os que perderam os pais, a fim
de, a exemplo de Jó, sermos pais para os órfãos (Jó 29,12).
Aqueles, porém, que estão sob os cuidados dos pais e foram
trazidos por eles, sejam recebidos diante de muitas testemunhas,
para não se dar uma ocasião aos que procuram um pretexto, mas
feche-se a boca dos injustos que proferem calúnias contra nós.
Recebamo-los, como foi dito; todavia não sejam logo contados e
enumerados como pertencentes ao corpo dos irmãos, a fim de
não suceder que, se eles se afastarem da meta, recaia a
repreensão sobre a vida segundo a piedade.
Sejam piamente educados como filhos da comunidade inteira
dos irmãos. Além disso, meninos e meninas tenham habitação e
alimentação separados, para não adquirirem demasiada
confiança ou ousadia desmedida para com os mais velhos.
Encontros mais espaçados preservarão a reverência devida aos
mais velhos, e as penas impostas aos mais perfeitos por causa de
alguma negligência nos deveres (se, acaso, se afastarem deles),
não farão surgir a facilidade de pecar, nem amiúde nascer
sorrateiramente o orgulho, se os meninos virem, por vezes, os
mais velhos falharem naquilo em que eles procedem bem.

71
Em nada difere do menino em idade, aquele que é de senso
pueril. Não é de admirar que em ambos se encontrem, muitas
vezes, os mesmos vícios. Se alguma coisa convém aos mais
velhos, em vista da idade, nem por isso ousem os jovens, por
conviverem com eles, fazê-la de modo inconveniente e
prematuro.
2. Por causa desta disposição e da gravidade no mais, sejam
distintas a habitação dos meninos e a dos mais velhos. Com isto,
a casa dos ascetas não será perturbada pelo ruído do aprendizado
necessário aos jovens.
As orações diárias determinadas sejam comuns aos meninos e
aos velhos.
Os meninos habituam-se, vendo o zelo dos mais idosos, à
compunção e estes são bem auxiliados na oração pelos meninos.
Exercícios e regimes de vida peculiares sejam destinados de
modo adequado aos meninos em relação ao sono, às vigílias e ao
tempo, à medida e à qualidade da alimentação.
Quem deve dirigi-los seja de idade provecta, mais experiente
que os demais, e tenha dado provas de longanimi- dade;
visceralmente paterno, corrija com palavras cheias de sabedoria
os pecados dos jovens e proporcione remédios convenientes a
cada delito de tal modo que, ao repreender por causa do pecado,
a correção se transforme em exercício para a aquisição da
imperturbabilidade da alma. Se, por exemplo, alguém se irritou
contra o companheiro, seja forçado a honrar e prestar serviço à
proporção de sua ousadia. O hábito da humildade corta a cólera,
ao passo que o orgulho com freqüência leva à ira. Alguém tomou
alimento fora de hora? Jejue quase o dia todo. Foi surpreendido
comendo, de maneira desmedida e sem polidez? À hora da
refeição seja privado de alimento e obrigado a observar como os
outros comem com boas maneiras, a fim de ser castigado com a
abstinência e aprender a boa educação. Proferiu alguém uma
palavra ociosa, uma ofensa ao próximo, uma mentira ou outra
coisa proibida? Aprenda a moderação pelo estômago vazio e
pelo silêncio.
3. O estudo das letras seja adequado ao fim. Usem-se, até
mesmo, nomes tirados das Escrituras; em vez de mitos, contem-
se-lhes histórias de feitos admiráveis. Aprendam as sentenças
dos Provérbios. Sejam-lhes prometidos prêmios

72
se aprenderem de cor nomes e fatos, de modo que atinjam a
meta com gosto e até distração, sem aborrecimentos e
obstáculos.
Assim, bem educados, facilmente obterão a atenção de
espírito e o costume de não divagar, se os mestres perguntarem
assiduamente onde têm o pensamento e o que revolvem na
mente. Pois, aquela idade simples e sem dolo, incapaz de
mentir, manifestará com facilidade os segredos da alma. Além
disso, para não serem surpreendidos constantemente a pensar no
que é proibido, fugirão dos pensamentos absurdos e
continuamente, abandonando os despropósitos, cairão em si,
receosos da vergonha das repreensões.
4. Sendo ainda o espírito do menino fácil de plasmar e
delicado, como em cera amolecida, sem dificuldade, nele se
gravam as formas que lhe são propostas; deve pois, logo de
início, ser conduzido ao exercício do bem. Chegando ao uso da
razão e já possuindo o hábito de discernir, estabeleça-se uma
linha de conduta feita dos elementos básicos e das formas
tradicionais da piedade, porque, enquanto a razão sugere o que é
útil, o hábito dá a facilidade de agir bem.
Pode, então, ser admitido à profissão da virgindade, que já
será irrevogável, porque feita com o devido conhecimento e
julgamento, com pleno uso da razão. Desde então, as recom-
pensas ou os castigos dos que pecarem ou dos que agirem bem,
serão concedidos pelo justo juiz, segundo o mérito das obras.
Sirvam de testemunhas desse propósito os pre- pósitos
eclesiásticos.
Assim, por intermédio deles, até a santidade do corpo será
considerada como uma coisa sagrada dedicada a Deus e a ação
será ratificada por meio do testemunho, porque pela boca de duas
ou três testemunhas se decida toda a questão (Mt 18,16). Desta
forma, o zelo dos irmãos não será caluniado e aos que fizerem
profissão na presença de Deus e depois tentam anulá-la, não se
deixará ocasião de um ato vergonhoso.
Quem, contudo, não quiser a vida virginal, por não ter
solicitude pelas coisas que são do Senhor, diante das mesmas
testemunhas, seja demitido.

73
г
Quem professar, porém, após grande deliberação e exame
(que lhe seja lícito fazer sozinho e por muito tempo para não
parecer uma espécie de rapto), seja recebido e contado na
comunidade dos irmãos, e participe da mesma habitação e
idêntico regime dos mais velhos.
Mas, esquecemo-nos de dizer, e seria oportuno acrescentar
aqui, que certos ofícios sejam aprendidos pelo menino e quando
alguns dos meninos já se mostrarem capazes de aprendê-los, não
é proibido que fiquem junto dos mestres desses mesmos ofícios.
à noite, contudo, voltem para junto dos companheiros, com os
quais igualmente devem tomar o alimento.

QUESTÃO 16
SE NECESSÁRIA A TEMPERANÇA PARA OS
QUE DESEJAM VIVER PIAMENTE

Resposta

1. É evidente ser necessária a temperança. Em primeiro lugar,


porque o Apóstolo enumera a temperança entre os frutos do
Espírito (G1 5,23). Segundo porque declara tornar-se por meio
dela imaculado nosso ministério, quando diz: Nos trabalhos, nas
vigílias, nos jejuns, pela castidade (2Cor 6,5). E em outra
passagem: ...trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede,
frequentes jejuns (2Cor
11,27) . E de novo: Todos os competidores se impõem a si toda a
espécie de abstinência (ICor 9,25).
Nada reprime tanto o corpo e o reduz à servidão como a
temperança. Contém o ardor da juventude e vence as dificuldades
em reprimir-lhe os impulsos, como um freio. Não convém ao
insensato viver entre delícias, diz Salomão (Pr
19,10) . Que há de mais insensato do que a carne bem tratada e a
juventude desencaminhada? Pelo que diz o Apóstolo: Não vos
preocupeis com a carne para satisfazer os seus desejos (Rm 13,14).
E: Aquela que vive nos prazeres, está morta, embora pareça viva
(lTm 5,6). O exemplo dos deleites do rico demonstra-nos que a
temperança nos é

74
necessidade para não ouvirmos a mesma sentença que ele:
Recebeste teus bens em vida (Lc 16,25).
2. Quão temível é a intemperança, mostra o Apóstolo ao
enumerá-la entre as propriedades da defecção: Nos últimos dias
haverá um período difícil. Os homens tornar-se-ão egoístas (2Tm
3,1 e 2); e enunciando várias espécies de maldades, acrescenta:
caluniadores, intemperantes (ibid. 3).
A intemperança de Esaú foi condenada como sendo o maior
de seus males, porque vendeu a primogenitura por uma iguaria
(Gn 25,33). E a primeira desobediência do homem proveio da
intemperança. Foi testemunhado que todos os santos possuíam a
temperança. Todas as vidas dos santos e bem-aventurados e o
próprio exemplo do Senhor, em seu advento na carne, são de
proveito para nós, neste sentido.
Moisés, por longa perseverança no jejum e na oração, recebeu
a lei e ouviu as palavras de Deus: Como um homem fala com o
seu amigo (Ex 33,11).
Elias foi considerado digno da visão de Deus, quando também
ela empregou de igual modo a temperança (lRs 19,8).
E Daniel, como foi que viu maravilhas? Não foi depois dos
vinte dias de jejum? (Dn 10,3). Como extinguiram os três jovens
a violência do fogo? Não foi pela abstinência? (Dn 1,8).
Igualmente João iniciou seu estado de vida pela abstinência (Mt
3,4; Lc 1,15).
Com ela o próprio Senhor começou sua manifestação (Mt
4,2).
Chamamos temperança não uma total abstenção de alimentos
(seria violenta destruição da vida), mas a privação dos deleites
para a destruição do senso carnal e obtenção do escopo da
piedade.
3. Em resumo, nós que seguimos o ritmo da piedade, preci-
samos da abstinência daqueles prazeres, apetecíveis aos que
vivem segundo as paixões.
Não somente na moderação do prazer do paladar se pratica a
temperança, mas se estende à privação de tudo o que possa
servir de obstáculo. O verdadeiro temperante não domina apenas
o ventre, e deixa-se superar pela glória humana; não supera os
desejos vergonhosos sem vencer igualmente as riquezas, ou
qualquer outro sentimento

75
r

ignóbil, como a ira, a tristeza ou os demais vícios que costumam


escravizar as almas grosseiras.
Dá-se em relação à temperança quase o mesmo que veri-
ficamos nos mandamentos; de tal modo são conexos que é
impossível cumprir um sem os outros. O temperante, quanto à
glória, é também humilde. Cumpre a medida evangélica da
pobreza quem é temperante diante das riquezas. Não se ira quem
contém a indignação e a cólera. A temperança perfeita torna a
língua comedida, os olhos recatados, os ouvidos não curiosos.
Quem assim não se mantém, é intemperante e licencioso. Vês
como ao redor deste único mandamento se reúnem os outros em
coro?

QUESTÃO 17
IMPORTA TAMBÉM CONTER O RISO

Resposta

1. Digno da atenção cuidadosa dos ascetas é aquilo que


muitos negligenciam. Ser dominado por um riso imode- rado e
imódico é sinal de intemperança, de movimentos de
intranqüilidade e de que a razão severa não reprime o rela-
xamento do espírito. Não é inconveniente mostrar expansão da
alma com um sorriso sereno, apenas para indicar o que foi
escrito: O coração contente alegra o semblante (Pr 15,13). Mas,
rir-se alto e sacudir-se involuntariamente não é próprio de quem
possui espírito tranqüilo, probo e senhor de si.
O Eclesiastes, reprovando essa espécie de riso, porque
prejudica a firmeza do espírito, declara: Do riso eu disse:
Loucura ! (Ecl 2,2). E: Como o crepitar dos espinhos va caldeira,
tal é o riso do insensato (ibid. 7,7).
O próprio Senhor sujeitou-se a quanto afeta forçosamen- te a
carne e serve de testemunho de virtude, tal o cansaço e a
comiseração pelos aflitos; nunca, porém, se riu, ao menos
quanto consta da história dos evangelhos. Antes chama infelizes
os que se riem (Lc 6,25).
Não nos engane a ambigüidade da palavra riso.

76
É comum que a Escritura denomine riso a alegria da alma e
um sentimento alegre, proveniente de um bem, como disse Sara:
Deus deu um motivo de riso (Gn 21,6). E: Bem-aventurados
vós, que agora chorais, porque rireis (Lc 6,21). Encontra-se em
Jó: A boca verdadeira se encherá de riso (Jó 8,21). Tais termos são
usados em lugar de hilaridade, que provém da alegria da alma.
Eis por que é perfeito temperante aquele que está acima de
qualquer paixão e não sofre o estímulo da volúpia, nem o
manifesta, mas permanece continente e forte contra todo deleite
nocivo. Este, evidentemente, está livre de qualquer pecado.
Algumas vezes temos a obrigação de nos abster mesmo de
coisas permitidas e necessárias à vida. Isto sucede quando, para
o bem de nossos irmãos, a abstinência está prescrita. Assim, o
Apóstolo: Se a comida serve de ocasião de queda a meu irmão,
jamais comerei carne (ICor 8,13). E tendo o direito de viver do
evangelho, não usou deste direito: para não pôr algum obstáculo
ao evangelho de Cristo (ibid. 9,12).
2. A temperança, pois, apaga os pecados, expulsa as paixões,
mortifica o corpo e até as paixões e os desejos naturais; é início
da vida espiritual, penhor dos bens eternos, extinguindo a
volúpia em si mesma. Esta é sempre a grande sedução do mal
que a nós homens inclina fortemente ao pecado. É uma espécie
de anzol, que arrasta a alma à morte. Portanto, quem não se
torna efeminado, nem se deixa dobrar por ela, evita todos os
pecados por meio da temperança.
Se alguém evita a maior parte deles, mas se deixa vencer por
um só, já não é mais continente, como quem sofre de uma só
doença corporal já não está são. Quem se sujeita ao domínio de
um só, seja de quem for, já não é mais livre.
As demais virtudes praticadas às ocultas raramente chamam a
atenção dos homens; a temperança, porém, já no primeiro
encontro revela quem a possui. Como a corpulência e a boa cor
caracterizam o atleta, assim a magreza e a palidez proveniente
da continência denotam que o cristão é, de fato, atleta dos
mandamentos de Cristo. Na fraqueza do corpo vence o inimigo
e evidencia sua força

77
nos combates da piedade, segundo a palavra: Quando vejo em
fraqueza, então é que sou forte (2Cor 12,10).
Só em ver o continente tira-se grande proveito. Mal toca, e
com parcimônia, nas coisas necessárias, como que cumprindo
um ministério oneroso, devido à natureza, e lastima o tempo
nisto gasto, levantando-se da mesa com prontidão para praticar
as boas obras. Julgo que não há palavra que abale tanto o
intemperante na comida e o leve à mudança como ver um
homem temperante.
E isto é, ao que parece, comer e beber para a glória de Deus,
de modo que até à mesa brilhem nossas boas obras para a
glorificação de nosso Pai que está nos céus.

QUESTÃO 18
SE CONVEM PROVAR DE TUDO QUE PÕEM DIANTE DE
NÓS

Resposta

Para reprimir o corpo é necessário que se estabeleça, aos que


combatem pela piedade, que a temperança lhes é indispensável,
pois todos os competidores a si impõem toda espécie de abstinência
(ICor 9,25). Para não cairmos, contudo, como os inimigos de
Deus, que têm cauterizada a própria consciência e por isso se
abstêm dos alimentos que Deus criou para serem tomados com
ações de graças pelos fiéis, convém provar de cada um, se
houver ocasião, de sorte a mostrar aos que vêm que tudo é puro
para os que são puros (Tt 1,15), que toda criatura de Deus é boa e
que nada deve ser rejeitado do que se toma com ação de graças,
pois isso se torna santificado pela palavra de Deus e pela oração
(lTm 4,4.5). Assim seja guardada a temperança:
Usem-se os alimentos mais simples e indispensáveis à vida, à
medida que for necessário, e evite-se o mal da saciedade,
abstendo-se inteiramente de todos os manjares deliciosos. Deste
modo eliminaremos o vício do amor às delícias, e curaremos, à
medida que depender de nós, aqueles que têm cauterizada a
consciência; em ambos os casos,

78
livrar-nos-emos de suspeitas. Por que razão seria regulada a minha
liberdade pela consciência alheia? (ICor 10,29).
A temperança indica aquele que morreu com Cristo e
mortificou seus membros terrestres. Sabemos que ela é a mãe da
castidade, protetora da saúde, e que elimina per- feitamente os
obstáculos às obras fecundas em Cristo; porque, segundo a
palavra do Senhor, os cuidados do mundo, os prazeres da vida e
as demais concupiscências sufocam a palavra e a tornam
infrutuosa (Mt 13,22). Dela fogem os demônios, como nos
ensinou o Senhor: Quanto a esta espécie de demônios, só se pode
expulsar à força de oração e de jejum (Mt 17,20).

QUESTÃO 19
QUAL A MEDIDA DA CONTINÊNCIA

Resposta

1. Em relação aos vícios da alma, uma só é a medida da


continência: a total abstenção do que produz um prazer culpado.
Quanto aos alimentos, como diferem as necessidades de cada um,
conforme a idade, o gênero de vida e a saúde corporal, também a
medida e o modo de empregá-los são diversos. É, portanto,
impossível abranger numa só regra todos os que exercitam a
piedade.
Permitimos aos prepósitos à administração modificarem
prudentemente a medida estabelecida para os ascetas em gozo de
boa saúde, adaptando-a às condições de cada um. Não é possível
abarcar tudo nestas disposições, mas somente quanto depende de
princípios comuns e gerais. Quanto à alimentação, os superiores
proporcionem sempre o alívio conforme a necessidade aos
enfermos, ou reconforto aos fatigados de outro modo por
trabalhos intensos, ou aos que vão enfrentar uma fadiga, por
exemplo, uma viagem ou outro árduo labor. Façam o que foi dito:
Dividia-se por todos segundo a necessidade de cada um (At 2,45).
Não se pode determinar para todos a mesma hora, o mesmo
modo, nem igual medida para a alimentação. Mas haja um só
escopo: satisfazer às necessidades. Sobrecar

79
regar o estômago ou fartar-se de alimentos é digno de maldição,
pois diz o Senhor: Ai de vós os que agora estais fartos! (Lc 6,25).
A saciedade toma também o corpo incapaz para o trabalho,
propenso ao sono e predisposto aos distúrbios. A alimentação
não tem por finalidade a satisfação do paladar, mas é
indispensável à vida, devendo ser contida a intemperança do
prazer. Servir aos prazeres nada mais é do que fazer do ventre o
seu deus. Desde que nosso corpo continuamente se esvai e
diflui, precisa de refeição; é por isto que o apetite é natural. A
razão equilibrada exige o uso de alimentos sólidos ou líquidos
para a conservação do ser vivo, suprindo o que foi consumido.
2. Assim devemos proceder se, com simplicidade, queremos
atender às necessidades. Foi o que o próprio Senhor demonstrou
quando alimentou a multidão cansada, para não desfalecer no
caminho, conforme está escrito (Mt 15, 32). Embora pudesse
acentuar o milagre no deserto exco- gitando um lauto banquete,
preparou-lhes um alimento leve e frugal, isto é, pão de cevada,
e, com o pão, um pedaço de peixe (Jo 6,9). Não mencionou a
bebida, porque a água que brota naturalmente e basta para o
necessário está ao alcance de todos. A menos que, por doença,
esta bebida seja prejudicial; então dever-se-ia evitá-la, como
Paulo aconselha a Timóteo (lTm 5,23).
Igualmente tudo quanto certamente faz mal, seja recusado.
Seria incongruente tomar para sustentar o corpo um alimento
que suscitasse incômodos para o mesmo, obstaculizando-lhe o
cumprimento dos mandamentos. Este exemplo habitua a alma à
fuga do que é prejudicial, mesmo se agradável.
Em todo o lugar, tenha preferência o que é mais fácil de se
adquirir, a fim de que, sob pretexto de temperança, não
procuremos ansiosamente as coisas mais caras e custosas, nem
temperemos os alimentos com os mais apreciados condimentos;
mas, em cada região, seja preferido o que for mais fácil de obter,
mais vulgar e mais acessível a todos.
Dentre os alimentos importados usemos somente os mais
indispensáveis à vida, como o óleo e outros semelhantes, e o que
for conveniente para alívio dos debilitados; e que possa ser
arranjado sem muito trabalho, perturbação e solicitude.

80
QUESTÃO 20

COMO HÁ DE SER A REFEIÇÃO DOS HÓSPEDES

Resposta

1. A vangloria, o desejo de agradar aos homens e a ostentação


são completamente proibidos ao cristão, em todos os seus atos.
Quem praticar o mandamento para ser visto e exaltado pelos
homens, perderá a sua recompensa. Aqueles que abraçaram, por
causa do mandamento do Senhor, toda a espécie de humildade,
fujam absolutamente de qualquer gênero de vangloria.
Se vemos os de fora envergonharem-se da humilhação da
pobreza e ao receber um hóspede porem com cuidado lauta e
suntuosa mesa, receemos ser também nós, sorrateiramente,
atingidos de idêntico mal e venhamos a ser surpreendidos
corando da pobreza que Cristo chamou bem- aventurada (Mt
5,3). Como não nos convém adquirir fora vasos de prata, véus de
púrpura, leitos macios ou vestes brilhantes, assim também não
devemos excogitar alimentos muito em desacordo com nosso
regime de vida.
Não só é vergonhoso, e dissonante do fim que nos pro-
pusemos, correr à busca do supérfluo, criado para um mísero
prazer ou vangloria prejudicial, mas ainda causa enorme
prejuízo, se os que vivem nas delícias e limitam sua felicidade
aos prazeres do estômago, vêem-nos também voltados para os
mesmos cuidados que os apaixonam. Se os deleites são ilícitos,
temos de evitá-los e nunca aceitá-los. Nada do que foi reprovado
pode, em tempo algum, ser oportuno.
A Escritura condena os que vivem em delícias, que se untam
com os melhores ungüentos, que bebem os vinhos mais finos
(Am 6,6). Diz-se que a viúva que vive em deleites, embora viva, está
morta (lTm 5,6).
O rico foi privado do paraíso por causa desses banquetes (Lc
16,22). Que temos nós a ver com as mesas suntuosas? Chegou
um hóspede? Se é um irmão e segue a mesma vida, reconheça na
nossa a sua própria mesa. Encontrará junto de nós o que deixou
em casa. Mas está cansado da via-

81
г
gem? Oferecer-lhe-emos quanto for exigido para aliviar-lhe a
fadiga.
2. Veio alguma pessoa de fora? Aprenda pelas obras aquilo a
respeito de que por meio da palavra não se conseguiu persuadi-
la. Veja o exemplo, o modelo da frugalidade. Guarde a
lembrança da mesa dos cristãos e da pobreza suportada sem
rubor por causa de Cristo. Se não se impressiona com isto e
antes ridiculariza, não nos incomodará segunda vez.
Quando vemos alguns ricos que consideram como bens
precípuos o gozo das delícias, lastimamo-los muito, porque
desperdiçam a vida em vaidades e divinizam os prazeres. Sem o
perceberem, recebem sua parte de bens nesta vida e pelas
delícias presentes precipitam-se no fogo ardente que lhes está
preparado. Se tivermos oportunidade, não hesitemos em dizê-lo
a eles mesmos. Se, porém, para nos pormos a sua altura, à
medida de nossos meios, procurarmos as iguarias e lhas
prepararmos por ostentação, receio que estejamos a destruir o
que, na aparência, construímos, e sejamos condenados pelo que
julgamos mal nos outros. Constituiría simulação em nossa vida,
à qual damos variadas formas; a não ser que mudemos também
de hábito, quando vamos nos encontrar com os orgulhosos. Se é
vergonhoso agir assim, mais ainda o seria preparar diversamente
nossa mesa por causa dos glutões.
A vida do cristão é constante e igual a si mesma, porque tem
um só escopo, a glória de Deus; Quer comais, quer bebais, ou
façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus (ICor
10,31), diz São Paulo, que falava em Cristo. A vida dos de fora
é multiforme e vária, passando de um a outro estilo, ao sabor
dos visitantes.
3. Se preparas com variedade e excessivo apuro os alimentos
para dar prazer a teu irmão, tu o acusas de apego às delícias e
lhe exprobras a gula pelo que lhe ofereces, censurando-lhe este
prazer. Não se pode, acaso, muitas vezes conjecturar quem é, ou
como é, o visitante esperado, só de lançar um olhar à
apresentação e ao preparo da mesa? O Senhor não elogiou a
Marta, dispersa na contínua lida, mas disse: Andas muito inquieta
e te preocupas com muitas coisas (Lc 10,41.42); no entanto,
poucas ou an-

82
tes uma só coisa é necessária. Poucas, refere-se ao preparo; uma,
ao fim, isto é, atender à necessidade.
Ninguém ignora qual alimento ofereceu o próprio Senhor aos
cinco mil.
E Jacó fez a Deus o seguinte voto: Se der, disse, pão para
comer e roupa para vestir... (Gn 28,20). Não disse: Se me
deres delícias e suntuosidade.
O que diz o sábio Salomão? Não me dês nem pobreza, nem
riqueza; concede-me o pão que me é necessário, para que, saciado,
eu não te renegue e não diga: Quem me vê? Ou que, pobre, eu não
roube e não per jure o nome de meu Deus (Pr 30,8-9). Chama
riqueza à saciedade, e pobreza à penúria completa do
indispensável à vida. Indicou, simultaneamente, que a
suficiência não é nem indigência, nem superabundância do
necessário.
O grau de suficiência difere de um a outro, conforme o estado
de saúde e a necessidade do momento. Um precisa de alimento
mais forte e em maior quantidade, devido ao labor; outro, de
mais fraco e mais leve, de acordo em tudo com a própria
fraqueza; mas, em geral, necessitam todos do mais simples e
mais fácil de adquirir. Em tudo, no entanto, é preciso cuidado e
farta mesa sem que nunca se excedam os limites da necessidade.
A norma da hospitalidade seja procurar atender às necessidades
de cada um dos recém-vindos.
Diz-se: Os que usam deste mundo mas sem abuso (ICor 7,31).
Abuso seria a prodigalidade, além da necessidade. Mas se temos
riquezas? Oxalá não as tenhamos. Mas não estão repletos os
nossos celeiros? Vivemos o dia-a-dia e o sustento provém do
trabalho de nossas mãos. Por que, então, desperdiçar em iguarias
para os de paladar delicado o alimento que Deus dá para os
famintos? Pecaríamos duplamente, aumentando de um lado as
tribulações da miséria e, de outro, os incômodos da saciedade.

83
QUESTÃO 21

COMO NOS SENTAMOS OU NOS RECLINAMOS


FOR OCASIÃO DO JANTAR OU DA CEIA

Resposta

Uma vez que o Senhor, para nos acostumar à humildade em


toda a parte, ordenou que, ao nos reclinarmos para o jantar,
ocupássemos o último lugar (Lc 14,10), é dever daquele que se
empenha em fazer tudo de acordo com o mandamento não
desdenhar este preceito. Se alguns seculares se reclinarem em
nossa companhia, convém dar-lhes o exemplo de não se
ensoberbecerem, nem procurarem o primeiro lugar. Como todos
têm, de comum acordo, o escopo de darem sempre provas de
humildade, convém que, segundo o mandamento do Senhor,
procure cada qual o último lugar: no entanto, se houvesse
rivalidade para obtê-lo, este modo de agir seria reprovável,
porque causaria desordem e agitação. Se mutuamente não
quisermos ceder e discutirmos por isso, assemelhar-nos-emos
aos que disputam o primeiro lugar. Eis por que, discernindo e
procurando prudentemente também nisso o que nos convém,
deixamos a ordem dos lugares a cargo do hospedeiro. O Senhor
sugeriu dizendo que cabe ao dono da casa. Portar-nos-emos
assim com caridade mútua, fazendo tudo com dignidade e
ordem. Demonstraremos que não é por ostentação na presença
de muitos, nem para alcançar popularidade, que buscamos a
humildade com teimosia obstinada e veemente; antes será pela
obediência que exerceremos a humildade. Disputar seria maior
indício de orgulho do que aceitar o primeiro lugar quando nos
ordenarem que o tomemos.

QUESTÃO 22

QUAL A VESTE CONVENIENTE PARA O CRISTÃO

Resposta
1. Acima ficou demonstrado serem indispensáveis a hu-
mildade, a simplicidade, a aceitação em tudo do que é

84
barato, pouco dispendioso, para diminuirmos as ocasiões de nos
dispersarmos por causa das exigências do corpo. Assim convém
seguir o mesmo em relação às vestes.
Se devem todos procurar ser os últimos, também quanto ao
vestuário é evidente ser preferível o de pior qualidade. Os que
ambicionam a glória, andam à sua caça até pelas vestes e
buscam atrair os olhares e a consideração através da
magnificência dos vestidos; por esta razão, quem pela hu-
mildade reduziu sua vida a ínfima condição, também quanto a
isto deve aceitar o que é de qualidade inferior.
Como os coríntios, na ceia em comum (ICor 11,22), foram
repreendidos porque envergonhavam com sua sun- tuosidade os
que nada tinham, assim, no emprego habitual e externo das
vestes, quem ultrapassar o modo de trajar vulgar, por uma
espécie de comparação, incute vergonha ao pobre. Diz o
Apóstolo: Não aspireis a coisas altas, mas acomodai-vos às
humildes (Rm 12,16). Considere cada um consigo mesmo se
convém mais aos cristãos assemelharem- se aos que vivem nos
palácios dos reis e vestem roupas luxuosas ou ao anjo e arauto
da vinda do Senhor: Entre os filhos das mulheres não surgiu
outro maior. Digo João, o filho de Zacarias (Mt 11,8-11), cuja
vestimenta era de peles de camelo (Mt 3,4). Também
antigamente os santos andaram errantes, vestidos de peles de
ovelhas e de cabra (Hb 11,37).
2. O apóstolo indicou qual a finalidade das vestes, numa
palavra: Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto (lTm
6,8). Sugere ser necessário apenas com que nos cobrirmos. Não
caiamos pois na vaidade proibida da variedade e dos adornos
que dela se originam, para não dizer coisa pior. Foram,
finalmente, algumas artes ociosas e vãs que as introduziram na
vida. Conhece-se quais foram as primeiras vestes dadas por
Deus aos necessitados. Fez-lhes, diz-se, Deus veste de peles (Gn
3,21). Para cobrir as partes menos honrosas, bastavam essas
túnicas. Mas como há simultaneamente um outro fim, o de nos
agasalharmos, forçoso foi aplicá-las para ambas as finalidades:
revestir as partes menos decentes e servir de proteção contra as
intempéries.
E se entre as vestes, umas são mais úteis e outras menos,
prefiram-se as que prestem maior número de serviços,

85
sem lesar a pobreza. Não devemos arranjar algumas para
ostentação e outras para uso diário; nem umas diurnas e outras
noturnas. Mas procuremos uma roupa que sirva para tudo:
manto decente para o dia e coberta necessária para a noite.
Assim teremos todos o mesmo hábito.
Dê-se a conhecer o cristão por uma nota peculiar, até na
maneira de vestir. Todos os que visam o mesmo fim, têm em
muitas coisas idêntico cunho.
3. É bom ainda que as vestes sejam características, porque
servem de prévio anúncio e atestado da profissão de viver para
Deus. Assim, os que nos encontram exigirão de nós ações
condizentes com tal promessa.
Difere em grau o que é inconveniente ou vergonhoso num
homem da plebe ou numa pessoa de compromissos mais
elevados. Um homem do povo ou de origem obscura, se apanha
ou bate em público, se diz palavras inconvenientes, se freqüenta
tabernas ou pratica ações vergonhosas semelhantes a essas, não
chama logo a atenção, pois compreende-se que age de maneira
conseqüente com seu modo de viver. Mas, se o que professa
perfeição negligenciar, por mínimo que seja, suas obrigações,
todos o observam e lançam-lhe em rosto este opróbrio, fazendo
conforme foi dito: Voltando-se contra vós, vos despedacem (Mt
7,9). O compromisso que o hábito constitui por si só é uma
espécie de pedagogia para os fracos, que os afasta dos vícios,
mesmo contra a vontade.
Como a farda é própria do soldado, diversa é a veste do
senador e outros usam roupa característica da respectiva
dignidade, assim é plausível e conveniente haver uma veste
peculiar ao cristão, que conserve o modo de trajar recomendado
pelo Apóstolo. Determinou que o bispo ande bem arranjado
(lTm 3,2), que a roupa das mulheres seja adornada (lTm 2,9), de
modo que se entenda a palavra ornato segundo o sentido próprio
no cristianismo. O mesmo digo dos sapatos; sempre se prefira o
menos extravagante, mais barato e que satisfaça à necessidade.

86
QUESTÃO
23 O CINTO

Resposta
Os santos das épocas anteriores manifestam ser necessário o
cinto.
João cingia os rins com um cinto de couro (Mt 3,4); já antes
dele, Elias. Está escrito como característica sua: Era um homem
coberto de peles e que trazia um cinto em volta ãos rins (2Rs 1,8).
Pedro também usava cinto, o que se evidencia das palavras
do anjo: Cinge-te e calça as tuas sandálias (At 12,8). Igualmente
se pode verificar que São Paulo usava cinto, pela profecia de
Ágabo a seu respeito: Assim, em Jerusalém, ligarão o homem a
quem pertence este cinto (ibid. 21,11).
E o Senhor ordena a Jó que se cinja, como símbolo de ânimo
viril e pronto para obrar, ao dizer: Cinge os teus rins como um
homem (Jo 38,3).
É evidente ter sido habitual a todos os discípulos do Senhor
usar cinto, pois foi-lhes proibido levar dinheiro nos cintos (Mt
10,9).
Aliás, é indispensável a quem quer por si fazer um trabalho
cingir-se e ter movimentos livres. Daí vem a necessidade do
cinto, para a túnica se ajustar ao corpo. Se forem bem
distribuídas as pregas, isto ajudá-lo-á a ter movimentos
desimpedidos.
Por esta razão, também o Senhor, quando se preparava para
prestar o ministério aos discípulos, pegando duma toalha,
cingiu-se (Jo 13,4).
Acerca da quantidade das vestes nada precisamos dizer, uma
vez que dispusemos o suficiente ao tratarmos da pobreza. Se,
pois, ordena-se a quem tem duas túnicas dar uma a quem não
tem (Lc 3,11), é claro ser proibido ter muitas só para si. Para
aquele a quem é vedado ter duas túnicas, de que serve legislar
sobre o uso delas?

87
1
QUESTÃO 24

TUDO ISSO NOS FOI BEM TRANSMITIDO. CONVIRÍA


AGORA APRENDERMOS COMO CONVIVER

Resposta

Tendo dito o Apóstolo: Mas faça-se tudo com decência e ordem


(ICor 14,40), julgamos ser honesto e bem ordenado um modo de
viver na sociedade dos fiéis que salvaguarde a relação de
membros de um só corpo. Que a um se faculte ser olho,
entregando-se-lhe o cuidado dos bens comuns; examinará o que
já tiver sido feito e preverá e considerará o que há de fazer. Um
outro fará de ouvidos ou de mãos: ouvirá ou fará o que convier;
e assim por diante, cada um terá a sua atribuição. Saibam que,
entre os membros, é perigoso para um descuidar-se do que lhe
compete ou usar de um outro membro para fim diverso daquele
em vista do qual Deus o fez. Se a mão ou o pé não obedecerem
à direção do olho, a primeira tocará forçosa- mente em coisas
perniciosas para a ruína do todo; o segundo tropeçará ou mesmo
se precipitará num abismo. Se o olho se fechar para não ver,
necessariamente também ele perecerá com os demais membros,
que sofrerem o que foi dito. Assim, ao prepósito é perigoso
qualquer descuido, porque ao ser julgado dará contas de todos.
Ao súdito, a desobediência é detrimento e dano. Pior ainda, se
ele escandalizar os outros.
Todo aquele que, em seu próprio lugar, mostrar um zelo
incansável e cumprir o preceito do Apóstolo que diz: Não
relaxeis o vosso selo (Rm 12,11), receberá o louvor devido à sua
solicitude; se, ao invés, for negligente, será denominado infeliz
e merecerá aquele ai: Maldito, diz-se, aquele que fez com
negligência a obra do Senhor (Jr 48,10).

88
QUESTÃO 25

TERRÍVEL O JUÍZO DO SUPERIOR QUE NAO


REPREENDER OS QUE PECAM

Resposta

1. Por esta razão, aquele ao qual foi confiada a direção de


todos, considere que terá de certo modo de dar contas de cada
um. Na verdade, se um dos irmãos cair em pecado por não lhe
haver ele antes anunciado os juízos de Deus, ou se permanecer
na queda por não lhe ter o superior ensinado o modo de se
corrigir, o sangue dele será requerido das suas mãos (Ez 3,20),
como está escrito; mas, principalmente, se negligenciar, não por
ignorância, alguma das coisas que agradam a Deus, mas se, por
conivência com os vícios de cada um, arruinar a austeridade da
vida comum. Os que te chamam bem-aventurado, diz-se, esses
mesmos te enganam e destroem o caminho por onde tu passas (Is
3,11). Aquele que vos perturbar, responderá por isto; seja quem for,
sofrerá a condenação (G1 5,10). Para não sofrermos tal coisa,
cabe-nos seguir a regra apostólica nos colóquios com os irmãos.
Nunca usamos de adulação, como sabeis, nem fomos levados por
interesse algum. Deus é testemunha. Não buscamos as glórias
humanas, nem de vós, nem de outros (lTs 2,5-6).
2. Quem está livre destes vícios, poderá, talvez, sem erro,
orientar, de maneira proveitosa para si, e salutar para os que o
seguirem. Aquele que está verdadeiramente estabelecido na
caridade e não age no intuito de obter honras humanas, nem para
evitar ofender aos delinqüentes e ser- lhes suave e grato,
anunciará a palavra com liberdade, sinceridade e pureza, porque
em nada quer adulterar a verdade. São-lhe bem aplicáveis as
seguintes palavras: Fizemo- nos discretos no meio de vós. Qual
mãe que com ternura cuida dos filhos, assim em Tiossa ternura por
vós desejá- vamos não só comunicar-vos o Evangelho de Deus, mas
até a nossa própria vida (lTs 2,8). Quem assim não proceder, é
um guia cego e lança-se no precipício, arrastando juntamente
consigo os que o seguem.

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Do acima referido se vê o grande mal em ser para o irmão, ao
invés de direção segura, causa de erro. Além do mais, é sinal de
que o mandamento da caridade não foi cumprido. Não há pai
que veja o filho em perigo de cair numa fossa, ou já caído, e o
abandone na queda. Quem pode dizer quanto é pior abandonar
na perdição a alma que caiu no abismo dos males?
É dever, portanto, vigiar pelas almas dos irmãos e preocupar-
se com a salvação de cada um deles, pois disso há de prestar
contas. Preocupar-se, até à morte mostrar solicitude para com
eles, não só seguindo a palavra do Senhor sobre a caridade,
dirigida a todos geralmente: Que cada um dê a sua vida por seus
amigos (Jo 15,13), mas também aquela especial dita pelo
Apóstolo: Em nossa ternura por vós desejavamos não só
comunicar-vos o Evangelho de Deus, mas até a nossa própria vida
(lTs 2,8).

QUESTÃO 26
DE QUE TUDO, ATÉ MESMO OS SEGREDOS
DO CORAÇÃO, DEVE SER MANIFESTADO
AO SUPERIOR

Resposta

O súdito que quiser fazer grande progresso e permanecer


num estado de vida segundo os preceitos de Nosso Senhor Jesus
Cristo, não oculte nenhum dos sentimentos da alma, nem profira
palavras inconsideradas, mas descubra os segredos do coração
aos irmãos aos quais foi confiado o cuidado de curar os fracos
com misericórdia e compaixão. Deste modo consolida-se o que
é louvável e ao que é reprovável aplicam-se remédios
apropriados. Esta mútua ascese, por um progresso lento, leva-
nos a adquirir a perfeição.

90
QUESTÃO 27

O PRÓPRIO SUPERIOR, SE ERRAR, SEJA


ADVERTIDO PELOS IRMÃOS MAIS ANTIGOS
DA COMUNIDADE

Resposta

Como o superior em tudo deve ser o guia da comunidade dos


irmãos, assim, vice-versa, aos demais toca adverti- lo, se o
superior foi suspeito de um delito. Para não arruinar a disciplina,
a advertência compete aos mais avançados tanto em idade
quanto em prudência. Se houver algo merecedor de correção,
auxiliaremos a um irmão e através dele, a nós mesmos, fazendo
voltar ao bom caminho aquele que é uma espécie de regra de
nossa própria vida e que deve redargüir os nossos desvios com
sua retidão. Se, porém, foi em vão que se perturbaram alguns,
persuadidos, pela evidência, da falsidade de sua suspeita, ver-se-
ão livres da suposição.

QUESTÃO 28
COMO SE COMPORTARÃO TODOS EM
RELAÇÃO A UM DESOBEDIENTE

Resposta

1. Em primeiro lugar, todos se compadeçam, como de um


membro doente, de quem obedece aos mandamentos do Senhor
com negligência. O superior tente curar esta doença com
exortações oportunas. Mas, se ele perseverar na sua obstinação,
e não aceitar a correção, seja repreendido mais severamente
diante de toda a comunidade dos irmãos, e tratado com toda a
espécie de admoestações. Se não se emendar após muitas
advertências e não quiser por si sanar seu modo de agir, sendo
para si mesmo uma peste, como diz o provérbio, com muitas
lágrimas e gemidos, seja amputado do corpo como um membro
gangrena-

91
do e completamente inútil, à imitação do que fazem os médicos.
Se estes encontram um membro atingido de doença incurável,
para que a infecção não se alastre muito e não contagie as partes
contíguas e próximas, costumam tirá-lo, cortando ou
cauterizando.
Assim façamos também nós, com os que odeiam e impedem
os mandamentos do Senhor, segundo o preceito do Senhor, que
diz: Se o teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e
lança-o longe de ti (Mt 5,29). Quem lhes mostra amizade, imita a
bondade desordenada de Heli, argüida por não ter sido
empregada para com os filhos de modo agradável a Deus (lRs
3,13). Fingir bondade para com os maus seria trair a verdade,
armar insídias à comunidade e facilitar a indiferença diante do
pecado. De modo algum realiza o que foi escrito: Nem tendes
manifestado tristeza para que seja tirado dentre vós o que cometeu
tal ação? (ICor 5,2). Forçosamente acontece o que se segue: Um
pouco de fermento leveda a massa toda (ibid. 6). Aos faltosos, diz
o Apóstolo, repreende-os diante de todos (ITm 5,20), e acrescenta
imediatamente a causa, quando diz: Para que também os demais
se atemorizem.
2. Em resumo, aquele que não aceita bem o corretivo
ministrado pelo superior, é inconseqüente consigo mesmo. Se
recusa submeter-se e defende sua própria vontade, por que
permanece em companhia dele? Por que o declara pre- posto à
sua vida?
Uma vez que consentiu em ser agregado ao corpo da
comunidade dos irmãos, se foi considerado instrumento idôneo
para um serviço, mesmo no caso de julgar que a ordem está
acima de suas forças, deixará a responsabilidade a quem ordena
o que ultrapassa suas forças e mostrar- se-á dócil e obediente até
a morte, lembrado do Senhor que se tornou obediente até a morte
e morte de cruz (F1 2,8).
Rebelar-se e contradizer seria demonstrar muitos males:
doença na fé, dúvida na esperança, orgulho e soberba nos
costumes. Ninguém desobedece sem ter antes menosprezado
quem tal determinou. Se alguém acredita nas promessas de Deus
e deposita nelas firme esperança, não hesitará nem ainda quando
as ordens são árduas, sabendo que os sofrimentos da presente vida
não têm proporção alguma com a glória futura que deve ser
manifestada (Rm

92
8,18). E, persuadido de que quem se humilhar, será exaltado (Mt
23,12), mostrará maior prontidão ainda do que espera quem
manda, ciente de que a nossa presente tribulação, momentânea e
ligeira, produz em nós um peso eterno de glória incomensurável
(2Cor 4,17).

QUESTÃO 29
ORGULHO OU MURMURAÇÃO NO TRABALHO

Resposta

Não se junte a obra de quem murmurar ou que for sur-


preendido a se orgulhar às dos humildes de coração e de espírito
contrito; os piedosos não a utilizem de modo algum. Porque o
que é elevado aos olhos dos homens é abominável aos olhos de Deus
(Lc 16,15). Há outro preceito do Apóstolo assim formulado:
Nem murmureis, como murmuraram alguns deles e foram mortos
pelo exterminaãor (2Cor 10,10). E: Sem tristeza nem
constrangimento cada um dê segundo propôs em seu coração, pois
Deus ama ao que dá com alegria (2Cor 9,7). Não se aceite sua
obra como sendo um sacrifício abominável. Não convém
misturá-la às obras dos demais. Se os que ofereceram ao altar
um fogo estranho experimentaram tal ira (Lv 10,1.2), como seria
inofensivo utilizar na prática dos mandamentos o trabalho
resultante de um ânimo infenso a Deus? Que união pode haver
entre a justiça e a iniquidade? Ou que parte tem o fiel com o infiel?
(2Cor 6,14.15). Por esta razão se diz: O iníquo que imola um boi
é como o que parte a nuca de um cão e o que apresenta a oblação é
o que derrama sangue de porco (Is 66,3). Daí ser mister remover
da comunidade dos irmãos as obras do preguiçoso e do rebelde.
É preciso que os superiores zelem muito por isto. Que não se
destrua o preceito daquele que disse: Será meu ministro o que
segue o caminho reto. O soberbo não há de morar jamais em minha
casa (SI 100,6.7). Não consintam permaneça em sua
perversidade aquele que junta ao preceito o pecado, ou
contamina a obra por unir ao trabalho

93
a preguiça ou o orgulho da própria suficiência, porque os que o
acolherem tomam-no insensível aos próprios males.
Persuada-se o superior de que se não dirigir a seu irmão como
convém, atrairá sobre si ira grave e inevitável. Pedir- se-á conta
de seu sangue a este (Ez 3,18), segundo está escrito.
O súdito se disponha a cumprir sem preguiça qualquer ordem,
mesmo se dificílima, certo de que sua recompensa será grande
nos céus. Rejubile ao obediente a esperança da glória, a fim de
realizar a obra do Senhor com grande alegria e paciência.

QUESTÃO 30
QUAL DEVE SER A ATITUDE DOS SUPERIORES AO
CUIDAREM DOS IRMÃOS

Resposta

Não se exalte o superior por causa da dignidade, para não


perder a bem-aventurança prometida à humildade (Mt 5,3), nem
envaidecido venha a cair na mesma condenação do demônio
(lTm 3,6); mas esteja persuadido de que ter muitos a seu
cuidado é servir a muitos. Como aquele que serve a muitos
feridos, tira o pus de cada ferida, aplica remédios de acordo com
a natureza do mal e não faz deste ministério ocasião de soberba,
mas antes de humildade, de solicitude e de luta, assim, e até
mais, o encarregado de tratar das doenças dos irmãos, servo de
todos e que de todos há de prestar contas, deve ser refletido e
solícito. Deste modo atingirá o termo, porque diz o Senhor: Se
alguém quer ser o primeiro, será o último de todos e o servo de
todos (Mc 9,34).

94
QUESTÃO 31

DEVE SER RECEBIDO O SERVIÇO PRESTADO


PELO SUPERIOR

Resposta

Seja aceito até mesmo o serviço material prestado por


aqueles que são considerados como tendo precedência na
comunidade. A humildade que sugere ao maior pôr-se a serviço
mostra ao menos que não é fora de propósito ser servido.
A tal nos induz o exemplo do Senhor que se dignou lavar os
pés de seus discípulos, sem que esses ousassem resistir- lhe. Até
Pedro que, por grande reverência, de início recusara, logo voltou
à obediência, instruído acerca do perigo da desobediência.
Não haja receio da parte do súdito de perder a humildade se
for servido pelo maior. Este serviço, muitas vezes, é prestado
menos por necessidade premente do que para ministrar-lhe um
ensinamento, ou antes, um exemplo eficaz. Evidencie, portanto,
a humildade pela obediência e a imitação. E não relute, por falsa
humildade, enquanto de fato está agindo por orgulho e
arrogância. A contradição manifesta independência e
insubmissão. Dá assim mais exemplo de orgulho e de desprezo
do que de humildade, de obediência em tudo. Necessário,
portanto, se torna obedecer ao que disse: Suportai-vos
cariãosamente uns aos outros (Ef 4,2).

