Rejeitada Pelo CEO - Aline Pádua

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COPYRIGHT 2022 © ALINE PÁDUA

2° edição – outubro 2022

TODO O ENREDO É DE TOTAL DOMÍNIO DA AUTORA,


SENDO TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. PROIBIDA

QUALQUER FORMA DE REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DA

OBRA, SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DA AUTORA.

QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE É


MERA COINCIDÊNCIA.

EDIÇÃO: AAA DESIGN


SUMÁRIO
NOTA
DEDICADO A
SINOPSE
PRÓLOGO
PARTE I
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
PARTE II
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
CAPÍTULO XXVI
CAPÍTULO XXVII
CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX
CAPÍTULO XXX
BÔNUS
CAPÍTULO XXXI
CAPÍTULO XXXII
CAPÍTULO XXXIII
EPÍLOGO
Contatos da autora
NOTA
Esse livro é um relançamento. Anteriormente, essa história foi
lançada em duas partes, intituladas como “Rejeitada pelo CEO” e
“Amada pelo CEO”, respectivamente. Essas partes passaram por nova

edição e ilustração, tornando-se um livro único. Espero que seja essa sua
primeira ou segunda experiência com eles, que ela seja incrível!

Boa leitura,

Aline
DEDICADO A
 

Hilana Silva e Kamila Marques, por sempre me acompanharem


em cada ideia mirabolante, e mais, me apoiarem e serem sinceras, seja no

drama ou na leveza;

Danielle Martins, que poderia mudar o nome para Chiara

facilmente (a gente entende rs). Obrigada por ter se voluntariado dessa


forma e me ajudar a tornar o caminho até o final de cada capítulo ainda

mais satisfatório;

Mari Sales por ter me dado apoio em um momento decisivo, sem

sequer conhecer o teor da história;

Meus leitores, novos e antigos, por darem uma oportunidade a

história. Espero que Chiara e Cael possam conquistá-los.


SINOPSE
 

A vida de Chiara Moreira poderia ser numerada em confusões. A


primeira: a atração inevitável pelo chefe. A segunda: em algum

momento, deixar-se mergulhar tão a fundo, a ponto de se apaixonar por


ele. A terceira: não conseguir superar o sentimento e acabar se

declarando. A quarta e pior de todas: aprender a lidar com a rejeição


daquele sentimento e mais, as consequências que viriam.

Ela apenas aprendeu uma coisa em torno de cada uma delas –


nunca envolva trabalho com prazer e muito menos, apaixone-se pelo seu

chefe.
PRÓLOGO

CHIARA
 

Levei o copo de chope a boca e agradeci por já ser sexta-feira.

— Sextou! — Lana, uma de minhas colegas de trabalho mais

animada falou, ao passar, e sorri em sua direção.

Vi-a seguir dentre as pessoas e parar a frente de seu noivo –

Breno. O CEO da empresa rival da qual trabalhávamos. Nunca


conseguiria entender como eles conseguiam conciliar tal coisa, porém,

era claro, em seus rostos, o quanto estavam apaixonados.


— Pois é, Chia! Sextou! — tentei parecer animada comigo

mesma, e tomei mais um pouco da bebida, buscando forças para não

parecer tão cansada.

A semana foi no mínimo diferente. Um novo chefe, que com toda

certeza, não levava as coisas como Anne Liv Marini, mas aos poucos

sentia que nos ajeitaríamos. Cael Marini, irmão mais velho de minha ex

chefe, que viajou para fora do país. Além do nome diferente e bonito, era
guardado em minha memória, desde que nos vimos pela primeira vez há

quatro anos, como um pecado de terno.

Ele era lindo, o que tornava completamente difícil, manter-me


alheia. Saber me esquivar e disfarçar, principalmente, do quanto o achava

bonito e me atraía, era o que me manteve sã no momento em que Anne


anunciou que passaria a ser a assistente dele. Uma semana se passou, e

felizmente, sobrevivi.

O admirava pela beleza, e naquela semana, comecei a admirá-lo

como profissional. Descobri ainda mais a fundo, o porquê de ele ser o

CEO da empresa, e tinha certeza, que aprenderia muito trabalhando ao

seu lado. Ser assistente executiva e pessoal do CEO, em uma empresa

com a Marini Tecnologia, fez-me sentir ainda mais realizada.

Sorri, sabendo que aquele era um bom dia para comemorar. Não

tinha me perdido completamente, mesmo longe da intimidade que


construí ao lado de Anne Liv. O pensamento positivo desde a segunda-

feira era que uma nova experiência se iniciou. Apenas conseguia pensar

em toda minha trajetória até ali.

Amava a história que construí. Saindo de uma cidade do interior

de Minas, depois de me dedicar arduamente a passar em uma faculdade

pública em São Paulo – a cidade que sempre sonhei morar. Nunca

consegui entender ou explicar porque queria tanto, porém, depois de

tantos anos vivendo ali, apenas aceitei que minha mente já sabia antes de

mim, onde deveria permanecer.

Era exatamente ali.

— Uma cerveja, por favor.

A voz ao meu lado, fez com que os pelos de meu pescoço se

arrepiassem. Sabia que era a mesma que me elogiou minutos antes, e

mais, começou a se tornar frequente em meu dia a dia.

Virei o olhar devagar e logo, encontrei o azul dos seus. Ele já não

vestia o terno na cor preta, nem mesmo o colete ou gravata. Apenas a

camisa na cor cinza, dobrada até os antebraços. Olhei-o de relance e

forcei um sorriso, tentando disfarçar que ele não me afetava ainda mais
fora da empresa. Quatro anos trabalhando no mesmo lugar, e pela
primeira vez, encontrava-me tão informal ao seu lado. O mundo parecia

conspirar.

Ele é seu chefe, recriminei-me internamente.

— Senhor Marini. — falei, e ele franziu o cenho, negando com a

cabeça, sentando-se no banco ao lado.

— Só Cael, por favor. — Corrigiu-me e assenti, já imaginando

como seria chamá-lo de tal forma. — Posso lhe chamar de Chiara? Digo,

fora do trabalho?

— Claro. — Respondi simplesmente, e voltei a atenção para

bebida.

Talvez aquele fosse o melhor foco.

— Bebendo para compensar a semana? — indagou, e sorri,

assentindo. — Acho que a maioria de nós faz isso.

Levantei o copo em sua direção, e ele sorriu pegando o seu para

brindarmos. Trocamos um simples sorriso, e tentei entender o que aquele

olhar azul mais ameno poderia significar. Só sabia que o simples toque

de seus dedos nos meus, causara-me algo que me fez querer focar apenas

na bebida. Não podia deixar meus pensamentos e ações irem para outro

lado.

Ledo engano.
Mal sabia que acabaria parando diretamente na cama de Cael

Marini naquela noite, e dela, não sairia tão cedo.


PARTE I
“Mas eu consigo nos ver perdidos nas memórias

Agosto se transformou em um instante no tempo

Porque nunca foi meu

E eu consigo nos ver enrolados em lençóis

Agosto foi embora como uma garrafa de vinho

Porque você nunca foi meu.”[1]

Taylor Swift
CAPÍTULO I

CHIARA
 
Cerca de dois anos depois...

— Parece tensa hoje.

A voz rouca me atingiu e fechei os olhos, quando suas mãos


chegaram até meus ombros. Suspirei profundamente e me permiti ser

embalada por seu toque. Não estava sendo um bom dia. Sentia-me

engolfada por sentimentos e sensações que nunca imaginei, não para com
ele. Mas a quem queria enganar? Cael Marini era a definição de pecado
e problema no dicionário. Poderia até mesmo conferir. O pior de tudo,

era que passou a ser a definição de amor, em meu próprio.

A cada dia ficava mais difícil fingir que não sentia nada e que

aquele acordo firmado há cerca de dois anos era o bastante. Não era. Pelo

menos, não mais. O que doía, era saber que para ele funcionava. Então,

expulsar mulheres de seu apartamento e mandar lavar os lençóis que me

deitaria mais tarde, tornaram-se um dilema. Enquanto eu, queria mais.


Mais dele e principalmente, exclusividade.

Apenas sexo já não era o bastante.

— Gozou duas vezes e ainda parece longe daqui, Chia. —

Afastei-me de seu toque, e puxei o lençol ao redor do corpo. Sentia-me

vulnerável, e a cada instante, tornava-se ainda mais difícil. Assim que

fiquei de pé, parei alguns segundos apenas para olhá-lo.

Cael estava sentado no meio da enorme cama de seu quarto,

completamente nu, dentre os lençóis de cor cinza. Que por sinal,

chegaram da lavanderia no dia de hoje. Já que ele havia os usado em

algum dia da semana passada com outra ou até mesmo, outras. Às vezes
apenas me indagava do porquê me sujeitava a tal situação.

Por muito um longo período, convenci ao meu cérebro que


gostava do perigo, e que o sexo era o bastante. Não me importava o que
acontecia além do momento em que estava sob ou sobre seu corpo. Tola

mente de uma mulher que se apegou ao primeiro que deu um pouco mais

de atenção. Como fui entrar naquela fria?

Já completavam dois anos, e os efeitos do simples olhar de Cael

me deixavam sem ar. No momento em que fui remanejada internamente

na Marini Tecnologia, soube que ficaríamos próximos demais para minha

sanidade. Indicação de sua irmã mais nova, Anne Liv, que viajou para

fora do país um longo tempo. Foi assim, que caí no colo de Cael. Não

imaginava que seria, literalmente.

— Geralmente seus olhos se prendem em mim, não na parede. —

Sua voz soou rouca, e sabia que pensava a respeito de meu diferente
modus operandi.

Geralmente, era apenas divertido e prazeroso, para ambos. Por

aquilo, acabamos estendendo mesmo sem sequer conversar a respeito, o


que fazíamos. Horas jogados à frente da televisão maratonando uma nova

série, e que terminava com nós dois nus, entre bebidas e beijos, no chão

da sala ou qualquer outro cômodo. Éramos adultos o suficiente para

separar as coisas, e lembrava bem de como Cael encarava aquela

situação.

— Não precisamos disso. — Deu de ombros, e o encarei sem

entender. Não estava nos planos ir para a cama com meu novo chefe e
CEO da empresa, uma semana depois de começar a ser sua assistente.

Mas aconteceu... E pior, não me arrependia. — Mas podemos nos

divertir nesse tempo, o que acha? Anne sempre me contou que é uma
ótima profissional, então, apenas separaremos esses dois mundos e...

Podemos foder quando quisermos.

Sorri sem vontade, ao me lembrar daquele momento. O sexo fora

selvagem e incrível, e meu corpo era completamente receptivo para com

o seu. Não tinha porque negar, a não ser, o fato de poder ser demitida a

qualquer momento caso cruzasse alguma linha. Porém, não cruzaria.

Apaixonar-me por Cael não era uma opção. Mas quem disse que sabemos

todas as opções em pauta quando fazemos uma escolha? Foi aí, que

vendi minha alma para o prazer, e perdi meu coração.

Ele saía com outras e isso não me incomodava. Fazia o mesmo, e

por um longo tempo, fora completamente normal. Muitas vezes, julguei

que era uma mulher madura e de mente aberta para algumas questões.
Porém, percebi que os dias passaram a se arrastar nos últimos meses e

sequer conseguia estar com outro. Além de que estar próxima a Cael,

apenas como sua assistente, quando assistia mulheres saírem do

apartamento, doía. Percebi mais claramente, quando precisei trazer uma

papelada urgente, e o encontrei rindo junto a outra, na mesa de jantar. Na

mesa em que fodemos na noite anterior.


Era para ser aquilo – uma foda recorrente. Porém, nunca devia ter

misturado prazer e trabalho. Era uma péssima combinação.

— Dizem que quando uma mulher se cala, algo muito errado

aconteceu. — Sua voz soou imponente, e ele se levantou, puxando o robe

caído ao lado da cama e o vestindo.

Dei de ombros, e andei até a sacada do apartamento com vista

panorâmica para a bela cidade de São Paulo. Era a cobertura de um

prédio em zona de alto padrão da cidade, o que não me surpreendia, pelo

fato de ele ser um homem rico. Apertei o lençol ao redor do corpo, e

recebi o vento da madrugada, feliz por um lado, de que amanhã não teria

que trabalhar. Era minha folga, necessária depois de tantos meses

interruptos de trabalho árduo.

Meu coração deu um salto no peito, quando ele se juntou a mim,

parando ao lado, escorado contra o concreto que nos separava do céu e da

queda.

— Animada demais para sua folga?

Olhei-o e optei por assentir. Cael não me entendia, sequer sabia

me ler durante todo aquele tempo. Sabia que era o meu trabalho, estar a

disposição para tudo que ele precisasse. Além de assistente executiva na

empresa, era sua assistente pessoal. Uma espécie de Pepper Potts, que fez
o meu salário triplicar, assim como, começou a destruir meu emocional.

O homem ao meu lado não era Tony Stark, muito menos, considerava-me

importante.

Sorri sem vontade e repensei meus vinte e sete anos. Já era uma

mulher com uma boa quantia em dinheiro guardada no banco, um

apartamento próprio na área que mais gostava da cidade que sonhei como

lar, e um currículo impecável tanto pela universidade, quanto pelo meu

trabalho na Marini.

— Não fique triste, na segunda tudo recomeça. — sua voz soou e

ele sorriu levemente.

Por um longo tempo, iludi-me que aquele sorriso me pertencia.

Porém, era apenas o jeito Cael de conseguir o que queria ou fingir certa

intimidade. Só abri de fato minha mente, quando presenciei cenas como

aquelas em direção a outras. Não era exclusiva, tão pouco, diferente.

Seus olhos azuis pareciam tentar me ler, mas ainda, permanecia a

confusão nos olhos. Por um longo tempo, indaguei-me se era apenas

minha mente sonhadora com um CEO de livros e sua beleza. Ele era

lindo e um CEO, fatos incontestáveis.

Cabelos negros bem cortados, naquele típico aspecto “pós foda”.

Os olhos azuis contrastavam com a barba sempre bem-feita, e os lábios

carnudos, como se implorando para serem mordidos. O corpo musculoso,


tonificado nos lugares certos e de um bronzeado que nunca consegui

entender de fato como conseguia. Ele era a personificação para mulheres

e homens caírem de joelhos. O problema, era que me transformei

justamente em uma daquelas pessoas. E pior, que não tinha mais

controle.

— Sabe que somos amigos, não é? — sua indagação me pegou de

surpresa, e senti que não dava mais para mentir para ele, e

principalmente, para mim mesma.

Não dava mais. Justamente, por querer mais.

— Somos? — rebati, e nossos olhares se encontraram. Notei a


confusão em seu semblante, como se tentando me entender. Ele não

conseguia.

Aquele sentimento em meu peito nasceu em algum momento, e


consegui ignorá-lo por um longo período. Mas nos últimos dois meses,

tornei-me apenas um fantasma de mim mesma. Acabei perdendo peso


por não ter apetite, devido ao fato de estar me sentindo tão perdida

naqueles sentimentos. Minha saúde mental, completamente devastada,


como se implorando para que apenas deixasse aquilo para trás. E era
aquilo que vinha trabalhando, convencer-me de que não precisava

daqueles momentos de sexo e falsa intimidade com ele. Que poderia


superar, e assim, voltar a sorrir de fato. Mesmo que ele sequer tivesse
ideia ou culpa, estar com ele, era minha salvação e inferno pessoal.
Precisava dar um basta ou simplesmente, confrontá-lo.

A parte romântica de meu ser, jurava que ia se surpreender, mas


no fim, admitiria que também me queria. No caso, que tentaria ser apenas

meu, e que depois daquilo, seu coração se tornaria também. Porém, quais
as chances reais daquilo acontecer? Talvez 0,01%. Se tinha algo que

conhecia sobre Cael naqueles dois anos, era que em seus 36 anos,
envolver-se seriamente com alguém não era um objetivo.

— Por que duvida disso?

— Você é meu chefe, e a gente fode o que? Uma a duas vezes por

semana? — indaguei, sentindo o amargo em minha boca ao admitir


aquilo em voz alta. — Isso não é uma definição de amizade.

Notei seu olhar azul mudar e ele endireitou o corpo, encarando-


me.

— Onde quer chegar com isso?

— Ao óbvio. — Dei de ombros, e agarrei-me mais ao lençol,

tentando não parecer tão exposta. — Não representamos nada um para o


outro.

Suspirei pesadamente, e era naquele momento, que ele me


puxaria para si e diria que estava completamente enganada. Que eu era
alguém para ele. Porém, como já esperava, ele sequer reagiu a minhas
palavras, dilacerando meu coração sem ao menos perceber.

— Compartilhamos bons momentos, no entanto. Séries, jantares,

filmes, jogos...  — Comentou e cruzou os braços. — Não faço isso com


todas as mulheres que transo.

Sua fala saiu tranquila e senti a bile vir a garganta. Não dava

mesmo, para mensurar o quanto aquilo me machucava. Apenas tive uma


certeza: que não ficaríamos juntos, nunca mais.

— Acho que não existe muita diferença entre as mulheres que


fode. — Soltei, e me virei, adentrando seu quarto.

Deixei o lençol cair e fui até o canto esquerdo, onde minhas

roupas estavam jogadas. Apenas passei o vestido longo pelo corpo e vesti
a calcinha, focada em achar minhas meias e tênis em seguida.

— Por que deveria existir? — sua pergunta continuou meu


martírio e abaixei os olhos, encarando-o.

— Não consigo mais. — soltei de uma vez. — Nunca me deu

esperanças de que isso se tornaria um relacionamento, e tudo bem. Mas...


Eu me apaixonei, Cael. Eu te amo e não posso fingir que consigo te

dividir com o mundo dessa forma. Porque eu não posso.


Seus olhos se arregalaram, porém, a postura perfeita permaneceu.

Ali notei, que era como se ele tratasse de negócios, mesmo que
estivéssemos apenas nós, frente a frente. Fora a última noite em seus

braços e meu coração se partia ao ter certeza de que nada além do


esperado sairia de sua boca.

Diga que me ama, implorei internamente.

— Gouvêa vai te deixar em casa.

Suas palavras frias me atingiram de forma que punhais


adentraram minha pele. Uma lágrima desceu, antes que pudesse evitar, e

foi no exato momento que avistei meus tênis e meias. Praticamente


passei por ele como um furacão, pegando-os em mãos, sem sequer olhá-

lo. Porém, no fundo, era como se precisasse. Necessitava lhe mostrar que
nos trataria como ele fizera, um mero negócio concluído.

— Isso é tudo, senhor Marini?

Ele sequer expressou algo, e apenas me deu as costas, adentrando


seu banheiro. Senti-me querer afundar naquele chão, ao mesmo tempo

que queria jogar o tênis em sua cabeça. Isso é tudo o cacete seu imbecil
de merda, segurei-me para não gritar. Porém, apenas me virei e segui
para fora daquele apartamento.

Rejeitada era como me sentia.


Rejeitada por aquele maldito CEO.
CAPÍTULO II

CHIARA
 

Só podia estar em meu inferno astral.

Acordei com o despertador berrando, e quis jogar o celular contra

a parede. Olhei rapidamente as horas, após desligar aquela merda, e vi


que ainda eram oito da manhã. Suspirei, sabendo que deveria ter dormido

no máximo vinte minutos. Uma noite em claro, bebendo até cair e

cantando sertanejo sofrência até Adele, fora o que me restou. O sábado

de folga que tanto almejei, de repente, seria apenas a base para dormir o
dia todo, diante da ressaca causada por vodca, vinho e rejeição.
— Saúde as pobres almas apaixonadas por cretinos de terno e

gravata. — Ironizei para o quarto vazio, e suspirei profundamente.

Apenas a lembrança do porque tinha aquela dor de cabeça, fazia-

me querer pegar as garrafas deixadas no entorno de minha cama, e

quebrá-las na cabeça de Cael, da forma como ele quebrou meu coração.

Liguei a televisão, e de repente, fui presenteada com o volume no

máximo e a música que continuava minha terrível playlist de sofredora


com álcool no youtube. Assim que Fergie cantou que garotas grandes não

choram, revirei os olhos, discordando por completo.

— Garotas grandes choram e muito, só que com álcool como


acompanhante.

Minhas reflexões sozinhas, eram tão necessárias quanto eu para

Cael. O dia mal começou e apenas queria esquecer que de fato existia.

Melhor, esquecer que Cael existia. Porém, o maldito era a causa de estar
daquela forma. Ainda mais, por ser um insensível. Soltei o grito entalado

na garganta, e levei as mãos aos cabelos. Como pude esperar algo?

No fundo, iludindo-me de que era diferente. O carma de toda


mulher apaixonada, e pensa que vai ser a diferente para o cara. Às vezes,

simplesmente, não era para ser. No meu caso, impossível. Assim como,

dispensei várias mulheres durante os dois anos trabalhando com ele, fui
apenas mais uma. Tão clichê e dramático, que de repente, me peguei

ouvindo Marília Mendonça.

A cabeça a ponto de explodir e o corpo mal se acostumando a

estar de pé novamente. Era uma péssima rejeitada.

“Sei

Que o pra sempre virou pó

E na cabeça deu um nó

Mas eu tô bem consciente

Mas amei

Amei sozinha, mas por dois

Me conformei que agora, e não depois

Vou ter que seguir em frente

Preocupa não

Que eu não vou bater no seu portão

Preocupa não

Que não vai ver mais o meu nome em nenhuma ligação

Preocupa não
Que eu vou tomar vergonha na cara

Preocupa não

Pra um bom entendedor, meia ausência basta”

Meu celular despertou mais uma vez, tirando-me do momento

gritando minha dor besta. Soltei um grunhido e peguei o aparelho a ponto

de querer jogá-lo na parede. O que me surpreendeu não foi o fato do

despertador ter decidido me infernizar, mas do número que me ligava –

Anne Liv. Massageei minhas têmporas, e peguei o controle, baixando o

som da televisão. Respirei fundo e atendi o telefone.

— Bom dia, perfeitinha.

Sorri diante do cumprimento de Anne, mesmo que minha vontade

fosse me esconder de qualquer um de sua família. Mesmo tendo certeza

que nenhum deles tinha a mínima ideia de meu envolvimento com Cael.

Na realidade, éramos discretos ao extremo. Como era sua assistente


pessoal, não abria chance para desconfiarem. Ao menos, nunca fora um

assunto em pauta em nenhuma revista de fofoca ou até mesmo, em roda

de amigos e nos corredores da empresa.

— Olá, ex chefinha preferida.


— Nisso tenho que concordar. — Anne Liv e sua autoestima

infinita. — Agora mesmo fui te procurar, e adivinha minha surpresa

quando não te achei?

Fechei os olhos, imaginando que dali um dia, voltaria para a

empresa e assim, encararia Cael. Tinha que deixar o sofrimento para o

momento, porém, minha ansiedade já conseguia me fazer sentir vergonha

de reencontrá-lo após aquela declaração catastrófica. Teria aquele fim de

semana para trabalhar minha frieza e ser impecável no trabalho. Sem

brecha para que lembrássemos do que aconteceu. Duvidava do fato de

que ele lembraria.

— Não devia estar no Rio? — indaguei.

— Bom, as reuniões aconteceram mais rápido e consegui voltar a

tempo de comemorarmos o aniversário do Cael. — Paralisei e minha

cabeça deu voltas. — Sei que ele odeia esse tipo de coisa, festa com a

família sabe? O jeito dele é sempre aquelas festas extravagantes cheio de

mulher pelada para todo lado... — ela soltou um som de nojo, e me

segurei para não pensar sobre.

Era a realidade. O fato era que organizei a festinha privada de seu

aniversário no ano passado, e sequer passei em seu apartamento no dia.

Andei até meu escritório, sem conseguir acreditar que andava tão
distraída. Abri o planner e me deparei com o que sequer imaginava ser

naquele dia.

Festinha privada – Cael

Suspirei, sentindo-me uma completa idiota. Aquele evento fora

programado há meses, e sequer fiquei atenta ao que acontecia. O fato era

que meu coração e mente se embaralharam no meio do caminho, e tentei

evitar pensar que não éramos exclusivos, muito menos, jurou-me

fidelidade. A que ponto chegamos, em Chiara?

— No que posso ajudar? — perguntei por fim, jogando-me contra


a cadeira. Minha cabeça parecia doer ainda mais, e logo senti um peso

sobre meu corpo. Sorri para Noctis, meu gatinho de apenas três meses,

que se emaranhou em meu colo, e fechou os olhinhos. Ao menos, tinha

um amor real bem ali.

— Bom, tem tempo para cancelar tudo? — engoli em seco e

arregalei os olhos. — Sei que é sua folga, mas... Mamãe e eu queremos

fazer algo diferente para Cael, e bom, se ele estiver na putaria, não

teremos como.
— Anne... — engoli em seco, imaginando o quanto aquilo

poderia ser errado. — Não sei se posso fazer isso. Pode custar meu

emprego.

Passei as mãos em Noctis, que parecia uma bolinha de pelos

negros. Olhei para os números anotados em meu planner, logo abaixo do

evento, e comecei a maquinar o que poderia ser feito. Seria uma

vingança de acordo acabar com sua festinha de aniversário que não

passava de uma suruba? Sequer conseguia entender como me esqueci

por completo do aniversário de Cael. Ao menos, no ano anterior,


comprei-lhe um presente. Sequer tinha lembrado daquela vez. Minha
mente, com certeza, focou tanto em querer ser sincera com ele, que

deixei todo o resto se tornar irrelevante.

— Então, talvez, possa me passar os números das pessoas que


combinou e... eu me encarrego de cancelar tudo. — a voz provocativa de

Anne Liv surgiu do outro lado da linha e tive que sorrir. Ela era o
tormento de Cael: fato.

— Tudo bem. — acabei por concordar e repensei o que de ruim

poderia acontecer. — Se ele me demitir, volto a ser sua assistente. —


negociei e ela gargalhou alto.

— Amo fazer negócios com você, senhorita Moreira.


— Sei. — Sorri de sua determinação. — Vou te mandar uma foto
com os números por mensagem.

— Certo. Já até organizei o jantar de aniversário para ele, no


meu apartamento, e ele sequer tem ideia. — comentou e levei o cotovelo

ao tampo da mesa, querendo apenas esquecer. — Aliás, está mais do que


convidada.

Fechei os olhos com força, pois já esperava por aquilo.

— Não posso, Anne. — Engoli em seco. — Tenho um encontro

justamente hoje, e é bom, um velho amor... Enfim, é complicado. —


Lembrei-me do filme que estava ansiosa para rever; bom, seria um ótimo

reencontro com Matthew McConaughey.

— Sabia que existia alguém nesse coraçãozinho. — Sua fala me

pegou desprevenida. — A maioria das mulheres acerca de meu irmão


parecem que caem de amores, e você, sendo tão próxima... aposto que

percebeu os defeitos e mais, tem alguém em sua vida.

— É.

Se ela soubesse...

— Ok, vou te deixar descansar e se preparar para o encontro. —

por mais horrível que pudesse parecer, estava dando graças a Deus por
Anne Liv me deixar em paz. Ela foi uma ótima chefe e era uma ótima
amiga. Entretanto, não era o meu dia para conversa. — Obrigada pela
ajuda, perfeitinha.

Sorri de seu apelido.

— De nada, Anne. Até mais!

Ela desfez a ligação, e em seguida, tirei a foto da folha do planner


e lhe mandei, sabendo que ela teria que ser rápida para cancelar tudo. Por

fim, poderia ficar em paz. Noctis se remexeu em meu colo, no momento


em que cliquei na galeria. Não era fã de fotos, mas ali existiam algumas

que eram especiais. Principalmente, algumas tiradas em momentos


bêbados com Cael.

Toquei seu sorriso perdido, que tanto pensei ser meu, e que

implorei internamente para que fosse. Suspirei, deixando uma lágrima


descer. Amar doía. Principalmente ele. O amava por coisas tão pequenas

e momentos tão únicos, que duvidava que fosse de fato algo congruente
com o tamanho do sentimento. O problema era que encontrava amor

onde não devia.

— É, Noct. — Sorri para meu pequeno. — Vamos superar isso!

Disse em voz alta, para ver se atraía. Quem sabe o universo me

presenteava com a superação. Um amor só se cura com outro, era o que


mais ouvia. Esperava poder superar o que sentia por Cael, sem me

complicar ainda mais.

O amor de Noctis contava?

Passei as mãos por seus pelos e sorri. Naquele momento, tinha

que bastar.
CAPÍTULO III

CHIARA
 

— Mil infernos!

Praticamente berrei, assim que a pessoa a porta, parecia querer

explodir meus miolos com a campainha.

— Já vai, porra! — gritei ainda mais alto, e finalmente, a porcaria

silenciou.

Era real: a pior folga de todos os tempos. Andei a passos

embolados, colocando um shorts de tecido mole, e encarei o grande


relógio na sala de estar, que marcava cerca de duas da manhã. Franzi o
cenho e tentei pensar se minha irmã mais velha, poderia estar fazendo

alguma surpresa. Era a cara da maluca agir daquele jeito.

Era ela ou um assassino. Todavia, um assassino não tocaria a

campainha fazendo um escândalo aquele horário, refleti. Já bastava o

meu showzinho na madrugada anterior que com certeza, renderia uma

multa. Agora, teria mais uma para pagar. Merda!

A noite perfeita com Mattew McConaughey fora atrapalhada por

uma vodca forte demais que acabou me derrubando no sofá e de repente,

estava praticamente me arrastando para o quarto. Misturar sorvete de

chocolate com álcool naquele grau não foi muito inteligente, porém,
acabou sendo um ótimo calmante. Dormi, serenamente, sem sonho algum

atrapalhando. Porém, alguém tinha que bater na porta e acabar com


minha paz.

Encarei o olho mágico e fiquei perplexa. Afastei-me e balancei a


cabeça, tentando entender se ainda estava bêbada o suficiente para ter

alucinações. Voltei a olhar e fiquei ainda mais incrédula. Cael tinha

algum gêmeo, não era possível. Resolvi que o melhor era confirmar

minha loucura, ficando frente a frente. Abri a porta apenas o suficiente

para colocar a cabeça para fora e cometi meu pior erro ao fazê-lo. Os

olhos azuis intensos apenas me deram a certeza – era ele.

Mas o que diabos fazia em minha porta na madrugada?


— Relatório? — indaguei, e tentei afastar a vontade de fechar a

porta em sua cara.

Ele era meu chefe e para estar ali, em um domingo, com certeza,

era algo do trabalho. Nunca transamos no meu apartamento, e ele viera

raras vezes. Também, nunca foi uma questão de onde estaríamos juntos.

O que me fazia pensar a respeito da reunião com os americanos na

semana passada. Teriam solicitado algo do nada? As pessoas poderiam

ser imprevisíveis em alguns contratos.

— Posso entrar? — sua voz controlada fez-me arquear a

sobrancelha.

Onde estava a pedra de gelo de sexta-feira?

Optei por abrir a porta e deixá-lo entrar. Aquela simples

proximidade, de seu corpo adentrando meu apartamento, fez-me querer

acreditar que era o momento que ele se declararia.

Olha, percebi que também te amo. O aniversário sem você foi um

inferno. Volta para mim!

Ri sozinha de meu tolo pensamento, e me virei para ele, que de

repente, pareceu imponente demais em minha sala. Não conseguia focar

em nada além de sua presença.


— Engraçado, não é? — indagou, e sua boca subiu, claramente

com raiva.

O que?

— Só se estiver lendo meus pensamentos para entender porque ri.

— Rebati, e pensei no quanto aquilo poderia custar meu emprego.

Na realidade, não pensava tanto a respeito naquele momento.

Queria era colocá-lo para fora. Da mesma forma como, fui mandada para

fora do seu apartamento dias atrás.

— Não preciso, já que aposto que deve ter sido muito engraçado

ajudar minha irmã com o cancelamento da festa. — Aquela versão

nervosa e desconcertada de Cael raramente aparecia, ao menos, no

âmbito pessoal. Ele era extremamente controlado fora da cama. —

Achou mesmo que pode passar por cima de minhas ordens?

Acabei sorrindo ainda mais de deboche, diante de seu estresse.

Talvez eu devesse ter me divertido com aquilo, porém, sequer imaginei

no que ele pensaria. Ajudei uma amiga e ponto, nada mais. Talvez aquele

fosse o ponto chave da noite.

— Não trabalho aos domingos e veja só, aqui está meu chefe! Em

minha casa! — acusei-o e era como se seus olhos pudessem me queimar


caso fosse possível. — Tenha respeito, Cael. Não estamos em horário de

trabalho e está na minha casa.

Ele franziu o cenho e notei que nada de bom passava por sua

mente.

— Mas resolveu trabalhar em seu dia de folga em prol de


desfazer uma ordem lhe dada. — Rebateu e o encarei com preguiça. —

Não é para isso que te pago.

— Agora, vamos falar de salário? — indaguei, e bocejei em

seguida, sentindo-me a flor da pele, mas com aquele sarcasmo presente

em meu ser, que com certeza, queria demonstrar. — Apenas passei as

informações da sua festinha para sua irmã, já que quer uma explicação. O

que ela fez com isso, é responsabilidade apenas dela.

— Não tem direito de passar nada que se refere a mim para

outros. — Sua voz soou forte, mas controlada.

— Não tem direito de estar na minha casa a essa hora e nesse dia,

e olhe só. — Abri os braços e sorri cinicamente.

— Você me deixou entrar. — Acusou e o encarei com ainda mais

preguiça.

— Veio aqui para que, Cael? Ficar discutindo sobre algo que não

está sob meu controle? Sua irmã descobriria de todo jeito os números e
cancelaria sua festa de putaria, palavras dela. — rebati e ele me encarou.

Notei que sua expressão parecia ainda mais furiosa. — Vir a minha casa,

de madrugada, tirar minha paciência no domingo, com certeza, não

mudará isso.

— Deve estar muito ocupada. — sua voz soou baixa e perigosa, e

franzi o cenho, sem entender. Ele então se agachou e em seus dedos,

levantou uma de minhas calcinhas.

Adiantei-me e a peguei, feliz por tê-la encontrada. Tinha a mania

de tirar tudo para dormir. Ou apenas dormir com uma grande camisa

velha. Quando tirava a calcinha, ia direto para o cesto no banheiro.

Porém, aquela ali, foi tirada em meio ao porre, então, só poderia estar

espalhada.

— Obrigada. — Dei de ombros, sem conseguir levar a sério sua

fala.

Estava muito ocupada, enchendo a cara para te esquecer,

imbecil!

Um barulho vindo do quarto, fez-me levar a mão a cabeça,

imaginando que minhas maquiagens, mais uma vez, iam para o chão.

Noctis e sua nova mania de querer testar a durabilidade das coisas.


— Mande-o embora, precisamos resolver algo de trabalho. Pago a

hora extra. — Olhei-o incrédula e fiquei estática. — Preciso repetir?

— Por que mandaria Noctis embora? — perguntei incrédula, e

Cael olhou em direção ao quarto, onde veio mais um barulho. Só

conseguia pensar em meu iluminador novo. Que os anjos da maquiagem

o protegessem de um gato sem limites.

— Noctis? — a voz de Cael soou zombadora. — Quem diabos se

chama assim?

— Por que parece tão incomodado com meu...

Ouvi um estrondo alto, larguei a calcinha e sequer terminei a fala,

correndo em direção ao quarto. Assim que cheguei, encontrei Noctis em


cima da penteadeira, com seus olhinhos azuis praticamente declarando

que não era sua culpa, mas sim, das coisas que de repente entraram na
frente dele. Olhei para o chão, e ali estava minha base que custou um rim

e o iluminador novo. Felizmente, nada parecia tão arruinado.

— Eu só não te deserdo porque não conseguiria viver sem você.

— falei, e o encarei profundamente. — Filho mau!

Decidi por colocar as coisas dentro da cômoda e virei-me


novamente para Noctis, que se fingia de bom moço.

— Filho mau!
Ignorando-me por completo, pulou no chão e o vi passar entre
minhas pernas e ir em direção a porta, como se não tivesse feito nada.

Realmente, ele se tornou o dono da casa sem eu sequer perceber ou


pensar em impedir.

Assim que me virei, deparei-me com a cena que não deveria ser
tão bonita assim. Noctis, filho mau, agora passaria a ser conhecido como

traidor. Ele se esfregava na perna de Cael, como se fosse sua pessoa


favorita no mundo.

— Vem aqui, mocinho.

Adiantei-me e me abaixei, pegando a bolinha de pelos no colo.

Passei a mão por sua barriga, querendo parecer brava, mas era
impossível. Aqueles olhinhos azuis eram meu mundo todinho.

— Desde quando tem um gato? — a pergunta de Cael me pareceu


como mais uma prova de que sequer fazia questão de saber sobre minha

vida.

Sexo. Trabalho. Mais sexo. Mais trabalho. Um ciclo que


finalmente chegava ao fim.

— Então, é alérgico? — indaguei, e ele franziu o cenho. — Ora,

não queria que colocasse o gato para fora?

— Eu... — limpou a garganta, e notei seu constrangimento.


Juntei sua imposição e ainda mais, sua desconfiança clara. A
forma como parecia me acusar de algo, como se acreditasse mesmo que

alguém estava ali comigo. É bom estar do outro lado da moeda? Segurei-
me para não perguntar.

— Anne Liv te falou do meu encontro, não é? — indaguei, e ele

engoliu em seco, abrindo a boca para argumentar, mas não disse nada.
Aquela era uma das poucas vezes que o via sem palavras. As outras,

eram basicamente quando lhe surpreendia com minha inteligência e


perspicácia, e também, quando tirava a roupa. — O que realmente quer
aqui, Cael? Olha, estou cansada, já estava no sétimo sono quando tocou a

campainha como se o mundo fosse acabar. Se é uma festa que quer, eu


tento aprontar tudo na segunda, que tal?

Seu olhar mudou e notei que parecia ansioso.

— Tem que ser hoje? — indaguei cansada, sem ainda entender o

que ele realmente queria. — Ficar brincando de estátua não vai esclarecer
minhas dúvidas.

— É que... Não precisa fazer nada disso. — franzi o cenho, e


continuei a passar a mão pela barriguinha de Noctis, que ronronava. Gato

manhoso. — Eu acabei ficando alterado à toa por ter mudado os planos,


mas sei o quanto Anne Liv pode ser convincente.
— Certo. — suspirei profundamente, encarando seus olhos azuis.

Tudo o que queria era tirar aquela camisa cinza e todo o resto de seu
corpo. Beijá-lo pelo resto da noite e boa parte da manhã. Se eu desse um

passo, ele me daria aquilo. Aí, seria sexo, como sempre. Sexo por sexo,
poderia ter em qualquer lugar. Com ele, eu queria mais. Infelizmente, o

que não podia me dar. — Vou te levar até a porta.

Deixei Noctis sobre a cama e passei pela porta, sentindo a

presença de Cael a minhas costas. Abri a porta e lhe dei espaço para sair.
Seu olhar pareceu preso no meu por alguns segundos, e o encarei,

implorando internamente para que meu amor fosse correspondido.

Em vez de simplesmente sair, ele me encarou, e abriu um leve


sorriso. Aquele sorriso, que me tinha aos seus pés. Segurei-me para não

unir nossos lábios. Ele era alto, cerca de um metro e noventa, entretanto,
meus vinte centímetros a menos não eram grande empecilho. Um passo e

teria sua boca na minha. Porém, escolhi o que era correto daquela vez.
Ignorar aquela atração.

— Desculpe o incômodo. — Apenas assenti, balançando a


cabeça, e ele continuou parado a minha frente.

— O que foi? — indaguei, e ele piscou algumas vezes, como se

parecendo confuso.
— Boa noite, Chiara.

Deu-me as costas e simplesmente saiu, deixando-me para trás. De

meu apartamento, poderia vê-lo caminhar até o elevador. Suspirei feito


uma adolescente, quando notei que ele estava concentrado em seu

caminho. Eu o amava, perdidamente. Mais uma vez perdida por saber


que não existia chance. Fechei a porta, excluindo-o de minha visão. Olhei

para o apartamento vazio, e tentei encontrar uma boa motivação para


acordar cedo e mudar tal cenário de minha vida.

Precisava espairecer.

Encarei o tapete velho da sala, que viera comigo do antigo


apartamento e pensei que era o momento certo de mudá-lo, e começar a

colocar os planos de decoração para minha casa em ordem. Domingo


seria aquilo, um dia de descontração comprando o que precisava para

começar a redecorar tudo. Um jeito de tentar esquecer o fato de que Cael


Marini era o centro de meus pensamentos.
CAPÍTULO IV

CHIARA
 

Tinha me esquecido de como redecorar era um porre, ao menos,


quando não se tem tempo para a mesma.

Passei a mão por meu macacão de cor preta, em uma malha


social, que o tornava formal e bem apresentável. Prendi os cabelos loiros

no alto da cabeça e optei por uma maquiagem leve, já habitual,

completada com um batom rosado. Sempre gostei de me vestir daquela

forma, e trabalhando diretamente com o CEO da empresa, era algo


essencial. Estar apresentável e com um belo sorriso. Palavras que Anne

Liv me dera como ensinamento em meu primeiro dia a seis anos atrás.
Suspirei profundamente, lembrando-me de como tudo tinha se

transformado. Parecia surreal, e se alguém me falasse que me encontraria

em tal situação, rejeitada por Cael, jamais acreditaria. Afinal, como

poderia ser rejeitada por alguém que não ia me envolver? Os dois anos

recorrentes, se encarregaram para que me envolvesse além do que


deveria.

Peguei a bolsa sobre a cama, e não resisti em abaixar e dar um


leve beijo na cabecinha de Noctis, que dormia enrolado sobre o

travesseiro que não usava. Tão meu menino, que era realizou aquele

sonho de futuro perfeito – uma fidedigna mãe de gato.

Sempre odiei o trânsito e por tal motivo, mudei-me para o mais

perto da empresa quando o salário aumentou e consegui estabilidade.

Andar dois quarteirões de salto alto eram o céu, ao em vez de passar no

mínimo meia hora dentro do carro, enquanto pensava em quão cedo

deveria sair no dia seguinte para não atrasar. Cerca de cinco minutos
depois de sair de casa, estou à frente da recepção da empresa. Dou bom

dia a todos que parecem solícitos e me dirijo ao elevador privativo. O

qual, apenas os funcionários com ligação direta ao último andar,

poderiam utilizar. Usei o cartão que me permitia chamá-lo e em poucos

segundos as portas se abriram.

Dei um passo a frente, guardando o cartão na bolsa e me aprumei.

Levantei o olhar apenas o suficiente para desejar bom dia a pessoa ali

dentro, sendo recebida por um sorriso de Leonardo. Ele tinha uma aura

leve, diferente da maioria das pessoas que trabalhavam ali. Como o novo
assistente pessoal e executivo de Anne Liv, que voltou para o Brasil a

cerca de cinco meses, todos disseram que ele não daria conta por uma

semana. Até mesmo, cheguei a pensar que seria remanejada para o cargo

antigo, entretanto, contrariando todos, ele ainda estava ali e apenas ouvi

elogios a respeito.

— Bom dia, Leo.

— Bom dia, Chia. Preparada para a semana? — indagou, e

respirei profundamente, dando-lhe meu olhar austero.

Seria uma semana infernal e decisiva. Ao mesmo tempo que

contratos e decisões de suma importância seriam tomadas, o que era um

grande marco para a empresa, seria a semana de ficar praticamente

afundada em documentos e reuniões sem fim. Todavia, era o meu


trabalho, e amava ser criteriosa, a ponto de chegar a sexta-feira e poder

voltar para a casa com apenas uma certeza: fui foda.

— Sempre. — Pisquei e ele sorriu, dando-me alusão a uma

covinha em sua bochecha.

O elevador parou, e saímos. Dei-lhe um leve aceno e me dirigi até

ao lado esquerdo do andar, onde se localizava a sala de Cael, e

consequentemente, a minha. Parei à frente de minha mesa, e já peguei o

planner exclusivo para empresa, no qual repassaria todos os

compromissos, e conseguinte, teria que encarar meu chefe. Minha mente

virou, e pela primeira vez, em todo aquele tempo trabalhando com ele,

sabia que seria difícil agir normalmente.

Nunca foi. Nem mesmo depois da primeira vez que ficamos

juntos. Um encontro casual em um bar qualquer, e de repente, acabamos

em uma cama, longe de qualquer ambiente de trabalho. Foi uma escolha

mútua e sem qualquer alusão a romance. Gostava daquilo, tinha que

admitir. E por um longo tempo, foi apenas aquilo. Sexo depravado com

meu chefe, que além de tudo, eram um homem sexy como o inferno.

Porém, os últimos dois meses mostraram-me uma nova face, e até

mesmo, aquele sentimento que sequer sabia dizer quando nasceu. Não

conseguia mais me envolver com outros homens e parei para pensar

sobre o que me freava. E lá estava a imagem nítida de Cael. Lá estavam


seus lábios, cheiro e toque. Assim como, nossas conversas, momentos e

sorrisos. E principalmente, o sentimento que me despertou.

Assim como ele, sempre tive outros encontros esporádicos. Uma

mulher livre para explorar o prazer que queria, e quando queria. Porém,

sempre me vinha voltando para seus braços. Assim como, ele vinha para

os meus. No princípio, pensei que pela comodidade de explorarmos cada

vez mais o corpo um do outro, e o fato de nunca conseguirmos enjoar do

que fazíamos. Hoje, vejo que minha mente não enxergou tão cedo o que

meu coração já acusava: não se arrisque de tal maneira.

Ali estava eu, apaixonada por alguém, que com toda certeza, não

pensava na possibilidade de algum relacionamento além do que tivemos.

— Você pode. — falei baixinho, e encarei a porta de cor marrom.

Olhei para meu relógio e já eram exatas oito horas. O que significava

uma coisa: hora de começar o dia. Dei duas batidas na porta e adentrei o

grande espaço.

Como de praxe, Cael já estava em sua cadeira, com o terno

jogado sobre o sofá branco do lado esquerdo, vestido na parte de cima

apenas uma camisa de cor azul clara, a gravata em outro tom de azul e o

colete preto. Um óculos preto de aro grosso emoldurava os belos olhos

azuis, e ele parecia preso ao que estava no papel.


