1.16 - A Gestão Ambiental Rumo À Economia Circular - Como o Brasil Se Apresenta Nessa Discussão
1.16 - A Gestão Ambiental Rumo À Economia Circular - Como o Brasil Se Apresenta Nessa Discussão
1.16 - A Gestão Ambiental Rumo À Economia Circular - Como o Brasil Se Apresenta Nessa Discussão
PROPPI / LATEC
DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1543
224
Revista Eletrônica Sistemas & Gestão
Volume 14, Número 2, 2019, pp. 223-231
DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1543
2.1 Economia circular: aspectos conceituais Para Lemos (2018, p. 15), a economia circular se funda-
menta em processos produtivos: “o que a natureza faz, há
As discussões sobre economia circular não são recentes milhões de anos, em linha com a constatação do famoso
e estão relacionadas com a publicação do artigo “The Eco- químico francês, Antoine Lavoisier, para o qual, ‘na Nature-
nomics of the Coming Spaceship Earth”, do economista evo- za nada se cria, nada se perde, tudo se transforma’”. Nesse
lucionista norte-americano Kenneth Boulding, apresentado sentido, a economia circular fundamenta-se nos seguintes
no Fórum sobre o Futuro e Qualidade Ambiental em Econo- princípios básicos (EMF, 2015, p. 3):
mia Crescente, em Washington, em 1966. Com a metáfora
do planeta Terra como uma nave espacial, o autor explica o 1 - Preservar e aprimorar o capital natural, controlando
modelo econômico atual, a relação com o meio ambiente, estoques finitos e equilibrando os fluxos de recursos
seus impactos e a crise ambiental moderna (Spash, 2013). renováveis;
O conceito de economia circular se caracteriza como uma 2 - Otimizar o rendimento de recursos, fazendo circular
economia que é restaurativa e regenerativa e tem como ob- produtos, componentes e materiais em uso no mais
jetivo manter produtos, componentes e materiais em seu alto nível de utilidade o tempo todo, tanto no ciclo
mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo, fazendo técnico quanto no biológico;
distinção entre ciclos técnicos e biológicos (EMF, 2015). O
conceito de concepção de berço a berço, tem o potencial de 3 - Estimular a efetividade do sistema, revelando e ex-
expandir, e não reduzir, as escolhas dos materiais disponí- cluindo as externalidades negativas desde o princí-
veis (Braungart; McDonough, 2012). pio.
No modelo linear, a economia se caracteriza pela utiliza- Observa-se que os princípios têm como base os ciclos
ção dos recursos naturais sem considerar sua limitação, na técnico e biológico, assim, a transição para um modelo de
qual os processos produtivos se constituem pela transfor- economia circular tem entre suas propostas o conceito de
mação da matéria-prima em produtos que após sua vida útil inovação, assumindo “como principal direcionador a efetivi-
são, em sua maioria, descartados sem o devido aproveita- dade sistêmica para geração de impactos positivos, no qual
mento, gerando, assim, o aumento da produção de resíduos se busca, além da eficiência e eficácia, gerar consequências
e os consequentes impactos ambientais e à saúde humana. positivas para as partes envolvidas do sistema” (Confedera-
Em oposição ao modelo linear, a economia circular se funda- ção Nacional da Indústria, 2018, p. 22).
menta em um processo cíclico no qual os resíduos são rein-
seridos no processo produtivo, seja como fonte de energia O processo de inovação deve ser voltado ao desenvolvi-
ou como subprodutos. A Figura 1 apresenta o comparativo mento de processos e produtos menos poluentes. Insere-se,
entre os dois modelos. nesse contexto, os princípios de ecodesign regulamentados
pela norma internacional ISO 14006, de 2011, também utili-
zada no Brasil, que define os critérios de produção com uso
de matéria-prima e produção de produtos que gere menos
impactos ao meio ambiente.
