Saude Mental Na Atenção Basica

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ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE 107

Saúde mental na Atenção Básica:


identificação e organização do cuidado no
estado de São Paulo
Mental health in Primary Care: identification and organization of
care in the state of São Paulo

Ligia Rivero Pupo1, Tereza Etsuko Costa Rosa1, Arnaldo Sala2, Marisa Feffermann1, Maria Cecília
Goi Porto Alves1, Maria de Lima Salum e Morais1

DOI: 10.1590/0103-11042020E311

RESUMO Este artigo teve como objetivo descrever e discutir como se identifica o sofrimento em saúde
mental e como se organiza o cuidado em saúde mental nas unidades de Atenção Básica (AB) do estado de
São Paulo. Para isso, baseou-se em um estudo transversal quantitativo e descritivo, realizado por meio de um
inquérito telefônico em serviços de Atenção Básica à Saúde do estado. Os dados foram analisados segundo
o porte do município e a presença de profissional de saúde mental na unidade. Os resultados reiteram a alta
frequência com que aparecem demandas de saúde mental na AB e indicam: baixa proatividade na busca
de demandas em saúde mental; troca de receitas e uma perspectiva mais biomédica como relevantes na
identificação dos problemas; baixo planejamento do cuidado e pouca abrangência na articulação inter-
setorial. Também revelam a importância da presença de profissionais de saúde mental na qualificação do
cuidado e no fortalecimento de ações psicossociais. As unidades do município de São Paulo se mostraram
mais potentes na identificação, organização do cuidado, manejo psicossocial dos problemas e articulação
intersetorial. Os municípios pequenos se destacaram pela presença de profissionais de saúde mental e
pelo uso de visitas domiciliares por agentes comunitários de saúde para a identificação dos problemas.

PALAVRAS-CHAVE Saúde mental. Atenção Primária à Saúde. Necessidades e demandas de serviços de


saúde. Inquérito de saúde.

ABSTRACT This article aimed to describe and discuss how mental suffering is identified and how mental health
care is organized in Primary Care services in the state of São Paulo. In order to do so, the study was based
on a quantitative and descriptive cross-sectional study, carried out through a telephone survey in Primary
Health Care services in the state. Data were analyzed according to the size of the city and to the presence of
at least one Mental Health professional in the services. The results reiterate the high frequency with which
demands for mental health appear in Primary Care services, and indicate: low proactivity in the search for
problems in mental health; exchange of prescriptions and a more biomedical perspective as relevant to the
identification of problems; low care planning and little coverage in intersectoral articulation. It also reveals
1 Secretariade Estado da
the importance of the presence of mental health professionals in qualifying care and strengthening psycho-
Saúde, Instituto de Saúde
(IS) – São Paulo (SP), social actions. The services in the city of São Paulo proved to be more potent in identifying, organizing care,
Brasil. psychosocial management of problems, and intersectoral articulation. Small cities stood out by the presence of
[email protected]
mental health professionals and by using home visiting by community health agents in identifying problems.
2 Secretariade Estado da
Saúde, Coordenadoria de
Regiões de Saúde – São
KEYWORDS Mental health. Primary Health Care. Health services needs and demand. Health survey.
Paulo (SP), Brasil.

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative
Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer
meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado. SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 44, N. ESPECIAL 3, P. 107-127, OUTUBRO 2020
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Introdução território. Em 2004, a Portaria nº 2.1979 criou,


no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS),
Desde o final da década de 1970, com o mo- o Programa de Atenção Integral a Usuários de
vimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, Álcool e outras Drogas, incorporando a estra-
profissionais, familiares, usuários e gestores tégia de redução de danos. Por fim, a Portaria
vêm discutindo e estruturando novas formas nº 3.088, de 201110, estabeleceu as Redes de
de organizar e operar o cuidado em saúde Atenção Psicossocial (Raps), com vários servi-
mental, saindo de um modelo biomédico, ços substitutivos organizados em rede.
tutelar, com exclusão social, restrição dos di- Apesar de essas medidas apresentarem
reitos dos indivíduos com sofrimento mental como foco principal a desinstitucionalização
e voltando-se para um modelo de cuidado dos indivíduos com transtornos mentais graves
de base territorial, mais integral, horizontal, e persistentes, a pertinência e a importância
multiprofissional, intersetorial, longitudinal da Atenção Básica (AB) no âmbito do cuidado
e contextualizado, com a construção de ser- em saúde mental nunca foram totalmente ig-
viços de atenção diária organizados em rede. noradas. Em 2003, a Coordenação Geral da
Essa rede de serviços substitutivos se propõe Saúde Mental (CGSM) do Ministério da Saúde
a operar na perspectiva da desinstitucionali- (MS) divulgou o documento ‘Saúde mental e
zação da pessoa com sofrimento mental, com atenção básica: o vínculo e o diálogo necessá-
abordagem psicossocial e comunitária, deslo- rios – inclusão das ações de saúde mental na
cando o foco da doença para o sujeito – com atenção básica’11, que sugeriu o apoio matricial
suas experiências, contextos, necessidades e em saúde mental para as equipes de Programa
desejos –, incluindo sua família e rede social, Saúde Família (PSF), propôs ações de forma-
visando principalmente ao resgate de sua au- ção em saúde mental e o acompanhamento e
tonomia, de seus direitos individuais e sociais avaliação dessas ações da AB, com a inclusão
e à sua reinserção social1-5. de ações de saúde mental no sistema de in-
A primeira década dos anos 2000 foi de formações. Em 2005, os indicadores de saúde
importância capital para a fundamentação e mental passaram a fazer parte do elenco de
para a formalização jurídico-legal da Reforma indicadores da AB inseridos no Sistema de
Psiquiátrica Brasileira, da Política Nacional Informações da Atenção Básica (Siab)12. Em
de Saúde Mental e do modelo de atenção psi- 2006, por meio da Portaria GM nº 1.097, de 22
cossocial. A Lei nº 10.2166, de abril de 2001, de maio de 200613, foram incluídos parâmetros
dispôs sobre a proteção dos direitos dos indi- para a indicação de ações de saúde mental na
víduos portadores de sofrimento mental, sobre AB nas diretrizes para a Programação Pactuada
a limitação à internação psiquiátrica e sobre o e Integrada da Assistência à Saúde (PPI). Em
redirecionamento do modelo assistencial para 2008, a Portaria nº 15414 criou os Núcleos de
serviços de natureza comunitária. Em fevereiro Apoio à Saúde da Família (Nasf ), que amplia-
de 2002, a Portaria nº 3367 estabeleceu as mo- ram o escopo e a resolutividade da rede de
dalidades dos serviços substitutivos de atenção AB em relação a várias demandas, incluindo
ambulatorial e comunitária chamados Centros aquelas de saúde mental.
de Atenção Psicossocial (Caps), definidos por A relevância da AB no âmbito do cuidado
ordem de porte, complexidade e abrangência em saúde mental se dá principalmente por
populacional. Em 2003, o Programa De Volta sua proximidade com o território de vida dos
para Casa8 gerou efeitos imediatos sobre a usuários, por seu vínculo contínuo com a co-
reinserção psicossocial de egressos de interna- munidade, por seu cuidado longitudinal, pela
ções psiquiátricas, na medida em que garante o melhor gestão de doenças crônicas e condições
auxílio-reabilitação psicossocial para a atenção de longa duração, por sua proximidade com di-
e o acompanhamento dessas pessoas em seu ferentes recursos, organizações e dispositivos

