Fato Jurídico - Ato Jurídico - Negócio Jurídico - Zeno Veloso

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Fato jurídico -Ato jurídico - Negócio

jurídico

ZENOVELOSO

I. Fatosjurldicos são acontecimentos natu·


rais ou ações humanas que produzem conse-
qüências jurídicas. Aqui, empregamos a locu-
ção "fatos jurldicos" em sentido amplo, geral
lato sensu. Na célebre definição de Savígny
(Droit Romain, trad. de Guénoux, § CIV), fatos
jurídicos são os acontecimentos em virtude dos
quais as relações de direito nascem e terminam.
Alguns doutrinadores têm demonstrado ser in-
completa a definição do grande mestre alcmâo,
porque os fatos jurídicos não produzem o efei-
to somente de criar ou extingnir as relações ju-
ridicas, mas também conservam ou modificam
direitos ou relações jurídicas.
O fato, para ser qualificado como fato jurí-
dico, tem de repercutir no mundo do direito,
apresentar significação juridlca, produzir efei-
tos jurídicos. O mesmo fato pode ser jurídico,
ou não, conforme tenha, ou não, gerado conse-
qüências jurldicas. Um período de seca pode
não ter causado alteração no mundo jurídico.
Foi uma seca, simplesmente; fato natural, fato
puro. Se a seca, todavia, causou vítimas, matou
o gado, destrniu a lavoura, deternúnou a migra-
ção de pessoas, é um fato jurídico.
Os làtos jurídicos oriundos de acontecimen-
tos naturais chamam-se fatos juridicos stricto
sensu, ou fatos jurídicos em sentido estrito.
Representam uma alternção da Oldemjurldicasem
fu11> humano, oom pnrtioipw;ílo d4 vontnde"d4
homem. Ex.: aluvião, avulsão, criação e matura·
ção de fiutos, mudança de curso do rio, inunda-
ção, seca, passar do temoo. nascimento. morte.·
• Na morte, pode ocorrer uma eventual volunta-
riedade, c;mbora ísto não tenha relevância para os
efeitos juridicoc respeotivoa (abertura da cuoess.ão,
transmiss.ito da herança). A morte, propriamente, é
Zeno Vcloso é Professor de direito civil na Uni~ fato natund, portanto, fato juridieo slricto $<IJSII. Já
versidade Fc:dend no Pará e Universidade da Amazô. o homicídio ou o suicídio têm oonseqOêncías juridi-
nia (UNAMA). c.as que ak-ndcm â sua voluntaricdadç,

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Os fatos jurídicos que resultam de aç(les ou extinguir direitos, porque nesse sentido se
humanas, que derivam de um comportamento exprime a vontade dos agentes".
do agente, que decorrem da vontade do ho- Informa José Carloo Moreira Alves (A Pll"l'-
mem, denominam-se. genericamente, atosjurl- /e Geral do Projeto de Código Civil Hrasí/ei-
dicos. ro, !986, Sarai"l'a, SP, p. 97) que é na disciplina
2. Para a doutrina clássica, de inspiração dos negócios jurídicos que o Projeto de Códi·
francesa, os mos Jw1clloos nao componam sub- go L"MI, no tocante a sua Parte Ucnll, apresenta
divis!!o. Abrangem todos os fatos jurldicos maiores alteraçlles em face do Código Civil vi-
dependentes de ação humana, ou cujos efeitos gente, ponderando que nfto se pode negar que
se P""noom à vt'lntade rln rleclor.mte atos juridioos há. a que os P"""'itos que l'égu-
O Código CiVil Brasileiro, seguindo o direi- lam a vontade negocia! nao têm inteim aplica-
to francês, adotou a teoria monista, deixando ção. di7.endo: "Atento a essa circunstância, o
de fazer qualquer segmcnlação dos atos jurídi• Projeto de Código Civil blllSileiro, no Livro 111
cos. conssdcrnndo romo Jais, englobadamente, de sua Pane Geral, substituiu a expressao ge-
