CTS Bruno Latour
CTS Bruno Latour
CTS Bruno Latour
volume 2, número 4
Bruno Latour
EXPEDIENTE DO BOLETIM
Este número do Boletim CTS em foco é uma justa homenagem a Bruno Latour e
sua influência na área dos Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias. Tanto
para os que utilizam sua abordagem, como para seus críticos, Latour é um autor
incontornável em muitos temas, principalmente em relação às implicações epis-
temológicas e metodológicas dos estudos CTS. Autor prolífico e criativo, a forma
como abordou as ciências e tecnologias influenciou diversas áreas do conhe-
cimento, tendo repercussão epistemológica e ontológica ao tratar da própria
constituição do conhecimento e as suas consequências políticas nas relações de
coprodução de mundos entre humanos e não-humanos e nas interações mais
corriqueiras que resultam em cristalizações chamadas de natureza e sociedade.
Latour deixou uma herança intelectual importante para além de questões me-
todológicas e teóricas propriamente ditas, pois mostrou-nos as possibilidades
daquelas para pensarmos as relações humanas como o planeta, as mutações
climáticas, o Antropoceno e uma política livre de uma modernidade purificado-
ra que separa saberes e priva-nos do potencial narrativo das associações e do
pluralismo ontológico, limitando a forma como se estabelece a complexidade
das redes entre agentes, agências e processos na formação de mundos.
Mais do que as respostas, são suas perguntas que formam a baliza mais impor-
tante para nos guiarmos por seu pensamento. A forma como delimitava proble-
mas (como as mudanças climáticas e o potencial colapso ambiental), para tra-
tá-los e melhor delimitá-los, mostrava seu espírito pululante para a reflexão e a
mobilização coletiva não apenas para uma saída intelectual stricto sensu, mas
enfrentá-los como condição ética para uma existência digna.
adriano premebida
Coordenador Geral do Boletim CTS em foco
sumário
7 Apresentação
arthur arruda leal ferreira e rosa maria leite ribeiro pedro
BIBLIOGRAFIA
crever uma carta a essa altura não será em vão. É preciso confessar que 2 Doutora em Ciências Sociais
ficamos, em um primeiro instante, quando recebemos a notícia, na ma- pela Universidade Estadual
de Campinas. Professora da
nhã daquele domingo em outubro, com a sensação do “e agora?”, mas a Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. E-mail: fatima.
percepção de que seu pensamento segue vivo, nos deu a certeza de que [email protected].
uma carta seria um bom caminho para nos mantermos próximas a ele.
Mas vamos lá. Tentando ser mais objetivas, então, pois já revelamos
que não queremos amofiná-lo, gostaríamos de pegar dois pontos já
mencionados aqui: o período da pandemia e nosso estudo com povos
originários. Em livro publicado no ano de 2020, o senhor nos mandou
um recado, e gostaríamos de falar sobre ele: “se a angústia é tão pro-
funda, é porque cada um de nós começa a sentir o solo ruindo sob
os pés. Descobrimos, mais ou menos confusamente, que estamos
todos migrando rumo a territórios a serem redescobertos e reocu-
pados” (LATOUR, 2020, p.14). Aqui, sentimos que se torna impossível
não mencionar o Ailton Krenak, líder indígena que também muito nos
inspira, e que nos diz, em seu último livro, que “não podemos nos ren-
der à narrativa de fim de mundo que tem nos assombrado, porque ela
serve para nos fazer desistir dos nossos sonhos, e dentro dos nossos
sonhos estão as memórias da Terra e de nossos ancestrais” (KRENAK,
2022, p. 37). A angústia que o senhor mencionou se faz menor a cada
passo que damos em direção à noção do futuro ancestral que o Krenak
levanta, quando redescobrimos e nos reconectamos com os saberes
ancestrais, e nos movemos por essa espiral em diferentes sentidos,
buscando reocupar outros espaços.
Adriana e Fátima.
AMARAL, Ana Carolina. Se o Brasil achar solução para si, vai salvar o
resto do mundo, diz Bruno Latour. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 set.