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sociais comunitários para além do setor saúde de periculosidade e incapacidade relaciona-


e por ser pautada nos princípios da integrali- dos com os transtornos mentais graves que
dade, interdisciplinaridade, intersetorialidade geram afastamento, receio e desistência de
e territorialidade15-18. Sendo assim, a AB tem investimento dos profissionais no cuidado
sido vista como estratégica para: a) o acesso para além da medicação1,5; a falta de preparo
inicial dos usuários ao sistema, a escuta qua- dos profissionais, especialmente daqueles da
lificada, o acolhimento, a identificação das atenção primária, sobre a temática de saúde
necessidades de saúde mental e a coordenação mental4,27; a separação e a cisão do cuidado
do cuidado; b) o desenvolvimento de ações de em problemas físicos e problemas emocio-
promoção da saúde mental, prevenção, diag- nais/psicossociais17; o entendimento de que
nóstico e tratamento psicossocial do sofrimen- a saúde mental deve ser abordada apenas por
to mental comum; c) o acompanhamento e o especialistas25,28,29; o estabelecimento de dire-
desenvolvimento de ações de redução de danos trizes operacionais genéricas e sem detalha-
de usuários de álcool e outras drogas; d) o mento sobre como identificar e diagnosticar,
acompanhamento longitudinal das demandas sobre quais os fluxos de atenção adequados
emocionais e de saúde de pacientes graves, em e o tipo de abordagem terapêutica que deve
conjunto com Caps e urgência/emergência, ser utilizada em cada situação27,29; e a baixa
para evitar internações e contribuir para a articulação entre os serviços da rede pública de
reabilitação psicossocial; d) o suporte para a saúde4,30. Tais fatores têm sido considerados
redução da demanda por atendimento espe- determinantes significativos para as diversas
cializado em saúde mental15,16,18-21. dificuldades e problemas ligados tanto à forma
Contudo, apesar de a abordagem psicos- como se identifica e se acolhe o sofrimento
social de cuidado proposta por essas novas mental nas unidades de saúde como à forma
políticas considerar o indivíduo em sua multi- como se organiza e se estrutura o cuidado em
dimensionalidade e dinamismo histórico e de saúde mental na AB.
levar em conta os determinantes biopsíquicos Com relação à identificação e ao acolhimen-
e socioculturais do sofrimento mental, visando to desses problemas na rede de AB, estudos
distanciar-se do foco genérico na doença, mostram que, apesar de essas demandas serem
nos sintomas e na patologização da vida22 e, frequentes31, os problemas de sofrimento
a despeito de o Ministério da Saúde propor mental se traduzem em queixas físicas, pois
alguns dispositivos para contribuírem para a essas, na visão dos usuários, parecem ter mais
qualificação, organização e gestão do cuidado legitimidade e escuta nas Unidades Básicas
psicossocial nas redes de atenção (acolhimen- de Saúde (UBS) do que as demandas socio-
to, Projeto Terapêutico Singular – PTS e Apoio emocionais26. Como é sabido, a forma como
Matricial)21,23,24, a articulação e a integração se estrutura a oferta tem, entre outros fatores,
da saúde mental na AB ainda têm-se mostrado influência considerável na forma como se es-
frágil e incipiente. trutura a demanda32,33; assim, não é incomum
Vários estudos têm apontado fatores recor- que o sofrimento emocional e os problemas
rentes, que têm contribuído para a constante psicossociais sejam traduzidos pelos usuá-
dificuldade de implantação e incorporação do rios em seus aspectos mais orgânicos, para
modelo psicossocial nas unidades de saúde do que possam ter maior visibilidade26. Estudos
SUS, incluindo a AB. Dentre os mais conhe- também apontam que, em geral, não há uma
cidos, podemos citar: o modelo biomédico escuta qualificada do sofrimento, e, sim, uma
de sofrimento mental que se preocupa em escuta de sintomas para fins de um diagnóstico
silenciar os sintomas por meio da medicação de natureza mais psiquiátrica, e que as UBS
e que ignora a dimensão subjetiva, social e são mais propensas a identificar demandas
existencial dos problemas4,25,26; o estereótipo mais graves, sintomáticas, muito explícitas e

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emergenciais, e não aquelas relacionadas com as características do sistema de prestação de


a subjetividade, com o sofrimento existencial cuidados atualmente existente. Para qualificar,
ou situacional26. orientar e redirecionar o cuidado em saúde
Com relação à organização das ações de mental na AB, é importante conhecer como, no
cuidado em saúde mental, trabalhos indicam momento presente, é identificado o sofrimento
várias dificuldades a serem enfrentadas mental nas unidades do estado e como essas
pela AB. Inicialmente, estudos revelam uma se organizam para responder aos problemas
certa medicalização da atenção em saúde a ele referentes. Procurando responder, ao
mental 28,34,35, no sentido de que muitas menos parcialmente, a tais questões, o presente
experiências humanas perturbadoras e an- artigo tem como objetivo descrever e discutir
gustiantes de natureza social, conjuntural e ‘como se identifica e se organiza o cuidado em
intersubjetivas são interpretadas como de saúde mental’ nas unidades de AB do estado
causalidade orgânica e biológica, diagnosti- de São Paulo.
cadas como doenças e, portanto, manejadas
pelo campo da medicina por meios principal-
mente farmacológicos36-38. Outros trabalhos Material e métodos
revelam ainda a prática de repetição e troca
de receitas sem reavaliação das necessidades O artigo descreve e discute resultados parciais
e do sofrimento envolvido em cada situação, encontrados no projeto intitulado ‘Inquérito
o que pode ocorrer por pressão do paciente, sobre Tecnologias de Cuidado em Saúde Mental
por dificuldades do profissional médico em na Atenção Básica à Saúde no Estado de São
negar pedidos de receita, pelo desconforto Paulo’. Trata-se de estudo transversal quanti-
em mudar a prescrição de outro profissio- tativo e descritivo, realizado por meio de um
nal ou pelo desconhecimento de alternativas inquérito telefônico em serviços de Atenção
terapêuticas28,34,39,40. Além dessas, algumas Básica à Saúde de municípios do estado.
pesquisas encontraram como fragilidades na Como não foram encontradas na literatu-
organização das ações em saúde mental na ra pesquisas com a metodologia empregada
AB: a fragmentação do cuidado, sendo que o e com esse porte no estado de São Paulo, o
usuário de Caps muitas vezes não é visto como projeto buscou, de forma geral, contribuir
pertencente também à AB25; o baixo plane- com a apresentação de um mapeamento sobre
jamento e a gestão insuficiente do cuidado tecnologias de cuidado em saúde mental na
em saúde mental nas UBS27,41; o limitado uso AB, sobre a lógica de cuidado subjacente aos
de ações no território, uma vez que as ações modelos de atenção e sobre práticas no coti-
desenvolvidas o são principalmente dentro diano dos serviços de AB.
da unidade41; o reduzido uso de abordagens A população de estudo foi constituída por 4.941
grupais27; e a baixa participação dos usuários estabelecimentos de saúde caracterizados como
e da família no planejamento e decisão sobre unidades de AB. Para sua identificação, utilizou-
as ações de cuidado31. -se o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de
Apesar de existirem diversos estudos sobre Saúde (CNES), selecionando-se os tipos ‘Posto
os inúmeros aspectos relativos à oferta de de Saúde’, ‘Centro de Saúde/Unidade Básica de
cuidado em saúde mental na AB, não se dispõe Saúde’ e ‘Unidade de Saúde da Família’, com base
hoje de informações suficientemente atuali- na competência abril/2017.
zadas e abrangentes sobre como se identifica Para fins de cálculo do tamanho da amostra,
e se organiza o cuidado em saúde mental nas foram considerados o porte do município e a
unidades de AB do estado de São Paulo. Para existência de hospitais psiquiátricos na defini-
estabelecer uma boa política de atenção em ção dos seguintes domínios de estudo: muni-
saúde mental, faz-se necessário compreender cípios com hospitais psiquiátricos (à exceção