todos os que produzem efeitos jurídicos em nérica ato jurldico. que se enconllll no Código
decorrência da ação humana, de comportameo· em vigor. pela designação especifica negócio
to do homem, ou da vontode do agente. ju,.ldico, pois é o este. c não ncccsso.riamcntc
Já a concepção dualis1a usa a express!!oato àquele, que se aplicam todos os preceitos ali
j urldico em sentido lato. distinguindo duas ca· constantes. E. no tocante aos atos jurídicos !l-
tcgori83: ato juridic:o em 3Cfltido c:strito e ncg6- eitos que nao s!!o negócios jurídicos. abriu-lhes
cio jurídico. um titulo. com artigo úni<::o. em que se dctermi·
Em razão da ciência pandectista alemã. do na que se lhes aplique. no que couber, as dis-
século XIX, foi criada a figura do negócio jurí- posiÇ<les disciplinadoras do negócio jurídico.
dico - Rechstsgeschi1j/. Da Alemanha, a dog· Seguiu-se. nesse tem:no, a oriemaçao adota-
mática do negócio jurídico se expandiu para da. a propósito. no art. 295." do Código Civil
todo o continente europeu. sendo, hoje, quase Português de I \16 7".
universalmente consagrada. embont não tenha 3. Já vimos que fatos jurídicos lato sensu
conseguido penetrar com sucesso na Fmnça. são acontecimentos natumis ou ações hurna·
nas que produ1em efeitos jurídicos. Os làtos
Na Alemanha, sobre o assunto. muitos e jurídicos oriundos de acontecimentos natumis,
renomados juristas cs'<;rcveram. podendo citar· sem ato ou vontade do homem, chamam-se fa-
se: Hugo (o primeiro a utilizar a expressAo Re- tos jurídicos stric/0 sen."'. Por sua vez. os fatos
chtsgeschttf/i. Savígny. Puchta, Tiúba~ Brinz, jurídicos que decorrem de comportamemo hu-
Thon. Windscheid. Büllow. Zitelmann. Regels- mano ou da manifestaç;lo da vontade denomi-
berger. Ennec<:erus, Manigk e Klein. Na Itália, nam-se atos jurídicos lato sensu, que se subdi-
onde a doutrina do negócio jurídico teve gran- videm em atos Jurídicos stricto :rensu (ou atos
de desenvolvimento, são importantes as obras jurídicos em sentido estrito, ou atos jurídicos
de Ferri, Santoro-Passarelli, Cari013·Ferram, não-negociais) c negócios JUrldloos. Façamos
Scognamiglio e Betti (este último, a maior cultu- a distinçllo entre as duas figuras.
ra jurídica recente da Europa). Na Espanha. há No ato jurídico em sentido estrito, a açao
o gnmdP.Iivrn tlf'o F'~rrir.n cl.P. C'.ll~fm y Rnwn F'/ humana ou a mtuUfcstaÇilo de vontade funcio-
Negocio Jurídico. na como mera pressuposto de efeitos preorde-
A doutrina brasileira, salvo poucas exce- nados pelo M. Tmla-se de CJISO em que o com·
ções, adota. francamente. a distinçllo entre ato oortamcnto ou a vontade concretiza. apenas, o
jurídico em sentido estrito e negócio jurídico. O suporte fático necessário para criar o fato. f3l.ê·
Código Civil Brasileiro. entretanto. nilo fez sc- lo cntmr ao mundo jurídico. A eficácia dele.
paraçllo, regulando, apenas. o ato jurídico. O porém, é predetenninada na lei. As conseqüên·
que t'tOSSO Código Civil. a:rt. 81, define como çjasjurídí~,;ru; dâcr-sc. no;:;essariamc:ntc. sem qut:
ato jurídico, na verdade. é negócio jurídico, a vontade do agente possa modificá-las, am-
devendo-se registrar que o art. 8 I inspirou-se pliá-las. restringi-las ou evitá-las.
no art. 437 do E.~<boço, de Teixeira de Freitas, Notc"'Soe. o ato jurídico em sentido oC$trito é
observando este jurisconsulto (Códif?.o Civil
t:l"hoço. ed. do Ministério da Justiça, 1983, v. l, fruto da ação humana. de uma atitude. de um