— Bom dia, senhor Marini. — usei da formalidade que nunca

perdemos ali dentro, e era um caminho que sempre preferi trilhar. Nada

atrapalharia meu trabalho, e muito menos, me faria perder o foco.

Então, por que queria discutir sobre meus próprios sentimentos?

Ele ergueu o belo rosto, e os olhos azuis pareceram mergulhar nos

meus. Notava a forma diferente com que me encarava, talvez, esperando

que agisse diferente depois daquela fatídica sexta-feira. Surpresa, queria

gritar. Aquela era eu, fazendo o que sabia de melhor – esquivar-me e

fazer-me de invisível.

— Bom dia, senhorita Moreira. — a imponência de sua voz

atingiu diretamente minha nuca, a parte de meu corpo que sempre se

arrepiou com sua presença. Foco!

— Podemos repassar sua agenda? — indaguei, e ele assentiu,

pegando o tablet ao seu lado.

Era aquela grande diferença entre nós, e que me custava um

pouco mais de trabalho. Sempre preferi o papel para anotações por ser

uma forma na qual me concentrava melhor, até mesmo enfeitando

minhas páginas de compromissos. Entretanto, o indispensável, em

empresas e ainda mais, em uma de tecnologia, era a agenda eletrônica.

Enquanto Cael acompanhava tudo em seu tablet, ali estava eu, com meu
planner executivo, repassando cada mínimo detalhe do dia. O trabalho

em dobro consistia em fazer a mão e depois digitar cada compromisso.

Era uma escolha minha, no entanto.

— E bom, as oito horas, reunião externa com a representante da

AIA Cosméticos. — finalizei, e ele negou com a cabeça, claramente

incomodado.

Sabia bem do porquê, mas jamais levantaria tal questão ali. E

como já não existia nós fora do trabalho, o assunto não seria explanado.
Ou melhor, nunca houvera nós.

— Quanto tempo está marcada essa reunião? — indagou, e nem


precisei conferir para saber. A assistente de Maria Gonzáles me ligou a

semana passada toda para confirmar tal reunião.

— Há um mês. — Ele assentiu, e fez aquele gesto tão


característico seu, que tive que me firmar nos saltos. A mão percorreu a

barba bem-feita e parou segurando o queixo, como se procurando uma


solução. Sabia que ele sorriria de lado, assim que a mesma viesse em sua

mente. Então, ele o fez.

— Fale com Garcia, e peça para que Anne Liv vá. — Assenti e

anotei rapidamente sua ordem. — Isso é tudo, senhorita Moreira? —


perguntou, e tentei abrir a boca para lhe responder o que sempre foi
costume entre nós, porém, pela primeira vez, travei.

Respirei fundo, e assenti, sem saber como disfarçar meu


incômodo. Não conseguia parar de pensar onde diabos enxerguei

romance ali. A questão era, o romance estava fora daquelas paredes,


daquele prédio... Estava em momentos que o enxerguei como o meu

Tony Stark. Por que diabos era tão fã de homem de ferro? Aliás, Cael
sequer parecia com ele. Estava mais para uma versão de Capitão

América, que com toda certeza, não aprovava. Como sempre, começava
a vagar por minha mente.

— Vou preparar tudo para a primeira reunião. — Ele assentiu, e

notei que engoliu em seco. — Com licença, senhor.

Dei-lhe as costas e bastaram dois passos, para que sua voz


reverberasse por todo o ambiente.

— Vai mesmo ser assim, Chia?

O apelido, o tom aborrecido na voz... Parecia sonhar que tinha


algo mais em sua fala. Porém, era apenas o fato de que ele não esperava

aquilo. Cael Marini era metódico, e sabia bem. Mais uma vez, ele me
tratava como um de seus contratos. Aquilo me doía, ainda mais, porque
tentava me blindar. Nada além do fato de não o ter respondido como de
costume mudara. O que vivíamos era fora. Mesmo assim, parecia ter
incomodado.

— Não entendi, senhor. — frisei a última palavra, e ele assentiu,

parecendo entender que não adiantaria insistir.

— Isso é tudo, senhorita Moreira.

Assenti novamente, e dei-lhe as costas, saindo em seguida. Sentia

algo diferente no ar, e sabia que era o fato de meus sentimentos estarem
expostos há poucos dias. Se nem mesmo eu conseguia entendê-los, quem

diria Cael. Um homem que nunca vi falar abertamente sobre amor ou


paixão.

Sentei-me e liguei meu computador, com apenas um pensamento

em mente: trabalhar. Por mais que Cael fizesse parte de minha vida, o
deixaria no único lugar plausível dali por diante, como meu chefe. Em

algum momento, aquele sentimento morreria. Sua rejeição, era apenas o


passo inicial para que aquilo fosse desencadeado. Por bem ou por mal.
CAPÍTULO V

CHIARA
 

— Eu sei que estou devendo uma visita, Nina. — falei, e minha


irmã bufou do outro da linha. — Não pode me culpar por ter escolhido

morar no fim do mundo.

— O fim do mundo que você nasceu, a propósito. — ralhou e tive

que sorrir. Adorava poder atormentá-la a respeito. — E fica há poucas

horas de SP.

— Sinto falta de casa, sabe disso. — comentei e olhei

rapidamente para a foto de família sobre minha mesa de trabalho. — Mas


essa semana é impossível, prometo na próxima, que tal?

— Quero socar essa sua carinha, por ser uma viciada em


trabalho, mas eu entendo. — poderia vê-la nitidamente revirando os

olhos. — Fui a mulher que escolheu o trabalho no lugar do amor. —

comentou e notei o tom triste em sua voz.

 Nina e seus mistérios do passado, com o cara que nem mesmo eu

sabia quem era, mas que tinha seu coração.

— Eu acho que está na hora de ligar pro cara. — Resolvi

aconselhar, algo que raramente fazia. Tal assunto era código vermelho

entre nós. Ela falava sobre quando estava pensando demais ou em modo

bêbada dramática. — Passaram anos desde a faculdade, e bem, ninguém

é tão maduro assim nessa época.

— Enfim. — cortou-me rapidamente, fugindo do assunto como

sempre. O que sabia de fato era que ela terminou tudo entre eles. — O

que está comendo, afinal? — indagou, e encarei a banana e morangos

cortados em minha marmita.

Saudável, porém, nada adequado para a batalha do resto da tarde.

Era meu horário de café, e como Cael tinha saído para um café de

negócios, ali estava, perdida em minha mesa, aproveitando a solidão


ensurdecedora por saber que em algum momento, ele passaria pela porta.
— Tentando comer mais, claramente. — Mexi com o garfo no

pedaço de banana e o levei a boca. — Acho que vou melhorar nisso.

— Falou com ele? — indagou, e seu tom de reprovação não me

passou despercebido.

Nina nunca entendera de fato como acabei me envolvendo com

Cael e a forma como lidávamos com aquilo. Trabalho separado de prazer.

Entretanto, existia o mais da paixão, que acabou me colocando em outro

lado. Por aquele motivo, sequer comentei com ela sobre o que aconteceu

no fim de semana. Decidi esperar sua pergunta, e ali estávamos.

— Sim e foi como o esperado. — engoli o pedaço de morango

com força, sentindo minha garganta doer. — É uma merda ser rejeitada.

Nada novo sob o sol.

— E por que ainda está trabalhando aí? — sua pergunta soou

como um grito e até afastei o celular da orelha. — Nunca vou entender

esse seu lado virginiano com ascendente em áries, que parece

determinado a permanecer no masoquismo.

— Sou dura na queda. — comentei rindo, sabendo o quanto ela

adorava chamar meu mapa astral feito em aplicativo como “demônio


encarnado na terra”. — Aliás, o que poderia fazer?

— Mandá-lo a merda e sair desse emprego?


— Ou beber até cair por dois dias e depois disso, bola para frente.

O salário compensa o soco no coração.

— E quanto tempo sua mente vai aguentar toda essa pressão? —

sua pergunta foi como um tapa na cara. — Se liga, maninha. Posso ver

pelas suas fotos que não tem mais aquele brilho. Aliás, a forma como

tem parado de comer. Só faz isso quando parece sem vontade de nada.

Não se esqueça de quem é a mais velha aqui.

— Sim, chefe. — tentei forçar a piada e olhei em direção as

frutas. Seria normal comer aquilo entorno das três da tarde, se não fosse

minha primeira refeição no dia. — Tenho faltado a terapia, é verdade... E

talvez, tenha me descuidado um pouco, por...

— Passar tempo demais tentando entender como se apaixonou

pelo seu chefe? — ironizou e sabia que vinha mais por ali.

Ouvi o barulho do elevador e suspirei, aguardando-a terminar de

falar, para poder me despedir.

— Você sempre vê romance onde não tem. Achou mesmo que um

caso com o chefe poderia dar certo? Ainda mais, assistindo Netflix

juntos? Qual é, Chia? Você já estava amando esse cara sem sequer

perceber.
— Ou seja, tudo criação da minha mente romântica. — Acabei

deduzindo, algo que pairava em meus pensamentos por um longo

período.

Na realidade, desde quando comecei a me sentir diferente para

com ele, principalmente, ao encontrar uma mulher saindo de seu

apartamento, e me sentir mal, pela primeira vez por tal coisa. Poderia ser

meu ego? Minha imaginação fértil de romance com o chefe? Ele era o

personagem perfeito para um falso amor?

— Queria eu que fosse. — resmungou, e foi no momento em que

Cael entrou em meu campo de visão. Dei-lhe um aceno de cabeça, ao

mesmo tempo que sabia que tinha mais cinco minutos de meu intervalo.

— Eu também. — Soltei um suspiro, e notei que Cael não seguira

direto para a sua sala, parando a minha frente. — Tenho que ir. Nos

falamos mais tarde? — indaguei, ainda sem coragem de encará-lo.

— Aposto que ele está aí. Mande meus cumprimentos em suas

bolas. — Segurei a risada. — Até mais, maninha!

Desfiz a ligação, e deixei o celular sobre a mesa. Respirei fundo e

levantei meu olhar, encontrando o azul profundo de Cael. Ele parecia

incomodado com algo, porém, sequer conseguia deduzir o que era.


— Falei com Anne. — Continuei apenas o encarando, e comecei

a buscar qualquer indício de que não era apaixonada por ele.

Tinha me precipitado? Nunca me apaixonei de fato por alguém,

então, não existia embasamento algum. Porém, olhar para ele, era como

levar um soco no estômago, e de repente, tudo ficava leve. Um misto de

sentimentos confusos e que não esperava.

Meses de autonegação. Um dia de afirmação. Finalmente, uma

declaração. No depois, tudo parecia voltar a autonegação. Sentia-me uma

completa maluca. Presa em um ciclo sem fim. Ainda assim era bom olhá-

lo, por mais que lembrasse a cada instante de nossa conversa na sexta-

feira. Ou melhor, nosso ponto final.

— Anne Liv vai à reunião com a empresa de cosméticos, então,

temos um novo compromisso as oito. — Olhei-o sem entender, não

conseguindo puxar nada em minha mente. — Sairemos daqui direto para

o restaurante, então, não precisa organizar nada.

— Será com um novo parceiro ou uma reunião de emergência?

Até mesmo, um simples jantar? — indaguei rapidamente, já abrindo meu

computador, afim de começar a pesquisar o máximo que poderia.

Geralmente, quando estava em reuniões com Cael, era para

analisar a estratégia pela visão do outro, e assim, ter um embasamento


para sabermos como seriam tratados os contratos. Era uma de minhas

funções – ser perspicaz.

— Não se preocupe, já fiz os acertos. — Sua voz soou mais

baixa. — Apenas um encontro com o advogado.

— Ah, ok. — Assenti, sem sequer imaginar a razão. Entretanto,

Cael era homem que sempre fazia reuniões com diferentes advogados

indicados por seu primo, para aderir possíveis profissionais a lista de

confiança da empresa. — Isso é tudo, senhor Marini? — indaguei, e sorri


internamente, por conseguir agir como se nada estivesse acontecendo.

Por dentro é como se me queimasse.

— Isso é tudo, senhorita Moreira.

Deu-me as costas e foi em direção a sua sala. Assim que fechou a

grande porta atrás de si, soltei o ar que mal sabia que segurava nos
últimos segundos. Minha mente poderia até mesmo fantasiar alguma

paixão por um CEO sedutor, entretanto, aquilo não justificava meu


coração a ponto de sair pela boca, após uma simples conversa. Precisava

ir para casa de minha mãe, fugir da selva de pedras. Era o melhor jeito de
me reencontrar de fato.

 
 

Eram exatas sete horas e quarenta e cinco minutos quando Cael

saiu de sua sala, claramente, pronto para o compromisso. Levantei-me,


pois já sabia que seria no restaurante do outro lado da rua, portanto, não

precisávamos nos apressar.

— Tudo certo, senhor Marini? — indaguei, assim que parou a

frente de minha mesa, e assentiu, sem encarar-me nos olhos.

Não entendi ao certo o que acontecia, mas pelo que julgava


internamente, ele estava além da postura formal do dia a dia. Era como se

me evitasse. O que não era uma grande surpresa.

— Vamos. — falou, e peguei minha bolsa, seguindo-o até o

elevador.

Assim que adentramos a caixa de metal, encarei meus saltos e


tentei pensar no documentário que me fizera chorar a algumas semanas.

Era uma boa tática para não pensar de fato no presente, e que Cael estava
tão próximo, que poderia sentir a tensão entre nós. Aquela atração mútua,

infelizmente, parecia não ter se dissipado, mesmo após abrir minha


grande boca.
Sabia que era um caminho sem volta. Ali estava eu, forçando-me
a levantar o olhar, e encarar o espelho do elevador, fugindo do reflexo de

meu chefe. De canto de olho, notei que Cael carregava o semblante de


sempre – fechado. Um claro homem de negócios e ainda mais, o das

decisões mais acirradas. Apenas queria poder me esconder e nunca mais


tomar um elevador ao seu lado. Porém, fazia parte do dia a dia, e teria

que provar tanto para mim quanto para ele, que nada mudaria. Meu
trabalho vinha em primeiro lugar, sempre deixei bem claro, e sabia que

ele concordava com tal conduta.

Assim que as portas finalmente se abriram, dei passos rápidos

para fora e soltei o ar, puxando-o fortemente de imediato. Cael estava a


dois passos de diferença, e felizmente, era boa em disfarçar tais alusões

ao que ele me causava. Andamos lado a lado pela rua e em silêncio.


Conhecia bem o restaurante que foi marcada a reunião, já que era

escolhido dezenas de vezes por ser o local mais prático para que ele ou
Anne Liv fossem.

Menos de cinco minutos depois, adentrávamos o charmoso local.

Era de classe e principalmente, destinado aos executivos que trabalhavam


nos arredores. A conta, felizmente, sempre era paga pela empresa, mas

não me deixava menos assustada com o valor. O que me fazia querer


pegar um uber e ir ao shopping mais próximo, para me deliciar em algum
fastfood. Porém, não existia a possibilidade de fazerem uma reunião no

Mcdonalds ou Burger King. Infelizmente.

— Senhor Marini. Senhorita Moreira. — O maître já era um

conhecido e sorriu em nossa direção. — Seu acompanhante já os espera


na mesa. Espero que aproveitem essa linda noite.

— Obrigado, Marques. — Cael respondeu, e passou a minha

frente, claramente apressado.

— Tenha uma linda noite também, Marques. — Sorri e ele


assentiu.

Andei a passos perdidos dentro da imensidão do restaurante, mas


foquei em encontrar Cael em meio as várias mesas ocupadas. Nunca o vi

agir de maneira tão mal-educada, principalmente, deixando-me para trás.


Geralmente era eu quem sabia a mesa em que sentaríamos. Suspirei, e

continuei a andar. De tanto procurar, notei um velho conhecido no canto


esquerdo do salão, tomando uma taça de vinho. Nossos olhos se

conectaram, e o sorriso cafajeste já conhecido pendeu em seu rosto.


Típico de Pablo Marini – o primo mais velho de Cael e Anne Liv.

Andei até ele, que se levantou rapidamente, e sem esperar muito,


deu-me dois beijos no rosto. Ele era daquela forma, praticamente, o

oposto do primo.
— O que faz perdido por aqui, Pablo? — indaguei, e ele piscou

algumas vezes, como se não entendendo minha indagação.

— Tenho uma reunião com Cael e você. — franzi o cenho e tentei


pensar o porquê Pablo estaria ali. Ele só era chamado em casos extremos

e de sigilo. — Ele foi ao banheiro, mas logo deve voltar... Não sabe sobre
o teor da reunião? — indagou de repente, e neguei com a cabeça.

Puxou a cadeira para mim, e aceitei de bom grado, agradecendo-

o.

— Desculpe, eu... Não sabia que era com o senhor. — corrigi-me

rapidamente. Nunca o chamaria pelo primeiro nome se soubesse que era


a respeito de trabalho.

Surpreendentemente, Pablo não me corrigiu por chamá-lo daquela

forma. Pelo contrário, parecia completamente sem fala.

— Está tudo bem? — acabei perguntando, diante de seu silêncio.

Se tinha algo que Pablo Marini não fazia, era ficar quieto.

— Cael tinha que ter contado. Ele tinha que ter feito isso. —
pareceu ainda mais nervoso e passou as mãos pelos cabelos. — Eu vou

falar com ele antes, mas...

Assim que fez menção de levantar, sem ao menos pensar, toquei


minha mão com a sua, impedindo-o.
— Afinal, do que isso se trata? — perguntei, sem entender todo
seu alarde, mas sentindo que tinha algo muito errado.

— Chia, eu não quero...

— Pelo jeito, achou que eu sabia sobre a reunião... O que devia


saber?

Pareceu pensar um pouco, mas em seguida, respirou fundo e

apertou minha mão com carinho. Pablo era um amigo, acima de tudo.
Pelos seis anos trabalhando na Marini, descobri nele, uma ótima pessoa.

Assim como foi com Cael. Infelizmente, com o último, atravessei uma
linha que não deveria.

— Cael me ligou ontem e disse que precisava de papéis para seu


remanejamento para filial do Rio. — Arregalei os olhos, e notei o pesar

no olhar de Pablo. — Não pediu transferência, não é? — indagou e


sequer fiz questão de negar, estava nítido em meu olhar.

Ali, tudo fez sentido. Caindo como uma bomba em meu colo.

No mesmo instante, senti a presença de Cael e me soltei da mão

de Pablo, levantando-me. Ele era alto, mas meus saltos, deixavam-nos


cara a cara. Encarei-o com minha falsa raiva, e notei seu cenho franzido,

assim como, os olhos azuis perdidos.


— Covarde. — Praticamente cuspi as palavras, e ele pareceu
entender. — Como pode ver, começamos a reunião sozinhos. —

Continuei-o encarando, e ele endireitou os ombros.

— Chia, acho melhor me ouvir primeiro e...

— Senhorita Moreira para você. — Ele pareceu levar um tapa na


cara, e queria que de fato o tivesse feito. — Achei me conhecesse o

suficiente para saber que jamais mudaria meu trabalho por um


sentimento estúpido. — Fiz questão de pontuar. — Mas vejo que não

sabe lidar sequer com o sentimento alheio. É bom apenas em fechar seus
negócios, senhor Marini. Então, saiba que acabou de fechar mais um. —
Levantei as mãos e bati palmas. Sabia que olhares se virariam para nós,

mas pouco me importava. Cael ultrapassou um limite que jamais deveria.


São Paulo era o meu sonho, e nem ele nem ninguém se atreveria a tirar
de mim. — Espero que esteja sendo clara, em alto e bom som. Eu me

demito.

Seus olhos se arregalaram e notei que abriu a boca para dizer


algo, mas nada saiu. Dei-lhe as costas por um segundo e até pude
imaginar minha irmã gritando e batendo palmas diante daquele barraco.
Porém, faltava algo. Algo que apenas o diabinho de Nina que vivia em

meu ombro esquerdo, poderia aconselhar a fazer. E bom, o fiz.


Virei-me e olhei rapidamente para Pablo, com minha falsa calma
que logo explodiria. Peguei a taça de vinho a sua frente e não pensei duas

vezes, levei a boca, e senti o gosto suave. Cael não valia aquele vinho,
mas, era por uma causa nobre. Ao menos, para mim. Sorri e levantei a
taça, jogando todo o conteúdo em seu rosto no segundo seguinte.

— Porra! — Pablo falou e abri um lindo sorriso, vendo o


semblante de Cael endurecer.

— Isso é tudo, senhor Marini.

Depositei a taça com força sobre a mesa, e finalmente, dei-lhe de


fato as costas. Tudo o que queria era mandar aquele homem diretamente
para o inferno. Infelizmente, uma única pergunta se passava por minha

mente: como pude me apaixonar por ele?


CAPÍTULO VI

CHIARA
 

A raiva me fez rumar diretamente para casa. Apenas consegui

trocar meia dúzia de palavras com o porteiro, que consistiram em proibir

a entrada de Cael Marini. Deixei uma lágrima descer, e limpei-a


rapidamente. Como se ele fosse tentar aparecer por ali e se desculpar

por ser desumano. Tive que rir sem vontade de me minha ilusão. Escorei-

me contra a porta e me lembrei que não era do tipo que chorava sóbria.

Uma bebida e poderia me debulhar em lágrimas a noite toda se quisesse.


Entretanto, não seria o bastante. Precisava dar um ponto final. Como
diria minha mãe: arrancar o mal pela raiz. Doía saber que aquele mal era

Cael, e mais, custava o emprego que tanto amava. O emprego que tanto

batalhei para conseguir.

Desde o momento em que realizei meu sonho de estudar na

cidade que sempre idealizei como lar, até o momento, em que São Paulo

se tornou tal lugar. Fui em direção a sacada, e encarei os belos prédios, a

movimentação da rua, o trânsito, as pessoas... Suspirei fundo e levei as


mãos a cabeça. Cael nunca conseguiria tirar aquilo de mim. Não me

mudaria e deixaria aquele sonho de vida morrer por aquele emprego.

Tinha um ótimo currículo e com toda certeza, Anne Liv me daria


uma boa recomendação. Era o suficiente para recomeçar em outra

empresa e ainda mais, manter minha vida ali. Senti algo macio passar por
minha perna e me permiti sorrir. Sentei-me no chão no mesmo instante, e

encarei minha pequena bola de pelos.

— Como foi seu dia, Noct? — indaguei, e ele ronronou,

acomodando-se em meu colo. — Pelo jeito, não tão animado quanto o

meu. — Suspirei e apenas foquei no único homem que realmente valera a

pena em minha vida – Noctis Moreira. Só poderia ser ele, pois era meu

filho, ainda por cima, felino. — Bom, lembra do cara no qual se esfregou

ontem? Então, ele queria nos mandar para outra cidade, longe da nossa

casinha... — olhei em direção ao céu, e senti a dor daquilo. — Se ele ao


menos tivesse me perguntado, tivesse me chamado para conversar... Por

que ele não pode agir como um profissional, Noct? Ou quem sabe, como

um velho amigo, mesmo sabendo que não somos? Sei lá, acho que

esperava muito de Cael, mesmo que soubesse que seu amor era

improvável. O mínimo de consideração, talvez?

Levantei-me com Noct em meu colo e adentrei a sala de estar.

Joguei-me contra o sofá e repassei o dia de hoje, na realidade, queria

esquecê-lo. Sabia quais eram os próximos passos, mas não queria pensar.

Teria que apresentar minha carta de demissão e ainda, cumprir o período


de aviso prévio. Pensei em como seria ainda trabalhar lado a lado com

Cael depois daquilo. Suspirei, deixando minha bolinha de pelos sobre o

estofado, e me levantei, indo até a bolsa jogada ao lado da porta. Apenas

uma pessoa poderia me ajudar, e com certeza, me xingaria de todos os

nomes possíveis. Entretanto, era minha melhor saída.

Assim que ela atendeu, nem lhe dei tempo de dar oi.

— Que tal ter sua irmã por um bom tempo ao seu lado? Tocando

o negócio da família? — perguntei de imediato, e tentei parecer animada.

No fundo sabia, precisava de férias.

— O que diabos aquele filho da puta fez para você?


Gargalhei alto, pois sabia que aquele era o jeito Nina Moreira de

deixar claro que iria até o inferno por mim. Infelizmente, sentia-me nele

naquele momento.

— Sabe aquele seu amigo advogado? —indaguei, e prendi o lábio

inferior. — Disse uma vez que ele era o melhor. Preciso de um bom

advogado agora, para me orientar no que fazer caso Cael não aceite meu

pedido de isenção de aviso prévio.

— Ok. — Limpou a garganta rapidamente. — Vamos começar

pelo começo... O que aconteceu?

Suspirei profundamente, e voltei para o lado de Noctis. O gato

manhoso apenas dormia, claramente, feliz em seus sonhos. Queria estar

como ele, e sabia que precisava de apenas um incentivo de tequila para

apagar em uma ótima noite de sono. Mas aquilo, seria, ao lado de Nina,

revendo minha família. Engoli em seco e então, comecei a ditar para ela

o que acontecera, e sabia, poderia se tornar uma ligação eterna. Pois os

xingamentos viriam como uma enxurrada. Porém, seria um bom tempo

para analisar a situação.

O que devia fazer?

Por mais que fosse o certo, não queria encarar Cael pelo tempo do

aviso prévio. Na realidade, se fosse colocada a frente dele novamente,


poderia até mesmo socar sua linda cara.

— Então, pela primeira vez na vida, não vai agir como uma
profissional? — a indagação de minha irmã não foi uma surpresa.

— Não quero ficar presa a ele de novo. — Passei as mãos pela

testa, sentindo-me cansada. — Isso pode mudar amanhã, mas... Apenas


pode ver com seu amigo se ele sabe de algo que possa fazer para evitar o

aviso caso Cael não concorde com o pedido?

— Que eu saiba, só se a empresa concordar. — Bufei, pois sabia

daquilo. — Aliás, por que não fala com sua ex chefe? Anne Liv vai

entender. E ela é tão chefe quanto ele na empresa.

— Anne Liv não tem nada a ver com isso. Não quero envolvê-la.

— Não quer que ela saiba, isso sim. — Revirei os olhos, mesmo

sabendo que era verdade.

— Isso também. — Confessei. — Pode ao menos tentar falar com

seu amigo? Ele conseguiu ganhar a causa da padaria, contra aquele

funcionário ardiloso... Por favor, Nina.

— O que a gente não faz pela família. — Reclamou e tive que


sorrir. — Eu falo com ele, ok?

— Obrigada.
— Mas enquanto isso e não tiver resposta, porque não pensa no

fato de simplesmente encarar Cael e exigir, pelo mínimo de

consideração, que ele te libere dessa merda. — Inquiriu e balancei a

cabeça, encarando o nada.

— Cael não tem consideração alguma, Nina. Se tivesse, não teria

feito isso.

— Ou ele pode ser apenas um babaca e te querer longe. — Suas

palavras poderiam ser dolorosas, mas eram verdadeiras. — Não custa

nada tentar.

— Seria o jeito mais fácil, não é? — a pergunta saiu amarga de

minha boca.

— Você sabe a resposta.

Eu sabia. Porém, não queria ter que me dispor aquilo. Entretanto,

minha mente apena girava em torno do fato de que sempre dei meu

melhor para aquela empresa. Por que simplesmente, não poderia dar o

melhor quando chegava ao fim? A resposta era simples e um tapa na

cara: porque tinha me apaixonado pelo chefe. O pior erro que poderia

cometer.

 
 

CAEL
 

— Mas que porra você fez? — a voz de Pablo soou a minhas


costas, mas sequer consegui lhe responder.

Peguei o lenço no bolso do paletó e o levei ao rosto,

completamente molhado pelo vinho tinto. Sem saber ao certo como me


sentir, acabei ficando paralisado por alguns instantes, sentindo os olhares

de várias pessoas em minha direção.

— Cael.

Pablo insistiu e me virei, ainda limpando o rosto. Resolvi me


sentar, para não dar ainda mais suprimento ao showzinho que as pessoas

estavam adorando. Pela vidraçaria do restaurante, conseguira ver Chiara


passando do lado de fora, e com toda certeza, indo em direção a sua casa.

Suspirei fundo, sabendo que havia cometido um erro.

— Merda! — praguejei, e encarei meu primo, que parecia a ponto

de voar em meu pescoço.

— Se importa em agir como adulto em suas relações? Além de


tudo, com Chiara, que tenho certeza passou do limite de assistente há um

bom tempo? — indagou decepcionado, e desviei o olhar. Não queria


tocar naquele assunto. Não era algo que dizia respeito a ninguém. A não
ser, eu e Chiara. — Por que a colocou nessa saia justa?

— Ela disse que me ama, porra. — falei de uma vez, sentindo-me


ainda pior. — Ela disse que não podíamos continuar fodendo porquê...

Porque se apaixonou.

Pablo piscou algumas vezes consternado, como se absorvendo tal


informação. Estava fazendo o mesmo desde o momento em que aquelas

palavras saíram de sua boca. Foi como uma bomba ou choque, não
conseguia entender como ela poderia se apaixonar por mim.

— Vocês sempre foram discretos, mas eu te conheço. — Apontou

o dedo em minha direção. — A forma como olhava para ela, mesmo


disfarçando, sempre vi que a queria em sua cama.

— Nunca me envolvi com alguém do trabalho, sabe disso. Mas


parecíamos tão certo do que queríamos... Porra! Chiara também transa

com outros, nunca cobramos nada um do outro. Então como isso foi
acontecer?

— Sexo é muito diferente de amor, Cael. Pare para se ouvir por

um minuto. — Olhou-me como se fosse um completo imbecil. Naquele


momento, sentia-me daquela maneira. — Você e Chiara podem ser
parecidos e tudo começou bem, mas ela se apaixonou no meio do
caminho. Como poderia evitar isso? A gente não escolhe quem ama. —
Notei o pesar em sua fala, e sabia que entendia bem melhor que eu sobre

aquilo.

— Não queria magoá-la, só... Dar o espaço correto.

— Para quem, afinal? — indagou furioso. — Ela me pareceu


muito bem aqui, antes de lhe contar o motivo. Ela agiu diferente com

você no trabalho ou algo do tipo?

— Não. — Neguei veemente e levei as mãos ao rosto, sentindo-o

completamente grudento. — Ela pareceu estar apenas em um outro dia


comum de trabalho.

— Exatamente, porra! Não percebe que meteu os pés pelas mãos?

Chiara sempre deu tudo de si nesse emprego, e ela não deixaria o que
sente por você falar mais alto.

— Sempre conseguimos separar muito bem o trabalho do prazer.


— concluí, como se finalmente entendendo o buraco no qual me meti. —

Só pensei que seria melhor para ela, não quero que ela sofra por ter que
me ver ou...

— Fala sério, Cael! — bufou e bateu a mão na mesa. — Estava

mesmo era pensando em si. Não sabe lidar com o fato de que Chia é
apaixonada por você, e resolveu, simplesmente, a mandar para longe. É

você, primo, que não está sabendo lidar com isso.

— Como deveria? — indaguei perplexo, já completamente

perdido. — Estava tudo bem entre nós. Em todos os aspectos e de


repente...

— De repente o cacete. — Apressou-se a dizer. — Com certeza

ela deu algum indício de que sentia algo em algum momento. Você que é
cego demais, só pode.

— Ela não deu, tenho certeza. Apenas na última noite onde...

Onde se declarou. Chiara só pode saber esconder os sentimentos.

— Bom, aí está mais uma semelhança entre vocês. — Acusou-

me. — Agora, vê se enxerga o fato de que essa sua tentativa egoísta de a


afastar, apenas a machucou ainda mais. Porque duvido que tenha lidado

bem com a declaração.

— Não sei como lidar com isso, Pablo. — Rebati. — Já tive


várias mulheres se declarando, jurando amores... Mas o que vi no rosto

de Chiara foi diferente. Isso não justifica a magoar, mas me assustou pra
caralho. — Confessei, e vi seu semblante mudar. — A considero uma
amiga.
— Olha, vou dizer isso uma vez e espero que entenda, ok? —

assenti, sabendo que Pablo era como um irmão mais velho para mim.
Não existia possibilidade de seguir conselho de outra pessoa que não

fosse ele. — Talvez o que viu no rosto de Chiara seja realmente diferente,
porque o que ela sente é real. Diferente das outras mulheres que se

envolveram com você. E o que te assusta, pode ser o simples fato de


gostar disso.

— O que? — indaguei, completamente perdido.

— Sem repetição. — Levantou as mãos. — Vejo na sua cara que

está a ponto de ir atrás dela, mas não vai fazer isso.

— Acho que já foi o suficiente por hoje. — comentei. — Apenas

preciso ir para casa e pensar no que fazer. Nunca quis prejudicá-la no


trabalho ou que ela se demitisse.

— Fez isso no momento em que agiu apenas como um chefe sem

o pingo de consideração, e tentou arrancá-la do emprego que ela se


dedica há anos.

— Vou conversar com ela amanhã, e tentar esclarecer as coisas.

— Era o que devia ter feito desde o começo.

— Ok, porra, eu... Só estou confuso. — Pablo riu e o encarei


enfurecido. — Não entendi a piada.
— Ah, primo, a piada é você. — gargalhou e resolvi ignorar seu
comentário. — Essa mulher te tira dos eixos e só você parece não

perceber.

— Não me venha com essa! — cortei-o rapidamente. — Anne

Liv já é da torcida de Chiara desde que ela entrou na empresa.

— Você está ferrado. — falou e se levantou, parando ao meu


lado. Bateu em meu ombro e abriu um sorriso cínico. — Aguarde um

pedido de demissão em sua mesa amanhã e já pense em como vai


reverter isso.

— Só quero o melhor para ela.

— Não primo, você quer evitar o que ela te faz sentir.

Sem me dar tempo para responder, ele saiu. Encarei o outro lado
da mesa vazio, e foi impossível não me lembrar de todas as reuniões que

fizemos exatamente ali. Era como se pudesse vislumbrar a imponência,


cabelos loiros ondulados, olhos verdes profundos e a astúcia. Chiara

Moreira era a junção de tudo o que mais admirava. Percebi que tinha
cometido um grande erro. Infelizmente, foi preciso levar vinho na cara
para perceber e pior, magoando-a ainda mais. Suspirei, cansado de toda

aquela merda. O final de semana foi o inferno, apenas consegui pensar


em seu rosto e na forma como se declarou.
 

— Não consigo mais. Nunca me deu esperanças de que isso se


tornaria um relacionamento, e tudo bem. Mas... Eu me apaixonei, Cael.

Eu te amo e não posso fingir que consigo te dividir com o mundo dessa
forma. Porque eu não posso.

Suas palavras rondavam minha mente a cada minuto, deixando-


me perdido até mesmo no trabalho. Era como se me consumissem.

Talvez Pablo estivesse certo, e não soubesse lidar com aquela declaração,
e ainda mais, com a verdade estampada no rosto de Chiara. Ela me

amava. Por algum motivo, pela primeira vez, não repudiei tal sentimento.
Era como se na verdade tentasse entendê-lo e mais, o medo me atingisse

com força.

Queria-a longe para poder evitar aquelas indecisões. Não era um


homem que poderia tê-las. Porém, precipitei-me em tomar a dianteira
sobre a transferência. Foi um erro, o fazer antes de conversar com ela.
Por que estava tão aflito em ter aquele momento com ela, afinal? Deixei

tal pergunta de lado e apenas precisava focar em encontrar uma forma de


consertar as coisas.
CAPÍTULO VII

CHIARA
 

A noite passou em um estalar de dedos.

Para curar minha falta de sono apenas uma boa maquiagem, que

me fazia parecer pronta para pedir demissão, e não a ponto de querer


mandar tudo aquilo a merda. Já dentro do elevador privativo, encarei

meu reflexo, e notei que estava, aparentemente impecável. Por que não

conseguia me sentir daquela forma, então?

Suspirei, e segurei com força a pasta em minhas mãos. Nela,

estava o papel completamente detalhado sobre que queria, e ainda mais, a


solicitação de dispensa do aviso prévio. Não queria abrir minha boca e

discutir sobre o assunto, e aquela, era a maneira mais fácil de agir.

Colocar aquele papel a frente de Cael e torcer para que não se negasse a

me dar o que pedia. No fundo, sentia que ele não o faria. Já que me

queria o mais longe dali, com toda certeza, não me ter durante o aviso
prévio seria um alívio.

O elevador parou e adentrei o andar que tanto se tornou


conhecido. Seis anos sendo meu dia a dia. Desde o momento em que fui

aceita por Anne Liv em minha entrevista de emprego, até o momento em

que passei a trabalhar com Cael. Amava o trabalho e a forma como

construíra minha carreira. Formada em economia, com foco no ramo

empresarial, ser assistente executiva de pessoas tão poderosas era como


ter uma ampla e aguçada visão do mundo dos negócios. Até mesmo as

reuniões maçantes eram algo que me interessava.

Esperava poder me reencontrar em outro lugar além dali.

Obviamente, nunca mais me envolveria com alguém do trabalho – muito

menos meu chefe. Caminhei a passos certos e decididos, e encarei

rapidamente meu relógio de pulso. Oito horas, e com toda certeza, Cael

já estaria em sua mesa. Parei a frente da grande porta de madeira escura,

e sequer olhei em direção a minha mesa. Trouxera uma bolsa grande o

suficiente para poder levar o que fosse necessário. Sem cena dramática
de sair com uma caixa em mãos. Aquela parte, realmente, era

dispensável.

O que se passava ainda, e que me impedia de simplesmente bater

naquela porta e lhe entregar minha carta de demissão, consistia no fato de

que era a semana para a qual me preparava a meses. Todos na empresa o

fizeram, e de repente, não estaria envolta do que aconteceria, muito

menos, trabalharia para aquilo. Na realidade era humilhante. E por mais

que quisesse agir como alguém que conseguia controlar tudo, não existia

chance de fingir que Cael não fizera aquilo. Ia além do fato de ele não me
amar, já era esperado. Porém, nunca esperei tanta falta de consideração.

Ao menos, pensei que meu lado profissional fosse algo importante para

ele.

Sem querer mais pensar, bati duas vezes na porta, e a abri em

seguida. Ao contrário do que imaginei, Cael não estava em sua mesa.

Notei-o de costas, encarando a bela vista da parede de vidro a sua frente.

Em uma mão segurava algo, e a outra, parecia estar dentro do bolso.

Alguns segundos se passaram, e ele pareceu perceber minha presença.

Virou-se devagar, e permaneci firme, sem demonstrar nada. Ao menos,

tentava. Seu olhar desceu para a pasta que carregava. Notei então que em

uma de suas mãos estava um copo de uísque, o que era relativamente

estranho, naquele horário no trabalho. Porém, não era um problema meu.


— Bom dia, senhor Marini. — falei, e dei um passo à frente,

enquanto ele apenas me analisava. — Aqui está minha carta de demissão.

— Depositei a pasta sobre a mesa.

Ele levou a outra mão ao rosto e a passou pelo queixo, como se

não estivesse nem um pouco surpreso com aquela atitude. Se me

conhecesse, ao menos um por cento, saberia que não voltaria atrás

naquela decisão. Não trabalharia mais com ele. Sem dizer absolutamente

nada, ele parou a frente de sua mesa e pegou a pasta em mãos, abrindo-a.

O silêncio perdurou, enquanto ele lia atentamente cada linha, e não pude

evitar de o analisar por alguns segundos. Ele era lindo, um fato

incontestável. O contraste do despojado em seu íntimo, junto ao homem

frio mostrado no âmbito do trabalho. Talvez aquela fosse uma das razões

para ter me apaixonado. Ele ter me mostrado uma parte de si, longe do
trabalho e além do sexo.

— Precisamos conversar. — Sua voz soou mais amistosa do que


realmente esperava. Ele deixou a pasta sobre a mesa e me encarou. —

Sinto muito por ter agido daquela maneira, Chia. Sei que cometi um erro.

— Um erro? — indaguei incrédula, pois realmente, não esperava

uma conversa. Porém, vinha preparada para milhares. — Acho que é um

pouco tarde para conversar. Se estava desconfortável com o que disse

sexta, bastava me dizer e te deixaria bem claro que nada... — suspirei


profundamente, e senti que minhas mãos tremiam. — Nada ia mudar no

trabalho.

— Vejo agora, Chia. — Queria quebrar sua cara por insistir em

me chamar daquela maneira. Ele não tinha mais aquele direito. Abri a

boca para corrigi-lo, porém, ele foi mais rápido. — Talvez eu não esteja

sabendo lidar com isso e não quero que pague o preço. Nunca quis que

pagasse.

Arqueei minha sobrancelha, sem conseguir entender em que

universo paralelo ele vivia.

— Você pouco se fodeu para todo meu trabalho. — Acusei-o, sem

me importar em parecer uma boa funcionária. Não o era mais, e não

sairia dali sem ter aquela carta aceita. — Não preciso dessa merda na

minha vida, Cael. — Apontei o dedo em sua direção. — Sou uma mulher

que sabe o que quer, ao contrário de você. Portanto, apenas espero que

tenha um pingo de consideração e aceite minha carta de demissão.

— Sei que não quer fazer isso e que...

— Não sabe porra nenhuma! — revidei, e seu semblante mudou.

Ele parecia tentar processar o que acontecia. — O que imaginou? Que me

pedindo desculpas por ser covarde, eu simplesmente, ia sorrir e acenar, e

perguntar: isso é tudo, senhor Marini?


— Apenas quero corrigir meu erro. — Refutou e passou pela

mesa, vindo até mim. Estávamos a cerca de dois passos de distância. —

Não tenho vergonha alguma de admitir isso.

— Ok, desculpas aceitas. — Seu semblante suavizou, e me

apressei a dizer. — Mas meu pedido de demissão permanece.

— Por que está insistindo nisso?

Sua pergunta me atingiu em cheio, e me lembrei das várias vezes


em que me indaguei sobre o fato de insistir em querê-lo além do que

poderia ter. Suspirei e tentei me concentrar no presente.

— Porque é o que quero. — Olhei-o profundamente, sem querer

dar chance para dúvida. — Talvez tenha acertado em querer me mandar

para longe e não saber lidar com o que sinto. — Enfatizei, e ele pareceu

perder a pose. — Talvez nem eu mesma saiba, quem sabe não abriu meus

olhos? — ironizei, e ele deu um passo à frente, ficando próximo demais.

— Nunca quis te magoar, Chia.

— E eu nunca quis te amar, Cael.

Rebati e notei que de alguma forma, o atingira em cheio. Desviei

o olhar e balancei a cabeça. Senti-o se afastar, e assim, busquei-o

novamente com os olhos. O vi pegar a pasta em mãos e soltar um

suspiro, como se dando por vencido.


— Vou encaminhar para o RH e... Você sabe o restante do

processo, certo?

Apenas assenti, e nossos olhares se conectaram por um momento,

como se estivesse novamente em seus braços, perdida em seus toques e

palavras. Longe de tudo, apenas nós. Talvez fosse daquela maneira que

funcionávamos. Escondidos do mundo ao redor.

— Agradeço a oportunidade, senhor Marini. — Soltei de uma

vez, sentindo que precisava dar aquele encerramento. — Desejo sucesso


a empresa.

Estendi-lhe a mão e notei seu olhar passar para a mesa. Ele então
apertou minha mão e aquela conexão gostosa que apenas sentira com ele,

percorreu cada célula de meu corpo. Queria ser puxada e tomada por seus
beijos. Assim como, afastar-me e nunca mais encarar seu rosto. Optei

pela segunda vontade.

— Desejo todo sucesso, senhorita Moreira.

Assenti e o vi engolir em seco. Dei-lhe as costas e saí de sua sala,

fechando a porta atrás. Fechei os olhos por um segundo, sentindo que


aquele dia não poderia piorar. Entretanto, assim que os abri, dei de cara

com Anne Liv, que parecia a ponto de fuzilar alguém.


— O que diabos aconteceu, perfeitinha? — perguntou baixo e
notei que pareceu genuinamente preocupada.

— Só preciso sair daqui, Anne. — falei com pesar. — Podemos


conversar depois sobre? Ainda tenho que agradecê-la por tudo.

Sabia que ela gostaria de dizer mais, porém, pareceu notar e

respeitar que meu estado não era capaz de absorver uma conversa
naquele momento.

— Vou a sua casa, ok? — indagou e assenti, agradecendo-a

internamente.

Fui em direção a minha mesa, ou melhor, ex mesa. Anne Liv me

acompanhou com o olhar, e quando passei a jogar alguns objetos pessoais


em minha bolsa, era como se ela finalmente tivesse a certeza do que a

levou até ali. Alguém havia lhe contado sobre o que aconteceu, e
claramente, não foi Cael.

— Pablo não está surtado. — comentou e lhe dei um sorriso

amarelo. — Daqui uma hora em seu apartamento, ok? — indagou e


acabei assentindo, mesmo sabendo que poderia ser um erro. Anne Liv foi

quem me deu aquela oportunidade, afinal, devia a ela. Além da nossa


amizade.
Sem mais, ela então adentrou a sala de Cael, e me apressei a
pegar tudo o que me pertencia, e sair dali. Assim que consegui, em tempo

recorde, apenas era possível ouvir os gritos de Anne.

— Quem te deu o direito de agir feito um babaca?

Foi o último grito que escutei, e acabei respondendo


mentalmente: acho que a consciência dele. Adentrei o elevador mais

uma vez, e encostei-me contra o metal. Assim que as portas iam se


fechando, apenas vi o emprego dos sonhos se desfazendo, e esperava,

que o amor por Cael seguisse o mesmo caminho.


CAPÍTULO VIII

CHIARA
 

Alguns dias depois...

— Tudo resolvido. — falei, assim que coloquei a caixa de

transporte de Noctis na calçada da frente de casa, e aceitei os braços

abertos de minha mãe.

Apenas ela sabia que chegaria naquele dia, e com toda certeza,

estava na porta há um longo tempo. Típico de Clarice Moreira. Ser

envolvida por ela dava-me paz. Fazia um longo tempo desde o momento
em que realmente passaria mais de um fim de semana com ela e minha

irmã. Além de poder rever velhos amigos.

— Agora, precisamos cuidar é desse coraçãozinho. — Indicou

meu peito e dei de ombros. Sabia que Nina não se calaria a respeito, e

com toda certeza, dispensou mil maldições sobre Cael para nossa mãe.

— Mas quero sua versão dos fatos, Nina tende a ser um pouco...