QUESTÃO 32
RELAÇÕES COM OS PARENTES

Resposta

1. Uma vez admitido na comunidade dos irmãos, ninguém


obterá permissão do superior para vagar por qualquer motivo
que seja; nem, sob pretexto de visitar os

95
parentes, afaste-se dos irmãos, levando uma vida longe de
testemunhas, ou se envolva em negócios, por solicitude de
patrocinar os consangüíneos.
A Palavra de Deus veta absolutamente usarem-se na
comunidade dos irmãos as expressões: meu e teu. A multidão dos
fiéis, diz-se, era um só coração e uma só alma. Nenhum dizia que
eram suas as coisas que possuía (At
4,32) . Sejam, portanto, os pais segundo a carne ou os irmãos,
se vivem segundo o que Deus ordena, venerados por todos da
comunidade como se fossem pais ou parentes. Todo aquele que
fizer a vontade de meu Pai, que está nos céus, diz o Senhor, este é
meu irmão e minha irmã e mãe (Mt 12,50). Julgamos, no entanto,
caber ao superior da comunidade cuidar deles.
Se, porém, estão implicados na vida profana, nada há de
comum entre eles e nós, que nos esforçamos por manter a
honestidade e a fidelidade ininterrupta a Deus. Além de lhes
sermos inúteis, ainda enchemos nossa vida de perturbação e de
agitação e procuramos ocasião de pecado. Todavia não é
conveniente receber a visita dos que outrora nos eram
familiares, se desprezam os mandamentos de Deus e não fazem
caso da obra da piedade, porque não amam o Senhor, que disse:
Aquele que não ama, não guarda as minhas palavras (Jo
14,24). Que união pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou de
comum entre o fiel e o infiel? (2Cor 6,14.15).
2. Antes de tudo, é preciso, de todos os modos, ter empenho
em afastar qualquer ocasião de pecado dos que ainda se
exercitam no bem; a maior destas ocasiões é a recordação da
vida passada. Não lhes suceda o que foi dito: Em seus corações
voltaram para o Egito (Nm 14,4). Em geral, tal acontece quando
têm freqüentes e assíduos encontros com os parentes. Não se
permita absolutamente que parentes ou estranhos falem com os
irmãos, se não estivermos seguros de que as conversas tratam da
edificação e do aperfeiçoamento das almas.
Se houver necessidade de falar com os que alguma vez vêm
visitar, façam-no aqueles aos quais foi confiado o dom da
palavra, como os que podem, com sabedoria, falar e ouvir, para
a edificação da fé; o Apóstolo manifestamente ensina que nem
todos possuem a capacidade de falar, mas poucos

96
são dotados desse carisma, dizendo: Porque a um é dada pelo
Espírito a linguagem da sabedoria, a outro, porém, a linguagem da
ciência (ICor 12,8). E em outro lugar: Para que possa exortar na
sã doutrina e rebater os que a contradizem (Tt 1,9).

QUESTÃO 33
RELAÇÕES COM AS IRMÃS

Resposta
1. Quem renunciou às núpcias, evidentemente renunciou mais
ainda aos cuidados que, diz o Apóstolo, atribulam o casado, isto
é, como há de dar gosto a sua mulher (ICor
7,33) , e se libertará totalmente do desejo de agradar a uma
mulher, receoso do juízo daquele que disse: Deus dispersa os
ossos dos que procuram agradar aos homens (SI 52,6). Com o fito
de obter favor, nem mesmo com um homem quer encontrar-se,
mas vai conversar com ele pelo zelo que se deve ao próximo,
segundo o mandamento de Deus, quando houver necessidade.
Não se dê licença de conversar, indistintamente, a quem o
desejar, nem qualquer tempo ou lugar para tal fim se presta. Mas
se, de acordo com o preceito do Apóstolo, não queremos ser
motivo de escândalo nem para os judeus, nem para os gentios, nem
para a Igreja de Deus (ICor 10, 32), e sim, fazer tudo com
respeito, ordem e para a edificação, será necessário escolher
devidamente as pessoas, o tempo, a utilidade e o lugar. Com
isto, afugentar-se-á até mesmo a sombra de uma suspeita.
Em tudo constituirá uma manifestação de gravidade e de
prudência a atitude dos que foram escolhidos para se verem e
conferenciarem acerca do que agrada a Deus, quer em vista das
exigências do corpo, quer da cura das almas. Não sejam menos
de dois, de cada lado. Sobre uma pessoa só facilmente recaem
suspeitas, para não dizer coisa pior. Além disso, teria ela menos
vigor para confirmar o que foi dito, pois a Escritura declara
nitidamente que toda questão se resolva diante de duas ou três
testemunhas (Dt 19,15;

97
Mt 18,16). Não mais de três, porém, para não se tolher o zelo
ardente que o mandamento de Nosso Senhor Jesus Cristo
suscita.
2. Se houver necessidade de que outros da comunidade falem
ou ouçam qualquer coisa particular a respeito de alguém, não
venham pessoalmente conversar, mas alguns anciões escolhidos
tratem do assunto com anciãs determinadas e assim, por seu
intermédio, faça-se o que for mister. Seja mantida esta ordem
não só das mulheres para com os homens, ou dos homens para
com as mulheres, mas até entre os do mesmo sexo. Estes, por
conseguinte, além da piedade e da gravidade em tudo, sejam
cautelosos nas perguntas e respostas, fiéis e prudentes no
proferir as palavras, cumprindo o que foi dito: Disporá seus
discursos com juízo (SI 111,5), de modo que se cuide
simultaneamente do bem daqueles que lhes confiaram o negócio
e fique resolvida a questão ventilada. Atendam outros às
necessidades corporais; sejam experimentados, de idade
provecta e de hábitos e costumes graves, a fim de não se ferir a
consciência de outrem com qualquer suspeita de mal. Por que
razão seria regulada a minha liberdade pela consciência
alheia? (ICor 10,29).

QUESTÃO 34
COMO DEVEM SER OS QUE DISPENSAM O
NECESSÁRIO À COMUNIDADE

Resposta
1. Entre os que, dentro, distribuem o necessário, é preciso
absolutamente que haja alguns em cada ofício que imitem o que
narram os Atos: Repartia-se, então, a cada um deles conforme a
necessidade (At 4,35). Tenham principalmente a preocupação
de ser misericordiosos e pacientes para com todos, sem
provocarem suspeitas de simpatia ou parcialidade, segundo a
ordem do Apóstolo que diz: Nada fazendo por espirito de
parcialidade (lTm 5,21), ou ainda de contestação, que ele rejeita
como inconveniente aos cristãos, ao dizer: Se, no entanto,
alguém quiser con

98
testar, nós não temos tal costume e nem as igrejas de Deus
(ICor 11,16). Alguns subtraem o necessário àqueles com os
quais estão em desacordo e dão excessivamente àqueles por
quem sentem simpatia. O primeiro modo de agir é ódio fraterno,
o segundo, simpatia muito repreensível por afugentar da
comunidade a concórdia, originária da caridade, que é
substituída pelas suspeitas, as emulações, as disputas e a
preguiça para o trabalho.
2. Têm a máxima obrigação, aqueles que distribuem à
comunidade o necessário, de libertarem-se das simpatias e
antipatias, tanto pelo supra-referido, quanto por muitas outras
circunstâncias semelhantes. Devem estar cônscios dessa
disposição de ânimo e mostrar tal zelo, eles e os que exercem
outros ofícios a serviço da comunidade, como quem serve não
aos homens, mas ao próprio Senhor que, em sua grande
bondade, toma como prestadas a si mesmo a consideração e a
solicitude para com os que lhe são consagrados e promete em
vista disto a herança do reino dos céus. Vinde, disse, benditos do
meu Pai, tomai posse do reino que vos está preparado desde a
criação do mundo. Todas as vezes que fizestes isto a um destes
meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes
(Mt 25, 34.40). Ao contrário, reconheçam o perigo da
negligência, lembrados daquele que disse: Maldito aquele que
faz com negligência a obra do Senhor (Jr 48,10). Porque não só
serão expulsos do reino, mas espera-os aquela sentença
tremenda e terrível, proferida contra tais homens: Retirai-vos de
mim, malditos! Ide para o fogo eterno, destinado ao demônio e
a seus anjos (Mt 25,41).
Se aqueles que assumem as preocupações e o serviço re-
cebem tal recompensa do zelo, e se tamanho juízo aguarda a
negligência, que solicitude não devem empregar os que têm de
servir, para se tornarem dignos da denominação de irmãos do
Senhor! Ensina-o o Senhor ao dizer: Todo aquele que faz a
vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão e minha
irmã e minha mãe (Mt 12,50).
3. Incorre em perigo quem não propuser a vontade de Deus
como escopo de toda a vida; assim, se na saúde não mostrar o
labor da caridade pelo zelo nas obras do Senhor e na doença
alegremente não demonstrar grande paciência e tolerância.

99
O primeiro maior de todos os perigos, porém, é dis-
tanciar-se do Senhor e do convívio dos irmãos, porque separa-se
por si mesmo quem não faz a vontade de Deus.
O segundo consiste em que, sendo indigno, ousa participar
das coisas preparadas para os que são dignos.
Neste ponto mister se faz lembrar-se do Apóstolo que diz:
Senão seus colaboradores, exortamo-vos a que não recebais a graça
de Deus em vão (2Cor 6,1). Aqueles que foram chamados para
serem irmãos do Senhor, não desonrem tamanha graça de Deus,
nem traiam tal dignidade, descui- dando-se da vontade de Deus,
mas antes obedeçam ao Apóstolo, quando diz: Exorto-vos, pois,
prisioneiro que sou pela causa do Senhor que leveis uma vida
digna da vocação à qual fostes chamados (Ef 4,1).

QUESTÃO 35
SE CONVÉM ESTABELECER NUMA ALDEIA MAIS
DE UMA COMUNIDADE DE IRMÃOS

Resposta

1. O exemplo dos membros já muito empregado é de


utilidade para explanar esta questão. Como foi declarado acima,
um corpo que queira ser belo e devidamente capaz de qualquer
ação, precisa de olhos, língua e dos restantes orgãos, todos
indispensáveis e bem importantes. Mas, de fato, é dificílimo e
árduo encontrar uma pessoa que possa servir de olhos para
muitos. Pois, se a disciplina exige que o superior da comunidade
dos irmãos seja previdente, perito na palavra, sóbrio,
misericordioso e procure com um coração perfeito os juízos de
Deus, como seria possível encontrar numa mesma aldeia muitos
com estas qualidades? Se acaso acontecer que haja dois ou três,
o que não é fácil e nunca tivemos conhecimento que tenha
havido muito melhor seria partilharem juntos estas preo-
cupações, aliviando-se mutuamente no labor, de modo que, em
caso de viagem, ocupação ou outras circunstâncias, por
exemplo, se acontecer que um superior deixe a comunida

100
T
de, haja outro para consolar deste abandono, a menos que parta
para socorrer outra comunidade desprovida de guia.
A experiência obtida nos negócios de fora pode ser de grande
vantagem para o escopo que visamos. Como os peritos do
mesmo ofício invejam seus rivais e a emulação no mesmo
artesanato surge ocultamente, assim, na maioria dos casos,
acontece nesse tipo de vida.
De início, rivalizam-se no bem e esforçam-se por superar uns
aos outros, quer na recepção dos hóspedes, no aumento do
número dos ascetas, ou em outras obras deste gênero. Vão
avante e caem em contendas. Se advêm irmãos peregrinos,
sentem estes muitas dúvidas e dificuldades, ao invés da
tranqüilidade desejada, divididos pelo pensamento de onde se
hospedar. É difícil preferir uns a outros e impossível satisfazer a
ambos, principalmente quando têm pressa. Aqueles que de início
vêm para abraçar a mesma vida, ficam em grande perplexidade,
porque devem escolher os superiores para os dirigirem e, na
verdade, se preferem uns, reprovam os outros.
2. Então, já desde o primeiro dia, são prejudicados pelo
orgulho, porque não se dispõem a aprender, mas acostumam-se a
ser juizes e censores da comunidade.
Desde que não há bem evidente algum em existirem casas
separadas e são tais os inconvenientes, é completamente
despropositado separarem-se uns dos outros. Se acontecer que
alguém haja presumido fazê-lo, urge uma mudança,
principalmente após a experiência dos prejuízos decorrentes
desta situação. Manter a própria opinião seria contestação
manifesta. Se, no entanto, alguém quiser contestar..., diz o
Apóstolo, nós não temos tal costume, nem as igrejas áe Deus (ICor
11,16).
Que motivo hão de alegar como impedimento à união? Será
por causa do necessário? Mas, é muito mais fácil adquiri-lo para
uma casa comum, onde há uma só lâmpada, um só fogo; estas e
outras coisas semelhantes são suficientes para todos. Importa,
pois, nestas e outras questões ir ao encalço da facilidade maior,
de todos os modos, a fim de se reduzir a quantidade das coisas
necessárias. Além disso, casas separadas necessitam de maior
fornecimento vindo de fora para a comunidade; da metade, se
numa só casa. Sem que o diga, sabeis como é difícil encontrar
al-

101
guéra que não ocasione opròbrio ao nome de Cristo, mas que se
porte com os de fora nas viagens de modo digno de sua
profissão.
Ademais, como poderão os que se mantêm separados edificar
os que levam a vida comum, quer impelindo-os a paz, se for o
caso, quer exortando-os ao cumprimento de outros
mandamentos, uma vez que, não se unindo, suscitam suspeitas
contra si mesmos?
Ouvimos também que o Apóstolo escreveu aos filipenses:
Completai a minha alegria permanecendo unidos. Tende um mesmo
amor, uma só alma, e os mesmos pensamentos. Nada façais por
espírito de partido ou vangloria, mas com humildade, considerando
os outros superiores a vós mesmos, visando cada um não os seus
próprios interesses, senão os dos outros (PI 2,2-3).

3. Pode haver maior demonstração de humildade do que a


sujeição dos superiores das comunidades entre si? Se são iguais
em carismas espirituais, é belo vê-los unidos no combate.
Conforme o próprio Senhor nos mostrou, enviando dois a dois
(Mc 6,7), assim cada um deles se submeterá com alegria ao outro
em tudo, lembrado do Senhor, que disse: Quem se humilha, será
exaltado (Lc 18,14). Se acontecer que um tenha menos e outro
mais, será melhor que o mais fraco seja assumido pelo mais
forte. E como não seria uma desobediência aberta ao preceito
apostólico que diz: Visando cada um não os próprios interesses,
senão os dos outros (F1 2,4)? Julgo que não é possível realizar
isto com a divisão, porque cada uma das turmas cuidará em
particular dos seus componentes, alheando-se das solicitu- des
para com os outros, o que, como disse, claramente se opõe ao
preceito apostólico.
Também nos Atos, muitas vezes é atestado dos santos a que
se referem: A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma
(At 4,32). ou: E todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em
comum (At 2,44). É evidente não ter havido separação entre eles.
Ninguém vivia por própria conta, mas todos eram regidos por um
só e mesmo governo; e sendo em número de 5.000, haveria,
talvez, não poucas razões, segundo as cogitações humanas, que
poderíam obstar à concórdia. Quando o total dos que se acham
numa aldeia é muito menor, que motivo haverá de se separarem
uns

102
r

dos outros? Oxalá fosse possível não só aos de uma mesma


aldeia conservarem-se reunidos, mas que muitas comunidades,
constituídas em lugares diferentes, fossem regidas por um só
daqueles que sabem governar a todos com eqüi- dade e
sabedoria, na unidade de Espírito e nos vínculos da paz.

QUESTÃO 36
OS QUE SE RETIRAM DA COMUNIDADE DOS IRMÃOS

Resposta

Não é lícito àqueles que uma vez prometeram viver unidos a


outros, num mesmo lugar, retirarem-se facultativamente. Duas
seriam as causas de não se manterem o propósito: ou o prejuízo
proveniente da vida determinada numa comunidade, ou a
instabilidade do ânimo de quem muda de parecer. Quem se
separa dos irmãos por ter sofrido dano, não guarde para si o
conhecimento da causa, mas acuse o prejuízo infligido, segundo
o ensinamento do Senhor: Se teu irmão tiver pecado, vai e
repreenãe- entre ti e ele somente, etc. (Mt 18,15). Se houver a
emenda desejada, lucra o irmão sem infligir afronta à
comunidade. Se, porém, ele observar que persistem no mal e não
aceitam a correção, comunicá-lo-á aos que são competentes para
julgar tais decisões, e com o testemunho de muitos, afaste- se.
Retira-se, porém, não mais da companhia de irmãos, mas de
estranhos, porque o Senhor compara aquele que se obstina no
mal a um pagão e um publicano. Seja, para ti, disse, como um
pagão e um publicano (Mt 18,17). Se, contudo, é por própria
leviandade que se retira da companhia dos irmãos, cure-se de sua
fraqueza; se não o quiser, seja considerado indesejável à
comunidade. Se, porém, por causa do mandamento do Senhor,
alguém for atraído a outra parte, ele não se retira, mas realiza um
desígnio.
Razoavelmente não se admite outra causa de saída; primeiro,
porque é afronta ao nome de Nosso Senhor Jesus Cristo que os
reuniu; segundo, porque a consciência de um não está pura
diante do outro, mas haverá mútuas suspei

103
tas, o que é evidentemente contra o preceito do Senhor, que diz:
Se estás, portanto, por fazer a tua oferta diante do altar e te
lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua
oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão e só
então vem fazer a tua oferta (Mt 5,23.24).

QUESTÃO 37
SE É LÍCITO, SOB PRETEXTO DE ORAÇÃO E DE
SALMODIA, DESCUIDAR-SE DO TRABALHO.
QUAL O TEMPO APROPRIADO PARA AS
ORAÇÕES? EM PRIMEIRO LUGAR É DEVER
TRABALHAR?

Resposta

1. Como Nosso Senhor Jesus Cristo diz que o operário merece


o seu sustento (Mt 10,10), e não simplesmente sem discriminação,
qualquer um, e o Apóstolo ordena trabalhar e executar com as
suas próprias mãos o que é bom (Ef 4,28), para se ter com que
socorrer aos necessitados (ibid.), evidencia-se que devemos
trabalhar com diligência. A piedade não seja considerada
pretexto de preguiça, nem fuga do esforço, mas ocasião de luta e
de labor maior, como de paciência nas tribulações, de maneira
que possamos dizer: Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com
fome e sede (2Cor 11,27).
Este modo de viver é proveitoso não só para subjugar o corpo,
mas ainda por causa da caridade para com o próximo, a fim de
que, por nosso intermédio, Deus forneça o bastante aos irmãos
mais fracos, segundo o modelo apresentado nos Atos pelo
Apóstolo que diz: Em tudo vos tenho mostrado que, assim
trabalhando, convém acudir aos fracos (At 20,35). E de novo: Para
ter des com que socorrer aos necessitados (Ef 4,28). Assim seremos
dignos de ouvir: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos
está preparado desde o princípio do mundo. Porque tive fome e
destes de comer; tive sede, e destes de beber (Mt 25,34.35).

104
2. Qual a necessidade de dizer que constitui grande mal a
ociosidade, quando o Apóstolo claramente preceitua: Quem não
quiser trabalhar, não tem direito de comer (2Ts 3,10)? Como é
indispensável para todos o alimento cotidiano, assim também é
necessário o trabalho, à medida das forças. Não foi em vão que
Salomão escreveu em elogio: Não comeu o pão da ociosidade (Pr
31,27). E ainda o Apóstolo, falando de si mesmo: Não temos
comido de graça o pão de ninguém, mas, com trabalho e fadiga,
labutamos noite e dia (2Ts 3,8), embora pudesse, porque pregava
o Evangelho, viver do Evangelho.
Também o Senhor associou a preguiça malícia, dizendo:
Servo mau e preguiçoso (Mt 25,26).
E o sábio Salomão não só louva o trabalhador pelas causas já
citadas, mas igualmente censura o preguiçoso, comparando-o a
animais minúsculos, ao dizer: Vai o preguiçoso ter com a formiga
(Pr 6,6).
Por isso é de temer que no dia do juízo nos seja isto lançado
em rosto, pois quem nos deu forças para o trabalho, exigirá
obras proporcionadas a elas. Porque: Quanto mais se confiar a
alguém, dele mais se há de exigir (Lc 12,48).
Desde que alguns, sob o pretexto de orações e salmodia,
furtam-se ao trabalho, convém saber que há um tempo próprio
para cada coisa, segundo o Eclesiastes que diz: Para tudo há um
tempo (Ecl 3,1). Mas, para a oração e a salmodia, como para
muitas outras ocupações, serve qualquer tempo, porque
enquanto as mãos trabalham, talvez seja possível, ou ao menos
proveitoso para a edificação da fé, com a língua, ou ao menos de
coração, louvar a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais
(Cl 3,16), como está escrito, entregando-nos assim à oração no
meio do trabalho.
Demos graças àquele que deu forças às mãos para o trabalho
e inteligência para adquirirmos a ciência, fornecen- do-nos ainda
a matéria, tanto a dos instrumentos, quanto a matéria-prima para
as artes que cultivamos. Supliquemos que as obras de nossas
mãos tenham a finalidade de agradar a Deus.
3. Afastamos a divagação do espírito quando, em cada ação,
impetramos de Deus o bom andamento da obra, agradecemos
àquele que nos concede a energia para a ação e

105
conservamos o propósito de lhe agradar, conforme foi dito
acima. Porque, de outro modo, como se conciliarão as duas
palavras do Apóstolo: Orai sem cessar (lTs 5,17), e: Labu- tando
noite e dia (2Ts 3,8)?
Se também a lei determina se dê graças em todo o tempo e a
natureza e a razão demonstram a necessidade desta ação de
graças em nossa vida, nem por isso podemos omitir as horas
determinadas, que escolhemos por necessidade, para a oração
nas comunidades dos irmãos, pois cada uma constitui uma
espécie de memória dos bens recebidos de Deus.
A hora matutina, para dedicarmos a Deus os primeiros
movimentos da alma e da mente e nada cuidarmos antes de nos
alegrarmos com o pensamento de Deus, como está escrito:
Lembrei-me de Deus e senti-me cheio de gozo (SI 76,4). Que o
corpo não se mova para o trabalho antes de fazer o que foi dito:
É a vós que eu invoco, Senhor, desde a manhã; escutai-me.
Porque, desde o raiar do dia, a vós apresento minhas súplicas e
espero (SI 5,4.5).
De novo, à hora terça, levantem-se para a oração, convoque-
se a comunidade, mesmo se acontecer que alguns estejam
ocupados em diversos trabalhos. Lembrados do dom do Espírito,
concedido aos apóstolos na hora terceira, unânimes, prostrem-se
todos, para se tornarem dignos também de receber a santificação.
Peçam que ele os dirija no caminho e lhes ensine o que é
proveitoso. Façam como aquele que disse: ò meu Deus, criai em
mim um coração puro. E renovai-me o espírito de firmeza. De
vossa presença não rejeiteis. E nem priveis de vosso
santo espírito. Restituí-me a alegria da salvação. E sustentai-me
com uma vontade generosa (SI 50,12.13). E alhures: Que o
vosso espírito de bondade conduza pelo caminho reto (SI
142, 10). E assim, voltem ao trabalho.
4. Se alguns se afastarem para mais longe, por causa de
trabalho, ou da natureza do lugar, cumpram obrigatoriamente ali,
sem hesitações, tudo o que foi estabelecido em comum, porque:
Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu em
meio deles (Mt 18,20).
À hora sexta, julgamos necessária a oração, à imitação dos
santos, que dizem: Pela tarde, de manhã e ao meio-dia, narrarei
e anunciarei. E ele ouvirá minha voz (SI 54,18).

106
E para nos livrarmos do ataque e do demônio meridiano (SI
90,6), também se diga o salmo 90.
À hora nona é dever rezar, como nos ensinaram os apóstolos
nos Atos, onde se narra que Pedro e João iam subindo ao templo
para rezar à hora nona (At 3,1).
Já completo o dia, damos graças pelo que nos foi concedido
neste dia, ou pelo bem que fizemos, e também confessamos
nossas omissões, a saber, falta voluntária ou involuntária, ou
qualquer pecado oculto, por palavras, obras, ou só no coração,
aplacando a Deus por tudo com a oração. É de grande utilidade
examinar o passado, para não recairmos nas mesmas faltas. Por
isso foi dito: Refleti em vossos corações, quando estiverdes em
vossos leitos e calai (SI 4,5).
5. Ainda, ao cair da noite, vem a prece para que o repouso
seja inofensivo e livre de pesadelos. Recite-se nessa hora,
obrigatoriamente, o salmo 90. Paulo e Silas nos transmitiram ser
preciso orar no meio da noite, conforme os Atos declaram: Pela
meia-noite, Paulo e Silas rezavam e cantavam um hino a Deus
(At 16,25). E o salmista diz: Em meio à noite levanto-me para
vos louvar pelos vossos decretos cheios de justiça (SI 118,62). E
de novo, antecipando-nos à aurora, levantamo-nos para a oração
para não sermos surpreendidos pelo dia ainda adormecidos no
leito, segundo a palavra: Meus olhos se antecipam à vigília da
noite, para meditarem em vossa palavra (ibid. 148).
Nenhuma dessas horas seja esquecida por aqueles que se
decidiram a viver com fervor para a glória de Deus e de seu
Cristo. Julgo ser de vantagem a diversidade e a variedade nas
preces e na salmodia, nas horas estabelecidas, e nestas últimas,
porque pela monotonia muitas vezes a alma se entorpece e se
distrai; a mudança e a variedade da salmodia, como também o
sentido de cada hora, renovam o desejo e a atenção se refaz.

107
QUESTÃO 38
A EXPLICAÇÃO NOS MOSTROU SUFICIENTEMENTE
QUE A ORAÇÃO NÃO PODE SER OMITIDA E QUE O
TRABALHO É INDISPENSÁVEL. SERIA LÓGICO
APRENDERMOS AGORA QUAIS OS OFÍCIOS
ADEQUADOS A NOSSA PROFISSÃO

Resposta

Não é fácil especificar os ofícios, porque devem ser


adaptados à natureza do lugar e às peculiaridades mercantis de
cada região. Em geral, podem ser designados à escolha os que
salvaguardam nossa vida pacífica e tranqüila, sem muitas
dificuldades de aquisição de matéria-prima, nem muitas
preocupações com a venda dos produtos e os que não acarretam
aglomerações inconvenientes ou prejudiciais de homens ou
mulheres. Mas precisamos considerar que em tudo nos é
proposto um fim peculiar: as coisas simples e baratas. Evitemos
servir à cupidez desarra- zoada e danosa dos homens,
produzindo o que eles mais ambicionam.
À arte têxtil peçamos o que entrou na vida corrente e não o
que foi excogitado por homens desregrados para captar os
jovens e apanhá-los no laço. De modo semelhante procuremos a
fabricação de sapatos, a fim de obtermos desta arte o necessário.
Quanto à arquitetura, à carpintaria e à ferraria, à agricultura são
por si indispensáveis e muito úteis; portanto, não há motivo
especial de serem rejeitadas. Se, contudo, nos cercam de
agitação ou quebram a unidade da vida comum dos irmãos,
então, forçosamente, evitemo-las.
Demos preferência aos ofícios que mantêm nossa vida sem
distrações, continuamente fiel ao Senhor, e que não reclamam
os que perseveram nos exercícios de piedade, no tempo da
salmodia, da oração ou de outras iniciativas louváveis. Portanto,
se neles nada há que prejudique o essencial de nossa vida, sejam
preferidos entre muitos especialmente a agricultura que produz
por si o necessário e livra os agricultores de muitas saídas e de
correrem para

108
cá e para lá; contanto, como o dissemos, que não nos envolva,
da parte dos vizinhos, ou dos que moram conosco, em tumultos
ou confusão.

QUESTÃO 39
COMO VENDER OS PRODUTOS E COMO VIAJAR

Resposta

Faz-se mister não colocar os produtos muito longe, nem sair


para vender. Seria mais conveniente, mais útil ficar no próprio
lugar, tanto para a edificação mútua como para a perfeita
conservação do alimento cotidiano. Por isto, é preferível abaixar
um pouco o preço a sair de casa por causa de pequenos lucros.
Se a experiência mostrar ser isto impossível, escolham-se, para
que a viagem seja de proveito, lugares e cidades de homens
piedosos; e vários irmãos juntos, cada qual carregando o próprio
produto, partam para o mercado designado. Partam em grupo a
fim de perfazerem o caminho com salmos e orações para edi-
ficação mútua. Quando chegarem ao termo, procurem obter uma
só hospedagem, tanto para a preservação de todos, quanto para
não lhes escapar hora alguma de oração, diurna ou noturna.
Deste modo sofrerão menos do que se estivessem sós, ao
contacto com homens intratáveis e avaros. Mesmo os mais
violentos não querem ter muitas testemunhas de sua injustiça.

QUESTÃO 40
DAS TRANSAÇÕES FEITAS COM ASSEMBLÉIAS
RELIGIOSAS

Resposta

Não nos convêm nem mesmo as transações feitas nos lugares


onde se veneram os mártires, como no-lo declara a

109
Palavra. Não compareçam os cristãos nos locais onde são
venerados os mártires ou nas suas adjacências, a não ser para a
oração e a fim de que, pela comemoração da piedosa firmeza
dos santos até à morte, incitem-se a idêntico zelo. Lembrem-se
da terrível ira do Senhor que, embora mostrando-se sempre e em
toda a parte manso e humilde de coração, conforme está escrito
(Mt 11,29), tomou energicamente do flagelo só contra aqueles
que vendiam e compravam no templo (Jo 2,15), porque
transformavam pela mercancia a casa de oração em covil de
ladrões. Alguns perderam o costume em vigor entre os santos,
fazendo desse tempo e lugar uma praça pública e um empório,
em vez de se entregarem à oração uns pelos outros, à adoração
de Deus com os demais, às lágrimas em comum diante dele, à
propiciação pelos pecados, à eucaristia por seus benefícios, à
edificação com palavras de exortação. (Conforme sabemos de
conhecimento próprio, isto era praticado). Nem por isso seria
conseqüente que os seguíssemos e confirmássemos seus
absurdos por nossa participação; mas imitemos as assembléias
reunidas em torno de Nosso Senhor Jesus Cristo e descritas nos
Evangelhos. Pratiquemos os preceitos do Apóstolo, bem
conformes a este modelo, ao escrever: Quando vos reunis, cada
um de vós tem um cântico, uma revelação, um discurso em
línguas, uma interpretação: que tudo se faça de modo a edificar
(ICor 14,26).
QUESTÃO 41

AUTORIDADE E OBEDIÊNCIA

Resposta
1. Mesmo ao se tratar de ofícios lícitos, não se permita a cada
um exercer o que sabe ou o que quer aprender, e sim aquele para
o qual for julgado capaz. Quem renunciou a si mesmo e
abandonou todas as suas vontades, não faça o que quer, mas o
que lhe ensinarem. Não é razoável escolher por si mesmo o que
é útil, uma vez que se entregou à direção de outros; estes o
encaminharão para aquilo que reconhecerem, em nome do
Senhor, ser-lhe conveniente.

110
Quem escolhe um trabalho seguindo seu próprio desejo,
expõe-se a censuras: primeiro, porque procura o que lhe agrada;
em segundo lugar, porque tem propensão para tal ofício por
glória mundana e esperança de lucro ou coisa semelhante; ou
ainda, porque escolhe o mais leve por preguiça e negligência.
Agir assim é dar provas de ainda não se ter libertado das más
paixões. Não se renegou a si mesmo quem quer seguir as
próprias inclinações, nem renunciou aos negócios do século, se
ainda se deixa prender pelo desejo de lucro e de glória. Não
mortificou os membros terrenos quem não suporta o peso do
trabalho, mas mostra-se arrogante, achando o próprio juízo mais
acertado do que o parecer de muitos.
Se alguém tiver um ofício bem aceito pela comunidade, não o
abandone. Denota inconstância e vacilação quem despreza o que
tem em mão. Se não tiver ofício, não o arranje por si mesmo,
mas aceite o que os maiores aprovarem, para em tudo se
salvaguardar a obediência. Como foi demonstrado, se não
convém escolher por si mesmo, é repreensível recusar o que
outros aprovaram. Se alguém tiver ocupação que desagrade à
comunidade dos irmãos, largue-a prontamente, dando provas de
que em nada atraem-no as coisas mundanas. Satisfazer às
próprias inclinações é peculiar de quem não tem esperança,
segundo a palavra do Apóstolo (lTs 4,13); uma obediência em
tudo, porém, é digna de louvor, pois o Apóstolo louva os que se
deram a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela
vontade de Deus (2Cor 8,5).
2. Cada um cuide do próprio trabalho, solícito e de boa
vontade. Como se Deus o vigiasse, de modo irrepreensível, com
zelo incansável e a mais atenta diligência, realize-o de modo a
poder dizer sempre com toda confiança: Como os olhos dos
servos estão fixos nas mãos de seus senhores, assim nossos olhos
estão voltados para o Senhor, nosso Deus (SI 122,2), e não
mude de serviço. Nossa natureza não pode ao mesmo tempo
preencher várias funções; por conseguinte, é melhor exercer com
apuro uma do que imperfeitamente muitas. A grande dispersão e
a troca de uma para outra não permitem se termine trabalho
algum; igualmente denota leviandade já existente ou a produz
onde ainda não existe.

111
Se acaso houver necessidade de auxílio em outros ofícios, é
justo ajude quem for capaz. Não, contudo, por iniciativa própria,
mas se for chamado. Façamo-lo, sem nos anteciparmos, se
houver urgência, à semelhança do que sucede com os membros
do corpo; se o pé tropeça, fir- mamo-nos com as mãos. Ainda
uma vez, abraçar um ofício por iniciativa própria é inútil, assim
como é repreensível recusar-se ao que foi mandado.
Não se alimente portanto a auto-suficiência nem se
ultrapassem os limites da obediência e da docilidade.
A conservação dos instrumentos de trabalho compete,
principalmente, ao artífice de determinada obra. Se acontecer
que fique jogado um objeto de uso comum, o primeiro que o
notar dê-lhe a devida atenção. Se o uso é particular, a utilidade
que ele traz, contudo, é comum. Descuidar-se alguém dos
instrumentos de outro ofício, como nada tendo que ver com
eles, é sinal de que os considera bens alheios. Não convém
àqueles que exercem os ofícios reivindicarem a posse dos
instrumentos, de modo que o superior da comunidade não tenha
a faculdade de dar-lhes o destino que lhe aprouver, ou de vendê-
los, trocá-los, colocá-los de qualquer outro modo, ou comprar
outros, além dos que já têm. Quem decidiu não ser senhor nem
de suas próprias mãos, mas entregou a outrem a disposição de
suas atividades, agiria de modo conseqüente se tivesse todos os
direitos sobre os instrumentos de seu ofício e usasse deles a
título de propriedade?

QUESTÃO 42
QUAL O FIM E A ATITUDE DOS QUE TRABALHAM

Resposta

1. Saiba-se que não se deve trabalhar para atender às próprias


necessidades por meio do trabalho, mas a fim de cumprir o
mandamento do Senhor, que disse: Tive fome e destes de
comer, etc. (Mt 25,35). Foi totalmente proibida pelo Senhor a
inquietação a respeito de si mesmo, ao dizer: Não vos preocupeis
por vossa vida, pelo que come

112
reis, nem por vosso corpo, como vos vestireis (Mt 6,25), e ajuntou:
São os pagãos que se preocupam com tudo isso (ibid. 32). Deve
portanto cada um ter por escopo do trabalho servir aos
necessitados e não às próprias vantagens. Assim também não será
censurado de egoísmo e receberá a bênção atribuída pelo Senhor
ao amor fraterno, quando disse: Todas as vezes que fizestes isto a
um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o
fizestes (Mt 25,40). Ninguém pense que nossa palavra contradiz à
do Apóstolo que ordena: trabalhando comam o pão (2Ts 3,12).
Isto se aplica aos desordeiros e preguiçosos, porque é preferível
cada um prover-se a si mesmo, não ser pesado aos outros, a viver
na ociosidade. Ora, nós temos ouvido dizer que há entre vós pessoas
desregradas. Em lugar de trabalharem, ocupam-se com futilidaães.
Nós lhes ordenamos e os exortamos a trabalhar pacificamente.
Comam assim o pão (2Ts 3,12). E afirmamos: Labutamos noite e
dia para não sermos pesados a nenhum de vós (ibid. 8), tem
idêntico significado. O Apóstolo, por amor fraterno, sujeitava-se
a trabalhos além dos que lhe foram prescritos, para eliminar os
desordeiros, próprio daquele que se apressa em busca da
perfeição trabalhar noite e dia, para ter com que socorrer os
necessitados (Ef 4,28).
2. Quem, porém, põe sua esperança em si mesmo ou no
encarregado da distribuição das coisas necessárias, quem pensa
que o próprio trabalho, ou o de um companheiro, é suficiente
para a subsistência, enquanto espera num homem, incorre no
perigo da maldição: Maldito o homem que em outro confia, que da
carne faz o seu apoio e cujo coração vive distante do Senhor (Jr
17,5). A Palavra de Deus, com a express o quem em outro
confia , pro be confiar em outrem, e com esta: da carne faz o
seu apoio veta a confian a em si mesmo. Ambas se denominam
apostasia do Senhor. E acrescenta o resultado de ambas: Asse-
melha-se ao cardo da charneca e nem percebe a chegada do bom
tempo (ibid. 6). Mostra a Escritura que esperar em si ou em um
outro é apostatar do Senhor.

113
QUESTÃO 43

FOI SUFICIENTEMENTE EXPLICADO O MODO DE


TRABALHAR. SE ALGO FALTAR, APRENDEREMOS
PELA PRAXE A ENCONTRAR A BOA SOLUÇÃO.
PEDIMOS AGORA NOS SEJA EXPOSTO COMO DEVEM
SER OS SUPERIORES DA COMUNIDADE DOS IRMÃOS E
DE QUE MANEIRA HÃO DE GOVERNAR OS DISCÍPULOS

Resposta

1. Também esses assuntos já foram tratados resumidamente.


Mas como quereis que esta questão vos seja melhor explicada
e fazeis muito bem pois qual o superior e chefe, tal, na
maioria, costumam ser os súditos, é preciso não omiti-la, sem
motivo. Deve, portanto, o superior lembrar-se do preceito do
Apóstolo que diz: Sê tu um exemplo para os fiéis (lTm 4,12),
fazendo de sua vida um modelo evidente de todos os
mandamentos do Senhor, de modo que não reste pretexto algum
aos discípulos de suporem ser o mandamento do Senhor
impossível de cumprir ou desprezível.
Vem em primeiro lugar, pois, o que é principal, isto é, que
ele, na caridade de Cristo, pratique a humildade, de modo que
mesmo em silêncio o exemplo de suas obras seja ensinamento
mais forte do que qualquer palavra.
Se a meta do cristianismo é a imitação de Cristo em medida
humana, à proporção da vocação de cada um, é dever daqueles
aos quais foi confiada a direção de muitos estimular por sua
ação até os mais fracos à imitação de Cristo, conforme o bem-
aventurado Paulo, que disse: Tornai-vos meus imitadores, como eu
o sou de Cristo (ICor 11,1).
2. Convém sejam os primeiros a dar exemplo perfeito de
realização da forma de humildade que Nosso Senhor Jesus
Cristo nos ensinou: Recebei minha doutrina, porque eu sou manso
e humilde de coração (Mt 11,29). A mansidão dos costumes e a
humildade de coração caracterizem o superior. Se o Senhor não
se ruborizou de prestar ministé-

114
rio a seus servos, mas quis mostrar-se servo da terra e do barro,
que ele plasmou para formar o homem {Estou, disse, no meio de
vós como aquele que serve, Lc 22,27), que não devemos nós fazer
a nossos semelhantes, para pretendermos imitá-lo? Disto, pois,
acima de tudo seja dotado o superior.
Em seguida, seja misericordioso e suporte pacientemente os
que omitirem alguma coisa das obrigações, por inexperiência.
Não dissimule os pecados pelo silêncio, mas tolere com
mansidão os rebeldes e aplique-lhes o remédio com toda a
misericórdia e moderação. Seja, pois, capaz de encontrar o
tratamento adequado à doença, não censurando com arrogância,
mas corrigindo e instruindo com mansidão, conforme está
escrito (2Tm 2,25).
Seja vigilante no presente, previdente do futuro, capaz de
lutar em companhia dos fortes, de carregar as enfermidades dos
fracos e de tudo fazer e dizer para a perfeição dos discípulos.
Não assuma por si mesmo o governo, mas seja escolhido
pelos que dirigem outras comunidades de irmãos, depois de ter
dado suficientes provas de seus costumes na vida anterior. Antes
de exercer o ministério, diz-se, sejam provados para que haja
segurança de que são irrepreensíveis (lTm 3,10).
Quem tiver tais qualidades aceite o governo, estabeleça a
disciplina na comunidade dos irmãos e distribua o trabalho,
conforme as capacidades de cada um.

QUESTÃO 44
A QUEM SE DEVE PERMITIR AS VIAGENS E COMO
SERÁ INTERROGADO, À VOLTA

Resposta

1. Licença de viajar receba aquele que possa fazer a viagem


sem prejudicar a própria alma e para o bem dos que o
acompanham. Se não houver alguém idôneo, é melhor sofrer
todas as aflições pela penúria do necessário e angús

115
tias até a morte do que, a fim de aliviar o corpo, arrostar um
perigo certo para a alma. Preferiría, diz o Apóstolo, morrer
a . . m a s ninguém tirará este título de glória (ICor 9,15).
Isto, em questões indiferentes; quanto mais ao se tratar de
mandamentos.
Mas aqui também a lei da caridade não nos deixa desam-
parados. Se acontecer que numa comunidade não haja quem
esteja em condições de ser mandado, os mais próximos supri-lo-
ão, viajando em grupos, sem jamais se separarem, de modo que
tanto os fracos relativamente ao espírito, quanto os débeis
também de corpo, nesta sociedade com os mais fortes, fiquem
incólumes. Com antecedência seja isto previsto pelo superior,
para não suceder que no momento da necessidade, por
impossibilidade de tempo, não haja mais recurso.
À volta, o superior interrogue o viajante acerca do que fez,
com quem se encontrou, as palavras que lhes disse, quais as
cogitações do espírito, se passou dias e noites no temor de Deus,
ou se prevaricou e transgrediu alguma prescrição, levado pelas
circunstâncias externas, ou se caiu por própria frivolidade.
2. Confirme com sua aprovação o que se fez bem e corrija
com exortações cuidadosas e prudentes o delito. Assim, os que
partirem de viagem serão mais vigilantes, receosos das contas
que hão de prestar e nós mostraremos que, nem separados, nos
desinteressamos da vida que levam.
Narram os Atos que assim costumavam agir os santos, ao nos
ensinarem como Pedro, voltando a Jerusalém, prestou contas de
sua sociedade com os pagãos aos que lá estavam (At ll,5s). De
modo semelhante, Paulo e Barnabé, à volta, tendo reunido a
assembléia, anunciou-lhe quanto Deus havia feito por seu
intermédio (At 15,12); e ainda, que toda a multidão se calou
para ouvir Barnabé e Paulo contarem quanto Deus havia feito.
Importa, contudo, saber que os circuitos, os negócios maiores
e pequenos lucros devem ser absolutamente evitados pelas
comunidades dos irmãos.

116
QUESTÃO 45

HAJA, QUANDO O SUPERIOR ESTIVER AUSENTE


OU OCUPADO, OUTRA PESSOA PARA CUIDAR
DOS IRMÃOS

Resposta

1. Como freqüentemente acontece que, por fraqueza do


corpo, por necessidade de viagem, ou por qualquer outra
circunstância tenha o superior da comunidade dos irmãos de se
ausentar, seja escolhido um outro, experimentado por ele e por
outros capazes de examinar, a fim de que, em sua ausência,
cuide dos irmãos, e assim também exorte os que ficaram. Na
ausência do superior, a comunidade deste modo não tomará
aspecto democrático, com dissolução da regra e da disciplina,
estabelecidas por tradição. Observem-se, porém, as práticas
aprovadas, para a glória de Deus. Responda prudentemente aos
hóspedes que chegam, de modo que os que buscam uma palavra
edifiquem-se com a elevação do assunto e a comunidade dos
irmãos não tenha de que se envergonhar. Se todos juntos
acorrem para falar, é causa de tumulto e sinal de desordem. O
Apóstolo, nem mesmo aos que receberam o carisma de ensinar
permite falem muitos ao mesmo tempo, dizendo: Se for feita uma
revelação a algum dos assistentes, cale-se o que falava primeiro
(ICor 14,30). E de novo redargúi a inconveniência de tal
desordem, quando diz: Se, pois, numa assembléia da igreja inteira,
todos falarem em línguas e se entrarem homens simples ou infiéis,
não dirão que estais loucos? (ibid. 23).
2. Se por ignorância o hóspede interrogar a um outro, mesmo
se quem foi interpelado por engano tiver respostas prontas, cale-
se por disciplina e informe a qual foi confiada tal tarefa, como
fizeram os apóstolos diante do Senhor,- deste modo, o uso da
palavra seja disciplinado e apto.
Se no tratamento corporal não aplica qualquer um aos
doentes os remédios ou os ferros, e sim aquele que adquiriu a
arte, durante longo tempo, com a experiência, o exercício e o
ensino dos peritos, como será razoável qualquer um,

117
1

de improviso, ministrar o tratamento da palavra? Neste ponto, o


menor descuido provoca enorme dano.
Entre os que não permitem que faça qualquer pessoa a
distribuição do pão, mas reservam esse ministério a um só, bem
experimentado, como não deve entre eles, e com muito mais
razão, receber uma só pessoa, e das mais idôneas, o encargo de
oferecer cuidadosa e escolhidamente o alimento espiritual aos
que o pedem? Por isso, não seria arrogância vulgar alguém,
interrogado sobre os juízos de Deus, ousar com audácia e
temeridade responder e não indicar aquele a quem foi confiado o
serviço da palavra, por ser em tudo fiel e dispenseiro prudente,
escolhido para repartir em tempo oportuno o alimento espiritual
e, como está escrito, para dispor os seus discursos com juízo (SI
111,5). E se algo escapar àquele que tem de responder e outro o
souber, não lho recorde imediatamente, mas em particular sugira
o que lhe parece. Este fato vem a ser ocasião de se exaltarem os
inferiores contra os superiores. Portanto, se alguém responder
bem, sem contudo disto estar encarregado, é réu de penas por
perturbação da disciplina.

QUESTÃO 46
NÃO SE OCULTEM OS PECADOS DE UM IRMÃO OU OS
SEUS PRÓPRIOS

Resposta

Declare ao superior qualquer pecado, seja quem pecou, ou


quem deste pecado tiver conhecimento, se não o puder curar,
como foi ordenado pelo Senhor. O mal encoberto pelo silêncio é
uma doença mal cicatrizada na alma. Não denominaríamos
benfeitor quem guardasse num corpo males fatais, e sim, ao
contrário, aquele que mesmo com dores e incisões manifestasse
a ferida, ou provocando vômito eliminasse o que era molesto, ou
finalmente, pelo diagnóstico desse a conhecer facilmente a
terapia. Assim, é evidente que ocultar o pecado é predispor o
doente para a morte. Ora, diz-se, o aguilhão da morte é o pecado
(ICor

118
15,56). Melhor é a correção manifesta do que uma amizade
escondida (Pr 27,5). Portanto, que um não esconda o pecado de
outro, para não se tornar fratricida, ao invés de amigo de seu
irmão; nem proceda assim em relação a si mesmo. Aquele que é
descuidado em seu trabalho, é irmão do que vai à perdição (Pr
18,9).

QUESTÃO 47
OS QUE NÃO ACEITAM O QUE O SUPERIOR
ESTABELECEU

Resposta

Quem não concordar com as decisões do superior deve


abertamente ou em particular dizê-lo, se tiver alguma razão
válida, apoiada no sentido das Escrituras, ou cumpra, calado, o
que foi ordenado. Se tiver acanhamento, empregue outros como
intermediários, de modo que, se a ordem for contra a Escritura,
evite o mal para si e para os irmãos; se, porém, ficar
demonstrando que não é contra a Escritura, livre-se de um juízo
vão e perigoso. Mas aquele que come, apesar de suas dúvidas, é
condenado, porque não se guia pela convicção (Rm 14,23). Não se
dê aos mais simples ocasião resvaladiça de desobediência. Mas
se alguém fizer cair em pecado um destes pequeninos, melhor fora
que lhe atassem ao pescoço a mó que um asno faz girar e o lan-
çassem no fundo do mar (Mt 18,6). Se alguns persevera- rem na
desobediência, sem revelarem tristeza, mas murmurarem às
ocultas, pelo fato de serem causa de divisão na comunidade e
abalarem a autoridade certa das ordens, tornando-se mestres de
rebelião e de desobediência, sejam expulsos da comunidade dos
irmãos. Expulsa o mofador do conselho e cessará a discórdia (Pr
22,10). E ainda: Um pouco de fermento leveãa a massa toda (ICor
5,6).

