DESCONCI, JP.O Que A Psicanálise Ensina? Como Ensiná-Lo? PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 228

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

JOÃO PAULO DESCONCI

O QUE A PSICANÁLISE ENSINA?


COMO ENSINÁ-LO?

São Paulo
2022
JOÃO PAULO DESCONCI

O QUE A PSICANÁLISE ENSINA?


COMO ENSINÁ-LO?

Dissertação apresentada à Faculdade de


Educação da Universidade de São Paulo, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Área de concentração: Educação, Linguagem e
Psicologia
Orientadora: Profa. Dra. Leny Magalhães Mrech.

São Paulo
2022
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins
de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação da Publicação
Ficha elaborada pelo Sistema de Geração Automática a partir de dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Bibliotecária da FE/USP: Nicolly Soares Leite - CRB-8/8204

Desconci, João Paulo


DD441O O que a Psicanálise ensina? Como ensiná-lo? /
q João Paulo Desconci; orientadora Leny Magalhães
Mrech Mrech, Leny. -- São Paulo, 2022.
172 p.

Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduação


Educação, Linguagem e Psicologia) -- Faculdade de
Educação, Universidade de São Paulo, 2022.

1. Psicanálise. 2. Jacques Lacan. 3. Sigmundo


Freud. 4. Ensino. 5. Transmissão. I. Mrech, Leny,
Leny Magalhães Mrech, orient. II. Título.
JOÃO PAULO DESCONCI

O que a Psicanálise ensina? Como ensiná-lo?

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação


da Universidade de São Paulo, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Educação.

Área de concentração: Educação, Linguagem e


Psicologia

Orientadora: Profa. Dra. Leny Magalhães Mrech.

Aprovado em:

Banca examinadora

Prof. Dr. ______________________________________________________


Instituição:______________________________Assinatura:______________
Prof. Dr. ______________________________________________________
Instituição:______________________________Assinatura:______________
Prof. Dr. ______________________________________________________
Instituição:______________________________Assinatura:______________

São Paulo
2022
Para Nalu.
AGRADECIMENTOS

Agradeço carinhosamente a Professora Leny Mrech, por orientar meu caminho, pela
confiança, pela oportunidade de compartilhar minhas dúvidas e inseguranças e, sobretudo,
pela sua amizade.

Gostaria de agradecer, especialmente, à minha revisora, Dalila Lemos, que me


ensinou a escrever Psicanálise com letra maiúscula.

A Rinaldo Voltolini, pela supervisão no PAE e pela experiência de ensino vivenciada


diretamente em suas aulas.

E a cada um dos professores, servidores e colegas que conheci no Programa de Pós-


graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Aos colegas da CLIPP, que sempre estiveram disponíveis para a conversa, bem
como, aos colegas da Escola Brasileira de Psicanálise, pela inspiração e pelo trabalho
incessante. Ao desafio insistente colocado a partir da transferência de trabalho que angustia,
mas convoca a não renunciar ao desejo.

À minha analista, Carmen Silvia Cervelatti que, de sua posição, sempre me convidou
radicalmente ao ato de reconhecer o meu desejo.

À Vanessa Nahaz, a quem devo toda gratidão e homenagem, in memorian.

Em especial ao Prof. Doutor Edmilson Antônio Dias, mestre maior.

À Sara Isabel Behmer, grande amiga e incentivadora do meu trabalho.

À Aline Allain, doce amiga que trago comigo desde o primeiro encontro com o texto
freudiano.

À Sarah Alves e Matheus Gonzaga, companheiros de jornada na vida, pela via da


amizade mais generosa.

À Daniela Cordeiro, Lorena Duarte, Ricardo Crestani, Natascha Symanski, Elizabeth


Rinaldi, Fernando Vasquez, Paula Dias, Thereza Nardelli, Vivian Gayeski, Inaê Rosas e a
todos os maravilhosos amigos por vir.

À Luiz Henrique Viana, in memorian. Saudades.

À Luana Desconci, com carinho, pelas dicas espertas e sugestões.

Ao meu tio Gilberto Pante, pela presença e descontração.


Ao meu padrasto, Everson Boscato Palhano, pelo carinho e amizade.

Ao cunhado Carlos Renato Braga, meu irmão que sempre torce por mim.

Gostaria de agradecer, com amor, à minha avó Bernardina Levandoski Arce.

À minha mãe e melhor amiga, Luzia Levandoski Arce - este é seu presente de
aniversário!

À minha tia Laura Arce Pante, que, junto com minha mãe, foram minhas primeiras
professoras.

E, especialmente, agradeço a minha “irmãe” Melina Desconci, a maior aliada e


incentivadora, em sua generosidade e carinho, determinação e inteligência.

Dedico com entusiasmo este trabalho a Nalu Desconci Braga, minha afilhada e
sobrinha. Escrevi isso tudo visando transmitir-lhe a alegria de viver.

Aproveito para declarar meu amor a cada uma delas, mulheres da minha vida, com
todo o meu coração.

Ao meu querido avô Romualdo Arce (in memorian), modelo em sua simplicidade para
ensinar.
“Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca”.

Dom Quixote

“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”.

Jean Cocteau
RESUMO

DESCONCI, João Paulo. O que a Psicanálise ensina? Como ensiná-lo? Dissertação


(Mestrado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2022.

A pesquisa investigou as contribuições sobre o conceito de ensino a partir da


descoberta freudiana do inconsciente. A decorrente subversão da razão, a partir de um saber
estranho à consciência e que, portanto, não se sabe, implica na impossibilidade de ensiná -
lo. O estudo revelou como a educação pode ser moralizada e repressiva, contribuindo para o
adoecimento neurótico e prescindindo de uma discussão sobre a articulação entre normas e
particularidades individuais.

A Psicanálise, portanto, denuncia a definição de um ensino de modo geral que se


apoia em perspectivas pré-estabelecidas e acaba por suturar experiências particulares,
permitindo elaborar uma noção tal cujos interlocutores implicam-se a partir de uma
enunciação singular e não anônima.

Avançando no debate científico, a partir da linguística estrutural, e posteriormente,


lançando mão da lógica, da matemática e da topologia, o discurso analítico propõe uma
distinção entre ensino e transmissão, a partir da função significante e da instância da letra,
alcançando um doutrinal de ciência próprio que visa a transmissão integral da psicanálise,
não sem o cuidado com o sujeito.

Justifica-se este estudo para a Universidade e para a Educação, na busca pela


atualização do tema, a partir do que a Psicanálise ensina, e como ensiná-lo, especialmente
na Escola Brasileira de Psicanálise.

Palavras-chave: Jacques Lacan; Sigmund Freud; Psicanálise; Ensino; Transmissão e


Educação; Ciência; Universidade; Escola de Psicanálise.
ABSTRACT

DESCONCI, João Paulo. What does Psychoanalysis teach? How to teach it? Thesis (Master's
degree). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2022.

The research investigated the contributions on the concept of teaching from the
Freudian discovery of the unconscious. The resulting subversion of reason, from a knowledge
that is foreign to consciousness and that, therefore, is not known, implies the impossibility of
teaching it. The study revealed how education can be moralized and repressive, contributing
to neurotic illness and dispensing with a discussion about the articulation between norms and
individual particularities.

Psychoanalysis, therefore, denounces the definition of a teaching in general that is


based on pre-established perspectives and ends up suturing particular experiences, allowing
the elaboration of such a notion whose interlocutors are involved from a singular and non-
anonymous enunciation.

Advancing in the scientific debate, starting from structural linguistics, and later, making
use of logic, mathematics and topology, the analytical discourse proposes a distinction
between teaching and transmission, from the significant function and the instance of the letter,
reaching a doctrinal of science itself that aims at the integral transmission of psychoanalysis,
not without the care of the subject.

This study is justified for the University and for Education, in the search for updating
the theme, based on what Psychoanalysis teaches, and how to teach it, especially in Escola
Brasileira de Psicanálise.

Keywords: Jacques Lacan, Sigmund Freud, Psychoanalysis, Teaching, Transmission and


Education, Science, University, School of Psychoanalysis.
RÉSUMÉ

DESCONCI, João Paulo. Qu'enseigne la psychanalyse? Comment l'enseigner? Thèse


(Maîtrise). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2022

La recherche a étudié les apports sur le concept d'enseignement de la découverte


freudienne de l'inconscient. La subversion de la raison qui en résulte, à partir d'un savoir
étranger à la conscience et donc non connu, implique l'impossibilité de l'enseigner. L'étude a
révélé comment l'éducation peut être moralisatrice et répressive, contribuant à la maladie
névrotique et dispensant d'une discussion sur l'articulation entre normes et particularités
individuelles.

La psychanalyse dénonce donc la définition d'un enseignement en général qui


s'appuie sur des perspectives préétablies et finit par suturer des expériences particulières,
permettant l'élaboration d'une telle notion dont les interlocuteurs sont impliqués à partir d'un
énoncé singulier et non anonyme.

En avançant dans le débat scientifique, en partant de la linguistique structurale, et plus


tard, en utilisant la logique, les mathématiques et la topologie, le discours analytique propose
une distinction entre enseignement et transmission, de la fonction signifiante et de l'instance
de la lettre, atteignant une doctrinale de la science elle-même qui vise la transmission intégrale
de la psychanalyse, non sans le soin du sujet.

Cette étude est justifiée pour l'Université et pour l'Éducation, dans la recherche d'une
mise à jour du thème, sur la base de ce qu'enseigne la psychanalyse, et comment l'enseigner,
en particulier à Escola Brasileira de Psicanálise.

Mots-clés: Jacques Lacan, Sigmund Freud, Psychanalyse, Enseignement, Transmission et


Éducation, Science, Université, École de Psychanalyse.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Redes de sobredeterminação 1-3 e α, β, γ e δ...................................................24


Figura 2 – Esquema L...........................................................................................................25
Figura 3 – Fórmula da Metáfora (a)......................................................................................28
Figura 4 – Fórmula da Metáfora (b)......................................................................................30
Figura 5 – Fórmula da Metonímia.........................................................................................30
Figura 6 – Algoritmo fundamental.........................................................................................31
Figura 7 – Discurso do Mestre..............................................................................................63
Figura 8 – Discurso do Psicanalista......................................................................................64
Figura 9 – Lugares ou posições no discurso......................................................................103
Figura 10 – Os quatro discursos.........................................................................................103
Figura 11 – Esquema SIR...................................................................................................113
Figura 12 – Figura apresentada por Sócrates....................................................................119
Figura 13 – Experimento geométrico do buquê invertido...................................................121
Figura 14 – Variação da ilusão do buquê invertido.............................................................121
Figura 15 – Um esquema da análise, a palavra na transferência......................................122
Figura 16 – Metáfora Paterna.............................................................................................124
Figura 17 – Esquema R......................................................................................................125
Figura 18 – Esquema I........................................................................................................126
Figura 19 – Tríade imaginária, o pai e o Esquema do fetichismo.......................................127
Figura 20 – Tabela da Falta de objeto................................................................................127
Figura 21 – Lógica da castração.........................................................................................129
Figura 22 – Eixo Mãe-criança.............................................................................................129
Figura 23 – Ponto de basta.................................................................................................132
Figura 24 - Triângulos e grafo em construção....................................................................133
Figura 25 – Grafo do Desejo completo...............................................................................133
Figura 26 – Primeiro esquema da divisão..........................................................................135
Figura 27 – Faixa de Moebius............................................................................................136
Figura 28 – Cross cap........................................................................................................136
Figura 29 – Toro.................................................................................................................137
Figura 30 – Garrafa de Klein...............................................................................................137
Figura 31 – Fórmula do Sujeito Suposto Saber..................................................................142
Figura 32 – Quatro fórmulas e Discurso do Analista..........................................................147
Figura 33 – O Nó Borromeano............................................................................................147
Figura 34 – Tábuas da Sexuação.......................................................................................149
Figura 35 – O Nó Borromeano [enlaçado], anéis separados e ligados pelo sinthoma.......152
Figura 36 – O Nó Borromeano, Gozo fálico, Gozo do Outro e o sentido...........................153
Figura 37 - Nó de Lacan.....................................................................................................153
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................1
MÉTODO....................................................................................................................9
Corpus teórico..............................................................................................19
Tesauro.........................................................................................................35
A Escola Brasileira de Psicanálise.............................................................40
Capítulo 1: Painel geral..........................................................................................55
Capítulo 2: FREUD e a Educação..........................................................................65
Capítulo 3: O impossível de ensinar.....................................................................84
A Ciência.......................................................................................................90
O Ensino.......................................................................................................95
A Universidade...........................................................................................104
Capítulo 4: LACAN e seu ensino.........................................................................109
A Primeira...................................................................................................113
A Segunda..................................................................................................145
A Terceira....................................................................................................150
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................167

Anexos
Corpus teórico
Tesauro
1

INTRODUÇÃO

Foi a partir da convergência entre os três fatores que nomeiam a área de


concentração onde se insere este trabalho – Educação, Linguagem e Psicologia,
que esta pesquisa de gênero teórico buscou identificar as contribuições de Freud e
Lacan quanto ao conceito de ensino, a partir da subversão psicanalítica.

No entanto, gostaria de assinalar que o meu caminho não foi na direção do


que é ensinar no sentido amplo – no contexto da Educação, por exemplo. De fato, é
por meio da associação entre a Pedagogia e a Psicologia, característico da Educação
contemporânea que a Psicanálise – entendida de início como parte integrante dessa
última, adquire valor para o campo educativo. De todo modo, uma distinção entre
Psicologia e Psicanálise se faz necessária.

Por trás da aparente diversidade da Psicologia, existe uma unidade ideológica


garantidora do indivíduo, a personalidade, conceito paradoxal. Descrito de modo
abstrato, mesmo no que se refere ao que lhe é inconsciente, o indivíduo acaba por
ser isolado das relações que dão significados à sua existência, ao serem tomados
como produtos de uma potencialidade psicológica inerente: a sociabilidade.

De outro lado está o sujeito do inconsciente, definido como efeito do


significante, constituído nos significados de suas relações, estruturalmente dividido
entre o que sabe e sua verdade e de intencionalidade equívoca, em função dos
processos psíquicos que são inconscientes. Por meio de sua clínica, a Psicanálise
demonstrou o inconsciente como sendo da ordem do erro, do desconhecimento e do
equívoco e isso só foi possível após ser dada importância à fala do paciente. Nesse
sentido, Freud fazia uso do termo Psicologia no sentido de delimitar a materialidade
não biológica do inconsciente. Mais tarde, Lacan encontraria o justo termo para essa
materialidade: a linguagem.

Freud elevou o entendimento de processos psíquicos – que até então eram


entendidos como residuais (como se fossem efeitos de processos orgânicos
cerebrais) – tais como sonhos, esquecimentos e atos falhos, tomados por ele como
fenômenos de linguagem e de pensamento. Em seu texto O inconsciente
2

(1915/2010), Freud afirma que a suposição da existência do inconsciente é


necessária e legítima, uma vez que a consciência tem muitas lacunas:

[...] a identificação entre o psíquico e o consciente é totalmente


inadequada. Ela rompe as continuidades psíquicas, nos precipita nas
insolúveis dificuldades do paralelismo psicofísico, fica aberta à crítica
de superestimar sem fundamentação razoável o papel da
consciência, e nos obriga a deixar o âmbito da pesquisa psicológica,
sem nos trazer compensações de outros campos.
(FREUD, 1915/2010, p. 77)

Ao comentar a descoberta do inconsciente e a revolução que essa trouxe à


humanidade, Freud, em seu texto inaugural da Psicanálise, A interpretação dos
sonhos (1900/2019, p. 13), que começa com a apresentação da literatura científica
sobre o problema do sonho, afirma que o eu não é senhor em sua própria casa, já
que, pela existência do inconsciente, sempre haverá uma parte de não saber em cada
um de nós.

O desdobramento dessa hipótese é o de que aquele que fala não sabe o que
diz e, como o que se transmite é a falta daquele que ensina, o desejo é condição sine
qua non para que a transmissão aconteça, uma vez que é justamente ele que é
transmitido. A angústia é incluída, funcionando como combustível que alimenta o
desejo de saber.

Esta pesquisa deparou-se constantemente com a impossibilidade de definir


um ensino de modo geral. Mais além, visando superar as perspectivas pré-
estabelecidas que acabam por suturar experiências particulares, permitindo-me
elaborar uma noção de ensino cujos interlocutores implicam-se a partir de uma
enunciação singular e não anônima.

Atualmente se denomina ‘ensino’ à transmissão metódica de saberes


estandardizados e se verifica imediatamente se esse saber foi aprendido
corretamente. Porém, esse nome convém quando se trata de um saber cuja
transmissão não é uma aprendizagem ou objeto de verificação, tal como se dá
Psicanálise? Esse paradoxo acarreta que, se é pedagógico e a palavra se fecha para
que nada do inconsciente apareça, o ensino seria mais um exercício de poder e até
mesmo um obstáculo ao saber.
3

Uma distinção entre ensino e transmissão se impõe partindo, portanto, da


experiência demarcada pelo inconsciente em sua distinta relação com a razão e com
o saber.

Nesse sentido, Mrech, em seu livro, Mas afinal, o que é educar? (2005, p. 13),
ao se perguntar como atingir o real da Educação, indica que a Psicanálise traz outra
resposta que pode nos servir de orientação a partir do curso de Jacques-Alain Miller,
A Orientação Lacaniana – O lugar e o laço (2000-2001). Na lição publicada na revista
Opção Lacaniana, Psicanálise pura, Psicanálise aplicada & psicoterapia (MILLER,
2017), ele aponta as premissas dessa distinção:

[...] o que não pode ser permitido é que a Psicanálise, em sua


dimensão ou em seu uso, em sua preocupação terapêutica, seja
atraída, empurrada e mesmo mortificada por essa espécie de não-
psicanálise que é ordenada com o nome de Psicoterapia.
(MILLER, 2017, p. 3).

Os termos estabelecidos por Miller (2017) visam ecoar a diferença das três:
Psicanálise pura e Psicanálise aplicada (à terapia) em relação à Psicoterapia. A
Psicanálise pura é a noção de uma Psicanálise como uma prática que toma seu ponto
de partida na transferência que Lacan apresentou como um algoritmo do saber e que,
sendo levada às suas últimas consequências, encontra um princípio de parada –
condição para especificar a relação com o real. Sendo assim, a Psicanálise pura, com
o seu objetivo de passe, sustenta-se numa confiança dada ao saber: se há saber no
real, é claro que um acontecimento de saber sustenta-se.

De outro lado, há uma dificuldade de se exprimir a diferença entre Psicanálise


e Psicoterapia, pois existe um aspecto platônico que traz ao psicanalista a extensão
crescente da Psicoterapia sob a forma vizinha da análise. Segundo o autor, a
psicoterapia estaria inscrita no discurso do mestre, pois ali o sujeito reclama uma
identificação que se sustente e sofre quando essa vacila, isto é, a urgência dessa
reclamação visa restituir-lhe tal identificação. Assim, a noção de Psicanálise aplicada
(à terapêutica, ou mesmo outras aplicações como na educação, por exemplo) vem
como um lembrete para que não deixe de ser Psicanálise, a ponto de Miller (2017)
afirmar que a psicoterapia per se não existe.

Para o caso da educação, especificamente, uma Psicanálise aplicada se faz


possível ao aprofundar as questões levantadas pelo educador na sociedade
contemporânea e isso significa tomar como objetivo a Psicanálise como uma prática.
4

Durante muitos anos, Sigmund Freud foi o único psicanalista. Sua perspicácia
e habilidade na escrita permitiram-lhe dar início à Psicanálise, bem como apresentar
suas constatações teóricas. Assim, conquistou adeptos, fundou uma instituição que
visava manter a unidade de sua prática e, ao longo de sua obra, indicou condições e
conteúdos necessários para a difusão da Psicanálise. Como pioneiro, tinha sua
maneira particular de analisar, tirando da experiência o domínio da transferência e
das resistências, por exemplo.

No artigo A questão da análise leiga (1926/2014, p.155-198), Freud indica a


postura adotada em favor dos seus seguidores. Na ocasião, Theodor Reik fora
acusado de violar uma antiga lei austríaca contra o charlatanismo, por praticar a
Psicanálise sem ser médico. A partir disso, Freud interveio sobre as opiniões que
existiam na sociedade psicanalítica sobre a exigência de uma formação na medicina.

Nessa ocasião, a exigência de que a psicanálise se restringisse aos médicos


foi interpretada por Freud como uma derivação do repúdio inicial da parte deles, na
ocasião de seu surgimento. Ele propunha, portanto, que “[...] charlatão é todo aquele
que efetua um tratamento sem possuir o conhecimento e a capacidade necessários
para tanto.” (1926/2014, p. 171). Em seguida, destaca: “Firmando-me nessa
definição, aventuro-me a afirmar que – não somente nos países europeus – os
médicos formam um grande contingente preponderante de charlatões na análise.”
(FREUD, 1926/2014, p. 172).

Freud conta que os psicanalistas, médicos ou leigos, seus colegas, eram “[...]
pessoas de educação acadêmica, doutores em filosofia, educadores, juntamente com
algumas mulheres de grande experiência na vida e marcante personalidade.”
(1926/2014, p. 185). E, indicando a importância de não restringir a Psicanálise à
medicina, em favor de Theodor Reik, Freud responde a seu interlocutor a seguinte
pergunta: “Como e onde se pode aprender o que é necessário para praticar-se a
Psicanálise?” (FREUD, 1926/2014, p. 170).

Travando essa ‘Conversação com uma pessoa imparcial’1, Freud apresenta


o que ocorria no seu consultório, apontando os conteúdos que – para além da
medicina, são necessários a um praticante, e as diretrizes que devem ser seguidas
para os devidos avanços na formação.

1 Subtítulo dado ao artigo, indicando o método de sua explanação.


5

Um esquema de formação para analistas ainda tem de ser criado.


Deve ele abranger elementos das ciências mentais, da Psicologia, da
História e do estudo da evolução. Há tanto a ser ensinado em tudo
isso que é justificável omitir do currículo qualquer coisa que não tenha
relação direta alguma com a prática da análise.
(FREUD, 1926/2014, p. 192).

Tendo sugerido os conteúdos quanto ao que a Psicanálise ensina e, visando


explicar como havia contribuído para o campo da Educação especificamente, Freud
escreveu em seu artigo:

Minha cota pessoal nessa aplicação da Psicanálise foi muito leve. Em


um primeiro estágio, aceitei o bon mot que estabelece existirem três
profissões (ofícios) impossíveis – educar, curar e governar –, e eu já
estava inteiramente ocupado com a segunda delas. Isso, contudo,
não significa que desprezo o alto valor social do trabalho realizado por
aqueles de meus amigos que se empenham na educação.
(FREUD, 1926/2014, p. 125).

O artigo Análise terminável e interminável (FREUD, 1937/2018, p. 274) gira


em torno da questão do fim da análise, da inconstância dos grandes resultados,
mesmo que não se vise nem à cura nem à felicidade. Decerto, a conclusão pode ser
pensada teoricamente, mas, na prática, parece irrealizável. Duas interpretações
possíveis: ou essa imperfeição provém da juventude da Psicanálise ou ela deve ser
entendida como uma de suas características atemporais. Em outros termos, ou bem
esse sucesso insuficiente apresenta-se como um fracasso a se reduzir ou bem ele se
ressalta de uma qualidade a se preservar.

Em seu artigo, Freud nunca deixa de evocar a primeira dessas hipóteses:


talvez, ele não saiba disso o bastante ainda; talvez esses resultados insuficientes
decorram lentamente de antigos casos, nos quais baseou sua reflexão; talvez, mais
tarde, quando já não nos seus primórdios, essa particularidade se amenizará: um
sucesso seguro é então transferido para o futuro, pois se leva em conta a atual
inconstância sobre uma construção teórica ainda mal assegurada. Existe nisso um
propósito modesto, sobretudo cauteloso, de Freud.

No entanto, associando a Psicanálise a outros dois ofícios impossíveis –


governar e educar – é como se ele não pudesse se livrar completamente da ideia de
que esse sucesso insuficiente é um dado incontornável. Ele assegura que é, de início,
que estamos certos de fracassar, para empregar o termo forte. Basicamente, se o fim
é sempre incerto, o sucesso insuficiente é, em contrapartida, previsível desde o início:
6

a decepção e a impotência estão no começo. Fazendo incidir o impossível sobre a


finalidade, Freud confronta o ato da Psicanálise a uma não-finitude fundamental, de
alguma forma constitutiva. Os dois outros ofícios, já conhecidos há mais tempo,
compartilham da mesma impotência e a Psicanálise segue seu rastro.

Desde Freud, muitos outros psicanalistas foram de grande importância e


dentre eles, Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981), foi um teórico de fundamental
importância para o ensino e a difusão da Psicanálise no mundo. Dedicado a retomar
os conceitos freudianos a partir dos conhecimentos de sua época, Lacan visava
restabelecer os conceitos em sua aplicação original, em detrimento do uso
instrumental da teoria que ocorrera após a morte de Freud.

De objetivo exploratório, a pesquisa se lançou em uma triagem do material


bibliográfico, definindo um corpus teórico, a partir do qual foi estabelecido o plano de
leitura, análise e interpretação, de modo sistemático, a fundamentar teoricamente
esta Dissertação. Em seguida, tomei como estratégia mapear o significante “ensino”,
na produção do tesauro anexo que orientou a eleição dos textos trabalhados, para
elucidar seu percurso histórico do conceito, ao longo da Obra de Lacan. A partir disso,
foi possível eleger os textos a serem lidos no que se refere à formalização da
formação do analista, suas implicações e referências originais (a partir de Freud ou
de outros pensadores referidos).

Para Lacan, a associação livre tem sua estrutura a partir do deslizamento


significante, ou seja, é propriamente da cadeia simbólica que determina o lugar da
interpretação, diante das formações do inconsciente. Igualmente, para além da
nosologia médica, situar os afetos e as referências imaginárias em relação à palavra
foi o que permitiu a Lacan definir o inconsciente, a repetição, a transferência e a
pulsão como conceitos fundamentais.

Busquei, portanto, uma perspectiva de associação livre: a partir desse


levantamento (corpus teórico + tesauro), escolhi os materiais que julguei
interessantes e me chamaram a atenção, promovendo uma leitura possível dentre
várias - segundo minha orientadora, uma leitura em filigranas. Servindo à composição
da escrita, a pesquisa sustentou o campo de saber da Psicanálise como um conjunto
aberto, tal como ela se propõe, seja pelo resgate do inconsciente vivo, seja a partir
da proposição de que conceitos psicanalíticos ocorrem por aproximações,
assintoticamente.
7

Finalmente, no que se refere ao psicanalista, o ser do analista como elemento


não-desprezível nos efeitos da análise – que deve inclusive ser exposto em sua
conduta no fim da partida, este trabalho buscou sustentar um desejo decidido e o
comprometimento com a descoberta freudiana e sua letra e, mais especificamente, a
partir de uma pergunta sobre meu próprio percurso de formação continuada.

Outras atividades também contribuíram para a minha participação no


ambiente acadêmico da Faculdade de Educação da USP, sobretudo, na aproximação
com a atual pesquisa que já se desenvolve ali:

• dos aprendizados pela participação ativa nas aulas das disciplinas cursadas
no Programa de Pós-Graduação da FEUSP e do IPUSP, bem como, de
eventos acadêmicos afins;
• da disciplina ministrada pela minha orientadora, Leny Magalhães Mrech,
sobre Autismo, na FEUSP, donde surgiu uma publicação pessoal minha,
intitulada Clínica e desconexão no autismo (2019, p. 114), na Carta de São
Paulo, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Texto esse apresentado
na ocasião das VIII Jornadas da Seção São Paulo da Escola Brasileira de
Psicanálise, Amor e Sexo em tempos de (des)conexões, em 2018.
• da experiência de monitoria de duas disciplinas ministradas pelo Professor
Doutor Rinaldo Voltolini, proveniente do estágio de docência, no Programa de
Aperfeiçoamento do Ensino – PAE;
• do procedimento de leitura integral das referências bibliográficas
fundamentais e complementares exigidas nas disciplinas cursadas e
monitoradas;
• e, especialmente, da submissão regular às análises críticas da professora
orientadora Leny Magalhães Mrech, tendo contado ainda com ensinamentos
e sugestões da Banca de Qualificação (em março de 2019), a partir das quais
a pesquisa também adquiriu maior criticidade e orientação.

Justifica-se esta dissertação, portanto, pela importante subversão a que se


pretende uma Psicanálise preocupada com o respeito pela articulação entre normas
e particularidades individuais, bem como por sua difusão – causa defendida
constantemente por ambos os autores, sobretudo, por inseri-la no debate científico.

Além disso, a dimensão ética da Psicanálise – para além da epistêmica, exige


esclarecimento, justamente por se tratar de uma experiência para além da aquisição
8

de conhecimentos, mas que acontece no singular, seja no nível privado da análise


pessoal ou da cínica e sua supervisão, seja no exercício coletivo, diante da
comunidade da Escola de Psicanálise ou nos Institutos, seja na universidade e na
pesquisa.

Por mais que alguns psicanalistas, ao lidarem com questões educativas,


partam da afirmação de Freud que se refere à Educação como algo impossível de
modo restrito, Laurent afirma em seu texto Reflexões sobre a forma atual do
impossível de ensinar (2000) que, tomando-a de modo estereotipado, ignoram que
“[...] dizer que é impossível ensinar, é dizer que é preciso, incessantemente, remeter
ao canteiro de obras tudo o que apareceu, em um dado momento, como uma solução
para essa aporia” (LAURENT, 2000, p. 5).

Nesse sentido, o autor aponta dois registros distintos: por um lado, aquele do
estudo das disciplinas necessárias ao saber do psicanalista; por outro, a transmissão
propriamente dita da maneira como é preciso ler o inconsciente, não como coisa
morta, uma significação completa, um manual de Psicologia, mas como uma coisa
viva. Partir desse ponto não foi sem consequências para a presente pesquisa,
revelando-se constantemente como uma experiência de enfrentamento do impossível
de ensinar.

Assim, esta dissertação subdivide-se em:

• método, onde são apresentadas as motivações que determinaram o objeto


de pesquisa, das condições particulares da pesquisa em Psicanálise, da
constituição do pesquisador e da função da escrita em seus desafios; do
tesauro, como instrumento e do corpus teórico, delimitado como campo de
pesquisa; além de uma apresentação da Escola Brasileira de Psicanálise;
• painel geral do debate entre Psicanálise e Educação tomado neste trabalho;
• as contribuições de Freud à Educação;
• a questão do ensino da Psicanálise e o impossível de ensinar;
• o ensino de Lacan.
9

MÉTODO

A Psicanálise, simultaneamente, é um procedimento para investigação de


processos mentais inconscientes (inacessíveis a outras formas de pesquisa), um
procedimento terapêutico e um conjunto de conhecimentos em contínua expansão e
reformulação sobre seu objeto. Por isso, uma certa distinção entre o Freud clínico e
o Freud produtor de conhecimento deve ser mantida.

Freud aponta o mérito de a Psicanálise reivindicar para si a coincidência da


pesquisa e do tratamento, mas indica que a técnica que serve a uma contradiz, a
partir de certo ponto, a outra. Afirmar que a Psicanálise compreende não só um
método de investigação, senão também, de tratamento corresponde a dizer que a
Psicanálise não é feita nem só de investigação nem só de tratamento.

De outro modo, que a Psicanálise não se define apenas pelo exercício de


investigação de conceitos, o que resultaria numa hipertrofia da especulação – termo
também freudiano para tratar dessa inflação da dimensão investigativa de uma
pesquisa – tampouco pela pura terapêutica, sem nenhuma formalização conceitual,
o que nos reduziria aos equívocos de uma prática intuitiva e pouco rigorosa.

Por vezes, as teorias da Psicanálise tornam-se objeto de estudos


sistemáticos, ora de estudos históricos, ora de reflexões epistemológicas, assim
acontece quando a Psicanálise é o objeto da pesquisa e o pesquisador não precisa
ser psicanalista. Podem ter como alvo, entre outros, processos socioculturais e/ou
fenômenos psíquicos transcorridos e contemplados fora de uma situação analítica no
sentido estrito (embora também aí se constate uma dimensão clínica e se observem
efeitos terapêuticos). Outras vezes, alguns conceitos psicanalíticos são mobilizados
como instrumentos para a investigação e compreensão de variados fenômenos
sociais e subjetivos. Nas ciências naturais e nas ciências sociais ou humanas,
concebe-se um sujeito ativo debruçado metodicamente sobre seu objeto, munido de
conceitos, instrumentos e técnicas de descoberta e de verificação – ou refutação – de
suas hipóteses. Essa concepção sugere certa distância entre o pesquisador e seu
referencial teórico.

A pesquisa com método psicanalítico, por outro lado, consiste em um


processo onde, após a pesquisa, o objeto, o sujeito (pesquisador) e seus meios de
investigação (conceitos, técnicas) são transformados. Com o psicanalista, o deixar-
10

se fazer pelo objeto de pesquisa e, em contrapartida, construir o objeto à medida que


avançam suas elaborações e descobertas faz da pesquisa um momento na história
de uma relação que não deixa nenhum dos termos tal como era inicialmente. Da
mesma forma, não se pode definir externamente e a priori o que seja um analista,
apenas o que ele faz e, ainda assim, somente pelo efeito de suas intervenções, no a
posteriori de seu ato.

Certamente, o valor de tais observações reside no fato de que, através delas,


nos será possível insistir na aproximação entre a Psicanálise e a universidade
instituída como interrogação por Freud, viabilizando ainda a formalização de um
método de pesquisa que não defina a priori o que seja o fazer analítico no rigor de
sua especificidade.

A demanda à produção de saber que se instala sob o nome de amor é


inerente à própria estrutura da transferência e, portanto, irá requerer inevitavelmente
manejo por parte do analista. Isso nos permitirá observar que “manter-se analista” no
universo acadêmico é tão árdua tarefa quanto em qualquer outra situação, mesmo
que possamos traçar especificidades em cada uma delas.

A afirmação freudiana de que a Psicanálise é uma notável combinação, pois


compreende não só um método de investigação, senão também, um método de
tratamento baseado na etiologia assim descoberta, serve-nos como eixo fundamental
em torno do qual se concentram os pressupostos utilizados na formalização e na
aplicabilidade do método de pesquisa clínica em Psicanálise, se configurando e se
sustentando na produção de algum saber possível sobre as próprias sutilezas de tal
relação.

Vale também ressaltar que o estabelecimento de tal indissociabilidade entre


os termos investigação e tratamento não pode ser pensado como uma superposição
nem como uma pacífica harmonização entre eles. Pelo contrário, por mais que Freud
tenha se referido a uma notável combinação entre investigação e tratamento para
dizer do método analítico, importa-nos ressaltar que, de fato, o que ocorre na
experiência é uma dissimetria entre ambos os termos, já que a dimensão investigativa
não dá conta de traduzir por completo o novo de cada experiência.

Mrech, em seu livro A construção do pesquisador (2019), por meio de


temáticas cruciais, tais como a relação professor-aluno, a cultura acadêmica e a
metodologia de pesquisa, investigou, à luz da Psicanálise lacaniana, o processo de
11

orientação de pesquisa como um processo de constituição, tanto do lado do


orientador quanto do orientando. E, assim, analisou alguns impasses partindo de uma
tríplice incidência:

a) o objeto de pesquisa que se constitui no recorte investigativo;


b) o pesquisador que se constitui ao assumir a ação de pesquisar; e
c) o texto que é fruto dessa decisão.

a) O objeto

Em 2016, foi realizado o X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise:


O corpo falante. Sobre o inconsciente no século XXI, no Rio de Janeiro. Em sua
intervenção de encerramento chamada Habeas Corpus, Jacques-Alain Miller (2016)
conta que, em 1999, participou de um colóquio (MILLER, 1999/2004, p. 10-133) que
tratava das relações entre Lacan e as matemáticas. Em sua contribuição, Un rêve
de Lacan, Miller (1999/2004) tratou como um sonho de Lacan o desejo de associar
a Psicanálise não somente à linguística estrutural, mas também às matemáticas e,
especialmente, à lógica matemática. Segundo Miller, de fato, toda a geração
estruturalista acreditou no mesmo sonho.

A partir dessa inspiração, o projeto inicial visava estudar os matemas, uma


vez que Lacan propunha uma álgebra que correspondesse à lógica simbólica, que
partisse da matemática e da lógica e estabelecesse sua legitimidade, porém, não
sem o sentimento de prudência e cuidado sobre o sujeito.

Em seu escrito chamado O aturdito2 (1972/2003, p. 448), Lacan aponta que


o matemático tem com sua linguagem o mesmo embaraço que o psicanalista tem
com o inconsciente, por não saber do que está falando, mesmo quando se certifica
de que é verdade.

Assim, suas considerações sobre o discurso da matemática colocavam em


evidência o interesse em assegurar a transmissão da Psicanálise e, especialmente,
a noção de que não há formação do analista que seja concebível fora da
manutenção do dizer de Freud inferido da lógica que toma como fonte o dito do
inconsciente, afirmando a existência do sujeito.

2 Publicado em Scilicet, nº 4, Paris: Seuil, 1973, p. 5-52.


12

Assim, um dizer que se especifica pela demanda – e cujo estatuto lógico é do


que se trata no discurso analítico – só pode ser tomado ao ser confrontado com o
dito. Da experiência discursiva, não se pode prescindir definitivamente e o caso do
dizer que é a interpretação, no que incide sobre a causa do desejo, é privilegiado
como exemplo.

No que se refere ao ensino, Lacan (1972/2003, p. 449) se apresenta como


um racionalista e reivindica, como metodologia científica, o modelo de ciências como
a física e a matemática, privilegiando a lógica em seu esforço de formalizar a
Psicanálise e fazê-la operar dessa forma: “Lembro que é pela lógica que esse
discurso toca no real, ao reencontrá-lo como impossível, donde é esse discurso que
a eleva a sua potência extrema: ciência, disse eu, do real.”.

Se a matemática forclui a singularidade, nem por isso deixa de ser, na


fundação, aquilo que provoca a sintaxe que se estabelece. Como ciência, esse
ponto original passará a se fazer presente como axioma. Temos aqui as fórmulas,
que se colocam como letras apriorísticas, depuradas de questionamentos e
portadoras de universalidade absoluta, a quem seriam facultadas a transmissão
integral, ferramenta fundamental nas elaborações de Lacan, sob a forma dos
matemas.

Se o matema lacaniano pode ser entendido como função do real no saber,


teríamos a acrescentar que ele se refere afirmativamente à ausência, pois o que é
integralmente transmissível é a inscrição da ausência de sentido, não propriamente
como o vazio do sem sentido, mas sob a forma de uma afirmação.

Os matemas, para um psicanalista, têm serventia apenas quando se faz


existir neles o que neles inexistiria se nos mantivéssemos a concebê-los como puras
fórmulas matemáticas. Um matema, em si, é pura associação de letras. É apenas
na sua manipulação que, caso a caso, um sujeito específico faz com que aquela
fórmula venha a se produzir, para ele, como portadora de sentido. Quando nos
propomos a manipulá-los, percebemos que nem tudo se reduz a sua literalidade.

Assim, de sua álgebra fundada nos matemas, passando pelos grafos até a
composição do nó borromeano, encontramos em Lacan um esforço de sustentação
de um ponto de incompletude como via para a própria transmissão do real em jogo
na experiência psicanalítica. Partindo de seu aforisma de que “[...] não há
metalinguagem.” (1972/2003, p. 449), Lacan afirma que, a partir da teoria dos
13

conjuntos, foi possível “[...] isolar na lógica o incompleto do inconsistente, o


indemonstrável do refutável, ou até acrescentar-lhe o indecidível.” (1972/2003, p.
452).

Não há outro estofo a lhe dar senão esta linguagem de puro matema,
com o que me refiro àquilo que é o único a poder ser ensinado: isso,
sem recorrer a nenhuma experiência, a qual, por ser sempre, tenha o
que ela tiver, fundada num discurso, permite as locuções que, em
última instância, não visam outra coisa senão estabelecer esse
discurso. (LACAN, 1972/2003, p. 473).

