Antunes (2009) - A Coesão Como Propriedade Textual - Bases para o Ensino Do Texto

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Calidoscópio

E-ISSN: 2177-6202
[email protected]
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Brasil

Antunes, Irandé
A coesão como propriedade textual: bases para o ensino do texto
Calidoscópio, vol. 7, núm. 1, enero-abril, 2009, pp. 62-71
Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=571561886007

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Calidoscópio
Vol. 7, n. 1, p. 62-71, jan/abr 2009
© 2009 by Unisinos - doi: 10.4013/cld.2009.71.06

Irandé Antunes
[email protected]

A coesão como propriedade textual: bases para


o ensino do texto
Cohesion as a textual property: Foundations for the
teaching of texts

RESUMO – A proposta fundamental da Linguística de Texto consiste ABSTRACT – The fundamental aim of Text Linguistics is to broaden
em ampliar o seu objeto de investigação com a finalidade de apreender its object of investigation in order to apprehend language as a whole,
a linguagem em sua totalidade, isto é, em sua dimensão de sistema em i.e. in its dimension of a potential system as well as a system in use. In
potencial e de sistema em uso. Acontece que, em funcionamento, o its functioning, in fact, the system occurs only as textuality, showing
sistema somente ocorre sob a forma da textualidade, o que evidencia o the relevance of texts and their properties. Coesion is one of these
caráter de relevância do texto e de suas propriedades. A coesão revela- properties, providing and signaling sequencial continuity, which,
se como uma dessas propriedades, destinada a prover e a assinalar a in correlation with conceptual continuity, assures great part of text
continuidade sequencial, que, em correlação com a outra, de natureza coherence. Language teaching, adopting a strict syntactic perspective,
conceitual, assegura grande parte da coerência do texto. O ensino das has focused on the analysis of words and sentences, without considering
línguas, numa perspectiva meramente sintática, centrou-se na análise the activity of language as a discursive and interactional process. On the
da palavra e da frase e perdeu de foco a atividade da linguagem como basis of Text Linguistics, we hope that schools turn their pedagogical
um processo discursivo e interacional. Com base nos princípios da Lin- attention to texts and their properties, paying close attention to cohesion
guística de Texto, espera-se que a escola saiba colocar no foco de sua and coherence.
atenção pedagógica o texto e suas propriedades, com atençao especial
para a coesão e a coerência.

Palavras-chave: texto, coesão, continuidade, coerência, unidade tópica. Key words: text, coesion, continuity, coherence, topic unity.

Introdução Nessa dimensão global, a textualidade supõe, por


um lado, no domínio do sistema, um conjunto de regula-
Defendo, com os que fazem a Linguística de Texto, ridades provenientes dos diferentes estratos linguísticos.
que a investigação linguística deve, progressivamente, alar- Supõe, por outro lado, no domínio da realização, outras
gar as dimensões de seu objeto, mais do que lhe tem sido regularidades, não menos relevantes, decorrentes das
possível com os estudos da língua enquanto sistema virtual, condições situacionais em que acontece a atividade verbal.
apenas. Não raro, dentro dos limites reducionistas destas Considera, também, a estreita interdependência entre esses
abordagens, perde-se a caracterização da complexidade e da dois domínios, de modo a fazer ganhar sentido a inclusão,
amplitude inerentes à prática do exercício linguístico. Pouco no terreno da Linguística, de questões, por muito tempo,
ou nenhum relevo tem sido emprestado, por vezes, à deter- escusas e marginais.
minação das regularidades textuais e pragmáticas. A língua, A textualidade fundamenta-se, portanto, no caráter
por esse viés, parece inteiramente autônoma e desvinculada sistemático e na dimensão funcional da língua, cuja exis-
das condições políticas e sociais de sua história. tência, já como entidade virtual, se justifica e se completa
O crescente interesse pelas questões da textualida- pela múltipla e diferenciada utilização que dela fazem os
de justifica-se por esse empenho da Linguística de alcançar seus usuários.
a totalidade de seu objeto e apreender a dimensão global Dada a relevância de todo o domínio conceitual
da língua, que, por um lado, se define como sistema virtual relativo à textualidade, disponho-me a empreender, neste
e, por outro, se afirma como destinada à utilização em momento, uma outra ‘olhada’ sobre o tema da coesão,
situações concretas da interação sociocomunicativa. uma das propriedades que confere ao texto a continuida-

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de semântica necessária à sua coerência linguística. Por aleatória de palavras e um texto. Parece inteiramente razo-
outras palavras, numa espécie de revisitação do tema, ável admitir que, mesmo intuitivamente, tal discernimento
pretendo oferecer uma síntese dos princípios que deram tem em conta a forma como os elementos linguísticos se
fundamento teórico à propriedade textual da coesão, fo- dispõem e se organizam na superfície do texto. Ou seja,
calizando as funções que ela desempenha na construção distingue-se um texto de um não-texto, também, pela
articulada do texto que resulte coerente. Em seguimento sequência que as palavras assumem.
a esses fundamentos teóricos, ganhou interesse a pesquisa É verdade que um texto não se faz unicamente
em torno do texto e de suas propriedades. A volta a esse com palavras. Ou seja, um texto requer mais que o apa-
tema justifica-se, portanto, não só pela relevância do tema rato linguístico perceptível. O sentido global que veicula
mas também pelo fato de a escola ainda parecer alheia à ultrapassa as unidades que assentam sobre sua superfície.
exploração didática das propriedades textuais, embora Contudo, é verdade que um texto se faz também com
remontem à década de 1970 os princípios teóricos que palavras que se acomodam na linearidade sequencial do
fundamentam a discussão. tempo ou do papel e que demandam padrões específicos
As considerações que se seguem assumem uma de organização, de maneira a poderem recobrar estatuto
forma pessoal de abordagem por pretenderem representar, de funcionalidade.
exatamente, a síntese a que fui chegando no estudo da Noutros termos, se é verdade que as palavras
questão, com base nos autores que indico. presentes ao texto não perfazem o todo de sua realização,
também é certo que, sem elas, não se fazem textos (eviden-
A textualidade temente, falo de textos linguísticos). Entretanto, também
é certo que, para constituírem textos, as palavras devem
O recurso à evidência empírica revela que a tex- sujeitar-se a determinados princípios de organização.
tualidade é a forma natural de realização das línguas, Retomo, assim, a conceituação da coesão com o
ou, por outras palavras, é o modo pelo qual os sistemas estabelecimento de um ponto:
linguísticos assomam à condição de sua atualização. A • um texto dispõe de uma superfície linguística,
língua tem, assim, na textualidade a “forma normativa” no interior da qual as palavras comparecem e
ou a “estrutura necessária” de realização, porquanto é sob subordinam-se a determinadas regularidades
a “conformidade textual” que os sistemas linguísticos de organização. Ou seja, toda sequência textual
ocorrem (cf. Schmidt, 1978, p. 164). requer padrões de encadeamento dos vários
Ou seja, na prática, qualquer interação verbal, segmentos que a constituem. Daí a consciência,
oral ou escrita, longa ou breve, independentemente, ainda, mesmo intuitiva, de que uma série aleatória de
das funções que cumpre, acontece em textos. Fora dessa palavras ou de sentenças não chega a constituir
condição, o que subsiste são unidades linguísticas em um texto. A coesão constitui um conjunto de
potencialidade. dispositivos que provêem esta organização da
Esse modo textual de ocorrência das línguas é superfície linguística do texto. Recobra im-
regulado por um conjunto de propriedades, linguísticas portância pela função que assume na criação
e extralinguísticas, que se interrelacionam e se interde- dos mecanismos instauradores da mencionada
pendem, de modo que a aplicação de cada uma se sujeita organização.
aos parâmetros de aplicação das outras. A coesão é uma
dessas propriedades textuais. A coesão e a continuidade superficial do texto

