Sociologia Da Cultura
Sociologia Da Cultura
Sociologia Da Cultura
Elaboração
Produção
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................. 7
UNIDADE I
SOCIOLOGIA DA CULTURA................................................................................................................................................................................................ 9
CAPÍTULO 1
O QUE É SOCIOLOGIA?........................................................................................................................................................................................ 9
CAPÍTULO 2
O QUE É CULTURA?.............................................................................................................................................................................................. 16
CAPÍTULO 3
ENTENDENDO OS CONCEITOS..................................................................................................................................................................... 20
UNIDADE II
CULTURA E SOCIEDADE................................................................................................................................................................................................... 28
CAPÍTULO 1
IDENTIDADE, IDEOLOGIA E CULTURA......................................................................................................................................................... 28
CAPÍTULO 2
COLONIALISMO, DECOLONIALISMO E MULTICULTURALISMO....................................................................................................... 40
CAPÍTULO 3
RACISMO À MODA BRASILEIRA.................................................................................................................................................................... 44
UNIDADE III
CULTURA EM TRANSIÇÃO............................................................................................................................................................................................... 57
CAPÍTULO 1
MOVIMENTOS SOCIAIS E A TRANSFORMAÇÃO DA CULTURA....................................................................................................... 57
CAPÍTULO 2
CULTURA DA CONVERGÊNCIA...................................................................................................................................................................... 62
CAPÍTULO 3
INSTITUIÇÕES E ATORES CULTURAIS........................................................................................................................................................ 67
UNIDADE IV
ACESSO AOS BENS CULTURAIS................................................................................................................................................................................... 75
CAPÍTULO 1
PRODUÇÃO CULTURAL...................................................................................................................................................................................... 75
CAPÍTULO 2
O PAPEL DO ESTADO NO INCENTIVO À CULTURA................................................................................................................................ 80
CAPÍTULO 3
ESTUDO DE CASO: ARTIGO “RIBEIRÃO DAS TREVAS?”...................................................................................................................... 84
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................................................... 110
APRESENTAÇÃO
Caro aluno
Conselho Editorial
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ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.
5
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
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INTRODUÇÃO
Com isso, quero dizer que estudar sobre sociologia da cultura é um caminho
de descobertas e reflexões críticas a respeito de temas que, muitas vezes, temos
ideias fixas e tidas como certas. Mas, ao falar em cultura e sociedade, não
podemos olhar buscando identificar “certo” ou “errado”, e, sim, é necessário
observar com amorosidade, sensibilidade e escuta, a fim de perceber o universo
que habitamos e os universos que coabitam em nós e nos outros.
Essa já é uma ação com raízes culturais na colonização dos povos. Quando os
colonizadores precisavam dominar e domesticar os grupos que pretendiam
explorar ou escravizar, eles utilizaram como estratégia a destituição de suas
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memórias, hábitos, valores, crenças etc. Portanto, a única coisa que é incorreta
no âmbito da cultura é julgar e determinar que este ou aquele indivíduo é um
“sem cultura”.
Além disso, o contexto histórico em que vivemos atualmente criou uma série
de desafios para todos, especialmente no âmbito profissional e do consumo de
cultura no nosso país. Pandemia, tecnologia, racismo, homofobia, feminismo
são algumas das questões que têm ganhado destaque nas discussões em redes
sociais. Movimentos sociais e grupos minoritários têm pressionado o governo
e os veículos de comunicação de massa sobre as políticas públicas e conteúdo
compartilhado, questionando seus impactos na cultura do país e seus reflexos
na economia, na educação, na saúde, entre outros.
Por isso, é importante estarmos atentos e críticos a todas essas discussões para
que nosso fazer profissional no setor cultural seja relevante e acompanhe as
mudanças na sociedade.
Objetivos
» Compreender aspectos relevantes e conceitos sobre cultura e
sociedade.
CAPÍTULO 1
O que é sociologia?
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Unidade i | Sociologia Da Cultura
Pensar sobre essas questões pode levantar emoções conflitantes em nós, que
despertam paixões sobre essa ou aquela crença e disputas que acabam em
fim de amizade ou até meios mais extremos de violência. No entanto, como
pesquisadores e trabalhadores da cultura, não podemos ceder a esses julgamentos
de forma rasa. É preciso parar, observar a realidade, buscar o que já se tem
de conhecimento e estudos científicos sobre o tema e, então, analisar os fatos
para se chegar a um entendimento que oriente nossa ação profissional.
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Sociologia Da Cultura | Unidade i
Fonte: https://www.flickr.com/photos/biblarte/14542931085.
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Unidade i | Sociologia Da Cultura
Martins (2006) destaca que essas mudanças ficaram mais visíveis nas cidades
urbanizadas, onde se concentravam as indústrias. As cidades foram crescendo
sem nenhum tipo de planejamento urbano, não havia infraestrutura adequada
como lugares de moradia, serviços públicos de saúde e educação, por exemplo,
que se conta do aumento da demanda dessa população que se mudou para os
grandes centros em busca de trabalho.
Martins (2006, p. 14) chama a atenção para a evolução dessa revolta, que não
foi sempre igual. “As manifestações de revolta dos trabalhadores atravessaram
diversas fases, como a destruição das máquinas, atos de sabotagem e explosão
de oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações livres,
formação de sindicatos etc.”. Mais tarde, conscientes de seus próprios interesses,
os trabalhadores se organizaram ocupando outras formas de expressão,
explorando a literatura, criando jornais e começando a pensar no socialismo
como sistema alternativo para a sociedade (MARTINS, 2006).
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Sociologia Da Cultura | Unidade i
Por isso, a Revolução Francesa também foi importante para esse novo campo de
estudo. Foi com essas novas ideias que passaram a circular com os iluministas,
que recusavam acreditar no sobrenatural e buscavam respostas racionais para
explicar os fenômenos sociais que a sociologia também se tornou possível. Com
a observação e experimentação, métodos de pesquisa científica, analisar os
fatos sociais criou um novo ambiente intelectual que libertou o conhecimento
dos dogmas, das revelações divinas para a análise racional da realidade. Esses
novos estudos sobre os problemas sociais trouxeram impactos diretos para a
economia, para a natureza e para a cultura dos povos.
Martins (2006) indica que a revolução francesa foi tão transformadora que
os próprios iluministas ficaram com medo das consequências de suas ações e,
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por isso, percebe-se uma mudança nos estudos relacionados ao aspecto social.
Por exemplo, no início da revolução, os pensadores iluministas investiam em
pesquisas sobre a família, moral, religião, comércio e outras para criticá-las,
em defesa da liberdade do homem de decidir por si só sobre sua própria vida.
Essa situação refletia a luta da burguesia contra as instituições feudais, uma
camada de pessoas privilegiadas que não pagava impostos e ainda recebia
tributos feudais, explorando os camponeses.
Enfim, Martins (2006, p. 33) destaca que a sociologia não se consolida como
um campo de estudos para pesquisadores que querem apenas refletir sobre
a sociedade moderna. Seja para manter ou para modificar as estruturas da
sociedade, a sociologia se baseia em intenções claras e práticas: interferir nos
rumos da civilização.
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Fonte: http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/16846-virg%C3%ADnia-bicudo-pioneira-na-
psican%C3%A1lise-e-no-estudo-de-atitudes-raciais.
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CAPÍTULO 2
O que é cultura?
Com certeza, você já deve ter encontrado várias definições distintas para o
que é cultura. Nesta disciplina, vamos considerar como cultura o complexo
sistema simbólico que rege uma sociedade. Toda sociedade possui símbolos
e recursos tanto materiais como imateriais. Esses símbolos são codificados
por meio da linguagem e interpretados pelos sujeitos por meio das trocas de
informação simbólica, a comunicação. Os sujeitos produzem discursos que
atribuem sentidos e significados a esses símbolos, delimitando a conduta, as
ações e identidades possíveis aos integrantes daquela sociedade.
