PPGP Dissertacao Rodrigo Rocha Versao Final 2020071718411941

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Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Escola Nacional de Botânica Tropical


Programa de Pós-Graduação Profissional
Biodiversidade em Unidades de Conservação

Dissertação

Impacto da Lei Federal nº 12.651/2012 nas Áreas de


Preservação Permanente de Topo de Morros:
Estudo de Caso da APA Federal da Bacia do
Rio São João/Mico-leão-dourado, RJ

Rodrigo Tavares da Rocha

Rio de Janeiro
2020
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Escola Nacional de Botânica Tropical
Programa de Pós-Graduação Profissional
Biodiversidade em Unidades de Conservação

Impacto da Lei Federal nº 12.651/2012 nas Áreas de Preservação


Permanente de Topo de Morros: Estudo de Caso
da APA Federal da Bacia do Rio São João/
Mico-leão-dourado, RJ

Rodrigo Tavares da Rocha

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Mestrado Profissional
Biodiversidade em Unidades de Conservação
da Escola Nacional de Botânica Tropical,
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Biodiversidade em Unidades de Conservação.

Orientadora: Marinez Ferreira de Siqueira

Rio de Janeiro
2020
iv

Rocha, Rodrigo Tavares da.


R672i Impacto da Lei Federal nº 12.651/2012 nas Áreas de Preservação
Permanente de topo de morros: Estudo de caso da APA Federal da Bacia
do Rio São João/Mico-leão-dourado, RJ / Rodrigo Tavares da Rocha. – Rio
de Janeiro, 2020.
xviii, 110f. : il. ; 28 cm.

Trabalho de conclusão (Mestrado Profissional em Biodiversidade em


Unidades de Conservação) – Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio
de Janeiro / Escola Nacional de Botânica Tropical, 2020.

Orientadora: Marinez Ferreira de Siqueira.

Bibliografia.

1. Legislação florestal. 2. Unidades de conservação. 3. Áreas de


Preservação Permanente. 4. Geotecnologia ambiental. 5 Área de Proteção
Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico Leão Dourado.
6. Biodiversidade. 7. Mata Atlântica. I. Título. II. Escola Nacional de
Botânica Tropical.

CDD 346.0467509815
v

O céu clareou lindamente,


O barulho de um trovão ecoou,
Da pedreira sagrada incandescente,
A imagem de um Orixá brilhou.

Nas mãos tinha seu livro sagrado,


Ao seu lado um feroz leão,
Respeitador e dominador das leis,
Poderoso senhor do raio e do trovão.

Senhor divino que rege a inteligência,


Pai supremo dos estudos e estudantes,
Orixá dono de uma suprema imponência,
Elevando seus filhos de modo constante.

Seu nome é cravado na pedreira,


Xangô é o nome desse Pai divino
Com imensa força Guerreira,
Peço sua proteção Xangô rei do ensino,

Xangô tem no fogo seu elemento,


É meu Pai e dono de minha razão,
Sigo sempre seu fundamento,
Xangô meu Orixá de coração.
(Autor desconhecido)
vi

Agradecimentos

Desafio tão grande quanto realizar o sonho materializado nesta dissertação, foi
conseguir agradecer a Tudo e a todos em apenas uma página.
Inicio os agradecimentos a Olorum, aos Orixás, aos Guias e Mentores espirituais,
pelas maravilhosas oportunidades, experiências, ensinamentos e proteção, nesta longa
caminhada.
À minha família pelo apoio e sacrifício incondicionais. Em especial à minha esposa
Renata, meu pai Pedro, minha mãe Marcia, sobrinha e princesa Rafaela, filhos Dalai e Júnior.
À Escola Nacional de Botânica Tropical – ENBT e ao Programa de Pós-Graduação
Profissional, através de seu corpo docente, direção e administração por esta honrosa
oportunidade de aprendizado.
Ao Instituto Estadual do Ambiente – Inea, pelo estímulo e apoio ao aprimoramento
contínuo de seus colaboradores.
À professora e orientadora Marinez Ferreira de Siqueira por ter acreditado neste
desafio, pela imensa paciência e por possuir alma e coração enormes.
Aos professores Mônika Richter e Wilson Messias Júnior pela disponibilidade,
paciência e por terem aceitado o convite para compor a banca avaliadora.
À querida Maria Fernanda, que sempre nos acolhia e acudia com um imenso sorriso
no rosto.
A todos os colaboradores do Solar da Imperatriz, sempre cordiais e solícitos.
Aos amigos Ana Carolina Maia, Daniela Pinaud e Paulo Henrique Zuzarte. Sem o
incentivo e apoio de vocês nada disso teria se concretizado.
À Turma 2018 do Mestrado Profissional em Biodiversidade em Unidades de
Conservação, através dos colegas e amigos Bianca Ambrosio, Calel Passarelles, Daniele
Cury, Fabio Bastos, Lillian Estrela, Marcos Antunes, Reginaldo dos Santos, Roberta Freitas,
Rodrigo Barros e Sergio Bertoche. Obrigado pelo convívio, pela troca de conhecimento e
experiências, pelo apoio e amizade.
Aos amigos do Inea pelo apoio e confiança.
A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito
obrigado.
Foi uma imensa honra!
vii

Resumo

A popularização e o aumento da demanda por geoinformações vem ajudando na consolidação


das geotecnologias no cenário científico. Com isso, a utilização de Sistemas de Informação
Geográfica (SIG) e Sensoriamento Remoto têm se mostrado fundamentais no
desenvolvimento de métodos de delimitação automatizada de Áreas de Preservação
Permanente (APP), com base em parâmetros legais vigentes. Contudo, estima-se um impacto
negativo da Lei nº 12.651/12 sobre as APPs de topo de morros. Além disso, a carência de
regulamentação e padronização metodológica dos termos da lei abrem precedentes para
múltiplas interpretações da legislação ambiental. Este estudo objetivou comparar os impactos
da aplicação da Lei nº 12.651/12 em relação à Lei nº 4.771/65 e à Resolução Conama nº
303/02 na delimitação de APPs de topo de morros da Área de Proteção Ambiental Federal da
Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado (APASJ). Na fase de pré-processamento realizou-
se análise topológica dos dados vetoriais utilizados na elaboração do Modelo Digital de
Elevação Hidrograficamente Condicionado (MDEHC) com resolução espacial de 5 m, bem
como sua validação através de Matriz de Erro com cálculos do índice Kappa e Precisão Geral.
As APPs foram geradas a partir de rotinas automatizadas na plataforma ArcGis 10.2, para a
Lei nº 4.771 (Resolução Conama nº 303/02) (cenário 1) e a Lei nº 12.651/12 (cenário 2). A
validação do MDEHC teve índice Kappa de 0,84 e Precisão Geral de 87,3%. O cenário 1
apresentou 48.856,50 ha de APPs de topo de morro, cobrindo 32,46% da APA São João,
enquanto que o cenário 2 apresentou 111,73 ha (0,07% da APASJ). A diferença foi de
48.744,77 ha, correspondente à perda de 99,77% de área. No cenário 2, 99,79% de áreas
naturais florestadas deixaram de ser APPs de topo de morro, assim como 126 hectares de
áreas naturais não florestadas. As áreas agrícolas irregulares dentro de APP na APASJ
correspondiam a 11.069,55 ha no cenário 1, enquanto que 99,81% destas áreas foram
anistiadas no cenário 2. Nas Zonas de Preservação dos Recursos Naturais (ZPRN) e de
Conservação dos Recursos Naturais (ZCRN) a perda de APPs de topo de morros foi de
99,83% e 99,90%, respectivamente; 99,52%, na Zona de Uso Sustentável (ZUS) e na de Uso
Especial (ZUE), 99,75%. Por fim, concluiu-se que a Lei nº 12.651/12 causou um impacto
negativo nas APPs de topo de morro da APASJ. Desta forma, o estudo demonstrou um
método viável para delimitação automática dessas APPs, a partir de um SIG, reforçando a
consolidação e aplicação da geotecnologia associada à legislação florestal.

Palavras-chave: Legislação florestal; MDEHC; SIG; Validação; Geotecnologias.


viii

Abstract

The popularization and the increase in demand for geoinformation has been helping to
consolidate geotechnologies in the scientific scenario. Thus, the use of Geographic
Information Systems (GIS) and Remote Sensing have proven to be fundamental in the
development of automated delimitation methods for Permanent Preservation Areas (PPAs),
based on current legal parameters. However, a negative impact of Law nº 12,651/12 on hilltop
PPAs is estimated. Furthermore, the lack of regulation and methodological standardization of
the terms of the law open precedents for multiple interpretations of forest legislation. This
study aimed to compare the impacts of the application of Law nº 12,651/12 in relation to Law
nº 4,771/65 and Conama Resolution nº 303/02 in the delimitation of hilltop PPAs of the
Federal Environmental Protection Area of the São João/Mico-Leão-Dourado River Basin
(APASJ). In the pre-processing phase, topological analysis of the vectorial data used in the
elaboration of the Hydrographically Conditioned Digital Elevation Model (HCDEM) with
spatial resolution of 5 m, as well as its validation through Error Matrix with calculations of
Kappa index and Global Accuracy. PPAs were generated from automated routines in the
ArcGis 10.2 platform, for Law nº 4,771 (Conama Resolution nº 303/02) (scenario 1) and Law
nº 12,651/12 (scenario 2). The validation of the HCDEM had Kappa index of 0.84 and Global
Accuracy of 87.3%. Scenario 1 presented 48.856,50 ha of hilltop PPAs, covering 32,46% of
APASJ, while scenario 2 presented 111,73 ha (0,07% of APASJ). The difference was
48,744.77 ha, corresponding to the loss of 99.77% of area. In scenario 2, 99.79% of forested
natural areas ceased to be hilltop PPAs, as well as 126 hectares of non-forested natural areas.
Irregular agricultural areas within the PPA in the APASJ corresponded to 11,069.55 ha in
scenario 1, while 99.81% of these areas were amnestied in scenario 2. In the Areas of
Preservation of Natural Resources (ZPRN) and Conservation of Natural Resources (ZCRN)
the loss of hilltop PPAs was 99.83% and 99.90%, respectively; 99.52%, in the Area of
Sustainable Use (ZUS) and Special Use (ZUE), 99.75%. Finally, it was concluded that Law nº
12,651/12 caused a negative impact in the APASJ's hilltop PPAs. Thus, the study
demonstrated a viable method for automatic delimitation of these PPAs, from a GIS,
reinforcing the consolidation and application of geotechnology associated to forest legislation.

Keywords: Forest legislation; HCDEM; GIS; Validation; Geotechnologies.


SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .......................................................................... X


LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................... XII
LISTA DE TABELAS ..................................................................................................... XVI
LISTA DE EQUAÇÕES .............................................................................................. XVIII
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 19
2 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................... 21
2.1 GEOTECNOLOGIAS E A DELIMITAÇÃO DAS APPS DE TOPO DE MORROS . 21
2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEGISLAÇÃO FLORESTAL ................................ 29
2.3 APP DE TOPO DE MORROS NA LEI FEDERAL Nº 4.771/1965 E NA
RESOLUÇÃO CONAMA Nº 303/2002 ............................................................................... 34
2.4 ASPECTOS AMBIENTAIS E CONSERVACIONISTAS DAS APPS DE TOPO DE
MORROS ............................................................................................................................ 36
2.5 REVISÃO DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 303/2002 E LEI Nº 12.651/2012:
ALTERAÇÕES DOS PARÂMETROS DAS APP DE TOPO DE MORROS ........................ 38
3 OBJETIVOS ........................................................................................................... 43
3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................. 43
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS.................................................................................... 43
4 METODOLOGIA .................................................................................................. 44
4.1 ÁREA DE ESTUDO ................................................................................................ 44
4.1.1 Localização ............................................................................................................. 45
4.1.2 Declividade.............................................................................................................. 46
4.1.3 Geomorfologia ........................................................................................................ 48
4.1.4 Hidrografia ............................................................................................................. 51
4.1.5 Uso e Cobertura da Terra ...................................................................................... 59
4.1.6 Importância da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado .................. 64
4.2 PRÉ-PROCESSAMENTO E ELABORAÇÃO DO MDEHC ................................... 69
4.3 VALIDAÇÃO DO MDEHC ..................................................................................... 74
4.4 PROCESSOS DA DELIMITAÇÃO DAS APPS EM TOPO DE MORROS .............. 78
4.4.1 Delimitação de APPs de topo de morros segundo a Lei nº 4.771/65 e a Resolução
Conama nº 303/2002........................................................................................................... 78
4.4.2 Delimitação de APPs de topo de morros segundo a Lei nº 12.651/2012 ................ 82
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 97
5.1 PRÉ-PROCESSAMENTO E ELABORAÇÃO DO MDEHC ................................... 97
5.2 VALIDAÇÃO DO MDEHC ................................................................................... 102
5.3 COMPARAÇÃO ENTRE OS CENÁRIOS............................................................. 103
6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 113
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 115
ANEXO 1.......................................................................................................................... 125
ANEXO 2.......................................................................................................................... 127
x

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

A.C. - Antes de Cristo (Calendário Gregoriano)


AAG - Áreas Antrópicas Agrícolas
AMLD - Associação Mico-Leão-Dourado
ANA - Áreas Antrópicas Não Agrícolas
ANF - Áreas Naturais Florestadas
ANUDEM - Australian National University Digital Elevation Model
APA - Área de Proteção Ambiental
APASJ - Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado
APP - Área de Preservação Permanente
ASTER - Advanced Spaceborne Thermal Emission and Reflection Radiometer
c.a. - Cerca de
CAR - Cadastro Ambiental Rural
CERHI - Conselho Estadual de Recursos Hídricos
Cetesb - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
CF - Código Florestal
Conama - Conselho Nacional de Meio Ambiente
CTGTB - Câmara Técnica Gestão Territorial e Biomas
Decliv. - Declividade
Dep. - Deputado
DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento
e.g. - Exempli gratia (por exemplo)
Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ENBT - Escola Nacional de Botânica Tropical
ESRI - Environmental Systems Research Institute
Feema - Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
GDEM - Global Digital Elevation Map
GEOBIA - Geographic Object-Based Image Analysis
GIS - Geographic Information Systems
GNSS - Global Navigation Satellite System
GPS - Global Positioning System
GT - Grupo de Trabalho
HCDEM - Hydrographically Conditioned Digital Elevation Model
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Inea - Instituto Estadual do Ambiente/RJ
Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
JBRJ - Jardim Botânico do Rio de Janeiro
MDE - Modelo Digital de Elevação
MDEHC - Modelo Digital de Elevação Hidrograficamente Condicionado
MNT - Modelo Numérico do Terreno
MP - Medida Próvisória
MPSP - Ministério Público de São Paulo
NCF - Novo Código Florestal
NDC - Nationally Determined Contribution
NNF - Áreas Naturais Não Florestadas
PEP - Parecer às Emendas do Plenário
xi

PL - Projeto de Lei
PLC - Projeto de Lei da Câmara
PPA - Permanent Preservation Area
REBio - Reserva Biológica
Res. - Resolução
RH-VI - Região Hidrográfica Lagos São João
RL - Reserva Legal
RN - Referência de Nível
Semads - Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
SFB - Serviço Florestal Brasileiro
SGB - Sistema Geodésico Brasileiro
SIG - Sistema de informações Geográficas
SILV - Silvicultura
SIRGAS - Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas
SNLCS - Serviço Nacional de Levantamento e Conservação de Solos
SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SR - Sensoriamento Remoto
SRTM - Shuttle Radar Topography Mission
TIF - Tagged Image File
TPI - Topographic Position Index
UC - Unidade de Conservação
UTM - Universal Transverse Mercator
VT - Vértice de Triangulação
ZCRN - Zona de Conservação dos Recursos Naturais
ZOC - Zona de Ocupação Controlada
ZPRE - Zona de Proteção da Região Estuarina
ZPRJ - Zona de Proteção do Reservatório de Juturnaíba
ZPRN - Zona de Preservação dos Recursos Naturais
ZREC - Zona de Recuperação
ZUC - Zona de Uso Controlado
ZUE - Zona de Uso Especial
ZUS - Zona de Uso Sustentável
xii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Principais fatores que levaram à elaboração das primeiras regras florestais. ......... 30
Figura 2 – Evolução das principais leis florestais no tempo. ................................................. 33
Figura 3 – Parâmetros de base para as APPs de topo de morros conforme Resolução Conama
nº 303/2002: a) plano horizontal definido por planície; b) plano horizontal definido por
superfície de lençol d`água adjacente; c) planos horizontais definidos pelas cotas da depressão
mais baixa ao redor, nos relevos ondulados. ......................................................................... 35
Figura 4 – APPs de topo de morros, montes, montanhas e serras: elevações com altura
mínima de 50 (cinquenta) metros e inclinação na linha de maior declividade superior a 17°,
em áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura
mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal
determinado pela cota da depressão mais baixa ao seu redor (Inc. VI, Art. 2º da Resolução
Conama nº 303/2002) (CONAMA 2002). ............................................................................ 35
Figura 5 – Vista do Morro do Baú, Ilhota, SC. Observa-se que os escorregamentos atingiram
severamente as edificações. Tragédia ocorrida em Santa Catarina, em 2008. ........................ 36
Figura 6 – BR 492 em Nova Friburgo. Edificação à direita, no sopé do morro, soterrada pelo
deslizamento ocorrido pela instabilidade das encostas. Tragédia ocorrida na Região Serrana
Fluminense em 2011. ........................................................................................................... 37
Figura 7 – Ocupação irregular em APP de faixa marginal de rio: antes (esq.) e depois (dir.).
Bairro Campo Grande, Teresópolis, RJ. Tragédia ocorrida na Região Serrana Fluminense em
2011. Enxurrada com deslizamentos de terra, acarretando no assoreamento do corpo hídrico.
............................................................................................................................................ 37
Figura 8 – Demonstração de que o ponto de sela é aquele ponto mais baixo localizado entre
duas isolinhas fechadas de mesma cota altimétrica, compreendido na mesma linha de
cumeada (divisor de águas) entre dois cumes. ...................................................................... 39
Figura 9 – APPs de topo de morros, montes, montanhas e serras: elevações com altura
mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, em áreas delimitadas a partir
da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em
relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado pela cota do ponto de
sela mais próximo da elevação (Inc. VIII, Art. 4º da Lei 12.651/2012) (BRASIL 2012). ...... 41
Figura 10 – Quadro com as alterações dos parâmetros das APP de Topo de Morros na
legislação. ............................................................................................................................ 42
Figura 11 – Localização da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-
Leão-Dourado no Estado do Rio de Janeiro. ......................................................................... 45
Figura 12 – Distribuição e classificação de relevos com base em declividade (%), na APA da
Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. .................................................................. 47
Figura 13 – Unidades Geomorfológicas na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado, RJ. ........................................................................................................................ 49
xiii

Figura 14 – Sistemas de Relevo na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.


............................................................................................................................................ 51
Figura 15 – Regiões Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro a partir de 2013. Destaque
para a RH-VI Lagos São João. ............................................................................................. 52
Figura 16 – Bacias hidrográficas da Região Hidrográfica VI – Lagos São João: (1) Rio São
João; (2) Rio das Ostras; (3) Rio Una e Cabo Búzios; (4) Lagoa de Araruama; e (5) Lagoas de
Saquarema, Jaconé e Jacarepiá. ............................................................................................ 53
Figura 17 – Principais sub-bacias que compõem a bacia hidrográfica do rio São João. ......... 54
Figura 18 – Bacia hidrográfica do rio São João e a distribuição de brejos e matas ribeirinhas,
em 1956. Destaque para a Lagoa de Juturnaíba formada pelos rios Bacaxá e Capivari. ......... 55
Figura 19 – Primeira alteração sofrida na bacia do rio São João para a construção da Estrada
de Ferro Leopoldina. ............................................................................................................ 56
Figura 20 – Bacia hidrográfica do rio São João após projeto de intervenção do DNOS. ........ 57
Figura 21 – Hidrografia da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. .......... 59
Figura 22 – Uso e Cobertura da Terra da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.
............................................................................................................................................ 61
Figura 23 – Valores proporcionais das classes mapeadas da APA da Bacia do Rio São
João/Mico-Leão-Dourado. ................................................................................................... 62
Figura 24 – Área em hectares das classes mapeadas da APA da Bacia do Rio São João/Mico-
Leão-Dourado. ..................................................................................................................... 63
Figura 25 – Unidades de Conservação abrangidas pela APA da Bacia do Rio São João/Mico-
Leão-Dourado. ..................................................................................................................... 66
Figura 26 – Classificação da Vegetação na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado, conforme as fitofisionomias para Floresta Ombrófila Densa: Altomontana (acima de
1.500 m de altitude); Montana (500-1.500 m); Submontana (50-500 m); e de Terras Baixas
(0-50 m). Formações Pioneiras: Vegetação com influência Marinha (Restingas); Vegetação
com influência Fluviomarinha (Manguezais) e Vegetação com influência Fluvial e/ou
Lacustre. .............................................................................................................................. 67
Figura 27 – Zoneamento da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, conforme
seu Plano Diretor. ................................................................................................................ 69
Figura 28 – Testes visuais: a) avaliação de posicionamento de um ponto cotado em relação à
isolinha mais próxima; b) avaliação de encaixe da hidrografia em relação às curvas de nível.
............................................................................................................................................ 71
Figura 29 – Pontos da rede de drenagem gerados pelos scripts Drainage Geometry Validation
e Drainage Network Validation para QGis: início de Drenagem (Start Point); final de
drenagem (End Point); confluência (Confluence); ramificação (Branch); e
mudança de atributos (Attribute change). ............................................................................. 74
xiv

Figura 30 – Estações geodésicas como pontos de referência de amostragem na Área de


Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, utilizados para validação
do Modelo Digital de Elevação. ........................................................................................... 76
Figura 31 – Etapas para delimitação de APPs de topo de morros conforme a Lei nº 4.771/65 e
Resolução Conama nº 303/2002. .......................................................................................... 79
Figura 32 – Agrupamento de duas ou mais elevações cujos cumes distem menos de 500
metros entre si, onde as APPs de topo são delimitadas a partir da curva de nível
correspondente a dois terços da altura em relação à base do morro ou montanha de menor
altura do conjunto (CONAMA 2002). .................................................................................. 79
Figura 33 – Subestimativa do método de Peluzio et al. (2010) e Victoria (2010) no processo
de agrupamento de elevações com distância de proximidade inferior a 500 metros e aplicação
da altitude da menor elevação, sob outra interpretação do texto da Resolução Conama 303; a)
pontos representam os cumes das elevações com suas respectivas cotas altimétricas do terço
superior; os buffers foram criados com base nos pontos, considerando raio de 249,5 metros –
representa a distância inferior a 500 metros entre dois cumes, ou seja, menos de 250 metros
para cada cume; b) os menores valores de cada ponto são transferidos para os buffers que os
contém; c) os menores valores de cada buffer são transferidos para os pontos que os contém;
observou-se que para um mesmo conjunto de morros ou montanhas várias elevações menores
foram obtidas. ...................................................................................................................... 80
Figura 34 – Funcionamento da ferramenta Multipart to Singlepart ao converter uma feição de
múltiplas partes em várias feições de parte única. ................................................................. 81
Figura 35 – a) Resultado obtido segundo Peluzio et al. (2010), considerando uma possível
subestimativa para a menor elevação do conjunto de morros; na ilustração, o conjunto possui
subconjuntos com menores elevações (446 m, 447 m, 442 m, 429 m e 432 m); e b) Adaptação
do método onde todo o conjunto é abrangido pela cota do terço superior de sua menor
elevação (429 m). ................................................................................................................. 82
Figura 36 – Etapas para delimitação de APPs de topo de morros conforme a Lei nº
12.651/2012. ........................................................................................................................ 83
Figura 37 – Inversão do MDEHC necessário para delimitação dos domínios das elevações e
dos cumes, através de ferramentas de hidrologia (Fill, Sink, Flow Direction, Basin). ........... 84
Figura 38 – Perfis indicando a localização de cumes em um MDEHC normal e os sinks
(depressões espúrias) a partir do MDEHC invertido, com a ferramenta Sink, para a geração
das máscaras de cumes. ........................................................................................................ 85
Figura 39 – Distribuição dos domínios das elevações (Bacias_Inv) na paisagem; como se
observa em perspectiva, as linhas de cor preta demarcam os limites de cada elevação. ......... 86
Figura 40 – Ponto de Sela em um domínio de elevação (em lilás) na paisagem – visão
ortogonal; como se observa, o ponto de sela localiza-se na cota máxima do perfil C-C’. ...... 88
Figura 41 – Funcionamento da ferramenta Zonal Statistics para obtenção de valores médios
de declividade em cada domínio de elevação. ....................................................................... 93
Figura 42 – Resultado da análise topológica na feição curvas de nível da APA da Bacia do rio
São João/Mico-Leão-Dourado para: a) nós soltos; b) falsos nós. .......................................... 97
xv