A simbiose industrial consiste na estratégia de negócio O ciclo biológico abrange os fluxos de materiais renová-
através da qual as empresas de diferentes setores realizam veis. O consumo só ocorre no ciclo biológico. Nutrientes re-
um trabalho colaborativo, compartilhando serviços e no uso nováveis (biológicos) são, em sua maior parte, regenerados
eficiente dos recursos. Inclui-se neste âmbito a partilha de no ciclo biológico (EMF, 2015). “Projetar para o ciclo biológico
infraestruturas, equipamentos comuns, mas também a uti- significa utilizar matérias-primas saudáveis e seguras às pes-
lização de recursos. No caso dos resíduos, a simbiose indus- soas e ao meio ambiente, sem químicos tóxicos ou processos
trial consiste na integração de empresas diferentes, no sen- de fabricação poluentes, garantindo a segurança no retorno
tido de tornar cíclico o fluxo no qual resíduos são integrados dos materiais” ao meio ambiente (EPEA Brasil, 2013, online).
à cadeia produtiva como subprodutos ou matérias-primas
(BCSD, 2013).
2.3 A economia circular na Europa
A economia de base biológica ou bioeconomia “foca na
exploração dos recursos biológicos renováveis, e na biotec- Em termos de gestão ambiental e de ações voltadas à
nologia como eixos para promover desenvolvimento sus- economia circular, as primeiras inciativas foram desenvolvi-
tentável, podendo ser dividida em três frentes: biotecnolo- das na Alemanha, com a introdução do princípio da respon-
gia industrial, produção primária e saúde humana” (CGEE, sabilidade alargada do produtor, em 1991, e, posteriormen-
2016, p. 10). te, com a adoção de uma lei sobre gestão de resíduos, em
1994, com a ideia de ciclo fechado de substâncias. Posterior-
A proposta de um sistema produtivo que seja benéfico mente, a China, em 1999 com vários projetos-piloto, criou
para as empresas, para as pessoas e principalmente para o uma lei em 2002 e, em 2008, formalizou a economia circular.
meio ambiente é apresentada através da análise dos ciclos
biológicos e técnicos, modelo Cradle to Cradle®, que visa criar O Japão seguiu nessa linha, criando sua lei de base em
fluxos cíclicos de materiais como nutrientes, conforme a Figu- 2000. A Escócia é considerada uma referência no setor da
ra 2. O modelo serviu de base para a formulação do diagrama economia circular; em 2010 apresentou o plano estratégi-
da economia circular que descreve os mesmos ciclos. co “Scotland Zero Waste Plan”. O Reino Unido aprovou, em
2012, o “Resource Security Action Plan” e, em seguida, a
O ciclo técnico envolve a gestão dos estoques de mate- Holanda, em 2016, marca posição com a introdução da me-
riais finitos. O uso substitui o consumo. Os materiais técni- todologia “Cradle to Cradle” na sua economia e na promo-
cos são recuperados e, em sua maior parte, restaurados no ção da simbiose industrial (Lemos, 2018). O conceito de eco-
ciclo técnico, ou seja, são utilizados de modo que circulem nomia circular tem se popularizado tanto no setor público
em ciclos industriais fechados, especialmente aqueles que quanto no privado.
não são produzidos de forma contínua pela biosfera. Os pro-
dutos, para serem incorporados pelo ciclo técnico, devem No contexto europeu, a economia circular ganhou expansão
ser compostos por materiais 100% recicláveis - “nutrientes a partir de 2014, quando a Comissão Europeia a adotou for-
técnicos” - e projetados de forma a garantir que as partes malmente como enquadramento conceitual, em conjunto com
possam ser desmontadas facilmente e a qualidade dos ma- uma Diretiva sobre resíduos, sendo efetivada em 2015, com a
teriais ser recuperada ou melhorada para serem utilizados aprovação do “Plano de Ação para a Economia Circular” que
para fabricação de novos produtos (EPEA Brasil, 2013). incluiu, além de novas propostas legislativas sobre resíduos,
227
Revista Eletrônica Sistemas & Gestão
Volume 14, Número 2, 2019, pp. 223-231
DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1543
indicações sobre medidas futuras em outros domínios e o res- instituída pela Lei 12.305/2010, que se constitui como um
pectivo calendário de elaboração e adoção (Santos, 2018). conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes,
metas e ações para o desenvolvimento da gestão e do ge-
As ações propostas no plano foram direcionadas para: renciamento de resíduos de forma integrada. Essa integra-
produção; consumo; gestão de resíduos; matérias-primas ção visa a cooperação entre os governos federal, estaduais
secundárias, plásticas e alimentar; matérias-primas essen- e municipais, o setor privado e a sociedade civil. Entre os
ciais; construção e demolição; biomassa e materiais de base princípios que fundamentam a PNRS estão: a visão sistêmi-
biológica; inovação e investimento; e monitorização: desen- ca na gestão de resíduos sólidos que considere as variáveis
volvimento de um quadro de monitorização para a econo- social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública;
mia circular (European Commission, 2014). o desenvolvimento sustentável, a ecoeficiência e o reconhe-
cimento do resíduo como reutilizável ou reciclável e, ainda,
Totalmente concluído o plano e suas 54 ações executa- a responsabilidade compartilhada (Brasil, 2010).