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Sociologia Da Cultura | Unidade i
Fonte: http://historiadobrasilja.com/cultura-brasileira-frevo/.
Fonte: https://ccsearch-dev.creativecommons.org/photos/4143ccac-0cad-4f9b-9d48-03a6636da663.
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algo ou alguém. Essa é uma ação política que envolve disputa de poder, pois
os sujeitos vivendo em grupo negociam e disputam o direito, ou poder, de
nomear e atribuir significados e ditar as normas que regem aquela sociedade.
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Sociologia Da Cultura | Unidade i
Por essa razão, as perguntas que fizemos no início dessa discussão não têm
uma resposta certa. São mesmo provocações. Os significados que você atribui
aos símbolos, a sua forma de ver e sentir no mundo não é a única possível,
mas é aquela que fez sentido no seu processo de identificação cultural. Todos
nós temos cultura, porque ela é resultado desse complexo sistema simbólico
que vamos apreendendo ao longo da vida, e a cultura só faz sentido dentro
daquele sistema próprio de determinado grupo.
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CAPÍTULO 3
Entendendo os conceitos
Albert Camus.
No campo da cultura, por sua vez, a sociologia da cultura vai estudar os muitos
aspectos culturais que impactam a vida em sociedade. E continuar sua busca
por soluções para os problemas encontrados. Neste capítulo, vamos entender
um pouco mais sobre os conceitos que permeiam os estudos no campo da
sociologia cultural.
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Fonte: https://br.freepik.com/fotos-gratis/tabua-de-madeira-cercada-por-pratos-de-massa-e-ingrediente-na-mesa_5234292.htm#page=1&qu
ery=culin%C3%A1ria&position=26.
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Etnocentrismo x relativismo
O etnocentrismo pode ser definido como uma autoabsorção, em nível cultural,
que impediria seriamente a abertura de uma comunidade a outras pessoas
simplesmente por pertencer a uma cultura diferente.
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Sociologia Da Cultura | Unidade i
Em nossos dias, são os últimos que parecem ter a maior influência. Mas em
níveis mais cotidianos, parece que é o fator de desenvolvimento tecnológico,
por exemplo, o que mais influência quando nos comparamos com outras
culturas. Mesmo imerso no pensamento pós-moderno, oferece-se a tentação
de concluir que a cultura ocidental é a única que tem consciência de como
tudo é relativo, que é a única que voltou das decepções e, portanto, tem algo
em que as outras não têm.
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Unidade i | Sociologia Da Cultura
Em outras palavras: a tradução é uma ilusão. Não é que não seja perfeito, que em
muitos casos a literalidade não seja possível, que em alguns outros nos faltem
os elementos simbólicos precisos e apropriados para certos sentidos ou que
certos sentidos não tenham sido desenvolvidos em uma dada comunidade. Tudo
isso nós já sabíamos. A questão é que a tradução é simplesmente impossível.
Fonte: https://lereaprender.com.br/o-que-e-etnocentrismo/.
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Sociologia Da Cultura | Unidade i
Esse tipo de relativismo, que nos ajuda a colocar nossos costumes no seu
devido lugar, sem ter que renunciar a eles, é o necessário para alcançar aquele
conhecimento do outro que costuma ser chamado pelo termo empatia. É
uma atitude desejável que nos enriquece, ajudando-nos a ganhar perspectiva.
Em última análise, esse é o senso de relativismo cultural que se opõe ao
etnocentrismo.
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Unidade i | Sociologia Da Cultura
Segundo esse modo de ver a cultura, o controle social era exercido por meio
das normas, que serviriam de meio de pressão e obrigação para que os homens
se adaptassem aos costumes e às tradições sem resistir ou perceber – enquanto
os mitos e as crenças representavam as mesmas imposições da religião, às
quais os seres humanos se submetiam mansamente.
Essa forma de entender a cultura foi dominante até a década de 1950, nos
centros de estudos da Antropologia, contribuindo para uma compreensão
ampla do que nos une e do que nos torna comuns como seres humanos,
ao mesmo tempo em que proporciona uma grande riqueza de informações
sobre as sociedades de pequeno e médio porte do mundo, principalmente as
comunidades humanas minoritárias.
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Sociologia Da Cultura | Unidade i
Fonte: https://amazoniareal.com.br/fotografia-e-o-protagonismo-indigena/.
https://www.youtube.com/watch?v=W1_nvEF-CPg.
Instagram:
https://www.instagram.com/diamanthaaweti/?hl=pt-br.
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CULTURA E
SOCIEDADE UNIDADE II
CAPÍTULO 1
Identidade, ideologia e cultura
Conceito de identidade
Já falamos um pouco sobre diferença e cultura, mas existe outro conceito
muito utilizado para pensar a diferença cultural que é o de identidade. Esse
termo tem aparecido na história da Antropologia desde o começo do século
XX. Nessa época, porém, a ideia de identidade era sempre de um acessório:
identidade social, identidade étnica, identidade racial etc. Conotava uma
reflexão sobre a autoimagem de um grupo, em geral impregnada da mesma
noção de equilíbrio que vimos operar nas definições de estrutura.
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Cultura E Sociedade | Unidade II
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Num mundo fracionado pelo excesso de informação, a diferença social tem sido
analisada sob a perspectiva do conceito de identidade, mas isso também levou a
um tipo de análise que foca apenas o sujeito e suas escolhas, como se a identidade
fosse uma espécie de mercadoria que cada pessoa pode assumir livremente.
O fato de que muitos grupos se definem pelo consumo de determinadas
mercadorias levou a uma associação entre o conceito de identidade e mercado
de consumo.
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Mas precisamos dar um passo adiante para destacar o seguinte: por um lado, os
significados culturais são objetivados na forma de artefatos ou comportamentos
observáveis, também chamados de “formas culturais”, por John B. Thompson
(1995). Por exemplo, obras de arte, ritos, danças; e, por outro, são internalizados
na forma de “habitus”, esquemas cognitivos ou representações sociais.
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Essa distinção é uma tese clássica de Bourdieu que, para nós, desempenha um
papel estratégico nos estudos culturais, pois permite uma visão abrangente
da cultura na medida em que inclui também sua internalização pelos atores
sociais. Além disso, permite considerar a cultura preferencialmente do ponto
de vista dos atores sociais que a internalizam, “incorporam” e a transformam
em sua própria substância. Nessa perspectiva, podemos dizer que não há
cultura sem sujeito ou sujeito sem cultura.
Sob esse ângulo, a tese carece de originalidade, já que sabemos desde Franz
Boas que todas as formas culturais são híbridas a partir do momento em que
o contato intercultural se generaliza. É uma tese banal do que costuma ser
chamado de “difusionismo” em antropologia.
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Identidades individuais
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Unidade II | Cultura E Sociedade
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Por exemplo, você pode escolher um “estilo de vida ecológico”, que se refletirá no
consumo de alimentos (por exemplo, não consumir produtos com componentes
transgênicos ou de fontes animais –vejanismo) e no comportamento em relação
à natureza (por exemplo, valorização do ruralismo, defesa da biodiversidade,
luta contra a poluição ambiental). Estilos de vida constituem sistemas de
signos que nos dizem algo sobre a identidade das pessoas. Eles são “sinais de
identidade”.
Do que foi dito, segue-se que a identidade dos indivíduos sempre resulta de
uma espécie de compromisso ou negociação entre autoafirmação e atribuição
de identidade. Daí a possibilidade de discrepâncias e lacunas entre a imagem
que forjamos de nós mesmos e a imagem que os outros têm de nós. Daí vem
a distinção entre identidades definidas internamente, que alguns chamam
de “identidades privadas”, e identidades imputadas externamente, também
chamadas de “identidades públicas”.