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de São Paulo), municípios com menos de 25 respostas do questionário para um software de


mil habitantes, de 25 a 100 mil habitantes, armazenamento das informações no banco de
acima de 100 mil habitantes (à exceção de São dados. Se os dados estivessem incompletos e/
Paulo) e o município de São Paulo. Para que ou considerados inadequados/inconsistentes,
a amostra fosse de 100 unidades no menor havia a possibilidade de reagendar novas liga-
domínio, foram sorteadas mil unidades no ções quantas vezes fossem necessárias para
total, distribuídas em 426 municípios. completar o questionário.
Após o sorteio, foram excluídos 45 estabe- O roteiro, estruturado com respostas fe-
lecimentos que não satisfaziam os critérios de chadas, foi distribuído em cinco blocos: 1)
funcionamento como unidade de AB ou que caracterização da unidade (86 questões); 2)
estavam desativados. Tendo em vista que a ex- identificação dos problemas e necessidades
clusão não interferiu nos domínios amostrais associados ao sofrimento mental (75 ques-
de interesse, estabeleceram-se, como amostra tões); 3) forma de organização do cuidado e
sorteada final, 955 unidades de AB localizadas fluxos de atenção para atender às demandas
no estado de São Paulo. associadas à saúde e ao sofrimento mental (193
Antes da realização das entrevistas, houve questões); 4) intervenções em saúde mental
a necessidade de proceder a algumas etapas: ofertadas e suas características (569 questões);
1) obtenção da permissão para a realização e 5) articulações intersetoriais realizadas para
da entrevista por parte do gestor da unidade responder às necessidades ligadas à saúde
sorteada e da autorização das respectivas e ao sofrimento mental (70 questões). Vale
Secretarias Municipais de Saúde; 2) envio do destacar que o grande número de questões
roteiro, com instruções de preenchimento, foi devido ao fato de que, dependendo da per-
por e-mail ou correio, à escolha da unidade; 3) gunta e da resposta, estavam previstas outras
estabelecimento pela UBS da estratégia mais perguntas para a obtenção de informações
conveniente de preenchimento do questio- complementares. Em grande parte das ques-
nário (se durante reunião de equipe, se reali- tões, a lista das opções era apresentada, sendo
zação de minirreuniões com os profissionais apenas necessário responder sim ou não. Para
envolvidos, se indicação de um profissional a realização do presente trabalho, foram sele-
responsável para buscar as informações entre cionadas respostas a apenas algumas questões
os colegas etc.) – a forma de preenchimento fechadas, de todos os blocos, exceto do bloco 4.
não foi critério para considerar o questio- Para este artigo, foram selecionadas perguntas
nário válido ou não; 4) marcação de hora e que pudessem trazer luz sobre a identificação
data com profissional indicado pelo gerente e organização do cuidado em saúde mental
da unidade para responder ao questionário, nas UBS do estado de São Paulo. As questões
previamente preenchido, por telefone. A en- analisadas estão apresentadas no quadro 1.
trevista telefônica consistia em transferir as

Quadro 1. Apresentação das questões analisadas, de acordo com os blocos selecionados

Número da Questão Questão Respostas


Bloco 1 – Caracterização da unidade
Questão A24 Indique os profissionais que atuam na unidade (foram in- Médico psiquiatra
dicadas 18 modalidades de profissionais e destacados para Psicólogo
análise aqueles específicos da área de saúde mental). Terapeuta Ocupacional
Assistente Social

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Quadro 1. (cont.)

Número da Questão Questão Respostas


Bloco 2 – Identificação dos problemas e necessidades associados ao sofrimento mental
Questão B1 Em geral, com qual frequência as demandas de saúde 1- Diariamente
mental aparecem na unidade? 2- Semanalmente
3- Mensalmente
4- Bimensalmente ou menos
frequentemente
Questão B4 Nos últimos três meses, como foram identificados os 1- Sim
problemas de saúde mental na unidade? Indique, entre as 2- Não
opções, as três mais frequentes (foram apresentadas dez 9- NS/NR
opções).
Questão B5 Quais das demandas abaixo são identificadas pela unidade 1- Sim
como problema de saúde mental? (foram apresentadas 21 2- Não
alternativas). 9- NS/NR
Questão B6 Em que momentos, habitualmente, essas demandas são 1- Sim
identificadas? (dez momentos ou situações). 2- Não
9- NS/NR
Bloco 3 – Organização do cuidado e fluxos de atenção para atender as demandas associadas à saúde e ao
sofrimento mental
Questão C1 Nesta unidade, há reuniões entre os profissionais? 1- Sim
2- Não
Questão C2 Essas reuniões são de que tipo? (11 opções foram listadas). 1- Sim
2- Não
9- NS/NR
Questão C5 Esta unidade fez algum PTS para casos de sofrimento 1- Sim
mental no último ano? 2- Não
9- NS/NR
Questão C8 Esta unidade participou de alguma atividade de matricia- 1- Sim
mento em Saúde Mental no último ano? 2- Não
9- NS/NR
Questão C17 Nos últimos três meses, para onde foram encaminhados os
casos de saúde mental (o entrevistado devia selecionas a
duas mais frequentes entre sete opções)?
Bloco 5 – Articulações intersetoriais para responder às necessidades ligadas à saúde e ao sofrimento mental
Questão E1 Existe articulação com grupos/instituições/organizações 1- Sim
de fora do setor saúde para promover saúde mental ou 2- Não
cuidar do sofrimento mental? 9- NS/NR
Questão E2 Faz articulação com (foram apresentadas onze opções de 1- Sim
instituição). 2- Não
9- NS/NR

As entrevistas foram realizadas no período e, finalmente, para planilhas do software SPSS.


de outubro a dezembro de 2017 e de janeiro Neste estudo, estão apresentados dados
a agosto de 2018 por profissionais experien- absolutos e percentuais e suas possíveis as-
tes, tendo sido gravadas mediante software sociações testadas estaticamente por meio
próprio; e as respostas, computadas em pla- de testes de chi-quadrado, calculados com a
nilhas correspondentes. Posteriormente, os aplicação do software SPSS Statistics 20. Como
dados foram transcritos para planilhas Excel® categorias de análise, foram considerados: a)

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o porte do município, em função da possí- ser respondidas em conjunto pela equipe de


vel complexidade das unidades presentes no trabalhadores da unidade, mas, a despeito
território; e b) a existência de profissional de dessa instrução, não foi possível ter certeza se
saúde mental (psicólogo(a), psiquiatra, te- o instrumento foi respondido por um profis-
rapeuta ocupacional e/ou assistente social), sional somente ou pela equipe, ou em parte.
pelo fato de sua presença poder influenciar Esse obstáculo ocorreu, visto que, durante a
nos resultados. coleta telefônica, não foi questionada a forma
O projeto foi inserido na plataforma Brasil de preenchimento do instrumento (se isolada-
e submetido à aprovação do Comitê de Ética mente ou em equipe e por quais profissionais).
em Pesquisa do Instituto de Saúde (Cepis) da Observou-se, a posteriori, que algumas questões
Secretaria de Estado de São Paulo e, quando ne- do instrumento, por terem sido previamente
cessário, submetido também a outros Comitês estabelecidas após apenas uma pequena fase de
de Ética em Pesquisa ou órgãos análogos nos pré-teste, não forneceram todas as informações
municípios estudados. Antes de iniciar a entre- buscadas pelos objetivos do estudo.
vista, era gravado o consentimento do entrevis- No entanto, como pontos fortes desta pes-
tado, mediante Termo de Consentimento Livre quisa, pode-se ressaltar sua abrangência, a
e Esclarecido (TCLE) previamente elaborado obtenção de um elevado número de respos-
e lido pelo(a) entrevistador(a). Obedeceu- tas (92% das unidades), apesar de ter havido
se, na execução do projeto, ao disposto pela grande empenho em conseguir realizar as en-
Resolução nº 466/12; sendo aprovado pelo trevistas. Esse número foi resultado da persis-
parecer nº 2.018.261 do Cepis. tência dos pesquisadores na busca de contato
com as unidades sorteadas e na insistência na
obtenção das respostas, por meio de várias
Resultados e discussão ligações telefônicas e mensagens eletrônicas
(em média, houve 14 tentativas para conseguir
Ao final da coleta de dados, obteve-se um concluir uma entrevista).
total de 879 unidades que responderam sa-
tisfatoriamente ao questionário deste estudo, Caracterização das unidades
considerando-se uma perda de cerca de 8% de
unidades que acabaram não participando da Das 879 UBS compreendidas no estudo, 24,7%
pesquisa. A não resposta foi relacionada com os pertenciam a municípios com população de
seguintes motivos: não autorização do gestor até 25 mil habitantes (municípios pequenos);
municipal; dados incompletos de endereços 26,6%, a municípios com população entre 25
das unidades; dificuldades em contatar as mil e 100 mil habitantes (municípios médios);
pessoas que poderiam autorizar a entrevista ou 38,1%, a municípios com população acima de
em estabelecer contato com o(s) profissional 100 mil habitantes (municípios grandes – ex-
(is) indicado (s) para respondê-la. cetuando o município de São Paulo); e 10,6%
A principal limitação do presente artigo está das unidades pertenciam ao município de São
relacionada com a metodologia, pois o ques- Paulo (tabela1).
tionário previa que as informações deveriam

