Como Punir
Como Punir
Como Punir
Disciplinar do Exército
Suas adequações à Constituição Federal de 1988, o processo de
apuração disciplinar, o Formulário de Apuração de Transgressão
Disciplinar e principais falhas das autoridades julgadoras
O
presente trabalho enfoca a questão no Brasil, que ninguém deve ter sua liberda-
do Direito Constitucional Militar e de de locomoção tolhida sem antes ter passa-
do Direito Disciplinar Militar, dando do por um julgamento justo e acompanhado
destaque às adequações do Novo Regulamen- de um processo que permita o total direito ao
to Disciplinar do Exército, em vigor a partir contraditório e à ampla defesa.
de 2002, à Constituição da República de 1988 O tema é de grande importância para
(CRFB) e às principais falhas das autoridades os quartéis, mais precisamente para as auto-
julgadoras das transgressões disciplinares. ridades julgadoras dos Formulários de Apu-
As autoridades militares tiveram de se ração de Transgressão Disciplinar (FATD) e
adaptar ao novo ordenamento jurídico im- para os comandantes de organização militar.
posto pela nova Carta Magna, que deixou Uma falha gera transtornos administrativos,
uma série de dúvidas quanto a diversos pro- como anulações e cancelamentos de punições
cedimentos que outrora eram considerados por não cumprimento da legislação vigente,
corriqueiros. Por isso, durante a década de e, muitas vezes, processos judiciais. Essas sus-
noventa e o início do século XXI, o Coman- pensões normalmente ocorrem por procedi-
do do Exército emitiu várias orientações aos mentos inadequados pelos responsáveis pelos
seus subordinados, de forma a sanar possíveis processos, como, por exemplo, a punição de
entendimentos equivocados e não haver pre- militar por alteração diversa da constante no
juízos aos militares. Formulário de Apuração de Transgressão
No transcurso do julgamento das Disciplinar e o não cumprimento de prazos.
transgressões, a autoridade competente para Outro equívoco bastante perceptível é
julgar o cometimento ou não da alteração de- a insegurança demonstrada no momento em
para com diversas situações às quais o trans- que o possível transgressor recorre ao apoio
* Maj Art (AMAN/00, EsAO/08), pós-graduado em Direito Militar (UGF/14). Atualmente, é instrutor da EsAO.
REB 73
de advogado. Os procedimentos são idênti- pecialistas em direito militar.
cos, modificando apenas que o julgador deve Os militares do Exército estão sujei-
estabelecer contato com o operador do direi- tos ao Regulamento Disciplinar do Exército
to; mas ele não o faz, o que, em muitos casos, (RDE), criado por meio do Decreto nº 4.346,
provoca uma decisão injusta, por não querer de 26 de agosto de 2002.
se indispor com o profissional do direito. Por diversas razões, o militar pode ser
que erre, cometa um equívoco ou tenha uma
Transgressão disciplinar atitude ou prática errada, que seria denomi-
nada de transgressão disciplinar. Esta é defi-
O Exército Brasileiro é uma instituição nida pelo RDE no seu artigo 14:
secular, organizada nas bases de seus pilares
da hierarquia e da disciplina, conforme o ar- Transgressão disciplinar é toda ação pra-
tigo 142 da CRFB: ticada pelo militar contrária aos preceitos
estatuídos no ordenamento jurídico pátrio
ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações
As Forças Armadas, constituídas pela Mari-
militares, mesmo na sua manifestação ele-
nha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
mentar e simples, ou, ainda, que afete a
instituições nacionais permanentes e regu-
honra pessoal, o pundonor militar e o de-
lares, organizadas com base na hierarquia
coro da classe.
e na disciplina, sob a autoridade suprema
do Presidente da República, e destinam-se
à defesa da Pátria, a garantia dos poderes Caberá à autoridade competente
constitucionais e, por iniciativa de qualquer apurar o ocorrido por meio do Formulário
destes, da lei e da ordem. de Apuração de Transgressão Disciplinar
(FATD), que é uma ferramenta que tem por
A Carta Magna brasileira faz alusão à objetivo ajudar na análise da conduta prati-
transgressão disciplinar no seu Título II – cada pelo militar, acusado, em princípio, de
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDA- uma transgressão disciplinar estabelecida no
MENTAIS, Capítulo I – DOS DIREITOS E Anexo I do RDE.
DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, Como consequência, o infrator está su-
artigo 5º, inciso LXI: jeito a uma possível sanção disciplinar, que
pode variar de uma simples advertência ao li-
Ninguém será preso senão em flagrante de- cenciamento ou exclusão a bem da disciplina.
lito ou por ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária competente, salvo
nos casos de transgressão militar ou crime O novo Regulamento Disciplinar do
propriamente militar, definidos em lei. Exército
74 REB
a ele conferida pelo artigo 84, inciso IV da através de preenchimento do FATD. Agora,
Constituição da República, de acordo com o somente o Cmt do Exército ou comandante,
artigo 47 da Lei nº 6.880, de nove de dezem- chefe ou diretor de organização militar pode
bro de 1980. aplicar a punição de “prisão disciplinar”,
Esse regulamento revogou o datado além do direito de ser ouvido pela autoridade
de 1984, anterior à CRFB, antiquado à nova competente, de produzir provas, de recorrer,
ordem constitucional e que necessitava de de a punição iniciar apenas após a publicação
uma atualização. no boletim interno e com as datas de início e
O novo instituto disciplinar nasceu ei- término especificadas, entre algumas outras.
vado de discussões sobre sua constitucionali-
dade, pois algumas instituições alegam que o A necessidade do Regulamento
RDE, da forma como foi promulgado, seria Disciplinar
inconstitucional.
A discussão foi levada ao Supremo Tri- No Brasil, a liberdade é a regra, e o
bunal Federal pelo procurador-geral da Re- cerceamento dela, uma exceção, que, no
pública, por meio da Ação Direta de Incons- caso do Exército, somente pode ser aplica-
titucionalidade nº 3.340. Em 3 de novembro da pelas autoridades elencadas no artigo 10
de 2005, foi considerado constitucional o e seus incisos e alíneas do RDE.
novo RDE. A punição disciplinar não deve ser
Hoje em dia, alguns doutrinadores um instrumento de coação, mas uma me-
mantêm o pensamento contrário ao STF, dida visando garantir a disciplina e a hie-
tais como Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, que rarquia nas diversas organizações militares
entende que a origem do regulamento disci- e até mesmo fora dos aquartelamentos.
plinar deva ser por meio de lei provinda do O senso de impunidade, que toma
Poder Legislativo. conta do país, não pode vigorar, e a punição
O Exército Brasileiro necessitava se visa evitar essa ocorrência.
adequar à Carta Magna no que tange ao seu A punição é um instrumento de con-
processo disciplinar. Assim, elaborou o novo trole da disciplina e da hierarquia militar,
regulamento, com as adaptações necessárias, assim como uma possibilidade para que o
sendo a mais importante a criação do Formu- punido reflita e tenha aprimoramento pro-
lário de Apuração de Transgressão Discipli- fissional e pessoal. Ela visa repreendê-lo e
nar (FATD), que garante ao possível trans- reeducá-lo para que não se repitam os mes-
gressor o direito de apresentar sua defesa mos equívocos.
por escrito e outras formas de defesa, como o O respeito às normas disciplinares e
direito de ser ouvido, arrolar testemunhas e a às leis em geral é uma premissa a ser obser-
plenitude do contraditório e da ampla defesa. vada por todos os integrantes do Exército.
O Novo RDE trouxe outras inovações A aplicação da sanção disciplinar objetiva
para a apuração de transgressões discipli- repreender e reeducar o transgressor e, as-
nares, além da exigência da defesa escrita sim, não comprometer suas funções.
REB 75
O processo de apuração disciplinar Preenchido o formulário, dá-se ciência
atual ao transgressor com base no Art 35, § 2º, VIII
do RDE.