Stuart Hall (2000) acredita que a identidade é mais uma questão de identificação
resultante do processo de subjetivação de cada um e das políticas excludentes
implicadas. Para ele, a questão da identidade aparece na rearticulação da
relação entre sujeitos e práticas discursivas, ou seja, envolve os discursos
construídos historicamente que ajudam a moldar as tradições culturais das
quais as pessoas fazem parte e se baseiam para saber o que podem ou não
fazer, ser ou até mesmo subverter.
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Como o autor explica, para que o processo de identificação com uma certa
posição seja eficaz, é necessária uma articulação entre os discursos produzidos
socialmente, que convocam os sujeitos, e as subjetividades que fazem com
estes invistam em tais posições. Ou seja, a construção de uma identidade é
um processo complexo de negociação constante.
A esperança de um mundo melhor incorporada ao entendimento
de que, se é completamente impossível significarmos esse mundo
de uma vez por todas, ainda assim é necessário investirmos nessa
significação. A ela podemos dedicar-nos, sem perdemos de vista o
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Cultura E Sociedade | Unidade II
O conceito de ideologia
Meus heróis morreram de overdose
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Bauman (2000, p.96) explica que a primeira vez que se usou o termo ideologia
foi no século XVIII pelo escritor Destutt de Tracy, que acreditava que as ideias
são tudo o que existe e que “só existimos pelas sensações e ideias. Nenhuma
coisa existe senão pela ideia que dela fazemos”. Com isso, a proposta inicial
era que a ideologia fosse uma espécie de guarda das ciências com o papel de
fiscalizar, investigar e regularizar todos os esforços cognitivos dos homens,
ou seja, controlar as sensações possíveis e os processos de criação de ideias
para que todos se mantivessem sempre sob o domínio da razão.
No entanto, esse conceito de Marx também foi deixado de lado no século XX.
Bauman (2000) destaca que após esse período do iluminismo e das grandes
revoluções, já na década de 1920, o termo ideologia deixou de ser relacionado
à ciência como arma contra a ignorância e ao estudo das ideias de forma
racional para ser tratado como “crença”. Tudo que estava sob o guarda-chuva
das crenças que se pensavam já estarem superadas, do tipo que resistia aos
testes do conhecimento científico, passou a ser tratado como ideologia.
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Para este autor, o melhor seria eliminar esse conceito que consolida o
que ele chama de “grandes narrativas” que enquadram nossa experiência e
conhecimento. Mas será que estaríamos preparados para viver crises locais
sem que tenhamos algo a que nos apegar como direcionamento para nossas
ações? A ideologia, de certa forma, também é um aspecto da cultura em que
cada um está inserido, pois tem tudo a ver com a forma de se posicionar no
mundo. Fica o questionamento.
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CAPÍTULO 2
Colonialismo, decolonialismo e
multiculturalismo
Multiculturalismo
Os pesquisadores Paulo Groff e Rogério Pagel (2009) realizaram um estudo
para descobrir a origem do conceito de multiculturalismo, um movimento
que busca a proteção dos direitos dos grupos considerados minoritários. Para
eles, esse conceito é um pouco controverso porque pode ser analisado por
vários pontos de vista.
Groff e Pagel (2009) explicam que essa multiplicidade de culturas não é
um fenômeno recente, fruto da globalização e dos avanços tecnológicos.
Tem início com as grandes navegações do século XVI e das novas relações
comerciais que passaram a ser estabelecidas entre países colonizadores e países
colonizados que colocaram frente a frente grupos e culturas diferentes. “Na
busca desesperada por capitais, deram início à escravização de povos, surgindo
daí grande parte das minorias hoje existentes. Para exemplificar, basta citar
os afrodescendentes, que foram escravizados na América Latina” (GROFF;
PAGEL, 2009, p.8).
Segundo Groff e Pagel (2009), o multiculturalismo também pode ser entendido
pelo viés político. Durante muito tempo, uma única cultura (a dos colonizadores)
foi dominante sobre todas as outras, muito em razão do medo que os grupos
dominados (como os povos que foram brutalmente escravizados no Brasil,
por exemplo) tinham de se rebelar.
Mas, a partir dos anos de 1960, com especial destaque para os Estados Unidos
e Europa Ocidental, esse movimento começou a ganhar força no campo da
educação. Representantes desses grupos que foram oprimidos durante séculos
passaram a se conscientizar da importância de proteger e resgatar os saberes
intelectuais, sociais e morais de seus ancestrais. Aconteceram vários debates
sobre interculturalidade, relacionamentos intergrupais, diversidade e práticas
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Colonialidade e decolonialidade
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Unidade II | Cultura E Sociedade
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Cultura E Sociedade | Unidade II
A pesquisa desses autores deixa certa angústia sobre o quanto ainda falta para
que os objetivos sejam alcançados e, para além do currículo escolar, como
é necessária uma mudança completa de consciência e visão de mundo para
todas as pessoas; pois a nossa própria subjetividade já nasceu contaminada
pelo conceito de colonialidade, que impera em todas as formas de organização
da nossa sociedade.
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CAPÍTULO 3
Racismo à moda brasileira
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Devido a isso, Damatta (1987) explica que o racismo brasileiro tem sua origem
nesse sistema profundamente hierarquizado, que se manteve do descobrimento
até o início das guerras de Independência e, a partir daí, houve uma reorientação
dos sistemas de hierarquia no Brasil. “Se antes a elite podia colocar todo o
peso dos erros e das injustiças sobre o Rei e a Coroa Portuguesa em Lisboa, a
partir da Independência, esse peso tinha que ser carregado aqui mesmo, pela
camada superior das hierarquias sociais” (DAMATTA, 1987, p. 62).
Surge, então, o mito de que o Brasil era constituído por três raças: índios,
negros e brancos. O pesquisador relembra Thomas Skidmore (1976) que
afirmava que o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras é o período
que antecede a Proclamação da República e a Abolição da Escravatura, gerando
um momento de crise nacional.
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Dessa forma, a segregação acontece “sutilmente” por causa das relações sociais,
derivada da patronagem, intimidade e consideração. A ausência de valores
igualitários permite que negro, índio e branco tenham cada um o seu lugar, mas
possam assumir posições diferentes de acordo com as relações que estabelecem
entre si, sempre verticalmente, e excluindo mais claramente apenas aqueles
que não possuem relações sociais em determinado meio.
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Assim, o autor faz uma comparação entre o racismo nos EUA e no Brasil, sendo
o primeiro caracterizado pela origem (uma vez que se tenha uma gota de sangue
negro não se pode mudar de posição jamais, ainda que seja tratado como igual
perante a lei), e o segundo caracterizado pelas gradações e nuances, um racismo
de marca (o brasileiro pode sofrer mais na medida em que sua pele é mais escura
e, principalmente, pelo poder econômico ou político que dispõe).
Essa e outras características da divisão de raças no Brasil permitiu que se
criassem ideologias, mediações religiosas, e relações sociais controversas e
conciliadoras, de modo a evitar a todo custo o conflito e o confronto.
Enfim, Damatta esclarece que, no Brasil, abriu-se mão de estudar as relações
entre as raças para focar nas raças em si mesmas, o que cria um problema sem
solução uma vez que mistura biologia com sociedade e cultura, impedindo
o autoconhecimento e reflexão. Por isso, ele propõe uma reflexão sobre a
antropologia crítica, como forma de reconhecer que essa discussão é questão
de ideologia social e, a partir daí, voltar a atenção para o estudo do social e
histórico, a fim de buscar caminhos para superar o racismo brasileiro.
Historicamente, o Brasil passou por um processo de colonização por parte de
europeus que escravizaram legalmente índios e negros durante três séculos
e as diferenças de raça e cor, renda e tipos de ocupação de trabalho desde
então têm sido utilizadas para marcar e excluir quem não pertence ao grupo
considerado dominante, detentor de poder político e econômico.