2020, Ambiente, Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/
ambiente/2020/09/se-o-brasil-achar-solucao-para-si-vai-salvar-o-resto-do-
mundo-diz-bruno-latour.shtml#:~:text=Se%20o%20Brasil%20achar%20
solução%20para%20si%2C%20vai,as%20principais%20questões%20
das%20próximas%20décadas%20estão%20visíveis>. Acesso em 01 jan. 2023.
KRENAK, Ailton. Futuro Ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
O que é uma Tese? Em certa perspectiva, é o encontro entre um obje- 1 Licenciado em Química,
professor do IEMCI/UFPA,
to e uma teoria forte. Pensando assim, decidi, ainda como projeto de doutorou-se com uma Tese
Doutorado, que examinaria aquilo que pretendia pesquisar, a Escola de sobre uma escola de química
que existiu nos anos 1920 em
Chimica Industrial do Pará2, tendo como “teoria forte” uma abordagem Belém do Pará, examinada na
perspectiva da Teoria Ator-Rede.
marxista para me guiar na construção de uma história da expansão co- A instituição, um híbrido, fundada
lonial na região amazônica; uma narrativa engajada na denúncia do im- pelo francês Paul Le Cointe,
era mantida pela Associação
placável e insaciável capitalismo transnacional a se apropriar de corpos Comercial do Pará, com quem o
cientista realizou negociações e
e mentes na região, oferecendo-se como única alternativa viável diante estabeleceu alianças, oferecendo
do desespero do fim da era do látex, a belle-époque amazônica. perspectivas de retomada da
pujança econômica depois do
fim da belle-époque amazônica
Durante a seleção para o Doutorado, em uma tarde tipicamente ama- em troca de recursos para
construir um laboratório de
zônica, quente e úmida, na sala onde aconteciam as entrevistas a res- pesquisas de produtos naturais
peito de intenções, projetos e tudo o mais, travei o seguinte diálogo amazônicos. [email protected];
[email protected]
com meu futuro orientador:
2 Essa instituição existiu durante
os anos 1920, mais exatamente,
futuro orientador (recostado em uma cadeira, pernas de 1921 a 1930. Era escola de
cruzadas, fala tranquila): - Você poderia me citar alguns auto- química industrial, nos moldes de
um conjunto de seis instituições
res que hoje utilizam o marxismo para fazer História da Ciência? desse tipo criadas no Brasil. Ver
MACHADO, 2016.
rientado como uma formiga tonta4, fui apresentado por um colega 5 Como era conhecida a Belém
da Belle Époque. No período
a um texto (FREIRE, 2006) que me falou pela primeira vez do Latour. estudado por mim, entretanto,
A leitura me abriu os olhos e me apontou outra obra, o Ciência em tal francesinha já estava de
mala pronta, vestidos surrados,
Ação (LATOUR, 2000), que li dando vivas. Achara, enfim, uma teoria perfume barato, frequentando
o cais de Belém tentando
forte que me permitia olhar para o mundo de uma forma absoluta- avidamente conseguir a qualquer
mente iluminadora; uma teoria que me permitia escrever de forma “li- custo uma passagem de volta
para o Velho Continente nos
terária”, etnográfica, histórica, como sempre sonhara fazer. Pouco an- paquetes da Booth Line...
REFERÊNCIAS
FREIRE, Letícia de Luna. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia
simétrica. Comum, Rio de Janeiro, v.11, n.26, p.46-65, Janeiro/junho, 2006.
HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios (1875-1914). São Paulo, Paz e Terra, 2010
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo homenagear Bruno Latour descrevendo um 1 Doutora em Ciências
Ambientais pela Universidade do
diálogo inspirado naquele em que um aluno aflito em “usar” a Teoria Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
Professora do curso de graduação
ator-rede (TAR) discute com o seu professor (LATOUR, 2012, p. 205-226).
em Ciência Ambiental da
Universidade Federal Fluminense
Trata-se da história do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de um (UFF). E-mail: vivianefernandez@
id.uff.br
aluno extremamente dedicado, questionador e reflexivo, que, depois
2 Doutora em Ciências
de muitas dúvidas sobre o tema que iria abordar, escolheu o próprio
Ambientais pela Universidade do
curso como objeto de estudo. O trabalho (TERRA, 2022) foi apresenta- Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
e Professora Adjunta da UERJ/
do em dezembro de 2022 e avaliado por uma banca examinadora que CEDERJ. E-mail: fatima_kzam@
yahoo.com.br
lhe conferiu a nota máxima.