A propriedade textual da coesão Ocorre que toda organização da sequência textual


orienta-se para prover e assinalar o caráter de continuidade
A coesão e a organização da superfície do texto que deve marcar as instâncias textuais.
Por outras palavras, se o texto dispõe de uma su-
No exercício comum da linguagem, como nos perfície que deve estar organizada e, para isso, concorrem,
demais domínios da experiência, o conceito de coesão, entre outros, os dispositivos coesivos, tal organização
de uma forma geral, aplica-se aos dispositivos utilizados se destina a assegurar a continuidade necessária para
pelas pessoas para ligar e pôr em relação os diversos que a sequência possa ser reconhecida como coerente e
segmentos com que pretendem construir suas unidades de apropriada.
comunicação. Tais dispositivos ganham maior relevância A continuidade a que se tem referido significa não
quando a unidade em construção é o texto, pois é aí que a contiguidade imediata que pode existir entre os vários
as articulações assumem maior complexidade operacional membros de um conjunto, um a seguir a outro, extremida-
e de função. de com extremidade, como numa série sem alternâncias.
Frequentemente, tem-se feito referência às habili- Visto apenas linearmente (o que, evidentemente, não se
dades dos falantes para distinguirem entre uma sequência aplica a estas considerações), o texto é uma fileira de

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palavras, uma sequência de frases ou de parágrafos. No em conta a ordem de aparecimento dos segmentos que o
entanto, a organização a que tais segmentos se submetem, constituem”.
e que está aqui em causa, não corresponde a esta disposi-
ção em linha, por mais que, para isto, aponte o aspecto da A coesão e as dimensões micro e
superfície sonora ou visivelmente perceptível do texto. A macroestruturais do texto
organização em apreço é de outra ordem, porque se destina
a promover um outro tipo de sequência, ou, a sinalizar um Convém ressaltar mais um aspecto da organização
outro tipo de linha a ser, apesar dos torneios, recuperada textual, com o qual estão relacionados os recursos da
em sua continuidade. coesão.
Nesta altura, um segundo ponto, agora mais geral, A continuidade sequencial do texto, que está em
pôde ser formulado nos seguintes termos: correlação com os conceitos e as relações subjacentes,
• as regularidades de organização a que as palavras acontece sob duas formas:
se submetem na superfície do texto destinam- • numa dimensão microestrutural, ou local, con-
se, entre outros fins, a prover e a assinalar a cernente com o nível pontual das subpartes da
continuidade do texto. Dessa forma, a coesão, sequência;
enquanto recurso desta organização superficial • e numa dimensão macroestrutural, ou global,
do texto, preenche a função de pôr em interre- concernente com o texto como um todo.
lação os vários segmentos que o constituem. O Tais dimensões possibilitam diferentes tipos de
encadeamento necessário para que uma sequên- articulação, cada um mantendo suas próprias redes de
cia de unidades linguísticas seja reconhecida relações, mas que, no final, se devem ajustar de forma a
como um texto é dado, também, pelos vários que resulte um todo unificado.
recursos coesivos. Em termos gerais, as regularidades de uma e de
outra dimensão são coincidentes, embora a organização
A coesão como marca da continuidade macroestrutural do texto esteja submetida a restrições
de sentido sintático-semânticas mais amplas e mais complexas.
Assim é que, para efeito da unidade global do texto, as
Os dois princípios acima apontados não chegam frases ou parágrafos que o formam não podem aparecer
a ser suficientes, pois não basta a organização da super- em qualquer sequência. Há restrições, não gramaticais,
fície do texto ou, ainda, a continuidade ensejada por esta que regulam a ordem que tais segmentos devem ocupar.
organização. As alternativas de continuidade são impostas pelo fluxo
Na verdade, as regularidades de organização que o plano particular do texto solicita.
impostas à sequência superficial do texto devem correla- Sob este ângulo é que cabe a admissão consensual
cionar-se com as regularidades de organização do mundo de que organizar um texto não é o mesmo que organizar
da experiência, real ou imaginada, cujo conhecimento uma sentença. E convém acrescentar que essa diferença
se pretende ativar pelo texto. Ou seja, a organização da não decorre, simplesmente, do fato de o texto ser mais
superfície deve estar em harmonia com a organização extenso que a frase. No texto, o conteúdo particular de
dos conceitos e das relações subjacentes, o que equivale uma frase é, normalmente, afetado pelo conteúdo das
afirmar que a continuidade da sequência textual deve frases precedentes ou subsequentes (como postulam, entre
ajustar-se à continuidade do sentido pretendido. Só nesta outros, Halliday e Hasan, 1976, p. 28).
dimensão se pode apreender a legítima providência e Enfim, construir um texto, macroestruturalmente
indicação da continuidade do texto. coerente, não implica simplesmente justapor uma série
Assim, a coesão engloba um conjunto de recur- de frases, ou de outro tipo de segmentos, por mais que,
sos que promovem e assinalam a correlação entre a isoladamente, tais segmentos estejam bem estruturados.
continuidade da superfície e a continuidade do sentido Além das restrições de caráter conteudístico, decorrentes
e concerne, assim, a uma “semântica da sintaxe”, como da organização esquemática do mundo natural e do mundo
propõe Beaugrande (1980). da cultura em que o texto circula, existem outras restrições
Em decorrência dessas considerações, a coesão é provenientes das convenções sociais que especificam os
definida como um fenômeno da organização superficial do diferentes gêneros de texto, com suas peculiaridades de
texto, orientado para o estabelecimento da continuidade organização e sequenciação.
semântica que a natureza comunicativa do texto impõe. Do conjunto dessas observações decorre que a
Por esta razão é que a continuidade de sentido do texto, coesão não se define, propriamente, como um recurso
parte significativa de sua coerência, não pode ser dis- intra ou interfrásico, embora aconteça, também, dentro
sociada da forma como se estrutura a continuidade da desses limites. Noutros termos, a propriedade da coesão
superfície. Como afirma Charrolles (1978, p. 12), “não se não se esgota com os recursos de ligar ou de conectar uma
pode interrogar sobre a coerência de um texto sem se ter palavra a outra, uma frase a outra. Não se reduz, portanto,