Foto: https://br.freepik.com/fotos-gratis/lutador-negro-americano_11105864.htm#page=1&query=racismo&position=23.
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Essas diferenças que são usadas como marcadores para definir quem é normal e
quem é diferente são a origem do estigma. O assunto se torna mais complexo se
pensarmos que, quanto mais marcadores, ou categorias de diferenças, puderem
ser utilizados para classificar uma pessoa, mais diferente e estigmatizada
ela se tornará. E mais consequências sofrerá. É o que designa o fenômeno
conhecido como “interseccionalidade”, cuja origem nos EUA na década de
1970 é explicada por Patricia Hill Collins (2017, p.2):
A publicação de 1982 do Coletivo Combahee River (pequeno
grupo de mulheres afro-americanas de Boston) do manifesto Black
FeministStatement trouxe uma perspectiva que considerasse somente
a raça ou outra com somente o gênero avançariam em análises
parciais e incompletas da injustiça social que caracteriza a vida das
mulheres negras afro-americanas, e que raça, gênero, classe social
e sexualidade, todas elas, moldavam a experiência de mulher negra.
O manifesto propunha que os sistemas separados de opressão, como
eram tratados, fossem interconectados. Porque racismo, exploração
de classe, patriarcado e homofobia, coletivamente, moldavam a
experiência de mulher negra, a libertação das mulheres negras exigia
uma resposta que abarcasse os múltiplos sistemas de opressão.
48
Cultura E Sociedade | Unidade II
De acordo com Munanga (2004), essa hierarquização das raças foi desconsiderada
pelos geneticistas e biólogos moleculares da contemporaneidade porque
não fazem sentido na ciência. As variações físicas, genéticas, morfológicas
e comportamentais são apontadas pelos estudiosos como resultado de um
fenômeno adaptativo indispensável às espécies humana e animal, que mudam
de acordo com as características do lugar em que habitam (clima, fauna, flora,
geografia etc.) para garantir sua sobrevivência. Não há nessa diferenciação
nenhum tipo de valor que classifique as espécies em inferiores ou superiores,
boas ou más. No entanto, o autor demonstra que essa crendice antiga na
hierarquia das raças é uma expressão do racismo, ou seja, uma atitude baseada
em ideologia política que revela a relação de poder e de dominação entre os
povos:
O racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no
imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos
traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social com traços
culturais, linguísticos, religiosos etc, que ele considera naturalmente
inferiores ao grupo a qual ele pertence. De outro modo, o racismo
é essa tendência que consiste em considerar que as características
intelectuais e morais de um dado grupo, são consequências diretas
de suas características físicas ou biológicas (MUNANGA, 2004, p. 8).
Ângela Davis (2018) relembrou que o racismo já foi abolido das leis e os
aparatos de segregação como o “apartheid” foram dissolvidos, no entanto, a
lógica racista permanece de forma muito mais ampla e de forma estrutural nas
sociedades contemporâneas, especialmente, por meio do controle de imagens
que apresenta as pessoas negras em posições subalternas ou associando-as à
feiura ou violência.
Há também o impacto na psique, e é aí que entra a persistência dos
estereótipos. Os modos como, ao longo de um período de décadas
e séculos, as pessoas negras vêm sendo desumanizadas, ou seja,
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Bell Hooks (2019, p. 35) ressalta que a disputa por controlar as próprias imagens
e narrativas é extremamente dolorosa, porque “a dor de aprender que não
podemos controlar nossas imagens, como nos vemos ou como somos vistos,
é tão intensa que isso nos estraçalha. Isso destrói e arrebenta as costuras de
nossos esforços de construir o ser e de nos reconhecer”. E continua:
Muitas pessoas negras se recusam a avaliar nossa condição presente
porque elas não querem ver as imagens que podem forçá-las a militar.
Mas a militância é uma alternativa à loucura. […] as pessoas negras
se afastam da realidade porque a consciência é dolorosa demais. No
entanto, só nos tornamos mais conscientes quando começamos a
ver com clareza (HOOKS, 2019, p. 39).
Branquitude
O documentário de Thomas Allen Harris (2014)“Through a lensdarkly: Black
photographersandtheemergenceof a people”me marcou de diversas formas, mas
especialmente por um dos questionamentos iniciais que ele faz ao apresentar
fotografias de sua infância e memórias de seu pai. Ele relata sobre um momento
em que seu pai o interpela dizendo que as pessoas do lado de fora irão olhar
para ele e enxergá-lo como um macaco.
Então, ele reflete: “Eu senti vergonha, pela cor da minha pele, meu cabelo,
meus lábios, meu nariz. Quem olharia para mim e veria não um garotinho,
mas um macaco?”. Essa cena ficou gravada na minha memória, e me lembrei
dela quando li um artigo publicado no Jornal The New York Times, em 17 de
julho de 2019, pela poetisa jamaicana e professora Claudia Rankini.
50
Cultura E Sociedade | Unidade II
No artigo, ela relata sobre as situações em que quis perguntar aos homens
brancos ao seu redor o que eles pensavam sobre seu privilégio de cor, mas
sentiu-se intimidada. Como, por exemplo, quando ela estava em uma fila
da primeira classe no aeroporto e dois homens brancos entraram em sua
frente. Ao informá-lo de que ele estava desrespeitando sua posição na fila,
o homem saiu sem se desculpar e ficou tecendo comentários irônicos sobre
não saber mais quem estaria nos lugares tradicionalmente frequentados
por pessoas brancas.
Rankini esclarece que esse interesse foi motivado pela preparação de suas
aulas sobre “whiteness”, que aqui chamo de “branquitude”. Mais do que uma
questão de privilégio das pessoas brancas em detrimento de pessoas negras,
os estudos indicam que a branquitude é mais um sistema simbólico complexo
de dominação branca sobre as demais raças.
Ainda que autores como Munanga (2004) apontem que o conceito de raça já
foi descartado cientificamente, sob a perspectiva sociológica, a diferenciação
étnica entre seres humanos ainda acontece de forma a favorecer, nos mais
diversos aspectos da vida (econômicos, culturais, jurídicos, religiosos etc.),
as pessoas brancas.
51
Unidade II | Cultura E Sociedade
Outro estudo muito importante que fundamenta essa pesquisa foi desenvolvido
por Lia Schucman, Mandelbaum e Fachim (2017), sobre a negação da raça
em famílias interraciais. Os pesquisadores investigaram como esses grupos
experimentam e criam estratégias de negociação, legitimação, construção e
desconstrução dos significados de raça e, especialmente, como os membros
negros vivenciam o racismo no âmbito familiar.
Nesse estudo, eles citam a pesquisa de Mandelbaum (2008, p.19) sobre como
a família se constitui em um campo entre a realidade social e a vida psíquica.
“Toda família constitui um microcosmo fincado nas intermediações entre a
esfera social e individual, o público e o privado, o real e a representação, o
biológico e o cultural”.
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Pessoas negras são chamadas de morenas, mulatas, escurinhas, mas nunca como
pessoas pretas. Os membros brancos dessas famílias não enxergam as pessoas
como negras e tentam, a todo custo, apagar qualquer traço de negritude que
possuam.
Negar esta origem pode significar distintas coisas. A primeira é a
tentativa de se distanciar de tudo que representa ser negro em uma
sociedade racista como a brasileira. Ao se distanciar da representação
do negro, o sujeito retira quem ama – filho, marido – do grupo dos
negros e mantém a representação negativa do negro intacta. Ou seja,
ao negar a negritude ao “outro” com quem se relaciona, mantém e
legitima os significados negativos construídos em nossa sociedade
sobre o negro sem precisar rever, ressignificar e desconstruir o
racismo em que foi socializada (SCHUCMAN; MANDELBAUM;
FACHIM, 2017, p.449).