..
p. 147): '"Os atos jurídicos são declarações de comportamento. da manifcslação de vontade.
vontade. têm por fim imediato criar. modificar Porém. embora careça dtsto para existir (pres-
suposto), os efeitos ocorrem inexoravelmente, pondente ao resultado. O autor apre~~ta como
ex /ege, independentemente de terem s1do, ou exemplos dos chamados atos-fatos )und1cmr. a
não, queridos. A atitude humana ou a vontade, tomada de POsse. a espeefficação e a ocupação.
então, é dado necessáno e poderoso para cnar A ocupação é modo originário de aquisição
o ato. dar existência e vida ao fenômeno, mas da propriedade dos bens móveis, pelo fato de
não tem intensidade e força para estabelecer o alguém apreender a coisa sem dono. Aquele
rcsultado, nem o podçr dç provoca\" efeito dl- que se apropria da coisa que não tem dono -
verso. Não há regulamentação da autonomia res nullius res dere/icta•- adquire-lhe o do-
privada, mas uma detenninação do ordenamen- mínio (CócÜgo CiVil, artigo 592).
to jurídico. A lei fixa. ngorosamente. as conse-
qüências, sem levar em consideração uma cor- Na ocupação. diante do assenhorcamento,
respondente vontade de resultado do decla- do gesto, da atitude, a lei fixa a conseqüência,
rante, ou do agente. pela ação em si, pelo simples futo da apreensão,
sem eonsid~rar a vontade. A caça, a pesca, a
Pelo exposto, e segundo nossa visão, são
atos jurídicos em sentido estrito: fixação de invenção são fonnas de ocupação.
domicilio, reo:mhoomento de fihação, qwtação, O ribeirinho que lança a tarrafa na água, o
confissão, 1\()tificação, interpelação, emancipa- que quer~ apanharoJl,7h.epara alimentar-se e à
ção, declaração de nascimento, casamento, ad(}o família. E um ato mecamco, puramente externo,
ção. etc. o que ele pratica. E a lei confere efeitos a tal
atitude, por sua expressà'o extenor em s1, sem
Analisemos o domicilio: se alguém estabe- cogitações com relação à v~mtade do agente.
lece sua residência, com ânimo definitivo. prati- Por força do an. 600 do Cód1go C\V\1, pertence
ca mna ação, ou manifesta vontade, que é mero ao pescador o peixe que pescar. Trata-se de
pressuposto. simples suporte fátírode um efei- caso em que se ~dqnire a propriedade. Talvez o
IOjurtdico dctenninado na lei: a consutwçãode ribeirinho nem saiba que existe um Código Ci-
domicilio. Não pode a pessoa estabelecer efei- vil, e nem est«ía refletindo sobre qualquer efei-
to contrário, pretendendo, por exemplo, que, to juridico de seu gesto. O que quer é saciar a
embora seja ali a sua ~sidência com ânin;10 de- fome, sem se aperceber que o ato de pescar tem
finitivo. Mo seja no d1to local o seu dom1ciho. uma significação jurídica Há, no caso, mn com-
No mesmo sentido. o que reconhece a filiação, portamento que o direito considera relevan-
não pode afastar ou restringir os deveres pater- te, conferindo-lhe conseqüênctas.
nos. cogentemente disciplinados na lei. Pondere-se. todavia, que o comportamento
4. A doutrina alemã distingue, ainda. o que do ribeirinho, embora possa não ser intencio-
denomina atos reais ~ Rea/akten ~, ou atos nal (vontade de resultado). é uma atuação da
materiais 1'ath<mdlangcn , que siio os o.to:s vontade, alinal, um ato de vontade.
humanos dos quaís decorrem con!;eqüências Outro exemplo que se oferece dos ditos atos
jurídicas. sem que se dê relcvãncia ao elemento reai8 é a especificação. que consiste na opera-
volitivo. Diante de uma atitude, de um compor· ção pela qual uma pessoa transforma n coisa
tamento. da mera atuação ou conduta humana móvel, pertencente 11 oulrem, em espécie nova.
decorrem efeitos jurídicos, sem que se leve em Pela transfonnaçào da matéria-prima. através do
conta uma respectiva vontade do agente para a trabalho ou indústria, Clll espécie nova, o espe·
obtenção do rc:sultndo. cificador adquire-lhe a propriedade (Código Ci·
Pontes de Miranda (Tratado de Direito Pri· vil, art. 611 ). A pintura, a gravura, a escultura
vado, t. 11. § 2<~). p. 372) opinaqueelcsescapam são formas de especificação. O ato real do ho·
às çl::.~ses: dos negóc-ios jurídicos e dos atos mcm dctcrnrina 6 efeito jurídico, sem que valori-
juridiros stricto se~su, edenomina-os atos-fa_- ze a vontade. Marcos Bemades de Mello (Teo"
tos ;urídicos. Não e preciso que se tenha quen- ria do Fato Jurídico, l'cd.. 1985. p. 137)pon-
do ajuridici7ação deles. nem. obngatonamente.
a irradiação de efeitos. Sào atos humanos que • Res rml/ius é a coisa de ninguém, a coisa sem
entram no mundo jurídico por si mesmos. sem dono. e que nunca foi apropriada ~os anim~is br~vi­
se atender à vontade dos agentes. A conduta os. nas florestas~ os peixes. r1os nos; os mmera1s e
em si é que lmporta. e n conseqüência jurídica vegetais que o mar lança nas praias). He.~ derelir::tu é a
se opera sem que se considere o elemento von· coisa sem dono. porém. que teve proprietilrio, e que
tade. o dado psiquico interior, a circunstância foi abandonada por este (derrelicção), com a inten-
de o agente ter. ou não. uma vontade corres- ção de dcsfa1,er-se dela (v. lnstituta.s, 2, 1, § 47; C. C.,
art. 592).