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Tabela 1. Distribuição das Unidades Básicas de Saúde por presença de profissional de saúde mental, segundo o porte
populacional dos municípios onde as unidades estão localizadas*

Presença de profissional Porte populacional do município Total


de Saúde Mental Até 25 mil hab. De 25 a 100 mil hab. 100 mil hab. e mais São Paulo
Não N 107 160 199 26 492
% no porte 49,80% 69,00% 59,80% 28,30% 56,40%
Sim N 108 72 134 66 380
% no porte 50,20% 31,00% 40,20% 71,70% 43,60%
Total N 215 232 333 92 872
% no porte 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%
* valor de p= 0,000 (chi quadrado de Pearson).

Em relação ao tipo de UBS, 32,6% corres- profissional relacionado com o cuidado em


pondiam a Unidades Básicas Tradicionais; saúde mental (psiquiatra, psicólogo, terapeuta
47,1%, a Unidades de Saúde da Família; e ocupacional ou assistente social) (tabela 1).
20,3%, a Unidades Mistas (equipes de saúde A relativamente pequena presença de profis-
da família e equipes tradicionais no mesmo sionais de saúde mental nas unidades de AB
serviço) (dados não apresentados em tabela). do estado de São Paulo está provavelmente
A configuração da amostra foi bastante repre- relacionada com as características intrínsecas
sentativa do estado de São Paulo, já que a pre- da própria Reforma Psiquiátrica Brasileira, da
sença de UBS com equipe de saúde da família Política Nacional de Saúde Mental6 e do formato
(exclusivamente ou em unidades tradicionais) proposto para a Raps7, que não privilegiaram a
tende a ser mais frequente nos municípios presença desses profissionais em UBS.
menores e menos frequente entre os muni- A necessidade premente de acabar com
cípios grandes e no município de São Paulo os abusos, a situação de exclusão social e o
(dados não expostos em tabela). O fenômeno desrespeito aos direitos dos indivíduos com
da maior presença de equipes de saúde da sofrimento mental internados em hospitais
família em municípios pequenos explica-se psiquiátricos fizeram com que o foco principal
pelo processo de implantação dessas equipes, da Política Nacional de Saúde Mental fosse
em que os municípios de menor porte popu- a rápida desinstitucionalização, bem como
lacional obtiveram progressivamente maiores a implementação de serviços substitutivos
coberturas de população em relação aos de e de urgência/emergência. Para aumentar a
porte intermediário e aos de grande porte, no resolubilidade e a integralidade no cuidado
período entre 1998 e 2006, conforme apontado em saúde mental na AB, a estratégia escolhida
em publicação do Ministério da Saúde42. Para pela Reforma Psiquiátrica brasileira foi a de
o período mais recente, é possível verificar a um cuidado colaborativo, pautado na troca
manutenção dessa maior cobertura entre os de saberes e na construção compartilhada
municípios pequenos, a partir dos dados de entre equipes de saúde mental e profissio-
cobertura da AB disponíveis no site e-Gestor nais de atenção primária, denominado apoio
Atenção Básica, acessível no endereço: https:// matricial21,23; e, portanto, não houve um in-
egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPubli- vestimento na presença física de profissionais
co/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml. de saúde mental nas unidades da rede básica
Do conjunto das UBS incluídas no estudo, de saúde. Tal proposta previu um suporte
somente 43,5% possuíam pelo menos um técnico-pedagógico às equipes de AB feito

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por profissionais de saúde mental alocados em Família (ESF), sendo que 39,7% das UBS do
Caps e, posteriormente, também em Nasf18,23. município de São Paulo responderam não
Além disso, a ideia de trabalho em rede in- contar com equipes de Nasf (dados não apre-
centivou que as equipes de AB trabalhassem sentados em tabela). Por esse motivo, também,
em conjunto com as equipes da atenção es- é possível que as unidades tradicionais tenham
pecializada no cuidado em saúde mental43; e continuado mantendo profissionais de saúde
o processo de construção da Raps, focado no mental em suas equipes. Em contraponto, a
financiamento dos Caps, realocou parte im- maior presença de profissionais de saúde
portante dos profissionais de saúde mental dos mental, sobretudo de psicólogos (dados não
municípios para esses serviços especializados. apresentados em tabela) em municípios de
Embora se reconheça que houve um grande pequeno porte (até 25 mil hab.), provavelmente
passo na direção da desinstitucionalização deve-se à escassa presença de equipamentos
das pessoas com transtornos mentais severos, de atenção especializada nesses municípios –
não há evidências de que essa estratégia tenha ambulatórios de saúde mental (19,9%) , Caps I
sido a melhor em termos de resolubilidade e (19%) e Caps II (2%) –, o que pode ter tornado
efetividade no cuidado de pessoas com sofri- necessária a contratação/ manutenção de pro-
mento mental comum, de menor gravidade e fissional de saúde mental em unidades de AB17 .
mais prevalentes25,26.
Analisando a distribuição da presença de Identificação dos problemas e
profissional de saúde mental nas unidades demandas associados ao sofrimento
segundo o porte populacional dos municí- mental
pios, as diferenças são significativas, sendo
que 72,0% das unidades no município de São No geral, 50,7% das unidades responderam
Paulo possuíam profissional de saúde mental, que identificavam diariamente demandas
seguidas pelas unidades nos municípios peque- associadas ao sofrimento mental (tabela
nos (49,8%), pelos grandes (40,0%) e médios 2); e essas, somadas àquelas que responde-
(31,2%) (tabela 1). A maior frequência de pro- ram identificar semanalmente esse tipo de
fissionais de saúde mental no município de demanda, chegam a 80% de unidades. Tal
São Paulo pode ser devida às ações de saúde dado reforça a importância da atenção pri-
mental propostas por gestões anteriores do mária como espaço estratégico e oportuno
final da década de 1980 até início dos anos para identificação, acesso, cuidado e acom-
200022. Nesse período, privilegiaram-se polí- panhamento longitudinal dessas demandas.
ticas de incentivo à alocação de profissionais Entretanto, a frequência com que foram iden-
de saúde mental nas UBS de maior porte sob tificadas as demandas de saúde mental muda
a gestão do município de São Paulo, assim de acordo com o porte populacional do muni-
como aquelas sob gestão estadual, que foram cípio em que se localiza a UBS. Quanto menor
municipalizadas algum tempo depois. o porte do município, menor foi a frequência
As equipes das unidades tradicionais, bas- de resposta afirmativa a essa questão. Das
tante presentes no município de São Paulo unidades do município de São Paulo, 79,6%
(58,7%), contaram com menos Apoio Matricial, identificaram tais demandas diariamente, e
pois esse foi desenhado principalmente para isso ocorreu em apenas 38,2% nas unidades
o suporte às equipes da Estratégia Saúde da dos municípios pequenos.