— Violenta? — indaguei, provocando, e ela sorriu abertamente.

— Estou perdida com duas filhas de humor ácido. — Gargalhei, e

aproveitei para trazer Noctis para cima. — Aliás, que saudades do meu

netinho favorito.

— Ele é o único. — Resmunguei, mas sorri. — E ainda é um

gato.

— Ele não destruindo a casa toda está tudo bem. — Deu de

ombros, ainda mexendo na portinha, e com toda certeza, Noctis estava

escondido ao fundo. A viagem de carro não foi nem um pouco fácil

devido ao fato de ele odiar o movimento.

— Não prometo nada. — Levantei uma mão em sinal de rendição

e ela apenas revirou os olhos.

— Eu te ajudo com meu netinho. — Apressou-se a pegar a caixa

de Noctis e entrar.
Voltei até o carro, parado à frente da casa onde cresci. Sempre era

nostálgico estar ali, mesmo nos melhores momentos – como as festas de

final de ano. São Paulo era meu sonho e lar desde muito jovem, porém,

ali, sempre seria uma parte de minha alma, e poder ficar por um longo

período, mesmo por motivos não muito felizes, fazia-me ao menos, ver o

lado bom de ser rejeitada e perder o emprego.

— Vou pegar as malas. — gritei, e demorei alguns bons minutos

do lado de fora, tentando tirar a mala que poderia pesar uns trinta quilos

facilmente.

Talvez fosse um pouco exagerada, e nunca conseguisse levar

menos. Além da outra mala, menor, onde trazia as coisas indispensáveis.


Na realidade, tudo ali, o era.

Forcei mais uma vez meu braço, na tentativa de levantar a mala, e

por fim, pensei que finalmente tinha conseguido. No segundo seguinte,


me desequilibrei, e tive a certeza de que iria de cara com o chão e a mala

me amassaria. Algum osso sairia quebrado. Só poderia ocorrer em um

milésimo, mas, senti braços fortes me escorarem, assim como, segurarem

a mala. Suspirei aliviada, com o peso afastado de meu corpo, e então,

encarei o homem ao meu lado.

Olhar para Lúcio, mesmo depois de tanto tempo, parecia fazer o

tempo parar. Meu vizinho, amigo, primeiro beijo e até mesmo, primeira
vez. Ele era o mar de emoções máximas que poderia ter vivido naquela

pequena cidade. Os olhos amendoados me encararam leves, assim como,

o sorriso de menino no rosto. Um contraste perfeito com o corpo ainda


mais musculoso e sua altura.

Ele mexeu no boné de cor preta, com o logo da mecânica da

família e continuou a me encarar.

— Por que sempre tenho que te livrar de encrenca, gata? —

indagou, e tive que sorrir, assim que ele colocou a mala no chão.

Praticamente pulei sobre seu corpo e nos abraçamos. Sentia falta

do meu amigo, ainda mais, da forma como sempre nos divertimos.

— Não conta a última vez. Foi culpa da Nina aquela bebedeira

toda. — Pisquei com um olho, e me afastei. Ele balançou a cabeça,

negando. — Qual é, eu sou a irmã correta aqui.

— Algo correto é o que não existe na sua cabeça e na dela. —

Bateu em minha testa, para provocar. — Aliás, ao que devo sua ilustre

presença na cidade? — indagou e revirei os olhos de seu deboche.

— Vou passar um tempo por aqui. — Resolvi não tocar no

assunto de Cael. Apenas minha família sabia a respeito, e por mais que

confiasse em Lúcio, não era um assunto que gostaria de tratar com ele
naquele momento. — E você? Não deveria estar no trabalho nessa hora?

— indaguei, e ele deu de ombros.

— Carlos praticamente me expulsou, porque tenho um encontro.

— Arregalei os olhos, e segurei a gargalhada. — Ei, não me olha assim!

— explodi em um riso, e ele segurou meus ombros.

— Desculpa, mas onde está o homem que jurava que não ia a

encontros? — debochei e ele pareceu um pouco acuado. — Não me diga

que...

— Uma forasteira, mudou há cerca de dois meses e bom... Ela é

diferente.

— Puta merda! — soltei, completamente incrédula. — Não

acredito que Lúcio Alves está apaixonado. — Apontei para seu coração,

e ele arregalou os olhos.

— Eu não... Ok, eu não sei o que to sentindo por ela. Só vamos

tentar.

— Então vai logo se arrumar pro encontro. — Pisquei e segurei

suas bochechas com força. Gesto que ele odiava, mas adorava vê-lo

incomodado. — E depois, aparece em casa para me contar como foi, e

claro, quem é ela.


— Ok, sua intrometida. — Afastou-se de meu toque, e se inclinou

para dar um beijo em minha testa. O carinho que nunca perdemos. —

Tente não se matar com as malas. — falou, assim que se dirigiu para a

casa ao lado da minha.

Dei-lhe o dedo do meio, fazendo-o gargalhar.

— Tenta ser um cavalheiro. — gritei, e ele assentiu, ainda

sorrindo.

Puxei as malas para dentro de casa, e assim que adentrei a sala de

estar, paralisei diante da cena que me recebeu. Minha mãe estava deitada

no sofá, com Noctis sobre sua barriga. Ela com certeza caíra no sono, e

felizmente, aquela bolinha de pelos parecia afim de compartilhar o

momento e não destruir a casa toda.

Sorri da cena, e peguei o edredom jogado sobre o outro sofá,

cobrindo suas pernas. Poderia até imaginar o porquê de estar tão cansada.

Ela acordava todos os dias com as galinhas, como a mesma diria. Aquilo,

para deixar tudo pronto para os clientes da manhã na padaria, o horário

mais movimentado, segundo Nina. O que me lembrou que era hora de ir

surpreender minha irmã no trabalho. Com toda certeza, ficaria puta por
não a ter avisado que chegaria hoje, entretanto, seria um bom esporro,

porque ao menos, seria pessoalmente.


Fui até a cozinha e procurei algum caderno e caneta dentro dos

armários. Felizmente, encontrei rapidamente, e deixei um recado para

minha mãe ler quando acordasse. Deixei o papel grudado na geladeira

com um imã e segui para fora de casa. Assim que encarei a rua mais uma

vez, senti que estava onde deveria. Pela primeira vez, em meses,

completamente perdida pelo sentimento que Cael me causava, parecia

começar a me reencontrar. Talvez fosse mesmo o melhor jeito de virar

aquela página.

Parei à frente da padaria e o nome em rosa gigante “Claridoce”


fez-me rir como sempre. Por mais cafona que fosse, adorava o fato de

que aquele lugar resumia nossa mãe por inteira. Ela foi a mulher que
batalhou contra tudo e todos para dar a mim e Nina a oportunidade de

realizar nossos sonhos. Abandonada por um completo imbecil, vulgo


aquele que jamais chamaria de pai, ela se desdobrou, fez empréstimo no

banco e começou seu pequeno negócio.


Lembrava-me desde sempre, de como eram as manhãs no que era
apenas uma parte da padaria atual, onde Nina e eu, ficávamos rabiscando

folhas e nos distraindo, enquanto ela se virava em mil. Infelizmente, até


completarmos a idade de ir para a creche, era a única maneira de ela

cuidar de nós. Porém, nunca a vi reclamar, em momento algum, das


dificuldades.

Sorri, vendo o quanto seu sonho continuava em pé, e agora,


ocupava praticamente todo o final do quarteirão do centro. Uma padaria

como aquela, já se tornou ponto de encontro da cidade, assim como,


eram feitos grandes pedidos de doces e salgados para comemorações.

Adentrei o local, e o barulho do sininho na porta me fez rir novamente.


Típico de minha mãe. Olhei ao redor, e notei o quanto estava cheio,

mesmo sendo em torno de uma da tarde. Talvez a maioria das pessoas


fossem como eu, optavam por um doce logo após o almoço. Parei a

frente do balcão e uma jovem de cabelos escuros me encarou, com um


sorriso amistoso no rosto.

— Boa tarde, senhorita. — falou, e sorri para o uniforme na cor

rosa e branco que lhe caía superbem. — O que gostaria de provar hoje?

Minha falta de fome pareceu morrer ali. Mordi o lábio inferior,

caindo em completa tentação, quando olhei em direção aos doces que


sabia, era minha mãe que fazia. Obviamente, que pela alta demanda,
existiam outros funcionários que os faziam, porém, sabia exatamente
quais ela nunca abrira mão. Meus olhos bateram no Sonho de Fada e

minha escolha estava feita. Era na realidade, um sonho normal à primeira


vista, porém, a primeira mordida, mostrava porque aquilo recebia tal

nome.

— Um sonho de fada e uma coca pequena, por favor. — Pedi, e a


jovem assentiu, já se apressando a pegar meu pedido. — Você sabe me

dizer onde Nina está? — indaguei, assim que colocava o sonho sobre um
prato e em seguida, a minha frente, no balcão.

— Sim, ela está no escritório. — comentou e assenti. Logo ela

deixou uma Coca-Cola a minha frente. — A senhora gostaria de copo ou


canudo? — indagou e neguei com a cabeça.

— Está bom assim, obrigada. — Ela assentiu e se afastou.

Peguei meu doce em mãos e dei a primeira mordida, praticamente


sendo levada para outro mundo ao comer aquilo. Nossa senhora das

viciadas em doce! Aquilo era o próprio céu na terra. Olhei ao redor,


enquanto comia, e tentei me lembrar de onde ficava o escritório. Porém,
assim que avistei as escadas, que imaginei dar para o segundo andar, e

quem sabe, onde minha irmã estaria, vi-a descendo. Ela não me notou de
imediato, claramente, falando com alguém no celular. Aguardei então,

que ela seguisse o caminho, e a pararia assim que passasse ao meu lado.
— Eu sei que não está tudo bem, mas mesmo assim... Obrigada.

— Sua voz soou baixa assim que se aproximou e notei seu olhar perdido.
Era um assunto que a afetava, e com toda certeza, forçaria aquele túmulo

a se abrir.

Assim que ela parou ao meu lado, praticamente pulei a sua frente,

e Nina soltou um grito.

— Puta merda! — reclamou, e seus olhos se transformaram. Seu


semblante demonstrando incredulidade. — Depois a gente termina essa

conversa.

Ela então tirou o celular da orelha e o bloqueou, guardando no


bolso da calça. Como diria nossa mãe, eu era a versão com olho verde e

altura de Nina. Porém, nunca vira uma mulher mais linda que ela. Abri os
braços e sorri abertamente.

— Surpresa! — praticamente gritei, e senti os olhares em nós.

— Vem aqui, maluca. — Puxou-me para si, e senti-me ainda mais


certa do que faria. — Vai me contar tim tim por tim tim de aparecer do

nada, e mais... O que veio fazer aqui se disse que ia atrás de emprego?

— Bom, tenho dinheiro no banco e seguro desemprego... No fim,


Anne Liv conseguiu me dobrar, e vou receber todos meus direitos.
— Nada mais justo. Deu o sangue por aquela merda. — Sorri de

sua boca suja, e não me apeguei aos detalhes.

— Então, resolvi passar um tempo por aqui. Até mesmo, posso


ajudar na padaria se quiserem. — comentei e vi que por mais que

tentasse disfarçar, Nina estava preocupada. — E sem contar, que sinto


falta de encher a cara com a minha irmã preferida.

— Nem vou dizer, mas parece nossa mãe falando. — Bufou e

segurou meus ombros, claramente me analisando, a frente de todos. —


Vai ficar em casa sim, e com toda certeza, vamos encher a cara, mas

antes... Vamos conversar.

— Já sabe tudo, Nina! — resmunguei e ela deu de ombros.

— Se não quiser dizer, se prepare! Tirarei tudo de você quando

estiver bêbada. Não se esqueça que fica dramática ao extremo.

— Vou começar o dia com Coca-Cola. — Pisquei e peguei minha

latinha no balcão, desfazendo o lacre. — E depois cerveja.

— E muita vodca e tequila, maninha. — Provocou. — A gente


arranca esse amor aí, nem que seja na base do álcool.

Gargalhei e deixei a latinha de lado. Puxei minha irmã para meus

braços mais uma vez, e ela veio de bom grado.


— Senti sua falta. — Confessei, e não pude evitar ficar feliz por
estar ali.

Apesar dos pesares. Era tudo que realmente precisava.


CAPÍTULO IX

CHIARA
 

— Mais duas doses de tequila! — Nina praticamente gritou para


que o barman conseguisse ouvir.

A música extremamente alta explodia por todos os lados. A pista


de dança estava bombando, e o povo parecia pouco se importar por ser

um sertanejo tão depressivo misturado com pop. Porém, não poderia

reclamar. Era irritantemente perfeito para mim. Sabia que logo mais,

algum funk iria estourar pelo local todo. Aí sim, me deixaria levar por
completo.
Duas doses de tequila foram colocadas a nossa frente, assim

como limão e sal. Olhei para minha irmã e sorri. Amávamos aqueles

momentos, em que simplesmente, soltávamo-nos por completo.

— Pronta? — perguntei, no momento em que coloquei o sal na

mão e ela fez o mesmo.

— Nasci assim, maninha!

Então, como se nossa telepatia fosse perfeita, gritamos juntas:

— Arriba, abajo, al centro y adentro! — virei a dose, e senti a

bebida descer queimando minha garganta.

No mesmo instante era como se fosse teletransportada para

quando fazia o mesmo com Cael. Dois completos malucos que adoravam

apostar quem bebia mais. O que acabava, geralmente, em nós dois na


cozinha completamente nus. Aquele tipo de pensamento apenas me dava

duas certezas: primeira, ainda não tinha bebido o suficiente; segunda: no

mínimo, mais umas cinco rodadas para começar a esquecer.

A bebida não era solução para nada – fato. Porém, era uma boa

distração, e sempre adorei festas e bebida alcoólica. Era o meu jeito de

ser, e não mudaria por nada, muito menos por alguém.

— Levanta daí! — Nina praticamente exigiu e o fiz.


Assim que chegamos à pista de dança, um funk estourou para

todos os lados como se me dando boas-vindas. Gargalhei no momento

em que Nina desceu até o chão. Fiz o mesmo no segundo seguinte, sem

me importar com nada. Sentia-me triste pelo que acontecera, mas nada

melhor, do que um momento tão animado para deixar para lá – no canto

do esquecimento por algumas horas.

Chegou no refrão e Nina jogou o cabelo e gritou a música em

minha cara.

“Tô dando risada bem da tua cara

Sentando, quicando e jogando pra trás

Quer mais? Quer mais? Quer mais?

Aguenta, vai!

Quer mais? Quer mais? Quer mais?

Aguenta, vai, vai, vai”

 
 

— Se segura em mim! — falei, e Nina praticamente pulou em

minhas costas, quase me derrubando no meio da rua. — Puta merda,

Nina! — reclamei, mas acabei gargalhando.

Se eu tinha bebido muito, Nina fizera o dobro. Porém, ela apenas

se divertia com aquilo e sequer alterava muito. Pular na rua e me

atormentar, era protocolo oficial do dia a dia comum. Nunca saberia


como ela aguentava beber tanto e não ficar completamente bêbada.

Depois de várias cervejas, doses de tequila e vodca, finalmente,

estávamos voltando para casa. Suadas, cansadas e bêbadas, mas

importante, o rímel continuava intacto pelo que olhei no espelho da boate

minutos antes de sairmos.

— Ainda tem aquela conveniência fica aberta 24 horas? —

indaguei, e ela assentiu, passando a minha frente, e dando um giro.

Era uma cidade pequena e praticamente todos se conheciam.

Como sempre, dávamos ainda mais material para como nos

denominavam: as filhas sem limites da Clarice. Sorri, pois no fim, como

todo mundo, éramos apenas livres e fazíamos o que queríamos.

— Quer tomar algo? — perguntou em deboche e revirei os olhos.


Já eram em torno das três da manhã e depois de tanta bebida, tudo

o que queria era algum ruffles ou qualquer outro salgadinho.

— Quero comer! — enfatizei e ela sorriu mais, vindo ao meu

lado e passando o braço por meus ombros.

— Senti falta disso. — comentou.

— Eu também. — Concordei e andamos daquela forma, até a

conveniência do posto de gasolina que era a única coisa aberta na cidade

em tal horário.

Adentramos o local, e não pude evitar um sorriso, assim que dei

de cara com Lúcio, encostado no balcão.

— E aí? Fazendo extra hoje? — Nina perguntou, praticamente se

escorando sobre o balcão e ele deu de ombros.

— Um amigo pediu para fizesse o favor e ainda tiro um extra, e

cá estou. — Fez um sinal com as mãos, e se indicou. — O que as duas

fazem aqui, claramente bêbadas?

— Encher o bucho. — Nina se adiantou a dizer e tive que sorrir.

Ela não era nem um pouco fã de sutileza. — Aliás, pode ir nos contando
sobre o encontro enquanto procuramos algo para comer e te

atormentamos aqui. — Praticamente exigiu e acabei gargalhando da cara


assustada de Lúcio. Mesmo depois de tantos anos, ele ainda parecia

intimidado por ela.

Andei até os salgadinhos e felizmente, encontrei o ruffles que

tanto queria. Fui até a geladeira e procurei um refrigerante para poder me

ajudar a ficar desperta, e claro, não perder o costume de me entupir de

coisas tão saudáveis. Queria muito começar a mudar meus hábitos

alimentares, porém, nunca o fizera de fato.

Notei que na grande televisão atrás de Lúcio, passava um show

sertanejo, e poderia jurar que era alguma perseguição para que lembrasse

de Cael, e ficasse exatamente da forma que as letras eram cantadas.

— Então foi um fracasso? — Nina indagou, e levou um copo com

líquido preto a boca, que só poderia ser café. Notei Lúcio com uma

garrafa térmica em mãos e tive a confirmação.

— Somos muito diferentes. — Ele confessou, e sentei ao lado de

Nina, aproveitando o teor da conversa. — Sei lá, por mais que a queira

na minha cama, não rolou aquela coisa.

— Por isso sertanejo sofrência? — indaguei, e Nina gargalhou ao

lado.

Ele apenas deu de ombros e aumentou o volume da televisão.


— Sério isso? — fingi-me de indignada, e ele sorriu, dando a

volta no balcão, vindo até mim. — O que sugere?

— Parece estar sofrendo, gata.

Dei de ombros e resolvi não entrar no assunto. Mas Nina estava


ali, e com toda certeza, faria questão de lembrar.

— Rejeitada. — Soltou e revirei os olhos de sua falta de tato.

— Vem cá! — Lúcio me puxou para si, enquanto a música nos


embalava. — Nada como dois fodidos em relações e um sertanejo

desses! — gargalhei e ele me girou. Parecia ser leve, e por um segundo,


apenas queria algo assim. Descomplicado, simples e sem pretensão.

Nina se levantou e a vi com minha garrafa de refrigerante nas


mãos, encenando um microfone, e soltando a voz. Sabia que ela sofria

por alguém, mas nunca se abrira de fato. Apenas partes do passado e um


homem misterioso.

“Meu orgulho caiu quando subiu o álcool

Aí deu ruim pra mim

E, pra piorar, tá tocando um modão

De arrastar o chifre no asfalto”

 
Acompanhei-a, e Lúcio não se fez de rogado. Ele poderia até ter
dito que não rolou algo, mas ali, entregue como nós, sabia que os três

estavam na mesma.

“Tô tentando te esquecer

Mas meu coração não entende

De novo, eu fechando esse bar

Afogando a saudade num querosene

Vou beijando esse copo, abraçando as garrafas

Solidão é companheira nesse risca faca

Enquanto cê não volta, eu tô largado às traças

Maldito sentimento que nunca se acaba

Ô ô ô, ô ô ô

A falta de você, bebida não ameniza”[2]

Gritei a parte e gargalhei em seguida, ao mesmo tempo que

meu coração batia freneticamente, lembrando-me do que não devia, mas


que insistia em me atormentar – Cael Marini e o que me fazia sentir.

Realmente, nem mesmo a bebida me fazia esquecê-lo.


CAPÍTULO X

CAEL
 

— Noite difícil, gato?

Ignorei a pergunta e levei o copo de uísque a boca, procurando

algum conforto para o que sequer conseguia explicar. Porém, a morena


ao meu lado não parecia com a intenção de desistir, e logo senti seus

dedos tocando meu ombro, como se para chamar atenção. Mal sabia ela,

que de canto de olho a vi chegar, e minha opção foi simplesmente

ignorar.

Não estava naquele bar para me envolver com alguém, apenas

esperava Pablo chegar e em seguida, queria esvaziar a mente e beber.


Porém, percebi que era uma péssima ideia o fazer ali. Talvez o melhor

jeito fosse ir para casa beber, e não me encontrar com meu primo. Sequer

entendia porque aceitei seu convite.

— Estou bem — falei, e a encarei brevemente.

Era uma mulher bonita, não poderia negar. Em qualquer outro


dia, até mesmo, algumas semanas atrás, não pensaria duas vezes em levá-

la para casa. Entretanto, ali estava eu, sem conseguir foder com alguém,

porque a declaração de Chiara fodeu minha cabeça.

— Ok. — Ela se afastou, claramente notando que não conseguiria

nada e que realmente não era uma boa noite. Ela não a melhoraria. Acho

que ninguém seria capaz.

Senti um leve tapa em meu ombro, e me virei, dando de cara com

meu primo, que trazia seu semblante sereno de sempre. Muitas vezes

quis me espelhar em Pablo e agir como ele, ser sempre simpático e

sorridente, entretanto, nunca foi meu forte. Não era bom em muitas

coisas fora do trabalho, e principalmente, conectar-me com outras

pessoas. O mais perto que cheguei de um namoro de fato foi na


adolescência, e tinha apenas quinze anos na época. Não era como se

contasse.
— Um uísque duplo. — Ele pediu ao barman, que logo o serviu.

Seu olhar virou para o meu, assim que se sentou ao lado. — Então, como

está?

— Sério que me pediu para vir aqui para saber sobre bem-estar?

— bufei, e levei o copo de bebida a boca mais uma vez.

— Anne Liv me ligou e pareceu preocupada. — Olhei-o com

atenção. — Sei que não tenho que me meter nas brigas de vocês, mas

nunca a vi tão puta a ponto de não querer conversar com você, e me

acionar para isso. — Acusou-me e dei de ombros.

— Ela estava defendendo Chiara. — comentei, e lembrei de como

ela me enfrentou a alguns dias.

Justamente quando Chiara desapareceu de minha frente e não nos

vimos mais. Fazia apenas uma semana em minha conta, e não conseguia

entender o porquê dos dias se arrastarem.

— O que tem na merda sua cabeça, irmão? — o grito de Anne Liv

não poderia ser diferente.

— Anne, por que está gritando? — indaguei, mesmo que a

resposta fosse óbvia.

Minha irmã sempre defendera sua perfeitinha com unhas e

dentes, por isso, já esperava tal reação. E já imaginando que Chiara não
falaria abertamente sobre o que aconteceu e acabou de sair dali, só

restava uma opção – Pablo.

— Não vou me dar ao trabalho de responder. — Apontou o dedo

em minha direção. — Acha mesmo que tem o direito de realocá-la pra

daqui? Não se esqueça que sou tão dona quanto você dessa empresa! —

gritou ainda mais e respirei profundamente, segurando-me para não

piorar a situação. — Quem te deu o direito de agir feito um babaca?

— Eu pedi desculpas... Percebi que errei e...

— Depois que levou uma taça de vinho na cara? — debochou. —

Faça-me o favor, irmão. Chiara devia ter quebrado a taça em sua cabeça

de merda!

— Por que está gritando comigo, afinal? Já aconteceu, tentei

consertar, mas Chiara parece irredutível. — Conformei-me e ela me

encarou balançando a cabeça em sinal negativo.

— Será que não enxerga o óbvio? — perguntou e a encarei ainda

mais perdido.

— Não me venha com seu sonho de me ver casado com Chia! —

revidei.

— Eu realmente imaginei que dariam certo, vocês são muito

parecidos e... — Suspirou profundamente, e podia notar a decepção em


seu tom. — Sempre respeitei seu modo de levar a vida pessoal. Sem

amarras e tudo mais. Sou como você, afinal. Mas, sempre vi os olhares

entre vocês que existia algo diferente. O que você não viu, ou ao menos,

não quis ver.

— Ou você anda vendo demais. — Refutei e ela deu de ombros.

— Estou decepcionada, de verdade.

— Anne...

— Pode ao menos, pensar em ter respeito com as pessoas, irmão?

— senti o peso de suas palavras. — Pablo me contou por cima o que

houve e o que ele sabe... Mas se alguém diz que te ama, ao menos, tenha
respeito.

— Eu sei que errei.

— Então seja homem o suficiente para não fazer isso novamente.

Não com ela ou qualquer outra mulher. — Revidou e assenti, sentindo-

me perdido.

Suspirei fundo, libertando-me daquelas lembranças e continuando

o que dizia: — Não a culpo por isso. — Complementei, e encarei meu


primo, que bebia um pouco. — E vou muito bem, como pode ver. —

mostrei-lhe o copo de uísque quase vazio, e Pablo franziu o cenho. — O

que foi?
— Essa semana foi ferrada na empresa, não é? — indagou e

acabei apenas assentindo. — Por que não o vi na festinha de ontem na

casa de Ulisses?

— O que quer que eu admita? — perguntei, já cansado de tudo

aquilo.

De um lado minha irmã simplesmente decidiu ignorar minha

existência, mesmo trabalhando a poucos metros de mim. Do outro meu

primo e praticamente irmão mais velho, como um conselheiro amoroso

dos infernos. E no fim, Chiara sequer respondera as mensagens que lhe

enviei. Na realidade, eles nem chegaram, o que deixava claro – ela me

bloqueou. — Quer aconselhar sobre o que fazer a respeito do meu erro?

Chiara era uma amiga e eu ferrei com isso. Não queria ter feito, e não sei

como consertar. Ainda mais que ela saiu da cidade.

— Como sabe que ela saiu? — indagou em seu tom debochado e

poderia esganá-lo ali.

— Fui até o apartamento dela, tentar conversar e fazê-la voltar

para a empresa, como assistente de Anne Liv novamente. Mas o porteiro

além de me informar que não poderia subir, soltou depois de muita lábia,
que ela estava de férias. — Admiti sem vontade.
— Acha mesmo que ela era uma amiga? Simples amiga? —

Pablo perguntou e não soube respondê-lo.

Naqueles poucos dias longe, tentava me convencer que a falta

massacrante dela era apenas pelo fato de termos passado os últimos dois

anos lado a lado. Seja na empresa ou em uma cama. Porém, Chiara nunca

foi apenas uma foda, sempre a considerei uma amiga. Por que não

conseguia simplesmente consertar as coisas? Agi como um carrasco e

queria me redimir por aquilo. Não porque esperava que ela voltasse para

minha cama ou até mesmo como minha assistente. Não sabia nem o que
esperar. Entretanto, doía saber que fui o responsável por colocá-la
daquela maneira para fora de minha vida. Chiara até então era uma

constante.

— Ela é importante para mim e acabei me assustando com o que


ela disse... Agi feito um moleque assustado, sei disso. — Nunca me senti

tão babaca em meus 36 anos. Era como se sua declaração tivesse me


deixado inerte, e de repente, ferrei com tudo.

— Já parou para pensar que pode estar sentindo o mesmo que ela

e por isso correu? Optou por afastá-la? Com medo do que você sente? —
indagou e o encarei sem a mínima vontade.

— Viemos aqui para tratar dos meus sentimentos, sério? —


neguei com a cabeça, sentindo-me cansado. — Não sei o que sinto de
fato, Pablo. Se soubesse não teria agido daquela maneira.

— Espero que perceba então, de uma vez. — Bateu em meu

ombro. — Porque se estiver apaixonado por aquela mulher, e pisou na


bola dessa forma, terá muito o que fazer.

— Eu não...

Fiquei quieto e encarei as bebidas a mostra no bar. Suspirei sem

conseguir terminar a frase.

— Como já te disse antes, foder é diferente de amar... Pode foder

com muitas mulheres, primo. Mas se tem aquela para qual sempre volta,
é melhor se preparar.

— Para o que? — indaguei, sabendo que Pablo apenas me

convidou para me dissecar por completo.

— Para o amor. — Levantou o copo em minha direção. — E pode


ter certeza, quando se é rejeitado, o amor pode não voltar fácil. Não

mesmo.

Engoli em seco e tentei jurar a mim mesmo que logo, tudo

voltaria ao seu lugar, e que a falta de Chiara em meu dia e dia, e noites,
não seria tão massacrante. Ledo engano. Era apenas o começo de meu

martírio.
CAPÍTULO XI

CHIARA
 
Semanas depois...

— Por que vai se sujeitar a isso? — Nina perguntou pela

milésima vez e revirei os olhos, jogando a pequena mochila nas costas.

— Porque sou uma covarde seletiva. — Pisquei em sua direção.

— E outra, já faz quase um mês que não piso em casa, preciso começar a

enviar currículos e mais, terminar a decoração. E não quer dizer que vou
esbarrar em Cael em alguma esquina.
— Mas com certeza vai esbarrar com ele no aniversário da irmã.

— Revidou e dei de ombros, sem querer discutir sobre. — Você chegou

aqui parecendo um bichinho do mato, e curamos com muito amor, vodca

e tequila. — Sorri, lembrando-me de nossas noitadas. — Tem certeza que

quer voltar já? Ainda mais, ir nesse aniversário?

— Por que não? — indaguei, como se para mim mesma. —

Preciso superar Cael, e estar frente a frente, pode me dar a chance de não
o ver como antes.

— Ou te fazer sofrer. — Toquei seu braço, tentando acalmá-la.

— Sei me cuidar. E além disso, já te convidei para passar um

tempo comigo. — Seu semblante mudou, e sabia que não entraria no

assunto, caso não insistisse. — Por que não vai a festa de Anne Liv

comigo? — indaguei, pela milésima vez, e ela negou no mesmo segundo.

— Ok, mas se mudar de ideia, lembre-se que tenho direito a


acompanhante. Deixei o seu convite no criado-mudo.

— Chia! — ralhou.

— O que? Não posso querer minha irmã numa festança como a

de Anne Liv? Qual é, comida e bebida boa de graça! Além de que, se eu

sofrer pode socar a cara de Cael. De toda forma, eu passo próximo final
de semana aqui. Não vai ser o fim do mundo.
— Você joga baixo. — Reclamou, e gargalhei.

— O convite continua em pé. — Pisquei, e ela assentiu. —

Agora, deixa eu tentar separar Noctis da nossa mãe. Nunca vi tanto amor

pelo neto.

— Ela sabe que não terá netos humanos, então... — reclamou e

no mesmo instante gargalhei. Porém, no segundo seguinte, senti-me

paralisar. Desfiz o sorriso e engoli em seco. Não, não poderia ser aquela

semana. — O que foi? Ficou pálida de repente!

— Eu só... Que dia é hoje? — indaguei, sentindo quase perder o

ar de repente.

— Dia 27. Mas por que parece que viu um fantasma? —

perguntou e soltei o ar com força.

— Sou regular desde que comecei a tomar o anticoncepcional,

imaginei que já fosse começo do mês e...

— Não está grávida daquele traste, Chia. — Refutou, finalmente

entendendo o que se passou por um milésimo de segundo em minha

mente. — Ou pode estar? — indagou e abri a boca para responder. —

Diz que sempre usou camisinha!

— Sim, eu... Teve uma vez no chuveiro e... Duas ou três...


— Puta que pariu, Chia! — olhou-me incrédula. — Você e ele

não estavam envolvidos com outras pessoas?

— Fazemos exames frequentemente e... Sei lá, confiávamos um

no outro.

— Você é maluca! — acusou-me e tive que rir, mais aliviada. —

Agora, vai fazer o que? Contar os dias até a menstruação?

— Com toda certeza! E ainda festejar quando descer. — Pisquei e

ela me fuzilou com os olhos. — Só me confundi nos dias, e tomo


anticoncepcional há muito tempo... A chance é quase inexistente.

— Mas existe. — Refutou. — Entende por que não quero que vá

a essa festa?

— Sou adulta, Nina. — Baguncei seu cabelo e ela revirou os

olhos, odiando aquele gesto. — Por mais que queira cuidar de mim, sei
fazer isso. Se estivesse grávida... Bom, seria isso e ia pirar um pouco.

Na verdade, não queria pensar sobre aquilo. Bastou o milésimo de


segundo de desespero. Ser mãe de gato era muito mais simples.

 — Maluca. — falou, e me deu as costas, saindo do meu antigo

quarto em seguida.

Sabia o quanto ela era decidida a respeito do futuro. Nina nunca

se deu bem com crianças, e sequer pensava em ter filhos. Com toda
certeza, ao me ver focar tanto no trabalho quanto ela, mamãe já

imaginava que não teria netos. Nunca parei para pensar de fato,

entretanto, foi um susto desnecessário confundir os dias daquela forma.

Encarei o grande espelho ao lado da cama, e limpei um pouco de

meu batom que borrou.

— É Chia, hora de voltar a realidade! — falei para meu reflexo, e

suspirei.

Não tinha como me esconder para sempre no interior, até porque,

sentia falta de São Paulo, do meu apartamento, dos meus amigos de lá...

Principalmente, de ter um emprego. Mesmo sendo cedo, segundo minha

família, sentia que já era hora de voltar, e de quebra, encarar Cael Marini

mais uma vez. Acho que aquele reencontro era inevitável, porém, estava

feliz por poder me preparar psicologicamente para vê-lo.

No fundo, apenas torcia para não sentir nada. Mesmo que fosse

apenas minha pobre mente querendo enganar meu bobo coração. Ele

ainda permanecia preso em meus sentimentos e pensamentos. Seja por

amor, mágoa, mas principalmente, saudade. Até mesmo, como diria a

banda favorita de minha mãe: saudade que eu sinto de tudo que ainda não

vi.

 
 

— Lar doce lar! — falei, assim que abri a porta de meu

apartamento.

Coloquei Noctis no chão e logo abri a porta da caixa de

transporte. Ele pareceu um pouco acuado, mas logo, se soltou e acabou

percebendo que aquele era nosso lar.

— Bem-vindo de volta, filho. — falei, e me virei para fechar a

porta do apartamento.

Sequer dei um passo para dentro, o interfone tocou e bufei. Sabia

o quanto o porteiro era astuto, e com toda certeza, existia boletos e algo

mais para pegar na portaria. Deixei tocar até que desistisse, e decidi que

mais tarde, desceria de uma vez e resolveria o que fosse. Ainda não era

uma volta de fato para minha vida normal. Porém, o aniversário de Anne
me dera o impulso que precisava para finalmente voltar e colocar a vida

no lugar, antes de trazer minhas malas de volta. Ir e ficar mais tempo que

de costume, fez-me perceber que deveria dar mais espaço em minha vida

para a família, por mais louca que a rotina voltasse a ser.


Migrei para o quarto e me joguei na cama, sentindo-me em paz

por alguns instantes. Apenas conseguia pensar por onde começar ali. De

repente, as férias me mostraram o quanto não conseguia ficar parada. Ou

ajudava Nina na parte do financeiro, ou minha mãe na parte da padaria.

Não conseguia simplesmente distrair a mente com algo além.

Olhei para a televisão e lembrei da série que começamos. Sua

falha tentativa de tentar me fazer parar de ajudar. De qualquer forma, a

única maneira que encontrava de fugir um pouco da realidade era em

livros. Tive um bom tempo para desfrutar de vários. Infelizmente, muitos


me remeteram a Cael. O cara era babaca, fazia a mocinha sofrer, porém,
se tocava que também a amava e aí... eles recomeçavam.

Suspirei, rindo em seguida de minha grande ilusão. Por aquilo


vinha evitando filmes e séries com teor romântico, sempre me via
relacionando a realidade, mesmo que inconscientemente. Até os que não

eram desse teor, me remetiam a ele, porque era o que fazíamos juntos
quando não se tratava de trabalho ou prazer. O que me fazia lembrar de

nossos momentos e em como vi verdade onde não deveria.

— A pipoca. — Estendeu-me o grande balde e sorri amplamente.

Ele se jogou no grande sofá ao meu lado, vestido apenas com

uma calça moletom. Eu estava com uma de suas camisas, e me ajeitei


melhor, já começando a comer. Apertei play com a outra mão, e senti o
olhar de Cael me queimando.

— O que foi? — indaguei, e o encarei. Os olhos azuis pareciam


ainda mais vivos.

— Documentário sobre assassinos? — perguntou e notei a

surpresa em seu semblante. Ele parecia relaxado, mas notava a forma


como me queria, apenas com o olhar.

— Nada melhor para um domingo chuvoso. — Pisquei e ele

acabou assentindo. Seu braço passou por meu pescoço, e assim


permanecemos. Até simplesmente, adormecermos nos braços um do

outro.

Guardava aqueles pequenos momentos, nos quais, acreditava ter

começado de fato a me apegar. Além de um chefe. Além de uma foda.


Além de um amigo. Enxerguei além de todo o estereótipo, e vi um

homem. O qual desejava ardentemente como meu. Contudo, sabia que


por mais que ele tivesse se arrependido de como me tratou e do que

fizera, não éramos para ser. Minha declaração soou como uma bomba
entre nós, abrindo uma cordilheira.

Não tinha como atravessar. Naquele momento, sequer desejava tal


coisa. Queria apenas seguir em frente.
CAPÍTULO XII

CAEL
 

Adentrei a mansão de meus pais, e notei que várias pessoas já


haviam chegado. Anne Liv sempre adorou preparar festas, e, portanto,

quando se tratava de seu aniversário, ela não deixaria por menos. Era o

tipo de comemoração que as pessoas faziam de tudo pelo convite. Ela

sabia realmente como cativar quem estivesse ali. Caminhei dentre as


pessoas e cumprimentei rapidamente algumas, em busca de encontrar

minha irmã em meio àquela bagunça organizada.

Não nos falávamos direito desde a briga em minha sala na

empresa, e em seu aniversário resolvi que seria o momento ideal para


erguer a bandeira branca e pedir uma trégua. Sentia falta de minha irmã,

mesmo que ela fosse a pessoa mais irritante que conhecesse. Olhei ao

redor e não a encontrei na sala que estava repleta por pessoas

conversando e tomando algo. Resolvi sair para o jardim, passando

diretamente pela cozinha. Assim que pisei no gramado coberto por algum
material que facilitaria a disposição das mesas e o fluxo de pessoas,

consegui enxergá-la de pé, próxima a nossos pais.

Andei a passos certos, e logo, seus olhos encontraram os meus.

Notei que se virou e disse algo para nossa mãe, e já até poderia imaginar.

Nenhuma delas estava feliz pela minha conduta, na realidade, nem eu

estava. Contudo, não tinha como resolver aquilo sabendo que Chiara

estava a quilômetros de distância. Muito menos, bateria em sua porta e


pediria para que me perdoasse, novamente, por ser um imbecil. Seria

ultrapassar uma linha, e temia, magoar ainda mais aquela mulher. Chiara

era importante, e percebia aquilo, a cada maldito dia em que estávamos

longe. Como uma reafirmação diária.

— Elas estão te assassinando com os olhos, o que posso estar

fazendo apenas com o pensamento. — Meu pai falou e abriu um sorriso

cínico assim que me aproximei. Abracei-o rapidamente e não soube

esboçar reação diante de sua fala.


— Coragem aparecer na festa da irmã que sequer conversa. —

Anne Liv provocou e revirei os olhos, puxando-a para mim, e

depositando um leve beijo em sua testa.

— Parabéns, maninha! — adiantei-me a dizer. — Venho pedindo

a tempos, mas... Uma trégua, por favor? — indaguei e notei que ela

pareceu amolecer um pouco.

Anne Liv poderia ser durona em todos os âmbitos de sua vida,

mas como seu irmão mais velho, a conhecia muito bem. A pouca

diferença de idade, apenas nos unia ainda mais. Conheci-a a ponto de

saber que aquela distância imposta por si a machucava.

— Vou consertar as coisas com Chia. É uma promessa que fiz a

mim mesmo, acredite.

— Por que vai consertar algo? — a pergunta de minha mãe me

pegou de surpresa, e me afastei de Anne Liv, dando-lhe um leve abraço.

— Por ser idiota, primeiramente. — Suspirei, e a encarei. — Mas

percebi o quanto sinto falta dela, que esteve tão presente nesses últimos

dois anos, que é como se... Não soubesse o que estou fazendo sem ela.

— Então a quer como sua assistente novamente? — Anne Liv

indagou, e pude notar a recriminação em sua voz.


— Não. — Apressei-me a consertar. — Quer dizer, sim, mas...

Não sei como resolver essa situação. As vezes penso que o melhor é

deixá-la me odiar, do que me amar. Mas sinto que não posso deixar tudo
acabar assim, como se a tivesse tratado como um negócio.

— Pablo comentou que anda bebendo mais do que de costume e

não indo às festinhas de sempre... — não resistiu em provocar e a

encarei. — Quanto tempo vai demorar para perceber o que de fato

acontece?

— Acho que só preciso conversar com Chia e... Entender como

me sinto perto dela novamente, assim como, não a machucar mais. Não

suportaria vê-la mal de novo.

— Então se prepare. — A voz de meu pai soou como um sussurro

e o encarei sem entender. — Chiara acabou de aparecer no jardim, e com

um homem a tiracolo.

Engoli em seco e me virei, olhando diretamente para onde meu

pai indicou com a cabeça. Por um segundo, senti-me completamente

extasiado por sua presença. No outro, senti que ali estava a resposta para

todas as perguntas que rondavam minha mente, assim como, meu

coração.
— Aquele é Leonardo, meu assistente. — O tom surpreso de

Anne Liv não me passou despercebido. — Ele e Chiara tem algo? —

indagou em minha direção e fiquei sem saber o que responder.

Sempre soube que ela se envolvia com outros homens, assim

como, estive com outras mulheres desde que começamos nosso caso.

Porém, ver aquela cena a minha frente, com ele a guiando pelo salão, fez-

me sentir um soco diretamente no estômago. Ali, remoí o fato das tantas

vezes que ela simplesmente via mulheres diferentes saindo de meu

apartamento. Aquela porra doía, ainda mais, porque seu olhar sequer

encontrava o meu, enquanto sorria para ele.

Um garçom passou e me apressei a pegar uma taça de

champanhe, praticamente a virando em seguida. Logo me desfiz da taça

vazia com outro e tudo se passava em minha mente, até mesmo o álcool e

o sabor da bebida, parecida com a qual jogamos verdade ou desafio

semanas atrás, que terminou com ela sobre meu corpo.

— Não queria estar na sua pele, meu filho.

Esperei alguma provocação de minha irmã depois da fala de

nosso pai, porém, ela pareceu ficar completamente muda de repente. Em

seu olhar, via o misto que o meu se encontrava. De alguma forma, era

como se ambos estivéssemos perdidos diante da cena.


— Ela vai vir até você, então... Vou lhe dar espaço para o fazer.

— falei, e minha família apenas acenou com a cabeça.

Circulei dentre os convidados, e optei, por marchar até a parte de

trás do jardim, onde a música não era tão alta, e apenas encontrei um

casal próximo a grande árvore que Anne Liv e eu brincávamos quando

crianças. Suspirei profundamente, e permaneci em silêncio, repassando

tudo em minha mente. De repente, era como se fosse teletransportado

para o momento em que Anne Liv me contou que Chiara tinha um

encontro e que com toda certeza, era com um velho amor. No dia do meu

aniversário, semanas atrás, um dia após ela se declarar. Nada fazia o

mínimo de sentido. Seria Leonardo aquela pessoa?

Tentava encaixar as peças, porém, elas pareciam completamente

perdidas.

— Pablo, por favor, eu...

— Sei o que faz aqui e o jogo que quer, mas eu não vou cair

nisso. — A voz de meu primo soou dura, e franzi o cenho, saindo de

meus devaneios, e olhando em direção ao casal que estava praticamente

escondido sob a árvore, e com toda certeza, não me via a poucos metros.
— Não sou o mesmo idiota de antes, Nina.

— Eu te amo, sabe disso, não é?


— Seu amor é egoísta e nunca foi suficiente. Por que seria

diferente agora? — o deboche na voz de meu primo, fez com que

quisesse me intrometer, porém, virei meu olhar, e de repente, nada ao

redor pareceu importante.

Chiara estava parada perto das roseiras, tocando as rosas

vermelhas em particular, e sorrindo de algo que Leonardo lhe dizia.

Aquela cena, fez-me perceber que nunca tivemos tais momentos fora de

meu apartamento. Tudo se resumia aquele lugar, e de alguma forma,

sentia falta de algo que sequer tivemos. Por que nunca fizemos aquilo?

Porque trabalhavam juntos, minha mente gritou.

A intimidade com que conversavam, ainda me fez notar que

poderia ser tarde demais para conversar com Chiara, e quem sabe, tentar
nos entender. Tentar entender como ela chegou a se apaixonar, e como eu

parecia ir pelo mesmo caminho. A saudade apertou em meu peito, e dei


um passo à frente. Não conseguia simplesmente acompanhar a cena, sem

ao menos fazer algo.

Ela me amava ou ao menos, fora o que dissera e vira nitidamente


em seus olhos semanas atrás. Não poderia ter mudado tão bruscamente...
poderia?
Assim que resolvi me aproximar, vi Leonardo dizer algo para
Chiara, e logo, ele se afastou, andando em direção a parte mais cheia da

festa. Vi o caminho livre, e não pensei duas vezes em chegar ao seu lado.
Quando faltava pouco para alcançá-la, notei sua postura mudar, e o

sorriso em seu rosto morrer. Ela levou a taça de champanhe a boca e


logo, se virou. Seus olhos bateram nos meus, e senti-me imerso naquele

momento.

Bem ali, tive certeza absoluta da forma como a queria.


CAPÍTULO XIII

CHIARA
 

A noite já começou peculiar.

Primeiro: Nina apareceu em cima da hora na porta de meu

apartamento, completamente pronta. Segundo: Noctis parecia não querer


me deixar sair de casa, e por algum instinto materno maluco, quase optei

por ficar. Terceiro: minha bunda parecia boa demais dentro do vestido

branco que decidira usar.