Srp/11••· 32n. 12!S}Iill./-· 1995


dera que na especificação interessa o resultado o sentido próprio que almeja o declarante, com
que se obteve, indiferentemente de ter havido, a provocação de efeitos correspondentes aos
ou não, vontade de obtê-lo, aduzindo: "O lou· seus objetivos e interesses. Há uma vootade de
co que pinta um quadro adquire a sua proprie- resultado. Está-se diante do negócio Jurúltco.
dade e não importa ao menos se ele sabia, ou Negócio juridico não é, somente, ato volun-
não, o que estava realizando". tário, mas ato que decorre da declaração de
Dt:: uussa parlt::, cvilaJ.u.lu c;x.~:sMJ dt: ab:s.. vontade, que pode •er unilateral ou bllateral.
tração e pela necessidade, até, de simplificar as Declaração de vontade é manifestação de von-
coisas, incluimos estes denoruinados atos re- tade qualificada, destinada a produzir efeitos
ai". ato• materiai• ou atos-fatos jurldicos den- juridicos.
treos atosjurldicosstrlcto sensu, sem criar para Nenhum outro instituto jurldico expressa,
eles uma categoria diferente. Seguimos a dou- com tanta nitidez, a liberdade humana quanto o
trina de que todo comportamento humano deve negóciojuridíco, dando sentido, concretude (ou
ser considerado um aro, sem que se tenha de concreUrude, como pretere o mestre Miguel
adentrar num campo nebuloso, numa investi· Reale) e efeitos práticos à autonomia da vonta·
gação dificilima, quanto a de saber se o agente de, à auto-regulamentação de interesses priva·
que praticou o ato, que materializou a conduta, doo. O. contrntoo, por excelência, oilo negóci-
tinha ou não consciência dos efeitos que vai os juridicos. Dentre os atos unilaterais, exem-
gerar, ou interesse neles. Embora não exista uma plo capital de negócio juridico é o testamento.
expressão declaratória, a mauifestação de von- A declaração de vontade, obviamente, para
tade se dessume pelo comportamento, deduz· que alcance os resultados queridos pelo agen-
se pela atitude do agente. Caio Mário da Silva te não deve contrapor-se à lei, à ordem pública
Pereira (Instituições de Direito Civil, 12.' ed., e aos llons costumes. A relação negociai que
1990, v.l, n.' 83, p. 332) leciona que, quando se cxsutge da declaração de vontade- com os n:s-
fala em declaração de vontade, emprega-se a pectivos efeitos- deve estar conforme o direi-
palavra em sentido lato, e não é mister que o to, que, afinal, confere juridicidade à vontade
agente faça uma declaração formal, através da humana.
palavra escrita ou falada, bastando que traduza Observe-se: o negócio juridico não tem, exa-
o seu querer por uma atitude inequivoca, seja tamente, os efeitos que o declarante quer que
esta efetuada através do veiculo habitual de tenha; ele terá os efeitos que o ordenamento
cxpn:ooão, oc:ja por um gesto, exemplificando: jurldico admite que o que foi querido possa ter.
"Casos há mesmo, em que manifestação de Neste sentido, Antônio Junqueira de Azevedo
vontade se verifica por uma atitude, em que não (Neg6cioJurldico- Existência, Validade e Efi·
há expressão declaratória, como no do indivi- cáda, 1974, p. 20) define: "In concreto, negc\..
duo que recolhe a concha atirada pelo mar à cio juridico é todo fato juridico consistente em
praia, e que constituí um negócio de aquisição declaração de vontade, a que o ordenamento
por ocupação". A palavra "negócio", emprega- juridico atribui os efeitos designados como que-
da no texto, está em sentido amplo, e não como ridos, respeitados os pressupostos de existên·
"negócio jurldico". A pessoa que recolhe a con- cia, validade e eficácia, impostos pela norma
cha atirada pelo mar à praia, adquire-lhe a pro- jurldica que sobre ele incide".
prie.darle O direito cnn!t;idera evatori7JI. a a.tihl· 6. Os atos jurídicos em sentido estrito c os
de em si, sem exigir uma correspondente vonta- negócios juridicos, que, acima, tentamos dis·
de de resultado. Em nosso entendimento, esta- tinguir, têm um ponto Importante em comum:
mos diante de um ato juridico em sentido estrito eles só são admitidos se realizados conforme o
5. Vista, já, a hipótese do ato juridico em ordenamento legal. A liceidade é da essência
sentido estrito, em que a mauifestação de von- dos mesmos.
tade é mero pressuposto de efeitos jurldicos Há casos, todavia. em que a conduta huma·
no;;essádos, impostos pela lei, há casos, toda.. na contrapõe-se àordemjurldica. Se o procedi·
via, em que a vontade tem maior vigor e iotensi- mento está em desacordo com o ordenamento,
dade: a pessoa declara a vontade, e esta tem surge o ato i/leito, que é lesivo ao direito de
forca. nllo apenas para criar o fato juridico. po- outrem, e gem deveres poro o responsável. So-
dendo, ainda, estabelecer termos, encargos, bre a matéria, dispõe o artigo 159 do Código
condições, cláusulas de toda espécie, as mais Civil:" Aquele que, por ação ou omissão volun·
diversas estipulações, que dão ao fato juridico tária, negligência ou imprudência, violar direito