das, denominado de “pacote da economia circular”, ele foi
apresentado durante a edição de 2019 da Conferência de A ecoeficiência é apresentada na PNRS, e se fundamenta
Partes Interessadas da Economia Circular, em março, orga- mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços
nizada pela Comissão Europeia e pelo Comitê Econômico e competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfa-
Social Europeu (European Commission, 2019). No plano de çam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida
ação da União Europeia, a economia circular foi concebida e reduzam o impacto ambiental e o consumo de recursos
na perspectiva de uma articulação entre “uma economia naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade
sustentável, hipocarbónica, eficiente em termos de recur- de sustentação estimada do planeta. A dimensão social da
sos” e “prioridades de primeiro plano da UE”, designada- política pode ser entendida como o reconhecimento do resí-
mente, a competitividade, o crescimento, o emprego e a duo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico
coesão social (CNADS, 2016). e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de
cidadania (Brasil, 2010).
Em 2019, a Comissão Europeia adotou um relatório
abrangente sobre a implementação do Plano de Ação da A ecoeficiência é um modelo de gestão ambiental intro-
Economia Circular, apresentando as principais realizações do duzido em 1992 pelo World Business Council for Sustaina-
Plano de Ação e o esboço dos futuros desafios para moldar a ble Development (WBCSD), implica na gestão eficiente dos
economia e abrir caminho para uma economia circular neu- recursos, agregando valor sem que isso tenha reflexo no
tra em relação ao clima, na qual a pressão sobre os recursos aumento dos preços dos produtos ou serviços. De acordo
naturais e de água doce, bem como sobre os ecossistemas, com Barbieri (2007), o WBCSD identificou sete fatores para
é minimizada (European Commission, 2019). alcançar com êxito a ecoeficiência: (1) reduzir a intensida-
de de uso de materiais; (2) diminuir a demanda intensa de
No processo de transição para a economia, na Europa, energia; (3) reduzir a dispersão de sustâncias tóxicas; (4)
foram identificados benefícios relacionados ao uso de recur- incentivar a reciclagem de materiais; (5) maximizar o uso
sos, ao meio ambiente, à economia e a aspectos sociais, este sustentável dos recursos renováveis; (6) prolongar a vida útil
último relacionado à criação de empregos. O processo de dos produtos; e (7) incrementar a intensidade dos serviços.
transição exige necessariamente mudanças profundas, ge-
rando, portanto, custos de transição (European Environment Entre os objetivos da PNRS descritos em seu Artigo 7º,
Agency, 2016). encontram-se a não geração, redução, reutilização, recicla-
gem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposi-
ção final ambientalmente adequada dos rejeitos, seguindo
2.4 Economia circular para o Brasil esta ordem de prioridades, reforçada no Artigo 9º; e estímu-
lo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo
A economia circular marca um processo de mudanças de bens e serviços (Brasil, 2010). Observa-se que os princí-
estruturais, sociais, econômicas e ambientais. As inciativas pios e os objetivos da PNRS buscam de forma abrangente
que a caracterizam “marcam o início de uma nova fase das integrar os esforços no desenvolvimento de ações que visem
legislações ambientais em vários países, em que os recur- atender às necessidades da população, pautadas no desen-
sos devem ser utilizados de maneira mais eficiente” (Araújo; volvimento sustentável, através do uso racional dos recur-
Vieira, 2017, p. 54). Para os autores citados, apesar de o Bra- sos e o respeito às diversidades locais e regionais através de
sil adotar algumas iniciativas, estas ainda se apresentam de uma visão sistêmica.
forma inconsistente e constante.