Figura 43 – (A) Hidrografia da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado; destaque


para grandes aglomerados de canais retificados no baixo curso do rio São João (B); Em (C)
um exemplo de ocorrência de loop (pontos na cor verde) e problemas de rede (pontos em
roxo), nos canais retificados. ................................................................................................ 98
Figura 44 – Hidrografia da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, após
correção topológica; os canais na cor preta foram removidos, por causarem erros topológicos,
em sua maioria loops.......................................................................................................... 100
Figura 45 – Morro de São João. Posicionamento de pontos cotados e hidrografia em relação
às curvas de nível – APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. ................... 101
Figura 46 – Distribuição de elevações na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado, RJ, com base na Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002. As elevações
foram categorizadas como: i) morros: elevações entre 50 e 300 m de altura, com declividade
superior a 30%; ii) montanhas: elevações com altura superior a 300 m; iii) demais elevações
com altura inferior a 50 m. ................................................................................................. 104
Figura 47 – Distribuição do agrupamento de morros e montanhas na APA da Bacia do Rio
São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, com base na Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº
303/2002. Foram agrupadas as elevações enquadradas como morros ou montanhas cujos
cumes distem menos 500 metros, categorizadas como isoladas ou conjuntos. ..................... 105
Figura 48 – Comparação entre as elevações obtidas conforme parâmetros das Leis nº
12.651/12 e nº 4.771/65 (Res. Conama nº 303/02) na APA da Bacia do Rio São João/Mico-
Leão-Dourado, RJ. ............................................................................................................. 107
Figura 49 – Morros, montes, montanhas e serras conforme parâmetros da Lei nº 12.651/12 na
APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. Foram considerados como morros,
montes, montanhas e serras, as elevações a partir de 100 m de altura (cuja base é a cota do
ponto de sela mais próximo da elevação) e inclinação média maior que 25º. ...................... 108
Figura 50 – APPs de topo de morros na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado
no Cenário 1, com 48.856,5 hectares, através do método de delimitação de APPs de topo de
morros de acordo com a Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002........................ 109
Figura 51 – APPs de topo de morros na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado
no Cenário 2, com 111,73 hectares, através do método de delimitação de APPs de topo de
morros de acordo com a Lei nº 12.651/12; destaque para duas APP de topo no Morro de São
João. .................................................................................................................................. 110
xvi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição e classificação de relevos no Brasil. ................................................ 46


Tabela 2 – Distribuição e classificação de relevos com base em declividade (%), na APA da
Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. .................................................................. 47
Tabela 3 – Sistemas de Relevo que ocorrem na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado. .............................................................................................................................. 50
Tabela 4 – Distribuição das Classes de Uso e Cobertura da Terra, da APA da Bacia do Rio
São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. As classes foram divididas em dois grandes grupos de
acordo com suas características de interferência humana: áreas antrópicas e áreas naturais... 62
Tabela 5 – Regras adicionadas à análise topológica das curvas de nível para correção de
imperfeições. ....................................................................................................................... 72
Tabela 6 – Inconsistências de geometria e de rede detectados pelos scripts Drainage
Geometry Validation e Drainage Network Validation, desenvolvidos por França (2018) para o
QGIS. .................................................................................................................................. 73
Tabela 7 – Critérios utilizados na avaliação de concordância com base no índice Kappa. ..... 75
Tabela 8 – Distribuição das estações geodésicas nas classes de altitude, para a Área de
Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, com informações de
altimetria e seus respectivos nomes. ..................................................................................... 77
Tabela 9 – Resultados da Análise Topológica para Curvas de Nível. .................................... 97
Tabela 10 – Frequência dos pontos da rede de drenagem originais (não corrigidas) da APA da
Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. .................................................................. 99
Tabela 11 – Comparação entre os resultados original e corrigido das análises topológicas para
a feição hidrografia. ........................................................................................................... 100
Tabela 12 – Comparação entre as frequências dos pontos da rede de drenagem original e
corrigida da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. ............................... 100
Tabela 13 – Matriz de Confusão para validação do Modelo Digital de Elevação da APA da
Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, com base em dados das estações geodésicas do
Sistema Geodésico Brasileiro (SGB). ................................................................................. 102
Tabela 14 – Parâmetros estatísticos de quantidade e área, em hectare, das elevações (morros,
montanhas e demais elevações com altura inferior a 50 m) na APA da Bacia do Rio São
João/Mico-Leão-Dourado, RJ, com base na Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº
303/2002. ........................................................................................................................... 105
Tabela 15 – Parâmetros estatísticos de quantidade e área, em hectare, dos agrupamentos de
elevações (morros e montanhas) na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ,
com base na Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002. ......................................... 106
Tabela 16 – Parâmetros estatísticos de quantidade e área, em hectare, das elevações totais e
dos morros/montes/montanhas/serras na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado,
RJ, com base na Lei nº 12.651/12 (cenário 2). .................................................................... 106
xvii

Tabela 17 – Impacto da aplicação das leis 4.771/65 e 12.651/12 sob as APPs de topo de
morros calculadas na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado. ....................... 108
Tabela 18 – Impacto nas APPs de topo de morros das Classes de Uso e Cobertura da Terra,
pela comparação entre as Leis nº 4.771/65 e nº 12.651/12, na APA da Bacia do Rio São
João/Mico-Leão-Dourado, RJ. ........................................................................................... 111
Tabela 19 – Impacto nas APPs de topo de morros em relação ao Zoneamento da APA da
Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, pela comparação entre as Leis nº 4.771/65 e
nº 12.651/12. ...................................................................................................................... 112
xviii

LISTA DE EQUAÇÕES

𝑛 ∑𝑐𝑖=1 𝑥𝑖𝑖 −∑𝑐𝑖=1 𝑥𝑖+ 𝑥+𝑖


𝐾= (1) ............................. 75
𝑛2 −∑𝑐𝑖=1 𝑥𝑖+ 𝑥+𝑖

MDEHC_Inv = [MDEHC_Fill] * - 1 (2) ............................. 84

Cumes = [MDEHC_Fill] (3) ............................. 85

Cumes_Mde = con([Cumes] == [Cumes_Maximos],[Cumes],


setnull([Cumes])) (4).............................. 87

Bacias_Mde = [MDEHC_Fill] (5) ............................. 89

Selas_Mde = con([Bacias_MDE] == [Bacias_Max],[Bacias_MDE],


setnull([Bacias_MDE])) (6) ............................. 90

Decliv_med = [MDEHC_dec_med] (7).............................. 93

Terco_final = SETNULL ([Terco_sup] == 0, [Terco_sup]) (8) ............................. 95

APP_TM = CON ([MDEHC_Fill] >= [Terco_final],


[MDEHC_Fill], SETNULL([MDEHC_Fill])) (9) ............................. 95
19

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, o processo de colonização e consolidação do território brasileiro tem-


se pautado na exploração predatória de seus recursos naturais para dar espaço à agricultura,
pecuária e mineração (RIBEIRO et al. 2005). Diante da crescente perda de biodiversidade
com a redução de habitats silvestres, com risco aos mananciais hídricos e poluição
atmosférica, Passos (2009) menciona que, a década de 1960 foi o marco temporal para os
instrumentos jurídicos ambientais, onde o meio ambiente passa a ser encarado como um novo
valor fundamental a ser protegido do ponto de vista internacional. No mesmo período, o
Código Florestal Brasileiro, promulgado pela Lei Federal nº 4.771/1965, trouxe o conceito de
Áreas de Preservação Permanente (APP) como sendo as “florestas e demais formas de
vegetação natural de preservação permanente” (BRASIL 1965), além de instituir a tipologia
de topo de morro, montes, montanhas e serras.
Contudo, as APPs de topo de morro tiveram seus parâmetros e critérios de delimitação
regulamentados em 1985, através da Resolução Conama nº 004, e posteriormente substituída
pela Resolução Conama nº 303. As especificações desta resolução deixaram a demarcação
destas APPs bastante complexa, tornando inviável sua obtenção no campo, devido ao tempo e
custo de execução. Com o avanço das geotecnologias, o atendimento às especificações da
Resolução Conama tornou-se viável. Em seguida, Ribeiro et al. (2002) desenvolveram
metodologia automatizada para a delimitação das APPs de topo de morro, utilizada,
posteriormente, por vários autores, como Hott, Guimarães e Miranda (2004), Victoria et al.
(2008), Peluzio et al. (2010). Porém, com a Lei Federal nº 12.651 de 25 de maio de 2012,
estes métodos de delimitação foram invalidados devido às alterações nos parâmetros para o
mapeamento. Sendo assim, as principais mudanças propostas nestes parâmetros foram:
 a altura – que é a diferença entre as cotas altimétricas entre cume e base –, passa de 50
m para 100 m;
 a base deixa de ser a cota de depressão mais baixa ao redor da elevação e passa a
ser seu ponto de sela mais próximo; e
 a declividade de 17 graus na linha de maior declividade passa para a média superior a
25 graus.
Para Brancalion et al. (2016) essas mudanças são consideradas retrocesso. Em análise
dos efeitos do Projeto de Lei 1876 e da Lei 12.651 em relação ao antigo Código Florestal,
estima-se que as APPs de topos de morro tenham sofrido redução entre 87% e 99,98%
20

(ROCHA 2011; SOARES-FILHO et al. 2014; AVZARADEL e ROCHA 2019). Um dos


poucos avanços da Lei 12.651, foi a criação de ferramentas que possibilitam a gestão
sistemática e integrada, além de obrigar e monitorar o cumprimento da lei. Uma delas é o
Cadastro Ambiental Rural (CAR), considerado por Cunha (2017) a inovação mais importante
da lei atual em todo território nacional.
O CAR, de acordo com Serviço Florestal Brasileiro (2016), é um registro eletrônico,
obrigatório para todos os imóveis rurais, formando base de dados estratégica para o controle,
monitoramento e combate ao desmatamento das florestas e demais formas de vegetação
nativa do Brasil, bem como para planejamento ambiental e econômico dos imóveis rurais.
Atualmente, constam no CAR mais de 6,4 milhões de imóveis rurais cadastrados no país,
totalizando uma área de 543.032.438 ha inseridos na base de dados do sistema (SERVIÇO
FLORESTAL BRASILEIRO 2019).
Segundo Rocha (2011) a delimitação das APPs de topo de morros foi bastante
impactada com o advento do Projeto de Lei nº 1.876/1999 (revisão do Código Florestal),
promulgado como a Lei nº 12.651/2012, sofrendo diminuição de área e em muitas situações,
desaparecendo totalmente. Como consequência, continua o autor, espera-se um impacto
significativo nas áreas de recarga de lençóis freáticos, aumento de processos erosivos do solo
e de deslizamento de encostas, bem como na qualidade genética em populações da fauna e
flora dessas regiões.
A importância das APPs de topo de morro é transversal aos aspectos ambientais,
sociais e econômicos. Assim, predominam as funções de preservação dos recursos hídricos,
da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, de facilitação do fluxo gênico de
fauna e flora, de proteção do solo e de garantia do bem-estar das populações humanas. Além
disso, o registro público destas áreas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) é obrigatório para
todos os imóveis rurais, a fim de compor base de dados para controle, monitoramento,
planejamento ambiental e econômico, e combate ao desmatamento. No entanto, a fiscalização
e proteção destas áreas dependem, fundamentalmente, da delimitação de seus perímetros, cuja
obtenção é bastante complexa.
Sendo assim, este estudo buscou reunir dados/informações com o propósito de
responder à seguinte pergunta: Quais os impactos da implementação dos parâmetros da Lei nº
12.651/2012 em relação à Lei nº 4.771/1965 e Resolução Conama nº 303/2002 na delimitação
das Áreas de Preservação Permanente de topo de morros?
21

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 GEOTECNOLOGIAS E A DELIMITAÇÃO DAS APPS DE TOPO DE


MORROS

Num país de dimensão continental como o Brasil, com uma grande carência de
informações adequadas para a tomada de decisões sobre os problemas urbanos, rurais e
ambientais, as geotecnologias apresentam enorme potencial. Câmara e Davis (2001, p. 2)
definem geotecnologia (antigo geoprocessamento) como "a disciplina do conhecimento que
utiliza técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento da informação geográfica".
Para Santiago & Cintra (2017) as geotecnologias são um conjunto de tecnologias utilizadas
para realizar a coleta, o processamento, análise e disponibilização de informações com
referência geográfica de uma determinada localidade. Ainda de acordo com o autor, o termo é
utilizado para designar todas as etapas que envolvem o uso e a análise espacial de dados
geográficos, assim como o compartilhamento dessas informações, envolvendo hardware,
software e peopleware.
Como mencionam Câmara e Monteiro (2001), a geotecnologia aproxima diferentes
disciplinas científicas para o estudo de fenômenos ambientais e urbanos, de forma transversal.
Neste contexto, fica claro que as ferramentas computacionais para geotecnologias permitem
realizar análises complexas, ao integrar dados de diversas fontes. O mais preocupante,
contudo, é constatar que o problema fundamental desta transversalidade é a tradução do
espaço geográfico em diferentes formas de representação computacional.
É importante ressaltar que a tradução acima mencionada torna-se uma espécie de
normalização das diversas fontes de informação. Mas para isso, tais fontes precisam ser
reduzidas a algoritmos e dados estruturados utilizados para armazenamento e tratamento dos
dados geográficos. Sendo assim, do ponto de vista do usuário, este deve escolher as
representações computacionais mais adequadas a fim de representar a semântica de seu
domínio. Já do ponto de vista do desenvolvedor, este deve oferecer um ambiente
computacional com o maior conjunto possível de estruturas de dados e algoritmos que permita
representar o espaço geográfico.
22

Trazendo para a atualidade a definição de Xavier-da-Silva (2001), pode-se dizer que


geotecnologia é um conjunto de técnicas computacionais que opera sobre bases de dados
(registros de ocorrências) georreferenciados, para os transformar em informação
(conhecimento) relevante. O autor deixa claro que para isso, deve necessariamente apoiar-se
em estruturas de percepção ambiental que proporcionem o máximo de eficiência nesta
transformação.
É interessante observar o consenso entre os autores, principalmente quando os
aspectos computacionais e geográficos se complementam para a geração da informação.
Formam assim sistemas identificáveis que se organizam segundo diversos tipos de
relacionamentos, compondo desta forma as estruturas de percepção ambiental mencionadas
anteriormente. "Uma dessas estruturas é a visão sistêmica, na qual a realidade é percebida
como composta por entidades físicas ou virtuais" (XAVIER-DA-SILVA 2001, p. 13). Pode-se
dizer que as geotecnologias tomaram proporção tão vasta e abrangente no cotidiano das
sociedades organizadas que suas aplicações se tornaram imprescindíveis.
Isto é confirmado por Gomes ([2020]) quando menciona que as aplicações das
geotecnologias ramificaram-se para várias áreas do conhecimento, atendendo às mais variadas
necessidades da sociedade como o desenvolvimento de bases cartográficas, análises de
recursos naturais, implantação de redes de infraestrutura (abastecimento de água, esgoto,
drenagem, energia elétrica, e comunicações), estudos em planejamento urbano-ambiental,
mapeamentos em segurança-pública e atividades militares, análises de mercados para a
prospecção de produtos e serviços, otimização e segurança para o transporte de cargas e
pessoas através monitoramento de veículos, mapeamentos em saúde pública (pandemia da
COVID-19, por exemplo) entre outras aplicações. O autor deixa claro ser fundamental as
aplicações das geotecnologias para o atendimento das necessidades da sociedade. Importante
frisar esse ponto, uma vez que quanto maior a diversificação destas aplicações, mais áreas do
conhecimento serão abrangidas. Com isso, um círculo virtuoso se forma uma vez que quanto
maior a abrangência de áreas do conhecimento, maior será o retorno para a sociedade.
23

De acordo com Weckmüller e Vicens (2018), a popularização cada vez maior de


softwares de imagens de satélite e as informações espacializadas no cotidiano das pessoas
através de seus smartphones, fez com que a demanda por geoinformações aumentasse,
ajudando na consolidação das geotecnologias no cenário científico nacional e internacional.
Dobson (1993) já previa esta revolução geotecnológica ao destacar que algumas
características poderiam conferir uma revolução intelectual, levando-se em conta a
correspondência entre a possibilidade de difusão de aplicação tecnológica e a inteligência
espacial.
Dentre as principais geotecnologias, podem ser citadas: topografia, geodésia,
fotogrametria, cartografia digital, GNSS (Sistemas Globais de Navegação por Satélites), SR
(Sensoriamento Remoto por Satélites), SIG (Sistema de Informação Geográfica), dentre
outros. Os SIGs, a partir de uma abordagem mais especifica, correspondem às ferramentas
computacionais de geotecnologia que permitem interações complexas, ao integrar dados de
diversas fontes (sistemas, ferramentas e informações) para elaboração de bancos de dados
georreferenciados, visualização de informações, análises espaciais e confecção de mapas
(CÂMARA, DAVIS e MONTEIRO 2005; MANZATTO 2019). Manzatto (2019) ainda
reforça que o SIG proporciona meios de avaliar e auxiliar nas tomadas de decisão
relacionadas às mais diversas questões ambientais, além de possibilitar a previsão e
proposição de ações de maneira eficaz na gestão e no gerenciamento dos componentes
ambientais.
A delimitação de APPs de topo de morros, antes dos processos automatizados, era
realizada manualmente por meio de cartas topográficas e hidrografia vetorizados obtidas por
restituição analógica de fotografias aéreas, carregado de subjetividade no processo, sujeito a
erros de omissão de pequenas áreas, além de um mapeamento extremamente moroso, “sempre
passível de contestação” (HOTT, GUIMARÃES e MIRANDA 2004). Muitos estudos já
vinham utilizando SIGs (CATELANI et al. 2003; COSTA et al. 1996; JACOVINE et al.
2008; SANTOS et al. 2007), contudo, necessitavam da intervenção de um analista para
definir a cota de base, estando sujeitos a diferentes interpretações.
24

Jacovine et al. (2008) aplicaram como base os terraços ou os cursos d’água mais
próximos, a partir das funções de hidrologia de um SIG para identificar os morros e
montanhas. Costa et al. (1996) consideraram como base dos morros os locais correspondentes
ao relevo fortemente ondulado (> 20º), em uma área de 185 ha na escala 1:10.000, enquanto
que Catelani et al. (2003) não explicam como definiram as cotas de base. Já Santos et al.
(2007) trabalharam em uma microbacia de 4.000 ha onde a altitude da planície foi
considerada como a cota de base de todos os morros.
Com o intuito de padronizar e simplificar a delimitação das APPs,
Ribeiro et al. (2002) utilizaram as funções de hidrologia para identificar a cota de base das
elevações dispensando intérprete. Assim, os autores desenvolveram a primeira metodologia
para automatização da delimitação de APPs de topo de morros através de SIG, com base nos
critérios estabelecidos pela Legislação Ambiental Brasileira. Desta forma, a delimitação
automática das APPs eliminaria a subjetividade do processo, viabilizando o fiel cumprimento
do Código Florestal brasileiro, favorecendo a fiscalização ambiental. Contudo, os autores
enfatizam que, diferente dos processos simplificados para delimitação de APPs de faixa
marginal e de declividade superior a 45 graus, que possuem comandos específicos para sua
obtenção, as de topo de morros exigiriam processos muito mais complexos com uma série de
comandos intermediários.
Com o método automatizado de Ribeiro et al. (2002) e a disponibilização gratuita de
modelos digitais de elevação, a exemplo dos dados da Shuttle Radar Topography Mission
(SRTM1) a partir do ano de 2000, as análises de APPs de topo de morros se popularizaram.
Com isso, vários autores como Hott, Guimarães e Miranda (2004), Nascimento et al. (2005),
Oliveira et al. (2007), Victoria et al. (2008), Victoria (2010), Peluzio et al. (2010), dentre
outros, se destacaram em estudos de delimitação dessas áreas protegidas.

1
A missão Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) é um esforço de pesquisa internacional que obteve
modelos digitais de elevação em uma escala quase global para gerar o banco de dados topográfico digital de alta
resolução mais completo da Terra (NASA 2016) antes do lançamento do ASTER GDEM em 2009.
25

Hott, Guimarães e Miranda (2004) aplicaram o método de delimitação de APPs de


topo de morro para o estado de São Paulo, compatível com a escala de 1:250.000, estimando
14.613 km². Para os autores, “a consideração de planícies ou planos adjacentes às elevações
como base esbarra na existência de vários planos ao redor da elevação, conduzindo à
subjetividade e à dificuldade de individualizar esta elevação” (HOTT, GUIMARÃES e
MIRANDA 2004). Estes autores corroboraram com Ribeiro et al. (2002) ao concluírem que
“o uso do escorrimento superficial como ferramenta para a delimitação de uma elevação,
resolve a questão desta individualização”. Victoria et al. (2008) aplicaram a mesma
metodologia para o território nacional, estimando em 14.344 km² as APPs para o estado de SP
e 389.619 km² para todo o país. No entanto, Victoria (2010) propôs duas alterações na
metodologia original, onde a primeira visou adequar o método de Ribeiro para uso em escalas
mais detalhadas, uma vez que o estudo de Hott observou a influência de escala do MDE no
cálculo das áreas de preservação permanente. Já a segunda alegou uma interpretação
equivocada da resolução Conama 303, que diz respeito a morros ou montanhas distantes a
menos de 500 metros.
De acordo com Victoria (2010), em locais com relevo mais acidentado a interpretação
de conjunto de morros e montanhas resulta em grandes agrupamentos, ligando morros
distantes a mais de 500 m. O autor menciona alteração neste procedimento a fim de limitar os
conjuntos para conter apenas cumes distantes até 500 m, e sugere que os dados publicados por
Hott, Guimarães e Miranda (2004) e Victoria et al. (2008), baseados na metodologia original,
podem estar superestimados, principalmente nas regiões com grande agrupamento de morros
e montanhas. Contudo, a alegação do autor não demonstra fundamentação plausível e
imparcial para sua aplicação, a não ser somente pela diminuição de área das APPs, cujos
resultados na metodologia original pareceram ser considerados (pelo autor) “exagerados” para
relevos acidentados. Ainda sobre este tema, D'Oliveira (2011) considera o conjunto de morros
e montanhas (inc. VI e parágrafo único, art. 3º da Res. Conama 303) como inconstitucional2
por não estar previsto no Código Florestal (Lei nº 4.771/65), além de violar os princípios da
reserva de lei, da razoabilidade e da regra que confere aos Estados competência suplementar
para legislar sobre direito ambiental.