3 Bacharel em Ciência Ambiental
O que poderia gerar esse diálogo, além de elogios e aplausos para pela Universidade Federal
Fluminense (UFF). E-mail:
um trabalho perfeito? A vontade de ser formiga, tanto da orientadora [email protected]
quanto do aluno. O aluno, por estar em vias de se apropriar do lápis da
teoria ator-rede (LATOUR, 2012). Já a orientadora, pelo aprendizado de
saber a hora de trabalhar e a hora de repousar, de aprender com a ci-
garra e esperar o momento certo para tecer comentários que importam
apenas para os que realmente pretendem suspender as dicotomias em
seu fazer científico (FERNANDEZ, MACEDO e BRANQUINHO, 2018).
O DIÁLOGO
aluno: Estou aliviado e muito feliz por ter concluído o curso. Eu con-
segui!
p: Sim! E com louvor. Seu TCC ficou impecável. Tão bom que eu não
tive nem coragem de colocar caraminholas na sua cabeça antes da
apresentação. Mas falei que havia pontos para conversarmos depois,
lembra?
p: Não é não. É apenas uma curva do seu rio e “um rio não é uma de
suas curvas”, certo? Essa curva está nos trazendo a oportunidade de
aprendizado.
p: Sim, para a TAR, tudo o que faz-fazer, que promove uma ação,
importa. Você lembra do livro “No tempo das catástrofes”, da Isabelle
Stengers, onde lemos sobre a arte de ter cuidado? É nesse sentido que
Latour propõe que façamos uma ciência mais cuidadosa, devagar, não
indo muito rapidamente para as afirmações.
p: Então, tudo faz sentido, está tudo perfeito, mas não é TAR. O que é
TAR no seu trabalho é a cuidadosa descrição, típica de uma formiga
míope, do seu percurso ao longo da graduação nos ambientes internos
e externos à universidade. Ela nos conta o que forma um profissional
poliperceptivo na prática, ela dá vida ao objetivo descrito no Projeto
Pedagógico do curso (PPC) que é “a formação de profissionais poli-
perceptivos dotados de saberes das diversas áreas de conhecimento e
capacitados em conhecimentos e habilidades que os possibilite a agir
ativamente, de forma eficaz, eficiente e com efetividade e congruência.
Esta capacidade interdisciplinar de analisar e de desenvolver soluções
é ponto central no processo de ensino-aprendizagem neste curso de gra-
duação” (UFF, 2021, p.19).
a: Não sei, acho que preciso trabalhar, sabe? Me sinto meio paralisado
em tantas reflexões filosóficas.
p: Boa pergunta! Você sabe que eu guardo meus rascunhos. Olha esse
desenho (Figura 1) e me diga o que acha:
p: Sim!!! E você ousou fazer esse relato. Está lindo. Apenas não disse
que estava fazendo isso. A contradição (ou seria controvérsia?) foi fa-
zer referência à TAR na sua metodologia, mas se agarrar demais em
a: Hummm. O que você acha desse título: “Do que é feita a forma-
ção de profissionais poliperceptivos no curso de Ciência Ambiental da
UFF? Um estudo autoetnográfico (2016-2022)”.