110 R•vl•t• de lnformapiio Logl•l•fl••


ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado are- Os atos ilícitos, doutrina Orosimbo Nonato
parar o dano". No projeto de Código CiviL arti- (Da Coação Corno Defeito do Ato Jurídico. l.'
go 186, está dito: '·Aquele que, por ação ou ed., 1957. Forense, Rio, n.' 7, p. 16). são ações
omissão voluntária. negligência ou imprudên- contrárias ao direito. les1vas do direito alheio,
cia, violar direito e causar dano a outrem, ainda causadoras de dano e originam o dever de re-
que exclusivamente moral, comete ato ilícito". parar. explicitando o autor: "Os atos ilícitos são.
Os atos ilídto~ geram l:UHstXIüem.::ias, pro~ assim. atosjurigenos. produzem conseqüênci·
duzem, também, efeitos jurídicos. Mas efeitos as de direito", advertindo: "Nem todos os atos
impostos pela lei, contra a vontade do agente. jurígenos são atos jurídicos. porque não se ar-
do responsável, do causador do dano, com o mam ao fim imediato de produzir a conseqüên-
fito de restabelecer a ordem jurídica turbada pelo cia de direito querida pelo agénte", para con-
ato praticado. Ao contrário do que acontece cluir·. "O dcl\\o é ato gerador de respon,..bilida-
nos atos jurídicos em geral (tanto no ato jurídi- de. c, pois, de direitos, mas deixa de constituir
co smro senSIJ, como no negócio Jur1dtco). nos ato juridlca por nõ.o ser oqucla conseqüência n
atos ilícitos não há nexo de causalidade entre a visada pelo agente" (grifamos).
vontade e os efeitos jurídicos. Não é a vontade, Quando defendemos a tese de que o ato
o querer do 3gE"nte, ma!l. a rPrponsnbílidndP do ilícito não é um ato jurídico. não estamos síno
causador do dano que prepondera. e produz rumizando juridicidade e liceidade. como a dizer
conseqüências. O nexo de causalidade que se que só é jurídico o que for lícito. O ilicito tam-
exige é entre o dano e a ação. A responsabilida- bém está inserido nos domínios do jurídico. o
de civil decorre de um vinculo entre a ação - que não implica que ele seja um ato Juridico.
elemento constitutivo da responsabilidade - e Hans Kclscn (Teoria Pura do Direito, trad.
o dever de indeni7.ar o dano. portuguesa de João Baptista Machado. 4.' ed.,
Muito5 doutores c.onsideram o ato ilícito, 1976, COimbra. p. 169) trouxe esetarcc•mcntos
também, um ato jurídico, sobretudo pela circuns- definitivos sobre o tema. explicando que na
tância de ele. igualmente, produzir efeitos jurí- designação de nilo-direito (ilícito), contradição-
dicos. com--o--direito, quebf'a do--direito, violação-do--
Não integramos esta corrente. Primeiramen- direito. exprime-se a idéia de uma negação do
te, porque a lei ao definir o ato jurídico. exige direito. a representação de algo que está fora
que ele seja ... lícito (Código Civil. art. 81). tra- do direito e contra ele. que ameaça. interrompe
tando-se de norma em vigor 110 pais há I!U3SC ou mesmo SUprime a existência do direito. e esta
um século. Embora se saiba que o direito não se representação. segundo o genial jurisconsulto,
esgota na lei. não vemos razão, no caso, para a está errada. O ilícito aparece como um pressu-
doutrina ''revogar" n preceito legaL Depois, posto (condição) c não como uma negação do
porque os efeitos do ato ilícito não derivam da direito, concluindo Kelsen: "então. mostra-se
vontade do agente. ao contrário, o ato ilícito que o ilícito nilo é um fato que esteja fora do
gera obrigação para o responsáveL indepen- Direito e contra o Direito. mas é um fato que
dentemente da vontade, ou até contra a vonta- está dentro do Direito c é por este determinado,
de deste. E. afinal, se o ato ilícito fosse ... ato que o Direito. pela sua própria natureza, se rcfc-,
jurídico, o ato antijurídico, qual seria? Caio re precisa c particularmente". Estes conceitos
Mário da Silva Pereira(ob. e v cit. n °R2, p. >26) não lnfinnam nosso voslcionamcnto. ·
leciona que "não são todas as ações humanas No ilícito. o pressuposto é a ação ou a onús-
que constituem atos jurídicos, porém apenas são à qual a norma confere uma sanção puniti-
os que traduzem conformidade com a ordem va. Esta sanção é o efeito jurídico do ato ilícito.
JUrídica, uma vez que as contravementes às A conseqüência fática, o efeito material do ilíci-
determinações legais vão integrar a categoria to pode até ser a destruição de uma coisa. o
dos atos ilícitos. de que o direito toma conheci- prejuízo econômico. a morte de uma pessoa,
mento, tanto quanto dos atos lícitos. para regu- WIÚUIIHt;; U ~.:aso. PUJéiU, l::t Wtl.SC:4Ü€:lii..:ÜJjwíili·
lar-lhes os efeitos". ca do ato ilicito é o dever de reparar o dano.
A nosso ver, embora gerando efeito~]uridi· Ocorrendo a conduta (comissiva ou omissiva),
r.n!il., n ~tn 1\kitn nãn riP:Vr: ~T l"'.nnslrlP:tado Mo qne f. a nl".f!.aç::in d~ C'.onrlnta <"-~ie;\AA fRl<\ d\te>.\tn
jurídico, que, por definição, é lícito. Porém, pe- como dever JUrídico. surge a sanção. O efeito é
los efeitos jurídicos que enseja, o ato ilícito, jurídico: a conduta. todavia. foi antijurídica.
sem dúvida. é umjàto jurídico (em senúdo lato). Tanto reconhecemos que o ato ilícito pro-

