Cazuza
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RESUMO: Este artigo apresenta uma análise estilística do poema “Um trem para as estrelas,
letra da música tema do filme de mesmo nome. O intuito é apresentar aos alunos análises em
que possam basear seus trabalhos acadêmicos na área da Estilística. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica e uma análise baseada nos preceitos da Estilística, especificamente na teoria de
Lázaro Carreter e Cecíliade Lara1 .
ABSTRACT: This paper presents a Stylistic analysis of the lyrics “Um trem para as estrelas”,
that is the movie theme music of a film of the same name. We aimed to give to our students a
basis of analyzes to their academic work in the field of Stylistics. It is a bibliographic research
and an analysis based on the precepts of Stylistics, specifically on the theory
ofLázaroCarreterand Cecíliade Lara
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise estilística da música “Um trem para as
estrelas”, de autoria do já falecido Cazuza e de Gilberto Gil. É um texto que poderá servir de
base aos alunos da disciplina Estilística, para executarem suas análises de outros textos. Sempre
se deve alertar que uma análise estilística consiste em um enfoque pessoal, e sempre uma análise
feita por alguém será diferente de outra, não apenas por enfoques teóricos diversos, mas pela
individualidade da percepção de cada analista.
1 CARRETER, Lázaro; LARA, Cecília de. Manual de explicação de textos. 1973, p. 25-48
Cadernos da Fucamp, v.19, n.38, p.178-188/2020
Um trem para as estrelas de Cazuza e Gilberto Gil
2 OS AUTORES
2.1 Cazuza
Agenor de Miranda Araújo Neto (Cazuza) nasceu no Rio de Janeiro em 1958 e faleceu
também no Rio de Janeiro em 1990. Letrista, cantor, filho único, foi criado no Rio de Janeiro,
em Ipanema, recebeu desde pequeno o apelido de Cazuza que significa "moleque" no Nordeste
brasileiro.Abandonou a faculdade de comunicação e iniciou a vida profissional na gravadora
Som Livre, presidida pelo pai, João Araújo. Insatisfeito, foi para São Francisco, nos Estados
Unidos, para estudar fotografia e artes plásticas. Sete meses depois estava de volta ao Brasil
sem a formação no curso, mas a experiência lhe valeu um emprego de fotógrafo na gravadora
RGE. Em 1981 matriculou-se no curso de teatro ministrado por Perfeito Fortuna e a trupe
Asdrúbal Trouxe o Trombone no Circo Voador, no Arpoador. Encenou duas peças: em uma
delas interpreta a música “Odara”, de Caetano Veloso, o que o incentivou a se tornar cantor.
Não demorou muito e, por intermédio do amigo roqueiro Léo Jaime, Cazuza entrou para uma
banda em formação, o Barão Vermelho — com ele nos vocais, Roberto Frejat (1962), na
guitarra, Dé (19, no baixo, Maurício Barros (1964), nos teclados, e Guto Goffi (1962), na
bateria.
O Barão Vermelho trilhou o circuito underground carioca e estreou para o grande
público no verão de 1982, no efervescente Circo Voador. Uma fita demo da banda logo chegou
às mãos de Ezequiel Neves, crítico de música e produtor da Som Livre - com quem Cazuza
havia trabalhado — que, empolgado com as letras de Cazuza e com o som despojado do
conjunto, convence Araújo a contratar a banda do filho.
O primeiro álbum, Barão Vermelho (1982), recebeu elogios da mídia, mas teve
vendagem modesta. Barão Vermelho 2 (1983) chamou a atenção do público, após Ney
Matogrosso gravar "Pro Dia Nascer Feliz", canção que logo faz sucesso na versão original da
banda. O Barão Vermelho alcançou, enfim, projeção nacional ao participar da trama e da trilha
sonora do filme Bete Balanço (1984), de Lael Rodrigues (1951-1989): a música tema do filme,
homônima, ganhou as rádios e caiu nas graças do público. No mesmo ano, saiu o disco Maior
Abandonado, que conquista prestígio e consolida a parceria Cazuza/Frejat como uma das mais
profícuas do rock brasileiro. No verão de 1985, o Barão Vermelho apresentou-se com destaque
no megafestival Rock in Rio. No auge da fama até então, Cazuza resolveu desligar-se do grupo
e seguir carreira solo, decisão que coincidiu com a manifestação de seus primeiros sintomas da
Aids.