p: Uau!! Perfeito! Preciso te agradecer por ter topado incluir algo como
autoetnografia, autobiografia, escrevivência, no seu TCC. Eu gostaria
de investir na aproximação da TAR com essas abordagens nas minhas
pesquisas. Os estudantes estão me ajudando muito. Seus TCCs estão
atravessando a minha própria biografia de forma significativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
INTRODUÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Sou uma praticante das ciências, com licenciatura em ciências bioló- 1 Licenciada em Ciências
Biológicas e doutora em
gicas e doutorado em educação. Em 2019, recebi um cocar como agra- Educação pela Universidade
decimento do Kamasary Ademário Braz Ferreira, indígena Pataxó da Federal de Minas Gerais (UFMG),
com passagem pelas linhas
Aldeia Coroa Vermelha - Bahia, pelo trabalho que fizemos juntos, quan- de pesquisa “Educação e
ciências” e “Educação, cultura,
do atuei como orientadora da sua monografia de conclusão de curso movimentos sociais e ações
na Formação Intercultural para Educadores Indígenas na Universidade coletivas”. Atualmente, realiza
pesquisa com cientistas e com
Federal de Minas Gerais. Em 2022, recebi amigos em casa, que viram o comunidades de tradições da
matriz africana e atua como
cocar e me sugeriram emoldurá-lo. Eu disse que não o faria, pois ao me técnica em assuntos educacionais
presentear, Kamasary me orientou que quando eu participasse de um no Centro Pedagógico da
Escola de Educação Básica e
movimento com indígenas eu o vestisse. O cocar é um “vínculo”(atta- Profissional da UFMG. E-mail:
[email protected]
chement, em francês) que me faz ser afetada pelas questões de interes-
se dos povos indígenas (Cf. LATOUR, 2015, p. 123-146).
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
extensão, novas ações de trabalho e acadêmicas, novas realidades, 3 As nossas teses podem ser
associações, interações. consultadas pelas referências:
ANDRADE (2019) e FERRARI
(2020).
Este ensaio age como novo aliado na rede sociotécnica fluida, dinâ-
mica e ativa que buscamos apresentar. A rede sociotécnica Milho-
Xakriabá é ampla, densa e complexa. Mantém associados distintos
actantes humanos e não-humanos, dos quais destacamos indígenas,
pesquisadoras, universidade, teoria Ator-rede, semiárido, ciências
humanas (Educação, Etnografia, Antropologia da Ciência), ciências
agrárias, ciências indígenas do tempo, a mistura (como promotor
de resistência) e o corpo performado em sem deficiência a partir da
emergência do híbrido corpo-território. Tais aliados reforçam e fazem
circular relações e associações que fazem parte da rede sociotécnica
Milho-Xakriabá e contribuem na sua estabilidade-resistência.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Este artigo busca discutir, a partir da perspectiva da Teoria Ator-Rede 1 Professora Adjunta do
Departamento de Turismo
(ANT), cujo principal expoente é Bruno Latour (2012), possibilidades da Universidade Federal
de Juiz de Fora. Doutora
de pesquisas dirigidas ao turismo de base comunitária no Brasil. Para
em Psicossociologia de
tal, são apresentadas, conjuntamente, quatro pistas analíticas que Comunidades e Ecologia Social
pela Universidade Federal do
podem orientar a pesquisa sobre essa temática na perspectiva de Rio de Janeiro. Coordenadora
do Grupo de Pesquisa
uma rede de atores.
TBC-Rede: Laboratório de
Turismo de base comunitária,
As pesquisas referentes ao turismo de base comunitária ou turismo Sustentabilidade e Redes. E-mail:
[email protected].
comunitário, ou TBC perpassam um terreno onde existe um movimen-
2 Professora Permanente do
to crescente de resistências aos modelos dominantes de ser e estar no
Programa de Pós-graduação em
mundo. Desde a década de 1990, a prática de TBC tem sido construída, Meio Ambiente da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Pós-
no Brasil, sob a premissa da base endógena em planejamento e orga- doutora no Centre de Sociologie
de l’Innovation/École Nationale
nização do turismo. Essa nova perspectiva tem constituído uma opor-
Supérieur des Mines de Paris.
tunidade para a melhoria de condições de vida por inúmeros grupos E-mail: fatima.branquinho@uol.
com.br.
sociais em situação de vulnerabilidade social e ambiental e à margem
de projetos turísticos convencionais, como pescadores artesanais, et-
nias indígenas, agricultores familiares, ribeirinhos, quilombolas e as-
sentados rurais. Nesse sentido, o TBC se expressa como um laborató-
rio de experiências emergentes e alternativas frente às desigualdades
DESENVOLVIMENTO
Há cerca de uma década, alguns estudos sobre turismo têm sido pro-
duzidos pela ótica da ANT no plano internacional. Embora o foco des-
sas reflexões seja turismo, enquanto um fenômeno altamente enre-
dado, complexo e mais do que humano, esses estudos não incidem,
especificamente, sobre turismo de base comunitária (MORAES et al.,
2020). Assim, um longo caminho de aprendizagem de práticas investi-
gativas em TBC à luz da ANT precisa ainda ser percorrido.