Trata-se, portanto, de uma distinção entre os modos de leitura da ciência e


da Psicanálise, como pretendemos desenvolver ao longo deste trabalho. Vale
introduzir a perspectiva de que a formalização não corresponde a uma exigência de
sentido, mas sim, de transmissão, no sentido estrito. Uma distinção entre ensino e
transmissão, se faz necessária, a partir da crítica à dizência - do lado do ensino, em
favor do resgate do inconsciente enquanto vivo.

Do mesmo modo, podemos afirmar que a possibilidade de formalização que


a escrita científica instaura é corroborada por uma operação de leitura aparelhada
pela produção de sentido, pela lógica que orienta o modo como se recolhem os
elementos aí depositados, quer sejam tomados como já escritos ou como depositados
no próprio ato de leitura, no que este comporta de uma escrita.

É como limite à ideia de uma transmissão integral que Lacan nos levará de
um suporte a outro, com seu recurso à matemática, em suas diversas modalidades
de escrita, de certa forma passando por uma desilusão quanto à concepção do
matema na perspectiva de uma possibilidade de transmissão integral (MILLER, 2016).

Milner, em seu livro A obra clara (1996, p. 99), trata do matema como um pivô
do segundo classicismo lacaniano, considerando que apenas tal noção “permite
articular umas às outras as proposições relativas ao doutrinal de ciência, à letra, a
matemática e à filosofia.”. Além do O aturdito (1972/2003, p. 448), o Seminário XX –
Mais ainda – é repleto de fontes sobre o tema. É ali, inclusive que Lacan profere
porque a formalização matemática era seu objetivo e ideal: “[...] porque só ela é
matema, isto é, capaz de se transmitir integralmente” (1972-73/1985, p. 108).

O autor aponta duas questões: da função e da forma do matema, e da


questão mais geral da matemática e seu status. A noção de matema repousa sobre
14

uma tese que concerte à matemática, no entanto a distinção permanece, uma vez
que existem referências de Lacan que não derivam da doutrina do matema. Por outro
lado, o surgimento de uma doutrina explícita do matema modificou a relação que
Lacan tinha com a matemática e, por essa razão, com a matematização. Trata-se do
princípio do doutrinal de ciência que determina a transmissibilidade da Psicanálise, o
que se distingue do ensino.

Segundo Milner (1996), durante muito tempo, se supôs necessária à


transmissão do saber a intervenção de um sujeito insubstituível – o mestre, definindo
o dispositivo ligado à episteme. É precisamente isso que o matema exclui, uma vez
que o mestre antigo – como um termo insubstituível, foi substituído pelos professores,
justamente porque a ciência moderna se fia inteiramente nos funcionamentos literais
da matemática. Daí decorre também a degradação do professor que experimentamos
na contemporaneidade, quando o ensino se restringe a uma questão de posição, e
não, de sujeito.

Uma vez que a doutrina do matema articula-se a uma doutrina do mestre


como pura determinação posicional, só esta é compatível com o doutrinal de ciência,
evidenciada pela Teoria dos Quatro Discursos de Lacan, onde a distinção entre
termos e posições se desenvolve completamente (salvo as peculiaridades do objeto
a).

Milner, em A obra clara (1996), chega afirmar que, no matema e na


determinação estritamente posicional do mestre, se articula o status da Escola, como
correlato institucional do matema, cuja função maior consiste em assegurar uma
transmissão integral, sendo a partir da letra que a matemática é o paradigma da
transmissibilidade, uma vez que ela não é o significante.

O significante é apenas relação: ele representa para e é aquilo através


do que isso representa; a letra mantém, decerto, relações com as
outras letras, mas ela não consiste apenas em relações. Sendo
apenas relação de diferença, o significante é sem positividade; mas a
letra é positiva em sua ordem. A diferença significante sendo anterior
a toda qualidade, o significante é sem qualidades; a letra é qualificada
(ela tem uma fisionomia, um suporte sensível, um referente etc.). O
significante não é idêntico a si, não tendo um si a que uma identidade
possa ligá-lo; mas a letra, no discurso em que se situa, é idêntica a si
mesma. O significante sendo integralmente definido por seu lugar
sistêmico, é impossível de deslocá-lo; mas é possível deslocar uma
letra; assim a operação literal por excelência deriva da permutação
(testemunha a teoria dos quatro discursos). (MILNER, 1996, p. 104).
15

Portanto, a topologia lacaniana não é uma substância que situe além do real
aquilo que motiva a prática e não é também uma teoria. É importante que a
impossibilidade de dizer a verdade do real se motive por um matema, mas pelo qual
se situe a relação do dizer com o dito. Consequentemente, deve-se dar conta de que
haja cortes do discurso (como a interpretação, por exemplo) que modifiquem a
estrutura e é por isso também que o analista deve ser, antes de tudo, o analisado,
sendo justamente por essa ordem que se traça sua carreira.

Nesse sentido, este trabalho se deparou com impasses que modificaram o


objeto de pesquisa ao longo do processo, uma vez que foi se transformando e
adquirindo maior complexidade ao longo das leituras. A dificuldade de abordar os
matemas diretamente, sem antes tomar a questão do ensino, se impôs e me levou a
tomar essa discussão por outra via. Assim, tornou-se necessário investigar o
desenvolvimento do ensino de Lacan, visando localizar os determinantes das suas
mais complexas formulações, em sua insistência.

De fato, são distintas as contribuições em diferentes momentos que Lacan


dispõe em seu percurso. Os conceitos vão sendo reformulados de modo operativo ao
longo de sua obra, tornando o ensino uma série de respostas à questão da
transmissibilidade da Psicanálise que ocorreu em mais de um estilo.

A orientação inicial de Lacan consistiu em defender a herança freudiana,


especificamente, dividindo, como ele se expressa em seu Discurso de Roma3
(1953a/2001), a técnica de decifração do inconsciente, por meio da linguística, e a
teoria das pulsões, posteriormente (p. 143).

A grande solução encontrada para o impasse de escrever a pulsão como se


essa fosse simplesmente parte da cadeia significante foi o objeto a, em suas
peculiaridades: uma vez que, ao mesmo tempo, faz parte da armadura da fantasia,
está no âmago da pulsão e tem certas propriedades significantes (MILLER, 2016).

Lacan não depôs suas armas ao longo de suas construções, reviravoltas e


acréscimos, sempre subversivos ao sustentar a posição do sujeito dividido entre seu

3
Redação do discurso proferido por ocasião da apresentação do relatório "Função e campo da fala e
da linguagem em Psicanálise" no I Congresso da Sociedade Francesa de Psicanálise, realizado em
Roma, em 26 e 27 de setembro de 1953. Publicado na revista La Psychanalyse, PUF, vol. I, 1956, p.
202-11, e 241-55.
16

saber e sua verdade. Especialmente, a partir da lógica, constituiu as condições de


tomar o saber como um não-todo e, por mais que ele tenha definido a Psicanálise
como o tratamento do real pelo simbólico, em seu Seminário XI (1964/2017), sobre
os conceitos fundamentais, algo sempre escapa nos defrontando com a dimensão
ética e com o impossível.

b) O pesquisador

No nível do pesquisador, o impasse inicial se deu frente à


incomensurabilidade dos elementos envolvidos na transmissão do saber, sobretudo
pelo aporte inconsciente apontado pela Psicanálise no jogo erótico com o
conhecimento.

A constituição do sujeito pesquisador, portanto, trouxe uma crise


compreensiva diante das questões encontradas. Mais precisamente, a dissertação
pôde ser mais bem compreendida em seu potencial de provocação interna das
estruturas ou categorias psíquicas engendradas no saber, para além do que é capaz
o conhecimento propriamente dito, enquanto por ser elaboração consciente.

Tal como Freud afirmara na sua última conferência introdutória à Psicanálise,


a Conferência 35, denominada Acerca de uma visão de mundo (FREUD, 1933/2010,
p. 321), que a ela é totalmente inadequada para criar uma visão de mundo própria,
devendo aceitar aquela da ciência, mesmo que distanciada em sua definição.
Segundo ele, a Psicanálise aceita o caráter uno da explicação do mundo, mas apenas
como um programa cuja realização é adiada para o futuro, de resto, negativamente,
é determinada pela limitação ao que é cognoscível, apontando que a Psicanálise não
reivindica ser totalmente coesa ou constituir um sistema e é demasiado incompleta.

De início, a pesquisa buscava um eixo histórico e de desenvolvimento do


conceito de ensino em Lacan, a partir do interesse em articulá-lo com sua topologia
ao longo dos seminários e escritos. Para isso, as citações referidas ao termo “ensino”,
de cada um dos escritos, seriam articuladas aos esquemas que são encontrados tanto
neles quanto nos seminários ao longo da dissertação – trabalho hercúleo.

A respeito ao inconsciente do pesquisador, distinta da posição do analisante,


a transferência parece ocorrer em relação à própria Psicanálise ou mesmo com a
universidade. O desejo de saber sobre a teoria passou pelo processo de
17

desconstrução de um ideal que visava dar conta de todo o saber sobre o ensino, e
que foi se deparando com um real que escapa, ao fundamento da castração e do
encontro com os furos no saber. Uma vez orientado pelo inconsciente e, sobretudo,
pela angústia ao lidar com o impossível, e em concordância com os referenciais
teóricos adotados, trata-se de uma pesquisa implicada na empreitada interpretativa
desse ponto opaco.

Além do mais, esse impasse permitiu que o pesquisador se deslocasse de


uma posição obsessiva de recenseamento da bibliografia, para um sentido mais
voltado para o exercício de escrita autêntica, na autonomia e autoria que a escrita
acadêmica exige, a partir do processo de orientação e das experiências da pós-
graduação.

Dessa forma, tem-se que a hipótese originária da pesquisa mantém seu vigor
como um motor das investigações, mesmo tendo passado por contundentes
questionamentos. Se, por um lado, os efeitos de verdade passíveis de serem
produzidos a partir da aplicação do método de pesquisa só podem ser recolhidos por
cada um no particular de sua experiência, por outro, as condições e as premissas
para que tais efeitos possam ocorrer devem fazer parte da própria estrutura do
método. Confirma-se, desse modo, uma das premissas fundamentais da Psicanálise:
o universal que regula sua prática de investigação e tratamento é não-absoluto, ainda
que algo de uma universalização do saber deva ser obtido visando à transmissão.

Por outro lado, tais considerações nos permitem afirmar que, se nada nos
garante a priori que um atendimento clínico é analítico em seus efeitos – como no
caso da psicoterapia –, também nada nos permite dizer que uma pesquisa que se
desenvolve em interlocução com o universo acadêmico deixa, por isso, de ser regida
pelos princípios mais rigorosamente analíticos.

Isso tudo foi experimentado ao logo do percurso de pesquisa. Em diversos


momentos, a orientação aconteceu no sentido de admitir a castração, invocada pela
posição do sujeito pesquisador. Distinta da posição do analista ou mesmo do
supervisor, a orientação foi um constante convite a superar uma escrita
despersonalizada, mecânica e formal para um texto mais autoral e, sobretudo,
apoiado no dizer do pesquisador. Acrescento que a passagem do tempo de
compreender esses elementos subjetivos, que se estendeu e não sem angústia, o
18

momento de concluir, em consequência da pressa, precipitou a escrita de tal modo


que o pesquisador colocasse algo de si.

Uma questão essencial também trouxe a marca do impossível a partir da


experiência de pesquisa: como se tornar Mestre em Psicanálise? Manter-se na
posição intervalar entre ambos os termos, mestre e analista, produz uma tensão
permanente que não permite ao analista relaxar nem em seu estudo nem em sua
escuta. Já que é preciso estudar sem ser estudante, é preciso saber sem ser mestre
e, acima de tudo, é preciso abrir-se radicalmente à experiência do novo, sem deixar
de lado a formalização necessária de algum saber sobre a própria experiência. Assim,
ser também Mestre em Educação seria uma posição que só se preservaria na
condição de ser impossível.

Fez-se necessário sustentar determinada relação entre o saber e o fazer de


acordo com os significantes mestres da universidade, permanentemente interrogados
pelos impasses encontrados e pelas novidades durante o processo conduzido pelo
pesquisador analista. Penso que um mestrado, então em Educação, mas também a
partir da Psicanálise, permite uma formação no exercício que a pós-graduação
constitui sobre a produção de conhecimento acadêmico.

c) O texto

Para o campo da educação, Mrech, em A construção do pesquisador (2019)


indica que os dados da pesquisa, de fato, acabam por ganhar existência ao serem
escritos. E a preocupação com a constituição do pesquisador é indissociável da
atenção a ser dada à escrita. Como um poderoso dispositivo de transformação da
relação que o sujeito estabelece com sua palavra, o texto incita a que aquele que
escreve não se limite a encarar o ato de escrever como o cumprimento de uma tarefa
burocrática.

Quando ingressa na pós-graduação, o pesquisador sabe que, sem a escrita,


não conseguirá finalizar seu curso. Porém, realizada de modo implicado, a escrita em
contexto universitário pode se configurar como um ato em que aquele que escreve
põe algo de si e possa materializá-lo no texto. O ato de escrever torna-se o passaporte
para a conquista de um nome, se a pessoa que escreve não cede ao seu desejo,
mais além das palavras.
19

Em seu Seminário XXIII – Joyce, o sinthoma (1975-76/2007), Lacan postulou


a existência de duas acepções distintas para o termo "escrita". A primeira se refere
às construções lógico-matemáticas que dão suporte ao pensamento sem o apoio das
palavras, a álgebra lacaniana. Trata-se, por exemplo, dos esquemas e diagramas
utilizados para dar a ver o funcionamento de algo, as relações de causa e
consequência. A segunda acepção seria aquela que, nas palavras do psicanalista, é
“[...] resultado do que poderia ser chamado de uma precipitação do significante.”
(LACAN, 1975-1976/2007, p. 140), entendida como as formalizações gráficas que,
em cada cultura, representam as palavras.

Lacan interessou-se particularmente pela primeira acepção de escrita, no que


se refere aos matemas. Na mesma lição, ele afirmou que “[...] a escrita em questão
vem de um lugar diferente daquele do significante.” (1975-76/2007, p. 140).
Concluímos, portanto, que Lacan está considerando duas instâncias diferentes ao
pensar a escrita. A primeira é a da pessoa que, deliberadamente, realiza ações para
escrever. A segunda é a do enunciador que é falado por ela.

O que se percebeu, ao analisar o corpus da pesquisa, é que, provavelmente,


seriam incalculáveis os efeitos que a escrita causaria, não fosse a finalidade da
produção textual acadêmica. Esta pesquisa mostra, portanto, a existência de uma
leitura particular, entre outras possíveis, bem com uma escrita como registro das
incertezas, das angústias, do aprendizado e da insistência do sujeito pesquisador em
questão, em sua constituição e no enfrentamento da escrita como um ato.

Assim, acredito que este trabalho me permitiu conceber melhor a transmissão


da letra freudiana e do ensino lacaniano, nessa articulação entre a pesquisa e a
escrita, segundo o estilo que moldou minha transferência com a Psicanálise e o
projeto de fazer avançar o desejo decidido de saber, bem como, a persistência em
perseguir o impossível de ensinar.

Corpus teórico

À primeira vista, o volume de textos que compõem o campo da Psicanálise é


imenso. Para tanto, fez-se necessária uma longa jornada de organização e seleção
desse material, orientada a tomar essa leitura de forma literal. Acrescento que o
sistema de pastas do Google Drive ajudou nos rearranjos e distribuição dos assuntos
20

e textos descobertos na pesquisa, ajudando a estruturar o sumário desta dissertação.


Curiosamente, essa lógica de pastas é idêntica à Teoria dos Conjuntos.

Assim, os estudos realizados levaram o texto da dissertação a se estruturar


de modo a primeiramente enfrentar uma leitura histórica do texto freudiano,
mapeando nela as forças indutoras a partir de três funções:

• A primeira delas diz respeito aos artigos que foram selecionados em favor da
pesquisa sobre a intersecção entre Psicanálise e Educação.
• O segundo caso, textos freudianos que se orientam mais diretamente ao
método, em suas lições elementares, recomendações, princípios, interesses,
contribuições e dificuldades na transmissão e ensino da Psicanálise. Desses,
textos históricos e que tratam de questões técnicas e conceituais foram
privilegiados os fundamentais para que, de sua leitura, fossem extraídas
indicações diretas de Freud, no que se refere à teoria e ao ensino.
• Em terceiro, como o ensino de Lacan se apoia firmemente no texto freudiano
– sendo essa uma das condições mais repetidas por ele para tanto, em
diversos escritos lacanianos, se fez necessária a apresentação dos textos de
Freud comentados por Lacan.

Em favor da incessante busca desses teóricos em avançar sobre o problema


do ensino e da transmissão da Psicanálise, esta pesquisa apresenta-se como uma
produção teórica, a partir:

• da intersecção entre Psicanálise e Educação, segundo Freud;


• das contribuições de Freud e Lacan sobre o conceito de ensino;
• do mapeamento da bibliografia lacaniana publicada em português;
• do tesauro, a partir do significante ensino em Lacan; e
• dos usos dos matemas, esquemas, fórmulas e grafos.

Para o caso de Lacan, estudado mais extensamente neste trabalho, seu


ensino é tomado como objeto da pesquisa com mais ênfase. Segundo Jean Claude
Milner, em seu livro A obra clara, “Lacan é, como ele próprio diz, um autor cristalino.
Basta lê-lo com atenção” (1996, p. 7). Nesse texto, o autor se propõe a estudar as
relações entre o pensamento de Lacan, a ciência e a filosofia. Seu pivô teórico é a
teoria lacaniana, que soube preservar e elaborar pontos de choque e de atração entre
esses diferentes discursos.
21

Se Freud jamais negou seu “ideal de ciência” e almejava inscrever a


Psicanálise no quadro já existente das Ciências Naturais, Lacan, em contrapartida,
ao contestar a ciência ideal como modelo para a Psicanálise, pretendeu detectar na
própria Psicanálise os fundamentos epistemológicos de seus princípios e métodos.

A obra de Lacan, segundo o autor, apresenta-se sob duas formas: por um


lado, a dos seminários onde o ensino era apresentado oralmente em suas lições
semanais, de 1953 até quase os anos 1980, anualmente. Esses foram gravados,
transcritos e publicados parcialmente, com o título de O Seminário, por seu genro
Jacques-Alain Miller, pela editora Seuil, cada volume constituindo um livro,
identificado por um algarismo romano e um título. E, por outro, dos textos escritos
anteriores a outubro de 1966, reunidos num volume com o título de Écrits, acrescidos
dos mais importantes textos posteriores publicados na revista Scilicet, vindo a compor
o Autres Escrits, em 2001.

Tais textos são hoje considerados clássicos da Psicanálise e, do mesmo


modo, a publicação dos seus Escritos (LACAN, 1966/1998), pela editora Zahar no
Brasil, constitui um marco para a bibliografia psicanalítica em língua portuguesa,
suplementado pelo Outros Escritos (2001/2003). Em relação a seus conteúdos, o
Escritos e o Outros Escritos constituem uma série integrada de marcos centrais no
itinerário psicanalítico que Lacan percorreu num período de trinta anos.

Fundamentais para a Psicanálise contemporânea, esses escritos são


relatórios apresentados em congressos, aulas, textos e conferências realizadas por
Lacan, muitas delas a convite de instituições renomadas. Igualmente, publicados em
revistas de grande relevância para a comunidade epistêmica da época, tais como:
Évolution Psychiatrique, The International Journal of Psycho-analysis, Revue
Française de Psychanalyse, Encyclopédie Française, Cahiers d’Art, Ornicar?, La
Psychanalyse, Critique, Quarto, L’Inconscient, Les Temps Modernes, Cahiers pour
l’Analyse, Analytica, L’Espace Analytique, Lettres de l’École Freudienne, Littérature.

Milner, em A Obra Clara, considera que todos os textos escritos para


publicação têm status semelhante, seja qual for sua data ou lugar, e os nomeia seu
conjunto de Scripta (MILNER, 1996, p. 11). Acrescentei à pesquisa, portanto, outros
escritos de Lacan, publicados em português e disponibilizadas por meio da Coleção
Paradoxos (Editora Zahar).
22

Localizei também alguns escritos que foram disponibilizados em português


pela Revista Internacional da Escola Brasileira de Psicanálise, Opção Lacaniana, que
teve sua origem na difusão de um modesto encarte, o Jornal Brasileiro de Psicanálise,
criado com o objetivo de promover o debate entre psicanalistas de orientação
lacaniana. Sua concepção é contemporânea à da “Iniciativa Escola”, um projeto
iniciado em 1992 com o intuito de criar, no Brasil, uma sólida instituição de Psicanálise
ligada à Associação Mundial de Psicanálise, a Escola Brasileira de Psicanálise.

Três anos depois, o Jornal se tornou revista e adquiriu porte internacional,


contando com artigos de colegas do mundo inteiro. Desde então, sustenta o
compromisso de fomentar o debate e a troca de experiências, contribuindo com a
formação permanente exigida pelo devir analista. A revista Opção Lacaniana, ligada
à Associação Mundial de Psicanálise, à Escola Brasileira de Psicanálise e ao Instituto
do Campo Freudiano, publica artigos clínicos e teóricos, ensaios sobre as conexões
da Psicanálise com outros campos de saber e comentários de leitura.

No entanto, Milner se pergunta: “Qual obra, no sentido estrito e moderno,


permanece assim diretamente ligada a um ensino falado e a um calendário anual
explicitamente fixado? Qual relação entre o Seminário e os Scripta?” (MILNER, 1996,
p. 18). Inicialmente, o autor considera que o Seminário era indispensável à
interpretação dos Scripta, por conseguinte, à plena realização da obra, uma vez que
a publicação do Seminário estava inacabada. Essa pergunta, em seu livro, visa definir
a relação entre a obra e o que definiria um ensino e um pensamento em Lacan.

Porém, Milner aponta que é nos Scripta que se consuma o movimento, apesar
de os dois conjuntos conterem proposições de saber: isso quer dizer que Lacan
confiou integralmente na escrita (não no transcrito) para transmitir sua doutrina.
Sobretudo, vinculando-se às proposições que derivam da transmissibilidade do saber,
sua diferença salta aos olhos quando Lacan recorre às escritas matemáticas
(MILNER, 1996, p. 22). De todo modo, desde antes do matema propriamente dito, a
proposição transmissível deixa-se reconhecer, segundo o autor.

Ao simplesmente chamar o livro de Escritos, o autor, editor e editora


decidiram então que o título não tinha que ser sobre qualquer coisa para que o livro
fosse sobre algo específico, porque o nome do autor, que não era diretamente
associado com escrita, garantia, de alguma maneira, os conteúdos do volume e o
assunto em discussão. Múltiplo, plural e diverso em seu escrever, o livro é singular,
23

monádico e unitário em sua apresentação escrita, embora isso não deva ser tomado
para sugerir que seja completo, finalizado e definitivo. Colocado de outra maneira,
embora o título Escritos sugira claramente sua pluralidade quando escrito, e Lacan se
referiu, ele mesmo, a esse trabalho como uma coleção.

No caso dos Escritos (1966/1998), evitando o modelo padrão de uma


compilação convencional, Lacan intercalou os ensaios selecionados com a inclusão
de cinco textos de conexão e dois adendos, dos quais quatro são datados
explicitamente de 1966, ainda que claramente escritos quando o livro estava em
construção.

Somente cinco desses sete textos estão incluídos no índice do livro, onde
eles foram colocados em itálico, quais sejam: Abertura desta coletânea4 (LACAN,
1966/1998, p. 9); De nossos antecedentes (LACAN, 1966/1998, p. 69); Do sujeito
enfim em questão (LACAN, 1960/1998, p. 229); De um desígnio LACAN, 1960/1998,
p. 365); e De um silabário a posteriori (LACAN, 1960/1998, p. 725). Importa destacar
aqui que não estou me referindo aos apêndices, os quais devem ser considerados
separadamente.

Funcionando como pontes conceituais entre e junto com as seções iniciais do


livro, esses textos podem ser considerados parte do cimento que mantém o edifício
coeso e que não compondo uma antologia, o Escritos seria reconhecido, apesar do
formato, como uma monografia, em que um debate e um argumento estão sendo
perseguidos (MILNER, 1996, p. 23).

Uma única pedra angular: O seminário sobre ‘A carta roubada’5 (1955b/1998,


p. 13-66), tomada fora da cronologia rígida. Por vir no começo, recebe assim o
privilégio de figurar na configuração sincrônica do conjunto e, então, de atar o todo
unido. A palavra privilégio aparece na Abertura dessa coletânea (LACAN, 1966/1998,
p. 10) de Lacan para seu Escritos, projetado sobre essa pedra para ser um piso único
de peso teórico considerável. (LACAN, 1966/1998, p. 10).

Pronunciado em 26 de abril de 1955, O Seminário sobre ‘A carta roubada’


(1955b/1998, p. 13-66), apresenta exercícios no campo da abordagem estrutural

4 No fim do texto, outubro de 1966.


5
Pronunciado em 26 de abril de 1955. Escrito (e datado de Guitrancourt - San Casciano) em meados
de maio e meados de agosto de 1956. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol. 2, 1957, p. 1
a 44.
24

sobre a teoria psicanalítica, no romance policial de Edgar Allan Poe (2008), para além
do imaginário, caracterizam a lógica simbólica do inconsciente, dentro da trama
dramática (1955b/1998, p. 13).

A partir desse uso da combinatória, no fim do seminário, Lacan aproxima a


natureza da linguagem à cibernética, sendo essa ocasião a primeiríssima em que ele
se utiliza desse recurso do grafo (1954-55/1995, p. 367), onde a montagem
progressiva das redes faz emergirem algumas propriedades da sobredeterminação;

Figura 1 – Redes da sobredeterminação 1-3 e α, β, γ e δ.


FONTE: Lacan, 1955b/1998, p. 52-62.

Assim, a abertura dos Escritos define o cenário em que, a partir da releitura


da obra de Freud, por meio de uma apropriação dos conceitos, Lacan caracterizou as
condições para uma “nova formalização da formação do psicanalista” (LACAN,
1955b/1998, p. 62). Igualmente, permitindo avanços significativos em sua formulação
(especificamente os conceitos de caput mortuum e de analysis situs), esse escrito
levou a psicanálise ao que Lacan chamou de “uma posição de ensino” (1955b/1998,
p. 46).
25

Nesse mesmo escrito, o Esquema L, da dialética intersubjetiva, foi


apresentado por Lacan como uma primeira forma de demonstração da relação do
sujeito com a ordem simbólica e com o imaginário, chamado de bridge analítico
(1966/1998, p. 919).

Introduzido no segundo seminário, O eu na teoria de Freud e na técnica da


Psicanálise, Lacan (1954-55/1995) investiga os esquemas freudianos do aparelho
psíquico. Tal esquema permitiu que o continuador de Freud definisse, para além do
imaginário, a diferença entre o a’ e o A – o outro especular e imaginário e o grande
Outro simbólico, respectivamente.

Segundo o esquema, o que a análise nos ensina é que o eu é uma forma


absolutamente fundamental para a constituição dos objetos. Em particular, é sob a
forma do outro especular – aqui escrita como a’, que o eu vê aquele que, por razões
estruturais, chamamos de seu semelhante. Ao colocar o sujeito em relação com sua
própria imagem, aqueles com quem fala, são também aqueles com quem se
identifica, caracterizando o eixo imaginário como o eixo das relações narcísicas (a –
a’).

Figura 2 – Esquema L.
FONTE: Lacan (1955b/1998, p. 58).

No outro eixo, (S – A), Lacan aponta que, para além das relações narcísicas
e duais, existe o sujeito do inconsciente (S) que, por sua relação com a estrutura da
linguagem (A), funciona nessa ambiguidade. O esquema evidencia que a relação dual
do eu com sua projeção, a – a’ (indiferentes, sua imagem e a do outro) cria um
obstáculo ao advento do sujeito no lugar de sua determinação significante. A simetria
ou reciprocidade pertencente ao registro imaginário, e a posição de terceiro (A)
implica a do quarto, que recebe, conforme os níveis da análise, o nome do sujeito
26

barrado – $. Essas incidências imaginárias, de acordo com Lacan, longe de


representarem algo de central na experiência da análise, nada fornecem que não seja
inconsistente, a menos que estejam articuladas com a cadeia simbólica que as orienta
(1955b/1998, p. 13).

Assim, naquele momento, o progresso da análise consistia no deslocamento


progressivo dessa relação, que o sujeito pode apreender para além do eixo imaginário
como sendo a transferência, que é dele, mas onde ele não se reconhece. Lacan
aponta, nesse momento, que foi exatamente a partir da confusão entre o registro
imaginário e o simbólico que os descaminhos terapêuticos se seguiram a partir da
morte de Freud (1955b/1998, p. 58). Segundo ele, “[...] é que a análise, por progredir
essencialmente do não-saber, liga-se, na história da ciência, a seu estado anterior, à
sua definição aristotélica, que se chama dialética.” (LACAN, 1955a/1998, p. 363).

A versão a que todos se referem como Escritos é a segunda versão do livro,


a qual Lacan teve a oportunidade de revisar quando a primeira edição se tornou um
best seller e se esgotou rapidamente. A primeira edição incluía somente um apêndice,
o Comentário de Jean Hyppolite sobre a Verneinung de Freud (1966/1998, p. 893) e
o Índice ponderado dos principais conceitos (LACAN, 1998, p. 908), de Jacques-Alain
Miller.

Tal comentário, encontra-se no apêndice dos Escritos, mas é exatamente a


quinta lição do primeiro seminário, Os escritos técnicos de Freud (1953-54/1994). Em
sua Introdução ao comentário de Jean Hyppolite sobre a Verneinung de Freud
(1954a/1998, p. 370-382), bem como o Resposta ao comentário de Jean Hyppolite
sobre a Verneinung de Freud6 (1954b/1998, p. 383-401) – temos exemplos evidentes
de lições sobre a técnica freudiana – método que caracterizou todo o período desde
o início de seu ensino até a publicação dos Escritos, em 1966. Nesse caso, discutido
a partir das referências contemporâneas a Lacan, o texto A negação (FREUD,
1925/2011. p. 275-282) orientou as primeiras intervenções dele sobre a questão da
resistência e das defesas.

De fato, dando início ao seu primeiro seminário na Sociedade Francesa de


Psicanálise, Os escritos técnicos de Freud (1953-54/1994), Lacan indicou que o

6
Seminário de técnica freudiana de 10 de fevereiro de 1954, realizado na clínica da Faculdade do
Hospital Sainte-Anne e dedicado, durante o ano de 1953-54, aos Escritos Técnicos de Freud.
Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol. 1, 1956, p. 17 a 28 e 41 a 49.
27

pensamento de Freud sempre foi aberto à revisão: seria um erro reduzi-lo a palavras
gastas, já que cada uma das noções da Psicanálise possuía vida própria. Assim era
porque, ao longo de toda sua vida, Freud transformou os conceitos com base na
experiência clínica.

Portanto, para além de conceitos tomados em definições formais, tratados


como receitas, Lacan buscou tornar acessíveis os recursos da fala e da linguagem –
onde ocorre a experiência mesma do inconsciente. Nesse momento, Lacan salientou
também que até os conceitos criados por Freud surgiram no contexto e na linguagem
da época dele, o que deveria ser considerado (1953-54/1994, p. 10). Isso significa
que tais noções podem ser tomadas como flexíveis, atualizáveis e dinâmicas, ao
longo do tempo.

Aproveito aqui para mencionar um impasse frequentemente encontrado ao


longo da pesquisa no que se refere ao estudo dos Escritos: esse compêndio que
agrupa diversas participações de Lacan, em distintos lugares e momentos, é
frequentemente referido nas bibliografias e textos acadêmicos de forma incompleta.

A obra foi publicada em 1966 e contempla escritos datados desde 1936, em


momentos até mesmo anteriores ao início oficial de seu ensino. Prescindindo das
condições históricas de cada escrito, por exemplo, decorrem também interpretações
do texto isolado e de modo restrito. Tal recurso pressupõe tomar essa publicação, de
tamanha complexidade, como algo compacto, desconsiderando as especificidades
de cada escrito e os movimentos do ensino lacaniano.

Assim é que o Índice ponderado dos principais conceitos (LACAN,


1966/1998) supracitado é proposto por Lacan como uma chave, como oportunidade
aos que seguem o ensino para “[...] avaliar o excesso de um texto do qual eles sabem
qual é a experiência” e, aos que se abstém de fazê-lo, “[...] ter o que fazer com ele na
sua.” (LACAN, 1966/1998, p. 908).

Em sua apresentação, Jacques Alain Miller esclarece em tópicos que, nesse


índice, serão encontrados os principais conceitos, referidos às ocorrências que
fornecem suas definições essenciais, funções e propriedades principais, procedendo
de modo geral por retroação, a partir do estado mais recente da teoria. Conceitos que,
no tocante à teoria do sujeito, têm como efeito pontuar a especificidade da experiência
analítica (em sua definição lacaniana: emprego da realidade do inconsciente,
introdução do sujeito na linguagem de seu desejo).
28

Há um segundo apêndice, denominado A metáfora do sujeito (LACAN,


1960/1998, p. 903) – intervenção proferida em 23 de junho de 1960, quando Lacan
aponta a metáfora como uma das duas vertentes fundamentais do jogo inconsciente,
definindo-a radicalmente como o efeito da substituição de um significante por outro
numa cadeia e, como tais, redutíveis a uma oposição fonemática, para esclarecer a
fórmula fornecida no artigo intitulado A instância da letra no inconsciente ou A razão
desde Freud7 (LACAN, 1957b/1998, p. 496-533).

Não por acaso, a metáfora utilizada é “an ocean of false learning”, de autoria
de Berkeley e Lacan, ao contrário de Perelman, demonstra que não se trata de
analogia porque "Learning, ensino, na verdade, não é ciência, o que confirma que
esse termo [ensino] tem tão pouco a ver com o oceano quanto a mosca com a sopa.”
(LACAN, 1966/1998, p. 905).

Procurando criticar o enlace proposto entre a metáfora e a analogia, mais


além de promover a metáfora como ferramenta de argumentação, ao incluí-la na
listagem dos instrumentos retóricos, faz dela um agente de transformações.

Para demonstrar isso, Lacan escreve a metáfora como um algoritmo, o


resultado é uma desmontagem surrealista da analogia e a anulação do papel
esclarecedor dos termos. Lacan susta o significado impondo o x do enigma, depois
de ter recomposto o enunciado em estratos. Essa representação gráfica, escrita
algorítmica, não apenas mostra como realiza a tese de Lacan sobre a leitura como
operação.

Figura 3 – Fórmula da metáfora (a)


FONTE: Lacan (1966/1998, p. 904).

Para sua tese de leitura do inconsciente, se faz necessário que a significação


metafórica seja posterior à operação de combinar as palavras, a partir da substituição
dos significantes. Seu intuito é mostrar o modo do inconsciente trabalhar nos hiatos

7Pronunciado em 9 de maio de 1957, no anfiteatro Descartes, na Sorbonne, a pedido do Grupo de


Filosofia da Federação dos Estudantes de Letras. Redação datada de 14-16 de maio de 1957.
Publicado no volume 3 de La Psychanalyse (sobre o tema "Psicanálise e ciências humanas"), Paris,
PUF, 1957, p. 47 a 81.
29

da retórica, buscando não confundir a significação metafórica com a ilustração da


analogia.

Nesse caso, para além da analogia, no ponto de interrogação da segunda


parte da fórmula (s”), surge, portanto, “[...] uma nova espécie de significação: a de
uma falsidade que a contestação não capta, insondável.” (LACAN, 1966/1998, p.
905). Isto é, a metáfora em sua radicalidade, se origina na dimensão da injúria e da
agressividade do eu, em suas defesas, “[...] por mostrar não somente o recalque do
que há de mais desagradável no termo metaforizado, mas também, para dele fazer
surgir um sentido de paz que ele de modo algum implica no real.” (LACAN, 1966/1998,
p. 906).

Esses escritos denotam claramente a possibilidade de articulação entre uma


publicação, um escrito, o uso do recurso algébrico sobre um fundamento da
Psicanálise e, especialmente, a elaboração feita em momentos distintos na história,
do que Lacan situa e desenvolve sobre o ensino dedicado a retomar os textos
freudianos. Além da ocasião da publicação dos Escritos, em 1966, quando A metáfora
do sujeito já havia sido proferida em 1960, Lacan trabalhava ainda ali uma conferência
proferida três anos antes, A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud
(LACAN, 1957b/1998, p. 496-533).

Nesse, Lacan avançou sobre os efeitos do fundamento linguístico no campo


da Psicanálise. Nessa ocasião, Lacan buscava articular a fala e a escrita, visando
sustentar a propriedade de suas lições. Já de início, indicou que, sem que se distancie
demais da fala, a instância da letra no inconsciente e suas consequências sobre o
conceito de razão desde Freud, assumiram um caráter essencial para o efeito de
formação que lhe interessava (1957b/1998, p. 497).

Com isso, a referência à experiência da comunidade, portanto, adquire sua


dimensão essencial na tradição instaurada e funda as estruturas elementares da
cultura, revelando uma ordenação das trocas que, embora inconsciente, é
inconcebível fora das permutações autorizadas pela linguagem. Assim, Lacan afirmou
que a dualidade etnográfica da natureza e da cultura pôde vir ser substituída por uma
concepção ternária – natureza, sociedade e cultura – da condição humana.

Para além da fala, Lacan reavaliava a ideia segundo a qual o inconsciente é


apenas a sede dos instintos e designa por letra, portanto, o suporte material que o
discurso concreto toma emprestado da linguagem.
30

Segundo ele, existem duas espécies de associações: primeiramente a


associação metafórica – a condensação descrita por Freud, em que uma palavra
responde por outra que a pode substituir; em segundo lugar, a associação metonímica
– ou deslocamento para Freud, em que uma palavra responde dando lugar à palavra
seguinte que pode vir numa frase.

Figura 4 – Fórmula da Metáfora (b).


FONTE: Lacan (1957b/1998, p. 519).

Uma palavra por outra, eis a fórmula da metáfora. Sua centelha


criadora brota entre dois significantes dos quais um substitui o outro,
assumindo seu lugar, enquanto o significante oculto permanece
presente em sua conexão metonímica com o resto da cadeia. A
metáfora se coloca no ponto exato em que o sentido se produz no
não-senso, na passagem sobre a qual dá lugar à palavra que não tem
outro patrocínio senão o significante da espirituosidade.
(LACAN, 1957b/1998, p. 519).

Figura 5 - Fórmula da Metonímia.


FONTE: Lacan (1957b/1998, p. 519).
No caso da metonímia, o que essa estrutura da cadeia revela é a
possibilidade que tenho, na medida em que compartilho uma língua
com outros sujeitos, de me servir dela para expressar algo
completamente diferente do que ela diz, a saber, a diacronia indica o
lugar desse sujeito na busca da verdade, para além de permitir o
contorno ao longo dos obstáculos da censura social.
(LACAN, 1957b/1998, p. 519).

Assim, o inconsciente não é o primordial nem o instintivo e, de elementar,


conhece apenas o significante, até aquele momento. No sentido da formalização, o
que interessava a Lacan partia do status de objeto científico da linguagem oriundo da
disciplina da linguística e de seu algoritmo fundamental, que determina que nenhuma
significação se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação.
31

Figura 6 – Algoritmo fundamental.


FONTE: Lacan (1957b/1998, p. 518).

Para ele, essas considerações favorecem o abandono da ilusão de que o


significante atende à função de representar o significado, bem como permitiram que
conceitos – tais como o de transferência, sintoma e desejo, por exemplo – fossem
formalizados de maneira apropriada.

O signo assim redigido merece ser atribuído a Ferdinand de Saussure,


embora não se reduza estritamente a essa forma em nenhum dos
numerosos esquemas em que aparece na impressão das diversas
aulas dos três cursos, dos anos de 1906/07, 1908/09 e 1910/11, que
a devoção de um grupo de seus discípulos reuniu sob o título de Curso
de Linguística Geral: publicação primordial para transmitir um ensino
digno desse nome, isto é, que só pode ser detido em seu próprio
movimento (LACAN, 1957b/1998, p. 500).