A parte dá início a todo o procedi- Assim, confecciona-se a nota de puni-
mento. Ela deve ser clara, precisa e concisa; ção, baseada no modelo do Anexo II do RDE,
qualificar os envolvidos e as testemunhas; que segue para publicação em boletim inter-
discriminar bens e valores; precisar local, no. Com a distribuição deste, a punição inicia.
data e hora da ocorrência e caracterizar as Esse processo descrito acima é para a
circunstâncias que envolveram o fato, sem sequência de militares da mesma organização
tecer comentários ou emitir opiniões (Art militar, subordinação correta entre os envol-
12, § 1º do RDE). vidos, competência para julgamento e apli-
A autoridade a quem a parte é dirigi- cação da punição e boletim interno na OM;
da toma conhecimento e tem até oito dias logo, sem as exceções que podem ocorrer no
úteis para dar a solução, conforme o Art 12, trâmite do processo.
§ 5º do RDE. Se ela for uma das elencadas no
Art 10 do RDE, deverá determinar a confec- Classificação da transgressão
ção de um FATD para o possível transgressor.
Ao receber o formulário, o transgressor As autoridades julgadoras devem ve-
tem até três dias úteis para apresentar, por rificar o nível de gravidade da transgressão
escrito, suas alegações de defesa, produzir e, assim, decidir pelo tipo de punição a ser
provas e anexar documentos para a defesa, aplicada, obedecendo aos limites de sua
conforme os anexos IV e V do RDE. aplicação.
Recebido o formulário preenchido, a Um exemplo claro de erro no proces-
autoridade competente para julgamento e so é a aplicação de prisão disciplinar pela
aplicação da punição ouvirá pessoalmente o autoridade julgadora ao transgressor, dian-
transgressor, ouvirá testemunhas e juntará te de transgressão classificada como média.
provas favoráveis ou desfavoráveis à defesa. Esse é um erro concreto e de muita ocor-
Ao esgotar todo o contraditório e a ampla de- rência nas organizações militares.
fesa, iniciará o julgamento da transgressão, A classificação da punição também
decidindo se é caso para punição ou não. No deve ser precedida pela verificação da
caso de o julgador decidir pela punição, deve ocorrência de circunstâncias agravantes e
contra-argumentar todos os pontos levanta- atenuantes, conforme os artigos 20 e 19,
dos pelo transgressor, fundamentando sua respectivamente, do RDE, caso não haja
posição nas normas vigentes de forma clara causa de justificação para o cometimento
e precisa. Após isso, deve enquadrar a trans- da transgressão, com base no artigo 18 do
gressão à luz do Anexo 1 do RDE, classificar a RDE.
transgressão, verificar as circunstâncias agra- As circunstâncias atenuantes e agra-
vantes e atenuantes e definir o tipo de puni- vantes serão inclusas na nota de punição a
ção e seu tempo. ser publicada em boletim interno e na de-
76 REB
cisão da autoridade julgadora, no verso do Cuidados devem ser tomados quan-
formulário que registrou sua decisão. do se descreve a transgressão, não podendo
Ressalte-se que, se for reconhecida constar comentários deprimentes ou ofensi-
uma causa de justificação, não haverá puni- vos, pensamentos inadequados ou opiniões
ção, com fundamento no parágrafo único do pessoais.
Artigo 18 do RDE. Elaborada a nota de punição com to-
dos os seus elementos, ela deve ser publicada
Aplicação da punição disciplinar em boletim interno, de maneira a formalizar
a aplicação da punição disciplinar e iniciar os
O artigo 34 do RDE descreve as fases prazos de cumprimento.
da aplicação da punição disciplinar, que são O boletim interno é o da organização
a elaboração da nota de punição (Modelo do militar (OM) a que pertencem a autoridade
Anexo II do RDE), sua publicação em bole- julgadora e o punido. Caso a OM não possua
tim interno (exceto para advertência) e o re- boletim interno, aquela deve solicitar, por es-
gistro na ficha disciplinar do militar. crito, a publicação em boletim no escalão ime-
Os oitos parágrafos do artigo 34 tecem diatamente superior.