119
QUESTÃO 48

NÃO SE DEVE INVESTIGAR CURIOSAMENTE O


GOVERNO DO SUPERIOR MAS ANTES ESTAR
ATENTO A SEU PRÓPRIO DEVER

Resposta

Além do mais, para não acontecer que facilmente caia alguém


no vício da contestação, com prejuízo próprio e alheio, que de
modo absoluto nenhum dos irmãos, de início, investigue
curiosamente o governo do superior, nem se preocupe com o
que se faz, exceto os mais próximos dele, tanto pelo grau,
quanto pela prudência. O superior chamará a esses
necessariamente a conselho e deliberação sobre as questões de
interesse comum, obediente à exortação do que disse: Não faças
coisa alguma sem conselho (Eclo 32,24).
Se, pois, lhe confiamos o governo das nossas almas, como
quem há de prestar contas a Deus, seria completamente ilógico
desconfiar nas coisas mais vis e enchermo-nos de suspeitas
absurdas contra um irmão, dando aos demais também ocasião de
fazerem o mesmo. Para isto não acontecer, cada um fique no
lugar aonde foi chamado e dê-se completamente ao que lhe foi
entregue, sem indagar curiosamente dos negócios dos outros,
imitando os santos discípulos do Senhor, entre os quais a
questão da samaritana podia ter suscitado uma suspeita.
Nenhum, todavia, lhe perguntou: Que desejas? ou: Que falas com
ela? (Jo 4,27).

QUESTÃO 49
CONTROVÉRSIAS ENTRE OS IRMÃOS

Resposta

Quanto às controvérsias entre os irmãos, se alguns dis-


cordarem a respeito de alguma questão, não devem de modo
contencioso se defrontarem, mas deixem o julgamento

120
aos mais idôneos. Parã não se perturbar a ordem, perguntando
todos sempre, nem dar ocasião a zombarias e bagatelas, é preciso
haver uma pessoa bem experiente, que possa propor o ponto
duvidoso à deliberação comum dos irmãos ou referi-la ao
superior. Assim, o exame da questão será mais exato e mais
prudente. Se em qualquer negócio são precisas ciência e
experiência, nesses muito mais ainda. E se ninguém entrega
instrumentos a inexpertos, com maior razão, só se conceda o
manejo da palavra a peritos, que sabem discernir o lugar, a
ocasião e o modo de interrogar, perguntam sem contradição e
com prudência, ouvem com sabedoria, e com diligência dão a
solução desejada, para a edificação da comunidade.

QUESTÃO 50
DE QUE MODO DEVE O SUPERIOR CORRIGIR

Resposta

Mesmo nas correções, não aja o superior para com os


delinqüentes sob o impulso da emoção. Repreender encole-
rizado e irado a um irmão não é livrá-lo do pecado e sim
envolver-se a si mesmo em falta. Por isso se diz: É com mansidão
que deve corrigir os adversários (2Tm 2,25).
Não seja violento, nem mesmo contra aqueles que, acaso, o
desprezarem, e ao invés, se vir um outro menosprezado, seja
indulgente para com o pecador, mas revele maior indignação
contra o pecado. Assim evitará suspeita de egoísmo, por agir
diversamente em relação a si ou aos outros; não mostre ódio ao
pecador e sim aversão ao pecado. Se ele se indignar contra o que
foi dito, é evidente que não se irrita por causa de Deus, ou do
perigo em que incorre o pecador, mas por ambição de glória e de
domínio. Revele, pois, zelo pela glória de Deus, ofendida pela
transgressão do mandamento, de dois modos: através da
misericórdia fraterna que quer salvar o irmão em perigo por
causa do pecado (porque: É o culpado que morrerá, Ez 18,4), e
através do ataque que move contra qualquer pecado enquanto

121
pecado, patenteando o ardor do espírito na severidade da pena.

QUESTÃO 51

A MANEIRA DE CORRIGIR AS FALTAS DE QUEM

PECOU Resposta
Proceda-se nas correções à maneira da medicina em relação
aos pacientes: não se irrita contra os doentes, mas combate a
doença. Ataque os vícios e, se necessário, com meios mais
penosos, cure as doenças da alma. A vangloria, por exemplo,
com exercícios de humildade; as palavras ociosas, com o
silêncio; o sono exagerado com vigílias de oração; a preguiça
corporal com o labor, a imoderação no comer com o jejum; a
murmuração com o retiro.
Nenhum dos irmãos trabalhe com o murmurador, nem o
produto de seu trabalho seja englobado com os dos outros, como
foi dito acima, a não ser que, pela penitência, da qual não se
core, mostre que se libertou deste vício. Então, também a obra
que fez murmurando pode ser aceita; no entanto, não seja usada
para serviço dos irmãos, mas destinada a outra finalidade. A
razão disto foi suficientemente exposta acima.

QUESTÃO 52
COM QUE DISPOSIÇÃO SERÃO RECEBIDOS OS
CASTIGOS

Resposta

Dissemos que o superior deve aplicar os tratamentos aos


doentes de modo desapaixonado; assim também os pacientes
recebam os castigos sem ódio, sem considerar tirania o cuidado
que lhes é prestado por misericórdia, para a salvação de suas
almas. É vergonhoso que os fisi

122
camente doentes confiem nos médicos a tal ponto que, se
cortam, queimam ou receitam remédios amargos, são con-
siderados benfeitores e nós não mantenhamos idêntica atitude
para com os médicos das almas, quando por meios severos agem
em prol de nossa salvação, conforme diz o Apóstolo: Porque, se
eu vos entristeço, como podería esperar alegria daqueles que por
mim foram entristecidos? (2Cor 2,2). E ainda: Vede, pois, que
disposições operou em vós a tristeza segundo Deus! Que zelo! Que
ardor! (2Cor 7,11). Se olharmos para o fim, consideraremos
benfeitor quem nos entristece, segundo Deus.

QUESTÃO 53
COMO OS MESTRES DOS OFÍCIOS HÃO DE
CORRIGIR AS FALTAS DOS MENINOS

Resposta
Os mestres dos ofícios, no caso de os discípulos cometerem
erros contra a própria arte, corrijam em particular a falta e
emendem os erros. Todos os pecados, porém, que denotarem
perversidade nos costumes, como sejam con- tumácia e
contradição, preguiça no trabalho, ou palavras ociosas, ou
mentira, ou qualquer outra coisa proibida aos que praticam a
piedade, devem ser denunciados junto do responsável pela
disciplina comum e repreendidos. Exco- gite ele a medida e o
modo a empregar a fim de curar os pecados. Se a repreensão é o
tratamento da alma, não compete a qualquer um repreender ou
curar, senão àquele a quem o superior, após maduro exame, o
permitir.

QUESTÃO 54
CONVENIÊNCIA DE TEREM OS SUPERIORES DAS
COMUNIDADES DIÁLOGOS A RESPEITO DOS
RESPECTIVOS INTERESSES

Resposta
É bom que haja, em tempos e lugares determinados, reuniões
dos superiores das comunidades dos irmãos. Ex

123
ponham eles mutuamente as questões fortuitas, os pontos morais
mais difíceis e o que cada um estabeleceu, de modo que, se
houver erro, pelo julgamento de muitos se esclareça
devidamente, e se foi acertado, seja confirmado pelo testemunho
de muitos.

QUESTÃO 55
SE O USO DA MEDICINA CONVÉM ÀS FINALIDADES
DA PIEDADE

Resposta

1. Deus nos concedeu o auxílio das artes para suprir às


debilidades de nossa natureza. A agricultura, por exemplo,
porque os produtos espontâneos da terra não seriam suficientes
para satisfazer às nossas necessidades; a têxtil, porque as vestes
são indispensáveis, tanto para o decoro quanto para defesa
contra as intempéries; e igualmente a arte da construção das
casas. Assim também a medicina. Como o corpo passível está
sujeito a vários males, quer sobrevindos de fora, quer intrínsecos
ocasionados pelos alimentos, e ora é afligido pelo excesso, ora
pela insuficiência, a medicina, cortando o supérfluo e suprindo
as deficiências, foi-nos concedida por Deus, que governa a
nossa vida, como tipo do tratamento a ser empregado para sanar
a alma.
Se estivéssemos ainda no paraíso de delícias, não precisa-
ríamos das invenções e do labor agrícola; assim também, se
tivéssemos ainda o dom da imunidade como antes da queda,
quando as coisas foram criadas, não necessitaríamos do alívio da
medicina. Mas depois de expulsos para a terra e ouvirmos a
palavra: Comerás o teu pão com o suor de teu rosto (Gn 3,19),
após uma longa experiência e muito labor no cultivo da terra,
para suavizar as tristezas desta maldição, descobrimos a
agricultura, da qual Deus nos deu a inteligência e o
conhecimento. Igualmente, tendo recebido ordem de voltar à
terra de onde fomos tirados, e ligados à carne molesta,
condenada à corrupção e sujeita às doenças em consequência do
pecado, foi-nos oferecida

124
também a ajuda da medicina, para proporcionar aos doentes certa
assistência.
2. Não foi fortuitamente que as ervas apropriadas à cura de
cada uma das doenças germinaram da terra. Ao contrário, foram
produzidas de acordo com a vontade do Criador, para prover às
nossas necessidades. A descoberta de força natural que há nas
raízes e nas flores, nas folhas e nos frutos, nas substâncias, no
que há nas minas ou no que existe no mar presta-se ao bem do
corpo. Asse- melha-se aos outros inventos, referentes à comida e
à bebida. Os cristãos, no entanto, têm o dever de evitar o que foi
excogitado supérflua e minuciosamente, é obtido com grande
trabalho e absorve de certo modo nossa vida nos cuidados com o
corpo.
Esforcemo-nos por usar desta arte, se precisarmos, sem lhe
atribuir a causa da boa ou má saúde, mas empreguemo- la a fim
de manifestar a glória de Deus e enquanto imagem do tratamento
da alma.
Se precisarmos dos socorros da medicina de modo nenhum
ponhamos a esperança da melhora dos males somente nessa arte.
Devemos saber que o Senhor não permitirá sermos tentados além
do que podemos suportar (ICor 10,13), ou fará como outrora,
quando fez um pouco de lodo, ungiu (o cego) e ordenou-lhe se
fosse lavar em Siloé (Jo 9,6.7), ou quando se limitou a
manifestar a própria vontade, dizendo: Quero, sê purificado (Mt
8,3). Na verdade permite que alguns combatam em meio de
aflições, tomando-os mais recomendáveis por meio da prova.
Assim também agora quer agir conosco, algumas vezes curando
de maneira invisível e escondida, quando julga proveitoso para
nossas almas; de outras vezes, porém, determina que usemos dos
socorros materiais em nossas doenças, a fim de ser duradoura a
lembrança do benefício recebido pela demora da cura, ou ainda,
como disse, dá-nos um exemplo de terapêutica espiritual. Como
é forçoso para o corpo eliminar os elementos estranhos e suprir
as deficiências, assim convém remover de nossas almas o que
lhes é alheio e tomar o que é de acordo com sua natureza. Na
verdade, Deus criou o homem reto e nos fez para a prática das
boas obras (Ecl 7,30).

125
3. E se aceitamos para curar o corpo os cortes, as cau-
terizações, os medicamentos amargos, de igual modo importa
suportar para a cura da alma as palavras cortantes da censura e
os remédios amargos das repreensões. A palavra profética
exprobra os que assim não se emendam, ao dizer: Não haverá
bálsamo em Galaad? Nem se poderá encontrar um médico? Por
que, então, a ferida da filha de meu povo não se há de cicatrizar?
(Jr 8,22). Se nas doenças crônicas procura-se por muito tempo
obter a saúde, empregando recursos vários e dolorosos, isto
indica que devemos corrigir os pecados da alma também com
orações prolongadas, diuturna penitência e regime mais severo,
talvez mais ainda do que a razão sugere como suficiente para a
cura.
Se alguns não usam convenientemente da medicina, nem por
isso somos obrigados a recusar todas as suas vantagens. Se os
intemperantes, à busca de delícias, abusam da arte culinária, da
panificação, da arte têxtil, excedendo os limites da necessidade,
não rejeitamos logo todos esses ofícios; ao contrário, pelo bom
uso dos mesmos, corrigiremos o seu abuso. Assim também
quanto à medicina é ilógico opor- se a um dom de Deus, porque
alguns a empregam mal. Seria irracional colocar nas mãos do
médico a esperança da saúde; no entanto vemos que alguns
infelizes o fazem, não se corando de denominá-los seus
salvadores. Seria, porém, obstinação ser inteiramente avesso aos
bens que a medicina traz. Como Ezequias não tinha a massa de
figos na conta da causa primeira de sua saúde (2Rs 20,7), nem
lhe atribuía a cura do corpo, mas acrescentou à glorificação de
Deus a ação de graças por ter criado os figos, assim também
nós, se feridos por Deus, que governa de maneira boa e sábia a
nossa vida, peçamos-lhe, em primeiro lugar, conhecimento da
razão por que deste modo nos flagela; em segundo, que nos
livre dessas dores e nos dê a paciência, de modo que com a
tentação nos conceda também os meios de sairmos dela, dando-
nos poder de suportá-la (ICor 10,13).
4. Recebamos com ações de graças a concessão da graça da
saúde, seja por meio de um misto de vinho com óleo (Lc 10,34),
como sucedeu ao que caiu nas mãos dos ladrões, seja por meio
dos figos, como aconteceu a Ezequias (2Rs

126
20,7). Não há diferença se Deus nos trata de um modo invisível
ou emprega elementos corpdreos; estes, com frequência, nos
levam mais eficazmente a entender o dom do Senhor.
Muitas vezes, por castigo caímos doentes e somos con-
denados a tratamento duro e pesado, em substituição da pena. A
reta razão nos persuade a não repudiarmos nem os cortes, nem
as cauterizações, nem a acerbidade dos remédios acres e
molestos, nem os regimes, nem a dieta estrita, nem a abstinência
de coisas mortíferas; salvo, repito-o, o bem da alma, à qual é
proposto este exemplo para seu próprio tratamento.
Perigo não pequeno há em cair no erro de pensar que toda
doença reclama os subsídios da medicina. Nem todas as doenças
provêm da natureza, ou de uma alimentação imprópria, ou de
outra causa somática, para cuja terapia vemos, por vezes, ser útil
a medicina. Freqüentemente, porém, as doenças são flagelos por
causa dos pecados, para nos convertermos. O Senhor castiga
aquele que ele ama (Pr 3,12); e: Esta é a razão por que entre vós há
muitos adoentados e fracos e muitos mortos. Se nos examinássemos
a nós mesmos, nós não seríamos julgados. Mas, sendo julgados pelo
Senhor, ele nos castiga para não sermos condenados com este
mundo (ICor 11,30.32). Por isso, em tais casos, logo que
reconhecermos nossos delitos, desistindo da medicina, soframos
em silêncio nossas penas, segundo a palavra: Suportei a cólera do
Senhor porque tenho pecado contra ele (Mq 7,9). E assim,
emendemo-nos, produzindo dignos frutos de penitência,
lembrados do Senhor que disse: Eis que ficaste são; já não peques,
para não te acontecer coisa pior (Jo 5,14).
Às vezes, as doenças nos advêm a pedido do maligno, quando
o Senhor, amigo dos homens, lhe apresenta para combate um
grande lutador e deprime sua jactância com a suma tolerância de
seus servos, conforme sabemos ter sucedido a Jó (Jó 2,6). Deus
propõe aos intolerantes de seus próprios males o exemplo de
alguns que suportaram com perseverança as adversidades até à
morte, como Lázaro do qual, afligido por profundas úlceras (Lc
16,20), não está escrito que tivesse pedido alguma coisa ao rico
ou se mos

127
trasse impaciente por causa da própria situação. Por isso
alcançou o repouso no seio de Abraão (ibid. 22.25), tendo
recebido males em sua vida.
Encontramos ainda outra causa das doenças que atacam os
santos, como se deu com o Apóstolo. Para não parecer
ultrapassar os limites da natureza humana, nem julgasse alguém
possuir ele naturalmente algo de extraordinário (como sucedeu
aos licaônios, que lhe trouxeram coroas e touros, At 14,12) e a
fim de comprovar que possuía natureza humana, pelejava
continuamente com a doença.
5. Que vantagens, portanto, pode trazer a medicina a tais
homens? Ou antes, que perigo não será se os desviar da reta
razão para cuidarem do corpo? Os que contraíram uma
enfermidade devida a uma dieta prejudicial devem servir de
modelo, pelo tratamento do corpo, ao da alma, como se disse
mais acima. Pois, convém-nos também, de acordo com a
medicina, abster-nos do que é nocivo, escolher o que é útil,
observar as prescrições. Analogamente, a passagem da
enfermidade corporal à saúde serve-nos de consolo, para não
desanimarmos a respeito da alma, como se não pudesse voltar,
pela penitência, dos pecados à própria integridade.
Não evitemos, portanto, inteiramente esta arte, nem tam-
pouco coloquemos nela toda a nossa esperança. Mas, como
usamos da agricultura, suplicando a Deus os frutos, e como
entregamos o leme ao piloto, rogando a Deus escapemos
incólumes do mar, assim também se chamamos o médico,
quando razoável, não perdemos a esperança que devemos
colocar em Deus.
Parece-me também que esta arte auxilia não pouco à
continência. Vejo como corta os prazeres, condena a saeie- dade
e variedade dos alimentos, rejeita como inconveniente o
excessivo apuro no preparo da alimentação; em resumo, chama
à sobriedade mãe da saúde, e assim, até por esse ponto de vista,
seus conselhos não são vãos.
Quer, portanto, respeitemos algumas vezes as prescrições
medicinais, quer não as sigamos por alguma das causas acima
enumeradas, preservado fique o escopo de agradar a Deus e
buscar o bem da alma, cumprindo o mandamento do Apóstolo:
Quer comais ou bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo
para a glória de Deus (ICor 10,31).

128
AS REGRAS MENOS EXTENSAS

INTRODUÇÃO
Deus, dos homens amigo, que ensina a ciência ao homem (SI
93,10), de um lado ordena por intermédio do Apóstolo (lTm 1,3)
aos que receberam o carisma de ensinar perseverarem no
magistério, e de outro, exorta, por meio de Moisés, aos
necessitados da edificação dos ensinamentos divinos, dizendo:
Interroga teu pai, e ele te contará, teus avós, e eles te dirão (Dt
32,7). Por isto, nós, a quem foi confiado o ministério da palavra,
devemos em qualquer tempo estar desejosos de orientar as
almas; e não só testemunhar publicamente diante de toda a
Igreja, mas também em particular permitir a cada um dos que
nos procuram interrogarem à vontade o que interessa à
integridade da fé e à autenticidade deste gênero de vida,
segundo o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. As duas
coisas constantemente completam o homem de Deus.
Vós, porém, nada deixeis sem fruto, nada ocioso; mas, além
do que aprendeis em comum, fazei perguntas em particular
sobre assuntos proveitosos e empregai utilmente todos os lazeres
da vida. Se Deus nos reuniu para este fim e gozamos de muita
tranqüilidade, sem ruídos do exterior, não nos afastemos para
fazer outro trabalho, nem entreguemos novamente o corpo ao
sono, mas passemos o restante da noite na meditação e exame de
nossas necessidades, cumprindo a palavra do bem-aventurado
Davi: Na lei do Senhor medita dia e noite (SI 1,2).

129
w

INTERROGAÇÃO 1

É lícito ou útil a alguém fazer ou dizer o que pensa ser bom, sem
ter o testemunho das Escrituras divinas?

Resposta

Se Nosso Senhor Jesus Cristo afirma do Espírito Santo: Não


falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir (Jo 16,13) e de si
mesmo: O Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma (Jo
5,19) e ainda: Não falei por mim mesmo, mas o Pai, que
enviou, ele mesmo prescreveu o que devo dizer e o que devo
ensinar. E sei que o seu mandamento é vida eterna. Portanto, o que
digo, digo-o segundo falou o Pai (Jo 12,49.50), quem chegará
a tamanha loucura que ouse por si mesmo até cogitar alguma
coisa, quando necessita ter por guia o santo e bom Espírito para
dirigi-lo no caminho da verdade, em relação a pensamentos,
palavras e obras, e se é cego e anda nas trevas, sem o sol de
justiça, Nosso Senhor Jesus Cristo, que ilumina por raios de luz,
os seus mandamentos? O mandamento do Senhor é luminoso, diz-
se, esclarece os olhos (SI 18,9).
Quanto às questões ou palavras habituais, umas são
determinadas pelo mandamento de Deus na Sagrada Escritura,
outras são passadas em silêncio. Das escritas, ninguém
absolutamente pode fazer o que foi proibido ou omitir o que foi
prescrito, uma vez que o Senhor ordenou: Não ajuntareis nada a
tudo o que vos prescrevo, nem tirareis nada daí, mas guardareis os
mandamentos como hoje vos prescrevo (Dt 4,2). Terrível ameaça
do juízo aguarda os que têm tal ousadia e o ardor do fogo há de
devorá-los (Hb 10,27). Quanto aos que passa em silêncio, o
apóstolo Paulo estabeleceu uma regra, dizendo: Tudo é
permitido, mas nem tudo é oportuno. Tudo é permitido, mas nem
tudo eãifica. Ninguém busque o seu interesse, mas o de outrem
(ICor 10,22s). Por isso, é indispensável submeter- se a Deus,
segundo seu mandamento, ou aos outros por causa de seu
mandamento, porque está escrito: Sujeitai- vos uns aos outros no
temor de Cristo (Ef 5,21); e o Senhor disse: Se alguém quer ser o
primeiro, seja o último de todos

130
e o servo de todos (Mc 9,34), contrariando as próprias vontades, à
imitação do Senhor que disse: Desci do céu, não para jazer minha
vontade, mas a vontade daquele que enviou (o Pai) (Jo 6,38).

INTERROGAÇÃO 2
Que espécie de profissão devem exigir uns dos outros, os que
querem viver em comum segundo Deus?

Resposta

A proposta pelo Senhor a todos os que dele se aproximavam,


ao dizer: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo,
tome sua cruz e siga (Mt 16,24). Na pergunta que trata do
assunto referiu-se sobre o sentido de cada uma destas
afirmações.

INTERROGAÇÃO 3
Como converter um pecador? Ou se não se converter, como agir?

Resposta

Como ordena o Senhor que disse: Se teu irmão tiver pecado


contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás
ganho teu irmão. Se não te escutar, toma contigo uma ou duas
pessoas, a fim de que toda a questão se resolva pela decisão de duns
ou três testemunhas. Se recusa ouvi-los, dize-o à Igreja. E se recusar
ouvir também a Igreja, seja ele para ti como um pagão e um
publicano (Mt 18,15-17). Se isto acontecer, basta a esse homem o
castigo que a maioria lhe infligiu (2Cor 2,6), conforme o Apóstolo
escreveu: Repreende, ameaça, exorta, mas sempre com paciência e
não cesses de instruir (lTm 4,2). E ainda: Se alguém não obedecer
ao que ordenamos por esta carta notai-o, e para confundi-lo, não
tenhais comunicação com ele, a fim de que fique confundido (2Ts
3,14).

131
INTERROGAÇÃO 4

Se alguém, mesmo por causa de pecados leves, insiste com


se s irm os, di endo: De eis fa er peni ncia , acaso sem
misericórdia e destrói a caridade?

Resposta
Como o Senhor assegurou que tudo se cumprirá antes que
desapareça um iota, um traço da lei (Mt 5,18) e afirmou: No
dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que
tiverem proferido (Mt 12,36), nada se menospreze, como se
fosse pequeno. Quem menospreza a palavra será por ela
menosprezado (Pr 13,13). Aliás, quem ousará dizer que um
pecado é pequeno, se o Apóstolo asseverou: Desonras a Deus
pela transgressão da lei (Rm 2,23)? Se o estímulo da morte é o
pecado, não este ou aquele, mas qualquer pecado sem distinção,
é sem misericórdia quem se cala, não quem censura, assim
como o é quem deixa o veneno em alguém que foi mordido por
um animal peçonhento, não quem o extrai. Aquele destrói a
caridade. Pois está escrito: Quem poupa a vara, odeia seu filho;
quem o ama, castiga-o na hora precisa (Pr 13,24).

INTERROGAÇÃO 5
Como fazer penitência de cada pecado e mostrar dignos
frutos de penitência?

Resposta
Tendo a disposição daquele que disse: Odeio o mal e o
detesto (SI 118,163) e praticando o que foi referido no Salmo 6
e em muitos outros, hem como seguindo o testemunho do
Apóstolo acerca dos que se contristaram, conforme quer Deus,
por causa do pecado alheio. Vede, pois, que disposições operou
em vós a tristeza segundo Deus! Que digo eu? Que escusas, que
indignação, que temor, que ardor, que zelo, que severidade!
Mostrastes em tudo que

132
não tínheis culpa neste assunto (2Cor 7,11). E ainda como Zaqueu,
tendo um procedimento multiplicadamente oposto ao anterior.

INTERROGAÇÃO 6

Que pensar de quem confessa seu arrependimento por palavras,


mas não se corrige ão pecado?

Resposta

Julgo ter sido por causa dele que foi escrito: Quando o inimigo te
falar com amabilidade, não te fies nele, porque há sete abominações
em seu coração (Pr 26,25). E em outra passagem: Um cão que volta a
seu vômito: tal é o louco que reitera suas loucuras (ibid. 11).

INTERROGAÇÃO 7

Qual a sentença dos defensores daqueles que pecaram? Resposta


Julgo ser mais grave do que a pronunciada contra aquele, do qual se
disse: Melhor lhe seria que se lhe atasse em volta ão pescoço uma
pedra de moinho e que fosse lançado ao mar, do que levar para o
mal a um só destes pequeninos (Lc 17,2). Pois o pecador não é
admoestado para sua emenda, mas encontra defesa para confirmá-lo no
pecado, sendo outros incitados a vícios semelhantes. Por isso, se não
mostrar dignos frutos de penitência, a tal defensor aplica- se a palavra do
Senhor: Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e
lança-o longe de ti, porque te é preferível perder-se um só de teus
membros, a que o teu corpo inteiro seja lançado na geena (Mt 5,29).

133
INTERROGAÇÃO 8

Como receber quem está verdadeiramente arrependido?

Resposta
Como ensinou o Senhor: Reúne os amigos e vizinhos, dizendo-
lhes: Regozijai-vos comigo, achei a minha ovelha que se havia
perdido (Lc 15,6).

INTERROGAÇÃO 9
Que atitude tomaremos para com o pecador não contrito?

Resposta
A que ordena o Senhor ao dizer: Se recusar ouvir também a
Igreja, seja ele para ti como um pagão e um publi- cano (Mt 18,17)
e a que ensinou o Apóstolo, quando escreveu: Que vos aparteis
de qualquer irmão que vive na preguiça, sem observar as instruções
que de nós tendes recebido (2Ts 3,6).

INTERROGAÇÃO 10
Com que temor e com quantas lágrimas deve a mísera alma que
muito pecou abandonar os pecados e possuída de que esperança e
sentimentos há de se aproximar de Deus?

Resposta
Em primeiro lugar, deve odiar a reprovável vida anterior e
execrar e detestar até mesmo a sua lembrança, pois está escrito:
Odeio o mal, e o detesto, mas amo a vossa lei (SI 118,163). Em
seguida, ter como mestra do temor a ameaça do juízo e do
suplício eterno; também reconheça ser o tempo de penitência
um tempo de lágrimas, como

134
Davi o ensinou no Salmo 6. Creia firmemente na remissão dos
pecados pelo sangue de Cristo, devido à grandeza da
misericórdia e à multidão das comiserações de Deus, que disse:
Se vossos pecados forem escarlates, tornar-se-ão brancos como a
neve! Se forem vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a
lã! (Is 1,18). Então, tendo recebido faculdade e força para
agradar a Deus, diz: Pela tarde, vem o pranto, mas de manhã, volta
a alegria (SI 29,6)! Vós convertestes o meu pranto em prazer;
tirastes minhas vestes de penitência e cingistes de alegria. E
assim minha glória vos louvará (ibid. 12.13). Aproximando-se
assim, sal- modia diante de Deus: Eu vos exaltarei, Senhor,
porque livrastes. Não permitistes que exultassem sobre mim
meus inimigos (ibid. 2).

INTERROGAÇÃO 11
Como odiará alguém os pecados?

Resposta

Sempre um acontecimento triste e penoso provoca ódio


contra os que o ocasionaram. Se, pois, alguém está convencido
de quantos e quão grandes males causam os pecados,
espontânea e animosamente os odeia, como o demonstrou
aquele que disse: Odeio o mal, e o detesto (SI 118,163).

INTERROGAÇÃO 12
Como pode a alma persuadir-se de que Deus lhe perdoou os
pecados?

Resposta

Se vir que está com os sentimentos daquele que disse: Odeio o


mal, e o detesto (SI 118,163). Pois Deus, tendo enviado seu Filho
Unigênito para a remissão dos nossos pecados, na medida em
que dependia dele, de antemão per-

135
doou a todos. Mas o santo Davi canta (SI 100,1) a mise- ricódia
e a justiça e atesta ser Deus misericordioso e justo; portanto, é
necessário realizarmos as palavras dos profetas e dos apóstolos
nos lugares em que falam de penitência, a fim de que os juízos
da justiça de Deus se manifestem e se exerça a sua misericórdia
na remissão dos pecados.

INTERROGAÇÃO 13
Quem pecou depois do batismo deve desesperar de sua salvação,
por se achar envolvido numa multidão de pecados, ou até que
quantidade de pecados deve confiar na benigni- daãe de Deus, por
meio da penitência?

Resposta

Se for possível enumerar a multidão das comiserações de


Deus e medir a grandeza das suas misericórdias, em confronto
com a quantidade e a grandeza dos pecados, então, perca-se a
esperança. Se as últimas, porém, como se sabe, estão sujeitas a
medida e número, e se é impossível medir a misericórdia de
Deus e calcular as suas comiserações, não é tempo de
desesperar, e sim, de reconhecer a misericórdia e de detestar os
pecados, cuja remissão é proposta por meio do sangue de Cristo,
como está escrito.
Aprendemos que não se deve desesperar, de muitos lugares e
de muitas maneiras, principalmente da parábola de Nosso
Senhor Jesus Cristo acerca do filho que, tendo recebido as
riquezas paternas, desperdiçou-as em pecados (Lc 15,13s).
Instruem-nos as próprias palavras do Senhor sobre que grande
festa mereceu a penitência.
Também por Isaías diz Deus: Se vossos pecados forem
escarlates, tornar-se-ão brancos como a neve! se forem vermelhos
como a purpura, ficarão brancos como a lã! (Is 1,18). Devemos
saber que isto só será verdade, se for adequado o modo de
penitência, procedente de uma disposição de horror ao pecado,
conforme está escrito no Antigo e no Novo Testamento; e se der
dignos frutos, como foi dito na interrogação que trata deste
assunto.

136
INTERROGAÇÃO 14

Com que espécie de frutos se há de comprovar a verdadeira


penitência?

Resposta

A atitude dos próprios penitentes, a disposição dos que


abandonam o pecado e o zelo pelos dignos frutos de penitência
foram descritos no devido lugar.

INTERROGAÇÃO 15
Que significa a palavra: Quantas vezes devo perdoar a meu
irmão, quando ele pecar contra mim? (Mt 18,21). E quais os pecados
que devo perdoar?

Resposta

O poder de perdoar não foi dado de modo absoluto, mas


depende da obediência do pecador arrependido e de sua con-
córdia com aquele que está cuidando de sua alma. Pois está
escrito a respeito desses: Se dois de vós se unirem sobre a terra
para pedir, seja o que for, consegui-lo-ão de meu Pai que está nos
céus (ibid. 19).
Quanto à espécie de pecados, nem se deve perguntar. O Novo
Testamento não faz diferença alguma, mas promete a remissão
de todos os pecados aos que se penitenciam devidamente; e,
principalmente, porque o Senhor em pessoa o prometeu a
respeito de todos.

INTERROGAÇÃO 16
Por que é que às vezes a alma sem esforço sente compun- ção por
um pesar espontâneo que dela de repente se apossa; e por vezes de
tal modo não sente contrição que, mesmo fazendo-se violência, não
pode se compungir?

137
Resposta

Tal compunção é dom de Deus, ou para excitar o desejo, de


modo que a alma, tendo provado a doçura de tal pesar, empenha-
se em cultivá-lo, ou para demonstrar que o espírito pode, por
meio de uma aplicação mais diligente, ter sempre a compunção,
de maneira que não há desculpas para os que a perdem por
negligência; mas, o fato de esfor- çar-se e não poder, acusa nosso
desleixo no passado (pois não é possível alguém de repente
enfrentar uma tarefa e conseguir fazê-la, sem aplicação e muitos
e assíduos exercícios), e simultaneamente mostra que a alma está
dominada por outros vícios, que não a deixam livre de fazer o
que quer, segundo a sentença proferida pelo Apóstolo: Mas eu
sou carnal, vendido ao pecado. Não faço o que quero, mas faço o que
oborreço (Rm 7,14-15). E ainda: Mas então, não sou eu que o faço,
mas o pecado que em mim habita (ibid. 17). Deus permite que isto
aconteça para nosso bem, a fim de que, talvez, possa a alma, pelo
que sofre a contragosto, sentir qual o poder que a subjuga e
conhecer em que ponto involuntariamente serve ao pecado, e
assim rejeitar as ciladas do diabo e encontrar a misericórdia de
Deus, pronta a receber os que se arrependem sinceramente.

INTERROGAÇÃO 17
Se alguém pensar em comer, depois censurar-se a si mesmo, deve
ser acusado de ter sido inquieto?

Resposta

Se vem a lembrança da fome antes da hora, sem que a


natureza o moleste, é claro que foi um desvio da mente, onde se
trai a propensão para as coisas presentes e a negligência pelas
coisas que agradam a Deus. Mesmo assim lhe está reservada a
misericórdia de Deus. Porque, ao acusar-se alguém, é absolvido
do crime pela penitência e se para o futuro se precaver da queda,
lembrado do Senhor que disse: Eis que ficaste são; já não peques,
para não te

138
acontecer coisa pior (Jo 5 4). Se, porém, por necessidade natural,
a fome aumentar, a sensação de fato mover a memória, mas a
razão vencê-la por meio de zelo, ou ocupação com coisas
melhores, esta lembrança não é condenável e sim, a vitória,
louvável.

INTERROGAÇÃO 18
Se deve um membro ãa comunidade que pecou, depois de muitos
exercidos, receber um ofício. E se deve, qual?

Resposta

Lembrados do Apóstolo que disse: Não vos torneis causa de


escândalo, nem para os judeus, nem para os gentios, nem para a
Igreja de Deus. Fazei como eu: em todas as circunstâncias procuro
agradar a todos, não buscando o meu interesse próprio, mas o de
muitos, para que sejam salvos (ICor 10,32.33), devemos empregar
grande cuidado em não sermos obstáculo ao Evangelho de Cristo
e um impedimento para os fracos, nem instruirmos a alguns no
mal. Nestas questões, considere-se e julgue-se o que contribui
para a edificação da fé e o progresso das virtudes em Cristo.

INTERROGAÇÃO 19
Se incorrer em suspeita de pecado alguém que não o comete às
claras, deve ser vigiado a fim de que se depreenda o que se
suspeitou?

Resposta

As suspeitas más e as provenientes de um preconceito


malévolo são condenadas pelo Apóstolo. O encarregado de
cuidar de todos deve observar a todos na caridade de Cristo,
desejando a cura do suspeito, a fim de que se realize a palavra do
Apóstolo: Para tornar todo o homem perfeito em Cristo (Cl 1,28).

139
INTERROGAÇÃO 2Ò

Se deve o que viveu no pecado fugir da companhia dos


heterodoxos ou também evitar a dos que vivem mal.

Resposta

Tendo dito o Apóstolo: que vos aparteis de qualquer irmão que


viva na preguiça, sem observar as instruções que de nós tendes
recebido (2Ts 3,6), de modo geral é muito perigoso e prejudicial
para todos qualquer participação em pontos proibidos, seja por
pensamento, palavra ou obra.
Os que viveram no pecado devem ter ainda mais cautela.
Primeiro, porque a alma acostumada ao pecado é na maior parte
das vezes mais inclinada a ele; em seguida, porque, como o
tratamento dos corpos enfermos exige a maior atenção, a ponto
de, muitas vezes, se lhes proibir o que é útil aos sãos, assim
também os doentes de espírito necessitam de muito maior
vigilância e cuidado. O próprio Apóstolo declara como é grande
o prejuízo da sociedade com os pecadores, com o seguinte
argumento: Um pouco de fermento leveda a massa toda (ICor 5,6).
Se é tamanho o dano causado pelos que erram moralmente,
que dizer dos que opinam falsamente de Deus? Seu parecer
malvado não lhes permite terem juízo reto no restante, porque
ele os entrega, de uma vez, às paixões ignominiosas; isto se
evidencia em muitas passagens e principalmente no trecho da
epístola aos Romanos: Como se recusaram a procurar uma noção
exata de Deus, Deus entregou-os a um sentimento depravado, e daí
seu procedimento indigno. Então, cheios de toda espécie de malícia,
perversidade, cobiça, maldade; cheios de inveja, homicídio,
contenda, engano, malignidade, são áifamadores, maláizen- tes,
inimigos de Deus, insolentes, soberbos, altivos, inventores de
maldaães, desobedientes aos pais. São insensatos, imodestos, sem
afeição, sem palavra e sem misericórdia. Apesar de conhecerem o
justo decreto de Deus que considera dignos de morte aqueles que
fazem tais coisas, eles não somente as fazem, mas também
aplaudem os que as cometem (Rm 1,28-32).

140
INTERROGAÇÃO 21

Donde vêm as divagações e as cogitações e como corrigi-las?

Resposta

A divagação se origina na ociosidade da mente, que não se


ocupa do necessário. A mente torna-se ociosa e descuidada,
porque não crê estar presente Deus, que perscruta os corações e
os rins. Se acreditasse nisto, realizaria plenamente a palavra:
Ponho sempre o Senhor diante dos olhos; pois que ele está à minha
direita, não vacilarei (SI 15,8). Quem faz isto e outras coisas
semelhantes, jamais ousará, nem terá tempo para cogitar algo
que não se destine à edificação da fé, mesmo que pareça bom, e
muito menos o que é proibido e não agrada a Deus.

INTERROGAÇÃO 22 Donde provêm os


sonhos inãecorosos?

Resposta

Vêm dos impulsos desordenados da alma durante o dia. Se,


porém, a alma ocupada com os juízos de Deus se purifica e
medita continuamente coisas boas e agradáveis a Deus, também
sonhará com isto.

INTERROGAÇÃO 23
Que espécie de palavras torna ociosa uma conversa?

Resposta

Em suma, qualquer palavra que não vise um fim útil, no


Senhor, é ociosa. É tão grande o perigo de tal palavra

141
que, embora seja bom o que for dito, se não servir para a
edificação da fé, a bondade da palavra não afasta do perigo a
quem falou, mas porque este não a empregou para edi- ficar,
contrista o Espírito Santo de Deus. O Apóstolo ensinou-o
claramente: Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só boas
palavras que eventualmente sirvam para a edificação da fé, e sejam
benfazejas aos que as ouvem (Ef 4,29), e acrescentou: Não
contristeis o Espírito Santo de Deus, com o qual estais selados (ibid.
30). Será preciso dizer que é grande mal entristecer o Espírito
Santo de Deus?

INTERROGAÇÃO 24
O que é a injúria?

Resposta

Toda palavra dita com o propósito de insultar é injúria,


mesmo se a palavra não parecer ofensiva. Evidencia-se pelo
Evangelho, que diz dos judeus: Então eles o cobriram de injúrias
e lhe disseram: Tu que és discípulo dele! (Jo 9,28).

INTERROGAÇÃO 25
O que é a detração?

Resposta

Há duas ocasiões, a meu ver, em que é lícito falar mal de


outrem: quando alguém precisa aconselhar-se com pessoas
idôneas, sobre como corrigir o pecador; e ainda quando for
necessário prevenir a alguns que, por ignorância, poderíam
associar-se a um mau, julgando-o bom, pois o Apóstolo proíbe
(2Ts 3,14) unir-se a eles, a fim de que ninguém arme laços para
a própria alma. Vemos que o Apóstolo agiu assim, através do
que escreveu a Timóteo: Alexandre, o ferreiro, tem-me feito muito
mal. Evita-o também

142
tu, porque faz grande oposição às nossas palavras (2Tm 4,14.15).
Exceto esses casos necessários, quem fala qualquer coisa contra
alguém, para incriminá-lo ou denegri-lo, é maldizente, mesmo se
falar a verdade.

INTERROGAÇÃO 26
Que merece quem fala mal de seu irmão ou escuta a um detrator
e o tolera?

Resposta

Ambos sejam excluídos da companhia dos demais. Exter-


minarei o que em segredo caluniar seu próximo (SI 100,5). E em
outra passagem foi dito: Não ouças com agrado um falador (Pr
20,13), para não seres derrubado.

INTERROGAÇÃO 27

Como receberemos alguém que fale mal do superior? Resposta


Manifesta-se o seu julgamento pela ira de Deus contra Maria,
quando falou mal de Moisés. Deus não deixou sem castigo este
pecado, nem mesmo a pedido de Moisés.

INTERROGAÇÃO 28
Deve-se acreditar, quando alguém com palavras ousadas e tom
insolente responder a outrem e, advertido, disser que nada de mal
tem no coração?

Resposta

Nem todos os vícios da alma são conhecidos de todos, mesmo


daquele que deles sofre, como acontece com os

143
males corporais. Os peritos descobrem no corpo certos sinais de
doenças ocultas que escapam à percepção do próprio doente;
assim também, mesmo se o pecador não sentir a doença da alma,
deve crer no Senhor ao lhe dizer e a seus sequazes que o mau
retira males do mau tesouro de seu coração. Pois o mau, algumas
vezes, simula o bem em palavras e obras; o bom, porém, não
pode simular mal algum. Aplicai-vos a fazer o bem, não só diante
de Deus, mas também diante de todos os homens (Rm 12,17).

INTERROGAÇÃO 29

Como pode alguém evitar a ira?

Resposta

Se julgar estar sempre sendo visto por Deus que o observa,


pelo Senhor presente. Qual o súdito que, diante dos olhos de seu
príncipe, ousará fazer qualquer coisa que lhe desagrade? E
mesmo se não esperar obediência da parte dos outros, esteja
pronto a obedecer, considerando os demais como acima de si. Se
procura ser obedecido por sua própria causa, saiba que a palavra
do Senhor ensina a cada um a servir aos outros; se, porém,
castiga a transgressão a um mandamento do Senhor, não há
necessidade de ira e sim de misericórdia e de compaixão,
segundo a palavra: Quem é fraco, que eu também não seja fraco?
(2Cor 11,29).

INTERROGAÇÃO 30
Como eliminaremos o vício da concupiscência má?

Resposta

Com o desejo ardente da vontade de Deus, tal como


demonstrou possuir aquele que disse: Os juízos do Senhor

144
são verdadeiros, todos igualmente justos. Mais desejáveis que o
ouro, que muito ouro fino. Mais doces que o mel, que o puro mel
dos favos (SI 18,10.11). O desejo das coisas melhores, quando se
tem a capacidade e a força de fruir do que se deseja, sempre
impõe o desprezo e o afastamento das mais insignificantes,
como o ensinaram todos os santos; com quanto maior razão das
coisas más e vergonhosas!

INTERROGAÇÃO 31
Se não é lícito, absolutamente, rir-se.

Resposta

Como o Senhor condena os que riem agora (Lc 6,25), é


evidente não haver para o fiel tempo algum próprio ao riso,
principalmente sendo tão grande a multidão dos que ofendem a
Deus (Rm 2,23), por violação da lei, e morrem no pecado; por
todos eles devemos contristar-nos e gemer.

INTERROGAÇÃO 32
Donde vem o torpor inoportuno e excessivo e como o
repeliremos?

Resposta

Este torpor sobrevêm ao se tornar a alma mais indolente


quanto aos pensamentos de Deus, menosprezando os juízos
divinos. Sacudimo-lo se pensarmos sincera e dignamente na
grandeza de Deus e desejarmos sua vontade, conforme aquele
que disse: Não darei sono aos meus olhos, nem repouso às minhas
pálpebras, nem descanso às minhas têmporas, até que encontre
residência para o Senhor, uma morada ao Poderoso de Jacó (SI
131,4.5).

145
INTERROGAÇÃO 33

Como se descobre que alguém está procurando agradar aos


homens?

Resposta

Quando mostra solicitude pelos que o louvam e indolência


para com os que o censuram. Se quer agradar a Deus, sempre e
em toda a parte será o mesmo, realizando a palavra: Pelas armas
da justiça ofensivas e defensivas; através da honra e da desonra, da
boa e da má fama; embora sejamos tidos como impostores, somos,
no entanto, sinceros (2Cor 6,7.8).

INTERROGAÇÃO 34
Como fugir do vício de agradar aos homens e como menoscabar
os louvores dos homens?

Resposta

Com a convicção firme da presença de Deus, com a soli-


citude contínua de agradar a Deus, com o desejo ardente das
bem-aventuranças prometidas pelo Senhor. Ninguém, sob o
olhar de seu senhor, oscila, buscando agradar a um companheiro
de servidão, com desacato a seu senhor e condenação para si
mesmo.

INTERROGAÇÃO 35
Como se conhecerá o soberbo e como ficará curado?

Resposta

Conhecer-se-á pelo fato de procurar o predomínio; curar- se-


á, se tiver fé no julgamento daquele que disse: O Senhor resiste
aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes (Tg

146
4,6). Convém saber que, apesar do receio de ser julgado
soberbo, ninguém se curará desse vício se não abandonar
inteiramente a ambição de prevalecer, como não poderá
esquecer uma língua ou uma arte, quem não deixar com-
pletamente não só de fazer ou de falar a respeito de tal arte, mas
até de ouvir os que falam, e de olhar os que fazem; o mesmo
seja observado em relação a qualquer vício.

INTERROGAÇÃO 36
Se as honras devem ser ambicionadas.

Resposta

Foi-nos ensinado que devemos prestar honras a quem a honra


é devida (Rm 13,7); ambicioná-la, porém, foi proibido pelo
Senhor que disse: Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns
dos outros e não buscais a glória que é só de Deus (Jo 5,44)?
Portanto, buscar a glória que vem dos homens é demonstração
de infidelidade e oposição à piedade, pois diz o Apóstolo: Se
quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo (G1
1,10). Se de tal modo são condenados os que aceitam a glória
que os homens lhes dão, os que procuram a que lhes não é
oferecida sofrerão um juízo indizível.

INTERROGAÇÃO 37
De que modo o preguiçoso em cumprir o mandamento poderá
recuperar a diligência?

Resposta

Se estiver firmemente persuadido da presença do Senhor


Deus que tudo vê, das ameaças contra o preguiçoso, da
esperança da grande recompensa por parte do Senhor que
prometeu por meio do apóstolo Paulo haver de alcançar

147
cada qual a própria recompensa de acordo com o labor (ICor
3,8); e ainda quanto de semelhante foi escrito para suscitar o
zelo de cada um, ou a paciência para a glória de Deus.

INTERROGAÇÃO 38
Se um irmão receber uma ordem e contradisser, mas depois for
espontaneamente.

Resposta
Pelo fato de contradizer, enquanto é contumaz e provoca os
outros a agirem de igual modo, saiba que é réu daquela
sentença: O perverso só busca a rebeldia (Pr 17,11). Persuada-se
bem de não ser a um homem que contradiz ou obedece, mas ao
próprio Senhor, que disse: Quem vos ouve, a mim ouve; e quem
vos rejeita, a mim rejeita (Lc 10,16). E arrependido primeiro,
apresente escusas, e assim, se lho permitirem, faça o trabalho.