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a uma relação localizada entre duas unidades lexicais, por o princípio da distribuição da informação no movimento
exemplo, ou entre duas orações ou períodos. Inclui, e de dialético da continuidade e da progressão, da estabilidade
forma significativa, o estabelecimento de laços macroes- e da mudança, da permanência e da transitividade.
truturalmente estendidos ao domínio global do texto. Nesta perspectiva, muito contribuiu o trabalho de
Na verdade, processa-se, no texto, um curso bidi- Charolles (1978), no qual são propostas “quatro meta-
mensional de relações, as quais asseguram, por um lado, a regras de coerência”, das quais duas podem ser aqui su-
continuidade horizontal, no nível de cada microestrutura, mariamente referidas, dada a relação que guardam com
e, por outro lado, a continuidade vertical, no nível global esse aspecto particular da continuidade e da progressão
de sua macroestrutura. da organização textual.
A coexistência dessas duas dimensões da organiza- A primeira, que o autor denominou de “meta-regra
ção textual é um princípio fundamental no estabelecimento de repetição”, consiste no seguinte: “para que um texto
de sua relevância comunicativa, dado que um texto deve resulte coerente, é necessário que ele contenha, no curso
fazer sentido em cada um dos seus segmentos e, ainda, linear de seu desenvolvimento, elementos de recorrência”
em seu todo, ou seja, deve conter uma macroestrutura (Charolles, 1978, p. 14). A segunda, a “meta-regra da
microestruturalmente organizada, nos termos defendidos progressão”, completa a primeira, enquanto prevê que a
por Charolles (1978, p. 13). coerência de um texto resulta, também, de que o seu de-
senvolvimento contenha elementos informacionais novos
A coesão e a progressão do texto (Charolles, 1978, p. 20).
A coesão, já definida como recurso da continuidade
Se, por um lado, a organização superficial do texto do texto, assume, assim, uma outra significação, enquanto
deve assegurar seu caráter de continuidade, por outro, deve dispositivo relacionado também com a progressão do
providenciar, também, a necessária progressão a que se texto. Na verdade, não podia ser diferente, uma vez que
sujeitam todos os textos relevantes. Ou seja, se, na con- a continuidade e a progressão do texto são componentes
tinuidade da sequência do texto, através de reocorrências interrelacionados. O sentido que progride no texto está,
e de retomadas, algo se mantém, prevalece, sustenta-se – de alguma maneira, ancorado em elementos previamente
como na integridade de um fio que corre – algo, também, esabelecidos ou sedimentados (postula, entre outros,
nesta sequência, deve ir somando-se, acrescentando-se, Caron, 1988, p. 163).
ampliando-se, enfim, progredindo. As repetições, ligadas à continuidade do texto, são,
O exame da atividade comunicativa mais corriquei- portanto, mais que meras retomadas, pois ensejam, quase
ra evidencia a expectativa de que se cumpra esta espécie sempre, acréscimos ou ampliações de algo previamente
de “tensão”, ou de “contradição” (segundo afirmam Halté introduzido.
e Petitjean, 1978, p. 64) entre o dizer do ‘mesmo’ – repe- Noutras palavras, o que progride no texto sobrevém
tido ou retomado – e o dizer do ‘novo’. Qualquer texto, como parte a mais de algo que já foi posto, de maneira
sob condições normais, não flui indefinidamente sobre que o filão que continua é o mesmo que progride. Sem
o mesmo ponto, sem a ele, de uma forma ou de outra, rupturas globais. As descontinuidades parciais são apenas
acrescentar algum elemento de informação não sabido alterações do percurso que, ao longo do texto, vai conver-
previamente. gindo gradativamente para seu todo inequívoco.
Os sujeitos enunciadores administram esta espécie Caron (1988), em alusão a este caráter de progres-
de doseamento da informação, de forma a promover a são do texto, lembra como a “analogia clássica da língua
necessária harmonia entre o mesmo e o novo ativados pelo com o jogo” pode ser aqui evocada, no sentido de que cada
texto. A atenção ao contexto de ocorrência da interação é jogada, ao mesmo tempo que cria uma situação nova e,
fundamental para a determinação desse doseamento. Para consequentemente, modifica a situação precedente, tam-
tanto, está em jogo não apenas o aspecto quantitativo dos bém estabelece os limites permissivos e restritivos, para
elementos dado e novo, mas ainda a consideração daquilo as jogadas subsequentes (Caron, 1988, p. 167).
que, em cada situação, é relevante, seja como elemento de A unidade semântica do texto é construída, assim,
continuação do saber já instaurado, seja como elemento do no encadeamento hierárquico dos vários desmembramen-
saber proposto como novo. Adam (1990, p. 45) sublinha a tos que se orientam para a unidade global do texto e no
importância desse ponto quando define a textualidade como encadeamento dos desmembramentos que, paralelamente,
um equilíbrio delicado entre uma “continuidade-repetição”, confluem entre si.
por um lado, e “uma progressão” da informação, por outro. Neste particular, vale a pena lembrar a referência
Creio ter sido de toda pertinência estender ao ao fato de que o significado global do texto é muito mais
domínio do texto a noção de “dinamismo comunicativo” do que o resultado da soma dos significados parciais das
dos linguistas que desenvolveram o estudo da “perspectiva unidades que o constituem.
funcional da frase” (entre outros, Danes, 1974), nomeada- A coesão ressalta, assim, como um recurso de ex-
mente em termos do que constitui o seu núcleo, ou seja, trema importância para a relevância linguística do texto