Ressalta-se a importância da logística reversa tratada no
No Brasil, a economia circular deu seus primeiros pas- Artigo 33 da PNRS, que regulamenta o retorno das emba-
sos com a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), lagens dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma
228
Revista Eletrônica Sistemas & Gestão
Volume 14, Número 2, 2019, pp. 223-231
DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1543
independente do serviço público de limpeza urbana e de Observa-se que esse processo envolve uma série de mu-
manejo dos resíduos sólidos, sendo responsáveis por esse danças necessárias, entre elas: “revolução no projeto dos
retorno os fabricantes, importadores, distribuidores e co- produtos, encorajando aspectos como longevidade, dura-
merciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, bilidade, potencial de reparo, possibilidade de atualização
assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, (upgrade), reuso, remanufatura e reciclagem” (Ribeiro; Kru-
constitua resíduo perigoso, observadas as regras de geren- glianskas, 2014, p. 19).
ciamento de resíduos perigosos (Brasil, 2010). As emba-
lagens com ciclo reverso obrigatório são apresentadas na A publicação “Economia Circular no Brasil: uma abor-
Figura 3. dagem exploratória inicial”, lançada em 2017 pela Ellen
Macarthur Foundation, apresenta uma série de ações pro-
postas para o Brasil, destacando as atividades de econo-
mia circular já existentes e buscando identificar possíveis
oportunidades de dar escala a essas atividades. “Com ca-
racterísticas mercadológicas e sociais únicas e capital na-
tural incomparável, o Brasil é um cenário atraente para a
exploração de oportunidades que a economia circular po-
deria trazer para a construção do capital econômico, social
Figura 3. Logística reversa obrigatória e natural” (EMF, 2017, p. 10).
Fonte: Elaborado a partir do Art. 33 da PNRS (Brasil, 2010)
O estudo “se baseia na reunião de conclusões extraídas de
A PNRS prevê, ainda, além da redução na geração de re- entrevistas aprofundadas com mais de 25 representantes de
síduos, a proposta de práticas de hábitos de consumo sus- negócios, acadêmicos e formuladores de políticas no Brasil
tentável e um conjunto de instrumentos para propiciar o au- que estão trabalhando nesse espaço e incorpora feedback da
mento da reciclagem e da reutilização dos resíduos sólidos inteligência coletiva da rede CE100 Brasil” (EMF, 2017, p. 6).
(Brasil, 2010).
As ações propostas no estudo estão distribuídas em três
Os avanços rumo à economia circular no Brasil foram setores importantes para a economia brasileira: agricultura
apresentados no Seminário FIRJAN Ação Ambiental, realiza- e ativos da biodiversidade, edifícios e construção e equipa-
do em 2016. Com o painel “Caminhos possíveis”, o Serviço mentos eletroeletrônicos. Nesse contexto, a economia circu-
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) lar deve se implementada de forma abrangente, a exceção
apresentou ações que já estão sendo desenvolvidas para para a agricultura, que para a proposta exclui a agropecuária
implementar a economia circular em indústrias fluminen- (EMF, 2017; Santos, 2018).
ses, com investimento em diversas cadeia produtivas, tais
como: turismo, moda, economia criativa, alimentos, base Para os setores específicos, a ideia é de que no caso da
tecnológica, construção civil, petróleo, naval e off Shore agricultura sejam ampliados os esforços existentes, desen-
(energias limpas) (Las Heras, 2016). Outras inciativas como volvendo modelos de negócios regenerativos em agricultura
a da Companhia Energética de Minas Gerais S.A (CEMIG) e e ativos da biodiversidade, estimulando o setor de biointeli-
a do Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE) gência potencializado pela tecnologia rumo à uma economia
foram apresentadas no seminário internacional “Economia ecológica. No setor de edificações e construção, a proposta
Circular e sustentabilidade na gestão de resíduos sólidos ur- da economia circular é de que através do uso da tecnologia a
banos”, que também aconteceu em 2016 no Rio de Janeiro economia circular possa integrar os projetos de construções
(Santos, 2018). sustentáveis (EMF, 2017; Santos, 2018).