INTERROGAÇÃO 39
Se alguém obedecer murmurando.

Resposta
Uma vez que disse o Apóstolo: Fazei todas as coisas sem
murmurações e sem hesitações (F1 2,14), quem murmura aliena-
se da unidade dos irmãos e o seu trabalho é excluído do uso dos
mesmos. Evidencia-se estar enfermo de incredulidade e
hesitação na esperança.

INTERROGAÇÃO 40
Se um irmão contrista a outro, como deve ser corrigido?

148
Resposta

Se o entristeceu da mesma forma que o Apóstolo, quando diz:


Fostes entristecidos segundo Deus, de modo que nenhum dano
sofrestes de nossa parte (2Cor 7,9), não é quem entristece que
necessita de correção, e sim o entristecido é quem deve mostrar
as propriedades da tristeza, segundo Deus. Se o entristeceu em
coisas indiferentes, quem con- tristou lembre-se do Apóstolo
que diz: Se, por uma questão de comida, entristeces o teu irmão, já
não vives segundo a caridade (Rm 14,15), e tendo reconhecido o
seu pecado, cumpra o que foi dito pelo Senhor: Se estás, portanto,
para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares que teu irmão
tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai
primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua
oferta (Mt 5,23.24).

INTERROGAÇÃO 41
r'
Se aquele que contristou se recusar a pedir desculpas.
Resposta

Cumpram-se as palavras do Senhor sobre o pecador im-


penitente: Se recusar ouvir a Igreja, seja ele para ti como um pagão
ou um publicano (Mt 18,17).

INTERROGAÇÃO 42
Se quem contristou pedir desculpas, mas o entristecido recusar
reconciliar-se.

Resposta

É clara a sentença do Senhor a seu respeito, na parábola do


servo em relação a seu companheiro de serviço; o primeiro,
rogado, não quis ter paciência: Vendo isto, os outros servos vieram
contar a seu senhor o que se tinha

149
passado. E o senhor, encolerizado, retirou-lhe o seu favor, entregou-
o aos algozes, até que pagasse toda a dívida (Mt 18,31.34).

INTERROGAÇÃO 43

Como atender àquele que nos desperta para a oração? Resposta


Quem reconhece o detrimento proveniente do sono, já que a
alma perde até a percepção de si mesma, e compreende a
vantagem das vigílias, especialmente como é excelente e
glorioso aproximar-se de Deus para rezar, atenderá àquele que o
desperta, seja para a oração, seja para cumprir uma ordem,
como a alguém que lhe presta os maiores benefícios, acima de
todos os desejos.

INTERROGAÇÃO 44
Que merece quem ficar de mau humor ou mesmo se irritar, ao
ser despertado?

Resposta

Seja, por algum tempo, castigado com o isolamento e o


jejum, se for capaz de compreender, arrependido, de quantos e
de quais bens se privou imperceptivelmente e, assim,
convertido, alegre-se de receber idêntico benefício ao daquele
que afirmou: Alegra-me a lembrança de Deus (SI 76,4). Se,
porém, continuar insensível, seja cortado do corpo corno um
membro gangrenado e corrupto. Está escrito, em verdade: É
preferível perder-se um só dos teus membros a que o teu corpo
inteiro seja atirado na geena (Mt 5,30).

INTERROGAÇÃO 45
Se alguém, tendo ouvido do Senhor que: O servo que, apesar de
conhecer a vontade de seu Senhor, não a fez,

150
nada preparou e lhe desobedeceu, será açoitado com muitos golpes,
e aquele que a ignorou e fez coisas repreensíveis será açoitado com
poucos golpes (Lc 12,47-48), negligencia, no entanto, conhecer a
vontade do Senhor, terá ele alguma desculpa?
Resposta

É evidente que simula ignorância e não pode fugir à


condenação do seu pecado. Se eu não viesse, diz o Senhor, e não
lhe tivesse falado, não teriam pecado, mas agora não há desculpa
para o seu pecado (Jo 15,22), porque a Sagrada Escritura em toda
parte e a todos anuncia a vontade de Deus. Esse, portanto, não
sofrerá menor condenação em companhia dos ignorantes, mas ao
contrário será condenado mais severamente com aqueles, dos
quais está escrito: Semelhante ao veneno da víbora que fecha os
ouvidos, para não ouvir a voz dos fascinadores, do mágico que
enfeitiça habilmente (SI 57,5-6). Se, porém, o encarregado do
ministério da palavra negligenciar anunciá-la, será condenado
como homicida, conforme está escrito (Ez 33,8).

INTERROGAÇÃO 46
Se é réu de pecado quem permite a outrem pecar. Resposta
Sua sentença evidencia-se das palavras do Senhor a Pilatos:
Quem entregou a ti tem pecado maior (Jo 19,11). Daí se deduz
que também Pilatos, ao tolerar os que o entregaram, tornou-se
réu de pecado, embora mais leve. Vemo-lo igualmente em Adão
que suportou a Eva; em Eva, que tolerou a serpente. Nenhum
deles ficou impune, como se fosse inocente. A própria
indignação de Deus contra eles, ponderada bem a questão, o
demonstra, pois quando Adão, à guisa de escusa, disse aquela
palavra: A mulher que deste apresentou-me deste fruto e eu
(Gn 3,12), Deus respondeu: Porque ouviste a voz de tua
mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer,
a terra será maldita por tua causa (Gn 3,17), etc.

151
INTERROGAÇÃO 47 Se convém calar
diante dos que pecam.

Resposta
Verifica-se pelos preceitos do Senhor que não convém; disse
ele no Antigo Testamento: Repreende publicamente o teu irmão,
para que não incorras em pecado por sua causa (Lv 19,17). No
Evangelho, porém: Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e
repreende-o entre ti e ele somente: se te ouvir, terás ganho teu
irmão. Se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, a fim
de que toda a questão se resolva pela decisão de duas ou três
testemunhas. Se recusa ouvi-los, dize-o à Igreja. E se recusar
também ouvir a Igreja, seja ele para ti como um pagão e um
publicano (Mt 18,15-17).
Depreende-se a gravidade da sentença desse pecado, primeiro
da palavra do Senhor, quando afirmou, em geral: Quem não crê
no Filho, não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus (Jo
3,36). A seguir, das histórias narradas na Escritura, antiga e
nova.
Eis, por exemplo, quando Acan roubou o lingote de ouro e a
veste, a ira do Senhor recaiu sobre todo o povo, embora esse
ignorasse o autor do pecado e o próprio pecado, até que o acima
mencionado fosse descoberto e sofresse, com todos os seus,
aquela horrível ruína (Js 7,21-26).
Heli, ainda que não tivesse guardado silêncio para com seus
filhos, que eram pestilentos, mas freqüentemente os
admoestasse, dizendo: Não façais assim, meus filhos, não são boas
as informações que chegam a vosso respeito (ISm 2,24) e
ainda, com outras palavras, mostrasse o absurdo do pecado e sua
inevitável condenação, porque não os punira devidamente, nem
demonstrara a energia conveniente contra eles, de tal modo
exasperou a ira de Deus que o povo pereceu com os filhos, a
própria arca foi tomada pelos estrangeiros e ele mesmo teve um
fim miserável.
Se tamanha ira se inflamou contra aqueles que não estavam
cientes do autor do pecado e contra os que proibiram o pecado e
testemunharam contra ele, que se dirá dos que sabem, contudo
se calam? A não ser que façam o que

152
recomendou o Apóstolo aos coríntios com as seguintes palavras:
Nem tendes manifestado tristeza, para que seja tirado dentre
vós o que cometeu tal ação (ICor 5,2). Ele mesmo atesta como
os coríntios agiram a seguir, escrevendo: Vede, pois, que
disposições operou em vós a tristeza segundo Deus! Que digo
eu? Que escusas! Que indignação! Que temor! Que ardor! Que
zelo! Que severidade! Mostrastes em tudo que não tínheis culpa
neste assunto (2Cor 7,11).
Mesmo agora existe em geral o perigo para todos juntos de
serem sujeitos à mesma ruína, ou até mais grave, na medida em
que é pior do que aquele que despreza a lei de Moisés, quem
despreza o Senhor (Hb 10,29) e ousa cometer o mesmo pecado
que aquele que anteriormente pecou e foi condenado. Se Caim
será vingado sete vezes, Lamec, que cometeu pecado
semelhante, o será setenta vezes sete (Gn 4,24).

INTERROGAÇÃO 48 Como
se define a avareza?

Resposta

Consiste em transgredir os limites da lei. De acordo com o


Antigo Testamento isto se dá quando alguém cuida mais de si
do que do próximo, porque está escrito: Amarás o teu próximo
como a ti mesmo (Lv 19,18). Segundo o Evangelho, está em se
buscar para si mais do que o necessário ao dia de hoje, como
aquele que ouviu a palavra: Insensato! nesta noite ainda
exigirão de ti a tua alma. E as coisas que ajuntaste, de quem
serão? (Lc 12,20). A isto acrescenta, de modo geral: Assim
acontece ao homem que entesoura para si mesmo e não é rico
para Deus (ibid. 21).

153
INTERROGAÇÃO 49 Que é

agir com leviandade?

Resposta

A acusação de agir com leviandade recai sobre tudo aquilo


que não se toma por necessidade e sim para adorno.

INTERROGAÇÃO 50
Se alguém rejeita vestes mais preciosas, mas quer para si coisa
vulgar, um manto ou um calçado que lhe fique bem, peca? Ou de
que mal sofre?

Resposta

Todo aquele que, para agradar aos homens, procurar uma


veste que lhe fique bem, sofre do mal de querer aprazer aos
homens, e se afasta de Deus. Possui o vício de ostentação,
mesmo nas coisas vis.

INTERROGAÇÃO 51
Que é raca? (Mt 5,32)

Resposta

É uma expressão regional que significa um insulto mais leve,


usado para com os familiares.

INTERROGAÇÃO 52
O Apóstolo ora diz: Não sejamos ávidos de vangloria; ora: sem
servilismo, como para vos fazerdes bem vistos (Ef 6,6). Quem é
ávido da vangloria e quem é que busca o beneplácito dos homens?

154
Resposta
Julgo que é ávido de vanglória quem faz ou diz alguma coisa
tendo em vista uma frágil glória mundana, da parte de
espectadores ou de ouvintes. Busca o beneplácito dos homens,
quem faz alguma coisa, até mesmo ignominiosa, conforme o
arbítrio de outrem e no fito de lhe agradar.

INTERROGAÇÃO 53
Que é mancha da carne e nódoa do espírito e como delas nos
manteremos puros ou que é a santidade e como a alcançaremos?

Resposta
Mancha da carne é juntar-se àqueles que cometem o que é
proibido; nódoa do espírito, porém, é mostrar-se indiferente para
com os que assim pensam, ou agem. Mantém-se puro quem
obedece ao Apóstolo que dia (ICor 5,11) nem mesmo se dever
tomar alimento com tal homem e com quantos se lhe
assemelham; ou quando sente em si o que disse Davi: Revolto-
me à vista dos pecadores, que abandonam a vossa lei (SI 118,53) e
demonstra ter a tristeza de que ficaram possuídos os coríntios,
quando acusados de indiferença diante do pecador (2Cor 7,11),
e na verdade mostraram-se totalmente puros naquela questão.
A santidade, porém, é unir-se ao Deus santo, integralmente,
sem cessar, em todo o tempo, com diligência e solicitude pelas
coisas que lhe agradam. Pois coisa mutilada não é aceita como
dom sagrado e o que foi uma vez dedicado a Deus, seria ímpio e
intolerável reduzi-lo a um uso comum e humano.

INTERROGAÇÃO 54

Que é o egoísmo e como se conhecerá o egoísta? Resposta


Muitas coisas são impropriamente ditas, como, por exemplo,
a palavra: Quem ama a sua vida, perdê-la-á; mas quem

155
odeia a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna (Jo
12,25). Egoísta é evidentemente quem se ama a si mesmo.
Reconhece-se a si mesmo como tal, se age por causa de si
mesmo, ainda quando de acordo com os mandamentos. Se, por
comodidade, omitir qualquer coisa de útil a um irmão, em
relação à alma ou ao corpo, mani- festa-se até aos outros que
está com o vício do egoísmo, cujo fim é a perdição.

INTERROGAÇÃO 55
Qual a diferença entre amargura, furor, ira e exasperação?

Resposta

A diferença entre furor e ira consiste no sentimento e no


impulso. Às vezes, quem se irrita perturba-se só pelo
sentimento, conforme indica aquele que disse: Tremei, pois, e
não pequeis mais (SI 4,5); o furioso vai mais longe, pois:
Semelhante ao das serpentes é o seu veneno (SI 57,5), e: Estava
Herodes em conflito com os habitantes de Tiro e de Sidônia (At
12,20). Uma comoção mais veemente de furor chama-se
exasperação. Amargura demonstra mais terrível duração do mal.

INTERROGAÇÃO 56
Tendo proferido o Senhor que: Todo o que se exalta será
humilhado (Lc 18,44), e como preceituou o Apóstolo: Não te
ensoberbeças (Rm 11,20), e em outro lugar: Arrogantes, soberbos,
altivos (2Tm 3,2), e de novo: A caridade não se ensoberbece (ICor
13,4), quem é que se ensoberbece, quem o arrogante, quem o
orgulhoso, quem o presunçoso, quem o inchado?

Resposta

Ensoberbece-se quem se gloria, tem alto conceito de si


mesmo por causa das boas obras, exalta-se como aquele

156
fariseu (Lc 18,11) e não se abaixa às coisas humildes. Merece
igualmente o nome de soberbo, como foram acusados os
coríntios.
Arrogante é quem não anda de acordo com as normas, nem
procura seguir a mesma regra e o mesmo modo de pensar, mas
traça o próprio caminho de justiça e de piedade.
Orgulhoso é quem se jacta do que possui e procura parecer
mais do que é.
Presunçoso talvez seja idêntico a orgulhoso, ou pouco difere,
segundo o dito do Apóstolo: É um homem orgulhoso, um
ignorante (lTm 6,4).

INTERROGAÇÃO 57
Se alguém tiver um vício incorrigível, depois de frequentemente
repreendido, deve ser batido ou é preferível ães- pedi-lo?

Resposta

Já foi dito em outro lugar que os pecadores sejam levados à


conversão pela paciência, conforme o exemplo do Senhor. Se a
condenação e a correção de muitos não bastar para sua
conversão, como aconteceu ao coríntio, seja tido como pagão. A
ninguém é seguro reter junto de si aquele que foi condenado
pelo Senhor, porque o Senhor disse (Mt 5,29.30) que é melhor
alguém entrar no reino com um olho só, com uma só mão, ou
tendo perdido um pé do que poupar um só deles e ser lançado
todo na geena de fogo, onde há choro e ranger de dentes. E o
Apóstolo testifica que um pouco de fermento faz levedar toda a
massa (G1 5,9).

INTERROGAÇÃO 58
Se é condenado apenas quem mentiu conscientemente ou se
também aquele que, por ignorância, afirmou absolutamente alguma
coisa contra a verdade.

157
Resposta

É claro que a condenação do Senhor recai mesmo sobre os


que pecam por ignorância, quando diz: Aquele que, ignorando a
vontade de seu Senhor, fizer coisas repreensíveis, será açoitado
com poucos golpes (Lc 12,48). Sempre, pois, uma penitência
condigna produz esperança segura de perdão.

INTERROGAÇÃO 59
Se alguém planejar uma coisa e não a fizer, será condenado
como mentiroso?

Resposta
Se o que projetava fazer é preceituado, não só será condenado
enquanto mentiroso, mas ainda como contumaz, porque Deus
sonda os corações e os rins (SI 7,10).

INTERROGAÇÃO 60
Se alguém teve a idéia de fazer algo que desagradasse a
Deus, e decidiu fazê-lo, será melhor desistir do mau propósito
ou cometer pecado, por receio de se desmentir?

Resposta
Como diz o Apóstolo: Não que sejamos capazes por nós
mesmos de ter algum pensamento, como de nós mesmos (2Cor
3,5), e o próprio Senhor confessa que: Nada posso fazer de mim
mesmo (Jo 5,19) e: As palavras que eu vos digo não as digo de
mim mesmo (Jo 14,10), e em outro lugar: Desci do céu não para
fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que enviou
(Jo 6,38), o Pai; portanto deve penitenciar-se, em primeiro lugar,
porque ousou decidir uma coisa qualquer por si mesmo, uma vez
que nem mesmo o bem deve ser feito por própria autoridade. Em

158
segundo lugar, sobretudo, porque não hesitou em decidir contra
o que agrada a Deus.
Vemos claramente que devemos voltar atrás, quando a
decisão deliberada vai contra o mandamento do Senhor, pelo
apóstolo Pedro que deliberadamente decidiu: Jamais lavarás
os pés (Jo 13,8.9), mas após o Senhor asseverar: Se eu não te
lavar, não terás parte comigo, logo mudou de opinião e disse:
Senhor, não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça.

INTERROGAÇÃO 61
Se alguém não pode trabalhar, nem quer aprender os salmos, que
fazer dele?

Resposta

O Senhor disse da figueira estéril na parábola: Corta-a; para


que ainda ocupa inutilmente o terreno? (Lc 13,7); é preciso, pois,
providenciar a seu respeito com todo o cuidado; se não aceitar,
aplique-se-lhe o que foi prescrito acerca daquele que persiste no
pecado. Pois o inativo para o bem será julgado com o diabo e
seus anjos.

INTERROGAÇÃO 62
Que é preciso que alguém faça para ser condenado por ocultar o
talento?

Resposta

Quem detém qualquer espécie de graça de Deus, para dela


fruir e não para beneficiar os outros, é condenado por ocultar o
talento.

INTERROGAÇÃO 63
Que é preciso que alguém faça para ser condenado como os
murmuradores contra os últimos?

159
Resposta

Cada qual é condenado por seu próprio pecado; os


murmuradores por causa da murmuração. Vários são muitas
vezes os motivos por que murmuram. Uns dizem que lhes
faltam alimentos, porque são gulosos e fazem do ventre o seu
deus; outros, que só receberam honras iguais aos últimos, dando
assim mostras de inveja, que é a companheira do homicídio;
outros, enfim, por quaisquer outras razões.

INTERROGAÇÃO 64
Como Nosso Senhor Jesus Cristo disse: Mas, se alguém fizer cair
em pecado um destes pequenos, melhor fora que lhe atassem ao
pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar (Mt
18,6), que é escandalizar? E como nos acautelaremos a fim de não
sofrermos esta horrível condenação?

Resposta

Alguém escandaliza quando transgride a lei, por palavra ou


obra, induzindo a outros a transgredi-la, como a serpente a Eva e
Eva a Adão; ou ainda quando impede a realização da vontade de
Deus, como Pedro ao Senhor, dizendo: Que Deus não permita
isso, Senhor (Mt 16,22), e ouviu: Afasta-te de mim, Satanás, tu és
para mim um escândalo; teus pensamentos não são de Deus, mas
dos homens! (ibid. 23), ou quando incita o ânimo de um fraco
para alguma coisa proibida, segundo o que escreveu o Apóstolo,
com as palavras: Se alguém te vê a ti, que és esclarecido, sentado à
mesa no templo dos ídolos, não se sentirá ele em sua consciência
fraca autorizado a comer do sacrifício aos ídolos? (ICor 8,10) e
acrescentou: Se a comida serve de ocasião de queda a meu irmão,
jamais comerei carne, para não ser para o meu irmão uma ocasião
de queda (ibid. 13).
O escândalo tem muitas causas. Ou provém de quem
escandaliza, ou é da parte do escandalizado que se origina o
escândalo. E ainda aqui há outras diferenças; algumas

160
vezes vem da malícia, outras da inexperiência deste ou daquele.
Por vezes, numa conversa sincera, evidencia-se a maldade dos
que se escandalizam; assim como nas ações.
Se alguém, pois, pratica o mandamento de Deus, ou usa
livremente do que está em seu poder, escandaliza-se quem se
escandalizar. Quando, porém, os homens se ofendem e se
escandalizam com o que é feito ou dito de acordo com o
mandamento (como no Evangelho alguns, acerca do que o
Senhor fazia ou dizia, segundo a vontade do Pai), então é bom
lembrar-se de que o Senhor, quando se aproximaram os
discípulos e disseram-lhe: Sabes que os fariseus se escandalizaram
destas palavras que ouviram? respondeu-lhes: Toda a planta que
meu Pai celeste não plantou, será arrancada pela raiz. Deixai-os;
são cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz a outro,
tombarão ambos na mesma vala (Mt 15,12-14). Muitas coisas
semelhantes encontram- se nos Evangelhos e foram ditas pelo
Apóstolo.
Quando, porém, alguém se ofende ou se escandaliza por
coisas que estão em nosso poder, devem então vir à lembrança
as palavras do Senhor a Pedro: Os filhos, então, estão isentos. Mas
não convém escandalizá-los. Vai ao mar e lança o anzol, e ao
primeiro peixe que pegares, abrirás a boca e encontrarás um estáter.
Toma-o e dá-o por mim e por ti (Mt 17,25.26); e também estas
palavras que o Apóstolo escreveu aos coríntios: Jamais comerei
carne, para não escandalizar o meu irmão (ICor 8,13), e ainda:
Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem outra coisa que para
teu irmão possa ser uma ocasião de queda (Rm 14,21), de
escândalo, de fraqueza. O preceito do Senhor mostra quão
terrível é, no que parece estar em nosso poder, desprezar o
irmão, que por isto se escandaliza; proíbe completamente
qualquer espécie de escândalo, dizendo: Guar- ãai-vos de
menosprezar um só destes pequenos! Porque eu vos digo que seus
anjos no céu contemplam sem cessar a face de meu Pai que está nos
céus (Mt 18,10).
O Apóstolo também o atesta, dizendo: Cuidai em não pôr um
tropeço diante de vosso irmão ou dar-lhe uma ocasião de queda (Rm
14,13); ou reprime com maior veemência e palavras mais
abundantes este absurdo, dizendo: Se alguém te vê a ti, que és
esclarecido, sentado à mesa no templo dos ídolos, não se sentirá ele
em sua consciência

161
fraca autorizado a comer do sacrifício aos ídolos? Assim a tua
consciência fará cair o fraco, um irmão pelo qual morreu Cristo
(ICor 8,10.11). E acrescentou: Assim, pecando vós contra os
irmãos e ferindo a sua débil consciência, pecais contra Cristo. Pelo
que, se a comida serve de ocasião de queda a meu irmão, jamais
comerei carne, para não ser para o meu irmão uma ocasião de
queda (ibid. 12.13). Em outro lugar diz: Ou só eu e Barnabé não
temos direito de deixar o trabalho? (ICor 9,6), e acrescenta a
seguir: Não temos feito uso deste direito; sofremos tudo para não
pôr algum obstáculo ao Evangelho de Cristo (ibid. 12).
Se foi demonstrado como é terrível nas coisas que dependem
de nós escandalizar um irmão, que dizer dos que escandalizam
fazendo ou falando coisas proibidas? Principalmente, quando o
que dá escândalo parece ter uma ciência mais vasta ou está
estabelecido num grau sacerdotal. Deverá então estar à frente
dos outros como regra e modelo; se negligenciar o mínimo que
seja do que está escrito ou fizer uma coisa proibida, ou omitir
algum preceito, ou, em resumo, deixar passar em silêncio
quaisquer coisas destas, é o bastante para ser severamente
julgado, de modo que do sangue do que pecou, como foi dito,
ser- lhe-á pedida conta (Ez 3,18).

INTERROGAÇÃO 65
Como alguém injustamente detém a verdade?

Resposta

Quando abusa dos bens dados por Deus para realizar suas
próprias vontades. Desaprova-o o Apóstolo, dizendo: Não
somos, como tantos outros, falsificadores da palavra de Deus (2Cor
2,17). E ainda: Nunca usamos de adulação, como sabeis, nem
fomos levados por interesse algum. Não buscamos glórias humanas,
nem de vós nem de outros (lTs 2,5.6).

162
INTERROGAÇÃO 66

Que é emulação e que é rivalidade?

Resposta

A emulação consiste em se esforçar alguém por fazer deter-


minada coisa, a fim de não parecer inferior a outrem; a
rivalidade, porém, em excitar e provocar os outros a fazerem
obras semelhantes às suas, com ostentação e vangloria. Por isso,
o Apóstolo, ora menciona a rivalidade e acrescenta a vangloria,
dizendo: Nada façais por espírito de partido ou de vanglória (F1
2,3), ora, tendo feito menção da vanglória, a seguir proíbe a
rivalidade, sob outra denominação, dizendo: Não sejamos ávidos
de vanglória. Nada de provocação entre nós (G1 5,26).

INTERROGAÇÃO 67
Que é imunãície e que é impureza?

Resposta

A lei alude à imundície, usando esta expressão para os


acidentes necessários e involuntários da natureza. Parece- me
que o sábio Salomão designa a impureza quando fala do
voluptuoso e do que não suporta a dor, de modo que impureza
seria uma disposição de ânimo que não sofre ou não suporta a
dor inerente ao combate, como incontinên- cia é não ter o
domínio sobre os prazeres que nos infestam.

INTERROGAÇÃO 68
Que é próprio do furor ou da justa indignação? Como é que,
frequentemente, começando pela indignação, encontramo-nos
enfurecidos?

163
Resposta

É próprio do furor o ímpeto da alma com a intenção de fazer


mal àquele que nos irritou; é próprio da indignação prudente
procurar a emenda do pecador, devido ao íntimo desgosto
perante o acontecido. Não é de admirar que a alma comece bem
e deslize para o mal; é fácil encontrar muitos exemplos disto.
Faz-se mister lembrar-se das Escrituras divinas que dizem:
Junto ao caminho colocam tropeços (SI 139,6), e ainda:
Também o que combate nos jogos públicos não é coroado, se não
tiver lutado segundo as regras (2Tm 2,5); e precaver-se sempre da
falta de medida, de oportunidade e de ordem. Por esta causa, o
que acaba de ser referido, embora tenha aparência de bem, com
frequência degenera em mal.

INTERROGAÇÃO 69
Como agir com aquele que não come menos que os outros, nem
consta estar inválido ou doente, mas se queixa de falta de forças
para o trabalho?

Resposta

Todo pretexto para preguiça é pretexto para pecado; porque é


preciso mostrar zelo até à morte, e igualmente paciência. É
evidente que a preguiça unida à malícia condena o preguiçoso,
como se deduz das palavras do Senhor: Servo mau e preguiçoso!
(Mt 25,26).

INTERROGAÇÃO 70
Como deve ser tratado o que faz mau uso das vestes e dos
calçados; se for repreendido, suspeita-se haver em quem o
repreende parcimônia ou murmuração. Que convém fazer- lhe, se,
depois da segunda e terceira aãmoestação justa, continuar do
mesmo modo?

164
Resposta

O Apóstolo exclui o desleixo ao dizer: Os que usam deste


mundo, mas como se dele não usassem (ICor 7,31). A medida dos
gastos é a necessidade imprescindível; o que excede a
necessidade é doença: avareza, volúpia ou vangloria. Se alguém
persistir no pecado, sofrerá a condenação de quem não faz
penitência.

INTERROGAÇÃO 71
Há alguns que procuram mais o sabor dos alimentos do que a
quantidade; outros, porém, mais a quantidade do que o sabor, a fim
de se saciarem. Como proceder para com ambos?

Resposta

Ambos estão doentes; uns de volúpia, outros de avidez. Nem


o voluptuoso, nem o ávido de uma coisa qualquer evita a
condenação. Ambos precisam ser cuidados com misericórdia,
para se curarem. Se não se restabelecerem da moléstia,
certamente sofrerão a condenação dos que não fazem penitência.

INTERROGAÇÃO 72
Se alguém, ao tomar a refeição em comunidade, se comportar
sem polidez, comendo e bebendo vorazmente, deve ser repreendido?

Resposta

Tal pessoa não observa o preceito do Apóstolo que diz: Quer


comais, quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para
a glória de Deus (ICor 10,31), e ainda: Faça- se tudo com decência
e ordem (ICor 14,40), e precisa de correção. A não ser que haja
urgência de trabalho ou pres

165
sa; mas ainda assim, evite-se cuidadosamente o que possa
causar má impressão.

INTERROGAÇÃO 73
Como deve ser corrigido quem repreender um delinquente não
pelo desejo de correção fraterna, mas com sentimento de vingança,
se, muitas vezes admoestado, persistir no mesmo vício?

Resposta

Seja considerado egoísta e ambicioso de domínio; decla- re-


se-lhe o modo de se corrigir, segundo a ciência da piedade. Se
persistir no mal, é evidente que sofrerá o castigo dos que não se
arrependem.

INTERROGAÇÃO 74
Devem ser separados dos demais os que se apartam da
comunidade e querem viver uma vida solitária, ou seguir, na
companhia de poucos, o mesmo escopo de piedade? Desejamos
saber o que ensina a Escritura.

Resposta

Tendo dito freqüentemente: O Filho por si mesmo não pode


fazer coisa alguma (Jo 5,19) e: Desci do céu, não para fazer a
minha vontade, mas a vontade daquele que enviou, o Pai (ibid.
6,38) e segundo o testemunho do Apóstolo: Porque os desejos da
carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne; pois são
contrários uns aos outros. É por isso que não fazemos o que
queremos (G1 5,17), tudo o que se escolhe segundo a própria
vontade é incompatível com a vida dos que praticam a piedade.
A este respeito respondemos nas explicações mais extensas.

166
INTERROGAÇÃO 75

Se convém dizer que Satanás é a causa de todos os pecados, por


pensamentos, palavras e obras.

Resposta
De modo geral, penso que, por si mesmo, satanás não pode
ser a causa de pecado de outrem; ora aproveita os movimentos
naturais, ora as paixões proibidas, e por elas tenta induzir os que
não são vigilantes aos efeitos peculiares dos vícios. Usa dos
movimentos naturais, como tentou fazer em relação ao Senhor,
ao notar que estava faminto, dizendo: Se és o Filho de Deus,
ordena que estas pedras se tornem pães (Mt 4,3). Emprega os
afetos proibidos, como o fez com Judas; porque, percebendo que
sofria da afeição da avareza, aproveitou-se desta paixão e
instigou o avarento ao crime da traição, por meio de trinta
moedas de prata.
Mostra claramente o Senhor que também os males procedem
de nós mesmos: É do coração que provêm os maus pensamentos
(Mt 15,19). É o que acontece àqueles que, por descuido, deixam
incultas as boas sementes naturais, conforme foi dito nos
Provérbios: Como um campo, o homem insensato, e como uma
vinha, o homem estulto. Se o deixares, tornar-se-á um deserto e
encher-se-á de urtigas e ficará abandonado (Pr 24,30.31, juxta
LXX). A alma que, por tal incúria, permanece inculta e
abandonada, inevitavelmente produzirá espinhos e abrolhos e
sofrerá o que foi dito: Eu esperava vê-la produzir uvas, ela não deu
senão uvas verdes (Is 5,4). Dela foi dito anteriormente: Eu plantei
uma vinha de Sorec (ibid. 2), isto é, eleita. Coisa semelhante
acha-se em Jeremias, que fala em nome de Deus: Eu que te havia
plantado de vides escolhidas, todas de boa cepa; como te
transformaste em sarmentos bastardos de uma videira estranha (Jr
2,22)?

167
INTERROGAÇÃO 76 Se é lícito
mentir por utilidade.

Resposta

A sentença do Senhor não o permite, uma vez que disse


provir do diabo a mentira (Jo 8,44), sem fazer distinções em
matéria de mentira. Igualmente o Apóstolo o atesta, ao escrever:
Também o que combate nos jogos públicos não é coroado, se não
tiver lutado segundo as regras (2Tm 2,5).

INTERROGAÇÃO 77
Que é dolo, e que é maligniãade?

Resposta

A malignidade é, a meu ver, a malícia primitiva e oculta dos


costumes; o dolo, porém, é o empenho em armar ciladas, isto é,
quando alguém simula um bem qualquer e o apresenta a outrem,
qual isca, e assim lhe arma insídias.

INTERROGAÇÃO 78 Quem é
inventor de maldades?

Resposta

Aqueles que, além dos males habituais e conhecidos de


muitos, inventam e encontram ainda outros.

INTERROGAÇÃO 79
Como corrigir alguém que é com frequência surpreendido a
tratar com dureza um irmão?

168
Resposta

O fato provém, a meu ver, da falsa presunção de superio-


ridade ou da tristeza por causa dos delitos daqueles que deviam
agir bem. Diante de um acontecimento molesto e contrário ao
bem que esperava, a alma, não sei como, é atingida com maior
veemência. É preciso, então, maior cuidado, a fim de, no
primeiro caso, reprimirmos o vicio da soberba; no segundo,
antes que cheguemos à indignação, demonstremos misericórdia,
com exortações e advertências. Se, porém, esta terapia foi
ineficaz, por causa da malícia do vício subjacente, por fim,
usemos de modo razoável a oportunidade da veemência da
indignação, unida à compaixão, para a utilidade e correção do
pecador.

INTERROGAÇÃO 80
Por que, de certo modo, faltam a nossa mente bons pensamentos
e cuidados agradáveis a Deus, e como evitaremos isto?

Resposta

Se Davi disse: Adormeceu de tristeza a minha alma (SI 118,28)


é bem evidente que isto acontece devido à sonolência e à
insensibilidade da alma. À alma vigilante e sóbria não podem
faltar a solicitude agradável a Deus e os bons pensamentos; ao
contrário, vê que ela é que lhes falta. Se os olhos do corpo não
bastam para a contemplação, até mesmo de poucas obras de
Deus, nem por ter visto uma vez se saciam, mas ainda que
sempre olhem a mesma coisa, não se cansam de olhar, com
maior razão os olhos da alma, se vigilantes e despertos, são
insuficientes para a contemplação das maravilhas e dos juízos de
Deus. Vossos juízos, diz-se, são profundos como o mar (SI 35,7) e
em outra parte: Conhecimento assim maravilhoso ultrapassa,
ele é tão sublime que não posso atingi-lo (SI 138,6) etc.
Se faltarem à alma os bons pensamentos, é claro que ainda
carece de iluminação; não significa isto que falte o

169
que ilumina, e sim, que dormita aquele que deve ser iluminado.

INTERROGAÇÃO 81
Se devem de igual modo ser repreendidos os piedosos e os
indiferentes, quando ambos forem surpreendidos no mesmo pecado.

Resposta

Se considerarmos a disposição do pecador e o modo do


pecado, saberemos também como repreender. Embora pareça
idêntico o pecado do indiferente e o do piedoso, há entre eles
enorme diferença. O piedoso, por ser piedoso, luta e
simultaneamente se esforça por agradar a Deus e devido às
circunstâncias, e quase involuntariamente, resvala e cai; o
indiferente não faz caso nem de si nem de Deus e não vê
diferença entre pecar e proceder bem, como o demonstra o
próprio nome, e sofre dos principais e maiores males; isto é,
despreza a Deus ou não crê que Deus existe. São as duas causas
pelas quais a alma peca, como testemunha a Escritura ao dizer:
O injusto disse em si mesmo que queria pecar; não existe o temor de
Deus ante os seus olhos (SI 35,1) ou: Diz o insensato em seu
coração: Não há Deus . Corromperam-se os homens, sua conduta
é abominável (SI 13,1). Portanto, ou despreza e por isto peca, ou
nega que Deus existe e por esta razão corrompe-se quanto aos
costumes embora pareça confessar. Diz-se: Pretendem conhecer
a Deus, e renegam-no pelas obras (Tt 1,16). Sendo assim, também
o respectivo modo de repreender, a meu ver, deve diferir. O
piedoso necessita de uma espécie de aplicação local e deve
sofrer a repreensão a respeito do ponto em que resvalou. O
indiferente, porém, tendo o bem da alma completamente
corrompido, e estando atacado de males mais gerais, deve ser
lamentado, admoestado e repreendido ou como desprezador,
conforme já disse, ou como incrédulo, até que se persuada de
ser Deus um juiz justo e o tema; ou fique absolutamente
convicto da existência de Deus e encha-se de susto.

170
É bom saber também que, muitas vezes, os piedosos pecam
por dispensação divina, para seu bem: Deus permite, por vezes,
que caiam para curar a soberba anterior, à semelhança do que foi
predito a Pedro e, de fato, lhe sucedeu.

INTERROGAÇÃO 82
Está escrito: As anciãs como a mães (lTm 5,2). Se acontecer que
uma anciã cometa o mesmo pecado que uma jovem, devem sofrer
igual castigo?

Resposta

O Apóstolo ensinou que as anciãs devem ser veneradas como


mães, enquanto nada fizerem de repreensível. Se acontecer que
uma anciã cometa o mesmo pecado que uma jovem, primeiro
sejam considerados os vícios, por assim dizer, naturais a cada
idade e assim determine-se a respectiva medida da repreensão.
Por exemplo, é quase natural à velhice a preguiça; não, porém, à
juventude. A diva- gação, a agitação, a audácia e coisas
semelhantes são inerentes à juventude e não à velhice; parecem
estimuladas pelo ardor natural da juventude. Pelo que o mesmo
pecado, a preguiça, por exemplo, na mais jovem, merece
repreensão mais severa, porque nada na idade a escusa. E o
mesmo pecado, a divagação, a audácia ou a agitação é mais
condenável na anciã, pois a idade fomenta a mansidão e a
tranqüilidade. Por isto, deve-se julgar do pecado conforme a
pessoa e assim empregar a terapia adequada por um castigo
próprio.

INTERROGAÇÃO 83
Se alguém, tendo praticado assiduamente o bem, cair uma ves,
como o trataremos?

Resposta

Como o Senhor a Pedro.

171
INTERROGAÇÃO 84

Se alguém, de modos turbulentos e agitados, for repreendido e


disser que Deus fez a uns bons e a outros maus, falou a verdade?

Resposta

Esta opinião, há muito, foi condenada como herética; é


blasfema e ímpia e torna a alma propensa ao pecado. Portanto,
corrija-se ou seja afastado (ICor 5,2), para não acontecer que um
pouco de fermento levede a massa toda (G1 5,9).

INTERROGAÇÃO 85
Se convém ter algo de próprio na comunidade.

Resposta

É oposto ao testemunho dos Atos acerca dos fiéis; neles está


escrito: Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía (At
4,32). Quem diz ter algo de próprio faz-se alheio à igreja de
Deus e à caridade do Senhor que ensinou por palavras e obras
que se deve dar a vida pelos amigos; quanto mais os bens
exteriores.

INTERROGAÇÃO 86
Se alguém disser: Nada recebo da comunidade dos irmãos, nem
dou, mas contento-me com o que é meu, como agir com ele?

Resposta

Se não obedecer ao ensino do Senhor que disse: Amai- vos uns


aos outros, como eu vos tenho amado (Jo 13,34),

172
obedeçamos nós ao Apóstolo que disse: Seja tirado dentre vós o
que cometeu tal ação (ICor 5,2), para não suceder que um pouco
de fermento levede a massa toda (G1 5,9).

INTERROGAÇÃO 87
Se é lícito a cada um dar a quem quiser o manto velho ou os
sapatos, segundo o mandamento.

Resposta

Dar e receber, mesmo segundo o mandamento, não compete a


todos, mas sim àquele que, depois de experimentado, tiver a seu
cargo a distribuição. Portanto, seja velho ou novo, no tempo
adequado a cada coisa ele dará e receberá.

INTERROGAÇÃO 88
Que é a solicitude desta vida?

Resposta

Toda solicitude, mesmo que pareça não se estender às coisas


proibidas, se não adianta para a piedade, é solicitude desta vida.

INTERROGAÇÃO 89
Já que está escrito: A riqueza de um homem é o resgate de sua
vida (Pr 13,8), nós que as não possuímos, o que faremos?

Resposta

Se temos zelo por tal e não podemos praticá-lo, lembremo-


nos da resposta do Senhor a Pedro, preocupado por

173
isto, que dissera: Eis que deixamos tudo para te seguir. Que haverá
então para nós? (Mt 19,27). Ele lhe respondeu: Todo aquele que
por minha causa deixar casa, irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher,
filhos, terras, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna (ibid. 29).
Se não o praticamos por incúria, agora mostremos zelo. Se não
temos mais nem tempo, nem forças, console-nos o Apóstolo ao
dizer: Não busco os vossos bens, mas, sim, a vós mesmos (2Cor
12,14).

INTERROGAÇÃO 90
Se é lícito ter uma veste para a noite, quer de pêlos, quer de outra
espécie.

Resposta

O uso das vestes de pêlos tem um tempo adequado. Não são


usadas por causa de necessidade corporal, mas para afligir o
corpo e humilhar a alma. Sendo proibido ter duas vestes, julgue
cada um se é possível seu uso além da causa supracitada.

INTERROGAÇÃO 91
Se a um irmão, que nada possui de próprio, for pedido aquilo que
usa, o que fazer, principalmente se estiver nu o pedinte?

Resposta

Esteja nu, seja mau, peça por necessidade ou por avareza, já


foi dito uma vez que dar ou receber não é tarefa de todos e sim
daquele a quem, depois de experimentado, for confiada esta
distribuição. Observe-se o dito: Cada um permaneça na condição
em que foi chamado por Deus (ICor 7,24).

174
INTERROGAÇÃO 92

O Senhor ordenou vender as propriedades. Por que fazê- lo? Será


porque os bens prejudicam por natureza, ou por causa da dispersão
do espírito que deles costuma provir?

Resposta

Primeiro pode-se afirmar que, se as riquezas fossem más em


si mesmas, não teriam sido criadas por Deus. Pois Toda a
criatura de Deus é boa, e nada deve ser rejeitado (lTm 4,4). A
seguir, que o mandamento do Senhor não ensina a rejeitá-las
como más ou a fugir delas, mas a administrá-las. Não se
condena simplesmente quem as possui, porém quem pensa
errado a seu respeito ou as emprega mal. Uma disposição de
ânimo livre e sã em relação a elas e a sua distribuição, segundo o
mandamento, serve-nos muito e em pontos bem necessários. Às
vezes, para a purificação de nossos pecados, conforme está
escrito: Dai antes em esmola o conteúdo e todas as coisas vos serão
limpas (Lc 11,41); outras, para a herança do reino dos céus e
posse de um tesouro indefectível, segundo outra passagem: Não
temas, pequenino rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-
vos o reino. Vendei o que possuís e dai esmolas; fazei para vós
bolsas que não se gastam, um tesouro inesgotável nos céus (Lc
12,32.33).

INTERROGAÇÃO 93
Com que espírito aquele que renunciou já a seus bens e prometeu
nada ter de próprio, deve usar do necessário para viver, como a
roupa e o alimento?

Resposta

Lembre-se conforme está escrito (SI 135,25) de que Deus é


quem dá o alimento a toda carne. Contudo, precisa ter cuidado,
como operário de Deus, de ser digno de receber

175
seu alimento, o qual não esteja a seu arbítrio, mas seja
distribuído pelo encarregado, em tempo e medida oportunos,
segundo está escrito: Repartia-se, então, a cada um deles conforme
a sua necessidade (At 4,35).

INTERROGAÇÃO 94
Se alguém, tendo impostos a pagar, entrar na comunidade, e seus
parentes forem importunados pelos cobradores, há motivo de dúvida
ou de prejuízo para ele, ou para os que o receberam?

Resposta

Nosso Senhor Jesus Cristo, aos que lhe perguntavam se era


lícito dar o tributo a César ou não, disse: Mostrai-me um denário.
De quem leva a imagem e a inscrição? Responderam: De César!
Então lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que
é de Deus (Lc 20,22-24). Daí se evidencia estarem sujeitos às
ordens de César aqueles que retêm o que pertence a César. Se
aquele que entrou na comunidade trouxe consigo algo que
pertence a César, deve pagar o imposto. Se, ao partir, deixou
tudo para os seus, não há dúvida; nem para ele, nem para os que
o receberam.

INTERROGAÇÃO 95
Se convém aos recém-vindos aprender imeãiatamente as palavras
das Escrituras.

Resposta

Também esta questão seja entendida pelo que se disse acima.


É conveniente e indispensável que cada um aprenda aquilo de
que necessita das Escrituras divinas, para ter uma piedade
convicta e não se habituar a tradições humanas.

176
INTERROGAÇÃO 96

Se convém permitir a quem quiser aprender as letras ou entregar-


se a leituras.

Resposta

Se o Apóstolo diz: Para que não façais o que quererieis (G1


5,17), em qualquer questão é pernicioso permitir uma escolha por
vontade própria. Deve-se, porém, aceitar tudo o que os superiores
aprovarem, mesmo contra a própria vontade. Além disso,
incrimina-se-lhe incredulidade, pois diz o Senhor: Estai, pois,
preparados, porque, à hora em que não pensais, virá o Filho do
homem (Lc 12,40). É evidente que se propõe um longo tempo de
vida.

INTERROGAÇÃO 97
Se alguém disser: Quero por pouco tempo aproveitar-me de vossa
companhia, deve ser recebido?

Resposta

Tendo dito o Senhor: O que vier a mim, não o lançarei fora (Jo
6,37) e afirmado o Apóstolo: Mas, por causa dos falsos irmãos
intrusos, que furtivamente se introduziram entre nós para espionar a
liberdade de que gozamos em Cristo Jesus, a fim de nos escravizar.
Aos quais nem só uma hora quisemos estar sujeitos, para que
permaneça entre vós a verdade do Evangelho (G1 2,4.5), é
conveniente permitir o ingresso, mesmo por ser incerto o
resultado; muitas vezes, tendo aproveitado por algum tempo,
aceita de uma vez para sempre a nossa vida, como
freqüentemente aconteceu. Também serve para manifestação da
disciplina que mantemos e que talvez se suspeite ser bem
diferente. É necessário observar diante dele a disciplina mais
rigorosa, para se manifestar a verdade e afastar qualquer suspeita
de negligência. Assim, nós agradaremos a Deus e ele ou terá pro-
veito ou será confundido.

177
INTERROGAÇÃO 98

Que atitude deve manter o superior quando ordena ou dispõe?

Resposta

Para com Deus, seja como servo de Cristo e dispensa- dor dos
mistérios de Deus (cf. ICor 4,1), receando dizer ou instituir algo
contra a vontade de Deus, atestada na Escritura, porque do
contrário se apresentaria como testemunha falsa de Deus e
sacrílego, introduzindo alguma coisa oposta ao ensinamento do
Senhor, ou omitindo algo do que agrada a Deus. Para com os
irmãos, qual mãe que com ternura cuida dos filhos (lTs 2,7),
desejosa de entregar a cada um, para aprazer a Deus, e em vista
do bem de todos em comum, não só o evangelho de Deus, mas a
própria vida, segundo o mandamento de nosso Deus e Senhor
Jesus Cristo, que disse: Dou-vos um mandamento novo. Como eu
vos tenho amado, assim vós deveis amar-vos uns aos outros (Jo
13,14). Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por
seus amigos (Jo 15,13).

INTERROGAÇÃO 99
Com que disposição deve alguém repreender?

Resposta

Para com Deus, tenha a mesma que teve Davi, quando disse:
Vi os prevaricadores e consumia-me, porque eles não observam a
vossa palavra (SI 118,158). Para com os repreendidos, tenha o
ânimo de um pai e de um médico, que cura o filho com perícia,
unindo a misericórdia à comiseração. Principalmente, se causar
dor e o tratamento for penoso.

178
INTERROGAÇÃO 100

Como despediremos os mendigos de fora? Dar-lhes-á, quem o


quiser, pão ou qualquer outra coisa? Ou deve haver um designado
para tal fim?

Resposta

Como o Senhor afirmou não ser bom tirar o pão dos filhos e
lançá-lo aos cães, e contudo aprovou a palavra: Mas os
cachorrinhos ao menos comem as migalhas que caem da mesa de
seus donos (Mt 15,27), o encarregado de distribuir, após ter sido
experimentado, faça-o. Todo aquele que o fizer fora deste
parecer, seja repreendido como transgressor da disciplina, para
que aprenda a manter-se em seu lugar, segundo a palavra do
Apóstolo: Cada um, irmãos, permaneça na condição em que estava
quando Deus o chamou (ICor 7,24).

INTERROGAÇÃO 101
Deverá o encarregado da dispensação das ofertas a Deus cumprir
a palavra: Dá a todo o que te pedir e ao que te tomar o que é teu,
não Iho reclames (Lc 6,30)?