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a qual, como se vê, ultrapassa encadeamentos locais e, de novas propriedades e por estratégias de controle que
mais ainda, encadeamentos de superfície. o enunciador exerce sobre o texto, quando reapresenta,
reitera, explicita, altera ou corrige esses elementos.
A coesão e a unidade global do texto Nesta perspectiva, ganha realce a coesão do tex-
to, ao mesmo tempo que se reafirma a não-linearidade
Pontualmente, ficou definida para o texto uma puramente sequencial da unidade temática do texto. Ou
exigência de organização, por sua vez, pautada sobre seja, no encadeamento em que o texto flui, aquilo que se
exigências de continuidade e de progressão micro e ma- enuncia, num dado instante, prepara o que vai ser enun-
croestruturais. ciado, reiterado ou alterado, em seguida.
O conjunto desses elementos aponta para um pon- O caráter de unidade do texto funciona, desta manei-
to, o qual, no que tange à coesão, ganha inteira pertinência: ra, como um guião que atua em duas direções: prospectiva-
a continuidade e a progressão do texto instauram-se com mente, enquanto levanta perspectivas em relação às quais
a função de assegurar a unidade global do texto. O filão a informação vai sendo organizada, e, retrospectivamente,
semântico subjacente à sequência linguística do texto e enquanto constitui o núcleo catalisador dos retornos, das
que provê a sua continuidade e progressão, conforme se retomadas constantes que perfazem o texto.
mostrou, objetiva um fim, um ponto de chegada, que une, Se poderia admitir que a progressão do texto seria
integra e unifica as partes, a saber, sua unidade tópica ou promovida, mais diretamente, pela formulação, enquanto
sua unidade temática. a continuidade seria garantida, mais especificamente, pelo
Essa observação pode ser dada como legitima- processo de reformulação.
mente contida nas noções de micro e de macroestrutura No entanto, a organização coesa e coerente de
do texto, pois se este é organizado local e globalmente o um texto resulta de um princípio unificador, de manei-
é em função da unidade temática que marca as realizações ra que, pela formulação, tanto acontece a progressão
textuais relevantes. quanto a continuidade, uma vez que nada é introduzido
Na verdade, a organização do texto, desde uma no texto sem vinculação com elementos precedentes ou
perspectiva sintático-semântica, funda-se na tríplice seguintes. Da mesma forma, pela reformulação, algo no
dimensão da continuidade, da progressão e da unidade texto continua, mas de forma a fazê-lo avançar, uma vez
comunicativas, conjugadas harmoniosamente, no sentido que cada retomada pode (e quase sempre o faz) envolver
de que se processam não numa contiguidade estrita e acréscimos ou alterações em referência ao já introduzido
linear, como já ressaltei. no espaço textual.
Assim, propõe van Dijk (1984), um texto apresen- O que, legitimamente, se pode aceitar, em atenção
ta, sem perder sua característica de continuidade, relações ao que, de fato, se observa, é uma vinculação entre o que
de diferença e de alteração uma vez que, por ele, não é formulado e o que é reformulado, entre o que continua
se diz continuamente o mesmo a respeito dos mesmos e o que progride, nos níveis locais da microestrutura e no
indivíduos. Em seu percurso, podem introduzir-se novos nível global da macroestrutura textual.
indivíduos, como podem atribuir-se novas propriedades Essas considerações remetem para a concepção
ou relações a indivíduos já referidos (por exemplo, uma do texto, enquanto “cadeia pronominal ininterrupta”
‘formiga’ que protagoniza uma fábula pode assumir dife- (cf. Harweg, 1978), bem como para observações acerca
rentes características ao longo da narrativa). de como o processo de substituição promovido por esta
Contudo, a introdução de novos indivíduos está, cadeia ultrapassa a mera retomada, pura e simples, de
de alguma forma, limitada por aqueles outros previamen- indivíduos ou propriedades sem acréscimos ou mudanças
te apresentados (ou implicitados). Da mesma forma, a (como comentam Brown e Yule, 1983, p. 201-204).
atribuição de novas propriedades deve, em certa medida, A coesão, enquanto elemento de construção desta
condizer com aquelas outras anteriormente estabelecidas. ‘cadeia ininterrupta’, não se destina a outro fim senão a
Restrições decorrentes do contexto prévio projetam-se em promover e a assinalar a unidade temática do texto, de
relação ao que ainda sobrevém (Halliday e Hasan explo- forma que este resulte relevante e apropriado, tanto do
ram bem esse ponto em sua obra de 1989, p. 94). ponto de vista cognitivo-linguístico, como do ponto de
O jogo que ocorre na conjunção desses fatores vista pragmático.
prende-se a um princípio de homogeneidade, decorrente Assim, se a coesão é definida como um fenômeno
do nível macroestrutural do texto, o qual, como disse, limi- da sequência superficial do texto, fundamenta-se, no
ta (no sentido de que orienta) a introdução ou a recorrência entanto, em fatores que transcendem esta superfície e
de um indivíduo ou de uma propriedade. que remontam ao funcionamento sociocomunicativo do
A unidade tópica (ou temática) do texto, atrás texto. Por este viés, fica claro que a coesão comparece à
referida, resulta, assim, de processos de formulação e superfície do texto no modo e na medida em que outros
de reformulação, caracterizados, respectivamente, por princípios da organização global do texto a requisitam e
operações que regulam a introdução de novos indivíduos, as condições pragmáticas da interação exigem. Assim, a