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duz efeitos - e efeitos jurídicos - que o consi· 9. Devemos observar. ai1lda, que er00ora n4o
dcra:mosfatojurldico, em sentido amplo. Oato se confundam o ato jurtdico em sentido estrito
jurídico em sentido estrito. bem como o ne~ó­ e o negócio Jutidico. isto nao significa que se-
cio jurtdico, têm de ser lícitos. Porém, tratando- jam entidades absolutamente distimas, ocupan-
se de fato juridiro Jato sensu. a figura compona do depanamentos estanques, impcnetr.ivcis,
tanto atos lícitos quanto atos illcitos. O que nada apresentando de comum ou semelhante.
nlo admitimos é que o ato ilicito seja um fato As duas figuras têm difen:!l\'U. lllllli, também
jurídico da espécie ato jurídico. Cabe, inclusi· similitudes, até pela razão de serem categorias
ve, questionar: por que agrupar, sob a mesma ou espécies de ato jurtdico em sentido amplo.
denominação- ato jurídico- tanto o ato lícito Há atos jurídicos .rtricto sensu, poJ1allto.
quanto o ato illcito'! Haverá lógica nisto? Esta· atos mio-negociais, que se parecem muito com
rá atendida a natureza das coisas? Favorecer.i a negóciosjuridicos(ex.: renúnciaabdicativa). Por
sistematização? Facilitará a compreensão da sua vez, há negócios jurídicos que se asseme·
dogmática jurídica? Sclvirá. de alguma forma, lham a atos JUri<licos em sentido estrito. Dado o
para melhorar o entendimento da ciênaa? que Josserand. com grande inspirar;ao, deno-
7. A dtstinção entre o ato jurídico em senti· minou "dirigismo contratual". com vistas a cor-
do eslrito e negócio jurídico, apesar de ser urna rigir as desigualdades de fato e alcançar a "fun-
criação dos pandecustas, e sua discussão ve· ção social" dos contratos, o Estado intervém
lha e revelha. com bem mais de cem anos, con· no campo econômico, ocorrendo casos em que
tinua CC'lntmvenida_ Procuntrnos assumir uma o conteúdo jurídico de certos tipos contraiU·
posição transacional entre as diversas teorias. ais, em grande extensão. é estabelecido pela lei,
Mesmo entre os que admitem a diferença, há cerceando-se o auto-regulamento do interesse
pontos de vista divergentes, inclusive no que particular. A locaçilo é um exemplo, sendo a lei
pertme aos exemplos ae uma ou outra catego- do inquilinato de dilcito p..ivado, ~m dúvida,
ria. Para maiores esclarecimentos, na doutrina mas impregnada de normas de ordem pública,
nacional, sugerimos: Orlando Gomes: Introdu· portanto, normas imperativas, cogentes, inder·
çifo ao Dir4'ifo Civil e 1'ransformaç~es Ge,-ais rogáveis pela vontade dos particulares. sendo
no D1reílo da obrigações~ Miguel Reale: [,;. muito escasso. extremamente limitado ocampo
çi!es Preliminare.; de Direito; Pontes de Mi· de atuação das partes, predominando o inte·
randa: Tratado de Dirello Privado, t. lll; Caio resse social sobre o individual. Quando se con·
Mário da Silva Pereira: Instituições de Direito trata o aluguel de um Imóvel, grande mlmero t1e
Civil, v I; Vicente Ráo: Ato Jurídico; Fábio efeitos, uma gama de direitos e obrigações de·
Maria de Mattia: in f.'nciclopédia Saràiva de corre da lei. e nilo. diretamente, da vontade dos
Dirc•lo, Y. 9; Mnrcos Bcrnard<:o de Mello: Teo· cnntntt,.ntf"oct QnPr e:l~ tP.nham. ou n;'io, P""'iç-
r1a do FatoJuridico; Darcy Bessone: Do Con· to, quer queiram, ou não, certas disposições
trato · Teoria Geral; Francisco Amaral: Direi· vigorarão, por determinaçao de normas legais
to Civil Brasileira -lntroduçifo; José Abreu: cogentes.
O Negócio Jurldico e sua 7eoria Geral; Cus- ~. J. Segundo seu conteudo e torça oonga-
tódio da Piedade Ubaldino Miranda: Teoria tória, as leis podem ser classificadas em cogen·
Gerai do Negócio Jurídico; Antônio Junquei· tes (jus wgens) c suplr;tivas (jus dispositivum,
ra de Azevedo: Negócio Jurídico Existência, oo ;us permi.rsivum). Dadn a importância do
111/idade e Eficácia. tema. creio ser oportuna uma ligeira digressão
sobre o mesmo.
8. A classificação que propomos expressa-
se no seguinte csqu.:ma: As leis cogentes representam normas ((ue

Fato Jurídico slricto sensu


Ato juridi<:o em sentido eS1rilo
Fatos Juridicos Alo jurídico em sentdo amplo (ato não-negociai)
(lato sensu) (atos llcitos) {
Negócio jurídico