A segunda edição do Escritos, ainda conta com um Quadro comentado das


representações gráficas (LACAN, 1998, p. 917), onde Miller justamente adverte para
o fato de que cabe ao simbolismo impedir a captura imaginária, uma vez que a
percepção ofusca a estrutura.

Aprender as regras de transformação da geometria intuitiva em topologia do


sujeito é orientação imprescindível, uma vez que a função didática das construções
apresentadas está subordinada à inadequação de princípio da representação gráfica
a seu objeto (com exceção das redes de sobredeterminação utilizadas no artigo
Seminário sobre ‘A Carta Roubada’, que funcionam na ordem do significante),
mantendo justamente uma relação de analogia. Ao contrário, acontece na topologia,
onde não há ocultação do simbólico, tratando-se de uma escrita algébrica, onde se
esquematizam as relações da lógica do sujeito.

Seguem-se os Termos de Freud em alemão (LACAN, 1998, p. 923); o Índice


dos nomes citados (LACAN, 1998, p. 926); as Referências bibliográficas em ordem
cronológica (LACAN, 1998, p. 903); e a Nota à edição brasileira (LACAN, 1998, p.
32

935), em sua edição em português. Essa nota indica que o estilo de Lacan traz
dificuldades especiais à tradução, não só no sentido da compreensão, convocando o
leitor à decifração, mas também, por seu uso particular da língua francesa e suas
referências na cultura. Ali são apresentados os impasses e as soluções encontradas,
bem como se segue um glossário de termos, cuja tradução foi adotada na versão
brasileira.

Decorrente da publicação dos Escritos, Lacan retomou elaborações


anteriores que culminaram numa reorientação de seus interesses em consequência
dos efeitos. Em relação a seu título, por exemplo, o livro abriu um horizonte
completamente novo, se estendendo do significante à letra, da linguística à topologia
e à teoria dos nós, da fala à escrita, da transmissão oral à formalização matemática,
e do logocentrismo à gramatologia e à álgebra.

A teoria e a transmissão (de saber) de Lacan, a partir de então, está implicada


diretamente, em torno da conceitualização da letra como uma figuração do objeto a,
o elusivo objeto causa do desejo, o qual é simultaneamente o objeto da angústia e o
objeto do (mais de) gozo, ao qual o próprio Lacan designou como sua única
contribuição original à Psicanálise.

A teoria da escrita como objeto causa do desejo de Lacan também informou


suas reflexões sobre a transmissão da Psicanálise pós-Escritos, durante os últimos
quinze anos de sua carreira. Basicamente, durante esses anos, Lacan ficou cada vez
mais preocupado com a transmissão de seu próprio trabalho, a qual, nesse caso, não
pode ser dissociada da questão da formação psicanalítica.

Sem dúvida, o Escritos lida consistentemente com escritos (no plural),


aqueles de Freud, mais do que qualquer outro, mas também, os de Edgar Allan Poe,
Henry Ey, Ernest Jones, André Gide, Immanuel Kant, Sade e inumeráveis outros. Por
outro lado, a partida progressiva de Lacan desde a fala e a linguagem, como os
veículos de transmissão de conhecimento preferidos, em direção aos horizontes
matemático e topológico de um novo tipo de formalização, coloca a escrita e o escrito
no palco central.

Assim, no passo de seu título, o Escritos não continha nem sintetizava uma
teoria psicanalítica da escrita que Lacan havia desenvolvido com os anos, mas esse
mesmo título reforçou sua atenção. A partir dessa atenção, ele inaugurou reflexões
33

extensivas sobre o estatuto da letra, as quais, nesse caso, representam um caráter


de escrita e um texto escrito, mais do que uma carta.

Em 2001, no centenário de Lacan, Miller apresenta, em seu Prólogo


(2001/2003, p. 11), o sentido da publicação do Outros Escritos (LACAN, 2001/2003),
afirmando que a acolhida de seus Seminários atesta que, vinte anos após sua morte,
não há quem tenha superado Lacan como sujeito suposto saber. Acima de tudo, Miller
diz que não haveria ortodoxia lacaniana, já que “[...] o efeito que se propaga não é de
comunicação da fala, mas de deslocamento do discurso” (LACAN, 2001/2003, p. 11).

Vale acrescentar que Lituraterra8 (LACAN, 1971a/2003, p. 15), segundo


Miller, pareceu predestinado a ocupar o lugar concedido nos Escritos ao O seminário
sobre ‘A carta roubada’ (1955b/1998, p. 13). Esse artigo subverte radicalmente o que
tinha sido apresentado no momento anterior, uma vez que Lacan força a dimensão
fonemática da língua, sobretudo com a proposição da instância da letra como razão
do inconsciente, mais além de partir do significante, e propõe o conceito de
lalangue/lalíngua (em português).

Para Lacan, o que escrevera, com a ajuda das letras, sobre as formações do
inconsciente, para recuperá-las de como Freud as formulara, por serem o que são,
efeitos de significante, não autoriza a fazer da letra um significante, nem a lhe atribuir
primazia em relação a ele. Pelo contrário, como ponto crucial, é sobre tomar a letra
como consequência decaída da linguagem habitada pela fala, numa economia.

Lacan resumia em uma frase a lição dos Escritos: "o inconsciente


decorre do puro lógico, em outros termos, do significante." Os Outros
Escritos ensinam que o gozo também decorre do significante, mas em
sua junção com o vivo; que ele se produz a partir de "manipulações"
não genéticas, mas linguageiras, afetando o vivo que fala, aquele que
a língua traumatiza. (Jacques-Alain Miller, na contracapa de Outros
Escritos - LACAN, 2003).

Ao tomar o equívoco joyceano entre letter e litter, de letra/carta para lixo, se


pergunta se é nisso que a Psicanálise atesta a convergência entre a cultura e o
esgoto, como acomodação de restos – “[...] é um caso de colocar no escrito o que
primeiro seria canto, mito falado ou procissão dramática” (LACAN, 1971/2003, p. 16).

8Escrito para o número dedicado ao tema "Literatura e psicanálise", da revista Littérature, Larousse,
nº 3, out. 1971, p. 3-10.
34

Para tanto, Lacan vai às línguas orientais, especialmente à caligrafia chinesa,


para definir conceitos freudianos, tal como o de traço unário. Pelo efeito que a
escritura é, no real, em seus efeitos de língua, o que dele se forja por quem fala,
remonta à função da nomeação, como sucede com os efeitos entre as coisas que a
bateria significante denomina, por havê-las enumerado – algo de contável no
inconsciente, isto é, o gozo.

Novo paradigma, portanto, que toma a letra como suporte material do


significante, deslocando a função da fala e o próprio inconsciente como elucubração
fictícia de saber sobre o real da língua e o aparelho psíquico como um aparelho de
gozo.

A publicação contempla os grandes escritos publicados depois do último texto


dos Escritos, em dezembro de 1965, e sua Abertura, de outubro de 1966. Acrescidos
de um Prólogo, redigido por Jacques Alain Miller (LACAN, 2001/2003, p. 11); Anexos
(LACAN, 2001/2003, p. 570); Índice dos nomes citados (LACAN, 2001/2003, p. 591);
Referências bibliográficas em ordem cronológica (LACAN, 2001/2003, p. 595); e um
Inventário de notas (LACAN, 2001/2003, p. 602).

Miller conta ainda no prólogo que, anos depois, Lacan já não via no escrito
nada além de um dejeto e propõe que o objeto a, portanto, seria o alfa dos Outros
Escritos, mas não seu ômega.

Lacan fundou uma Escola e, antes de morrer, a dissolveu, sustentando uma


posição de ex-sistência, tal como supunha que seus Escritos, protegidos por seu
“poder de ileitura”, como hieróglifos no deserto, ex-sitiriam a própria Psicanálise, ao
afirmar que eles carregam a potência de serem sempre retomados.

Lacan, em sua entrevista intitulada O Triunfo da Religião9 (1974/2005, p. 57),


retrata mais diretamente esse impasse, dizendo que aquilo que uma análise ensina
não se adquire por nenhuma outra via, nem pelo ensino, nem por nenhum outro
exercício espiritual. Porém, por mais que seja particular para cada um, não haveria

9 Provém de uma "entrevista coletiva", realizada em Roma em 29 de outubro de 1974, no Centro


Cultural Francês, por ocasião de um congresso [onde pronunciou A Terceira]. Lacan foi interrogado
por jornalistas italianos. Tanto o título como o subtítulo são de J.-A. Miller. Uma primeira versão foi
publicada no boletim interno da Escola da Causa Freudiana, Les Lettres de l'École, nº 16, 1975, p. 6-
26.
35

meio de ensiná-lo, de transmitir ao menos seus princípios e algumas de suas


consequências? Lacan colocou-se a pergunta, respondendo-a em mais de um estilo.

Na ocasião, tendo sido perguntado sobre o motivo pelo qual disse que o
psicanalista estaria numa posição insustentável, define que uma posição
insustentável é justamente aquilo em direção ao qual todo mundo se lança: ‘analisar’,
‘governar’, Freud acrescenta ainda ‘educar’ – apontada por Lacan como uma posição
inclusive reputada como vantajosa, para a qual não apenas faltam candidatos, como
não faltam pessoas que são autorizadas a educar, “o que não quer dizer que tenham
a mínima ideia do que seja educar” (LACAN, 1974/2005, p. 58). Para o autor, mesmo
sem perceber muito bem o que querem fazer quando educam, os candidatos tentam
assim mesmo ter uma ideia, mas que raramente refletem sobre ela e, finalmente,
quando o fazem são acometidos pela angústia.

Nessa entrevista, Lacan conta que se interessou por um excelente livro que
tem relação com a educação, uma antologia dirigida por Jean Château, Os Grandes
Pedagogistas (1978) e, ao lê-lo, segundo sua crítica, percebe-se o que é o cerne da
educação: certa ideia do que é preciso para fazer homens, como se fosse a educação
que os fizesse (LACAN, 1974/2005, p. 59). Portanto, para ele, os educadores são
pessoas que julgam poder ajudar, considerando inclusive que há um mínimo a ser
dado para que os homens sejam homens.

Finalmente, interrogado por jornalistas italianos sobre a obscuridade do


Escritos em 1974, em seu O Triunfo da Religião, Lacan reiterou:

Eu não os escrevi para que as pessoas compreendessem, eu os


escrevi para que as pessoas lessem. O que não é nem remotamente
a mesma coisa. O que eu notei, no entanto, é que, mesmo se as
pessoas não compreendem meus Écrits, esse último faz coisas a elas.
Eu frequentemente observo isso. As pessoas não entendem nada, o
que é perfeitamente verdade, por um tempo, mas os escritos fazem
algo a elas (1974/2005, p. 57).

Tesauro

É preciso haver lido essa coletânea, e em toda sua extensão, para


perceber que, nela, prossegue um único debate, sempre o mesmo, o
qual, mesmo parecendo marcar época, pode ser visto como o debate
das luzes.
36

Pois há um âmbito, onde a própria aurora tarda: aquele que vai de um


preceito, do qual a psicopatologia não se desvencilha, à falsa
evidência da qual o eu se autoriza a pavonear a existência.
(1998, citação de contracapa dos Escritos).

A primeira ocorrência da palavra “ensino” nos Escritos, Formulações sobre a


causalidade psíquica10 (1946/1998, p. 152-194), apresenta sua crítica à teoria
organicista da loucura: o organodinamismo de Henri Ey. Segundo Lacan, é “[...]
perante um esforço de pensamento e de ensino” (1946/1998, p. 153) que criticou a
doutrina do distúrbio mental, apontada por ele como falha e incompleta.

Indicando um retorno às Meditações Metafísicas de Descartes (2011),


afirmou que o fenômeno da loucura deveria ser entendido como um sonho e o delírio,
como vivido na ordem do sentido. Lacan apontou assim que o alcance metafísico que
tal fenômeno revela não é separável do problema da significação para o ser em geral,
isto é, da linguagem para o homem em sua relação com a verdade (LACAN,
1946/1998, p. 166).

Lacan denunciou o dualismo imputado a Descartes no dualismo de Henri Ey,


bem como caracterizou uma causalidade propriamente psíquica, isto é: a loucura é
um fenômeno de pensamento. E continua “[...] e, se lembro a nosso amigo Henri Ey
que, por nossas sustentações teóricas primeiras, entramos juntos do mesmo lado da
iça, não é por me surpreender por nos encontrarmos tão opostos hoje.” (1946/1998,
p. 152).

Assim, diferentemente do dicionário, cujos termos são relacionados por


sinonímia, o tesauro (do latim, thesaurus, tesouro) aproxima significados distintos
visando ampliar o entendimento do conceito em situações e momentos específicos.
Esse método visa, portanto, tomar as distintas ocorrências do significante ensino para
Lacan, tal como um significante que se repete em sua escrita, cuja leitura estende-se
ao longo de sua obra, na diacronia de sua cadeia.

Portanto, esse trabalho buscou a organização cronológica das citações que


contêm o termo ensino (tesauro), oriundas dos escritos e alinhada com o andamento

10Pronunciado em 28 de setembro de 1946, nas Jornadas Psiquiátricas de Bonneval. Publicado em


Le Problème de psychogène des névroses et des psychoses, de Lucien Bonnafé, Henry Ey, Sven
Follin, Jacques Lacan e Julien Rouart. Paris, Desclée de Brouwer, 1950, p. 123-165.
37

dos seminários (datas, temas abordados e lugares) que serviram como tecido para o
último capítulo da dissertação, num exercício de entrelaçamento de quatro eixos:

• Eixo histórico dos seminários e escritos;


• Ocorrências do significante ensino, conceitos e referências;
• Eixo das representações gráficas, esquemas; e
• Da escola e do passe como horizonte.

Para tanto, organizei em planilha de Excel – vide anexo 1 – o corpus teórico,


em suas datas, locais, instituições, bem como, onde encontrar as referências oficiais
e acrescentei essas informações em nota de rodapé no surgimento de cada escrito
ao longo da dissertação. Uma primeira consequência dessa organização foi o
desvelamento do sentido da continuidade histórico-temática dos seminários, além da
articulação com os eventos e locais relevantes na biografia de Lacan.

Em seguida, desse corpus teórico, extraí as citações em que o significante


ensino ocorreu – vide anexo 2 – o tesauro, somando-se aproximadamente 398
citações ao todo. A apresentação das citações obedece à cronologia aproximada das
aparições desse termo, sempre indicada a paginação dos textos referenciados, bem
como, para cada título, são apresentados os dados históricos e informações oficiais
de publicações anteriores localizadas nas Referências Bibliográficas na ordem
cronológica (Escritos, p. 930; Outros Escritos, p. 595 e nos demais encontrados no
início ou no fim de cada publicação). No caso das ocorrências em Notas de Rodapé,
isto é, acrescentadas na ocasião da publicação dos Escritos ou Outros Escritos, elas
foram identificadas com recuo e preenchimento em cinza, no tesauro anexo.

A partir do Quadro comentado das representações gráficas (LACAN, 1998, p.


917), onde Miller adverte que cabe ao simbolismo impedir a captura imaginária, uma
vez que a percepção ofusca a estrutura, posteriormente, para este trabalho, foram
localizadas algumas representações gráficas, esquemas e fórmulas que iam se
apresentando ao longo do eixo cronológico dos escritos ou seminários, entrelaçando-
se ao texto, no último capítulo da dissertação orientado ao esclarecimento do Ensino
de Lacan.

A ideia de produzir um tesauro provém de exemplos encontrados na biblioteca


da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção São Paulo, tal como o Index référentiel
do psicanalista belga Henry Krutzen (2000), recém-lançado em português
38

(KRUTZEN, 2022). Em 2022, num trabalho hercúleo, a editora reuniu um grupo de 28


tradutores e de 12 revisores que se lançaram na aventura de traduzir para o
português, cotejar e revisar o Índex que traz desde o Seminário 0, O homem dos lobos
(LACAN, 1952-1953, não publicado) até o Seminário XXVII - Lições de 1980 +
Seminário de Caracas, agosto de 1980 (não publicado).

Depois de ter lido uma primeira vez os 27 seminários, conclui que


nunca conseguia me lembrar dos lugares de algumas colocações ou
elaborações feitas por ele. Resolvi, então, em um primeiro momento
– anotar os elementos que me pareciam interessantes e acabei
constituindo o Índex. (KRUTZEN, 2000, p. XII).

Organizado em tabela, Krutzen localizou em cada seminário as ocorrências


de alguns conceitos importantes, por datas e temas. A obra de Jacques Lacan é
densa, por vezes hermética, e certamente o Índex auxilia os interessados a se
lançarem em pesquisas e leituras que contribuirão para maior abrangência e
divulgação de seus trabalhos. Para o caso do termo enseignement, o autor identificou
31 temas e para o termo transmission, 6 temas, de ocorrência mais proeminente a
partir de 1971.

O Bibliô Referências, por sua vez, foi uma iniciativa coordenada pela
psicanalista Mirta Zbrun – membro da Escola Brasileira de Psicanálise – e teve como
propósito oferecer ao leitor ferramentas de estudo, de reflexão e de pensamento na
psicanálise de Orientação Lacaniana, contribuindo desse modo para a atualização da
prática analítica, de seu contexto, de suas condições, de suas coordenadas inéditas
no século XXI. O livro Lacan, Referências do seminário 19… ou pior (1971-72, 2013),
edição bilíngue, é uma ferramenta de trabalho imprescindível para o prosseguimento
da elaboração coletiva que tem como marco o Seminário Internacional da Escola
Brasileira de Psicanálise - haun - Leituras do Seminário 19… ou pior, de Jacques
Lacan, realizado em Buenos Aires em novembro de 2013, com concomitante
publicação em português e espanhol do Seminário 19... ou pior (1971-72/2013). Ali,
se encontra o conjunto de elementos de uma obra escrita, onde se deverão destacar
título, autor, editora, local de publicação e outros dados que permitam ao leitor a
identificação da referida obra.

A investigação das citações evocadas por Lacan ao longo de seu ensino é


uma passagem obrigatória para a leitura de seus Seminários e Escritos. A passagem
39

densa por diversos campos do saber – como a Filosofia, a Matemática, a Lógica e a


Literatura, as artes – compõe um conjunto de referências a serem exploradas que
mobiliza inúmeras ressonâncias das línguas, sem se deixar capturar num sentido
unívoco.

A autora já tinha realizado algo semelhante em 1994, na Seção Rio, da Escola


Brasileira de Psicanálise, em seu O imaginário no ensino de Jacques Lacan:
referências (publicação interna). Desse trabalho, extraíram-se as referências sobre o
conceito de Imaginário em Lacan que se encontravam em continuidade com o tema
do V Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, “A Imagem Rainha – as formas do
imaginário nas estruturas clínicas e na prática psicanalítica”, ocorrido no Rio de
Janeiro de 28 a 30 de abril de 1995. As referências constituíram uma elaboração
inédita, tanto em sua temática quanto em sua forma, por envolver um número
considerável de autores (50 ao todo) e por ter atingido a quase totalidade dos Escritos,
dos Seminários, de outros textos e intervenções de Lacan. Essa pesquisa teve
também o caráter inovador de ter sido realizada no âmbito da constituição da Escola
de Psicanálise, na época, conjugando saber e transmissão.

Além dessas referências, gostaria de apresentar o livro da mesma autora A


formação do analista de Freud a Lacan (ZBRUN, 2014), onde são apresentados
elementos da dissertação de doutorado defendida em 2007, no Programa de Pós-
graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal
do Rio de janeiro, sob a orientação da Profa. Dra. Tânia Coelho dos Santos.

Nesse trabalho, o leitor encontrará os argumentos que sustentam a afirmação


contundente da autora de que “não há psicanalista sem Escola”, percorrendo um
longo período do movimento psicanalítico: os impasses freudianos na constituição de
uma instituição. A experiência da Escola Freudiana de Paris, fundada por Lacan em
1960; a contra-experiência da Escola da Causa Freudiana, também fundada por
Lacan nos anos 1980 e seus desdobramentos na atualidade.

A Escola de Psicanálise

Para Mrech, em seu livro A construção do pesquisador (2019), “[...] selecionar


um método e elaborar um enunciado de um objeto de pesquisa são tarefas laboriosas,
ainda mais no campo da educação.” (p. 10).
40

Assim, partindo do pressuposto de que o objeto da investigação é interpelado


diretamente pela singularidade de cada pesquisador, seu livro conclui que o que dá
legitimidade e pertinência ao discurso do pesquisador em educação provém da
experiência do cotidiano das escolas, em especial, aquelas localizadas em regiões
com públicos desfavorecidos econômica, social e culturalmente, onde os desafios são
maiores” (MRECH, 2019. p. 11).

Essa noção de que um ensino ocorre numa afirmação que não é anônima,
invoca que ele seja localizado numa comunidade epistêmica real e, por isso, se fez
necessária uma retificação no sentido dessa conclusão da autora. Durante todo o
percurso, senti-me endividado para com a Educação, entendendo que, por estar
dentro de um departamento tal, precisava falar sobre o que fazia eu ali. Se não ‘o que
fazia ali?’ ou ‘o que poderia fazer?’.

Particularmente, tive pouca experiência no campo escolar e, desde a


apresentação de meu projeto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, propunha investigar o ensino
da psicanálise na Escola Brasileira de Psicanálise, por meio de entrevistas com
psicanalistas membros que exercem essa função atualmente. No entanto, a
Pandemia do Coronavírus reorientou esse recorte na pesquisa, deixando ainda no
campo do meu desejo que restasse a possibilidade da produção de um documentário
sobre o ensino na EBP. No futuro, quem sabe...

De todo modo, curiosamente, um enigma se apresentava: a cada vez que me


referia à Escola, se impunha a necessidade de esclarecer que falava não da escola
formal, mas da Escola de Psicanálise.

De que escola se trata quando falamos do ensino da Psicanálise, portanto?


De início, se faz necessário distinguir que esta investigação não trata do ensino da
Psicanálise nas escolas, mas das condições indicadas por Freud e Lacan que tornam
possível o ensino e a transmissão da Psicanálise mesma.

Sabemos que Freud criou uma instituição para garantir a difusão de sua
teoria, no entanto Lacan, desde antes do início de seu ensino fazia críticas à técnica,
buscando elaborar as condições em que Freud inventou a Psicanálise. Como no caso
do O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada11 (1945/1998, p. 197-213),

11 Redigido em março de 1945. Publicado em Les Cahiers d'Art: 1940-1945.


41

onde propunha questionar a temporalidade do sujeito como não cronológica, Lacan


tocava num ponto nevrálgico no que se refere à transmissão da Psicanálise, que se
restringia a um tempo pré-determinado – para a sessão e para a análise como um
todo, e que se qualificava como didática quando conduzida por um psicanalista
indicado pela Associação Internacional de Psicanálise como didata.

Por iniciativa do médico Sigmund Freud (1836-1939) e de seus


colaboradores, a Associação Psicanalítica Internacional - IPA foi criada durante o
segundo congresso internacional de Psicanálise, realizado em Nuremberg, na
Alemanha, em março de 1910. A proposta de fundar a IPA surgiu dois anos antes,
durante uma reunião realizada em Salzburgo, na Áustria, em 27 de abril de 1908.

Segundo Leite (2000) ainda, “[...] em 1953, Lacan rompeu com a Sociedade
Psicanalítica de Paris, por motivos ligados à formação do psicanalista: um ponto ao
qual se opunha era a exigência de que os candidatos a analista fossem médicos.”
(2000, p. 24).

Em decorrência dessa ruptura, Lacan, junto com Lagache, formou a


Sociedade Francesa de Psicanálise, grupo que não obteve o reconhecimento da IPA,
uma vez que só seria reconhecido caso Lacan se afastasse (LEITE, 2000, p. 25). Em
1953, na Sociedade Francesa de Psicanálise, Lacan reconheceu o início de seu
ensino oficial com seus seminários orais, apesar de ter participado da Sociedade
Psicanalítica de Paris nos dezessete anos anteriores (LEITE, 2000).

Então, no centenário de nascimento de Freud, 1956, o psicanalista


apresentou seu tema duplo no texto Situação da Psicanálise e formação do analista
em 195612 (1956/1998, p. 461-495). A partir do texto A Psicologia das massas e
análise do eu (FREUD, 1921/1974), Lacan apresentou a lógica que compõe a
identificação coletiva, com base na idealização narcísica. Segundo ele, Freud
enfatizara que essa é a identidade que a idealização narcísica aponta, permitindo
identificar a imagem que desempenha a função de objeto.

Na condição de sociedade ou agrupamento de analistas e já que sua escolha


é cooptativa, a ideia de classe se impõe, permitindo-lhe caracterizar a falha no ensino
que fica evidente na definição lacaniana da Psicanálise como “o tratamento que se

12 A segunda versão foi publicada em Les Études Philosophiques, número especial de outubro-
dezembro de 1956, para a comemoração do centenário do nascimento de Freud. A primeira versão
existe apenas como separata.
42

espera de um psicanalista”. Afinal, fazendo dos termos freudianos não preceitos, mas
conceitos, “como se pode ser psicanalista?” (1956/1998, p. 461).

Entenda-se aqui que afirmar a determinação simbólica do inconsciente como


uma combinatória que se estrutura de acordo com regras de parentesco e proibições
sexuais – como diz Lévi-Strauss, em seu livro Antropologia Estrutural (1958/2008), é
dizer que a experiência do inconsciente é estruturada como uma linguagem – de
acordo com o Curso de Linguística Geral de Saussure (2002). Isso supera,
exatamente, a modelagem imaginária do sujeito por seus desejos infantis, mais ou
menos fixados ou regredidos na relação que mantêm com o objeto erótico, por
exemplo.

Assim, um psicanalista deve assegurar-se nessa evidência de que o homem,


desde antes de seu nascimento e para além da morte, está preso na cadeia simbólica,
à maneira de um peão, no jogo do significante, e isso, desde antes que as regras
desse jogo lhe sejam transmitidas. Do contrário, para se transmitir – não dispondo da
lei do sangue, que implica a geração, nem a lei da adoção, que pressupõe aliança -
resta a via da reprodução imaginária que, por uma modalidade análoga à impressão,
toma a formação como via de identificação ao eu do analista. Para Lacan, isso seria
confundir a ignorância douta com a ignorância crassa (1956/1998, p. 461).

Lacan conta que foi com a vulgarização dos termos psicanalíticos, que o real
problema foi levantado. A partir do momento em que o paciente conhecia as
interpretações, quaisquer metáforas, largamente utilizadas na imaginação da
experiência analítica, passaram a inundar os manuais de modo que as formas do
ritual técnico se valorizavam proporcionalmente à degradação dos objetivos –
introduzindo “[...] no ensino uma exigência inédita: o inarticulado” (LACAN,
1956/1998, p. 465). Se o trabalho inicialmente parecia hercúleo, passa a ser absurdo,
tal como o de Sísifo.

Para Lacan, então, seria necessário impor um rudimento que formasse os


analistas na problemática da linguagem o bastante para separar o simbolismo da
analogia naturalista sobre as pulsões. Esse rudimento é justamente a distinção entre
o significante e o significado, a partir da Linguística de Saussure (1956/1998, p. 470).

Inclusive, para Lacan, está justamente nisso a indicação da “falha no sistema


de triagem dos sujeitos” (1956/1998, p. 485) que, conjugando-se essa com a
insonoridade que opõe à fala, não nos havemos de surpreender com programas
43

impostos à docência de caráter meramente médico. Entretanto, diz ele, foi na


negligência em que um método, apesar de revolucionário, deixou a nosografia
psiquiátrica limitada a alinhavar a sintomatologia clássica que tais programas
representaram apenas uma duplicação do ensino oficial (1956/1998, p. 493).

Igualmente, o sintoma psicanalisável, seja ele normal ou patológico,


distingue-se não apenas do índice diagnóstico, mas de qualquer forma apreensível
de pura expressividade por se sustentar numa estrutura que é idêntica à estrutura da
linguagem. Isso se refere ao fundamento dessa estrutura, ou seja, à duplicidade que
submete a leis distintas os dois registros que nela se atam: do significante e do
significado.

Portanto, também para a formação de um analista são as formações do


inconsciente que se caracterizam como prova suprema. Uma vez que é a busca pela
verdade e a suposição de saber que fundamenta a relação analítica, o desejo de
saber ou de poder pode ser entendido como motor para o candidato e como princípio
de sua formação – tal como um derivado de seu amor neurótico.

Assim, exercendo a técnica da Psicanálise na relação do sujeito com o


significante, o que ela conquistou de conhecimentos só é situável na ordem das
ciências conjecturais (1956/1998, p. 475). É nessa ordem que se edificam as noções
estruturais, permitindo que tal perspectiva de investigação exija uma formação que
reserve à linguagem seu papel substancial.

Em 1964, tendo sido riscado da lista de didatas da Sociedade Francesa de


Psicanálise, Lacan pediu sua demissão e então deu continuidade a seu ensino – a
convite de Fernand Braudel, presidente da seção de Altos Estudos da Escola Normal
Superior. Tal convite foi incitado por Lévi-Strauss, reconhecedor e correspondente do
trabalho de Lacan e, igualmente, Robert Flacelière, diretor da Escola Normal Superior,
dispôs assim uma sala para isso.

Em sua primeira lição do que seria seu décimo primeiro seminário, intitulada
Excomunhão (LACAN, 1964b/2008, p. 9), segue sua investigação, sobretudo, a partir
desse evento: “Em que estou eu autorizado?”, no caso a dar continuação ao seu
ensino.

Uma vez questionada sua qualificação, mas em condições de poder dar


continuidade, Lacan buscou delimitar a base do seu ensino, numa nova etapa.
44

Segundo ele, “é questão de saber o que, da Psicanálise, se pode, se deve esperar, e


o que se deve homologar como freio, senão como impasse.” (1964b/2008, p. 14).

Em seu Ato de fundação13 (1964c/2003, p. 235-247), que fora a princípio


difundido sem título e sob forma mimeografada, em junho de 1964, Lacan propunha
fundar o modo como deveria

[...] Realizar-se um trabalho – que no campo aberto por Freud,


restaure a sega cortante de sua verdade; que reconduza à práxis
original que ele instituiu sob o nome de Psicanálise ao dever que lhe
compete em nosso mundo que, por uma crítica assídua, denuncie os
desvios e concessões que amortecem seu progresso, degradando
seu emprego. (LACAN, 1964c/2003, p. 235).

Dessa fundação como um ato, antes de qualquer coisa, Lacan reforçou sua
particular relação com o ensino. Nesse sentido, propôs que, se necessário, dentre os
impasses de sua posição em tal Escola, seriam incluídos somente aqueles que a
própria indução a que visava como ensino engendrariam o trabalho (1964b/2003, p.
237).

Daí estabeleceu três subseções: a doutrina da Psicanálise pura, a crítica


interna de sua práxis como formação e a supervisão dos psicanalistas em formação.
Assim estabeleceu, de modo preciso, que o ensino da Psicanálise só pode transmitir-
se de um sujeito para outro pelas vias de uma transferência de trabalho na Escola.

A questão da transmissão na Escola é tratada por Lacan como sendo de


extrema importância, já que a prática analítica não pode ser uma experiência inefável.
Isso nos permite enxergar melhor a razão de Lacan ter forjado uma língua especial
para os psicanalistas, uma língua cifrada que os isolava. Não a língua do Outro, mas
a língua do Um. Os psicanalistas precisam estar isolados, separados do discurso do
mestre predominante no exterior de sua Escola. Precisam ser formados numa língua
especial. E à parte. Eles precisam de um enclave. O que Lacan chamou de Escola é
um enclave, tem suas leis próprias, distintas do resto da sociedade, diz Miller em seu
livro Del Édipo a la sexuación (MILLER, 2011, p. 14).

13
O texto, a princípio difundido sem título e sob forma mimeografada, em junho de 1964, foi impresso
pela primeira vez no Annuaire 1965 da Escola Freudiana de Paris, acompanhado pela "Nota adjunta"
e pelo "Preâmbulo". A nota, datada de 1971, e o Preâmbulo foram publicados no Annuaire 1977 da
Escola Freudiana de Paris.
45

Finalmente, Miller, no Prólogo em Guitrancourt (1988), sobre a o ensino da


Psicanálise e formação do psicanalista, diz que, em parte nenhuma do mundo, existe
“Diploma de Psicanálise” e que isso se deve a razões devidas a sua própria essência.
Esse mesmo ensino inspira numerosos grupos psicanalíticos do mundo – entre eles
as Escolas reunidas na Associação Mundial de Psicanálise – e continua orientando o
trabalho que desenvolve o Instituto do Campo Freudiano.

Foram criadas Seções Clínicas e Institutos de formação em Paris, Barcelona,


Madrid, Roma, Bruxelas, Buenos Aires, Córdoba, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo
Horizonte e em outras cidades de Europa e América. Foram criados também
Seminários e Espaços do Campo Freudiano, instâncias de formação permanente que
asseguram, regular e continuamente, um ensino fundamental da Psicanálise, teórico
e clínico, seguindo a orientação lacaniana. Os grupos de investigação e de
intercâmbio científico, de âmbito internacional, têm causas e áreas específicas de
trabalho (toxicomania e alcoolismo, anorexia e bulimia, crianças, violência etc.), cujos
resultados são expostos em jornadas ou encontros, que lhes são próprios, e em uma
ampla rede de publicações. A direção do Instituto está a cargo de Jacques-Alain
Miller.

O imperativo freudiano formula que todo analista deve ser analisado é


radicalizado por Lacan – é o que ele diz com “o fim próprio da análise é a produção
de um analista”.

Desse modo, o ensino, a transmissão em Psicanálise levam a marca


particularizada dessa elaboração de saber sobre o inconsciente, que nenhum
certificado ou diploma é capaz de garantir. No mesmo texto citado acima, Miller (1988)
situa o ensino da Psicanálise no cruzamento entre o público e o privado, a partir do
testemunho do passe e do ensino do matema, colocando de um lado, a
particularidade do sujeito, confinada a um círculo analítico restrito e, de outro, o que
do particular pode ser demonstrado e compartilhado com todos.

Gostaria de acrescentar que minha questão proveio, especialmente, do


interesse orientado para o ensino da Psicanálise, sobretudo, alinhada com meu
percurso de formação continuada como membro associado da CLIPP – Clínica
Lacaniana de Ensino e Pesquisa em Psicanálise,14 desde 2014. A CLIPP é um

14 vide https://clipp.org.br.
46

instituto de orientação lacaniana associado ao Instituto do Campo Freudiano de São


Paulo e da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção São Paulo. Como objetivos, o
instituto oferece o atendimento clínico preferencial à população de baixa renda, a
educação e a formação em Psicanálise, graças à realização de estudos, pesquisas,
cursos e supervisões de trabalho. Suas atividades estão voltadas para a produção de
conhecimento técnico e científico em Psicanálise, saúde e cultura.

É neste espaço de interlocução que o discurso analítico se encontra com o


discurso universitário e onde podemos situar o lugar dos Institutos, como é o caso da
Clínica Lacaniana de Atendimento e Pesquisa em Psicanálise - CLIPP. Nesse espaço
institucional sistemático, gradual, ministrado por profissionais qualificados,
sancionado com certificados e diplomas, temos o que se chama de saber exposto.
No entanto, afirma Miller categoricamente, “não é algo que habilite para o exercício
da Psicanálise” (1988).

De outro lado, no caso do saber suposto, nesse percurso, a responsabilidade


é de cada um, “depende deles”. Pois o tornar-se analista é efeito de um desejo que
advém da análise pessoal, e é um convite à construção de um saber fazer, reflexo do
estudo teórico, da transferência de trabalho, da interlocução e da produção individual,
da supervisão e do convívio com os outros psicanalistas.

Na ocasião do nascimento da Escola Brasileira de Psicanálise, em 5 de março


de 1995, Miller escreve uma carta (MILLER, 1995) endereçada à escola depois de
treze anos de preparação, apontando que, diante do esforço de criar instituições
nacionais independentes ligadas entre si tão somente pelo cuidado com a causa
freudiana, dentro da nova Associação Mundial de Psicanálise, chegava o momento
de concluir a Iniciativa Escola, no caso brasileiro, iniciada em 1981. A Escola
Brasileira de Psicanálise representaria no Brasil portanto o Campo Freudiano e sua
Orientação Lacaniana.

Dentro desse campo, o curso de Jacques Alain Miller intitulado El banquete


de los analistas (2003-04) é representativo na discussão que acontece nesse âmbito,
bem como, o De la naturaleza de los semblantes (1991-92), indica sérias diretrizes
quanto à pesquisa sobre a álgebra lacaniana.
47

Em seu estatuto, adotando os princípios contidos no Ato de fundação, em


1964 de fundação da Escola Francesa de Psicanálise, bem como em sua Proposição
sobre o psicanalista da Escola15 (1967e/2003), a EBP instituiu suas diretrizes.

Desde então, o exercício que vai desde o passe até a formação de cartéis, é
complementada por Jornadas anuais em cada uma de suas seções ao longo do
Brasil, e suas atividades preparatórias, um encontro nacional a cada dois anos,
alternando com o Encontro Latino-americano de Orientação Lacaniana – ENAPOL,
igualmente bienal, sem deixar de acompanhar o Congresso da Associação Mundial
de Psicanálise, a cada quatro anos. Acrescento que o X Congresso, ocorrido em
2016, cujo tema era O Corpo Falante, foi no Rio de Janeiro e mobilizou especialmente
a participação dos membros, aderentes e psicanalistas não-membros em sua
preparação e execução, além da apresentação de produções de psicanalistas
brasileiros dentre diversos outros participantes dos demais países.

Para a seção São Paulo, além de outros dois institutos, a Clínica de


Atendimento e Pesquisa em Psicanálise – CLIPP – instituto do qual sou membro e
estudei pessoalmente o Curso de Psicanálise (concluído no ano de 2014), costuma
ter atividades complementares numa formação continuada para além do curso
teórico, tais como: núcleos de pesquisa, apresentação de pacientes, seminários de
leitura e, especialmente, a seção clínica de ocorrência semanal.

Num nível continental, a Federação Americana de Psicanálise de Orientação


Lacaniana (FAPOL), constituída em 2012 por decisão do Conselho da Associação
Mundial de Psicanálise, visa manter o estreito laço entre as Escolas desse continente
(EOL, Escola da Orientação Lacaniana, na Argentina; NEL, Nova Escola Lacaniana,
com sedes na Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guatemala, Cuba,
México e Chile; e a EBP, Escola Brasileira de Psicanálise). Dentre diversas atuações,
organizou recentemente a iniciativa Rede Universitária Americana, permitindo tomar
contato com o panorama dos colegas membros da Associação Mundial de
Psicanálise que trabalham nas Universidades em toda a América Latina e começar a
fazer uma interlocução com órgãos de pesquisa e instituições educacionais. Nesse
âmbito, surgiu a Cithère? Revista da Rede Universitária Americana, escrita por
psicanalistas dessas Escolas.

15Extraído de Scilicet, nº 1, Paris, Seuil, 1968. E sua primeira versão, extraído de Analytica, n. 8,
Paris: Lyse, abril de 1978.
48

Além dessa rede, criou-se dentro da FAPOL a Iniciativa Universitária de


Formação e Investigação, dirigida àqueles docentes universitários que não sendo
membros de nenhuma das três Escolas (EOL, NEL, EBP) têm dado mostras de seu
interesse pela psicanálise de Orientação Lacaniana.

Certamente, pesquisa é um termo caro à Universidade, já que sua prática


recebe aí uma definição bastante precisa de seus parâmetros, tendo assim delimitado
um campo próprio de eficácia e de ação. Hoje em dia, a prática da pesquisa encontra-
se demarcada em seus meios e direcionada em seus objetivos. Tem em seus
produtos e no volume de suas publicações, o referencial de avaliação e validação
científicas que lhe conferem lugar de destaque na produção do conhecimento atual.

Gostaria, portanto, de apresentar três livros encontrados, a partir da pesquisa


bibliográfica complementar a este trabalho, que localizaram algumas publicações que
articulam Psicanálise, pesquisa e universidade, sobretudo, a partir de autores que são
membros da Escola Brasileira de Psicanálise e que atuam em universidades no Brasil.