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coesão depende mais desses princípios e dessas condições lhe continuidade, é com base nas relações semânticas
do que de regras puramente gramaticais. existentes entre estas palavras, e é por isso que ocorre
A concepção da coesão textual revelou-se, portan- a continuidade de fato relevante para o funcionamento
to, muito mais ampla que aquela prevista pelo sistema abs- sociocomunicativo do texto. Afinal, a linguagem é uma
trato da sintaxe, onde não cabem operações de ponderação entidade semiológica.
dos participantes da interação verbal face à propriedade Consequentemente, a continuidade conferida pela
das escolhas a serem efetuadas. A amplitude desta coesão sequência das palavras na superfície do texto realiza e
derivou, por sua vez, de uma sintaxe também mais larga, indica a continuidade das inter-relações semânticas es-
que Beaugrande e Dressler (1981, p. 69) definiram como tabelecidas. Os recursos de coesão dessa superfície são,
“um modelo processual” que funciona em interação com portanto, ao mesmo tempo, operadores e sinais indicativos
os demais fatores da textualidade. daquelas inter-relações. Ou seja, a coesão estabelece e,
Em decorrência dessas condições é que recobra ao mesmo tempo, sinaliza relações semânticas entre os
sentido a afirmação da insuficiência da coesão. Se, por um vários segmentos de um texto. Dessa forma, a coesão, se
lado, a coesão constitui indicação relevante dos encadea- desvinculada do encadeamento semântico do texto, não
mentos conferidos ao texto, por outro lado, não preenche chega a ser significativa. Como afirma Beaugrande (1980,
a totalidade das exigências requeridas para o caráter da p. 134), “não são os recursos coesivos que fazem o texto
pertinência comunicativa do texto. coerente; a prévia suposição de que o texto é coerente é
que torna úteis estes recursos”. Evidentemente, este pa-
A coesão como relação semântica recer não neutraliza a importância da coesão no processo
da interação linguística. Um texto falho em elementos
Foi definida, nos segmentos anteriores, uma carac- coesivos, “do qual o locutor parece ter perdido o contro-
terização da coesão que sumarizo nos seguintes termos: le, induz a um julgamento imediato de incoerência” (cf.
• a coesão é um fenômeno que concerne à organi- Adam, 1990, p. 65).
zação dos elementos na superfície do texto, com
o fim de promover e indicar a continuidade das As funções textuais da coesão
ocorrências verbais, em correlação com a con-
tinuidade, a progressão e a unidade semântica Em alguns pontos dos itens anteriores, foi ficando
subjacentes e, ainda, em correlação com outras implícita a atribuição de funções à coesão na produção e
propriedades da textualidade. na interpretação da atividade linguística.
Cumpre-me, em seguida, definir o fundamento De certa forma, a própria conceituação da coesão
que sustenta a continuidade da superfície do texto, a já implica uma definição das suas funções, no sentido de
qual, como adverti, se não é suficiente, também, não é que compreender ‘que coisa é a coesão’ envolve o enten-
infundada ou aleatória. dimento dos efeitos que ela produz.
Já avancei na caracterização desse fundamento
quando pus a continuidade da sequência superficial do A coesão como recurso da
texto em correlação com a continuidade dos conceitos e continuidade do texto
das relações subjacentes. Na verdade, o teor continuativo
conferido ao conjunto verbal do texto, pela coesão de Se se retomam as noções básicas com que se de-
seus elementos, funda-se na relação semântica que se finiu a coesão, constata-se que a noção de continuidade
estabelece entre estes mesmos elementos e ganha sentido assinalou uma espécie de núcleo do qual foram derivados
na unidade semântica do texto. todos os outros pontos. Na verdade, a orientação teórica
Com base nessa ideia, e apoiada em Halliday e pertinente, quer de Halliday e Hasan (1976), quer de
Hasan (1976), trago à tona a noção de que a relação impli- Beaugrande e Dressler (1981), faz derivar desse caráter
cada na coesão do texto é uma relação, fundamentalmente, continuativo da superfície do texto a função primordial
semântica. Ou seja, a continuidade da superfície que a da coesão.
coesão, em certa medida, cria e assinala – e que chega a Embora, reitero, um texto não se reduza à sua
ser relevante na distinção entre um texto e um não-texto dimensão superficial, não deixa de ter valor a forma
– ocorre pelas relações semânticas que ligam os vários como as unidades linguísticas, aí, se organizam. A coesão
elementos desta superfície. entra, assim, como recurso dessa organização, em ordem
Daí que a coesão, embora se revele como fenô- ao estabelecimento da continuidade do texto, isto é, da
meno da superfície do texto, funda-se, na verdade, como relação que se cria entre uma parte e outra do texto,
reiteradamente afirmam Halliday e Hasan, em “relações ou entre aquilo que é dito e os segmentos precedentes e
de significado” (veja-se, por exemplo, Halliday e Hasan, seguintes.
1976, p. 4, 6, 10, 303). Se as palavras arranjam-se na Halliday e Hasan (1976, p. 299-303), nesta mesma
sequência do texto, conforme seja necessário conferir- linha de consideração, advogam que a continuidade aqui