2
A inconstitucionalidade de parte da Res. Conama 303 foi convalidada pelo Enunciado 3 da Res. Inea nº
187/2019. Disponível em: http://www.inea.rj.gov.br/wp-
content/uploads/2019/10/RESOLU%C3%87%C3%83O-INEA-N%C2%BA-187.pdf
26

Reis (2008) propôs a determinação de APPs de topo de morro na APA da Bacia do


São João/RJ através do algoritmo Topographic Position Index (TPI), que classifica a
diferença entre o valor de elevação de uma célula e a média da elevação das células vizinhas,
em um MDE. Os resultados estimaram 345,83 km² de APPs de topo, sendo 293,35 km²
cobertos com floresta, 3,76 km² com agricultura, 45,83 km² de pastagem e 2,14 km² de solo
exposto. Segundo o autor, a desvantagem da metodologia está na impossibilidade de
padronização, já que para cada compartimento de relevo pode-se encontrar diferentes
resultados.
PELUZIO et al. (2010) apresentam a melhor descrição metodológica para delimitação
de APPs de topo de morro da Lei nº 4.771/65 e Res. Conama nº 303/2002, com base em
Ribeiro et al. (2002), atualizada por Hott, Guimarães e Miranda (2004) e Victoria (2010). Os
autores, de forma extremamente didática e ilustrativa, fornecem um passo-a-passo detalhado
de todos os processos do método.
Diante da iminente inviabilização dos métodos consagrados para mapeamento das
APPs de topo de morros devido às mudanças nos parâmetros destas áreas protegidas no
Projeto de Lei (PL) nº 1.876/1999, Rocha (2011) propôs uma metodologia com os novos
parâmetros do PL – posteriormente convalidados com a Lei nº 12.651/12. O estudo realizado
pelo autor, comparando as APPs de topo do PL 1.876/99 (lei atual) com as da l Lei nº
4.771/65 nos municípios de Barra Mansa e Volta Redonda, RJ, observou perda de 99,98% da
área original. No entanto, constatou-se que a metodologia é aplicável a qualquer tipo de
relevo (plano ou ondulado).
Posteriormente, outras metodologias estudos foram desenvolvidos visando aplicar os
parâmetros da Lei nº 12.651/12. Santos (2013) apresenta uma metodologia automatizada para
delimitação de APPs de topo de morro da lei atual, com base em SIG, considerando como
base de um morro, a altitude da confluência da rede hidrográfica adjacente a este. Ou seja, a
área de abrangência da base do morro será a área de contribuição à montante do ponto.
Oliveira e Fernandes Filho (2016) também propuseram um método de identificação de APPs
de topo, a partir de uma imagem do sensor ASTER DEM com resolução espacial de 30 m, em
uma porção da Serra do Gandarela, MG.
27

Segundo os autores, o objetivo do estudo foi desenvolver uma nova metodologia para
a cartografia automatizada das APPs de topo em relevo ondulado, de acordo com a Lei nº
12.651/12. Francelino e Silva (2014) estudaram a bacia hidrográfica do rio Cacaria (7.309 ha),
RJ, sobre o potencial de morros baseado em declividade para delimitação das APPs. Como
resultados, o critério 1 (Res. Conama 303) indicou 2.295 ha de morros (31,4% da bacia); o
critério 2 (Lei nº 12.651) estimou 36 ha (0,5%); enquanto que o critério 3 (Lei nº 12.651 com
declividade modificada), 1.795 ha (24,5%).
O tema APPs de topo de morros da Lei nº 12.651 ainda tem sido pouco explorado em
plataformas Open Source (softwares livres). Na literatura foram observados apenas três
estudos sobre estas áreas protegidas, todos com uso da plataforma QGis. Bossle (2016)
descreve um método não automatizado para delimitação de APPs de topo com base na Lei nº
12.651. Silva et al. (2016) propôs identificar os topos de morro no estado do Paraná
classificados como APPs, aplicando as regras da Lei nº 12.651/12, a partir da utilização de
SIG em software livre. Já Toniolo e Brandão (2018) realizaram estudo para um grupo de
municípios da Região Metropolitana de São Paulo, tendo como resultado 2,47 ha de APPs,
equivalente a 0,24% da área estudada.
De acordo com Ramos (2018), a demarcação de APPs de topo tem sido abordada na
literatura específica, concentrando-se em estudos sobre metodologia. Contudo, tanto o
conhecimento quanto a interpretação da legislação ambiental neste tema têm sido, de certa
forma, negligenciados. Isto porque métodos desenvolvidos para parâmetros correspondentes à
lei anterior (4.771) têm sido aplicados sem adaptações para a Lei nº 12.651, ou parâmetros da
lei em vigor são alterados arbitrariamente, incidindo em possíveis resultados superestimados
ou incoerentes (e.g. Santos (2013), Luppi et al. (2015), Silva et al. (2016), Bonfatti e Moreira
(2017), Lira Filho, Holanda e Farias (2018), Toniolo e Brandão (2018), Assis e Amorim
(2019)).
Lira Filho, Holanda e Farias (2018) realizaram estudo com o objetivo de analisar APPs
de topo de morro no ambiente do CAR, instituído pela Lei nº 12.651. Segundo os autores,
para o cálculo das APPs utilizou-se método descrito por Luppi et al. (2015), que se baseia na
Lei nº 4.771 e Res. Conama nº 303. Já Bossle (2016) segue todos os parâmetros legais, exceto
para a declividade, na qual utiliza valores simples superiores a 25º ao invés da média superior
a 25º.
28

Assis e Amorim (2019) propuseram a delimitação automática de APPs de topo na


bacia hidrográfica do rio Camanducaia, com base na Lei nº 12.651. O estudo utilizou o
método descrito por Santos (2013), que considera como base de um morro a altitude da
confluência da rede hidrográfica adjacente para qualquer tipo de relevo ao invés do ponto de
sela, como determina a lei atual. Da mesma forma, Toniolo e Brandão (2018) baseia seu
estudo no método de Silva et al. (2016) - que delimita as APPs de topo da lei em vigor não
considerando o ponto de sela como base de morro.
Ainda neste contexto, o Instituto Estadual do Ambiente - Inea (2014) estabeleceu um
método para delimitação de APPs de topo de morro no estado do Rio de Janeiro (Resolução
Inea nº 93/14), onde o ponto de sela não é utilizado como a base de morros. Neste caso, a base
é definida como a “altitude do ponto a partir do qual a erosão das águas correntes não pode
trabalhar, sempre coincidindo com uma planície ou com um espelho d’água (mar, laguna ou
confluência de rios, sejam estes perenes, intermitentes ou efêmeros)” (INEA 2014, p. 2).
Segundo Avzaradel e Rocha (2019, p. 72), o método “não descreve de forma detalhada, todas
as etapas necessárias a serem seguidas no processo de reprodução das APPs, induzindo a
interpretações”. Diante disto, Magdalena (2017) sugere a reprodução da Resolução de acordo
com Santos (2013), já que este autor considera a base de morro como a confluência da rede
hidrográfica adjacente.
Diante do aspecto polêmico trazido pela Resolução Inea nº 93/14, Avzaradel e Rocha
(2019) destacam através de Meirelles (1991) que as APPs são limitações administrativas
admitidas somente por meio de leis gerais (e.g. Lei nº 12.651/12). Segundo os autores, uma
outra forma de se declarar APPs pelo Poder Público seria por meio do art. 6º da Lei nº 12.651.
No entanto, Machado (2012) sustenta que sobre esta forma de APP há a necessidade de
desapropriação por parte do Poder Público, para que sua instituição se torne efetiva, incidindo
indenização por perdas e prejuízos – o que não ocorre com as APPs do art. 4º da mesma lei.
Diante disto, existe a hipótese de que as APPs delimitadas a partir da Resolução Inea nº 93/14
dependam de desapropriação para tornarem-se válidas.
29

Diante de todo o exposto, verifica-se que a popularização e o aumento da demanda por


geoinformações vem ajudando na consolidação das geotecnologias no cenário científico
nacional e internacional. Portanto, a utilização de SIGs e Sensoriamento Remoto foi
fundamental para o desenvolvimento de métodos de delimitação automatizada de APPs de
topo de morros, com base em parâmetros legais. Contudo, percebe-se que negligenciar o
conhecimento e a interpretação da legislação ambiental pode gerar resultados superestimados
ou incoerentes. Por fim, com este panorama constata-se o quão importante são as
geotecnologias para o atendimento das necessidades da sociedade.

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEGISLAÇÃO FLORESTAL

As relações jurídicas com as florestas pelas antigas civilizações remontam de alguns


milênios. Com o passar do tempo, a diminuição do estoque de madeiras nobres, a erosão do
solo e a escassez de água tornaram-se evidentes, causados, principalmente, pelo
desmatamento com uso do fogo para agricultura e a extração de madeira. Com isso, tais
impactos negativos levaram à elaboração das primeiras regras florestais, como mostra a
Figura 1. Segundo Pereira ([1951]), as regulamentações eram impostas por reis, rainhas e
outros governantes. Objetivavam preservar os interesses internos e privilégios como
mandatários. Impunham restrições na vida das pessoas para garantia da segurança alimentar e
de madeira. Com isso podiam planejar o aumento da construção de casas, palácios e de frotas
de navios de guerra.
30

Figura 1 – Principais fatores que levaram à elaboração das primeiras regras


florestais.
Fonte: Própria (2020).

De acordo com Grove (1995), Kovarik (2004) e Bursztyn e Persegona (2008), a


preocupação com a proteção de florestas foi marcada por regulamentações importantes, tais
como: a Lei Florestal da dinastia Ur (2700 A.C.), considerada a primeira lei sobre florestas; os
Códigos de Hamurabi (1700 A.C.), na Mesopotâmia, e o de Manu (1300 A.C.), na Índia; a
Dinastia Chow (1122 a 225 A.C.); e a Lei das XII Tábuas (450 A.C.). Já na Era Cristã ou Era
Comum, os autores mencionam o Código Florestal Francês (1300); a Carta Régia Portuguesa
(1442); no Brasil Colonial/Imperial: a primeira lei brasileira sobre o Pau-Brasil (1605); a
primeira Carta Régia de conservação das florestas e madeiras no Brasil (1797); e a criação do
Serviço Florestal do Brasil (1921), para promover a conservação e aproveitamento florestal.
No Brasil Republicano, Ahrens (2005) cita que a Constituição Federal de 1891
silenciava sobre a proteção das florestas. Diante disto, continua o autor, o procurador jurídico
do Serviço Florestal do Brasil, Luciano Pereira da Silva, publica artigo em 1929, cujo título
reflete as preocupações prevalentes à época e que embasaria o Primeiro Código Florestal
Brasileiro (Decreto nº 23.793/1934).
Em sua história, o Brasil possuiu dois códigos florestais: o de 1934 e seu sucessor, de
1965. No primeiro, priorizaram-se a proteção de grupos de florestas que exercessem funções
ambientais indispensáveis e a contenção de ações antrópicas nocivas ao ambiente, onde
somente os proprietários rurais tinham acesso irrestrito aos recursos florestais em seus
imóveis. Já o segundo, comentam Laureano e Magalhães (2011), considera as florestas e
31

demais formas de vegetação como bens de interesse comum, seja em propriedade pública ou
privada, além de instituir as áreas de preservação permanente.
Durante o Estado Novo, uma tentativa de consolidar leis, normas e costumes
relacionados às florestas resultou na publicação do Código Florestal (CF) de 1934. Neste
código as florestas protetoras tinham como funções: conservar o regime de águas; evitar a
erosão das terras pela ação dos agentes naturais; fixar dunas; proteger sítios por sua beleza;
asilar espécimens raros de fauna indígena (autóctone); dentre outras (BRASIL 1934). Estas
florestas evoluíram na forma das áreas de preservação permanente (APP), instituídas pelo
Novo Código Florestal (NCF).
As APPs foram distribuídas em várias tipologias, situadas: em faixa marginal ao longo
de cursos d'água; ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; nas
nascentes e "olhos d'água"; nas encostas com declividade superior a 45°, equivalente a 100%
na linha de maior declive; nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de
mangues; nas bordas dos tabuleiros ou chapadas; em altitude superior a 1.800 metros, nos
campos naturais ou artificiais, as florestas nativas e as vegetações campestres; e no topo de
morros, montes, montanhas e serras (BRASIL 1965). Contudo, a primeira norma técnica a
definir componentes de relevo plano e ondulado foi a Resolução Conama 04/1985.
Esta Resolução trazia o entendimento de que o relevo deveria ser tratado conforme sua
ocorrência. Os montes (morros isolados na paisagem) constituíam relevos planos, restando
clara a atribuição da linha horizontal definida por planície ou superfície de lençol d'água
adjacente. Enquanto que a base para morros e montanhas foi definida a partir dos parâmetros
para relevo ondulado. De certa forma, tais conceitos sobreviveram e se mantiveram nas
normas e leis atuais, a exemplo da Res. Conama nº 303/2002. Porém, o conceito das APPs foi
incluído na Lei nº 4.771 somente após 35 anos, através da Medida Provisória nº 1.956-
50/2000.
Segundo Laureano e Magalhães (2011), o CF não é uma lei amplamente conhecida
pela população brasileira. No entanto, os pontos a seguir marcaram sua trajetória:
 1961-1964: Reforma do CF de 1934, coordenado pelo Desembargador Osny Duarte
Pereira;
 1965: Promulgação da Lei nº 4.771 – Novo Código Florestal;
 1985: Resolução Conama nº 004 - primeira norma técnica a definir cumes, morros,
montanhas, serras, base de morro ou montanha e a proteção de topo de morros;
32

 1988: Constituição Federal – Capítulo de Meio Ambiente;


 1989: A Lei nº 7.803 regulamenta Reserva Legal e qualifica Áreas de Preservação
Permanente – APP;
 2001: Inclusão dos conceitos sobre Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal
na Lei nº 4.771 (Medida Provisória nº 2.166-67);
 2002: Resolução Conama nº 302, regulamenta APPs de reservatórios artificiais e o
regime de uso do entorno; Resolução Conama nº 303, regulamenta, dentre outras, as
APPs no topo de morros e montanhas;
 2008: Conama cria Grupo de Trabalho para revisão da Resolução nº 303/02; ponto de
sela é considerado como base matemática de morro ou montanha; parâmetros de altura
e declividade mudam;
 2009: Criação de Comissão Especial para revisão da Lei nº 4.771, em virtude das
pressões ruralistas (Projeto de Lei nº 1.876/1999);
 2012: Revogação do NCF pela Lei nº 12.651.
Em 11/05/2011, as APPs de topo de morros não mais constam do texto entregue pelo
Relator Dep. Aldo Rebelo. A redação do Projeto de Lei (PL) nº 1.876/1999 volta a mencioná-
las em 24/05/2011. No período de 01/06 a 09/12/2011 a proposta foi avaliada pelo Senado
Federal por meio do Projeto de Lei da Câmara - PLC nº 30/2011, que além das várias
alterações propostas, trouxe a ampliação do conceito de topo de morros com relevos
ondulados. Após o retorno à Câmara dos Deputados, a redação final do PL 1.876/1999 foi
aprovada, sendo transformada na lei nº 12.651 em 25/05/2012.
Observa-se, ao longo da história, que a legislação florestal é calcada pela necessidade
de controle, seja de estoques de madeira, seja para o aumento da fronteira agrícola ou para a
diminuição das consequências negativas da exploração indiscriminada. As regras
visavam assegurar um melhor controle contra erosão de solos, da escassez hídrica ou garantir
privilégios e exclusividades. No Brasil Republicano, estes dois últimos estimularam o
desconhecimento e desinteresse pelas leis florestais e ambientais por grande parte da
sociedade.
A seguir, a Figura 2 representa um resumo das principais regras florestais discutidas
neste capítulo.
33

Figura 2 – Evolução das principais leis florestais no tempo.


Fonte: Própria (2020).

Por todo o exposto, percebe-se a evolução das principais leis florestais do mundo até a Idade Média, com 7 regras em 4.142 anos. A partir daí, apenas
no Brasil foram 13 normas florestais em pouco mais de 407 anos.
34

2.3 APP DE TOPO DE MORROS NA LEI FEDERAL Nº 4.771/1965 E NA


RESOLUÇÃO CONAMA Nº 303/2002

De acordo com a definição da lei 4.771, são de Preservação Permanente, as áreas


cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos
hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e
flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (BRASIL 2000). Neste
contexto é importante complementar esta definição do ponto de vista jurídico.
D'Oliveira (2011) cita que importantes pesquisadores da área do direito consideram as APPs
como limitações administrativas. Segundo Meirelles (2005, p. 89), "limitação administrativa é
toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de
direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social". Ou seja, as APPs são
áreas non aedificandi, que devem ser instituídas por leis gerais, onde as obrigações são
imputadas a todos pelo Estado, e por isso, não indenizáveis.
Diante deste conceito ampliado para as APPs, a Resolução Conama nº 303 veio
regulamentar a lei 4.771 e trouxe parâmetros, definições e limites para as APPs de topo de
morro, com as seguintes especificidades (CONAMA 2002):
 Morro: elevação do terreno com cota do topo em relação à base entre cinquenta e
trezentos metros e encostas com declividade superior a trinta por cento
(aproximadamente dezessete graus) na linha de maior declividade;
 Montanha: elevação do terreno com cota em relação à base superior a trezentos
metros;
 Base de morro ou montanha: plano horizontal definido por planície ou superfície de
lençol d`água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota da depressão mais baixa
ao seu redor (Figuras 3 e 4);
 APP no topo de morros e montanhas: áreas delimitadas a partir da curva de nível
correspondente a dois terços da altura mínima da elevação em relação à base.
Na ocorrência superior a dois morros ou montanhas cujos cumes distem menos de 500
metros, a APP abrangerá o conjunto destas elevações.
35

Figura 3 – Parâmetros de base para as APPs de topo de morros conforme Resolução Conama nº 303/2002: a) plano
horizontal definido por planície; b) plano horizontal definido por superfície de lençol d`água adjacente; c) planos
horizontais definidos pelas cotas da depressão mais baixa ao redor, nos relevos ondulados.
Fonte: Rocha (2016).

Figura 4 – APPs de topo de morros, montes, montanhas e serras: elevações com altura mínima de
50 (cinquenta) metros e inclinação na linha de maior declividade superior a 17°, em áreas delimitadas a partir da
curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo
esta definida pelo plano horizontal determinado pela cota da depressão mais baixa ao seu redor (Inc. VI, Art. 2º da
Resolução Conama nº 303/2002) (CONAMA 2002).
Fonte: Adaptado de Faria (2005, p. 24).

Como se observa, as Figuras 3 e 4 trazem como exemplo a aplicação dos critérios e


parâmetros dispostos na Resolução Conama nº 303/2002.
36

2.4 ASPECTOS AMBIENTAIS E CONSERVACIONISTAS DAS APPS DE TOPO


DE MORROS

Com base na definição da lei 4.771, as funções ambientais das APPs


são bastante abrangentes. No caso dos recursos hídricos, a vegetação nas APPs atua
como efeito-tampão melhorando o habitat com sombreamento e controle da temperatura,
além de agir "como filtros de sedimentos, material orgânico, fertilizantes, pesticidas e outros
poluentes que podem afetar de forma adversa os corpos de água e as águas subterrâneas"
(SCHÄFFER et al. 2011, p. 8). A preservação da estabilidade geológica e do solo tem a
função ambiental de prevenir a ocorrência de enxurradas e deslizamentos de terra, do
assoreamento de corpos d’água e de promover a manutenção e recarga de aquíferos e do
lençol freático. Como exemplos de áreas frágeis, protegidas por lei, afetadas de forma
implacável pelos eventos climáticos extremos, as Figuras 5, 6 e 7 demonstram as tragédias
ocorridas em Santa Catarina, em 2008, e na Região Serrana Fluminense em 2011.

Figura 5 – Vista do Morro do Baú, Ilhota, SC. Observa-se que os escorregamentos atingiram severamente as
edificações. Tragédia ocorrida em Santa Catarina, em 2008.
Fonte: Schäffer et al. (2011, p. 17).
37

Figura 6 – BR 492 em Nova Friburgo. Edificação à direita, no sopé do morro, soterrada pelo deslizamento
ocorrido pela instabilidade das encostas. Tragédia ocorrida na Região Serrana Fluminense em 2011.
Fonte: Schäffer et al. (2011, p. 65).

Figura 7 – Ocupação irregular em APP de faixa marginal de rio: antes (esq.) e depois (dir.). Bairro Campo
Grande, Teresópolis, RJ. Tragédia ocorrida na Região Serrana Fluminense em 2011. Enxurrada com
deslizamentos de terra, acarretando no assoreamento do corpo hídrico.
Fonte: Schäffer et al. (2011, p. 65).

Já o fluxo gênico tem como função permitir a interligação entre espaços territoriais
protegidos como Reservas Legais, Unidades de Conservação, e outros fragmentos florestais
(SCHÄFFER et al. 2011). Por isso, as APPs atuam como corredores biológicos, contribuindo
para a diminuição de vulnerabilidade de espécies à extinção. As demais funções ambientais
como de preservação da paisagem, da biodiversidade e de assegurar o bem-estar das
populações humanas são diretamente dependentes das funções anteriormente descritas.
38

Entende-se, portanto, que as APPs de topo de morros possuem funções ambientais


fundamentais na preservação da estabilidade geológica, do solo, dos recursos hídricos e do
fluxo gênico. Previnem a ocorrência de enxurradas e deslizamentos de terra, do assoreamento
de corpos d’água, além de promoverem a manutenção e recarga de aquíferos e do lençol
freático, bem como assegurar a segurança das populações humanas. Garantem a interligação
entre fragmentos florestais ou áreas protegidas, seja por corredores biológicos contínuos ou
por stepping stones (pontos de ligação entre habitats que se encontram dispersos),
favorecendo assim o fluxo gênico entre espécies.

2.5 REVISÃO DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 303/2002 E LEI Nº 12.651/2012:


ALTERAÇÕES DOS PARÂMETROS DAS APP DE TOPO DE MORROS

Em 2006, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de São Paulo requereu, junto ao


Conama, a criação de um grupo de trabalho (GT) para revisão da definição dos conceitos de
topo de morro e de linha de cumeada referidos na Resolução Conama nº 303/02. Este
requerimento foi analisado durante as reuniões da Câmara Técnica Gestão Territorial e
Biomas (CTGTB) - a 17ª em 10/07/2007 e a 18ª em 07/11/2007 - e deferido em
18/03/2008, com a abertura do processo nº 02000.001147/2007-27.
O GT contou com 5 reuniões, em 18/03/2008, 20/05/2008, 20/08/2008, 20-21/11/2008
e 21-22/05/2009, onde Cortizo (2007) associa o ponto de sela como a única base matemática
de morros ou montanhas em relevos ondulados. Esta conclusão se deu, por exclusão, onde o
autor argumenta que os fundos de cavidades do relevo foram considerados mínimos locais,
representados por espelhos d'água, enquanto que os cumes representariam os máximos locais.
Com isso, Rocha (2008) demonstrou que o ponto de sela é aquele ponto mais baixo
localizado entre duas isolinhas fechadas de mesma cota altimétrica, compreendido na mesma
linha de crista (divisor de águas) entre dois cumes (Figura 8).
39

Figura 8 – Demonstração de que o ponto de sela é aquele ponto mais


baixo localizado entre duas isolinhas fechadas de mesma cota
altimétrica, compreendido na mesma linha de cumeada (divisor de
águas) entre dois cumes.
Fonte: Adaptado de Rocha (2008).

Paralelamente às discussões do GT no Conama, a Assessoria Jurídica da Fundação


Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), através do Parecer Feema/RD3 nº 4 de
22/12/2008, manifestou-se quanto à observância das Resoluções Conama nº 302 e nº 303 de
2002, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, principalmente sobre a estipulação de novas
APPs ou ampliação de seus limites, não previstas na Lei nº 4.771/65 ou em outros diplomas
legislativos. Conclui-se no parecer que os artigos que estabelecem novas APP’s ou ampliam
os seus limites, são considerados inconstitucionais por violação aos princípios da reserva de
lei, da razoabilidade e da regra que confere aos Estados competência suplementar para legislar
sobre direito ambiental (D'OLIVEIRA 2011). Pode-se citar, como exemplos de novas APPs
ou ampliação de seus limites, as de linha de cumeada e nos conjuntos de morros ou
montanhas (inc. VI e parágrafo único, art. 3º da Res. Conama 303), pois não são previstos no
Código Florestal (Lei nº 4.771/65).