1. Indicando a produção científica encontrada no que se refere ao ensino, a


Profa. Doutora Heloísa Caldas, do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise
(PGPSA), do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) que comporta os Cursos de Mestrado e Doutorado em Psicanálise (pós-
graduação strictu sensu), organizou o livro Psicanálise, Universidade e Sociedade
(CALDAS & DALTOÉ, 2011), visando à produção de um saber inédito, mais além da
universidade, tal como na origem da Psicanálise.

Nessa edição, encontra-se seu texto Psicanálise, saber e transmissão do


objeto a (CALDAS, 2011, p. 57), bem como de outros dois autores, psicanalistas da
Escola Brasileira de Psicanálise: Formação do analista e universidade: Algumas
dissimetrias (LIMA, 2011, p. 125), de Marcia Mello de Lima (professora adjunta da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro – UERJ; e Psicanálise e políticas públicas de pós-graduação (BASTOS,
2011, p. 199), de Angélica Bastos (professora no Programa de Pós-Graduação em
Teoria Psicanalítica – PPGTP do Instituto de Psicologia da UFRJ).

2. Outro exemplo é a iniciativa do Programa de Pós-graduação em Teoria


Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que gerou o livro De
que real se trata na clínica psicanalítica (MARRELLO; SANTIAGO; COELHO DOS
SANTOS, 2012). As três linhas de pesquisa do programa são: fundamentos históricos
49

e metodológicos da Psicanálise, teoria clínica psicanalítica e Psicanálise e sociedade.


O tema do real da Psicanálise é da maior relevância para o ensino e transmissão da
Psicanálise na universidade e nas instituições psicanalíticas.

Miller dá o pontapé inicial, com seu artigo A psicanálise, seu lugar entre as
ciências (MILLER, 2009, pg.13), junto com ele a Profa. Doutora Leny Magalhães
Mrech, orientadora deste trabalho, fala sobre A cientifização da educação: novas
encarnações do discurso científico? (MRECH, 2012, p. 155), ambos trabalhados
nesta dissertação, no capítulo 3 e 1, respectivamente.

Tânia Coelho dos Santos se pergunta: Existe uma nova doutrina da ciência
na Psicanálise de orientação lacaniana? (MARRELLO; SANTIAGO; COELHO DOS
SANTOS, 2012, p. 35) e a Profa. Dra Ana Lydia Santiago discorre sobre O saber da
ciência na educação, o sujeito da psicanálise e a pesquisa - intervenções sobre casos
de fracasso escolar (SANTIAGO; SANTIAGO, 2012, p. 319).

Márcia Maria Rosa Vieira, levanta a questão Psicanálise: uma ciência das
intimidades? (VIEIRA, 2012, p. 231) e Antônio Márcio Ribeiro Teixeira escreve sobre
A prudência do psicanalista (TEIXEIRA, 2012, p. 65). Esses últimos, também são
psicanalistas membros da Escola Brasileira de Psicanálise e atuam também na
orientação de pesquisas de pós-graduação no programa Teoria Psicanalítica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Psicologia da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), respectivamente.

3. A Profa. Tania Coelho dos Santos, que realizou seu pós-doutorado no


Departamento de Psicanálise Paris VIII, é Professora Associada do Programa de Pós-
Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), igualmente membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação
Mundial de Psicanálise. Em seu Inovações no ensino e na pesquisa em Psicanálise
aplicada (COELHO DOS SANTOS, 2009), também apresenta artigos de psicanalistas
e pesquisadores em Psicanálise Pura e Aplicada.

Em especial, dessa mesma publicação, gostaria de mencionar mais um texto


da orientadora deste trabalho no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, Profa. Doutora Leny Magalhães Mrech, O
futuro de uma ilusão, impasses da sociedade contemporânea (MRECH, 2009, p. 57).
50

Dentre outros textos, o do Prof. Doutor Jésus Santiago, homônimo ao título


do livro (SANTIAGO, 2009, p. 7), apresenta a proposta de grupo de trabalho na
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) para
2007/2009,

Jésus Santiago é doutor em Psicopatologia e Psicanálise pela Université de


Paris VIII e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, na Faculdade, no
Programa de Pós-graduação em Psicologia em Estudos Psicanalíticos que aborda a
gênese e história dos conceitos psicanalíticos, considerando as dissidências e
ramificações do movimento psicanalítico e investiga o emprego do método
psicanalítico em diversas condições institucionais e culturais.

Escrito a quatro mãos, Jésus Santiago e Ana Lydia Santiago, essa publicação
apresentam outro texto, justamente voltado para a Educação, intitulado Psicanálise
aplicada ao campo da Educação: Intervenção na desinserção social na escola
(SANTIAGO, A. L.; SANTIAGO, J., 2009, p. 66).

Em especial, a Profa. Dra. Ana Lydia Santiago é Professora Titular da


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da linha de pesquisa “Psicologia,
Psicanálise e Educação” na Faculdade de Educação, cujas pesquisas se orientam
pela subjetividade nos vínculos educativos e a Psicanálise aplicada aos problemas
da Educação; os temas do sucesso, fracasso e inclusão escolar e socioeducativa;
relações entre linguagem, cultura e cognição na sala de aula; representações sociais
nas práticas educativas escolares e não-escolares; e a história da Psicologia na
interface com a Educação.

Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e


Inclusão Social da Faculdade de Educação/UFMG, Ana Lydia Santiago é
coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação
(NIPSE), que desenvolve pesquisa/intervenção de orientação psicanalítica. Em
cooperação com a Secretaria de Educação e de Saúde de Belo Horizonte e projetos
de internacionalização, atua em instituições de educação por meio das metodologias
de pesquisa/intervenção de Psicanálise aplicada.

Ana Lydia Santiago é também analista membro da Escola Brasileira de


Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. Exerce atividades de ensino e
transmissão na EBP-MG e no Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas
Gerais. Em junho de 2011, foi nomeada A. E. (Analista de Escola) pela Associação
51

Mundial de Psicanálise. Essa dimensão do ensino revela a importância da intersecção


entre a UFMG e a Seção Minas Gerais da Escola Brasileira de Psicanálise, em sua
proximidade com a Associação Mundial de Psicanálise.

O livro A inibição Intelectual na Psicanálise (SANTIAGO, 2005), é oriundo de


sua tese de Doutoramento realizada no Departamento de Psicanálise da
Universidade de Paris VIII, na França, e orientada por Pierre Bruno. Em sua
apresentação, feita pelo Professor Leandro de Lajonquière – desse mesmo programa
desta pesquisa, a Faculdade de Educação da USP – sua tese é apontada como uma
raridade acadêmica (2005, p. 19). Segundo Lajonquiére, duas espécies de convicção
intelectual inauguram a investigação de Ana Lydia Santiago em torno da clássica
debilidade mental. Por um lado, a de que a singularidade da Psicanálise consiste em
sua instituição como ciência do particular e, por outro, a de que a aplicação das
ciências psi à educação implica a produção da segregação escolar.

Esse é um exemplo muito singular, mas que denota claramente a constante


articulação entre a pesquisa na Universidade e a transmissão da Psicanálise, seja no
debate acadêmico interinstitucional, seja na demonstração de sua subversão a partir
de uma prática aplicada da Psicanálise ou ainda na experiência da Escola Brasileira
de Psicanálise.

Segundo a nota da autora, o leitor reconhecerá a intenção de incluir a


dimensão pulsional nas formas de inibição, tendo-se em vista pensar as diversas
manifestações do sintoma de fracasso na atividade escolar e no trabalho intelectual
(SANTIAGO, 2005, p. 22). Ela conta que, desde o início de seu exercício profissional,
se defrontou com a demanda escolar de tratamento analítico para crianças com
dificuldade de aprendizagem e de adaptação. O diagnóstico dessas e as propostas
de intervenção terapêutica vincularam seu interesse clínico ao campo da Educação,
destacando o problema do fracasso escolar como algo que necessitava ser não
apenas diagnosticado, mas também tratado, levando-se em conta a subjetividade do
aluno. Finalmente, a autora aponta que a Orientação Lacaniana lhe serviu de “guia
para não deixar de considerar a criança como um sujeito, ou seja, um analisante com
plenos direitos” (2005, p. 22).

Finalmente, quando o Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica


da UFRJ desenvolveu o projeto de lançar uma revista que lhe fosse vinculada. Seu
objetivo foi o de atender a uma demanda da comunidade científica da área, que
52

usualmente só dispunha de veículos limitados a abordagens específicas, tanto para


publicar quanto para ler. A revista “Ágora16 – Estudos em teoria psicanalítica” passou
a ocupar um lugar de destaque na divulgação do saber, situando-se para além dos
confrontos institucionais e distanciando-se de quaisquer especificidades identitárias
das sociedades de formação da área da Psicanálise. Sua proposta foi pioneira na
área, configurando-se como um fórum de discussão de pesquisas sobre os temas e
problemas mais relevantes da Psicanálise contemporânea, pretendendo com isso,
colocar o leitor em contato com a produção de ponta nessa área.

No mesmo sentido, a Revista Estudos Lacanianos17 é uma publicação


semestral do Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Laboratório de
Psicanálise da Universidade Federal de Minas Gerais. Publica textos (artigos,
ensaios, resenhas, entrevistas, conferências e traduções) dedicados ao pensamento
de Jacques Lacan e suas interlocuções, sejam essas de natureza clínica, científica,
filosófica ou artística. O objetivo da publicação é divulgar trabalhos de pesquisadores
brasileiros e estrangeiros na área de Psicanálise lacaniana, fomentando o diálogo
entre todos e propiciando ao leitor um contato com produções teóricas de alto nível.

Sem prescindir de cuidado e reflexão, devido às suas especificidades, o saber


psicanalítico não veste bem a roupagem da ciência moderna, tornando assim um
absurdo pensar que a universidade pudesse, isoladamente, formar analistas.

Inegável é, porém, que a universidade, onde muitos dos psicanalistas


membros da EBP/AMP, tem inserções absolutamente significativas, oferece um
campo fértil de trabalho institucional, extensivo ao seu ensino, assim como viabiliza a
publicação de seus avanços. A pesquisa é justamente uma de suas funções mais
importantes, no que toca à renovação, estabelecendo entre Psicanálise e
universidade uma articulação profícua.

É nesse âmbito que gostaria de saudar aqui minha amiga e orientadora a


Profa. Dra. Leny Magalhães Mrech, que atua na Faculdade de Educação desde 1983
e, antes disso, desde 1976 na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e se dedica à
transmissão da teoria lacaniana na pós-graduação, dentro do contexto da Escola
Brasileira de Psicanálise e coordena o Núcleo de Pesquisa de Psicanálise e
Educação da CLIPP - NUPPE, iniciado na Faculdade de Educação da USP em 1997.

16 vide https://www.scielo.br/j/agora.
17 vide http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_serial&pid=1983-0769.
53

Atendendo a uma demanda de professores da área de Pós-Graduação de Psicanálise


e Educação, de alunos da graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação
da USP e do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, através do qual
foram produzidas inúmeras dissertações de mestrado, teses de doutorado e pós-
doutorado, sem falar em pesquisas sobre Psicanálise e Educação.

Além disso, Leny participa do LEPSI – Laboratório de Estudos e Pesquisas


Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância IP/FE-USP. O laboratório inter-
unidades, fundado em 1998 pela iniciativa dos professores Maria Cristina Machado
Kupfer, do Instituto de Psicologia da USP, e Leandro de Lajonquière, da Faculdade
de Educação da USP, tem a finalidade de congregar e desenvolver iniciativas nos
domínios universitários do ensino, da pesquisa e da extensão, em torno de temáticas
relativas à educação familiar e escolar, bem como à educação terapêutica na infância,
formação de professores, graças a uma reflexão interdisciplinar que tem a Psicanálise
como eixo. É nesse contexto que se insere o Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da USP, sob a área de concentração Linguagem, Educação
e Psicologia.

Desde 1995, Elisabete Mokrejs, trabalhava com a entrada de Freud na


FEUSP, para a graduação e, desde então, muitos outros professores seguiram seu
esforço. Por exemplo, o Prof. Dr. Leandro de Lajonquière, atua na Paris VIII e na
FEUSP, concomitantemente e o Prof. Dr. Rinaldo Voltolini, que foi supervisor do meu
estágio de docência no Programa de Aperfeiçoamento do Ensino – PAE. O grupo
dispõe da Revista Estilos da Clínica, do Laboratório de Estudos e Pesquisas
Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância – LEPSI IP/FE USP, que fora fundado
em 1996 e apresenta uma gama enorme de publicações, a partir de eventos, livros e
demais materiais de todos os professores da casa FEUSP.

Haveria muitas páginas a desenvolver com diversos exemplos de


psicanalistas, publicações acadêmicas e atividades tratando da questão do ensino e
da transmissão em Psicanálise. Procurei apontar com os exemplos selecionados,
sem detrimento de outros, buscando avançar sobre a compreensão dos níveis mais
complexos da experiência, sobretudo visando alcançar uma descrição satisfatória da
vida numa Escola de Psicanálise e na Universidade, tomando como horizonte a
fundação do passe, feita por Lacan, ponto máximo dessa discussão. Finalmente,
visando elevar a Escola a um conceito fundamental da Psicanálise, o dispositivo do
54

passe serve como mola propulsora, este trabalho sugere ainda dois exemplos da
novação que acontece nesse circuito. São eles:

1. O doutoramento do psicanalista membro da EBP, Seção Bahia, Marcelo


Veras, intitulada A loucura entre nós (VERAS, 2009), na UFRJ, orientado por Vera
Lucia Besset, virou um longa-metragem, dirigido por Fernanda Vareille em 2016 –
vale a pena conferir;

2. O livro Lacan Chinês, Poesia, Ideograma e Caligrafia Chinesa de uma


Psicanálise (ANDRADE, 2016), tese de doutorado de Cleyton Andrade, realizada na
Universidade Federal de Alagoas, orientada por Antônio Teixeira, ganhou o prêmio
Jabuti 2016. Essa obra conquistou a primeira colocação na categoria Psicologia,
Psicanálise e Comportamento do mais importante prêmio concedido a publicações no
Brasil.
55

Capítulo 1: Painel geral

Mrech, em seu artigo Mas afinal, o que é educar? (2005, p. 13), aponta que
a maior parte das políticas públicas contemporâneas se veem diante de impasses ao
se apoiarem numa concepção prévia do que seja a sociedade e a educação, e que
tendem a se direcionar por vertentes universalistas. Desse modo, alguns educadores
buscam ir além da crença na transmissão única e total para propostas que evidenciam
cada vez mais a complexidade de metodologias, estratégias e técnicas,
especialmente, dirigidas a cada aluno, considerando-o de modo particular.

A pedagogia filosófica, inicialmente preocupada com a educação do homem


em suas amplas dimensões, transformou-se, portanto, numa perspectiva
compreensiva da Educação. Em seguida, pensou-se que a Pedagogia seria a Ciência
da Educação por excelência, porém, a pluralização das Ciências da Educação partiu
da ideia de que seu objeto não é único e, portanto, necessitaria de outras
contribuições, tais como da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia.

Atualmente, costuma-se pensar a Educação do ponto de vista da ciência e


da técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre a teoria e a prática. Se o
par ciência/técnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora, o par
teoria/prática remete, sobretudo, a uma perspectiva política e crítica. Na primeira
alternativa, os educadores são concebidos como técnicos que aplicam com maior ou
menor eficácia as diversas tecnologias pedagógicas produzidas pelos cientistas e
pelos especialistas; na segunda, aparecem como sujeitos críticos que, por meio de
distintas estratégias, comprometem-se, com maior ou menor êxito, com práticas
educativas concebidas sob uma perspectiva dialética. Assim, nas últimas décadas, o
campo pedagógico tem estado separado entre os partidários da Educação como
ciência aplicada e os partidários da Educação como práxis. A discussão promovida
entre uma perspectiva piagetiana e outra referida aos trabalhos de Vygotsky, situa a
polêmica em termos de predominância das dimensões biológica ou social,
respectivamente.

Nesse sentido, Voltolini, em seu artigo “Do contrato pedagógico ao ato


analítico: Contribuições à discussão da questão do mal-estar na Educação” (2017)
aponta a presença histórica da Psicologia na Educação, como mais uma intervenção
típica da mestria e da harmonização dos conflitos. Tratando-se de concepções de
56

ensino cunhadas sob o signo da intersubjetividade, isto é, sobre uma situação


composta por duas pessoas que interagem – a primeira ensinando, em geral o
professor, e a segunda aprendendo, em geral o aluno. Sem que se exclua a
possibilidade de que o professor possa aprender com o aluno, o que não representa
nenhum problema para a premissa em questão, tais concepções implicam, entre
outras coisas, uma relação causal entre o ensino e a aprendizagem – que prevê que
se aprende porque se ensina. Essa concepção é errônea e a psicanálise a contesta
de modo original.

Frequentemente, separamos o mundo interior do exterior, tomando


objetividade e subjetividade apenas como duas palavras opostas, quando há uma
dialética na formação da percepção, bem como, na construção da realidade psíquica.
Costumamos tomar tais palavras por suas conotações, positivas no primeiro caso, em
geral, negativas, no segundo. Essa concepção parte do favorecimento de um ideal
que entende o conhecimento como algo puro, generalizável e verdadeiro – mas
impessoal e até mesmo desprovido de história, em detrimento do saber oriundo da
experiência individual e mais singular – muitas vezes, tomado como a mais simplória
opinião pessoal.

No que se refere à construção do conhecimento, especialmente, o embate


objetividade/subjetividade realiza-se com muita potência, constituindo uma questão
aberta, ainda que a perspectiva da objetividade seja amplamente hegemônica. De
fato, no cenário da cultura ocidental, a expectativa dominante é a da objetividade do
conhecimento, mesmo que não seja muito claro o que isto signifique. De todo modo,
pouco se pensa no desejo do médico durante uma cirurgia, mas sua delicadeza pode
contribuir muito para o tratamento de seus pacientes.

Quantas vezes ouvimos com referência a situações que envolvem avaliações,


o veredicto "isso é muito subjetivo", como se tal qualidade diminuísse a relevância do
que se afirma? Por outro lado, quantas vezes nos referimos à necessidade de a
Educação visar à constituição do sujeito em agente consciente? Como coadunar,
então, esse elogio da construção da identidade pessoal, plena de elementos
emocionais e afetivos, com uma frequente e explícita depreciação da subjetividade?
Ou então, mesmo no nível científico, como sustentar um pensamento ou mesmo
método que se propõe a definir a dialética entre o sujeito e seu objeto?
57

Para Karl Popper, em seu livro Conhecimento Objetivo (1975), nem o mundo
físico nem o mundo de nossas percepções conscientes, de nossas sensações e
intuições subjetivas, podem servir de base a um conhecimento objetivo. Assim, a
subjetividade comprometeria a construção do conhecimento, que somente poderia
ser confiável na medida em que se objetivasse, tornando-se independente do sujeito
conhecedor e consubstanciando-se em teorias em sentido lógico. Com isso, os
aspectos psicológicos relacionados com a construção de tais teorias não seriam, em
sua visão, passíveis de um estudo verdadeiramente científico.

Em outra direção caminha Michael Polanyi, para quem a participação pessoal


do conhecedor é fundamental em todas as etapas do ato de conhecer. Em Personal
Knowledge (1958), um texto pleno de ideias originais, capazes de fundar uma nova
epistemologia, afirma que o propósito de seu livro é mostrar que a completa
objetividade que é usualmente atribuída às ciências exatas não passa de um erro, um
falso ideal. Em lugar de tal equívoco, oferece uma nova perspectiva, onde as
percepções sensoriais deixam de ser uma armadilha para o intelecto e se
transformam no primeiro passo do processo de construção do conhecimento.

Ocorre, no entanto, que as teorias científicas que, segundo Popper,


constituem a verdadeira objetivação do conhecimento, são produzidas por seres
humanos, com todas as características pessoais, emocionais, psicológicas,
subjetivas do sujeito conhecedor e dizem muito mais sobre as intenções e
delimitações de quem toma tal decisão do que sobre o conhecimento em si.

Naturalmente, não se trata de questões novas: algumas de suas raízes mais


fundas podem ser situadas em confrontos teóricos ocorridos muitos séculos antes,
como o que ocorreu entre o racionalismo cartesiano, fundado no “cogito ergo sum”, e
o pensamento de Pascal, para quem "o coração tem razões que a própria razão
desconhece". Mas ao contrapor a ideia de conhecimento "objetivo" a noção de
conhecimento "pessoal", Polanyi indicou ainda que as palavras 'sujeito', 'individuo' e
'pessoa', sugeriam uma reflexão sobre seus significados e revelavam uma riqueza
semântica, até então inexplorada. Na busca de uma síntese entre os ideais de
objetividade e de subjetividade no processo de construção do conhecimento, partindo
da polarização conhecimento objetivo/conhecimento pessoal, seu pensamento foi
conduzido naturalmente ao conceito de pessoa.
58

A imagem derivada da epistemologia de Polanyi, que caracteriza o


conhecimento pessoal como um iceberg, onde a imensa componente tácita articula-
se continuamente com a parca porção que logramos explicitar é fundamental para
compor a ideia de que cada um de nós sabe muito mais do que consegue explicitar.
Como seria natural de se esperar, a resistência da caracterização da Psicanálise
como ciência, no sentido popperiano, sobretudo, em decorrência do fato de que o que
se trata é sempre único, pessoal, subjetivo e, portanto, impossível de serem
corroborados ou refutados por experimentos. Ciência ou não, a Psicanálise não
deixou de existir.

De fato, ainda que se recuse a caracterizar o "conhecimento pessoal" como


"subjetivo", rechaçando a arbitrariedade e a passividade que considerava inerentes
da subjetividade, a contribuição de Polanyi para o equacionamento da compreensão
do par objetivo/subjetivo é fundamental, especialmente, porque ele transporta tal
discussão para o terreno da epistemologia, da construção e da justificação do
conhecimento.

Para tanto, debruça-se decisivamente sobre a dinâmica da percepção,


incluindo-a como parte integrante dos processos cognitivos, em vez de deixá-la de
fora, como o fizera Popper. A percepção não é a periferia do conhecimento, e o seu
centro – nisso reside a operação que faz Polanyi. E ainda que não reconheça uma
associação direta entre os pares tácito/inconsciente, explícito/consciente, sua
perspectiva possibilita uma fecunda analogia nas relações entre tais pares.

Para dar maior rigor a essa hipótese, Lacan, em seu escrito Subversão do
sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano18 (1960c/1998, p. 807-842),
considerou a distinção entre o enunciado (a representação concreta da língua) e a
enunciação (constitutiva do sentido do enunciado, a atualização da língua no
discurso). Trata-se de entender, portanto, que não existe uma correlação ou simetria
entre o que alguém enuncia e o que ele faz.

Lacan retomou o conceito freudiano de inconsciente para demarcar as duas


instâncias que formam o psiquismo humano. Por um lado, há um “eu” – que designa
o sujeito do enunciado, o que planeja e é responsável pela fala; e, por outro, o sujeito
do desejo inconsciente –, aquela instância que não sabe o que diz, mas que se imiscui

18 Comunicação feita num congresso reunido em Royaumont, por obséquio dos "Colóquios filosóficos
internacionais", sob o título "A dialética", a convite de Jean Wahl, 19 a 23 de setembro de 1960.
59

na fala do “eu”. O psicanalista foi explícito ao afirmar que, com relação ao sujeito do
inconsciente, não existe um modo de responder à pergunta “Quem está falando”, isso
porque “ele não sabe o que diz e nem sequer que está falando” (Lacan, 1960/1996,
p. 815).

Mrech (2005), lembra que Freud privilegiava uma crítica ao modelo moderno,
que reduzia o sujeito a um simples apêndice da sociedade, norteado por ideais sociais
e culturais gerais. Segundo a pesquisadora, a Educação, tanto na obra de Sigmund
Freud quanto na de Jacques Lacan, passou por severas críticas, até mesmo sendo
entendida como: “[...] um dos grandes fatores de alienação do sujeito, por sua
constante conexão com o ego, pela crença no saber instituído, pela ênfase na
tradição, pela adaptação pura e simples ao contexto institucional.” (MRECH, 2005, p.
143).

Por sinal, a primeira reflexão psicanalítica e seus laços com os dispositivos


educativos surgiu a partir de uma conferência de Sándor Ferenczi, em 1908,
pronunciada em Salzburg, na qual ele questiona o caráter repressivo da Educação da
época e aponta na Pedagogia um “caldo de cultura das mais diversas neuroses” (p.
35). Ferenczi buscava interrogar-se sobre a profilaxia desses males e investigar quais
ensinamentos práticos a pedagogia poderia extrair das observações devidas à
investigação psicanalítica. Para o autor, “a Pedagogia está para a Psicologia como a
disciplina da jardinagem para a botânica” (FERENCZI, 1908/1991, p. 35).

É notável sua posição crítica diante da Pedagogia, a partir da Psicanálise,


afirmando que “[...] para manter as tendências latentes recalcadas e escondidas no
inconsciente, é necessário edificar organizações defensivas poderosas, de
funcionamento automático, cuja atividade consome uma quantidade excessiva de
energia psíquica.” (FERENCZI, 1908/1991, p. 36).

Tais regras de intimidação da educação moral baseada no recalque e seu


rigor poupam a obrigação de reconhecer esse estado de coisas e, ao mesmo,
fornecem uma saída para um de seus desejos inconscientes escondidos: a
agressividade. Mais do que isso, a solicitude inquieta com a qual a censura vigia as
representações de desejos inconscientes não se limita a essa tarefa, mas estende-
se às atividades conscientes do psiquismo, tornando a maioria das pessoas
incapazes de reflexão pessoal, escravas da autoridade, por meio de formações
sintomáticas ao nível da Psicologia das massas.
60

Isto não é um requisitório: eles pertencem à elite da nossa sociedade


atual; é muito simplesmente um exemplo para mostrar que a
educação moral edificada sobre o recalcamento produz em todo
homem saudável um certo grau de neurose e origina as condições
sociais atualmente em vigor, onde a palavra de ordem do patriotismo
encobre, de maneira muito evidente, interesses egoístas, onde sob a
bandeira da felicidade social da humanidade propaga-se o
esmagamento tirânico da vontade individual, onde na religião se
venera seja um remédio contra o medo e a morte – orientação egoísta
– seja um modo lícito da intolerância mútua; quanto ao plano sexual,
ninguém quer ouvir falar do que cada um faz. A neurose e o egoísmo
hipócrita são, portanto, o resultado de uma educação baseada em
dogmas que negligenciam a verdadeira psicologia do homem; e no
que se refere a esta última característica, não é o egoísmo que
cumpre condenar, mas a hipocrisia, certamente um dos mais
característicos sintomas da histeria do homem civilizado em nossos
dias. (FERENCZI, 1908/1991, p. 48).

Para Voltolini, no texto “A pedagogia como técnica: Rentabilização dos


saberes” (2012, p. 18), as transformações sócio-históricas ocorridas no último século
encaminharam a sociedade e a cultura para parâmetros de estruturação cada vez
mais marcados pela hegemonia da tecnociência, da queda dos ideais coletivos e do
fomento reiterado da fetichização dos objetos de consumo. Mais ainda, a absorção
da Psicanálise, bem como sua psicologização, também é apontada pelo autor como
expressão sintomática de rentabilização dos saberes desrespeitando limites para fins
tecnocráticos, razão mínima do discurso capitalista representada pelo termo
rentabilização.

Sua hipótese, no texto “O conhecimento e o discurso do capitalista”


(VOLTOLINI, 2012, p. 110) é a de que há um declínio do sentido do conhecimento
concomitante a uma consolidação do individualismo – ideologia necessária ao pleno
desenvolvimento do empreendimento capitalista.

O problema do declínio do sentido do conhecimento não se resolve


com tentativas de dar sentido individual ao conhecimento, porque o
sentido é algo que não pode ser encontrado fora da referência a um
outro, fora, portanto, de uma tradição. Toda psicologia que influenciou
o pensamento pedagógico atual é repleta desse equívoco.
(VOLTOLINI, 2012, p.113).

Assim, Voltolini, em seu texto “O discurso capitalista, Psicanálise e Educação”


(2007), propõe que a Ciência se mostra dominante e hegemônica, dada a discussão
metodológica no campo da Educação contemporânea, a tal ponto que se tornou
61

justificável considerá-la um discurso: o Discurso da Ciência. Para além de uma


atividade específica entre outras, mas uma cujo impacto social altera a dinâmica do
que produz os laços. Com isso, pergunta-se até mesmo se não seria essa uma
evidência da crescente Ciência Cognitivista que viria restaurar a polêmica sobre a
autonomia do Ego.

Segundo Mrech (2005), em seu texto “A cientifização da educação: Novas


encarnações do discurso científico”, recentemente, tem sido notado um encanto da
parte dos educadores por uma perspectiva técnico-científica, fundamentada no
método experimental e proponente de formas normativas e prescritivas de atuação.
Um exemplo desse processo é o constante incremento da prática avaliativa:

[...] que tenta se enquadrar em uma concepção de ciência pautada


em um modelo mais direcionado pelas chamadas ciências duras:
quantificação, padronização e processos de avaliação de todas as
formas são os efeitos sintomáticos constantes desse processo, o que
tem levado a uma compulsão em apreender o objeto das ciências da
educação através de protocolos, pesquisas empíricas, pesquisas
direcionadas para levantamentos históricos de documentos, para
realização de gravações de vídeos e áudios dos contextos escolares
etc. (MRECH, 2005, p. 163).

E, mesmo na universidade, goza-se com essa alienação. Voltolini afirma que


“[...] o saber veiculado é só aquele 'creditado', o que recebeu da 'etiqueta' universitária
a autorização e a credibilidade.” (VOLTOLINI, 2017, p. 105). O autor denuncia
também que assim se favorece a eficácia da metodologia de pesquisa mais do que
efetivamente produz resultados profícuos, ao cair na máxima da “ciência pela ciência”.
Para ele, como efeito da injunção entre o discurso do mestre e da universidade, desde
que a educação se tornou matéria do Estado, na contemporaneidade temos uma
formalização mais orientada para as necessidades administrativas do que
propriamente inerente ao ato educativo.

Voltolini (2017), então, pergunta se é legítimo falarmos em mal-estar, no


sentido freudiano do termo, na Educação. Ele parte do pressuposto de que uma
resposta depende da presença do analista nesse campo e da possibilidade de
formalização de um sofrimento que se revele como efeito de uma estrutura. Sobre os
modos de intervenção, aponta dois:
62

O primeiro, mais antigo, o do discurso do mestre, visa “consertar” o


que surge problemático por meio de medidas práticas que interfiram
naquilo que é concebido como a causa do problema. Para tanto, e só
nesse ponto é que ele se interessa pelo saber, uma vez que este pode
concorrer na solução do problema: um saber, portanto, amputado de
sua possibilidade de investigação; um saber já sabido, “todo” do qual
se retirará uma eficácia (VOLTOLINI, 2017, p. 103).

No que, ao partir de uma queixa, pode gerar enigma, ao invés de petrificar na


vitimização, Voltolini notifica que é isso que marca a ética da Psicanálise e garante
sua eficácia. Assim, eis outro modo, em relação de avesso – como Lacan anuncia em
seu Seminário XVII – O Avesso da Psicanálise (1969-70/1992), e que diz respeito ao
que a Psicanálise esclarece:

O segundo, mais recente, o do discurso analítico, busca “escandir” o


que surge como conflituoso, agindo na forma como é falado o conflito,
fundando sua intervenção na possibilidade de advir dela um saber
ainda não sabido, com o caráter de surpresa e que modifica (não
conserta) a posição dos sujeitos envolvidos no conflito. Um saber,
portanto, cuja eficácia reside exatamente na possibilidade de fazer
questões (outras que não aquelas já existentes na queixa), e não em
dar respostas (VOLTOLINI, 2017, p. 103).

Nos anos de 1969 e 1970, em seu seminário O Avesso da Psicanálise (1969-


70/1992), Lacan indicou os eixos da subversão analítica, no sentido da retomada do
projeto freudiano pelo avesso – noção já esboçada no lançamento dos seus Escritos
(1966) – antes mesmo dos acontecimentos de maio de 1968, contemporâneos ao
Seminário.

É nesse momento em que Lacan apresenta seus quatro improvisos, sua


Teoria dos Discursos. Ao apresentar o conceito de discurso como uma estrutura,
procurou demonstrar uma lógica pela qual subsistem relações fundamentais e
estáveis – que não poderiam se manter sem a linguagem, mas que no interior das
quais certamente pode-se se inscrever algo que se contempla para além das
enunciações efetivas. Como estrutura necessária, o discurso ultrapassa em muito a
palavra, podendo subsistir em certas relações fundamentais, como a de um
significante (S1) com um outro significante (S2), ou seja, é em virtude da cadeia
significante de onde emerge o sujeito dividido ($), evanescente, cujo trajeto resulta
em alguma coisa definida como um objeto perdido (a), como produto do discurso:
63

Figura 7 – Discurso do mestre


FONTE: Lacan, 1969-70/1992, pg.12.

Não foi à toa que esse mesmo objeto – que eu, por outro lado,
designara como aquele em torno do qual se organiza toda a dialética
da frustração – que eu o tenha chamado, no ano passado, de mais-
de-gozar (LACAN, 1969-70/1992, p. 17).

Lacan afirma que, tendo importância particular entre os quatro discursos


propostos – quais sejam, o da histérica, o do universitário e o do analista – , essa é a
forma primeira, por razões históricas, enunciada a partir do significante que
representa o sujeito ante outro significante e se fixará no que enuncia como discurso
do mestre.

É também como discurso do Outro que o conceito de inconsciente se constitui


em seu ensino, uma vez que é da ordem do significante, e não, do conhecimento,
situando, portanto, que o saber tem relação primitiva com o gozo (objeto a).

[...] distinção radical, que tem suas consequências últimas do ponto


de vista da Pedagogia – o que conduz ao saber não é o desejo de
saber. O que conduz ao saber é – e me permitem justificar em um
prazo mais ou menos longo – o discurso da histérica (LACAN, 1969-
70/1992, p. 21).
Portanto, a referência lacaniana do discurso do mestre/senhor hegeliano como
avesso ao do psicanalista, nos propicia uma nova leitura da relação com o saber, ao
fazer crítica ao modelo iluminista de educação – que se fundamenta na razão e na
objetividade. Com isso, revela que a função da palavra e o campo da linguagem
articulam a suposição do saber e a posição do sujeito do inconsciente, acrescentando
o manejo da transferência e da angústia no ato de ensinar.
64

Figura 8 – Discurso do psicanalista.

Fonte: FONTE: Lacan, 1969-70/1992, p. 100.

E se o próprio objeto da Educação, do ponto de vista científico, é tão difícil de


ser definido, cabe perguntarmos ainda se pode haver legitimidade em um ato analítico
sobre um sintoma que é social, como no caso da Educação, conforme sugere Voltolini
(2017, p. 110). Segundo o autor, não podemos pensá-lo nos termos da definição
freudiana do sintoma (recalque, satisfação substitutiva etc.). Faz-se mister a noção
de discurso – como aquilo que faz laço social, tornando sintoma social aquilo que faz
obstáculo ao discurso do mestre. Assim é que um ato fundado na ética psicanalítica
mobilizaria a impossibilidade, desinstalando os pontos de fixação e a tendência à
repetição. Será necessário para o psicanalista fazer-se causa, valendo-se de uma
ética sustentada em uma brecha qualquer que a estrutura do sintoma lhe confira –
que cause movimento, e não, repetição ou estereotipia.
65

Capítulo 2: Freud e a Educação

Quando Freud definiu o inconsciente retratando sua dinâmica particular,


rompeu com as concepções de sua época, abandonando a noção de que os
processos psíquicos se restringiam à consciência. Após a obra inaugural da
Psicanálise, A Interpretação dos Sonhos (1900, 2019), Freud deu continuidade aos
seus estudos e começou a acumular artigos relacionados com o mecanismo dos
sonhos. Os lapsos e esquecimentos vão então aparecendo na continuidade de sua
obra, como em A psicopatologia da vida cotidiana (1901/2021), O chiste e sua relação
com o inconsciente (1905/2017, p. 13) e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade
(1905/2016, p. 13).

Segundo Voltolini, em seu livro Educação e Psicanálise (2011), apesar de não


haver um texto que trate exclusivamente de Educação, sua recorrência como tema
estendeu-se por toda a obra freudiana, caracterizando um tratamento discreto, ainda
que entusiasmado. Foi com interesse médico, no sentido da profilaxia das neuroses,
que Freud chega ao tema da Educação, ampliando o debate acerca dos malefícios
da civilização à saúde dos indivíduos e criticando a moral excessiva com a qual,
sistematicamente, se tratava a questão do sexo em sua época.

No texto A moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo moderno (1908/2015, p.


359), Freud se refere às exigências do malthusianismo, ideologia que apontava para
as contradições entre a sociedade e a sexualidade, indicando o controle populacional
como solução econômica. Freud indica que, embora não seja equivocado o nexo
entre o nervosismo crescente e a moderna vida civilizada, isso se revela insuficiente
para explicar o fenômeno dos distúrbios nervosos. Sua compreensão sobre a etiologia
das neuroses o levou a considerar a distinção nosográfica entre as neuroses atuais e
as psiconeuroses de defesa, esclarecendo a função da moral sexual civilizada e da
educação como portadoras do potencial de adoecimento.

Se a abstinência – ou mesmo a precariedade da vida sexual – está associada


às neuroses atuais, para as psiconeuroses – determinadas pelo mecanismo de
defesa psíquica, seu desencadeamento acontece contra uma representação psíquica
de natureza sexual considerada incompatível com os preceitos morais do indivíduo,
resultando na repressão dessa que, permanecendo ativa, determina o complexo
inconsciente como uma espécie de satisfação substitutiva que produz os sintomas.
66

Assim, Freud se referia à educação, nesse momento, apontando o fato de lhe


atribuirmos a tarefa de restringir certas formas de ganho de prazer – como no
autoerotismo por exemplo, pois a permanência nele tornaria o impulso sexual
incontrolável e inaproveitável mais adiante por seu caráter modelar – isto é, as
práticas recorrentes tendem a constituir o modo como o sujeito experimenta sua
sexualidade posteriormente. Portanto, o desenvolvimento da sexualidade vai do
autoerotismo ao amor objetal e da autonomia das zonas erógenas à sua subordinação
aos fins reprodutivos – a partir da puberdade. Assim as energias utilizáveis no
trabalho da cultura são obtidas, em grande parte, pela repressão dos chamados
elementos perversos da excitação sexual.

Para Voltolini (2011, p. 15), proibir certos pensamentos privilegiando outros


mais compatíveis com uma moral ideal pode ter sido a primeira figura do impossível
em jogo na Educação. Nossa civilização estaria assim baseada na repressão e a
capacidade de trocar a meta originalmente sexual por outra, não mais sexual, mas
àquela aparentada psiquicamente – a isso Freud chama sublimação.

Por outro lado, contrastando com essa possibilidade de deslocamento, na


qual reside seu valor cultural, o impulso sexual é também suscetível de fixações que
o tornam inaproveitável e, ocasionalmente, o fazem degenerar devido a seus efeitos
nocivos sobre o funcionamento e, especialmente, por causa de seu caráter subjetivo
desprazeroso – e, por isso, consideradas patológicas. Tais influências – da educação
e das exigências sociais, por um lado exitosas na inibição de sua manifestação como
tais, são para o indivíduo nocivas, pois os fenômenos substitutivos resultam no
nervosismo, ou mais precisamente, nas psiconeuroses.

É com base na hipótese da distinção entre as pulsões de autoconservação,


ou do Eu, e as sexuais, a libido, que Freud afirma que as enfermidades específicas
da função sexual são determinadas pela quantidade de libido e da possibilidade de
descarregá-la por meio da satisfação. A forma da doença é determinada pelo modo
como o indivíduo perfaz o desenvolvimento da função sexual pelas fixações que sua
libido experimentou no curso de seu desenvolvimento. Isso acarreta que a Psicanálise
teria maior sucesso com certa classe de neuroses que surgem do conflito entre o Eu
e as pulsões sexuais, podendo ocorrer que as exigências dessas pulsões apareçam
como um perigo para o Eu, forçando-o a tomar desvios de uma satisfação substituta,
que se manifesta com sintomas nervosos. Assim, a Psicanálise consegue submeter
67

o processo repressivo a uma revisão e levar o conflito a um desfecho melhor. Com


isso, por muito tempo, o próprio objetivo da análise ficou definido como pós-educativo,
enveredando pela denúncia da impotência de uma educação repressiva, até Freud
concluir pela inevitabilidade do recalque.