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em apreço não se reduz a um fator meramente adicionado É previsível que a superfície do texto contenha seg-
ao texto, mas constitui um elemento necessário, “um fator mentos chaves que representem a expressão linguística da
primário”, para sua composição e inteligibilidade. Como introdução, da formulação, da recapitulação ou da síntese
dizem, a continuidade que resulta da coesão funciona do tópico ou dos subtópicos do texto.
como expressão dos “pontos de contacto” entre os vários Tais segmentos funcionam como instruções que
segmentos do fluxo textual (Halliday e Hasan, 1976, p. indicam o conteúdo mais geral ativado por um texto
299). Noutra passagem da mesma obra, estes autores particular. Do ponto de vista de quem fala ou escreve,
sublinham como os diferentes recursos coesivos “têm em esses segmentos, na verdade, expressam as estratégias de
comum a propriedade de assinalar que a interpretação de organização, distribuição e indicação dos sentidos globais
uma passagem depende de alguma coisa mais” (p. 13), pretendidos.
naturalmente, presente no curso do texto. Também é de se prever que, na construção de tais
Esses pontos de contacto, (ou, esses nós) e as re- segmentos macroestruturais, principalmente naqueles de
lações que se estabelecem entre eles, asseguram que algo reafirmação do tema central do texto ou de parte dele, bem
persiste, como um eixo condutor daquela unidade tópica como naquelas outras de reformulação, de recapitulação
do texto. É esta espécie de fio continuador que possibilita ou de síntese, o enunciador se valha de repetições e de
ao ouvinte ou leitor suprir os elementos não presentes à outras retomadas lexicais, por exemplo. Noutras palavras,
sua superfície, mas, ainda assim, necessários para a sua é suposto que as reutilizações de unidades lexicais, para
adequada interpretação. Lembram Halliday e Hasan (1976, ficar apenas neste domínio, ocorram com mais incidência
p. 300) que as interações linguísticas estão “cheias de nesses pontos estratégicos de indicação do conteúdo mais
vazios” e funcionam, na verdade, como um puzzle em que geral que se pretende comunicar.
faltam algumas peças. Isto significa que a continuidade em Nestes termos, pode-se destacar como uma segun-
questão não é tão linear como poderia parecer. De fato, o da função da coesão:
texto também comporta uma espécie de descontinuidade, • a indicação dos fundamentos macroestruturais
no sentido de que nem tudo precisa ser posto na linha de sua do texto, com referência aos quais se pode, mais
realização material. A vinculação do que se ouve e do que se facilmente, reconhecer e recuperar a unidade te-
lê com os segmentos precedentes e subsequentes constitui mática do texto ou de uma das suas subpartes.
uma via de acesso aos sentidos pretendidos, mesmo na falta Essa função da coesão está naturalmente implicada
de um ou outro elemento superficial. na primeira. Destaco-a, no entanto, não só por sua impor-
Assim, uma primeira função da propriedade da tância no tratamento do texto como um todo, mas ainda
coesão é definida: pela consciência de que a continuidade do texto representa
• prover e assinalar a continuidade da organização apenas um aspecto desta mesma unidade.
superficial do texto. Em síntese, estas duas funções da coesão relacio-
Essa função pode ser vista em relação ao duplo nam-se, quer com a dimensão local dos vários segmentos
aspecto da composição e da interpretação do texto, abran- textuais, quer com a outra dimensão do texto na sua glo-
gendo assim: balidade. A formação das unidades linguísticas em nexos,
• a continuidade do texto que é provida e assinala- e destes em cadeias coesivas, assegura a continuidade do
da pelos recursos coesivos léxico-gramaticais e texto; por outro lado, as relações subjacentes que integram
que interfere na criação da unidade do texto; as várias cadeias entre si promovem a sua unidade.
• a continuidade do texto que possibilita ao ouvinte Dessa forma, a coesão funcionalmente relevante é
ou ao leitor reconstruir a unidade pretendida, aquela que assegura a continuidade e a unidade do texto.
inclusive, pela restauração dos elementos omi-
tidos no texto, mas que são necessários para sua A coesão: um recurso suficiente?
interpretação.
É de algum interesse, inclusive para a compreen-
A coesão como recurso da unidade do texto são global do fenômeno, considerar o lugar que a coesão
ocupa no cômputo geral dos componentes formadores
Como foi referido mais atrás, a continuidade do do texto.
texto não subsiste por si mesma, nem se sustenta em si Nas considerações precedentes, principalmente
própria. Decorre da condição de unidade do texto. quando foi focalizado o conceito e a função da coesão,
A esta unidade, conforme observei, corresponde há elementos, suficientemente fartos, que indicam o papel
a dimensão macroestrutural do texto, cuja natureza, do da coesão na constituição do texto.
ponto de vista cognitivo, depende de como se apreende Um ponto destacado foi, sem dúvida, o aspecto da
a informação global veiculada pelo texto e de como tal continuidade da superfície do texto, como via de acesso
informação se organiza na memória do ouvinte ou do leitor à continuidade dos conceitos e das relações subjacen-
(cf. Dijk, 1984, p. 232). tes. Tal continuidade tem sentido enquanto assegura a

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unidade tópica (ou a unidade temática) do texto, sem Os pontos fundamentais de toda essa proposta teóri-
a qual a interação linguística fica comunicativamente ca foram, nas décadas seguintes à de 1970, retomados e, de
comprometida. certa forma, ampliados, sobretudo pelo enfoque cognitivista
Ocorre, no entanto, que a coesão constitui, apenas, e pragmático que assumiram. De fato, o desdobramento que
parte dos dispositivos linguístico-textuais que se destinam as discussões sobre o texto tiveram no âmbito dos estudos
a garantir a continuidade e a unidade textual referidas. da linguagem resultou numa série de questões, que têm sido
Apesar de a coesão ter sido definida como um recurso aprofundadas, consolidadas e têm, cada vez mais, elastecido
“comum ao texto de toda espécie” (cf. Halliday e Hasan, a compreensão da atividade de textualização.
1976, p. 13), não se pode admitir que a coesão abarque, Nesse sentido, pode-se referir o enfoque discur-
sozinha, os mecanismos de criação do texto. O que capa- sivo, portanto mais sociocognitivo e pragmático, que
cita as pessoas para discernirem sobre o que podem ou tem recebido o estudo do texto, com destaque para o
não aceitar como texto ultrapassa a mera ocorrência de entendimento do processo de referenciação, onde ganham
expedientes coesivos. relevância temas como a inferenciação, as operações de
Numa tentativa de esclarecer essa questão, pode-se nominalização, o acessamento ao conhecimento prévio, a
enumerar, a seguir, os elementos que, ao lado da coesão, constituição das cadeias coesivas que agrupam as referên-
constituem, para Halliday e Hasan (1976), outros dispo- cias (anafóricas ou cafóricas) aos objetos de discurso, etc.
sitivos de criação do texto: Por essa perspectiva, a coesão, no âmbito da construção
• o conjunto de fatores externos, não linguísticos do texto, tem sobressaído, sobretudo, enquanto operação
e situacionais, envolvidos na interação linguís- sociocognitiva que um sujeito enunciador, na interação
tica e com o qual está relacionado o registro do com outro ou outros, realiza em função das exigências
texto; contextuais em que se insere a atividade de linguagem.
• o conhecimento de informações prévias; Assim, a coesão, não é uma propriedade do texto, simples-
• os elementos que fazem a “estrutura interna” mente; quer dizer, não é externa à ação discursiva de um
das frases, ou a coesão estrutural prevista pela sujeito enunciador. Resulta de uma disposição do sujeito
própria gramática da língua; enunciador para regular sua atividade de linguagem –
• a superestrutura do texto, ou seja, aqueles padrões “dirigida a” – e adotar, assim, as estratégias necessárias a
que permitem o reconhecimento de um texto fim de conseguir que sua atuação seja comunicativamente
como sendo de um ou de outro tipo, de um ou inteligível e pragmaticamente relevante (cf. Koch, 2004;
de outro gênero. Adam, 2008; Bronckart, 1999, 2008; Marcuschi, 2008).
Na abordagem de Beaugrande e Dressler (1981), a Os estudos sobre os gêneros textuais também têm
questão da insuficiência da coesão aparece expressamente acentuado esse enfoque pragmático das propriedades do
resolvida toda vez que esses autores fazem referência à texto. Nesse âmbito, a saliência da coesão é explicitada
coesão como sendo apenas uma das propriedades que mais em referência às práticas discursivas em realização
constituem o texto. Com efeito, na proposta de uma textu- do que às ligações (mesmo semânticas) entre unidades da
alidade complexa e comunicativamente relevante, cabem sequência do texto. Ou seja, na análise dos gêneros, a coesão
muito mais elementos que o encadeamento sequencial da é vista, sobretudo, pelo prisma da ligação entre as ações
superfície do texto, mesmo que tal sequência seja formada de linguagem efetuadas nos vários blocos que compõem
por unidades menores estruturalmente bem formadas. a unidade de cada gênero, bem como pela articulação que
Conclui-se, assim, pela grande importância funcional se instaura entre a forma composicional do gênero, seu
da coesão no estabelecimento e na indicação das relações propósito comunicativo, seu núcleo temático. Ganha relevo
semânticas que asseguram ao texto sua relevância comunica- ainda a consideração do intertexto, como resultado dos mo-
tiva. No entanto, aceita-se também o aspecto apenas parcial delos sócio-históricos em circulação nos grupos humanos.
da função deste dispositivo. A globalidade da atividade Como se vê, se extrapola uma concepção marcadamente
verbal requer outros meios para além daqueles propriamente linguística do texto e, consequentemente, de suas proprie-
linguísticos. A intervenção humana, no controle da atividade dades, para alcançar a articulação entre ações e estratégias
verbal, autoriza a que se passe, aos sujeitos gestores da prática de composição de um determinado gênero.
interativa, o poder, embora relativo, da última decisão.
Em suma, a coesão se define como um recurso do O ensino do texto: a particularidade da coesão
encadeamento dos segmentos do texto, de maneira que seja
assegurada a necessária continuidade e a imprescindível Compreender em que consiste a coesão, reconhe-
unidade que caracterizam as realizações textuais apro- cer quais as funções que desempenha para a organização
priadas e relevantes. Se não esgota os meios requeridos coerente do texto corresponde à primeira condição para
para que esta continuidade e esta unidade se efetivem, que se possa desenvolver um trabalho relevante de ensino
representa, ainda assim, uma das condições para que seja do texto. Em geral, se pode atestar que os professores do
providenciada a coerência da textualidade. Fundamental e Médio, sobretudo aqueles não formados