as obrigações necessárias para a correta apli-
cação da punição. As principais falhas das autoridades
A nota de punição deve conter a des- julgadoras de uma transgressão
crição sumária, clara e precisa dos fatos, não disciplinar
permitindo dúvidas acerca da alteração co-
metida, incluindo o número da mesma, que O processo de apuração disciplinar tem
se enquadra no Anexo I do RDE. Deve corre- uma sequência, que deve ser cumprida. Ele
lacionar as circunstâncias configuradoras da inicia na verificação da possível transgressão
transgressão com o prescrito no RDE e fazer até a formalização da punição com a publica-
referência à legislação que fora contrariada ção em boletim interno.
ou que tenha sido alvo de omissão, se distin- Uma falha grave, que fere até mesmo
tas ao RDE. a CRFB, é a entrega do formulário de apu-
As atenuantes e as agravantes são inclu- ração de transgressão disciplinar a militar, já
sas na nota de punição como forma de justificar dizendo a este que será punido. Essa atitude
o tipo de punição e o número de dias, maior ou fere o princípio da presunção de inocência,
menor, pelo confronto quantitativo daquelas. pois o preenchimento da defesa pelo possível
O próximo item é a classificação da transgressor passa a ser mera formalidade, já
transgressão, que terá como consequência a que a autoridade julgadora possui juízo de
punição disciplinar referente a ela. Em segui- valor da situação e deverá ser muito difícil
da, determinam-se o local para cumprimen- modificá-lo.
to, a classificação do comportamento militar Outro erro é a perda de prazo pela au-
(se praça) e as datas de início e término do toridade para cumprir as formalidades neces-
cumprimento da punição. sárias ao processo. Ela não toma sua decisão
REB 77
dentro do prazo de oito dias úteis, conforme No formulário, vem especificada a
o previsto no parágrafo 6º do artigo 12 do possível transgressão, e o militar se defende
RDE. desta; assim, fica restrito a determinado teor.
Em relação a isso, pode-se citar tam- Assim, o julgamento deve-se ater apenas ao
bém a não concessão dos três dias úteis para o constante no relato do fato. A decisão da au-
transgressor escriturar sua defesa. Entrega-se toridade se refere ao que está escrito desde
ao transgressor apenas para que ele assine — o início do processo. Caso seja relatada pelo
sem lhe explicar do prazo correto de entrega transgressor uma situação que a autoridade
e que o formulário serve para ele apresentar enquadre como outra transgressão, não deve
sua defesa —, punindo-o depois à revelia. decidir pela punição por este relato e sim
Outro equívoco é não ouvir o militar providenciar a entrega de outro formulário
pessoalmente, como prescreve a alínea II do de apuração a aquele.
parágrafo 2º do artigo 35 do RDE. A autori- A punição tem limite de dias, e a auto-
dade tem o dever de chamar o transgressor ridade tem de se ater a essa formalidade, não
e ouvi-lo, perguntar-lhe se tem algo mais a decidindo por punições além dos limites de
declarar, se quer apresentar mais provas ou 30 dias, para detenção e prisão disciplinares,
testemunhas. Esse é um procedimento que e de dez dias, para impedimento disciplinar,
deve ser juntado ao formulário, através de conforme o parágrafo único do artigo 24 do
declaração ou assinado no próprio formulá- RDE.
rio, como forma de comprovar o cumprimen- Na nota de punição, vai constar a clas-
to dessa formalidade. sificação da transgressão, baseada na gravida-
A autoridade deve rebater os argumen- de desta. De acordo com a classificação em
tos elencados pelo transgressor na sua defesa, leve, média ou grave, a autoridade não pode
não deixando nenhum sem a contra argu- classificar a transgressão e punir de forma
mentação. É inadmissível o julgador simples- distinta ao previsto nas alíneas do inciso I do
mente colocar que decide punir o transgres- artigo 37 do RDE.
sor sem rebater a defesa deste. Um erro grave ocorre também devido
Outra situação que não pode aconte- à mudança no novo RDE, na qual somente
cer é o militar ser punido sem tomar ciência o comandante de OM pode aplicar a puni-
da existência do formulário de apuração de ção de prisão disciplinar (artigo 38 do RDE).
transgressão disciplinar, pois, dessa forma, Anteriormente, o militar era preso discipli-
também não existe a concessão do contradi- narmente pelo comandante da OM apenas
tório e da ampla defesa. na primeira vez em que era assim decidido.