Algo no alinhamento dos planetas, ou até mesmo, no

posicionamento das estrelas, parecia querer me mandar com cara e


coragem para a festa de Anne Liv, ou até mesmo, evitar ao máximo que

fosse. Não sabia ler astros, então, de três, optei por duas, e estava

realmente contente pelo fato do quanto aquele vestido me caíra bem.

— Não me leve a mal, sabe que te amo, mas... Em todos esses

anos, sempre te chamei para vir, mas nunca apareceu. Por que dessa vez?

— indaguei, enquanto dirigia, e estranhei o silêncio de Nina, sentada no

banco do carona. — Qual é? Você odeia vir a São Paulo, sempre deixou
claro. Não é por cuidado, tenho certeza.

— Te enrolei bem por esses anos, não é? — estranhei sua

pergunta, e apenas abaixei o som do carro, dando a deixa para que


continuasse. — Conheço os Marini antes mesmo de você.

— Como assim? — perguntei surpresa.

— Lembra do cara que ficou no passado? — assenti e notei seu

tom de voz mudar. — Ele me pediu em casamento no último ano da

faculdade, na formatura, para ser exata... E bom, eu neguei. — comentou

e percebi o quão fora sério o que aconteceu entre eles. Mas ainda assim,

não sabia onde ela queria chegar. — O nome dele é Pablo Marini.

— O que? — freei bruscamente, sem sequer perceber que o faria.

— Puta merda, Chia! — reclamou, e por inteligência, usávamos o

cinto de segurança e nada de nos machucarmos com o solavanco. — Se


não conseguir dirigir e escutar, eu falo depois.

— Não! — apressei-me a dizer. — Pode continuar. — Saí com o

carro e ouvi seu suspirar profundo. — Estou há anos tentando te tirar

isso, e não vou desistir por nada. Meu Deus! Pablo... Como nunca

interliguei?

— Porque sou boa em escondê-lo, assim como, ele é bom em

fazer o mesmo.

— Mas eu os apresentei há seis anos, na minha primeira festa da

empresa de fim de ano... A única que você veio, devo acrescentar.

— Aquela foi uma noite difícil e percebi de fato que era tarde

demais, e que nos tornamos desconhecidos. — comentou e notei a dor

em sua voz. — Mas nunca perdemos contato e bom, já pode imaginar

quem foi o advogado que ganhou a causa para a padaria.

— Isso faz todo sentido! — falei alarmada. — Me sinto burra e

enganada. — Acusei-a e olhei de canto de olho.

— Sinto muito, Chia. Mas falar de Pablo sempre foi no mínimo...

Complicado. Eu o magoei no passado e ele faz questão de me magoar no

presente.

— E então decidiu vir a festa porque Pablo vai estar nela? —

indaguei, com minhas engrenagens funcionando. — Sabe, para tentar


ficar com ele?

— A última vez que nos falamos, foi quando liguei para

perguntar sobre como você poderia prosseguir caso Cael não aceitasse a

dispensa de aviso prévio. — Senti-me culpada no mesmo instante. —

Nem faz essa cara, não tinha como saber que era justamente o cara do

meu passado. — Parei no sinal vermelho, e a vi revirar os olhos. —

Enfim, ele me ajudou, e no fim, fez questão de me contar que está noivo.

— O que? — indaguei, perplexa.

— Pablo tenta me machucar como eu o machuquei. Por um

segundo, imaginei que fosse algo armado pela família Marini ou até

mesmo, negócios, mas... Ele a defendeu com unhas e dentes. Sequer

conheço a mulher e já a odeio. Me sinto uma imbecil.

— Devia odiá-lo. — revidei, e me arrependi no momento

seguinte das palavras. — Desculpa, eu...

— Tem razão, Chia. — Suspirou profundamente. — Devia odiá-

lo, mas fui eu quem nos colocou nesse patamar. Pisei no coração de

Pablo e me culpo por isso.

— Está aqui por culpa, então? — perguntei, mesmo sabendo que

a resposta seria negativa.

— Não, estou aqui para lutar pelo homem que amo.


Sorri, e a olhei rapidamente, antes do sinal abrir. Sabia que

quando Nina decidia algo, ninguém lhe tirava da cabeça. Então se ela

decidira que ficaria com Pablo, seria bom ele estar certo sobre o tal

noivado. Porque senão, qualquer dúvida a respeito, ou resquício de

sentimento por minha irmã... ele estaria ferrado. Porque ela o

conquistaria. Era daquela forma. O que Nina queria, ela tinha.

— Vou circular, mas qualquer coisa me liga. — Nina falou, no

momento em que descemos do carro, à frente da imponente mansão.

— Tenho dó de Pablo nesse momento. — comentei, e ela sorriu,

piscando em seguida. — O mesmo vale para você! — falei alto, assim

que ela se apressou a adentrar o local, sem sequer olhar para trás.

Ali soube que minha irmã conhecia os Marini muito além do que

eu imaginava.

— Chiara?
Virei meu olhar e me deparei com Leonardo, que sorria

amistosamente, como sempre. Não pude deixar de notar que ele estava

uma tentação, vestido mais casual, mas ainda assim, completamente no

requinte da festa. Nunca entenderia como Anne Liv não se sentia atraída

por ele. Na verdade, a entendia, porém, no meu caso, era por meu

coração estar ocupado demais.

Coração ridículo!

— Ei, Leo! — fui até ele, e nos abraçamos. — Acho que sumi. —

comentei sorrindo e ele assentiu, logo se afastando.

— Foi uma surpresa para todos na empresa. — comentou, e me

ofereceu o braço, para entrarmos juntos na festa.

Por que não?

— Pois é. — falei sem muita vontade. — Mas vamos falar de

algo bom... — adentramos o imponente jardim dos Marini e fiquei

bestificada, mais uma vez, com a beleza do lugar. Ainda mais, com o

bom gosto de Anne Liv para suas festas. O lugar estava lindo. — Como

Malu está? — indaguei, e o sorriso em seu rosto foi tamanho, que sua

covinha apareceu.

— Esperta é a palavra certa. — comentou, e sorri. Ele era pai

solteiro, e pelo pouco que sabia, ela era seu mundo todo. — A cada dia,
aparece com uma nova vontade para o futuro.

— Tipo ser astronauta? — indaguei, e ele concordou com a

cabeça, deixando-me perplexa. — Mentira!

— Juro! — sorriu. — Essa semana ela disse que quer ser modelo,
e aposto que semana que vem será algo como bióloga.

— Aliás, temos que marcar um encontro de nossos filhos. — Ele


franziu o cenho, e dei de ombros. — Noctis, meu gato.

Leonardo gargalhou baixo, e não pude evitar fazer o mesmo.

Segui em direção as pessoas, acenando em direção a algumas, e


procurando Anne Liv em meio a elas. Logo a encontrei, e felizmente,

vindo em nossa direção.

Assim que se aproximou, seus braços me envolveram e sorri,

sabendo que aquele era o jeito Anne Liv de ser, ao menos, para as
pessoas que considerava como suas.

— Senti sua falta, perfeitinha. — falou, e acabei a abraçando com

força.

— E eu senti a sua. — Confessei, assim que nos afastamos e lhe


estendi o presente. — Feliz aniversário, ex chefinha. — Notei seus olhos

marejados e ela pegou a sacola em mãos, puxando-me para outro abraço.


— Só lhe desejo a paz e felicidade, sempre.
— E eu a você, Chia. — Afastou-se, e logo seu olhar mudou de
direção, e parou em Leo. De repente, notei o quanto ele pareceu

desconfortável, diferente do homem sorridente de segundos atrás.

— Parabéns, senhora Marini. — Ele falou e lhe estendeu a mão.

Notei o olhar de Anne Liv mudar, e ela aceitou seu toque, apertando mão.
— É um presente simples, mas, espero que goste.

— Obrigada, Garcia.

A tensão entre os dois era palpável, e senti que poderia

simplesmente sumir na multidão que não dariam falta. Um garçom


passou por nós, e aproveitei para me abastecer de champanhe. O melhor

champanhe, sabia bem. Assim que levei a taça a boca e senti o sabor, fora
como uma explosão de lembranças ao lado de Cael.

Mais um fato para minha lista de merda de motivos para ter me


apaixonado por Cael Marini: o fato de adorarmos beber até cair. Claro,

cair no conforto da cama e usar a bebida para todos os propósitos


possíveis.

Suspirei, e notei o olhar de Anne Liv e Leo se quebrar. Ele me

encarou, claramente pedindo socorro, e abri um sorriso, tentando


amenizar a situação.
— Minha irmã veio e vou acha-la para lhe dar parabéns. — falei
animada, e Anne Liv pareceu um tanto perdida. — Pode me ajudar, Leo?

— indaguei, e ele assentiu de imediato. — Já volto, ex chefinha.

— Sem pressa, perfeitinha.

Saí de perto dela com Leonardo a tiracolo, e pude jurar que o ouvi
soltar o ar assim que estávamos a passos suficientes de distância.

— Vou fingir que não vi e nem senti nada rolar entre você e Anne
Liv. — comentei, assim que nos encontramos perto das lindas roseiras

que a mãe dela cultivava.

Leonardo forçou um sorriso e o encarei decidida.

— Sem julgamentos. — Levantei a mão livre em sinal de

rendição e ele pareceu ficar mais à vontade. — Agora, acho engraçado o


fato de você vir a festa e ter que fugir da aniversariante.

— É complicado, Chiara. — Passou as mãos pelos cabelos e notei

seu nervosismo. — Acho que não tem como explicar.

Se ele tivesse a mínima ideia, de que estávamos no mesmo barco.


Anne Liv era a cópia feminina de Cael, livre, leve e solta, como a mesma

diria. Seu lema sempre foi: viver o momento. Podia ver nos olhos de
Leonardo que ele poderia até querer algo com ela, mas já a conhecia o

suficiente pare recuar, mesmo que ela quisesse.


— Não arrisque o emprego. — A dica praticamente pulou de

minha boca e ele sorriu baixinho.

— Vou circular por aí, tudo bem? — assenti. — Obrigado por me

salvar, Chiara.

— Sempre as ordens. — Pisquei, e ele se afastou em seguida.

Fiquei focada nas rosas, ao mesmo tempo que pensando em como


Leonardo estava ferrado. Será que ele passaria pelo mesmo que eu?

Aquele tipo de questionamento era completamente desnecessário. Porém,


ajudava-me a blindar do fato de estar no jardim da casa que Cael

crescera, e que em algum lugar, ele se encontrava. Cedo ou tarde, nos


esbarraríamos. Senti meu corpo reagir a algo e aquela sensação gostosa

me atingir. Fiquei tensa e percebi que o universo conspirou. Cedo. Que


fosse cedo então!

Desfiz o sorriso e levei a taça de champanhe a boca, virando-me


lentamente. Sem surpresa alguma, encontrei Cael a cerca de três passos,

olhando-me profundamente. Sua beleza me inundou e me mantive firme,


tentando fingir que aquilo sequer me atingira. O problema era que

percebi ali, que não precisava da lista de fatos para amá-lo. Apenas o
olhei e fora suficiente para entender o quanto aquele sentimento era

esmagador.
Não escolhi amá-lo, mas aconteceu. Porém, não o deixaria sair

por cima. Nunca mais. Nem que precisasse mentir em voz alta que não
sentia absolutamente nada.

No fundo, sabia, sentia tudo. Absolutamente tudo.


CAPÍTULO XIV

CAEL
 

— Oi, Chia! — minha voz saiu empurrada e notei que ela apenas
me encarou, sem demonstrar qualquer outra coisa com o olhar. — É bom

te ver.

O que diabos eu estava falando?

— Olá, Cael. — Sua voz doce me atingiu, e queria apenas dar um


passo e puxá-la com força para meus braços. Nunca me sentira daquela

forma por alguém e não sabia como deveria agir. Porém, não podia

simplesmente me aproximar. Não depois de tudo. — Como vai?


Pelo jeito, não era bom me ver.

— Confesso que confuso, até minutos atrás. — comentei e ela


abriu um sorriso sem dentes, claramente, não interessada em me ouvir. —

Mas sei bem o que...

— Olha, sei que é meio complicado me encarar, depois de tudo e


tal, mas... Fica tranquilo. O que passou, passou. — Fiquei paralisado

diante de suas palavras, e tentei buscar algum resquício de dúvida em seu

semblante. Não conseguia ver nada. Ou ela me confundia ou estava

fodido o suficiente para não entender nada. — Somos adultos e agimos

feito crianças em alguns momentos. Então, acho melhor deixar tudo às


claras.

— Só quero dizer que sinto muito e demorei para entender o

que...

— Ei! — olhou-me decidida, interrompendo-me novamente. —

Apenas me escuta, tá? — assenti e ela abriu um leve sorriso. Porém, temi

pelo que viria a seguir. — Acho que a primeira pessoa a ficar confusa fui

eu, sabe? — indagou e neguei com a cabeça, sem entender. — Vi em


você, algo que não existe. Esse tempo fora me fez refletir e ver que na

verdade, queria um relacionamento sério com alguém. E no fundo, acabei

confundindo o que tínhamos com amor.


Suas palavras me jogaram na lona e fiquei perplexo a sua frente.

— Não me leve a mal, eu só... Podia ter evitado tudo isso, se

conseguisse me entender melhor. Mas como você mesmo disse alguns

momentos antes, a gente fica confuso, né?

— Confundiu amor com vontade de um relacionamento? —

indaguei, as palavras saindo carregadas de minha garganta. Ela assentiu,

claramente despreocupada. Ali, não estava a mesma Chiara que se

declarou tão abertamente semanas atrás. Sequer a reconhecia. — Por que

está mentindo? — perguntei, e ela simplesmente levou a taça a boca,

bebendo o resto de seu champanhe.

— Sei que deve ter sido uma pressão da sua irmã, primo e até

mesmo, sobre a empresa. Não que me considere muito importante, mas,

conheço essa parte da sua família há seis anos, e sei como são insistentes.

Então, já imagino que ia me dizer que quando me viu agora, percebeu


que não tinha mais confusão, e eu era resposta. E até mesmo, que está

apaixonado. — Suas palavras soaram em tom de deboche, e a encarei,

sem conseguir decifrá-la. — Estou certa ou errada?

— Está certa, mas...

Ela então deu um passo à frente e levou a mão livre até meu

ombro.
— Acredite, logo acordará desse falso sentimento. — Piscou e

sorriu de lado. — Só dar tempo ao tempo e não ceder à pressão.

Ela então me deu as costas, como se aquilo fosse o suficiente.

Como se fosse engolir aquela sua leitura barata sobre o que eu sentia, e

mais, sobre o que ela dizia não sentir. Chiara não era daquela maneira,

tinha plena certeza em meu âmago. Não a deixaria ir daquela forma. Nem

mesmo, sair sem saber realmente ouvir o que precisava ser dito.

CHIARA
 

Só precisava dar mais alguns passos, adentrar a imponente casa e

me esconder por alguns segundos. A visão de Cael e sua proximidade,

me desestabilizaram. Agir por impulso e simplesmente, jogar-lhe em


meio a uma teoria absurda que acabei de criar, poderia ser o suficiente

para que me deixasse ir sem querer se desculpar pela milésima vez.

Talvez me achasse maluca, e aquilo, facilitaria as coisas.

Entretanto, contrariando tudo o que pensei e imaginei, senti sua

mão em meu braço, puxando-me levemente. Virei meu olhar e ele


pareceu querer me ler, mas de alguma forma, parecia ter me blindado

para aquilo. Seus olhos azuis não se afastavam do verde dos meus, e senti

a velha sensação de intimidade me corroer por dentro. Da mesma forma

como fora naquele bar há dois anos, quando bebemos juntos a noite toda

e depois, fomos direto para sua cama. Fora a única noite em que curtimos

de fato fora de seu apartamento. Depois, aprendemos que deveríamos nos

limitar, para não gerar especulações, e principalmente, fofocas

desnecessárias na empresa.

Tudo para preservar o meu trabalho, fora o que pensei. O qual, o

homem a minha frente, simplesmente ignorou por completo.

— Do que tem tanto medo? — sua pergunta me pegou de

surpresa, e me afastei de seu toque, não conseguindo pensar direito

daquela forma.

— Já me surpreendeu o suficiente nos últimos tempos, Cael. Mas

confesso que não entendo o teor da sua pergunta.

— Eu tive medo, pra caralho. — Ali estava o homem de boca

suja que tanto me atraía, em complemento com a pose séria. Vestido em

uma roupa social que lhe caía perfeitamente e os cabelos negros

penteados para trás. Porém, o que chamou minha atenção fora a forma

que parecia querer confessar algo. — Medo dos seus sentimentos por

mim. — Complementou.
Bufei e tentei manter meu coração a uma distância segura dele.

Precisava sair dali. No final das contas, fora uma péssima ideia vir aquele

aniversário.

— Já disse para não se preocupar com isso, foi apenas uma...

— Confusão? — indagou e notei a diferença em seu tom de voz.

— Nunca mentimos um pro outro, Chia. Acha mesmo que vou acreditar

que a mesma mulher que se declarou de uma maneira que me deixou sem

chão, simplesmente, não me ama mais?

— O que vai acreditar ou não... — dei de ombros, fingindo que

aquilo não me afetava. — De fato, não me interessa.

— Interessa. — Instigou-me e senti vontade de partir sua cara, ao

mesmo tempo, que provar os lábios que pareciam ainda mais

convidativos. — Sabe por que? Porque o que me assustou foi a verdade

em seu olhar quando disse que estava apaixonada, e mais ainda, o fato de

eu ter gostado absurdamente disso.

— O que? — minha pergunta quase não saiu e o encarei

incrédula. — Minha teoria de que você surtou nos últimos tempos deve

ser real. Quem te convenceu disso? Sua irmã ou Pablo? Ou melhor, os

dois?
— Não. — Abriu um sorriso sem dentes, e aquele era o retrato do

homem carinhoso que conhecera. Não pense sobre, Chia! — Os dias sem

você foram massacrantes.

— Ah, claro! — revirei os olhos e dei um passo atrás, a ponto de

simplesmente sair dali. — O que quer, Cael? Que volte a ser sua

assistente? E daí, do nada, você decide que não sou uma profissional

suficiente e me joga para fora da empresa?

Minha voz soou um pouco mais alta, e senti a raiva correr por
meu corpo. Estava farta daquilo, e principalmente, do que ele me fazia

sentir. Por mais que tudo que tentasse fosse esquecê-lo, estar tão perto,
apenas me lembrava que precisava encerrar aquilo de alguma maneira.

Nem que fosse jogando-lhe toda a mágoa que sentia.

— Quero você. — Olhei-o ainda mais incrédula, mas não pude

me permitir vacilar.

— Está bêbado? — indaguei e ele negou no mesmo instante com


a cabeça.

— Tive tempo para pensar no que fazer, Chia. Tive todo esse
tempo longe para entender porque agi como agi, e mais, a forma como

sinto sua falta em minha vida. — Enfatizou as duas últimas palavras e


simplesmente me vi presa aos sonhos que me atormentaram por várias
noites. Nos quais, ele me queria também. O quão absurdo tudo aquilo
seria? — Sei que errei e quero me redimir, quero te mostrar que...

— Acha mesmo que vou cair nesse papo de babaca arrependido?


— revidei, sem ter mais forças para ouvi-lo. — Não sou um objeto para

que brinque! Já fez isso uma vez, tentando me mandar para outro estado,
sem qualquer consideração. Acha mesmo que vou permitir que o faça de

novo?

— Podemos apenas conversar, Chia? Me deixe colocar tudo à


mesa e me dê a chance de ser ouvido, sem revidar cada palavra.

— O tempo de conversa passou. — Dei um passo à frente, e

ficamos cara a cara. Um movimento e nossos lábios se uniriam, sabia


bem daquilo. Assim como, notei sua respiração mudar. Eu o afetava, e

sabia de tal coisa, assim como, meu corpo correspondia. Porém, ainda era
o mesmo pensamento de que sexo por sexo, eu encontrava em qualquer

lugar. Com ele era diferente. — Não quero ouvir ou discutir sobre,
apenas seguir em frente. Meus sentimentos por você foram apenas algo
perdido de minha mente, aceite.

— Não. — Seu hálito fresco tocou meu rosto, mas não me movi.

Era uma briga de cachorro grande, como mamãe diria. — Pode tentar
mentir para si mesma, mas eu sei que sente. Assim como, eu sinto. Tive
que descobrir da pior maneira, te mandando para longe da minha vida,
mas não vou deixar com que isso continue.

Ri sem vontade, tentando nublar qualquer resquício de paixão que

poderia me envolver.

— Como vai fazer isso?

— Simples, mostrando que sou apaixonado por você.

Fora impossível não ficar surpresa com sua revelação, assim

como, querer socar sua cara por brincar comigo daquela maneira. Ele
sabia que eu sentia, por mais que tentasse esconder e mentisse segundos

atrás.

— Assim, do nada? — indaguei, completamente incrédula.

— Se sente o mesmo que eu, sabe que não foi do nada. — Seu
hálito fresco tocava meu rosto e boca, como uma leve carícia. Tentava
manter o foco, mas era impossível. Precisava me afastar. Cael Marini era

perigo, e sabia muito bem daquilo. Ele tinha destroçado meu coração em
poucos dias. — Tivemos dois anos para isso, Chiara. Só nos bastou

enxergar de fato, que por mais que existissem outras pessoas em nossas
vidas, sempre voltamos um pro outro.

Balancei a cabeça, negando de prontidão.


— Está se iludindo e querendo me levar para o mesmo barco. —

Desviei o olhar, encarando as belas rosas vermelhas. Suspirei


profundamente, e o encarei mais uma vez. — Não continue com isso,

Cael. Aceite como eu que não damos certo além da cama, e acabou aí.

— Vou fazê-la aceitar meu amor, Chia. Não tenho a intenção de

voltar atrás.

— Será um negócio perdido, não sabe?

Ele negou com a cabeça e pareceu ainda mais sério.

— Nunca se tratou de um negócio, e sabe bem disso.

— Sei? — indaguei, vendo-o mudar por completo a expressão.

Sem saber mais o que dizer, apenas me afastei o suficiente, e

resolvi voltar para onde a festa de fato acontecia. Longe do tormento


daquela conversa que jamais esperei. Poderia imaginar de tudo, menos,

que Cael pareceria tão firme em sua decisão, assim como, deixara-me
ainda mais vulnerável para si. Troquei minha taça vazia por uma cheia, e

entendi que o melhor jeito, era circular por algum tempo, e esperar os
parabéns de Anne Liv. Estar ali era sufocante, ainda mais, porque não

esperava nada daquilo.

Não esperava uma declaração de amor naquela altura do

campeonato.
CAPÍTULO XV

CHIARA
 

— Então, como foi? — a pergunta de minha irmã não poderia ser


outra, assim como, sabia que faria a mesma, em breve. — Parece

desconfortável, Chia. Mais do que imaginei que ia ficar.

— Ele se declarou. — falei, e coloquei o cinto de segurança. —

Esperava qualquer coisa, Nina. Qualquer coisa mesmo, menos que Cael

faria isso. — Confessei e senti sua mão tocar a minha.

— Não sei ao certo como vocês eram no dia a dia, mas pelo que

me disse, se apaixonou por ele em algum momento. — Assenti e


coloquei a chave na ignição, ainda sem saber o que fazer. — Ele agiu

como um completo imbecil, de forma que sequer poderíamos imaginar

isso... Nunca diria que ele está apaixonado.

— Nem eu. — Suspirei profundamente. — Não sei o que fazer,

eu só... Não quero me iludir e pensar que ele realmente vai lutar por mim.

— Fiz aspas com as mãos e notei o olhar surpreso de Nina. — Que foi?

— Ele disso isso? — indagou.

— O resumo da ópera foi esse. Tentei mentir que não sinto nada e

que me confundi sobre nós, e no fim, ele apenas insistiu que me queria.

— Revirei os olhos daquela contradição. — Acho que você estava certa,

e não devia ter vindo. — comentei, sentindo-me cansada. — São Paulo é

grande suficiente para não nos esbarrarmos mais, mas vir a festa...

— Ou você quer esbarrar com ele. — A fala de Nina me pegou de

surpresa. — Não me olhe assim! Nessa noite percebi o quanto deixei o

tempo e os momentos com Pablo serem perdidos. Se um de nós tivesse

lutado mais ou cedido em algum deles, estaríamos juntos. A gente se

ama, isso eu sei. O problema não é esse. Não quero que passe pelo
mesmo e fique se remoendo no fim.

— Ele quer conversar, sem julgamentos. — Coloquei os


cotovelos contra o volante e suspirei profundamente. — Não sei se
consigo fazer isso.

— Acho que você quer, mas está com medo. — Acusou-me, e

não pude negar. Era a mais pura verdade.

Acostumei-me com o a rejeição e que Cael era apenas mais um

babaca em minha vida. Voltar e o ver agindo como alguém que se

importava, me remetia ao que ele realmente significava para mim. Longe

da sombra do que aconteceu semanas atrás, e perto do que fomos nos

últimos dois anos.

— Eu fugi para casa para poder me reencontrar, e esquecer o que

aconteceu. O que claramente não funcionou, mas tive um tempo incrível

com você e mamãe. — Passei as mãos pelos cabelos, já com os cachos

desfeitos. — Pensei que o encarar seria fácil, que tinha entendido como

isso funcionava...

— Você se preparou pro cara que te queria fora de sua vida, não

para o que quer conversar e te manter. — Olhei para Nina, buscando nela

algum Norte. — Se quer ouvi-lo, por que não? Não precisa ser agora,
mas... Dê o seu tempo de ter essa conversa. Não precisa se julgar por

querer ouvir o homem que ama hoje ou depois.

— Ele pode só estar brincando, Nina.


— Isso eu tenho que discordar, mesmo não o conhecendo como

você. Nesses dois anos, a única coisa na qual sempre o defendeu foi

sobre ele ser um homem sincero. Então, por que, de repente, ele não o é?

— Não sei do que tanto tenho medo. — Mordi o lábio inferior, e

suas falas repassaram por minha mente.

Vou fazê-la aceitar meu amor, Chia. Não tenho a intenção de

voltar atrás.

— Talvez, de ser recíproco. — Fechei os olhos, encostando a


cabeça contra o estofado do banco. — Acho que se acostumou com o

fato de que ele ia negar esse sentimento de todas as maneiras. Bom, ele

fez a princípio. E mais, te magoou no meio do caminho. Só que pensa

bem, por que ele ia insistir nisso agora? Justo em um assunto encerrado?

— Segundo ele, porque me quer.

— Tenho algo para te dizer, irmã. Aquele homem seria louco por

não te querer. — Sorri, ainda sem olhá-la. — Mas dê tempo a si mesma,

ao seu coração... Não vai começar a procurar emprego, antes de ir passar

mais uns dias conosco em Minas?

— Sim, e... arrumar a bagunça da minha casa. — Abri os olhos,

sentindo-me mais leve. — Acho que preciso voltar a rotina, e quem sabe,

conseguir falar com ele.


— Sem autojulgamento, maninha. — Piscou, e assenti.

Saí com o carro, e percebi que Nina encostou a cabeça, e fechou


os olhos. Com toda certeza, queria evitar o mesmo interrogatório.

Respeitei seu momento e me concentrei no trânsito. Sentia-me mais leve

por fala sobre, mas ainda assim, não conseguia estar totalmente à vontade

com aquilo. Sentia que precisava ouvi-lo, mesmo que aquilo custasse

minha sanidade. No fundo, sabia que já era maluca o suficiente.

— Você acorda sempre tão cedo? — Nina reclamou, assim que

acendi as luzes e gargalhei de sua cara desinteressada.

— Já é terça-feira, milady. — Provoquei, enquanto sentia Noctis

passar por minha perna. — Preciso ir ao banco e vou aproveitar para me

candidatar a vaga de assistente executiva na empresa próxima. Leo me

mandou mensagem avisando que soube sobre entrevistas essa semana

por lá, então... Vou lá tentar a sorte de ser chamada para uma.
— Boa sorte, maninha. — Nina sequer abriu os olhos e se virou

em minha cama, a qual dividíamos desde que apareceu ali. O que me

remetia a quando ainda éramos crianças e mesmo tendo duas camas,

preferíamos estar juntas. — E por favor, me traz um chocolate quente.

— Um doce, como sempre. — Provoquei, e me virei. Antes que

pudesse sair do quarto, senti um travesseiro me atingir e gargalhei. —

Seja uma boa companhia para Noct!

Fechei a porta do quarto, sendo seguida por Noctis que parecia

ainda mais animado naquela manhã. Agachei-me rapidamente e toquei

seu pelo, fazendo um leve carinho em sua cabeça.

— Se comporte, mas pode atormentar a sua tia. — Pisquei, e ele

soltou um miado baixo, como se me entendesse. — Filho bom!

Despedi-me dele, e peguei o celular em mãos, conferindo o que

tinha que fazer no banco a respeito da manutenção de minha conta

corrente, assim como, passar no prédio da empresa que ficava

praticamente a frente de lá. Desci minhas mensagens e conferi o que

Leonardo havia me mandado. Porém, de repente, apenas me encontrei

tocando no nome de Cael, que estava bloqueado em meu telefone desde o


momento em que joguei o vinho em sua cara. Respirei fundo, e por um

momento, pensei em simplesmente desfazer aquilo. Porém, balancei a


cabeça, guardando o celular na bolsa e ignorando tal vontade. O melhor

era me concentrar em conseguir um emprego e resolver os problemas.

O pior era que Cael ainda consistia em um de meus maiores.

— A sua entrevista será na sexta-feira, as duas horas. — Assenti


para a mulher que me passava cada informação, assim como uma ficha

de necessidades da empresa. Analisaria tudo com calma, quando


chegasse em casa.

— Certo, muito obrigada. — Estendi-lhe a mão, e ela abriu um


leve sorriso. — Até a sexta-feira então, senhora Paiva.

— Até, senhorita Moreira.

Andei em direção ao elevador, sentindo-me um pouco mais

animada naquela manhã. Aquele era um ótimo cargo em uma empresa


promissora. A Marini tinha ligação direta com alguns setores da AIA, em

relação ao melhoramento das intercomunicações na empresa,


principalmente, de forma a viabilizar o processo entre as várias partes.
AIA era uma grande empresa, e ali, era apenas a sede, onde os negócios
eram fechados e os caminhos traçados, pelo que estudei sobre eles

quando ainda estava envolvida com a Marini. Seria um bom lugar para
recomeçar e viria com tudo na sexta-feira.

Toquei o botão do elevador e aguardei. Peguei a folha que me


fora passada e guardei dentro da pasta que trouxera, com a intenção de

não a amassar. Assim que as portas se abriram, adentrei o elevador e um


sorriso conhecido me recebeu.

— Parece que faz uma eternidade que não tenho a chance de

olhar para você.

Heitor Almeida, advogado e chefe do departamento jurídico da


AIA. Abri um leve sorriso em sua direção, e o cumprimentei com beijos

nos rostos. O que não podia deixar de lembrar, era que dividimos uma
noite meses atrás. Ou melhor, sua cama. Sequer conseguia pensar direito

sobre, ainda mais agora, por estar uma verdadeira bagunça e me


candidatando a vaga na empresa que ele trabalhava. Nunca mais me
envolveria com alguém do trabalho – fato.

Bom, Heitor já era uma exceção, mas não contava pois aconteceu

antes da regra ser criada.


— Negócios? — indagou assim que me afastei. O olhar castanho
me varreu e tentei fingir que não percebi nada.

— Me candidatei a vaga de assistente executiva. — falei, e ele

pareceu completamente surpreso. — Saí da Marini já faz mais de um


mês, e bom... Aqui me parece um ótimo lugar.

— Sempre disse à Cael que te roubaria para mim. — Não entendi

sua fala, e apenas o encarei. — É para a vaga de minha assistente, Chiara.

Arregalei os olhos, lembrando-me que não fora especificado

quem seria o entrevistador ou futuro chefe. Suspirei, pensando que


talvez, aquilo pudesse ser um erro. Por mais que soubesse que Heitor era

um típico cafajeste e tínhamos nos envolvido, ele parecia não insistir em


algo lhe negado. Ao menos, não o fez comigo.

O elevador parou, e forcei o sorriso, tentando disfarçar minha

surpresa.

— Nos vemos na sexta, então. — falou e acenou com a cabeça,

saindo a minha frente.

Fiquei ali, paralisada por alguns segundos na recepção, sentindo


que só poderia ser carma. Exatamente. Suspirei e resolvi deixar aquilo de

lado. Era uma profissional e não teria problemas em trabalhar com


Heitor, caso, fosse escolhida para a vaga. Andei em direção a saída e tive

a certeza de que o dia não poderia me surpreender mais.

— Chia!

Paralisei com aquela voz, e tive a certeza – carma.

Virei-me devagar, para dar de cara com Cael, afastando-se de um

grupo de executivos que parecia jogar conversa fora antes de se


despedirem de fato. Forcei um sorriso, sem querer causar uma situação.

Porém, a visão dele, impecável em um terno de três peças, fez-me querer


fechar os olhos e esquecer minha educação.

Ele estava naquela pose de empresário de sucesso, CEO


encantador e até mesmo, personagem perfeito de clichê que adorava ler...

Suspirei, assim que finalmente se aproximou, e de repente, um sorriso


surgiu em seu rosto.

— Desculpe ter te chamado assim, é que... Sei que me bloqueou e

que não posso ir te ver em seu apartamento. Não quero também


ultrapassar a distância que ajudei a criar entre nós, e mais, que parece te

deixar confortável. Mas, por favor, toma um café comigo.

Olhei-o incrédula, pois imaginava que diria algo como: Bom dia,
como vai? Fingindo que íamos recomeçar daquela forma. Porém, por

alguns momentos parecia tão relapsa, que me esquecia que Cael era
daquela forma. Ele não mentia. O que me fazia temer ainda mais o que

realmente queria com um café. Olhei para a pasta em minhas mãos, e


sabia que tinha encaminhado ao menos a parte de conseguir um emprego.

Poderia, finalmente, dar um basta no que atormentava meu coração e


mente?

— Ok.

Ele assentiu e pareceu surpreso com minha resposta, até mesmo,

seu sorriso aumentou. De fato, precisava entender o que diabos acontecia


entre a gente. Chega de fugir!
CAPÍTULO XVI

CHIARA
 

Sempre me pareceu fácil andar ao seu lado.

O fizera por dois anos inteiros, mas de repente, não parecia a

mesma coisa. Não estava ali como sua assistente, muito menos como
amiga. Sequer conseguia rotular o que fato acontecia. Eu e minha

péssima mania de querer dar nome a tudo.

Havia um café, ao lado do prédio que a AIA se localizava.

Adentramos o local e senti o silêncio se arrastar entre nós. Acomodei-me

em uma mesa no canto direito e tentei não parecer nervosa diante do


homem que se sentou segundos depois a minha frente. Encarei-o,

tentando não parecer tão vulnerável como de fato me sentia. Ele tinha um

sorriso polido no rosto, e nenhum de nós pareceu lembrar do café.

— Lembra quando apareci em seu apartamento discutindo sobre a

festa que Anne Liv cancelou? — indagou de repente, e apenas assenti.

Sem ainda entender qual era o objetivo. — Eu fiquei puto, Chia. Mas não

pelo fato de que tinha cancelado tudo, sabia que era coisa de minha irmã.
Mas sim, porque sequer se lembrou do meu aniversário ou me levou um

bolinho minúsculo no dia anterior para comemorarmos juntos.

Respirei fundo, lembrando-me de que fora exatamente aquilo que


fizemos no ano passado. No presente, sequer me recordei da data, quem

dirá, fazer algo a respeito.

— Anne Liv até comentou que ia sair com um velho amor... —

Mal sabiam eles que meu encontro foi com bebida e filme romântico.
Mais com a bebida. — Isso me quebrou, porque não conseguia entender

como parecia ter me esquecido e de repente, sua declaração tinha se

desfeito. — Notei que parecia nervoso e me encostei contra o banco

acolchoado. — Eu não soube como agir, e quando vi, estava na sua casa.

Sempre soube que tinha outros, fomos sinceros sobre, mas... Desde a sua

declaração tudo mudou em mim, Chia.


— Não sei onde quer chegar, Cael. — falei por fim. — Estou

cansada de sentir que não encerramos esse assunto e quero fazer isso.

Quero muito. Vamos seguir em frente, sem mais nos prendermos a isso.

— O problema é esse. Eu sinto sua falta e quero me prender. —

Admitiu e meu coração falhou uma batida. — Sinto falta de nós

discutindo ações até os gemidos na cama. Sinto falta de poder passar

horas assistindo série ao seu lado, ou simplesmente, nos embebedarmos

dentro de casa, porque parecemos dois velhos. Mas eu quero mais que

isso, quero tentar.

— O que exatamente está me propondo? — indaguei, sentindo-

me perdida.

— Primeiro, quero conseguir seu perdão por ter agido tão baixo

ao simplesmente pensar em te transferir e mandar para longe. — Engoli

em seco, sabendo que aquilo era um assunto pendente. — Segundo,


quero que me dê a chance de ser seu. De... Sermos mais do que um caso.

— Está me pedindo em namoro? — minha voz quase não saiu e


foi como se o mundo parasse por um segundo.

Notei a sua falta de jeito e a forma como o olhar azul parecia me


implorar por mais.
— Você enlouqueceu, Cael? Não pode simplesmente me pedir em

namoro. — Revirei os olhos, incrédula.

— Por que não? Tenho 36 anos e sei exatamente o que quero. —

Enfatizou e levou a mão ao queixo, em um ato tão seu de nervosismo que

me fez querer pular em seu pescoço e o tirar dali a força. — Só torço para

que ainda me queira.

— Isso é loucura.

— Loucura foi deixar você sair da minha vida. — Replicou e


fiquei atônita, no momento em que ficou de pé. — As pessoas tem razão

quando dizem que só damos valor de fato quando perdemos. —

Aumentou o tom de voz, e olhares se voltaram para nós. Senta, queria

exigir, porém, fiquei estática. — Fui um covarde, você estava certa.

Como sempre. Eu... Nunca procurei amar alguém. Muito menos pensei

que relacionamentos fossem para mim. Mas você apareceu em minha

vida e vi que mesmo sem querer, o amor também veio. Me apaixonei sem

perceber, Chia. E precisei te perder para entender de fato o que tanto nos

ligava.

Fiquei paralisada, enquanto todos do café olhavam em nossa

direção, e podia ver celulares gravando aquela cena. Por Deus! Em que

comédia romântica de baixa produção tinha me enfiado?


— Cael, o que está fazendo? — minha pergunta soou como um

sussurro, e ele então sorriu.

De repente, ajoelhou-se, fazendo-me ficar ainda mais perdida.

— Nunca fui de agir por impulso. Nunca me envolvi com alguém

do trabalho. Nunca sequer pensei em me apaixonar. Mas posso te passar


a lista dos nunca que foram substituídos apenas por você estar em minha

vida. Chiara Moreira, aceita... — limpou a garganta, como se pensasse no

que realmente deveria perguntar, e no que não me faria fugir. Na

realidade, estava já me levantando para sair dali. — Me dá uma chance

de provar que podemos ser mais?

Ele sorriu e poderia jurar que ouvi algumas pessoas gritando para

que dissesse sim. Porém, apenas via um homem ainda mais confuso que

eu a frente. Neguei com a cabeça, sem conseguir dizer aquilo em voz

alta. Passei por ele, sem querer olhar para o que deixava. Entretanto,

tinha certeza que deixei um homem completamente de joelhos para trás.

O ar da rua me atingiu e respirei fundo, andando em direção ao

carro estacionado perto do banco. Porém, enquanto segurava as lágrimas

que não entendia porque queriam descer, senti meu corpo ser puxado

levemente, e logo dei de cara com o homem que sequer deveria estar me

seguindo.
— O que deu em você? — perguntei, sabendo que nos

mudávamos cada vez mais de casal do anonimato para o casal do

barraco. — O que fez foi loucura!

— Bom, uma mulher linda jogou vinho na minha cara e me

mostrou que as vezes, podemos só seguir nossos instintos. Acho que

aprendi com ela. — Paralisei diante de seu tom amoroso, e sabia que por

mais que tenha pisado em seu ego ao sair, ele ainda estava ali.

— O que esperava me pressionando a frente de tanta gente? Um

sim? — as perguntas saíram, enquanto deixava as lágrimas descerem. Ele

mexia comigo, absurdamente. Eu o amava, intensamente. E já não

conseguia driblar aquele sentimento.

— Na realidade, quando te vi na recepção apenas pensei em

conversarmos e tentar pedir seu perdão, só que... Me vi jogando tudo em

seu colo e sinto muito se agi feito um louco. Desde que me deixou, tenho

ficado a cada dia mais insano. O não eu já tinha, e admito, não sabia o

que esperar.

— Não pode estar falando sério. — falei como se para mim

mesma. — Você me rejeitou e depois me mandou para longe. Como pode


querer estar comigo agora?

— Posso? — indagou de repente, indicando minha mão.


Aceitei seu toque e ele a puxou de leve, colocando-a sobre seu

peito. Senti seu coração bater rapidamente sob minha palma, e sabia que

me encontrava da mesma forma.

— Como disse antes, ficar longe me mostrou o quanto preciso de

você, Chia. O quanto te quero na minha vida.

— Assim como outras cem? — indaguei desgostosa, mas não me

afastei. — Isso não vai dar certo, Cael. Como te disse naquele dia, não

posso mais te dividir dessa forma.

— Não está entendendo, não é? — neguei com a cabeça, cansada

de tentar compreender seus atos. — Quero estar com você. Só com você.

Arregalei os olhos, porque aquele era um passo que sequer


imaginava que ele daria. Nunca nos imaginei em tal situação.

— Um relacionamento normal, nós dois? — perguntei e ele


assentiu, e sua mão passava levemente sobre a minha. Aquele simples

toque, fez-me querer estar ainda mais perto. — Sabe que pode ser um
desastre, não é?

— Eu aguento, Chia. — Piscou e o olhar imponente tomou conta

de seu rosto. Logo senti sua outra mão tocar o meu, como se entendesse
que podia avançar. — Apenas uma chance para o seu perdão e sermos

mais.
Franzi o cenho e perguntei a mim mesma, o que meu lado
malévolo faria. Poderia mandá-lo se ajoelhar e ordenar: implore, querido!

Porém, ele já o tinha feito. De repente, minhas lágrimas cessaram, e


estava pronta para explodir de felicidade. Era um misto de emoções e

riscos. Ainda mais, por estar ao seu lado e depois de todos aqueles dias
infinitos, sentir-me perfeitamente colocada ali.

Ainda era algum tipo de carma, mas cogitava até mesmo o


destino.

Suspirei e não soube como respondê-lo. Era uma mulher que

sabia o que queria e que por mais maluca, gostava de ser daquela
maneira. Sem pensar duas vezes, subi minha mão até sua gravata azul, e

o puxei diretamente para mim. Nossos lábios se chocaram, e poderia


desabar se não fosse por seus braços me cercarem no segundo seguinte.

Sentia-me queimar. Sentia-me livre. E pela primeira vez em todo aquele


tempo, sentia que dividíamos algo. Seu gosto me intoxicava, assim como,

seu toque parecia uma necessidade para cada célula de meu corpo.

— Como senti falta disso. — falou, entre o beijo, puxando-me

para mais perto, fazendo-me segurar com força em seu cabelo. Percebi ali
o quanto sentia falta de estar com ele. Apenas com ele.

— Vão pro motel!


O grito de um garoto e buzinas pareceram nos despertar, e acabei
separando nossos lábios, gargalhando alto.

— Satisfeito em agir como uma certa mulher? — indaguei, e ele

sorriu de lado, dando-me o lado cafajeste que parecia escondido minutos


atrás. Cael era um caleidoscópio de faces.

— Na verdade, apenas quero a certeza do que quis dizer com esse

beijo. — falou e deu-me mais um selinho, como se não conseguisse se


afastar. Nem eu mesma conseguia. Nem queria.

Repensei tudo que passamos até ali, e principalmente, o que


acontecia. Sorri, pois nada seria tão fácil assim. Nem mesmo para aquele

CEO que tinha o mundo aos seus pés.

— Talvez.

Ele balançou a cabeça negativamente, mas sorriu, como se

esperando por aquilo.

— Pode não acreditar ainda, mas é exatamente por isso que te


quero tanto. — Confessou e senti a suavidade de suas palavras, assim

como o toque em meu rosto.

— Por ser maluca? — indaguei divertida, mas me sentindo cair


perdidamente por ele mais uma vez.

Foco, Chiara!
— Por ser única.
CAPÍTULO XVII

CHIARA
 

— Não devia ir para a empresa? — indaguei, no momento em


que saí do carro, estacionado na vaga do prédio de Cael.

Sem dizer nada, ele apenas me cercou contra o mesmo, e senti


seus lábios descerem firmemente para os meus. Derreti-me mais uma

vez, e pouco me importei com o fato de que poderia estar trocando os pés

pelas mãos. Ia me arriscar, e usar minha própria vulnerabilidade a favor.

Não tinha como descobrir se aquele amor daria certo se não desse a
chance. Como nós dois queríamos, era o que precisava para me sentir

pertencente aquilo.
Meu celular vibrou na bolsa, mas não conseguia pensar direito em

como desfazer aquele beijo e atender, ainda mais imaginando que seria

Nina. Aos beijos, entramos no elevador, e Cael logo se colocou à minhas

costas, descendo as mãos pelas laterais de meu corpo.

— Seu toque é tão bom. — Admiti, enquanto brigava com a

bolsa, e pegava o celular em mãos.

— Não pode esperar? — indagou beijando minha nuca, e neguei

com a cabeça, no momento que olhei o visor e li o nome de minha irmã.

— Oi. — falei, quase sem fôlego, no momento em que encarei

Cael pelo reflexo do espelho.

Suspirei, ao notar que éramos o encaixe perfeito, ao menos, em

minha mente apaixonada. Seus olhos azuis estavam nublados e ele puxou

o lóbulo de minha orelha com os dentes, ainda me encarando, daquela

forma, que me deixava completamente hipnotizada.

— Pode me explicar o vídeo que está rodando a internet a alguns

minutos? Precisamente o título “Como pisar em um homem com estilo?”

— franzi o cenho, e Cael pareceu perceber minha reação, parando o

movimento.

O elevador finalmente chegou a seu andar.

— Como assim? — indaguei.