Resposta

A palavra: Dá a quem te pede e não te desvies daquele que te


pedir emprestado é uma espécie de prova, como o demonstra a
seqüência imediata; é um preceito em relação aos maus, a ser
praticado, não por razão primária, mas em certas circunstâncias.
Primário é aquele preceito do Senhor: Vende tudo o que tens e dá-
o aos pobres (Lc 18,22), e ainda: Vendei o que possuís e dai
esmolas (Lc 12,33).
Se há perigo em transferir a uns o que é destinado a outros,
uma vez que disse o Senhor: Não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel (Mt 15,24), e: Não convém jogar aos
cachorrinhos o pão dos filhos (Mt 15,26), como não julgará cada
um, e por si mesmo, o que é justo?

179
INTERROGAÇÃO 102

Se convém, ou não, ser retido por exortações aquele que sai da


comunidade dos irmãos por qualquer razão. Se é conveniente, sob
que condições?

Resposta

Se o Senhor disse: O que vier a mim, não o lançarei fora (Jo 6,37),
e:Não são os que estão bem os que precisam de médico, mas sim os
doentes (Mt 9,12) e em outra parte: Quem de vós que, tendo cem
ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove e vai em
busca da que se havia perdido, até encontrá-la (Mt 18,19). De todos
os modos deve-se curar o enfermo e com zelo tratar do membro luxado,
como se diz, para que volte ao lugar. Se perseverar em seu vício, seja
qual for, deve ser despedido como um estranho. Está escrito: Toda a
planta que meu Pai celeste não plantou, será arrancada pela raiz.
Deixai-os. São cegos (Mt 15,13.14).

INTERROGAÇÃO 103

Já aprendemos que devemos obedecer aos mais velhos até à


morte. Acontece algumas vezes que o próprio velho erra. Deve ser
admoestado? Como e por quem? Desejamos sabê-lo. Se não aceitar,
o que se deve fazer?

Resposta
A este respeito foi dito o bastante na resposta mais extensa.

INTERROGAÇÃO 104

Como entregar os ofícios aos irmãos? Só a juízo do superior, ou


com o voto dos irmãos? E o mesmo, quanto às irmãs.

180
Resposta
Se cada um aprendeu a propor aos outros o que pensa, quanto
mais devem tais coisas ser feitas com a aprovação daqueles que
são capazes de julgar! Por isso, a administração das coisas de
Deus, segundo Deus, seja confiada àqueles que já deram provas
de poderem exercer o ofício que lhes foi entregue, de modo
agradável ao Senhor. Em suma, é necessário que o superior em
todos os negócios se lembre da Sagrada Escritura, que diz: Nada
façais sem conselheiro (Eclo 32,24).

INTERROGAÇÃO 105
Se devem os recém-vindos para a comunidade aprender logo
os ofícios.

Resposta
Julguem os superiores.

INTERROGAÇÃO 106
Que penas serão usadas na comunidade em vista da con-
versão dos pecadores?

Resposta
Depende do juízo do superior o tempo e o modo, de acordo
com o vigor do corpo, a disposição da alma e a diferença dos
pecados.

INTERROGAÇÃO 107
Se alguém disser que deseja viver na comunidade dos irmãos,
mas, devido aos cuidados com os parentes carnais,

181
ou por causa dos tributos, estiver muitas vezes impedido de se
entregar de uma vez a esta vida, deve ser-lhe permitido o acesso
junto dos irmãos?

Resposta
É perigoso cortar um bom desejo; não é seguro, contudo, dar
ao que entrou oportunidade de tratar de coisas externas e alheias
à vida segundo Deus. Se o que entrou entregar-se às obras
internas e nada trouxer das de fora, dá melhores esperanças.

INTERROGAÇÃO 108
Se convém que o superior, na ausência da superiora, fale com
uma irmã do que se refere à edificação da fé.

Resposta
Seria inobservância do preceito do Apóstolo, que diz: Faça-se
tudo com decência e ordem (ICor 14,40).

INTERROGAÇÃO 109
Se convém que o superior fale com frequência com a superiora,
principalmente se alguns dos irmãos se aborrecem com isto.

Resposta
Tendo dito o Apóstolo: Por que razão seria julgada a minha
liberdade pela consciência alheia? (ICor 10,29) é bom imitá-lo,
quando diz: Não temos feito uso deste direito, para não pôr
obstáculo algum ao Evangelho de Cristo (ICor 9,12), e na medida
do possível, os colóquios sejam raros e breves.

182
INTERROGAÇÃO 110

Se deve estar presente a superiora quando u?na irmã se confessa


a um presbítero.

Resposta

Será mais grave e precavida a confissão feita diante da superiora a um


presbítero que possa com conhecimento e prudência sugerir o modo da
penitência e da correção.

INTERROGAÇÃO 111

Se o presbítero ordenar algo às irmãs, sem conhecimento da


superiora, tem ela o direito de se indignar?

Resposta

E muito.

INTERROGAÇÃO 112

Se é conveniente, quando alguém vem seguir uma vida dedicada


a Deus, ser recebido pelo superior sem o conhecimento dos irmãos,
ou deve isto ser-lhes comunicado primeiro?

Resposta

O Senhor ensina a convocar os amigos e vizinhos, por causa de um


arrependido. É bem mais necessário, pois, receber o recém-vindo com o
conhecimento de todos os irmãos, para que juntos se alegrem e orem.

INTERROGAÇÃO 113

Se é possível àquele que tem a responsabilidade das almas


observar a palavra: Se não vos transformardes e vos tomar

183
des como criancinhas (Mt 18,3), visto ter relação com muitas e
diferentes pessoas.

Resposta

Conforme disse o sábio Salomão: Para tudo há um tempo (Ecl


3,1), é notório haver um tempo próprio para a humildade, outro
para a autoridade, a repreensão, a exortação, a misericórdia, a
liberdade no falar, a benignidade, a severidade, em uma palavra,
para cada coisa. Por vezes, deve-se manifestar atitude humilde e
imitar a humildade das crianças, principalmente por ocasião de
honras e obséquios mútuos, de serviços e tratamentos corporais,
como o ensinou o Senhor; às vezes, usar da autoridade
concedida pelo Senhor para edificar e não para destruir (2Cor
13,10), quando a necessidade exigir liberdade no falar. E se na
hora da exortação faz-se mister mostrar benignidade, no
momento da severidade mostre-se zelo e no restante faça-se de
igual modo.

INTERROGAÇÃO 114
Se é dever obedecer a todos os que dão ordens e a qualquer um
deles, porque o Senhor ordenou: Se alguém vem obrigar-te a andar
mil passos com ele, vai com ele dois mil (Mt 5,41) e c Apóstolo
ensinou a nos sujeitarmos uns aos outros, no temor de Cristo (Ef
5,21)

Resposta

A diferença entre os que dão ordens em nada prejudique a


obediência dos que as recebem. Moisés não desprezou a Jetro
que lhe dava bons conselhos.
Como não são pequenas as diferenças entre as ordens
(algumas são contrárias ao mandamento do Senhor, ou o
destroem, ou o mancham porque se misturam a coisas proibidas;
outras coincidem com o mandamento; outras, embora
visivelmente não coincidam com ele, concordam

184
com ele e como que o reforçam) é preciso lembrar-se do
Apóstolo que diz: Não desprezeis as profecias. Examinai tudo.
Retende o que for bom. Guardai-vos de toda a espécie de mal (lTs
5,20-22). E ainda: Nós aniquilamos todo o raciocínio e toda a
altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus e cativamos
todo o pensamento e o reduzimos à obediência a Cristo (2Cor
10,4.5). Por isto, se alguma coisa nos é ordenada que coincida
com o mandamento do Senhor, ou concorde com ele, devemos
recebê-la zelosa e diligentemente, como vontade de Deus,
cumprindo o que foi dito: Suportai-vos caridosamente uns aos
outros (Ef 4,2). Quando, porém, nos é prescrito algo de contrário
ao mandamento do Senhor, ou que o destrua, ou manche, é o
momento de dizermos: Importa obedecer mais a Deus do que aos
homens (At 5,29), lembrados do Senhor, que disse: Mas não
seguem o estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz
dos estranhos (Jo 10,5), e do Apóstolo que ousou, para nossa
segurança, referir-se aos anjos, dizendo: Mas, ainda que alguém
nós ou um anjo baixado do céu vos anunciasse um evangelho
diferente do que vos temos anunciado, que ele seja rejeitado (G1
1,8). Daí deduzimos que, por mais próximo ou por mais ilustre
que for, quem proíba aquilo que o Senhor ordenou, ou persuada
a fazer o que ele proibiu, deve ser evitado a execrado por
qualquer um dos que amam o Senhor.

INTERROGAÇÃO 115 Como hão de


obedecer uns aos outros?

Resposta

Como servos a seus senhores, segundo a ordem do Senhor: E


todo o que entre vós quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o
escravo de todos (Mc 10,44). Acrescentou palavras mais
persuasivas: Porque o Filho do homem não veio para ser servido,
mas para servir (ibid. 45); e ainda foi dito pelo Apóstolo: Fazei-
vos servos uns dos outros pela caridade (G1 5,13).

185
"

INTERROGAÇÃO 116

Até onde vai a obediência, segundo as normas para agradarmos a


Deus?

Resposta

Mostrou-o o Apóstolo, propondo-nos a obediência do Senhor,


que se tornou obediente até à morte, e morte de cruz (PI 2,8). Disse
anteriormente: Tende em vós a estima que se deve em Cristo Jesus
(ibid. 5).

INTERROGAÇÃO 117
De que vício sofre quem não aceita receber ordens diárias para a
realização de um mandamento, mas quer aprender um ofício? Deve
ser tolerado?

Resposta

É presunçoso, complacente consigo e incrédulo, porque não


teme o juízo do Senhor que disse: Estai, pois, preparados porque,
à hora em que não pensais, virá o Filho do homem (Lc 12,40). Se
alguém a cada dia e hora espera o Senhor, preocupa-se de não
passar ocioso aquele dia e de nada mais cuida. Se lhe ordenar
aprender um ofício, pela obediência terá a recompensa de
comprazer a Deus e não sofrerá a condenação por causa das
delongas.

INTERROGAÇÃO 118
Qual será a recompensa de quem é zeloso em cumprir o
mandamento, mas não faz aquilo que lhe é ordenado e sim o que
quer?

Resposta

A da autocomplacência. Como o Apóstolo diz: Cada um de


vós procure agradar a seu próximo, para seu bem e

186
sua edificação (Rm 15,2), e mais ainda nos convida, acres-
centando: Cristo não se comprazeu em si mesmo (ibid. 3), conheça
o autocomplacente o perigo em que incorre. Será também
convencido de ser insubordinado.

INTERROGAÇÃO 119
Se é lícito a alguém recusar o trabalho que lhe é confiado e
procurar outro.

Resposta
Como a medida da obediência, conforme já foi dito, vai até à
morte, quem recusa o que lhe é entregue e procura outro
trabalho, primeiro destrói a obediência e manifesta não ter
renunciado a si mesmo; segundo, torna-se causa de muitos
outros males para si e para os demais. Além disso, abre a porta
da contradição para os outros e acostuma-se à mesma. Uma vez:
que não pode cada um julgar o que é bom para si, escolhe
muitas vezes um serviço que lhe é prejudicial. Também desperta
suspeitas entre os irmãos de que é mais propenso ao trabalho
que escolhe do que àqueles nos quais deve colaborar.
Em suma, desobedecer torna-se a raiz de muitos e grandes
males. Se julga ter uma razão para recusar o trabalho, declare-a
aos superiores e deixe a questão a seu juízo.

INTERROGAÇÃO 120
Se convém sair para algum lugar, sem avisar ao superior.

Resposta
O Senhor diz: Não vim de mim mesmo, mas (é verdadeiro)
aquele que enviou (Jo 7,28). Quanto maior razão não temos
de não nos permitirmos agir assim? Quem toma essa liberdade,
mostra claramente que sofre de soberba e

187
está sujeito ao juízo do Senhor, que disse: O que é elevado aos
olhos dos homens é abominável aos olhos de Deus (Lc 16,15). Em
resumo, é culpada qualquer concessão a si mesmo.

INTERROGAÇÃO 121
Se é lícito recusar os trabalhos mais pesados.

Resposta
Quem ama a Deus com sinceridade e está firmemente
convicto da retribuição que Deus dará, não se satisfaz com o que
advém, mas sempre procura acréscimo e deseja fazer mais.
Mesmo que pareça fazer um pouco além das suas forças, não
fica tranqüilo, como quem houvesse preenchido a medida; está
sempre solícito, como se tivesse feito menos do que seria
conveniente, atendendo à ordem do Senhor: Depois de terdes feito
tudo o que vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos o
que devíamos fazer (Lc
17,10) e ao Apóstolo, para o qual o mundo estava crucificado e
ele para o mundo (G1 6,14) e que não se corou de dizer: Não
penso havê-lo já alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me do
que fica para trás e avançando para o que está adiante, prossigo em
direção do alvo, para obter o prêmio da soberana vocação de Deus
em Cristo Jesus (F1 3,13.14). Tendo ele o direito de viver do
Evangelho, pois anunciava o Evangelho (ICor 9,14), disse: Com
trabalho e fadiga, labutamos noite e dia. Não porque não tivéssemos
o direito, mas para vos oferecer em nós mesmos um modelo a imitar
(2Ts 3,8.9). Quem será, pois, tão insensível e incrédulo que lhe
baste o que já fez, ou recuse o .mais pesado ou laborioso?

INTERROGAÇÃO 122
Deve-se permitir a recusa da eulógia a alguém que disser: Se não
receber a eulógia não como?

188
Resposta

Se o pecado merece o castigo de ser ele excluído da refeição,


julgue-o quem impôs a pena. Se alguém for julgado indigno
somente da eulógia e tenha licença de comer, mas recuse, seja
considerado desobediente, amante de disputas. Conheça-se a si
mesmo e simultaneamente entenda que, ao proceder assim, não
obtém a cura, mas acrescenta pecado a pecado.

INTERROGAÇÃO 123
Se alguém se entristece porque não lhe permitem fazer aquilo
que não é capaz de fazer, isto deve ser tolerado?

Resposta

Em vários lugares foi dito que, geralmente, seguir a própria


vontade ou agir ao próprio arbítrio é contrário à reta razão, e não
se submeter ao juízo de muitos é incorrer no perigo de
desobediência e de contradição.

INTERROGAÇÃO 124
Se deve alguém que se encontrou com hereges ou gentios comer
com eles ou saudá-los.

Resposta

O Senhor não proibiu a saudação comum, ao dizer: Se saudais


apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto
também os pagãos? (Mt 5,47). Quanto a comer à mesma mesa,
temos o preceito do Apóstolo de que se deve evitá-lo, quando
diz: Na minha carta vos escrevi que não tivésseis comunicação com
os impudicos. Mas não se tratava de um modo absoluto de todos os
impudicos deste mundo, ou os avarentos e ladrões, ou os idólatras,
pois neste caso deverieis sair deste mundo. Mas eu sim

189
1

plesmente quis dizer-vos que não tenhais comunicação com aquele


que, chamando-se irmão, é impudico ou avarento, ou idólatra, ou
difamador, ou bêbado, ou ladrão; com esse nem sequer deveis comer
(ICor 5,9-11).

INTERROGAÇÃO 125
Se alguém a quem foi confiado um trabalho e sem avisar fizer
algo aquém da ordem ou além do prescrito, deve ser mantido no
trabalho?

Resposta

De modo geral, desagrada a Deus o que alguém assume por si


mesmo; e isto não convém, nem é proveitoso aos que têm
empenho de conservar o vínculo da paz. Se continuar a ser
precipitado, é útil retirá-lo do trabalho. Pois não observa o
preceito daquele que disse: Irmãos, cada um permaneça diante de
Deus na condição em que estava quando (Deus) o chamou (ICor
7,24), e o que é ainda mais convincente: Não façam de si próprios
uma opinião maior do que convém, mas um conceito razoavelmente
modesto, de acordo com o grau de fé que Deus lhe distribuiu (Rm
12,3).

INTERROGAÇÃO 126
Como não se deixar vencer pelo gosto de comer?

Resposta

Decidir ter sempre a utilidade por guia e mestra do que se


tomar para o próprio uso, seja agradável ou não.

INTERROGAÇÃO 127
Dizem alguns ser impossível ao homem não se irar.

190
Resposta

Mesmo se fosse possível ao soldado irar-se diante dos olhos


do rei, nem assim seria razoável tal afirmação. Se o olhar de um
homem, igual por natureza, reprime o mal, devido à
preeminência da dignidade, quanto mais não o fará a convicção
de ter a Deus por observador de seus sentimentos? Deus, que
perscruta os corações e as entranhas, vê muito melhor os atos da
alma do que o homem contempla o que está diante de si.

INTERROGAÇÃO 128
Se é lícito permitir a quem quiser fazer abstinência além de suas
forças, de modo a ficar tolhido de praticar o mandamento que lhe é
proposto.

Resposta

Esta pergunta não me parece bem feita. A abstinência não


consiste numa abstenção de alimentos indiferentes, a qual teria
como conseqüência aquela aflição do corpo condenada pelo
Apóstolo (Cl 2,23), e sim, no perfeito abandono das próprias
vontades. Evidencia-se das palavras do Apóstolo quão perigoso
é apartar-se do mandamento do Senhor, por causa da própria
vontade, quando diz: Fazendo a vontade da carne e da
concupiscência, éramos, por natureza, objetos da ira (Ef 2,3).

INTERROGAÇÃO 129
Se alguém jejua muito e por isso não pode tomar dos alimentos
da mesa comum, o que será melhor? Jejuar com os irmãos e comer
com eles, ou por causa do jejum imo- ãeraão ter necessidade de
outros alimentos, na refeição?

Resposta

O tempo do jejum não está ao arbítrio de cada um; depende


do requerido pelo culto a Deus, conforme narram

191
os Atos dos Apóstolos e aprendemos de Davi, o eleito (At
13,2.3; SI 34,13). Se alguém jejua deste modo, também estará
em condições de fazê-lo, porque fiel é o que fez a promessa (Hb
10,23).

INTERROGAÇÃO 130
Como se deve jejuar, quando for preciso jejuar por motivo de
piedade? Por obrigação? Ou de boa vontade?

Resposta

Se o Senhor diz: Bem-aventurados os que têm fome e sede de


justiça (Mt 5,6), tudo o que se faz por causa da piedade, se não
for realizado de boa vontade e com empenho, é perigoso. Quem
jejua, mas de má vontade, não está seguro. Visto que é
necessário jejuar no tempo em que é prescrito o jejum, o
Apóstolo o enumera entre outras boas ações suas, para nosso
ensinamento: com freqüentes jejuns (2Cor 11,27).

INTERROGAÇÃO 131
Faz bem quem não toma alimentos quando os irmãos comem,
mas procura outros?

Resposta

Em geral, pôr-se à busca de alimentos é contra o manda-


mento, porque o Senhor disse: Não vos inquieteis com o que
haveis de comer ou beber; e não andeis com vãs preocupações (Lc
12,29), e o acréscimo mais impressionante: Porque os homens do
mundo é que se preocupam com todas estas coisas (ibid. 30). Cabe
ao encarregado cumprir cuidadosamente a palavra: Repartia-se
então a cada um conforme a sua necessidade (At 4,35).

192
INTERROGAÇÃO 132

Que pensar de quem diz: Isto faz mal, e se contrista se não lhe
derem outra coisa?

Resposta

Demonstra que não está possuído da esperança de Lázaro,


nem reconhece a caridade do encarregado de cuidar de todos.
Em geral, não se deve permitir a cada um julgar o que lhe faz
bem ou mal, mas deixe-se ao encarregado decidir acerca das
necessidades de cada um. Este procure antes o bem da alma e,
em segundo lugar, distribua o necessário ao corpo, de acordo
com a vontade de Deus.

INTERROGAÇÃO 133
Se alguém murmurar por causa da comida.

Resposta

Sofrerá o juízo dos que murmuraram no deserto (Nm 11,1).


Diz o Apóstolo: Não murmureis como murmuraram alguns deles, e
foram mortos pelo exterminaãor (ICor 10,10).

INTERROGAÇÃO 134
Se alguém, irado, se recusar a tomar o necessário.

Resposta

Merece não receber, mesmo se depois o pedir, até que o


superior julgue curado o vício, ou antes os vícios.

INTERROGAÇÃO 135
Se convém, ao que faz um trabalho cansativo, procurar mais
alguma coisa, além do que costuma receber.

193
Resposta

Se assumiu o labor, por causa da retribuição que Deus dará,


não deve por isso procurar alívio de seu trabalho, mas preparar-
se para a recompensa do Senhor, sabendo que receberá de Deus,
que ama os homens, a remuneração pelo labor, a consolação
pela ansiedade. O encarregado de realizar a palavra: Repartia-se
a cada um conforme a sua necessidade (At 4,35) tem o dever de
conhecer cada um dos que trabalham e cuidar deles de modo
adequado.

INTERROGAÇÃO 136
Se é de obrigação reunirem-se todos à hora do almoço; e como
receberemos o que estiver ausente e chegar depois do almoço?

Resposta

Se esteve ausente por necessidade, devido ao lugar ou ao


trabalho, observando a ordem daquele que disse: Irmãos, cada
um permaneça diante de Deus na condição em que estava quando
(Deus) o chamou (ICor 7,24), o responsável pela disciplina
comum, tendo examinado o caso, desculpe-o; se, porém, podia
chegar com os outros e não se apressou, reconhecida a culpa da
negligência, permaneça em jejum até à hora determinada do dia
seguinte.

INTERROGAÇÃO 137
Se é bom que alguém decida, por exemplo, por algum tempo,
abster-se de alguma coisa na comida ou na bebida.

Resposta

Como diz o Senhor: Não para fazer a minha vontade, mas a


vontade daquele que enviou (Jo 6,38), qualquer juízo por
própria vontade não é seguro. Ciente disto, dizia
Davi: Faço juramento e determino guardar os vossos justos decretos
(SI 118,106) e não as minhas vontades.

INTERROGAÇÃO 138
Se na comunidade será lícito a alguém jejuar ou fazer vigílias
mais do que os outros, a seu arbítrio.

Resposta

Tendo dito o Senhor: Descí do céu, não para fazer a minha


vontade, mas a vontade daquele que enviou, o Pai (Jo 6,38),
tudo o que alguém fizer por própria vontade, sendo peculiar a
quem o faz, é contrário à piedade; receie ouvir de Deus acerca
do que pensa fazer: Teus desejos se voltarão para ti e tu os
dominarás (Gn 3,16).
Querer mais do que os outros, mesmo nas coisas boas, é
emulação viciosa, proveniente da vangloria; o Apóstolo mostra
ser isto proibido, ao dizer: Não ousamos equiparar- nos com
alguns que se gloriam a si mesmos (2Cor 10,12). Por isso,
abandonando as próprias vontades e o desejo de parecer que
fazemos melhor do que os outros, devemos obedecer ao
Apóstolo, que admoesta e diz: Quer comais, ou bebais, ou façais
qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus (ICor 10,31).
A contestação, a vangloria e a autocomplacência são
absolutamente contrárias aos que legitimamente combatem o
bom combate. Por isto, diz: Não sejamos ávidos de vangloria (G1
5,26) ou: Se alguém quiser contestar nós não temos tal costume
e nem as igrejas de Deus (ICor 11,16) e alhures: Não devemos
procurar agradar a nós mesmos (Rm 15,1) e acrescentou palavras
que abalam mais: Cristo não se comprazeu em si mesmo (ibid. 3).
Se alguém pensar que precisa ser mais austero em relação ao
jejum, às vigílias, ou a qualquer outra coisa, revele aos encarre-
gados do cuidado de todos a razão que o leva a pensar que
precisa de mais austeridade e observe o que eles aprovarem.
Muitas vezes é melhor atender de um modo diferente à
necessidade dele.

195
1

INTERROGAÇÃO 139

Se intensificamos o jejum, tornamo-nos mais fracos para o


trabalho. Que é preferível? Dificultar o trabalho por causa ão jejum
ou negligenciar este último, por causa do trabalho?

Resposta

É preciso jejuar e comer segundo razão adaptada à piedade.


Assim, se ior dever cumprir o mandamento de Deus, pelo jejum,
jejuemos; quando, porém, ao invés, o mandamento de Deus
exige que nos alimentemos para fortificar o corpo, comamos,
não como glutões, mas como operários de Deus. Guarde-se o
dito do Apóstolo: Quer comais ou bébais, ou façais qualquer outra
coisa, fazei tudo para a glória de Deus (ICor 10,31).

INTERROGAÇÃO 140
Se alguém não se abstiver dos alimentos que lhe fazem mal e,
ingerindo-os fartamente, cair doente, deve ser tratado?

Resposta

A intemperança é um mal reconhecido. Em primeiro lugar é


necessário preocupar-se de curar este vício. Deus, que ama os
homens, querendo mostrar a gravidade do mal da incontinência,
permite muitas vezes que a alma caia no vício da intemperança,
usando do que é nocivo ao corpo, a fim de que possa pela
doença corporal, proveniente da gula, chegar a sentir o próprio
dano e ser levada à temperança em todas as coisas.
Quanto ao tratamento do corpo dos que adoeceram devido à
gula, é razoável e de acordo com a bondade aplicá-lo
imediatamente, mas não sem discernimento e sim com
solicitude, para não acontecer que, cuidando do corpo, deixemos
a alma desprovida de remédio.

196
Se virmos que alguém aprende prudentemente durante o
tratamento do corpo e cuida da alma, mergulhada no vício,
empreguem-se os socorros corporais. Se houver convicção de
que, cuidando do corpo, descuida-se da alma, é melhor deixar
com suas dores aquele que as sofre devido à própria
intemperança, porque talvez, com o tempo, obtendo o
conhecimento de si mesmo e dos suplícios eternos, possa prover
ao bem de sua alma. Mas, senão julgados pelo Senhor, ele nos
castiga para não sermos condenados com este mundo (ICor 11,32).

INTERROGAÇÃO 141
Se convém nas oficinas encontrarem-se hóspedes, ou alguns de
casa, que saiam de seu lugar.

Resposta

Exceto o encarregado de supervisionar os trabalhadores, ou


de distribuir o trabalho, quem for surpreendido a agir deste
modo, como alguém que perturba a boa ordem e harmonia entre
os membros, fique proibido até das saídas permitidas. Sente-se
no lugar considerado conveniente para a correção e atentamente
realize uma tarefa mais pesada do que de costume até que
aprenda a guardar a palavra do Apóstolo: Cada um permaneça na
condição em que estava quando Deus o chamou (ICor 7,24).

INTERROGAÇÃO 142
Se os artífices devem receber alguma encomenda, sem o
conhecimento do responsável por estes trabalhos.

Resposta

É réu da sentença de um ladrão, ou de quem está de acordo


com um ladrão, tanto quem faz a encomenda, como quem a
recebe.

197
1

INTERROGAÇÃO 143

De que modo devem os que trabalham cuidar dos instrumentos a


seu cargo?

Resposta

Primeiro como sendo dedicados e consagrados a Deus; em


seguida, como quem não pode sem eles mostrar zelo ativo,
como é devido.

INTERROGAÇÃO 144
Se alguém perder alguma coisa por descuido, ou abusar,
desprezando-a.

Resposta

Quem abusar, seja considerado sacrílego; quem perder, seja


julgado causa de sacrilégio, pois todas as coisas são dedicadas,
consagradas a Deus.

INTERROGAÇÃO 145
Se alguém, por própria conta, der ou receber uma coisa
emprestada.

Resposta

Seja considerado temerário e contumaz. Estas coisas cabem


ao encarregado de cuidar dos objetos e da sua distribuição.

INTERROGAÇÃO 146
Se por urgente necessidade o prepósito lhe pedir um instrumento,
mas ele negar.

198
Resposta

Quem se entregou a si e a seus membros para a utilidade dos


outros, na caridade de Cristo, como poderá litigar por causa
desses objetos com o prepósito, ao qual compete também o
cuidado dos instrumentos?

INTERROGAÇÃO 147
Quem estiver ocupado no celeiro, na cozinha, ou em coisa
semelhante, se não se apresentar no tempo da salmo- áia e da
oração, sofrerá detrimento espiritual?

Resposta

Cada um, em seu trabalho, observará, como um membro do


corpo, a regra que lhe é peculiar. Se negligenciar o que lhe foi
mandado, sofrerá ele próprio detrimento. O perigo será maior se
armar insídias à comunidade. Portanto, cumpra, segundo o
sentido próprio das palavras, o que está escrito: Cantando e
louvando ao Senhor em vossos corações (Ef 5,19). Se não puder
corporalmente acorrer com os demais, não se preocupe, mas
realize a palavra: Cada um permaneça na condição em que estava,
quando Deus o chamou (ICor 7,24). É preciso cautela, porém, a
fim de não acontecer que alguém, podendo fazer a tempo o que
lhe foi ordenado e dar aos outros um bom exemplo, apresente
pretexto de ocupação no trabalho, para tropeço dos demais, e
assim incorra na condenação dos negligentes.

INTERROGAÇÃO 148
Até onde vai a faculdade de administrar do responsável pelo
celeiro?

Resposta

Em relação àquele que, após exame, lhe entregou este cui-


dado, lembre-se do Senhor, que disse: De mim mesmo não

199
posso fazer coisa alguma (Jo 5,30); quanto aos que foram
confiados a seus cuidados, considere a necessidade de cada um.
Pois está escrito: Repartia-se a cada um deles, conforme a sua
necessidade (At 4,35). O mesmo seja observado por todos os
encarregados de funções semelhantes.

INTERROGAÇÃO 149
Qual a sentença do ecônomo que fizer algo por acepção de
pessoas ou por contestação?

Resposta

Como o Apóstolo ora preceitue que nada se faça segundo a


própria inclinação (lTm 5,21), ora afirme: Se alguém quiser
contestar nós não temos tal costume e nem as igrejas de Deus
(ICor 11,16), quem estiver nestas condições seja declarado
contrário à Igreja de Deus, até que se emende. Deve-se pesar,
com muita circunspecção, a idoneidade de cada um, antes de
entregar-lhe qualquer trabalho. Não aconteça sejam condenados,
como maus dispensado- res em relação às almas e ao
mandamento do Senhor, aqueles que o confiam a um incapaz.
Nem os que o assumem pareçam encontrar escusas para o
pecado.

INTERROGAÇÃO 150
Se por negligência não der a um irmão o necessário.

Resposta

Seu julgamento manifesta-se nas palavras do Senhor: Retirai-


vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e
aos seus anjos. Porque tive fome e não destes de comer, tive sede
e não destes de beber (Mt 25,41.42). E: Maldito aquele que faz
com negligência a obra do Senhor (Jr 48,10).

200
INTERROGAÇÃO 151

Se é permitido no serviço falar em voz mais alta.

Resposta

A necessidade dos ouvintes é que determina a intensidade da


voz. Se for muito baixa, enquanto muito fraca, assemelha-se ao
sussurro e é censurável. Se for mais alta do que necessário,
podendo o ouvinte escutar a quem fala com voz submissa,
torna-se clamor reprovável (Ef 4,31), a não ser que a lentidão do
ouvinte nos obrigue a gritar para, de certo modo, despertá-lo do
sono. Narra-se que o Senhor também agiu assim, como diz o
evangelista: Jesus exclamou em alta voz: Aquele que crê em mim,
crê não em mim, mas naquele que enviou (Jo 12,44).

INTERROGAÇÃO 152
Se alguém, chegado o seu turno de servir na cozinha, trabalhar
acima de suas forças, de modo que por uns dias fique
impossibilitado de trabalhar como de ordinário, convém impor-lhe
este ofício?

Resposta

Foi dito que o encarregado de distribuir o trabalho, tendo


considerado a habilidade e as forças de quem trabalha, deve dar
as ordens, de modo que não ouça o dito: Que engendra vexames
sob a aparência de lei (SI 93,20). Mas quem recebe a ordem não
deve contradizer, porque a obediência estende seus limites até à
morte.

INTERROGAÇÃO 153
Como a encarregada das lãs guardá-las-á, e de que maneira
atenderá às que trabalham?

201

J
Resposta

Guarde as lãs corno tendo recebido um depósito de Deus;


ordene e distribua o trabalho de cada irmã, sem rivalidade nem
acepção de pessoas.

INTERROGAÇÃO 154
Se forem poucos os irmãos e servirem a muitas irmãs, de modo
que precisem separar-se, distribuindo-se o trabalho, haverá perigo?

Resposta

Se este múnus é atestado pelo mandamento do Senhor e


realizado segundo Deus, cada um dos que trabalham em sua
própria obra agrada a Deus. Sua união mútua consiste em serem
todos unânimes, concordes, realizando a palavra do Apóstolo:
Porque, embora ausente de corpo, estou presente convosco em
espírito (Cl 2,5).

INTERROGAÇÃO 155
Aprendemos que devemos servir aos doentes no hospital como a
irmãos do Senhor; se tal não for aquele que é servido, como tratá-lo?

Resposta

O Senhor disse: Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que
está nos céus, este é meu irmão e minha irmã e minha mãe (Mt
12,50). Se alguém não for um destes, e sim convencido de ser
pecador, merecedor daquela sentença: Todo o homem que se
entrega ao pecado, é seu escravo (Jo
8,34) , primeiro precisa de admoestação e advertência do
superior. Se persistir nos mesmos vícios, evidencia-se recair
sobre ele a sentença do Senhor que acrescenta: O escravo

202
não fica na casa para sempre (ibid. 35) e a do Apóstolo que
preceitua: Tirai o perverso do vosso meio (ICor 5,13). Assim não
haverá hesitação para os que servem e todos os que vivem juntos
sentir-se-ão em segurança.

INTERROGAÇÃO 156
Se o encarregado do celeiro ou de ofício semelhante deve ser
mantido, ou será bom trocar.

Resposta

Se observa o conhecimento da disciplina e a integridade da


regra, é inútil trocá-lo. Seria antes molesto e difícil. Tenha um
auxiliar que se instrua devagar no ofício, a fim de que, se uma
mudança se impuser, não nos perturbemos com a falta de um
sucessor e vejamo-nos muitas vezes obrigados a colocar à frente
do trabalho um incapaz, que, por sua inexperiência, quebrará a
integridade (da regra) e dissolverá a disciplina.

INTERROGAÇÃO 157
Com que atitude se deve servir a Deus; e o que é, em resumo, esta
atitude?

Resposta

Julgo que a atitude reta é a intenção de agradar a Deus,


veemente, insaciável, firme e imutável. Realiza-se pela con-
templação esclarecida e assídua da majestade da glória de Deus,
com pensamentos de gratidão, e uma lembrança contínua dos
bens que Deus nos concedeu. Origina-se, então, na alma (o
amor): Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda
a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças (Mc
12,30), segundo aquele que disse: Como a corça anseia pelas
águas correntes, assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus (SI
41,1).

203
Seja Deus servido com tal disposição de ânimo que se realize
a palavra do Apóstolo: Quem nos separará do amor de Cristo?
Tributação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo?
Espada? etc. (Rm 8,35).

INTERROGAÇÃO 158
Com que atitude deve ser recebida uma punição?

Resposta

Com a de um filho doente e em perigo de vida, para com o


pai ou o médico que o trata, embora amargo e doloroso o
remédio, convicto do amor e da perícia de quem o corrige e
possuído do desejo de obter a saúde.

INTERROGAÇÃO 159

Que pensar de quem se aborrece com quem o repreende?

Resposta
Não conhece o perigo do pecado, principalmente em relação
a Deus, nem a vantagem da penitência, e não acredita naquele
que disse: Quem ama, castiga (Pr 13,24) e não obtém o lucro
ambicionado por aquele que disse: Se o justo bate, é um favor.
Se ele repreende... (SI 140,5). Toma-se também prejudicial à
comunidade, levando os empenhados na luta a desanimarem.

INTERROGAÇÃO 160
Com que atitude devemos servir aos irmãos?

Resposta

Com a atitude de prestar serviço ao próprio Senhor, que


disse: Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus

204
irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes (Mt
25,40). Se forem assim aqueles que recebem estas atenções, esta
atitude é facilitada. Por isso, os superiores devem zelosamente
cuidar que eles não sejam escravos da gula e dos prazeres, como
os que lisonjeiam o corpo; mas como amigos de Deus e de
Cristo, pela paciência perfeita, à semelhança do justo Jó,
tomem-se uma glorificação do Senhor, para ignomínia do diabo.

INTERROGAÇÃO 161
Com que humildade se receberá um serviço da parte de um
irmão?

Resposta

Como o escravo recebe o de seu senhor e com a humildade


demonstrada por Pedro, quando o Senhor o servia; donde
aprendemos também qual o perigo dos que não aceitam um
serviço.

INTERROGAÇÃO 162
Como há de ser a caridade para com os outros?

Resposta

Conforme o Senhor mostrou e ensinou, quando disse: Amai-


vos uns aos outros, como eu vos amei (Jo 15,12). Ninguém tem
maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos (ibid.
13). Se devemos até dar a própria vida, quanto mais precisamos
manifestar prontidão de ânimo nas coisas menores; não por
obrigação humana, mas com o escopo de agradar a Deus e para
o bem de todos.

205
INTERROGAÇÃO 163
1
De que modo exercerá alguém a caridade para com o próximo?

Resposta

Primeiro, se temer o juízo dos que transgridem o man-


damento do Senhor, que disse: Quem não crê no Filho não verá a
vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus (Jo 3,36). Segundo, se
procura a vida eterna, pois: O seu mandamento é vida eterna
(ibid. 12,50). Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de
toda a tua alma, e de todas as tuas forças. Este é o maior e o
primeiro mandamento. E o segundo é semelhante a este: Amarás
teu próximo como a ti mesmo (Mt 22,37-39). Depois, se desejar
assemelhar-se ao Senhor, que disse: Dou-vos um novo
mandamento: Amai- vos uns aos outros, como eu vos tenho amado
(Jo 13,34), finalmente, se tem os seguintes pensamentos: Se
nosso irmão é benfeitor nosso, devemos-lhe também
humanamente aquele amor que praticam os gentios, segundo a
declaração do Senhor no Evangelho: Se amais os que vos amam,
que recompensa mereceis? Também os pecadores amam aqueles
que os amam (Lc 6,32); se é malfeitor, ainda assim cabe-nos
amá-lo, não só por causa do mandamento, mas ainda como
sendo um benfeitor maior, se acreditamos no Senhor, que disse:
Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem; quando vos
perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa
de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa
recompensa nos céus (Mt 5,11-12).

INTERROGAÇÃO 164
Que quer dizer: Não julgueis e não sereis julgados (Lc 6,37)?

Resposta

Como o Senhor disse: Não julgueis e não sereis julgados e


ordena que se julgue segundo a reta justiça (Jo 7,24),

206
não proíbe inteiramente o juízo, mas nos ensina a diferença entre
os juízos. O Apóstolo claramente nos ensinou o que convém
julgar, e o que não. Quanto ao que está em poder de cada um e
não foi prescrito na Escritura, diz: Por que julgas o teu irmão?
(Rm 14,10 e ainda: Cessemos, pois, de julgar uns aos outros (ibid.
13). Relativamente ao que desagrada a Deus, o Apóstolo condena
os que não julgam e apresenta-lhes o seu próprio juízo: Pois eu,
em verdade, ainda que ausente com o corvo, mas presente em
espírito, já tenho julgado, como se estivesse presente, aquele que
assim se comportou. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo
reunidos vós e o meu espírito com o poder de Nosso Senhor Jesus
seja este homem entregue a Satanás, para a destruição de seu corpo,
a fim de que a sua alma seja salva no dia de Nosso Senhor Jesus
Cristo (ICor 5,3-5).
Se alguma coisa está ao nosso arbítrio, ou, por vezes, é
incerta, não devemos por isto julgar o irmão, segundo o que o
Apóstolo diz a respeito do que se ignora: Não julgueis antes do
tempo; esperai que venha o Senhor. Ele porá às claras o que se acha
escondido nas trevas. Ele manifestará as intenções dos corações
(ICor 4,5). É de absoluta necessidade defender os juízos de Deus,
para não ficar sujeito à ira de Deus aquele que se cala; a não ser
que alguém, por fazer o mesmo que censura no outro, não tenha
coragem de julgar o irmão, ouvindo o Senhor que diz: Tira
primeiro a trave do teu olho e assim verás para tirar a palha do
olho de irmão (Mt 7,5).

INTERROGAÇÃO 165
Como pode alguém saber se é por zelo de Deus que se comove
contra o irmão que pecou, ou por ira?

Resposta

Se sentir contra qualquer pecado aquilo que foi escrito: Sinto-


me consumido pelo zelo ao ver meus inimigos esquecerem vossas
palavras (SI 118,139) é claro que possui

207
o zelo de Deus. Mas também aqui é necessária uma hábil
prudência, para a edificação da fé. Se não houver previamente
esta disposição que mova o ânimo, suas reações serão desiguais
e não se observará o escopo da piedade.

INTERROGAÇÃO 166
Com que atitude se deve ouvir quem insiste na prática do
mandamento?

Resposta

Com a atitude com a qual o menino faminto obedece a quem


o alimenta ao chamá-lo para a refeição; e como o homem que
busca seu sustento atende a quem lhe oferece a substância; e
tanto mais ainda, quanto a vida eterna é mais valiosa que a
presente. Pois o mandamento de Deus, diz o Senhor, é vida eterna
(Jo 12,50). O que é, em relação ao pão, o ato de ingeri-lo, é a
execução da obra em referência ao mandamento, conforme o
que diz o Senhor: Meu alimento é fazer a vontade daquele que
enviou, o Pai (Jo 4,34).

INTERROGAÇÃO 167
Como há de ser a alma que for considerada digna de se ocupar
na obra de Deus?

Resposta

Como aquela que dizia: Quem sou eu, ó meu Senhor, e que
casa é a minha, para amares? (2Sm 7,18, nos LXX). Realiza
o que foi escrito: Rendei graças ao Pai, que nos fez idôneos de
participar da herança dos santos na luz. Ele nos arrancou do poder
das trevas e nos transferiu para o reino de seu Filho muito amado
(Cl 1,12.13).

208
INTERROGAÇÃO 168

Com que atitude deve ser recebido o hábito e o calçado, sejam


quais forem?

Resposta
Se for maior ou menor em tamanho, declare com a devida
moderação, a sua necessidade. Se, porém, desagrada- lhe pela má
qualidade ou porque não é novo, lembre-se do Senhor que disse:
O operário, não simplesmente qualquer um, merece o seu sustento
(Mt 10,10). Interrogue-se a si mesmo se fez alguma coisa à altura
dos mandamentos do Senhor, ou de suas promessas, e então não
reclamará coisa alguma, mas se perturbará com o que lhe é dado,
julgando receber além do que merece. Como regra, em relação a
todas as necessidades corporais, sirva o que foi dito acerca da
alimentação.

INTERROGAÇÃO 169
Como se portará um irmão mais jovem a quem for ordenado dar
alguma instrução a um mais velho em idade?

Resposta
Como um ministério ordenado pelo Senhor Deus, receando
incorrer na condenação daquele que disse: Maldito aquele que faz
com negligência a obra do Senhor (Jr 48,10) e ainda precavendo-
se para não acontecer que, orgulhando-se, caia na mesma
condenação do demônio (lTm 3,6).

INTERROGAÇÃO 170
Se devem ser tidos na mesma conta os que procedem melhor e os
que agem menos bem.

Resposta
Julgo razoável observar a respeito deles todos o que o Senhor
determinou sobre a remissão dos pecados, quando

209
disse: Seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela
tem demonstrado muito amor. Mas ao que pouco se perdoa, pouco
ama (Lc 7,47) e o que o Apóstolo instituiu acerca dos
presbíteros: Os presbíteros que cumprem bem a sua função são
dignos de dupla remuneração, principalmente os que trabalham na
pregação e no ensino (lTm 5,17). Assim, a meu ver, deve-se agir
em todos os casos semelhantes.

INTERROGAÇÃO 171
Como trataremos um inferior que se contrista porque lhe é
preferido outro mais piedoso?

Resposta

É evidentemente condenável por causa de sua maldade,


segundo a parábola do Evangelho, na qual diz o Senhor aos
entristecidos porque alguns receberam o mesmo prêmio que
eles: Porventura vês com mau olho que eu seja bom? (Mt 20,15). É
manifesto para com ele e seus iguais o juízo de Deus que diz
pelo profeta: Tem por desprezível o malvado, mas sabe honrar os
que temem a Deus (SI 14,4).

INTERROGAÇÃO 172
Com que temor, convicção e atitude receberemos o corpo e o
sangue de Cristo?

Resposta

Quanto ao temor, o Apóstolo no-lo ensinou, ao dizer: Aquele


que come e bebe indignamente, come e bebe sua própria
condenação (ICor 11,29). A convicção provém da fé nas
palavras do Senhor, que disse: Isto é o meu corpo, que é dado por
vós; fazei isto em memória de mim (Lc 22,19); igualmente do
testemunho de João, que narra pri-

210
meiro a glória do Verbo e acrescenta o modo da encarnação,
com as palavras: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e
vimos a sua glória, a glória que um Filho único recebeu do seu Pai,
cheio de graça e de verdade (Jo 1,14), e do Apóstolo, que
escreveu: Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua
igualdade com Deus, mas aniquilou- se a si mesmo, assumindo a
condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E senão
exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se a si mesmo,
tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz (PI 2,6-8).
Quando a alma acredita nestas palavras e em pessoas tais e
tão importantes, aprende a majestade da glória e admira-se do
excesso da humildade e da obediência, porque ele, tão grande,
obedeceu ao Pai até à morte, para nossa vida; julgo que tomará a
atitude do amor para com Deus, que é também Pai, e que não
poupou seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou (Rm
8,32); e para com o seu Filho Unigênito que obedeceu até à
morte para nossa redenção e salvação. E poderá assim atender ao
Apóstolo que propôs aos sãos uma boa consciência a respeito
disto, à guisa de regra, quando diz: O amor de Cristo nos impul-
siona, considerando que, se um só morreu por todos, logo todos
morreram. Cristo morreu por todos, a fim de que os que vivem já
não vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e ressurgiu
(2Cor 5,14-15). Tal a atitude e a preparação convenientes para
aquele que participa do pão e do cálice.

INTERROGAÇÃO 173
Se é lícito a hora em que, em casa, se realiza a salmodia, travar-
se uma conversa qualquer.

Resposta

Não convém, exceto àqueles a quem foi confiado o ofício e o


cuidado da boa ordem e da distribuição do trabalho, e se houver
necessidade urgente; não, porém, inconsidera- damente, mas
levando em conta o lugar, a disciplina, a reve

211
rência, e sem provocar escândalo; para todos os outros é
obrigatório o silêncio. Se até no tempo de falar e entre aqueles
aos quais foi confiado o ofício de ensinar, o primeiro deve se
calar se um outro tiver uma revelação (ICor 14,30), quanto mais
o silêncio não será necessário aos demais, no tempo da
salmodia?

INTERROGAÇÃO 174
Como praticará alguém, com ânimo e grande desejo, os
mandamentos do Senhor?

Resposta

Por natureza, a experiência do agradável e do útil, e até a sua


própria expectativa, move a alma ao afeto e desejo destas coisas.
Se alguém, portanto, odiar e detestar a ini- qüidade (SI 118,163)
e purificar-se de todo pecado, pelo qual, como acontece numa
doença em que o corpo sofre de inapetência e fastio dos
alimentos, a alma sente lentidão e preguiça acerca dos juízos de
Deus; se, além disso, estiver convicta de que o mandamento de
Deus é vida eterna e que todas as promessas, para os que o
observam, são seguras, tomará a atitude daquele que disse: Os
juízos do Senhor são verdadeiros, todos igualmente justos. Mais
desejáveis que o ouro, que muito ouro fino, mais doces que o mel,
que o puro mel dos favos. Vosso servo neles atenta, guardando-os
com todo o cuidado (SI 18,10-12).

INTERROGAÇÃO 175
Como se manifestará que alguém ama o irmão segundo o
mandamento do Senhor; e como se convencerá de que não ama
deste modo?

Resposta

Dois são os dotes da caridade: entristecer-se e preocupar-se


com aquilo que fere o amado e alegrar-se com seu proveito e
labutar por ele.