Ato illcito

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se impõem de modo absoluto. Sua obrigatorie- Lei do Inquilinato (Lei n.' 8.245. de 18.10.91).
dade é de alto grau, ora estabelecendo determi- Inspirado no artigo 5. 0 do "Esboço", de Tei-
nada conduta (lei imperativa), ora proibindo al· xeira de Freitas, o art. 17 da Lei de Introdução
gum procedimento (lei proibitiva). A violação ao Código Civil dispõe: "As leis, atos e senten-
de lei cogente implica, em regra, nulidade abso- ças de outro país, bem como quaisquer declara-
luta do ato praticado. Não é possivel, mediante ções de vontade, não terão eficácia no Brasil,
convenção ou acordo, afastar a incidência das quando ofcmlcrem a soberania nacional, a or-
leis cogentes, cujos preceitos são inderrogá- dem pública e os bons costumes".
veis, submetendo e subordinando a vontade
individual, a tal ponto que não se pode renun- Em Direito Internacional Privado (DTP), o
ciar a beneficios ou direitos que eles confiram. principal limite à aplicação da lei estmngeíra é a
Ulpiano. no Digesio (50, 17, 45, l ), já deixou ordem pública. Trata-se, aliás, de limite consa-
consignado: Privatorum conventio juri publi- grado universalmente. Comentando o artigo 17
co nu11 r.k1 u~at, es-tando, u.í, juri pulAi<.:u uu
da anti ,VIl .Irr qnetinha rffiaçlo ~mf;"lhante a
sentido de jus cogens. O Código Civil francês, da que atualmente vigora, Clóvis Beviláqua de-
artigo 6. 0 , acolheu o velho principio romano: fine: "Leis de Ordem Pública são aquelas que,
On ne peut déroger. par des conventions par- em um Estado. estabelecem os princípios, cuja
liculieres, aux /ois que intéressent I 'ordre pu~
manutençao se considera imllspensavel á or-
h/ic et/es bonnes moeurs "Não se pode revo- gani7.ação da vida social. segundo os preceitos
gar, por convenções particulares, as leis que inte- do Direito".
Jl."SSélm à onlt:m públi~..;a c aos bons costumes··. As leis supletivas (tambem chamaaas per-
São eogentes, por exemplo, no Código Ci- missivas. ou não-eogentes) contêm matérias em
vil, os artigos 5.", 82, 116, 130, 134,628,765,776, que os interesses individuais têm prevalência
920,922, 1.089, 1.125, 1.132, Ll33, 1.175, LIS2, sobre os da sociedade. Trata-se de nonnas in-
1.474, 1.483. 1.518, 1.572, 1.595, 1.603, 1.627, dicativas, que são aplicáveis nos casos em que
1.630, 1.650, 1.667, 1.720, 1.721, 1.729. as pessoas não tiverem disciplinado de outro
Dentre as leis cogentes. merecem destaque modo a questão. Nas leis supletivas. o preceito
especial aquelas que albergam princípios de não é absoluto. peremptório, nem tão rigoroso,
ordem pública. São leis que, embora atuando como no caso das leis coativas. A obrigatorie-
no campo do direito privado, visam a resguar- dade e a incidência da lei supletiva ficam na
dar c garantir interesses fundamentais da cole- dependência de a vontade individual não ter
tividade. Por sua finalidade social e rigorosa disposto diferentemente, ou seja, não ter afas-
imperatividade. assemelham-se muito às regras tado a regra legal, daí apresentar a norma suple-
de direito público. São de ordem pública as leis tiva um caráter subsidiário. Porém, na ausência
que definem o estado e a capacidade das pes- de declaração em sentido contrário, a lei suplc·
soas, que estruturam a família, que protegem as tiva adquire a força de jus cogens, ficando. por-
crianças e adolescentes, que organizam a pro- tanto. com o caráter de imperatividade.
priedade, especialmente a imobiliária, que regu- No Código Civil, são nomtas supletivas. por
lam o inquilinato, que estabelecem os direitos exemplo. osartigos638, 716, 764,864. 875,884,
dos consumidores. 889,943,950, 1.066, 1.129, Ll78.
Nem sempre é fácil concluir se dado precei- 10. Atenção especial deve ser dada aos wu-
to é de ordem pública. Deve o intérprete verifi- tratos de adesão. A característica principal des-
caro conteúdo e abrangência da norma, os in- ses contratos é a predominância absoluta de
teresses que ela protege, os fins sociais a que uma das partes: o contratante economicamente
ela se destina. mais forte. detentor de capital. grande fornece-
Em decorrência da passagem do Estado de dor de bens ou serviços, que predeterrnina o
Direito liberal para o Estado de Direito social, o conteúdo do contrato. endereçando-o à coleti·
ordenamento Jnrtdlco caaa vez mats tmpregna- vidaae. Aos imeressaaos, só resta comratar,
se de normas de ordem pública. ou não ("pegar ou largar"), sem possibilidade
São de ordem pública, por exemplo, quase de discussões prévias. ou de suprimir. alterar
todas ru; nomlas do direito de frunília e n maioria ou modific~r ~!; r:>!>tipulaçõei prel!dabelecida~.

dos preceitos do Estatuto da Criança e doAdo- Taís contratos têm exemplares reproduzidos em
lescente (Lei n." 8.069, de 13.7.90), do Código número indefinido. seu texto é rígido. uniforme,
do Consumidor (Lei n. 0 8.078, de 11. 9.90) e da gcralmeme impresso. padroni1.ado. estandardi-