Fonte: https://richmondmuseum.org/event/screening-of-through-a-lens-darkly-black-photographers-and-the-emergence-of-a-people/.
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Fonte: http://www.afreaka.com.br/notas/fani-kayode-sensibilidade-e-transgressao-na-fotografia-homoerotica-africana/.
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Cultura E Sociedade | Unidade II
Fonte: http://www.afreaka.com.br/notas/fani-kayode-sensibilidade-e-transgressao-na-fotografia-homoerotica-africana/.
Foto: http://www.afreaka.com.br/notas/fani-kayode-sensibilidade-e-transgressao-na-fotografia-homoerotica-africana/.
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Unidade II | Cultura E Sociedade
Foto: http://www.afreaka.com.br/notas/fani-kayode-sensibilidade-e-transgressao-na-fotografia-homoerotica-africana/.
Foto: http://www.afreaka.com.br/notas/fani-kayode-sensibilidade-e-transgressao-na-fotografia-homoerotica-africana/.
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CULTURA EM
TRANSIÇÃO UNIDADE III
Como aprendemos até aqui, a cultura não é estática e imutável, mas está em
constante evolução, associada às transformações que ocorrem na sociedade.
Nesta unidade, conheceremos um pouco mais sobre as dinâmicas que promovem
mudanças sociais e os atores que a colocam em movimento. No capítulo 1,
abordaremos os movimentos sociais e suas lutas por direitos. Em seguida,
trataremos sobre questões de gênero e afetividade. No terceiro capítulo,
veremos sobre as transformações causadas pela evolução da tecnologia.
CAPÍTULO 1
Movimentos sociais e a transformação
da cultura
Axel Honneth (2003), baseado nos estudos de Hegel e Mead, propôs uma
Teoria do Reconhecimento, que associa o início dos conflitos sociais aos
sentimentos coletivos de injustiça. Para ele, um indivíduo se constitui e constrói
sua identidade por meio da experiência que faz em suas relações primárias,
com a sociedade e com a comunidade a qual pertence, com o amor, o direito
e a solidariedade.
O nexo existente entre a experiência de reconhecimento e a relação
consigo próprio resulta da estrutura intersubjetiva da identidade
pessoal: os indivíduos se constituem como pessoas unicamente porque,
da perspectiva dos outros que assentem ou encorajam, aprendem
a se referir a si mesmos como seres a que cabem determinadas
propriedades e capacidades. A extensão dessas propriedades e, por
conseguinte, o grau da autorrealização positiva crescem com cada
nova forma de reconhecimento, a qual o indivíduo pode referir a si
mesmo como sujeito: desse modo, está inscrita na experiência do amor
a possibilidade da autoconfiança, na experiência do reconhecimento
jurídico, a do autorrespeito e, por fim, na experiência da solidariedade,
a da autoestima (HONNETH, 2003, p.272).
57
Unidade III | Cultura Em Transição
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Cultura Em Transição | Unidade III
O CPC também possuía vínculos com o PCB. Inclusive, alguns dos seus
integrantes como Ferreira Gullar e Cacá Diegues – e, mais adiante,
Vianninha– chegaram a criticar a exagerada postura à esquerda de Carlos
Estevam. Tais críticas transcorriam sobre a banalização da forma de
fazer teatro e da arte para que esta chegasse às massas de uma forma mais
compreensível, menos rebuscada. Para Carlos Estevam e o CPC, quanto
mais próxima da linguagem popular, mais a arte seria revolucionária e
atingiria seu público-alvo.
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Unidade III | Cultura Em Transição
O filme “Vidas Secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos, retratava a seca
no sertão nordestino e “Deus o Diabo na terra do sol” (1964), de Glauber
Rocha, revelava a exploração do camponês e do trabalhador rural nordestino.
Destaque também para “Os Fuzis” (1964), de Ruy Guerra, “Cinco Vezes
Favela” (1962), de Cacá Diegues e “Cabra marcado pra morrer” (1964), de
Eduardo Coutinho, os dois últimos produzidos pelo CPC. O CPC foi bastante
criticado pelos cineastas com relação à instrumentalização política da arte e
ao rebaixamento da estética artística.
Toda a discussão suscitada pelo período criativo dos anos 1960 contribuiu
significativamente para que fosse pensada uma cultura nacional. Porém, este
debate era restrito à massa intelectualizada das camadas intermediárias da
sociedade. Podemos discutir isto tomando como exemplo os estudantes.
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Cultura Em Transição | Unidade III
61
CAPÍTULO 2
Cultura da convergência
O principal autor sobre esse tema se chama Henry Jenkins. Ele é um dos
pesquisadores mais influentes na atualidade, e seus estudos são sempre
lembrados em provas de concurso e textos acadêmicos. Henry Jenkins nasceu
em Atlanta, nos EUA, tem 62 anos de idade e é professor de Comunicação,
Jornalismo e Artes Cinematográficas na Universidade do Sul da Califórnia
desde 2009. Durante os anos de 1993 e 2009, ele foi diretor do Programa de
Estudos de Mídia Comparada do MIT (Massachusetts Instituteof Technology)
e já tem 14 livros publicados. Um deles se tornou best-seller nos estudos de
comunicação: “Cultura da Convergência” (2006).
A inovação deste livro se deve ao termo, cunhado pelo autor, que dá nome ao
livro. Durante a época histórica de avanços tecnológicos, Jenkins começou
a refletir sobre como essas mudanças impactariam nos processos culturais
e nas formas de produção dos canais de comunicação da mídia tradicional e
das mídias corporativas. Ele previu uma transformação midiática baseada na
convergência, em que as várias formas midiáticas antigas colidiriam umas com as
outras em uma nova forma de relacionamento entre produtores de informação
e consumidores de informação, negociando de maneiras imprevisíveis.
Porém, ele vai além desse senso comum propondo que a convergência significa,
na verdade, uma transformação cultural na forma como as pessoas consomem
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Cultura Em Transição | Unidade III
Convergência
Com isso, ele quer dizer que um conteúdo que antes seria transmitido por
apenas uma determinada mídia agora tem a possibilidade de fluir, de ser
distribuído em diversos canais distintos. Se fosse, por exemplo, exibido em
um jornal na televisão, esse conteúdo ficaria restrito ao alcance daquele sinal
e aos telespectadores que estivessem assistindo no momento.
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Unidade III | Cultura Em Transição
Foto: https://br.freepik.com/fotos-gratis/icones-de-notificacao-movel-entre-homem-e-mulher-usando-telefone-celular_2611196.htm.
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Cultura Em Transição | Unidade III
Inteligência coletiva
Como exemplo, o autor cita um reality show americano chamado Surivor em que
16 participantes precisam duelar para sobreviver na competição e concorrer ao
prêmio de 1 milhão de dólares. O programa tem um alto índice de audiência
e repercussão, os fãs ficam alertas e buscam todo tipo de informação a fim
de tentar descobrir antecipadamente o que acontece com os participantes.
Eles analisam cada imagem, buscam informações de satélites que fotografam
o lugar onde os participantes estão confinados e trocam informações para
desvendar mais informações que ainda não foram reveladas ao público, os
chamados spoilers.
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Unidade III | Cultura Em Transição
Participação
A diferença é que esse modo de participação faz com que o público consumidor
crie suas próprias regras e não fiquem mais sob domínio do que é imposto pelas
mídias tradicionais. Porém, essa participação ainda revela um traço de exclusão
social porque existem condições de produção e participação diferentes para
cada grupo social. “Corporações ainda exercem maior poder do que qualquer
consumidor individual, ou mesmo um conjunto de consumidores. E alguns
consumidores têm mais habilidades para participar dessa cultura emergente
do que outros” (JENKINS, 2009, p. 30).