212
É bem-aventurado, pois, quem chora o pecador, cujo perigo é
terrível; e o que se alegra com o que age bem, cuja recompensa é
incomparável, como está escrito. O Apóstolo Paulo o atesta
quando diz: Se um membro sofre, todos os membros padecem com
ele (ICor 12,26), certamente segundo a razão da caridade em
Cristo; ou se um membro é honrado, conforme o escopo de
agradar a Deus, todos os membros se regozijam com ele. Quem não
tem esta atitude, é evidente que não ama seu irmão.

INTERROGAÇÃO 176
Quais os inimigos que temos o dever de amar? Como amaremos
os inimigos? Somente conferindo-lhes benefícios, ou também pela
afeição? E isto é possível?

Resposta

É próprio do inimigo prejudicar e armar ciladas. Quem, pois,


de algum modo, prejudica a outrem, pode ser chamado seu
inimigo; principalmente quem peca. Pois, enquanto depende
dele, prejudica de várias maneiras e arma ciladas aos que
convivem ou mantêm relações com ele. Uma vez que o homem
consta de corpo e alma, quanto à alma, amemo-los, censurando-
os, admoestando-os e de todos os modos levando-os à
co%nversão; quanto ao corpo, se lhes faltar o necessário para
viver, prestando-lhes benefícios.
Todos sabem que a caridade se acha numa disposição de
ânimo. Mostrou e ensinou o Senhor ser isto possível, de-
monstrando amor ao Pai e obediência até à morte pelos
inimigos, não pelos amigos, como testemunha o Apóstolo, ao
dizer: Mas Deus faz brilhar o seu amor para conosco, porque, ainda
quando éramos pecadores, Cristo morreu por nós (Rm 5,8-9). E
nos exorta ao mesmo, quando diz: Sede, pois, imitadores de Deus,
como filhos muito amados. Progredí na caridade, segundo o
exemplo de Cristo que nos amou e por nós se entregou a Deus como
oferenda e sacrifício de agradável odor (Ef 5,1.2).
Não teria ele, bom e justo, assim ordenado, se não tivesse
dado também a possibilidade; declarou-o necessariamen

213
te inserto em nossa natureza. Pois até os animais amam
naturalmente os benfeitores. Prestar-nos-á um amigo benefício
tão grande como os inimigos? Proporcionam-nos a bem-
aventurança que o Senhor anunciou: Bem-aventurados sois,
quando vos caluniarem; quando vos perseguirem e disserem
falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e
exultai; porque será grande a vossa recompensa nos céus (Mt
5,11.12).

INTERROGAÇÃO 177
Como devem os fortes carregar as enfermidades dos fracos? (Rm
15,1).

Resposta

Carregar talvez seja o mesmo que eliminar e curar, segundo o


que foi escrito: Ele tomou sobre si nossas enfermidades e
encarregou-se de nossos sofrimentos (Is 53,4), não que as tenha
assumido em si mesmo, mas porque curou os pacientes; também
se aplica ao modo e à razão da penitência, mediante a qual os
mais fracos são curados pelos cuidados dos mais fortes.

INTERROGAÇÃO 178
Que significa: Ajudai-vos uns aos outros a levar os vossos fardos
(Gl 6,2)? Qual a lei que cumprimos ao fazer isto?

Resposta

A mesma que foi dita acima. Pesado, em verdade, é o pecado


que arrasta a alma às profundezas do inferno. Tiramos e
apagamos o pecado dos outros, quando levamos os pecadores à
penit ncia. A palavra levar , ao inv s de tirar , comumente
usada pelos habitantes daquela re

214
gião, como eu mesmo ouvi de vários deles muitas vezes.
Cumprimos a lei de Cristo, que disse: Não vim chamar à
conversão os justos, mas sim os pecadores (Lc 5,32), e que nos
prescreveu a norma: Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e
repreende-o entre ti e ele somente: se te ouvir, terás ganho o teu
irmão (Mt 18,15).

INTERROGAÇÃO 179
Como poderá alguém sem a caridade ter tal fé que transporte
montanhas, ou dar todos os seus bens aos pobres, ou entregar seu
próprio corpo para ser queimado?

Resposta

Se nos recordarmos do Senhor, que disse: Fazem-no para


serem vistos pelos homens (Mt 6,5) e também de sua resposta a
alguns que haviam dito: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em
vosso nome, e não foi em vosso nome que expulsamos os demônios e
fizemos muitos milagres? (Mt 7,22) e responder-lhes-á: Não sei
donde sois (Lc 13,27), não porque mentissem, mas porque
abusaram do dom de Deus para fazer sua própria vontade, o que
é contrário à caridade de Deus, poderemos sem dificuldade
entender o supramencionado.
Não é de admirar que mesmo um indigno receba um carisma
ou dom de Deus; pois Deus, no tempo de sua bondade e
paciência (Rm 2,4), faz nascer o sol tanto sobre os maus como
sobre os bons (Mt 5,45). Muitas vezes, também para o bem
daquele mesmo que recebe o carisma, porque talvez confuso
diante da bondade de Deus, empenhe-se em lhe agradar; ou para
o bem dos outros, segundo o que disse o Apóstolo: É verdade
que alguns pregam a Cristo por espírito de ciúme e discórdia; mas
outros o fazem com boas disposições (PI 1,15). Pouco depois
acrescenta: Contanto que, de qualquer modo, ou por um zelo
hipócrita ou com sinceridade, Cristo seja anunciado e com isto
alegro (ibid. 18).

215
INTERROGAÇÃO 180

Com que atitude e atenção devemos ouvir a leitura, durante a


refeição?

Resposta

Com maior prazer do que o experimentado em comer e beber,


para que o espírito não se entregue aos prazeres corporais;
deleite-se antes com as palavras do Senhor, conforme a
disposição daquele que disse: São mais doces que o mel, que o
puro mel dos favos (SI 18,11).

INTERROGAÇÃO 181
Se houver duas comunidades de irmãos vizinhas, uma que luta
com a pobreza e a outra que dificilmente dá, como deve a pobre
portar-se para com a que não dá?

Resposta

Como poderão usar de parcimônia em relação às coisas


corporais, os que foram instruídos a dar, na caridade de Cristo,
até a própria vida pelos outros? Estão de certo modo esquecidos
daquele que disse: Tive fome e não destes de comer, etc. (Mt
25,42). Se tal acontecer, suportem os pobres com paciência, a
exemplo de Lázaro, persuadidos de que, no século futuro, serão
consolados.

INTERROGAÇÃO 182
Quais frutos comprovam a compaixão de quem repreende o
irmão que peca?

Resposta

Primeiro, pelos principais sinais de compaixão, segundo a


palavra do Apóstolo: Se um membro sofre, todos os

216
membros padecem com ele (ICor 12,26) e: Quem tropeça, que eu
não consuma em febre? (2Cor 11,29). Segundo, se igualmente
se atribula por causa de qualquer pecado e se entristece e se
lastima diante de todos os que pecam contra ele mesmo ou
contra os outros, e se, ao censurar, não se desvia da maneira que
o Senhor nos deixou como tradição.

INTERROGAÇÃO 183
Se houver entre alguns dos que vivem em comunidade um
desentendimento, será certo concordar com eles por causa da
caridade?

Resposta

Segundo o dito do Senhor: Fazei, ó Pai, que assim como eu e tu


somos um, também eles sejam um em nós (Jo 17,21) e o que o
Apóstolo escreveu: Uma só alma, e os mesmos pensamentos (F1
2,2), e ainda a narrativa dos Atos de que: A multidão dos fiéis era
um só coração e uma só alma (At 4,32), os dissidentes opõem-se
às palavras supracitadas. Porque a caridade, quando razoável,
observa a palavra: Quem ama castiga na hora precisa (Pr 13,24); a
caridade porém, que se afasta da razão, seja qual for, é reprová-
vel, pois diz o Senhor: Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que
a mim, não é digno de mim (Mt 10,37).

INTERROGAÇÃO 184
Como poderá alguém, quando exorta ou censura, não apenas se
esforçar por se exprimir sabiamente, mas também conservar a devida
atitude para com Deus e para com aqueles aos quais fala?

Resposta

Se estiver lembrado do Apóstolo, que disse: Os homens


consideram-nos simples operários de Cristo e administra

217
dores dos mistérios de Deus (ICor 4,1), não ministrará a ciência
como própria, por sua autoridade, mas com temor e tremor
diante de Deus, como um ministro de Deus, para cura de almas
remidas com o sangue de Cristo, segundo aquele que disse:
Falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus que sonda os
nossos corações (lTs 2,4), e para com os que ouvem, com afeto e
misericórdia, realizando a palavra: Qual mãe, que com ternura
cuida dos filhos que amamenta, assim em nossa ternura por vós
desejavamos não só comunicar-vos o Evangelho de Deus, mas até a
nossa própria vida (ibid. 7.8).

INTERROGAÇÃO 185
Se alguém, vendo que sua palavra tocou os ouvintes, se alegrar,
como poderá saber se é por boa disposição ou viciosa afeição para
consigo mesmo que se alegra?

Resposta

Se colocar sua alegria só nos louvores, é claro que é amor-


próprio vicioso; mas se se rejubila porque percebe que os que o
enaltecem entendem logo o que ouvem, e vê semeada
ocuitamente a esperança da obediência; e se depois se alegra,
porque, solícito com o bem deles, verifica que suas obras estão
de acordo com os louvores; ou se, ao ver que os que o elogiam
nenhum proveito tiraram, entristece-se, dê graças a Deus,
porque teve sentimentos dignos de um amigo de Deus e dos
irmãos, sem procurar a própria glória e sim a glória de Deus e a
edificação dos irmãos.

INTERROGAÇÃO 186
Uma vez que fomos instruídos a ter tal amor a ponto de dar a
vida pelos amigos, queremos saber para que amigos devemos querer
isto.

218
Resposta

Creia-se que há diferença na atitude e no modo desta


realização; umas coisas muitas vezes devem ser empreendidas
em favor dos pecadores e outras, pelos justos. Foi- nos ensinado,
porém, sem discriminação, a mostrar um amor que vá até à
morte pelos justos e pelos pecadores. Diz-se: Deus faz brilhar o
seu amor para conosco, porque, ainda quando éramos pecadores,
Cristo morreu por nós (Rm 5,8.9), O Apóstolo diz, porém, aos
santos: Qual mãe que com ternura cuida dos filhos que amamenta,
assim, em nossa ternura por vós, desejavamos não só comunicar-vos
o Evangelho de Deus, mas até a nossa própria vida, porquanto nos
sois muito queridos (ITs 2,7-8).

INTERROGAÇÃO 187
Se devem todos receber alguma coisa dos parentes carnais.

Resposta

É necessário que os parentes entreguem aos que se apro-


ximam do Senhor o que lhes pertence, sem nada subtrair para
não recair sobre eles a sentença de sacrilégio. No entanto, o fato
de serem gastos os bens à vista daqueles aos quais parecem
pertencer torna-se, com frequência, para eles pretexto de orgulho
e para os pobres, que abraçaram o mesmo gênero de vida,
ocasião de tristeza. Acontece assim o que o Apóstolo censura
nos coríntios, ao dizer: Quereis envergonhar os que nada têm?
(ICor 11,22).
Por isso, se o encarregado das igrejas do lugar é admi-
nistrador fiel e prudente, faça-se conforme o mencionado nos
Atos: Traziam e depositavam-no aos pés dos apóstolos (At 4,35). Se
nem todos são capazes de administrar tais coisas, mas somente
os encarregados, depois de examinados, cada um deles disporá
daquilo que lhe for entregue, conforme julgar bem.

219
INTERROGAÇÃO 188

Como encararemos os antigos companheiros, ou os parentes que


nos vêm visitar?

Resposta

Como o demonstrou e ensinou o Senhor, quando lhe anun-


ciaram: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e desejam verte (Lc
8,20); respondeu-lhes, com palavras severas: Quem é minha mãe
e quem são meus irmãos? Todo aquele que faz a vontade de meu Pai
que está nos céus, esse é meu irmão e minha irmã e minha mãe (Mt
12,48-50).

INTERROGAÇÃO 189
Devemos ouvi-los se quiserem com exortações induzir-nos a
voltar para casa?

Resposta

Se é no intuito de edificar os outros na fé, quem for capaz de


ir para tal fim, depois de experimentado, seja enviado; se é por
obséquio humano, ouça o Senhor que recomenda àquele que lhe
dissera: Permite primeiro que despeça dos que estão em casa.
Responde: Aquele que pôs a mão no arado e olha para trás, não é
apto para o reino de Deus (Lc 9,61-62). Se esta é a sentença de
quem apenas queria se despedir, o que dizer daquele?

INTERROGAÇÃO 190
Se devemos compadecer-nos dos parentes, desejando a sua
salvação.

Resposta

Aquele que nasceu do Espírito, segundo a palavra do Senhor


(Jo 3,8), e recebeu o poder de se tornar filho de

220
Deus (Jo 1,12), envergonha-se de falar em parentes carnais, mas
reconhece como familiares os próximos na fé, dos quais o
Senhor atesta: Minha mãe e meus irmãos são estes que ouvem a
palavra de Deus e a observam (Lc 8,21). Compadece-se de todos
os que estão longe do Senhor, tanto dos parentes carnais, como
dos demais. Se alguém, contudo, tiver maior afeição por eles e
julga ter o Apóstolo por patrono de seus sentimentos, ao dizer:
Porque eu mesmo desejaria ser reprovado, separado de Cristo, por
amor de meus irmãos, que são da minha raça, segundo a carne (Rm
9,3), entenda pela sequência que o Apóstolo não honra o
parentesco carnal, mas a Israel e aos privilégios concedidos por
Deus; nem porque os israelitas eram de sua raça, mas porque os
seus parentes carnais eram israelitas e porque foram honrados
com tantos e tão grandes benefícios de Deus. Porque deles era a
adoção e a glória, deles a legislação e o culto; porque deles eram
os testamentos e as promessas, deles os pais; porque deles era o
Cristo segundo a carne (Rm 9,4.5); é por tudo isto que dá tanta
importância à salvação deles, sem olhar o parentesco, e sim a
encarnação do Senhor, feita em seu favor. Disse o Senhor: Não
fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15,24).

INTERROGAÇÃO 191
Que significa ser manso?

Resposta

Ser imutável no empenho de agradar a Deus.

INTERROGAÇÃO 192
Qual a tristeza segundo Deus e qual a de acordo com o mundo?

221
Resposta

Há tristeza segundo Deus quando alguém se contrista por ver


desprezado o mandamento de Deus, conforme está escrito:
Revolto-me à vista dos pecadores que abandonam a vossa lei (SI
118,53); é tristeza de acordo com o mundo quando a causa da
aflição é humana ou mundana.

INTERROGAÇÃO 193
Que é gáudio no Senhor? Quais dentre nossas ações devem nos
alegrar?

Resposta

Alegrar-se com o que se faz, segundo o mandamento do


Senhor, para a glória de Deus é gáudio no Senhor. Quando
pomos em prática os mandamentos do Senhor, ou sofremos
alguma coisa pelo nome do Senhor, devemos nos alegrar e
congratular-nos mutuamente.

INTERROGAÇÃO 194
De que modo chorar para sermos dignos da bem-aven- turança?

Resposta

Esta pergunta está contida na que trata da tristeza segundo


Deus, a saber, quando choramos os pecados, ou devido à ofensa
feita a Deus, porque a transgressão da lei ofende a Deus, ou
pelos que periclitam no pecado. Diz-se: É o culpado que morrerá
(Ez 18,4). Imitamos aquele que disse: E tenha de chorar por
muitos daqueles que pecaram antes (2Cor 12,21).

222
INTERROGAÇÃO 195

Como fará alguém tudo para a glória de Deus?

Resposta

Quando faz tudo para Deus, segundo o mandamento de Deus


e em nada considera os louvores dos homens; em toda a parte
lembra-se do Senhor que disse: Assim brilhe vossa luz diante dos
homens para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem vosso
Pai que está nos céus (Mt 5,16).

INTERROGAÇÃO 196
Como haverá alguém de comer e beber para a glória de Deus?

Resposta

Com a lembrança do benfeitor e em tal disposição de ânimo


que até a atitude do corpo ateste que não come des-
preocupadamente, mas tem Deus como espectador; também se o
escopo que visa com a refeição não é comer por prazer, como
escravo do ventre, mas como operário de Deus, a fim de estar
bem disposto para as obras de acordo com o mandamento de
Cristo.

INTERROGAÇÃO 197
Como agirá a direita, de modo que não o saiba a esquerda?

Resposta

Quando a mente está completamente ocupada em não faltar


ao dever, com desejo estável e veemente de agradar a Deus,
combate legitimamente. Então não cogita de coisa alguma, nem
mesmo de outro membro, senão do que é

223
útil a execução do projeto; como o artífice, em cada obra, olha
somente para o instrumento proveitoso a sua atividade.

INTERROGAÇÃO 198
Que é humildade e como a alcançaremos?

Resposta

A humildade consiste em considerar a todos como superiores


a si, segundo a definição do Apóstolo (F1 2,3). Pratica-a,
primeiro, quem estiver lembrado do mandamento do Senhor,
que disse: Recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde
de coração (Mt 11,29) (o que ele mostrou e ensinou em muitos
lugares e de muitos modos). Ainda, se acreditar naquele que
prometeu: Todo aquele que se humilhar, será exaltado (Lc 14,11).
Em segundo lugar, se em toda questão, de modo igual e
constante, se entregar à prática da humildade e se exercitar nela.
Somente assim, por contínuo esforço, poderá alcançar o hábito
da humildade, como nas artes costuma acontecer. Idêntica é a
praxe de todas as virtudes, de acordo com o mandamento de
nosso Senhor.

INTERROGAÇÃO 199
Como estará alguém inteiramente pronto até a enfrentar os
perigos, por causa do mandamento do Senhor?

Resposta

Primeiro, se estiver lembrado de que o Senhor, por nossa


causa, obedeceu ao Pai até à morte (F1 2,8); a seguir, se estiver
convicto da força do mandamento, que é vida eterna, como está
escrito (Jo 12,50); finalmente, se acreditar no Senhor, que disse:
Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder
a sua vida por amor de mim e do evangelho, salvá-la-á (Mc 11,35).

224
INTERROGAÇÃO 200

Como poderão os que, durante muito tempo, já se gastaram na


obra de Deus, ajudar os recém-vinãos?

Resposta

Se estão fisicamente fortes, mostrem zelo incansável e


apresentem-se como modelos de toda ação boa; se estão
enfermos, tenham tal disposição de ânimo que demonstrem na
fisionomia e em todos os movimentos ter a persuasão de que
Deus os vê e da presença (parusia) do Senhor; mostrem também
possuir as propriedades da caridade, enumeradas pelo Apóstolo,
que disse: A caridade é paciente, a caridade é benigna. A caridade
não é invejosa, não se ufana, não se ensoberbece. A caridade nada
faz de inconveniente, não busca os seus próprios interesses, não se
irrita, não suspeita mal. Não se alegra com a injustiça, mas se
rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo
suporta. A caridade jamais acabará (ICor 13, 4-8). Todas estas
coisas é possível praticar mesmo num corpo doente.

INTERROGAÇÃO 201
Como chegará alguém a estar bem atento na oração?

Resposta

Se estiver convicto de que Deus está diante dos seus olhos.


Se, quem olha um príncipe ou um prepósito e conversa com ele,
fita-o atentamente, quanto mais quem ora a Deus terá a mente
atenta àquele que perscruta os corações e os rins, cumprindo o
que está escrito: Levantando mãos puras, sem ressentimento e sem
contenda (lTm 2,8).

INTERROGAÇÃO 202
Se é possível em tudo e sempre não ter distrações e como realizá-
lo?

225
Resposta

Demonstra ser isto possível aquele que disse: Meus olhos estão
sempre fixos no Senhor (SI 24,15) e: Ponho sempre o Senhor
diante dos olhos, pois que ele está à minha direita, não vacilarei (SI
15,8). Acima foi dito de que maneira realizá-lo; isto é, a alma
não deve parar de pensar em Deus, em suas obras e em seus
dons, confessar e dar graças por tudo.

INTERROGAÇÃO 203
Se, na realização do mandamento do Senhor, a medida é uma só
para todos, ou uns têm mais e outros menos?

Resposta

Evidencia-se não ser uma só a medida para todos, mas a um


foi confiado mais e o manifesta e a outro menos, conforme as
palavras do Senhor, que uma vez diz: A terra boa semeada, é
aquele que ouve a palavra, e a compreende e produz fruto: cem por
um, sessenta por um, trinta por um (Mt 13,23), o que se verifica
também naqueles que receberam as minas (Lc 19,16). Outra vez
afirma: A um deu cinco talentos, a outro dois, e a outro um (Mt
25,15).

INTERROGAÇÃO 204
Como alguém se tornará apto a ser participante do Espírito
Santo?

Resposta

Nosso Senhor Jesus Cristo o ensinou, ao dizer: Se amais,


guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos
dará um outro Advogado, para que fique eternamente convosco. É o
Espírito de verdade, que o mundo não pode receber (Jo 14,15-17).
Enquanto não guardar-

226
mos todos os mandamentos do Senhor, nem pudermos dele
receber este testemunho: Não sois do mundo (Jo 15,19), não
esperemos tomarmo-nos aptos para receber o Espírito Santo.

INTERROGAÇÃO 205
Quem são os pobres de espírito? (Mt 5,3).

Resposta

Como o Senhor uma vez diz: As palavras que vos tenho dito
são espírito e vida (Jo 6,64), outra vez diz: O Espírito Santo
ensinar-vos-á todas as coisas, e vos recordará tudo o que vos tenho
dito (Jo 14,26), porque não falará por si mesmo, mas dirá o que
ouvir (Jo 16,13) de mim, são pobres de espírito os que se
empobreceram sem outro motivo a não ser a doutrina do Senhor,
que disse: Vai, vende teus bens, dá-os aos pobres (Mt 19,21). Se
alguém, contudo, aceitar a pobreza que lhe sobrevier de qualquer
modo, orientando-a para a vontade do Senhor, como Lázaro,
também não é estranho àquela bem-aventurança.

INTERROGAÇÃO 206
O Senhor ordena que não nos inquietemos com o que
comeremos, o que beberemos, ou com que nos vestiremos (Mt 6,31).
Até onde vai este mandamento? Como o praticaremos?

Resposta

Este mandamento, como todos os mandamentos, se estende


até à morte (PI 2,8). Pois o Senhor também obedeceu até à
morte. Realiza-se pela confiança em Deus. O Senhor, havendo
proibido a inquietação, acrescenta uma promessa, ao dizer:
Fosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso (Mt 6,32).

227
Tal era o Apóstolo, que dizia: Sentimos dentro de nós
mesmos a sentença de morte: deu-se isso para que saiba-
mos pôr a nossa confiança não em nós, mas em Deus, que
ressuscita os mortos (2Cor 1,9). Segundo o propósito e a
prontidão do ânimo, morria cotidianamente; mas era pre-
servado pela benevolência de Deus. Por isso dizia com toda
a confiança: Somos considerados agonizantes, embora es-
tejamos com vida (2Cor 6,9). Corroboram este propósito
o zelo ardente e o anelo insaciável pelos mandamentos do
Senhor que, se em alguém forem predominantes, não lhe
permitem as distrações com as necessidades corporais.

INTERROGAÇÃO 207
Uma vez que não se deve ter inquietação a respeito da própria
subsistência, e há outro preceito do Senhor que diz: Trabalhai, não
pela comida que perece (Jo 6,27), será supérfluo trabalhar?

Resposta

O próprio Senhor, em outro lugar, explicou seu preceito.


Aqui, após ter proibido inquietar-se com o sustento, dizendo:
Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beber emos?
Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com
tudo isso (Mt 6,31.32), ordenou: Buscai em primeiro lugar o reino
de Deus e a sua justiça (ibid. 33). Declarou, porém, de que modo
devem ser procurados, através das ações dignas. Aqui, proibindo
trabalhar para obter um alimento perecível, ensinou a trabalhar
por um alimento que permanece para a vida etema; em outro
lugar, ele o manifestou, ao dizer: Meu alimento é fazer a vontade
daquele que enviou (Jo 4,34). Se é vontade de Deus que se dê
de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, que se
vista o nu, etc. (Mt 25,35.36), faz-se mister imitar o Apóstolo,
que disse: Em tudo vos tenho mostrado que, assim trabalhando,
convém acudir aos fracos (At 20,35), e obedecer ao que ensina:
Trabalhe, executando com as próprias mãos o que é bom, para ter
com que so

228
correr os necessitados (Ef 4,28). Esta tradição do Senhor, através
do Evangelho e do Apóstolo, nos demonstra que é
completamente proibido ter solicitude consigo, ou trabalhar para
si mesmo; segundo o mandamento do Senhor, deve-se ter
solicitude e trabalhar pelas necessidades do próximo,
principalmente, porque o Senhor recebe, como prestadas a si
mesmo, as atenções aos que lhe são dedicados e promete por
isso o reino dos céus.

INTERROGAÇÃO 208
Se é boa a ascese do silêncio contínuo.

Resposta

A utilidade do silêncio depende do tempo e da pessoa, como


aprendemos das Escrituras divinas.
A respeito do tempo diz: Por isso, o prudente se cala neste
tempo, porque é tempo mau (Am 5,13); e ainda: Porei um freio em
minha boca, enquanto o ímpio estiver diante de mim (SI 38,2).
Quanto à pessoa, conforme escreve o Apóstolo: Se for feita
uma revelação a algum dos assistentes, cale-se o primeiro (ICor
14,30) e também: As mulheres estejam caladas nas assembléias
(ibid. 34).
Há ocasiões em que também aos intemperantes de língua, que
não podem observar o seguinte: Nenhuma palavra má saia da
vossa boca, mas só boas palavras que eventualmente sirvam para
edificação da fé (Ef 4,29), é necessário o silêncio completo até
que por ele se curem do vício da petulância no falar e aprendam
com esta abstenção quando, o que, e como convém falar, para
que, conforme está escrito: Sejam benfazejas aos que as ouvem (Ef
4,29).

INTERROGAÇÃO 209
Como poderemos temer os juízos de Deus?

229
Resposta

A expectativa de um mal, naturalmente, produz o temor.


Assim tememos as feras e também os príncipes, quando
receamos algum mal da parte deles. Se alguém crê serem
verdadeiras as ameaças do Senhor e prevê a experiência
horrenda e terrível delas, temerá os juízos de Deus.

INTERROGAÇÃO 210

O que é a veste decente, conforme o Apóstolo ensina? Resposta


Para se trajar de maneira honesta, condizente com o próprio
escopo, leve-se em consideração o tempo, o lugar, a pessoa e a
necessidade. A razão não aconselha o uso da mesma roupa no
inverno ou no verão, nem de igual hábito para quem trabalha ou
descansa, para o servo ou o senhor, para o soldado ou o paisano,
para o homem ou a mulher.

INTERROGAÇÃO 211 Qual a medida


do amor de Deus?
Resposta

É tender a alma para a realização da vontade de Deus sempre


e acima das forças, com o escopo e o desejo da sua glória.

INTERROGAÇÃO 212
Como alcançar a caridade para com Deus?

Resposta

Se com boa consciência e prudência fomos tocados por seus


benefícios; o que acontece até com os irracionais. Vemos que os
cães amam só a quem lhes dá pão.

230
Aprendemos isto também da censura do profeta Isaías,
quando diz: Eu criei filhos e os enaltecí, eles, porém, se revoltaram
contra mim. O boi conhece o seu possuidor e o asno, o estábulo do
seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem
entendimento (Is 1,2.3). Como o boi e o asno instintivamente
têm afeição aos que os alimentam, por causa do benefício, assim
também nós, se recebermos os dons com sensibilidade e
prudência, como não amaremos a Deus, autor de tantos e tão
grandes benefícios, quando, naturalmente, por assim dizer, e
sem mestre, é inata tal disposição na alma sadia?

INTERROGAÇÃO 213
Quais os sinais da caridade para com Deus?

Resposta

O próprio Senhor no-lo ensinou: Se amais, guardareis os


meus mandamentos (Jo 14,15).

INTERROGAÇÃO 214
Qual a diferença entre benignidade e bondade?

Resposta

Como Davi disse: O Senhor é benigno para com todos (SI


114,9), ou: Benigno é o homem que se compadece e empresta (SI
111,5); ou: Sede bom, Senhor, para os que são bons (SI 124,4), e
Jeremias: O Senhor é bom para com quem nele confia (Lm 3,25),
julgo ser mais extensa a benignidade, porque beneficia a
qualquer necessitado; mais limitada é a bondade, porque, ao
conceder benefício, emprega razões de justiça.

231
INTERROGAÇÃO 215

Qual é o pacífico que o Senhor denomina bem-aventurado?

Resposta

Quem colabora com o Senhor, segundo diz o Apóstolo:


Desempenhamos o encargo de embaixadores em nome de Cristo, e é
Deus mesmo que exorta por nosso intermédio. Em nome de Cristo
vos rogamos que vos reconcilieis com Deus (2Cor 5,20), e ainda:
Justificados pela fé, temos a paz com Deus (Rm 5,1). A paz, que
difere desta, é rejeitada pelo Senhor, que disse: Dou-vos a minha
paz. Não vo-la dou como o mundo a dá (Jo 14,27).

INTERROGAÇÃO 216
Em que devemos nos converter e tornar-nos como crianças (Mt
18,3)?

Resposta

A própria perícope do Evangelho no-lo ensina, quando


declara o motivo disto, a saber, não procurar a primazia, mas
reconhecer a igualdade de natureza e equiparar-se àqueles que
parecem um tanto inferiores a nós. Tais são as crianças entre si,
quando ainda não acostumadas à malícia dos que convivem com
elas.

INTERROGAÇÃO 217
Como receber o reino de Deus qual criança?

Resposta

Comportando-se, diante da doutrina do Senhor, como as


crianças diante das lições; não contradizem, nem discutem com
os mestres, mas recebem com fidelidade e docilidade as
instruções.

-232
INTERROGAÇÃO 218

Que entendimento devemos pedir a Deus e como nos tornarmos


dignos dele?

Resposta
O próprio Deus nos ensina pelo profeta o que é o enten-
dimento, ao dizer: Não se envaideça o sábio do saber, nem o forte
de sua força, e da riqueza não se orgulhe o rico! Aquele que se
quiser vangloriar, glorie-se de possuir inteligência e de saber que eu
sou seu Senhor (Jr 9,22.23), e pelo Apóstolo, quando diz: Mas
procurai compreender qual é a vontade de Deus (Ef 5,17).
Podemos ser dignos de recebê-la, se fizermos o que está escrito:
Par ai e reconhecei que sou Deus (SI 45,11) e acreditarmos que
toda palavra de Deus é verdadeira. Diz Ele: Se não o crerdes, não
subsistireis (Is 7,9).

INTERROGAÇÃO 219
Se formos beneficiados por alguém, como poderemos dar a Deus
pura e total ação de graças, e agradecer sabiamente, não ficando
aquém, nem além da medida?

Resposta
Se estivermos convictos de que Deus é o autor de todo bem e
quem o leva a termo, e reconhecermos que aquele que nos presta
serviço é ministro do benefício de Deus.

INTERROGAÇÃO 220
Se deve ser permitido a quem o desejar um encontro com as
irmãs; ou quem, quando e como, falará com as irmãs?

233
Resposta

Esta questão foi tratada nas respostas mais extensas, isto é,


não deve um homem à vontade, simplesmente e ao acaso,
encontrar-se com outro, mas, só depois de prévio exame, aquele
que pode ajudar e ser ajudado; quanto mais ao se tratar de uma
mulher.
Quem se lembrar do Senhor que disse: No dia do juízo, os
homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido
(Mt 12,36), teme em todas as coisas esta sentença e obedece ao
Apóstolo que exorta: Quer comais ou bebais ou façais qualquer
outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus (ICor 10,31) e em
outra parte: Tudo se faça de modo a edificar (ICor 14,26) e nada
fará ociosa e inutilmente.
Quanto às perguntas: Quem, quando e como, escolha-se
tempo, lugar e pessoa, sobre os quais não recaia a menor
suspeita; que o encontro se realize para a edificação da fé e com
a precaução de não escandalizar a ninguém. Não é razoável que
uma pessoa esteja a sós com outra. Pois diz-se: É melhor dois
que um (Eclo 4,9 apud LXX) e além disso são mais fidedignos.
Ai do que está só, porque, quando cair, não tem quem o levante
(ibid. 10).

INTERROGAÇÃO 221
Tendo-nos ensinado o Senhor a rogar que não caiamos em
tentação, devemos pedir que não sintamos dores corporais? E como
suportá-las se as sentirmos?

Resposta

Não distinguiu quais as tentações, mas ordenou, em geral:


Orai para que não caiais em tentação (Lc 22,40); quem nela se
acha, peça a Deus que, com a tentação, lhe dê um meio como
dela escapar, ou como poder suportá-la, a fim de realizar a
palavra: Aquele que perseverar até o fim, será salvo (Mt 24,13).

234
INTERROGAÇÃO 222

Quem é o adversário de cada um de nós e como concordaremos


com ele?

Resposta

Neste lugar o Senhor denomina adversário especialmente


aquele que se empenha em nos tirar algo do que é de nosso
interesse. Concordamos com ele, quando observamos o preceito
do Senhor, que disse: Se alguém te citar em justiça para tirar-te a
túnica, cede-lhe também a capa (Mt 5,40) e em todas as questões
semelhantes, procedamos de igual modo.

INTERROGAÇÃO 223
Tendo dito o Senhor: Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e
lava o teu rosto; assim não parecerá aos homens que jejuas (Mt
6,17); se alguém quiser jejuar por um motivo agradável a Deus
como se verifica terem os santos muitas vezes praticado e for
visto, apesar de não o querer, o que fará?

Resposta

Este preceito refere-se aos que se empenham em cumprir o


mandamento de Deus para serem vistos pelos homens, a fim de
se curarem do vício de querer agradar aos homens. Porque uma
observância do mandamento do Senhor, que vise a glória de
Deus, por sua própria natureza, é difícil que a ocultem os que
amam a Deus conforme o Senhor declarou: Não se pode esconder
uma cidade situada sobre uma montanha, nem se acende uma luz
para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim, para colocá-la sobre o
candeeiro etc. (Mt 5,14.15).

235
INTERROGAÇÃO 224

Acaso, ainda hoje, uns trabalham desde a primeira hora, outros a


partir da unãécima? E quem são eles?

Resposta

Talvez todos conheçam bem, pelas narrações das Escrituras


divinas, serem muitos, segundo o testemunho do Apóstolo, os
que aprenderam desde a infância as sagradas letras; muitos,
porém, os que, como Cornélio, fazem bom emprego dos
impulsos naturais, no entanto, por não terem mestres, chegam
lentamente à perfeição do conhecimento. Como pois, disse ele,
crerão naquele de quem não ouviram falar? (Rm 10,14). Se,
portanto, acontecer que haja alguns, como Cornélio, em nada
dados ao mal, que mostram, porém, desejo de perfeição, e fazem
sinceramente o bem que conhecem e podem praticar, Deus lhes
concede o que deu a Cornélio, sem levar em conta, censurando-
os de preguiça, o tempo já passado, porque, como já disse, não
foi por sua culpa; contenta-se com o bom desejo manifestado
nas coisas feitas com empenho depois deste tempo e realizadas
com mais cuidado até o fim.

INTERROGAÇÃO 225
Como nos tornaremos dignos das palavras do Senhor: Onde dois
ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles (Mt
18,20)?

Resposta

Os que se reúnem em nome de alguém, certamente devem


conhecer o escopo de quem os reuniu e adaptar-se a ele, para
encontrarem graça e agrado e não incorrerem na condenação de
malícia e descuido. Se aquele que convida tem o propósito de
fazer uma colheita, os chamados para isto se preparam; se seu
escopo é construir, dispõem-se

236
a construir; assim os chamados pelo Senhor devem se lembrar
do Apóstolo que exorta: Rogo-vos, pois, prisioneiro que sou
pela causa do Senhor que leveis uma vida digna da vocação à
qual fostes chamados, com toda a humildade, mansidão e paciência.
Suportai-vos caridosamente uns aos outros. Esforçai-vos por
conservar a unidade do Espírito, no vínculo da paz. Há um só corpo
e um só espírito, como também fostes chamados pela vossa vocação
a uma só esperança (Ef 4,1-4). Mais claramente o Senhor nos
expõe tudo através da promessa feita a cada um, com as
palavras: Se alguém ama, guardará a minha palavra, e meu Pai
o amará, e nós viremos a ele, e nele faremos nossa morada (Jo
14,23). Como, devido à observância dos mandamentos, fará
junto deles a sua morada, assim também está no meio de dois ou
três, que se conformarem com sua vontade. Os que não se
congregaram de modo digno da vocação, nem para fazerem a
vontade do Senhor, embora pareçam reunidos no nome do
Senhor, ouvirão a palavra: Por que chamais Senhor, Senhor...
e não fazeis o que digo? (Lc 6,46).

INTERROGAÇÃO 226
Tendo dito o Apóstolo: Amaldiçoados, abençoamos; caluniados,
consolamos (ICor 4,12), como deve bendizer o que é amaldiçoado e
como deve consolar o que é caluniado?

Resposta

Penso que, em geral, o Apóstolo aqui nos ensina com o


exemplo, a paciência com todos e retribuir com o bem aos que
nos fazem mal. Não só para com os que nos amaldiçoam
devemos agir assim, mas para com todos os que praticam o mal,
realizando o que foi dito: Não te deixes vencer pelo mal, vence o
mal pelo bem (Rm 12,21). Parece que a Escritura não emprega a
palavra consolar segundo o uso vulgar, mas no sentido de
levar o coração à convicção da verdade, conforme a passagem:
Consolai meu povo, diz Deus (Is 40,ls apud LXX), e o Apóstolo:
Desejo aráentemente

237
ver-vos a fim de comunicar-vos alguma graça espiritual, com que
sejais confirmados, ou melhor, para encorajar juntamente
convosco naquela vossa e minha fé, que nos é comum (Rm 1,11-
12), e em outra parte: Deus, porém, que consola os humildes,
confortou-nos com a chegada de Tito (2Cor 7,6).

INTERROGAÇÃO 227
Se deve alguém declarar aos outros o que pensa, ou guardar
para si a convicção de aprazer a Deus nisto, se a tiver.

Resposta

Lembrados da sentença de Deus, que diz pelo profeta: Ai


daqueles que são sábios aos próprios olhos e prudentes em seu
próprio juízo! (Is 5,21), e do Apóstolo, que diz: Desejo
ardentemente ver-vos, a fim de comunicar-vos alguma graça
espiritual, com que sejais confirmados, ou melhor, para
encorajar juntamente convosco naquela vossa e minha fé, que nos é
comum (Rm 1,11-12), julgamos ser preciso comunicarmo-nos
com os que são unânimes conosco e deram provas de fé e de
prudência, para corrigirmos o que for errôneo e confirmarmos o
que foi bem feito e assim fugirmos da sentença supra-referida
contra os que são sábios aos próprios olhos.

INTERROGAÇÃO 228
Se em tudo se deve fazer a vontade dos que se escandalizam, ou
se há alguma coisa que não deve ser simulada, mesmo se alguns se
escandalizarem.

Resposta

Quando fomos interrogados, mostramos, no devido lugar,


haver nítidas diferenças nestas questões, e tratamos do assunto
com a maior atenção possível.
238
INTERROGAÇÃO 229

Se é dever, vencendo o pudor, confessar a todos ou só a alguns as


ações proibidas praticadas. E a quais?

Resposta

Na confissão dos pecados siga-se a mesma disposição que na


manifestação das doenças corporais. Os homens não revelam a
todos as doenças do corpo, nem a qualquer pessoa, e sim, aos
peritos em tratar; assim também a confissão dos pecados seja
feita aos que podem curar, como está escrito: Fós que sois os
fortes, deveis suportar as fraquezas dos que são fracos (Rm 15,1),
isto é, por meio de vossos cuidados, eliminai-as.

INTERROGAÇÃO 230 Que significa culto


e culto racional?

Resposta

O culto é, a meu ver, o obséquio intenso, contínuo e imutável


àquilo que se cultua; o Apóstolo nos apresenta a diferença entre
culto racional e não racional, dizendo, de um lado: Sabeis que,
quando éreis ainda pagãos, corríeis conforme vossas tendências aos
ídolos mudos (ICor 12,2), e de outro: Apresentai vossos corpos
como uma hóstia viva, santa e agradável a Deus, à maneira de um
culto espiritual (Rm 12,1).
Aquele que vai aonde é conduzido, presta culto irracional,
porque não orientado pela razão, mas movido por seu ímpeto e
sua vontade, segue para qualquer parte o arbítrio do guia e não o
que ele próprio quer.
Quem segue a sã razão e uma vontade boa, unida a uma
grande solicitude, visando e praticando sempre e em toda a parte
o que é agradável a Deus, realiza o mandamento do culto
racional, segundo aquele que disse: Vossa palavra é

239
um facho a dirigir meus passos, é uma luz em meu caminho (SI
118,105), ainda: Meus conselheiros são as vossas leis (ibid. 24).

INTERROGAÇÃO 231
Se um irmão, ou até por vezes um sacerdote, prejudica e age
como meu inimigo, é-me lícito observar também para com ele os
mandamentos acerca dos inimigos?

Resposta

O Senhor, nos mandamentos sobre os inimigos, não fez


distinção a respeito dos inimigos, nem das inimizades; antes
declarou que para aqueles que estão em grau superior um
pecado idêntico é mais grave, dizendo-lhes: Por que olhas a
palha que está no olho de teu irmão, e não vês a trave que está no
teu? (Mt 7,3). Principalmente para com estes, e relativamente
aos que parecem ocupar posição mais elevada, é preciso zelo e
consideração. Tenhamos com eles o devido cuidado, seja
consolando, seja repreendendo com a devida paciência.
Observando tudo o mais, segundo o mandamento do Senhor,
conservemo-nos também nisto irrepreensíveis para com eles.

INTERROGAÇÃO 232
Se alguém, injuriado por outro, a ninguém o referir, por
paciência e mansidão, e parecer deixar para o juízo de Deus, age
conforme o que Deus quer?

Resposta

Tendo dito o Senhor de um lado: Se tiverdes algum res-


sentimento contra alguém, perdoai (Mc 11,25), de outro: Se teu
irmão tiver pecado, vai e repreende-o entre ti e ele, somente; se te
ouvir, terás ganho teu irmão. Se não te

240
escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, a fim de que toda a
questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas. Se
recusa ouvi-los, dize-o à Igreja, e se recusar ouvir também à Igreja,
seja ele para ti como um pagão e um publicano (Mt 18,16-17), deve
mostrar o fruto da paciência, fazendo oração a Deus pelo que foi
injusto, com verdadeiro afeto e dizendo: Senhor, não lhes leves
em conta este pecado (At 7,59), para não ser réu do juízo por se
ter irado contra seu irmão.
É conveniente, porém, aconselhar e censurar o que injuriou,
para que ele se livre da ira que virá sobre os filhos da
desobediência. Se, porém, descuidar-se, calar-se e der como
razão o exercício da própria paciência, comete duplo pecado,
porque transgride aquele mandamento: Repreende severamente o
teu próximo, para que não incorras em pecado por sua causa (Lv
19,17, apud LXX), e tornar- se-á partícipe do pecado por seu
silêncio; e porque aquele que podería talvez ser ganho pela
repreensão, como ordenou o Senhor, ele o deixa perecer no mal.

INTERROGAÇÃO 233
Se faltar a alguém uma só das boas ações, acaso, por isto, não se
salvará?

Resposta

Havendo muitas afirmações no Antigo e no Novo Testamento


que podem nos convencer a este respeito, julgo que basta para o
fiel a sentença pronunciada contra Pedro que, depois de tantas e
tais boas obras e após aquelas bem-aven- turanças e louvores da
parte do Senhor, porque, em um ponto apenas, parece ter
desobedecido, não por preguiça, nem por desprezo, mas por
reverência e honra para com o Senhor, só por isto ouviu: Se eu
não te lavar, não terás parte comigo (Jo 13,8).

INTERROGAÇÃO 234
Como alguém anunciará a morte do Senhor?

241
Resposta

Como o Senhor ensinou: Se alguém quiser vir após mim,


renuncie-se a si mesmo, e tome sua cruz (Mt 16,24), e o Apóstolo
declarou, ao confessar: O mundo está crucificado para mim e eu
para o mundo (G1 6,14). E isto já o prometemos antes do
batismo; diz: Todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos
batizados em sua morte (Rm 6,3); a estas palavras acrescenta,
explicando o que é ser batizado na morte do Senhor: Nosso
velho homem foi crucificado com ele para que seja reduzido à
impotência o corpo do pecado, e já não sejamos escravos do pecado
(ibid. 6). Purificados do amor excessivo à vida, tornemo-nos
dignos do testemunho do Apóstolo, que diz: Porque estais
mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus (Cl 3,3);
de modo a podermos com toda a confiança dizer: Vem o príncipe
deste mundo e ele -não tem em mim coisa alguma (Jo 14,30).

INTERROGAÇÃO 235
Se é útil aprender bem muitas coisas das Escrituras.

Resposta

Sendo duas as categorias mais gerais, uma a dos que estão à


frente dos outros, e a outra, a dos que estão destinados à
docilidade e à obediência, segundo os diferentes carismas, julgo
que o encarregado da direção e do cuidado de muitos deve
saber e conhecer exatamente o que convém a todos, para
ensinar-lhes qual a vontade de Deus, mostrando a cada um o
que lhe toca. Os outros se lembrem do Apóstolo que diz: Não
façam de si próprios uma opinião maior do que convém, mas um
conceito razoavelmente modesto, de acordo com o grau de fé que
Deus lhes distribuiu (Rm 12,3). Aprendam zelosamente o que
lhes cabe e o façam, sem se preocuparem com mais nada, para
se tomarem dignos da palavra do Senhor: Muito bem, servo bom
e fiel, já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito (Mt 25,21).

242
INTERROGAÇÃO 236

Como devem aqueles que forem julgados aptos a aprender os


quatro evangelhos, receber esta graça?

Resposta
Tendo o Senhor afirmado que: Daquele a quem muito se deu,
muito se exigirá (Lc 12,48), devem ter mais temor e zelo, como
o ensina o Apóstolo: Sendo seus colaboradores, exortamo-vos a
que não recebais a graça de Deus em vão (2Cor 6,1). Assim será
feito se acreditam no Senhor que diz: Se compreenderdes estas
coisas, sereis felizes, sob condição de as praticardes (Jo 13,17).

INTERROGAÇÃO 237
Qual é a alma que se orientará segundo a vontade de Deus?

Resposta
A que abraçar a sentença do Senhor: Se alguém quiser vir após
mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me (Mt 16,24).
Se alguém, pois, não começar por renunciar a si mesmo e
tomar a sua cruz, ao avançar, encontrará muitos impedimentos,
provenientes de si mesmo, para não prosseguir.

INTERROGAÇÃO 238
Se é possível, de modo ininterrupto, salmodiar, ler, ou aplicar-se
às palavras de Deus, sem intervalo de tempo, em absoluto, porque a
alguns sobrevêm uma sórdida necessidade corporal.

243
Resposta

O Apóstolo regula-o, dizendo: Faça-se tudo com decência e


ordem (ICor 14,40). Por isto deve-se antes, segundo o tempo e o
lugar, cuidar da gravidade e da boa disciplina.

INTERROGAÇÃO 239 Que é


bom ou mau tesouro?

Resposta

A prudência em torno de todas as virtudes em Cristo, para a


glória de Deus, é o bom tesouro; a prudência no mal, acerca das
coisas proibidas pelo Senhor, é o mau tesouro; deles se tira
conforme a palavra do Senhor, nas obras e palavras de cada um,
o bem ou o mal.

INTERROGAÇÃO 240
Por que se diz que é larga a porta e espaçoso o caminho que
conduz à perdição?

Resposta

O Senhor, em seu grande amor aos homens, usa nomes e


palavras bem conhecidas para expor os ensinamentos da
verdade. Como no solo um desvio do reto caminho tem grande
largura, assim se diz que o transviado do caminho que conduz
ao reino dos céus encontra-se na grande largura do erro. Creio
que largo e espa oso tem o mesmo sentido. Pois o que
espaçoso, chamam-no largo os autores profanos. O espaçoso,
isto é, o lugar do erro, é largo; seu fim é a perdição.