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em Letras, têm uma ideia muito indefinida acerca do que é Urge, pois, a introdução de um programa de estudo
a coesão do texto. Intuem que se trata de uma propriedade da língua que seja eminentemente discursivo e textual.
do texto; alimentam a suposição de que um texto coerente Quer dizer, que se centralize no estudo do discurso e do
deve estar coeso, mas não têm muita clareza quanto aos texto e, para isso, é que procure chegar até a gramática.
dispositivos que promovem e assinalam essa coesão e, O que ocorre, ainda atualmente, é o inverso: o foco do
assim, não sabem explicar por que um texto não tem ensino é a gramática (melhor dizendo, a nomenclatura e
coesão, por exemplo. as classificações gramaticais); o texto apenas exemplifica
Essa falta de clareza não é aleatória. Tem suas as diferentes categorias gramaticais.
causas. Até recentemente, as propriedades da textua- Por que, podemos nos perguntar, a escola ainda não
lidade não constavam dos programas de ensino, nem superou essa quase obsessão pelo estudo da metalingua-
mesmo dos cursos de Letras, apesar, como vimos, de gem gramatical? Por que não se decide a criar condições
essa discussão já estar em campo desde os meados do para que os professores possam priorizar as questões
século passado. Igualmente, os livros didáticos se omi- discursivas e textuais, em práticas pedagógicas de leitura,
tiam quanto ao estudo dessas propriedades. Como tem de escrita e de análise de materias textuais?
sido fartamente divulgado, esses manuais e até mesmo Uma alternativa relevante para alcançar essa
algumas Gramáticas que lhes serviam de suporte, se limi- centralidade no texto é a exploração de seus recursos de
tavam à exploração das classes gramaticais, das funções coesão e de suas condições de coerência.
sintáticas dos termos de uma oração ou da classificação Nessa exploração, entram elementos da gramática
dos períodos. Prevaleciam, por este viés, as atividades e elementos do léxico. No âmbito da gramática, podía-
de formar, de completar e de analisar frases, sempre, na mos lembrar, por exemplo, o uso dos artigos e de todos
perspectiva puramente morfológica ou sintática e, não, os pronomes na continuidade referencial do texto; o uso
na perpsectiva do uso funcional (e, necessariamente, dos diferentes conectores (preposições, conjunções, ad-
textual) da linguagem. O texto ficava de fora dessa vérbios e respectivas locuções) na conexão entre palavras,
programação (lamentavelmente, ainda fica; em muitas entre orações, períodos ou parágrafos; ou seja, o uso de
escolas do país – de norte a sul!). Ou aparecia, apenas, diferentes marcadores que assinalam a articulação entre
enquanto exemplar onde se podia reconhecer a presença segmentos do texto. No âmbito do léxico, podíamos
de uma categoria gramatical qualquer. lembrar a ocorrência de substantivos como núcleos das
Acontece que os estudos do texto têm avançado expressões referenciais, o uso de verbos como elementos
significativamente. Atualmente, são comuns as pesquisas centrais da predicação; o uso de sinônimos, de hiperôni-
e os estudos sobre questões textuais, como aquelas liga- mos como elementos da equivalência referencial; o uso
das aos tipos e aos gêneros de texto, à intertexualidade, de palavras de sentido afim como marcas da concentração
à coesão, à coerência, ao processo da referenciação, às tópica do texto, etc. (Em Antunes (1996, 2005), em Discini
atividades de leitura e de escrita, aos conceitos de alfabe- (2005), Marcuschi (2008), em Adam (2008), para citar
tizaçao e letramento, à conversação, entre muitos outros. apenas esses, podem ser vistos textos que exemplificam
Ou seja, hoje, os limites para entendimento da linguagem os diferentes recursos de textualização que se encontram
são bem mais amplos que aqueles centrados na gramática, referidos aqui).
na sua estrutura e na ‘correção’ de seus usos. Explorar a coesão é, de certa forma, explorar
O ensino empreendido na escola não pode ignorar também a coerência do texto. Consequentemente, o que
essa abertura de perspectiva a que tem sido submetida passa a ter importância é a avaliação de como usamos o
a atividade da linguagem. Os índices com que se lê o léxico, as categorias gramaticais, as estratégias cognitivas
desenvolvimento do país apontam para uma ineficiência e textuais para conferir sentido ao que dizemos, ouvimos e
da escola, que a despretigia e descaracteriza a função do lemos. Ou seja, por essas perspectivas, o que focalizamos
professor. De fato, como a escola pode ganhar o reconhe- é o funcionamento real das atividades de linguagem na
cimento e a apreciação social, se os alunos, mesmo no experiência nossa de cada dia.
final do ensino médio, mostram significativas dificuldades Em suma, o texto é um terreno onde acontecem
para lerem ou escreverem um texto mais complexo e mais todos os fenômenos de ocorrência da língua, onde todas
distante da coloquialidade do cotidiano informal? as regularidades de uso da linguagem podem ser surpreen-
Como adiantei acima, o fato de os alunos não apre- didas. Não precisa inventar frases (‘formar frases’, como
sentarem essas competências é apenas consequência de um se diz na escola) para se explorar as questões linguísticas.
ensino que se distancia das reais condições de realização As frases só ganham relevância quando são partes de
das atividades de linguagem, isto é, de um ensino que não um texto. Fora disso, são hipóteses; algumas, por vezes,
se centra na exploração das tipologias, das estratégias e pouco plausíveis, pela ausência da funcionalidade e da
operações sociocognitivas, das regularidades linguísticas, dialogicidade que marcam o uso da linguagem.
textuais e pragmáticas de atuar verbalmente, ou seja, de Evidentemente, a opção por fazer do texto, oral
entender e compor textos. e escrito, o eixo do ensino traz repercussões para a or-