66
CAPÍTULO 3
Instituições e atores culturais
Atores culturais
Em gestão cultural, entendemos por agentes aqueles atores que intervêm ou
podem intervir na articulação das políticas culturais. Assim, as definições da
Conferência do México da UNESCO (1982) entendiam as políticas culturais
como um conjunto de práticas sociais de diferentes setores de uma determinada
sociedade.
Nesta perspectiva, consideramos que uma política cultural não pode ser posta
em marcha, ou não existe realmente, se não for por meio de agentes ou atores
específicos, que se relacionam com a sua realidade territorial e assumem
algumas responsabilidades no conjunto dos objetivos que a própria política
lhes propõe. Por este motivo, os agentes mudam e evoluem de acordo com
as variáveis espaço/território-tempo/evolução-contexto (próximo e global),
representando um fator determinante na consolidação da intervenção social
em um determinado campo.
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Unidade III | Cultura Em Transição
Foto: https://br.freepik.com/fotos-gratis/repeticao-da-banda-de-rock-guitarrista-e-baterista-atras-da-bateria_8679398.htm#page=1&query=
cultura&position=19.
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Cultura Em Transição | Unidade III
Foto: https://br.freepik.com/fotos-gratis/gerente-liderando-uma-reuniao-de-brainstorming_9341664.htm#page=1&query=produ%C3%A7%C3
%A3o&position=15.
69
Unidade III | Cultura Em Transição
Consequentemente, temos que analisar o papel que esses agentes sociais têm ou
podem ter no desenvolvimento de serviços à comunidade, a fim de compreender
e explicar determinados fenômenos de suas estruturas organizacionais.
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Cultura Em Transição | Unidade III
Instituições culturais
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Unidade III | Cultura Em Transição
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Cultura Em Transição | Unidade III
Quem são os atores culturais que atuam nesse segmento em sua cidade?
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ACESSO AOS BENS
CULTURAIS UNIDADE IV
CAPÍTULO 1
Produção cultural
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
Além de ser sujeita a influências a produção cultural, não se pode olvidar que
ela também repercute na vida dos indivíduos, na sociedade como um todo,
demonstra e apresenta as diferentes formas de viver e lidar com situações,
podendo-se assim afirmar que aquela tanto é influenciada quanto influencia.
A realidade é demonstrada por meio das produções culturais, esta seria uma
boa maneira de se construir e desvendar os sentidos, interpretando aspectos
da vida não discutidos ou estigmatizados, o debate levantado por aquela seria
um instrumento que poderia quiçá auxiliar na resolução de problemas sociais
e políticos.
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
Por outro lado, estamos perante a abertura de processos: assim, é cada vez
mais frequente que se estabeleçam fórmulas de participação e colaboração
entre promotores e comunidades de pessoas interessadas num projeto ao longo
do seu desenvolvimento. Esta colaboração pode ser materializada de muitas
maneiras diferentes, desde a tomada de decisões sobre aspectos específicos
relacionados, por exemplo, com a promoção do produto, a contribuição para
o financiamento, a intervenção de comunidades criativas em elementos-chave
do processo (como o roteiro, efeitos digitais ou música), ou mesmo atuando
como testadores de versão preliminar (o que geralmente é comum em projetos
web e de videogames).
A questão do entretenimento
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
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CAPÍTULO 2
O papel do Estado no incentivo à cultura
Todo cidadão brasileiro tem seu direito à cultura garantido pela Constituição
Federal. Esse direito é considerado um dos direitos sociais porque a cultura
é uma prática emancipatória que confere liberdade e dignidade à pessoa.
Por isso, o entendimento de que precisa ser garantido por lei e incentivado
pelo Estado.
Foto: https://br.freepik.com/fotos-gratis/grupo-de-diversos-amigos-segurando-emoticons-de-filme_3679642.htm#page=1&query=cultura&p
osition=36.
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
A Lei Rouanet recebeu muitas críticas ao longo dos anos de sua aplicação, pois
muitos artistas locais reclamavam que a maior parte dos recursos ia sempre
para os mesmos atores culturais e entidades mais famosas. A discussão é
complexa, mas o fato é que o governo atual decidiu fazer uma reformulação
na lei e, inclusive, a renomeou para Lei de Incentivo à Cultura.
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CAPÍTULO 3
Estudo de caso: Artigo “Ribeirão das
Trevas?”
Ribeirão das Neves é uma cidade mineira com aproximadamente 334 mil
habitantes e 60% da população autodeclarada negra. Concebida para ser
a cidade-dormitório dos mais pobres que migraram em busca de trabalho
quando Belo Horizonte se tornou a capital do estado de Minas Gerais, Neves,
como é mais conhecida, também se tornou a cidade das penitenciárias. Em
um total de seis redes, inclui a primeira com gestão público-privada no Brasil
e a primeira penitenciária modelo do país, inaugurada por Getúlio Vargas,
quando ainda era presidente. Constantemente alvo de notícias sobre violência
e pobreza, a cidade também ficou conhecida pelo trocadilho “Ribeirão das
Trevas” publicado no Diário Oficial do Estado em 7 de setembro de 2013 e
no site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em 21 de agosto de 2018. Essa
descrição pejorativa se tornou uma narrativa oficial sobre o município e se
impõe como uma barreira para os moradores da cidade, que sofrem com a
estigmatização e a exclusão social que isso acarreta.
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
Porém, essa cidade planejada para ser sempre a mesma abriga outras narrativas
criadas, por exemplo, por um coletivo de skatistas negros: a Just CrewSkateboard.
Esse coletivo de skatistas ocupou a praça e a transformou em pista; há 20 anos
forma jovens nessa prática esportiva, ensinando-os a construir seus próprios
skates e obstáculos e reconstruir suas identidades por meio da experiência
da amizade, dando um ollie nas narrativas dominantes sobre si mesmos e sua
cidade. Junto com outros coletivos jovens, ocuparam uma escola abandonada
pelo governo na cidade e a transformaram em um centro de atividades de
educação social e formação empresarial, além de aperfeiçoar o espaço como um
centro de treinamento avançado para a crew. Mais recentemente, eles também
reformaram uma antiga pista de skate inacabada em Neves. Eles se tornaram
educadores uns dos outros, da população e da cidade, ensinando olhares de
luz em vez de escuridão, e construindo outras possibilidades narrativas para
Ribeirão das Neves, que não é apenas a única história oficial.
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
A escolha pelo território nevense como destino das penitenciárias não foi
obra do acaso, mas resultado de uma política de construção e urbanização da
capital mineira. Segundo Silva e Stephan (2015) o Plano de Metas do governo
de Juscelino Kubitschek gerou um movimento de migrações internas em todo
o país a partir dos anos de 1950, o que culminou com o aumento da população
nas regiões metropolitanas, próximas às capitais. Eles explicam que o chefe da
Comissão de Construção de Belo Horizonte, Aarão Reis, desenhou o traçado
urbano da nova BH no período entre 1894 e 1897:
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
E não é por acaso que os dados dos documentos oficiais revelam que a maioria
das casas que foram demolidas no processo de urbanização de Belo Horizonte
pertenciam a pessoas pobres e negras. Não é por acaso que a população de Neves
seja composta por maioria negra, com um enorme déficit de investimento
público em serviços básicos de saneamento, saúde, segurança e educação.
Também não é por acaso que o território nevense tenha virado destino de
presídios.
Após a instalação da PAN, em 1938, Neves recebeu mais três unidades prisionais,
medidas que firmaram a intenção do Governo do Estado em transformar o
município em um “espaço-carcerário”. A falta de investimento público em
serviços básicos e de infraestrutura contribuiu para que Neves recebesse um
estigma de “cidade presídio”, o que era agravado pelos altos índices de violência
e pobreza (SILVA;STEPHAN, 2015, p. 138).