— Vou te mandar por mensagem o link, mas me diz, está com ele,

não é? — indagou e engoli em seco.

— Sim.

Praticamente sussurrei e senti as mãos de Cael contornarem

minha cintura, trazendo-me para perto, e daquela forma mais complicada,

chegamos à porta de seu apartamento. Ele se afastou apenas o suficiente

para a abrir, enquanto eu esperava uma chuva de palavrões despejados

por minha irmã.

— Ok. — disse simplesmente, surpreendendo-me. — Mas só

quero que tome cuidado e... Traga o chocolate quente assim que voltar.

— Obrigada por não me julgar. — Agradeci, e senti o olhar

penetrante de Cael sobre mim, como se me lendo por completo.

— Só quero que seja feliz, nada mais. Se ele vai ajudar nisso,

veremos.

Sorri de sua provocação e logo nos despedimos. Dei um passo à

frente e adentrei o apartamento. Aquele lugar me era tão familiar que

estranhei o fato de ter ficado tanto tempo longe. Parecia que fora ontem

que saíra dali. Saíra para nunca mais voltar.

Foco no presente, Chia!


— Aconteceu alguma coisa? — Cael pareceu preocupado e

neguei com a cabeça, abrindo a mensagem de Nina no mesmo instante no

celular. Arregalei os olhos em seguida, e o chamei para perto, assim que


o vídeo começou a rodar.

— Puta merda! — falei, e ele parou ao meu lado, encarando a

tela.

— Como pisar em um homem com estilo. — Ele leu o título e

gargalhou em seguida. — Pelo jeito a nossa cena rendeu um bom vídeo

da minha humilhação pública.

O vídeo fora gravado de um ângulo que nos captava

perfeitamente, e não pude evitar uma gargalhada ao final, quando

simplesmente saio, com o rosto claramente aborrecido e perdida naquela

situação. Sorri, imaginando os comentários e teorias que as pessoas já

estariam fazendo.

— Talvez eu deva comentar e sugerir um título melhor. —

Comecei e o encarei. — Como pisar em um CEO com estilo? —

indaguei e ele me puxou para perto, fechando o sorriso no mesmo

instante.

— Provocadora. — Puxou meu lábio inferior com os dentes,

fazendo-me arrepiar por completo. — Pode colocar o que quiser, Chia. O


que me importa é estar com você.

Se achava que existia alguma dúvida sobre estar de volta para


seus braços, e principalmente, em seu apartamento, acabou ali. Deixei o

celular de lado, e sequer me importei com o vídeo que circulava, ainda

mais, porque eu sabia da verdade. Não era questão de pisar ou não, muito

menos, da rejeição que acontecera. Quando nossos lábios se encontraram

mais uma vez, soube, apenas queria ser amada, assim como ele.

— Não acredito que está em meus braços. — Sorri, sentindo meu

corpo dolorido, devido as últimas horas, perdida em seu corpo. Não foi

possível fingir que não queria estar sob ou sobre ele depois de

praticamente nos atracarmos no meio da rua. Eu o queria e não existia

motivos para evitar o que desejávamos.

— Vai ficar romântico agora? — indaguei provocativa, sentindo

beijos sendo espalhados por minhas costas, até chegar em meu rosto e
boca.
— Posso ser o que quiser. — Virei meu olhar para ele, e notei o

sorriso em seu rosto, assim como, o desejo em seu olhar. — Temos muito

que aprender juntos, Chia.

— Acredite, estou doida para ver como isso será.

Sorri, e seus lábios desceram nos meus. Sabia que era apenas o

começo da reciprocidade de amor que tanto queria. De alguma forma,

nos encontramos no meio do caminho. No meio de tudo que não era para

ser, mas acabou sendo. Eu e ele, em meio ao caos que nos tornamos em

busca de paz, e principalmente, amor.


CAPÍTULO XVIII

CHIARA
 

— Ah por favor. — Fiz um gesto de reverência e Cael sorriu de


lado, encostando-se no balcão de mármore que separava a cozinha da

sala de estar. — Não me agradeça tanto.

— Você comentou o meu nome na postagem do vídeo! —

acusou-me, mas era possível notar o tom de deboche em sua voz.

Ele bebia um pouco de suco, enquanto eu estava sentada, ainda

me deliciando com uma maravilhosa porção de batatas fritas.

Oferecimento de Cael Marini e batatas congeladas na air fryer. Nenhum


de nós era bom na cozinha e sabia bem daquilo, portanto, nem mesmo no

nosso namoro de dois dias, tínhamos nos surpreendido sobre algo. O

conhecia há dois anos e era um fato que não mudava apenas com um

rótulo.

Cruzei os braços sobre meus joelhos, sentada da forma mais

confortável. Vestia uma roupa simples, shorts jeans e uma blusa preta de

mangas. Casual, comum, normal, ordinário... Era como se estivesse


enumerando os adjetivos a serem empregados na forma como estava à

frente dele. Já estivemos ali, daquela mesma maneira várias vezes,

porém, nunca me pareceu tão real. Não era pelo rótulo, tinha certeza.

Mas sim, pelo olhar que ele me entregava, assim como, as palavras

abertas de repente.

Ele me amava.

Suspirei, levando outra batata a boca, ainda sentindo aquele mar


azul profundo reverberar por todo meu corpo. Permanecia presa nele,

como se finalmente, depois de todo o tempo longe, pudesse entender que

foi uma necessidade. Um tempo para aprendermos que queríamos de fato

um ao outro. Principalmente, para Cael.

— Quieta. — Sua voz soou mais baixa, como uma constatação.

Ele se moveu, deixando o copo sobre o balcão. Em poucos passos, parou

a minha frente, agachando-se de forma que ficamos com os rostos quase


colados. — O que passa nessa cabeça maluca? — tocou minha bochecha

e senti o carinho que nunca imaginei que de fato teria. Não dele.

Queria não me sentir importante por ter me tornado importante

para ele. Porém, era um caminho difícil. Eu me amava, completamente.

Mas será que sabia ser amada por alguém? Nunca fizera tal coisa e pelo

que sabia, Cael muito menos. Como poderíamos passar de um caso para

amor? Nunca pareceu simples, e viver de fato aquilo, em pouquíssimo

tempo, mostrava-me que todas minhas paranoias andariam lado a lado.

— Talvez criar um Instagram para o CEO pisado no vídeo e

compartilhar várias fotos minhas, com ele sendo ignorado e legendas

escandalosamente fofas. — Provoquei, tentando sair daquela névoa de


insegurança que me atingia. Porém, por dentro, ainda me indagava de um

milhão de coisas.

— Se passar por mim e pisar com gosto? — indagou e seus dedos


foram para meu cabelo, colocando-os atrás da orelha. Aquele gesto tão

comédia romântica que me fez suspirar. Ali via a grande diferença do

passado para o agora. Não fingia mais que não sentia.

— Qualquer cara ficaria bravo com isso, até mesmo, chamaria de

humilhação. — comentei e ele deu de ombros, como se realmente não se

importasse. — Ainda mais comigo colocando lenha na fogueira.


Cael soltou uma risada baixa e desviou a mão de meu cabelo até

as batatas sobre a mesa. Levou uma a boca e parecia pensar em algo

muito engraçado, pois seu olhar o entregava.

— Gosto disso, Chia. — Deu de ombros e piscou um olho, como

se aquelas duas palavras explicassem o óbvio.

Talvez o meu ascendente em peixes não colaborasse, e

simplesmente, não conseguia entender onde queria chegar.

— Do que exatamente? — meu lado virginiano praticamente


gritou. Além de, o lado paranoico. — De ter vídeos de pedidos de

namoro negados em redes sociais?

Ele gargalhou mais alto, e fiquei apenas o analisando por alguns

segundos. Ele era lindo e o via claramente há seis anos. Porém, ali, via

além. Não era apenas o físico que me tirava o fôlego, era a forma como a

minha maluquice parecia combinar com sua mesmice. Cael era o meu

oposto na vida pessoal. Enquanto que fora da empresa, tudo que me

resumia era o caos, ele permanecia no modus operandi de centrado e

correto.

Cael não era o tipo de homem completamente avesso a sorrisos e

pessoas. Ele era bom socialmente, mas aquela versão despojada e sem

qualquer escrúpulo fora da cama, era algo que me deixava perdida. Uma
versão que sentia que ele entregava aos poucos, e em dois dias, o vi tão

mais relaxado que senti que acabei aceitando namorar o homem que

estava escondido dentro de si. Sem ao menos saber. Talvez foi aquele

além que enxerguei sobre ele, que me fizera cair tão perdidamente.

O pedido repentino de namoro não era algo costumeiro de Cael.

Aquele lado 1% maluco, era com o qual começava a aprender a lidar. No

fundo, sabia o quanto aquilo me fazia estar ainda mais apaixonada.

— Na verdade, de você. — Suas palavras me pegaram de

surpresa e parei o movimento com a mão direita em direção a batata. —

Confesso que pensei que as coisas não seriam diferentes. Mas é tão louco

como tudo pareceu mudar depois que percebi que sou apaixonado por

você. A sensação de te amar é algo que não sei explicar, e gosto disso,

Chia.

— O que tá acontecendo? — perguntei, impactada com sua fala,

levantando-me em seguida. Cael fez o mesmo e sorriu, enlaçando minha

cintura. Como em automático, fizera o mesmo com ele, só que no

pescoço. Era como se ele já entendesse minhas confusões. — Por que


não consigo parar de pensar e sentir o mesmo?

— Porque você me ama e eu te amo, Chia. Simples assim. —

desceu os lábios para os meus, dando-me um leve beijo. — Aliás, tenho

muito o que provar daqui por diante.


— E pode começar agora.

Ele sorriu e fiz o mesmo, sem me conter. Por um segundo,

deixei todo milhão de coisas que me atormentavam de lado. Apenas

aceitei ser amada por ele.


PARTE II
 

“Começamos a caminhar, explorar, observar o mar, como de costume. Quando percebi já

estávamos ali, só eu, você, o mar, as pedras e as estrelas, como de costume. Ficamos ali,

admirando o céu em silêncio durante um tempo, como de costume. E de repente, você mais uma
vez usou a sua boca para proferir as palavras que estavam no meu pensamento, como de costume.

A certeza de querer somar, de querer compartilhar momentos, de ser feliz junto, era mútua. Por

isso, nos rotular, não era mais uma questão. Nunca antes um rótulo me soou tão libertador. E

seguimos assim, livres para ser, ou deixar de ser, o que a gente quiser.”[3]

Agatha Moreira
CAPÍTULO XIX

CHIARA
 
Alguns dias depois...

Pânico.

Forcei um sorriso assim que peguei o envelope em mãos e saí da


clínica o tão rápido quanto entrei. Respirei fundo, assim que cheguei na

calçada, ao mesmo tempo que tentava me manter em pé. A maioria das

pessoas dizia que a vida toda poderia passar por sua mente em um
milésimo de segundo na hora da morte, no meu caso, acontecia ao

encarar o envelope ainda lacrado.


Levei uma mão a testa e tentei entender em que momento aquele

1% do anticoncepcional pareceu se tornar tão real. Andei a passos tortos

até meu carro e agradeci por meu primeiro dia no novo trabalho ter sido

apenas de apresentação ao pessoal e minhas respectivas funções. Estava

uma pilha de nervos desde quando fizera aquele exame, logo de manhã, e
mesmo sabendo que sairia no mesmo dia, a espera se tornou uma tortura.

Na realidade, o dia passou como uma simples visão.

Era como se tivesse absorvido tudo o que foi apresentado sobre a

AIA Cosméticos, assim como, minhas funções como assistente executiva

de Heitor Almeida. Não saberia dizer se minha cara de desespero fora

evidente, mas acreditava que não, a base que usava ainda fazia alguns

milagres junto a um batom nude e um rímel poderoso. Ao menos,


esperava ter parecido de corpo presente. Minha alma e pensamentos, no

entanto, estavam no papel em mãos.

Fechei a porta do carro e parei alguns segundos, refletindo sobre

o que deveria fazer. Abriria ali, longe de todos, e principalmente de

Cael? Joguei o envelope sobre o banco do carona e levei as mãos aos

cabelos, levantando-os para cima, sentindo-me a ponto de pirar com

aquela simples desconfiança. O ciclo maluco de confissão de amor de

Cael, junto a entrevista de emprego, o fim de semana e uns dias a mais na

casa de minha mãe... Tudo pareceu me deixar dentro de uma bolha, sem
que me tocasse em como minha menstruação ainda não tinha dado as

caras.

Justamente na volta para São Paulo, enquanto tagarelava com

Noctis e ele me ignorava, peguei-me encarando seus olhinhos azuis

assim que estacionei para abastecer. Sorria de minha loucura de imaginar

que Cael poderia ser um bom pai para ele, pelos olhos da mesma cor. O

quão maluca era aquela divagação? A realidade, era que isso me dera

um estalo, e foi quando percebi que o mês já tinha virado e passou do dia

que deveria estar menstruando.

— Esses olhos azuis não são mesmo meus. — Provoquei Noct,

que parecia querer me matar, ou melhor, arranhar-me toda, por estar


naquela viagem de carro mais uma vez. Porém, via o quanto ele amava o

destino e estar com mais gente em casa, então, sempre o trazia. Ele

fechou os olhinhos, claramente, ignorando-me. — Parecem os olhos de

Cael. — Suspirei, ao lembrar do CEO devastador que me esperava.

Era estranho ter alguém para quem voltar, mesmo que há tão

pouco tempo. Cael praticamente me intimou a passarmos a noite juntos

antes de meu primeiro dia no novo emprego, mesmo que discordasse

completamente de me ver seguir outro rumo que não fosse ao seu lado na

Marini. Entretanto, não era uma discussão aberta. Além de tudo, Cael
sabia que não abria mão daquilo que queria. Se queria trabalhar em outra

empresa e tivera tal oportunidade, não abriria mão.

A Marini me ensinou muito, porém, queria me reencontrar em

outro lugar. Ainda mais, depois de tudo que ocorrera. Minhas

inseguranças a respeito dos sentimentos de Cael, e principalmente, suas

ações, ainda me atormentavam. Era uma chance para nós, porém, nada

era certo. Então, seguir um caminho diferente, ao menos na carreira,

fazia-me sentir que sabia onde pisava.

Naquele momento, sequer sabia se estava mesmo dentro de meu

carro ou em algum sonho nada apropriado. Uma conversa com meu gato,

ou melhor, filho, fez-me perceber que poderia estar esperando um irmão

humano para ele. Passei a mão pela calça social, já completamente

amassada. Era como se não conseguisse controlar mãos e respiração.

Meu coração estava a ponto de sair pela boca.

Ninguém sabia sobre o que fazia ali, nem mesmo comentei com

minha irmã. A desconfiança bateu, e no mesmo instante, no posto de

gasolina, mandei mensagem para uma amiga que trabalhava naquela

clínica e já marquei o exame para o horário mais cedo. Ali estava eu, de

frente para o papel que parecia um trator preparado para passar sobre

meu corpo.
Não saberia dizer o que mais me assustava em tudo aquilo. Se o

fato do 1% poder se tornar uma vida ou o de que com certeza estava

grávida há semanas e não percebera absolutamente nada. Pior, por ter

bebido tudo e todas naquele período. Como pode sentir culpa sobre a

vida de alguém que sequer tinha certeza que realmente estava em mim?

Na verdade, ainda nem havia lido o resultado e já me culpava

sobre. Suspirei, ao me pegar no flagra, tocando a barriga. Ganhei alguns

quilos nos últimos tempos, mas acreditei que se devia ao fato de passar

os dias com minha família. Aproveitei que o apetite voltou e desandei em

toda comida maravilhosa da padaria, além das mãos de fada de minha

irmã no almoço e jantar. Não imaginava que poderia se dever a algo

mais.

Vamos lá, Chiara!

Peguei o envelope em mãos, e percebi o quanto tremia. De

repente, era como se nada além importasse. Suspirei profundamente mais

uma vez e tirei o lacre, pegando o papel com o resultado. Antes de o

desdobrar, fechei os olhos, e imaginei como tudo mudaria em um piscar


de olhos se estivesse escrito positivo ali. Porém, prometi a mim mesma

que tentaria ficar calma e não pirar com todas as probabilidades que

surgiriam.
Desdobrei o papel, ainda sem encará-lo, e percebi que precisava o

fazer quando segurei com força demais, e senti um pedaço de sulfite sair

em minha mão direita. Abri os olhos e varri cada pedaço, buscando,

rapidamente, o resultado que estava em negrito segundo a recepcionista.

POSITIVO

Um sorriso enorme se abriu em meu rosto e não tinha explicação.

Talvez pânico ou felicidade, quem sabe uma mistura dos dois. Minha

respiração se perdeu ainda mais e não conseguia entender por onde

começava, a não ser, que estava a um passo de pirar por completo. Não

era algo que esperava, nem mesmo no plano de cinco anos futuros de

minha vida. Porém ali estava, o meu piscar de olhos que mudou

completamente o resto de minha vida. De nossas vidas.

Foi ali que soube qual seria a segunda parte mais difícil depois de

encarar aquele papel – contar a Cael sobre.

 
 

Se abrir o resultado sozinha em meu carro fora uma luta tanto

interna quanto externa, adentrar a Marini Tecnologia depois de todo

aquele período longe, transformou-se em uma batalha que não esperava.

Existiam tantas coisas se passando por minha mente, ainda mais, o fato

de que Cael poderia duvidar da paternidade daquela criança. Há poucos

dias, sequer estávamos nos falando e pensei que nunca mais o faríamos.

Há semanas, tínhamos um caso aberto, ou seja, ele poderia acreditar que

fosse de outro homem. Por mais que pudesse querer socar sua cara se me
pedisse um teste de DNA, sabia que ele tinha tal direito. Porém, no
fundo, torcia para que minha palavra fosse o bastante. Afinal, se ele não

confiasse no fato de que nos últimos dois meses juntos não dormi com
ninguém mais, como poderíamos ficar juntos?

Respira e afasta a paranoia, Chiara!

Minha mão tremia, e senti que poderia desmaiar a qualquer

momento. Os andares pareciam não passar. Suspirei profundamente,


amassando o papel em mãos, sem mais conseguir me segurar. Era como

se fosse surtar ainda mais naquele momento ou até mesmo pelos


próximos meses.

Muitos meses!
A caixa de metal finalmente parou e as portas se abriram. De
relance, consegui ver Anne Liv e Leonardo, claramente, iriam adentrar

ali. Dei-lhes um aceno com a cabeça, mas não consegui falar nada.
Absolutamente nada saiu de minha boca. Com certeza, estranharam a

forma como passei como furacão dentre os dois e rumei em direção a sala
de Cael. Se fosse para surtar, ele o faria comigo.

Só conseguia pensar em gritar. Nós estávamos juntos ao que?


Seis anos dede que coloquei meus olhos nos seus. Dois anos de um caso.

Alguns poucos dias em um namoro. Levei as mãos a testa, e pude sentir o


suor brotar. Estava tendo uma síncope, só poderia. Olhei para minha

antiga mesa e seu novo assistente não se encontrava, o que agradeci


internamente. Abri a porta sem sequer bater, e no mesmo instante, olhos

azuis vivos bateram nos meus. O semblante fechado deu lugar a um


sorriso enorme, e ele se afastou da mesa. Enquanto eu estava a ponto de

surtar, ele parecia me encarar como seu sol.

Andei até ele, e parei à frente da mesa, abrindo a boca para falar,
mas nada saiu. Parecia ter ficado muda momentaneamente.

— O que está aprontando? — indagou, e se levantou da cadeira,


dando a volta no móvel que nos separava.

Senti suas mãos em minha cintura, mas não consegui encará-lo.

Era como se estivesse presa em um universo paralelo e pudesse ver


Noctis a minha frente, julgando-me como uma péssima mãe por não o
preparar. E mais, julgava-me pelo fato de ter bebido todas nos últimos

tempos.

— Disse que não ia aparecer aqui porque isso nos daria ideias...
— o tom provocativo de Cael não me passou despercebido, e suspirei, no

momento que seus lábios encontraram meu pescoço. — Mudou de ideia e


resolveu que vamos estrear essa mesa?

A simples insinuação de sexo quente no escritório, apenas me

remeteu ao papel que quase se desfazia em minhas mãos.

— O que foi? — seu tom mudou, e senti que me analisava. —

Não parece que veio me surpreender aqui... O que está acontecendo,


Chia? — um de seus dedos tocou meu queixo e o levantou levemente,

forçando-me a encará-lo.

— Eu... — ao menos uma palavra saiu, e respirei profundamente,


antes de conseguir mentalizar e completar. Vamos lá, Chiara! —  Estou

grávida!

Fechei os olhos, sem saber o que esperar. Só conseguia me

perguntar: como nos tornaríamos pais do dia para noite? Na verdade,


tinha ainda muitos meses para nos prepararmos. Grávida de um tanto de

semanas que não tinha ideia, e contando...


Era de exatas, um fato incontestável, porém, tornou-se

completamente inútil quando tentei forçar a conta de minha última


menstruação até as semanas descritas naquele papel branco. Queria

conseguir articular algo além das semanas que não entendia. Porém, senti
meu corpo fraquejar. Era o que acontecia quando tentava misturar

biológicas a exatas, perdia-me por completo. De repente, perdi-me de


fato. Meu corpo pareceu cair e apenas sussurrei o que pude.

— Eu vou...

Se o resto da frase saiu, sequer sabia. Apenas me deixei ir, em


meio ao mar de dúvidas sobre semanas de gravidez e explicações.

Naquele momento me lembrei porque odiava tanto perguntar a grávidas


sobre o tempo e gestação. Contagem de semanas não era algo que

conseguia entender, e o ápice fora desmaiar por aquilo. Ou melhor,


querer acreditar que desmaiava por tal motivo.
CAPÍTULO XX

CAEL
 

A visão de Chiara em minha sala era uma bela surpresa. Tudo o


que precisava diante do dia infernal que vinha se passando. Problemas

em outras filiais, assim como, em contratos que já deveriam estar

assinados. O dia não podia estar pior, mas felizmente, a sua presença o

melhorava.

Entretanto, ao contrário do que imaginei, ela não estava ali com

segundas intenções, ou simplesmente, para me ver. Notei no instante em


que seu corpo endureceu sob meu toque e ela parecia a ponto de
simplesmente explodir. Só não conseguia entender o que de fato

acontecia e porque agia tão estranho.

— O que foi? — analisei-a, tentando desvendá-la. — Não parece

que veio me surpreender aqui... O que está acontecendo, Chia? — levei

meus dedos até seu queixo e o toquei, levantando-o levemente, para que

me encarasse.

Chiara parecia fugir de algo, e a última vez que a vira de tal

forma, fora na noite em que se declarou. Só poderia ser algo equiparado

aquilo. Meu coração disparou e tentei me manter calmo. Apenas uma

coisa se passava por minha mente: ela ia terminar comigo.

Respirei fundo e esperei mais um pouco, encarando-a

profundamente, torcendo para que estivesse apenas louco e inseguro por

alguns instantes. Ela não ia querer terminar em tão pouco tempo? Ou ia?

— Eu... — começou a falar e pausou, respirando profundamente.

— Estou grávida!

Senti meu coração quase pular da boca e arregalei os olhos. De

tudo que esperava sair de sua boca, nem de longe, imaginava aquelas

duas palavras. Chiara parecia em choque e fechou os olhos, como se

fugindo de mim. Levantei uma mão, pensando em puxá-la para perto e


lhe acalmar. Porém, senti-me estático no primeiro instante.
Íamos ser pais!

Desci meu olhar para sua barriga ainda sem sinal de alguma

mudança e comecei a imaginar em como a mesma ficaria grande nos

próximos meses. Passei as mãos pelos cabelos, nervoso, e tentando

encontrar as palavras certas para dizer. Estava perplexo, mas ao mesmo

tempo, feliz com a notícia. Ser pai sempre fora um sonho, e pretendia

realizá-lo em algum momento após os quarenta, quando começasse a

deixar de priorizar a empresa.

Mas ali estávamos. Eu, Chiara e um bebê a caminho.

Notei a forma como tentou se segurar no nada, e de repente, uma

de suas mãos pairou sobre meu peito. Seus olhos ainda fechados e notei o

quanto parecia além de abalada. Circulei sua cintura, porém, Chiara

sequer parecia me sentir.

— Eu vou...

Sua fala soou como um sussurro e no segundo seguinte, seu corpo

cedeu sobre o meu. O pânico se instalou em mim, pois eram dois

momentos completamente inusitados. O segundo, completamente

assustador. Levantei-a em meu colo e a levei diretamente ao sofá cinza


do lado esquerdo da sala. Deitei-a com cuidado sobre as almofadas e
verifiquei sua pulsação. De alguma forma, o curso de primeiros socorros

que fora obrigado a fazer por minha irmã, teve alguma valia.

Encarei por um segundo o corpo desacordado de Chiara e notei

que, felizmente, respirava regularmente. Tentei conter meus medos, mas

corri até o celular sobre a mesa, discando o número do médico de

confiança da família no mesmo instante. Caso ele não pudesse vir, a

levaria para o hospital no segundo seguinte.

A porta de minha sala se abriu de repente, enquanto ainda tentava

a ligação para o médico. Anne Liv adentrou o ambiente e praticamente

correu para Chiara. Tu, tu, tu... a ligação ainda não era atendida, e levei a

outra mão a gravata, afrouxando-a. Sentia-me sufocado, ainda mais, por

ver o estado que Chiara ficou diante de termos um filho.

O que a levaria aquilo?

— O que aconteceu? — a voz de Anne Liv soou, no mesmo

instante que minha ligação fora direto para caixa-postal. Não pensei duas

vezes e já discaria o número de uma ambulância.

No segundo seguinte, senti a proximidade de minha irmã e seu

toque em meu ombro. Ela parecia notar minha apreensão e a realidade

era que não sabia o que fazer. Chiara estava grávida e desmaiada em meu

sofá. Nunca esperaria uma reviravolta tão grande ao fim de uma tarde de
estresse na empresa. O que se passava por minha mente era o quanto

aquilo poderia prejudicar o bebê, e ainda mais, a forma como ela parecia

perdida.

— Ela...

— O que aconteceu?

Parei de falar no mesmo instante, diante do resmungo quase

inaudível. Praticamente corri até Chiara, deixando o celular sobre a mesa

e ajoelhando-me ao lado do sofá.  Toquei suas mãos, ajudando-a as e

sentar, enquanto parecia se acostumar novamente com o lugar em que se

encontrava.

Soltei o ar que sequer sabia que segurava e me levantei. Anne Liv

apareceu do meu lado e se sentou com Chiara, que parecia analisar tudo

ao redor.

— Desmaiei? — indagou de repente, e notei uma versão de

Chiara que mal conhecia – frágil.

Ela sempre se mostrou e portou como uma mulher decidida e

confiante. Um dos pontos que mais me atraía nela, o fato de não se

importar com a opinião alheia e sempre dar o seu melhor como

profissional. Porém, sabia que a parte humana, que todos temos, que

sempre tende a nos puxar um pouco para baixo, também a assombrava.


Para minha surpresa, estar grávida, parecia ser algo que a deixava sem

eira nem beira.

Contudo, não era algo esperado ou planejado por ambos. Então,

seu claro desconforto era mais do que entendível.

— Anne, pode pegar uma água para Chia? — perguntei, e minha

irmã praticamente me fuzilou com os olhos. — Por favor. — Insisti, e ela

pareceu entender que precisávamos de espaço. Ao menos, implorava-lhe

com o olhar para que saísse.

Anne Liv saiu em seguida, mas não sem antes apertar a mão de

Chiara, em um claro gesto de apoio. Minha irmã só poderia pensar que

era o culpado pelo desmaio. De certa forma, o era.

— Ei. — falei, assim que a porta do escritório foi fechada por

minha irmã. Agachei-me novamente a sua frente, e Chiara ainda fugiu de

meu olhar. — Está tudo bem? — indaguei baixo, tentando parecer

controlado.

Por dentro sentia-me perdido a respeito de como agir. Sabia que

queria aquele filho, por mais inesperado que fosse. Ainda mais, porque

era nosso. Nunca pensei que amaria alguém e que seria recíproco, muito

menos, que em tão pouco tempo, estaria em um relacionamento.

Entretanto, Chiara mudava todo o padrão designado em minha vida.


Desde o momento em que bati meus olhos nos dela, há seis anos,

ela tem mudado e mandado nas cartas a mesa, sem a mínima noção.

— Estou cansada de todas essas entrevistas! — Anne Liv

reclamou, levando a mão a testa, claramente exausta. — Ou não sabem

realmente do que se trata o trabalho, ou não tratam como trabalho. Teve

um cara com a capacidade de passar os cinco primeiros minutos da

entrevista olhando pros meus peitos! — praticamente rosnou e tive que

gargalhar alto. Era fácil tirar minha irmã do sério, porém, ter sua raiva

por um motivo plausível era raro. — Quis quebrar a cara dele no mesmo
instante.

— Aposto que suas palavras devem ter soado convincentes antes

de dispensá-lo. — comentei e ela substituiu a carranca por um sorriso.


Anne Liv era ótima em argumentos e principalmente, assustar pessoas.

— Ele nunca mais vai olhar para os peitos de uma mulher antes
de seus olhos, acredite. — Não tinha dúvida daquilo. Se existia algo que

minha irmã sabia fazer, era persuadir alguém.

Batidas na porta de minha sala nos tiraram daquela conversa.


Célia, minha assistente, que Anne Liv tentava de toda forma levar para
seu lado, adentrou o ambiente.
— Com licença, senhorita Marini. A entrevistada das 14 horas
chegou. — Avisou e com um sorriso, saiu de cena mais uma vez.

— Por que mesmo não tenho Célia como minha assistente


executiva e pessoal? — minha irmã pareceu se estressar mais, enquanto

se levantava. Resolvi ignorar sua pergunta, e caminhei junto a ela, até a


divisão do andar, que dava para seu escritório.

Não saberia explicar o que houve, porém, paralisei no momento

em que Anne Liv cumprimentou uma mulher loira, sentada formalmente


no sofá branco de espera do lado de fora de sua sala. Meus olhos

pairaram sobre ela, como se me chamasse. Porém, pela distância, ela


sequer notou que era observada. Permaneci ali, parado, apenas

observando, e logo, Anne Liv a chamou para a entrevista.

Mesmo tentando me desprender daquela sensação de saber mais,


apenas fiquei ali, observando brevemente seus trejeitos. Por um segundo,

ela virou o rosto, ao mesmo tempo para ajeitar a bolsa, e sua beleza me
atingiu por completo. Queria aquela mulher – um fato. E pela primeira
vez, em meses, torci para que alguém não fosse contratado como novo

assistente na Marini.

— Acho que o desmaio já declarou como realmente me sinto. —


Sua resposta me trouxe para a realidade, e notei que parecia a ponto de

simplesmente sair pela porta.


— Ok, foi uma pergunta estúpida. — falei, e ela finalmente me
encarou.

Em seus olhos encontrei uma clara divisão de sentimentos. Nunca

conseguira de fato entendê-la. Se ela não tivesse dito com todas as letras
que me amava, jamais suspeitaria. Porém, ali, Chiara parecia não fazer

questão alguma de esconder.

— Desculpe. — Seu tom suavizou, e notei os olhos marejados. —


Eu só acho que reagi da pior maneira para a notícia e no fim, estou

descontando em você. — Riu sem vontade e levei uma mão ao seu rosto,
exatamente no momento em que uma lágrima desceu. — Então, acho que

precisamos conversar com calma.

— Por que não tenta se acalmar primeiro? — indaguei, tocando

levemente sua bochecha. — Isso com certeza está te afetando e


principalmente, o nosso bebê.

— Nosso? — seu rebate imediato, fez um arrepio percorrer minha

espinha.

Por um segundo tentei juntar as peças e se passou novamente por

minha mente o que a levaria tão desestabilizada até meu escritório – um


término repentino. O porquê claro poderia estar incumbido naquela
pergunta. Porém, não conseguia acreditar que ela esperava um filho de

outro homem.

— Não tem dúvida alguma sobre a paternidade? — indagou,

deixando-me ainda mais na lona e completamente sem reação. Notei que


ficou ainda mais nervosa, e em seguida, desviou de meu toque,

levantando-se. — Eu...

Parou de falar, ao mesmo tempo em que me levantei. Ela estava


de costas, mais uma vez, fugindo. O que diabos acontecia com a gente?

De repente, tudo parecia desmoronar. Tivemos dias incríveis juntos e


agora, mal parecíamos capazes de concluir uma conversa.

Respirei profundamente e tentei raciocinar a pergunta, porém, não

existia outra forma de lhe indagar sobre. Ela se virou e todo o pânico
demonstrado em suas ações e estampado em seus traços, deixaram-me
ainda mais aflito.

— Chia, esse filho é nosso, não é?


CAPÍTULO XXI

CHIARA
 

Eu tinha surtado!

Encarei-o tão surpresa que sequer consegui assimilar tais

palavras. Enquanto estava afogada nelas e temendo com sua reação, Cael
parecia implorar com aquela imensidão azul para que abrisse a boca e

confirmasse o que parecia certo para ele.

— É nosso. — falei de uma vez, baixo e controlado.

Um sorriso gigante se abriu em seu rosto, e notei que o olhar


carinhoso permanecera em seu semblante. Entretanto, ele não deu passo

algum em minha direção, como se entendendo que precisava de espaço.


A realidade, não sabia o que precisava. Em um segundo queria gritar e no

outro apenas chorar. Nunca fui boa em lidar com surpresas. Um bebê era

a maior de todas elas, ainda mais, o meu próprio.

— Está feliz com isso? — indaguei de repente, e ele assentiu,

dando alguns passos à frente, logo ficando bem próximo. Levantei o

olhar, e tentei encontrar alguma dúvida nele. Nada. Nada além de um

sorriso e olhos com brilho. Apenas eu tinha surtado!  — Parece tão


simples para você, enquanto eu... Estou pirando com isso. — Confessei.

— Percebi, Chia. — Tocou meu rosto com uma das mãos, e tentei

me apegar aquilo para me reerguer. O problema era que não conseguia


encontrar em qualquer outro alguém tal coisa. Aprendi e desenvolvi

apenas uma forma de ser – me bastar. — Na verdade não é simples, mas


ter um filho sempre foi um sonho meu. — Confessou e arregalei os

olhos. Aquele era um assunto, no qual, nunca chegamos. Sequer existia

razão para o fazer. — Vem cá! — pediu, e tocou minha cintura.

Logo, sentou-se no sofá, e me puxou para seu colo, como se

tentando me proteger. O problema era que não sabia lidar com aquilo.

— Ser pai era algo certo em minha vida. — falou e sorriu

levemente. — Tinha planos para isso, mas o faria sozinho... Digo,

pagaria uma barriga de aluguel. Não me via em um relacionamento nem

em um futuro longínquo, então...


— Mas eu me declarei e mudei os planos. — Senti como se

minha garganta trancasse. As paranoias rondando minha mente, como se

deixando claro que Cael mal sabia o que fazia comigo, muito menos o

que sentia. Desde quando fiquei tão insegura?

— Suas palavras e ações apenas me fizeram enxergar o quanto te

quero na minha vida, Chia. Nunca pense que me forçou a algo ou que

estou confuso sobre nós. — Suspirei, vendo que ele parecia me ler por

completo. — E tudo bem não saber lidar com uma notícia assim, nenhum

de nós esperava. — Seus dedos encontraram meus cabelos, em uma leve


carícia. — Sou mais calmo por fora, mas por dentro, mal sei por onde

começar a ser pai.

— Me sinto tão culpada e... — Suspirei profundamente. — Estou

com medo de ir ao médico, Cael. Bebi mais que o normal nos últimos

tempos, não me alimentei bem e... E se tiver algo errado com ele? Se for

culpada pelo nosso filho estar com algum problema?

— Ei! — cortou-me rapidamente, levando dois dedos a minha

boca. — Vamos ao médico assim que sairmos daqui e vai ficar tudo bem.

Ou melhor, está tudo bem! — sua voz determinada, fez-me buscar tal

força dentro de mim.

Era tanto para absorver. O fato de mal estar em um

relacionamento e o pior, a forma como me comportei nos últimos


tempos. De repente, vi-me culpando por não ter sido mais atenta e

descoberto a gravidez antes. Não me perdoaria caso tivesse feito algo

para o bebê. Não mesmo.

— Precisamos conversar sobre muita coisa, e principalmente, o

fato de me enlouquecer me fazendo pensar por um segundo que ia

terminar comigo e que o filho era de outro. — Sua provocação no fim da

fala, fez-me sorrir pela primeira vez desde que entrei ali.

Em seu colo via-me tão repleta de nós, que era como se nenhum

outro lugar do mundo faria mais sentido. Corri para ele no momento que

descobri porque ele era o pai, porém, existia mais. Corri para ele porque

queria dividir aquilo com alguém que amava. Era estranho fazer tal coisa

com um homem, e ainda mais, um que tempos antes renegou o que

sentia. Contudo, ali estava eu.

— Fiquei surpresa por não desconfiar que não era seu. —

Confessei e gargalhei baixinho, da forma como aquilo parecia estúpido

em voz alta.

— Se veio contar, sabia que era meu. — Puxou meu rosto para o

seu, dando um leve beijo em minha boca. Senti uma de suas mãos sobre a

minha, na barriga. Sequer percebi que a tinha depositado ali. — Se tem

algo que temos e não quero perder, é confiança. Não tenho motivo algum
para duvidar da sua palavra.
— Merda! — reclamei, quando senti outra lágrima descer. Nunca

fui tão sensível à frente dele. Nem mesmo quando me declarei. — Eu te

amo mesmo. — falei, sem me conter, e ele sorriu amplamente, dando-me

aquilo que tanto precisava no momento – nós dois.

— Não mais que eu, carinho.

Derreti-me por completo diante do apelido. Ele sempre me

chamou de Chiara ou simplesmente, Chia. Até mesmo, senhorita Moreira

era mais comum, devido a trabalharmos lado a lado. Mas carinho...

pareceu-me perfeito. Pela primeira vez, senti-me bem por parecer estar

dentro de uma comédia romântica.

A influência dos Marini nunca me surpreendeu tanto como

naquele momento. Cael conseguiu uma consulta de urgência com minha

ginecologista, que parecia muito feliz em prestar aquele serviço mesmo

que em um encaixe as oito horas da noite. Com toda certeza, os acertos

em torno, incluíam muito dinheiro. Entretanto, apenas conseguia focar no


fato de que ela passava algo gelado em minha barriga, e buscava algo na

tela, enquanto falava sobre cuidados e o tempo.

Nada parecia se prender em minha mente, e sabia que nada me

acalmaria. Não até todos os exames me darem a certeza de 100% de

saúde do bebê em meu ventre. Infelizmente, nem tudo ficaria pronto

naquele dia, e, portanto, seria mais um longo período pensando em como

o bebê de fato se encontrava.

— Preparados? — a médica perguntou e não reagi. Apenas senti

o aperto em minha mão esquerda aumentar, e meu olhar se prendeu ao de

Cael, que trazia o mesmo sorriso sereno no rosto. Por um segundo, quis

que sua tranquilidade fosse passada através daquele simples toque. — Ali

está o bebê de vocês... com o exame e o ultrassom, já posso afirmar que

passamos das seis semanas de gestação.

Respirei fundo, e tentei fazer as contas na cabeça. Porém, quanto

mais tentava juntar as semanas, mais me perdia. Como grávidas

conseguiam se virar com aquilo? Suspirei, e fiquei encarando o borrão

pequeno na tela que fez meu coração disparar. Uma lágrima desceu e não

pude evitar levar a uma mão a boca, sufocando um soluço.

Não esperava ser mãe, não tão cedo. Era apenas uma mãe de gato,

que mal sabia dar ordens ao filho. Porém, ali estava a prova de que
Noctis teria um irmãozinho ou irmãzinha dali alguns meses, e teria que

aprender, de alguma forma, a como ser mãe.

— Querem ouvir o coração? — ela indagou de repente, e

arregalei os olhos.

— Já podemos fazer isso? — Cael se adiantou e ela sorriu,

assentindo. — Ainda parece tão pequeno.

— Ele me parece bem e em um tamanho normal, senhor Marini.

— Olhei para minha médica e constatei que ela nunca fora nem um
pouco formal comigo. Por dentro, entendi perfeitamente que aquele

sobrenome parecia exercer poder sobre muitas pessoas. — Quer ouvir o


coração? — perguntou, na direção dele e fiquei perplexa.

Eu também era parte daquilo, e mais, era a mãe. Naquele

momento, arrependi-me por completo por ter aceitado a indicação de


meu antigo ginecologista que se aposentou, e começado a me consultar

com ela. Ela era nova, em uma idade em torno dos quarenta, e
claramente, sorria além da felicidade de estar trabalhando por uma

grande quantidade de dinheiro. Em seus olhos, via o desejo claro por


Cael.

Eu era a mulher deitada na cama, que ela mostrava o filho em


uma tela, o que pareceu sequer um impedimento para flerte. Virei meu
olhar para Cael que permanecia com o mesmo, como se não notasse
nada. Porém, depois de tanto ficar me indagando internamente, resolvi

tomar a dianteira.

Era o meu homem.

Era o meu filho.

— Quero ouvir o coração do nosso filho. — falei em um tom

mais alto, e ela pareceu acordar de sua encarada para com Cael. Enfatizei
nosso de forma que parecia estar realmente com ciúmes. Odiava aquilo,

ainda mais, em um momento como aquele.

A médica não respondera nada e em alguns segundos, um som

preencheu todo ambiente. Sequer consegui pensar nela ou qualquer outra


coisa além. O coração de meu filho ou filha batia forte e alto, como se

uma parte minha pulasse para fora. Sorri, deixando com que qualquer
insegurança morresse por alguns segundos. Permiti-me ficar feliz por

aquela experiência, e ainda mais, por ser uma parte minha e de Cael.

Uma parte inesperada, porém, que já era completamente amada.


Sabia que por mim. Olhei para Cael e notei uma lágrima descer por seu

rosto, e logo, seus lábios desceram para minha testa.

— Obrigado, carinho.

Suspirei, sabendo que por ele também.


CAPÍTULO XXII

CHIARA
 

— Pensei que ficaria mais calma depois da consulta. — A voz de


Cael me trouxe de volta para a realidade, e suspirei fundo, desviando o

olhar da janela do carro.

O trânsito estava caótico, e parecia se tornar uma eternidade até

meu apartamento. Minha mente vagava sobre várias coisas, e

principalmente, em como um filho mudava completamente o aspecto de

minha vida.
De repente, vi-me lembrando dos partos que assistia no Youtube,

e pensando em qual seria o meu. Caso, tivesse o poder de escolha. No

fim, sabia que existiam “n” motivos para o parto decorrer de alguma

forma. O pior de tudo, era que não conseguia focar no presente. Já me

encontrava pensando no futuro e sabia bem do porquê. Pois mesmo


depois daquela consulta, temia que todo o álcool tivesse feito algum mal

ao bebê. Não me perdoaria por aquilo.

— Também. — Encostei a cabeça contra o assento, e logo senti

os dedos de Cael sobre minha coxa, em um aperto leve e carinhoso.

Olhei-o de relance e sorri, vendo-o fazer o mesmo. — Queria essa

calmaria toda. — Revelei, e ele negou com a cabeça em seguida.

— Sou muito de pensar, Chia. Penso, processo e depois ajo, mas


no fundo, estou com medo de fazer algo errado. — Seu tom de voz era

claro, e poderia ver na imensidão azul o quanto ele parecia inseguro. Ao

menos, éramos dois.

— Temos muitos meses pela frente ainda, você vai fazer tudo

certo. — falei, sem saber ao certo se para ele ou para mim mesma. Era

como se tentasse me convencer de que os meses seriam decisivos para

aprender.

— Na verdade... — aumentou o aperto em minha coxa e o

encarei, sentindo-me completamente extasiada pela intensidade que me


entregara. — Nós vamos, carinho.

Sorri, e coloquei minha mão sobre a sua. Na realidade, queria

poder puxá-lo para um beijo e não nos permitir quebrar aquela bolha em

momento algum. Gostava daquilo, daquela intimidade. O que me levava

a pensar no porquê de fato me apaixonei por ele. Cael era dentre muitos

casos, um que sempre pareceu diferente. A princípio, enxerguei pelo fato

de ser meu chefe, então, proibido estava sinalizado em sua testa. Porém,

com o tempo, não existia graça naquilo.

Não o enxergava como senhor Marini na cama, nunca fora assim.

Éramos apenas nós. Em uma intimidade como aquela, do olho no olho, e

agora, do apelido sem pedido, mas que parecia encaixar perfeitamente.


Em poucos dias tudo pareceu virar de cabeça para baixo, porém,

conseguia enxergar que realmente poderia dar certo. Na realidade,

mesmo com o inesperado, já estava dando. Felizmente.

 
Os minutos passaram e finalmente, ele parou a frente de meu

prédio. Olhei para Cael com um sorriso, tentando quebrar a estranheza

que pareceu pairar, de repente, sobre nós.

— Já disse que não quero te deixar aqui sozinha? — indagou, e

assenti, lembrando do quanto ele insistiu para que passássemos a noite

juntos. Porém, com todo turbilhão de emoções que me rodeavam, sabia

que precisava de um tempo. Sozinha.

— Tecnicamente, tenho dois companheiros agora. — falei, dando

de ombros. — Noctis tem cuidado muito bem de mim desde que chegou

em minha vida, não se preocupe. São horas e horas ouvindo minhas

paranoias. Tenho dó é de nosso bebê que vai ouvir a mãe em vários

estados diferentes.

Cael sorriu levemente e tirou o cinto, passando a mão por meu

rosto no segundo seguinte.

— Não quero te pressionar, mas precisamos conversar. — Assenti

e ele uniu nossas testas. — E não quero ficar longe hoje à noite e nem na

próxima... ou qualquer uma do futuro.

Afastei-me um pouco, sem entender o caminho pelo qual ele

trilhava.
— O que está querendo dizer? — perguntei, incomodada por

aquela vontade repentina dele. Na realidade, não era tão assim, já que

desde que nos acertamos pouco nos largamos. Entretanto, ainda existiam

apartamentos entre nós, assim como, a realidade. Cael Marini era meu

namorado e estava bem satisfeita com o que tínhamos. — Não está

tentando introduzir o que estou pensando, não é? — de repente, senti

todo o momento fofo se dissipar.