Assim, pela abordagem da Teoria Ator-Rede, o TBC fala! Para isso, con-
sideramos o compromisso de um movimento investigativo engajado,
que se faz com proximidade e não sobre os atores rastreados em ação,
compondo, ao mesmo tempo, conhecimento, política e ética.
Por fim, vale lembrar ainda que Latour (2020, s.p.) disse que, “se o
Brasil achar solução para si, vai salvar o resto do mundo”. Logo, dize-
mos que as raízes do TBC no país ajudam a reunir conceitos, práticas
e atores encantados por essa Terra, cuja necessidade de cuidado para
conviver e construir um presente-futuro inúmeras experiências estão
sabendo tão bem nos inspirar e resgatar a esperança em prol de ou-
tros mundos possíveis.
REFERÊNCIAS
FOLHA DE S. PAULO. Se o Brasil achar solução para si, vai salvar o resto do
mundo, diz Bruno Latour. São Paulo, 12 set. 2020. Disponível em https://
www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/09/se-o-brasil-achar-solucao-para-si-
vai-salvar-o-resto-do-mundo-diz-bruno-latour.shtml. Acesso em: 19 out. 2022.
MORAES, Edilaine Albertino de. Siga os atores e as suas próprias ações: nos
rastros das controvérsias sociotécnicas do turismo de base comunitária
na Rede TUCUM – Ceará – Brasil. Tese de Doutorado em Psicossociologia
de Comunidades e Ecologia Social, Instituto de Psicologia, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2019.
dades e emissões humanas vêm sendo apontadas pelos cientistas, 3 PAINEL INTERGOVERNAMENTAL
emergiu um processo político-ideológico de desinformação climáti- SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS
(IPCC). Aquecimento Global
ca, muitas vezes financiado por empresas e associações do setor de de 1,5°C. Relatório Especial.
Sumário para formuladores
combustíveis fósseis e outros setores interessados na manutenção do de políticas (2018). GT I, GT II,
status quo e no atraso da criação de políticas climáticas. GT III. Tradução: Governo do
Brasil. Brasil: MCTIC, jul. 2019.
Disponível em: https://www.
A existência do aquecimento global, da mesma forma que os perigos gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-
o-mcti/sirene/publicacoes/
do tabaco e, mais recentemente, os fatos e políticas envolvendo o ví- relatorios-do-ipcc/arquivos/pdf/
rus da COVID-19, são alvos constantes dessas campanhas políticas de relatorio-executivo-08-07-web.
pdf. Acesso em: 04 jan. 2023.
A DESINFORMAÇÃO CLIMÁTICA
que decorre a explosão das desigualdades. E resolveram que, 10 Latour utiliza essa expressão
para dissimular o egoísmo sórdido de tal fuga para fora do mun- para se referir ao momento
atual que vivemos, notabilizado
do comum, seria preciso rejeitar absolutamente a ameaça que pelas modificações humanas
motivou essa fuga desesperada – o que explica a negação da produzidas sobre o planeta
(Antropoceno), assim como a
mutação climática”8. expressão “mutações climáticas”.
Assim, ele entende que não
é adequado falar em “crise
Essa hipótese também permite que a culpa não seja direcionada para climática” ou “emergência
climática”, pois essas expressões
aqueles que são manipulados e enganados por essas elites – políti-
denotariam um estado de coisas
cas e econômicas – visto que o abandono do projeto globalizador e a que poderia passar, o que não é
o caso do Novo Regime em que
traição daqueles que resolveram desistir da criação de um mundo co- adentramos.
mum, gera a necessidade de encontrar um pertencimento a um solo
esquecido (a retrotopia, de Bauman). Ocorre que, essas elites soube-
ram manipular muito bem esses sentimentos de pavor e confusão que
são suscitados pela possibilidade de perda do mundo, utilizando-se
de campanhas xenofóbicas e nacionalistas, que fazem com que as
pessoas enxerguem um refúgio no local e nas fronteiras bem delimi-
tadas – que não são mais sequer possíveis9. Exemplos utilizados por
Latour no livro são os governos de Donald Trump e Jair Bolsonaro.