Nesse momento inicial, segundo Voltolini (2011), a argumentação é


perfeitamente adequada ao discurso pedagógico, seja na direção de um ideal, seja
quando faz a crítica dos erros de uma direção pedagógica anterior. A sugestão era a
de atenuar a rigidez da moral civilizada dando-lhe contornos mais liberais,
substituindo-a por uma ética fundada na verdade, cujas vantagens econômicas
seriam superiores em comparação com a política hipócrita estabelecida pela neurose.

Dentro dos termos dessa reforma educacional, Freud fez incursões


significativas sobre o tema da educação sexual das crianças, desenvolvendo o
assunto em seus eixos fundamentais tais como nos textos Três ensaios sobre a teoria
da sexualidade (1905/2016), O esclarecimento sexual das crianças (1907/2015, p.
314) e Sobre as teorias sexuais infantis (1908/2005, p. 390).

No artigo O esclarecimento sexual das crianças (1907/2005), Freud pergunta


sobre a insensatez de recusar às crianças tais esclarecimentos, pois acreditava-se
que faltava a elas o fator sexual e que esse somente apareceria na puberdade. Freud,
portanto, salienta duas questões iniciais recorrentes às crianças, sendo uma a
curiosidade sobre o pênis e a diferença anatômica sexual, e a outra sobre a origem
dos bebês, indicando que não via uma razão sequer para recusar tal esclarecimento:

Certamente que, se a intenção do educador é sufocar na criança, o


mais rapidamente possível, a capacidade para o pensamento
independente, em prol da tão louvada ‘boa conduta’, o melhor
caminho para isso é a desorientação no âmbito sexual e a intimidação
na esfera religiosa (FREUD, 1907/2005, p. 321).

Aponta que, assim, imprime-se à vida sexual a marca de algo terrível e


nojento, bem como, a maioria das crianças perderia a única atitude correta ante as
questões sexuais: o desejo de saber. E muitas delas não a encontram, pois, as
respostas habitualmente dadas ferem seu honesto interesse e podem abalar a
confiança nos adultos.
68

Do contrário, é necessário que, desde o início, a sexualidade seja tratada


como outras coisas dignas de serem sabidas e é, sobretudo, tarefa da escola não
evitar a menção da sexualidade, incluindo os fatos principais da reprodução e sua
importância nas aulas sobre o mundo animal, não sem enfatizar que o ser humano
partilha com os animais superiores tudo o que é essencial em sua organização. Freud
sugere também que as informações sobre as condições especificamente humanas
da vida sexual e a significação social dessa deveria ser dada no fim da escola
fundamental, ou seja, antes dos dez anos.

Em especial, cita como progresso mais significativo na educação das crianças


o fato de o Estado francês haver introduzido, no lugar do catecismo, uma cartilha que
fornecia à criança os primeiros conhecimentos sobre o seu papel de cidadão e os
deveres éticos que sobre ele incidirão (FREUD, 1907/2005, p. 321). Acrescenta,
porém, que essa informação elementar seria gravemente incompleta, se não
abrangesse a esfera da sexualidade, apontando essa como a lacuna que educadores
e reformadores deveriam se empenhar em preencher.

De acordo com Freud, qualquer que seja a pergunta que uma criança faça,
ela será sempre a das origens. “De onde vêm os bebês?” é para ele a grande
pergunta, pois é a que põe em marcha o pensamento infantil. Para ele, a chegada de
um novo bebê na família, por exemplo, produz grande angústia na criança, a ponto
de impulsioná-la a pensar, determinando o movimento da criança rumo ao
conhecimento.

Assim, os processos de pensamento articulam-se com a sexualidade, o


desejo e o conhecimento. Essa articulação vai ao encontro da tradição psicanalítica
que pensa o fenômeno da curiosidade infantil e da busca de conhecimento como algo
não natural, como algo que não é inato, mas que se constitui no confronto do sujeito
com sua sexualidade e seu desejo – o que só é possível graças à interveniência dos
mais velhos (os adultos) sobre os mais novos (as crianças), ou seja, de uma
necessária relação do sujeito infantil com os outros, no cerne da qual ele se
confrontou com a sexualidade e o desejo.

Voltolini (2011) comenta que Freud, em Formulações sobre os dois princípios


do funcionamento psíquico (1911/2010, p. 108), postula o conceito de realidade
psíquica, extraída como depuração do princípio do prazer cuja realidade surge como
pesquisa da realidade. É como aperfeiçoamento das estratégias do princípio do
69

prazer que se destaca o princípio da realidade, servindo não para encontrar, para
além da alucinação, o referente objeto inicialmente perdido, pela tendência do
princípio do prazer, mas para reencontrá-lo.

Com base nesse princípio, Voltolini (2011) diz que Freud formula então uma
educação para a realidade e, de fato, que a relação do ser humano com a realidade
tem a ver com uma perspectiva dinâmica e até mesmo econômica do prazer. Nesse
mesmo texto, Freud descreve a educação como “[...] um incentivo à superação do
princípio do prazer, à substituição dele pelo princípio da realidade.” (1911/2010, p.
121), com a pretensão de ajudar no processo de desenvolvimento do Eu.

A maior significação da realidade externa elevaria também a significação dos


órgãos dos sentidos voltados para o mundo externo e da consciência a eles vinculada,
sendo uma função especial a atenção – exame periódico que vai ao encontro das
impressões dos sentidos, em vez de aguardar seu aparecimento; ou mesmo a
memória, sistema de registro dos resultados dessa atividade. A descarga motora, que
sob o governo do princípio do prazer servia para aliviar dos estímulos, transformou-
se em ação orientada para mudar a realidade de modo adequado, bem como, sua
suspensão permitiu que os processos de pensamento se constituíssem.

Para Freud, é possível que até mesmo o pensar fosse inicialmente


inconsciente e apenas por meio da ligação a resíduos verbais tenha adquirido novas
qualidades, perceptíveis para a consciência. A partir do apego às fontes de prazer
disponíveis e a dificuldade de renunciar a essas, dissociou-se um tipo de atividade de
pensamento livre do teste de realidade: a fantasia e o devaneio que são largamente
utilizados nas brincadeiras infantis e na arte, por exemplo.

Voltolini (2011) aponta que Freud até então acreditava ainda que essa
anarquia da sexualidade infantil poderia encontrar uma hierarquização quando da
instalação da pulsão genital que, supostamente, realizaria a síntese de todas as
outras pulsões na direção da finalidade reprodutiva, na ocasião da puberdade.

Em 1909, Oskar Pfister já encaminhava esse tipo de investigação,


estabelecendo os primeiros textos direcionados para uma aplicação prática da
Psicanálise à Pedagogia. Ele se interessou em estudar as Ideias delirantes e suicídio
nos escolares e o Atendimento psicanalítico de almas e pedagogia moral. Freud lhe
responde por carta (FREUD & PFISTER, 1909-1939), em março de 1909, que ele
70

adere a um projeto que se inscreve assim na possibilidade de estender a Psicanálise


a outras disciplinas.

Mais tarde, entretanto, deixará de conservar esse entendimento, observando


que nenhuma síntese ocorrerá e, portanto, nenhum fim harmonioso. A desconfiança
em relação a essa reforma educacional foi declarada pela primeira vez por Freud no
texto Sobre a mais comum depreciação da vida amorosa (1912/2013, p. 347). Ali,
Freud comenta a divisão entre duas correntes, terna e sensual, na vida amorosa e
aponta que a não convergência das duas seria um determinante do que ele chama
de impotência psíquica, diretamente relacionada à degradação do objeto amoroso
como condição para o prazer sexual.

De todo modo, nesse momento, Freud buscava intensamente definir o


mecanismo geral de formação das neuroses, qual seja, a libido se afasta da realidade,
é introvertida e reforça as imagens dos primeiros objetos sexuais. Além disso, o
obstáculo ao incesto obrigaria a libido voltada a esses objetos a permanecer no
inconsciente. Inicialmente, Freud nomeou esse aspecto conflitivo de complexo
nuclear da neurose, o que se esclarecerá posteriormente, ainda mais a partir do mito
edipiano.

Voltolini (2011) sugere que o desejo precisa de obstáculo para se


desenvolver: se ele aparece à primeira vista como se opondo à lei, como vendo na lei
seu limite, é esse limite que lhe dá o contorno sem o qual não teria forma. Nesse
sentido, Freud passa a considerar que a relação entre a restrição cultural da vida
amorosa e a depreciação dos objetos sexuais sugere deixar de lado a atenção aos
objetos e procurar esclarecer os instintos mesmos, assumindo o seguinte:

Em vista do empenho por uma reforma na vida sexual, tão intenso na


cultura de hoje, não seria supérfluo lembrar que a investigação
psicanalítica, como toda pesquisa, é alheia a qualquer tendência. Ela
pretende tão só descobrir nexos, relacionando o que é manifesto ao
que se acha oculto. Ela estará de acordo, se as reformas utilizarem
suas averiguações para trocar o que é prejudicial pelo que for
vantajoso. Mas não pode predizer se outras intuições não acarretarão
outros sacrifícios, talvez mais graves (FREUD,1912/2013, p. 358).

Freud aponta que, por mais estranho que pareça, a possibilidade de que algo
no próprio instinto sexual não seja favorável à plena satisfação, graças ao duplo
encetamento da escolha de objeto, com interposição da barreira do incesto, o objeto
71

definitivo do instinto sexual nunca mais é o original, mas apenas substituto. Segundo
Freud, a Psicanálise nos ensina que, quando um objeto original de um desejo é
perdido em consequência da repressão, frequentemente é representado por uma
série interminável de objetos substitutos, nenhum dos quais chega a satisfazer
plenamente. Em segundo, os instintos decompõem-se em diversos elementos, alguns
dos quais têm que ser suprimidos ou empregados de outra maneira.

Assim, os impulsos amorosos são difíceis de educar e sua educação ora


obtém muito pouca, ora demasiada satisfação. Aquilo que a cultura pretende fazer
deles não parece atingível sem considerável perda de prazer, bem como, a
persistência dos impulsos não aproveitados resta como insatisfação. Em suas
palavras, Freud considera que “[...] uma conciliação das exigências do instinto sexual
com os reclamos da cultura não é possível.” (1912/2013, p. 362).

A insatisfação cultural é, consequentemente, necessária e a própria


incapacidade de se produzir satisfação plena submete-se às exigências da cultura,
tornando-se fonte das mais grandiosas realizações, através da sublimação de seus
componentes. Obviamente, caso houvesse a satisfação plena, os homens jamais
abandonariam tal prazer e não realizariam progresso algum.

No que se refere à Pedagogia, item apresentado em seu texto O interesse da


Psicanálise (1913/2012, p. 361), a partir de suas revelações sobre os desejos,
pensamentos e processos de desenvolvimento das crianças, Freud revelou que todos
os esforços anteriores da educação eram incompletos e errôneos, uma vez que
deixavam de lado o fator sexual. Indicou também que quando os educadores
estivessem familiarizados com os resultados da Psicanálise, admitiriam certas fases
do desenvolvimento infantil e, abstendo-se de suprimir alguns impulsos inúteis
socialmente, produziriam efeitos menos indesejáveis do que a indulgência com o mau
comportamento infantil, tão temida na educação.

Para ele, "A veemente supressão externa dos instintos fortes jamais obtém
que eles sejam extintos ou dominados, apenas promove uma repressão que
estabelece a tendência para um futuro adoecimento neurótico" (FREUD, 1913/2012,
p. 362). Assim é que Freud propõe uma possível profilaxia individual das neuroses,
dependente de uma educação psicanaliticamente esclarecida.

Em seu texto Sobre a psicologia do colegial (1912/2012, p. 418), Freud indica


que, como psicanalista, deveria interessar-se mais pelos processos afetivos do que
72

pelos intelectuais, mais pela vida inconsciente do que pela consciente e assim
destaca o vínculo implicado na relação com os educadores. Graças à transferência,
esse processo inconsciente que faz com que uma dada pessoa se vincule com
alguém, mais de acordo com uma suposição que temos dela do que a partir de seus
atos ou intenções reais.

Para a Psicanálise, as posturas afetivas em relação a outras pessoas tão


relevantes para a conduta posterior do indivíduo, são estabelecidas
surpreendentemente cedo. Já por volta dos seis anos de idade a criança tem
assentado o tom afetivo de suas relações. As pessoas a que ela se fixa dessa maneira
são os pais e irmãos e todas as relações posteriores tornam-se sucedâneos desses
primeiros objetos de sentimento.

Nesse ínterim, Freud redige o Prefácio a O Método Psicanalítico, de Oskar


Pfister (1913/2010, p. 340), apontando que os sintomas psicológicos são instituídos
na infância e juventude, no período em que o ser humano é objeto da educação.
Propunha na época que a relação entre Educação e Psicanálise acontece no cuidado
da primeira em não produzir o que a segunda, a posteriori, trataria. Primeiro, aponta
aquela função pós-educativa para a Psicanálise e, em seguida, explica as vantagens
de utilizá-la para os fins educativos: na influência do educador que conhece as
predisposições humanas gerais da infância na direção do desenvolvimento favorável,
agindo profilaticamente numa criança ainda sadia, bem como, podendo notar os
primeiros sinais de um desenvolvimento contrário.

Por outro lado, indica que o exercício da Psicanálise tem seu aval para o uso
dos educadores e, num único ponto, a responsabilidade do educador excederia à do
médico: o educador trabalha com material plástico, sensível a toda impressão, e deve
impor-se a obrigação de não formar a jovem psiquê de acordo com seus ideais
próprios, mas conforme as predisposições e possibilidades inerentes ao objeto. Por
fim, Freud afirma seu desejo de que o emprego da Psicanálise na Educação cumpra
as esperanças e apresenta o livro de Pfister como um que terá reconhecimento no
futuro nesse sentido.

No entanto, em seu texto Introdução ao narcisismo (1914/2010, p. 13), Freud


destaca o paradoxo em que é posta a criança: ela ocupa uma posição de objeto para
seus pais, pois sua vinda ao mundo depende, inevitavelmente, das fantasias
parentais a partir das quais foi concebida, e tais fantasias residem na relação dos pais
73

com os próprios pais. O estrutural dessas fantasias parentais é que constrangeram a


criança na direção de um desejo que a precedeu. Por outro lado, a ignorância do
adulto sobre a criança é essencialmente da ordem do recalque que todo adulto realiza
da própria infância, ocasionando um processo defensivo que implica um não saber
ativo que dificulta estar com a criança.

As perturbações as quais o narcisismo original da criança está exposto, as


reações com que delas se defende, as vias pelas quais é impelido a fazê-las, têm
como parte mais significativa o que Freud chama de “complexo de castração” em
conexão com o efeito da intimidação sexual e ameaça exercidas sobre a criança.
Assim, os impulsos da libido sofrem o destino da repressão patogênica, quando
entram em conflito com as ideias morais e culturais do indivíduo. A partir disso é que
é entendido que a repressão é oriunda do Eu, mais precisamente do autorrespeito do
Eu e da formação do ideal do eu – a partir do qual se faz possível a repressão.

Isso nos leva a indagar sobre as relações entre a formação de ideal e a


sublimação, processo atinente à libido objetal – em contraposição ao narcisismo, e
consiste em que o impulso se lança a outra meta. A idealização é um processo
envolvendo o objeto, elevado psiquicamente sem que haja transformação de sua
natureza. Assim, haver trocado o narcisismo pela veneração de um elevado ideal do
Eu não implica ter alcançado a sublimação de seus impulsos libidinais. A formação
de ideal e a sublimação se relacionam diferentemente à causação da neurose, isto é,
a idealização aumenta as exigências do Eu e é o que mais favorece a repressão; a
sublimação representa a saída para cumprir a exigência sem ocasionar a repressão.

É que a incitação a formar o ideal do Eu, cuja tutela foi confiada à consciência
moral, partiu da influência crítica dos pais intermediada pela voz, aos quais se
juntaram no curso dos tempos educadores, instrutores e, como uma hoste inumerável
e indefinível, todas as demais pessoas do meio (o próximo, a opinião pública etc.). A
instituição da consciência moral seria, no fundo, uma corporificação inicialmente da
crítica dos pais, depois da crítica da sociedade, e, assim, a autocrítica da consciência
moral coincide no fundo com a auto-observação.

Nesse sentido, das relações do amor-próprio com o erotismo (com os


investimentos de objeto), é preciso distinguir se os investimentos amorosos estão em
sintonia com o Eu ou se, ao contrário, experimentaram uma repressão. No primeiro
74

caso (em que a utilização da libido é sintonizada com o Eu), amar é visto como
qualquer outra atividade do Eu.

Por outro lado, o amar em si, como ansiar, carecer, rebaixa o amor-próprio, e
ser amado, achar amor em troca, possuir o objeto amado, eleva-o novamente. Sendo
a libido reprimida, o investimento amoroso é sentido como grave diminuição do Eu, a
satisfação amorosa é impossível, o enriquecimento do Eu torna-se possível apenas
retirando-se a libido dos objetos. O retorno da libido objetal ao Eu, sua transformação
em narcisismo, representa como que um amor feliz novamente, e por outro lado, um
real amor feliz corresponde ao estado primordial em que a libido de objeto e a libido
do Eu não se distinguem uma da outra.

Também do ideal do Eu sai um importante caminho para o entendimento da


Psicologia da massa, segundo Freud. Além do seu lado individual, existe a dimensão
do social, que é também o ideal comum de uma família, uma classe, uma nação,
especialmente mediada pelo processo educacional.

É na segunda metade da infância que outras relações, para além dos


familiares, promovem consequentemente o desprendimento do primeiro ideal e é aí
que os mestres passam a contribuir com o desprendimento das figuras parentais.
Esse quadro é o mesmo que se estabelece na dupla professor-aluno, herdeira da
primeira, a dupla pais-filhos. Além disso, se antes, a influência do educador era
abordada a partir de seu potencial opressor, com a noção de transferência, a questão
passou a ser abordada a partir de sua função de modelo, ou seja, não é apenas
reprimindo que o educador influi, mas também como indutor de comportamento ideal.

Assim é que se pode dizer que a teoria psicanalítica é uma tentativa de tornar
inteligíveis a transferência e a resistência, quando se relacionam os sintomas de um
neurótico e suas fontes no passado. Freud destaca que...

[...] toda corrente de investigação que reconheça esses dois


fatos e os veja como ponto de partida de seu trabalho pode se
denominar Psicanálise..., mas quem abordar outros lados do
problema não considerando esses dois pressupostos,
dificilmente escapará ao reproche de usurpação através de
mimetismo, se insistir em denominar-se psicanalista.
(1914/2010, p. 25).

Outro conceito fundamental, provisoriamente obscuro, mas que não podemos


dispensar é o de pulsão. Freud, em seu texto Os instintos e seus destinos (1915/2010,
75

p. 51), a partir da fisiologia, toma o conceito de estímulo e o de arco reflexo – segundo


o qual o estímulo que vem de fora para o tecido vivo (a substância nervosa) é
descarregado para fora por meio da ação motora. Indicando que cabe ao sistema
nervoso a tarefa de dominar os estímulos, revela que o sistema reflexo fisiológico é
insuficiente, induzindo o surgimento do aparelho psíquico, em seus processos
complexos e interdependentes, os quais modificam amplamente o mundo exterior.

A pulsão, portanto, se revela como um conceito-limite entre o somático e o


psíquico, como representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo e
que atingem a psiquê, como uma medida de trabalho imposto por sua ligação com o
corpo (FREUD, 1915/2010, p. 42). Ela seria propriamente um estímulo para a psiquê,
distinto dos estímulos fisiológicos, que provém não do mundo exterior, mas do interior
do próprio organismo, atuando como uma força constante, e não, momentânea. Uma
vez que não ataca de fora, mas do interior do corpo, nenhuma fuga pode servir contra
ele. Assim, na eficácia de sua atividade muscular, o indivíduo terá adquirido um ponto
de apoio para distinguir um “fora” de um “dentro”

Para Souza, no seu livro As palavras de Freud (SOUZA, 2010), a utilização


de instinct para verter Trieb, do alemão, foi um dos termos que mais provocou reação,
pois muitos viam aí uma biologização injustificável do conceito freudiano. Isso levou
à introdução, pelos franceses, do neologismo pulsion que, aos poucos, foi adotado
também nas outras línguas latinas em que se traduziu a obra de Freud, determinando
a orientação das abordagens consequentes

Assim, o inconsciente é constituído por representantes pulsionais que têm


como meta descarregar seu investimento libidinal visando satisfação – impulsos de
desejo, portanto. Coordenados entre si, coexistem sem influência mútua e não
contradizem uns aos outros. Quando têm suas metas incompatíveis, concorrem para
a formação de um objetivo intermediário, um compromisso. Há uma mobilidade: pelo
processo de deslocamento, uma ideia pode ceder a outra todo o seu montante de
investimento; pelo processo de condensação, pode acolher todo o investimento de
várias outras, ambos mecanismos do sonho, definidos por Freud.

Vale dizer que o inconsciente, ou seja, o reprimido, não promove qualquer


resistência aos esforços do tratamento, ele mesmo não procura senão, apesar da
censura que sobre ele pesa, abrir caminho rumo à consciência ou à descarga motora.
Porém, os investimentos que ocorrem nos sistemas inconscientes podem ser
76

transferidos, deslocados ou condensados, definidos pelo processo primário,


diferentemente dos processos secundários – que ocorrem na consciência e na vida
desperta.

Aqui, cabe pontuar que o conceito de repressão é absolutamente central


nessa discussão. A repressão não é um mecanismo de defesa existente desde o
início, que não pode surgir antes que se produza uma nítida separação entre atividade
psíquica consciente e inconsciente, e que sua essência consiste apenas em rejeitar
e manter algo afastado da consciência. Trata-se de um meio termo entre a fuga e a
condenação. Disso, podemos dizer que um destino possível para o impulso é
encontrar resistências que buscam torná-lo inoperante.

Em seu texto Contribuição à história do movimento psicanalítico (1914/2012,


p. 245), Freud afirma que o conceito foi concebido por ele de forma independente e
original. Afirma também que “[...] a teoria da repressão é o pilar em que repousa o
edifício da Psicanálise, a parte mais essencial dela.” (1914/2012, p. 257).

Em A repressão (1915/2010, p. 82), Freud detalha que se torna condição para


a repressão o motivo do desprazer que adquire um poder maior que o prazer da
satisfação. A satisfação da pulsão submetida à repressão seria possível e prazerosa
em si mesma, mas inconciliável com outras exigências morais e intenções do sujeito,
gerando assim prazer num lugar e desprazer em outro. Uma vez que esse conceito
aponta para o destino das pulsões e a instituição dos complexos inconscientes, junta-
se a isso que, aquilo que durante a infância é eliminado por ser inutilizável, na via
educacional e civilizatória, sustenta uma divisão no conteúdo dos dois sistemas que
só se estabelecem, geralmente, na puberdade.

Como processos atemporais, sem levar em conta a realidade, senão a


psíquica, o curso dos processos é regulado, portanto, pelo princípio do prazer, que é
incitado por uma tensão desprazerosa e direciona-se para o abaixamento da tensão
com uma evitação do desprazer ou geração de prazer. Então, eles são segregados
dessa unidade por meio do processo de repressão. Se conseguem depois, mediante
desvios, obter uma satisfação direta ou substitutiva, tal sucesso é sentido como
desprazer pelo Eu, o que define o mecanismo do sintoma neurótico. Uma
consequente fonte de desprazer, acha-se nos conflitos e cisões dentro do aparelho
psíquico, enquanto o Eu faz seu desenvolvimento rumo a organizações mais
complexas.
77

Com isso, Freud propõe que a repressão é um processo que se verifica em


ideias na fronteira entre os sistemas inconsciente e pré-consciente e nos permite
conceber os processos psíquicos em suas relações dinâmicas, topológicas e
econômicas. O tratamento psicanalítico, portanto, é fundado na influência sobre o
inconsciente a partir da consciência, mostrando que são os derivados e formações do
inconsciente que transitam entre os dois sistemas e nos preparam o caminho para
essa realização.

Vemos que os derivados do inconsciente se tornam conscientes como


formações substitutivas e sintomas, mas conservam frequentemente muitas
características em que solicitam repressão. Assim, a essência do processo de
repressão não consiste em eliminar, anular a ideia que representa a pulsão, mas
impedir que ela se torne consciente, não deixando de produzir efeitos, inclusive
aqueles que, afinal, atingem a consciência, caracterizando o trabalho analítico como
tal, como uma experiência de tradução.

Por outro lado, Freud aponta que, enquanto ocorre o desenvolvimento do Eu,
as pulsões sexuais se destacam deles sendo detidas sob o domínio do princípio do
prazer até a puberdade, ocasionando maior proximidade delas com a fantasia, por
um lado e, por outro, entre o Eu e as atividades da consciência. Assim o Eu-de-prazer
não pode senão desejar enquanto o Eu-realidade necessita buscar o que é útil e
proteger-se dos danos.

Assim, toda educação estaria comprometida com a tarefa de fazer crescer


uma criança transformando-a em adulto. Porém, no modo pedagógico habitual de
considerar essa distinção, a Psicanálise aponta a criança que há no adulto. Freud
aproxima o processo educativo e o processo civilizatório, visando aos acordos que
garantem a possibilidade de o indivíduo inserir-se no laço social, mas não sem
considerar que há um limite: resta algo ineducável instalado no cerne do processo
pulsional. Portanto, não há fim harmonioso, já que o eu é incapaz de hierarquizar
essas pulsões, sempre parciais que reclamam cada uma sua satisfação, promovendo
entre si um inevitável conflito.

Segundo Freud, em seu texto Além do princípio do prazer (1920/2010, p.


161), esse conflito deriva do princípio da constância que, paradoxalmente, para a
autoafirmação do organismo em meio às dificuldades do mundo externo, por
influência da autoconservação do Eu é substituído pelo princípio de realidade que,
78

sem abandonar a intenção de obter afinal o prazer, exige e consegue o adiamento da


satisfação e a renúncia de várias possibilidades dessa e a temporária aceitação do
desprazer. Mas que...

[...] por muito tempo, o princípio do prazer continua como o modo de


funcionamento dos instintos sexuais, que são difíceis de “educar”, e
volta e meia sucede que, a partir desses instintos ou no próprio Eu,
ele sobrepuja o princípio da realidade, em detrimento de todo o
organismo (FREUD, 1920/2010, p. 124).

Para Voltolini (2011), é o golpe final que se revela nesse momento da


elaboração freudiana. Assim acontece quando surge no cenário conceitual a noção
de pulsão de morte, elaborada em Além do princípio do prazer (FREUD, 1920/2010,
p. 147), definida como “[...] um impulso, presente em todo organismo vivo, tendente
à restauração de um estado anterior” – denominado princípio do Nirvana. Assim é
que Freud avança em sua compreensão da tensão insuperável entre sujeito e
civilização, restando sempre algo ineducável instalado no cerne do processo
pulsional.

De todo modo, cabe aqui retomar um esclarecimento fundamental


apresentado por Freud, a partir da observação direta de seu neto brincando com um
carretel, conhecido como Fort-da. Esse jogo de desaparecimento e aparição de um
objeto era repetido incansavelmente, com evidente satisfação, sobretudo, no segundo
ato. Ele estava relacionado à grande aquisição cultural do menino, à renúncia por ele
realizada, ao permitir a ausência da mãe sem protestar, segundo Freud (1920/2010,
p. 128). Assim, também sob o princípio do prazer, há meios de tornar objeto de
recordação e elaboração psíquica o que é em si desprazeroso. Porém, uma vez que
não é possível lembrar de tudo o que está reprimido, o analisando é antes levado a
repeti-lo como vivência atual. Cabe ao psicanalista se empenhar em restringir o
campo dessa neurose de transferência, em empurrar o máximo possível para a
recordação e deixar o mínimo para a repetição.

O malogro desse ligamento provocaria um distúrbio análogo à neurose


traumática; somente após a sua realização o domínio do princípio do prazer (e de sua
modificação, o princípio da realidade) poderia ocorrer sem estorvos. Até então,
porém, a outra tarefa do aparelho psíquico, controlar ou ligar a excitação, teria
precedência, não em oposição ao princípio do prazer, mas de forma independente
79

dele. Assim, a compulsão à repetição denota que os traços de lembrança reprimidos


das experiências primevas não se acham nele presentes em estado ligado, e não são
capazes, em certa medida, de obedecer ao processo secundário ou mesmo de serem
totalmente superados.

Consequentemente, se os sonhos na neurose traumática fazem voltar


regularmente à situação do acidente, então eles não se acham a serviço da realização
de desejos, cuja satisfação alucinatória tornou-se, sob o domínio do princípio do
prazer, função dos sonhos. Tais sonhos buscam lidar retrospectivamente com o
estímulo, mediante o desenvolvimento da angústia.

Em 1925, August Aichhorn, estudioso da Pedagogia dedicado aos problemas


da delinquência infantil e juvenil, publicou um livro pioneiro, Juventude Abandonada,
a Psicanálise na Educação assistencial, para o qual Freud redigiu um prefácio, onde
se lê: "A criança se tornou o objeto principal da pesquisa psicanalítica. Tomou assim
o lugar do neurótico, primeiro objeto dessa pesquisa" (FREUD, 1925/2011, p. 347).

Aichhorn militava pela utilização, por parte dos educadores, da técnica


psicanalítica, defendendo a ideia de que o pedagogo poderia tornar-se, para a criança
um pai substituto, no seio de uma transferência positiva. Adiante, duas lições são
retiradas do trabalho de Aichhorn: uma, é que o educador deve ser psicanaliticamente
instruído, senão o objeto de seus esforços, a criança, permanecerá um enigma - o
melhor seria que ele mesmo fosse analisado, sendo que não se assimila a psicanálise
sem experimentá-la, numa medida profilática; a segunda, o trabalho da educação é
sui generis e não pode ser confundido com a influência da Psicanálise nem ser
substituído por ela.

Desse modo, aprendemos com a análise que a supressão dos instintos


acarreta o perigo do adoecimento neurótico, situação dilemática, onde não há
expectativa de solução conciliatória, embora o discurso pedagógico se empenhe
nessa busca. Mas esse discurso rateia na solução de tais impasses devido à sua
insolubilidade, e não a uma deficiência qualquer em sua orientação. Freud aponta
que não é surpreendente que a expectativa de que a psicanálise com crianças
também beneficiaria a atividade pedagógica, cuja intenção é guiar, estimular e
proteger de equívocos a criança, em seu caminho até a maturidade. Porém, indicando
o alto valor social que o trabalho pedagógico pode reivindicar, juntamente com o curar
e o governar, sustenta que educar se trata de uma profissão impossível.
80

Ainda assim, no seu Prólogo à ‘Juventude desorientada’, de Aichhorn


(1925/2011), Freud constata que “[...] nenhuma das aplicações da Psicanálise excitou
tanto interesse e tantas esperanças, e nenhuma, por conseguinte, atraiu tantos
colaboradores capazes quanto seu emprego na teoria e na prática da educação.”.
Nesse sentido foi que a revista de Pedagogia psicanalítica, Zeitschrift für
Psychoanalytische Pädagogik, que circulou entre 1926 e 1937, ainda reuniu vários
textos de célebres psicanalistas, como Anna Freud, Sándor Ferenczi, Alice Balint e
de outros terapeutas infantis e de adultos, de educadores e de professores.

Para Voltolini (2011), em termos simples, trata-se de considerar que uma


educação liberal demais pode conduzir à perversão; e repressora demais, à neurose.
No entanto, por algum tempo ainda Freud buscou as condições instrumentais para
essa conciliação entre as exigências individuais e as renúncias impostas pela
civilização na educação, até admitir no texto O mal-estar na civilização (1930/2010,
p. 13) que essa é uma profissão impossível difinitivamente. Esse caráter conflituoso,
expressão direta de uma dinâmica pulsional e desejante paradoxal é, no entanto, aos
olhos da Psicanálise, inerente à experiência humana.

Em seu texto Esclarecimentos, explicações, orientações – penúltima das


novas conferências introdutórias à Psicanálise (1933/2010, p. 308), Freud afirma que
o tema da educação fora impossível de evitar, não porque o entendesse o bastante
ou tenha contribuído muito para ele. Pelo contrário, mesmo tendo se ocupado pouco
indica que se trata do trabalho aplicado mais relevante da Psicanálise em função de
sua riqueza e esperança para o futuro. Conta que é fácil denotar a aplicação da
Psicanálise nesse campo, uma vez que, ao tratar do adulto neurótico, normalmente,
o tratamento era conduzido aos conteúdos da infância. Segundo ele...

Compreendemos que a dificuldade da infância se acha em que, num


breve lapso de tempo, a criança deve se apropriar dos resultados de
uma evolução cultural que se estendeu por milênios de anos: o
controle dos instintos e a adaptação social, ou pelo menos, esboço de
ambos. Somente uma parte dessa mudança ela pode alcançar por
seu próprio desenvolvimento, muita coisa tem de lhe ser imposta pela
educação. (FREUD, 1933/2010, p. 308-309).

Por outro lado, Freud aponta que a percepção de que a maioria das crianças
passa por uma fase neurótica no seu desenvolvimento traz consigo o gérmen de uma
questão higiênica no uso da Psicanálise como uma medida de prevenção, mesmo
81

quando não se mostra sinais de transtorno. Uma tal profilaxia da doença nervosa, que
provavelmente seria muito eficaz, mas que pressupõe uma constituição inteiramente
outra da sociedade. Segundo ele “[...] a senha para que a Psicanálise seja aplicada à
educação deve ser hoje buscada em outro lugar.” (FREUD, 1933/2010, p. 310): a
menos que isto seja insolúvel, deve ser encontrado um optimum para a Educação,
em que ela possa realizar o máximo e prejudicar o mínimo.

A questão será decidir o quanto proibir, em que momentos e com que


meios. E será preciso levar em conta que os objetos da influência
educacional trazem disposições constitucionais muito diversas, de
modo que o mesmo procedimento do educador não pode ser
igualmente bom para todas as crianças. Uma breve reflexão ensina
que até agora a educação cumpriu muito mal sua tarefa que infligiu
graves danos às crianças (FREUD, 1933/2010, p. 311).
Assim, o abuso de exigências éticas não prejudicaria muito, caso preparasse
os jovens para saber como deveriam ser os homens, para serem felizes e tornarem
os outros felizes, desde que tivessem conta de que eles não são assim. Ao contrário,
é feito com que o jovem acredite que todos os demais cumprem as prescrições éticas
e que são virtuosos, e nisso é fundamentada a exigência de que ele também o seja.
(FREUD, 1933/2010, p. 89).

Freud ainda acrescenta que, se esse optimum realiza a sua tarefa, a


educação poderia liquidar um dos fatores da etiologia da doença, a influência dos
traumas infantis acidentais. Por outro lado, o poder de uma constituição instintual
insubmissa, a Educação não poderia eliminar de forma alguma. E assim, indica que
as difíceis tarefas colocadas ao educador – reconhecer a peculiaridade constitucional
da criança, pela via de pequenos indícios, perceber o que sucede na sua mente
inacabada, conceder-lhe amor e conservar uma parcela eficaz de autoridade –
diremos que a única preparação adequada para a profissão de educador é um sólido
treino em Psicanálise. O melhor seria que ele mesmo fosse analisado, pois, afinal,
não se pode assimilar a Psicanálise sem experimentá-la na própria pessoa. A análise
dos professores e pedagogos parece ser uma medida profilática mais eficaz do que
a das crianças, e há dificuldades menores para sua realização.

Para Freud, toda educação é facciosa, portanto, uma vez que busca inserir a
criança na ordem social vigente, sem considerar o quanto esta é valiosa ou
sustentável em si mesma. Quando se está convencido dos defeitos de nossas
instituições sociais, não é justificável pôr a serviço delas também a educação
82

orientada psicanaliticamente. É preciso dar-lhe outra meta, mais elevada, que se


tenha libertado das exigências sociais dominantes.

De todo modo, esse outro objetivo será parcial e não é trabalho do analista
decidir entre as partes, isto é, a educação psicanalítica toma para si uma
responsabilidade que não lhe foi requerida, se se propõe a transformar seus alunos
em revolucionários. Ela terá feito a sua parte se deixá-los os mais sadios e capazes
possível, pois nela já existem fatores suficientemente revolucionários para assegurar
que o indivíduo por ela educado não se porá de lado da reação e da repressão na
sua vida futura.
83

Capítulo 3: O impossível de ensinar

Em 1910, Freud escreveu um artigo chamado Cinco lições de Psicanálise


(1910/2013, p. 220), onde apresenta “[...] uma visão de conjunto da origem e do
desenvolvimento desse novo método de pesquisa e cura.” (p. 222). Nomeando a
Psicanálise de talking cure [cura pela fala], também se referiu jocosamente a ela como
chimney sweepiing [limpeza de chaminé]. Ali, propunha que a análise dos sonhos é
a ‘via régia' para o conhecimento do inconsciente, o mais seguro alicerce da
Psicanálise e o campo em que qualquer estudioso pode adquirir convicção e buscar
seu treinamento.

Apresenta, porém, dois obstáculos: por parte do intelecto, para o


reconhecimento do modo de pensar psicanalítico: primeiro a inexistência do hábito de
contar com o estrito e absoluto determinismo da vida psíquica; segundo, o
desconhecimento das peculiaridades mediante as quais os processos psíquicos
inconscientes se diferenciam daqueles conscientes, que nos são familiares.

Nesse artigo, Freud percorre uma série de conceitos técnicos da Psicanálise,


tais como: angústia, transferência, resistência, trauma, escolha de objeto. E apresenta
a pré-história da Psicanálise em suas referências a Breuer, Charcot, Janet e
Bernheim.

Já em 1912, em Recomendações ao médico que pratica a Psicanálise


(1912/2010, p. 147), um dos artigos sobre a técnica, Freud resume suas regras
técnicas a um único preceito: “[...] devo enfatizar que essa técnica se revelou a única
adequada para a minha individualidade. Não me atrevo a contestar quem tenha uma
personalidade médica de outra constituição seja levada a preferir uma outra atitude
ante os pacientes e a tarefa a ser cumprida.” (1912/2010, p. 148). No entanto, acentua
algumas dicas: a atenção flutuante, que sustenta a proeza mnemônica do
psicanalista, prescindindo até mesmo de tomar notas.

Como conduta correta, para o analista: passar de uma atitude psíquica para
outra conforme a necessidade de não especular e não cogitar enquanto analisa, e
submeter o material reunido ao trabalho sintético do pensamento apenas depois que
a análise for concluída. Tais regras convergiriam para o objetivo de criar a
contrapartida da regra fundamental da associação livre.
84

Nesse momento Freud enfatiza que, tal como o cirurgião, que se deixem os
afetos e até mesmo sua compaixão humana, e concentrar num único objetivo: levar
a termo a operação do modo mais competente possível, sem esquecer a ameaça do
furor sarandi, a ambição terapêutica apoiada no convencimento. Outra tentação vem
da atividade pedagógica, diz Freud (1912/2010, p. 280) que, no tratamento analítico,
recai sobre o psicanalista, sem que haja a intenção por parte dele.

Em suas Conferências introdutórias sobre a Psicanálise (1916-17/2014, p.


14), partindo das dificuldades relacionadas à instrução, ao ensino da Psicanálise, a
seguinte citação de Freud aqui é tomada como ponto de partida.

Não posso, certamente, predizer quanto entendimento de Psicanálise


obterão das informações que lhes dou, contudo posso prometer-lhes
isto: que, ouvindo-as atentamente, não terão aprendido como efetuar
uma investigação psicanalítica ou como realizar um tratamento.
(FREUD, 1916/2014, p. 25).

A partir dela, Freud indicou que devemos considerar a objeção de que, não
seguindo essa orientação, o estudante jamais aprenderia a psicanálise propriamente
dita – também indicada por ele como a 'verdadeira prática'.