Ele franziu o cenho e afastou a mão de meu rosto. Cael parecia

desconfortável, e com toda certeza, estávamos falando a mesma língua.

Não era pelo fato de ele me querer todas as noites consigo. Ia além.

— Por que não diz de uma vez? — indaguei, tentando não soar

tão ácida, porém, era impossível.

Não sabia me controlar quando não o queria de fato. Cael

conhecia bem aquele meu traço e se existisse uma taça de vinho a frente,

com toda certeza, ele temeria por seu belo rosto.

— Não quero falar sobre isso no carro, e ainda mais, estragar o

dia que tivemos. — Encostou a mão no queixo e pareceu ainda mais

receoso, porém, sabia que estava decidido. — Sei que pode parecer

precipitado querer que fiquemos juntos assim, mas...


— Assim como, Cael? — perguntei, vendo que todo aquele

momento no carro, nós dois na consulta e toda a loucura do dia se ia pelo

ralo. Era uma reviravolta e sabia que era questão de segundos para nos

desentendermos. Na realidade, já o fazíamos.

Temia porque me conhecia muito bem e não era uma pessoa fácil

de lidar. Um gênio forte de uma virginiana, que vinha com uma carga de

loucuras repentinas e vontades sem motivo. Não era como Nina que

entrava em qualquer discussão por mais simplória que fosse, eu sabia

onde queria me meter. Infelizmente, sabia que não ia dar um passo atrás

com Cael, não com aquela insinuação. Como diria mamãe: um boi para

não entrar em uma briga e uma boiada para sair dela.

— Por que parece a ponto de me condenar por estar sugerindo

que fiquemos juntos? — indagou e seu tom mudou para claro desgosto.

— Pensei que tivesse deixado claro desde que me declarei.

— Sim, você o fez. Mas isso é bem diferente. Já estamos juntos,

Cael! — levantei as mãos, em sinal de obviedade. — E sei o que está

querendo dizer com não querer ficar longe, e já que que não quer dizer

em voz alta, eu respondo: Não! — falei de uma vez, e notei o baque de

minha resposta em seu semblante.

Não queria magoá-lo, nem de longe. Contudo, Cael parecia ter

colocado a máscara rosa à frente do rosto e enxergado um patamar em


que não nos encontrávamos.

— Olha, as coisas não estavam bem até antes de descobrir a

gravidez? — tentei parecer mais diplomática. Ele assentiu, mas notei que

sequer parecia querer me olhar. — Por que muda tudo? — indaguei e no

segundo seguinte tentei consertar o que queria de fato dizer. — Sei que

muda muito em nossas vidas, mas ainda assim, não vamos pular fases por

conta do bebê.

—  A gente tem que se casar. — A voz de Cael soou baixa, mas


sabia o quão sério ele falava. Se há um segundo estava tentando ser

diplomática, esqueci-me por completo no seguinte.

— Casar? Você pirou? — indaguei perplexa, com o verbo “tem”

sendo repetido dezenas de vezes em minha mente. — Somos namorados


há poucos dias e mal começamos a nos acertar... Nem sabemos se isso

vai dar certo! — seu olhar azul mudou, e sabia que ele não concordava
com nenhuma de minhas palavras. — Não estamos mais no século 19 e

não vamos nos casar porque estou grávida!

Não existia discussão sobre aquilo. Não mesmo.

— Chia, você pode ao menos me ouvir? — indagou e o encarei a

contragosto. — Não queria falar sobre isso aqui e agora, mas... Me sinto
tão eufórico com tudo que não consigo fingir que não quero isso.
— Quer se casar ou simplesmente está seguindo um protocolo de
merda imposto pela sociedade? — rebati e fora como se desse um tapa

em seu rosto. Cael parecia chocado. — Eu te amo e acredite em mim que


quero um futuro para nós. Se esse futuro existir, o casamento está lá,

simples e claro porque nos amamos.

— Eu também te amo. — falou, e abriu os braços, como se não

entendesse meu raciocínio. — Somos adultos e vamos ter um filho, por


que... Por que não podemos nos casar por isso?

— Exatamente por isso, por sermos adultos e vivermos no ano de

2019. — Revidei e ele me encarou desgostoso. — Um filho não é razão


para casamento e as vezes, nem mesmo amor é o suficiente.

Entendi a profundidade de minhas palavras apenas quando as

soltei. O olhar de Cael mudou e sabia que era um caminho estreito pelo
que seguíamos. Porém, não sabia mentir e fingir o que pensava.

Casamento, para mim, ia muito além. O amor era parte, mas não todo o
conjunto. Muito menos uma gravidez deveria ser o motivo. Existia muito
mais. Um mais a explorar com ele.

— Ainda não entendeu o que quis dizer e não vou insistir. — Seu

tom soou mais baixo e por um segundo, senti-me mal por aquele
momento. Na realidade, sentia-me mal por todo ele.
— Ei! — chamei-o, e toquei seu queixo, trazendo-o para perto. —
Vamos só viver aos poucos, ok? Como já estávamos fazendo.

— Como quiser, Chia. — Forçou um sorriso e quis apenas

abraçá-lo, e não o deixar ir. — Sei que pode ter parecido arcaico o que
disse, mas apenas me provou que temos percepções diferentes sobre o

futuro.

Não soube o que dizer e apenas continuei a encará-lo. Dei um


leve beijo em seus lábios e notei que nem mesmo em mil anos iria querer,

de fato, ficar sozinha naquela noite. Aquela discussão apenas me mostrou


que queria estar com ele, e justamente, naquela noite. Queria um bom

fim para aquele dia, que nos trouxera descoberta. Uma descoberta toda
nossa.

Dei-lhe mais um leve beijo e toquei a barba rala.

— Sobe comigo. — Pedi e ele franziu o cenho, claramente não


entendendo. — Noctis é uma ótima companhia, mas depois disso... Só

quero poder ficar com você.

— Por que parece ter medo de que isso acabe em um piscar de

olhos? — indagou de repente, como se pudesse me ler, e tentei


resguardar aquele medo na armadura que cedia por completo a sua frente.

Nunca acontecera aquilo à frente de ninguém. Nenhum outro.


— É porque o tenho. — Confessei, e sabia que só fazia mais

confusão em sua mente, e me tornava ainda mais maluca aos seus olhos.
Era complexa demais e com certeza, o trabalho ruim de minha psicóloga.

— Mas hoje, só quero eu e você.

— Me quer por medo, porque segundos atrás só queria ficar

sozinha. — Pareceu dizer a si mesmo, e mesmo que parecesse, não soou


como uma acusação. — Não vamos perder o que temos por uma

discussão, Chia.

— Eu... — tentei confirmar em voz alta que sabia, com toda


certeza, porém, seria mentira. — Talvez até mesmo no drama eu seja

maluca.

— Você é humana como eu. — Sorriu e notei que aos poucos,


voltávamos ao normal. — Vou te deixar na porta e no meio do caminho
descobrimos se vamos ficar juntos essa noite ou não, que tal?

— Como pode compactuar com minha loucura? — ele sorriu

amplamente e deu-me um beijo.

— Porque sou louco por você, carinho.


CAPÍTULO XXIII

CHIARA
 

Eu estava pirando e não era algo do que me orgulhava.


Entretanto, apenas a visão de Cael sobre minha cama, naquele exato

momento, fez com que todas minhas concepções se dissipassem. Queria

ficar ali, em seus braços, perdida em pensamentos. Minhas mãos,

involuntariamente, estavam em minha barriga, e comecei a me perguntar


quando começaria a ter todo o sono que grávidas descrevem. Naquele

momento, sentia-me insone.

Levantei com cuidado da cama, sem sequer desviar o olhar do

homem que dormia tranquilamente. O mais doido de tudo, era que desde
o momento em que começamos de fato a sermos apenas nós, era a

primeira vez que não transávamos. Nós e uma cama, sempre fora a

combinação perfeita para tal resultado. Aquela noite era uma exceção.

Suspirei profundamente, e caminhei para fora do quarto, sentindo que

precisava estar longe por alguns instantes e até mesmo, tomar um pouco
de água.

A cada passo que dava pelo apartamento, olhava com atenção


para cada pequena conquista. Nada fora feito sozinho e me orgulhava de

ter uma mãe que me proporcionou o melhor, e sempre fez, o seu melhor.

Indagava-me de como eu seria. Desde agora não tinha como não fazer

comparações. Porém, era apenas uma de minhas questões. Meus

pensamentos se voltavam para como a vida me ensinou que


relacionamentos seriam. Não os tive antes, pois meu coração nunca bateu

a ponto de querer entregá-lo. As paixões foram rápidas e passageiras.

Assim como, Cael deveria ter sido.

Porém, ele não foi.

Abri a geladeira e por um segundo, apenas parei ali, encarando o

interior do eletrodoméstico. Era como se me teletransportasse para o

exato momento em que percebi meu pai não mais voltaria. Que suas

malas estavam encostadas na porta de casa por algumas semanas e de

repente, sequer estavam lá, foram levadas por ele. Não era uma viagem
surpresa, muito menos, uma viagem em família. Era sua viagem de

adeus. Aprendi que o amor poderia não dar certo, e minha mãe, pareceu-

me sempre tranquila a respeito, entretanto, mais velha, percebi que era

sua fachada. Ela fora ferida, mas nunca nos mostrou. Ela apenas focou

em Nina e eu.

As marcas que meu pai deixara, se tornaram a única coisa que

carrego dele. Marcas de abandono, falta e indiferença. Já mais velha,

entendi que ele sequer conhecera o amor conosco, e não fazia questão de

o ver novamente. Nunca mais. Ele não me amou o suficiente para ser pai,
e eu, muito menos, estaria aberta para amá-lo daquela forma. Tive mãe e

pai na mesma pessoa – Clarice Moreira.

Era uma parte de meu ser que sempre evitava. Com o tempo,

amenizou, e aos vinte e sete anos, não era algo que me machucava. O

problema era a força com que todas as inseguranças me abrandaram no

momento em que descobri a gravidez, e mais, quando Cael apenas

sugeriu o casamento. Eram dois pilares delicados em minha vida. Ser

mãe nunca fora uma questão, se acontecesse, pensei que teria tudo sob

controle. Contudo, acontecera sem nenhum. Respirei fundo, despertando

para a vida de repente. Movi-me, pegando a garrafa de água. Abri-a e

bebi um longo gole. Sentia-me um tanto nostálgica e perdida, e fechei a

geladeira, encostando-me contra o balcão.


Declarar-me para Cael apenas se tornou uma opção, porque não

enxerguei nenhuma outra. Aquele sentimento andava me consumindo,

mas nunca imaginei o que se desenrolaria depois. Porém, todo o script


perfeito de uma comedida romântica se desenvolveu, surpreendendo-me.

Entretanto, não acabou no momento em que resolvemos estar juntos.

Existia depois. Existia muito mais depois do “fim” em filmes. Indaguei-

me por um segundo qual teria sido o de Uma Linda Mulher e Como

Perder Um Homem em Dez Dias.

Sorri, bebendo mais um pouco de água. Minha cabeça multitarefa

poderia soar como um problema em alguns momentos, e principalmente,

em meio a insônia. Entretanto, quando me fazia esquecer por um

segundo dos problemas e focar em outras coisas, agradecia por ser desta

forma.

Resolvi sentar sobre a banqueta e passei as mãos pelos cabelos,

buscando em meu interior o que faria dali por diante. Acabei de entrar
em um emprego e teria que falar com meu novo chefe a respeito. Acabei

de iniciar um relacionamento, e de repente, a palavra casamento tornou-

se um tormento. Acabei de descobrir que seria mãe, sendo que toda

minha preparação se resumia a um gatinho preto intrometido.

Talvez fosse um pouco dramática, como Nina diria. Entretanto,

era uma analisadora de todos os fatos. O que me fazia analisar a postura e


palavras de Cael a cada segundo. A forma como ele falou e se expressou,

principalmente, deixaram-me ainda mais duvidosa sobre nós. Namorava

há alguns dias e já analisava meu namorado. Ótimo! Chiara Moreira,

psicóloga formada em livros de autoajuda e documentários, com toda

certeza, tinha razão.

Ironizar a mim mesma era a forma mais fácil de tentar me

entender no fim das contas. Resolvi levar a garrafa de água para o quarto

e pelo pequeno trajeto, coloquei alguns outros pensamentos em pauta. No

fundo, apenas queria dormir nos braços de Cael e deixar as discussões

para mais tarde. Assim que passei pela porta, acabei parando. Meu

coração deu um solavanco e percebi o porque temia tanto aquilo.

A questão maior era que apenas um por cento de mim, esperava

uma reação inusitada de Cael quando me declarei. Nem em um milhão de

anos, imaginei que aquele um por cento, no fim, se tornaria uma

gravidez. Internamente, estava preparada para curtir a fossa e continuar

sendo sua assistente até quando conseguisse. Mas a vida tinha suas

facetas, e em uma delas, conheci a covardia e instabilidade do homem

pelo qual me apaixonei.

Ali, encostada no batente da porta, percebi que era o um por cento

que temia. Porque Cael tinha o poder de aumentá-lo consideravelmente.

Ele tinha o poder de me escolher, assim como o fiz. A intensidade do que


sentia nunca me ficou tão óbvia quanto ali. Ele, em minha cama,

dormindo tranquilamente, com Noctis acima de sua cabeça. Os dois

dividindo um espaço que antes era apenas meu, entretanto, que eles

conseguiram a chave para entrar.

Onde diabos pendurei a chave para que eles a tivessem com tanta

facilidade?

Passei a mão por minha barriga e suspirei. O pequeno ser que

agora habitava em mim, tornando-me parte de dois, assim como, sendo

parte de dois, sequer precisou da chave. Ele apenas arrombou a porta e se

tornou parte de nós. Suspirei, ao lembrar da música que cantei pela casa

depois da primeira vez que estive com Cael.

Andei a passos leves até seu lado, sentando-me novamente na

cama e deixando a garrafa sobre o criado-mudo. Notei meu celular

carregando e não resisti. Peguei-o e da forma que consegui, tirei uma

foto. Apenas a luz da televisão que ficou ligada após apagarmos juntos

em minha cama, iluminava o local. Mas de alguma forma, quis gravar

aquele momento.

Deixei o celular de lado e me deitei, passando a mão em Noctis,


que sequer se mexeu, confortável demais sobre o travesseiro e cabelos de

Cael, que parecia como ele. Qual a probabilidade de sermos pais do

mesmo gato? Sorri internamente, e desci minha mão para o rosto do


homem que parecia estar em um ótimo sonho. Sabia de seu sono pesado

e que aquilo não o atrapalharia em nada.

— Eu só queria tomar seu tempo, como na música que te mostrei

semanas depois que começamos a transar. — Suspirei profundamente,

concluindo meu sussurro: — Só queria o seu tempo, mais nada.

A voz de Sam Hunt[4] me veio em mente, e uma lágrima desceu.


Sentia-me instável e com toda certeza, culparia o bebê por aquilo.

Mesmo sabendo que no fundo, estar tão exposta para alguém era o que
me apavorava. Viver com a rejeição parecia muito mais fácil do que estar

em um relacionamento e ser amada. O medo do amor nunca me pareceu


tão real. Desci meus lábios para os de Cael, levemente, marcando o que

tanto queria. Eu o queria, e de alguma forma, faríamos dar certo. Era no


que realmente queria acreditar.

“Eu não quero roubar sua liberdade

Eu não quero fazer você mudar de ideia

Eu não tenho que fazer você me amar

Eu só quero tomar o seu tempo

Eu não quero encher seu telefone


Eu só quero encher sua mente

Eu não tenho que ter o seu coração

Eu só quero tomar o seu tempo

Não, eu não tenho que chamá-la de "baby"

E eu não tenho que chamá-la de minha

Eu não tenho que ter o seu coração

Eu só quero tomar o seu tempo.”[5]

Continuei com a mão em seu rosto, após cantar baixinho,


lembrando-me do exato momento em que dividimos tal canção. Porém,

tudo era muito diferente naquele momento.

— Você me chama de carinho agora. — falei, sentindo-me tocada


de uma forma que jamais imaginei. — E mesmo sendo piegas e brega,

vou te chamar de amor... — sorri, ao entender que não era aquilo. — Ok,
vou ser ainda pior... baby.
CAPÍTULO XXIV

CAEL
 

Realmente gostava daquilo.


Gostava do fato de que Chiara e eu não precisávamos fingir

sentimentos um para o outro. Muito menos, ensaiar como muitas pessoas

o momento certo a se declarar ou querer dar um passo adiante. Assim

como, mesmo que nossas ideias pudessem abrir uma longa discussão, era

o que faríamos. Gostava de descobrir que aquele lado de discussões


rotineiras sobre filmes e séries, e todo o mundo nerd que eu amava,

também existia em relação a nós. Prezava por sermos assim, e me

encantava ainda mais com a clareza que conhecia ao seu lado.

O tempo longe fez-me questionar várias coisas, e a priori, o

porquê de me doer tanto aquela distância. Agora, deitado em sua cama,

com seu corpo praticamente sobre o meu, sabia que era aquilo que
necessitava. A conexão e intimidade que nunca senti com nenhum outro

alguém. Ela sempre fora diferente. Chiara fez-me quebrar regras pessoais

e profissionais. Por um longo período, antes mesmo de tomar a iniciativa

de ir ao bar perto da empresa porque a vi entrar no mesmo, indaguei-me

do quanto a queria em minha cama.


Era a atração que realmente me chamou. Hoje, vejo que era muito

além do que meu corpo conseguia identificar. Questionei-me e me afastei

pelos quatro anos que trabalhou apenas com minha irmã, mantendo o

contato estritamente necessário. Sabia que ela me atraía e o quanto as

coisas poderiam ficar confusas. Entretanto, ter a reciprocidade de Chiara,

assim como, os mesmos objetivos, nunca me passaram pela cabeça. Ela


era como eu. Sexo sem compromisso e descomplicado. Mesmo assim, o

dia seguinte da nossa primeira noite tornou-se uma grande questão

quando acordei e a realidade me bateu. Mas nada mudou... Ao menos,

não naquele exato momento.

Passei a mão por sua barriga, e senti a pequena bolinha de pelos

que me fez enlouquecer de ciúmes semanas atrás se aconchegar no

mesmo lugar. Era como se Noctis tentasse protegê-la, assim como eu.

Lembranças de nós me atingiram, com a sombra evidente do quanto

aquela mulher me marcou desde que demos o primeiro passo para mais.

— Posso te dar uma carona. — falei, assim que saímos do bar e

ela negou veemente com a cabeça. Levantou o celular e mostrou o

aplicativo da Uber. — Meu motorista vem me pegar, e acho que pode ser

mais seguro... — tentei não parecer interessado em algo além, mesmo

que meus olhos não fugissem dos seus.

Ela era linda.


Os cabelos loiros que estavam presos durante todo o dia no

trabalho, agora caíam por suas costas. Os olhos verdes demonstraram o

quanto a bebida parecia ter a animado ao fim do dia, assim como, a


certeza de que sentia o mesmo. No fundo, torcia para que fosse apenas

uma loucura de minha mente. Entrar naquele bar apenas porque a vi

adentrá-lo, fora um passo em falso. Não poderia cometer outro.

Apenas a leve para casa, discutia internamente. Nada demais ia

acontecer, tentava me convencer.

— Não quero abusar, mas... Seria ótimo. — Surpreendeu-me ao

abrir um sorriso de lado.

— Vou apenas mandar uma mensagem e Gouvêa deve chegar em

alguns minutos. — falei, e ela assentiu, abraçando o próprio corpo

diante do ar.

Desviei o olhar e digitei a mensagem, tentando a todo custo,

manter-me alheio. Porém, Chiara não era exatamente o tipo de pessoa

que se mantinha calada, e notei claramente, como ela de fato o era, em

poucas horas conversando fora da empresa.

— Não me parece bêbado. — comentou e não pude mais fingir

que estava preso ao celular.


Sorri, guardando o aparelho e colocando as mãos no bolso da

calça.

— Geralmente, se misturar com uísque e conhaque... Ou beber

além do necessário para o fim de uma sexta. Aí sim, me verá bêbado. —

Pisquei um olho, e ela sorriu, como se intrigada. — Mas você não me

parece alterada? Quer dizer, não sei se posso julgar isso.

— Digamos que tenho uma irmã mais velha que me ensinou a

beber no aniversário de dezoito. — Sorriu amplamente, como se tendo

uma boa lembrança. — Nina e eu somos parceiras de bebedeira, e por

isso, me acostumei. Como você, preciso ir um pouco além.

Suspirei fundo, tentando não entender mais do que deveria em

sua fala. Ela falava sobre bebidas. Forcei um sorriso, e tentei me focar

no teor da conversa.

— Anne Liv não fica muito atrás, mas sempre mantém a pose. —

comentei e ela assentiu, como se conhecesse aquele lado de minha irmã.

— Quatro anos ao lado dela, certo?

— Ela nunca sai do modo de poderosa chefona. — Sorri de sua

comparação.

— Anne sendo Anne. — Dei de ombros.


Era tão simples conversar com ela, de forma que longe dos

números, papéis e contratos da empresa, nunca nos imaginei. Chiara se

tornou próxima de minha família por sua amizade com minha irmã, mas

sempre fiz questão de nos manter a um braço de distância. No mínimo.

Naquela noite, sentia que as coisas tomavam um rumo inesperado.

Minutos depois, já estávamos dentro do carro, e à medida que as

ruas passavam, o ar se tornou ainda mais pesado lá dentro. Era um

Civic do último ano, o qual se tornou meu favorito, e de toda forma, o

espaço era o suficiente, para que a deixasse à vontade. Ambos no banco

de trás, e sentia meu coração bater descompassadamente. Aquela

atração estava saindo de controle, e temia que Chiara percebesse.

Tirei minha mão da nuca e a pousei sobre o estofado. Ao menos,

pensei que o faria. No segundo seguinte, senti o calor da mão de Chiara,

e nossos olhares se conectaram de imediato.

— É... desculpe. — falei, afastando-me, e ela sorriu, parecendo

tão afetada quanto eu.

Ela sentia aquela atração palpável? Ou eu estava simplesmente

enlouquecendo?

— Pelo que? — perguntou, olhando-me intensamente.


— Chiara, eu... — passei as mãos pelos cabelos, temendo dar

aquele passo. Nunca me envolvera com nenhuma pessoa da empresa,

nem mesmo de filiais. Era uma regra auto imposta. Porém, ela me fazia

repensar tudo.

Surpreendendo-me por completo, ela se aproximou. Senti o ar

ainda mais escasso, e nossos rostos ficaram a um fio de distância.

— Não quero ultrapassar nenhuma linha. — falou e sua

sinceridade me tocou por inteiro, assim como, deixou-me ainda mais

louco por ela. — Mas não dá pra fingir que não nos queremos.

— Se não negar, eu vou te beijar. — Anunciei de uma vez,

mandando toda a razão a merda.

Ela sorriu novamente e assentiu. Sequer soube quem deu o passo

seguinte, porém, senti seu gosto me atingir por completo. Novo,


abrasador e completamente inebriante. Ela levou uma mão até meus

cabelos, puxando-me para mais perto e de repente, joguei minhas


dúvidas pela janela. Queria aquela mulher, e ela me queria. Aquilo
bastava.

 
— Tô achando isso muito esquisito. — Sua voz doce me tirou das
lembranças e sorri, levando meu rosto até o seu, sem tirar minha mão do

lugar. — Noctis parece querer competir pelo irmão. — Debochou,


espreguiçando por completo. — Bom dia, baby!

Abri um sorriso, dando-lhe um leve beijo. Não entendia o que


acontecera durante a noite para que ela acordasse com aquele bom

humor. Depois de todo o clima do carro, pensei por um segundo que a


magia entre nós desmoronaria. Comecei a entender que a magia estava

até mesmo nos momentos complexos. Chiara parecia mais leve, e ouvi-la
me chamar por um apelido, em vez de me fazer sentir um adolescente,
fez-me sentir seu.

— O que fiz para merecer esse carinho pela manhã? — indaguei,

sabendo que as coisas entre nós ainda estavam na gaveta. — A não ser
que esteja esperando por alguns orgasmos. — Provoquei, e ela gargalhou,

lançando-me um olhar de deboche em seguida.

— Não se ache tanto, posso me dar orgasmos a qualquer

momento. — Chiara e sua bravata deixavam-me ainda mais louco por


ela. — Assim como outras pessoas.

— Chia! — reclamei, e ela sorriu, tocando meu rosto.

— Sou seu carinho, tenho que me portar como tal. — Piscou e me

beijou levemente. — Simples assim.


— Na verdade, não passa de uma provocadora. — Encaramo-nos
por alguns segundos, e ela não negou. Sabia que era um lado marcante

seu. — Mesmo assim, vamos deixar claro que outras pessoas estão fora.
— falei, pois, a insegurança em meu interior se aflorava perto dela.

Ainda mais, por saber como nossa relação fora construída. Confiava em
Chiara, mas temia, que em algum momento, não fosse o suficiente.

— As outras pessoas não podem me dar isso. — falou, e se


esticou inteira para pegar o celular no criado-mudo.

Olhei-a intrigado e assim que ela voltou para mais perto, sorri ao

encarar o que ela tinha como plano de fundo no celular. Uma foto minha
e de Noctis, completamente adormecidos. Sorri, e desviei minha mão de
sua barriga para o pequeno gato que já ronronava em sua barriga.

— Parece que fui aceito por ele. — comentei e Chiara bufou.

— Noctis é um gato traidor, não me surpreende muito.

Sorri, unindo nossos lábios em seguida. Ainda era bem cedo,

cerca de seis da manhã. Por alguns minutos, apenas gostaria de continuar


ali, perdido em nossa bolha. .
CAPÍTULO XXV

CHIARA
 

Infelizmente o trabalho não podia esperar.

Cael tinha reuniões e mais reuniões naquele dia. Assim como eu,

deveria falar com meu chefe a respeito da gravidez, além de, cumprir
todas minhas funções. Porém, antes mesmo de começar a me arrumar

para ir ao trabalho, sabia que teria o tempo suficiente para conversar com

ele sobre a noite anterior. Colocar os pingos nos is era o necessário.

Ambos tínhamos visões diferentes de como seguir com o relacionamento


recente, e queria chegar a um consenso.
Esperei meu chocolate quente ficar pronto, e me escorei contra o

balcão. Cael ainda estava no quarto, e parecia mais enrolado do que

nunca para encontrar uma meia. Aquela velha busca sem fim pela meia

perdida durante o sono. Não me atrevi a tentar ajudar, pois aquilo sempre

me estressou o suficiente. Naquela hora da manhã, cerca de seis e meia,


apenas buscava paz.

— O que foi? — perguntei no momento em que Noctis miou,


tentando escalar minha perna. — Nada disso, seu folgado. Não quis

dormir agarrado com Cael, vai pedir colo para ele.

No mesmo instante, parecera que os olhos azuis de Noctis


duplicaram de tamanho. Tornando-se assim, o verdadeiro gato do Shrek.

Ele sabia jogar e não conseguia resistir a tanta fofura. Sabia bem, que
metade, ou até mesmo, cem por cento das conversas, expressões e

reações dele eram frutos de minha mente. Olhando para a segunda

alternativa, de que aquele pequeno era um alienígena que já dominou a

terra, ao menos, o meu mundo, sabia que era preferível ser a louca.

— Deixa só eu beber, que já te dou todo carinho do mundo. —

falei, mas ele continuou a passar por minha perna e dar leves arranhões.

Era impossível quando queria. — Noct, ainda nem passou das sete! —

reclamei, mas fui até o sofá, jogando-me, e pegando-o com a outra mão.
Sem ao menos reclamar, ele se aconchegou em meu colo,

sossegando.

— Gato mimado. — falei, e fiz uma careta ao constatar que era

realmente daquela forma. E pior, eu quem o mimei. — Não seja como

seu irmão. — Passei a mão por minha barriga, e revezei entre ela e

Noctis, que já fechava os olhinhos. Mal acordava e já estava dormindo de

novo. Ele gostava de tirar os momentos sozinhos para se tornar um

furacão dentro de casa ou quando queria chamar atenção.

Liguei a televisão e conectei meu celular, para ouvir a música que

estava me acompanhando há semanas, desde que tive a brilhante ideia de

ir ao cinema e assistir mais um live action da Disney. Ainda mais agora,


que liberaram justamente o trailer de minha segunda música favorita do

filme Aladdin, era quase impossível não parar para ver quando podia. A

Whole New World[6] começou a tocar, e não pude evitar, comecei a


cantar junto. Só parava por alguns instantes, para ingerir meu chocolate.

Aquela música tinha o poder de me levar a momentos mágicos ao lado de

minha irmã. Só conseguia pensar o quão terrível seria para meu coração

dali algum tempo, quando o live action de Rei Leão entrasse em cartaz.

Sairia completamente destruída e com toda certeza, voltaria na sessão

seguinte para assistir novamente.

 
“Visões inacreditáveis

Sentimentos indescritíveis

Planando, caindo, rodopiando

Em um infinito céu de diamante.”[7]

— Bom dia, carinho. — A voz imponente me tirou daquele

momento, e o susto me fez derrubar o celular no chão.

— Puta merda! — reclamei, e ouvi a gargalhada de Cael. Ele

parou ao meu lado, depositando um leve beijo em minha bochecha, e

aproveitou para pegar o celular e me entregar. — Não estou acostumada a

ter pessoas em casa. — comentei e ele me encarou, claramente intrigado.

— Até mesmo, Nina... Quando ficou aqui, sempre levei algum susto,

achando ser algum vulto.

— Sou apenas eu. — Piscou, com um ar mais leve. Porém, seus

olhos azuis ainda refletiam a pose magistral. Como ele conseguia mantê-

la? — Desculpe a decepção.

— Ora, acredite... — olhei para seu peitoral desnudo e revirei os

olhos em seguida. — Estou muito decepcionada com sua presença,

senhor Marini.
Ele sorriu, e aquela versão despojada me tirava ainda mais do

eixo. Conhecer Cael mais a fundo, era bem diferente do raso que

encontrei longe dos momentos de prazer. Já tínhamos intimidade, mas o

que criamos nos últimos dias, parecia ter tornado as horas em meses.

Sentia aquilo ainda mais presente devido ao bebê em minha barriga.

Engoli em seco, ao lembrar-me do que realmente me preocupava

no momento que li o resultado positivo.

— O que foi? — indagou, parecendo conseguir me ler. — Devo

questionar ou culpar os hormônios por estar ouvindo desenhos a essa

hora da manhã? — brincou e dei de ombros.

— Devia é ter me visto depois de me rejeitar. — A expressão em

seu rosto mudou por completo, e notei sua tensão. — Ei! — ele então se

sentou à minha frente, no tapete da sala. — Não estou acusando. É

apenas um fato. Não tem como fingir que não o fez. — Pisquei, sorrindo,

para que entendesse que não o julgava por aquilo. Ao menos, não mais.

— Passei dias imersa em Marília Mendonça e qualquer música sertaneja

que me fizesse querer te esganar e ao mesmo tempo, não me deixava


esquecer. — comentei, sorrindo abertamente. — Além do álcool, claro.

— Engoli em seco ao saber que era realmente aquilo que me

atormentava.
— Sinto-me mal por isso. — Confessou e toquei seu queixo,

tentando lhe tranquilizar.

— Fica tranquilo. Nosso filho saberá tim tim por tim tim, e daí,

tudo certo. — Provoquei, e ele pareceu entender meu ponto, sorrindo

levemente. — Sabe que essa sou eu, não é? — indaguei, tentando

entender sua apreensão. — Gosto de provocações e sou espontânea. Até

demais, algumas vezes.

— Sei que quero conhecer ainda mais. — comentou e olhou-me

intensamente. — Quero muito mais de nós, Chia.

— Sei onde quer chegar.

Suspirei fundo, e afastei minha mão de si, levando-a para meu

cabelo. Era incrível como aquele assunto tinha se tornado mais fácil

depois de pensar durante a madrugada. Precisava anotar aquilo: a insônia

tem um lado benéfico, afinal.

— E ainda quer socar a minha cara? — perguntou, e parecia

tentar esconder seu nervosismo. Entretanto, seu cenho franzido e a forma

como não parava quieto com as mãos, o denunciavam. — Parece bem

mais tranquila que ontem.

— Acho que podemos entrar em um consenso. — falei, e ele me

encarou com interesse. — Não vou me casar agora, pode ter certeza. Mas
também, não quero que leve isso para o pessoal, Cael. Temos que ser

realistas e viver o momento.

— Como namorados, quer dizer? — indagou e assenti. — O que

muda do que conversamos ontem? Sei que não quer se casar, Chia.

— Bom, eu não quero casar, e você parece querer isso. — falei,

sem querer dar atenção ao assunto, mas Cael não permitiu.

— Não é pelo bebê. — Adiantou-se.

— Então, se não descobrisse a gravidez, você ia me pedir em

casamento na noite passada? — indaguei e ele pareceu pensar um pouco.


Até mesmo abriu a boca para dizer algo, mas nada saiu. — Esse é o

ponto!

— Ok, é claro que o bebê influencia nisso. É o nosso filho, ora!

Mas... Eu realmente quero ficar com você, Chia. Pensei que o casamento
fosse a...

— A decisão correta, o certo a ser feito e outras coisas mais. —

Dei de ombros, e ele assentiu. — Eu entendo, realmente. Mas também


tem que entender que posso não parecer, mas eu quero romantismo na

vida, Cael. Casamento, acima de tudo, tem que ser além de amor para
mim.

Ele sorriu, parecendo querer entender ainda mais.


— Você vem de uma família que deu certo. Seus pais parecem
eternos apaixonados. Eu venho de um abandono por parte de pai, e

principalmente, vi minha mãe ser abandonada pelo homem que lhe jurou
amor e o mundo todo. — Ele abriu a boca para me parar, mas o impedi

com os dedos. — Sei que não é como meu pai! Acredito nisso, mas ainda
assim, por mais maluca que seja, eu carrego esse passado. Além de que,

tenho consciência do que quero. Minha mãe se casou por estar grávida.
Claro, era do homem que amava, mas mesmo assim...

Suspirei, sem conseguir continuar. Era uma história que sequer


merecia ser revivida, até mesmo, em voz alta. As contas de perdiam se

parasse para pensar em todas as pessoas que viveram a mesma situação.


Não queria ser mais uma nas estatísticas.

— Estou te dizendo isso e até mesmo, dando voltas, porque quero

deixar claro que casar não é um passo a se dar no momento. Temos nós
dois, um filho a caminho, famílias loucas por um bebê ao redor que logo

receberão a notícia... Por que não simplesmente focar na nossa bolha em


alguns momentos? — indaguei, e ele pareceu entender o que queria dizer.

O que me mostrava o grande motivo para querer tanto aquilo.

— Aos poucos, mas sem estar longe... Estou certo? — indagou, e

assenti, mais aliviada. — Vou trazer algumas roupas para cá e você, vai
fazer o mesmo. — Gargalhei, ao notar que enquanto eu dava um passo,
Cael queria dar três. — É um bom começo para vermos como
funcionamos juntos. — Sugeriu e sabia que era exatamente por ali que

devíamos seguir.

— Um test drive. — Provoquei e ele sorriu. — Gosto de como


isso soa, e tenho certeza que, vamos aprender muito no caminho.

Ele se ajoelhou, e ficou a minha altura, tocando meu rosto com

carinho. Uniu nossas testas, e sorri para como tudo parecia se encaixar.

— Um dia... — pousou as mãos em meu rosto. — Vou conseguir

o seu sim.

Neguei com a cabeça, não como uma resposta, mas por ele ser
impossível. O que me fazia pensar que Noctis realmente era seu filho

gato perdido.

— Acho que no máximo terá um talvez. — Não pude evitar o

deboche e ele sorriu abertamente.

A última vez que lhe dei um talvez, acabou em uma segunda


chance para nós. O que poderia nos dar grandes esperanças. Meu talvez

dizia muito além do que um simples “sim”.


CAPÍTULO XXVI

CHIARA
 

— Claro, sem problemas. — Respondi pela milésima vez a


representante da empresa que teria uma reunião apenas dali duas

semanas. — Está marcada e não teremos mudanças. Ao menos, nada

previsto.

— Obrigada por me atender pela quinta vez. — Revirei os olhos,

já contabilizando em minha mente que se passou da décima. — Tenha um

bom dia, senhorita Moreira.

— Um bom dia para você também, senhorita Pinheiro.


Coloquei o telefone no gancho e encarei minha nova mesa,

completamente incrédula. Não conseguia entender como esses assistentes

suportavam seus chefes que mandavam confirmar o mesmo compromisso

dezenas de vezes. Qual era a real necessidade daquilo?

— Deixe-me adivinhar. — A voz de meu mais novo chefe chegou

a meus ouvidos. Levantei o olhar, encarando-o. — Mais uma vez a

assistente dos Garcia? — indagou, e assenti, sem conseguir disfarçar meu


claro desagrado por ter que lidar com aquilo. Infelizmente, era uma das

partes odiosas de meu trabalho. Nem tudo era perfeito.

— Minha cara entrega, não é? — indaguei, e ele assentiu.

Heitor Almeida se mostrava um bom chefe.

— Pode se dizer que sim. — Sorriu, e caminhou até minha mesa,

deixando uma pasta sobre a mesma. — Preciso que leve isso até Glenda,

tudo bem? — indagou e assenti no mesmo instante. — Fiquei preso o dia

toda em reuniões e sequer conseguimos falar sobre o que queria. Pode ser

agora?

Ele era o típico chefe preocupado. De alguma forma, via em seu

olhar que por mais que já tenhamos nos envolvido, Heitor parecia

completamente alheio aquilo. O que era perfeito em minha posição. Não


buscava mais nenhum caos na vida. Ainda mais nesse momento, em que

sentia que tudo se encaminhava.

— Claro. — Engoli em seco, e ele apenas continuou a me

encarar. — Pode ser aqui mesmo? — indaguei, e ele assentiu, sentando-

se na cadeira a minha frente, sem parecer incomodado.

Nos anos trabalhando na Marini, encontrei diversas vezes,

pessoas que usavam seus cargos como desculpas para não poderem se

sentar em uma simples cadeira. Se fossem esperar, que fosse em um local

especial. Se fossem se sentar, apenas a frente de outra pessoa com o

mesmo patamar, em suas mentes.

— Bom, é que descobri que estou grávida. — falei sem conseguir

enrolar e ele piscou algumas vezes, como se absorvendo a informação.

— Sei que isso não constava nos documentos que assinei, e no que

afirmei, mas... Realmente, não tinha ideia. Descobri ontem e...

— Ei ei! — levantou as mãos, abrindo um leve sorriso. —

Inesperado, certo?

— Completamente. — Respondi de imediato. — Sei que pode

parecer estranho, e até mesmo, atrapalhar em algo no trabalho, mas...

— Muitos meses até o bebê vir ao mundo? — indagou de repente,

deixando-me sem entender. — Não tenho porque duvidar da sua palavra.


Te conheço há anos e sei o quanto já te admirava como profissional antes

de vir para cá. Então, não pense que teremos algum problema por isso.

— Não sei nem o que dizer. — Soltei o ar que mal sabia que

segurava. — Mas muito obrigada, senhor Almeida.

Ele riu, balançando a cabeça em negativo.

— Heitor. — Corrigiu-me mais uma vez. — Todos me chamam

assim, sabe bem disso.

— É o costume. — Dei de ombros, e ele pareceu entender. —

Vou levar os papéis até a senhora Cortês. — Apressei-me a dizer, e

peguei a pasta em mãos.

— Certo. A reunião exterior serás as seis horas? — perguntou,

encarando seu relógio no pulso.

— Na verdade, as sete. — Corrigi-o e ele deu um tapa na testa,

claramente cansado. Sorri de sua imagem. Heitor era muito parecido

comigo em alguns aspectos. — Posso cancelar, se for necessário.

— O que acha sobre o cancelamento? — indagou, no instante em

que arrumei a postura. — Sei que é boa em sugestões. Cael sempre lhe

teceu elogios.

O simples nome de meu namorado, fez-me conter ao máximo um

sorriso no rosto. Não conhecia aquele lado dele e mal sabia que falava
sobre mim no meio profissional.

— O cliente está esperando há cinco meses e veio junto a família


para a cidade. — comentei, lembrando-me de minha conversa com o

representante da outra empresa. — São esclarecimentos cruciais sobre

contratos que parecem errados, digo, judicialmente.

— Ou seja, não podemos cancelar. — Ele parecia terrivelmente

aborrecido.

Bateu as mãos do lado da cadeira e deu de ombros.

— Bem, trabalho que segue. — Piscou, levantando-se. — E

Chiara, parabéns pelo bebê!

— Obrigada.

Falei, percebendo que era a primeira pessoa que me dava tal

felicitação. Ainda não tinha entrado em contato com minha família, nem

a de Cael. Porém, acabei sorrindo. Levei a mão a barriga, levantando-me

com a pasta na outra. Era uma fase diferente em minha vida, e de alguma

forma, seguia um caminho tranquilo.

Ao menos, era o que imaginava.

 
 

— É um belo lugar. — falei, andando ao lado de Heitor até nossa

mesa.

Sentei-me a sua frente, e deixamos o outro lugar vazio para quem

esperávamos. Sem me deixar sequer sugerir, Heitor se adiantou a pedir

algo para bebermos, e felizmente, acertou no suco de maracujá.

Olhei para meu relógio e constatei que ainda faltavam cerca de

cinco minutos para o horário marcado.

— Ele ainda não se atrasou. — Heitor comentou, e assenti,

sabendo que aqueles cinco minutos poderiam se tornar dez, até mesmo,
vinte.

— Quer repassar a pauta dessa reunião? — questionei e ele negou

veemente.

— Estamos bem e preparados. — Piscou um olho, de seu jeito

galante. — Estava correta ao sugerir o não cancelamento, tenho analisado

esses papéis por um longo tempo. Precisamos chegar a um acordo hoje,

ou então, cancelar a parceria.

— Algo sério. — Constatei, sabendo que não poderia me alongar

sobre. Minha opinião profissional só lhe era dada, quando achava


realmente necessária. — Pelo que conversamos ao telefone, entendi que

hoje é um dia crucial para eles também.

— Assim espero. — Heitor deu de ombros, e as bebidas

chegaram.

— Obrigada. — falei, tomando um leve gole.

Meu estômago agradeceu e comecei a entender que meu bebê


estava feliz com aquele gosto. Sabia bem por cima de como tudo poderia

mudar para mulher durante a gravidez, principalmente, suas vontades.


Precisava ler mais, e entender sobre o universo ao qual passei a pertencer.

— Está feliz? — Heitor indagou de repente, após tomar um longo

gole de seu vinho. — Digo, foi inesperado, não é?

Suspirei e sorri. Não estava mais pirando, não tanto quanto

ontem. O que era um grande avanço.

— Acho que posso definir como o tipo de coisa que a gente só


sabe que quer quando realmente tem. — Sorri abertamente. — Ainda

estou me acostumando com a ideia e pirando um pouco.

— Não quero parecer curioso, mas... De quanto tempo está? —


indagou e sorri da forma como ele parecia encantado ao falar sobre.

— Mais de seis semanas. — comentei. — Não consigo lhe dar


mais detalhes. Posso ser boa em números, mas exatamente esses, tem me
tirado o sono.

— Não desconfiou em momento algum? — indagou, e notei que

ele não me julgava, mas sim, parecia querer entender mais. De alguma
forma, era como se as perguntas não fossem exatamente para mim.

Talvez eu fosse um ensaio para o que ele tivesse para resolver em sua
própria vida.

— Ideia alguma. — Engoli em seco. Mesmo já tendo recebido

alguns e-mails com resultados dos exames feitos, e a médica alegar que
estava tudo ok, um oferecimento da influência e dinheiro dos Marini,

sentia-me culpada. Perguntava-me em que momento, pararia de me


martirizar por aquilo. — Acho que não tive o chamado instinto materno.

Ao menos, não de imediato.

— Mulheres são a própria complexidade. — Concluiu, e dei de


ombros, sem poder negar. Se fosse falar por mim mesma, com toda

certeza, poderia concordar. Se olhasse para as mulheres mais próximas a


mim, levando Nina e minha mãe em consideração, ele estava coberto de
razão. Até mesmo, Anne Liv. Cada qual com suas particularidades. —

Oito minutos e contando... — soltou de repente, e concordei com a


cabeça, olhando para meu relógio.

Pelo pouco tempo trabalhando com Heitor, percebi duas coisas

que realmente prezava – pontualidade e organização. Sentia muito pela


pessoa que apareceria dali alguns minutos, com alguma desculpa já solta
nos lábios.

Estava de costas para a entrada, mas comecei a me sentir

observada. Era estranho, porque de repente, queria me virar e procurar os


olhos que me perseguiam. Era um tanto neurótica também, deveria

confessar. Portanto, apenas permaneci na mesma posição, enquanto


Heitor se adiantava, e pedia entradas.

— Comida vai me ajudar a não cancelar essa reunião no

momento em que o cara chegar. — comentou e sorri, sabendo que a fome


poderia ser uma péssima aliada. — Parece incomodada.

Na realidade, eu estava.

Suspirei fundo, e quando fui responder, notei o olhar de Heitor


mudar, e de repente, um sorriso cafajeste tomou conta de seu semblante.

Ele olhava fixamente para algo atrás de mim.

— Tenho me feito de burro, porque bom, é sua vida particular.

Mas acho que não existe uma pessoa que não viu o vídeo do CEO da
Marini sendo rejeitado. — Arregalei os olhos e ele sorriu ainda mais.

Pelo jeito, todo aquele momento meu e de Cael havia chegado a

todos que conhecíamos. 

— Bom, se quiser, pode ir dar um oi para ele.


Paralisei, finalmente entendendo que era o olhar do homem que

amava que me queimava. Olhei por cima do ombro e pude notar o olhar
de Cael em nossa direção, ele tentou disfarçar, vendo que poderia soar

como um embaraço, mas sorriu no segundo seguinte ao me ver fazendo o


mesmo.

CAEL
 

— Sei que Chiara fez parte das amantes de Heitor.