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ganização da escola como um todo. Para começar, todos BEAUGRANDE, R. 1980. Text, discourse and process: Toward a mul-
– gestores, educadores de apoio, professores (de todas as tidisciplinary science of texts. London, Longman, 351 p.
BEAUGRANDE, R.; DRESSLER, W. 1981. Introduction to text lin-
disciplinas) e, por extensão, pais dos alunos – devem estar guistics. London, Longman, 270 p.
convencidos da relevância dessa opção. Além disso, os BRONCKART, J.-P. 1999. Atividade de linguagem, textos e discursos:
professores precisam dispor de boas condições de trabalho, por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo, EDUC,
o que implica, entre outras providências, oportunidade 353 p.
BRONCKART, J.-P. 2008. O agir nos discursos: das concepções
de continuar sua formação, tempo para planejar suas teóricas às concepções dos trabalhadores. Campinas, Mercado
atividades, boa biblioteca, salas de aula não superlotadas. de Letras, 208 p.
De fato, a opção pelo texto, pela dimensão discursiva da BROWN, G.; YULE, G. 1983. Discourse analysis. Cambridge, Cam-
linguagem em uso, é, no final das contas, a opção por um bridge University Press, 288 p.
CARON, J. 1988. Las regulaciones del Discurso: psicolinguística y
ensino de qualidade, que responda com eficácia às exigên-
pragmática del lenguaje. Madrid, Gredos, 294 p.
cias sociais da interação verbal relevante e adequada às CHAROLLES, M. 1978. Introduction aux problèmes de la cohérence
situações e aos eventos que implicam trocas verbais. des textes. Langue Française, 38:7-41.
Parece evidente ainda que, desde os cursos aca- DANES, F. 1974. Functional sentence perspective and the organization
dêmicos de formação dos professores até suas eventuais of the text. In: F. DANES (ed.), Papers on functional sentence
perspective. Mouton, The Hague, 222 p.
atualizações, o discurso, o texto, suas propriedades, suas DIJK, T. 1984. Texto y contexto, Madrid, Cátedra, 357 p.
regularidades, suas estratégias de construção e de com- DISCINI, N. 2005. Comunicação nos textos: leitura, produção, exercí-
preensão, de sequenciação, de expressão de sentidos e de cios. São Paulo, Contexto, 414 p.
intenções precisam estar nas programações de estudo. Essa HALLIDAY, M.; HASAN, R. 1976. Cohesion in English. London,
Longman, 374 p.
é uma condição fundamental para que possamos sair da HALLIDAY, M.; HASAN, R. 1989. Language context and text: Aspects
‘constatação e da lamentação’ de que nossos alunos não of language in a social-semiotic perspective. 2ª ed., Oxford, Oxford
sabem ler nem escrever com coesão, relevância e coerên- University Press, 126 p.
cia, e cheguemos, enfim, à resolubilidade do problema. HALTÉ, J.-F.; PETITJEAN, A. 1978. Lire et crier en situation scolaire.
Langue Française, 38:58-73.
O que, de fato, a escola tem querido ensinar?
HARWEG, R. 1978. Substitutional text linguistics. In: W. DRESSLER
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Referências p. 228-246.
KOCH, I. V. 2004. Introdução à linguística textual. São Paulo, Martins
ADAM, J-M. 1990. Elements de linguistique textuelle - théorie et pra- Fontes, 190 p.
tique de l’analyse textuelle. Liège, Mardaga, 265 p. MARCUSCHI, L.A. 2008.Produção textual, análise de gêneros e com-
ADAM, J-M. 2008. A linguística Textual: introdução à análise textual preensão. São Paulo, Parábola Editorial, 295 p.
dos discursos. São Paulo, Cortez Editora, 368 p. SCHMIDT, S. 1978. Linguística e teoria do texto. São Paulo, Pioneira,
ANTUNES, I. 1996. Aspectos da coesão lexical: análise em editoriais 221 p.
jornalísticos. Recife, Editora da UFPE, 363 p.
ANTUNES, I. 2005. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo, Submetido em: 08/03/2009
Parábola Editorial, 199 p. Aceito em: 15/03/2009

Irandé Antunes
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Rua Conselheiro Nabuco, 151, Apto. 1402
Casa Amarela
52070-010, Recife, PE, Brasil

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