3
ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema). Parecer
ASJUR/FEEMA/PGE RD nº 04/2008, de lavra do Procurador do Estado Rafael Lima Daudt d’Oliveira.
Aprovado nos autos do procedimento administrativo nº E-07/203.724/2008 pela Subprocuradoria Geral do
Estado, em janeiro de 2009.
40

De volta ao Conama, durante a 21ª reunião da CTGTB, 20-21/08/09, as atividades do


GT foram temporariamente suspensas devido à revisão do Código Florestal (PL nº
1876/1999) (CONAMA 2009). No entanto, outro processo foi aberto com o mesmo objetivo
(processo nº 02000.001394/2010-29), requerido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e
discutido durante a 25ª reunião da CTGTB, 12-13/08/2010, onde foram redefinidos os
conceitos de “morro” e “base de morro ou montanha”:
 morro: elevação do terreno com altura mínima de 100 metros e inclinação média
maior que 25 graus;
 base de morro ou montanha: plano horizontal determinado pela cota do ponto de sela
mais próximo da elevação.
No ano de 2011, com o PL 1876/1999 (revisão da Lei 4771/65) já em plena discussão
na Câmara dos Deputados, a APP de topo de morro não é mencionada no referido PL,
conforme Parecer às Emendas de Plenário (PEP 1 187699) (BRASIL 2011a), entregue pelo
Relator Dep. Aldo Rebelo em 11/05/2011. Porém, de acordo com Brasil (2011b, p. 25828):
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente [...]
VIII - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100
(cem) metros e inclinação média maior que 25°, em áreas delimitadas a partir da
curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação
sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado
pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

Tal trecho passa a compor a Redação Final do PL apresentada em 24/05/2011, onde as


APPs de topo de morro são descritas em seu conteúdo.
Sendo assim, as principais mudanças propostas nos parâmetros para delimitação
de APP de topo de morro de acordo com Conama (2002) e Brasil (2011b), foram:
 altura de 50 m para 100 m;
 declividade de 17º na linha de maior declividade para a média superior a 25º; e
 a base deixa de ser a cota de depressão mais baixa ao redor da elevação e passa a
ser seu ponto de sela mais próximo.
41

Os novos parâmetros para determinação de APPs de topo de morros são ilustrados na


Figura 9.

Figura 9 – APPs de topo de morros, montes, montanhas e serras: elevações com altura mínima de 100 (cem)
metros e inclinação média maior que 25°, em áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3
(dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal
determinado pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação (Inc. VIII, Art. 4º da Lei 12.651/2012) (BRASIL
2012).
Fonte: Adaptado de Faria (2005, p. 24).

Por fim, as alterações propostas para APPs de topo de morros provocaram incertezas e
insatisfações. Incertezas, pois a suspensão do GT pelo Conama forçou a Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) a regulamentar procedimentos para delimitação
destas APPs, através da Decisão de Diretoria nº 148/2010/L, de 11/05/2010, uma vez que o
requerimento realizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de São Paulo junto ao
Conama (processo nº 02000.001147/2007-27) não atingiu seu objetivo. Já as insatisfações
foram manifestadas pelo Ministério Público de São Paulo, que concluiu não haver sustentação
científica que justificasse redução da proteção ambiental com as alterações
propostas, configurando retrocesso e afronta ao princípio da precaução (MPSP 2010).
Contudo, após apresentação da Nota Técnica nº 037/2010 pelo Serviço Florestal Brasileiro
(SFB) ao Conama, as alterações propostas na Resolução nº 303 foram aprovadas no 25º
CTGTB, em 13/08/2010. Em 2012, este texto foi incorporado ao PL 1876/1999 após retornar
do Senado Federal, sendo promulgado através da lei nº 12.651 em 25 de maio daquele ano.
A seguir, apresenta-se um Quadro (Figura 10) com as alterações dos parâmetros das
APP de Topo de Morros.
42

Figura 10 – Quadro com as alterações dos parâmetros das APP de Topo de Morros na legislação.
Fonte: Própria (2020).
43

3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Este estudo teve por finalidade comparar os impactos da aplicação da


Lei nº 12.651/2012 em relação à Lei nº 4.771/1965 e à Resolução Conama nº 303/2002 na
delimitação de Áreas de Preservação Permanente de topo de morros da APA da Bacia do Rio
São João/Mico-Leão-Dourado.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1. Avaliar a qualidade posicional e a consistência lógica através das características


topológicas dos dados vetoriais utilizados na elaboração do modelo digital de elevação
hidrograficamente condicionado, fundamental para o cálculo das APPs;
2. Calcular as áreas de APP de topo de morro segundo as leis 12.651, 4771 e resolução
Conama. e
3. Quantificar em área os impactos observados nas APPs de topo de morros
decorrentes da mudança de legislação, com base no zoneamento e uso do solo da APA.
44

4 METODOLOGIA

Para o alcance do objetivo geral do estudo, um dos passos foi a avaliação da qualidade
topológica dos dados vetoriais utilizados na elaboração do modelo digital de elevação
hidrograficamente condicionado (MDEHC), bem como verificar o seu grau de acurácia. Em
seguida, as APPs de topo de morros foram delimitadas com base nos parâmetros estabelecidos
na Lei nº 4.771/1965, Resolução Conama nº 303/2002 e Lei nº 12.651/2012. Estes últimos
passos foram considerados como cenários e seus resultados, comparados entre si.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foram utilizadas pesquisas bibliográficas
que se basearam em publicações científicas nas áreas do conhecimento em geotecnologias e
legislação ambiental, com os principais autores: Ribeiro et al. (2002), Hott, Guimarães e
Miranda (2004), Victoria et al. (2008), Peluzio et al. (2010) e Rocha (2011), dentre outros. A
plataforma utilizada nesse estudo foi o ESRI ArcGIS® 10.2 (Licença ArcInfo), sendo que toda
a base de dados foi previamente projetada para o Sistema de Projeção UTM com datum
horizontal SIRGAS 2000 e planejada de forma a propiciar rotinas automatizadas para os
cenários envolvidos.

4.1 ÁREA DE ESTUDO

A escolha da APA como estudo de caso dessa pesquisa, justifica-se, por se tratar de
unidade de conservação (UC) com grande representatividade de unidades geomorfológicas no
território fluminense. A grande quantidade de estudos realizados nessa UC, com ênfase em
aspectos voltados para a conservação da biodiversidade (Carvalho et al. 2004;
Rambaldi 2007; Carvalho et al. 2008; Teixeira et al. 2009; Gonçalves 2011; entre outros), foi
outro fator que contribuiu para a seleção da UC nesse estudo.
45

4.1.1 Localização

O estudo foi conduzido na Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São


João/Mico-Leão-Dourado (APASJ) – Unidade de Conservação da esfera federal na categoria
de manejo do Grupo de Uso Sustentável –, localizada entre 22° 24’ 03” e 22° 44’ 40” de
latitude sul e 41° 58’ 50” e 42° 39’ 35” de longitude oeste, compreendendo uma superfície de
150.700 hectares (BRASIL 2002). Como mostra a Figura 11, a APASJ abrange, parcialmente,
os municípios de Araruama, Cabo Frio, Cachoeiras de Macacu, Casimiro de Abreu, Rio
Bonito, Rio das Ostras, São Pedro da Aldeia e, integralmente, Silva Jardim.

Figura 11 – Localização da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado no


Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: Própria (2020).

A APA da Bacia do rio São João insere-se na região administrativa das Baixadas
Litorâneas, no Estado do Rio de Janeiro, parcialmente, na bacia hidrográfica de mesmo nome.
46

4.1.2 Declividade

A distribuição e classificação de relevos no Brasil, segundo Embrapa (1979) e IBGE


(2007) , são compartimentalizadas com base na declividade, conforme a Tabela 1.
Tabela 1 – Distribuição e classificação de relevos no Brasil.
Relevo Descrição
Superfície de topografia lisa ou horizontal, onde os desnivelamentos são muito pequenos,
Plano
com declividades inferiores a 3% (1,7º);
Superfície de topografia ligeiramente movimentada, [...] configurando pendentes ou
Suave Ondulado
encostas com declives entre 3 até 8% (1,7º a 4,6º);
Superfície de topografia relativamente movimentada, [...] configurando em todos os casos
Ondulado
pendentes ou encostas com declives maiores que 8% até 20% (4,6º a 11,3º);
Superfície de topografia movimentada, [...] configurando encostas ou pendentes com
Forte Ondulado
declives maiores que 20 até 45% (11,3º a 24,2º);
Superfície de topografia vigorosa, [...] constituídas por morros, montanhas, maciços
montanhosos e alinhamentos montanhosos, apresentando desnivelamentos relativamente
Montanhoso
grandes e declives fortes ou muito fortes, predominantemente maiores de 45 até 75%
(24,2º a 36,9º); e
Áreas com predomínio de formas abruptas, compreendendo superfícies muito íngremes,
Escarpado usualmente ultrapassando 75% (> 36,9º), tais como: aparados, itaimbés, frentes de cuestas,
falésias e vertentes de declives muito fortes.
Fonte: Embrapa (1979); IBGE (2007, p. 189-191).

A análise do relevo na APASJ, com base em declividade, foi realizada a partir de um


raster de inclinação, em porcentagem, derivado de um MDEHC com resolução espacial de
5 m (a elaboração do MDEHC será descrito mais adiante). Segundo Cunha (1995), as serras
escarpadas localizam-se do norte ao oeste da APA, apresentando encostas íngremes a
abruptas. Este relevo escarpado representa 6,5% da APASJ, de acordo com a Tabela 2 e
Figura 12. Conforme o autor, a maioria das montanhas encontram-se nas serras de Santana,
São João, Taquaruçu, Pilões, Boa Vista e Pedra Branca, no município de Silva Jardim. Reis
(2008) menciona que o segundo conjunto de montanhas aparece na periferia sudoeste da
APA. O autor ainda descreve o Morro de São João, com cerca de 780 m de altitude, como
uma montanha isolada na baixada, em formato arredondado e superfície aproximada de
14 km² - um antigo vulcão extinto com mais de 59 milhões de anos de idade. De forma geral,
o relevo montanhoso corresponde a 21,7% da APASJ.
47

Tabela 2 – Distribuição e classificação de relevos com base em declividade (%), na APA da


Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.
Declividade (%) Relevo Área (ha) % na APA
0-3 Plano 34.074,84 22,6
3-8 Suave ondulado 18.221,95 12,1
8-20 Ondulado 22.242,54 14,8
20-45 Forte ondulado 33.650,43 22,4
45-75 Montanhoso 32.601,61 21,7
> 75 Escarpado 9.738,47 6,5
Total 150.529,85 100,0

Como se observa na Figura 12, maior parte dos relevos plano e suave ondulado (região
de baixada) fica localizada na porção leste da APA, enquanto que o restante segue à montante
nos vales do rio São João e de seus afluentes. Essas duas classes de relevo ocupam juntas
34,7% da UC, sendo o relevo plano correspondente a 22,6% e o suave ondulado, 12,1%.

Figura 12 – Distribuição e classificação de relevos com base em declividade (%), na APA da Bacia do
Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.
Fonte: Adaptado de Dantas (2000, p. 65).

Como mencionado anteriormente, o relevo predominante na APASJ é o plano, com


cerca de 34.075 ha. O segundo relevo mais importante é o forte ondulado, com 33.650 ha,
enquanto que o terceiro é o montanhoso, com aproximadamente 32.602 ha.
48

4.1.3 Geomorfologia

O estudo das formas de relevo, sua gênese, composição e dos processos que nelas
atuam permitem a análise de fenômenos e interações que podem interferir nos tipos de erosão,
deposição, distribuição e composição de solos, na aptidão agrícola, na criação de barreiras
para determinadas espécies, no clima, bem como na criação de condições favoráveis ou
desfavoráveis às atividades humanas, entre outros fatores (FLORENZANO 2008; SEABRA
2012). De acordo com as formas de relevo, mudanças climáticas globais podem estar
afetando, por exemplo, a distribuição de espécies tanto da flora como da fauna, geografica ou
altimetricamente, podendo inclusive levar à sua extinção. Como outro exemplo, formas de
relevo podem influenciar no sucesso de processos de recuperação florestal expondo
determinadas áreas a um maior sombreamento ou seu fracasso, por excesso de insolação. O
relevo também pode interferir no estabelecimento de áreas pelo acúmulo de umidade e
nutrientes, ou por sua dispersão.
Neste contexto, as formas de relevo da APASJ são descritas neste estudo de acordo
com Dantas (2000), onde a hierarquização escolhida para compartimentação da
geomorfologia teve por base as Unidades Geomorfológicas e seus respectivos Sistemas de
Relevo. As Unidades Geomorfológicas presentes na APASJ são demonstradas na Figura 13.
49

Figura 13 – Unidades Geomorfológicas na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.


Fonte: Adaptado de Dantas (2000, p. 65).

Os Sistemas de Relevo são descritos na Tabela 3 seguir, com sua respectiva


codificação, a partir do Mapa Geomorfológico do Estado do Rio de Janeiro, reproduzido com
base em Dantas (2000, p. 67) (Para mais detalhes, vide Anexo 1):
50

Tabela 3 – Sistemas de Relevo que ocorrem na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.
(111) Planícies Aluviais (Planícies de Inundação,
Relevo de Agradação Continental
Terraços Fluviais e Leques Alúvio-Coluviais)
(121) Planícies Costeiras (Terrenos Arenosos de
Relevo de Agradação Litorâneo Terraços Marinhos, Cordões Arenosos e Campos de
Dunas)
(124) Planícies Flúvio-Lagunares (Terrenos Argilosos
Relevo de Agradação Litorâneo
Orgânicos de Paleolagunas Colmatadas)

Relevos de Degradação Entremeados na Baixada (221) Colinas Isoladas

Relevos de Degradação em Planaltos Dissecados ou


(231) Domínio Suave Colinoso
Superfícies Aplainadas
Relevos de Degradação em Planaltos Dissecados ou (232) Domínio Colinoso (zona típica do domínio de
Superfícies Aplainadas "mar de morros")
Relevos de Degradação em Planaltos Dissecados ou (233) Domínio de Colinas Dissecadas, Morrotes e
Superfícies Aplainadas Morros Baixos
Relevos de Degradação em Planaltos Dissecados ou
(235) Alinhamentos Serranos e Degraus Estruturais
Superfícies Aplainadas
Relevos de Degradação Sustentados por Litologias
(241) Maciços Intrusivos Alcalinos
Específicas

Relevos de Degradação em Áreas Montanhosas (252) Escarpas Serranas

A distribuição dos Sistemas de Relevo na APASJ é demonstrada pela Figura 14.


51

Figura 14 – Sistemas de Relevo na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.


Fonte: Adaptado de Dantas (2000, p. 67).

4.1.4 Hidrografia

O Estado do Rio de Janeiro foi dividido em nove Regiões Hidrográficas, segundo


CERHI/RJ (2013), através da Resolução CERHI nº 18, de 8/11/2006, posteriormente, alterada
pela Resolução CERHI nº 107, de 22/05/2013. A Região Hidrográfica Lagos São João
(RH-VI) – destacada na Figura 15, onde a área de estudo está localizada, é composta pelas
bacias hidrográficas: do rio São João, do rio Una, do Canal dos Medeiros, das bacias
contribuintes ao complexo lagunar de Saquarema, Jaconé e Araruama, e do Litoral de Búzios
(INEA [2020]).
52

Figura 15 – Regiões Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro a partir de 2013. Destaque para a RH-VI
Lagos São João.
Fonte: Adaptado de Acselrad et al. (2015, p. 203).

Com superfície de 2.160 km² e perímetro de 266 km a bacia do Rio São João possui
67 km em sua maior distância no sentido leste-oeste, e 43 km no sentido norte-sul. Faz limite
a oeste com a bacia da Baía da Guanabara, ao norte e nordeste com as bacias dos rios Macaé e
das Ostras e ao sul com as bacias do Rio Una e das lagoas de Araruama, Jacarepiá e
Saquarema, segundo Primo e Völcker (2003) (Figura 16).
53

Figura 16 – Bacias hidrográficas da Região Hidrográfica VI – Lagos São João: (1)


Rio São João; (2) Rio das Ostras; (3) Rio Una e Cabo Búzios; (4) Lagoa de
Araruama; e (5) Lagoas de Saquarema, Jaconé e Jacarepiá.
Fonte: Primo e Völcker (2003, p. 3).

A bacia do rio São João é dividida em 4 sub-bacias: Alto e Médio Cursos do São João,
Baixo Curso do São João, Bacaxá e Capivari (Figura 17). Seu principal rio nasce na Serra do
Sambê, em Cachoeira de Macacu, a 800 m de altitude, percorrendo seu alto curso de 5 km,
chegando à altitude de 60 m no seu médio curso. Deste ponto, segue 50 km até a represa de
Juturnaíba. Da barragem, serpenteia um longo trecho de 65 km até desaguar no oceano, junto
a cidade de Barra de São João, em Casimiro de Abreu. Tem como principais afluentes, pela
margem direita, os Rios Gavião, do Ouro, Bacaxá, Capivari e Morto; os Córregos Salto
d’Água e Cambucás, a vala do Consórcio e o Rio Gargoá e; pela margem esquerda, os Rios
Águas Claras, Pirineus, Taquaruçu, da Bananeira, Maratuã, Aldeia Velha, da Lontra, Dourado
e a vala dos Medeiros.
54

Figura 17 – Principais sub-bacias que compõem a bacia hidrográfica do rio São João.
Fonte: Adaptado de Seabra (2012, p. 11).

As sub-bacias do Alto e Médio São João, bem como do Baixo São João possuem
606 km² e 805 km², respectivamente. A sub-bacia do Capivari abrange, aproximadamente,
200 km² e seu principal rio possui 21 km de extensão, desaguando na represa de Juturnaíba. Já
o rio Bacaxá, cuja sub-bacia apresenta 520 km², percorre cerca de 34 km até sua foz, também
na represa de Juturnaíba.
Antes da construção da represa, uma das peculiaridades da bacia, descrita por Lamego
(1946), era a existência da Lagoa de Juturnaíba (Figura 18), formada pelas águas do rio
Capivari e Bacaxá, que eram barradas pelos aluviões do Rio São João, no qual desaguava. De
acordo com o autor, Juturnaíba significa, em tupi, lago medonho ou mal-assombrado,
(Notoronia-aíba ou Notoronga-aíba), nome atribuído a presença de grandes quantidades de
jacarés-de-papo-amarelo. A lagoa tinha cerca de 6 km² e uma profundidade média de 4 m,
atingindo mais de 8 m no período chuvoso (SEMADS 2001).
55

Figura 18 – Bacia hidrográfica do rio São João e a distribuição de brejos e matas ribeirinhas, em 1956. Destaque
para a Lagoa de Juturnaíba formada pelos rios Bacaxá e Capivari.
Fonte: Adaptado de Cunha (1995) apud Primo e Völcker (2003, p. 17).

Primo e Völcker (2003) descrevem que ao longo da bacia brejos ocupavam extensões
consideráveis, chegando a alcançar mais de 140 km², ao lado de matas ribeirinhas tanto em
áreas secas quanto inundadas. Os autores citam, de acordo com Sofiatti Neto (2001), dois
importantes registros. O primeiro refere-se à exploração madeireira na bacia do Rio São João
em razão da grande diversidade de árvores, com mais de 70 espécies florestais exploradas na
bacia, em especial, 3 variedades de pau-brasil. O segundo registro menciona como este rio era
usado no transporte de cargas. Com o melhor calado entre aqueles divagantes de planícies
pantanosas, Lamego (1946) confirma que o rio era utilizado para o transporte de toras de
madeira por trechos de quase 30 km até o porto de Três Morros, 50 km acima da foz.
56

A primeira alteração sofrida na bacia do rio São João, de acordo com Góes (1934)
citado por Primo e Völcker (2003), foi para a construção da Estrada de Ferro Leopoldina,
onde um trecho do rio Aldeia Velha foi transposto para o rio Capoeira. Mais à jusante, deixou
de ser um afluente do rio São João, sofrendo nova transposição para o rio Indayassú, fazendo
com que o traçado da nova via contornasse uma vasta área pantanosa, como mostra a Figura
19. Com isso, a ferrovia foi inaugurada em 1888, fazendo com que o rio São João perdesse
sua função de importante via de transporte.

Figura 19 – Primeira alteração sofrida na bacia do rio São João para a


construção da Estrada de Ferro Leopoldina.
Fonte: Adaptado de Góes (1934) apud Primo e Völcker (2003, p. 20).

A partir das décadas de 1950 a bacia do rio São João sofreu uma série de grandes
obras hidráulicas pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS. Entre as
décadas de 1950 e 1960 os rios Bacaxá e Capivari foram parcialmente retificados (18 km e
15 km, respectivamente), assim como um pequeno trecho do rio São João para facilitar as
obras da rodovia BR-101 (SEMADS 2001; PRIMO e VÖLCKER 2003). Ainda segundo os
autores, em 1972 o Ministério do Interior anunciou a intenção de construir a barragem de
Juturnaíba para possibilitar o abastecimento público dos municípios da Região dos Lagos,
realizar obras de macrodrenagem e promover o aproveitamento hidroagrícola da baixada.
57

Entre 1974 e 1980, de acordo com SEMADS (2001) e Primo e Völcker (2003), um
trecho do leito do rio São João desde Gaviões até as proximidades da represa foi aprofundado,
alargado e retificado, o mesmo ocorrendo com o baixo curso dos rios Águas Claras, Pirineus,
Bananeiras, Maratuã, Salto d’Água e do Ouro. Na década de 1980, à jusante da represa, foi a
vez do baixo curso dos rios Aldeia Velha, Indayassú, Lontra e Dourado a sofrer retificação e
ainda a abertura de um canal reto de 24,5 km no baixo São João, com inúmeras valas
construídas para dessecamento de sua imensa área de brejo. A Figura 20 demonstra o
resultado das intervenções na bacia do rio São João, pelo DNOS.

Figura 20 – Bacia hidrográfica do rio São João após projeto de intervenção do DNOS.
Fonte: Adaptado de Cunha (1995) apud Primo e Völcker (2003, p. 23).
58

Com a construção da barragem entre 1980 e 1982, o enchimento do reservatório


terminou em 1984, cobrindo a antiga Lagoa de Juturnaíba, alterando completamente o
ecossistema em relação ao original. A área alagada passou de 6 km² da antiga lagoa, para
30,6 km². Antes da barragem, o rio São João apresentava um curso contínuo e sinuoso com
cerca de 133 km. A diferença de comprimento entre o rio antigo e o atual se deve à perda de
13 km de leito, submerso nas águas da represa. O mesmo ocorreu com o rio Capivari, que
perdeu cerca de 5,3 km de curso após a inundação, enquanto que o rio Bacaxá perdeu cerca de
8 km de seu leito (PRIMO e VÖLCKER 2003).
Embora a represa tenha sido construída para possibilitar o abastecimento público e a
irrigação de áreas planas, que foram drenadas para fins agrícolas, o segundo objetivo jamais
foi alcançado. Isto porque nos primeiros anos de seu enchimento, houve grande proliferação
de plantas aquáticas, que chegaram a formar ilhas flutuantes, causando decréscimo
considerável de oxigênio (SEMADS 2001). Segundo Primo e Völcker (2003), a poluição por
esgoto dos rios contribuintes da represa, provavelmente seja a principal causa do problema.
Segundo Barcellos et al. (2012) e Wasserman (2014) a área do reservatório é de,
aproximadamente, 43 km², com capacidade estimada de 100 milhões de m³, podendo variar
de 93 milhões de m³ até 131 milhões de m³. Atualmente, duas concessionárias de tratamento
de água em plena operação nas margens do reservatório produzem juntas cerca de 1.732 m³/s
de água potável (WASSERMAN et al. 2019, p. 3).
Contudo, Primo e Völcker (2003) consideram tanto o reservatório de Juturnaíba
quanto a irrigação das terras à jusante para a agricultura, projetos fracassados. Sob o aspecto
de abastecimento, para atender a demanda futura da Região dos Lagos e dos municípios da
bacia a capacidade de armazenamento do reservatório não se justifica. Sob o aspecto social e
comercial, os projetos hidroagrícolas não aconteceram. Sobretudo, o aspecto ambiental foi o
mais caro de todos, uma vez que ecossistemas inteiros foram dizimados, rios foram retificados
alterando o ciclo hidrológico original da bacia hidrográfica, enfim, recursos naturais que
dificilmente serão restaurados.
Ao analisar a hidrografia da bacia hidrográfica do rio São João, observou-se por meio
de SIG que a APASJ ocupa 71% desta bacia, mantendo todos seus afluentes da margem
esquerda. Pela margem direita, o rio Bacaxá é o único que mantém todos seus afluentes da
margem esquerda e apenas os rios Vermelho e do Ouro, da margem direita, na APASJ. Sua
hidrografia atual é demonstrada pela Figura 21.
59

Figura 21 – Hidrografia da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.