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Tabela 2. Percentuais de respostas afirmativas às questões relativas ao processo de identificação das demandas relacionadas com o sofrimento mental,
segundo o porte populacional dos municípios onde as unidades estão localizadas, e segundo a presença de profissional de saúde mental na unidade

Tema Questão Porte populacional do município % total N total valor de Profissional de SM total valor de
Até 25 mil 25 a 100 100 mil São “sim” p* Não Sim p*
hab. mil hab. hab. e + Paulo
Demanda diária de SM? 38,2% 43,6% 55,8% 79,6% 50,7% 446 0,000 43,5% 59,9% 50,6% 0,000
demanda em SM
Frequência da

Encaminhamento c/ Diag- 31,3% 25,6% 30,1% 31,2% 29,4% 258 0,528 26,5% 33,0% 29,3% 0,035
nóstico
Identificação dos problemas de SM na UBS

Encaminhamento s/ Diag- 21,2% 17,5% 21,8% 31,2% 21,5% 189 0,060 14,6% 30,4% 21,5% 0,000
nostico
Pedido de troca de receita 64,5% 70,9% 77,3% 58,1% 70,4% 619 0,000 76,2% 62,8% 70,4% 0,000
Demanda especifica do 43,8% 42,7% 47,2% 52,7% 45,7% 402 0,352 42,7% 49,7% 45,7% 0,037
usuário
Demanda específica do 42,4% 47,4% 40,0% 44,1% 43,0% 378 0,364 42,3% 44,0% 43,0% 0,615
acompanhante
Pelo comportamento do 24,9% 23,1% 21,8% 19,4% 22,6% 199 0,715 22,8% 22,3% 22,6% 0,834
usuário
Usuário em crise 18,9% 12,8% 7,5% 15,1% 12,5% 110 0,001 11,8% 13,4% 12,5% 0,497
No atendimento de outras 10,6% 19,2% 23,3% 25,8% 19,3% 170 0,001 16,8% 22,8% 19,4% 0,027
demandas
Na visita domiciliar 19,4% 13,2% 11,9% 15,1% 14,4% 127 0,101 16,8% 11,3% 14,4% 0,020
Queixas escolares ou pré- 55,3% 52,6% 66,1% 70,5% 60,3% 517 0,001 56,2% 65,5% 60,2% 0,006
-escolares
Conflito familiar/casal 54,8% 60,6% 72,7% 78,0% 65,6% 563 0,000 62,8% 69,3% 65,6% 0,047
Queixas Comportamentais 78,4% 77,8% 85,6% 90,0% 82,2% 702 0,010 79,2% 86,0% 82,1% 0,010
Demandas identificadas como problema de SM

Álcool e outras drogas 90,7% 89,3% 95,5% 100,0% 93,1% 813 0,001 90,5% 96,6% 93,1% 0,000
Perdas e situações traumá- 78,0% 78,4% 83,3% 93,4% 81,8% 705 0,006 77,6% 87,0% 81,7% 0,000
ticas
Depressão/ Ansiedade 98,6% 96,6% 97,9% 98,9% 97,8% 857 0,406 97,4% 98,4% 97,8% 0,298
Situações de violência 61,4% 58,3% 75,1% 94,6% 69,4% 594 0,000 64,3% 76,3% 69,5% 0,000
Psicose/ Surto/ Mania 86,9% 77,1% 85,5% 93,5% 84,4% 731 0,001 79,4% 90,7% 84,3% 0,000
Problemas decorrentes do 62,5% 55,9% 66,2% 83,3% 64,3% 550 0,000 58,1% 72,1% 64,2% 0,000
Trabalho
Somatizações/ poli queixas 78,0% 77,3% 82,3% 94,5% 81,2% 700 0,002 79,3% 83,3% 81,0% 0,131
Busca por receita de psico- 92,1% 94,9% 95,5% 97,8% 94,7% 829 0,164 95,4% 93,9% 94,8% 0,348
fármaco
Sofrimento emocional ines- 79,3% 74,1% 84,4% 94,6% 81,5% 703 0,000 76,8% 87,7% 81,5% 0,000
pecífico
Transtorno do desenvolvi- 62,6% 54,3% 74,2% 90,8% 67,8% 562 0,000 61,4% 75,7% 67,6% 0,000
mento

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Saúde mental na Atenção Básica: identificação e organização do cuidado no estado de São Paulo 117

Tabela 2. (cont.)

Tema Questão Porte populacional do município % total N total valor de Profissional de SM total valor de
Até 25 mil 25 a 100 100 mil São “sim” p* Não Sim p*
hab. mil hab. hab. e + Paulo
Recepção/ Triagem/ Aco- 82,7% 91,5% 93,0% 89,0% 89,6% 779 0,001 90,1% 89,2% 89,7% 0,663
Momentos em que as demandas são identificadas

lhimento
Sala de Espera 38,3% 34,6% 42,5% 42,2% 39,3% 333 0,278 38,8% 39,9% 39,3% 0,753
Atendimento Médico 99,1% 99,1% 98,8% 100,0% 99,1% 867 0,760 99,4% 98,7% 99,1% 0,275
Atendimento de Enferma- 96,3% 95,3% 97,6% 98,9% 96,8% 843 0,273 97,0% 96,6% 96,8% 0,744
gem
Atendimento em Odonto- 29,6% 37,7% 53,4% 56,2% 43,6% 360 0,000 39,5% 49,0% 43,6% 0,006
logia
Atendimento de outros pro- 70,5% 54,4% 66,4% 94,6% 67,3% 576 0,000 44,1% 96,3% 67,1% 0,000
fissionais de nível superior
Atividades de grupo 33,0% 38,9% 55,2% 80,4% 48,2% 411 0,000 43,0% 54,5% 48,1% 0,001
Atendimento Domiciliar 81,2% 73,6% 70,6% 90,2% 76,1% 657 0,000 73,7% 79,2% 76,1% 0,059
Visita Domiciliar do ACS 82,7% 70,0% 67,2% 61,5% 71,1% 619 0,000 73,1% 68,3% 71,0% 0,120

* valor de p para chi quadrado de Pearson.

A elevação no percentual de unidades que de trabalho, tempo de atendimento, plane-


identificaram diariamente demandas em jamento prévio de ofertas de cuidado para
saúde mental também esteve associada com esses problemas), de acordo com o preparo
a presença de profissional de saúde mental. dos profissionais para identificação dessas
Contudo, é interessante notar que, como demandas e seu acolhimento e de acordo com
referido anteriormente, nos municípios de o tipo de profissional presente na unidade,
pequeno porte, menos unidades declararam especializado ou não21,26,35,44.
identificação diária desse tipo de demanda, Ressalte-se que a maior parte das unidades
apesar de possuírem em quase 50% das unida- (70,4%) teve o pedido por troca de receitas
des entrevistadas algum profissional de saúde como a principal forma de identificação de
mental. Ao longo do artigo, discutiremos a problemas de saúde mental (tabela 2). Tal fato
influência da presença de profissional de saúde pode indicar: 1) foco acentuado na medicação;
mental nas unidades sob diversos aspectos. 2) favorecimento dessa forma de tratamen-
Esses resultados corroboram inúmeros to por ser mais imediata, bem como falta de
estudos que indicam que tanto a população preparo ou de tempo dos profissionais para
traz regularmente o sofrimento mental como adotar formas alternativas de cuidado; 3)
demanda para os serviços de AB quanto os maior identificação de casos já existentes e
profissionais da atenção primária conseguem em tratamento, assim como tendência a seguir
perceber esses problemas e demandas com procedimentos preexistentes no histórico dos
certa frequência17,26,27,29,31. No entanto, diver- usuários. Tal situação tem sido apontada e
sos são os desafios desde o reconhecimento discutida em vários estudos nacionais que se
do problema de saúde mental até o manejo preocupam com a medicalização da atenção à
adequado dele. A própria identificação da pro- saúde mental na atenção primária. Vale lembrar
blemática de saúde mental varia de acordo com que a simples troca de receita significa que a
características organizacionais da unidade que preocupação é somente com o controle dos
favorecem ou não essa identificação (carga sintomas, em contraposição a uma avaliação