O primeiro álbum de Cazuza, “Exagerado” (1985), manteve a sonoridade roqueira, e fez
sua carreira solo decolar. Já com o diagnóstico de portador da Aids, Cazuza viajou a Boston
para tratamento. Retornou ao Brasil no fim de 1987 e no ano seguinte lançou o LP Ideologia,
da qual a música em análise faz parte. Em fevereiro de 1989, Cazuza declarou à imprensa que
era soropositivo. Bastante debilitado, teve ainda tempo de lançar o LP Burguesia (1989).
Tratou-se em São Paulo, depois em Boston e retornou ao Rio de Janeiro, onde morreu em julho
de 1990, aos 32 anos. Em 1991 sai o álbum póstumo, Por Aí.3
Gilberto Passos Gil Moreira nasceu no dia 26 de junho de 1942, na cidade de Salvador,
Estado da Bahia, e, com apenas três semanas de idade, foi morar na cidade de Ituaçu, no interior
do Estado. Lá, junto à família, ele passaria a infância. Fascinado pelos sanfoneiros, cantores e
violeiros locais, aos três anos de idade, o menino teve sua vocação musical despertada e, aos
dez anos, foi estudar em Salvador, aprendendo também a tocar acordeom e sanfona.
Os ritmos e estilos musicais repercutiam com muita intensidade no jovem Gilberto Gil.
Por sua cabeça passaram os acordes das bandas de pífano de Caruaru, os sons do violão de João
Gilberto, a sanfona de Luiz Gonzaga, as músicas dos Beatles e outros. Todos esses elementos
contribuíram para o surgimento do Movimento Tropicalista, liderado por Gil e Caetano Velloso
nos anos 1960, com as músicas “Domingo no parque” e “Alegria, alegria”. Naquele mesmo
ano, por sua vez, o compositor decidiu fazer o curso de Administração de Empresas,
ingressando na Universidade Federal da Bahia.
Em 1963, inspirado em João Gilberto — um dos mais conceituados intérpretes e
violonistas da música brasileira nos anos 1950 — ele compunha o samba bossa nova
“Felicidade vem depois”e passou também, a tocar violão. E, em junho do ano seguinte, com
Tom Zé, Gal Costa e Maria Bethânia, participaria de espetáculos antológicos em Salvador,
inaugurando, em de um deles, o Teatro Vila Velha. Isso representou, para Gil, um marco muito
importante porque, além de cantar e apresentar composições próprias, ele assinava, inclusive, a
direção musical do show.
Quando já estava radicado na cidade de São Paulo, em 1965, ele compôs as músicas
Procissão e Roda e, em 1966, a música Louvação, que deu nome ao seu primeiro disco. Nesse
mesmo ano, várias conquistas relevantes ocorreram na vida do então funcionário da alfândega
de Salvador: ele realizou seu primeiroshow individual (dirigido por Caetano), terminou o curso
universitário, casou-se, foi morar em São Paulo, e empregou-se na Gessy Lever. Na época,
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Ordem das Artes e da Literatura. Ele foi o primeiro artista baiano agraciado com o título Artista
da Unesco pela Paz, um reconhecimento desta entidade às personalidades que mais se destacam
na promoção da cultura em favor da paz. Além disso, em dezembro de 2002, o recém-eleito
presidente Luís Inácio Lula da Silva o nomeou Ministro da Cultura do Brasil.
Algumas das composições mais conhecidas de Gilberto Gil são: Procissão;Expresso
2222; Estrela; Louvação; Se eu quiser falar com Deus; Eu vim da Bahia; Sítio do Pica-pau-
amarelo; Back in Bahia; Oriente; Pai e mãe; Tradição;Soy loco por ti, América; O sonho
acabou; Meu amigo, meu herói; Rebento;Sarará creolo; Refavela; LogunEdé; Realce; Filhos de
Gandhi; Domingo no parque; Feiticeira; Aquele abraço; Iansã; Geléia geral; Pra ver o sol
nascer; Eu preciso aprender a ser só; Ela; Super Homem; Refazenda; Drão; Lugar comum; Mar
de Copacabana; A linha e o linho; Mancada; Lunik 9; As pegadas do amor; Pessoa nefasta;
Com que roupa; Cálice; Frevo rasgado; Sandra;Chicletes com banana; Dinamarca; Viramundo;
Lamento sertanejo eTrovoada.