A pesquisa intitulada “Fechando o ciclo: os benefícios da Outro destaque vai para o setor de eletroeletrônicos que,
economia circular para os países em desenvolvimento e as no Brasil, em 2016, as indústrias apresentaram um fatura-
economias emergentes”, da Ellen MacArthur Foundation, mento de R$ 129,4 bilhões, apesar da retração no mercado
trata da economia circular no Brasil. As análises realizadas com relação às vendas de 2015. O setor foi um dos mais re-
nesse trabalho buscaram evidências das vantagens eco- presentativos para economia do país no período (ABINEE,
nômicas, sociais e ambientais da economia circular sobre 2017). A proposta da economia circular para o setor é criar
a linear no contexto brasileiro e ainda buscou identificar o oportunidades de negócio, integrando os setores formais e
papel do governo nesse processo, no sentido de investir na informais, desenvolvendo processos que visem reduzir cus-
promoção dos modelos produtivos circulares (Fernandes, tos e o melhor aproveitamento através do compartilhamen-
2016; Santos, 2018). to de serviços, estimulando a logística reversa (EMF, 2017).
229
Revista Eletrônica Sistemas & Gestão
Volume 14, Número 2, 2019, pp. 223-231
DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1543
3. DESAFIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DA ECONOMIA Com relação à falta de investimentos, há um longo cami-
CIRCULAR NO BRASIL nho a trilhar. Na esfera municipal, as dificuldades na gestão
e manejo dos resíduos estão relacionadas à capacidade fi-
A implementação da economia circular, de acordo com nanceira e técnica, o que compromete a efetividade da PNRS
Ritzén e Sandström (2017), apresenta algumas barreiras no (Monterosso, 2016). A dificuldade é evidenciada pela demo-
processo de transição, entre as quais os autores citam: fi- ra na elaboração dos Planos Municipais de Gestão Integrada
nanceira, operacional, estrutural, atitudinal e tecnológica. de Resíduos Sólidos (PMRIRS): do total de municípios, so-
Nas análises apresentadas, os autores identificaram que as mente 38,2% estavam com os planos finalizados em 2017
barreiras estão relacionadas à falta ou ao pouco conheci- (Confederação Nacional dos Municípios, 2017).
mento da economia circular e à aversão a riscos por parte
das empresas. No nível estrutural foram identificadas ques- A questão da dispersão geográfica é emblemática por
tões relacionadas às responsabilidades e atribuições de ta- ser o Brasil marcado por grandes diferenças econômicas e
refas. A tecnológica foi vista como responsável por grandes sociais em suas regiões. Esse aspecto pode dificultar a inte-
transformações, o que consequentemente implica em reor- gração de processos entre empresas para que possam com-
ganização dos processos de gestão e produção. No entanto, partilhar sua produção.
são barreiras que se constituem como desafios por não ser
uma questão de escolha entre mudar ou não para adoção Outro aspecto considerado como desafio de transição
de processos produtivos eficientes e ambientalmente sus- para a economia circular tem relação com as regras do sis-
tentáveis. É uma questão de necessidade imposta pelas con- tema de tributação indireta no Brasil, que possibilitam que
dições atuais dos problemas ambientais. haja cobrança de tributos mais de uma vez sobre o mesmo
valor adicionado. Toda vez que um produto é vendido, par-
Para o Brasil, não tão diferente do que vem ocorrendo te do imposto é cobrada de forma repetida, tornando os
em outros países, a mudança para uma economia circular produtos mais caros (Confederação Nacional da Indústria,
não se apresenta como um processo simples, algumas bar- 2018).