Aquela simples frase rondava minha mente.

Sentir não era uma área fácil. Ao menos, não para mim.

Principalmente, no momento em que a vulnerabilidade tomava


conta e tudo que apenas se quer era a reafirmação de ser o suficiente.

Suspirei fundo, após me sentar novamente na mesa que já me encontrava


por mais de duas horas. Dispensei meu novo assistente, assim como,

despedi-me do cliente que viera para a reunião. Meus olhos estavam


focados em apenas uma coisa e sabia que parecera perdido em alguns

instantes finais daquela reunião – Chiara roubou o momento.


Talvez pelo fato de que descobri sem querer que ela dormiu com

o homem que estava sentado à sua frente, e o veria todos os dias


enquanto estivesse no novo emprego. Sabia que poderia durar anos.

Chiara não era o tipo de funcionária demitida em qualquer momento.


Pelo contrário, sempre fora impecável profissionalmente.

Heitor, seu chefe e o homem que sorria amplamente, sendo

presenteado com o sorriso dela também. Ele era apenas mais um dos
caras do nosso convívio que já haviam me dito que a levariam para sua
empresa, pelo motivo de ela ser realmente boa no que fazia. Bom, de

alguma forma, ele tinha conseguido. Porém, não era aquilo que me
incomodava.

O problema maior era estar incomodado com o fato de vê-la

sorrir tão amplamente para ele, enquanto o ciúme me corrói. Imaginar ou


pensar que ambos já se envolveram antes de realmente ficarmos juntos

me machucava. Era um fato que comecei a me acostumar. Mesmo todos


os seus casos sendo passado, ainda assim, doía. Porque era claro, ao

menos para mim, que ela poderia encontrar em qualquer um o que


escolhera ter comigo.

Ela te ama, minha mente zombou. Era no que me apegava para

não permitir que o ciúme me cegasse. Confiava em Chiara e sabia que ela
jamais agiria pelas minhas costas. Conhecia-a a muito tempo, o que
tornava nossa relação, mesmo que recente, com um passado para se
basear. Nunca mentimos um para outro, um fato que me impedia de

simplesmente surtar por ter descoberto por outra pessoa que ela já
transou com Heitor. A grande questão, que poderia ser apenas grande em
minha mente era: aquilo realmente importava?

Para meu medo de a perder, com toda certeza. Para ela, era algo

que precisava descobrir.

Heitor pareceu me notar e seu sorriso se ampliou. Dei-lhe um leve


aceno de cabeça, estando a cerca de quatro mesas dos dois. Notei o corpo

de Chiara sair da postura e sua cabeça girar lentamente, até os olhos


recaírem diretamente nos meus. Ela realmente não tinha me visto ali.

Poderia ver apenas por sua expressão. Sorri de imediato, mesmo que por
dentro, fosse uma grande confusão. Queria-a em minha vida, não podia

negar e nem esconder mais. Saber que ela poderia sair correndo, e que
não enxergava um futuro assim como eu, deixavam-me inseguro. Porém,

o simples olhar que me fora lançado, poderia ser suficiente para aplacar
aquela dor que me tocava.

Surpreendendo-me, ela falou algo com Heitor e logo, levantou-se


da mesa. A cada passo em minha direção, percebia o quanto a conversa

ouvida entre Pablo e sua noiva não era nada demais, mesmo que tenha
me desestabilizado. Chiara parou a minha frente, sentando-se. Minhas
mãos coçaram para poder tocá-la, mas sabia que não era o momento.

— Ei, carinho. — falei, e ela sorriu, estendendo-me a mão.

— Perdido? — indagou, sorrindo levemente. — Sabia que estava

sendo “perseguida” com o olhar. — Fez aspas com os dedos e fora


incrível imaginar que não era apenas eu quem notei o quão forte era

nossa ligação.

Demorou para perceber. Lembrei de algo que Anne Liv sempre

falava quando mais jovem, talvez fosse a frase mais romântica que a
ouvira declarar por aí. Contudo, fazia completo sentido comigo e Chiara.

— Já era amor antes de ser. — falei, e só percebera que fora em

voz alta, quando Chiara me encarou intrigada. — Pensamentos em alto.

Levei minha mão até a sua, dando um leve aperto sobre a mesa.

— Te espero para irmos, tudo bem? — indaguei e ela negou de


imediato.

— Vá para casa descansar que te encontro lá. — falou,

claramente, pensando em meu bem-estar. — Está cansado. — Seu tom


soou preocupado, como eu já imaginava.

— Estou sempre cansado de ficar longe de você. — Ela prendeu


o lábio inferior, claramente, segurando o sorriso. Gostava de brincar com
ela, ainda mais, soltando algumas frases cafonas e realistas em meio a
conversa. — A propósito, falei com sua médica ao telefone, pois sei que

está nervosa com o resultado dos exames.

— Está tudo bem. — Confirmou, mostrando-me que já o soubera

também.

— E vai ficar melhor... — pisquei um olho, sorrindo para ela. —


Não vou mais tomar seu tempo. Mas estarei te esperando, não se
esqueça.

— Vá descansar homem! — apertou minha mão com carinho, e


sorriu em seguida.

— Só com você, carinho.

Levantei-me e fui até ela, dando-lhe um leve toque no rosto. Ela


sorriu, sabendo que não ultrapassaria nenhum limite ali. Olhei para

Heitor, e por um segundo, o ciúme não parecera tão forte. Acenei com a
cabeça em sua direção, ao mesmo tempo que entendia – meu amor por
Chiara, era muito maior. Até mesmo, que minhas inseguranças.
CAPÍTULO XXVII

CHIARA
 

Não me surpreendia o fato de Cael estar do lado de fora do


restaurante mesmo após duas longas horas de reunião. Surpreendia-me o

fato de que ele realmente não fora para sua casa, nem mesmo, para tomar

um banho e depois voltar. Aquilo era ser cuidada por alguém? Fazia um

longo tempo desde que tivera algo assim em minha vida. Alguém tão
presente e que queria realmente estar. Suspirei e aquela pergunta

repassou por minha mente.

Cael estava encostado na porta do carro e suas mãos dentro do

bolso da calça social. Seu semblante apenas demonstrava cansaço. Por


um segundo, indaguei-me se era aquilo que também transpassava.

Entretanto, um sorriso contido se matinha em seus lábios, como se a

prova de que mesmo um dia intenso no trabalho não era suficiente para

nos desgastar a ponto de não querer estar um com o outro. Era estranho

ter alguém daquela forma. Uma descoberta nova a cada dia desde seu
pedido inusitado.

Sem que percebesse, minha mão estava na barriga, em um gesto,


que aos poucos me acostumava – estar conectada ao meu filho. Notei por

seu olhar, que passou de meu rosto para aquele local enquanto me

aproximava. Cael parecia extasiado. Tive a confirmação, quando me

aproximei, e suas mãos foram diretamente para ali, como se

reconhecendo-nos. Apenas conseguia imaginar como seria dali alguns


meses, quando realmente, poderíamos senti-lo.

— Oi, carinho. — falou, e seus lábios desceram para os meus de

imediato. Não existia mais motivo para apenas agirmos cordialmente.

O doce beijo fora o suficiente para me dar uma respectiva

completa sobre nós. Éramos tão bons juntos que chegava a ser

assustador. Agarrei-me a sua camisa e percebi que era difícil lidar com

toda aquela dimensão de sentimentos.

Éramos dias contados. Um caso de dois anos. Dois meses de

sentimentos confusos e uma declaração rejeitada. Uma distância imposta


e de um recomeço para ambos. Para nós. Agora, uma intensidade sem

igual e um bebê a caminho. O quão maluca poderia parecer nossa

história, se um dia contada a alguém? Ou seria apenas um clichê fofo

para se ouvir, ler ou assistir na tarde de domingo?

— Isso que eu chamo de renovar as energias. — falei, assim que

afastamos os lábios, sentindo seus carinhos em minha barriga. — Oi,

baby.

— Ainda vamos conversar sobre isso — gargalhei, sabendo que

falava sobre o apelido. — Está muito cansada? — seu tom mudou, e

pareceu-me, genuinamente preocupado. Porém, uma centelha de algo que

desconhecia, passou por seu profundo azul. O que se passava na mente


de Cael?

Suspirei pesadamente, encaixando-me ainda mais em seu peito.

— Do trabalho, um pouco. — Fui sincera e o encarei

profundamente. — Da gente... — fiz um sinal entre nós e ele engoliu em

seco, o que me provou que não estava imaginando coisas. Cael


demonstrava algum incômodo, sobre algo que não entendia. Bom, ainda

não. — Nem um pouco. Só quero chegar em casa, alimentar meu gato e

me perder no seu corpo.


Seu semblante se transformou e percebi o quanto amava aquelas

nuances. Do apaixonado, para o desconhecido, para o sexy como inferno

em poucos segundos. Cael Marini era realmente um pecado de terno. Ao


menos, todo meu.

Assim que abri a porta de meu apartamento, Noctis, que adorava

agir como um cachorro, já miava e passava por nossas pernas. Cael se


abaixou e pegou o pequeno no colo, o que me fez revirar os olhos.

Aquela interação entre eles era tão genuína que meu ciúme pela forma

como, claramente, Cael se apaixonou por ele e vice-versa, sequer poderia

entrar em jogo. Entretanto, adorava provocar Noctis com aquilo. E sabia

que encarregaria Cael, em algum momento, de ser o responsável pelos

petiscos caríssimos. Dê amor, mas também, dê comida. O mesmo, valia

para receber.

Joguei a bolsa sobre o sofá e me sentei em seguida. Cael

permaneceu em pé, com Noctis a tiracolo. Revirei os olhos, fazendo-o


gargalhar. Estralei o pescoço, esticando-me por completo. Já eram mais

de nove e meia e agradeci internamente por não trabalhar no dia seguinte.

— Eu já amo a AIA. — comentei, e notei uma leve tensão no

corpo do homem que parecia reduzir todo o ambiente a ele. O que diabos

acontecia?

— Sério? Por que? — indagou baixo, andando com Noctis em

seus braços, até o balcão que separava a cozinha da sala, encostando-se.

— O trabalho é diferente?

— Na verdade, só consigo pensar que não trabalho aos sábados

e... Amanhã é sábado. — Abri os braços, sorrindo amplamente e me

levantando, para fazer minha velha dancinha da vitória.

A gargalhada de Cael tomou o ambiente e sabia o quão ridícula

poderia parecer, exposta daquela forma. Contudo, não me importava. Se

me queria, teria que aceitar cada pequena parte, até mesmo, a mais

irrelevante. Como ter a namorada com os dedos para cima, dando um

giro sobre o tapete da sala, porque não trabalhava no dia seguinte. E

mais, teria que apoiar aquilo.

As palmas que vieram em seguida, fizeram-me encará-lo e

gargalhei também, parando. Andei até o seu lado, dando um leve beijo
em sua boca e afagando a cabeça de Noctis, que estava sobre seu colo, já

que Cael sentou em uma das banquetas.

— Com fome não estamos, certo? — indaguei, e andei até a

geladeira, pegando uma garrafa de água. Vi de relance, Cael negar com a

cabeça.

Bebi um longo gole, cobrando-me mentalmente para comprar a

garrafa de dois litros e levá-la ao trabalho todos os dias, como tê-la em

casa, como meta a ser cumprida. Eu e minhas promessas de ano novo

éramos opostas completas. Nina até levantou a teoria que se não

colocasse como meta, funcionaria. Talvez, ela realmente estivesse certa.

Parei ao lado de Cael, escorando-me sobre a bancada.

— O que está passando por sua mente? — indaguei, e ele desviou

o olhar, como se querendo disfarçar o assunto. Sequer sabia do que se

tratava, mas era uma nova pauta. — Parece fugir de algo ou não querer

falar sobre.

Ele suspirou profundamente e seus olhos se voltaram para os

meus.

— Já se envolveu com Heitor, não é?

A pergunta era uma grande surpresa, e não conseguia imaginar

por que se tornou presente entre nós. Minha mente entrou em combustão,
como se todas as peças se encaixassem. A forma que Cael me encarava,

até mesmo, quando parei a sua frente no restaurante – ciúme,

insegurança, talvez a mistura dos dois... Nunca o imaginei daquela

forma.

— Sim. — falei e dei de ombros, querendo demonstrar que não

me era relevante. Pois, realmente, não o era. — Por que essa questão?

— Por que não me contou sobre? — rebateu e notei aquele

mesmo olhar perdido. Deixando a garrafa de lado, toquei seu rosto com
carinho.

— Bom, porque não é algo de importância. — Confessei. — Não


passou por minha mente me virar e dizer: Cael, já transei com meu novo

chefe. — dei de ombros, e ele apenas assentiu. — Por que isso parece ser
um grande incômodo para você?

— Por te amar? — a pergunta soou mais baixa, como se ele

realmente não soubesse lidar com aquilo.

Colocando-me em seu lugar, imaginar-me-ia da mesma forma.

Porém, era bom não encontrar repreensão. Cael parecia incomodado e até
mesmo, enciumado, mas não a ponto de me cobrar sobre algo que nos

levaria a uma discussão sem fim.


— Nosso passado é apenas isso, passado. — comentei. — Pode
parecer estranho para muita gente, e sim, muitas pessoas não sabem lidar

com isso. Mas nós saímos de um relacionamento aberto, Cael. Sabemos


bem o que é ceder liberdade um para o outro, assim como, confiança. Já

transei com Heitor? Sim! Os seus outros casos, que posso afirmar, foram
vários, mesmo quando as reencontra em algum lugar, te fazem pensar

sobre?

— Prazer e nada mais. — falou e sabia que aquele era um dos

bordões que ele utilizava para deixar claro o que queria. Nunca entendi
de fato porque não o usou comigo. Talvez no fim, porque chegaríamos no

que temos agora. — Foram momentos que passaram, enquanto você


permanecia. Hoje, vejo com tanta clareza, que me assusta o fato de não

ter percebido antes.

— Bom, demorei mais de um ano e oito meses para perceber


também. — Pisquei e ele sorriu, parecendo mais leve. — Mesmo assim,

vamos por partes. Primeira, como soube sobre Heitor? — indaguei, sem
mais conseguir conter minha curiosidade. — A segunda, realmente se

sente inseguro sobre isso?

— Bruna, a noiva de Pablo. — Olhei-o ainda mais perdida. Mas

anotei mentalmente o que poderia ser repassado para Nina. — Estava


indo à sala de Pablo, e parei quando a ouvi falando sobre você.
Basicamente, ela disse que sabia que você já tinha transado com Heitor.
Depois continuou dizendo algo sobre ele tê-la traído. Partes que ignorei.

— Confessou e o encarei ainda mais curiosa. Com a certeza de que


passaria aquilo para minha irmã. — Pensei em te ligar e perguntar, mas

senti que ia parecer um idiota. Mesmo sendo verdade, sei que não é algo
de agora. Confio em você. — Seu olhar se perdeu do meu. — Acho que

no fundo, posso ser muito bom para lidar com várias coisas, mas com a
insegurança, ainda estou aprendendo. Nunca me senti dessa forma.

Aquilo me admirava, a forma como ele era sincero sobre seus


sentimentos. Existia um estigma tão grande sobre homens serem

invulneráveis e a força de uma relação, a ponto de ler e ouvir que


mulheres necessariamente precisam de um homem para ter estabilidade

em suas vidas. Em todos os sentidos: financeiro, emocional e até mesmo,


físico.

Era bom ver que era apenas mais uma imposição da sociedade,

que não deixava de ser uma verdade para muitos casos. Porém, era
extremamente gratificante, ver aquele estigma ser estraçalhando. Homens

sentem, assim como mulheres. Todo mundo chega a ser vulnerável e tem
de buscar força em si mesmo. E a sinceridade entre duas pessoas, assim

como construir algo sobre mentiras, era um caminho sem volta.


— Não te falei sobre Heitor porque, realmente, é irrelevante para

mim. Assim como, todos os outros caras antes de ficarmos juntos. — Fiz
questão de pontuar e ele assentiu. — Nunca te pedi uma lista de suas

amantes, e aposto que se visse, conheceria muitas delas de outra empresa.


Até mesmo na qual trabalho agora. Prepare-se para o meu ciúme em

algum momento! — provoquei ao fim, como a forma de dizer: ei, eu


também passo por isso.

— Nunca me senti assim com ninguém, Chia. — falou, e respirou


profundamente. — Não sei se faz sentido, mas... Senti um ciúme

absurdo, assim como, fiquei estático. Na realidade, tem sido complicado


imaginar que no passado tudo parecia simples e descomplicado. Outros

te tocavam e eu...

— Tocava outras. Transávamos com outras pessoas, para ser mais


exata. — Complementei e ele assentiu. — Isso só me incomodou tanto

tempo depois que entendo que pareça estranho se importar agora. Mas
vamos simplesmente viver isso, e bom, talvez seja o nosso tempo.

— Fico feliz por não parecer maluco. — Confessou e tive que


sorrir, beijando-o rapidamente. — Não vou tomar seu posto, prometo.

— Ei! — bati levemente em seu ombro e ele pareceu relaxar. —

Acho que está tudo bem, já está até me provocando. Mas pode deixar,
permito que fique com cinco por cento da parte maluca dessa relação.
— Não esqueçamos que pode vir uma criança com seu gênio, em

breve... — suas palavras me aterrorizaram por completo. Ele levou a mão


a minha barriga e fiquei estática. — Imagina, um mini furacão pela casa.

Pensei e repensei, assim como, a ideia me assustou por completo.

Olhei para Noctis e refleti sobre uma certeza.

— Vai ser ainda mais incontrolável que ele. — Apontei para o


gato manhoso, que me encarou com os olhos azuis desgostosos. — Posso

dizer adeus a minhas maquiagens que serão quebradas? — indaguei,


conseguindo visualizar tudo em minha mente.

A gargalhada alta de Cael apenas comprovava que estava certa.

— Daqui alguns anos, carinho. Ainda tem um longo tempo para


apenas Noctis quebrar a casa.

— Estou perdida. — falei, e levei a mão ao peito.

— Fico feliz em termos isso. — Olhei-o interessada, e por um


segundo, esqueci-me da cena imaginada de nosso filho jogando meus

iluminadores pelo chão e eles sendo destroçados. Balancei a cabeça,


tentando espantar aquilo. — De conversarmos abertamente, das coisas

mais simples as de grande importância.

— Bom, vale para tudo! Qualquer que seja o assunto, vamos


conversar. Vamos fazer isso aqui. — Fiz um sinal entre nós, e me
aproximei mais. — Até mesmo, falar sobre nosso filho indo pelo lado
negativo de Noctis. Uma péssima influência, aliás. — Ele sorriu

abertamente, e acabei por fazer o mesmo. — Mas enfim, a base de


qualquer relacionamento é a confiança, Cael. Temos isso e temos amor,
nada falta. A não ser, aprendermos mais e mais. Aliás, entre nós, cabe

                          apenas confiança, amor e prazer. – Pontuei e ele sorriu,


assentindo.

— Agora vejo porque não quis se casar comigo. — falou, mas

pela primeira vez, não me pareceu decepcionado. — Ainda temos muito


que fortalecer nesses três pilares e muitos outros.

— No momento, eu escolho o prazer. — falei, e seu olhar mudou

instantaneamente. — Especificamente, debaixo de uma ducha quente.

— Você realmente quer me enlouquecer. — falou, e rapidamente,

deixou Noctis sobre a outra banqueta, levantando-se e me puxando para


seu corpo. — Ducha ou cozinha? — indagou, naquele tom sexy e rouco

que me deixava inebriada por sua presença. A postura de homem que


sabia exatamente o que queria, assim como eu.

— Ducha e cozinha, que tal? — sorri, puxando seu lábio inferior

com os dentes. Nossos lábios se encontraram, e senti meu corpo ser


levantado e colocado sobre a bancada segundos depois. Não precisei
pensar em mais nada para entender que ali mesmo, um de nossos pilares
se fortaleceria.

Prazer, o mais puro de todos.


CAPÍTULO XXVIII

CHIARA
 

— Acha mesmo uma boa ideia que nossa família saiba da


gravidez em um só jantar? — indaguei, admirando a vista maravilhosa,

do corpo de Cael com apenas uma toalha preta na cintura. Algumas gotas

de água ainda escorriam pelo seu peitoral e senti meu corpo arder. Era

impressão minha ou ele ficou mais bonito nos últimos dias?

Ele parou com a outra toalha nos cabelos negros, e me encarou,

com um sorriso cafajeste pendendo para o lado esquerdo do rosto. Sabia


que me desestabilizava e parecia estar fazendo de propósito cada passo

de sedução, como se para me deixar louca por ele. Aquele era o tipo de
joguinho que Cael realmente gostava, no qual, eu sempre acabava bem

satisfeita, assim como ele.

— Está muito ansiosa para contar a elas? — indagou e veio até

mim, sentando-se ao meu lado na cama. Segurei-me para não esquecer

aquele papo e subir em seu corpo. Meneei a cabeça, tentando afastar os

pensamentos pecadores.

— Sim e não. Acho que minha mãe vai surtar de felicidade e

Nina de incredulidade. — comentei, sorrindo amplamente ao imaginar os

rostos de ambas quando receberem a notícia.

Completavam apenas alguns dias e mesmo assim, Cael e eu,

apenas enrolávamos, como se buscando uma maneira bonita de contar a

todos. Até ele ter a ideia de um jantar na casa de seus pais, com a

desculpa de oficialização do nosso namoro, e Noctis seria o responsável a

contar a todos sobre o real motivo. Era uma boa ideia, apenas não sabia
se funcionaria como planejávamos.

— Mas, mesmo estando na casa de seus pais, isso não será

impedimento para Nina. — alertei e ele acabou revirando os olhos, como


se estivesse cansado de me ouvir falar sobre. — É sério! Já te disse como

ela é. Se a tal noiva de Pablo estiver lá, nosso plano de ser o destaque da

noite vai por água abaixo.


— Vou dar um jeito nisso. — comentou e tocou meu rosto,

trazendo arrepios para cada parte de minha pele. — Ainda mais, que

preciso falar com Pablo e entender porque Bruna estava falando sobre

você.

— Por que sou muito famosa? — indaguei de supetão, brincando.

— Oh desculpe, o famoso entre nós, é você. — Debochei, e ele fechou o

semblante, fazendo-me gargalhar.

De repente, apenas senti meu corpo ser jogado de volta para o

colchão e o dele me cobrir. Meu sorriso se foi no mesmo instante, no

momento que os olhos azuis me embargaram. Uma de suas mãos,

prendeu a minha sobre a cabeça, deixando-me completamente exposta.


Debaixo do lençol, vestia apenas uma calcinha, que mesmo não sendo

extremamente pequena, não cobria muito. Ele me analisou e sua clara

admiração, fez-me arfar.

— O que quer de mim, chefe? — indaguei, e ele rosnou. Sabia o

quanto uma simples palavrinha mexia com sua cabeça, e bom, o resto de

seu corpo.

— Sabe o que penso em fazer toda vez que me provoca? —

rebateu, e seus lábios desceram para meu pescoço, marcando-me de

forma que apenas eu saberia o quanto era sua.


— Não sei... — respondi, ainda presa por sua mão, mas tentando

a todo custo me soltar e o tocar como queria. — Me foder até a exaustão?

— perguntei, e seus lábios subiram para minha orelha, puxando o lóbulo


com os dentes. Ele sabia que era meu ponto fraco e usava a seu favor. —

Cael!

— Na verdade, te castigar da forma que te faria pensar duas vezes

antes de me provocar.

— Nunca penso antes disso, chefe. — Pisquei e seu sorriso de

lobo, amoleceu. — Sabe como sou.

— E é por isso que apenas penso e nunca faço. Não conseguiria te

negar o prazer. — Seus lábios desceram para meu colo, traçando uma

linha de beijos molhados por todos meus seios e seguindo para baixo. —

Porque te dar prazer é uma das minhas partes favoritas de nós.

— Ah é? — indaguei, quase sem voz quando seus lábios

chegaram a minhas coxas. — Qual é a outra parte favorita?

— Quando nos perdemos um no outro.

Não consegui falar mais nada, pois ele sequer me deu tempo para

raciocinar. Em segundos, a calcinha já não era um empecilho e sua boca,

tomou o lugar. Arfei, perdida no prazer que ele me proporcionava como

ninguém. Dois anos nos perdendo no corpo um do outro, era um fato. E


aos poucos, aprendemos muito sobre como cada um buscava o prazer.

Nos pequenos detalhes, até mesmo do sexo, a gente se encontrava. Joguei

a cabeça para trás, perdida em sensações e sabendo que mesmo quando

era apenas sexo, nunca me pareceu de fato. A ligação que tínhamos ia

além do carnal e da atração. Era como se todo meu interior gritasse por

seu toque.

Quando ele me tocava, sabia que era exatamente ali que queria

estar.

CAEL
 

No fundo, eu estava aterrorizado. Ao mesmo tempo que, tentava

parecer que tinha tudo sob controle. Olhei para os papéis mais uma vez,

revisando-os, sem a mínima concentração. Levei as mãos aos cabelos, e

tentei entender, como poderia estar tão perdido no que tanto amava fazer.

A resposta era clara e simples. A mesma que tivera quando a perdera de

vista. A razão de minha falta de foco: Chiara Moreira.


Um sorriso surgiu em meu rosto, apenas por me lembrar. Era

engraçado saber que me enfiei no escritório de meu apartamento as

quatro da manhã, apenas para que quando ela acordasse, pudesse passar o

resto do dia ao seu lado. Portanto, tinha das quatro até o horário que ela

despertasse para conseguir trabalhar. Não gostava de levar trabalho para

casa, mas se tornara, quase que uma rotina. Chiara conhecia esse meu

lado. Não sabia ao certo, em alguns momentos, a hora de parar. Muitos

deles, ela era quem me tirava, trazendo-me para sua teia de sedução.

Naquele, tinha-a em minha cama, dormindo tranquilamente, junto

a nosso filho que carregava no ventre, além de seu gato, que viera como

brinde para passar o domingo comigo. Não queria ser a pessoa que deixa
quem ama de lado pelo trabalho, mas também, ainda era difícil conciliar

tudo. Portanto, aquele era o momento de começar a entender. Sempre tive

prioridades na vida. O prazer perdido em momentos pré-marcados era

um deles, mas caíra completamente por terra e nunca passou do patamar

de meu trabalho. Chiara era diferente. Assim como o que estávamos

construindo, era completamente diferente.

Apenas queria esquecer o trabalho e focar em passar todo o

tempo que poderia com eles. Que as folhas se acumulassem e os dias de

semana fossem mais longos, mas queria ter um dia livre, e curtir aquele

momento. No qual, construía algo que imaginei nunca chegar a ter. Não
por medo do amor ou falta do mesmo. Pelo simples fato de nunca ter

enxergado em alguém a verdade sobre o sentimento por mim, e ainda

mais, encontrado o mesmo em meu interior. Com ela, acontecera.

— Chega! — falei e afastei-me com a cadeira.

Levantei rapidamente, abrindo meu robe e saindo do escritório.

Rumei até o quarto e assim que abri a porta, esperando encontrar Chiara

na cama, da forma que a deixei, assustei-me ao ver os lençóis revirados e

travesseiros jogados. Apenas Noctis permanecera ali, dormindo


serenamente.

Um xingamento vindo do banheiro chamou minha atenção e fui


até lá. Assim que parei no batente na porta, meu coração falhou uma

batida pela cena. Chiara estava sentada no chão, a alguns centímetros da


privada, com as mãos na barriga, conversando baixinho com nosso filho.

Os cabelos loiros estavam revoltos, assim como minha camisa que ela
usou como pijama naquela noite. Ela sorria, ao mesmo tempo que fazia

caretas para a barriga. Aquela inteiração era algo que nunca gostaria de
perder. E não precisava ser um gênio para saber que ela passou mal, e em

vez de estar ao seu lado, me encontrava tentando focar no trabalho.

— Vamos combinar assim. — consegui ouvir, assim que dei

alguns passos para perto, e ela parecia já ter notado minha presença. —
Quando nascer, vai vomitar a vontade em cima do seu pai. — falou e
seus olhos verdes de voltaram para os meus.

Sorri, e ela fez o mesmo, mas podia notar o quanto seu semblante
parecia cansado.

— Tudo bem? — indaguei, passando a mão em seu rosto, e ela

encostou a cabeça contra os azulejos.

— Acho que agora sim posso ser chamada de grávida. —


Debochou, sorrindo amplamente. — Já é a segunda vez que corro para o

banheiro e, adendo, só consegui abrir os olhos no último instante. Sono e


vômitos, agora sim está fazendo sentido. — falou mais fraca e bocejou.

— Vem cá!

Levantei-a com cuidado, praticamente a carregando até a pia.


Chiara escovou os dentes e jogou uma água no rosto, e me encarou pelo

reflexo. Um leve sorriso se abriu, como se ela estivesse genuinamente


feliz. Era um semblante que desconhecia e de repente, se tornou algo

pelo qual lutaria todos os dias.

Abracei-a com cuidado, tocando em sua barriga, e ela fez o


mesmo em seguida, encostando a cabeça em meu peito.

— Bom dia, baby. — falou, encarando-me profundamente.


Apesar dos pesares, aquele sim, era o jeito certo de passar meu
domingo e começar o dia. Aliás, todos eles.
CAPÍTULO XXIX

CHIARA
 

— Tem certeza que está mesmo bem? — Nina perguntou pela


milésima vez, olhando-me profundamente, mesmo que pela tela do

celular. Preparava um suco de maracujá, enquanto ela me julgava com

sua análise.

— Por que a ideia de um jantar parece tão ruim assim? — rebati,

e parei, encarando-a. Nina sequer precisou pensar, como se a resposta já

estava em sua língua desde que a convidei.


— Não é a ideia do jantar, mas sim, essa sua cara de que está

escondendo algo que me deixa receosa. — Engoli em seco, ao mesmo

tempo que forcei um sorriso. — Me diz logo, vai se casar? — indagou e

arregalei os olhos e levei a mão até o peito, como se me fingindo de

ofendida. — Chiara!

— Não vou me casar. — falei, sem deixar dúvidas de que era

verdade. Se ela soubesse que o jantar tinha um motivo ainda maior... —


Além disso, você vai ter um motivo para ver Pablo sem brigar. —

Constatei.

— Não prometo nada. — Finalmente, um sorriso afiado surgiu


em seu rosto.

— Nina! — tentei pará-la, mas sabia que minha irmã não era uma

pessoa controlável. Nem um pouco.

— Pablo e eu acabamos, de vez. — Sua voz mudou, como se ela

quisesse se convencer daquilo. — Além de querer tirar fio por fio do

cabelo daquela imitação barata do Keanu gostoso Reeves, está tudo

acertado. Mas não posso prometer nada se ele e a noiva enfadonha me


provocarem.

Gargalhei alto de suas comparações. Finalmente, tendo noção de


quem Pablo sempre me lembrara. Sorri ainda mais, da forma como o
vocabulário de Nina mudava repentinamente.

— O que é considerado provocação na sua concepção, Nina

Moreira?

Ela deu de ombros, sorrindo ainda mais.

— Se eles simplesmente ousarem me olhar. — Mordi a língua,

segurando a risada, antes de ela continuar. — Além disso, posso levar

um convidado? — indagou e a encarei, sabendo que Nina faria aquilo de

propósito.

— Em quem está pensando? — indaguei de imediato.

Ouvi um barulho vindo da sala, e Cael andava tranquilamente até

mim. Tínhamos acabado de almoçar e infelizmente seu celular tocou, e

sabia como era, ele tinha que atender. Entendia, melhor do que ninguém,

como seus horários e o trabalho eram malucos. Antes que pudesse falar

algo, ele veio até mim, e enlaçou minha cintura, dando um leve beijo em

meu pescoço.

— Falando sozinha? — indagou, e gargalhei, ao notar o olhar

mortal de minha irmã na tela.

— O Tony Stark de Taubaté! — escorei-me no balcão para não

cair pela risada, enquanto via a confusão nos olhos de Cael, que os
arregalou em seguida. — Ainda precisa pedir a minha bênção para ficar

assim como a minha irmãzinha!

— Por Deus, Nina! — ri ainda mais, e Cael pareceu perceber que

sequer me aguentava em pé, segurando-me. — Estava convidando minha

querida irmã para o jantar. — falei, e Cael assentiu, sorrindo em seguida.

— Olá, Nina! — ele falou e deu-lhe um aceno com a cabeça. —

Vou deixá-las conversar em paz. — Beijou o topo de minha cabeça e me

soltou, quando percebeu que já tinha me recuperado. — Até o jantar

então, Nina. Pode deixar, vou pedir sua benção. — brincou e piscou para

minha irmã, que me encarou perplexa, no segundo em que ele saiu da

cozinha e seguiu para a sala, jogando-se no sofá ao lado de Noctis.

— Ok, depois de ter que ver essa melação toda... — fingiu ânsia e

sorriu em seguida. Sabia que ela estava feliz por mim, mesmo com o pé

atrás sobre Cael. Entretanto, ainda não existiam outros motivos para ela

me querer longe dele. A cada dia, tinha surgiam prós, e ela sabia. Já

visualizava sua reação quando soubesse como ele reagira a gravidez. —

Vou levar Lúcio.

— Você não vale nada! — rebati. — O que fez para convencê-lo?

Ele odeia sair do interior.


— Mostrei uma foto de Anne Liv. — arregalei os olhos, e de

repente, senti os de Cael sobre mim. — E vamos combinar que Lúcio é

um pedaço de mal caminho, e sua ex chefe pode querer se esbaldar por

uma noite. — Mudei de foco, e notei uma careta no rosto de meu

namorado. — Cael ainda está ouvindo? — indagou e assenti. Nina

pareceu não se importar. — Mas enfim, Lúcio tem um motivo muito mais

nobre para ir – ajudar uma amiga.

— Pablo vai surtar. — A voz de Cael reverberou pelo ambiente, e

sabia que ele queria que ela ouvisse. Encarei-o interessada, pois nunca

entramos de fato naquele assunto. Ele deu de ombros e levantou as mãos

em sinal de rendição. — Ele é como um irmão mais velho para mim, mas

sei que está fazendo merda. Sei basicamente tudo o que ele teve com sua

irmã... Digamos que quando ele bebe, não existe outro assunto. Enfim, o

que posso dizer é que ele vai surtar ao ver Nina levando outra pessoa.

Fiquei paralisada, diante de todas as informações.

— Já tem minha benção, Tony. — Nina praticamente gritou ao

telefone, e Cael sorriu do sofá.

— Nina, tem certeza que é o melhor caminho? — indaguei, de

repente, sentindo-me preocupada com o que aquilo acarretaria.


— Ele vai se casar, e não há nada que possa fazer para mudar

isso.

Aquilo era estranho, ainda mais, vindo de Nina. Ela era uma

pessoa que não desistia facilmente do que queria, nem mesmo, pensava

em desistir. Algo acontecera na festa de Anne Liv. Algo que ela não me

contara.

— Mas... o foco é o seu relacionamento, Pepper Potts! — sorri,

sabendo que aquele era o efeito Nina. Uma metralhadora verbal

indelicada e cômica. — Vou falar com nossa mãe, mas com certeza

podemos ir. Nessa terça, certo? — indagou e assenti, sentindo minhas

mãos trêmulas de repente.

Queríamos deixar para o final de semana, mas já estava a ponto

de surtar por não contar para minha família, assim como Cael. Por um

segundo quis apenas esquecer o jantar e gritar para ela que seria titia.

Porém, também queria romance em minha vida. E daquela maneira,

construído por nós, parecia funcionar. Um jantar, famílias reunidas, um

gatinho mensageiro e a surpresa da gravidez. Apenas esperava que tudo

desse certo.

 
 

— Como assim, mamãe? — a pergunta baixa e chorosa, fez-me

quase perder o tom de autoridade. — Por que a gente não pode sair e
correr por aí?

Virei-me e encarei os cabelos escuros, idênticos aos do pai, assim


como os olhos azuis. Como podia ter puxado tanto para ele fisicamente,

e no fim, ser todinha eu por dentro?

— Érica, eu já disse que está tarde...

— Anneliese vai comigo, qual o problema? — perguntou,


cruzando os braços, em uma mania que me faria rir, se não estivesse no
modus operandi de mãe.

— Porque ela é apenas alguns minutos mais velha que você e mal
completaram 15 anos! — repreendia-a. — Além de que, temos um
programa em família hoje.

— Não envolve bola e um gol, tenho certeza. — Ralhou, ainda me

desafiando com o olhar.

— Quem disse que não? — plantei a pergunta em sua mente e seu


olhar mudou de repente, como se começasse a entender. — Vai se
arrumar, que assim que seu pai chegar, vamos sair.
Ela soltou um gritinho animado e me abraçou com força, quase
me derrubando.

— Ei! — a voz grossa me chamou atenção e senti meu corpo


leve, no segundo seguinte, contra algo quente e aconchegante. —

Carinho, acorda.

Abri os olhos no mesmo instante, finalmente percebendo que


estava presa a um sonho. Notei que estava com um braço de Cael na

cintura e quase na beirada da cama.

— Um sonho turbulento. — Ele falou e tocou meu rosto,


claramente, analisando-me.

— Não imagina o quanto. — comentei e encarei a televisão, na


qual passava o desenho com o qual acabei dormindo – Barbie – a

princesa e plebeia. Só poderia ser alguma loucura de minha mente,


internalizando aquilo. Não poderia ser algum sinal ou instinto materno.

Poderia?

— Quer falar sobre? — indagou, e notei seu rosto amassado,


como se tivesse cochilado também.

Abri a boca para responder, no mesmo segundo que a campainha

tocou cinco vezes seguidas. Olhei-o perplexa e Cael revirou os olhos.


— Só uma pessoa faz isso. — comentou e sorri, já me lembrando
de como uma certa ex chefe poderia ser insistente. — Já volto!

Deu-me um leve beijo nos lábios e se levantou. Aprumei-me

rapidamente, e me levantei, andando descalça mesmo, até chegar à sala


de estar. Anne Liv estava à frente de Cael, praticamente jogada em seu

colo, abraçando-o com tanta força que sequer conseguia entender o que
acontecia.

— Tá tudo bem? — indaguei e seus olhos recaíram em mim. — E

aí, chefe preferida?

— E aí cunhadinha perfeita? — provocou e veio até mim, no

segundo seguinte. Sem que esperasse, ela fez o mesmo comigo, só que
com mais cuidado. — Como está? E por que armaram o jantar? Por que

ninguém me diz nada?

Fiquei perplexa com suas perguntas, sem entender o porquê de ela


as fazer.

— Anne Liv, deixa ela respirar. — A voz de Cael soou mais séria,
e ele praticamente arrancou a irmã de mim, que pareceu não se importar.

— Não estou entendendo nada. — falei, e o suspiro profundo de

Cael, pareceu denunciar algo mais. — O que houve?

— Liguei para Anne e...


— Cael me ligou, contando do jantar e então uni o óbvio! —

bateu palmas e suas mãos desceram para minha barriga, claramente,


admirada. — Esqueceram de um detalhe crucial, na verdade, dois deles.

Um: sempre fui a pessoa que os via como casal e torcia por isso. Dois:
fui eu quem vi você desmaiada e depois disso, dizer que era só a pressão

baixa. — Arregalei os olhos, sabendo o quanto Anne Liv era perspicaz.


— Conversando com Leo sobre isso, tive algumas dúvidas sanadas...
Além da boa e velha internet. Joguei verde com Cael e adivinha quem

caiu perfeitamente!

Olhei para ele, completamente inconformada.

— Abri a porta e ela me disse “parabéns papai do ano”. —


comentou exasperado, claramente, decepcionado por não ter disfarçado.

— Era para ser uma surpresa para todos.

— Eu finjo bem. — comentou e notei seus olhos marejados. — E

agora, posso ajudar a deixar tudo ainda mais misterioso. — Olhei para
sua animação, e por um segundo, sua frase me pegou.

— Pera aí... Como assim, conversou com “o Leo” ...— fiz aspas

com os dedos, e notei Cael segurar a risada. — Desde quando ele se


tornou “Leo”?
— Não é nada demais! — falou de repente, sem segurança

alguma. — Qual é, não é minha vida em pauta aqui. — Tentou contornar


a situação, mas não desistiria.

— Um segredo por outro, chefinha. — Dei de ombros, cruzando

os braços e ela suspirou.

— Preciso de um vinho antes.

Sorri, e acenei para Cael, que foi até a cozinha. Existia algo

diferente no semblante de Anne Liv, e comecei a entender de fato toda a


tensão entre e ela e Leonardo em seu aniversário. Eles, com toda certeza,

ultrapassaram a linha, assim como eu e Cael. Aquilo poderia dar uma boa
história, e estava louca para ouvi-la. O que me ajudava a esquecer o sono

esquisito com duas mini Cael como filhas.


CAPÍTULO XXX

CHIARA
 

Paralisei assim que chegamos à casa dos Marini. De repente, todo


o contexto, que em algum momento, trouxe-me para aquela mansão, caiu

por terra. Não era mais algum assunto ou evento de domingo que fora

convidada. Eu era um dos assuntos principais a serem tratados, em um

jantar organizado por eles para oficializar meu relacionamento. Passei as


mãos na calça e tentei disfarçar meu nervosismo. Sentia os olhos de

minha mãe e irmã queimando sobre meu corpo.

— Será que dá para se acalmar? — Nina perguntou e logo parou a

minha frente, segurando meus ombros. — Já esteve aqui uma centena de


vezes.

— Mas não como namorada do filho deles. —  E como mãe de


seu neto, completei em pensamento. Minha fala saiu quase em um

sussurro e Nina revirou os olhos. — É sério! — bati com a pequena bolsa

em seu ombro, assim que ela sorriu amplamente. No fundo, era bom ela

imaginar que pirava apenas por aquilo. Existia muito mais.

— Vamos lá, gata! — Lúcio falou, vindo até mim. Puxou-me para

um abraço, da forma que sempre me acalmou quando mais novos. —

Está se preocupando à toa, como sempre.

Apenas assenti e senti um leve beijo na testa. Meu celular vibrou

e encarei a tela.

— Cael está perguntando se já chegamos. — Informei e os três

pares de olhos recaíram em mim. Que no fim, se tornaram quatro, já que

Noctis acordou no colo de minha mãe, para me encarar, como se me

julgasse pela mentira armada. Filho mau!

— Vamos logo com isso, filha. — Mamãe falou e praticamente

me arrastou pelo braço. Ninguém parava Clarice Moreira, e sabia bem

daquilo. Se meu gênio e de Nina eram o diabo, o dela, com toda certeza,

era o inferno inteiro.


Disquei o número de Cael, à frente do belo portão, sem coragem

de entrar.

— Ei, estamos aqui na frente. — falei rapidamente, e ouvi seu

suspiro ao fundo.

— Graças a Deus! — não entendia o porquê de seu claro alívio.

— Anne Liv está quase dando com a língua nos dentes.

— Merda! — reclamei, e senti a análise clara no olhar de minha.

Forcei um sorriso e foquei em apenas responder Cael. — Aqui estamos,

então... Não tem mais tempo a perder, não é? — indaguei, de forma que

não soasse suspeita. No fundo, sentia que todos desconfiavam de nós,

mesmo que não existissem razões.

— Estou saindo, carinho.

— Ok.

Desfiz a ligação e minha mãe abriu a boca para perguntar algo no

instante em que a voz de Nina soou ácida.

— Show time, Lúcio!

Olhei para os dois que estavam a nossas costas, e notei a forma


como se portavam como um casal. Eles combinavam, mesmo sendo

completamente estranho para mim os enxergar de tal forma. Porém,


Lúcio adorava encenar e naquele momento, se fosse alguém de fora,

poderia jurar que estava de quatro por Nina, assim como, ela por ele.

Voltei meu olhar para a frente, e a razão de todo aquele momento,

fez minha mãe soltar um “uau” baixinho, e eu sorrir. Pablo Marini vinha

em nossa direção e sabia que devia existia um ótimo motivo para Cael

não ser quem nos recepcionava. O semblante sorridente de Pablo pareceu

se perder, assim como, tomou um ar de mistério que pouco conhecia.

Lembrei-me da analogia de minha irmã e mordi a língua para não sorrir.

Ele era mesmo a cara do Keanu Reeves.

— Ei, Chia! — falou, e me deu um leve beijo no rosto. — Bem-

vinda a família, finalmente!

Sorri, sentindo meu rosto queimar. Sabendo que no fundo estava

trazendo além de mim para sua família.

— Olá, dona Clarice. — Seu charme fez com que o rosto de

minha mãe se tornasse um tomate. No fundo, sabia que ele já a conhecia,

mas nunca imaginei que teria tal intimidade. A história de Nina e Pablo

ainda era um grande mistério. Olhei de canto para minha irmã e pensei

que a veria fuzilando-o com o olhar, entretanto, ela parecia realmente

entretida em fingir que Pablo não existia. — Quanto tempo, não é? — ele

indagou, e ela me largou, puxando-o para um abraço.


Naquele momento, sabia que os hormônios faziam festa dentro de

mim. De repente, tudo o que queria fazer era chorar. Não sabia sequer

explicar o porquê.

Assim que ele e minha mãe se afastaram, seu olhar recaiu em

Nina, e a forma como se encararam, deixava claro que nem em um

milhão de anos, aquele amor poderia ser esquecido. Funguei, e tentei

segurar as lágrimas. De repente, senti mãos fortes ao meu redor, e

agradeci internamente pelos momentos perfeitos em que Cael parecia

surgir do chão. Ele me abraçou por trás e senti um leve beijo em meu

rosto.

— Oi, carinho. — falou, e me virou para si, vendo que estava a

ponto de desabar. — Vamos contar logo, se não, vamos acabar pirando.

— Sussurrou e sorriu em seguida, fazendo o mesmo comigo.

Nos afastamos, e me foquei em vê-lo cumprimentar minha mãe.

Ela o conhecia, de algumas vezes que viera a São Paulo e ela fora até

meu trabalho. Entretanto, era a primeira vez que ele não era meu chefe

sendo apresentado a ela.

— Seja bem-vindo a família, querido. — Ela falou e uma lágrima

desceu, sem que pudesse evitar.