O cumprimento de punição disciplinar Se o militar incorresse novamente em trans-
inicia com a distribuição do boletim interno gressão e a decisão fosse a aplicação de prisão
da OM; logo, é um erro colocar na nota de disciplinar, não era necessário que esta fosse
punição o início do cumprimento com data aplicada pelo comandante de OM, mas outra
anterior ou mesmo posterior. O artigo 47 do autoridade competente elencada no Anexo
RDE deixa bem clara essa situação. III poderia decidir pela prisão, confeccionar
78 REB
a nota de punição e encaminhar para publi- riores à possível transgressão, de forma que
cação em boletim interno. Logo, é errado não esteja inapta a julgar o FATD antes de
uma autoridade diversa do comandante da o transgressor apresentar a defesa. Ela não
OM sancionar um subordinado com prisão pode entregar o formulário e estar decidida
disciplinar. a punir a qualquer custo. A autoridade deve
Outra falha é não levar em considera- estar apta a aceitar uma justificativa sobre o
ção as circunstâncias atenuantes (artigo 19 motivo pelo qual o militar foi levado a tomar
do RDE) e agravantes (artigo 20 do RDE) na determinada atitude.
gradação e julgamento da transgressão. A pu- Atenção deve ser dada aos prazos do
nição não pode atingir seu limite máximo se processo, pois é normalmente o não cum-
ocorrerem apenas aquelas (inciso II do artigo primento destes que acarreta sua nulidade.
37 do RDE). Já se existirem ambas, a punição O tempo para devolução do formulário é de
tem que ser aplicada conforme a que prepon- até três dias úteis para o militar apresentar
derar (inciso III do artigo 37 do RDE). sua defesa; logo, não pode ser pressionado a
entregar antes do limite ou a faze-lo em si-
Orientações no julgamento de uma tuações desfavoráveis e/ou desconfortáveis
transgressão disciplinar (um exemplo é o militar responder estando
internado em hospital). O prazo para a solu-
Na seção anterior, foram elencadas vá- ção da parte escrita recebida — e origem do
rias falhas que acontecem durante o processo formulário — é de oito dias úteis; assim sen-
de apuração de transgressão disciplinar. Elas do, a autoridade não pode punir o militar de-
acarretam, muitas das vezes, nulidade do pois em prazo superior a esse, exceto quando
processo pela via administrativa ou pela via pede, em tempo hábil, dilação do mesmo em
judicial. Isso acarreta transtornos administra- 30 dias úteis, com a publicação em boletim
tivos, pois obriga a Administração Pública a interno e a fundamentação do motivo da ne-
rever todo o processo já finalizado. cessidade da prorrogação.
Do exposto acima, sugere-se tomar al- O contraditório e a ampla defesa de-
guns procedimentos e cuidados durante todo vem ser permitidos na sua totalidade, não po-
o processo disciplinar. dendo haver nem a mínima restrição desses
Os comandantes, em todos os níveis, direitos constitucionais. Deve-se conceder ao
orientem seus subordinados sobre o respeito transgressor a possibilidade de produzir pro-
às normas militares, a toda a legislação. As ins- vas, de obter documentos que ele ache neces-
truções de Justiça e Disciplina e de Hierarquia sários à defesa, de ter conhecimento do que
e Disciplina devem ser exaustivamente deba- lhe é imputado, de ser ouvido pessoalmente,
tidas. O respeito ao próximo e à hierarquia e de arrolar testemunhas para defesa e de utili-
à disciplina deve ser algo natural do militar, zar os recursos cabíveis.