244
INTERROGAÇÃO 241

Por que é estreita a porta e apertado o caminho que conduz à


vida? E como se entra por ele?

Resposta

Ainda aqui estreito e apertado não significam coisas di-


ferentes, mas apertado indica uma coisa muito estreita, por
exemplo, quando o caminho se estreitou até comprimir; isto é,
o viajante é estreitado de ambos os lados, sendo perigoso
qualquer desvio, seja para a direita ou para a esquerda; como
numa ponte, para qualquer lado que alguém declinar, cairá no
rio que corre abaixo. Por isto diz Davi: Junto ao caminho
colocam tropeços (SI 139,6). Deve, portanto, quem se propôs
entrar na vida pelo caminho estreito e apertado, acautelar-se
para não se desviar, nem declinar dos mandamentos do Senhor,
realizando o que foi escrito: Sem te apartares nem para a direita,
nem para a esquerda (Dt 17,11).

INTERROGAÇÃO 242
Que quer dizer: Amai-vos reciprocamente com caridade
fraterna?

Resposta

O amor que provém da amizade talvez signifique um desejo e


uma afeição ardente de quem ama em relação ao ser amado.
Para que o amor fraterno não seja superficial, mas animoso e
ardente, foi dito: Amai-vos uns aos outros com amor terno e
fraternal (Rm 12,10).

INTERROGAÇÃO 243
Que quer dizer o Apóstolo com as palavras: Mesmo em cólera,
não pequeis. Não se ponha o sol sobre a vossa ira

245
(Ef 4,26), porque diz noutra parte: Toda amargura, ira, indignação
sejam desterradas do meio de vós (Ib. 31)?

Resposta

Julgo que neste lugar o Apóstolo fala, imitando o Senhor.


Como o Senhor no Evangelho disse primeiro: Foi dito aos
antigos e a seguir acrescenta: Pois eu vos digo isto, assim também
o Apóstolo aqui primeiro relembra que foi dito outrora aos
antigos: Irai-vos e não queirais pecar (SI 4,5) e acrescenta logo
depois, de si mesmo, o que nos convém: Toda amargura, ira,
indignação sejam desterradas do meio de vós (Ef 4,31).

INTERROGAÇÃO 244
Que significa: Deixai agir a ira (Rm 12,19)?

Resposta

É não resistir ao mal, como está escrito: mas se alguém te ferir


a face direita, oferece-lhe também a outra, etc. (Mt 5,39); ou: Se
alguém vos perseguir numa cidade, fugi para uma outra (Mt
10,23).

INTERROGAÇÃO 245

Que é ser prudentes como as serpentes, mas simples como as


pombas (Mt 10,16)?

Resposta

Prudente como a serpente é aquele que ministra a doutrina


com circunspecção e consideração das possibilidades e do
caminho mais fácil para persuadir os ouvintes. Sim-

246
pies como a pomba, porém, é o que nem cogita de como se
vingar de quem lhe arma insídias, continuando a praticar o
bem, segundo o preceito do Apóstolo: Vós, irmãos, não vos
canseis de fazer o bem (2Ts 3,13). O Senhor, quando enviou os
discípulos a pregar, prescreveu-lhe isto; havia então
necessidade de sabedoria para persuadir e de paciência para
com os que armavam insídias. Como a serpente, outrora, soube
apresentar aspecto mais tratável e fala mais persuasiva para
afastar de Deus e induzir ao pecado, assim também nós
escolhamos expressão fisionômica, modo e lugar, e
empreguemos nossas palavras de todas as maneiras com
discernimento para afastarmos do pecado e convertermos para
Deus. De resto, conservemos a paciência nas tentações até o
fim, como está escrito.

INTERROGAÇÃO 246

Que quer dizer: A caridade nada faz de inconveniente (ICor


13,5)?

Resposta

O mesmo que dizer: Não deixa de ser o que é. A identidade


da caridade consiste nas característivas enumeradas pelo
Apóstolo, nesta mesma passagem.

INTERROGAÇÃO 247
Tendo dito a Escritura: Não vos glorieis e não faleis coisas
elevadas (ISm 2,3) e como o Apóstolo confessa: O que vou dizer, na
certeza ãe poder gloriar-me, não o digo sob a inspiração do Senhor,
mas como num acesso de delírio (2Cor 11,17) e ainda: Tenho-me
tornado insensato (2Cor
12,11) ; em outro lugar, porém, afirma: Aquele que se gloria,
glorie-se no Senhor (2Cor 10,17), que é gloriar-se no Senhor e qual
a maneira de se gloriar?

247
Resposta

Declara-se abertamente a luta exigida do Apóstolo contra as


paixões. Pois não diz isto para se recomendar, mas para
reprimir a ousadia da arrogância e o orgulho de alguns.
Gloriar-se no Senhor, porém, é alguém não atribuir a si as suas
boas obras, mas ao Senhor, dizendo: Tudo posso em Cristo que
dá força (PI 4,13). Pode-se considerar dois tipos de
glorificação proibida. A primeira, de acordo com a palavra: O
pecador gloria-se dos desejos de sua alma, e ainda: Por que te
glorias de tua malícia, ó infame prepotente? (SI 53,3), porque,
pelo fato de desejarem ser louvados em consideração do que
fazem, de um certo modo se gloriam de seus atos. Podem ser
tidos por sacrílegos, porque se apropriam dos dons de Deus e
roubam para si a glória que lhe é devida.

INTERROGAÇÃO 248
Se é o Senhor quem dá a sabedoria e de sua face sai a ciência e a
prudência (Pr 2,6); se também pelo Espírito a um é dada a
linguagem da sabedoria, a outro a da ciência (ICor 12,8); por que
o Senhor exprobra aos discípulos: Também vós estais ainda sem
inteligência? (Mt 15,16). E por que o Apóstolo acusa a alguns de
serem insensatos? (Rm 1,31).

Resposta

Se alguém conhece a bondade de Deus, que quer que todos


os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade
(lTm 2,4), e sabe qual a ação do Espírito Santo na distribuição
e eficácia dos carismas de Deus, reconhece que a inteligência
tarda não provém da lentidão do benfeitor, mas da
incredulidade dos beneficiados. E com razão censura-se o
insensato como quem fecha os olhos diante do sol levante para
viver nas trevas, e não olha para cima a fim de ser iluminado.

248
INTERROGAÇÃO 249 Que é
honesto e que é justo?

Resposta

Julgo ser honesto o que convém e é devido ao superior pelos


inferiores, em razão da precedência; justo, o que se dá a cada
um segundo a importância das obras. Honesto inclui somente
gratidão e recompensa, enquanto justo abrange exame e
punição do mal.

INTERROGAÇÃO 250
Como alguém dá o que é santo aos cães ou lança as pérolas aos
porcos? Ou como acontece que se evita o seguinte: Para que não
suceda que as calquem com os seus pés e, voltando-se contra vós,
vos despedacem (Mt 7,6)?

Resposta

O Apóstolo no-lo explica claramente ao acrescentar o que


dissera contra os judeus: Tu que te glorias da Lei, desonras a
Deus pela transgressão da Lei (Rm 2,23). Portanto, o Senhor
proíbe aqui a injúria com a qual ultrajamos as santas palavras
do Senhor por meio de transgressões, pelas quais os estranhos
ao mesmo tempo julgam desprezíveis os ensinamentos do
Senhor. Por isso insurgem- se contra nós mais audaciosamente
e de certo modo despedaçam o transgressor com injúrias e
acusações.

INTERROGAÇÃO 251
Por que o Senhor uma ves proíbe levar bolsa e alforje no
caminho; outra, porém, dis: Mas agora, quem tem bolsa, tome-a,
aquele que tem uma mochila, tome-a igualmente e aquele que não
tiver uma espada, venda sua capa para comprar uma (Lc 10,4;
22,36)?

249
'

Resposta

O próprio Senhor o explica: É necessário que se cumpra em mim


ainda este oráculo: E foi contado entre os malfeitores (ibid. 37).
Logo após se realizar a profecia da espada, ordena a Pedro:
Embainha tua espada, porque todos aqueles que usarem da espada,
pela espada morrerão (Mt 26,52), de modo que a palavra: Mas,
quem tem bolsa, tome-a, ou tomará (assim encontra-se em muitos
exemplares), não é um preceito, e sim uma profecia, pela qual
prediz o Senhor que os apóstolos, esquecidos dos dons e da lei
do Senhor, ousariam até tomar espada. Evidencia-se por muitas
passagens que a Escritura amiúde usa o imperativo em vez da
forma profética, por exemplo: Fiquem órfãos os seus filhos; e:
Levante-se à sua direita um acusador (SI 108,9; ibid. 6), e outras
semelhantes.

INTERROGAÇÃO 252
Qual o pão cotidiano que aprendemos a pedir cada dia?

Resposta

Quando alguém trabalha, lembrando-se do Senhor que disse:


Não vos preocupeis por vossa vida. Que comeremos? Que
beberemos? (Mt 6,25); e do Apóstolo que ordena trabalhar para
termos o que dar ao necessitado e não para a própria vantagem,
mas por causa do mandamento do Senhor (porque o operário é
digno de seu alimento), então não confia em si mesmo, mas pede
a Deus o pão cotidiano, isto é, o pão necessário a nossa natureza,
na vida de cada dia. Assim, reconhecendo a própria indigên- cia,
comerá o que lhe der quem, após ter sido experimentado, foi
encarregado de fazê-lo diariamente, de acordo com as palavras:
Repartia-se, então, a cada um deles conforme a sua necessidade (At
4,35).

250
INTERROGAÇÃO 253
Que é o talento e como o multiplicaremos?

Resposta

Julgo que esta parábola foi dita para significar todos os dons
de Deus. Cada um, seja qual for o dom que recebeu de Deus,
multiplique-o, empregando-o para fazer o bem e ser útil a
muitos. Pois ninguém há que não tenha participado da
benignidade de Deus.

INTERROGAÇÃO 254
Qual é a mesa onde se deve, como diz o Senhor, depositar o
dinheiro?

Resposta

As parábolas não representam perfeitamente as coisas que


devem ser contempladas, mas induzem a mente ao que é
proposto. Como é costume depositar o dinheiro junto aos
banqueiros para render (há alguns, como vi em Alexandria, que
o aceitam para tal fim), assim é preciso que aquele que recebe
um dom qualquer divida com aquele que necessita, ou faça o
que o Apóstolo disse da doutrina: Confia-o a homens fiéis, que
por sua vez sejam capazes de instruir a outros (2Tm 2,2). Pois não
é só quanto à doutrina que isto se costuma fazer, mas em
qualquer questão, porque uns têm os recursos e outros recebem
a perícia em administrar.

INTERROGAÇÃO 255
Para onde recebeu ordem de ir aquele ao qual se disse: Toma o
que é teu e vai-te (Mt 20,14)?

251
Resposta

Talvez para onde foram mandados os que estavam à esquerda,


condenados pela carência das boas obras. O invejoso de um
irmão é pior do que aquele que nada faz. A Escritura tem o
costume de juntar em muitas passagens a inveja ao homicídio
(Rm 1,29; G1 5,21).

INTERROGAÇÃO 256
Qual é a recompensa que eles recebem ãe igual modo que os
últimos?

Resposta

Talvez seja peculiar a todos os obedientes não se queixarem


por causa das boas obras. Mas serem coroados é próprio dos que
combateram o bom combate legitimamente, que terminaram seu
curso e guardaram a fé, na caridade de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Pode a recompensa combinada ser aquele cêntuplo que o
Senhor prometeu que haviam de receber agora os que, por causa
de seu mandamento, deixassem todas as coisas presentes; de
modo que a palavra: Toma o que é teu, signifique isto. Os que
pareciam ser os primeiros no trabalho por sofrerem da doença da
inveja contra os que receberam o mesmo prêmio não merecem
obter a herança da vida eterna, mas somente receber o cêntuplo
agora e ouvir no futuro a senten a devida inveja: Vai-te .

INTERROGAÇÃO 257

Quais as palhas queimadas em fogo inextinguível? Resposta


São as pessoas úteis aos que forem dignos do reino dos céus,
como a palha ao trigo, mas não por amor de Deus

252
e do próximo, seja quanto aos carismas espirituais, seja quanto
aos benefícios corporais, e assim não atingem o fim.

INTERROGAÇÃO 258
Quem é o condenado pelo Apóstolo, como afetando humildade e
culto, etc. (Cl 2,18)?

Resposta

Julgo explicar-se esta sentença pelas palavras acrescentadas a


esta passagem. Na sequência, nomeia ele o rigor nos exercícios
corporais (ibid. 23); tais são os maniqueus e os que se lhes
assemelham.

INTERROGAÇÃO 259
Quem é fervoroso de espírito (Rm 12,11)?

Resposta

Aquele que, com disposição ardente, desejo insaciável e zelo


incansável faz a vontade de Deus, na caridade de Jesus Cristo
Nosso Senhor, segundo está escrito: Em seus mandamentos põe o
seu prazer (SI 111,1).

INTERROGAÇÃO 260
O Apóstolo às vezes diz: Não sejais imprudentes (Ef 5,17);
outras: Não sejais sábios aos vossos próprios olhos (Rm 12,16). É
possível a quem não é imprudente não ser sábio aos próprios
olhos?

Resposta

Cada preceito tem os próprios limites. A este: Não sejais


imprudentes, acrescenta: Mas procurai compreender qual

253
é a vontade de Deus. Ao outro: Não sejais sábios aos vossos
próprios olhos, ajunta-se: Teme o Senhor e afasta-te do mal (Pr
3,7). Por isto, é imprudente aquele que não entende a vontade
do Senhor; sábio, porém, aos próprios olhos, todo aquele que
segue seus próprios pensamentos e não as palavras de-Deus, de
acordo com a fé. Se alguém, pois, não quer ser imprudente, nem
sábio aos próprios olhos, deve entender qual a vontade de Deus,
pela fé nele, e temendo o Senhor imitar o Apóstolo que
assegura: Nós aniquilamos todo o raciocínio e toda altivez que se
levanta contra o conhecimento de Deus, e cativamos todo o pensa-
mento e reduzimos à obediência a Cristo (2Cor 10,4.5).

INTERROGAÇÃO 261

Tendo prometido o Senhor que: tudo o que pedirdes com fé na


oração, vós o alcançareis (Mt 21,22) e ainda: Se dois de vós se
reunirem sobre a terra para pedir, seja o que for, consegui-lo-ão
(Mt 18,19), por que alguns que suplicavam, até mesmo os santos,
não receberam? Assim o Apóstolo: Três vezes roguei ao Senhor que
o apartasse de mim (2Cor 12,8), e não recebeu o que pedia; e
também o profeta Jeremias e até o próprio Moisés.

Resposta

Como Nosso Senhor Jesus Cristo exprimiu em sua oração:


Pai, se é possível passe longe de mim este cálice (Mt 26,39) e logo
acrescentou: Todavia não se faça o que eu quero, mas, sim, o que
tu queres.
Primeiro convém saber que nem tudo o que queremos, nos é
lícito pedir; nem mesmo sabemos suplicar o que nos é útil.
Porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém.
Por isto, devemos fazer as preces segundo a vontade de Deus,
com muita ponderação. Se não formos ouvidos, saibamos que é
preciso paciência e insistência, segundo a parábola do Senhor
acerca do dever de orar sempre, sem nos fatigarmos e conforme
afirma outra passagem: Por causa de sua importunação se
levantará e lhe dará quantos pães ele necessitar (Lc 11,8), ou
emenda

254
e diligência de acordo o dito do profeta a alguns, da parte
do Senhor: Quando estendeis vossas mãos, eu desvio de vós os
meus olhos; quando multiplicais vossas preces, eu não as ouço.
Vossas mãos estão cheias de sangue, lavai- vos, purificai-vos, etc.
(Is 1,15-16). Não duvidam de que mesmo agora tal acontece e
de que há alguns com as mãos cheias de sangue, os que crêem
naquele juízo de Deus proferido contra quem recebeu ordem de
anunciar ao povo e calou-se: É à sentinela que pedirei conta de
seu sangue (Ez 3,18). O Apóstolo, convicto de ser isto verdade
indefectível, afirmou: Hoje protesto diante de vós que sou ino-
cente do sangue de todos; porque não esquivei de anunciar-vos
todo o desígnio de Deus (At 20,26.27). Se é réu do sangue dos
pecadores quem apenas se calou, que se dirá de quem, por
obras e palavras, escandaliza os outros? Acontece por vezes,
devido à indignidade do suplicante, não ser satisfeito o pedido,
como sucedeu quando Davi rogava permissão para construir a
casa de Deus, a qual lhe foi negada; embora fosse grato a Deus,
não foi julgado digno desta obra. Jeremias, porém, parece não
ter sido ouvido por causa da maldade daqueles pelos quais
orava. Muitas vezes, também por nossa negligência, perdemos
a ocasião oportuna para fazer a prece e, depois, vamos orar
debalde em tempo impróprio. Quanto ao dito: Três vezes roguei
ao Senhor que o apartasse de mim (2Cor 12,8), é bom saber que
há muitas e variadas razões para as tribulações externas e
corporais. Deus as envia ou permite por uma economia melhor
do que a libertação delas. Se alguém, portanto, conseguir saber
que deve por meio da oração e da súplica livrar-se da
adversidade, ao rogar será ouvido, como os dois cegos do
Evangelho, os dez leprosos e muitos outros. Se, porém, não
conhece a razão por que caiu em tentação (muitas vezes deve
obter por meio da paciência o fim pelo qual lhe advêm os
males) e for preciso até o fim suportá-la, no caso de pedir que
lhe seja retirada a tribulação, não será atendido, porque não
concorda com o escopo do amor que Deus tem aos homens.
Quanto à afirmação: Se dois de vós se unirem sobre a terra para
pedir (Mt 18,19), a própria perícope é muito clara. Trata-se de
quem argúi o pecador e do argüido. Como Deus não quer a
morte do pecador, mas que se converta e viva, se o argüido, de
ânimo

255
contrito, contribui para a finalidade visada por quem censura,
em tudo, isto é, a respeito de todos os pecados dos quais pedem
a remissão, esta lhes será concedida por Deus que ama o
homem. Se, porém, o repreendido e quem repreende não
entram em acordo, não haverá remissão, e sim vínculo,
conforme as palavras seguintes: Tudo o que ligardes sobre a
terra, será ligado no céu (Mt 18,18), de modo a se realizar a
sentença: Se se recusar a ouvir a Igreja, seja ele para ti como um
pagão e um publicano (ibid. 17).

INTERROGAÇÃO 262
Uma vez que a Escritura coloca a pobreza e a indigência entre
as coisas louváveis, por exemplo, quando diz: Bem- aventurados os
que têm um coração de pobre (Mt 5,3J, e também: O pobre e o
ãesvalido louvarão o teu nome (Sl 9,17; 73,21), qual a diferença
entre pobreza e indigência e como é verdadeira a afirmação de
Davi: Quanto a mim, sou mendigo e pobre (Sl 39,18)?

Resposta

Lembrado do Apóstolo que diz a respeito do Senhor: Sendo


rico se fez pobre por nós (2Cor 8,9), julgo ser pobre aquele que
da riqueza caiu na necessidade; indigente, porém, é o que
desde o início sofria necessidade e dominou esta tribulação de
modo agradável a Deus. Davi, porém, se confessa indigente e
pobre, talvez na pessoa do Senhor que é denominado pobre,
segundo a palavra: Senão rico, se fez pobre por nós; indigente,
porque foi julgado filho segundo a carne, não de um rico, mas
de um artífice. Talvez também porque, como Jó, não
entesourou bens nem se apropriou de riquezas, mas
administrou-as segundo a vontade de Deus.

INTERROGAÇÃO 263
Que quer ensinar o Senhor, por meio de exemplos, àqueles aos
quais acrescentou: Assim, pois, qualquer um de vós

256
que não renuncia a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo
(Lc 14,33)? Se quem quer eãificar uma torre ou guerrear a outro
rei deve-se preparar ou para a construção, ou para a guerra, e se
não for capas, convém-lhe, de início, não lançar os alicerces, ou
deve pedir a pas, então, quem quer ser discípulo do Senhor deve
renunciar? E se vir que para si é difícil, ser-lhe-á lícito não
começar a ser discípulo do Senhor?

Resposta
O fim visado pelo Senhor com estes exemplos não é dar
liberdade de ser, ou não, discípulo seu, mas mostrar ser
impossível que alguém, no meio de coisas que distraem o
espírito, agrade a Deus; nelas periclita, tomando-se suscetível
às ciladas do diabo e merecedor de zombaria e riso por ter
deixado inacabadas as coisas nas quais se empenhara. O profeta
pedia não lhe sobreviesse isso, quando dizia: Não se alegrem à
minha custa os meus inimigos. Não se ensoberbeçam contra mim,
quando meu pé resvala (Sl 37,17).

INTERROGAÇÃO 264
Tendo dito o Apóstolo: Sejais sinceros (Fl 1,10), e ainda: Mas
com sinceridade (2Cor 2,17), que é ser sincero?

Resposta
Julgo ser sincero o que está livre de mistura e purificado
completamente de elementos contrários, porém unido e
ordenado só à piedade; não só, mas ainda ao que é abso-
lutamente requerido para tal escopo, sempre e em todos os
casos, de modo que o encarregado de algum ofício não pode se
afastar dele, nem para cuidar de problemas afins. A primeira
sentença se explica por si mesma, no contexto, porque depois
das palavras: Mas com sinceridade, acres- centa-se: Pregamos em
Cristo, sob os olhares de Deus; a segunda, por meio da
afirmação: Não façam de si pró-

257
prios uma opinião maior do que convém, mas um conceito
razoavelmente modesto, de acordo com o grau de fé que Deus lhe
distribuiu (Rm 12,3), e ainda mediante as palavras subseqüentes.
INTERROGAÇÃO 265
Se somente aos sacerdotes foi dito: Se estás por fazer a tua oferta
diante do altar e te lembrares que teu irmão tem alguma coisa
contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro
reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta (Mt
5,23.24), ou a todos? E como cada um de nós faz a sua oferta diante
do altar?

Resposta

Principalmente e em primeiro lugar refere-se aos sacerdotes,


porque está escrito: A vós chamar-vos-ão sacerdotes do Senhor,
ministros (liturgos) de nosso Deus (Is 61,6). E: Honra-me quem
oferece um sacrifício de louvor (SI 49,23). E ainda: O sacrifício
digno de Deus é um espírito contrito (SI 50,19). E o Apóstolo diz:
Apresenteis vossos corpos como uma hóstia viva, santa e agradável
a Deus, à maneira de um culto espiritual (Rm 12,1). Cada uma
destas palavras destina-se a todos; e é dever de todos nós
realizá-las.

INTERROGAÇÃO 266
Que é o sal que o Senhor mandou ter, dizendo: Tende sal em vós
(Mc 9,49)? E o Apóstolo diz: Que as vossas conversas sejam sempre
amáveis, temperadas com sal (Cl 4,6).

Resposta

Aqui também o sentido toma-se evidente pelo contexto de


cada capítulo. Pois aprendemos das palavras do Senhor a não
darmos motivo algum de separação e dissídio, mas

258
sempre conservarmos os vínculos da paz, para a unidade do
espírito. Com as palavras do Apóstolo lembremo-nos daquele
que disse: Come-se uma coisa insípida sem sal? Pode alguém
saborear aquilo que não tem gosto nenhum? (Jó 6,6).
Aprendamos a ministrar as palavras para edificação da fé, e que
sejam benfazejas aos que as ouvem (Ef 4,29), empregando tempo
oportuno e ordem conveniente para os ouvintes serem mais
dóceis.

INTERROGAÇÃO 267
Se um receber muitos açoites, e outro poucos, como diziam
alguns que as penas são sem fim? (Lc 12,47).

Resposta

As palavras que parecem ambíguas e obscuras em certos


lugares das Escrituras divinas, explicam-se pelas sentenças
proferidas de modo claro, em outras passagens. Como o Senhor
ora sentencia que eles irão para o suplício eterno, ora manda
alguns para o fogo eterno preparado para o diabo e seu anjos; e
em outra parte, mencionando a geena do fogo, acrescenta: Onde
o seu verme não morre e o fogo não se apaga (Mc 9,47), e ainda,
outrora, pelo profeta predisse de alguns que: O verme deles não
morrerá e seu fogo não se extinguirá (Is 66,24), e pertencendo
estas e semelhantes citações a muitos lugares das Escrituras
divinas, um dos artifícios do diabo consiste em fazer com que
muitos homens, de certo modo esquecidos de tantas e de tais
palavras e sentenças do Senhor, determinem um termo para os
suplícios, querendo pecar com maior ousadia. Se for finito o
suplício eterno, certamente terá termo também a vida eterna. Se
não podemos pensar assim da vida, como será razoável atribuir
fim ao supl cio eterno? Pois o adjetivo eterno igual para
ambos. E estes irão para o castigo eterno, e os justos para a vida
eterna (Mt 25,46). Confessado isto, é preciso saber que nem:
Receberá muitos açoites, nem: Receberá poucos implica termo,
mas sim, diferença nos tormentos. Se Deus é justo juiz, não só
para os

259
bons, mas também para os maus, dando a cada um conforme as
suas obras, pode alguém ser digno do fogo inextin- guível que
queima menos ou mais; outro, do verme que não morre, e o qual
igualmente atormenta com maior ou menos intensidade,
segundo o merecimento de cada um; outro, da geena que tem, de
fato, tormentos muito variados; e outro, das trevas exteriores,
onde para um existe somente choro e para outro ranger de
dentes, por causa da veemência das dores. Também as trevas
exteriores sugerem haver seguramente outras, interiores. E a
palavra dos Provérbios: Nas profundezas da região dos mortos (Pr
9,18), declara haver alguns no inferno, contudo não no profundo
do inferno e que são submetidos a penas mais leves. Estes
caracteres encontram-se já agora nas doenças corporais. Um
sente febre com alguns sintomas e outros incômodos; outro,
apenas febre, de modo diferente um do outro. Alguém não está
com febre, mas dói-lhe um membro; e mais ou menos do que
em um outro. O Senhor empregou as express es muito e
pouco segundo o uso comum, em casos semelhantes.
Sabemos, muitas vezes, que este modo de falar é empregado a
respeito dos que sofrem de uma doença; assim dizemos,
admirados, de alguém que está febril, ou sente dor nos olhos:
Quanto sofreu! Ou: Quantos males o atingiram! De maneira que,
muitos e poucos açoites, digo- o novamente, não significam
duração, ou fim do tempo, mas diferença dos tormentos.

INTERROGAÇÃO 268
Em que sentido alguns são denominados filhos da incredulidade e
filhos da ira? (Ef 5,6; 2,3J.

Resposta

O Senhor costuma denominar filhos de alguém, bom ou mau,


os que lhe fazem a vontade. Diz: Se fôsseis filhos de Abraão
farieis as obras de Abraão (Jo 8,39), e ainda: Vós tendes como pai
o demônio, e quereis fazer os desejos de vosso pai (ibid. 44). Por
isto, quem faz obras de incredulidade, torna-se filho da
incredulidade. Talvez também,

260
como o diabo é denominado, a meu ver, não só pecador, mas o
próprio pecado, porque é instigador do pecado, assim também,
por idêntica razão, ele pode ser chamado a própria infidelidade.
Filho da ira, porém, é todo aquele que se fez digno da ira. Como
o Apóstolo denominou aqueles que são dignos do Senhor e
fazem as obras da luz e do dia filhos da luz e filhos do dia ,
assim, por consequência, deve-se entender a palavra: Éramos
filhos da ira. Importa saber que filho da incredulidade
id ntico a filho da ira , porque proferiu o Senhor que: Quem
não crê no Filho, não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus
(Jo 3,36).

INTERROGAÇÃO 269
Está escrito: Fazendo a vontade da carne e da concu- piscência
(Ef 2,3J. Acaso são diferentes as vontades da carne e as da
concupiscência? E quais são?

Resposta

O Apóstolo enumera separada e nominalmente em outro lugar


as vontades da carne, dizendo: Ora, as obras da carne são estas:
adultério, fornicação, impureza, desonestidade, idolatria, magia,
inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos,
invejas, homicídios, embriaguez, orgias, e outras coisas semelhantes
(G1 5,19-21); e em outra passagem, de modo mais geral: Porque
o desejo da carne é hostil a Deus; pois a carne não se submete à lei
de Deus e nem o pode (Rm 8,7). As vontades da concupiscência
talvez sejam os planos que se não apóiam no testemunho da
Escritura, tais aqueles dos quais se declara: Aniquilamos todo o
raciocínio e toda altivez, que se levanta contra o conhecimento de
Deus (2Cor 10,4.5), e todo entendimento que não está reduzido à
sujeição, na obediência a Cristo. Por isto, é imprescindível e
seguro, sempre e em toda a parte, observar a palavra de Davi:
Meus conselheiros são as vossas leis (SI 118,24).

261
r INTERROGAÇÃO 270
Que significa: Vivemos em completa penúria, mas não
desesperamos (2Cor 4,8)?

Resposta

O Apóstolo mostra sua firme confiança em Deus em con-


traposição à sabedoria humana e assim coloca cada uma das
coisas referidas, nesta passagem. Quanto à sabedoria humana
assevera: Em tudo, sofremos tributação; relativamente à confiança
em Deus, acrescenta: Mas não somos oprimidos. Ainda, sobre a
prudência humana: Somos cercados de dificuldades, e no atinente
à confiança em Deus: Não desesperamos. E assim por diante.
Como também o que assegurou em outra parte: Somos
considerados agonizantes, embora estejamos com vida; como
indigentes, ainda que enriquecendo a muitos; como nada tendo, mas
possuindo tudo (2Cor 6,9.10).

INTERROGAÇÃO 271
O Senhor disse: Dai antes em esmola o conteúdo e todas as coisas
vos serão limpas (Lc 11,41). Acaso será alguém purificado de todos
os pecados que cometeu, por meio da esmola?

Resposta

A seqüência da passagem supracitada esclarece-lhe o


significado. Tendo, pois, dito: Limpais o que está por fora do vaso
e do prato; mas o vosso interior está cheio de roubo e de maldade!
(ibid. 39), acrescenta: Dai antes em esmola o conteúdo, e todas as
coisas vos serão limpas; todas as coisas, quer dizer, tudo em que
pecamos e agimos mal, pela rapina e avareza. Declara-o Zaqueu,
dizendo: Doravante darei a metade dos meus bens aos pobres, e se
tiver ãefraudado alguém restituirei o quádruplo (Lc 19,8). Portanto
todos os pecados desta espécie, que podem ser apaga-

262
r
dos, e para os quais é possível múltipla compensação, são per-
doados deste modo; deste modo, digo, não que, por si só, baste
para a remissão, mas primeiro exigem-se a misericórdia de Deus
e o sangue de Cristo, pelo qual também obtemos a remissão de
todos os outros, se fizermos dignos frutos de penitência.

INTERROGAÇÃO 272
Uma vez que preceituou o Senhor não andarmos inquietos pelo
dia de amanhã, como entenderemos bem este preceito? Vemos que
temos muito empenho em obter o necessário, a ponto de
armazenarmos o bastante para muito tempo.

Resposta

Quem acolhe o ensinamento do Senhor: Buscai, pois, em


primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça (Mt 6,33) e está
convicto da verdade de sua promessa, ao ajuntar: e todas estas
coisas vos serão dadas em acréscimo, não ocupa em vão o espírito
com solicitudes desta vida, que sufocam a palavra e a tomam
estéril. Combatendo o bom combate para agradar a Deus, crê no
Senhor que assegurou: O operário merece o seu sustento (Mt
10,10), e por causa dele não se preocupa; mas trabalha e se
aflige, não por si, mas por causa do mandamento de Cristo,
segundo demonstrou e ensinou o Apóstolo, que afirma: Em tudo
vos tenho mostrado que assim, trabalhando, convém acudir aos
fracos (At 20,35). Preocupar-se consigo mesmo é incorrer em
incriminação de egoísmo; preocupar-se e trabalhar por causa do
mandamento, merece o encômio de se possuir um ânimo amante
de Cristo e dos irmãos.

INTERROGAÇÃO 273
Em que consiste a blasfêmia contra o Espírito Santo?

.263
Resposta

Pela blasfêmia que proferiram os fariseus, contra os quais


igualmente foi lançada esta sentença, evidencia-se que agora
blasfema contra o Espírito Santo quem atribui ao adversário a
eficácia e os frutos do Espírito Santo. Sofrem desta doença
muitos de nós que amiúde atacam a outrem, acusando-o
temerariamente de ambição de uma glória vã, e falsamente de
ira, enquanto é zeloso do bem. E ainda, mentirosamente, só à
base de suspeitas, dando outras denominações semelhantes.

INTERROGAÇÃO 274
Como se fará alguém estulto neste século?

Resposta

Se temer o juízo de Deus que disse: Ai daqueles que são sábios


aos próprios olhos e prudentes em seu próprio juízo (Is 5,21) e
imitar aquele que disse: Como um animal irracional, porém,
estarei sempre convosco (SI 72,22), e se, rejeitando toda
pretensão de prudência, não julgar logo boa uma de suas idéias
e nem mesmo começar a raciocinar antes de estar habituado,
por meio do mandamento do Senhor, a agradar a Deus em
obras, palavras ou pensamentos. Conforme disse o Apóstolo:
Tal é a convicção que temos em Deus por Cristo. Não que sejamos
capazes por nós mesmos de ter algum pensamento, como de nós
mesmos. Nossa capacidade vem de Deus (2Cor 3,4.5), que ensina
ao homem o saber (SI 93,10), como está escrito.

INTERROGAÇÃO 275
Se Satanás pode impedir o propósito de um santo, porque está
escrito: Já por duas vezes quisemos ir ter convosco, ao menos, eu,
Paulo. Satanás porém nos impediu (lTs 2,18).

264
Resposta

Entre as boas obras feitas no Senhor, umas se perfazem por


vontade e juízo da alma, outras pelas forças corporais, ou pelo
zelo ou pela paciência. De modo algum pode Satanás impedir as
dependentes da vontade e do julgamento da alma. Em relação às
praticadas pelas energias corporais, freqüentemente Deus
permite que haja um impedimento, para provação e aviso do que
foi impedido, a fim de que ou seja convencido da alteração de
seu bom propósito, como aqueles cuja semente caiu sobre um
pedregulho, os quais por breve tempo receberam com gosto a
palavra, mas sobrevindo a tentação, logo voltaram atrás; ou
ainda mostre perseverar no bem, pelo zelo das boas obras, como
o próprio Apóstolo que, tendo feito várias vezes o propósito de ir
ver os romanos, e impedido, como ele próprio o confessa, não
desistiu até cumprir o que projetara; ou também, quanto à
paciência, como Jó, que sofrendo tanto do diabo a instigá-lo a
proferir alguma blasfêmia, ou a ser ingrato para com Deus, nem
mesmo na extrema tribulação se afastou de seu juízo piedoso, ou
de sentimentos retos para com Deus. Dele está escrito; Em tudo
isso, Jó não cometeu nenhum pecado nem proferiu contra Deus
nenhuma blasfêmia (Jó 1,22).

INTERROGAÇÃO 276
Que quer dizer a palavra do Apóstolo: Para que saibais aquilatar
qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é
perfeito (Rm 12,2)?

Resposta

Numerosas são as coisas que Deus quer: umas, provin- das de


sua tolerância e benignidade, são e denominam-se boas; outras,
oriundas da ira contra os nossos pecados e são chamadas males.
Diz ele: Sou eu o que faço a paz e mando os males (Is 45,7).
Males, porém, não para nos atormentar, mas para nos instruir.
Uma vez que nos educam e

265
levam-nos à conversão pelas aflições, transformam-se em bem.
Tudo o que Deus, tolerante e bom, quer, também nós devemos
querer e imitar. Sede misericordiosos, como também vosso Pai é
misericordioso (Lc 6,36). Igualmente o Apóstolo diz: Sede, pois,
imitadores de Deus, como filhos muito amados. Progredí na
caridade segundo o exemplo de Cristo que nos amou (Ef 5,1.2).
Tudo o que ele nos envia em sua ira, por causa dos nossos
pecados, e, como já disse, chama-se mal, de modo nenhum
também nos é lícito fazer. Nem por ser vontade de Deus que os
homens muitas vezes morram de fome, peste, guerra, ou coisa
semelhante, con- vém-nos cooperar para a realização desta
vontade. Para isto, Deus emprega também ministros maus,
segundo a palavra: Descarregou o ardor de sua cólera,
indignação, furor, tributação, um esquadrão de anjos da desgraça
(SI 77,49). Em primeiro lugar, portanto, procura-se saber qual
é a vontade de Deus e um bem; depois, conhecido o bem,
descobrir se este bem é igualmente agradável a Deus. Há coisas
que, por razão própria, são vontade de Deus e um bem; mas se
for feita por pessoa e tempo não convenientes, já não é
agradável a Deus. Por exemplo, era vontade de Deus e um
bem, que se oferecesse incenso a Deus, mas não era agradável
a Deus, fosse apresentado por Datan e Abiron. E ainda, é
vontade de Deus e um bem que se dê esmola; mas dá-la por ser
louvado pelos homens, de modo nenhum apraz a Deus.
Novamente, era vontade de Deus e um bem que os discípulos
anunciassem dos telhados o que lhes tinha sido dito aos
ouvidos; mas dizer alguma coisa antes do tempo não era
aprazível a Deus. Diz ele: Não conteis a ninguém o que vistes, até
que o Filho do homem ressuscite dos mortos (Mt 17,9). Em
resumo, toda vontade de Deus que é um bem, agrada-lhe
quando por ela se cumpre a palavra do Apóstolo: Fazei tudo
para a glória de Deus (ICor 10,31); e: Mas faça-se tudo com
decência e ordem (ibid. 14,40). Ainda, quando é vontade de
Deus, um bem, e lhe agrada, nem assim haja inteira
despreocupação; mas será preciso ter solicitude e cuidado para
realizá-la perfeita e integralmente, levando-se em conta tanto
se o ato é de acordo com o preceito, quanto as forças de quem
age. Declara ele: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de
todo o teu pensamento, e a teu próximo como a ti mesmo (Lc
10,27); como também o Senhor ensinou no Evangelho,
segundo João. O mesmo, em relação a todos os mandamentos,
conforme está escrito: Bem-aventurado aquele servo a quem seu
senhor, na sua volta, encontrar procedendo assim (Mt 24,46).

INTERROGAÇÃO 277
Qual o cubículo onde o Senhor mandou entrar o que vai orar?

Resposta

É costume chamar cubículo a parte da casa disponível e


separada, onde pomos tudo que queremos guardar; ou onde
alguém pode se esconder, segundo o que disse o profeta: Vai,
povo meu, entra nos teus quartos, esconde-te (Is 26,20). O próprio
assunto esclarece o significado do mandamento; a palavra se
dirige aos atacados da moléstia de desejar o favor dos homens.
Por isto, se alguém sofre desta doença, faz bem em se retirar
para rezar sozinho, até alcançar o hábito de não considerar os
louvores dos homens, mas só olhar para Deus, conforme aquele
que afirmou: Como os olhos dos servos estão fixos nas mãos de
seus senhores, e como os olhos das servas fixos nas mãos de suas
senhoras, assim nossos olhos estão voltados para o Senhor, nosso
Deus (SI 122,2). Se alguém, pela graça de Deus, estiver curado
daquela doença, não tem necessidade de esconder o bem. Isto
ensina o próprio Senhor: Não se pode esconder uma cidade
situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-
la debaixo do alqueire, mas sim, para colocá-la sobre o candeeiro,
a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe
vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras,
e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5,14-16). O mesmo
modo de pensar aplica-se à esmola e ao jejum, mencionados no
mesmo lugar; e em geral a todas as questões de piedade.

267
INTERROGAÇÃO 278

Como pode o espirito de alguém orar, seu entendimento, porém,


ficar sem fruto?

Resposta

Refere-se isto aos que rezam numa língua desconhecida dos


ouvintes. Diz-se, pois: Se eu orar em língua, o meu espírito ora,
mas o meu entendimento fica sem fruto (ICor 14,14). Quando,
portanto, são desconhecidas dos presentes as palavras da
oração, fica sem fruto o entendimento do que ora, porque a
ninguém adianta; se, porém, os presentes compreendem a
oração, a qual é capaz de ajudar aos que a ouvem, então aquele
que ora tem como fruto a melhoria dos que dela tiram proveito.
O mesmo acontece em toda proclamação das palavras de Deus.
Está escrito: Mas só boas palavras que eventualmente sirvam para
edificação da fé (Ef 4,29).

INTERROGAÇÃO 279
Que significa: Cantai salmos sabiamente (Sl 46,8)?

Resposta

A inteligência é, em relação às palavras da Sagrada Escritura,


o que na alimentação é a percepção do sabor de cada alimento.
Diz-se: O paladar prova os alimentos; a mente distingue as
palavras (Jó 12,11, apud LXX). Se, pois, alguém aplica o
espírito ao sentido de cada palavra, como o paladar à qualidade
de cada alimento, cumpre o mandamento, que diz: Cantai
salmos sabiamente.

INTERROGAÇÃO 280 Que quer dizer:


puro de coração?

268
Resposta

Quem não se surpreende a si mesmo no desprezo, omissão


ou descuido do mandamento de Deus.

INTERROGAÇÃO 281
Deve-se obrigar aquele que não quer salmodiar?

Resposta

Se não vai salmodiar de boa vontade e se não manifesta a


atitude do que disse: Quão saborosas são para mim vossas
palavras; mais doces que o mel à minha boca (SI 118,103), e não
considera a preguiça um grande detrimento, que se corrija ou
seja expulso, a fim de que um pouco de fermento não leveãe toda
a massa (G1 5,9).

INTERROGAÇÃO 282
Quais são os que dizem: Comemos e bebemos contigo, e ouvem a
resposta: Não sei donde sois (Lc 13,26.27)?

Resposta

Talvez aqueles que o Apóstolo descreve em sua própria


pessoa, dizendo: Ainda que eu falasse as línguas dos homens e
dos anjos, etc. E ainda que conhecesse toda a ciência e tivesse toda
a fé e ainda que distribuísse todos os meus bens e entregasse o meu
corpo para ser queimado, se não tiver caridade, nada aproveita
(ICor 13,ls). Isto o Apóstolo aprendera do Senhor que disse de
alguns: Fazem para serem honrados pelos homens. Em verdade,
vos digo: já receberam sua recompensa (Mt 6,2). Tudo o que se
fizer, seja o que for, não por amor de Deus, mas para obter o
louvor dos homens, não terá o elogio de piedade, mas sim, a
condenação de procurar a complacência dos homens ou de si
mesmo, de rivalidade, de inveja, ou

269
de outra causa semelhante. Por esta razão o Senhor denomina
tudo isto obra de iniqüidade, respondendo aos que dizem:
Comemos contigo etc.: Apartai-vos de mim todos vós que sois
malfeitores (Lc 13,26.27). Como não seriam operários de
iniqüidade os que abusam dos dons de Deus para o próprio
prazer? Tais eram aqueles dos quais fala o Apóstolo: Não
somos, como tantos outros, falsificadores da palavra de Deus
(2Cor 2,17). E ainda: Julgam ser a piedade uma fonte de lucro
(lTm 6,5) e muitas coisas semelhantes. De tudo isto, o próprio
Apóstolo declarou estar livre quando disse: Não para
agradar aos ho
mens, mas a Deus, que sonda os nossos corações. Com efeito,
nunca usamos de adulação, como sabeis, nem fomos levados por
interesse algum. Deus é testemunha. Não buscamos glórias
humanas, nem de vós nem de outros (lTs 2,4-6).

INTERROGAÇÃO 283
Se quem faz a vontade de outrem, lhe é solidário.

Resposta

Se acreditamos no Senhor que disse: Todo o homem que se


entrega ao pecado, é seu escravo, e ainda: Vós tendes como pai o
demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai (Jo 8,34.44)
entendemos que não é simplesmente solidário, mas, segundo a
palavra do Senhor, constitui seu senhor e pai aquele cujas obras
faz. O Apóstolo a este respeito dá claramente testemunho, ao
dizer: Não sabeis que, quando vos ofereceis a alguém para lhe
obedecer, sois escravos daquele a quem obedeceis, quer seja do
pecado para a morte, quer da obediência para a justiça? (Rm
6,16).

INTERROGAÇÃO 284
Se uma comunidade se empobrecer devido a uma adversidade ou
doença, pode receber de outrem o necessário, sem hesitação? E se
convém, de quem o aceitará?

270
Resposta

Se alguém se lembrar do Senhor, que disse: Todas as vezes que


fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim
mesmo que o fizestes (Mt 25,40), terá grande solicitude, com o
maior zelo e cuidado, de se tornar digno de ser considerado irmão
do Senhor. Quem o é, não duvide receber, mas seja agradecido.
Julgue o encarregado de cuidar de todos de quem, quando e como
deve receber, recordando-se da palavra: O azeite do pecador não
chegue a ungir a minha cabeça (SI 140,5), e ainda: Será meu
ministro o que segue o caminho reto (SI 100,6)

INTERROGAÇÃO 285
Se deve uma comunidade, ao negociar com outra, inquirir
solicitamente qual o preço bem justo do objeto.

Resposta

Se a palavra (de Deus) permite a compra e a venda entre


irmãos, não tenho o que dizer. Foi-nos ensinado a partilhar com
os outros nossos bens, segundo a necessidade, conforme o que
esta escrito: No presente tempo, a vossa abundância supra a
inãigência daqueles, para que também a sua abundância venha a
suprir a vossa inãigência. Assim reinará a igualdade (2Cor 8,14).
Se, porém, sobrevier uma necessidade, deve antes o comprador
ter a preocupação de não pagar menos do que é justo, do que o
próprio vendedor. Ambos se lembrem daquele que disse: Não é
bom fazer mal ao justo (Pr 17,26).

INTERROGAÇÃO 286
Se adoecer um membro da comunidade, deve ser transportado ao
hospital?

271
Resposta

Considere-se o lugar e o fim de cada um, em vista do bem


comum e para a glória de Deus.

INTERROGAÇÃO 287 Quais os dignos


frutos de penitência?

Resposta

As obras de justiça opostas ao pecado, que o penitente deve


praticar, conforme está escrito: Frutificando em toda boa obra (Cl
1,10).

INTERROGAÇÃO 288
Quem deseja confessar os pecados, deve confessá-los a todos? A
qualquer pessoa? Ou a quem?

Resposta

Evidencia-se como Deus ama os pecadores do que está


escrito: Não comprazo com a morte do pecador, mas antes com a
sua conversão, de modo que tenha a vida (Ez
33,11) . Desde que a conversão deve ser proporcionada ao
pecado e são exigidos dignos frutos de penitência, segundo o que
está escrito: Fazei, portanto, dignos frutos de penitência, para não
sobrevirem por carência de frutos as ameaças seguintes: Toda
árvore que não der fruto bom, será cortada e lançada ao fogo (Lc
3,9), faz-se mister confessar os pecados àqueles que têm a seu
cargo a dispensação dos mistérios de Deus. Assim também agiam
junto dos santos os que outrora se convertiam. Pois está escrito
no Evangelho que confessavam seus pecados a João Batista. Nos
Atos, que confessavam aos apóstolos, os quais igualmente
batizavam a todos.

272
INTERROGAÇÃO 289

Quem se arrepender de um pecado, mas recair, o que fará?

Resposta

Quem se arrependeu e recaiu no mesmo pecado, demonstra


que não expurgou a causa primeira daquele pecado; dela, como
de uma raiz, germinarão os mesmos pecados. Se alguém cortasse
os ramos da árvore, mas deixasse a raiz, restando apenas esta,
novamente brotará a planta. Assim, visto que alguns pecados
não se originam de si mesmos, mas provêm de outros, quem
quiser livrar-se deles, arranque as causas primitivas. Por
exemplo, a discórdia ou a inveja não tem em si o próprio
princípio, mas brota da raiz do amor à glória. O ambicioso de
glória diante dos homens disputa com quem tem boa reputação,
ou inveja aquele a quem é inferior em renome. Se, pois, alguém
se arrepender da inveja ou das contendas, e recair, reconheça
que está afetado intimamente de ambição de glória, causa
primeira da inveja e das contendas. E cure-se do vício da
ambição de glória, por meios contrários, isto é, com exercícios
de humildade (é exercício de humildade ocupar-se dos serviços
mais vis), a fim de, permanecendo na atitude de humildade, não
reincidir nas supracitadas germinações de ambição de glória. E
em cada um dos pecados desta espécie proceda-se de igual
modo.