Quando falo em estigma, utilizo a conceituação feita por Erving Goffman (1963)
que investigou o sistema de manipulação das identidades. O autor explica que
existem categorias criadas pela sociedade que classificam as pessoas e seus
atributos como comuns e naturais ou como estranhos ao que é considerado
normal. Os aspectos dos indivíduos que podem ser percebidos dentro dessas
categorias são o que formam sua “identidade social”.
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
Como vimos, Ribeirão das Neves foi construída para ser o dormitório das
pessoas que deveriam passar a jornada de trabalho a serviço das classes média
e alta localizadas na capital mineira. Essas informações ajudam a esclarecer
por que o Arquivo Público contém tão poucas informações e registros da
memória e da cultura do povo nevense, já que foi o Estado que se propôs a
contar a história e a determinar os papéis a serem desempenhados por quem
os enviou para lá. Ao contrário da escassa fonte de memórias oficiais sobre
Ribeirão das Neves, existe uma infinidade de informações quando analisadas
sob a ótica da notícia. A imprensa mantém uma cobertura quase linear do
território nevense, e os temas mais importantes são mais do mesmo: pobreza,
violência, prisões.
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
Só essa busca básica e rápida na internet, que qualquer pessoa com acesso ao
celular pode fazer, revela o assunto mais comentado nos jornais quando se
trata de Ribeirão das Neves. Na mídia local e nacional, o tema está sempre
ligado ao medo e à violência. Com todo esse cenário informacional montado
mentalmente, fica mais fácil entender quem decidiu escrever “Ribeirão das
Trevas” no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais.
Se antes a disputa por espaço na mídia se concentrava nos espaços das notícias,
hoje a disputa das narrativas ganha um agravante de alcance incomensurável
no ambiente virtual: a luta dos algoritmos. Segundo a reportagem de Sergio C.
Fanjul para o jornal El País (2018), o algoritmo é uma sequência de instruções
realizadas para encontrar a solução de um problema. Os algoritmos rastreiam
os dados e apresentam os resultados dos problemas.
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
O que torna a cidade de Ribeirão das Neves identificada com dados sobre
violência, prisões, morte, medo etc.? Dos 468 mil resultados encontrados
em 0,50 segundos pelo algoritmo do Google, a palavra presídio aparece em
segundo lugar. Quantas mil vezes Ribeirão das Neves foi associado a temas
relacionados à palavra prisão para torná-la relevante a ponto de ocupar o
segundo lugar no ranking de palavras mais pesquisadas pelos usuários na web?
Sofiya Noble (2018) realizou uma extensa pesquisa sobre o poder dos algoritmos
na era do neoliberalismo e a forma como essas decisões digitais reforçam as
relações de opressão social baseadas no racismo e sexismo. A pesquisadora
chama a atenção para o fato de que, apesar das formulações matemáticas
pressuporem que os algoritmos e base de dados são neutros e objetivos, eles
podem sim continuar as narrativas de opressão social porque são formulados
por seres humanos que têm crenças diversas. São eles quem definem os códigos
utilizados para filtrar e organizar as informações que apareceram na primeira
página de resultados, e se os resultados trazem primeiro informações racistas
e sexistas há um sério problema no processo de programação. “A organização
da informação é uma questão de processo sociopolítico e histórico que atende
a interesses particulares” (NOBLE, 2018, p. 7).
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
As disparidades raciais online não podem ser ignoradas porque fazem parte
do contexto no qual as TICs proliferam, e a Internet está tanto reproduzindo
relações sociais quanto criando novas formas de relações baseadas em nosso
engajamento com ela. [...] Conforme os usuários se envolvem com tecnologias
como mecanismos de pesquisa, eles co-constroem dinamicamente o conteúdo
e a própria tecnologia. A informação online e o conteúdo disponível na busca
também são estruturados de forma sistêmica pela infusão da receita publicitária
e pela vigilância das buscas dos usuários, que os sujeitos de tais práticas têm
muita pouca capacidade de remodelar ou reformular. (NOBLE, 2018, p. 11).
O que fica claro nesses estudos sobre algoritmos e organização das informações
na internet, é que os mesmos mecanismos de controle e classificação social
baseados em princípios excludentes, racistas e classistas se perpetuam no
ambiente virtual. E entrar em disputa com essas narrativas dominantes é um
trabalho de resistência que exige criatividade e investimento, assim como no
ambiente off-line.
No que diz respeito ao envolvimento sério das empresas como a Google, Noble
(2018) acredita que o caminho para superar essa opressão algorítmica seja a
criação de alternativas para os mecanismos de pesquisa, junto com ações do
jornalismo voltadas para o interesse público a fim de oferecer informações
de qualidade e mais diversas. “Em vez de priorizar as narrativas dominantes,
as plataformas de busca na internet e as empresas de tecnologia poderiam
permitir uma maior expressão e servir como uma ferramenta democratizadora
para o público” (NOBLE, 2018, p.29).
Não é meu interesse como pesquisadora, nem parece ser o dos skatistas da
Just Crew, dizer que essas notícias e informações que circulam sobre a cidade
são mentiras. Na verdade, todos esses desafios mencionados acima e o que
foi veiculado na mídia são reais. O problema desse enfoque nas ausências,
violência e medo que essa narrativa “sombria” acarreta é o que a citada escritora
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
O que me impressionou foi que: ela sentir a pena de mim antes mesmo de
ter me visto. Sua posição padrão para comigo, como uma africana, era um
tipo de arrogância bem-intencionada, piedade. Meu colega de quarto tinha
uma única história sobre a África. Uma única história de catástrofe. Nessa
única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela, de
jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de configuração mais complexa do
que piedade. Nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos iguais
(ADICHIE, 2009).
No caso de Ribeirão das Neves, o que ocorre é que seus moradores são
constantemente associados a correntes, crimes e violência, como se fôssemos
todos bandidos ou parentes de bandidos. Esse discurso, tantas vezes repetido,
cria nos moradores o medo de serem identificados também como criminosos,
pois o estigma fecha inúmeras portas e relacionamentos. O estigma faz com
que pessoas de outras regiões consideradas “normais” se sintam à vontade para
criticar, ridicularizar e humilhar os “diferentes” na cidade das trevas. Faz com
que o discurso do medo se torne natural, o que por sua vez naturaliza discursos
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
Como a maioria dos moradores não possui vínculo afetivo com o território,
pois nasceram em outras cidades e se mudaram para lá por causa dos preços
baixos dos lotes, o sentimento de pertencer a Neves precisa ser plantado e
cultivado. Essas pessoas não construíram memórias com o lugar, não têm
experiências que fazem parte da história de sua família. Eles já estão de
alguma forma vivendo com uma certa distância emocional desse território. E,
convenhamos, ninguém quer se identificar e sentir que pertence a um lugar
de “escuridão”. Por isso, é tão urgente e relevante que outras histórias sejam
contadas sobre esse território.
É isso que a Just Crew vem fazendo há 20 anos. Eles estão contando outra
história. Entrando em disputa com a narrativa dominante sobre as trevas e
contando outras histórias, com outros personagens e outras tramas. Estão
oferecendo outras experiências e oportunidades para que os citadinos,
principalmente os mais jovens, se identifiquem, façam parte. Eles estão
tentando reconstruir não apenas suas próprias histórias de vida, mas também
sua dignidade e, consequentemente, estão reconstruindo a dignidade de outros
nevenses também. Essa é a história que conheceremos mais de perto a seguir.
Um estava sozinho em casa, desanimado por não ter o que fazer. Outro passou
pela praça e viu caras mais velhos fazendo coisas “muito doidas, da hora
mesmo” com o skate. E outro ainda, tentou uma volta no skate de um amigo e
97
Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
decidiu que queria aprender isso. Todos, em comum, falaram sobre a tristeza
e desânimo de ficar em casa todo dia só assistindo televisão, sem ter o que
fazer. De acordo com dados do último censo realizado em 2010 pelo IBGE,
a população jovem com idade entre 15 e 29 anos5 residente no município
nevense era estimada em mais de 84 mil habitantes. Desses, aproximadamente
56 mil estavam em situação economicamente ativa.