Há décadas, pesquisando, compondo e cantando suas músicas de um modo único e
brasileiríssimo de privilegiar a cultura negra, o misticismo e a natureza, Gilberto Gil é
considerado um dos maiores expoentes da MPB 4 .
3 ANÁLISE DO TÍTULO
Um “trem para as estrelas” é uma metáfora para a sorte, o acaso, que conduza alguém
para o sucesso rapidamente, sem esforço. Pode ser a loteria, um reality show de televisão, um
casamento milionário, tornar-se jogador de futebol, top model ou ator de Hollywood, ou quem
sabe político... com essa metáfora, o eu-lírico apresenta a visão de mundo predominante na
sociedade atual, que é o sucesso com pouco esforço, porque “todos querem se dar bem”. Assim,
o título do poema já prepara o leitor para sua mensagem, de que as populações de uma cidade
grande, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Nova York ou Tóquio, todas se assemelham nos
sofrimentos e no sonho que têm de sair dessa situação por uma ação do acaso ou da Providência
divina.
4 Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=281&Itemid=1
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4 ANÁLISE DO POEMA
Nesse poema, os autores fazem uma ácida crítica ao sistema de classes perpetuado pelo
Capitalismo em detrimento das pessoas. Já no primeiro verso, tem-se:
Nesta época surgiram várias propostas, mas a vencedora foi aquela que
representava Jesus Cristo em pé, com os braços abertos, com uma postura que
refletia uma atitude de amor e paz.
Fica fácil entender a ironia dos poetas a um símbolo religioso de uma das cidade mais
violentas da América do Sul. O Eu-lírico abre as janelas de sua casa e vê a estátua do |Cristo
Redentor, com as luzes apagadas.
De manhã, os trabalhadores “lá embaixo” aguardam nas filas dos pontos de ônibus, o
transporte para os locais onde trabalham. A expressão “lá embaixo” é significativa no poema,
porque, em primeiro lugar, as pessoas estão “lá embaixo” em relação à estátua do Cristo
Redentor e, em segundo, elas estão “lá embaixo” na pirâmide social: são os pobres, os
trabalhadores, os excluídos, que esperam nas filas dos ônibus, “procurando aonde ir”.E a ironia
mais profunda é dizer que essas pessoas lá embaixo “são cicerones do Cristo”:
Cicerone é o mesmo que guia turístico. São exatamente os pobres, as pessoas das classes
mais baixas que trabalham como guias turísticos extraoficiais para os visitantes, principalmente
estrangeiros, com o objetivo de ganhar uns dólares a mais. E essas pessoas correm para seus
locais de trabalho, mas também correm para não desistir da vida, por mais que seja mesquinha.
E todos mantêm viva a esperança de obter sucesso, apesar de seus salários baixos (de fome), o
“se dar bem” dos poetas.
As pessoas pobres do Rio têm pouca importância, é como se fossem “extras” do filme
da vida. Extras são pessoas que fazem aparições temporárias como participantes que completam
as cenas do filme. Ganham um cachê simbólico, bem pequeno e alguns participam até de graça.
É muito comum, às portas das emissoras de televisão, haver filas de pessoas aguardando para
essas funções e muitos que aspiram à carreira artística têm esperança de que algum “olheiro”
as perceba e convide para um papel significativo. E então “elas se dariam bem”, ascenderiam
na pirâmide, seriam famosas .
Não é surpresa se afirmar que os pobres brasileiros, em sua mioria, pertencem às raças
negra ou parda. Daí a nova metáfora:
A conjunção mas tem seu sentido mais completo neste trecho. Indica contradição,
adversidade, porque a intenção do artista, ao fazer o Cristo colossal com os braços abertos sobre
a cidade, era simbolizar a proteção de Jesus sobre seus habitantes. Mas, para o poeta, apesar
dos braços abertos, o Cristo é indiferente aos problemas sociais de seus protegidos.