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118 Pupo LR, Rosa TEC, Sala A, Feffermann M, Alves MCGP, Morais MLS

e investigação de natureza psicossocial que Chama a atenção o fato de que as queixas


leva em consideração os fatores contextuais, decorrentes de problemas no trabalho, queixas
interpessoais e emocionais desencadeantes escolares e familiares e transtornos do desen-
do sofrimento mental4,17,25,28,29,35. A alta fre- volvimento terem sido identificadas em apenas
quência de troca de receitas pode evidenciar, dois terços das unidades como demandas de
também, a alta demanda por psicotrópicos saúde mental (tabela 2). Esse dado pode indicar,
feita pelos próprios usuários condicionados por parte dos profissionais dos serviços, baixa
ao uso desses medicamentos4, a existência de percepção, interesse e rastreamento inten-
poucas ações para diminuir o uso abusivo de cional do sofrimento existencial e subjetivo
psicotrópicos na unidade27 e, ainda, a visão que se manifesta em dificuldades e angústias
biomédica e fragmentada do cuidado, que per- vividas nas várias esferas da vida cotidiana.
siste a despeito da existência de profissionais Tais angústias, muitas vezes, estão ligadas
de saúde mental não médicos nos serviços. ao contexto psicossocial dos usuários e não
As outras duas formas de identificação re- se apresentam necessariamente na forma de
latadas por um número expressivo de unida- sintomas e quadros clássicos de depressão e
des, ainda estão abaixo dos 50% e foram: por ansiedade5,41,44. Com exceção das demandas
demanda específica do usuário (45,7%) e por mais prevalentes, a presença de profissionais de
demanda do acompanhante (43,0%). Essas saúde mental na unidade contribui significati-
três formas de identificação mais apontadas vamente para a identificação de vários proble-
sugerem, ainda, certa passividade das unidades mas de saúde mental. No entanto, vale lembrar
na busca ativa por situações e experiências de que a mera disponibilidade de profissionais
sofrimento mental no território, visto que os de saúde mental não garante a identificação
atendimentos em saúde mental dependem, qualificada de problemas e um bom cuidado
de forma expressiva, do pedido explícito do nessa área. A organização do processo de tra-
usuário ou de seu familiar/acompanhante. A balho e do envolvimento da equipe, ou seja, de
falta de busca ativa e de rastreamento inten- um trabalho efetivamente multiprofissional,
cional de pessoas em sofrimento mental no depende de outras varáveis além da presença
território e na unidade favorece o fato de que de profissional de saúde mental5.
apenas demandas explícitas, sintomáticas, Os principais momentos de atenção na
emergenciais ou graves sejam preferencial- unidade em que são identificados os proble-
mente identificadas na AB4,26. mas de sofrimento mental são as consultas
As demandas que foram reconhecidas por médicas e de enfermagem com 99,1% e 96,8%
um maior número de unidades como proble- de frequência respectivamente (tabela 2).
mas de sofrimento mental, em consonância Esses momentos se mostraram mais relevantes
com outros estudos nacionais e internacionais, para a identificação desses problemas, inde-
foram a ansiedade e a depressão (97,8%)21,45,46, pendentemente do porte do município e da
seguidas pela busca por receita de psicofár- presença de profissional de saúde mental. A
macos/psicotrópicos (94,7%) e uso de álcool e consulta médica e de enfermagem são espaços
outras drogas (93,1%)47. Como se pode obser- já legitimados pela população para exposi-
var, praticamente todas as unidades respon- ção sobre os sintomas relacionados com a
deram que identificavam tais problemáticas, saúde (pedidos de ajuda, troca de receitas).
independentemente do porte populacional do A recepção/triagem/acolhimento também se
município em que estavam localizadas (tabela mostrou um espaço relevante na identificação
2), o que indica que o tamanho do município de problemas de saúde mental, tendo sido a
no qual a unidade está localizada não influen- resposta de 89,6% das unidades.
cia, pelo menos, no reconhecimento desses Dados da literatura indicam que os espaços
problemas na AB. de atendimento em grupo estão normalmente

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Saúde mental na Atenção Básica: identificação e organização do cuidado no estado de São Paulo 119

associados aos cuidados em saúde mental27,29. Organização do cuidado e fluxo de


Ao mesmo tempo, os grupos de várias na- atenção
turezas realizados nas unidades podem ser
também momentos estratégicos para a identi- A atenção psicossocial em saúde mental
ficação de problemas e demandas associados implica um trabalho de gestão do cuidado
ao sofrimento mental. Neste estudo, contudo, utilizando-se recursos de dentro e de fora das
os espaços de grupo foram percebidos como unidades, envolvendo discussão e planejamen-
momentos estratégicos para a identificação to do cuidado em equipe e em corresponsabi-
dos problemas de saúde mental somente por lização com o usuário. O PTS pode contribuir
33% das unidades (que citaram identificação para que tal cuidado seja mais singularizado,
de demandas nas atividades de grupo de todas contextualizado e menos centrado em diag-
as naturezas) e por 38,3% (que mencionaram nóstico, sintomas e doença49-51.
identificação de demandas na sala de espera). Em relação a ações para organização do
É possível que a realização de grupos esteja cuidado em saúde nas unidades entrevistadas,
relacionada com unidades mais bem estru- 85,3% declararam realizar reuniões periódi-
turadas fisicamente e, também, à presença cas entre os profissionais. No entanto, no que
de profissionais disponíveis para tais ativi- tange aos cuidados com pessoas em sofrimen-
dades. Essa suposição pode ser confirmada to mental, a porcentagem de unidades que
pelo fato de que as atividades de grupo e o realizavam com regularidade reuniões para
atendimento domiciliar foram citados como organização das ações de cuidado em saúde
momentos mais frequentes para a identifica- mental diminuiu consideravelmente: apenas
ção do sofrimento mental entre as unidades 48,7% faziam reuniões para a formulação de
do município de São Paulo do que naquelas PTS em saúde mental e 55,9% realizavam
situadas nos demais municípios. reuniões para discussão de casos de saúde
Muitos autores têm discutido a importância mental (tabela 3). O resultado mais surpre-
e o papel estratégico das visitas domicilia- endente foi que o percentual caiu para 31,3%
res na identificação e no cuidado em saúde quando a pergunta se referiu a ter, efetiva-
mental31,41. Apesar de menos de 20% das unida- mente, realizado gestão de caso de sofrimento
des relatarem como forma de identificação do mental por meio de PTS no último ano. Esse
sofrimento mental a visita domiciliar, quando percentual é menor ainda nos municípios
se perguntou em que momentos do atendimen- de pequeno porte (18,2%) e vai aumentando
to as demandas de saúde mental eram iden- conforme aumenta o tamanho do municí-
tificadas, a visita domiciliar realizada pelos pio, chegando a 73,3% entre as unidades no
Agentes Comunitários de Saúde (ACS) foi re- município de São Paulo. Situação bastante
latada como um momento significativamente semelhante foi observada em relação à parti-
utilizado na identificação, especialmente em cipação em atividades de matriciamento em
municípios pequenos (82,7%) (tabela 2). Os saúde mental no último ano, com percentuais
ACS têm sido percebidos cada vez mais como significativamente maiores em municípios
figuras estratégicas e essenciais na identifica- grandes e no município de São Paulo. Tal
ção e no cuidado do sofrimento mental, pois dado pode estar relacionado com uma maior
têm a oportunidade de se vincular às famílias organização da rede de atenção em saúde
e conhecer suas necessidades psicossociais mental nessas localidades e com uma maior
para além dos sintomas e doenças5,31,41,48. Cabe organização estrutural das próprias unidades
lembrar que 67,4% da amostra deste estudo nos municípios maiores, bem como referente
foi composta por unidades com equipes de à presença de Nasf. Vale lembrar que a pre-
saúde da família (ESF ou mistas) que deveriam sença de Nasf relatada pelas unidades básicas
realizar regularmente visitas domiciliares. do estudo é de 43,9%, a qual aumenta com

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o tamanho do município – sendo que, nos 100 mil habitantes, 45,5%; e no município de
municípios menores, há somente 36,8% de São Paulo, 61,3% – dados não apresentados
equipes de Nasf; nos municípios acima de em tabela.