REFERÊNCIAS
COSTA, Alyne. Aqui quem fala é da Terra. In: LATOUR, Bruno. Onde aterrar?
Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro: Bazar do
Tempo, 2020.
populações quando nos referimos, por exemplo, às contribuições das 3 Graduado em Ciências
ciências da saúde na erradicação de doenças, à redução dos índices Biológicas (UFMG), mestre em
Filosofia (UFMG) e doutor em
de mortalidade infantil e ao aumento da longevidade humana. Educação (UFMG). Professor
da Faculdade de Educação da
UFMG, onde atua na graduação
Todavia, essas constatações não são compartilhadas de forma unâ- e na pós-graduação. Líder do
nime nas sociedades. Isso, por mais estranho que possa parecer, não Grupo Cogitamus – Educação e
Humanidades Científicas. E-mail:
se deve somente pelo desconhecimento e desinteresse das pessoas [email protected]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por outro lado, mas ainda com Latour, quando os limites da diploma-
cia forem exauridos ou se tornarem impassíveis, talvez seja o momen-
to de nos posicionarmos diante de uma situação de guerra declarada.
Quando a existência de mundos diferentes implica, necessariamente,
na negação do outro, devemos arregimentar humanos e não huma-
nos, que contribuam para sustentar as redes em que a ciência e a de-
mocracia permaneçam, garantindo o respeito às diferentes formas de
vida e de conhecimento e assumindo que este mundo é a nossa única
e definitiva morada.
Por fim, agradecemos a Latour por dedicar parte de sua existência en-
tre nós, sensibilizando-nos de que viver neste mundo presume estar-
mos atentos ao que nos comove, ao que é sentido e afetado em uma
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Para a Teoria Ator-Rede o nascimento não é um evento social somente 1 É mestra interdisciplinar em
saúde, sociedade e ambiente
pelo envolvimento de seres humanos, mas também pelo envolvimen- pela Universidade Federal dos
to de muitos objetos, como a tecnologia, o financiamento, a realidade Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
É doula, membro da Associação
hospitalar, nos permitindo não só considerá-lo um evento social, mas de Doulas de Minas Gerais,
acompanha partos e participa
um evento sociotécnico, que nos permite traçar uma cartografia das de atividades educativas sobre
suas controvérsias. parto, nascimentos e sexualidade.
E-mail: [email protected]
O evento do nascer passa a ser regido pela tecnologia, que deveria do-
minar e controlar as forças do nascimento como de uma máquina, por-
que todos os partos passaram a ser encarados como potencialmente
patológicos (ARNEY, 1982). A posição de joelhos, apoiada ou agachada
da parturiente foi transportada para uma posição horizontal, de de-
cúbito dorsal na mesa de parto, retratando a postura de doença, de
necessidade de intervenção, onde o controle é de quem assiste, e que
o papel da mulher é de passividade. É neste exato momento que surge
a autonomia médica. Enquanto as pedras, cadeiras e almofadas das
parteiras serviam para ajudar a mulher no trabalho de parto, a mesa
de parto e outras tecnologias servem para conter, amarrar ou facilitar
o trabalho de quem assiste o nascimento, retirando o protagonismo
da parturiente. Redefinindo o conceito de parto e nascimento, os mé-
dicos foram ganhando espaço, afirmaram ser uma crise com a qual as
mulheres civilizadas ou modernas fossem incapazes de lidar (BANKS,
1999; BARRETO, 2007).
REFERÊNCIAS
No início dos anos 2000, dois grupos de pesquisa dos núcleos duros das 1 Mestre em História das Ciências
e das Técnicas e Epistemologia
ciências foram pioneiros ao trazer uma nova forma de olhar o “fazer e doutoranda do programa de
pós-graduação em História
ciência” para dentro da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ.
das Ciências e das Técnicas e
Os grupos PROENFIS e NECSO foram os primeiros grupos de pesquisa Epistemologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. E-mail:
da UFRJ vinculados aos Estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade/ [email protected]
CTS, que se cadastraram no Diretório de Grupos de Pesquisa/DGP
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/
CNPq. Neste trabalho trazemos a Teoria Ator-rede pelo olhar dos dou-
torandos do NECSO. Olhar a TAR através do NECSO não é por acaso.