assim como à educação, nos mínimos detalhes. O julgador deve rebater todos os argu-
A autoridade julgadora do processo mentos apresentados pelo transgressor, mes-
disciplinar deve estar livre de conceitos ante- mo que sucintamente e em poucas palavras,
REB 79
deixando claro que a defesa apresentada não A decisão de aplicar a punição discipli-
é suficiente para justificar a transgressão. nar lançada no FATD é da autoridade militar
Outra situação que não pode acontecer competente para punir (artigo 10 do RDE)
é uma autoridade ouvir o transgressor, e ou- e que efetivamente julgou as justificativas de
tra ser aquela a julgar se ocorreu ou não a defesa do militar. Na hipótese de a autoridade
transgressão. Assim sendo, quem ouve, deve julgadora entender que a sanção adequada
obrigatoriamente ser quem vai julgar e deci- está além de sua competência (Anexo III do
dir se houve ou não transgressão e se haverá RDE), deve lançar tal entendimento no for-
a punição. mulário e encaminhar à autoridade cabível
Sugere-se também atentar para a classi- para punir, que ouvirá o suposto transgres-
ficação da transgressão e, consequentemente, sor, analisará os fatos e as razões de defesa,
o limite da punição a ser imputada. Dessa for- lançando sua decisão e assinando o docu-
ma, uma transgressão leve não pode resultar mento (parágrafo 1º do artigo 35 e parágrafo
em uma detenção, mesmo de um dia, ou uma 4º do artigo 40, ambos do RDE).
transgressão média, em uma prisão discipli- Não existe a obrigatoriedade de a au-
nar. toridade que entregou o FATD ser a mesma
Outra orientação é atentar para o que a ouvir o militar, analisar suas razões de de-
está no relato do fato no FATD. O motivo da fesa, decidir ou não pela aplicação da sanção
punição não pode ser diverso desse relato. disciplinar e assinar o documento. Na segun-
Para finalizar as orientações, serão lis- da parte, é que deve ser a mesma autoridade
tadas outras situações a serem seguidas pelas para todos os procedimentos.
autoridades julgadoras: A decisão pela punição disciplinar pode
• ter um livro controle de preenchi- ser lançada de próprio punho, impressa no
mento, distribuição e devolução FATD ou anexada ao processo. Ela deve estar
dos formulários; fundamentada e conter, obrigatoriamente, a
• ouvir o transgressor na presença de análise dos argumentos apresentados pelo su-
testemunhas; e posto transgressor na sua defesa.
• tudo deve ser por escrito, com o
ciente dos envolvidos. Aplicação da sanção disciplinar
80 REB
centando-se as datas de início e de término decoro da Instituição. A previsão consta nos
do cumprimento da punição. Ressalta-se que parágrafos 2º e 3º do artigo 12 e parágrafo 3º
o início do cumprimento é com a distribui- do artigo 35, ambos do RDE.
ção do boletim interno da OM a que pertence Esse instituto visa ajudar a resguardar
o transgressor; já o término é a rendição da os pilares constitucionais do Exército, hierar-
parada diária. Ressalvam-se as exceções con- quia e disciplina, de forma que possíveis des-
tidas nos artigos 12, 34, 35, 47 e 50 do RDE. vios de conduta sejam amenizados e extirpa-
Conforme o nº 6 da alínea c) do Anexo dos do seio da Instituição.
IV do RDE, após o texto da punição, consta- A pronta intervenção é uma medida
rá; entre parênteses; o número do processo contra atitudes extremamente graves, as que
e a data para publicação em boletim interno. não podem existir e destroem a coesão, a har-
Devem-se registrar as punições disci- monia e a disciplina.