er..fll• •· 32 n. f25 J•n.tmar. f91HJ


zado, um autêntico regulameuto. O aderente, na maioria dos casos, nem mes·
O desenvolvimento cientifico e tecnológi- mo tem ciéncia efetiva, conhecimento real dos
co, a explosão demowáiica, a expansão urbana, termos contratuais, exigindo-se, apenas, eog-
a concentração de capitais pelas empresas, a nosc•bilidade, isto é, a possibilidade de o con-
sofisticação e alto preço de bens e serviços tor- texto oontratual ter sido conhecido pela outra
naram insuficientes os modelos clássicos e parte.
mecanismos dos contratos tradicionais. As Dificilmente, os comratos de adesao se ajqs..
novas fi81Jras contratuais são uma conseqüên- tam aos delineamentos da categoria dos negó-
cia do dinamismo, da oomplexidade, da automa- cios juridicos. Quase impossivel amoldá-los à
ção, das necessidades econômicas da vida vído inrlividua11sta qne inspirou mo pandectis-
moderna. Os oontratos de adesão, também cha- tas e seus seguidores.
mados contratos de massa, não se enquadram A liberdade de contratar, cuja expressão é a
nos esquemas conhecidos nos postulados ha- autonomia da vontade, concretiza-se, principal-
bituais dos contratos. mente, nos negócios jurldicos. Os contmtos sao,
Assim, além do poder público, bancos, fi- por excelência, o instrumeuto do auto-regramen-
nanceiras, empresas de transporte, fornecedo- to da vontade, da auto-regulamentação de inte-
res de água, gás, energia elétrica, serviços de resses, pressupondo-se o livre tnlfíco negoci-
telecomunicações, hospitais, companhias de ai, a igualdade das partes. Isto não existe nos
seguro, construtoras, firmas imobiliárias, etc., contratos de adesão.
submetem seus clientes às condições gerais de O que temos visto, em nosso tempo. é a
contratação. ás cláusulas gerais, a um contrato, concepção de Estado liberal de Direito passar
enfim, previamente feito, elaborado e redigido. para a de Estado social de Direito. Cada vez
Surgem, então, relações jurídicas obrigaci- mais, o Estado participa e intervém na vida eco-
onais dcspcrsonnlizadas, de ma.ssa., realizadas n(huil.;ct. Nt:m scmpJt: c;:;:;ta iuvasilu Lt:m sido be-
em série, em que o conteúdo negociai é elabo- néfica. O dirigismo publicístico, no campo dos
rado unilateralmente. O eventual interessado, o contratos, estreita o raio da liberdade individu-
cliente da empresa, o consumidor, querendo al limitando a autonomia da voutade. Outro fe-
adquirir o bem, ou utilizar o serviço, só poderá nômeno paralelo se observa: o do dirigismo pri-
fazé-lo aceitando o que está proposto, aderin- vado, praticado pelo estado-empresário e pe-
do. Às vezes, para o consumidor, nem mesmo a los grandes detentores de capital.
tc;:\n ica libc:rdadc; de wnllalar ou Mo, c~istc dt::
fato. Em muitos casos ele é compelido, "obriga- O Projeto de Código Civil dedica dois arti-
do" a contratar, para atender às suas necessi- gos ao contrato de adesão. No artigo 423, esta-
dades básicas e de sna familia, dada a essenci- belece qne, na hipótese de haver no contrato
alidade do produto ou do serviço oferecido. ae adesao cláusulas amblguas ou comraattórt-
as, dever-se-á adotar a interpretação mais favo-
Assim ocorrendo, não há entre as partes rável ao aderente. Noartigo424, determina que
uma discussão prévia, o debate sobre conveni- nos. contratoç_ de adedo s:flo nula; .as: cláusu-
ências. a poss•bllulade de mtroduzu cláusulas. las que estipulem a renúncia antecipada do ade-
Tais contratos são concluídos mediante esque- rente a direito resultante do negócio.
mas, modelos. formulários prontos e acabados.
Excepcionalmente, é dada a chance de ser in- O Código do Consumidor (Lei n,0 8.078, de
troduzida uma cláusula negociada em contrato li de setembro de 1990) definíu contrato de
de adesilo. Há uma oferta ao público c o con- adesão, no artigo ~4. como "aquele cujas cláu-
teúdo do contrato está prefixado, as condições sulas tenham sido aprovadas pela autoridade
gerais foram preestabelecidas, e oom caracte- competente ou estabelecidas unílatcralmcntc
res de generalidade, unifonnidade e abstrativi- pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem
dade. O aderente concreto aceita, simplesmen- que o consumidor possa discutir ou modificar
te, o que foi imposto, e a aceitação é informal, substancialmente seu conteúdo".
nem sempre resulta de uma declaração, mas é Confere, também. o Código do Consumidor
inferida de uma atitude, de um comportamento alguns artigos sobre as cláusulas contratuais.
típico, da conduta do usuàrio, da utili7.ação efe- O artigo 47, por exemplo, diz que elas devem ser
tiva do bem ou do serviço posto à disposição, interpretadas de maneira mais fuvorável ao con-
como no caso do passageiro que ingressa no sumidor, albergando o velho principio intérpre-
ônibus. ratio contra stipulatorem. O artigo 51 lista as
cláusulas abusivas. considerando-as nulas de
pleno direito. ções gerais. A natureza contratual estaria evi-
Os contratos de adesão, como observou denciada pelo fato da aceitação, da adesão, in-
Saleilles, de contratos só têm o nome. As con- ferindo-se o consentimento, o acordo de von-
dições gerais neles consubstanciadas, embora tades.
não sejam leis, no sentido técnico-jurídico, têm A nosso ver, as condições gerais têm as-
força normativa, e, quiçá, como /ex contractus, pectos da lei e nuances do contrato, sem que
foJya uuuuaiiva ey,uivab;;:n~ uu li.WÍUI 4uc a Ua~ sejam lei ou contrato. Pelo menos, não .siio cem~
leis, considerando-se as circunstâncias, os ca- tratos nos termos da teoria clássica dos contra-
sos concretos, e a necessidade de contratar que tos. Há que se buscar, então, uma categoria ju-
o aderente tem. na prática dada a indispen<ahi- rídica para os contratos de adesão. A questão
lidade dos bens e serviços, muitos deles essen· permanece em aberto. Para muitos, são atos
ciais à própria sobrevivência, o que reduz e, em mistos. Não sendo atos jurídicos stricto sensu
alguns casos, aniquila a liberdade de escolha. - cujos efeitos são necessários, estão prede-
Sobre a natureza juríelica das cond.içoes ge- torminadus na lei- nem sendo negócios jurídi-
rais (que formam o conteúdo dos contratos de cos- que consistem em uma declaração de von-
adesão), a doutrina està dividida, garantindo tade, e os efeitos jurídicos são estabelecidos,
alguns que elas têm natureza nonnativa, asse~ querido~ pelo(s:) ~e:ent~(~) - n~ r.nntrnto~ dE"
gorando outros que têm natureza contratual. A adesão encontram-se numa situação-limite,
natureza normativa caracterizar-se-ia pela impes- numa posição intermediária entre estas duas
soalidade, uniforntidade e cogência das condi- categorias.

Brama a. 32n. 125Jan./mllr. flle5 IJ5

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