Em primeiro, diferentemente das outras áreas da medicina, todo o tratamento


está apoiado unicamente na conversa entre o paciente e o psicanalista. Sobre isso,
diz que não devemos subestimar o emprego das palavras e, sim, nos dar por
satisfeitos:

Com palavras, uma pessoa é capaz de fazer outra feliz ou de levá-la


ao desespero; é com palavras que o professor transmite seu
conhecimento aos alunos e é também por intermédio das palavras
que o orador arrebata a assembleia de ouvintes e influi nos juízos e
as decisões de cada um deles. Palavras evocam afetos e constituem
o meio universal de que se valem as pessoas para influenciar umas
às outras (FREUD, 1916/2014, p. 19).

Da parte do paciente, suas declarações dizem respeito ao que há de mais


íntimo e, mais ainda, a tudo o que, como pessoa autônoma, ele precisa ocultar dos
outros e, de resto, a tudo o que, como personalidade una, ele não deseja admitir para
si mesmo. Essa condição de sigilo e privacidade deixa claro que, aos interessados
em formar um juízo sobre a Psicanálise, esses podem apenas ouvir acerca dele e,
assim, tomar conhecimento da Psicanálise.
85

A princípio, a situação parece ainda mais desfavorável no que se refere às


dúvidas quanto à credibilidade do informante psicanalítico, uma vez que, ao relatar
um tratamento, o psicanalista não dispõe de qualquer certificação objetiva, nem
qualquer possibilidade de demonstrar sua veracidade. Assim, como pode alguém
aprendê-la, afinal, e se convencer da verdade de suas afirmações?

Freud responde a essa questão, dizendo que se trata mesmo de um


aprendizado que não é fácil nem são muitos os que aprenderam devidamente, mas
que o caminho possível, em primeiro lugar, é tomar a Psicanálise como algo que
aprendemos em nós mesmos, mediante o estudo de nossa própria realidade psíquica.
Não no sentido da auto-observação, mas a partir da superação de certas barreiras
que se impõem, avançar-se-ia muito mais quando por um analista qualificado,
experimentando os efeitos da análise. Ainda assim, esse caminho só pode ser
percorrido por cada um, jamais por toda uma sala de aula. Freud assim determinou
que a experiência da análise pessoal, para além dos conhecimentos necessários, é
a melhor maneira de formar uma opinião sobre as aptidões e o desempenho nessa
nova profissão. Ou seja, todo praticante deve se submeter à associação livre, para tal
formação.

Em segundo lugar, para os médicos, que são formados com base na


anatomia, química, física e biologia, sua formação acaba por não ter seu interesse
dirigido para a vida psíquica. Assim, permanecem alheios ao pensamento sobre a
experiência psíquica, o que é danoso para a prática e indica uma deficiência de
formação médica. Mesmo a Psiquiatria que, dentro da medicina, se ocupa em
descrever os distúrbios psíquicos observados e agrupá-los em determinados quadros
clínicos, os sintomas que os compõem são desconhecidos em sua origem,
mecanismo e inter-relação; não lhes correspondem alterações comprováveis do
órgão anatômico, ou as alterações são tais que não contribuem para explicá-los. Para
a Medicina, tais distúrbios psíquicos só admitem influência terapêutica quando podem
ser identificados como efeitos colaterais de alguma afecção orgânica.

Essa é a lacuna que a Psicanálise busca preencher, pretendendo fornecer à


Psiquiatria o fundamento psicológico faltante, no que se refere a descobrir o terreno
comum a partir do qual se possa compreender a convergência do distúrbio físico e do
psíquico. Para tanto, é necessário que ela se mantenha livre de todo e qualquer
pressuposto anatômico, químico ou fisiológico e que trabalhe com conceitos auxiliares
86

puramente psicológicos – tal como o de pulsão, e é por essa mesma razão que há
certo estranhamento.

Freud vai além quando fala sobre outra dificuldade (1916-17/2014, p. 110),
afirmando que, em duas de suas formulações, a Psicanálise ofende o mundo inteiro
e atrai aversão, apontando que não devemos subestimá-las, uma vez que são
poderosas. Adianta que forças afetivas operam em sua manutenção e a luta contra
elas é dura.

A primeira delas infringe uma preconcepção intelectual, qual seja, a hipótese


da convergência entre o psíquico e a consciência, apoiada na negação do
inconsciente. Isto é, a Psicanálise não pode aceitar a identificação do consciente com
o psíquico e define que esse se compõe de processos tais como sentir, pensar e
querer, e ela tem de postular a existência de um pensar e de um querer inconscientes.
Por isso, ela perde de antemão a simpatia da cientificidade, atraindo a suspeita de
constituir-se uma fantástica doutrina secreta. Assim, a afirmação do inconsciente,
abre o caminho para uma nova e decisiva orientação no mundo e na ciência. Da
ocorrência de interferências dos processos inconscientes, como ilustrado pelos atos
falhos, a psicologia até então não tinha conhecimento e, tendo a Psicanálise
expandido consideravelmente o domínio dos fenômenos psíquicos, conquistou para
o terreno da Psicologia manifestações que, antes, não eram de sua alçada.

A outra formulação, uma preconcepção de caráter estético-moral, afirma o


caráter essencialmente sexual que desempenha papel extraordinariamente grande
como causador de doenças mentais. Mais do que isso: que esses mesmos impulsos
sexuais contribuíram definitivamente para as mais elevadas criações culturais,
artísticas e sociais do espírito humano. A aversão proveniente desse argumento,
segundo Freud, é a fonte mais significativa da resistência com a qual a Psicanálise
se depara.

É que a civilização foi criada à custa da satisfação individual e é


constantemente recriada, quando o indivíduo recém-ingresso na comunidade
humana sacrifica novamente a satisfação individual. Pela via da sublimação, um dos
destinos das pulsões, elas são desviadas de suas metas sexuais e direcionadas para
metas socialmente mais elevadas, não mais sexuais. No entanto, a domesticação dos
impulsos sexuais é precária, pois em cada indivíduo persiste o perigo de que ele se
87

negue a tal emprego ou mesmo que ela acabe por contribuir para o adoecimento
neurótico.

Não é fortuito que essa segunda formulação seja justificada a partir do sentido
suposto aos atos falhos, por exemplo: a censura da intenção de dizer algo é condição
imprescindível para que o lapso verbal ocorra. Eles não ocorrem somente a partir da
interferência mútua de duas intenções distintas, mas também que, em sua execução,
uma dessas intenções precisa experimentar certo rechaço para que, mediante a
perturbação da outra, possa manifestar-se.

É preciso que ela tenha sofrido perturbação antes que possa se transformar
em intenção perturbadora, revelando que não é o caso de que ela seria
completamente rechaçada, mas que o ato falho é uma solução de compromisso, e
significa a um só tempo sucesso e insucesso parciais. Isso revela condições especiais
necessárias para o surgimento de um ato falho como formação substitutiva,
determinantes para o jogo de forças na psiquê, como manifestações de tendências
dotadas de metas, que trabalham em consonância ou dissonância umas com as
outras, em sua concepção dinâmica dos sintomas.

Com base nisso, aconteceu de os pacientes revelarem também seus sonhos


em vez de apenas relatarem seus sintomas, assim nasceu a conjectura de que
também esses sonhos têm um sentido. Porém, mais além da negligência científica
dada aos atos falhos, o estudo do sonho atrai o ódio ao que não é científico, desperta
a suspeita de uma tendência ao misticismo, ou seja, acaba sendo tomado como um
fenômeno comum e subestimado e sem nenhum valor prático.

Freud, em contrapartida, tomou o estudo dos sonhos não apenas como a


melhor preparação para o das neuroses, mas tomou o próprio sonho como um
sintoma neurótico e, aliás, um sintoma que tem a inestimável vantagem de se
apresentar em todas as pessoas saudáveis uma vez que, em seu método, a
psicopatologia se aproxima da vida cotidiana.

Mais além, Freud afirma que o real significado dessas descobertas está na
contribuição que os mecanismos da formação dos sonhos são modelares para a
forma como surgem os sintomas neuróticos.

Para os médicos, o sonho naturalmente não era um ato psíquico, e sim, a


manifestação na vida psíquica de estímulos somáticos. Porém sonhar é,
88

evidentemente, nossa vida psíquica durante o sono, mais precisamente, o sonho


parece ser um estado intermediário entre o sono e a vigília.

Restos da atividade psíquica da vigília a perturbar o sono, o sonho é, portanto,


o modo como a psiquê reage aos estímulos que atuam sobre o sono e, no sono, os
processos psíquicos exibem caráter bastante diverso daqueles do estado de vigília.
São predominantemente experimentados por meio de imagens visuais, outros
sentimentos podem desempenhar algum papel e até mesmo pensamentos podem se
misturar. Assim, parte da dificuldade em relatar um sonho decorre do fato de termos
de traduzir essas imagens em palavras. Além disso, essa pouca atividade psíquica
noturna dispõe de enorme repertório e gama variada.

Quando Freud toma o aspecto simbólico dos sonhos, traz uma lista extensa
de significados a partir dos elementos oníricos sobre os quais o próprio sonhador dá
informação nenhuma ou insuficiente. De todo modo, indica que a interpretação
desses elementos pode ser extraída das mais diversas fontes, dos contos de fadas e
dos mitos, dos contos burlescos e chistes, do folclore – isto é, do conhecimento das
tradições, dos costumes, dos provérbios e das cantigas populares – do uso poético e
do uso cotidiano da língua. A partir daí, aponta o quão rica e interessante seria uma
tal coletânea de exemplos colhida da mitologia, antropologia, linguística ou folclore.

A própria natureza dos sonhos desafia as exigências da investigação precisa,


uma vez que, da maioria deles, não somos sequer capazes de lembrar. Por outro
lado, pode-se remediar a dificuldade da lembrança incerta do sonho, estabelecendo
que, como sonho, há de valer precisamente aquilo que o sonhador conta,
independentemente do que ele possa ter esquecido ou modificado em sua memória.

Essa hipótese é fundamental no que se refere ao procedimento adotado – a


associação livre, implica que, sendo um fenômeno psíquico, o sonho abrigue
elementos que o sonhador conhece sem saber que o conhece.

Freud pergunta onde terá sido obtida a comprovação da existência de um


saber do qual o ser humano nada sabe. E aponta ser um fato novo na nossa
concepção de vida psíquica um elemento que se anula em sua própria denominação,
o que chama de contradictio in adjecto – em latim, uma contradição entre partes de
um argumento que ocorre quando a característica denotada pelo adjetivo está em
contraste com o substantivo, um saber insabido, no caso.
89

Freud alerta, porém, que, compreendida ou não essa regra fundamental da


associação livre, o trabalho da interpretação se realiza em face de uma resistência
que lhe é oposta e cujas manifestações compõem-se daquelas objeções críticas e
independe da convicção teórica do analisando. Avançando na apuração dessa
condição do inconsciente, Freud retoma a comprovação desse fenômeno a partir de
estados hipnóides artificiais que se assemelham muito ao estado do sono, em que o
indivíduo inicialmente crê nada saber sobre os acontecimentos ocorridos durante o
sono hipnótico, mas recobrara vagamente aos poucos as experiências sugeridas.
Trata-se do mesmo caso que supomos suceder com o sonhador.

Freud propõe que as regras técnicas que resultaram de sua experiência


seguem um único preceito: como primeira tarefa, que o analista se apoie numa
condição flutuante de sua atenção, conceito bastante inicial que, segundo ele,
favorece a retenção na memória de dados e fatos relatados pelos pacientes. O
preceito sugere notar igualmente tudo, enquanto contrapartida à exigência de que o
analisando relate tudo o que lhe ocorre, sem crítica ou seleção. Regra fundamental
da Psicanálise, formulada assim: “[...] manter toda influência consciente longe de sua
capacidade de observação e entregar-se totalmente à sua ‘memória inconsciente’,
ou, expresso de maneira técnica, escutar e não se preocupar em notar alguma coisa.”
(FREUD, 1916-17/2014, p. 151).

A que associação haveremos de nos ater, portanto? Essa questão abriga


certa crítica à crença profunda na liberdade e arbitrariedade psíquica que, porém, não
é nada científica, a priori, e só pode estar apoiada ante a exigência de um
determinismo predominante também na vida psíquica.

As contínuas associações que vão surgindo, associações que, portanto, já


não são inteiramente livres, e sim, vinculadas – como os pensamentos espontâneos
ligados aos elementos de um sonho. Prossegue-se dessa maneira até que se esgote
o ímpeto para produzi-las.

O resultado é sempre o mesmo: o que essas experiências comunicam


abrange, com frequência, rico material, e requer extensas explanações. Com efeito,
a investigação nos mostra que, além do vínculo que fornecemos mediante a ideia
inicial, essas associações permitem recorrer um outro, como um grupo de
pensamentos e interesses de alto teor afetivo, os chamados complexos, cuja atuação
são, no momento imediato, desconhecidos pelo analisando, isto é, inconscientes.
90

A partir do estudo dos atos falhos, portanto, Freud extraiu uma concepção do
elemento do sonho e uma técnica interpretativa. Resultou disso que o sonho como
um todo é sucedâneo deformado de outra coisa, inconsciente, e que a tarefa da
interpretação do sonho consiste em encontrar esse algo inconsciente.

Dois conceitos importantes que Freud descreve sobre a distorção do sonho,


que são a diferença entre o conteúdo latente e o manifesto. Especifica também dois
procedimentos que atuam no trabalho do sonho, a condensação e o deslocamento,
acrescidos da tradução que se faz da linguagem alfabética para a pictórica, que
corresponde às conversões psíquicas de pensamentos em imagens. Por outro lado,
por meio desses mecanismos de distorção do sonho, vai definindo o trabalho de
interpretação, caracterizando os paralelos com o trabalho do sonho os vínculos que
os estudos psicanalíticos revelam com outras áreas, em especial com a evolução das
línguas e do pensamento.

A Ciência
Para Miller, em seu artigo A psicanálise, seu lugar entre as ciências” (2012),
primeiramente, é importante que partamos do lugar da Psicanálise nas ciências, uma
vez que seu lugar aí é bastante incerto. Segundo ele, os cientistas e os epistemólogos
concordam que Freud foi, talvez, há muito tempo, um dos seus, mas eles estimam
que isso não tenha durado.

Freud inicialmente esperava que a Psicanálise pudesse fazer parte das


Ciências Naturais, porém, as objeções à Psicanálise acontecem em termos lógicos e
não biológicos, abordando os temas fundamentais da Psicanálise pela questão da
verdade e da falsidade, ou mesmo sobre a questão da crença.

Segundo Miller, a Psicanálise propriamente dita começou quando Freud


abandonou o fato de corroborar os ditos com os fatos (2012, p. 28), precisamente
porque não há fala que não esteja incluída numa dimensão paradoxal da verdade.
Assim, as formações do inconsciente definidas por Freud, que não existem fora do
campo da fala singular, perdem o valor da interpretação generalizável, e a
investigação acerca da enunciação passa a ter um papel primordial, já que a filosofia
e a ciência foram fundadas sob a primazia do enunciado.

Na década de 1940, Lacan pensava a Psicanálise como uma ciência da


subjetividade pautado nas descobertas de Lévi-Strauss na Antropologia,
91

aproximando-se das Ciências Sociais, de tal forma que sua conferência intitulada O
mito individual do neurótico19 (LACAN, 1952//1998, p. 11), assinala “[...] o início de
uma referência estruturalista da forma”. Essa expressão encontra-se no artigo de
1949, A eficácia simbólica (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 201). No tratamento
psicanalítico, explica Lévi-Strauss, "[...] é um mito individual que o paciente constrói
com a ajuda de elementos de seu passado", ao passo que "[...] no tratamento
xamanístico”, ele recebe "um mito social" (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 230).

Em seu artigo A análise estrutural em Linguística e Antropologia (1958/2008,


p. 53), Lévi-Strauss afirma que, no conjunto das Ciências Sociais, a linguística “[...] é
certamente a única que pode reivindicar o nome de ciência e que conseguiu ao
mesmo tempo formular um método positivo e conhecer a natureza dos fatos que lhe
cabe analisar.” (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 43).

Psicólogos, sociólogos e etnógrafos, na época, tornam-se desejosos de


aprender com a linguística moderna o caminho que leva ao conhecimento positivo
dos fatos sociais, apoiados em sua estreita analogia de método tornando possível a
colaboração. Segundo Marcel Mauss, “[...] a Sociologia estaria certamente muito mais
avançada se sempre tivesse procedido a exemplo dos linguistas” (LEVI-STRAUSS,
1958/2008, p. 43).

O nascimento da fonologia modificou profundamente a situação,


desempenhando o papel renovador que a física nuclear, por exemplo, desempenhou
para com o conjunto das ciências exatas.

Lévi-Strauss (1958/2012, p. 45), indica quatro procedimentos fundamentais


do método fonológico: em primeiro, a fonologia passa do estudo dos fenômenos
linguísticos conscientes para o de sua infraestrutura inconsciente; recusa-se a tratar
os termos como entidades independentes, tomando como base de sua análise, ao
contrário, as relações entre os termos; introduz a noção de sistema – mostrando
sistemas concretos e evidenciando sua estrutura. E, finalmente, visa à descoberta de
leis gerais, descobertas por indução, ou deduzidas logicamente, o que lhes dá um
caráter absoluto, em suas relações necessárias.

Vê-se, assim, tudo o que uma análise estrutural do conteúdo do mito poderia,
por si só, obter: regras de transformação que permitem passar de uma variante a

19 A conferência foi proferida Collège Philosophique.


92

outra, por operações semelhantes às da álgebra, demonstrado pelo autor no seu


capítulo sobre Estrutura e dialética (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 252).

Por outro lado, estabelece que os termos de parentesco, tais como


imaginavam, só é analítico na aparência, pois na verdade, o resultado é mais abstrato
do que o princípio. Em vez de caminhar em direção ao concreto, afastamo-nos dele,
e o sistema definitivo – se é que há sistema – só poderia ser conceitual.

A razão desse fracasso está apoiada na fidelidade demasiado literal ao


método da linguística e acaba por trair seu espírito, pois os termos de parentesco não
possuem uma existência apenas sociológica, são também elementos do discurso.

Lévi-Strauss afirma que o desconhecimento dessa situação inicial reduz a


maioria das análises estruturais dos sistemas de parentesco a puras tautologias.
Portanto, o sistema de parentesco é uma linguagem, mas não é uma linguagem
universal (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 61).

A partir de então, qualquer concessão ao naturalismo ameaçaria pôr em risco


os imensos progressos já realizados no campo da Linguística e que começam a
despontar na Sociologia da família, condenando essa última a um empirismo sem
inspiração nem fecundidade (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 65).

Lévi-Strauss define o elemento de parentesco, invocando um argumento de


ordem lógica: “[...] o caráter primitivo e irredutível do elemento de parentesco tal como
definido decorre, de modo imediato, da existência universal da proibição do incesto.”
(LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 59). Isto equivale a dizer que, na sociedade humana,
um homem só pode obter uma esposa de um outro homem, que lhe ceda na pessoa
de uma filha ou irmã.

Assim é que o sistema de parentesco recobre, na verdade, duas ordens de


realidade distintas: primeiro, há os termos pelos quais se expressam os diferentes
tipos de relações familiares, mas o parentesco não se expressa apenas numa
nomenclatura, pois os indivíduos, ou classes de indivíduos, que utilizam os termos se
sentem (ou não se sentem, dependendo do caso) obrigados uns em relação aos
outros um determinado comportamento – respeito ou familiaridade, direito ou dever,
afeto ou hostilidade. Assim, ao lado, existe outro sistema, de natureza igualmente
psicológica e social, o sistema de atitudes.
93

Já nos anos 1950, Lacan, rompendo definitivamente com a divisão clássica


entre Ciências da Natureza e Ciências Humanas, inclui a Psicanálise no conjunto das
Ciências Conjecturais, consequentemente, sendo vista do lado das ciências da
matemática, da lógica e das ciências da linguagem.

Com isso, Lacan denunciava que a redução do sujeito a qualquer proposta


culturalista, tal como reduzi-lo à Biologia, acabava no fracasso da proposta
universalista de entificação do sujeito, na tentativa de construir um ser humano
universal, uma vez que a Psicanálise privilegia a singularidade e o caso individual.
Lacan assim define com o que a Psicanálise tem verdadeiramente de lidar: uma nova
e estranha teoria da verdade e do real, que não é a realidade externa, mas o real do
impossível de dizer, traumático e determinado pela lógica do discurso.

A ciência se volta para a objetividade máxima, para os processos de


matematização, de quantificação, na tentativa de captar tudo o que ocorre. Contudo
revela Lacan, em sua abordagem metodológica ela acaba subtraindo o sujeito,
excluindo o sujeito, na impossibilidade de apreendê-lo. Cabe à Psicanálise o resgate
desse sujeito da ciência, não como um ser com estatuto ontológico, mas sim, como
um sujeito estabelecido na e pela linguagem.

No escrito A Ciência e a Verdade20 (1965/1998, p. 869), Lacan declara que


“[...] o sujeito sobre quem operamos em Psicanálise só pode ser o sujeito da ciência.”
(p. 871). Afirma, porém, que há uma diferença radical no que se refere à práxis
psicanalítica: a postura reforçada pela ciência é revolucionada na perspectiva
freudiana, ao considerar a realidade psíquica como fator importante, solicitando que
o sujeito fale sobre seu mal-estar.

É Freud quem indica que a noção de realidade como correlato do sistema


percepção-consciência é equivocada e admite, então, uma noção de realidade que
inclui a realidade psíquica, linha de experiência que a ciência sanciona. Mas, ao
conceber essa divisão, de caráter inaugural, Freud define a subjetividade como
instituindo o aparelho psíquico numa pluralidade de registros. Ou seja, o inconsciente

20
Estenografia da aula inaugural do seminário realizado no ano de 1965-1966 na École Superieure
(rua d'Ulm), sobre "O objeto da Psicanálise", em 1º de dezembro de 1965. Publicado no primeiro
número dos Cahiers pour l'Analyse pelo Círculo de Epistemologia da École Normale Superieure, em
janeiro de 1966.
94

testemunha a divisão subjetiva, a Spaltung, dimensão da verdade pela qual a ciência


não se interessa e que a Psicanálise recolhe.

O cogito, tão definitivo na pesquisa científica, testemunha que a ciência


moderna requer a geometrização do pensamento, isto é, a destituição de suas
qualidades sensíveis e uma consequente eliminação da relação direta entre real e
realidade psíquica. Consequentemente, o sistema cartesiano liberta o homem da
dúvida e da incerteza a preço de apagar tanto a divisão constitutiva da subjetividade
quanto o fato de que o eu é uma unidade alienada, virtual. É nesse sentido que Lacan
abomina as ditas “Ciências Humanas”, o que entende como “a própria voz da
servidão” (LACAN, 1965/1998), p. 875), devido aos préstimos que dá à tecnocracia.

Para incluir a Psicanálise no campo científico, Lacan apoia sua hipótese no


sujeito de ciência, e não na ciência do homem, utilizando-se de uma “[...] modalidade
muito especial de sujeito, aquele para o qual só encontramos o índice topológico,
digamos, o signo gerador da banda de Moebius, que chamamos de oito interior”. O
sujeito está em uma exclusão interna a seu objeto.

A Psicologia, por sua vez, ao tratar da subjetividade como a constituição de


um plano de interioridade reflexiva, na qual há em cada vivência uma ancoragem em
uma experiência de primeira pessoa, de um “eu”.

Lacan apontou assim que o alcance metafísico que tal fenômeno revela não
é separável do problema da significação para o ser em geral, isto é, da linguagem
para o homem em sua relação com a verdade (LACAN, 1965/1998, p. 166).

Assim, propõe que o descobrimento do inconsciente está diretamente


relacionado com o corte efetuado por Freud, no estabelecimento da Psicanálise. De
todo modo, ainda deixa uma questão: “Que tipo de ciência acolheria a Psicanálise?”
(LACAN, 1965/1998, p. 870). Lacan, em seu escrito, fala também da redução/corte
do objeto de uma ciência, cuja relação é bem próxima à Spaltung freudiana – “[...]
estrutura que dá conta do estado de fenda em que o psicanalista o situa (o objeto)
em sua práxis” (LACAN, 1965/1998, p. 869) – isto é: constitui-se uma ciência, a partir
da redução de um objeto dessa mesma.

Assim, exercendo a técnica da Psicanálise na relação do sujeito com o


significante, o que ela conquistou de conhecimentos só é situável na ordem das
Ciências Conjecturais (1956/1998, p. 475). É nessa ordem que se edificam as noções
95

estruturais, permitindo que tal perspectiva de investigação exija uma formação que
reserve à linguagem seu papel substancial.

Especialmente, em seu texto Elementos de epistemologia (MILLER, 1987)


conhecidas como Conferências Caraquenhas – ocasião, por sinal, da primeira vinda
do autor na América Latina, na Universidade Central da Venezuela, acrescenta que,
quanto à epistemologia lacaniana, ela marca a posição dentro do corte
epistemológico, na medida em que, por meio do campo freudiano, o sujeito foracluído
da ciência retorna no impossível de seu discurso. Há, pois, uma ideologia cuja teoria
é da lavra de Lacan: a do “eu moderno” – isto é, do sujeito paranóico da civilização
científica, cujo imaginário a Psicologia desvirtuada teoriza a serviço da livre iniciativa.

O Ensino
Maria Cecília Galetti Ferretti, que fez seu doutoramento nessa mesma
Faculdade de Educação e é membro da Seção São Paulo da Escola Brasileira de
Psicanálise, em seu texto sobre O Sujeito na Psicanálise e na Educação (FERRETTI,
1997), indica que Lacan endereça uma severa crítica à ciência ao afirmar que ela
sutura o sujeito. De acordo com a autora, Lacan propõe para a Psicanálise uma
formalização que lhe é própria. Afinal, as mudanças provocadas no sujeito por meio
do tratamento analítico, embora em tudo se distancie de uma transferência de
conhecimento, são efeitos de um elo social estruturado pelo discurso analítico.

Tal crítica é de fundamental importância à Educação, sobretudo na


delimitação de seu campo. Interessa de modo particular para o estabelecimento de
um projeto educacional para além das chamadas “Ciências Humanas” e sua visão
instrumentalista, no que concerne ao sujeito. Ao falar sobre o novo estatuto do sujeito,
a partir de Freud, Lacan estabelece como balizas a castração e o desejo. É este
sujeito que a ciência é acusada de suturar, enquanto a psicanálise permitirá́ a ele
levar um saber à verdade.

Assim, a noção de ensinar – que pode ser correlacionada com o que ocorre
entre um eu que se dirige a um tu, a quem busca passar a mensagem a respeito do
conteúdo a ser aprendido, segundo Jakobson (1970), muda de estatuto, pois ao incluir
a dimensão do inconsciente, o conceito de transmissão aponta para o que excede ao
que se passa nesse âmbito.
96

Em Variantes do tratamento-padrão21 (1955a/1998, p. 325-364), Lacan afirma


que, nesse momento, já não se tratava mais da necessidade de apenas definir as
matérias de um programa, mas de indicar a importância da crítica de seus
fundamentos, sem o que a Psicanálise se degradaria em efeitos de suborno coletivo
(1955a/1998, p. 364).

Desse modo, Lacan apresenta nesse escrito algumas declarações feitas pelo
presidente da Associação Psicanalítica Norte-Americana, Dr. Knight, no ano de 1952,
descritivas do atual recrutamento dos candidatos à formação:

Dentre os fatores que tendem a ‘alterar o papel da formação


analítica’... ao lado do número de candidatos em formação, a
‘forma mais estruturada do ensino’ nos institutos que o
dispensam, opondo-o ao tipo anterior de formação por um
mestre. (1955a/1998, p. 358).
Determinando que, seja qual fosse o saber transmitido, se de modo pré-
dirigido, não haveria nenhum valor formativo (LACAN, 1955a/1998, p. 359), o que se
chamou de análise didática também carecia de revisão, já que suas premissas
estavam diretamente relacionadas ao vasto movimento conceitual das chamadas
‘ciências sociais e humanas’, no qual a Psicanálise nasceu.

Consequentemente, era necessário que se deixasse de lado a perspectiva de


uma ‘psicologia das profundezas’ do inconsciente em favor do estudo da teoria dos
números, dos jogos, dos conjuntos, bem como, dos exercícios de combinatória – na
busca das relações do inconsciente com as estruturas linguísticas.

Instaurando as teses sobre a ordem que instituiria a Psicanálise como ciência


e, depois, extraindo delas os princípios por onde manter nessa ordem o programa de
seu ensino: “O que a Psicanálise ensina, como ensiná-lo?” (LACAN, 1957a/1998, p.
440). A pergunta supracitada tem origem na Comunicação apresentada à Sociedade
Francesa de Filosofia, na sessão de 23 de fevereiro de 1957, intitulada de A
psicanálise e seu ensino22 (LACAN, 1957a/1998, p. 443), onde Lacan indica alguns
pontos no que concerne à Psicanálise, ao que ela nos ensina, orientando este
trabalho em seu eixo principal.

21Redigido na Páscoa de 1955. Publicado na Encyclopédie médico-chirurgicale, Psychiatrie, vol.III,


2-1955, fascículo 37812-C10. Suprimido em 1960. No início do texto, 1953.
22
Comunicação apresentada à Sociedade Francesa de Filosofia em sua sessão de 23 de
fevereiro de 1957. Publicado no Bulletin de la Societé Française de Philosophie, vol. XLIX,
1957, p. 65-85.
97

Primeiramente, Lacan afirma que, no inconsciente, isso fala, questão mais


fundamental formulada por Freud desde a Interpretação dos Sonhos (1900/2019). A
partir dessa compreensão, foi possível compreender que o uso significante distingue
o sintoma de seu sentido natural, uma vez que, separando-se do imaginário, o desejo
– como metonímia mais vasta, englobando suas metáforas, deve ser situado nas
entrelinhas; e que Freud se interroga sobre o que determina essa verdade no texto
sobre o instinto de morte.

Lacan aponta especialmente que foi por recusarem como imprópria essa
interrogação de Freud – sobre o instinto de morte, que os psicanalistas de então
retornaram ao mais “primário egocentrismo, em contradição com a contingência que
Freud atribuiu ao objeto no destino das tendências psíquicas do eu” (LACAN,
1957a/1998, p. 443). Segundo ele, a imensa literatura em que essa contradição se
denuncia poderia compor uma casuística útil para demonstrar onde se situa a
resistência: nos efeitos imaginários da relação a dois, cujas fantasias fazem tomar
sua consequência como consistente, uma vez que o verdadeiro trabalho da análise
deve-se à sua natureza oculta.

No que se refere à formação do analista, a discussão já apresentava uma


crítica ao princípio mais reacionário que recobre a dualidade daquele que sofre e
daquele que cura pela oposição entre aquele que sabe e aquele que ignora. Uma vez
que a transferência foi tomada como demanda de saber, a partir das relações entre o
eu e a verdade, Lacan indicou que a Psicanálise só pode ser definida a partir do
tratamento dispensado pelos analistas de sua época, bem como, a partir das leis que
regulam suas trocas significantes.

Portanto, diferentemente de um ensino profissional e para além da natureza


oculta do verdadeiro trabalho, a estrutura da Psicanálise pode ser formalizada de
maneira inteiramente acessível à comunidade científica (LACAN, 1957a/1998, p. 456)
já que não é nada além de um artifício cujos componentes Freud forneceu ao afirmar
que seu conjunto engloba a noção desses componentes.

E qualquer retorno a Freud que dê ensejo a um ensino digno desse


nome só se produzirá pela via mediante a qual a verdade mais oculta
manifesta-se nas revoluções da cultura. Essa via é a única formação
que podemos pretender transmitir àqueles que nos seguem.
(LACAN, 1957a/1998, p. 460).
98

A estrutura da análise, a partir dos componentes que Freud forneceu – e que


são suficientes para sua eficácia – se apoiam no simples restabelecimento de uma
cadeia simbólica cujas três dimensões – quais sejam, a história do sujeito, sua
submissão às leis da linguagem e a articulação pela qual a verdade entra no real,
indicam as direções em que se tenciona traçar as vias da formação do analista.

Sobretudo pela subversão dada a partir do inconsciente, em sua condição


linguística tal que “Freud, ao enunciar essas leis em sua minúcia, só fez formular de
antemão as que Ferdinand de Saussure só iria trazer à luz alguns anos depois,
abrindo a trilha da linguística moderna.” (LACAN, 1957a/1998, p. 448). Assim, a
pergunta sobre o saber do psicanalista é respondida por Lacan com base no
significante tomado como rudimento e como fundamento da práxis psicanalítica.

No entanto é necessário que o ensino não se restrinja à simples manutenção


formal desses componentes, uma vez que a Psicanálise não pode se tratar de mais
um parâmetro da realidade, mas do simples restabelecimento da cadeia simbólica,
cuja verdade é inapreensível.

Tal condição paradoxal nos convoca a responder a um ensino que lida com o
que não se sabe e para além da perspectiva da transmissão do conhecimento. Se,
para a Educação, o que se ensina costuma estar associado ao que se sabe e se
transmite de maneira mais ou menos organizada – do professor ao aluno, isto é: o
conhecimento – o que se chama aprendizagem; para a Psicanálise, como ensinar o
que não se sabe e que não se pode saber?

Primeiro, o que diferencia o ensino da Psicanálise em relação aos demais


ensinos é que ele se refere ao inconsciente, revelando os impasses que a própria
Psicanálise tem em relação ao saber. O que faz com que seu ensino se teça pela via
de uma concepção de saber que nunca se fecha nela mesma, isto é, uma posição
descentrada em relação ao saber, fazendo com que esse saber se encontre
estreitamente articulado ao registro do real, um limite a um tudo saber.

Há um destaque fundamental colocado na palavra ensino, e não teoria, uma


vez que o ensino apresenta um furo que evidencia que, em cada momento distinto,
Lacan apresentou propostas novas para lidar com os enigmas trazidos por esse ponto
opaco do saber. Para Lacan, aquele que transmite se encontra em posição bastante
99

próxima daquela do analisante, e não do analista, tratando-se de alguém que visa


elaborar um saber, e não trazer um saber pronto e acabado.

São apenas cinco as vezes em que, nos títulos, Lacan se refere diretamente
ao seu ensino, um desses escritos já foi apresentado acima – ele se chama A
Psicanálise e seu ensino (1957a/1998, p. 440), ponto de partida. Outras três ocasiões
são, especificamente: Então vocês terão escutado Lacan (LACAN, 1967a/2005),
Lugar, origem e fim do meu ensino (LACAN, 1967b/2005) e Meu ensino, sua natureza
e seus fins (LACAN, 1968/2005) – agrupados no terceiro volume da coleção
Paradoxos, publicada pela Editora Zahar, intitulado Meu Ensino (LACAN, 2005). Na
contracapa, Miller aponta que cada uma dessas intervenções de Lacan se tratava de
uma ação de comando, nas quais ele visava dizer quem ele é e o que faz. No primeiro
caso, Então vocês terão escutado Lacan23 (1967a/2005), nem sequer está a palavra
ensino, no entanto, seria impossível ler esse título sem ter escutado isso. Essa é a
definição de transmissão que compete à Psicanálise.

Essa conferência, sobre seu curso, trata da ideia de que as camadas que se
depositaram ao longo da história constituiriam aquisições que se adicionam e que ao
mesmo tempo podem se juntar para fazer a Universidade, no princípio da organização
do ensino. Contrariando essa ideia Lacan afirma que ela, a Universidade, é feita para
dar a ilusão de que as diversas etapas do pensamento se engendram numa
totalidade.

Afirma que exerce uma posição de ensino bem particular, pois ela consiste
em partir de novo sobre um certo ponto de surgimento da Psicanálise, com o
surgimento da ciência, mas que vai contra o brainstrust. Sobretudo com Freud, a
mensagem enigmática trazida pelos Escritos é a de que “[...] não passam de alguns
fios, flutuadores, ilhotas, pontos de referência que apresentei de tempos em tempos
às pessoas a quem ensinava.” (LACAN, 1967a/2005, p. 116), derrocando assim
aquela perspectiva acumulativa de saber.

Terminando sua fala, Lacan faz crítica aos usos de seus textos como aporias
ao saber que se ensina, uma vez que a ele interessa mais certo “desmuniciamento”

23
10 de junho de 1967 na Faculdade de Medicina de Estrasburgo. Havia em Estrasburgo um
importante grupo lacaniano, desenvolvido a partir da segunda metade dos anos 1950 em torno de
Lucien Israel, professor de psiquiatria e psicanalista. Este foi o incentivador do convite feito a Lacan.
100

a favor do psicanalista saber-se dependente tanto do desejo do Outro quanto de sua


fala.

Lacan diz que o psicanalista deve ser capaz, no nível de sua prática, de se
presentificar a todo instante como aquele que sabe qual é sua dependência em
relação à sua própria fantasia – isto é, “o que é para cada um o que ele não quer
radicalmente saber” (LACAN, 1967a/2005, p. 121).

Isto significa que ele acaba representando para o sujeito aquilo que o
progresso analítico deve enfim fazer este renunciar, a saber, o objeto
ao mesmo tempo privilegiado e o ob’jeto-dejeto a que ele mesmo
colocou em si. Posição dramática, uma vez que, no fim, o próprio
analista precisa saber eliminar-se desse diálogo como alguma coisa
que cai dele, e cai pra sempre. (LACAN, 1967a/2005, p.121).
No mesmo ano, mais no fim, na conferência Lugar, origem e fim do meu
ensino24 (1967b/2005, p. 10), Lacan apresenta seu ensino a partir de uma tríade de
significantes: lugar, origem e fim.

O lugar é a topologia. E se entra nesse campo de saber por uma experiência


única, que consiste simplesmente em se submeter a uma Psicanálise. Lacan assim
redefine o inconsciente para além de Freud, apontando o lugar da Psicanálise como
“extraterritorial” (LACAN, 1967b/2005, p. 22) em relação à verdade.

Ao atualizar que a sexualidade já em sua época era mais pública do que no


tempo de Freud, indica que seu interesse pelo tema está coordenado com o efeito de
furo na verdade que se dá a partir do sexo enquanto um ato. Lugar, justamente,
definido por Lacan como o terreno “[...] onde não se sabe sobre que pé dançar a
propósito do que é verdadeiro.” (LACAN, 1967b/2005, p. 30).

E, visando a um novo alcance, colocou as coisas freudianas tão longe,


levando “[...] as literárias até o último termo, a saber, o que se consegue fazer da
linguagem quando se quer evitar os equívocos, isto é, reduzi-la ao literal, às letrinhas
da álgebra.” (LACAN, 1976b/2005, p. 32).

No que diz respeito à origem de seu ensino, Lacan indica que é a linguagem
e ressalta que Freud se apoiava na palavra e propõe o inconsciente como

24Em Lyon, a conferência é seguida por um diálogo com o filósofo Henri Maldiney. Realizada em
outubro de 1967, no Centre Hospitalier du Vinatier, em Lyon; posteriormente transcrita.
101

“estruturado como uma linguagem” (p. 37). Nada a ver como uma gênese. Portanto,
é dos algarismos e pequena letras que tem sua organização própria, a organização
da ciência.

Não para refutar o famoso paralelismo psicofísico, que é, como todos


sabem, uma futilidade há muito tempo demonstrada, mas para sugerir
que não é entre o físico e o psíquico que o corte deve ser feito, mas
entre o psíquico e o lógico. (LACAN, 1967b/2005, p. 41).

Nesse ínterim, Lacan diversa sobre as posições de Piaget e Vigotski, de um


lado, denunciando que, se partir de um aparelho lógico tão bom quanto o de Piaget,
isso “morde” a criança, uma vez que ela lhe responde no mesmo registro da lógica.
Para a linguagem, no entanto, são necessários tempo e as relações sociais. Nisso,
Vigotski antecipava a noção de sujeito, constatando que a entrada da criança no
aparelho da lógica acontece na puberdade, o que designa efetivamente uma
categoria diferente daquela do desenvolvimento, mas em sua constituição.