reiras e limitações são identificadas. Andrade et al. (2018,
pp. 15-16), em estudo analisando o caso do Brasil, identifi-
caram que as barreiras que precisam ser superadas e que se 4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
constituem como desafios estão relacionados aos seguintes
aspectos: ”1 - insuficiência na separação dos resíduos na A pesquisa foi desenvolvida através de revisão bibliográ-
fonte; 2 - pouca aceitação dos produtos reciclados por con- fica exploratória visando fundamentar o campo de estudo.
sumidores e empresas; falta de investimentos e incentivos O levantamento bibliográfico foi realizado a partir da análise
políticos e dispersão geográfica para empresas do mesmo de fontes secundárias em livros, documentos e artigos publi-
ciclo”. cados em periódicos nacionais e internacionais. “A pesqui-
sa exploratória tem como principal finalidade desenvolver,
Entretanto, a superação desses desafios envolve um con- esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a
junto de ações que desenvolvam uma conscientização da formulação de problemas mais precisos ou hipotéticos pes-
necessidade de mudanças para uma economia ecológica de quisáveis para estudos posteriores” (Gil, 2008, p. 27).
forma sistêmica. Isso implica em fortalecer as políticas am-
bientais, mais especificamente a PNRS. O incentivo à supera- Para Marconi e Lakatos (2009), esse tipo de pesquisa se
ção dos desafios, como a insuficiência na separação dos re- caracteriza pelo levantamento da bibliografia sob suas varia-
síduos e pouca aceitação dos produtos reciclados, deve ser das formas a respeito do tema. Inclui-se nessa abordagem a
guiado por ações de educação ambiental em todos os níveis. pesquisa documental, que tem como objetivo a caracteriza-
ção do estudo em seu contexto (Cooper; Schindler, 2011).
A educação ambiental deve estar alinhada às informações
que possam desenvolver a conscientização para a proteção A pesquisa documental teve como base as publicações da
ambiental. Nesse sentido, é preciso desenvolver condutas Fundação Ellen MacArthur 2012, 2015 e 2016, o relatório da
de responsabilidades no âmbito social, econômico e am- Comissão Europeia para o Desenvolvimento Sustentável, a
biental, através das mudanças de atitudes e do entendimen- PNRS e a norma ISO 14006 de 2011 que dispõe sobre Siste-
to da relação que se deve ter com as questões ambientais. mas de Gestão Ambiental e as Diretrizes para a incorporação
Essas transformações envolvem processos educacionais não do Ecodesign. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de natu-
somente formais, mas das mais variadas formas que possam reza essencialmente qualitativa.
desenvolver a consciência para a cidadania ambiental (San-
tos; Horn, 2017).
230
Revista Eletrônica Sistemas & Gestão
Volume 14, Número 2, 2019, pp. 223-231
DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1543
Ellen MacArthur Foundation – EMF (2015). Rumo à Economia para uma região RICA - resiliente, inteligente, circular e atrac-
Circular: o racional de negócio para acelerar a transição. Dis- tiva. Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional
ponível em:< https://www.ellenmacarthurfoundation.org/as- de Lisboa e Vale do Tejo, Lisboa.
sets/downloads/Rumo-a%CC%80-economia-circular_Upda-
Marconi, M. A.; Lakatos, E. M. (2009). Metodologia do traba-
ted_08-12-15.pdf>. Acesso em: 10 maio 2017.
lho científico. 7. ed. Atlas, São Paulo.
Ellen MacArthur Foundation – EMF (2016), “Circular Economy
Monterosso, E. P. (2016). “Política nacional de resíduos sóli-
in India: rethinking growth for long-term prosperity”. Dis-
dos: o olhar crítico de um gestor público”. In: Amaro, A. B.;
ponível em: < https://www.ellenmacarthurfoundation.org/
Verdum, R. (Orgs.). Política nacional de resíduos sólidos e suas
assets/downloads/publications/Circular-economy-in-India_5-
interfaces com os espaços geográficos: entre conquistas e de-
-Dec_2016.pdf>. Acesso em: 10 maio 2017.
safios. Letra1, Porto Alegre. pp. 22-30.