Tabela 3. Percentuais de respostas afirmativas às questões relativas à forma de organização do cuidado e fluxos de atenção para atender às demandas em saúde
mental, segundo o porte populacional dos municípios onde as unidades estão localizadas, e segundo a presença de profissional de saúde mental na unidade

Tema Questão Porte populacional do município % total N total valor de Profissional de SM total valor de
Até 25 mil 25 a 100 100 mil São “sim” p* Não Sim p*
hab. mil hab. hab. e + Paulo
Reunião regu- P/ formulação de PTS 44,0% 30,5% 43,8% 77,6% 48,7% 149 0,000 46,2% 50,9% 48,7% 0,409
lar de equipe P/ condução de caso 50,0% 44,1% 56,2% 82,7% 55,9% 297 0,000 51,9% 60,9% 55,9% 0,037
de SM
P/ matriciamento 52,0% 51,7% 64,8% 87,0% 64,1% 246 0,000 58,7% 69,9% 64,1% 0,022
PTS no último Fez PTS? 18,2% 19,9% 35,9% 73,3% 31,3% 265 0,000 25,5% 38,8% 31,3% 0,000
ano
Matriciamen- Fez Matriciamento? 26,2% 42,7% 60,0% 86,0% 50,0% 429 0,000 44,6% 57,1% 50,0% 0,000
to no último
ano
Encaminha- P/ Caps 41,0% 77,4% 81,8% 93,5% 71,8% 631 0,000 69,7% 74,3% 71,7% 0,132
mentos mais P/ Nasf 14,7% 17,5% 29,0% 48,4% 24,5% 215 0,000 26,9% 21,2% 24,4% 0,053
frequentes
nos últimos 3 P/ Hosp. Psiquiátrico 23,5% 3,0% 2,4% 2,2% 7,7% 68 0,000 5,8% 10,2% 7,7% 0,015
meses P/ Amb. de Saúde 30,9% 42,7% 32,8% 10,8% 32,7% 287 0,000 34,9% 29,6% 32,6% 0,097
Mental
P/ Hosp. Geral 18,4% 6,8% 4,8% 6,5% 8,9% 78 0,000 7,2% 11,3% 9,0% 0,037
P/ Serv de Urgência/ 30,4% 15,0% 25,7% 12,9% 22,6% 199 0,000 20,6% 25,1% 22,6% 0,114
Emerg
P/ Caism 0,5% 2,1% ,9% 1,1% 1,1% 10 0,371 1,4% ,8% 1,1% 0,391
P/ Centro de Convi- 0,0% 0,0% 1,8% 9,7% 1,7% 15 0,000 0,4% 3,4% 1,7% 0,001
vência
P/ Comunid. Tera- 5,1% 1,7% ,6% 0,0% 1,9% 17 0,001 1,6% 2,4% 1,9% 0,421
pêutica
P/ Outros locais 12,9% 4,3% 6,9% 8,6% 7,8% 69 0,006 7,6% 8,1% 7,8% 0,784
Não foi encaminhado 0,9% 0,4% 0,6% 1,1% 0,7% 6 0,884 0,6% 0,8% 0,7% 0,742
* valor de p para chi quadrado de Pearson.

A presença de algum profissional de saúde pode indicar maior foco em questões de saúde
mental na unidade (assistente, social, psicó- mental devido à formação acadêmica, mas
logo, terapeuta ocupacional e/ou psiquiatra) também sugere que a presença de um pro-
está relacionada com um aumento de reuniões fissional da área favorece a gestão de casos
para execução de PTS, condução de casos em equipe, ou seja, mostra também que tais
de saúde mental e matriciamento, sendo que profissionais podem contribuir para o fomento
as unidades com esses profissionais também do trabalho interdisciplinar em saúde mental.
realizaram mais ações de PTS e de matricia- O apoio matricial tem demostrado ser
mento no último ano (tabela 3). Esse dado uma ferramenta importante para aumentar

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Saúde mental na Atenção Básica: identificação e organização do cuidado no estado de São Paulo 121

a visibilidade e a legitimidade das demandas saúde mental (32,7%), que, embora postulados
de sofrimento mental na rede de AB e uma es- antes da Política de Saúde Mental estabelecida
tratégia potente para a qualificação da atenção a partir de 2002 com a Portaria nº 3367, subsis-
à saúde mental52. Uma vez que no Brasil o tiram ao lado dos Caps. Esse dado pode indicar
modelo do apoio matricial está relacionado um maior conhecimento, legitimidade e uso
com uma política de apoio e qualificação de dos serviços substitutivos criados a partir da
unidades com equipes de saúde da família e Reforma Psiquiátrica em relação aos serviços
considerando que a amostra pesquisada conta anteriormente utilizados (hospitais psiquiá-
com quase 70% de unidades com essas equipes, tricos e ambulatórios de saúde mental). Vale
justifica-se o maior número de unidades da notar que o Nasf foi relatado por 24,5% das
pesquisa realizarem reuniões de matricia- unidades como local para onde foram encami-
mento (64,1%). Embora não se tenha feito nhados os casos de saúde mental, o que pode
tal pergunta especificamente, nem todas as sugerir um uso equivocado dessas equipes de
ações de matriciamento devem ser realizadas apoio, como se fossem um serviço substitutivo
por Nasf, uma vez que o relato de cobertura – talvez em razão da própria deficiência de
de Nasf é menor do que o relato de ações de serviços mais apropriados no território ou da
matriciamento (43,9%). falta de maior potência da AB no atendimento
Vale salientar que seria esperado, pelo que a casos menos graves.
é proposto pela Política Nacional de Saúde No entanto, ainda foram encontradas 25,6%
Mental, que todas as unidades realizassem das unidades que encaminharam todos os
com certa frequência reuniões que indicassem seus casos de saúde mental, com variações
solução de casos por meio de discussão inter- segundo o tamanho do município; no muni-
disciplinar, intersetorial, considerando o terri- cípio de São Paulo, apenas 9,8% das unidades
tório de vida das pessoas, e com a participação encaminhavam todos os seus casos (dados
dos usuários. Dessa forma, nossos achados não apresentados em tabela). A saúde mental
corroboram vários estudos que mostram que ainda é compreendida, em muitos contextos,
a AB ainda tem uma frágil organização e um como uma ação que deve ser respondida por
fraco planejamento para o cuidado em saúde especialistas da área; e, como relatado por
mental nessa perspectiva17,27,29. outros estudos, alguns profissionais ainda
Em relação ao encaminhamento dos casos encaram a ampliação da oferta de cuidados
de saúde mental nos últimos três meses (tabela em saúde mental na AB como um acréscimo
3), observamos que os Caps são os principais de trabalho (que extrapola suas funções e seus
locais de encaminhamentos realizados pela conhecimentos ou que gera sobrecarga) ou
AB no estado de São Paulo (71,8% das UBS). como falta de responsabilização da atenção
Em segundo lugar, estão os ambulatórios de especializada27-29,52.