Fonte: Própria (2020).

4.1.5 Uso e Cobertura da Terra

A bacia do Rio São João historicamente sofre com o uso e ocupação inadequado do
solo (ICMBIO 2008, p. 135). O século XVII foi marcado pelo desmatamento, exploração de
madeira e o início da ocupação com lavouras. No século XVIII o destaque foi a devastação de
extensas áreas para o plantio da cana-de-açúcar. Com seu declínio os canaviais foram
abandonados e a região passou a ser ocupada com criação de gado e com continua extração de
madeira. Já no século XIX foi a vez da cafeicultura predominar. No entanto, foi no século XX
que ocorreram as intervenções mais drasticamente relevantes, como obras de aterro, de
construção de barragens e drenagens realizadas através de políticas governamentais de
incentivo à ocupação da região (PRIMO e VÖLCKER 2003; ICMBIO 2008).
60

O Uso e Cobertura da Terra da APASJ teve como metodologia e resultados os dados


apresentados por Cruz et al. (2018), para o Estado do Rio de Janeiro, através do Projeto de
Mapeamento da Cobertura da Terra e de Detecção de Mudanças na Cobertura Florestal do
Estado do Rio de Janeiro – Olho no Verde4. As classes mapeadas foram agrupadas em áreas
antrópicas e áreas naturais. A primeira foi constituída pelas classes: Áreas Antrópicas Não
Agrícolas (ANA); Áreas Antrópicas Agrícolas (AAG), identificadas ainda como consolidadas
e não consolidadas; e Silvicultura (SILV). Já Áreas Naturais compreende: Áreas Naturais
Florestadas (ANF); Áreas Naturais Não Florestadas (NNF); Restingas; Manguezais; e Corpos
d’água.
As Áreas Antrópicas não Agrícolas (ANA) compreendem áreas residenciais,
comerciais, industriais, mineração, solo exposto. A classe Áreas Antrópicas Agrícolas (AAG)
compreende pastagem, pastagem esparsa, pastagem queimada, cultivos perenes e temporários,
solo em preparo, revegetação (pasto sujo – etapa de sucessão da vegetação que antecede
estágio inicial). A classe Silvicultura (SILV) compreende plantios comerciais de espécies
arbóreas e/ou o reflorestamento. A classe Áreas Naturais Florestadas (ANF) considera a
vegetação arbórea, excetuando Silvicultura, independente do estágio sucessional em que se
encontra, recobrindo serras, morros, colinas e planícies, incluindo-se assim, diferentes
fisionomias da floresta Atlântica.
Na classe Áreas Naturais não Florestadas (NNF) foram agrupadas diferentes
formações vegetacionais e não vegetacionais: afloramento rochoso, solo exposto natural,
vegetação rupestre, campos de altitude, área alagada, praia. A classe Restinga é caracterizada
por formações vegetais que se estabelecem em cordões arenosos da planície costeira, com
influência marinha e fluvio-marinha, distribuídas em mosaico. São encontradas desde
comunidades herbáceas até comunidades arbóreas, como as matas de restinga. Já a classe
Manguezal compreende ecossistemas costeiros de transição entre o ambiente terrestre e
marinho, sujeitos ao regime de marés, com espécies vegetais típicas, podendo haver
associação com planícies hipersalinas ou apicuns.

4
Mais informações: http://www.inea.rj.gov.br/olho-no-verde/ . Acesso em: 13 maio 2020.
61

Os dados orbitais utilizados (ano-base 2013 a 2015) foram os seguintes: WorldView,


com resolução reamostrada para 2 m, e imagens no espectro visível e infravermelho próximo;
RapidEye, com pixel de 5 m e imagens no espectro visível e infravermelho próximo; Landsat
5 e 8, com resolução de 30 m e imagens no espectro do visível e infravermelho; e MDE
SRTM, com resolução de 30 m, usado na caracterização do relevo na elaboração de
indicadores para mapeamento. O mapeamento utilizou técnicas de classificação por objetos
(GEOBIA) e a validação foi realizada por meio do cálculo dos valores de Exatidão Global
(93,9%) e Índice Kappa (0,929) através de Matriz de Confusão. Por fim, a área total mapeada
foi de 157.920,6 ha e o mapa temático é apresentado na Figura 22.

Figura 22 – Uso e Cobertura da Terra da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.


Fonte: Própria (2020).

As classes Áreas Antrópicas Agrícolas (AAG) e Áreas Naturais Florestadas (ANF),


com 48% e 46% da APASJ, respectivamente, demonstram proporções equivalentes. As áreas
“Antrópicas” somam 78.157 ha, equivalente a 49,5% da APASJ. Já a tipologia “Naturais”
corresponde a mais de 50%, totalizando cerca de 79.764 hectares. A distribuição das classes
pode ser observada na Tabela 4 e na Figura 23.
62

Tabela 4 – Distribuição das Classes de Uso e Cobertura da Terra, da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado, RJ. As classes foram divididas em dois grandes grupos de acordo com suas características de interferência
humana: áreas antrópicas e áreas naturais.
Tipo Classes ha %
Áreas Antrópicas Agrícolas (AAG) 75.887,67 48,05
Antrópicas

Silvicultura (SILV) 1.625,55 1,03


Áreas Antrópicas Não Agrícolas (ANA) 593,95 0,38
Áreas Antrópicas Agrícolas não Consolidadas (AAG_N_CONS) 49,84 0,03
Áreas Naturais Florestadas (ANF) 73.619,57 46,62
Corpos d’água 4.018,56 2,54
Naturais

Áreas Naturais Não Florestadas (NNF) 1.173,77 0,74


Restingas 671,47 0,43
Manguezais 280,21 0,18
Total 157.920,6 100,00

Figura 23 – Valores proporcionais das classes mapeadas da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado.
Fonte: Própria (2020).
63

No grupo das áreas naturais, Água é a segunda classe mais importante da APASJ,
principalmente em função da represa de Juturnaíba, correspondendo a 2,54% da área ou
4.018,6 ha. Como citado anteriormente, Primo e Völcker (2003) descreveram que ao longo da
bacia do rio São João, brejos ocupavam extensões consideráveis, superiores a 14.000 ha, ao
lado de matas ribeirinhas tanto em áreas secas quanto inundadas. Esta vegetação natural
enquadra-se na classe Áreas Naturais Não Florestadas (NNF), que atualmente encontra-se
reduzida a 0,74% da APASJ, ou seja, 1.174 hectares. Pode-se deduzir com isso que em
4 séculos (XVII a XX) somente esta classe perdeu mais de 92% de sua cobertura original.
Seguindo o mesmo raciocínio, as classes Restingas e Manguezais destacam-se pela baixíssima
representatividade atual (0,43% e 0,18%, respectivamente), como mostra a Figura 24. Esta
baixa representatividade é justificada, inclusive, pela pressão da especulação imobiliária
devido à localização litorânea. Ressalta-se que, ainda assim, o manguezal localizado na foz do
rio São João é bastante significativo.

Figura 24 – Área em hectares das classes mapeadas da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.
Fonte: Própria (2020).
64

No grupo das áreas antrópicas, as classes Silvicultura (SILV), Áreas Antrópicas Não
Agrícolas (ANA) e Áreas Antrópicas Agrícolas não Consolidadas (AAG_N_CONS), juntas
totalizam 2.269,34 ha, isto é, ocupam 1,44% da APASJ. A classe Silvicultura (SILV) ocupa
cerca de 1% (1.626 ha) da APA, com predomínio nos municípios de Silva Jardim e Casimiro
de Abreu. Com 0,38% da APA, a classe Áreas Antrópicas Não Agrícolas (ANA) representa,
principalmente, as áreas urbanas ou de expansão urbana ao longo das rodovias, ocupando
cerca de 540 ha. A classe Áreas Antrópicas Agrícolas não Consolidadas (AAG_N_CONS)
apresenta ocupação inexpressiva na APASJ, com 0,03% do território (c.a. 50 ha).

4.1.6 Importância da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado

A APASJ possui “grande relevância internacional, seja por abrigar uma das espécies
de primatas cujo programa de conservação inclui diversos países, ou por estar situada em um
dos ecossistemas mais ameaçados do planeta, a Mata Atlântica” (ICMBIO 2008, p. 20).
Criada através do Decreto Federal s/nº de 27 de junho de 2002, a APASJ tem como objetivo e
finalidade a proteção e conservação de seus mananciais, regularização do uso dos recursos
hídricos e o parcelamento do solo, de forma a garantir o uso racional dos recursos naturais e
proteção dos remanescentes de floresta atlântica e o patrimônio ambiental e cultural da região,
segundo Brasil (2002).
65

De acordo com o Plano de Manejo da APASJ, foram definidos os seguintes objetivos


específicos:
1. Promover a conservação dos remanescentes da Mata Atlântica e ecossistemas
associados existentes dentro da APA, principalmente nos corredores ecológicos;
2. Proteger populações remanescentes de espécies endêmicas, raras e/ou ameaçadas;
3. Proteção da biodiversidade quer seja pela sua importância genética ou pelo seu
valor econômico ou ainda para atividades de pesquisa científica e de lazer;
4. Proteger os conjuntos hídricos minimizando os processos erosivos e a
sedimentação, evitando as interferências negativas sobre a utilização da água e do
solo;
5. Proteger os recursos pesqueiros;
6. Garantir a proteção das características relevantes de natureza geológica e
geomorfológica da região;
7. Apoiar e estimular estudos e pesquisas científicas voltadas para um melhor
conhecimento dos recursos naturais e culturais da região da APA;
8. Integrar as unidades de conservação da região em um corredor ecológico;
9. Assegurar a manutenção da viabilidade genética das populações de fauna e flora;
10. Normatizar o uso e ocupação do solo de acordo com as condições locais bióticas
e abióticas;
11. Ordenar as atividades de pesca e aqüicultura;
12. Incentivar e promover a recuperação de ecossistemas degradados e o aumento da
conectividade da paisagem;
13. Estimular programas e projetos que visem à promoção do desenvolvimento
sustentável da região;
14. Envolver a sociedade no processo de gestão sustentável dos recursos naturais da
APA por meio da Educação Ambiental;
15. Valorizar a cultura local das comunidades inseridas na região da APA;
16. Minimizar os impactos da ocupação e expansão urbana;
17. Minimizar os impactos negativos das atividades potencialmente poluidoras ou
utilizadoras de recursos naturais;
18. Promover a integração entre as instituições que atuam na região da APA; e
19. Monitorar a qualidade ambiental na região da APA. (ICMBIO 2008, p. 215-216)
66

Unidades de Conservação, Flora e Fauna

A APA Federal da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado abrange as seguintes


UCs (Figura 25): REBio Federal Poço das Antas, REBio União, Parque Estadual dos Três
Picos e APA Estadual Macaé de Cima, além de 25 Reservas Particulares do Patrimônio
Natural (RPPN) (INEA 2019; AMLD [2020]; CNUC [2020]). Estas UCs foram criadas para
proteger os fragmentos florestais remanescentes, habitat da fauna ameaçada de extinção
como: preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus Illiger, 1811), lobo-guará
(Chrysocyon brachyurus Illiger, 1815), gato-maracajá (Leopardus pardalis mitis Cuvier,
1820), mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia Linnaeus, 1766), bagrinho
(Microcambeva barbata Costa & Bockmann, 1994), borboleta-da-praia (Parides ascanius
Cramer, 1775) e onça-parda (Puma concolor capricornensis Goldman, 1946) (ICMBIO
[2020a]), bem como dos recursos hídricos da bacia hidrográfica, que abastecem toda a Região
dos Lagos (CUNHA 2017). De acordo com Fernandes et al. (2008), a criação das UCs
impediu o total desmatamento dos últimos grandes fragmentos florestais localizados na
baixada litorânea fluminense.

Figura 25 – Unidades de Conservação abrangidas pela APA da Bacia do Rio São


João/Mico-Leão-Dourado.
Fonte: Adaptado de Seabra (2012, p. 10).
67

Conforme o sistema de classificação da vegetação do IBGE (IBGE 2012), a cobertura


florestal da APASJ é enquadrada nas fisionomias Floresta Ombrófila Densa Altomontana,
(superior a 1.500 m de altitude), Floresta Ombrófila Densa Montana (500-1.500 m), Floresta
Ombrófila Densa Submontana (50-500 m) e Floresta Ombrófila Densa de Terras
Baixas (0-50 m). Além disso, também são encontradas as Formações Pioneiras: Vegetação
com influência Marinha (Restingas), Vegetação com influência Fluviomarinha (Manguezais)
e Vegetação com influência Fluvial e/ou Lacustre. A distribuição das fitofisionomias é
demonstrada na Figura 26. Para alcançar estes enquadramentos o MDEHC foi fatiado de
acordo com os intervalos altimétricos supramencionados: 50 a 500 m; 500 a 1.500 m; e acima
de 1.500 m.

Figura 26 – Classificação da Vegetação na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, conforme as


fitofisionomias para Floresta Ombrófila Densa: Altomontana (acima de 1.500 m de altitude); Montana (500-
1.500 m); Submontana (50-500 m); e de Terras Baixas (0-50 m). Formações Pioneiras: Vegetação com
influência Marinha (Restingas); Vegetação com influência Fluviomarinha (Manguezais) e Vegetação com
influência Fluvial e/ou Lacustre.
Fonte: Própria (2020).
68

Das espécies que compõem a flora da APASJ, muitas se encontram com populações
reduzidas, devido ao extrativismo secular na região. Mesmo com a fragmentação de habitats,
estudo realizado por Carvalho et al. (2008) na bacia do rio São João apontou acentuada
riqueza no padrão de famílias/gêneros. Por outro lado, Cansi (2007) analisou nove fragmentos
na mesma bacia, integrantes do Programa Conservação do Mico-leão-dourado, onde estima-se
que estejam isolados há 50 anos.

Zoneamento da APA

O plano de manejo é definido como o documento oficial de planejamento das unidades


de conservação, de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
(BRASIL 2000). Como parte integrante deste plano de manejo, D’Amico et al. (2018)
conceituam zoneamento como um instrumento de ordenamento territorial, em que aos espaços
identificados são associadas normas específicas para condicionar as atividades permitidas,
harmonizando a realização de diferentes usos na mesma UC.
Desta forma, o zoneamento da APA São João consta das seguintes zonas (Figura 27):
• Zona de Preservação dos Recursos Naturais (ZPRN);
• Zona de Conservação dos Recursos Naturais (ZCRN);
• Zona de Proteção do Reservatório de Juturnaíba (ZPRJ);
• Zona de Proteção da Região Estuarina (ZPRE);
• Zona de Uso Controlado (ZUC);
• Zona de Uso Sustentável (ZUS);
• Zona de Uso Especial (ZUE);
• Zona de Ocupação Controlada (ZOC); e
• Zona de Recuperação (ZREC).
69

Figura 27 – Zoneamento da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, conforme seu Plano Diretor.
Nota: A Zona de Recuperação (ZREC) não foi fornecida.
Fonte: Adaptado de ICMBio ([2020b]).

De acordo com o Plano de Manejo da APASJ (ICMBIO 2008), é apresentado um


resumo com a definição das zonas e seus respectivos objetivos, no Anexo 2.

4.2 PRÉ-PROCESSAMENTO E ELABORAÇÃO DO MDE HC

Segundo Felgueiras e Câmara (2004), Modelo Numérico do Terreno (MNT), também


designado como Modelo Digital de Elevação (MDE), “é uma representação matemática
computacional da distribuição de um fenômeno espacial que ocorre dentro de uma região da
superfície terrestre”. De acordo com Poleto et al. (2008), os interpoladores criados para
geração de MDEs tinham como objetivo de uso geral representar dados de distribuição
contínua, como umidade, temperatura, além de outros.
70

Contudo, Hutchinson (1989) destaca a grande limitação destes interpoladores para


aplicações hidrológicas, principalmente, aquelas dependentes do cálculo automático de canais
de drenagem. Este mesmo autor desenvolveu algoritmo que eliminou tais limitações através
da imposição de drenagem, trazendo aos MDEs consistência hidrológica, atualmente
denominados Modelos Digitais de Elevação Hidrograficamente Condicionados (MDEHC).
Poleto et al. (2008) considera um MDEHC “quando o relevo é representado adequadamente a
ponto de permitir a correta simulação dos processos hidrológicos ocorrentes na área”. Na
mesma linha, ESRI (1997) define MDEHC como “a melhor representação digital do relevo
capaz de reproduzir, com precisão, o caminho preferencial de escoamento da água superficial
observado no mundo real”.
Para a geração do MDEHC deste estudo utilizou-se a ferramenta Topo To Raster5 da
ESRI, a partir dos arquivos vetoriais “Curvas de Nível”, “Pontos Cotados”, “Hidrografia”, da
base cartográfica do IBGE - Projeto RJ25, na escala 1:25.000, recortados para a APASJ
considerando distância de 1 km além de seu limite. Durante a elaboração deste estudo
verificou-se que os domínios das elevações obtidos próximos às bordas do MDEHC
apresentavam inconsistências, oferendo risco para o cálculo de APPs de topo de morros. Para
sanar tais inconsistências foram testados MDEHCs com bordas de diferentes valores além dos
limites da APASJ, tais como: 200 m, 500 m, 1 km e 2 km. Desta forma, o MDEHC com
borda de 1 km demonstrou ser o mais adequado. A resolução espacial utilizada para o
MDEHC levou em conta “a precisão gráfica adotada de 0,2 mm” (PELUZIO et al. 2010, p.
20) caracterizada como o erro gráfico vinculado à escala de representação, isto é, 5 m para a
escala de 1:25.000. Contudo, em estudo sobre análise de qualidade de geoinformação,
Santos Junior e Costa (2015) enfatizam a importância de se verificar a qualidade dos dados
disponibilizados, visando atribuir maior confiança e credibilidade a esses dados. Para isso,
foram avaliadas a qualidade posicional e a consistência lógica dos dados vetoriais utilizados
através de suas características topológicas.

5
A ferramenta Topo to Raster utiliza um método de interpolação projetado especificamente para a criação de
modelos de elevação digital hidrograficamente condicionados (MDEHCs), baseado no programa ANUDEM
desenvolvido por Michael Hutchinson (1988, 1989, 1996, 2000, 2011) (ESRI [2020]).
71

Topologicamente, as curvas de nível são formadas por um conjunto de pontos


interligados por segmentos de reta que começam e terminam em um nó, denominadas
isolinhas ou linhas poligonais, que não definem uma área (polígono) (INPE 2006). Assim,
isolinha é uma linha poligonal em que é atribuído um único valor altimétrico. Já a hidrografia,
ainda de acordo com INPE (2006), é formada por uma rede de drenagem que utiliza a
topologia arco-nó e armazena a localização e a simbologia associadas à estruturas linearmente
conectadas.
Diante disto, as análises topológicas para as curvas de nível foram realizadas com o
auxílio da ferramenta Topology da ESRI, de acordo com o método demonstrado por
Ribeiro et al. (2015). No caso da hidrografia utilizaram-se os scripts Drainage Geometry
Validation e Drainage Network Validation, ambos desenvolvidos por França (2018) para o
QGIS. Já os pontos cotados foram testados visualmente por avaliação de seu posicionamento
em relação às isolinhas concêntricas e/ou contíguas. O mesmo foi realizado para avaliar o
encaixe da hidrografia nas curvas de nível, como demonstrado na Figura 28.

a b
Figura 28 – Testes visuais: a) avaliação de posicionamento de um ponto cotado em relação à isolinha mais
próxima; b) avaliação de encaixe da hidrografia em relação às curvas de nível.
Fonte: Própria (2020).

As regras adicionadas para corrigir as imperfeições das curvas de nível são


apresentadas na Tabela 5.
72

Tabela 5 – Regras adicionadas à análise topológica das curvas de nível para correção de imperfeições.
Regra Inconsistência Exemplo Fonte

Linhas sobrepostas;
geralmente linhas que se
Must not Overlap
sobrepõem por possuírem
um vértice em comum.

Ribeiro et al.
(2015, p. 70)

Must not Intersect Cruzamento de linhas.

Nós soltos referentes a


segmentos indesejáveis que
não se relacionam com os
dados de trabalho.

Must not Have Dangles

Nós soltos referentes às


curvas de nível que estejam Ribeiro et al.
incompletas por se situarem (2015, p. 71)
nas bordas.

Falsos nós - que estão


aparentemente unidos, mas
na verdade encontram-se
Must not Have Pseudo Nodes
soltos, dando uma
descontinuidade às curvas
de nível.

Must not Self-Overlap


Segmento de linha que
sobrepõe a si mesmo e que
se cruza em algum ponto,
Ribeiro et al.
respectivamente. São regras
(2015, p. 72)
geralmente complementares
à Must not Overlap e Must
not Intersect.
Must not Self-Intersect
73

Já as imperfeições da hidrografia são demonstradas na Tabela 6, com base em


França (2018), divididas em inconsistências de geometria e de rede de drenagem.
Tabela 6 – Inconsistências de geometria e de rede detectados pelos scripts Drainage Geometry Validation e
Drainage Network Validation, desenvolvidos por França (2018) para o QGIS.
Inconsistência Descrição Exemplo Fonte

O corpo hídrico cruza


Self-Intersection
a si mesmo.

Segmentos de corpos
Overlap hídricos se
sobrepõem.

Ângulo mínimo de
conexão de um França (2018, p.
Minimum Angle
segmento ao restante 17)
do corpo hídrico.

Segmentos de corpos
Crossing Lines
hídricos distintos

Segmentos de corpos
Line Not Connected hídricos não se
conectam.

França (2018, p.
Network Inconsistency
18)

O fluxo d’água
França (2018, p.
Loop retorna para o mesmo
19)
ponto.
74

Os scripts ainda entregam uma feição referente aos pontos identificados na rede
drenagem, como mostra a Figura 29, com os seguintes atributos:
 Início de Drenagem (Start Point);
 Final de Drenagem (End Point);
 Confluência (Confluence);
 Ramificação (Branch); e
 Mudança de atributos (Attribute change).

Figura 29 – Pontos da rede de drenagem gerados pelos


scripts Drainage Geometry Validation e Drainage
Network Validation para QGis: início de
Drenagem (Start Point); final de drenagem (End Point);
confluência (Confluence); ramificação (Branch); e
mudança de atributos (Attribute change).
Fonte: França (2018, p. 11).

Com a geração da feição “pontos da rede de drenagem”, as avaliações para validação


topológica da hidrografia, por serem mais complexas, ficam muito facilitadas.