Constata, portanto: sujeito do enunciado versus sujeito da enunciação. A


partir da função significante, qual seja, “O significante é o que representa o sujeito
para outro significante, não para outro sujeito.” (1967b/2005, p. 46), Lacan coloca o
sujeito e seu desejo na relação com o desejo do Outro, como ocorre com a metonímia,
decorrente da castração.

Em seus fins, caberia ao ensino fazer psicanalistas à altura dessa função que
se chama “sujeito”, porque se verifica que só a partir desse ponto de vista se enxerga
bem aquilo de que se trata na Psicanálise. Finalmente, no que se refere à teoria da
psicanálise didática, “[...] já não seria má a preparação, se os psicanalistas
praticassem um pouco de matemática.” (LACAN, 1967b/2005, p. 53). Assim, o mínimo
seria que os psicanalistas percebessem que são poetas, diz Lacan.

O terceiro texto, Meu ensino, sua natureza e seus fins25 (LACAN, 1968/2005,
p. 69), conta que seu ensino fizera barulho de fato na ocasião da publicação de seus
Escritos (LACAN, 1966/1998), à guisa de seus escritos como marcadores de etapas,
o ponto alcançado em tal ano ou em tal época de tal ano, ajuntados. Mais além, até
considerados ilegíveis.

2520 de abril de 1968, em Bordeaux. Lacan foi a Bordeaux a convite de um grupo de residentes do
Hospital Psiquiátrico (CHS) Charles-Perrens.
102

Para a elucidação da razão de ser da experiência psicanalítica, com a qual


se relaciona o ensino, Lacan propõe que é uma operação de discurso, com relação
direta com a “[...] extensão efetivamente de regalia das funções da ciência.” (LACAN,
1968/2005, p. 87).

Em referência expressa aos textos A interpretação dos sonhos (FREUD,


1900/2019), A psicopatologia da vida cotidiana (FREUD, 1901/2021), O chiste e sua
relação com o inconsciente (FREUD, 1905/2017), Lacan indica três fatos acerca do
inconsciente:

• Isso sonha;
• Isso rateia, falha; e
• Isso ri.

Pelo fato de o sujeito ser definido no sentido estrito como efeito de


significante, na dependência dessa cadeia articulada que representa o legado
científico, ele deve tomar seu lugar nela. Esse sistema fracassa, é assim que o sujeito
dura. Assim, a função da subjetividade é a confusão do sujeito com a mensagem, que
o sutura buscando eliminá-lo por meio das letrinhas, mas reencontrando-o no final,
sob a forma de todo tipo de paradoxos lógicos.

Posteriormente, em sua Alocução sobre o ensino26 (1970a/2003, p. 302),


último dos cinco textos mencionados que apresentam o significante ensino em seu
título, pronunciada já nos anos 1970, Lacan discorre sobre a relação entre aquele que
ensina e o ensinado, partindo da noção de que o ensino seria a transmissão de um
saber. No entanto, acrescenta que é da divisão do sujeito que se trata, uma vez que
“[..] só posso ser ensinado à medida do meu saber.” (LACAN, 1970/2003, p. 304).
Lacan quer dizer com isso que é a partir da relação psicanalisante-psicanalisado que
visa marcar essa distinção.

Assim define que, para o professor, basta procurá-lo além de sua tarefa
quanto ao saber, tomá-lo como efeito do ensino, e isso depende de onde o discurso
lhe dá lugar:

26Proferida no encerramento do Congresso da Escola Freudiana de Paris, em 19 de abril de 1970,


por seu diretor.
103

Figura 9 – Lugares ou posições no discurso.

FONTE: Lacan (1969-70/1992, p. 161).

Figura 10 – Os quatro discursos.

FONTE: Lacan (1969-70/1992, p. 65).

No caso do discurso do Mestre (M), é simplesmente o professor, como


agente, que sustenta a lei, legiferando o gozo, por ser o próprio mestre (S1), razão
pela qual o sujeito cria seu fantasma ($<>a). Quando o saber (S2), vindo no lugar do
agente, ocorre o discurso da Universidade (U), convergindo com sua formulação por
se revelar como ensino.

Segundo Lacan, “[...] o ensino é o saber descaracterizado, em suma, pelo


lugar de onde ele impera.” (LACAN, 1970/2003, p. 306). Assim, a atual crise da
Universidade, encarnada no que Lacan chama de “aluninhos-de-professor", se
mantém em nada ensinando, exceto ao tomar os significantes-mestres não como
produção, mas como a verdade da Universidade. De algum modo, para chegar ao
ensino, Lacan afirma que o saber deve ser um saber de mestre, ter algum significante-
mestre que constitua sua verdade e é da ciência que se trata.
104

É esse o interesse de ver aparecer o discurso da Histérica (H), isto é, um


saber como produção do próprio significante-mestre, mas em posição de ser
interrogado pelo sujeito ($) elevado a agente. Por último, é pelo discurso do Analista
(A), o qual assume seu lugar por ser uma distribuição oposta à do discurso do Mestre,
primário, que o saber chega ao lugar designado como verdade.

Pela relação do saber com a verdade, adquire verdade aquilo que se


produz de significantes-mestres no discurso analítico, e fica claro que
a ambivalência daquele que ensina para o ensinando reside onde, por
nosso ato, criamos o caminho para o sujeito, ao lhe pedir que associe
livremente (o que significa: que os faça mestres) os significantes de
seu percalço.” (LACAN, 1970/2003, p. 308).

Essa produção um tanto estranha por não ser ensinável, nem por isso nos
liberta da hipoteca do saber (S2), diz Lacan. Tal discurso não se sustentaria, se o
saber exigisse a intermediação do ensino. Assim, pode ser que o ensino seja feito
para estabelecer uma barreira ao saber, numa relação antagônica entre os dois
termos.

Finalmente, é nisso que a maneira como a verdade se formaliza na ciência,


ou seja, a lógica formal, é para Lacan um ponto visado: para estendê-la à estrutura
da linguagem, em sua transmissão.

Este é o núcleo de onde procede o ensino de Lacan: dali onde o ato ordena
que a causa do desejo seja o agente do discurso (LACAN, 1970/2003, p. 308). Assim,
ao se oferecer ao ensino, o discurso psicanalítico leva o psicanalista à posição do
psicanalisante, isto é, a não produzir nada que se possa dominar, malgrado a
aparência, a não ser a título de sintoma. Lacan finaliza esse escrito com a seguinte
afirmação: “A verdade pode não convencer, o saber passa em ato.” (LACAN,
1970/2003, p. 310).

A Universidade
Quando pergunta Deve-se ensinar a Psicanálise nas universidades?
(1919/2010, p. 377), Freud já discernia sobre a conveniência desse ensino sob dois
pontos de vista, a saber:
105

Para a Psicanálise: um motivo de satisfação. Porém, dada sua exclusão da


universidade de sua época é que ele justifica a função decisiva das sociedades
psicanalíticas, nas quais, é possível obter o que é preciso teoricamente, além da
literatura especializada e da troca de ideias. No que se refere à prática, inclui a análise
pessoal, o estudo teórico e a supervisão dos colegas mais experientes, nomeando o
famoso tripé da formação analítica.

Por outro lado, para a Universidade, apesar de afirmar que o psicanalista


pode prescindir dela sem prejuízo para sua formação, Freud propõe o sentido da
inclusão da Psicanálise no currículo acadêmico.

Para a totalidade da formação médica, no esclarecimento do significado dos


fatores psicológicos das diferentes funções vitais, bem como, nas doenças e no
tratamento, como suplemento à direção parcial dada aos médicos, restrita aos
campos da anatomia, da física e da química. Conta também que essa 'óbvia carência',
levou inicialmente à inserção, no campo da Psicologia médica, da Psicologia
acadêmica e da Psicologia experimental, o que, segundo ele, revelava-se inseguro,
até o momento;

Para oferecer uma preparação ao estudo da Psiquiatria, cujo caráter


descritivo-fenomenológico apenas ensinaria o estudante a identificar quadros
clínicos, também restritos à etiologia orgânica. De todo modo, acrescentaria ao ensino
dogmático aulas teóricas, um ambulatório e o serviço de internação, dando lugar à
prática.

Assim é que Freud afirma sumariamente que a Universidade só teria a


ganhar, denunciando que a partir do 'efetivo exercício da psicanálise', sem esse lugar
da prática, o estudante jamais aprenderia algo sobre e com ela. Finalmente, com
método próprio, a Psicanálise estender-se-ia a outras áreas, como a arte, a filosofia
e a religião. Assim, tal acréscimo contribuiria até mesmo em vincular a medicina a
outros saberes.

Em suma, cabe afirmar que somente a Universidade pode beneficiar-se com


a assimilação da Psicanálise em seus planos de estudo. Naturalmente, seu ensino só
poderá ter caráter dogmático-crítico, por meio de aulas teóricas, pois nunca, ou
apenas em casos muito especiais, oferecerá a oportunidade de realizar experimentos
ou demonstrações práticas (FREUD, 1919/2010).
106

A interrogação freudiana sobre a possibilidade da aproximação entre a


Psicanálise e a Universidade institui uma zona fronteiriça entre o saber acadêmico e
o saber psicanalítico, definindo práticas que se tocam sem se recobrirem por
completo.

No volume nomeado de Del Édipo a la sexuación (MILLER, 2011), os


múltiplos aportes promovem o ensino e a investigação em Psicanálise numa nova
direção, qual seja, do mito à lógica, Éric Laurent, em sua conferência O impossível de
ensinar (2011, p. 267), afirma que “[...] o psicanalista não tem como vocação ensinar”
(2011, p. 267 – tradução do autor). Autorizar o analista ao ensino o faz sempre pelo
fracasso, convindo mais distinguir uma série de modalidades do fracasso no registro
do saber, do poder e do ato analítico.

O autor, aponta diretamente que a tese que distingue o impossível que toca
à Psicanálise do que toca o discurso do mestre e o que toca ao ensino, mais além do
que chama de “triunfo da universidade” (LAURENT, 2011, p. 268) – instituição
construída na cultura ocidental para dar lugar ao ensino, conforme apresentado no
Capítulo anterior.

Com isso, há uma estranha relação entre o saber e os significantes-mestres


dentro da Psicanálise, implicando uma nova separação dos saberes necessários a
ela. Aqui, novamente encontramos uma advertência à Universidade do erro de
perspectiva que implica juntar a Psicologia, a Psicanálise e a Psicoterapia, em favor
de um realismo próprio da Psicanálise, cujo real seria produzido por sua prática da
língua.

Assim, a dificuldade de ensinar é a de romper com a conformidade introduzida


pelos interesses do significante-mestre, apontada pelo autor como sintoma social
dentro da demanda de Psicologia, vinculado à ideologia de culto da ciência, que
elimina o sujeito em sua necessidade de alcançar um saber para todos. Então, afirma
que, na prática, se trata de transformar a demanda social do mental em uma demanda
de análise.

Para tanto, lembra o autor que a oposição transmissão-ensino é fundamental,


uma vez que o que se transmite não necessita de nenhuma maneira ser entendido.
Laurent aposta que o problema é atuar com o discurso que temos, como critério
fundamental.
107

Em seu início, Éric Laurent, apresentou um comentário intitulado Talvez em


Vincennes...27 (LACAN, 1975c/2003, p. 316), detalhando a proposição feita por Lacan
em 1974 no momento da reestruturação do Departamento de Psicanálise. Nesse
escrito, Lacan propõe, portanto, que reunissem os ensinamentos em que Freud
formulou que o analista deveria apoiar-se, não se tratando somente de ajudar o
analista com ciências propagadas à moda universitária, mas destacando que essas
ciências encontrem em sua experiência uma oportunidade de se renovar (p. 316).

Milner, o comenta em seu artigo “Linguística e Psicanálise” (2010), descreve


a relação epistemológica entre a ciência da linguagem e a Psicanálise a partir de três
pressupostos: a) a lógica, sob a condição de ser uma ciência do real, ao permitir o
acesso à modalidade do impossível; b) a topologia, referindo-se à matemática; e c) a
antifilosofia, o que a investigação do que o discurso universitário deve à sua
suposição “educativa” – isto é, não é a história das ideias que dará conta do recado:
é preciso se acrescentar a elas a Linguística.

É ainda Millner (2010) quem afirma que, o sistemático, estruturalmente


relacionado com a Universidade distribui um ensino consistente, mas, partindo da
noção de que a verdade não se pode dizê-la toda, o discurso analítico, não se opondo
ao estudo do detalhe, tem seu sentido inverso e opositivo.

Em 1966, Jacques Alain-Miller convoca os analistas a pensar a renovação do


Instituto do Campo Freudiano, no que se refere ao ensino: O seminário das sete
sessões. Bref é o caderno desse seminário, que reúne professores e coordenadores
das seções clínicas francófonas. Ali, todos perguntavam-se “o que ensinamos de
fato? O que ensinar?”.

Assim, Laurent retoma a segunda sessão do Seminário das sete sessões, O


triângulo dos saberes (MILLER, 2017), particularmente, sobre a questão de saber
quais foram as incidências da Psicanálise sobre as ciências do século XX. Em sua
proposição para Vincennes, tal como no escrito Radiofonia (LACAN, 1975/2003, p.
404), Lacan só evoca o ensino para gozar a estupidez educativa da universidade.

Para Miller (2017), a base da concepção de Lacan sobre como


ensinar/transmitir era justamente a oposição entre saber e ensino. Tratar o

27Constituiu a abertura do nº1 do Ornicar?, boletim periódico do "Champ Freudien”, janeiro de 1975,
p.3-5; o texto indicava, sob o título dado pela redação, “Proposição de Lacan”.
108

inconsciente como um saber é necessariamente separar ensino e saber, como afirmar


que “[...] o inconsciente, se é um saber, não é um saber que se ensine.” (p. 2). E
apresenta o que chama de operação pedagógica: uma estupidez educativa que visa
barrar o gozo, para que o saber triunfe, indicando que há na Pedagogia um ódio do
mais-de-gozar do sujeito.

Miller (2017) apresenta um triângulo do saber, como arquitetura, para definir


um terceiro saber, ao opor semblante e verdade – do doxema ao matema, passando
pelo patema: o saber-ciência e, polarizando a cultura científica e a humanística,
coloca a Psicanálise assentada sobre a falha entre ambas. Esse é o ponto visado:
dar lugar à doxa, lembrando de tudo o que não se pode calcular.

Em seu texto Transferência para Saint Denis? Lacan a favor de Vincennes28


(1978/2010), Lacan pergunta-se “[...] como fazer para ensinar o que não se ensina?”
(p. 31), indicando como primeiro passo rumo ao ensino que todo mundo é louco, mas
que disso resta demonstrá-lo. Daí sua redução da Psicanálise à teoria dos conjuntos,
diz ele.

Lacan (1978/2010) conclui que, apesar da antipatia dos discursos


universitário e analítico, sua exploração acarreta que, ao se confrontar com seu
impossível, o ensino se renova. A partir disso, enumera como derivados do
departamento de Psicanálise uma revista, a Ornicar? que decide quanto ao que se
publica sob o ensino da Psicanálise. Um terceiro ciclo, dito do Campo Freudiano, ciclo
universitário que pode implicar tanto uma maior especialização com “diplomas de
aperfeiçoamento”, quanto à pesquisa do doutorado – onde cabe à Psicanálise corrigir
o que lhe é proposto como afim; e uma Seção Clínica, que faz sua função ao orientar
jovens psiquiatras.

28
Texto publicado em: Ornicar? Paris, 17-18, p. 278. Tradução inédita em português, publicada pela
Correio, n. 65, revista semestral da Escola Brasileira de Psicanálise, na ocasião dos quinze anos da
escola.
109

Capítulo 4: O ensino de Lacan

Em seu escrito Nota italiana29 (LACAN, 1973/2003, p. 71), Lacan afirma que,
para assentar o discurso psicanalítico, se fazia necessário colocá-lo à prova. Sugere
ali que sua partida acontece com a proposição do passe e do analista da Escola, uma
vez que “[...] o analista só se autoriza de si mesmo” (1973/2003, p. 311). Isso não
quer dizer uma auto autorização, no entanto. Sua tese inaugural, ao romper com a
prática mediante a qual as Sociedades fazem da análise uma agregação, afirma que
é do não-todo que depende o analista.

Para isso, é preciso levar em conta um saber no real, ainda que não seja o
analista que tem de alojá-lo, mas sim, o cientista.

O analista aloja um outro saber, num outro lugar, mas que deve levar
em conta o saber no real. O cientista produz o saber a partir do
semblante de se fazer sujeito dele. Condição necessária, mas não
suficiente. Se ele não seduzir o mestre, ocultando-lhe que nisso está
sua ruína, esse saber permanecerá enterrado como esteve durante
vinte séculos, nos quais o cientista se julgou sujeito, mas apenas de
dissertação mais ou menos eloquente.
(Nota italiana, 1973/2003, p. 71).

Por outro lado, Lacan diz que seria preciso que a isso se juntasse “[...] o
clamor de uma pretensa humanidade, para quem o saber não é feito, já que ela não
o deseja” (1973/2003, p. 313) e que só existe analista se esse desejo lhe advier,
sendo por isso um certo rebotalho dela. É a suposição de outro saber elaborado de
antemão, do qual o saber científico forneceu modelo e pelo qual tem a
responsabilidade de haver transmitido unicamente aos rebotalhos da douta
ignorância um desejo inédito: a verdade não serve para nada senão para criar o lugar
onde se denuncia esse saber. Acreditar que a ciência é verdadeira a pretexto de que
é transmissível (matematicamente) é um delírio, existindo apenas a descoberta de
um saber no real, coisa que se verifica no dispositivo do passe.

Nesse escrito, Lacan indica que cabe ao grupo italiano um ponto favorável, o
fato de ser trípode (LACAN, 1973/2003, p. 311) e, uma vez que naquele momento

29
Esse texto, deixado inédito por J. Lacan, foi publicado em Ornicar?, nº 25, 1982, p. 7-10, precedido
por uma nota que esclarecia que "as pessoas implicadas não deram continuidade às sugestões aqui
expressas".
110

encontravam-se em discussão sobre a candidatura ao passe, ganhariam, portanto,


ao seguirem com seriedade o que disse.

Para elaborar uma noção sobre o conceito de ensino, na obra de Lacan,


gostaria de propor uma leitura, entre outras possíveis, oriunda dos achados do
tesauro, nesse caso à italiana. Tendo ele estado em três tempos distintos na capital
italiana: 1953, em seu Discurso de Roma30 e Função e Campo da fala e da linguagem
em Psicanálise;31 em 1967, na sua conferência Psicanálise, Razão de um fracasso32
(LACAN, 1967d/2003); e em sua conferência, A terceira33 (1974/2011, p. 36) onde
aponta que se faz necessário articular retroativamente os três tempos, tal como um
jogo de matriz – a partir da homofonia entre matrice (matriz) e maîtrisse (mestria)
(LACAN, 1974/2011, p. 11).

Nos Escritos (1966/1998), na ocasião de sua publicação, Lacan inseriu um


artigo intitulado De nossos antecedentes (1966/1998, p. 69), visando produzir numa
retrospectiva à sua entrada na Psicanálise, por onde ela se fez. Aponta como projeto
inicial de seu ensino:

[...] certa retomada pelo avesso do projeto freudiano, sobretudo, a


partir da importância do ato psicanalítico, ao supor que ele transcende
o processo secundário para atingir uma realidade que não se produz
ali, nem que seja para romper o engodo que reduzia a identidade dos
pensamentos ao pensamento de sua identidade (1966/1998, p. 69).

Se Freud aponta a relação do eu com o sistema percepção-consciência, o fez


para denunciar que a tradição reflexiva tomava nesse sistema alguns padrões de
verdade. É essa a miragem que se consagra, na época atual, uma teoria do eu que,
por se apoiar no reingresso que Freud assegura a essa instância em Psicologia das
massas e análise do eu (FREUD, 1921/1974), comete um erro, já que não há nesse
artigo outra coisas senão a teoria da identificação.

Para Lacan, enganam-se aqueles que, por encontrarem “já presentes” nos
Escritos (1966/1998) aquilo que depois o levou ao ensino. Nisso se desenha uma

30 Redação do discurso proferido no I Congresso da Sociedade Francesa de Psicanálise, realizado em


Roma, em 26-27 de setembro de 1953. Publicado na revista La Psychanalyse, PUF, vol. I, 1956, p.
202-11 e 241-55.
31 Relatório do Congresso de Roma, realizado no Instituto de Psicologia della Universitá di Roma, em

26-27 de setembro de 1953. Publicado em La Psichanalyse, Paris, PUF, vol. I, 1956, p. 81-166.
32 Publicados em Scilicet 1, Paris: Seuil, 1968, p. 31-41, 42-50 e 51-59.
33 Intervenção no VII Congresso da Escola Freudiana de Paris, Roma.
111

evidente referência à linguagem, efeito do veio determinado pela matéria única do


trabalho analítico, qual seja, a experiência do sujeito.

Talvez, se possa perceber que, ao transpor as portas da Psicanálise,


logo reconheçamos em sua prática preconceitos de saber muito mais
interessantes, por serem aqueles que devem ser reduzidos em sua
escuta fundamental. (LACAN, 1966/1998, p. 71).

Ainda no início, porém mais além de sua referência surrealista da paranoia


crítica, seu interesse tinha como origem as pegadas de Clérambault, conhecedor da
tradição psiquiátrica francesa, apontado aqui como seu único mestre. Sua tese de
doutoramento Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade (LACAN,
1932/1987), tratou do ‘conhecimento paranoico’ em função de um método clínico que
compunha seu ensaio para definir o objeto da Psicologia.

Em sua tese Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade


(LACAN, 1932/1987), para definir o objeto de sua pretensa Psicologia, então, Lacan
indicou um retorno às Meditações Metafísicas de Descartes (2011), afirmando que o
fenômeno da loucura deveria ser entendido como o sonho e o delírio, como vivido na
ordem do sentido.

Sobre a clínica de onde partiu, lembra:

[...] com sua ideologia mecanicista de metáfora, por certo bastante


crível, parece-nos, em seus enfoques do texto subjetivo, mais próximo
do que se pode construir de uma análise estrutural do que qualquer
esforço clínico na psiquiatria francesa (p. 69).

De todo modo, é ali, a partir de Clérambault, fundador da descrição do


automatismo mental, que Lacan admite seu encontro com Freud e sua entrada na
Psicanálise, em contraste com o que encontrava de decadente com os pós-
freudianos, numa Semiologia cada vez mais comprometida com os pressupostos da
razão. Lacan afirma que Clérambault, assim realizou como que uma recorrência do
que Foucault descrevera no seu texto Nascimento da clínica (1964).

Leite (2000) afirma que a tese de doutoramento Da psicose paranoica e suas


relações com a personalidade (LACAN, 1932/1987) marcou a aproximação com a
Psicanálise e, desse momento até 1953, a produção de Lacan foi reunida sob a
112

designação de “registro do Imaginário”. Nesse período, Lacan esteve em contato com


os surrealistas e sua teoria do Estádio do espelho, por exemplo, foi apresentada no
escrito O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada
na experiência psicanalítica34 (1949/1998, p. 96-103).

No entanto, no que se refere à Psicanálise, para ele, "[...] nenhum ensino,


afora o apressado de rotina, veio à luz antes que, em 1951, inaugurássemos o nosso
a título privado.” (LACAN, 1966/1998, p. 76) e que o tema da Psicanálise didática, já
estava datado. Suas contribuições, nesse sentido, foram significativas, assim como,
suas consequências impactantes.

Segundo Leite (2000), ainda “[...] em 1953, Lacan rompeu com a Sociedade
Psicanalítica de Paris, por motivos ligados à formação do psicanalista: um ponto ao
qual se opunha era a exigência de que os candidatos a analista fossem médicos”
(2000, p. 24). Em decorrência dessa ruptura, Lacan, junto com Lagache, formou a
Sociedade Francesa de Psicanálise, grupo que não obteve o reconhecimento da IPA,
uma vez que só seria reconhecido, caso Lacan se afastasse (LEITE, 2000, p. 25).

Em 1953, na Sociedade Francesa de Psicanálise, Lacan reconheceu o início


de seu ensino oficial com seus seminários orais, apesar de ter participado da
Sociedade Psicanalítica de Paris nos dezessete anos anteriores (LEITE, 2000).

A conferência O simbólico, o imaginário e o real35 (LACAN, 1953a/2005,


pg.11-53) foi considerada a primeira comunicação científica da nova Sociedade
Francesa de Psicanálise e constitui a apresentação inaugural da famosa tríade que
sustenta sua elaboração ao longo das três décadas seguintes. Sua fonte de
inspiração encontra-se no artigo de Lévi-Strauss, A eficácia simbólica, publicado em
1949 e retomado em Antropologia estrutural (1945/2008, p. 201).

Lacan apresentou essa sua comunicação como um resumo de pontos de


vista do seminário que acabara de concluir sobre o Homem dos ratos (FREUD,

34 Produzido pela primeira vez no XIV Congresso Internacional de Psicanálise, realizado em


Mariembad entre 2 e 8 de agosto de 1936, sob a presidência de Ernest Jones. A comunicação
foi feita na 2ª. sessão científica, em 3 de agosto, às 15h40. Cf. The International Journal of
Psycho-analysis, vol. 18, parte I, janeiro de 1937, p. 78, onde essa comunicação está inscrita
sob o título "The looking-glass phase". / Comunicação feita no XVI Congresso Internacional
de Psicanálise, em Zurique, em 17 de julho de 1949. Publicado na Revue Française de
Psychanalyse, nº 4, outubro-dezembro de 1949, p. 449-455.
35A conferência constitui a apresentação temática inaugural da famosa tríade que sustentará de ponta
a ponta a elaboração de Lacan ao longo das três décadas seguintes, até se tornar seu objeto essencial
não apenas conceitual, mas matemático e material, sob a forma do nó borromeano e seus derivados.
113

1909/2013), e ao do ano precedente, sobre o Homem dos lobos (FREUD, 1918/2010)


– esses, não tendo sido estenografados, acabaram por não participar da publicação
de seu O Seminário. Além disso, ele ilustrou como uma análise poderia ser inscrita
do início ao fim, apresentando letrinhas como elemento de formalização a partir da
inspiração estruturalista e com base na combinação em pares dos termos da tríade
simbólico-imaginário-real:

rS – sI – iR – iS – sS – SI – SR – rR – rS –

Figura 11 – Esquema SIR


FONTE: LACAN, 1953a/2006, p. 39

Lacan afirmou que esse elemento se apresenta “como uma espécie de


prefácio ou introdução a certa orientação de estudo da Psicanálise” (2005, p. 11).
Para tal orientação, Lacan determinou também que a leitura do texto de Freud de
modo direto, se fazia imprescindível.

A Primeira

É posteriormente à cisão ocorrida no movimento psicanalítico francês, em


1953, que Lacan marca o início público do seu ensino. Sua primeira apresentação na
Itália, intitulada Discurso de Roma (LACAN, 1953b/2003, p. 139-172) foi proferida
para introduzir o relatório Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise
(LACAN, 1953c/1998, p. 238-324) – considerada inaugural para o ensino oficial de
Lacan – poucos meses antes do seu primeiro seminário, Os escritos técnicos de
Freud (LACAN, 1953-54/1994). Durante o I Congresso da Sociedade Francesa de
Psicanálise (em Roma, 1953), Lacan propõe uma reflexão sobre a história dos
conceitos freudianos e seus fundamentos subjetivos.

E é a partir disso que Lacan afirma tratar-se de devolvermos os fenômenos


do campo psicanalítico (tais como os sintomas de conversão, a inibição e a angústia)
à função de fala que eles têm, num discurso cuja significação determina seu emprego
e sentido.

Lacan esclareceu ali que tomar a linguagem na constituição do sujeito apenas


como um meio na ação da fala – ou mesmo tomar a fala como uma secreção do
pensamento serve para recusá-la, diante da instância de verdade que ela pressupõe.
114

Ou seja, é como veículo que, em carne e osso, nós habitamos nesse lugar, o lugar
da linguagem. De todo modo, do outro lado, também o analista deveria remeter-se ao
papel que assume na ação da fala: “ouçamos o ‘eu’ [je] hesitante a partir do momento
em que ele precisa colocar-se à frente dos verbos... mediante os quais tem de fazer
com que seu desejo seja reconhecido em sua identidade.” (LACAN, 1953b/2003, p.
143). A distinção entre o sujeito do enunciado e o sujeito da anunciação se expressa
nisso diretamente.

Daí se extrai que o ‘ato de fala’ não se resume definitivamente à comunicação,


mas nos instrui sobre o que, como fundamento, revela o sujeito numa anunciação
essencial.

Essa fórmula, ei-la: a ação da fala, na medida em que o sujeito


entende fundar-se nela, é tal que o emissor, para comunicar sua
mensagem, tem que recebê-la do receptor e, ainda por cima, só
consegue emiti-la sob forma invertida.
(LACAN, 1953b/2003, p. 161-162).

A interpretação não como interpretação de sentido, mas como jogo com a


equivocidade: “[...] embora a ênfase devesse ser depositada com vigor na distância
que ela supõe entre o real e o sentido que lhe é dado... (isso) obstrui a reflexão sobre
a relação intersubjetiva fundamental que lhe é subjacente.” (LACAN, 1953b/2003, p.
142) – a transferência. Até este momento, mesmo sendo tomada como
intersubjetividade, a transferência já implicava uma dialética com o outro, porém já
considerando o terceiro elemento, qual seja, a palavra.

Seguindo Lacan, “[...] pois essa revelação do sentido exige que o sujeito já
esteja pronto para ouvi-la, isto é, ele não esperaria se já não tivesse encontrado.”
(LACAN, 1953b/2003, p. 142).

Para ele, portanto, trata-se não mais de uma passagem para a consciência,
mas da passagem para a fala: “[...] é preciso que a fala seja ouvida por alguém ali
onde não podia nem sequer ser lida por ninguém – uma mensagem cujo código
perdeu-se ou cujo destinatário morreu.” (LACAN, 1953b/2003, p. 146). Ainda mais:
“E, para nos encaminhar do polo da palavra para o da fala, definirei o primeiro como
a confluência do material mais vazio de sentido no significante com o efeito mais real
do simbólico, lugar ocupado pela senha.” (LACAN, 1953b/2003, p. 158).
115

Com essa afirmação, Lacan refere à letra da mensagem o caráter


fundamentalmente ambíguo da fala: sua função de velar e desvelar. Tal partição, por
um lado, explica a multiplicidade dos acessos à decifração, porém, de outro, “[...]
persiste o fato de que há apenas um texto em que se pode ler, ao mesmo tempo, o
que ela diz e o que ela não diz, e de que é a esse texto que se ligam os sintomas, tão
intimamente quanto um rébus se liga à frase que o representa.” (LACAN, 1953b/2003,
p. 146) – o que Freud chamara de sobredeterminação. Segundo Lacan, boa parte de
uma Psicologia pretensamente analítica, foi construída com base na confusão entre
as duas coisas.

Portanto, diferentemente da compreensão dos fenômenos baseada num


paralelismo psicofisiológico – tal como a ideia de instinto, por exemplo, é que Lacan
aponta para a sobredeterminação como aquilo que...

[...] separa, do texto sem fissura da causalidade no real, a ordem


instituída pelo uso significante... na medida em que ele atesta a
penetração do real pelo simbólico. Além disso, diz que qualquer
coisificação comporta uma confusão, cujo erro convém saber corrigir,
entre o simbólico e o real (LACAN, 1953b/2003, p. 146).

Assim, se a práxis da Psicanálise é definida por ele como o tratamento do real


pelo simbólico, ele diz: “[...] examinemos, primeiro, o termo significante. Onde poderia
ele estar, de fato? A resposta é, para o significante: por toda parte” (LACAN,
1953b/2003, p. 154). E segue: “Passemos ao significado, o que é? Precisamente, o
sentido.” (LACAN, 1953b/2003, p. 155). “E esse sentido, onde está? A resposta
correta aqui: em parte alguma... O sentido só é sensível na unicidade da significação
que o discurso desenvolve.” (LACAN, 1953b/2003, p. 156).

Indicando diretamente as exigências simbólicas que Freud revelou no


inconsciente e que sua última tópica ligou ao instinto de morte e à teoria das pulsões,
Lacan apontou que a revogação disso é acompanhada de uma renegação dos
princípios que, não por acaso, limitam a busca, no sujeito da experiência analítica, do
que se situa além da fala.

Partir da ação da fala por ela ser aquilo que funda o homem em sua
autenticidade, ou apreendê-la na posição original absoluta do ‘No
começo era o Verbo’, do quarto evangelho... significa... ir diretamente,
para além da fenomenologia do alter ego na alienação imaginária, ao
116

problema da mediação de um Outro que não é segundo enquanto o


Um ainda não está. (LACAN, 1953b/2003, p. 141).

Então, alguns meses antes de dar início ao seminário primeiro, intitulado Os


escritos técnicos de Freud (1953-54/1998), Lacan apresentou o relatório teórico que
é tomado como o inaugural de seu ensino – Função e campo da fala e da linguagem
em Psicanálise (1953c/1998, p. 238-324). Já no prefácio desse texto, propôs revisitar
as formas organizadas por Freud na tentativa de garantir a transmissão da
Psicanálise (LACAN, 1953c/1998, p. 238), afirmando que seu objetivo não era
questionar o primado da técnica, mas as mentiras do ensino. Ali, Lacan indicou ainda
a leitura do O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada (1945/1998, p. 197-
213), escrito que apresenta sua teoria da temporalidade do sujeito baseada na lógica
e na teoria dos jogos, em três tempos: instante de ver, tempo de compreender e
momento de concluir.

Diante da Sociedade Francesa de Psicanálise, Lacan propunha uma reflexão


tanto à história dos conceitos freudianos quanto sobre seus fundamentos subjetivos,
para colocar em evidência o cursus de um ensino técnico e o método para um ensino
superior. Segundo ele, para uma Faculdade ideal de Psicanálise, Freud apontou ao
lado da psiquiatria e da sexologia “[...] a história da civilização, a mitologia, a
psicologia das religiões, a história e a crítica literárias” (LACAN, 1953c/1998, p. 289).

Assim, Lacan ressalta as noções que se enfraqueceram e que se


esclareceram ao se atualizarem com a Antropologia e com a Filosofia. Essas matérias
fornecer-lhe-iam os fundamentos científicos adequados às dimensões essenciais da
teoria e da técnica – qual seja a teoria histórica do símbolo, a lógica intersubjetiva e
a temporalidade do sujeito (LACAN, 1953c/1998, p. 290).

Apresentando o relatório Função e campo da fala e da linguagem e Psicanálise


(1953c/1998, p. 238-324), Lacan proferiu o Discurso de Roma (LACAN, 1953a/2003,
p. 139-172). Ao afirmar que seu discurso tinha base num ensino comprometido com
os conceitos de ‘fala’, de ‘sujeito’, anunciou a promoção dos fundamentos que a
Psicanálise retira da linguagem, apresentados no relatório. Com esses conceitos,
Lacan visava abrigar a autenticidade do desejo e do sujeito nas histórias relatadas
nas sessões de análise. E, de fato, seu relatório versa fundamentalmente sobre a
função da fala e do campo da linguagem em Psicanálise, cujo “ABC indica suas
coordenadas, suas linhas e seu centro de referência” (LACAN, 1953a/2003, p. 153).
117

Assim, é que seu ensino apontava para certo questionamento sobre o magistério e a
mestria de um ensino de Psicanálise.

Em seu relatório, esboçando a tópica de seu movimento, Lacan afirma, sobre


os problemas atuais da Psicanálise, que se destacam três aspectos, a saber:

A) A Função do Imaginário, no que se refere às fantasias na técnica da


experiência e na constituição do objeto nas diferentes etapas do
desenvolvimento psíquico, a partir da Psicanálise das crianças, e do terreno
favorável oferecido às tentativas e às tentações dos investigadores pela
abordagem das estruturações pré-verbais;

B) A noção das relações libidinais de objeto que, renovando a ideia de


progresso na análise, reformula em surdina sua condição, por causa da
extensão do método à clínica das psicoses. A Psicanálise desemboca, então,
numa fenomenologia existencial, ou até, num ativismo movido pela caridade

C) A importância da contratransferência e, correlativamente, da


formação do psicanalista, sobre os embaraços do término da análise, que se
juntou aos do momento em que a análise didática se encerra com a introdução
do candidato na prática. Aponta-se o ser do analista como elemento não-
desprezível nos efeitos da análise, o que deve, inclusive, ser exposto em sua
conduta no final da partida.

Lacan afirma, portanto, que nenhuma solução deveria provir senão do


aprofundamento cada vez mais intensificado da mola inconsciente e que, nos três
aspectos, justifica-se o retorno ao eixo técnico da simbolização. Que os três
problemas têm um traço em comum, explica ele:

Trata-se da tentação que se apresenta ao analista de abandonar o


fundamento da fala, justamente em campos em que sua utilização,
por confinar com o inefável, exigiria mais do que nunca seu exame: a
saber, a pedagogia materna, a ajuda samaritana e a
mestria/dominação dialética (1953c/1998, p. 245).

Seu Primeiro Ensino, caracterizado pelo Retorno a Freud, Lacan retomou


conceitos psicanalíticos, bem como, a leitura de Freud permitiu que forjasse novos
conceitos, a partir das referências de sua época.
118

Segundo Miller, em seu livro Percurso de Lacan (1988), a partir daí “[...] seu
ensino toma a forma de um seminário de textos freudianos” (p. 17). E, de fato, cada
ano é dedicado a um conceito ou obra de Freud, bem como “[...] a validade das
estruturas de linguagem é verificada em toda extensão da Psicanálise” (1988, p. 18).

O primeiro ensino de Lacan foi um extenso comentário de Freud. Ele assim


se apresentou e essa apresentação se defende. É um comentário de Freud orientado
pela ideia de valorizar não a autonomia da consciência, mas sim, a autonomia do
simbólico (MILLER, 1998, p. 8).

“O mestre interrompe o silêncio com qualquer coisa, um sarcasmo, um


pontapé” (LACAN, 1953-54/1994, p. 9), diz Lacan na abertura de seu seminário
primeiro. Segundo a técnica zen, distinto do que acontece na procura do sentido, a
forma de ensino do sábio é uma recusa de todo sistema.

Explicita ali sua noção de conceito em Psicanálise, assintótico e afirma que


“[...] a raiz da dificuldade, é que só se podem introduzir símbolos, matemáticos ou
outros, com linguagem corrente, porque é preciso explicar bem o que se vai fazer
deles” (p. 10). E determina que o que se visa numa análise didática seria “[...] tornar
o sujeito capaz de sustentar o diálogo analítico, de não falar muito cedo, nem muito
tarde” (p. 11), propondo que a o inconsciente freudiano é um terreno não cultivado da
razão.

Seu primeiro seminário na Sociedade Francesa de Psicanálise, Os escritos


técnicos de Freud, indicou que o pensamento de Freud foi “[...] o mais perpetuamente
aberto à revisão.” (LACAN, 1953-54/1994, p. 9): seria um erro reduzi-lo a palavras
gastas, já que cada uma das noções da Psicanálise possuía vida própria. Isso porque,
ao longo de toda sua vida, Freud transformou os conceitos com base na experiência
clínica. Portanto, para além de conceitos tomados em definições formais, tratados
como receitas, Lacan buscou tornar acessíveis os recursos da fala e da linguagem –
onde acontece a experiência mesma do inconsciente. Nesse momento, Lacan
salientou também que, mesmo os conceitos criados por Freud, surgiram no contexto
e na linguagem da época dele, o que deveria ser considerado (1953-54/1994, p. 10).
Isso significa que tais noções poderiam ser tomadas como flexíveis, atualizáveis e
dinâmicas, ao longo do tempo.

Na sequência, avançando sobre seu segundo seminário, O eu na teoria de


Freud e na técnica da Psicanálise (1954-55/1995), Lacan seguiu dissipando o
119

obscurantismo das leis que definiam a ciência de seu tempo: “Não é por nada que
lhes faço jogar o jogo do par ou ímpar”, diz Lacan (1954-55/1995, contracapa).