Essa mesma ideia viria a ser veiculada na música de Gilberto Gil e Milton
Nascimento“Sebastião”, em que os poetas retomam a figura histórico-religiosa de São
Sebastião, protetor do Rio de Janeiro, que morreu com o peito cravado de flechas para mostrar
a vulnerabilidade em que se encontram os moradores da cidade:
Sebastian, Sebastião
Diante de tua imagem
Tão castigada e tão bela
Cada parte do teu corpo
Cada flecha envenenada
Flechada por pura inveja
É um pedaço de bairroé uma praça do Rio
Enchendo de horror quem passa5
Em “O Trem para as estrelas”,o eu-lírico afirma que vai “forrar suas paredes com
recortes de jornal, para mostrar que não é nada sério”:
Nestes veros, temos, inicialmente, inicialmente, uma metonímia, porque o poeta vai
forrar as paredes do seu quarto de miséria e não as paredes de si mesmo. A metonímia insinua
uma identificação do poeta com seu quarto, como se fossem um só: as paredes do quarto e as
do poeta. As manchetes de jornal só mostram tragédias, crimes, tristezas, mas que são
rapidamente esquecidas, substituídas por outras manchetes no dia seguinte. Assim, o poeta
pretende mostrar que os problemas sociais e as tragédias, de tão repetidos, são lugares comuns
e o público se torna indiferente. E o poeta gostaria também de pensar assim. O pleonasmo em
“minhas paredes/do meu quarto” reforça a identificação entre o poeta e seu quarto: ambos são
miseráveis ou o poeta se sente assim, tão miserável quanto o seu quarto, que é o quarto de todos
os brasileiros.
E, para terminar, os versos ácidos:
Nesses versos, o“você” representa a ideologia, sobretudo a religiosa, que diz que as
pessoas precisam sofrer para serem felizes depois (no céu). Claro que representa, ao mesmo
tempo, o interlocutor do eu-lírico.Nesse contexto específico, o “você” poderia ser o verdadeiro
Cristo (que para ele é igual ao de pedra), em quem o eu-lírico, certamente não acredita e pensa
ser uma ilusão para manter as pessoas acomodadas diante da miséria e da injustiça. Isso reforça
a simbologia do título, porque as pessoas esperam que a religião seja uma forma de se salvar
depois, já que o hoje é de miséria e de vulnerabilidade. E esperam esse trem para as estrelas,
sem lutar para mudar o agora, único tempo que o indivíduo tem em mãos para mudar o mundo
e “fazer acontecer”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo encetou uma análise estilística da bela música de Cazuza e Gilberto Gil, que
é o tema de filme com o mesmo título. O filme coloca em cena a odisseia de Vinícius/Vina
(Guilherme Fontes) à procura de sua amada Eunice/Nicinha (Ana Beatriz Witgen), e a busca
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de sua consagração como músico. Foi produzido em 1987, dirigido por Carlos (Cacá) Diegues,
A canção “Um Trem para as Estrelas” foi composta por Cazuza em parceria com Gilberto Gil,
para ser o tema do filme e faz, parte da trilha sonora6 .
Buscou-se mostrar que as palavras veiculam sentidos e, ao mesmo tempo, os constroem
imagens poderosas na mente do ouvinte. Nesse poema, o eu-lírico parte de uma analogia entre
o Cristo Redentor (estátua) e o Cristo ( ser religioso). Ao fazer essa analogia, os poetas mostram
o seu ponto de vista, de que as pessoas são esquecidas pelos governos e pelos sistemas
ideológicos e bem pouco recebem do mundo, no qual se sentem como participantes de um filme,
mas apenas como “extras”, sem importância, desempenham um papel secundário na vida e têm
esperança de um dia alcançarem a felicidade, num “trem para as estrelas”.
REFERÊNCIAS
CARRETER, Lázaro; LARA, Cecília de. Manual de explicação de textos. 1973, p. 25-48
MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à estilística. São Paulo: Editora USP, 1990
MELLO, Gladstone Chaves de. Ensaio de estilística da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Editora Padrão, 1976.
Sites consultados:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12739/cazuzahttps://enciclopedia.itaucultural.or
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https://www.vagalume.com.br/gilberto-gil/sebastian.html
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id
=281&Itemid=1
6 Disponível em: Crítica Cultural (Critic), Palhoça, SC, v. 7, n. 2, p. 362 -371, jul./dez. 2012
https://www.culturagenial.com/monumento-cristo-redentor
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