4.3 VALIDAÇÃO DO MDEHC

A etapa de validação de classificação de mapas é geralmente realizada comparando-se


um mapa de referência e um classificado, a fim de verificar o grau de acurácia desta
classificação, mediante análise da Matriz de Confusão, índice Kappa, Precisão Geral, além
dos erros de Comissão e de Omissão. A Matriz de Confusão bem como o uso do índice Kappa
tornaram-se os mecanismos de precisão padrão amplamente aceitos e adotados para avaliação
de classificação de mapas por sensoriamento remoto, a partir de Congalton et al. (1983) e
Story e Congalton (1986) (CONGALTON e GREEN 2009).
75

A Matriz de Confusão é uma matriz quadrada, onde as linhas correspondem aos dados
classificados e as colunas expressam os dados de referência. De acordo com Congalton e
Green (2009), a eficiência de representação da precisão dos mapas a partir da matriz de
confusão está na descrição clara das precisões individuais de cada classe, em conjunto com
erros de inclusão e de exclusão na classificação. A análise Kappa baseia-se na diferença entre
a concordância real na matriz de confusão e a concordância de chance indicada pela linha e
coluna totais, tornando-se componente fundamental nas avaliações de precisão. Desta forma,
o índice Kappa calculado foi comparado aos conceitos de desempenho sugeridos por Landis e
Koch (1977) (Tabela 7). No caso da Precisão Geral, Congalton e Green (2009) sugerem como
resultados aceitáveis, valores iguais ou superiores a 85%.
Tabela 7 – Critérios utilizados na avaliação de concordância
com base no índice Kappa.
Kappa Concordância
≤0 Péssima
0,0 < K < 0,2 Ruim
0,2 ≤ K < 0,4 Razoável
0,4 ≤ K < 0,6 Boa
0,6 ≤ K < 0,8 Muito boa
0,8 ≤ K < 1,0 Excelente
Fonte: adaptado de Landis e Koch (1977, p. 165).

O índice Kappa considera todos os elementos da matriz de confusão ao invés de


apenas aqueles que se situam em sua diagonal principal, desta forma, estima também a soma
da coluna e linha marginais:

𝑛 ∑𝑐𝑖=1 𝑥𝑖𝑖 − ∑𝑐𝑖=1 𝑥𝑖+ 𝑥+𝑖


𝐾= (1)
𝑛2 − ∑𝑐𝑖=1 𝑥𝑖+ 𝑥+𝑖
Onde,
∑𝑐𝑖=1 𝑥𝑖𝑖 = somatório da diagonal da matriz de confusão;
𝑛 = número total de amostras coletadas;
𝑐 = número do total de classes;
𝑥𝑖+ = soma da linha i;
𝑥+𝑖 = soma da coluna i da matriz de confusão.
76

Geralmente, os mapas de classificação são elaborados com verificação em campo, no


entanto, devido à inacessibilidade na maioria dos terços superiores dos morros e montanhas,
esta verificação se torna extremamente prejudicada. Com isso, os resultados obtidos pela
matriz de confusão foram utilizados para validar a altimetria do MDEHC, especialmente, das
cotas altimétricas que não foram cobertas pelos pontos de referência (cotas de cumes, de selas
e dos terços superiores dos morros e montanhas, e.g.).
Este estudo considerou o MDEHC, a partir de um buffer de 1 km além dos limites da
APASJ (explicado anteriormente), fatiado em classes hipsométricas de 10 m de altitude como
dados classificados, enquanto que os pontos do Sistema Geodésico Brasileiro (SGB) do
IBGE, com altimetria de alta precisão, foram os dados de referência (Referência de Nível –
RN, SAT GPS e Vértice de Triangulação – VT). As classes de altitude para ambos os mapas
foram: 0–10, 10–20, 20–30, 30–40, 40–50, 50–60, 60–70, 300–310, 720–730 e 910–920,
devido à amplitude altimétrica do SGB para o local entre 3,22 e 912,48 m. Para
Congalton (1991), em áreas de até 4.047 km² (106 acres) com o máximo de 12 classes, aplica-
se até 50 amostras por classe, isto é, cada amostra possui área de 6,75 km². Sendo a área total
das amostras de 271,27 km² para as classes de abrangência dos pontos de referência, a
intensidade amostral resultante foi de, aproximadamente, 41 amostras. Contudo, utilizaram-se
os 63 pontos de referência inseridos na APA, conforme Figura 30 e Tabela 8 a seguir.

Figura 30 – Estações geodésicas como pontos de referência de amostragem na Área de Proteção Ambiental da
Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, utilizados para validação do Modelo Digital de Elevação.
Fonte: Própria (2020).
77

Tabela 8 – Distribuição das estações geodésicas nas classes de altitude, para a Área de Proteção
Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, com informações de altimetria e seus
respectivos nomes.
Estação Altitude (m) Classe (m) Estação Altitude (m) Classe (m)
3329B 3,22 0 - 10 2826D 19,42 10 - 20
2828H 3,51 0 - 10 2825V 20,46 20 - 30
3328N 3,55 0 - 10 91968 21,13 20 - 30
9003L 3,57 0 - 10 2813N 21,94 20 - 30
9003K 3,64 0 - 10 2826A 22,02 20 - 30
3072E 3,66 0 - 10 2827F 22,27 20 - 30
3328L 3,73 0 - 10 2826C 22,59 20 - 30
3088N 3,82 0 - 10 96136 23,01 20 - 30
3329C 3,83 0 - 10 2813M 23,51 20 - 30
3072D 3,84 0 - 10 2813J 24,48 20 - 30
3072G 3,91 0 - 10 2826J 24,81 20 - 30
2827C 3,96 0 - 10 2826M 25,32 20 - 30
96350 4,06 0 - 10 2826G 25,61 20 - 30
9003J 4,22 0 - 10 2826V 27,22 20 - 30
3328J 4,25 0 - 10 2825S 27,68 20 - 30
3137J 4,33 0 - 10 2825R 29,41 20 - 30
2827D 4,40 0 - 10 2825N 31,95 30 - 40
3072J 5,73 0 - 10 2813F 33,47 30 - 40
2828G 7,95 0 - 10 2813R 35,07 30 - 40
2826P 12,51 10 - 20 2825L 37,84 30 - 40
2826X 12,51 10 - 20 2813S 46,00 40 - 50
2826R 13,05 10 - 20 2825P 46,44 40 - 50
2826U 14,05 10 - 20 2825J 46,75 40 - 50
2826T 14,13 10 - 20 2825G 48,56 40 - 50
9356R 14,75 10 - 20 91966 52,10 50 - 60
2813L 15,23 10 - 20 8400 52,53 50 - 60
2826H 16,40 10 - 20 2813H 52,56 50 - 60
2825X 16,88 10 - 20 2825F 67,14 60 - 70
2826B 17,27 10 - 20 2032 307,78 300 - 310
91964 17,50 10 - 20 8374 729,14 720 - 730
2826L 17,68 10 - 20 8373 912,48 910 - 920
2825T 17,86 10 - 20 - - -
Fonte: Adaptado de IBGE (2017).
78

4.4 PROCESSOS DA DELIMITAÇÃO DAS APPS EM TOPO DE MORROS

O software utilizado nesse estudo foi o ESRI ArcGIS® 10.2 (Licença ArcInfo) e toda a
base de dados foi previamente projetada para o Sistema de Projeção UTM com datum
horizontal SIRGAS 2000. Optou-se por utilizar a extensão TIF para os rasters gerados neste
estudo, pois estes permitem um limite maior de caracteres em relação ao formato
nativo GRID (máx. 13), ao nomear os arquivos. Todos os processos e etapas da delimitação
das Áreas de Preservação Permanente de topo de morros aqui relacionados foram produzidos
de forma a propiciar rotinas automatizadas. Sendo assim, com a finalidade de alcançar os
objetivos deste estudo, são descritos nesta metodologia os 2 cenários a seguir:
 Cenário 1: método de delimitação de APPs de topo de morros de acordo com a
Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002; e
 Cenário 2: método de delimitação de APPs de topo de morros conforme a Lei
nº 12.651/2012.

4.4.1 Delimitação de APPs de topo de morros segundo a Lei nº 4.771/65 e a


Resolução Conama nº 303/2002

A metodologia proposta de delimitação das APPs em topo de morros em Sistema de


Informações Geográficas (SIG), com base na Lei Federal nº 4.771/1965 e na Resolução
Conama nº 303/2002, foi criada por Ribeiro et al. (2002; 2005), reproduzida por
Peluzio et al. (2010) e adaptada neste estudo, conforme sugeriu Rocha (2011). Utilizou-se um
Modelo Digital de Elevação produzido a partir da hidrografia, pontos cotados e curvas de
nível da Base Cartográfica Contínua da Unidade da Federação do Rio de Janeiro (IBGE
2018), na escala 1:25.000. As etapas a seguir, conforme a Figura 31, são descritas
detalhadamente por Peluzio et al. (2010).
79

Figura 31 – Etapas para delimitação de APPs de topo de morros conforme a Lei nº 4.771/65 e Resolução
Conama nº 303/2002.
Fonte: Adaptado de Peluzio et al. (2010).

De acordo com Conama (2002), conjunto de morros ou montanhas é o agrupamento de


duas ou mais elevações cujos cumes distem menos de 500 metros entre si. Neste caso, as
APPs são delimitadas a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura em
relação à base do morro ou montanha de menor altura do conjunto (Figura 32).

Figura 32 – Agrupamento de duas ou mais elevações cujos cumes distem menos de 500 metros entre si, onde as
APPs de topo são delimitadas a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura em relação à base
do morro ou montanha de menor altura do conjunto (CONAMA 2002).
Fonte: Adaptado de Nowatzki, Santos e Paula (2010, p. 5).
80

Desta forma, enquanto houverem cumes atendendo à condição da Figura 32, a


quantidade de elevações pertencentes a um conjunto é ilimitada. Contudo, a Etapa 86 do
modelo de Peluzio et al. (2010), considera a interpretação de Victoria (2010) sob uma outra
interpretação do texto da Resolução Conama 303 (mencionado detalhadamente no capítulo
2.1 deste estudo), levando à subestimativa no conjunto de elevações. Em estudo realizado por
Rocha (2011) para o município de Barra Mansa/RJ, esta subestimativa alcançou,
aproximadamente, 40%. O autor observou que os terços superiores das elevações são
agrupados em quantidade menor que a real, pois consideram os morros e montanhas de menor
altura que estejam contidos nos buffers de 249,5 m mais próximos a eles, desconsiderando as
outras elevações – que são parte do conjunto –, como demonstrado na Figura 33.

Figura 33 – Subestimativa do método de Peluzio et al. (2010) e Victoria (2010) no processo de agrupamento de
elevações com distância de proximidade inferior a 500 metros e aplicação da altitude da menor elevação, sob
outra interpretação do texto da Resolução Conama 303; a) pontos representam os cumes das elevações com suas
respectivas cotas altimétricas do terço superior; os buffers foram criados com base nos pontos, considerando raio
de 249,5 metros – representa a distância inferior a 500 metros entre dois cumes, ou seja, menos de 250 metros
para cada cume; b) os menores valores de cada ponto são transferidos para os buffers que os contém; c) os
menores valores de cada buffer são transferidos para os pontos que os contém; observou-se que para um mesmo
conjunto de morros ou montanhas várias elevações menores foram obtidas.
Fonte: Rocha (2011, p. 11).

6
ETAPA 8: Agrupamento dos morros ou montanhas com distância de proximidade inferior a 500 metros e
aplicação da altitude da menor elevação.
81

A fim de se obter resultados fidedignos à Resolução Conama 303, procedeu-se para


que o terço superior correspondente à elevação de menor altura fosse assumido para cada
conjunto em sua totalidade. Para detecção dos conjuntos de elevações aplicou-se a ferramenta
buffer ao Terco_TM_Ponto.shp, com raio de 249,5 metros e a opção dissolve type: All (que
dissolve todos os buffers juntos numa feição simples, removendo qualquer sobreposição),
resultando na feição Terco_TM_249_5m.shp. Em seguida, aplicou-se a ferramenta Multipart
to Singlepart, que converte uma feição de várias partes em feições de partes únicas (Figura
34), resultando no vetor Terco_TM_249_5m_Singlepart.shp.

Figura 34 – Funcionamento da ferramenta Multipart to Singlepart ao


converter uma feição de múltiplas partes em várias feições de parte
única.
Fonte: Adaptado de ESRI (2009b).

Em sequência, utilizou-se a opção Joins and Relates em


Terco_TM_249_5m_Singlepart.shp para juntar os dados mínimos de Terco_TM_Ponto.shp
baseado em sua localização espacial, resultando em Terco_TM_249_5m_Junto.shp. A Figura
35 demonstra os resultados entre os métodos de Peluzio et al. (2010) original e modificado.
Retornou-se, a partir daqui, às etapas de acordo com o método original de Peluzio et al.
(2010).
82

Figura 35 – a) Resultado obtido segundo Peluzio et al. (2010), considerando


uma possível subestimativa para a menor elevação do conjunto de morros; na
ilustração, o conjunto possui subconjuntos com menores elevações (446 m,
447 m, 442 m, 429 m e 432 m); e b) Adaptação do método onde todo o
conjunto é abrangido pela cota do terço superior de sua menor
elevação (429 m).
Fonte: Rocha (2011, p. 13)

4.4.2 Delimitação de APPs de topo de morros segundo a Lei nº 12.651/2012

O método para delimitação das APPs em topo de morros com base na Lei
nº 12.651/2012 aqui proposto foi parcialmente adaptado por aquele reproduzido por Peluzio et
al. (2010), e suas etapas estão demonstradas na Figura 36. Utilizou-se o mesmo MDEHC
descrito anteriormente. Algumas diferenças são apresentadas como:
 a ausência do agrupamento de morros e montanhas;
 a obtenção da declividade média superior a 25 graus; e
 os procedimentos para obtenção dos pontos de sela mais próximos das
elevações.
83

Figura 36 – Etapas para delimitação de APPs de topo de morros conforme a Lei nº 12.651/2012.
Fonte: Adaptado de Rocha (2011, p. 14).

ETAPA 1: Identificação e Preenchimento das Depressões Espúrias do MDEHC

Depressões e picos espúrios são anomalias, geralmente, causadas pela resolução dos
dados ou por arredondamentos das elevações para o valor inteiro mais próximo. Estas
anomalias devem ser preenchidas para garantir o delineamento adequado de bacias
hidrográficas e corpos d’água, do contrário, poderão interromper redes de drenagem,
causando sub ou superestimativas de funções derivadas destas (ESRI 2009a). Tarboton et al.
(1991) descobriram que de 0,9% a 4,7% das células em um MDE eram sumidouros. O ajuste
médio dessas anomalias variou de 2,6 a 4,8 metros. Isso significa que, para uma grade de 1
milhão de células (1.000 x 1.000 pixels), pode haver de 9.000 a 47.000 sumidouros/picos a
serem preenchidos/ajustados. Por isso é tão importante o uso da ferramenta de preenchimento
Fill para obtenção de informações hidrológicas corretas em MDEs.

ETAPA 2: Geração da Layer de Cumes

Para geração da layer de cumes, Extent, Cell size e Mask foram configurados para
receber MDEHC_Fill. Como pré-requisito, foram produzidas as layers: a) MDEHC Invertido
(MDEHC_Inv), b) direção de fluxo d’água invertido (Dir_Fluxo_Inv), e c) Máscara de cume
(Cume_Masc).
84

a) Layer de Modelo Digital de Elevação Invertido - MDEHC_Inv


A inversão do MDEHC é necessária para delimitação dos domínios das elevações
e dos cumes, através de ferramentas de hidrologia. Com a ferramenta Raster
Calculator utilizou-se a expressão (2) resultando na layer MDEHC_Inv como
output. A Figura 37 apresenta a comparação entre os MDEHCs normal e invertido.

MDEHC_Inv = [MDEHC_Fill] * - 1 (2)

Figura 37 – Inversão do MDEHC necessário para delimitação dos domínios das elevações e dos cumes, através
de ferramentas de hidrologia (Fill, Sink, Flow Direction, Basin).
Fonte: Rocha (2011, p. 16).

b) Layer de direção de fluxo d’água invertido - Dir_Fluxo_Inv


Esta layer foi pré-requisito para a geração de máscara e cumes e geração de
domínio das elevações mais adiante. Com a layer MDEHC_Inv como input da
ferramenta Flow Direction gerou-se Dir_Fluxo_Inv.
85

c) Layer de máscara de cumes - Cume_Masc


A ferramenta Sink é geralmente utilizada para detecção de depressões espúrias em
MDEs como mencionado anteriormente. No caso de MDEs invertidos
provenientes de layers anteriormente tratados pela ferramenta Fill, as depressões
espúrias (sinks) representam os cumes do relevo normal (Figura 38). Assim, com a
layer Dir_Fluxo_Inv como input da ferramenta Sink gerou-se a layer Cume_Masc,
que será utilizada na etapa final de obtenção dos cumes.

Figura 38 – Perfis indicando a localização de cumes em um MDEHC normal e os sinks (depressões espúrias) a
partir do MDEHC invertido, com a ferramenta Sink, para a geração das máscaras de cumes.
Fonte: Rocha (2011, p. 17).

d) Layer de cumes – Cumes


Para geração da layer de cumes, Analysis Mask foi configurada para receber a
layer Cume_Masc. Com a ferramenta Raster Calculator utilizou-se a expressão (3)
resultando na layer Cumes. Desta forma, somente os pixels do MDEHC_Fill
coincidentes com Cumes_Masc foram mantidos em Cumes.

Cumes = [MDEHC_Fill] (3)


86

ETAPA 3: Geração das Regiões de Domínio das Elevações

Para geração da layer de domínios das elevações (Bacias_Inv), Analysis Mask foi
configurada para receber a layer MDEHC_Fill. Como input para a ferramenta Basin, a layer
Dir_Fluxo_Inv foi aplicada e como output, Bacias_Inv. A Figura 39 apresenta a distribuição
dos domínios das elevações na paisagem. Em seguida, criou-se uma tabela de atributo VAT
para esta layer com a ferramenta Build Raster Attribute Table. Peluzio et al. (2010)
argumentam que as Grids (imagens matriciais utilizadas no ArcGIS 10.2®, por padrão)
inteiras representam dados discretos e seus atributos são armazenados numa tabela de atributo
VAT, onde um registro é apresentado para cada valor exclusivo nesta Grid. A tabela de
atributo VAT foi fundamental para aplicação da layer Bacias_Inv em diversos processos.

Figura 39 – Distribuição dos domínios das elevações (Bacias_Inv) na paisagem; como se observa em
perspectiva, as linhas de cor preta demarcam os limites de cada elevação.
Fonte: Rocha (2011, p. 19).
87

ETAPA 4: Geração dos Cumes Máximos, Cumes_MDE e Cumes_MDE_ponto

Nesta etapa foi utilizada a estatística por zonas (Zonal Statistics) para geração da layer
Cumes_Maximos. Esta função calcula as estatísticas dos valores de uma imagem matricial nas
zonas de outro conjunto de dados (ESRI 2009a). Neste caso, o objetivo foi obter a cota de
maior valor em cada feição de Cumes e transferi-la para cada domínio de elevação. Com a
ferramenta Zonal Statistics utilizou-se os seguintes parâmetros:
 Input raster or feature zone data: Bacias_Inv;
 Zone field: VALUE;
 Input value raster: Cumes;
 Output raster: Cumes_Maximos;
 Statistics type: MAXIMUM

Em sequência, para a geração da layer Cumes_MDE, Analysis Mask foi configurada para
receber a layer Cumes. Com a ferramenta Raster Calculator utilizou-se a expressão (4)
resultando na layer Cumes_MDE como output. Na prática, este comando significou que
quando cada pixel de Cumes coincidisse com o mesmo valor de Cumes_Maximos, este pixel
assumiria este valor em Cumes_MDE, do contrário assumiria um valor NoData (sem dados).

Cumes_Mde = con([Cumes] == [Cumes_Maximos], [Cumes],


(4)
setnull([Cumes]))

Por fim, os valores de Cumes_MDE foram transformados em inteiros, para posterior


conversão nos vetores Cumes_mde_pol (ferramenta Raster to Polygon) e Cumes_mde_ponto
(ferramenta Feature to Point), respectivamente. Nesta última, a opção inside (optional) foi
marcada para que os pontos fossem gerados sempre no interior de seus polígonos.
88

ETAPA 5: Determinação da Altitude da Base (Ponto de Sela mais próximo)

Como demonstrou Rocha (2008), o ponto de sela é aquele ponto mais baixo localizado
entre duas isolinhas fechadas de mesma cota altimétrica, compreendido na mesma linha de
crista (divisor de águas) entre dois cumes. Diante disto, observou-se que os limites dos
domínios das elevações sempre interceptam pontos de sela. Assim, ao obter o limite de um
domínio de elevações (bacias_inv) e em seguida atribuir-lhe valores de altimetria do
MDEHC, seu pixel máximo, ou seja, o ponto de maior cota altimétrica, corresponderá ao
ponto de sela como mostra a Figura 40.

Figura 40 – Ponto de Sela em um domínio de elevação (em lilás) na paisagem – visão ortogonal; como se
observa, o ponto de sela localiza-se na cota máxima do perfil C-C’.
Fonte: Rocha (2011, p. 21)
89

Para geração dos pontos de sela, foram produzidas as layers: a) Máscara de bacias
(Bacias_Masc); b) Bacias_Mde: contornos das bacias que assumem os valores coincidentes de
MDEHC_Fill, com o uso de Bacias_Masc como máscara; c) Bacias_Max, que detecta o pixel
de maior valor em Bacias_Mde, através de estatística de zonas; d) Selas_MDE; e e)
Selas_prox.

a) Layer Máscara de Bacias (Bacias_Masc)


Esta layer foi produzida pela conversão de Bacias_Inv nos vetores Bacias_pol e
Bacias_linha, respectivamente, através das ferramentas Raster to Feature e
Feature to Line. Posteriormente, Bacias_linha foi convertida em raster com a
ferramenta Features to Raster, com os seguintes parâmetros:
 Input: Bacias_linha
 Field: Gridcode
 Output: Bacias_Masc
 Output cell size: a mesma resolução de MDEHC_Fill

b) Layer Bacias_Mde

Para a geração da layer Bacias_MDE, Analysis Mask foi configurada para receber
a layer Bacias_Masc. Com a ferramenta Raster Calculator utilizou-se a expressão
(5) resultando na layer Bacias_MDE como output. Assim, cada pixel de
Bacias_Masc assumiu o valor de MDEHC_Fill.

Bacias_Mde = [MDEHC_Fill] (5)


90

c) Layer Bacias_Max

A layer Bacias_Max foi gerada com o objetivo de se obter a cota de maior valor
em cada feição de Bacias_MDE e transferi-la para cada domínio de elevação. Com
a ferramenta Zonal Statistics os seguintes parâmetros foram utilizados:
 Input raster or feature zone data: Bacias_Inv;
 Zone field: VALUE;
 Input value raster: Bacias_MDE;
 Output raster: Bacias_Max;
 Statistics type: MAXIMUM.

d) Layer Selas_MDE

Para a geração da layer Selas_MDE, Analysis Mask foi configurada para receber a
layer Bacias_MDE. Com a ferramenta Raster Calculator utilizou-se a expressão
(5) resultando na layer Selas_MDE como output. Assim, cada pixel de
Bacias_MDE coincidente com o valor de Bacias_Max assumiu este valor em
Selas_MDE, senão NoData.