plinares na Ficha Disciplinar Individual do Deve-se atentar para alguns cuidados a
militar, inclusive as de advertência e de im- serem observados para não se perder a essên-
pedimento disciplinar, para possibilitar a cia da pronta intervenção. Serão elencados a
caracterização da reincidência e orientar na seguir:
gradação da aplicação de eventuais sanções • não recorrer à prisão para pronta
por fatos de mesma natureza (parágrafo 2º intervenção por qualquer motivo, as-
do artigo 25 e parágrafo único do artigo 26, sim se evita a banalização da mesma;
ambos do RDE). • deve-se publicar em boletim interno
Por fim, o fato submetido à apreciação o recolhimento à prisão para pronta
da Justiça Militar somente poderá ser obje- intervenção, como forma de manu-
to de análise na esfera administrativa, para tenção da disciplina ou decoro da
efeito de verificação da existência de possí- Instituição ou da classe, com dia e
vel transgressão disciplinar, quando houver horário e, preferencialmente, com
ocorrido o arquivamento do inquérito, a exame de corpo de delito realizado
desclassificação para transgressão ou a absol- antes da entrada no xadrez; mas, se
vição pelo crime. Mas, se ficar caracterizada, não for possível, lavrar termo de ve-
na decisão definitiva da Justiça (irrecorrível), rificação da higidez da pessoa;
a inexistência do fato ou a negativa de auto- • a data e o horário da soltura devem
ria, a questão deixará de ser apreciada para ser publicados somente após a colo-
fins disciplinares (parágrafo 3º do artigo 14 cação em liberdade do militar, nunca
do RDE). com a previsão de soltura no início
da prisão, pois a necessidade da pri-
Prisão para pronta intervenção são pode cessar antes do limite das
72 horas;
O Regulamento Disciplinar do Exér- • a publicação deve acontecer no bole-
cito prevê a prisão para pronta intervenção tim interno do primeiro dia útil após
como forma de preservação da disciplina e do o ocorrido;
REB 81
• o prazo limite da prisão para pronta ção, a autoridade classificar como média, por
intervenção é de 72 horas, mas isso exemplo.
não significa que o militar tenha de A autoridade deve estar certa e precisa
permanecer todo o período citado, da necessidade de utilizar o artifício da pron-
pois, se a necessidade de manuten- ta intervenção, pois não se pode banalizar
ção desta prisão cumprir seus obje- essa atitude. Prender por qualquer motivo,
tivos em menos tempo, o preso tem sem o processo legal, o contraditório e a am-
de ser solto; pla defesa, não pode existir nos dias atuais.
• a prisão para pronta intervenção di-
fere da prisão disciplinar no início, O advogado no processo disciplinar
pois inicia com o recolhimento ao
xadrez imediatamente após o episó- A apuração de uma transgressão dis-
dio que requer intervenção; já seu ciplinar é um processo e pode contar com a
término é quando se cumpre a sua presença de um advogado na defesa. Isso não
necessidade, e a disciplina volta à sua deve ser visto como uma forma de afronta do
normalidade ou no seu limite já su- possível transgressor para com a autoridade
pracitado; julgadora.
• esse tipo de prisão não é computado Esse é um paradigma que deve ser que-
para fins de comportamento militar brado. Nos dias de hoje, mais necessário e
nem entra na ficha disciplinar do mi- normal é a utilização do advogado. Este é um
litar; profissional como outro qualquer, que presta
• o militar deve responder pela sua seu serviço normalmente e quer o bem da-
indisciplina por meio de FATD, e, quele que o contratou.
por lógica, a transgressão tem de ser O acesso às informações e aos docu-
classificada como grave e gerar, no mentos para a defesa, a permissão para con-
mínimo, uma prisão, descontando vocar testemunhas, a presença na oitiva de
o tempo de permanência na pronta testemunha ou qualquer outra atividade no
intervenção; e processo não lhe podem ser negados.
• devem-se evitar os casos de utilizar A presença do advogado demonstra
a pronta intervenção quando for maior transparência no processo, no cumpri-
aceitável punir o militar após todo mento de prazos e nas demais formalidades.
o processo de apuração disciplinar, A autoridade não precisa temê-lo, mas
logo entregar o FATD, e a punição sim respeitá-lo e cumprir as formalidades le-
acontecer após a publicação em bo- gais.
letim interno.