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122 Pupo LR, Rosa TEC, Sala A, Feffermann M, Alves MCGP, Morais MLS

Tabela 4. Percentuais de respostas afirmativas às questões relativas às articulações com instituições/organizações/grupos externos à UBS, segundo o porte
populacional dos municípios onde as unidades estão localizadas, e segundo a presença de profissional de saúde mental na unidade

Tema Questão Porte populacional do município % total N total valor de Profissional de SM total valor de
Até 25 mil 25 a 100 100 mil São “sim” p* Não Sim p*
hab. mil hab. hab. e + Paulo
Articulação C/ Cras 95,4% 91,8% 97,6% 93,4% 95,1% 525 0,087 94,2% 96,2% 95,1% 0,287
com grupos/ C/ Escola/ Creche/ 76,4% 57,6% 80,7% 90,7% 75,5% 412 0,000 70,8% 80,3% 75,3% 0,010
instituições/ Universidade?
organizações
C/ Equipamento da 12,6% 7,8% 18,2% 34,2% 16,6% 89 0,000 12,1% 21,5% 16,5% 0,003
Cultura
C/ Equipamento de 26,0% 13,8% 27,1% 28,8% 23,9% 129 0,021 19,3% 28,9% 23,8% 0,009
Esporte
C/ Assoc. de Bairro/ 7,9% 14,7% 37,0% 52,0% 26,9% 145 0,000 24,3% 29,7% 26,9% 0,158
Moradores
C/ Grupos de Gera- 8,7% 1,5% 12,4% 23,3% 10,4% 56 0,000 8,5% 12,5% 10,4% 0,123
ção de Renda/ Coo-
perativas
C/ Associação de 27,8% 9,2% 19,9% 37,8% 21,6% 117 0,000 16,0% 27,8% 21,6% 0,001
Idosos
C/ Grupos de Ajuda 13,3% 22,9% 27,4% 19,2% 21,9% 119 0,022 20,8% 23,0% 21,8% 0,549
Mútua
C/ Igrejas 20,5% 22,0% 33,6% 53,4% 30,4% 165 0,000 27,8% 33,2% 30,3% 0,169
C/ Associações e 41,4% 34,9% 42,9% 59,5% 42,9% 233 0,008 37,4% 48,8% 42,8% 0,007
ONG
* valor de p para chi quadrado de Pearson.

Em relação ao uso de articulação interseto- das necessidades identificadas na vida dos


rial para o cuidado em saúde mental, (articula- usuários.
ção com grupos, instituições e organizações),
identificamos que a articulação com os Centros
de Referência de Assistência Social (Cras) é a Considerações finais
mais frequente (91,5% das unidades – tabela
4), independentemente do porte populacional Os resultados deste estudo reiteram, antes de
do município e da presença de profissional de tudo, o importante e oportuno papel da AB
saúde mental na unidade. Chama a atenção no rastreamento, na escuta, na identificação
o fato de as unidades do município de São e no acolhimento da multiplicidade de mani-
Paulo se destacarem apresentando os maiores festações do sofrimento mental vivido pela
percentuais de articulação intersetorial com população, uma vez que, como demonstrado
diversas instituições fora da área da saúde para em muitos estudos, esses problemas são pre-
os cuidados em saúde mental. De modo geral, a valentes, causam impedimentos e prejuízos va-
proporção de unidades que responderam afir- riados à vida cotidiana e não são invisíveis nem
mativamente a essa questão é relativamente infrequentes na Atenção Primária à Saúde.
baixa (tabela 4). Esse dado pode indicar uma Assim, precisam de um olhar intencional e
certa fragilidade e timidez na diversificação, de uma propositada preocupação para que
sondagem e descoberta de outras instituições possam ser satisfatoriamente abordados. Nesse
que poderiam compor a proposta de cuidado sentido, a análise dos dados aponta que existe
em saúde mental na ótica psicossocial, a partir ainda uma certa passividade e fragilidade na

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Saúde mental na Atenção Básica: identificação e organização do cuidado no estado de São Paulo 123

busca ativa de experiências humanas refe- sua existência não garanta um cuidado de na-
rentes à angústia, ao sofrimento emocional tureza psicossocial e mais abrangente.
e psicossocial, sendo que a percepção desses As unidades do município de São Paulo se
problemas fica concentrada quando há pedidos mostraram bastante potentes na identifica-
explícitos de ajuda, sintomas mais graves ou ção, na organização do cuidado, no manejo
quadros clínicos mais clássicos, já diagnosti- psicossocial dos problemas e na articulação
cados. Nessa mesma perspectiva, a troca de com recursos da rede e do território, o que
receitas, a compreensão mais biomédica e psi- provavelmente se deve a estruturas mais ro-
quiátrica desses problemas e a medicalização bustas e complexas das unidades, tanto em
do cuidado em saúde mental ainda se mostram espaço físico e em gestão como em recursos
presentes nas unidades, o que dificulta uma humanos. O investimento em saúde mental
abordagem mais extensamente psicossocial por parte de gestões anteriores da Prefeitura
e territorial. Municipal de São Paulo pode também ser um
De forma geral, o planejamento e a gestão dos fatores que contribuíram para o desenvol-
do cuidado em saúde mental nas unidades vimento da área. Por sua vez, as unidades dos
de AB ainda são insatisfatórios, pois menos municípios menores (abaixo de 25 mil hab.)
da metade das unidades possui um espaço se destacaram também pela presença de pro-
interdisciplinar e multiprofissional regular fissionais de saúde mental e no uso de visitas
para definir, discutir e reavaliar o cuidado. de ACS para a identificação dos problemas, o
O apoio matricial se mostra uma estratégia que mostra a busca de alternativas próprias
significativa e promissora na organização das na ausência de equipamentos substitutivos e
ações, já que foi a ferramenta mais utilizada de uma rede estruturada.
pelas unidades para estruturar o cuidado. As Finalmente, vale a pena sublinhar a re-
articulações intersetoriais para o cuidado em levância da gestão municipal na formação
saúde mental ainda se concentram especial- permanente, no estabelecimento de espaços
mente nas organizações mais conhecidas de formalizados de interlocução entre as unidades
assistência social e em instituições de ensino. da rede, no deliberado posicionamento diante
Embora esses vínculos sejam indiscutivelmen- de um trabalho territorializado e psicossocial,
te importantes para um trabalho mais integral, no apoio à articulação intersetorial no nível da
outras possibilidades e recursos do território macro e da micropolítica, no fortalecimento
são ainda muito pouco explorados. dos pontos de atenção da Raps, na gestão do
A presença de profissionais de saúde mental processo de trabalho e no estabelecimento de
nas unidades pesquisadas mostrou-se um ele- diretrizes específicas para as linhas de cuidado
mento importante e diferencial na qualificação em saúde mental53.
do cuidado e na abrangência das ações de na-
tureza psicossocial. As unidades que contavam
com esses profissionais reconheceram uma Colaboradores
maior variedade de queixas e experiências
como associadas a problemas de sofrimento Pupo LR (0000-0003-0925-152X)* contribuiu
mental (e não apenas sintomas psiquiátricos), para a elaboração do artigo com as seguintes
utilizaram mais atividades de grupo para iden- atividades: concepção, análise e interpretação
tificação dos problemas, estabeleceram mais dos dados; redação e revisão do conteúdo in-
articulações com equipamentos diversos do telectual; responsabilidade pela garantia de
território e indicaram menor número de pro- exatidão e integridade do trabalho; aprova-
cedimentos de simples trocas de receitas. Tais ção final da versão a ser publicada. Rosa TEC
elementos mostram o potencial da presença (0000-0001-9285-0472)* contribuiu para con-
desses profissionais na AB, ainda que apenas cepção, análise e interpretação dos dados; para

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124 Pupo LR, Rosa TEC, Sala A, Feffermann M, Alves MCGP, Morais MLS

revisão crítica do conteúdo intelectual; para da versão a ser publicada. Alves MCGP (0000-
aprovação final da versão a ser publicada. Sala 0003-4357-9473)* contribuiu para concep-
A (0000-0002-8941-8045)* contribuiu para ção, análise e interpretação dos dados e para
concepção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do conteúdo intelectual. Morais
para redação e revisão crítica do conteúdo MLS (0000-0001-8791-2392)* contribuiu para
intelectual. Feffermann M (0000-0001-8039- concepção, análise e interpretação dos dados;
2152)* contribuiu para concepção, análise e para redação do artigo e revisão crítica do
interpretação dos dados; para revisão crítica conteúdo intelectual; para aprovação final da
do conteúdo intelectual; para aprovação final versão a ser publicada. s

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SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 44, N. ESPECIAL 3, P. 107-127, OUTUBRO 2020

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