Somando-se a esses dados todo o contexto já relatado sobre o território nevense,
é possível compreender a angústia relatada pelos jovens pela falta de ocupação
criativa nos horários em que não estavam na escola. Para a maioria deles, a
televisão era a companheira das horas vagas, mas assistir à programação não
preenchia o vazio. Por isso, eles estavam em busca de alguma novidade, algo
que os tirasse da inércia e da solidão que era ter apenas uma televisão como
companhia em casa.
Cada um desses solitários, em momentos distintos, se rendeu às ruas em busca
de algo que devolvesse o brilho no olhar e a alegria. Acabaram descobrindo,
na pracinha de Justinópolis, alguns jovens com seus skates e se aproximaram
para observar. Os skatistas mais antigos da praça conheciam muito bem
aquele olhar de curiosidade e a solidão por detrás do silêncio observador. E
se deixaram conhecer, ao mesmo tempo em que se abriram para conhecer
aqueles que passavam pela praça. Mesmo sem saber muito bem o que fazer, os
que foram chegando encontraram nesse grupo aquilo que estavam buscando,
permitindo que o skate vencesse o silêncio das tardes dando lugar para uma
grande crew (palavra em inglês que quer dizer “galera”).
Figura 24. Just CrewSkateboard.
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Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
esporte. Segundo Gabriel e apoiado por outros, a praça é como uma segunda
casa e a Just Crew é como uma família. Gabriel e Alexandre até dividiram
o mesmo skate quando começaram a treinar.
100
Acesso Aos Bens Culturais | Unidade IV
Antes fazia skate, eu era muito desanimado, não tinha muitas amizades.
Agora, daqui, conheço todo mundo. Eu já conheci os familiares de
alguns aqui, tem dia que eu tô lá em casa lá, e tô meio desanimado,
talvez até triste, eu venho pra cá, sento uma manobra e fico feliz três
dias direto. Então é isso aí (GOMES; SOUZA, 2020, p. 30).
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Unidade IV | Acesso Aos Bens Culturais
Uma das principais intervenções que a crew fez no espaço público se deu na
Praça de Justinópolis. Na ausência de pistas e locais para prática esportiva
e lazer, eles decidiram reformar o coreto e o transformaram em pista.
Eles mobilizaram a comunidade local, parceiros e doadores de materiais e
promoverem a limpeza e pintura de toda a praça, bem como conseguiram
a iluminação do espaço.
A Just Crew tem realizado um trabalho similar ao proposto por Noble (2018)
no enfrentamento aos algoritmos da opressão: apresentando contranarrativas
que questionam a história única das trevas dos mecanismos de busca na
Internet e promovendo o engajamento de mais usuários com esse conteúdo
diferenciado. Com canais no Facebook, YouTube e no Instagram, a crew
publica diariamente fotos e vídeos de suas atividades nos espaços públicos e na
Ocupação Curumim, onde funciona o Centro de Treinamento Avançado. São
nessas redes sociais que eles divulgam a programação, horários e apresentam
outras histórias possíveis para jovens, homens, negros e periféricos como eles.
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Nessa perspectiva, podemos dizer que a Just Crew, de fato, faz a cidade. Ao
invadir o coreto da praça e usá-lo como pico para suas manobras, desobedecem
à ordem imposta sobre os usos aceitáveis para aquele local. Em seguida, a
equipe instala-se ali fazendo modificações na estrutura, adequando o espaço
para os usos que pretende fazer, reformando o entorno com o objetivo de que
mais pessoas sejam atraídas para a praça e promovendo a reabilitação daquele
local. E, com o tempo, o que se percebe é que operaram uma verdadeira
transformação urbana, pois promoveram realmente uma instalação durável
que envolveu e engajou as pessoas no uso e ocupação do espaço para diversos
outros fins (como batalhas de MC), reurbanizando um lugar antes abandonado
por medo das narrativas.
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Essas falas dos meninos deixam muito claro o quão revolucionário é o encontro
que tiveram individualmente com o skate e coletivamente entre si. A prática
dessa modalidade esportiva os colocou em contato com uma realidade diferente
daquela que vinham vivenciando, de solidão e auto-ódio. Ao reler essas
conversas e assistir aos vídeos novamente, lembro como eles foram enfáticos
quando disseram que estavam tristes em casa, sem nada para fazer, que não
tinham nada e ninguém. Volto às palavras de Breno (2018): “Não me conhecia
antes de andar de skate. Eu não sabia o que queria fazer. O que eu queria.
Eu apenas fiz coisas”. É como se ele não existisse antes, apenas reagindo aos
estímulos que recebeu.
Não é à toa que as estatísticas mostram que os negros são os que mais morrem
no Brasil. Dados do Atlas da Violência 2019 indicam que, em 2017, 75,5% das
pessoas assassinadas no país são negras. “No período de uma década (2007
a 2017), a taxa de negros assassinados aumentou 33,1%, enquanto a de não
negros apresentou um pequeno crescimento de 3,3%” (CERQUEIRA et al.,
2019, p. 49). Desde sempre, a história única sobre Ribeirão das Neves e sobre
as pessoas negras ensina para o Breno que ele não é alguém digno de existir,
digno de amar e ser amado, digno de ser reconhecido como um ser humano
com direitos e talentos, que ele não é alguém digno para sonhar.
Por isso, quando o Breno diz “o skate é a vida! Skate é a nossa vida, não tem
como!”, ele está dizendo muito mais do que “o skate é um esporte que eu não
posso viver sem”. A experiência do encontro que o skate promoveu entre esses
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jovens negros solitários, tristes e marcados para morrer, devolveu para eles
a vida. O ollie que a Just Crew oferece não é apenas sobre narrativas. Ouso
dizer que eles dão um ollie é na morte mesmo. O skate é vida! É vida porque
foi um instrumento facilitador de encontros que ousaram contar uma história
de vida, de amizade, de sonhos, de voo.
Bell hooks (2019, p. 63) também acredita no poder do amor para transformar
a realidade de quem teve que se ver e ouvir desde o nascimento em contos
de morte.
Coletivamente, as pessoas negras e nossos aliados somos empoderados
quando praticamos o autoamor como uma intervenção revolucionária
que mina as práticas de dominação. Amar a negritude como resistência
política transforma nossas formas de ver e ser e, portanto, cria como
condições necessárias para que nos movamos contra as mensagens
de dominação e morte que tomam como vidas negras.
Eles criam outras histórias. Eles não são mais apenas personagens
identificados com os papéis disponíveis. Eles se tornam autores, produtores
de conhecimento, inventores de seu território e cenário. Eles pulam alto e
giram no ar com seus shapes para que possam ser vistos. Eles dão um ollie
nos olhares que os colocavam em posições sempre abaixo. Esses olhos, agora,
se quiserem vê-los, terão que ser erguidos para cima. O skate faz barulho
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ao cair no chão depois do pulo porque eles deram um ollie no silêncio. Eles
assumem o papel de educadores sociais.
Como produtor cultural, que tipo de projeto você poderia propor para
contribuir com as novas narrativas sobre a cidade de Ribeirão das Neves?
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PARA (NÃO) FINALIZAR
O Brasil passa por importantes debates públicos a respeito das práticas culturais
que mantém um sistema de dominação das elites brancas (branquitude) sobre
os povos subjugados durante o processo de colonização (afrodescendentes,
indígenas etc.). Não podemos fugir da discussão, é fundamental somar às nossas
práticas como produtores culturais a reflexão sobre o racismo estrutural, sobre
a discriminação de raças, sobre os estereótipos, sobre as questões ligadas ao
gênero, entre outras.
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REFERÊNCIAS
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Referências
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