Conclusão
A atitude do militar tem de ser grave;
não se pode considerar, no primeiro momen- Do acima exposto, percebe-se a impor-
to, “gravíssima” e, posteriormente na apura- tância do novo Regulamento Disciplinar do
82 REB
Exército, com suas adequações à CRFB, pos- compreende a posição do superior em ter de
síveis melhorias e principais falhas das auto- tomar atitudes chatas e desconfortáveis.
ridades julgadoras. Uma quebra de pensamentos antigos
Buscou-se também mostrar detalhes também deve acontecer, de forma a possibi-
do regulamento disciplinar para facilitar seu litar a evolução do sistema de apuração disci-
cumprimento em estrito respeito às normas plinar, permitindo a inclusão total dos princí-
legais brasileiras, em especial, o devido pro- pios constitucionais do devido processo legal
cesso legal, o contraditório e a ampla defesa. e do contraditório e da ampla defesa.
Um processo disciplinar bem montado, Enfatiza-se que a sanção disciplinar não
com suas formalidades respeitadas do início pode ser o único meio de educar o militar.
ao fim, diminui as possibilidades de ingerên- As autoridades, em todos os níveis, devem
cias da Justiça e consequentemente a presta- buscar a conversa, expandir o conhecimento,
ção de informações a ela por esses motivos. verificar as dificuldades passadas por seus su-
Ressalte-se que este trabalho não obje- bordinados, conhecendo-os, evitando assim
tivou falar de outros assuntos ou matérias de não perceber mudanças que seriam prejudi-
caráter disciplinar, como os recursos discipli- ciais à Instituição.
nares, as formas de cancelamento e de anula- Ressalte-se que a punição disciplinar
ção e as recompensas. Limitou-se ao processo visa educar o militar para que ele não cometa
de apuração até o cumprimento da punição. os mesmos erros, e todos possam aprender
Descreveu-se todo o processo de apu- com eles, melhorando o trabalho diário, o
ração de transgressão disciplinar, realizado respeito entre militares, o convívio coletivo e
através do respectivo formulário e finalizado tudo aquilo que sirva para melhorar a vida
com a decisão da autoridade e a nota de pu- na caserna.
nição publicada em boletim interno. Que este trabalho sirva de subsídio para
As autoridades julgadoras mereceram que outras pessoas possam extrair ensinamen-
destaque, pois elas são o principal público- tos sobre a apuração de uma transgressão dis-
-alvo, já que lidar com o ser humano é ex- ciplinar, com suas formalidades, do início do
tremamente difícil; por diversas vezes, não se processo até o seu cumprimento.
Referências
CRUZ, Ione Souza e MIGUEL, Cláudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar. Rio de Janei-
ro: Lumen Juris, 2011.
_____ Elementos de Direito Processual Penal Militar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
Direito Constitucional Militar e Direito Disciplinar Militar. Angelo Bello Butrus e João Rodrigues
Arruda. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2013.
REB 83
DIREITO PENAL MILITAR. Mario André da Silva Porto. Rio de Janeiro: Fundação Trompo-
wsky, 2009.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2003.
RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Processo Administrativo Disciplinar Militar. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009.
JUNIOR, Raimundo Salgado Freire. Origem e evoluções históricas dos regulamentos disciplina-
res militares no Brasil e a necessidade inadiável de as polícias militares apresentarem regulamen-
to disciplinar próprio. São Luis: 2011. Disponível em: <www2.forumsegurança.org.br/content/
origem-e-evolução-históricas-dos-regulamentos-disciplinares-militares-no-Brasil-e-necessidade-
-inadiável-das-polícias-militares-apresentarem-regulamento-disciplinar-próprio>. Acesso em: 24
de fevereiro de 2014, às 11 horas e 33 minutos.
Da Silva, Julio Cesar Lopes. Surgimento do regulamento disciplinar militar no Brasil. Disponível
em:<www.jurisway.org.br/ve/dhall.asp?id_dh=5732>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2014, às 12
horas e 5 minutos.
84 REB