O NECSO foi criado em 2002 quase ao mesmo tempo em que o evento
anual patrocinado pelo grupo, o Ato-Rede.
Quando nos acostumamos com algo, não pensamos como ele funcio-
na ou como ele chegou em nossas mãos, naturalizamos o fato.
ABREU, Rozine Aline Matos de. Morte das Pretinhas: Uma abordagem
sociotécnica da informatização do jornal O Globo. 2008. 148 f. Tese
(Doutorado Engenharia de Sistemas e Computação) – Instituto Alberto Luiz
Coimbra de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro/
UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.
revista Archives de sciences sociales des religions, intitulado: “Formes 2 O colóquio ocorreu nos
dias 6, 7 e 8 de junho de 2012,
élémentaires de la sociologie. Formes avancées de la théologie”. 3
respectivamente na École
O texto foi apresentado pela revista, numa “nota da redação”, como Normale Supérieure (sala
Dussane), no Musée du quai
“um eco, uma retomada e uma nova etapa” da edição comemorativa Branly (sala de cinéma) e no
Collège de France (sala Lévi-
que a revista havia “consagrado”, em 2012 (número 159), ao centená-
Strauss). Foi organizado por
rio de FEVR (LATOUR, 2014, p.255, N.d.l.R.). Mas o que estaria Latour Frédéric Keck e Perig Pitrou, e a
mesa de encerramento, na qual
fazendo em meio a todas essas homenagens a um autor que (quase) Latour apresentou seu texto,
foi intitulada “Vie religieuse”, e
sempre apareceu, em seus textos, como o arquétipo da “sociologia
presidida por Bruno Karsenti.
do social”, que a seu ver “pressupõe o que precisa explicar” (i.e.: “a O programa completo dos 3 dias
do colóquio pode ser encontrado
sociedade”), e em oposição à qual ele propunha a sua sociologia dos online em: http://lettre.ehess.
fr/index.php?4144. Um registro
processos de associação, ou “associologia”?
fotográfico pode ser encontrado
em: https://digitaldurkheim.
hypotheses.org/255.
LATOUR E DURKHEIM 3 O provocativo título da
apresentação de Latour no
Em Reassembling the social, Latour (2005, p.15, 13) famosamente se re- colóquio foi “De combien de dieux
distincts la sociologie de Durkheim
feriu a Gabriel Tarde como um “ancestral precoce da Teoria Ator-Rede” analyse-t-elle le culte? [De quantos
deuses distintos a sociologia de
(TAR), em oposição a Durkheim, que supostamente “abandonou a tarefa
Durkheim analisa o culto?]”
GANE, Nicholas. Bruno Latour: the social as association. In: The future
of social theory. London: Continuum, pp.77-90, 2004.
3 Terapeuta Ocupacional e
2. A partir de uma alternativa amoderna da Psicologia, sendo esta licenciada em Ciências da
representada pelos trabalhos de Tobie Nathan (Latour, 1996, Ocupação pela Universidad de
Chile, mestrado e doutorado em
1998 e 2013); Psicologia Social pela Universidad
Autónoma de Barcelona.
Acadêmica da Faculdade de
3. Na proposta de uma abordagem das propriedades psicológicas,
Medicina da Universidad Austral
conectável a dispositivos de produção de subjetividade dentro de Chile. Sua linha de pesquisa
aborda as atuais políticas e
de uma perspectiva realista-construtivista (Latour 2003, 2004 e práticas de intervenção em Saúde
Mental e Psiquiatria, com ênfase
2005);
nos novos dispositivos chamados
de Portas Abertas, a partir de uma
perspectiva crítica.
REFERÊNCIAS
______. Petite réflexion sur le culte moderne des dieux faitiches. Paris:
Éd. Synthélabo, coll. Les Empêcheurs de penser en Rond, 1996.
______. How to talk about the body. Body & Society, v. 10, n. 2-3, p. 205-229,
2004.
REFERÊNCIAS
dentais. Pesquisador social da ciência e da tecnologia, o autor criou 3 Disponível em: www.
modesofexistence.org. Acesso
uma plataforma digital , cujo objetivo é mobilizar uma comunidade
3
em: 25 fev. 2023.