Selas_Mde = con([Bacias_MDE] == [Bacias_Max], [Bacias_MDE],


(6)
setnull([Bacias_MDE]))

e) Layer Selas_prox

A base de morro ou montanha, segundo a Lei nº 12.651/2012 é o plano horizontal


determinado pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação. Neste sentido,
para se calcular os pontos de selas mais próximos, a layer Selas_MDE precisou ser
convertida em vetores de ponto. Assim, Selas_MDE teve seus valores
transformados em inteiros (Selas_Int) para possibilitar sua conversão em
Selas_pol.shp (ferramenta Raster to Polygon) e Selas_ponto.shp (ferramenta
Features to Point, com a opção inside (optional) ativada).
91

Em seguida, aplicou-se a ferramenta Spatial Join. Esta ferramenta cria uma junção
de tabelas na qual os campos de uma layer são anexados à tabela de atributos de
uma terceira camada com base nos locais relativos das duas outras. Os seguintes
parâmetros foram utilizados:
 Target feature: Cumes_mde_ponto.shp;
 Join features: Selas_ponto.shp;
 Output feature class: cumes_selas_prox.shp;
 Join Operation (optional): JOIN_ONE_TO_ONE;
 Keep All Target Features (optional): sim;
 Match option (optional): CLOSEST.
Neste caso, as cotas dos pontos de sela mais próximos aos seus respectivos pontos
de cume (target) foram anexadas à tabela de atributos da layer
cumes_selas_prox.shp. A partir deste ponto, os processos a seguir permitiram
calcular a altura das elevações, para posterior seleção daquelas iguais ou superiores
a 100 metros.
Na layer cumes_selas_prox.shp foram adicionados os campos com field name:
“cota_cume”, “cota_sela” e “altura” através da ferramenta Add Field e os seguintes
parâmetros:
 Input table: cumes_selas_prox.shp;
 Field type: DOUBLE;
 Field Precision (optional): 10;
 Field Scale (optional): 0.
A próxima ferramenta utilizada foi Calculate Field para cada campo recém-criado,
onde foram inseridas as expressões com os parâmetros a seguir:
- Campo “cota_cume”
 Input table: cumes_selas_prox.shp;
 Field name: cota_cume
 Expression: [GRIDCODE];
 Expression Type (optional): VB.
- Campo “cota_sela”
 Input table: cumes_selas_prox.shp;
 Field name: cota_sela
92

 Expression: [GRIDCODE_1];
 Expression Type (optional): VB.
- Campo “altura”
 Input table: cumes_selas_prox.shp;
 Field name: altura
 Expression: [cota_cume] - [cota_sela];
 Expression Type (optional): VB.
Para selecionar as alturas iguais ou superiores a 100 metros e armazená-las em um
novo layer, utilizou-se a ferramenta Select com os seguintes parâmetros:
 Input Features: cumes_selas_prox.shp;
 Output Feature Class: altura_sup100m.shp;
 Expression (optional): “altura” >= 100.

ETAPA 6: Determinação da Declividade Média

Um dos requisitos para o enquadramento de uma elevação, além das selas mais
próximas como mencionado anteriormente, é a declividade média superior a 25 graus. Desta
forma, para a determinação da declividade média foram produzidas as layers: a)
MDEHC_dec; b) MDEHC_dec_med, com a declividade média para cada domínio de
elevação; c) Decliv_dec, produzido a partir da layer MDEHC_dec_med utilizando-se uma
máscara com Cumes_MDE; d) Dec_med_int; e) Dec_med_ponto; e f) Dec_med_sup25.

a) Layer MDEHC_dec
Esta layer foi produzida com a ferramenta Slope para geração da declividade, em
graus, com os seguintes parâmetros:
 Input raster: MDEHC_Fill;
 Output raster: MDEHC_dec;
 Output measurement (optional): Degree.
93

b) Layer MDEHC_dec_med
Nesta layer foi calculado o valor médio da declividade para cada domínio de
elevação. Com a ferramenta Zonal Statistics (Figura 41) foram utilizados os
seguintes parâmetros:
 Input raster or feature zone data: Bacias_Inv;
 Zone field: VALUE;
 Input value raster: MDEHC_dec;
 Output raster: MDEHC_dec_med;
 Statistics type: MEAN.

Figura 41 – Funcionamento da ferramenta Zonal Statistics para obtenção de valores médios de


declividade em cada domínio de elevação.
Fonte: Adaptado de ESRI (2009c)

c) Layer Decliv_med
Para a geração da layer Decliv_med, Analysis Mask foi configurada para receber a
layer Cumes_MDE. Com a ferramenta Raster Calculator utilizou-se a expressão
(7).

Decliv_med = [MDEHC_dec_med] (7)

d) Layer Dec_med_int
Os valores da layer foram transformados para inteiro a fim de possibilitar sua
conversão para ponto, necessário aos próximos processos.

e) Dec_med_ponto
Com a ferramenta Raster to Point, Dec_med_int foi convertido para
Dec_med_ponto.shp.
94

f) Dec_med_sup25
Neste processo utilizou-se Select para selecionar as declividades médias superiores
a 25 graus e armazená-las em um novo layer, com os seguintes parâmetros:
 Input Features: Dec_med_ponto.shp;
 Output Feature Class: Dec_med_sup25.shp;
 Expression (optional): “GRID_CODE” (ou qualquer outro campo que
armazene os valores de declividade média) > 25.

ETAPA 7: Classificação das Elevações como Morros e Montanhas e Cálculo do Terço


Superior

Nesta etapa, os processos consistiram em classificar as elevações quanto aos critérios


de altura e declividade mínimos para considerar morros e montanhas. Assim, juntaram-se as
informações de declividade média superior a 25 graus (Dec_med_sup25) às da layer
altura_sup100m.shp por meio da ferramenta Spatial Join, com os parâmetros:
 Target feature: altura_sup100m.shp;
 Join features: Dec_med_sup25.shp;
 Output feature class: cumes_selas_declive.shp;
 Join Operation (optional): JOIN_ONE_TO_ONE;
 Keep All Target Features (optional): sim;
 Match option (optional): CLOSEST.

Na layer cumes_selas_declive.shp criaram-se os campos “decliv” – que recebeu a


expressão: [GRID_CODE] –, e “terco_sup”, com a expressão: [cota_cume] - ([altura] / 3).
Este campo armazena as cotas altimétricas do terço superior dos morros e montanhas.
95

No processo a seguir, para agregar esses valores de terço superior aos seus respectivos
domínios de elevação, a ferramenta Spatial Join foi utilizada com os seguintes parâmetros:
 Target feature: bacias_pol.shp;
 Join features: cumes_selas_declive.shp;
 Output feature class: bacias_pol_terco_sup.shp;
 Join Operation (optional): JOIN_ONE_TO_ONE;
 Keep All Target Features (optional): sim;
 Match option (optional): CONTAINS.

Na tabela de atributos de bacias_pol_terco_sup.shp espera-se que além dos valores


correspondentes aos dados de morros e montanhas para os respectivos campos “cota_cume”,
“cota_sela”, “altura”, “decliv” e “terco_sup”, também sejam observados valores iguais a 0
(zero). Neste caso, estes valores correspondem às elevações que não atenderam aos critérios
de altura e declividade exigidos na Lei para serem considerados morros ou montanhas. Em
continuidade, a layer bacias_pol_terco_sup.shp foi convertida no raster Terco_sup, com base
no campo “terco_sup”. O último processo desta etapa foi transformar os valores 0 (zero) em
NoData aplicando-se a função SetNull com Raster Calculator pela expressão (8):
Terco_final = SETNULL ([Terco_sup] == 0, [Terco_sup]) (8)

ETAPA 8: Cálculo das APPs de Topo de Morros e Montanhas

Nesta última etapa selecionou-se toda a calota correspondente ao terço superior da


elevação. Para isto, com a opção Analysis Mask configurada para receber a layer Terco_final,
aplicou-se a expressão (9) através da ferramenta Raster Calculator.
APP_TM = CON ([MDEHC_Fill] >= [Terco_final], [MDEHC_Fill],
(9)
SETNULL ([MDEHC_Fill]))
96

Cada calota obtida em APP_TM apresenta um gradiente de altitudes – não sendo


objetivo deste estudo. Desta forma, para atribuir um único valor à layer e permitir convertê-la
posteriormente em vetor, aplicou-se a ferramenta Reclassify, com os parâmetros a seguir:
 Input raster: Terco_final;
 Reclass field: <Value>;
 <Classify...>;
 Classification > Method: Equal Interval;
 Classification > Classes: 1;
 Break Values: 9999;
 <Ok>;
 Output raster: APP_TM_R.

Assim, o último processo desta etapa final foi a conversão de APP_TM_R para
polígono a partir da ferramenta Raster to Features:
 Input raster: APP_TM_R;
 Field: VALUE;
 Output geometry type: Polygon;
 Classification > Method: Equal Interval;
 Generalize lines: SIM;
 Output features: app_tm_vetor.shp.
97

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 PRÉ-PROCESSAMENTO E ELABORAÇÃO DO MDE HC

Os resultados das análises topológicas obtidos pela ferramenta Topology da ESRI para
a feição Curvas de Nível são apresentados na Tabela 9 a seguir.
Tabela 9 – Resultados da Análise Topológica para Curvas de Nível.
Regra Erro %
Must Not Overlap 1 0,01
Must Not Intersect 1 0,01
Must Not Have Dangles 4.418 26,73
Must Not Have Pseudo Nodes 3.963 23,98
Must Not Self-Overlap 1 0,01
Must Not Self-Intersect 1 0,01
Total 8.385 50,74
Total geral de Curva de Nível 16.527 100,00
Total geral de Curva de Nível após correção topológica 178

A feição Curva de Nível apresentou 16.527 segmentos de linha, onde 51% destes
apresentaram algum tipo de erro topológico. A presença de nós soltos foi responsável por
cerca de 27% das inconsistências encontradas (Figura 42a), enquanto que 24%
corresponderam a falsos nós (Figura 42b).

a b
Figura 42 – Resultado da análise topológica na feição curvas de nível da APA da Bacia do rio São João/Mico-
Leão-Dourado para: a) nós soltos; b) falsos nós.
Fonte: Própria (2020).

Após as correções topológicas a feição curvas de nível passou de 16.527 segmentos


para 178 isolinhas.
98

No caso da validação topológica para a feição hidrografia, identificou-se em uma etapa


inicial, inconsistências importantes como linhas não conectadas e problemas na rede de
drenagem. Um item que chama a atenção é o loop, que pode refletir, de certa forma, a
influência de ações antrópicas nos corpos hídricos da APA da Bacia do rio São João por meio
de canais construídos para drenagem de áreas naturalmente alagadas, comentados
anteriormente neste estudo. A Figura 43 destaca os locais de maior ocorrência de loop na
APASJ.

Figura 43 – (A) Hidrografia da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado; destaque para grandes
aglomerados de canais retificados no baixo curso do rio São João (B); Em (C) um exemplo de ocorrência de
loop (pontos na cor verde) e problemas de rede (pontos em roxo), nos canais retificados.
Fonte: Própria (2020)
99

Em relação à geração dos pontos da rede de drenagem, os resultados indicaram alta


conectividade entre as linhas, com alto número de pontos iniciais (start point) de drenagem e
alto número de confluências. Como ressalta França (2018), o ponto end point no mundo real
representa uma foz para onde as águas convergem, desaguando em um lago ou oceano, ou
ainda em sumidouros que alimentam águas subterrâneas. Neste sentido, pode-se considerar o
resultado para end point (321) um valor insatisfatoriamente alto. Para attribute change foi
gerado um valor elevado, o que pode ter influenciado nos resultados de end point. A direção
do fluxo d’água, considerada normal, deve ser de montante para jusante. Os pontos de
attribute change indicam justamente os trechos que não atendem a essa regra topológica. Na
Tabela 10 pode-se observar melhor a distribuição de frequência original dos pontos da rede de
drenagem.
Tabela 10 – Frequência dos pontos da rede de drenagem
originais (não corrigidas) da APA da Bacia do Rio São
João/Mico-Leão-Dourado, RJ.
Tipo Quantidade
attribute change 1.964
branch 689
confluence 4.959
end point 321
start point 4.952

Com base nos resultados iniciais, observou-se que tanto as inconsistências de


geometria quanto as de rede de drenagem poderiam ser explicadas pela alta quantidade de
canais artificiais, como já anteriormente mencionado. Além disso, os valores para mudança de
atributos (attribute change), ramificação (branch) e final de drenagem (end point) foram
considerados muito elevados.
Desta forma, optou-se pela realização de uma segunda análise topológica para a feição
hidrografia, com a exclusão dos canais artificiais, considerando apenas os corpos hídricos
naturais e/ou que não sofreram retificação (identificados visualmente). Os resultados desta
segunda análise topológica são demonstrados na Figura 44 e comparações com os resultados
originais através das Tabelas 11 e 12.
100

Figura 44 – Hidrografia da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, após correção topológica; os
canais na cor preta foram removidos, por causarem erros topológicos, em sua maioria loops.
Fonte: Própria (2020).

Tabela 11 – Comparação entre os resultados original e corrigido das análises topológicas para a
feição hidrografia.
Quantidade
Item Tipo
Original Corrigida
Inconsistência de geometria line not connected 73 0
Inconsistências na rede de network problem 723 0
drenagem loop 422 0
Total geral de trechos de drenagem 14.533 9.126

Após as correções topológicas a feição hidrografia sofreu redução de 37,21% de


trechos de drenagem em relação aos valores iniciais.

Tabela 12 – Comparação entre as frequências dos pontos da rede


de drenagem original e corrigida da APA da Bacia do Rio São
João/Mico-Leão-Dourado, RJ.
Quantidade
Tipo
Original Corrigida
attribute change 1.964 0
branch 689 0
confluence 4.959 4.470
end point 321 4
start point 4.952 4.498
101

Os arquivos vetoriais do Projeto RJ25/IBGE utilizados neste estudo apresentaram


inconsistências, desde sobreposições, auto-interseções, nós soltos assim como falsos nós em
isolinhas de altimetria. No caso da hidrografia, as principais inconsistências observadas foram
de linhas não conectadas e erro de sentido de trechos de drenagem. Quanto ao posicionamento
de pontos cotados e hidrografia em relação às curvas de nível, não foram observados nenhum
tipo de inconsistência. Como ilustrado na Figura 45, as altitudes dos pontos cotados
apresentam posicionamento coerente com os intervalos entre as cotas das curvas de nível; e a
hidrografia apresenta-se ajustada adequadamente às curvas de nível.

Figura 45 – Morro de São João. Posicionamento de pontos cotados e hidrografia em relação às curvas de nível –
APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.
Fonte: Própria (2020).

As correções topológicas para as feições curvas de nível e hidrografia permitiram um


resultado mais refinado e de melhor qualidade para a elaboração do Modelo Digital de
Elevação Hidrograficamente Condicionado – MDEHC.
102

5.2 VALIDAÇÃO DO MDEHC

Como mencionado anteriormente por Congalton e Green (2009), a matriz de confusão


bem como o uso do índice Kappa tornaram-se os mecanismos para avaliar a precisão e
acurácia padrão na etapa de validação de classificação de mapas. Esta etapa é realizada
comparando-se um mapa de referência e um classificado, mediante análise da matriz de
confusão, com índice Kappa, precisão geral, além dos erros de comissão e de omissão. A
eficiência de representação da precisão dos mapas a partir da matriz de confusão está na
descrição clara das precisões individuais de cada classe, em conjunto com erros de inclusão
(comissão) e de exclusão (omissão) na classificação. A Tabela 13 apresenta a matriz de
confusão gerada neste estudo.
Tabela 13 – Matriz de Confusão para validação do Modelo Digital de Elevação da APA da Bacia do Rio São
João/Mico-Leão-Dourado, com base em dados das estações geodésicas do Sistema Geodésico Brasileiro (SGB).
Classes SGB (estações geodésicas)
Classe** 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Total linhas
1 19 1 1 21
2 12 3 15
3 11 11
Classes MDE

4 4 1 5
5 3 1 4
6 1 2 3
7 1 1
8 1 1
9 1 1
10 1 1
Total colunas 19 14 15 4 4 3 1 1 1 1 55
Erro omissão (%) 0,00 14,29 26,67 0,00 25,00 33,33 0,00 0,00 0,00 0,00
Erro comissão (%) 9,52 20,00 0,00 20,00 25,00 33,33 0,00 0,00 0,00 0,00
(**) – 1: 0-10; 2: 10-20; 3: 20-30; 4: 30-40; 5: 40-50; 6: 50-60; 7: 60-70; 8: 300-310; 9: 720-730; 10: 910-920.

Verificou-se na matriz de confusão da Tabela 13 que uma amostra pertencente à classe


10-20 foi classificada como 0-10 e outra como 50-60. Duas amostras foram classificadas em
classes precedentes, uma cada. De modo geral, houve pouca confusão na classificação das
classes altimétricas, contudo a classe amostral 20-30 foi a mais confusa, com erro de omissão
de 26,67%. Neste estudo, o índice Kappa teve como resultado 0,84, considerado excelente
pelo valor de referência em Landis e Koch (1977, p. 165). A Precisão Geral apresentou
87,3%, resultado aceitável (>= 85%) como sugerem Congalton e Green (2009).
103

A coleta de cotas altimétricas em campo não cobertas pelos pontos de referência


apresentam grandes dificuldades devido à inacessibilidade da maioria dos cumes, selas e
terços superiores de morros e montanhas. Com os resultados obtidos pela matriz de confusão,
a validação da altimetria permitiu eliminar tais entraves, demonstrando-se viável a
delimitação de APPs de topo de morros por meio de MDEs.

5.3 COMPARAÇÃO ENTRE OS CENÁRIOS

Este estudo teve como propósito compreender os impactos da Lei nº 12.651/2012


sobre as Áreas de Preservação Permanente em topo de morros, através da comparação com a
Lei nº 4.771/1965 e a Resolução Conama nº 303/2002. A suposição feita a partir do problema
foi que, com os parâmetros indicados na Lei atual em relação à sua antecessora, as APPs
sofreriam uma drástica redução. Tal suposição também foi estudada por MPSP (2010), que ao
realizar exercícios comparativos obteve fortes indícios de diminuição destas APPs. O autor
deixa claro que tais alterações na legislação configurariam um completo desfalque em termos
de proteção ambiental. Após o processamento dos métodos descritos anteriormente, as APPs
em topo de morros da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, correspondentes
aos cenários 1 e 2, são apresentadas a seguir.
A APASJ possui 15.106 elevações, de acordo com os parâmetros da Lei nº 4.771/1965
e a Resolução Conama nº 303/2002, totalizando 163.742,89 ha, que variam entre 0,01 ha e
1.121,27 ha. A área total de elevações apresenta-se maior que a área total da APA pois as
elevações intersectadas pelos limites da UC foram mantidas para o cálculo correto de APPs de
topo. A amplitude da base das elevações foi de 1.426 m, com a cota máxima de altitude de
1.411 m, enquanto que a cota de cumes variou de -4 a 1.772 m de altitude. Já a altura média
das elevações foi de 55,40 m ± 99,20 m, variando entre -1 e 1.055 m. A declividade das
elevações da APASJ apresentaram amplitude de 0% a 422% (0º-76,7º), com média de 46,79%
± 49,62% (25,06º ± 26,39º).
104

No cenário 1, para um melhor entendimento sobre a distribuição de elevações, buscou-


se mapeá-las conforme os critérios dispostos na Res. Conama nº 303: i) morros: elevações
entre 50 e 300 m de altura, com declividade superior a 30%; ii) montanhas: elevações com
altura superior a 300 m; iii) demais elevações com altura inferior a 50 m; e iv) agrupamento
de morros/montanhas: elevações enquadradas como morros ou montanhas cujos cumes distem
menos 500 metros. A Figura 46 demonstra como os morros e montanhas são distribuídos na
APASJ.

Figura 46 – Distribuição de elevações na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, com base na
Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002. As elevações foram categorizadas como: i) morros: elevações
entre 50 e 300 m de altura, com declividade superior a 30%; ii) montanhas: elevações com altura superior a 300
m; iii) demais elevações com altura inferior a 50 m.
Fonte: Própria (2020).

Observa-se que os morros, embora em quantidade 8 vezes maior que as montanhas,


apresentam-se, em média, 3,5 vezes menores em área. As montanhas distribuem-se do norte
ao oeste da APASJ, onde o relevo é mais escarpado, exceto à leste, onde se localiza um
conjunto de montanhas encravado na baixada – Morro de São João (Figura 46).
105

Já as elevações com altura inferior a 50 m predominam da porção centro-leste à porção


sul da APA, ocorrendo em menor frequência nos vales do rio São João, à montante. A área
média destas 10.484 elevações é de 6,18 ha ±20,59 ha, como mostra a Tabela 14.
Tabela 14 – Parâmetros estatísticos de quantidade e área, em hectare, das elevações (morros, montanhas e
demais elevações com altura inferior a 50 m) na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, com
base na Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002.
Área (ha)
Elevações Quantidade
Menor Maior Total Média Desvio Padrão
Morro 4.107 0,07 706,20 68.811,73 16,75 ± 18,95
Montanha 515 0,50 704,83 30.120,92 58,49 ± 54,77
Altura < 50 m 10.484 0,01 1.121,26 64.810,24 6,18 ± 20,59

Quanto ao agrupamento de morros ou montanhas, a Figura 47 apresenta sua


distribuição e a Tabela 15 traz seus parâmetros estatísticos. Observa-se que as elevações
isoladas (238) encontram-se dispersas na APASJ com uma área total de 10.457,75 ha,
enquanto que os conjuntos de morros/montanhas totalizam 87.891,46 ha, onde o de maior
área apresentou 6.729,80 ha.

Figura 47 – Distribuição do agrupamento de morros e montanhas na APA da Bacia do Rio São


João/Mico-Leão-Dourado, RJ, com base na Lei nº 4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002. Foram
agrupadas as elevações enquadradas como morros ou montanhas cujos cumes distem menos 500
metros, categorizadas como isoladas ou conjuntos.
Fonte: Própria (2020).
106

Os morros/montanhas isolados de maior área encontram-se na porção leste da APASJ


(Figura 47). Isto talvez seja explicado pelo predomínio dos relevos plano e suave ondulado
naquela região.
Tabela 15 – Parâmetros estatísticos de quantidade e área, em hectare, dos agrupamentos de elevações (morros e
montanhas) na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, com base na Lei nº 4.771/65 e
Resolução Conama nº 303/2002.
Agrupamento Área (ha)
Quantidade
de Elevações Menor Maior Total Média Desvio Padrão
Isolados 238 0,43 706,20 10.457,75 43,94 ± 74,25
Conjuntos 399 0,37 6.729,80 87.891,46 220,28 ± 504,60

Já de acordo com o cenário 2 (parâmetros da Lei nº 12.651/12), a APASJ possui


11.343 elevações, totalizando 24.156,28 ha, onde a menor possui 0,002 ha e a maior,
510,02 ha. A amplitude das cotas de base das elevações (ponto de sela mais próximo do
cume) foi de 1.732 m, com a cota máxima de altitude de 1.729 m, enquanto que a cota de
cumes variou de -3 a 1.772 m de altitude. Já a altura média das elevações foi de 4,00 m ±
11,19 m, variando entre -16 e 223 m. A declividade média das elevações apresentaram
amplitude de 0 a 53º, com valor médio de 7,14º ± 9,78º. O mapeamento deste cenário,
conforme os critérios da lei atual, considerou como morros, montes, montanhas e serras, as
elevações a partir de 100 m de altura (cuja base é a cota do ponto de sela mais próximo da
elevação) e inclinação média maior que 25º. Os parâmetros estatísticos das elevações no
cenário 2 são apresentados pela Tabela 16.
Tabela 16 – Parâmetros estatísticos de quantidade e área, em hectare, das elevações totais e dos
morros/montes/montanhas/serras na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ, com base na Lei nº
12.651/12 (cenário 2).
Área (ha)
Elevações Quantidade
Menor Maior Total Média Desvio Padrão
Morros/Montanhas 22 7,900 112,37 895,01 40,68 ± 28,43
Todas 11.343 0,002 510,02 24.156,28 2,13 ± 9,77

De acordo com a tabela anterior, das 11.343 elevações da APASJ pelo cenário 2,
apenas 22 atenderam aos critérios de altura e declividade média para serem considerados
morros, montes, montanhas e serras, como estabelece o diploma legal. A Figura 48 permite
comparar as elevações delimitadas com base nos parâmetros da Lei nº 12.651 e da Lei nº
4.771 (Res. Conama nº 303).
107

Figura 48 – Comparação entre as elevações obtidas conforme parâmetros das Leis nº 12.651/12 e nº 4.771/65
(Res. Conama nº 303/02) na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.
Fonte: Própria (2020).