Estava ainda mais emotiva, e agradeci internamente pelo fato de

minha irmã, Lúcio e Pablo estarem em uma bolha clara, assim como,

minha mãe e Cael. Suspirei, e apenas mudei minha atenção quando a voz

de Anne Liv reverberou por todo o jardim.

— Aí estão! — praticamente gritou, e a passos rápidos, veio até

nós. Parou ao meu lado e tocou meu rosto, claramente, tentando me

reordenar de forma discreta. — Nossos pais foram buscar algo especial

para o jantar e já devem estar chegando. Vamos todos entrar, que tal? —

ofereceu, como perfeita anfitriã. — E essa bolinha de pelos... — foi até

minha mãe, que sorria abertamente, com Noctis ainda no colo. — Posso

pegá-lo? — indagou e sabia o que ela fazia. Encarregamos a ela, a tarefa


de armar o planejado e dar o toque final.

Até o momento, mesmo com as emoções à flor da pele, as coisas

pareciam se encaminhar. Cael veio até mim, e me puxou para seu corpo,
abraçando-me de lado. No fundo, era como se ele me protegesse de mim

mesma. De repente, senti que poderia vomitar ou simplesmente desabar.

Comecei a perceber o quão sério era o que estávamos fazendo. Cael veio

para o seio de minha família, e de repente, tudo parecia se encaixar.

 
 

Linda e Tomás Marini me analisavam de forma carinhosa. O

abraço que me deram era mais do que convidativo, e poderia ver que suas
mentes trabalhavam a todo vapor para saber o real motivo daquele jantar.

Ninguém de fato parecia ter engolido o papo de apresentarmos nossas

famílias e oficializarmos o namoro. Qualquer um ali, menos Anne Liv,

apostava alto em uma aliança em meu dedo anelar esquerdo, assim como,
no de Cael.

Suspirei fundo, sentada no sofá, enquanto todos se


aconchegavam. A sala parecia cheia com as pessoas que realmente queria

que fizessem parte daquele momento. Nem mesmo a tal noiva de Pablo
aparecera, e poderia apostar que existia dedo de Cael. Não tinha

absolutamente nada contra a mulher, porém, não lhe tinha apreço para
que fizesse parte daquilo. Vimos, enquanto pensávamos na maneira de

como contar, o quanto à espera daquele bebê nos era importante. O


quanto nossas vidas já haviam mudado, e que ainda viriam a mudar.

Poderia ser algo desnecessário para muitos. Entretanto, para mim, depois
de pirar e refletir sobre o que era ser mãe, percebi que queria começar ali.

— Anne Liv está enrolando com o que? — Pablo perguntou,


encarando os tios, que deram de ombro. — Acho que vou subir e ver se
ela precisa de ajuda.

— Olhe só, um cavalheiro... — a voz ácida de minha irmã fora

ouvida, e o olhar de Pablo passou para ela, que estava em outro sofá ao
lado de minha mãe e Lúcio. Os dois se encararam, presos a si, e segurei

uma respiração, esperando que não estragassem o que aconteceria a


qualquer instante.

— Então... — Mamãe me surpreendeu, falando mais alto. —

Vamos ter anúncio de casamento hoje? — indagou, mesmo já tendo


afirmando centenas de vezes que não seria. Ao menos, ela tentava

contornar o momento desastroso que seria uma discussão entre Pablo e


Nina.

— Mamãe! — reclamei e levei as mãos ao rosto, tentando não rir.

— Não vamos nos casar. Ainda é muito cedo e queremos curtir o


momento, nos conhecendo. — falei, tentando parecer que ela já não

ouvira o mesmo tantas outras vezes.

— Cael nos disse o mesmo. — Linda se virou para minha mãe, e

piscou um olho. — Sempre vi os dois como um casal, e já poderíamos


estar pensando na festa! — ouvi Cael bufar ao meu lado, o que me fez

sorrir. — Mas é uma escolha apenas deles. Casamento pode ser apenas
um nome para algumas pessoas, mas é um compromisso sério. Tem gente
que vive exatamente isso, sem ao menos perceber. Não há papel ou
celebração que valha mais do que o dia a dia.

Sorri para Linda, pois suas palavras me pegaram em cheio. Ela

realmente parecia me entender. Como se pudesse ler a forma como


encarava tal compromisso, mesmo que nunca tenhamos falado sobre. Era

bom ter alguém que entendia aquele lado.

— Realmente, há pessoas que consideram apenas um nome. — A


voz de Nina soou ainda mais imponente, mas notei que sua acidez se

fora. — Como se casar fosse a válvula de escape para todos os


problemas. Senhora Marini, o que pensa sobre se casar para se esquecer

quem realmente ama? — indagou, e o olhar de Linda se tornou apenas


seu, assim como, o de todos presentes.

— Não faça isso, Nina! — Pablo falou e se levantou, assim como


ela. Ambos se encararam, e notei que Lúcio não sabia o que fazer.

— Não fazer o que? — enfrentou-o e meu coração deu um

solavanco. Merda! Aquele era o momento que tentava evitar. Entretanto,


Anne Liv ainda não havia descido com Noctis. — Uma simples
pergunta? Por que isso te atinge?

— Vem! — falei baixo para Cael, e me prostrei de pé. Ele

enlaçou minha cintura. — Bom, temos uma outra notícia para dar, além
do compromisso. — falei alto, e todos se voltaram para mim, como se

querendo fugir do possível momento caótico entre Pablo e Nina, que


ainda se encaravam.

Senti meu estômago revirar e sabia que o nervosismo me atingia


com força. Abri a boca para complementar, mas nada saiu. O olhar de

Cael se tornou preocupado e ele tocou meu rosto, como se entendendo.


Em cinco segundos, vi-me à frente de uma privada, e coloquei para fora

tudo que comera pela tarde. Cael estava ali, segurando meus cabelos.
Assim que terminei, suspirei fundo, e ele me ajudou a levantar. Sorri para

o reflexo, vendo-o. Usei o enxaguante bucal na pia e me escorei na


mesma.

— Por que insisti em fazermos isso?

— Porque queria um jeito especial e apenas nosso de contar sobre


o nosso filho. — comentou, e passou as mãos por meu cabelo, ajudando-

me a recompor. — Ou filha.

— Ou filhas. — Rebati, e seus olhos azuis se arregalaram. — Um


sonho. Te explico depois. — Ele assentiu, e suspirei fundo. —

Precisamos voltar, o clima deve ter melhorado.

Saí primeiro que ele, e assim que adentrei o amplo cômodo,

entendi porque nem minha mãe ou qualquer outra pessoa fora ao


banheiro tentar ver se estava tudo bem. A cena de Noctis, no meio do

tapete da sala, com os olhos azuis analisadores e uma plaquinha branca


pendurada no pescoço com os dizeres: “vou ter um irmãozinho humano”,

era o suficiente para quebrar qualquer clima. Ali restavam apenas


interrogações nas cabeças de todos, assim como, olhares perplexos.

— Queria estar aqui quando Noctis aparecesse, mas... O irmão

humano dele quis que eu colocasse o estômago para fora.

— Puta que pariu! — o xingamento de minha irmã foi seguido de


um grito, e de repente, ela estava a minha frente, olhando-me

carinhosamente. — É sério? — indagou, e surpreendendo-me sobre tudo


que esperava, como piadinhas ou algum deboche, assim que assenti, Nina
sorriu e uma lágrima desceu por seu rosto.

Ela me puxou com cuidado para seus braços, ao mesmo tempo

que, ouvi alguns gritos e até mesmo choro. Ao meu lado, Cael era
abraçado pelos pais, que com toda certeza, eram os responsáveis pelo

choro que ouvia.

— Vou ser tia. — Nina falou e tocou minha barriga, analisando-a.

— Deus do céu! Não sei dizer o que estou sentindo.

— Amor? — indaguei, limpando uma lágrima que descia.


— É muito além disso. — Sorri, e a puxei para um abraço
novamente.

Senti outros braços ao nosso redor, e não me surpreendera o fato


de mamãe nos cobrir. Era o que ela fazia quando éramos mais novas.

Cobria-nos com seu amor e força.

— Minhas meninas. — falou, assim que nos separamos e tocou


nossos rostos, limpando as lágrimas. Ao contrário de nós, ela parecia tão

imensamente feliz que seu rosto se iluminara. — Nossa pequena grande


família vai crescer. — comentou e suspirou fundo, descendo as mãos

para minha barriga.

— Só queria que fosse especial, desculpem não ter contado de


imediato. — Confessei, e ambas sorriram.

— Sempre no seu jeito, e agora também, no jeito de vocês. —


falou, indicando Cael com a cabeça, que era praticamente esmagado pela

irmã. Anne Liv já sabia, mas mesmo assim, parecia reluzente.

— Foi tão inesperado que...

— Colocou Noctis para anunciar a todos. — Nina sorriu, mesmo


assim, seus olhos continuavam marejados. — Bela jogada, irmãzinha!

— Não é? — indaguei, sorrindo abertamente.


— Está feliz? — a pergunta baixa, pegou-me de surpresa, e olhei
ao redor por um instante, apenas para confirmar o que resplandecia em

meu ser.

— Sim. — Ambas me puxaram para seus braços novamente. —


Feliz e completa.
BÔNUS

NINA
 

Pedi licença e dei a desculpa do banheiro, mas de repente,

encontrei-me do lado da fora da casa dos Marini, em busca de ar. Um


turbilhão de sentimentos bons se passava em meu interior e não era a

pessoa que os deixava a flor da pele daquela maneira, a ponto de chorar

tão efetivamente a frente de todos. Entretanto, fora impossível segurar.


Por mais que nunca esperasse ser tia e ela o mesmo, um sentimento

diferente tomou conta de meu coração no exato momento que Noctis

apareceu.
Longe de qualquer circunstância com Pablo e todo tormento

acompanhado dele. O meu foco se tornou outro: ia ser tia.

— A mãe de Cael me pediu para te trazer isso. — A voz de Lúcio

me pegou de surpresa, e ele apareceu ao meu lado, entregando-me um

copo com uísque. — Quando vai me contar o que de fato aconteceu entre

você e o tal Pablo? Até os tios dele te adoram.

— É passado. — falei, basicamente tentando convencer a mim

mesma. — Mas prometo te contar quando chegarmos em casa, ok? —

indaguei, e ele assentiu, dando-me um beijo na testa. Lúcio sendo Lúcio.

— Vou te deixar respirar um pouco. — Assenti, agradecendo

internamente. Lúcio era meu melhor amigo há tempos e me conhecia

muito bem para saber quando precisava da solidão.

Levei o copo a boca e virei parte do líquido. Desceu queimando a

minha garganta, mas com toda certeza, era a forma que ajudava a me

acalmar. Até mesmo, me recompor e voltar para minha irmã. Queria estar

ao seu lado, e mais, saber como foi tudo desde o início. Mudei meu olhar

e de repente, o ar que parecia limpo se tornou denso.

Soltei-o com força e virei o resto da bebida, sem desviar o olhar.

Pablo Marini vinha a seus passos certos e destemidos em minha direção,


como se fosse o dono de toda aquela situação. Ou até mesmo, como se

pudesse contorná-la.

— Parabéns. — falou, com as mãos no bolso e assenti, tentando

não soar tão ácida quanto antes. Entretanto, nunca soubera disfarçar meus

incômodos.

— Pelo que? — indaguei, e passei um dedo sobre o copo. —

Devia estar parabenizando Chiara, não eu.

— Já o fiz. — respondeu, e deu mais dois passos à frente,

parando ao meu lado.

— O jardim é grande o suficiente para nós dois, posso garantir. —

falei, sem nunca entender como a mente daquele homem funcionava.

Um dia, pensei que o fizera, e de repente, tudo se quebrara.

Cansei de tentar me entender, de lhe entender, e principalmente, de nos

entender.

— Só quero fazer uma pergunta. — falou em um tom mais baixo

e o encarei.

A profundidade dos olhos castanhos quase negros me pegara, da

forma que sempre ocorria. Nunca conseguira resistir a ele, e muito

menos, ao que me fazia sentir.


— O que não quer dizer que terá uma resposta. — Continuei-o

encarando, e ele sorriu de lado, como se já aguardando aquilo.

— Por que se importa em tentar me atingir?

Desviei o olhar e segurei o copo com mais força e por um

segundo, pensei que poderia quebrá-lo daquela maneira. Ou até mesmo,

arremessá-lo na cabeça do homem ao meu lado.

— Acha que tento te atingir? — indaguei, e ele assentiu,

completamente sério. Apenas nós. Não existia provocação nem deboche.


Prezávamos pela verdade e sentia falta daquilo. — Bom, está realmente

certo.

— Por que? — insistiu e sabia que precisava sair dali. Todos os

sentimentos ao nosso redor e presos ao passado, eram mais do que

poderia suportar. Mais do que um dia realmente quis.

— Porque foi tudo que restou.

Dei-lhe as costas e caminhei em direção a casa principal.

Deixava para trás muito além de palavras, mas um homem, que um dia

me considerou como seu amor.


CAPÍTULO XXXI

CHIARA
 
Semanas depois...

— Pegou todo o necessário? — indaguei, e por um segundo, senti

que agia feito uma maluca.

Meu coração estava angustiado, ainda mais, por saber que seria

além de um final de semana. Na realidade, mais de duas semanas longe

de Cael. Era algo novo em nossa rotina e sabia que teríamos muito mais.
Assim como, eu partiria dias depois que ele chegasse em São Paulo

novamente. Era o nosso trabalho e a nossa vida.


— Infelizmente, não tudo. — falou e tocou meu rosto, assim

como, minha barriga que já estava grande. — Me acostumei tanto com a

gente que estou sofrendo antes mesmo de ir.

— Ora essa! Temos um homem apaixonado no recinto. —

brinquei, tentando aliviar a tensão, e enlacei seu pescoço. — Também

vou sentir saudades. Aliás, nós vamos. — comentei, e no mesmo

instante, Noctis passou por suas pernas. — Mas a nossa vida era assim
antes, e não temos como mudar.

— Vamos nos adaptar, eu sei. — falou e puxou-me para si,

unindo nossos lábios. — Apenas não me acostumei a não te ter por perto,
em todos os sentidos.

— Sem usar seu charme barato para tentar me seduzir e ser sua

assistente de novo. — Pisquei e toquei seus lábios com os dedos. —

Lucas tem feito um ótimo trabalho e sei disso pelo que me fala, aliás, já
tenho um emprego.

— Sei que não vai ceder a isso, mas não pode me culpar por

tentar.

— Posso sim. — Ralhei e toquei sua barba por fazer. — Aliás,

mantenha-se atento a todos os olhares.

— Como assim? — indagou e bufei, revirando os olhos.


— Eu sei muito bem o que rola após o último dia de reuniões. —

comentei e ele balançou a cabeça.

— Vou estar no primeiro voo de Salvador para São Paulo, tenha

essa certeza. — Beijou-me novamente, e ouvi o toque de seu celular. —

Gouvêa deve ter chegado.

— Vai lá, CEO! — sorri e por um segundo, quis memorizar cada

pequeno detalhe de seu rosto. — Que eu ainda tenho que trabalhar hoje.

— Eu te amo, carinho. — Beijou minha testa, e logo, se ajoelhou,

dando um leve beijo em minha barriga exposta. — O papai te ama, bebê.

— Precisamos de um apelido. — comentei, fazendo uma careta,

ao mesmo tempo que me derretia por suas palavras e toques. — Vou ver

se roubo de algum livro.

— Sei que fará o melhor. — Levantou-se e me deu um último

beijo. Sorri, e disse contra sua boca:

— Também te amo, baby.

Ele piscou, e o segui até a porta, ficando escorada contra a

mesma, enquanto ele afagou a cabeça de Noctis, que assim como eu,

assisti-o entrar no elevador. Aquela cena clichê em que o casal brigava e

um analisava o outro no último instante. Ao menos, não era o nosso. Era

apenas um até logo, e mesmo assim, meu coração estava pequenininho.


— Pois é, Noct! — comentei, assim que as portas do elevador se

fecharam. — Eu, você e seu irmão de novo. — falei, e fechei a porta,

sentando-me no chão. — O que isso te lembra? — ele veio até mim,


passando as patinhas em minha barriga. — Com certeza sua mãe pirada e

cantando muito sertanejo.

Sorri, passando a mão pela barriga e me lembrando que sequer

desconfiava, naquela época, que ali dentro já começou uma vida.

Naquela mesma noite em que Cael e eu colocamos um ponto final,

dentro de mim, um elo eterno se iniciou.

— Vamos para nossa playlist de bad agora. — falei, e me

levantei, andando até o sofá.

Ainda me restavam uma hora até ter que começar a me arrumar

para o trabalho. Selecionei o clipe de Take Your Time[8], e pela primeira

vez, tive a certeza, que mesmo com a distância entre nós, existia

sentimento. Que nós não éramos contados pelos passos ou quilômetros.

Éramos contados por cada segundo que dividíamos longe ou perto.

Juntos ou separados. Cael e eu éramos partes de histórias de vida

diferentes, cada qual, orgulhoso e quem sabe, frustrado em algum

momento. Nos encontrávamos em uma fase que o laço vermelho que

nunca imaginei me pertencer, nos puxou para perto de forma a não querer
soltar. Não era pelo bebê. Nunca o fora.
Sabia daquilo pelo dia a dia. Pelas horas perdidas e ganhadas

juntos. Pelas escolhas feitas antes mesmo de sabermos que seríamos pais.

Pelas ideias mirabolantes e o carinho descomunal que ele criou pelo meu

gato, como se fosse dele. Pelos jogos de carta na madrugada após

fazermos amor ou fodermos loucamente por horas. Pela falta de vontade

de sair para jantares chiques e o tanto que os aplicativos de comida

lucravam conosco. Pela sinceridade em cada momento. Pelo amor

compartilhado sem medo, mesmo contra todas as suposições que

poderiam existir.

Cael se tornava a cada dia, além de um amor, o único. A

insegurança que existia em mim, permanecia ali, entretanto, trabalhada a

cada instante, assim como a sua. Não existia espaço entre nós para sofrer

por algo imaginado ou pelo que nos fora causado. Ele não era como o

homem que abandonou minha mãe, e por mais que minha mente gritasse

cuidado para meu coração, minha alma tinha certeza.

Perdi-me tanto em pensamentos, que de repente, já estava em

outra música. Sorri, ao ver Alicia Keys[9] em frente a um piano. Ainda


mais, cantando a minha favorita sua. Levantei-me e peguei o controle

como meu microfone, acompanhando-a no mesmo instante.

 
“Algumas pessoas vivem para a fortuna

Algumas pessoas vivem apenas para a fama

Algumas pessoas vivem para o poder, yeah

Algumas pessoas vivem apenas para jogar o jogo

Algumas pessoas pensam que as coisas materiais

Definem o que elas são por dentro

Eu já me senti assim antes

Mas a vida era sem graça

Tão cheia de coisas superficiais.”[10]

— Agora, Noct! — gritei e seus olhos azuis me acompanhavam

atentos e soltei a voz.

“Algumas pessoas querem tudo

Mas eu não quero absolutamente nada

Se não for você, querido

Se eu não tiver você, querido

Algumas pessoas querem anéis de diamante

Algumas apenas querem tudo


Mas tudo não significa nada

Se eu não tiver você, yeah” [11]

Gargalhei alto e dei um giro, apontando para Noct, ao mesmo

tempo que a imagem de Cael deitado naquele sofá, e conosco perdidos

um no outro ali mesmo, tomavam conta de minha mente. Pela primeira

vez em minha vida, conseguia entender de fato porque apaixonados


pareciam tão exagerados pela saudade. Pela primeira vez, sentia o quanto

não me aterrorizava o fato de que Cael entrou em minha vida apenas para
somar. Para ser parte de minha paz.
CAPÍTULO XXXII

CHIARA
 

— Eu disse que podia vir sozinha. — Ralhei, assim que


estacionei o carro à frente da clínica. Nina bufou ao meu lado, claramente

não concordando. Era uma briga sem fim.

— E eu já disse que sou sua irmã, cacete! — rebateu e foi

impossível não sorrir. Nina não conseguia disfarçar seu desconforto por

algo. Ainda mais, a minha negação de tê-la comigo ali. — E mais, nossa

mãe só não veio junto porque surgiu um imprevisto de última hora.

— É apenas um ultrassom de rotina. — falei, tentando convencer

a mim mesma.
No fundo, ainda sentia um medo incalculável toda vez que vinha

ao médico. Acabava de completar quatro meses e mesmo assim, o medo

de que algo pudesse estar errado, me assombrava. Alguns dos vários

livros que li, destacavam que mães de primeira viagem tem o medo como

aliado constante. Quem dera eu, encarar aquilo como aliado.

— Pela sua cara de fantasma, sei bem o que está pensando. —

falou e notei seu tom mais sério. — Cael também está preocupado e até
me ligou para falar sobre. Tem que ficar calma. O bebê está bem, já

fizeram infinitos exames. E mais... Vamos descer logo desse carro que eu

estou assando! E, quero nem saber da baboseira de descobrir o sexo

apenas no nascimento.

Gargalhei alto e neguei com a cabeça.

— Cael acha que sim, mas pelo que li e conversei com a médica
por telefone, talvez hoje, possamos descobrir. — comentei e Nina

arregalou os olhos. — Quero que seja uma surpresa para ele.

— Essa é a minha irmã! Ou melhor, uma parte dela. — Nina era

realmente impossível. — Mas te ver mais sensível, só comprova que

sempre foi a romântica entre nós.

— E duvidava disso? — debochei e ela deu de ombros.


— Está na lista infinita de defeitos que Pablo apontou sobre mim.

— comentou e soltou o ar com força. Abri a boca para questionar e ela

levantou a mão no segundo seguinte. — Não, não vamos falar sobre isso!

Só torço para que chova e todo o casamento seja destruído.

— Eles ainda nem tem uma data! — falei, e Nina desviou o olhar,

como se soubesse muito mais. — Tem?

— Tem sido uma merda, isso sim. —Confessou e notei o quanto

era difícil para ela falar sobre. Todos os dias, tentava adentrar aquele

assunto e ela fugia. Queria ser para ela, nem que fosse um por cento, do

que sempre fora para mim. Um porto seguro. — É como se procurasse


saber mais, e pior, fiquei amiga da sua cunhada, o que não facilita muito.

— Anne Liv não é de esconder o que sabe.

— Na verdade, ela faz questão de me contar, como se para que eu

faça algo. — Suspirou profundamente e seu olhar mudou. — Mas foda-


se isso! — bateu as mãos no rosto e me encarou. — Vamos descobrir o

sexo dessa criança, para que eu possa começar a fazer o bolão com

nomes.

— Nina! — reclamei e ela gargalhou alto.


Saímos do carro e seguimos em direção a clínica. Nina passou um

braço sobre meu pescoço e sorri, sentindo-me cuidada. Era algo que

vinha acontecendo de todos os lados. Mais do que o normal. De alguma


forma, as pessoas pareciam querer estar perto de grávidas, ou no caso de

minha família, queriam me proteger até de mim mesma. Era fato que

tudo mudava quando se descobria uma gravidez, mas nunca imaginei que

seria tão real.

Já completava uma semana que Cael estava fora e a saudade

apertava em meu peito. Mais cedo, conversamos brevemente pelo celular

e ele me fez prometer que narraria toda a consulta após sair da mesma.

Poderia até ser um áudio imenso para que ele pudesse ouvir assim que

saísse das reuniões. Sorri, sabendo o quanto ele gostaria de estar ali. Se

soubesse o que pediria a médica então, era capaz de se teletransportar no

mesmo instante.

Sempre gostei de fazer surpresas, e era algo que se passou em

minha mente, desde o momento em que combinamos de não saber o sexo

até o nascimento. Fiquei divagando muito sobre aquilo, ainda mais, pelo

fato de que seria um grande marco para ambos.

— Obrigada por estar aqui. — falei por fim, e Nina me encarou,

sentando-se ao meu lado na recepção. — Acho que estaria a ponto de

explodir de ansiedade sozinha.


— Sempre amou fazer surpresas, mas nunca conseguiu ir em

frente. Não de forma que a outra pessoa não desconfiasse. Sei disso pelos

meus aniversários surpresa nada surpreendentes. — Sorri, pois sabia que

era um fato. — Se conseguir ver o sexo, acha que vai se conter e não

contar até ele chegar? — indagou e assenti rapidamente.

— É o que espero. — Encostei a cabeça contra o estofado macio.

— Se der certo, preciso pensar em como vou fazer essa surpresa. —

comentei e fiz uma careta. No fundo, era péssima com aquilo.

— Ainda bem que tem uma irmã mais velha perfeita que pode te

ajudar. — Piscou e levou uma de suas mãos para minha barriga. — Aqui

é a tia favorita, vamos guardar esse segredo, bebê.

Balancei a cabeça sorrindo.

— Anne Liv te esgana se ouvir isso. — Nina deu de ombros,

claramente, não se importando.

— Vou ser a tia favorita, disso, não temos dúvidas. — Piscou e

sorri abertamente.
Minha irmã era um exemplo de pessoa com autoconfiança.

Aprendi com ela a ser daquela forma, mas nunca, chegou ao patamar que

ela conseguiu. Era como se Nina jogasse todas suas inseguranças para

debaixo do tapete, e nunca as retirasse de lá. Sabia que era tão humana

quanto eu, quanto qualquer um, entretanto, admirava a força que ela

mostrava. Ainda mais, por ser real.

— Tô achando isso muito foda! — falou baixo, assim que a

médica saiu para pegar algo e revirei os olhos, deitada na maca.

— Ela ainda nem mostrou o bebê.

— Mesmo assim, está falando com um fã de Grey’s anatomy. E

temos que concordar que ela é a cara da Cristina! — comentou e bufei.

— O que foi?

— Esqueceu que foi ela quem deu em cima de Cael? — indaguei

e Nina mudou o semblante no mesmo instante.


— Apaga isso! — levantou as mãos em sinal de rendição. —

Acabo de lembrar porque tinha ranço da sua médica antes mesmo de a

conhecer.

— Pronto!

A voz feminina tomou conta do ambiente e não sabia onde enfiar

minha cara. Nina fez a plena, como se não acabasse de declarar seu não

amor pela outra mulher, e tentei fingir que estava focada na tela ainda em

preto do meu lado direito.

— Então, acabamos de completar os quatro meses de gestação. —


falou e agradeci internamente por ela entender que não funcionaria com

semanas.

— Pensei que ainda faltasse um pouco para isso. — Nina

comentou e a olhei com o semblante indignado. Ela não prestava atenção


nos detalhes que lhe passava, não mesmo.

— Não, já passamos das quatorze semanas de gestação, portanto,


estamos nos quatro meses, e segundo trimestre. — explicou e assenti,

mesmo sabendo que quando se tratava da gravidez, com certeza, não era
mais de exatas. — Então, vão querer mesmo saber mais sobre o bebê? —

indagou e abri a boca para responder, mas não soube o que dizer.
O que Cael e eu conversamos e combinamos com ela antes, era
sempre saber apenas se o bebê estava bem. Nunca falamos abertamente

do que poderíamos não saber.

— O mais quer dizer o sexo, não é? — indaguei e ela assentiu.

— Como não tem caso de gêmeos na família, não levantei essa


questão. — comentou e arregalei os olhos. — Porém, cabe a vocês

decidirem se querem ou não saber sobre. Sempre me pediram sigilo sobre


tudo.

— Nunca soube que tudo incluía isso. — Soltei e o sonho que


tivera há várias semanas, me arrebatou com força.

— Chia... — Nina tentou falar, mas não lhe dei ouvidos.

— Quero saber tudo! — falei, já sentindo a ansiedade me


consumindo.

— Pois bem. — A médica piscou e começou a fazer seu trabalho.


A mágica aconteceu. — Ali está o bebê que sempre vemos. — comentou

e encarei a tela, com os olhos marejados. — Mas algo que nunca indiquei
e percebi na última ultrassom foi que ele cobria o outro, não dando a

visibilidade que precisávamos para notar.

— O que? — Nina praticamente gritou, enquanto fiquei

paralisada, encarando a tela.


— São meninas? — indaguei, deixando as lágrimas descerem. A
médica me encarou e sorriu, assentindo.

— Instinto materno nunca falha. — comentou e mudei meu olhar


para Nina, que me encarou perplexa, e trazia consigo, lágrimas no rosto.

— Nosso progenitor era gêmeo. — falou baixo, e tudo fez ainda

mais sentido em minha mente. Sequer sabia sobre aquilo.

— Isso faz todo sentido. Querem ouvir os corações? — indagou e

assenti, já sem conseguir me conter.

Tum tum tum... Dois sons praticamente iguais ecoavam pela sala.

Ora uma, ora outra. Meu coração quase saía pela boca. E em minha
mente apenas repassava que não existia surpresa maior que aquela. A

melhor surpresa em todo inesperado de ser mãe. Eram duas partes de


mim expostas, tendo voz. As melhores, com toda certeza.
CAPÍTULO XXXIII

CAEL
 

Casa.

Sorri ao finalmente adentrar o elevador do prédio de Chiara. Por


mais que ainda não a tivesse convencido a morar comigo, ou me mudado

para sua casa. Sabia que onde ela estivesse, poderia chamar de lar. Era

estranho, porque nunca imaginei que em tão pouco tempo tudo estaria
assim. Porém, se transformara.
Todos os dias era o que tentava transparecer, e sentia que ela fazia

o mesmo. Não era pelo filho que esperávamos, existia o nós em toda

equação. Estar com Chiara, quase todas as noites e manhãs, mostrava-me

o quanto sempre quis algo e nunca percebi. E o quanto, era valioso o que

tinha em mãos. Um amor verdadeiro não era algo que se encontrava


esporadicamente. Nunca pensei que encontraria.

Porém, lá estava ele, justamente nela. A mulher que sempre me


pareceu proibida. Suspirei, quando finalmente, o elevador parou. Duas

semanas longe apenas reafirmaram o que já tinha plena certeza: não era

pelo sexo. Não teria como ser. Era sua presença. Seu abraço e seu laço

sem querer me soltar. O que tínhamos era cultivado e realmente, gostava


de lhe dizer aquilo. Porque mesmo sem procurar amor, encontrei-o no

momento em que meus olhos bateram nos seus há seis anos. Talvez o

amor realmente estivesse relacionado ao momento certo. E ali estávamos.

Sorri ao encontrar Nina saindo do apartamento de Chiara, e parei

para cumprimentá-la.

— E aí, Tony? — indagou, dando-me um leve beijo no rosto.

Apenas sorri, pois sabia que aquele era seu jeito de me chamar, nada

mudaria. — Como foi de viagem?


— Olá, Nina. Bom, muito trabalho... e saudade. — Ela revirou os

olhos e acabei sorrindo. Nina era completamente avessa a tais

demonstrações. — Veio fazer companhia a Chiara? — perguntei, já que

Chia sequer mencionou o fato de a irmã estar em São Paulo.

— Na verdade, estou mais para fada madrinha hoje. Ou titia

madrinha. — Olhei-a sem entender. — É bem simples, vai me dar sua

mala, e vou te vendar. Aí, vou abrir a porta e depois, Chiara vai te guiar

pelo apartamento.

— Uma surpresa? — perguntei, já desacreditado. Raramente

alguém o fazia para mim.

— Exatamente, Sherlock! — provocou e levantou a venda preta

em suas mãos. — Então, posso?

Assenti, e lhe entreguei a mala. Não entendia ao certo o que

acontecia, mas se poderia esperar algo de Chiara, sabia que era bom.
Qualquer coisa, por simplesmente tê-la por perto, seria-me o suficiente.

Nina me vendou e de repente, apenas continuei parado.

— Um segundo. — pediu, e ouvi a porta sendo aberta.

Um cheiro característico me atingiu segundos depois e sabia que

Chiara estava por perto. Ou melhor, a poucos passos.

— Ei, baby.
Sua voz baixa chegou a meus ouvidos e ela tocou meu rosto com

carinho, dando-me um leve beijo. Não pude resistir, e o aprofundei. A

saudade que sentia, apenas contribuía para que minhas mãos a puxassem
para mais perto. Assim como, toquei sua barriga, sentindo-me próximo

de nosso filho mais uma vez.

— Vem! — pediu, quebrando o beijo e a segui, sendo levado com

cuidado pelo apartamento. — Não é como se você não conseguisse se

virar aqui, já que sabe o trajeto de cor, mas... Vai entender depois. —

Suspirou fundo e me guiou até o que senti ser o balcão da cozinha.

De repente, me indicou a banqueta colocando minha mão sobre a

mesma para reconhecê-la e pediu para que me sentasse.

— Bom, temos duas coisas a sua frente e... Ok, não sou boa nisso,

mas saiba que está sendo gravado. Então... Sinta-se pressionado a

descobrir o que significa! — comentou e gargalhei, sabendo que sutileza

não era o seu forte.

— Senti saudades, carinho. — falei, ainda com sua mão na

minha.

Ela me deu um leve tapa no braço e beijou minha bochecha em

seguida.
— Palavras fofas não vão te ajudar aqui. — Transformou-se em

uma ditadora e apenas sorri. — Aqui, é uma colher.

Peguei o utensílio e engoli em seco. Poderia esperar de tudo,

menos o que acontecia naquele exato momento. O que Chiara estava

aprontando?

— Vou pegar algo com a colher e daí, você tem que experimentar

e me dizer o que é. — explicou e assenti.

— Nada de pimenta, certo? — indaguei e ouvi seu riso baixinho.

— Apenas coma. — pediu, como se ansiosa para que o fizesse.

Então, ela colocou a colher novamente em minha mão, e senti-a

mais pesada. Mesmo desconfiado, levei-a a boca, e o suave sabor de

banana me atingiu. Parecia exatamente o que comia quando pequeno.

— Parece a papinha que minha mãe fazia. — falei, e tentei

raciocinar sobre. — Carinho, já sei que estamos grávidos.

Ela gargalhou alto, e retirou a colher de minha mão.

— Bom, já que sabe tudo... Talvez queira experimentar a


próxima. — falou e logo senti outra colher em mãos.

— O que eu ganho se acertar a segunda? — indaguei, e parei com


a colher a poucos centímetros da boca.

— Acredite, você vai gostar de saber.


— Ok, confio em você.

Ouvi seu suspiro e levei a colher a boca, e o mesmo gosto me

atingiu. Por alguns segundos apenas fiquei indagando o que poderia

significar. Mas nada me veio em mente.

— É papinha de banana. — comentei. — A mesma que minha

mãe sempre deu a Anne Liv e eu...

Parei de falar, e no segundo seguinte, a venda foi retirada de meus

olhos. Minha mente girou, quando comecei a juntar os pontos, e

principalmente, quando meus olhos recaíram para barriga exposta de

Chiara, que levava o escrito: aqui batem dois corações. Em seu colo, ela

pegou Noctis, que como sempre, fazia parte do momento. Com a

plaquinha da vez, apenas senti meu coração falhar uma batida.

Duas irmãs humanas, como vou fazer?

Saí da banqueta e parei a sua frente, caindo de joelhos em

seguida. As lágrimas me cegavam, assim como, a ela. Em meio aos

sorrisos que eram gigantes entre nós. Nunca me imaginei naquele exato

momento, mas sabia, que não existia outra pessoa no mundo, com a qual,

queria e poderia compartilhá-lo.


Era ela, sempre fora.

E para sempre seria... amada por mim.

“Um fio invisível conecta os que estão destinados a conhecer-se…

Independentemente do tempo, lugar ou circunstância…

O fio pode esticar ou emaranhar-se,

mas nunca irá partir.”[12]


EPÍLOGO

CHIARA
 
Meses depois...

O amor era mais complicado do que pensei, e até mesmo, muito

mais intenso.

Por vários momentos, vi-me perguntando em como seria o futuro

e estava feliz como me encontrava. Uma família incrível, uma carreira

estável e um gato para chamar de meu. Tudo parecia em seu lugar, até
meu coração acelerar pelo que não deveria. Meus sentimentos gritaram,
ao mesmo tempo que os dele se descobriam. Pela primeira vez,

encontrei-me em um empasse com Cael Marini.

Suspirei, encarando os dois pequenos pacotinhos adormecidos no

berçário – Érica e Elisa. Combinar nomes de gêmeos já era considerado

cafona? Toquei o vidro que nos separava e suspirei, imaginando o

momento que as levaria dali. Sabia que não demoraria muito, entretanto,

era ansiosa demais para me conter. Faziam algumas horas que vieram ao
mundo, e mesmo em uma cadeira de rodas, devido à exaustão, ali estava.

— Elas são perfeitas. — Sussurrei e senti um leve um carinho em

minha bochecha.

Suspirei fundo, indagando-me de como tudo seria caso não

tivesse esbarrado com Cael naquela exata manhã na AIA, e toda a cena

do restaurante se sucedido. Teríamos voltado a nos falar de um jeito ou

de outro, era um fato. Talvez ele me procurasse, talvez desistisse. Porém,


algo nos uniria, mesmo que não como casal. Nossas filhas seriam

descobertas em algum momento, e seria um elo a ser contado. O que se

sucederia depois daquilo, caso não tivéssemos nos unido antes, não tinha

ideia. Porém, toda minha mente apenas conseguia focar que era naquele

exato momento que queria estar.

Sentia-me livre para amar, na intensidade que nunca imaginei ser

possível. Sua mão estava em meu ombro, como se para me apoiar. Sabia
o quanto os meses passaram em um estalar de dedos, e a forma como

tentávamos a todo custo conciliar nossas vidas. Sua carreira o levava para

viagens fora, assim como a minha. De repente, as mensagens em horários

variados eram tudo o que tínhamos em um dia. Entretanto, por mais

pouco que parecesse, ainda éramos nós.

A nossa vida não era resumida a um conto de fadas que se acaba

após o casamento e felizes para sempre. Tínhamos nosso eu próprio, e

gostávamos daquilo, como Cael mesmo diria. Gostávamos de nos

encontrar no meio do caminho. De nos pertencer, e principalmente, de


nos querer. Por muitos momentos, ainda mais, quando sentia tudo à flor

da pele, indagava-me se ele realmente me amava. Se eu realmente o

amava. Qualquer dúvida se dissipava quando seus olhos azuis me

encontravam. Gostava do depois do beijo apaixonado. E principalmente,

do que construíamos a cada dia.

De apartamento em apartamento, a gêmeas fazendo a festa na

barriga, aulas de parto, livros infinitos sobre gravidez, e declarações nos

momentos mais simples. Lembrava-me claramente, no momento em que

Cael voltou a falar sobre casamento, e como aquilo, tocou meu coração.

Minha barriga sobressaía na água, e passava espuma sobre a

mesma.
— Parece que elas crescem o dobro a cada dia. — comentei, e

Cael sorriu, sentado do lado de fora, ainda com a roupa do trabalho. Ele

acabava de chegar, enquanto eu já me apossava de sua banheira


maravilhosa. — Aliás, como foi seu dia? — indaguei, e naqueles

momentos, percebia o quanto parecíamos em um passo além do

declarado.

Rótulos, ao fim, poderiam significar nada. Éramos além de

namorados. Além de pais das gêmeas inesperadas.

— Cansativo. — Deu-me um leve beijo, e passou a mão por meus

cabelos que deixou presos em um coque. — E o seu?

— Tirando o fato da dor nas costas e que não sei mais em que

posição ficar confortável na cadeira maravilhosa que ganhei na

empresa, tudo ótimo. — comentei e ele sorriu amplamente.

Existia algo entre pessoas e a forma como adotavam grávidas

para si. Todos do setor jurídico da AIA, pareciam me querer em seu

potinho, e no fim, as gêmeas já eram mimadas antes de nascerem. Perdi

a conta de quantos presentes ganharam. Felizmente, uma cadeira

maravilhosa e mais confortável veio a tiracolo. O que era um mimo para

a mamãe que já parecia a ponto de estourar. No caso, eu mesma.

— Eles te mimam. — falou e assenti.


— Nem consigo imaginar como seria se estivesse na Marini. —

Provoquei e Cael revirou os olhos.

— Não estaria no trabalho, com certeza.

— E faria o que? — indaguei incrédula. — Ficar em casa

assistindo ou lendo “o que esperar quando se está esperando”, pela


centésima vez?

Cael gargalhou e o encarei com carinho. Não sabia ao certo

como abordar tal assunto, mas os poucos minutos que fiquei sozinha no

apartamento antes que chegasse, me fizeram explorar um pouco mais de

seu escritório, devido a simples curiosidade. Sabia que ele tinha coleções

de jogos incríveis, até mesmo, um, no qual encontrei o nome de Noctis. E

foi justamente em sua coleção especial de games, que encontrei algo que

não deveria.

— Conheço esse olhar e essa quietude. — Começou a falar e

respirou fundo, abrindo alguns botões da camisa. — Sei que mexeu na

minha coleção de Final Fantasy.

Abri a boca para me explicar, mas me calei no segundo seguinte.

— Tão óbvio assim? — indaguei e ele assentiu, sorrindo.

— Nunca deixo daquela forma, sou minucioso. Ainda mais, pelo

que escondi. — Mordi o lábio inferior, e ele tocou levemente meu queixo,
forçando-me a olhá-lo. — Foi em um momento na viagem, meses atrás.

— Jura? — indaguei e ele assentiu.

— Vi a aliança em uma vitrine e só consegui pensar em você. —

Confessou. — Escondi porque não ia te pressionar sobre. Já entendia o

que queríamos fazer, ao mesmo tempo, que queria mais.

— Se casar, tem certeza? — perguntei, mesmo que já soubesse a

resposta.

— Lembra aquele dia na banheira? — indaguei, enquanto

voltávamos para meu quarto, e ele empurrava a cadeira de rodas. —

Quando me disse que já éramos casados.

— Claro que sim. — falou, e logo entramos no quarto.

Cael se sentou na poltrona e parou a cadeira, deixando-nos frente

a frente.

— Foi naquela noite que te disse talvez pela primeira vez. —

Confessei e ele pareceu incrédulo. Os olhos azuis se tornaram

analisadores. — Você dorme feito pedra, e enquanto refletia sobre o que

disse, entendi que também queria aquilo, porque já o vivia.

— Chia...

— Sei que temos um bom tempo para isso. Um bom tempo para

pirarmos com duas bebês recém-nascidas e nos adequar à nova vida. Mas
tem um quarto delas no meu apartamento, assim como no seu. Só

consigo pensar que Nina precisa de um lugar em São Paulo e... Bom, não

conheço ninguém melhor para cuidar do meu canto.

— O que quer dizer com isso, carinho?

Ele pareceu nervoso e tocou minhas mãos com as suas, e notei

que tremiam.

— Acho que estou te pedindo em casamento. — Sorri

abertamente e ele fez o mesmo, como se incrédulo. — Mesmo já sabendo


que vivemos dessa forma e temos muito. Não quero um casamento pelo

papel, religião, aliança ou sobrenome. Quero a gente, desse jeito, com


uma celebração marcando o momento que escolhemos. Mesmo que já

tenhamos nos escolhido antes.

— Com Noctis levando as alianças? — indagou e levou uma mão


até meu rosto, limpando uma lágrima que sequer notei descer. Sorri

baixinho, imaginando a cena.

— Temos que treinar ele para esse momento. Ou até mesmo, uma

das meninas pode levá-lo no colo. Sem pressa, já temos o bastante. —


comentei e Cael suspirou profundamente. — Vejo como você me vê.

Ele uniu nossas testas e sorriu. Notei seus olhos marejados e

entendi que era aquilo que queria. Era como ele nos definiu algumas
semanas atrás, naquele banheiro.

— Celebrar, carinho. — Sua voz soou mais amena, enquanto

massageava meu coro cabeludo. — Um dia, quero que me veja como te


vejo. Quero celebrar nosso amor em um momento, um dia específico...

Pode parecer sem porquê, mas para mim, tem significado. Marcar o
momento, como fazemos nos mais simples. Não me importa se vai estar

vestida de preto, branco ou cinza. Só nós, frente a frente, todos que


amamos ao redor... Gosto disso, Chia. Já sinto que somos casados pela

vida que levamos, e o que quero, é celebrar. Celebrar nosso amor.


Finalmente entendi o que casamento significa... ao menos, para mim. E é

por isso que quero me casar com você.

— Apenas diga talvez, carinho. — pediu e sorri, sabendo do que


se tratava.

— Talvez.

Uniu nossos lábios e sabia que era nosso momento. Algo apenas
único. Aquele era o romance que no resumia. Uma história que teria

orgulho de contar para as pequenas que dormiam há poucos metros dali.


A minha história de amor.

 
NOTA
 

E chegamos ao fim da história de Cael e Chia. Fico muito feliz


em te ter aqui, conhecendo ou revisitando os Marini. Espero muito que

esteja animada para outros livros dessa família. Não se esqueça de deixar
sua avaliação, dizendo o que achou de Chia, Cael, Noctis e mais dois

pacotinhos.

Caso queiram saber mais sobre os projetos futuros, me siga nas

redes sociais listadas abaixo, principalmente no Instagram


(@alineapadua). Estou doida para poder compartilhar tudinho com você.

Obrigada pela leitura,

Aline
 
Contatos da autora
 
Instagram: @alineapadua

Tiktok: @autoralinepadua

Twitter: @alineapadua

Meus outros livros: aqui


 
 

 
 
 

[1] august – Taylor Swift

[2] Largado as traças – Zé Neto e Cristiano

[3] Texto retirado do link: https://www.instagram.com/p/BynW1yMpaW9/

[4] Sam Lowry Hunt é um cantor americano country, compositor e ex-jogador de Futebol

americano universitário. Fonte: Wikipédia.

[5] Take Your Time – Sam Hunt

[6] A Whole New World" (“Um Mundo Ideal") é uma música do filme de 1992 Aladdin

da Disney, composta por Alan Menken e escrita por Tim Rice. Fonte: Wikipédia.

[7] A Whole New World (2019) – Aladdin

[8]  Take Your Time " é uma canção co-escrita e gravada pelo cantor americano Sam

Hunt. Fonte: Wikipédia.

[9] Alicia Augello Cook, (Manhattan, 25 de janeiro de 1981) mais conhecida como Alicia

Keys, é uma cantora, pianista, compositora e atriz norte-americana. Fonte: Wikipédia.

[10] If I Ain't Got You – Alicia Keys.

[11] If I Ain't Got You – Alicia Keys.

[12] Akai Ito – Provérbio Japonês.

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