Ellen MacArthur Foundation – EMF (2017). CE100 Brasil - Uma
Organización Internacional de Normalización - ISO (2011). ISO
Economia Circular no Brasil: uma abordagem exploratória ini-
14006:2011(es) - Sistemas de Gestión Ambiental – Directrices
cial. Ellen Macarthur Foundation.
para la incorporación del ecodiseño. Disponível em: <https://
EPEA Brasil (2013), “Os Princípios de Design Cradle to Cra- www.iso.org/obp/ui#iso:std:iso:14006:ed-1:v1:es:sec:4.2>.
dle®”. Disponível em: <http://www.epeabrasil.com/?page_ Acesso em 20 out. 2017.
id=907>. Acesso em: 10 maio 2017.
Ribeiro, F. M.; Kruglianskas, I. (2014), “A Economia Circular
European Commission (2014), “Towards a circular economy: no contexto europeu: conceito e potenciais de contribuição
a zero waste programme for Europe”. Bruxelas, 8 Oct. 2014, na modernização das políticas de resíduos sólidos “. In: XVI
disponível em: <https://www.oecd.org/env/outreach/EC-Cir- ENGEMA - Encontro Internacional sobre Gestão Empresarial e
cular-econonomy.pdf>. Acesso em: 10 maio 2017. Meio Ambiente. Anais. Disponível em: < http://www.engema.
org.br/XVIENGEMA/473.pdf>. Acesso em: 10 maio 2017.
European Commission (2019), “Comissão apresenta resulta-
dos do Plano de Ação para a Economia Circular”, disponível Ritzén, S.; Sandström, G. Ö. (2017), “Barriers to the Circular
em: <https://ec.europa.eu/portugal/news/commission-de- Economy – Integration of Perspectives and Domains”. Proce-
livers-on-circular-economy-action-plan_pt>. Acesso em: 10 dia CIRP; Vol. 64, pp. 7-12. Disponível em: <https://www.scien-
maio 2017. cedirect.com/science/article/pii/S221282711730149X#!>.
Acesso em: 15 dez. 2018.
European Environment Agency – EEA (2016). Circular eco-
nomy in Europe: developing the knowledge base. EEA Report, Santos, G. M. A. (2018), “Gestão ambiental e economia circu-
No. 2/2016. Luxembourg: Publications Office of the European lar: ações propostas para o Brasil”. In: Locatelli, M. R. C (Org.).
Union. Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Vol. 9. Belo Hori-
zonte, MG: Poisson. Cap. 12. pp. 137-148.
Fernandes, A. G. (2016), “Fechando o ciclo: os benefícios da
economia circular para os países em desenvolvimento e as Santos, J. V.; Horn, L. F. R. (2017), “A educação e a conscienti-
economias emergentes”. Tearfund Brasil; EPEA Brasil; Nures, zação ambiental no desenvolvimento sustentável”. In: Olivei-
2017. Disponível em: < https://learn.tearfund.org/~/media/ ra, M. M. D. et al. (Orgs.). Cidadania, meio ambiente e susten-
files/tilz/circular_economy/2016-tearfund-fechando-o-ciclo- tabilidade. Caxias do Sul, RS: Educs. pp. 214-224.
-pt.pdf?la=en>. Acesso em: 12 maio 2017.
Spash, C. L. (2013), “The Ecological Economics of Boulding’s
Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. Spaceship Earth”. SRE-Discussion. Institut für Regional- und
Atlas, São Paulo. Umweltwirtschaft. Institute for the Environment and Regional
Development. Disponível em: <www-sre.wu.ac.at/sre-disc/
Las Heras, M. D. (2016), “Painel “Economia Circular: caminhos
sre-disc-2013_02.pdf>. Acesso em: 10 maio 2017.
Possíveis”. In: Seminário Ação Ambiental: Economia Circular e
Logística Reversa, Rio de Janeiro, RJ. Westerlo, B. V. (2011), “Sustainable Development and the
Cradle to Cradle® Approach: a literature study of the oppor-
Lemos, P. (2018). Economia Circular como fator de resiliência
tunities to apply the Cradle to Cradle® approach in the built
e competitividade na região de Lisboa e Vale do Tejo: estudos
environment”. University of Twente, Enschede.