Comparando-se as áreas totais de elevações da lei anterior (163.742,89 ha) com a atual
(24.156,28 ha), verifica-se uma diminuição significativa na ordem de 139.568,61 ha. Isto é
reforçado ao se observar que 4.622 elevações (98.931,97 ha) eram enquadradas como
morros/montanhas, enquanto que, atualmente, somente 895,01 ha distribuídos em 22
elevações são assim enquadradas. Desta forma, estas elevações consideradas morros, montes,
montanhas e serras, conforme a lei em vigor, são apresentas pela Figura 49.
108

Figura 49 – Morros, montes, montanhas e serras conforme parâmetros da Lei nº 12.651/12 na APA da Bacia do
Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ. Foram considerados como morros, montes, montanhas e serras, as
elevações a partir de 100 m de altura (cuja base é a cota do ponto de sela mais próximo da elevação) e inclinação
média maior que 25º.
Fonte: Própria (2020).

De acordo com a Tabela 17 observa-se que o encolhimento das APPs de topo de


morros ao se comparar a Lei nº 4.771/1965 com a Lei atual foi próximo do calculado em
outros estudos. Rocha (2011), em estudo realizado para a Carta 27432NO com parte dos
municípios de Barra Mansa e Volta Redonda, RJ, observou perda de 99,98% em relação à
área original de APPs de topo de morros. Em breve análise tanto da Tabela 17 como das
Figuras 50 e 51, percebe-se a redução de APPs em relação ao Cenário 1.
Tabela 17 – Impacto da aplicação das leis 4.771/65 e 12.651/12 sob as APPs de topo de morros
calculadas na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.
Área de APP de topo Impacto**
Cenário Lei
(ha) (%)* (ha) (%)
1 4.771/1965 48.856,50 100,00 0 0
2 12.651/2012 111,73 0,23 -48.744,77 -99,77
(*) - porcentagem calculada em relação às APPs de topo de morros do cenário 1.
(**) - Impacto: área do Cenário 2 – Cenário 1; sinal (+): ganho; sinal (-): perda.
109

O resultado observado de 99,77% de perda de área no Cenário 2 deixa evidente que as


alterações dos parâmetros para determinação de morros, como: altura de 50 m para 100 m,
linha de maior declividade de 17º (30%) para declividade média de 25º, assim como da
substituição da base de maior depressão pela do ponto de sela, foram os grandes responsáveis
por esta drástica redução das APPs.
Quanto aos pontos de sela, é um equívoco Cortizo (2007) determiná-los como única
base possível para morros ou montanhas em relevos ondulados uma vez que outros atributos
topográficos não foram considerados, a exemplo da delimitação dos limites das elevações
proposta por Ribeiro et al. (2005).

Figura 50 – APPs de topo de morros na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado no Cenário 1,
com 48.856,5 hectares, através do método de delimitação de APPs de topo de morros de acordo com a Lei nº
4.771/65 e Resolução Conama nº 303/2002.
Fonte: Própria (2020).

A APA apresenta área de 150.530 hectares. Sua cobertura com APPs de topo de
morros de acordo com o extinto Código Florestal correspondia a 32,46% desta área.
110

Figura 51 – APPs de topo de morros na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado no Cenário 2, com
111,73 hectares, através do método de delimitação de APPs de topo de morros de acordo com
a Lei nº 12.651/12; destaque para duas APP de topo no Morro de São João.
Fonte: Própria (2020).

Os resultados observados no Cenário 2, com base na Lei atual, indicam cobertura com
APPs de topo de morros correspondente a 0,07% da área da APA São João. Como bem
sintetizou Lelis (2011), ao analisar os resultados do PL nº 1.876/1999 (promulgado como a
Lei nº 12.651 em 25/05/2012) “a proteção das APPs formadas por topo de morros tornou-se
fictícia”.
Sob o ponto de vista técnico, uma das poucas vantagens foi a facilitação para o cálculo
de obtenção da declividade média de cada elevação, com o uso de Sistema de Informações
Geográficas (SIG). O mais preocupante, contudo, foi observar que tanto a alteração da base
das elevações para o ponto de sela quanto o aumento do parâmetro da altura reduziram
drasticamente a quantidade de APPs de topo de morro, a ponto de dizimá-las em algumas
regiões. Além disso, as elevações inferiores a 100 metros de altura ficaram desprotegidas,
mesmo em casos de fragilidade geológica.
111

Para melhor avaliar os impactos causados pela mudança na legislação foram


quantificadas dentro das APPs de topo de morro as classes de uso e cobertura do solo, bem
como do zoneamento da APA. A Tabela 18 traz os quantitativos, em hectare, de cada classe
de uso e cobertura do solo em APP de topo de morros, correspondente às leis objeto deste
estudo, bem como suas perdas.
Tabela 18 – Impacto nas APPs de topo de morros das Classes de Uso e Cobertura da Terra, pela comparação
entre as Leis nº 4.771/65 e nº 12.651/12, na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, RJ.
Lei Impacto*
Tipo Classes
4.771 (ha) 12.651 (ha) (ha) (%)
Áreas Antrópicas Agrícolas (AAG) 11.090,35 20,80 -11.069,55 -99,81
Antrópicas

Silvicultura (SILV) 402,39 - -402,39 -100,00


Áreas Antrópicas Não Agrícolas (ANA) 15,17 - -15,17 -100,00
Áreas Antrópicas Agrícolas não Consolidadas
24,09 - -24,09 -100,00
(AAG_N_CONS)
Áreas Naturais Florestadas (ANF) 42.892,20 90,93 -42.801,27 -99,79
Corpos d’água 2,96 - -2,96 -100,00
Naturais

Áreas Naturais Não Florestadas (NNF) 126,42 - -126,42 -100,00


Restingas - - - -
Manguezais - - - -
Total 54.553,58 111,73 -54.441,85 -99,80
(*) - Impacto: área da Lei 12651 – área da Lei 4771; sinal (+): ganho; sinal (-): perda.

Como observado, a lei atual permitiu que 99,79% de áreas naturais florestadas
deixassem de ser protegidas, assim como 126 hectares de áreas naturais não florestadas que,
antes encontravam-se dentro de APP, agora estão excluídas. No que concerne às áreas
antrópicas, a classe AAG possuía mais de 11.000 hectares irregulares dentro de APP de topo
de morros. Com a lei atual, 99,81% desta classe foi anistiada. Da mesma forma, as classes
Silvicultura, Áreas Antrópicas Não Agrícolas e Áreas Antrópicas Agrícolas Não
Consolidadas, pelo Código Florestal (lei 4.771) caracterizavam-se como uso irregular dentro
de APP. Porém, com a lei de 2012 estas classes perderam a condição de área protegida
integralmente.
Em relação ao Zoneamento da APA, os impactos causados pela mudança na legislação
dentro das APPs de topo de morro podem ser observados na Tabela 19. Durante a vigência da
Lei nº 4.771/65 sete zonas possuíam APPs de topo de morro, totalizando 49.142,64 ha
protegidos.
112

Com a lei atual (12.651/12) ocorrem APPs de topo em apenas 4 zonas, num total de
111,73 ha. Não ocorreram APPs nas Zonas de Proteção da Região Estuarina (ZPRE) e de
Recuperação (ZREC), para ambas as leis. No entanto, nas Zonas de Preservação dos Recursos
Naturais (ZPRN) e de Conservação dos Recursos Naturais (ZCRN) a perda de APPs de topo
de morros foi de 99,83% e 99,90%, respectivamente.
Tabela 19 – Impacto nas APPs de topo de morros em relação ao Zoneamento da APA da Bacia do Rio São
João/Mico-Leão-Dourado, RJ, pela comparação entre as Leis nº 4.771/65 e nº 12.651/12.
Lei Impacto*
Zoneamento
4.771 (ha) 12.651 (ha) (ha) (%)
Zona de Preservação dos Recursos Naturais (ZPRN) 2.530,10 4,25 -2.525,86 -99,83
Zona de Conservação dos Recursos Naturais (ZCRN) 25.422,47 26,33 -25.396,15 -99,90
Zona de Proteção do Reservatório de Juturnaíba (ZPRJ) 200,36 - -200,36 -100,00
Zona de Proteção da Região Estuarina (ZPRE) - - - -
Zona de Uso Controlado (ZUC) 299,84 - -299,84 -100,00
Zona de Uso Sustentável (ZUS) 12.996,56 62,22 -12.934,34 -99,52
Zona de Uso Especial (ZUE) 7.639,84 18,94 -7.620,90 -99,75
Zona de Ocupação Controlada (ZOC) 53,46 - -53,46 -100,00
Zona de Recuperação (ZREC) - - - -
Total 49.142,64 111,73 -49.030,91 -99,77
(*) - Impacto: área da Lei 12651 – área da Lei 4771; sinal (+): ganho; sinal (-): perda.

Ainda com base na tabela supra observa-se que 3 zonas perderam áreas de preservação
integralmente, tais como: Zona de Proteção do Reservatório de Juturnaíba (ZPRJ), Zona de
Uso Controlado (ZUC) e a Zona de Ocupação Controlada (ZOC). A ocorrência de APPs de
topo de morros nas Zonas de Uso Sustentável (ZUS) e de Uso Especial (ZUE) foi
drasticamente reduzida, com 99,52% e 99,75%, respectivamente.
Diante destes resultados, percebe-se que além do impacto quantitativo negativo em
área, a lei nº 12.651/12 também trouxe sérios impactos negativos para as APPs de topo de
morros em termos qualitativos. Áreas naturais, florestadas ou não, deixaram de ser protegidas,
ao passo que áreas antropizadas agrícolas ou não, antes irregulares, perderam este status com
a lei atual. Perdas substanciais também foram observadas no Zoneamento da APA São João,
principalmente, nas zonas de maior importância ambiental (ZPRN e ZCRN), além das demais.
113

6 CONCLUSÃO

Este estudo teve por finalidade comparar os impactos da aplicação da Lei nº


12.651/2012 em relação à Lei nº 4.771/1965 e à Resolução Conama nº 303/2002 na
delimitação de APPs de topo de morros da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado. Detectou-se significativa redução das APPs de topo de morros, devido às alterações
dos parâmetros na Lei atual. A perda de área foi de 99,77% em relação à legislação anterior e
a cobertura passou de 32,46% para 0,07% da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-
Dourado. A alteração da base das elevações para o ponto de sela e o aumento do parâmetro da
altura afetou drasticamente a quantidade de APPs de topo de morro, excluindo-as em grande
parte da APASJ. Diante disso, ficou evidente que os pontos de sela foram os grandes
responsáveis pelo impacto negativo da lei.
As análises de perda de APPs de topo de morros em relação ao uso e cobertura da
terra, assim como do zoneamento da APASJ permitiram concluir que os impactos gerados
pela lei nº 12.651/12 foram extremamente negativos. Além da significativa redução em
termos quantitativos de área, a perda da condição de APP para a maioria dos locais com
vegetação natural florestal e não florestal, tornou extremamente vulnerável estas áreas. Da
mesma forma, áreas ocupadas com atividades irregulares no interior de APPs passaram a
serem consideradas “legalizadas” com a perda destas áreas protegidas.
O uso das geotecnologias através do ESRI ArcGIS® 10.2 (Licença ArcInfo) - Sistema
de Informações Geográficas (SIG) proprietário -, permitiu toda a aplicação da metodologia na
geração, mapeamento e análise dos resultados. A escolha desse SIG se deu pela dificuldade de
se encontrar estudos imparciais e ferramentas similares em softwares Open Source, até o
término deste estudo, cuja metodologia fosse clara, plenamente reproduzível e com base na
legislação vigente.
No que concerne à importância das etapas de pré-processamento, os resultados
observados deixaram claro que as análises e correções topológicas dos arquivos vetoriais são
fundamentais para a elaboração de MDEHCs, proporcionando resultados mais refinados em
termos quantitativos de APPs. Contudo, os scripts Drainage Geometry Validation e Drainage
Network Validation, desenvolvidos por França (2018) para a plataforma QGIS, merecem
destaque tanto pela eficiência no uso quanto na atenção dada pelo desenvolvedor, durante a
análise topológica da hidrografia deste estudo.
114

A validação dos dados altimétricos do MDE disponível no estudo a fim de verificar


seu grau de acurácia, permitiu substituir a coleta em campo devido à inacessibilidade da
maioria dos cumes, selas e terços superiores de morros e montanhas. Ainda, a proposta de
utilização dos dados do Sistema Geodésico Brasileiro se mostrou eficaz para validação de
MDEs.
Dada a importância e complexidade do tema deste estudo, torna-se necessário o
aprimoramento de métodos que visem a simplificação tecnológica e contínua dos processos
de delimitação de APPs de topo de morro, que possibilitem a reprodução em softwares livres
(Open Source) com menor custo e maior acesso à comunidade científica. Neste sentido, a
combinação do uso de geotecnologias com o conhecimento e a interpretação correta da
legislação florestal, com maior envolvimento da sociedade.
Por fim, diante da anistia dada para áreas agrícolas irregulares, conclui-se que a Lei
Federal nº 12.651/2012 privilegia e beneficia a maioria dos proprietários de imóveis rurais
brasileiros, em especial grandes e médios produtores agrícolas. A drástica redução das áreas
protegidas imposta pela lei, demonstrada neste estudo, caminha na contramão da NDC
(Nationally Determined Contribution) brasileira no Acordo de Paris, que prevê a restauração
de 12 milhões de hectares de vegetação nativa – o que poderia ser alcançado com o plantio em
APPs e Reservas Legais. Isto afeta negativamente os compromissos internacionais
estabelecidos pelo setor agropecuário, prejudicando a imagem e a reputação do país na
geopolítica global, além de dificultar qualquer possibilidade de atração de recursos para a
proteção das florestas brasileiras.
115

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AHRENS, S. 2005 O Código Florestal Brasileiro e o uso da terra: histórico, fundamentos e
perspectivas (uma síntese introdutória). Revista de Direitos Difusos, São Paulo, v. 31 -
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125

ANEXO 1

Sistemas de Relevo que ocorrem na APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.


Relevo Descrição
Relevo de Agradação
Continental - (111) Planícies
Superfícies suborizontais, com gradientes extremamente
Aluviais (Planícies de
suaves e convergentes em direção aos canais-tronco.
Inundação, Terraços Fluviais
e Leques Alúvio-Coluviais)
Relevo de Agradação
Superfícies suborizontais, com microrrelevo ondulado de
Litorâneo - (121) Planícies
amplitudes topográficas inferiores a 20 m, geradas por
Costeiras (Terrenos Arenosos
processos de sedimentação marinha e/ou eólica. Terrenos
de Terraços Marinhos,
bem drenados com padrão de drenagem paralelo,
Cordões Arenosos e Campos
acompanhando as depressões intercordões.
de Dunas)
Relevo de Agradação
Litorâneo - (124) Planícies Superfícies planas, de interface com os Sistemas
Flúvio-Lagunares (Terrenos Deposicionais Continentais e Lagunares. Terrenos muito mal
Argilosos Orgânicos de drenados com lençol freático subaflorante.
Paleolagunas Colmatadas)
Formas de relevo residuais, com vertentes convexas e topos
arredondados ou alongados, com sedimentação de colúvios,
remanescentes do afogamento generalizado do relevo
Relevos de Degradação
produzido pela sedimentação flúvio-marinha que caracteriza
Entremeados na Baixada -
as baixadas litorâneas. Densidade de drenagem muito baixa
(221) Colinas Isoladas
com padrão de drenagem dendrítico e drenagem imperfeita
nos fundos de vales afogados. Predomínio de amplitudes
topográficas inferiores a 100 m e gradientes suaves.
Relevo de colinas muito pouco dissecadas, com vertentes
Relevos de Degradação em convexas e topos arredondados ou alongados, com
Planaltos Dissecados ou expressiva sedimentação de colúvios e alúvios. Ocorrência
Superfícies Aplainadas - subordinada de morrotes alinhados. Densidade de drenagem
(231) Domínio Suave baixa a média com padrão de drenagem variável, de
Colinoso dendrítico a treliça ou retangular. Predomínio de amplitudes
topográficas inferiores a 50m e gradientes muito suaves.
Relevo de colinas pouco dissecadas, com vertentes convexo-
Relevos de Degradação em
côncavas e topos arredondados ou alongados, com
Planaltos Dissecados ou
sedimentação de colúvios e alúvios. Ocorrência subordinada
Superfícies Aplainadas -
de morrotes alinhados e morros baixos. Densidade de
(232) Domínio Colinoso
drenagem média com padrão de drenagem variável, de
(zona típica do domínio de
dendrítico a treliça ou retangular. Predomínio de amplitudes
"mar de morros")
topográficas inferiores a 100 m e gradientes suaves.
Relevos de Degradação em Relevo de colinas dissecadas, com vertentes convexo-
Planaltos Dissecados ou côncavas e topos arredondados e/ou alongados e de morrotes
Superfícies Aplainadas - e morros dissecados, com vertentes retilíneas e côncavas e
(233) Domínio de Colinas topos aguçados ou alinhados, com sedimentação de colúvios
Dissecadas, Morrotes e e alúvios. Densidade de drenagem média a alta com padrão
Morros Baixos de drenagem variável, de dendrítico a treliça ou retangular.
126

Predomínio de amplitudes topográficas entre 100 e 200 m e


gradientes suaves a médios.
Relevo de patamares litoestruturais, com vertentes
predominantemente retilíneas a côncavas e escarpadas e
Relevos de Degradação em topos de cristas alinhadas, aguçados ou levemente
Planaltos Dissecados ou arredondados, que se destacam topograficamente do domínio
Superfícies Aplainadas - colinoso. Densidade de drenagem alta com padrão de
(235) Alinhamentos Serranos drenagem variável, de paralelo a dendrítico. Predomínio de
e Degraus Estruturais amplitudes topográficas entre 300 e 700 m e gradientes
médios a elevados, com ocorrência de colúvios e depósitos
de tálus, solos rasos e afloramentos de rocha.
Relevos dômicos sustentados por Maciços Alcalinos, com
vertentes predominantemente retilíneas a côncavas,
Relevos de Degradação escarpadas, com topos arredondados, por vezes preservando
Sustentados por Litologias uma borda circular (cratera vulcânica erodida). Densidade de
Específicas - (241) Maciços drenagem alta com padrão de drenagem radial ou anelar.
Intrusivos Alcalinos Predomínio de amplitudes topográficas superiores a 500m e
gradientes elevados a muito elevados, com sedimentação de
colúvios e depósitos de tálus e solos rasos.
Relevo montanhoso, extremamente acidentado, transicional
entre dois sistemas de relevo. Vertentes predominantemente
retilíneas a côncavas, escarpadas e topos de cristas alinhadas,
Relevos de Degradação em aguçados ou levemente arredondados. Densidade de
Áreas Montanhosas - (252) drenagem muito alta com padrão de drenagem variável, de
Escarpas Serranas paralelo a dendrítico, ou treliça a retangular. Predomínio de
amplitudes topográficas superiores a 500 m e gradientes
muito elevados, com ocorrência de colúvios e depósitos de
tálus, solos rasos e afloramentos de rocha.
Fonte: Dantas (2000, p. 67)
127

ANEXO 2

Definição das Zonas e respectivos objetivos estabelecidas no Plano de Manejo da APA da


Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.
Zona Definição Objetivos
“• Preservar os recursos naturais e viabilizar
“Os ecossistemas remanescentes apresentam atividades científicas e de educação ambiental
mínima intervenção humana ou alto grau de com caráter conservacionista;
conservação e relevante valor para ecologia da • Conservar a alta riqueza e diversidade de
ZPRN
paisagem, destinada à preservação da espécies animais e vegetais;
diversidade local da flora e fauna, bem como dos • Preservar o valor dos remanescentes para a
recursos hídricos e das belezas cênicas.” ecologia da paisagem, mantendo o alto grau de
conservação dos ecossistemas remanescentes.”
“• Garantir o uso sustentável dos recursos
naturais através de atividades de baixo impacto;
• Garantir a adequação ambiental das
propriedades rurais;
• Ampliar a área protegida pelos remanescentes
e aumentar a conectividade funcional entre estes
“Os ecossistemas remanescentes apresentam de através do aumento da permeabilidade da matriz,
baixa a média intervenção humana, bom estado da implantação de corredores florestais e de
de conservação e/ou expressivo grau de trampolins ecológicos entre os fragmentos
ZCRN
conectividade, e onde o uso sustentável dos (“stepping stones”);
recursos naturais deverá seguir normas do plano • Conservar os remanescentes que tenham alto
de manejo.” valor estratégico na conectividade entre os
fragmentos ao longo da bacia;
• Conservar remanescentes que tenham alto
valor de proteção para a biodiversidade e para a
conservação dos recursos hídricos;
• Adequar os processos produtivos às normas
gerais da APA.”
“• Proteger a vida aquática e a fauna associada,
especializada ou não;
• Proteger a vegetação aquática associada;
• Proteger as faixas meândricas;
• Proteger os criadouros (berçários);
“Consiste nos ecossistemas aquáticos criados a • Garantir a qualidade do recurso hídrico para
ZPRJ partir da construção da barragem de Juturnaíba e abastecimento de água;
na área de entorno do reservatório.” • Proporcionar condições sustentáveis para o
desenvolvimento da pesca artesanal profissional,
amadora e da atividade de aquicultura;
• Proporcionar condições sustentáveis para
atividades turísticas de lazer e recreação;
• Recuperar a APP na área do entorno.”
“• Proteger a biodiversidade da região estuarina;
• Proteger os manguezais existentes;
• Promover a restauração da vegetação de
mangue onde for tecnicamente viável;
• Garantir a manutenção da cultura da pesca
“Composta pela área de influência direta ou
artesanal;
ZPRE indireta da área marinha, destinada a proteção e
• Possibilitar a geração de renda das
gestão dos recursos pesqueiros da região.”
comunidades de pescadores através do uso
sustentável dos recursos naturais;
• Proporcionar condições para o
desenvolvimento de turismo ecológico na
região.”
128

“• Ordenar as atividades de manutenção das


faixas de domínio;
“Áreas de infraestruturas já instaladas onde a
• Minimizar o impacto de fragmentação na
ZUC atividade de manutenção das mesmas precisa ser
paisagem;
regulada.”
• Minimizar a contaminação dos recursos
hídricos e do solo.
“áreas que possuem alto nível de alteração do
ambiente natural, com menores possibilidades de
“Garantir o crescimento ordenado das áreas
ZOC preservação, além de apresentarem condições
urbanas situadas dentro da APA.”
favoráveis à expansão das áreas urbanas já
consolidadas.”
“São as áreas de unidades de conservação
“Garantir o alcance dos objetivos das Unidades
ZUE existentes, e que possuem suas normas
de Conservação.”
específicas.”
“Constituem as áreas que se encontram em “Garantir a recuperação das áreas degradadas
ZREC
processo de erosão ou de ravinamento.” dentro da APA São João.”
“Zona passível de utilização para atividades
“• Promover o uso sustentável dos recursos
preponderantemente agropecuárias, sendo
naturais;
permitidos outros usos antrópicos desde que
• Incentivar a adoção de práticas de conservação
devidamente regulamentados e licenciados.
do solo e água;
Trata-se de zona onde a atividade antrópica já
ZUS • Incentivar a adoção de práticas pecuárias
causou sensível descaracterização no ambiente
sustentáveis;
natural e para que haja o uso sustentável desta
• Incentivar a implantação de sistemas
porção do território da APA é necessário que
agroflorestais;
sejam incentivados usos que respeitem as
• Incentivar a agricultura orgânica.”
limitações impostas pelos aspectos físicos.”
Fonte: Adaptado de ICMBio (2008, p. 223-232).

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