INTERROGAÇÃO 290
Como alguém trabalhará sempre e muito na obra do Senhor?

Resposta

Quando multiplicar o carisma que lhe foi dado para utilidade


e progresso dos beneficiados, ou demonstrar maior zelo na obra
do Senhor do que nas questões em que os homens mais se
empenham.

273

INTERROGAÇÃO 291

Que significa a cana rachada, ou a torcida que fumega? E


como alguém não quebrará aquela e não apagará esta?

Resposta
Penso que cana rachada é o que pratica o mandamento de
Deus mas estando mal disposto; não se deve quebrá-lo e cortá-
lo, porém curá-lo, como ensinou o Senhor: Guardai-vos de fazer
vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por
eles (Mt 6,1). E o Apóstolo preceitua: Fazei todas as coisas sem
murmurações e sem hesitações (F1 2,14). E em outro lugar:
Nada façais por espirito de partido ou vangloria (ibid. 3).
Torcida fumegante é alguém que pratica o mandamento, não
com um desejo ardente e zelo perfeito, mas um tanto negligente
e frouxamente; não o impeçamos, mas antes incitemo-lo com a
lembrança dos juízos de Deus e de suas promessas.

INTERROGAÇÃO 292
Se convém ter na comunidade dos irmãos uma escola de
meninos seculares.

Resposta
Tendo dito o Apóstolo: E vós, pais, não provoqueis vossos
filhos à ira, mas educai-os m disciplina e correção segundo o
espírito do Senhor (Ef 6,4), se os que trazem os meninos
apresentam-nos com tal finalidade e os que os recebem têm a
convicção de que os podem educar na disciplina e nas
instruções do Senhor, observe-se a ordem do Senhor que disse:
Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais. Porque o
reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham (Mt
19,14). Sem este escopo e sem esta esperança, porém, penso que
não seria agradável a Deus, nem a nós conveniente, nem
proveitoso.

274
INTERROGAÇÃO 293

Como proceder com os que evitam os pecados mais graves,


mas cometem, com indiferença, os leves?

Resposta
Primeiro, convém saber que no Novo Testamento não se
encontra tal distinção. Uma só é a sentença contra todos os
pecados, porque assegura o Senhor: Todo o homem que se
entrega ao pecado, é seu escravo (Jo 8,34). E ainda: A palavra
que anunciei julgá-lo-á no último dia (Jo 12,48). E João clama:
Quem não crê no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a
ira de Deus (Jo 3,36). A desobediência não é ameaçada por
causa de diferença entre os pecados, mas devido à transgressão.
Em resumo, se nos é lícito falar em pecado pequeno e grande,
sem contradição não se pode negar que para alguém é grande
aquele que o domina e pequeno aquele que ele mesmo supera.
Entre os atletas, o vencedor é mais forte, e o vencido é mais
fraco do que o vitorioso, seja ele quem for. Portanto, observe-se
em relação a todos os pecadores, quaisquer que sejam os seus
pecados, a sentença do Senhor: Se teu irmão tiver pecado contra
ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás
ganho teu irmão. Se não te escutar, toma contigo uma ou duas
pessoas, a fim de que toda a questão se resolva pela decisão de
duas ou três testemunhas. Se recusar ouvi-los, dize-o à Igreja. E
se recusar ouvir também a Igreja, seja ele para ti como um
pagão e um publicano (Mt 18,15-17). Observe-se para com
todos eles o que disse o Apóstolo: Nem tendes manifestado
tristeza, para que seja tirado dentre vós o que cometeu tal ação
(ICor 5,2). Importa, por conseguinte, unir a paciência e a
misericórdia à severidade.

INTERROGAÇÃO 294
Qual o motivo de perder alguém a contínua lembrança de
Deus?

275
r
Resposta

Se alguém se esquecer dos benefícios de Deus e for ingrato


para com o benfeitor.

INTERROGAÇÃO 295
Por que sinais se reconhece quem se distrai?

Resposta
Quando descuida das coisas que agradam a Deus. Diz o
profeta: Ponho sempre o Senhor diante dos olhos; pois que ele está
à minha direita, não vacilarei (SI 15,8).

INTERROGAÇÃO 296
Como se persuadirá a alma de estar purificada dos pecados?

Resposta
Se depreender em si a disposição de Davi, que disse: Odeio o
mal, eu o detesto (SI 118,163), ou verificar que cumpriu em si o
preceito do Apóstolo, que disse: Morti- ficai, pois, vossos
membros no que têm de terreno: a devassidão, a impureza, as
paixões, os maus desejos, a concupis- cência que é uma idolatria.
Destas coisas provém a ira de Deus (Cl 3,5.6). Daí, estendendo a
todo pecado esta sentença, acrescenta: sobre os descrentes, de
maneira a poder afirmar: Terei horror àquele que pratica o mal,
não será ele o meu amigo. Longe de mim o coração perverso. Não
quero conhecer o mal (SI 100,3.4). Reconhecerá alguém em si tal
atitude, se tiver contra os pecadores a mesma compaixão terrível
dos santos, conforme diz Davi: Ao ver os prevaricadores, sinto
desgosto, porque eles não observam a vossa palavra (SI 118,158).
E o Apóstolo afirma: Quem é

276
r 7
fraco, que eu também não seja fraco? Quem tropeça, que eu não
consuma em febre? (2Cor 11,29). Se, pois, em verdade, a alma é
superior ao corpo e vemos a repugnância e o horror que temos
de todas as imundícies do corpo; e que o dilaceramento ou mau
trato produz aflição e tristeza para o coração, quanto mais justo
não será para quem ama a Cristo e os irmãos, sentir o que foi
dito acima, acerca dos pecadores, ao ver a alma dos pecadores
de certo modo ferida e corroída por feras, ou purulenta e
pútrida? Diz Davi: Porque as minhas culpas se elevaram acima de
minha cabeça, como pesado fardo oprimiram em demasia. São
fétidas e purulentas as chagas que a minha loucura causou.
Estou abatido, extremamente recurvado, todo o dia anão cheio de
tristeza (SI 37,5-7). Assevera, porém, o Apóstolo: O aguilhão da
morte é o pecado (ICor 15,56). Quando alguém vir sua alma em
tal disposição diante dos pecados, próprios ou alheios, então
pode ter a convicção de estar purificado do pecado.

INTERROGAÇÃO 297
Como deve alguém arrepender-se dos pecados?

Resposta

Imitando a atitude de Davi que, primeiro, disse: Eu vos


confessei o meu pecado e não mais dissimulei a minha culpa. Disse:
Sim, vou confessar ao Senhor a minha iniquidade (SI 31,5).
Depois, manifestando o seu estado, conforme o salmo 6 e
outros, de muitos modos, e de acordo com o ensinamento do
Apóstolo, a atestar o que os corín- tios fizeram por causa do
pecado alheio, dizendo: A tristeza segundo Deus produz uma
penitência salutar para a salvação. Acrescenta as propriedades da
tristeza: Fede, pois, que disposições operou em vós a tristeza
segundo Deus! Que escusas! Que indignação! Que temor! Que
ardor! Que zelo! Que severidade! Mostrastes em tudo que não
tínheis culpa neste assunto (2Cor 7,10.11). Daí se toma claro ser
imprescindível não só abandonar o pecado e sofrer de tal

277
modo pelos pecadores, mas também afastarmo-nos dos
pecadores. Davi o declarou, dizendo: Apartai-vos de mim, vós
todos que fazeis o mal (SI 6,9) e o Apóstolo ordena: Com esse nem
sequer deveis comer (ICor 5,11).

INTERROGAÇÃO 298
Se a Escritura permite que alguém faça o bem como lhe apras.

Resposta

Apraz a um homem quem se compraz em si mesmo, porque é


ele também homem. Como, portanto: Maldito o homem que em
outro confia, que da carne faz o seu apoio (Jr 17,5), o que indica
confiança em si, acrescenta-se: E cujo coração vive distante do
Senhor. Assim também o que agrada a outrem, ou faz alguma
coisa por autocomplacên- cia, decai em relação à piedade e recai
no desejo do favor dos homens. Fazem, pois, diz o Senhor, para
serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo, já receberam
sua recompensa (Mt 6,5). E o Apóstolo confessa: Se quisesse
ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo (G1 1,10). As
Escrituras divinas trazem ameaças ainda mais terríveis, dizendo:
Deus dissipou os ossos daqueles que procuram agradar aos homens
(SI 52,6).

INTERROGAÇÃO 299
Como a alma estará bem cônscia de que não tem a ambição da
glória?

Resposta

Se obedece ao Senhor que disse: Assim brilhe a vossa luz


diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e
glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5,16) e ao

278
Apóstolo que ordena: Quer comais, ou bebais ou façais qualquer
outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus (ICor 10,31), de modo
que o homem temente a Deus, não tendo procurado a glória
presente, nem a futura, mas tendo posto acima de tudo o amor
de Deus, tenha a confiança de dizer, além do supracitado, o
seguinte: Nem as coisas presentes, nem as futuras poderão apartar-
nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor (Em
8,39). Pois, diz o próprio Senhor nosso Jesus Cristo: Não busco a
minha glória (Jo 8,50). E ainda: Quem fala por própria autoridade
busca a própria glória; mas quem busca a glória de quem o enviou,
é digno de fé (Jo 7,18).

INTERROGAÇÃO 300
Como se realiza a conversão, que é uma coisa oculta?

Resposta

O modo como se realiza a conversão foi declarado naquela


pergunta que trata de como alguém deve converter-se dos
pecados. Quanto à ser coisa oculta, lembremo-nos do Senhor,
que disse: Nada há de secreto que não se venha a saber. E ainda: A
boca fala daquilo de que o coração está cheio (Lc 6,45).

INTERROGAÇÃO 301
Se alguém disser: Minha consciência não condena.

Resposta

Dá-se isto também nas doenças corporais. Muitas são as


moléstias que os doentes não sentem; no entanto, crêem antes no
diagnóstico dos médicos do que atendem à própria
insensibilidade. Assim, nas doenças da alma, isto é, nos
pecados, embora alguém inconsciente do pecado não se censure,
deve antes acreditar nos que podem ver melhor o

279
que se passa. Deste modo agiram os santos apóstolos quando,
persuadidos embora de sua sincera afeição ao Senhor, ouvindo
dizer: Um de vós há de trair (Mt 26,21), acreditaram antes
na palavra do Senhor, discutiam e diziam: Sou eu, Senhor?
(ibid. 22). Mais claramente no-lo ensina São Pedro, que por
ardente humildade recusou o serviço de seu Senhor, Deus e
mestre; mas, convencido da verdade das palavras do Senhor, ao
ouvir: Se eu não te lavar, não terás parte comigo (Jo 13,8),
disse: Senhor, não somente os meus pés, mas também as mãos e
a cabeça (ibid. 9).

INTERROGAÇÃO 302
Convém tirar do depósito para dar aos indigentes de fora?

Resposta
O Senhor disse: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas
da casa de Israel (Mt 15,24) e: Não convém jogar aos
cachorrinhos o pão dos filhos (ibid. 26). Não se deve consumir
com os indiferentes o que foi destinado aos consagrados a Deus.
Se, porém, for possível fazer o que disse a mulher, louvada por
causa de sua fé: Certamente, Senhor, mas os cachorrinhos ao
menos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos
(ibid. 27), julgue-o o ecônomo com o consentimento dos que lhe
são co-responsáveis, de modo que o sol, em sua
superabundância, como está escrito, se levante sobre os maus e
os bons.

INTERROGAÇÃO 303
Se há obrigação de obedecer na comunidade às ordens de
todos.

Resposta
É muito difícil responder a esta pergunta. Primeiro, porque é
evidentemente indício de indisciplina todos darem

280
ordens, pois diz o Apóstolo: Quanto aos profetas, falem dois ou
três, e os mais julguem (ICor 14,29). Ele mesmo, em relação à
distribuição dos carismas, estabeleceu a ordem dos que falam,
com as palavras: De acordo com o grau de fé que Deus lhes
distribuiu (Rm 12,3). E, pelo exemplo dos membros do corpo,
claramente mostrou ser peculiar a parte do que fala; explica-o
bem, ao dizer: Se tem o dom de ensinar, que ensine; o dom de
exortar, que exorte, etc. (ibid. 7,8). Daí se vê com nitidez que
nem tudo é lícito a todos, mas cada qual deve permanecer na sua
vocação e realizar com mais diligência o que o Senhor lhe
confiou. Deve, então, o que está à frente da comunidade e foi
estabelecido acima de todos, depois de muita experiência, rece-
ber tal encargo. Exerça uma vigilância solícita, em relação a
cada um, de modo que, agradando a Deus e considerando a
aptidão e esforços de cada um, determine e ordene o que serve à
utilidade comum. Os súditos, porém, guardando a boa ordem e a
obediência que conhece sua própria medida, lembrem-se do
Senhor, que disse: As minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as
conheço e elas seguem. Eu lhes dou a vida eterna (Jo
10,27.28); e da passagem precedente: Mas não seguem o
estranho, antes fogem dele, porque vão conhecem a voz dos
estranhos (ibid. 5). Também o Apóstolo afirma: Se alguém
ensinar de outra forma e não se conservar fiel às salutares
palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como à doutrina
conforme à piedade, é um homem orgulhoso, um ignorante (lTm
6,3-4), e acrescenta, depois de enumerar o que costuma
acontecer: Foge destas coisas. E ainda, em outra parte: Não
desprezeis as profecias. Examinai tudo. Retende o que for bom.
Guardai- vos de toda a espécie de mal (lTs 5,20-22). Por isto, se
alguma ordem é segundo o mandamento do Senhor, ou visa-o,
deve-se obedecer, mesmo sob ameaça de morte; se, porém, é
contra o mandamento, ou o lesa, de modo nenhum deve-se
obedecer, mesmo se um anjo do céu, ou algum dos apóstolos,
ordenar, mesmo com promessa de vida ou ameaça de morte,
pois diz o Apóstolo: Mas ainda que alguém nós ou um anjo
baixado do céu vos anunciasse um evangelho diferente do
que vos temos anunciado, que ele seja rejeitado (G1 1,8).

281
r
INTERROGAÇÃO 304
Se os parentes dos irmãos quiserem dar algum presente à
comunidade, deve ser aceito?

Resposta

O cuidado e o juízo desta questão cabe ao superior. Mas, na


minha opinião, evitar-se-á o escândalo de muitos e será mais
proveitoso para a edificação da fé, se forem recusados tais
presentes. Sua aceitação, primeiro, acarreta muitas vezes
censuras à comunidade. Depois, fornece ocasião de orgulho ao
parente dos que presentearam. Além disto, porque disse o
Apóstolo dos que comiam e bebiam víveres particulares, na casa
de Deus: Quereis envergonhar aqueles que nada têm? (ICor
11,22). E muitas outras coisas semelhantes. Uma vez que daí
sobrevêm tantas ocasiões de pecado será preferível não receber
tais presentes; mas o superior julgue de quem podem ser aceitos
e como devem ser distribuídos.

INTERROGAÇÃO 305
Se convém receber algo das pessoas de fora, quer amigos, ou
parentes.

Resposta

Esta pergunta tem igual alcance do que a interroga o: Se


dos parentes se deve receber alguma coisa .

INTERROGAÇÃO 306 Como


se evita a divagação?

Resposta

Adquirindo o espírito daquele eleito de Deus, Davi, que


disse: Ponho sempre o Senhor diante dos olhos, pois que

282
ele está à minha direita, não vacilarei (SI 15,8); ou: Meus olhos
sempre fixos no Senhor, porque ele livrará do laço os meus pés (SI
24,15), ou: Como os olhos dos servos estão fixos nas mãos dos seus
senhores, como os olhos das servas fixos nas mãos das suas
senhoras, assim nossos olhos estão voltados para o Senhor, nosso
Deus (SI 122,2). E, para que, a exemplo das coisas menores,
cuidemos de maior diligência nas maiores, cada um considere
como se comporta na presença dos outros, embora seus iguais;
como procura manter-se correto, quer esteja de pé, andando,
movimentando-se, ou falando. Como nos esforçamos por obser-
var a polidez naquilo que os homens vêem, assim e com maior
razão, se alguém tem a convicção de ser visto por Deus, que
perscruta os corações e as entranhas (SI 7,10), segundo está
escrito, e também pelo Unigênito Pilho de Deus, que cumpre sua
promessa: Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome,
aí estou eu no meio deles (Mt 18,20), e ainda pelo Espírito Santo
que dirige os carismas, divide-os e torna-os eficazes, e
igualmente pelos anjos da guarda de cada um, segundo o que
disse o Senhor: Guardai-vos de menosprezar um só destes
pequeninos! Porque eu vos digo que seus anjos no céu contemplam
sem cessar a face de meu Pai que está nos céus (ibid. 10), terá
grande e múltipla solicitude pelo culto agradável a Deus. Assim
firma-se a atenção mais intensa e perfeitamen- te. Ainda, se
procurar cumprir a palavra: Bendirei continuamente ao Senhor,
seu louvor não deixará meus lábios (SI 33,2). E: Meditarei a lei do
Senhor dia e noite (SI 1,2), de modo que o espírito, sempre
entregue à meditação e contemplação contínuas das vontades e
dos juízos de Deus, não encontre tempo para a divagação.

INTERROGAÇÃO 307
Se convém que haja revezamento para se iniciar a sal- modia ou
a oração.

Resposta
Entre os muitos que forem capazes, guarde-se nisto a boa
ordem. Não se considere a questão sem importância

283
*

ou indiferente; nem a escolha exclusiva de uma ou outra pessoa


tome o superior suspeito de orgulho ou de desprezo dos demais.

INTERROGAÇÃO 308
Se convém, que a comunidade retribua algum donativo, e se a
retribuição deve ser proporcional ao presente.

I
Resposta

É questão muito humana. Se convém dar mostras de gratidão,


julgue-o o ecônomo, assim como a respeito do recebimento dos
dons e da retribuição ao doador.

INTERROGAÇÃO 309
Se acontecer a alguém o que é naturalmente habitual, deve
aproximar-se da comunhão das coisas santas?

Resposta
1
O Apóstolo mostra que é superior à natureza e ao hábito
quem foi sepultado no batismo com Cristo. De um lado, no
lugar em que trata do batismo de água, prossegue, depois de
intercalar algumas palavras: Sabemos que o nosso velho homem
foi crucificado com ele, para que seja reduzido à impotência o corpo
de pecado, e já não sejamos escravos do pecado (Rm 6,6); de outro,
ordena: Mortificai, pois, os vossos membros no que têm de terreno:
a devassidão, a impureza, as paixões, os maus desejos, a
concupiscência que é uma idolatria. Destas coisas provém a ira de
Deus sobre os descrentes (Cl 3,5). De outra vez, expõe esta nor-
ma: Os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as
paixões e concupiscências (G1 5,24). Sei, porém, que pela graça
de Cristo isto se realiza em homens e mulheres através da
genuína fé no Senhor. Aprendemos do Antigo

284
Testamento em que terrível juízo incorre o impuro que se
aproxima das coisas santas. Se aqui está alguém que é maior que
o templo, ensinar-nos-á o Apóstolo de modo ainda mais terrível:
Aquele que o come e bebe indignamente sem distinguir o corpo do
Senhor, come e bebe a sua própria condenação (ICor 11,29).

INTERROGAÇÃO 310
Se convém celebrar a ceia do Senhor numa casa comum.

Resposta
Como a Escritura não permite levar aos lugares santos um
vaso profano, assim também não é lícito celebrar as ações
sagradas numa casa ordinária, porque o Antigo Testamento,
evidentemente por ordem de Deus, jamais permitiu tal coisa. Diz
o Senhor: Aqui está quem é maior que o templo (Mt 12,6), e o
Apóstolo: Porventura não tendes casas para comer e beber? Que
vos direi? Devo louvar-vos? Não. Nisto não vos louvo, porque eu
recebi do Senhor o que também vos ensinei (ICor 11,22.23), etc.
Daí aprendemos a não tomar na igreja uma refeição comum,
comendo e bebendo, nem profanar a ceia do Senhor, celebrando-
a numa casa comum, exceto se alguém por urgente necessidade
escolher um lugar ou casa mais limpos, em tempo oportuno.

INTERROGAÇÃO 311
Devemos visitar os que nos convidarem?

Resposta

Visitar é agradável a Deus; mas o visitante há de ser ouvinte


prudente e sábio nas respostas, conforme o dito: Que as vossas
conversas sejam sempre amáveis, tempera-

285
г
das com sal, para poder responder a cada um devidamente (Cl
4,6). Fazer, porém, uma visita só por motivo de parentesco, ou
amizade, é estranho a nossa profissão.

INTERROGAÇÃO 312
Se convém exortar à oração os visitantes leigos.

Resposta
Se são amigos de Deus, é bom. O Apóstolo lhes escreve:
Orai também por mim, para que seja dado anunciar
corajosamente, quando eu tiver de falar, o mistério de Deus (Ef
6,19).

INTERROGAÇÃO 313
Se convém trabalhar quando há visitantes.

Resposta
Nenhuma das obrigações deve ser interrompida por causa
daqueles que nos procuram por atenção amistosa, a não ser que
se tenha de assumir uma particular obra espiritual, preferível a
um trabalho corporal segundo o mandamento do Senhor, pois
os santos apóstolos dizem nos Atos: Não é justo que
abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas (At 6,2).

286
ÍNDICE ANALÍTICO

DA REGRA MAIS EXTENSA


O algarismo antes da vírgula indica o número da questão
e o após, o item respectivo. Pr. = Prólogo.

Abraão 55,4 Agabo 23 ancião 24 anjos 2,3; Espírito Santo Pr. 3.4; 3,1; 7,2; 16,1; 32,2;
12,3; 23 amor a Deus Pr. 2; 1; 2,1.2.4; 3,2; 35,3; 37,3
5,2 Evangelho(s) Pr. 1.4; 7,2; 8,1.3; 9,2;
ao próximo Pr. 2; 1; 3; 37,1 11; 17,1; 37,2
Bamabé 44,2 Ezequias 55,3.4
Benjamim 8,2 Filêmon 11 Heli 28,1
carisma 7,2; 32,2; 35,3; 45,1 cinto 23 hóspedes 20; 44,2
compra e venda 39,2; 40 compimção 15,2 humildade 7,4; 10,1; 15,2; 21,1; 22,1; 30;
comunidade (adelphótes, fraternidade) 31; 35,3; 43
11; 15,2; 17,1; 26; 27; 28; 29; 32; 33,2; instrumentos de trabalho 41,2 Israel 8,2
34,1.2; 36; 37,3; 41,2; 43; 44; 49; 54 Jacó 20,3
consciência, manifestação da ao ancião jejum 12; 16,1.2; 18
26 conselho 48 continência 19; 55,3 Daniel Jerusalém 44,2
Pr. 4; 16,2 Davi Pr. 4 Deus (Pai) Jó Pr. 4; 15,1; 17,1; 23; 55,4
misericordioso e justo Pr. 4 João Batista 16,2; 22,1; 23
agradar a 5,3; 11; 12; 25,1; 28,1; juiz Pr. 4; 5,3; 15,4
33,1; 37,2.3; 55,5 juízo Pr. 1.4; 25; 34,2; 37,2
amigo dos homens 10; 55 Lázaro 55,4
lembrança de 2,3; 5,2.3; 6,2 mandamento do Senhor Pr. 2; 3,1;
diabo 2,4; 7,3; 8,1; 30; 37 divinização 2,4 5,3; 9,2; 21; 33,1; 36 mandamentos do
Elias 16,2; 23 Esaú 16,2 escravo 11 Senhor Pr. 2.3.4; 1; 2; 7,1; 8,2; 9,2; 16,3;
Escrituras Pr. 4; 1; 7,3; 15,1.3; 17,1; 20,1; 19,2; 20,1; 32,1; 43,1 Marta 20,3 Mateus
42,2; 47 8,1
matrimônio (núpcias) 5,1; 12; 32,2
medicina 55
meninos 15,1.2
Moisés 3,2; 16,2
noviços 10,12
obediência Pr. 3; 12; 29
e humildade 21; 31; 41
e autoridade 41
Onésimo 11

287
oração Pr. 4; 6,1; 12; 37,2; 38; 39; 40; 55 Salomão 4; 6,1; 20,3; 37,2 salmodia 13;
em comum 15,2; 37,3 Paulo (o 37,2.5; 38 Sara 17,1
Apóstolo) 3,2; 5,1; 7,4; 8,1.2; 11; 16,1; serviço 6; 31; 34,2 Silas 37,4 silêncio 13;
19,2; 20,2; 22,1.2.3; 24; 25; 28,1; 29; 32,2; 51
33,1; 34,1; 35,2; 37,1.2.3; 41,1; 42,1; superior 25; 26; 27; 29; 30; 31; 35;
43,1.2; 45,1; 53,4 Pedro Pr. 3; 23; 31; 43; 44,1; 45; 48; 49; 50; 51; 52; 54
37,4.5; 44,2 penitência Pr. 1; 6,2; 7,1; temor filial e servil Pr. 3.4; 4; 10,2; 44
10,2; 20 pobreza 8,3; 16,3; 20; 23 temperança 13; 16; 18; 19,2 Tiago 8,1
prepósito 15,4; 19,1; 24; 28,2 (Ver Timóteo 19,3
superior) trabalho 29; 34,1; 37,1.2.3.4; 38; 41,1;
razão seminal (lógos spermatikós) 2Д 42; 43; 48; 51; 53
regra (cânon) 27 renúncia vestes 20,1.2; 22
6,1; 8; 30; 32 riso 17

DAS REGRAS MENOS EXTENSAS


Abraão 268 doentes 155
Acan 47 Adão ecônomo 64
46; 64 eulógia 122
Alexandre, o ferreiro 25 amor a Deus157; Escritura 1; 45; 68; 74; 95; 98; 104;
163; 176; 185; 224; 226; 267; 269; 298 Espírito Santo
211; 213 1; 23; 204; 205; 248;
ao próximo 98; 162; 163; 175; 273; 306
185; 242 Eva 46; 64
anjos 114; 306 Barnabé Evangelho 18; 24; 47; 48; 64; 98; 109;
64 batismo 13; 234; 309 112; 121; 171; 207; 216
Caim 47 Heli 47 hóspedes 141
carisma Intr.: 179; 235; 236; 248; humildade 113; 172; 198; 289
257; 290; 303; 306 ceia do Senhor 310 instrumentos de trabalho 143; 146 Isaias
celeiro (encarregado do ) 148; 156 13; 212 Israel 302
compunção 9; 10; 16 comunidade jejum 129; 130; 131; 136; 138; 139; 277
(adelphótes) 74; 85; 86; 138; 147; 159;183; Jeremias 75; 214; 261 Jó 158; 261; 262;
285; 286; 303; 275 João Batista 288 João, São 172; 276;
304; 308 293 Jothor 114 juiz 81; 267
Comélio 224 juízo 1; 10; 36; 117; 164; 174; 209;
correção fraterna 3; 4; 5; 7; 9; 40; 220; 232; 274; 291 Lamec
47; 178; 182; 232; 293 Datan e Abiron 47
276 Davi Intr. 12; 53; 80; 99; 129; 137; Lázaro 132; 181; 205 mandamentos do
214; 231; 261; 262; 269; 284; 296; 297 Senhor 1; 64; 74; 87; 92; 114; 131; 139;
Deus misericordioso 10; 12; 13; 16; 17 149; 163; 166; 168; 174; 175; 178; 192;
agradar a 17; 24; 70; 81; 92; 98; 104; 193; 195; 196; 199; 203; 206; 223; 224;
117; 123; 154; 157; 162; 175; 263; 272; 231; 241; 272; 276; 279; 280; 281 Maria,
276; 282; 295; 303; 311 amigo do homem irmã de Moisés 27 meninos 217; 292
Intr. 135; 140; 262 Moisés Intr. 27; 114; 261
lembrança de 7; 202; 292 diabo 16; 61;
76; 160; 262; 267; 268; 275; 283

288
obediência 39; 114; 115 ; 116, 119; 138; pobreza 181; 188; 205; 242 prepósito 146;
152 172; 176; 199; 206; 235 ; 269 303 201 renúncia 2; 137 riso 31
;
oração 113; 147; 201; 277; 278; 307 salmodia 147; 173; 238; 279; 281; 307
Paulo Intr. 3; 4; 5; 9; 16; 18 19; Salomão 113
20; 23; 25; 36; 37 39 40 47; sangue de Cristo 13; 271 corpo e de
52; 53; 57; 63; 64 ;
65 ; 72;
70 Cristo 172 serviço 115; 151; 155; 157;
76; 82; 86; 89 96; 100; ; 108;; 109; 160; 161
114 115; 118; 121; 124; 128; 129; na cozinha 152
;
130 133; 138; 139; 141; 149; 164; aos doentes 155
;
170 172; 179; 182; 183; 184; 186; silêncio 208
;
187 190; 198; 200; 206; 208; 210; trabalho 5; 39; 61; 69; 119; 121;
;
215 218; 220; 224; 225; 226; 227; 135; 136; 141; 147; 153; 154; 207
;230 234; 235; 236; 243; 245; 246; Timóteo 25
;
247 248; 250; 252; 258; 260; 261; vestes 50; 87; 90; 91; 93; 168; 206; 207;
;
262 264; 265; 266; 268; 269; 270; 210
;
272 274; 275; 276; 280; 283; 291; vontade de Deus 32; 45; 64; 74; 114; 132;
;
296 298; 299; 303; 309; 310; 312 137; 207; 211; 235; 237; 259; 260; 261;
;
Pedro 60; 64; 81; 83; 89; 161; 233; 276; 306 voz, tom da 151 Zaqueu 5; 27
251 301
;
penitência (arrependimento) 4; 5; 8;
9; 10; 11; 13 14 15; 58; 110;
159 177; 271; 287; ; 288; 292
;
Pilatos 46

289
ÍNDICE BÍBLICO

(Os algarismos em itálico indicam as Regras Menos Extensas)

ANTIGO TESTAMENTO l Samuel


2,3: 247
2,24: 47
Gênesis 2,25: 14
3.1- 2: 3,13: 28
245 3,12: 46
3,16: 138 3,17: 2° Samuel
46 3,19: 55 7,18 (LXX): 167
3,21: 22 4,7: 1* Reis
Prólogo 4,24:
19,8: 16
47 21,6: 17
25,33: 16 28,20: 24 Reis
20 1,8: 23
Êxodo 18,19: 6,18: Prólogo
114 32,32: 3 20,7: 55
33,11: 16 Jó
1,21: 262
Levítico
10.1- 2: 29 1,22: 275
19.17 (LXX): 47,232 2,6: 55
19,18: 48 6,8: 266
8,21: 17
Números 11,1: 12,11 (LXX): 279
133 12,10: 27 29,12: 15
14,4: 32 38,3: 23
16.1- 2: 276
19.17 (LXX): 232 Salmos
1,2: 306
Deuteronômio 4,5: 24-55,243
4,2: 1 9,9: 16 5,4-5: 37
17,11: 241 6,9: 10-297
19,15: 33 7,6: 33
Josué 7,21-26: 7,10: 59,306
47 9,17: 262
10,3: 247
12,4: 7
13,1 81
14,4: 171
15,8: Prólogo - 5-21,202,295,306
18,9: 1

290
18.10- 11:
18.10- 12: 174 18,11: 8-180
24,15: 202,306 29,2: 10
29.6- 13: 10 31,5: 297 32,5:
Prólogo 33,2: 306 34,13: 129
35,1: 81 35,7: 80
37.5- 7: 296 37,17: 263 38,3
208 39,18: 262 41,1: 157 41,3: 2
45,11: 218 46,8: 279 49,21:
Prólogo 49,23: 265 50,12-13: 37
50,19: 265 51,3: 247 52,6: 33-298
54,18: 37 57,5: 55
57.5- 6 45 72,22: 274 73,21:
262 76,4: 6,37-44 77,49: 276 90,6:
37 93,10: 274 93,20: 152
100,1: Prólogo - 12 100,3-4: 296
100,5: 26 100,6: 284
100.6- 7: 29 108,6: 251 108,9:
251
111,1: Prólogo - 259 111,5: 33,44-
214,245 114,5: Prólogo 115,12: 2
118,24: 230,269 118,28: 80
118,46: 5 118,53: 53,192 118,62:
37 118,85: 5 118,103: 6-281
118,105: 230 118,106: 137
118,139: 165

118,148: 37 118,158: 99,296


118,163: 5-
5,10,11,12,174,296 119,5: 2
122,2: 41-277,306 124,4: 214
124.4- 5: Prólogo
131.4- 5: 32 132,1-2:
7 135,25: 93 138,6: 80 139,6:
68,241 140,5: 159,284
142,10: 37 144,9: 214
Provérbios 1,7: 4 2,6: 248
3,7: 260 3,12: 55 4,23: 5 6,6:
37 9,18: 267 13,8: 89 13,13:
4
13,24: 4-4,159,183 15,13: 17
17,11: 38 17,26: 285 18,9: 46
19,10: 16 20,13: 26 22,10: 47
22,24-25: 6 24,30-31: 75
26,11: 6 26,25: 6 27,5: 46
28,14: Prólogo 30,8-9: 20
31,27: 37
Eclesiastes 2,2: 17 3,1: 37-
113 4,10: 7 7,30: 53
Cântico dos Cânticos 2,5: 2
Eclesiástico 4,9-10 (LXX):
220 13,20: 7 32,24: 48-104
Isaías 1,2-3: 212

291
1 5-16: 261 NOVO TESTAMENTO

1,18: 10,13
3,11: 25 Mateus
5,2: 75 3,4: 16,22,23
5,4: 75 3,6: 288
5,21: 227,274 3,12: 257
7,9 (LXX): 218 4,2: 16
26,20: 277 4,3: 75
40,1 (LXX): 226 5,3: 20,30-205,262
45,7: 276 5,5: 194
53,4: 2-177 5,6: 130
53,12: 251 5,7: Prólogo
61,6: 265 5,8: 280
66,3: 29 5,9: 215
66,24: 267 5,11-12: 163,176
5.14- 15: 223
Jeremias 2,22: 75 8,22: 5.14- 16: 277
55 9,23-24: 218 17,5: 5,16: 4-195,299
42-298 17,6: 42 23,23: 5,18: 4
5 23,24: 5 5,21-22: 243
48,10: 9,24,34-150,169 5,22: 51
5,23-24: 36-40,205
Lamentações 3,25: 214 5,25: 222
Ezequiel 3,18: 29- 5,29: 28-7
64,261 3,20: 25 18,4: 5,29-30: 57
50-194 33,8: 45 33,11: 5,30: 44
261,288 5,39: 244
5,40: 9-222
Daniel 5,41: 114
1,8: 16 5,42: 101
10,3: 5,45: Prólogo - 179,302
16 5,47: 124
6,1: 291
Joel 6,2: 276-282
2,32: Prólogo 6,5: Prólogo - 179,247,298
Amos 5,13: 208 6,6: 20 6,14: 11
6,17: 223
Miquéias 7,9: 55 6,21: 8
6,24: 8
Zacarias 10,1: Prólogo 6,25: 42-252
6,31: 206
Malaquias 1,6: 6,31- 32: 207
Prólogo 6,32: 42-206
6,33: 207,272
6,34: 272
7,3: 231
7,5: 164
7,6: 250
7,9: 22
7,13: 240
7,14: 241
7,21: Prólogo
7,22: 179
8,3: 55
9,12: 102
10,9: 23
10,10: 37-168,252,272

292
10,16: 245 24,42: Prólogo
10,23: 244 24,46: 276
10,26: 300 25,15: 203,253
10,27: 276 25,21: 235
10,37: 183 25,26: 37-69
11,8-11: 22 25,30: Prólogo
11,28: 10 25,34-40: 34
11,29: 40,43-195 25,35: 3,42
12,6: 309,310 25,35-36: 207
12,20: 291 25,40: 3,42-160,284
12,35: 239 25,41: 34-255,267
12,36: 4,220 25,41-42: 150
12,48-50: 188 25,42: 181
12,50: 32,34-155 25,46: 267
13,22: 18 26,21: 301
13,23: Prólogo - 203 26,22: 301
13,45-46: 8 26,39: 261
13,55: 262 26,52: 251
15,12-14: 64,102 28,19-20: Prólogo
15,16: 248
15,19: 75 Marcos
15,24: 101,302 3,29: 273
15,26-27: 100,302 6,7: 35
15,32: 19 8,35, 199
15,40: 101 9,34: 30-7
15,53: 190 9,45: 267
16,22-23: 64 9,50: 266
16,24: 8-2,234,237 10,14: 15
17,9: 276 10,29: 9
17,20: 18 10,44: 115
17,25-26: 64 10,45: 115
18,3: 113,216 11,25: 232
18,6: ¥1-64 12,30: 157
18,10: 64,306
18,12: 102 Lucas
18,15: 9,36-178,232 1,15: 16
18,15-17: 3,37,232,293 2,29: 2
18,16: 7,15,33 3,8: 271,288
18,17: 36-9,41,261 3,9: 288
18,18: 261 3,11: 23
18,19: 15,261 5,32: 178
18,20: 5,37-225,306 6,21: 17
18,21: 15 6,25: 17,19-37
18,31-34: 42 6,30: 101
19,14: 292 6,32: 163
19,21: 8,9-205 6,36: 276
19,27-29: 89 6,37: 164
20,1-2: 224 6,45: 300
20,9-10: 256 6,46: 225
20,14: 171 7,47: 170
21,22: 261 8,13: 275
22,36-39: 1 8,14: 8
22,37-39: 163 8,20: 188
22,40: 2 8,21: 190
23,12: 28 9,23: 6
24,13: 221,245 9,61-62: 189
24,40: 284 10,4: 251

293
10,16: 38 5,19: 1,60,74
10,27: 276 5,30: 5-148
10,34: 55 5,44: 36
10,41-42: 20 6,9: 19
11,8: 261 6,24: 207
11,10: 121 6,27: 207
11,39: 271 6,37: 97,102
11,41: 92,271 6,38: 5-1,60,74,137,138
12,20: 48,291 6,64: 205
12,21: 48 7,18: 299
12,29-30: 131 7,24: 164
12,32-33: 92,101 7,28: 120
12,33: 9 8,34: Prólogo - 155,21
12,40: 96,117 8,35: 155
12,42: 45 8,39: 268
12,43: Prólogo 8,44: 76,268,283
12,47: Prólogo - 267 8,50: 299
12,47-48: 45 9,6-7: 55
12,48: 4,37-58,236 9,28: 24
13,7: 61 10,5: 114,303
13,26-27: 282 10,27-28: 303
13,27: 179 12,25: 54
14,10: 21 12,44: 151
14,11: 198 12,48: Prólogo - 293
14,26: 8,12 12,49-50: 1,163
14,28-32: 263 12,50: 166,199
14,33: 5,8-263 13,4: 23
15,6: 8 13,8: Prólogo - 233
15,13: 13 13,8-9: 60,301
16,15: 29-120 13,17: 236
16,20: 55 13,34: 3-86,98,163
16,22: 20,55 13,35: 3
16,25: 16,55 14,10: 60
17,2: 7 14,15: 5,213
17,10: 121 14,15-17: 204
18,11: 56 14,17: 5
18,14: 35 14,23: 2,3-225
18,22: 101 14,24: 32
18,44: 56 14,26: Prólogo - 205
19,8: 271 14,27: 215
19,16: 203 14,30: 243
20,22-25: 94 15,10: 5
22,19: 172 15,12: 3
22,27: 43 15,12-13: 162
22,36: 251 15,13: 25-98
22,37: 251 15,19: 5-204
22,40: 221 15,22: 45
16,13: 1,205
João 17,21: 183
1,12: 190 17,25: 5
1,14: 172 19,11: 46
2,15: 40
3,8: 190 Atos dos Apóstolos
3,36: 47,163,268,293 2,44: 7,35
4,27: 48 2,45: 19
4,34: 166,207 3,9: 37
5,14: 55-17 4,32: 7,32,35-85,183

294
4,35: 34-93,131,135,148,187,252 12,17: 28
5,29: 8,11-114 12,19: 234,244
6,2: 313 12,21: 226
7,59: 232 13,7: 36
10,2: 224 13,14: 16
11,5: 44 14,10: 164
12,8: 23 14,13: 64,164
12,20: 55 14,15: 40
13,2-3: 129 14,21: 64
14,12: 55 14,23: 47
15,4: 44 15,1: 117,229
15,12: 44 15.1- 3: 138
16,25: 37 15.2- 3: 118
19,18: 288
20,26-27: 261 Primeira aos Coríntios
20,31: Prólogo 3,8: 37
20,35: 37-207,272 4,1: 98,184,288
21,11: 23 4,5: 164
4,12: 226
Romanos 1,11-12: 226,227 1,13: 4,15: 8
275 1,28-32: 20 1,29: 255 5,2: 28-47,56,84,86,293
I, 31: 248 2,4: 179 5,3-5: 164
2.4- 5: Prólogo 2,13: 7 5,6: 28,47-20
2,23: Prólogo - 4,31,250 5.9- 11: 124
5,1: 215 5,11: 53,297
5,8-9: 176,186 5,13: 12-155
6,3: 234 5,40: 9
6,4: 309 6,1: 9
6,6: 234,309 7,3: 70
6,16: 283 7,4: 12
7,10: 297 7,11: 47
7,14-15: 16 7,15: 12
7,17: 16 7,24: 91,100,125,136,141,147
8,7: 269 7,31: 20
8,14: 285 7.32- 33:
8,18: 28 5,33
8,32: 172 8,10: 64
8,35: 157 8.10- 11:
8,38-39: 299 64
9,3: 3-190 8,13: 17-54
9.4- 5: 190 9,6: 64
10,14: Prólogo - 224 9,12: 17-64,109
II, 20: 56 12,1: 230,265 12,2: 276 9,14: 121
12,3: 125,235,264,303 9,15: 44
12.4- 5: 303 12,6: 7 12,7-8: 9,16: Prólogo
303 12,10: 242 12,11: 24-259 9,25: 16,18
12,16: 22-260 10,10: 29-133
10,13: 55-221
10,22-24: 1
10,29: 18,33-109
10,31: 5,20,55-72,138,139,220,276,299
10,32: 33
10.32- 33: 18
10,33: 7
11,1: 43
11,16: 34,35-138,149
11,22: 22-187,304
11.2- 23: 311
11,29: 172,309
295
Г

11,30-32: 55 11,32: 140 12,10: 17 12,11: 247


12,1: 230 12,2: 230 12,8: 12,14: 89 12,21: 194
32-248 12,8-10: 7 12,26: 7- 13,10: 113
175,182 13,1-3: 282 13,3:
Prólogo 13,4: 56 Gálatas 1,8: 114,303
13.4- 8: 200 13,5: 7-246 1,10: 36,298 2,4-5:
14,14: 277 14,23: 45 14,26: 97 3,13: 2
40-220 14,29: 303 14,30: 5,9: 57,84,86,281
45-173,208 14,34: 208 5,10: 25 5,13: 115
14,40: 24-72,108,238,276 5,17: 74,96 5,19-21:
15,56: 46-290 15,58: 290 269 5,21: 255 5,23:
16 5,24: 309 5,26:
Segunda aos Coríntios 52,66,138 6,2: 178
I, 9: 8-206 2,2: 52 2,6: 7-3 6,14: 8-121,234
2,17: 65,264,282
3.4- 5: 274 3,5: 60 4,8: Efésios 1,7: 271 2,3:
270 4,17: 28 128,268,269 4,1: 34
5.14- 15: 172 5,20: 215 6,1: 4.1- 4: 225
34-236 6,2: Prólogo 6,3-4: 4,2: 31 -114 4,3: 266
Prólogo 6,5: 16 4,4: 7
6,7-8: 33 4,13: Prólogo 4,22: 8
6,9: 206 4,26: 243 4,28:
6,9-10: 37,42-207,252 4,29:
270 23,208,266,278 4,30
6.14- 15: 29,32 6,17: 6 Prólogo - 23 4,31:
7,6: 226 7,9: 40 7,10: 297 151,243
7,11: 52-5,47,53,297 8,5: 41 5.1- 2: 176,276
8,9: 8-262 8,14: 285 9,7: 29 5,6: 268
10.4- 5: 114,260,269 10,12: 5,9: 57,281 5,17:
138 218,260 5,19: 147
10,17. 247 5,21: 1,114 6,4: 15-
II, 17: 247 11,27: 16,37- 292 6,6: 52 6,19: 312
130 11,29: 29,182,296 12,8:
261 Filipenses
1,10: 264
1,15: 179
1,18: 179
1,23: 2 2,2:
183
2.2- 3: 35
2,3: 66,198,291 2,4:
35

296
2,5: 116 2,9: 22
2,6-7: 2 3,2: 22
2,6-8: 172 3,6: 30-169
2,8: 28-116,199,206 3,10: 43
2,14: 39,291 4,2: 3
3,4-8: 8 4,2-3: 18
3,13-14: 121 4,4: 92
3,16: 56 4,4-5: 18
3,20: 5,8 4,12: 43
4,13: 247 5,2: 82
5,6: 16 5,17: 170
Colossenses
1,10: 287 5,20: 28
1,12-13: 167 5,21: 34-149
1,28: 19 5,23: 19
2,5: 154 6,3-4: 303
2,18: 258 6,4: 19,56
2,23: 128,258 6,5: 282,303
3,3: 234 6,8: 22

3,5-6: 296,309 3,9: 8 Segunda a Timóteo


3,16: 37 2,2: 254
4,6: 266,311 2,5: Prólogo - 68,76

Primeira aos Tessalonicenses 2,24: 9 2,25 43,50


2,4: 184 3,1-2: 16
2,4-6: 282 3,2: 56
2,5-6: 25-65 3,3: 16
2,7: 98 3,8-9: 121
2,7-8: 25-184,186 3,15: 15-224
2,8: 25 4,14-15: 25

2,18: 275 4,13: 41 Tito


5,5: 268 1,9: 32
5,17: 37 1,15: 18
5,20-32: 114,303 1,16: 81

Segunda aos Tessalonicenses 3,6: 9,20 2,14: Prólogo Filêmon


3,8: 37,42 10,12: 11
3,8-9: 121 15,16: 11

3,10: 37 3,11-12: 42 Hebreus


3,13: 245 10,23: 129
3,14: 14-3,25 10,27: 1
4,4-5: 18 10,29: 47

Primeira a Timóteo 2,4: 248 11,37: 22 Tiago


2,8: 201 4,6: 35

297
Este livro foi composto e impresso nas oficinas da Editora Vozes Limitada
Petrópolis - RJ - Brasil

AEDITORA V
VOZES
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Horizonte Porto 50000 Recife, PE
Tels.: (081)222-6991 e 221-4100
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Alegre Brasília Rua Alferes Póli, 52 80000 Curitiba, PR Tel.: (041)223-1392

Recife Recife

Curitiba
1

SãoBasílio
Magno
COLEÇÃO: OS PADRES DA IGREJA/4
São Basílio Magno, bispo e monge, foi sem dúvida, uma das
figuras mais brilhantes da Igreja de todos os tempos. Foi um
teólogo, como defensor da fé, um asceta profundo, um dinâ-
mico homem de ação, um grande orador, um pastor zeloso
das almas, um ardoroso liturgo e místico, um bispo de gran-
de cidade. Como teólogo, teve uma grande influência, em
função das circunstâncias. No plano moral e ascético, a sua
doutrina deve ser encarada em função de sua espiritualidade.
A ascese propriamente monástica de Basílio não existe em
si mesma e por si mesma, não é outra coisa que o coroamen-
to da ascese cristã imposta a todo o cristão. A obra monás-
tica de São Basílio, especialmente as suas Regras, é um dos
melhores testemunhos da vitalidade cristã do século IV. A
síntese de seu pensamento relativamente ao trabalho, à ora-
ção e a todos os problemas por ele despertados está em
diversos capítulos das Regras, que agora são traduzidas para
o português.

j
Uapa: Ornar Santos

VOZES

ATENDEMOS PELO REEMBOLSO 1677-2


POSTAL

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