A partir de Platão, em Menon (2001), buscou exemplificar as passagens do


imaginário para o simbólico, tal como no exemplo do diálogo entre Sócrates e o
escravo, onde “[...] engana-se utilizando muito apropriadamente o que nos serve de
base no teste-padrão de inteligência – ele procede pela relação de equivalência A/B
= C/D com a qual a inteligência procede da maneira mais constante.” (LACAN, 1954-
55/1995, p. 27).

Nesse caso, Lacan pôde descrever a falha entre o elemento intuitivo e o


elemento simbólico, partindo da falsa percepção da superfície construída a partir da
duplicação do lado de um quadrado que parece ao escravo o dobro da que se queria
obter, de onde surge um elemento irracional, √2, isto é, a diagonal da figura
geométrica, que não é dado no plano intuitivo.

Figura 12 – Figura apresentada por Sócrates


FONTE: Lacan (1954-55/1995, p. 29).

Partindo, portanto, da noção de que a razão humana conhece por meio de


proporções e comparações e é orientada pela busca da verdade, Lacan demonstrou
que o inconsciente garante um equívoco onde o neurótico é entendido como sendo
afetado por um defeito de identificação que o leva a se situar fora de seu eu: eis o
campo do inconsciente, isto é, do sujeito do inconsciente na sua relação com o Outro.
É nesse sentido que, no seminário do ano seguinte, As Psicoses (1955-56/2008)
Lacan tomou como programa o estudo da psicose paranoica, uma vez que está em
relação com a alienação imaginária do eu e, a partir disso, avançou sobre os limites
da Psicanálise freudiana no que se restringia às neuroses.

Sobre o analista, Lacan referiu-se à obra intitulada A douta ignorância (2002)


de Nicolau de Cusa, em que esse confronta a infinitude de Deus, que não designa
120

como tal, e sim, como “Máximo Absoluto”, Cusa propõe uma reflexão centrada na
ideia do saber que provém do não saber.

A designação douta ignorância pode parecer contraditória, pois o que é douto


é, por definição, não ignorante. A contradição é, contudo, aparente já que ignorar de
maneira douta exige um processo laborioso sobre conhecer os limites do que
sabemos. Essa doutrina da ignorância pretendeu investigar, de modo
incompreensível e, transcendendo a razão humana, a raiz da verdade inapreensível.

Igualmente, o analista só pode enveredar pela via de sua formação ao


reconhecer em seu saber o sintoma de sua ignorância. Esse fato indica mais
precisamente o valor simbólico da formação: “O fruto positivo da revelação da
ignorância é o não saber, que não é uma negação do saber, porém sua forma mais
elaborada” (LACAN, 1954-55/1995, p. 360).

A partir disso, Lacan tomou um experimento clássico da Física Óptica para


representar sua teoria do Estádio do Espelho, nas relações do sujeito com sua
imagem. O escrito O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos
é revelada na experiência analítica (LACAN, 1949/1988) marca profundamente o
período anterior ao início do ensino de Lacan, tratando – a partir da Física Óptica e
da Etologia – a função do imaginário na constituição da psiquê, já em 1936.

Aqui, ele aproximou da teoria freudiana uma leitura cuja estrutura é simbólica
e permitiu certos avanços na compreensão e formalização da técnica, sugerindo uma
articulação entre o primeiro esquema do aparelho psíquico em seu Projeto de uma
Psicologia (FREUD, 1995), o aparelho psíquico no A interpretação dos sonhos
(FREUD, 1900/2019), o Esquema L construindo seu Esquema óptico para a teoria do
narcisismo, para figurar a função imaginária do eu e o discurso do inconsciente
(LACAN, 1954-55/1995, p. 142).

Trata-se de um Modelo óptico, a ilusão do buquê invertido, descrito em


L’Optique et photométrie dites géométriques, de Henri Bouasse (LACAN,
1958b/1998, p. 679; e LACAN, 1953-54/1994, p. 95), que apresenta as leis
geométricas de reflexão de uma imagem no espelho côncavo. Segundo ele, “[...] uma
coisa é ainda mais surpreendente é que a óptica repouse inteirinha sobre uma teoria
matemática sem a qual é impossível estruturá-la.” (LACAN, 1953-54/1994, p. 93).
121

Figura 13 – Experimento geométrico do buquê invertido.


FONTE: Lacan (1953-54/1994, p. 94).

Lacan introduz um complemento a esse esquema na mesma linha do que


Freud concebeu sobre as instâncias psíquicas fundamentais, como imagens virtuais
ou reais, em suas funções distintas. No esquema, é preciso que esse olho esteja
posicionado em certo ângulo para que se identifique a posição ocupada pelo sujeito
que olha em relação à realidade.

Figura 14 – Variação da ilusão do buquê invertido.


FONTE: Lacan, 1958b/1998, p. 681 e 1953-54/1994, p. 163.

O vaso será reproduzido, pelo jogo da reflexão dos raios, numa


imagem real, e não virtual, sobre o qual o olho pode se acomodar. Se
o olho se acomoda ao nível das flores que dispusemos, verá a
imagem real do vaso vir envolver o buquê, e lhe dar estilo e unidade
– reflexo da unidade do corpo (LACAN, 1953-54/1994, p. 146).

Como consequência, Lacan tratou dos conceitos de narcisismo primário e


secundário, a partir do texto freudiano Introdução ao narcisismo (1914/1974). E,
122

visando precisar as relações da libido com o imaginário e o real, também aprofundou


o entendimento sobre o problema da função real que o ego desempenha na economia
psíquica. Afirmou também que esse esquema...

[...] Será extremamente útil, permitindo-lhes situar quase todas as


questões clínicas, concretas, que coloca a função do imaginário, e
muito especialmente a propósito desses investimentos libidinais de
que a gente acaba não compreendendo mais, quando os manejamos,
o que querem dizer.” (LACAN, 1953-54/1994, p. 149).

A partir daí, tendo revisado os conceitos sobre a dialética analítica ao longo


de seu seminário, Lacan introduziu um espelho plano no centro do esquema (A), o
terceiro termo que permitiria conceber a transferência para além da relação narcísica.
Esse terceiro termo é a palavra, portanto – único instrumento de trabalho na análise.

A palavra pode exprimir o ser do sujeito, mas, até certo ponto, não
chega nunca a isso. Eis-nos agora tendo chegado a um momento em
que nos colocamos a questão – como se situar, em relação à palavra,
todos esses afetos, todas essas referências imaginárias que são
comumente evocadas quando se quer definir a ação da transferência
na experiência analítica? (LACAN, 1953-54/1994, p. 129).

Em consequência, algumas de suas lições ao longo do seminário versaram


sobre a chamada ordem simbólica (1953-54/1994, p. 251), sobre a função criativa da
palavra (1953-54/1994, p. 269), sobre o conceito na análise (1953-54/1994, p. 311)
e, de modo geral, sobre a relação com a palavra na dinâmica da transferência.

Mais no fim do seminário, como referência adotada para conceber a báscula


do desejo (1953-54/1994, p. 189), Lacan mostrou outro esquema especular da
análise, considerando o desenvolvimento da verdade, integração e história do sujeito
ao longo da análise dele.

Figura 15 - Um esquema da análise, a palavra na transferência.


FONTE: Lacan (1953-54/1994, p. 322).
123

A transferência, se é verdade que ela se estabelece na e pela


dimensão da palavra, só traz a revelação dessa relação imaginária
ocorrida em certos pontos cruciais do encontro falado com o outro,
quer dizer aqui, com o analista. (LACAN, 1953-54/1994, p. 322).

Uma vez que a transferência descreve a relação intersubjetiva entre o par


analítico (A e B) mediada pela palavra (espelho plano, no centro), esse fenômeno do
investimento imaginário desempenha um papel-pivô (1953-54/1994, p. 322). Assim,
é que Lacan começa a conceber uma noção de intersubjetividade no contexto da
Psicanálise, posteriormente acaba por superá-la com a noção de sujeito do
inconsciente.

Uma semana antes de dar início ao seu terceiro seminário, As psicoses


(LACAN, 1955-56/2008), quando se dedicou ao caso Schreber (FREUD, 1911/2010),
Lacan proferiu uma conferência intitulada A coisa freudiana ou Sentido do retorno a
Freud em Psicanálise,36 (LACAN, 1955c/1998, p. 402-460). No cenário onde o
Retorno a Freud significava uma reviravolta, Lacan afirmou que se orientava com
base no que sucedeu à morte de Freud no movimento psicanalítico e que tinha como
objetivo recolocar em vigor o sentido que Freud preservara na experiência
psicanalítica (LACAN, 1955c/1998, p. 404).

Tal direção só poderia ser mantida através de um ensino verdadeiro, isto é,


que não deixasse de se submeter ao que Lacan chamou de novação (1955c/1998, p.
437), uma renovação ou reforma contínua dos conceitos, na condição de que o sujeito
só pode ser falho na sua articulação com a verdade (1955c/1998, p. 437).

Nesse momento, Lacan apresenta seu aforisma: “Eu, a verdade, falo”


(1955c/1998, p. 410), afirmando que a descoberta de Freud questiona a verdade, e
não há ninguém que não seja pessoalmente afetado por ela. Segundo ele, portanto,
no inconsciente, isso fala. A partir dessa compreensão, foi possível compreender que
o uso significante distingue o sintoma de seu sentido natural, pois o desejo – como
metonímia mais vasta, englobando suas metáforas, deve ser situado nas entrelinhas
– e Freud se interroga sobre o que determina essa verdade no texto sobre o instinto
de morte.

36Ampliação de uma conferência proferida na Clínica Neuropsiquiátrica de Viena, em 7 de novembro


de 1955. Publicado em Évolution Psychiatrique, nº 1, 1956, p. 225-252.
124

Segundo Lacan, foi por recusarem como imprópria essa interrogação de


Freud, sobre a pulsão de morte, que os psicanalistas de sua época permitiram os
equívocos de sua perspectiva. Assim, no que se refere à formação do analista, a
discussão já apresentava uma crítica ao princípio mais reacionário que recobre a
dualidade daquele que sofre e daquele que cura pela oposição entre aquele que sabe
e aquele que ignora.

O retorno às estruturas de linguagem foi tomado por Lacan como necessário


ao entendimento da experiência analítica, segundo a orientação de Freud, que não
julgou supérfluo colocá-las como condição a qualquer instituição de ensino:

[...] de uma iniciação nos métodos do linguista, do historiador e... do


matemático que se deve tratar agora, para que uma nova geração de
clínicos e pesquisadores resgate o sentido da experiência freudiana e
seu motor. (LACAN, 1955c/1998, p. 436).

Afinal, para Lacan, a recondução da neurose ao Édipo sempre teve como


objetivo garantir o imaginário em sua concatenação simbólica, já que são três termos.
Nesse escrito, Lacan aponta também que, dessa determinação simbólica, a lógica
combinatória fornece a forma mais radical, uma vez que um psicanalista deve
assegurar que, desde antes do nascimento e para-além da morte, o homem está
preso nessa determinação.

Com a leitura estruturalista, portanto, o Édipo deixa de ser uma cena


imaginária da família vitoriana da época de Freud para dispor, em termos das relações
primárias, a ultrapassagem do vínculo narcísico e dual – paradigma da entrada do ser
humano na linguagem.

Porém, se a associação livre que, por meio dos atos falhos, nos dá acesso
ao inconsciente, como conceber que se estruture em termos de linguagem? É por
volta do fim de seu terceiro seminário, As psicoses (1955-56/2008), que Lacan
estabeleceu a noção do Pai como ponto de basta, por meio da definição de signo
linguístico, segundo Saussure (2002), representada na Metáfora paterna.

Figura 16 – Metáfora paterna.


FONTE: Lacan (1955c/1998, p. 563).
125

Essa fórmula apresenta de que modo a dimensão simbólica do pai morto, isto
é, seu nome, metaforiza o enigma do desejo materno, permitindo a metonimização
do desejo. Isso tem um sentido preciso na economia do significante, aplicado à
metáfora que coloca o Nome-do-Pai, em substituição ao lugar primeiramente
simbolizado pela operação da ausência da mãe. Essa formalização teve efeito no
entendimento da função da metáfora na constituição do sujeito, para além da figura
de linguagem.

Na introdução ao seminário As psicoses (1955-56/2008), Lacan afirma ainda


que Freud jamais falara do tratamento da psicose diretamente e, assim, foi ele mesmo
quem introduziu a ‘questão da psicose’, visando apreciar o que a doutrina freudiana
ensinar-lhe-ia na articulação com seus seminários anteriores e nos problemas clínicos
e nosográficos (LACAN, 1955-56/2008, p. 11).

A partir de seu axioma fundamental, do “inconsciente estruturado como uma


linguagem”, postulado em 1953, Lacan propôs em seu texto De uma questão
preliminar a todo tratamento possível da psicose37 (1957c/1998), o Esquema R: uma
composição do simbólico, do imaginário e do real, desenvolvida a partir do Esquema
L:

Figura 17 - Esquema R.
FONTE: Lacan (1957c/1998, p. 559).

37Remissão ao seminário dos dois primeiros semestres do ano de 1955-1956. Redação: dezembro
de 1957-janeiro de 1958. Publicado em La Psychanalyse, Paris: PUF, vol. 4, 1959, p. 1-50.
126

Assim é que, considerando os vértices do triângulo simbólico – I, como


ideal do eu, M, como significante do objeto primordial, e P, como a
posição em A do Nome-do-Pai –, podemos apreender como o
aprisionamento homológico da significação do sujeito S sob o
significante do falo pode repercutir na sustentação do campo da
realidade, delimitado pelo quadrilátero MimI. Os outros dois vértices,
i e m, representam os dois termos imaginários da relação narcísica,
ou seja, o eu e a imagem especular (LACAN, 1957c/1998, p. 559).

Daí mesmo é que surgiu o conceito de foraclusão do Nome-do-Pai, cuja


ocorrência está relacionada ao desencadeamento da psicose, aqui representado pelo
Esquema I, para o caso de Schreber (FREUD, 1911/2010).

Figura 18 – Esquema I.
FONTE: Lacan (1957c/1998, p. 578.

Nesse esquema particularmente, Lacan aponta na dupla curva o vínculo que


une o eu delirante do paranoico Schreber ao outro divino. Sua divergência imaginária
no espaço e no tempo e a convergência ideal de sua conjunção representam a
foraclusão desse elo entre o símbolo e a castração, qual seja, o Nome-do-Pai
(1957c/1998, p. 578).

Assim, avançou sobre o conceito de Desejo da Mãe, do grande Outro (A) e


escreve com a letra grega phi, com a maiúscula Φ, a significação fálica e com a
minúscula φ, uma notação para o falo imaginário.

No período inicial de seu quarto seminário, A relação de objeto (1956-


57/1995), retomando a teoria da falta do objeto de Freud, Lacan desenvolveu a
questão da relação de objeto como significante para todo uso no caso da fobia – para
127

suprir a falta do Outro e, como fetiche fundamental de toda perversão, diretamente


articulado com o objeto percebido no corte do significante.

Esse seminário (LACAN, 1956-57/1995, p. 133) antecipou suas discussões


sobre a sexualidade feminina, ao tratar da castração materna – que implica para a
criança a possibilidade da devoração e da mordida, bem como versou sobre a
incidência do falo como imaginário na constituição do sujeito, a partir do caso do
Pequeno Hans (FREUD, 1909/2010), em sua fobia de ser mordido pelos cavalos.
Essa tríade que representa a incidência do falo como imaginário também fora aplicada
aos famosos casos Dora (FREUD, 1905/2016) e A jovem homossexual (FREUD,
191920/2010).

Figura 19 - Tríade imaginária, o pai e o Esquema do fetichismo.


FONTE: Lacan (1956-57/1995, p. 84).

Assim, Lacan organizou na tríade imaginário-simbólico-real sua teoria da falta


de objeto, em função dos agentes, dos objetos e dos tipos de falta de objeto: a
frustração – como dano imaginário, a castração – como dívida simbólica e a privação
– como furo real (LACAN, 1956-57/1995, p. 220).

Figura 20 – Tabela da Falta de objeto.


FONTE: Lacan (1956-57/1995, p. 220).
128

Para além das hipóteses sobre a relação de objeto da parte da ego


psychology – chamadas de pérolas no seu quarto seminário, Lacan reafirmou a
relação direta entre a verdadeira Psicanálise de sua época com a formação válida de
um analista.

Assim, na dedicação ao caso de Hans, no quarto seminário – A relação de


objeto (1956-57/1995), Lacan apontou as associações que determinam a cadeia
simbólica apresentando que é neste sentido, de coordenação gramatical do
significante, que se tratava de avançar. Localizando expressamente sua posição no
seu seminário semanal, Lacan seguia alinhavando o seu ensino.

No fim de seu quarto seminário, Lacan transpôs, por meio de fórmulas


algébricas, conceitos como a castração, por exemplo, nas figuras de Hans-o-Fetiche
e de Leonardo-no-espelho, em seu Ensaio de uma lógica de borracha (1956-57/1995,
p. 381), décima segunda lição. Nessa, referindo-se ao Instância da letra no
inconsciente ou a razão desde Freud (1957b/1998, p. 496), afirmou que tal
formalização, por meio de letrinhas, indicava em que sentido se poderia sustentar a
originalidade da Psicanálise.

Na sequência, no quinto seminário, As formações do inconsciente (1957-


58/1999), Lacan avançou sobre as consequências para a Psicanálise a partir do
entendimento do signo linguístico sobre as estruturas freudianas do espírito. A
metáfora paterna e o significante da castração (φ) foram definidos em termos
simbólicos, por exemplo.

Igualmente, Lacan posicionou esses termos, sobre os eixos imaginário e


simbólico, buscando definir a lógica da castração. Assim, determinou o valor de
significação do falo, para além de sua função imaginária e isso também permitiu que
ele apresentasse uma formalização sobre a dialética do desejo e da demanda, em
articulação com o mito do Édipo.
129

Figura 21 – Lógica da castração (-φ).

FONTE: Lacan (1957-58/1999, p. 189).

Há nesse desenho uma relação de simetria entre falo, que está aqui
no vértice superior do ternário imaginário, pai, no vértice inferior do
ternário simbólico. Veremos que não há aí uma simples simetria, mas
uma ligação. Como é que já se faz possível eu adiantar que essa
ligação é de ordem metafórica? (LACAN, 1957-58/1999, p. 189).

Assim, Lacan mostrou que a relação da criança (C) com o falo se estabelece
na medida em que o falo é objeto do desejo da mãe (M). Segundo ele, o falo
desempenha papel essencial nas relações que o filho mantém com o casal parental.
Ainda mais longe, para Lacan, o pai é aquele que priva a mãe do objeto de seu desejo
– o objeto fálico. Lacan nomeia, então, o ponto de privação real da mãe, como ponto
nodal (1957-58/1999, p. 191), caracterizando o pai como aquele que castra, não o
sujeito, mas a mãe, a partir de sua função simbólica.

Figura 22 – Eixo Mãe-Criança.


FONTE: Lacan (1957-58/1999, p. 231).
130

Essa não é uma construção arbitrária... Foi a experiência que nos


ensinou o que comporta de consequências em cascata, de
desestruturação quase infinita... É em relação a isso que tem de se
situar algo de essencialmente confuso, indeterminado, não
desvinculado de sua existência, mas feito para se separar dela, ou
seja, o sujeito, na medida em que ele tem que ser significado.
(LACAN, 1957-58/1999, p. 268)
.

Alguns dias depois da lição XXV de seu quinto seminário, As formações do


inconsciente (1957-58/1999), Lacan participou do Colóquio Internacional de
Royaumont, reunido de 10 a 13 de julho de 1958, a convite da Sociedade Francesa
de Psicanálise. Nesse encontro, dois relatórios foram apresentados: A direção do
tratamento e os princípios de seu poder38 (1958a/1998, p. 591-652), e Observações
sobre o relatório de Daniel Lagache: “Psicanálise e estrutura de personalidade39
(1958b/1998, p. 653-691).

O primeiro deles foi apresentado por Lacan como “uma seleta de nosso
ensino” (1958a/1998, p. 649). Porém, mesmo pedindo desculpas aos que o
acompanhavam, já que ali se encontram “exemplos um tanto repisados” (1958a/1998,
p. 604), em nota de rodapé, afirmou que suas ideias já penetravam num grupo onde
eram obedecidas ordens que proibiam seu ensino, por serem malditas (1958a/1998,
p. 607). Apontou então que aqueles psicanalistas de sua época agiam com base num
princípio autoritário dos educadores de sempre e fiavam-se apenas na análise
didática, quando se fazia necessário reinventar a Psicanálise.

“Quem analisa hoje?” (1958a/1998, p. 591) é seu ponto de partida. Visando


identificar os efeitos que a análise surtiria no analista, Lacan criticou o sentido da
reeducação emocional do paciente, bem como, a via da contratransferência,
apontada por ele como uma impropriedade conceitual. Para ele, essa reeducação
não se distinguiria do guia moral que um fiel do catolicismo visa na direção da
consciência. Essa direção acha-se radicalmente excluída e a direção, portanto, é que
o sujeito aplique a regra analítica: associar livremente (1958a/1998, p. 591).

Lacan afirmou também que o analista é ainda menos livre em sua política,
onde ele faria melhor situando-se em sua falta-a-ser do que em seu ser. Isso tem

38 Primeiro relatório do Colóquio Internacional de Royaumont, reunido de 10 a 13 de julho de 1958, a


convite da Sociedade Francesa de Psicanálise. Publicado em La Pschanalyse, vol. 6, Paris, PUF, 1961,
p. 149-206.
39 idem, Ibidem.
131

como efeito que tais diretrizes veicularão a doutrina com as quais o analista se
constitui no ponto de consequência que ela atingiu para ele.

O analista é o homem a quem se fala e a que se fala livremente. Está


ali para isso. E o que isso quer dizer? ...Ser. esse o procedimento da
análise, um progresso da verdade?... Quando sou o primeiro a
preservar nelas o indizível. (LACAN, 1958a/1998, p. 622).

A análise, portanto, refere-se a uma situação a dois, mas que Lacan alerta:
“não nos enganemos com a metáfora do espelho” (1958a/1998, p. 595), a questão
avançaria, segundo ele, no sentido de a transferência vir a ser tratada como uma
forma particular de resistência.

A metonímia, como lhes ensino, é o efeito possibilidade por não haver


nenhuma significação que não remeta a outra significação, e no qual
se produz o denominador mais de comum entre elas, ou seja, o pouco
de sentido (comumente confundido com o insignificante), o pouco de
sentido, que se revela no fundamento do desejo e lhe confere o toque
de perversão que é tentador denunciar na histeria atual.
(LACAN, 1958a/1998, p. 628).

Quanto a Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: “Psicanálise e


estrutura da personalidade (1958b/1998, p. 653-691), já no escrito anterior, Lacan
indicara a importância do relatório quanto ao conceito de transferência.

Essa seriam as chamadas “balizas elementares” (1958a/1998, p. 614), uma


vez que seu trabalho de crítica partiu da função de fenômeno até as distinções de
estrutura linguística. Afinal, “qual é o lugar da interpretação?” (1958a/1998, p. 598) e
“em que ponto estamos com a transferência?” (LACAN, 1958a/1998, p. 608).

Tal trabalho, a acreditarmos haver sabido em nosso ensino extrair as


consequências que ele acarreta, torna bem evidente, pela ordenação
que introduz, a que ponto são frequentemente parciais os aspectos
em que se concentram os debates e, em especial, quanto ao emprego
comum do termo, na própria análise... (LACAN, 1958b/1998, p. 608).

Lacan afirmou, portanto, que o que Lagache relata é, de fato, bastante


apropriado à sua definição do inconsciente como discurso do Outro. Para ele, é
próprio da rotina de seu ensino fazer a distinção entre o que a função do eu impõe ao
132

mundo em suas projeções imaginárias e os efeitos de defesa que elas retiram de


mobiliar o lugar onde se produz o juízo (1958b/1998, p. 677).

Isso quer dizer que, até então, era preciso desentulhar o imaginário como
demasiadamente valorizado pela técnica, o que teria sido uma fase preliminar e já
ultrapassada de seu ensino (LACAN, 1958b/1998, p. 688). Portanto, por mais
contemporâneo que fosse o termo estrutura – no que se referiu à investigação sobre
o homem naquele momento, está definido pela articulação significante como tal, ou
seja, pelos efeitos que a combinatória pura e simples do significante determina na
realidade em que se produz.

É também por volta desse momento de seu percurso, seu quinto seminário,
que Lacan elabora o Grafo do desejo, uma configuração que supõe relações entre
pares de lugares: esses se representam por pontos, e as relações que os unem, por
segmentos ou arcos de curva. Lacan elaborou esse esquema especialmente com
base na estrutura do chiste, tomada como ponto de partida.

Para abordar o objeto de sua investigação, montou um esquema que permite


examinar mais de perto as relações da cadeia significante com a cadeia significada,
a partir do conceito de ponto de basta:

Figura 23 - Ponto de basta


FONTE: Lacan (1957-58/1999, p. 17).
133

Figura 24 - Triângulos e grafo em construção.


FONTE: Lacan (1957-58/1999, p. 217).

Figura 25 – Grafo do Desejo completo.


FONTE: Lacan (1960c/1998, p. 831).

Enfatizo alguns de seus produtos algébricos, a partir desse grafo: a fórmula


da pulsão ($<>D, no canto superior esquerdo do grafo), ainda entendida de modo
completamente simbólico, mas já apresentando as peculiaridades do objeto a; a
134

fórmula do sintoma (s(A), no canto inferior direito e a fórmula do significante de A


barrado (S(Ⱥ), no canto superior direito.

No sexto seminário O desejo e sua interpretação (1958-59/2016), Lacan


elabora a primeira lógica da fantasia, coisa que será revista no seminário quatorze, A
lógica da fantasia (ainda não publicado), permanecendo no mesmo fio de seu texto
inaugural Função e campo da fala e da linguagem em Psicanálise (1953c/1998).
Constituindo um complemento e quase um novo ponto de partida inaugurado no início
de seu ensino, Posição do inconsciente40 (1960d/1998, p. 843-864), põe em questão
diretamente o problema da resistência na via da análise que se intitula didática,
principalmente, porque os resultados da experiência falseavam-se no contexto da
formação.

Segundo Lacan, “[...] essa contribuição doutrinal tem um nome: trata-se muito
simplesmente, do espírito científico, que falha por completo nos locais de
recrutamento dos psicanalistas” (1960c/1998, p. 851).

Nesse seminário, demonstra que a verdadeira relação de objeto que constitui


o tema do seminário quatro As relações de objeto (1956-1957/1995), se encontra não
no nível da pulsão, mas sim, no nível do desejo. E isso por intermédio da fantasia. No
entanto, apesar de admitir inicialmente apenas objetos imaginários, procedentes do
estádio do espelho, isto é, da imagem do corpo próprio, no fim, a pulsão retoma seus
direitos a ser evocado um estatuto do objeto que seja real.

A experiência do desejo é um termo empregado por Lacan, tomado a partir


do Grafo do desejo, acima apresentado, em sua construção, sobretudo, em sua
presença no sonho. Lacan, toma um sonho analisado por outra psicanalista, Ella
Sharpe, e comenta detalhadamente sua interpretação. Em seguida, avança sobre
Hamlet, em sete lições. Na sua definição de dialética do desejo, discorre sobre a
fantasia fundamental, o corte e a sublimação.

Seminário que marca profundamente um momento profícuo em seu ensino,


o sétimo, A ética da Psicanálise (LACAN, 1959-60/1988), tem referências que vão da
tragédia antiga, passando pelo mandamento do amor ao próximo e da leitura de Sade.
Seguindo a linha dos seminários anteriores, na medida em que a experiência da

40
Congresso reunido no hospital de Bonneval sobre o tema do inconsciente freudiano, entre 30 de
outubro e 2 de novembro de 1960. Intervenções condensadas em março de 1964, a pedido de Henri
Ey, para o livro sobre o congresso, L'Inconscient, publicado em Paris pela Desclée de Brower em 1966.
135

psicanálise é significativa diante da maneira como o analista responde às demandas


dos doentes, para Lacan, isso confere uma significação exata: é uma resposta da
qual devemos conservar a mais severa disciplina, para não deixar adulterar o sentido,
em suma, profundamente inconsciente dessa demanda (LACAN, 1959-60/1988, p.
12).

Seu oitavo seminário tratou precisamente sobre o conceito da transferência


ao comentar O banquete, de Platão (2001). Tomada a transferência, como núcleo da
experiência, a mola do amor, Lacan seguiu articulando os conceitos de objeto do
desejo e sobre a dialética da castração, bem como, falou sobre o luto do analista
(1961/2003, p. 370). Ao aproximar os dois conceitos, apontou a presença do real e
definiu as relações entre o grande I – signo algébrico que representa a função do ideal
de eu e da identificação, com o objeto a e a angústia.

Seminário nono, L’identification (1961-62, não publicado) é a continuidade de


sua busca por introduzir a estrutura da angústia – como sinal do real, a partir de uma
revisão do status do objeto e da função do furo, termo que refere a castração à
privação real do falo na mãe (1962-63/2005, p. 97).

Seu décimo seminário, A angústia (1962-63/2005), apresenta uma riqueza de


esquemas para representar a divisão do sujeito. Em considerações topológicas
concernentes à função da identificação no nível do desejo, apresenta a incidência e
o alcance de seu trabalho e ensino. Assim, as figuras apresentadas são descritas por
causa da relação entre o significante e os objetos parciais e exemplificam a “álgebra
lacaniana”, em estreita relação com a fundamentação da aritmética no logicismo
matemático (LEITE, 2000, p. 27).

Segundo ele, “[...] no começo, vocês encontram A, o Outro originário como


lugar do significante, e S, o sujeito ainda inexistente, que tem que se situar como
determinado pelo significante.” (1962-63/2005, p. 36), disso resta o a.

Figura 26 - Primeiro esquema da divisão.

FONTE: Lacan (1962-63/2005, p. 36).


136

Lacan faz uso da Banda de Moebius para representar a topologia do sujeito


– onde dentro e fora são coextensivos e o que resta daquela divisão: o objeto a, a
partir do corte do significante, representado no corte sobre o Cross-cap:

Figura 27 – Faixa de Moebius.


FONTE: Lacan (1962-63/2005, p. 110).

Figura 28 – Cross Cap.


FONTE: Lacan (1962-63/2005, p. 110).

Nesse seminário, tratou ainda da angústia entre o gozo e o desejo (1962-


63/2005, p. 175) e definiu as cinco formas do objeto pequeno a: o seio, as fezes, o
falo, o olhar e a voz (1962-63/2005, p. 235).
137

Para introduzir o que chama de falta irredutível ao significante (1962-63/2005,


p. 146), utilizou-se da topologia do Toro, representando o furo como um círculo
irredutível:

Figura 29 – Toro.
FONTE: Lacan (1962-63/2005, p. 149).

Sua última lição do décimo seminário (1962-63/2005, p. 352) tratou


particularmente do limite e da função da angústia entre o gozo e o desejo – a
castração (-φ), no que concerne ao corte e à constituição do objeto a.

Assim, Lacan, demonstrou por meio da Garrafa de Klein, como um pote, o


fenômeno constitutivo de sua borda, isto é, o momento em que o a se desprende e
cai de i(a) – imagem de a.

Figura 30 – Garrafa de Klein.


FONTE: Lacan (1962-63/2005, p. 225).

Nesse sentido, Lacan definiu que a angústia se manifesta como relacionada


de maneira complexa com o desejo do Outro e com sua nomeação e esse está
articulado com a cessão do objeto a.
138

Até esse momento, Lacan já formalizava conceitos próprios, bem como,


definia os objetos eróticos de maneira estruturada. Para além dos objetos e conceitos
descritos por Freud, Lacan apresentou sua contribuição mais representativa: o objeto
pequeno a.

O período de 1953 a 1964 é definido por Miller (1988) como a dimensão


essencial da experiência do inconsciente baseada na categoria do simbólico. Com
base numa perspectiva algébrica sobre os termos freudianos (MILLER, 1988, p. 18),
esse período foi chamado de Primeiro Ensino. Nesses dez anos, formulando sua tese
do “inconsciente estruturado como uma linguagem”, Lacan criticou profundamente o
modo como os psicanalistas pós-freudianos entendiam as técnicas da Psicanálise.

Justificada a função da fala e o campo da linguagem em Psicanálise, Lacan


formalizou o Édipo, investigou o narcisismo e avançou sobre o campo da psicose.
Definiu também a função imaginária do falo, bem como, sua significação, comentando
as estruturas do espírito com base em Freud. Lacan assim seguiu do mesmo modo
sobre os conceitos de desejo, de demanda, de identificação e de angústia.

Em 1963, porém, Lacan interrompeu seus seminários orais e fundou a Escola


Freudiana de Paris, dando continuidade ao que se caracteriza como seu segundo
ensino: a partir de 1964, dará ênfase ao registro do Real, cuja principal contribuição
é o objeto pequeno a.

No dia 20 de novembro de 1963, Lacan iniciou seu seminário Os Nomes-do-


Pai (1963/2005, p. 56), evocando a notícia que lhe fora dada na noite anterior, qual
seja: ele acabava de ter sido riscado da lista de didatas da Sociedade Francesa de
Psicanálise, Lacan anunciou que esse seria seu último seminário. Lacan tomaria
como tema de seu novo curso Introdução aos nomes-do-pai (1963/2005, p. 55), essa
lição acabou por ser a primeira e a única desse seminário, quando interrompido em
circunstâncias dramáticas – a perda de sua função de didata.

Depois de dez anos a retomar os textos freudianos com rigor, Lacan foi alvo
de certa negociação sobre seu ensino dentro da Sociedade Francesa de Psicanálise
e, nessas conjecturas, deu a primeira e única aula daquele seminário. Tendo
anunciado no seu seminário anterior a pluralização da noção de Nome-do-Pai, contou
que seu seminário inexistente seria um progresso do trabalho sobre a psicose,
apontando a função do nome próprio a se encadear ao seminário sobre a angústia,
como passo seguinte.
139

Segundo ele mesmo, naquele ano, aproximaria os seminários cinco, sete e


nove, especificamente. As lições devidamente citadas por ele referem-se aos
seguintes termos: a metáfora paterna, os três tempos do Édipo e da imagem ao
significante no prazer e na realidade, para o quinto seminário; para o sétimo, sobre a
pulsão de morte, a função do Bem e do Belo, a partir de Antígona; e, no nono –
seminário ainda não estabelecido – a função do nome próprio.

Nessa aula, retomou mais uma vez o sentido de seu ensino: “que a verdade,
sua verdadeira apreensão, é que não a agarraremos jamais.” (1963/2005, p. 86).

Dessa práxis que é a análise, tentei enunciar como a busco, como a


agarro. Sua verdade é movediça, decepcionante, escorregadia.
Vocês não conseguem compreender que é porque a práxis da análise
deve avançar em direção a uma conquista da verdade pela via do
engano? Pois a transferência não é outra coisa, a transferência como
o que não tem Nome no lugar do Outro (1963/2005, p. 87).

Lacan sempre se recusou a retomar o tema e até mesmo publicar em vida o


texto da única lição pronunciada. No entanto, ali denunciou que o credenciamento do
discurso analítico não lhe permitiu erguer o véu com que Freud recobrira o verdadeiro
fundamento da Psicanálise, que tinha sido punido por se mostrar sacrílego, sobretudo
com o título irônico que deu ao seminário vinte e dois, Les non-dupes errent (1972-
73, não publicado).

Em janeiro de 1964, Lacan interveio num colóquio convocado pelo professor


Enrico Castelli sob o título de “Técnica Casuística", na Universidade de Roma. Seu
resumo intitulado Do “Trieb” de Freud e do desejo do psicanalista41 (1964a/1998, p.
865-868) tratou diretamente do conceito de pulsão, tal como é construído por Freud
a partir da experiência do inconsciente em detrimento do pensamento psicologizante
– como “recurso ao instinto, com que ele mascara sua ignorância, através da
suposição de uma moral na natureza.” (1964a/1998, p. 865).

Lacan afirmou nesse colóquio que há uma hiância representada pela


articulação entre os princípios do prazer e de realidade, no qual a Metáfora paterna
articula o desejo com a proibição do incesto, De certo modo, que “a crise do Édipo é
determinante para a própria maturação sexual.” (1964a/1998, p. 866). Com isso,

41
Resumo das intervenções num colóquio convocado pelo professor Enrico Castelli, sob o título de
"Técnica e casuística", de 7 a 12 de janeiro de 1964, na Universidade de Roma. Publicado em Atti del
colloquio internazionale su "Tecnica e casuistica", Roma, 1964.
140

definiu que é a pulsão que divide o sujeito e o desejo, a qual se sustenta pela relação,
que o sujeito desconhece, dessa divisão com um objeto que a causa. É nessa lógica
que se define também a estrutura da fantasia.

Consequentemente, no sentido da formalização do seu ensino e a partir


desses novos avanços, Lacan questionou diretamente “qual pode ser o desejo do
analista?” (1964a/1998, p. 867). Com base nesse questionamento sobre a finalidade
da análise, para além da terapêutica, afirmou que se trata de produzir um analista. E,
uma vez que a formação do analista, pela via desse deslocamento, cria o que Lacan
denomina de “cacofonia do ensino” (1964a/1998, p. 868), Lacan começa a elaborar
uma nova forma de estabelecê-la.

Ao pedir demissão, Lacan deu então continuidade a seu ensino - a convite de


Fernand Braudel, presidente da seção de Altos Estudos da Escola Normal Superior.
Tal convite foi incitado por Lévi-Strauss, reconhecedor e correspondente do trabalho
de Lacan e, igualmente, Robert Flacelière, diretor da Escola Normal Superior, quem
dispôs uma sala para se curso.

Em 15 de janeiro de 1964, contudo, iniciou o seminário onze, Os quatro


conceitos fundamentais da Psicanálise (1964/2008). Abordou, ao longo do semestre
seguinte, os quatro conceitos, definindo o objeto escópico – o olhar, visando
estabelecer qual “[...] estatuto conceitual devemos dar a quatro dos termos
introduzidos por Freud como conceitos fundamentais, nominalmente: o inconsciente,
a repetição, a transferência e a pulsão.” (1964b/2008, p. 20).

Sua primeira lição, intitulada A Excomunhão (LACAN, 1964b/2008, p. 9), traz


suas próprias perguntas: “Em que estou eu autorizado?”, no caso, a dar continuação
ao seu ensino. Uma vez questionada sua qualificação, mas em condições de poder
dar continuidade, Lacan buscou delimitar a base do seu ensino, numa nova etapa.
Segundo ele, “é questão de saber o que, da Psicanálise, se pode, se deve esperar, e
o que se deve homologar como freio, senão como impasse” (1964a/2008, p. 14).

Nesse seminário, Lacan anunciou sua fala buscando indicar o sentido àquilo
que intitula de Fundamentos da Psicanálise e o modo como se propunha a dar conta
disso. Em função de ter sido posto em posição de ter que se demitir do seu seminário
– o que denomina ‘excomunhão’, afirmou que é na formação de psicanalistas que
estava implicada desde o início.
141

A partir do que se chamava análise didática, Lacan interrogou “o que é que a


funda [a psicanálise] como práxis?” (1964b/2008, p. 14). Lacan introduziu seu
seminário indicando o desejo de analista como autorizador da práxis psicanalítica e
sua implicação sobre a formação de psicanalistas a partir dos quatro conceitos
fundamentais e da função do significante.

Estabeleceu, portanto, a práxis psicanalítica como “[...] termo mais amplo


para designar uma ação realizada pelo homem ... que o põe em condição de tratar o
real pelo simbólico” (LACAN, 1964b/2008, p. 14). Assim, finalmente, propôs relação
direta entre desejo e transmissão, com base na função que os engloba e que permite
mostrar seu valor operatório, isto é, a função do significante (LACAN, 1964/2008, p.
20).

Com a publicação dos seus Escritos (1966/1998), o ensino de Lacan adquiriu


ainda maior alcance e, como explicitado no Método deste trabalho, tal publicação
contém a íntegra dos textos escritos por Lacan entre 1936 e 1966, inclui Função e
campo da fala e da linguagem – tomado como o início oficial de seu ensino, entre
outros artigos fundamentais para a Psicanálise contemporânea.

Em seu Ato de fundação42 (1964c/2003, p. 235), igualmente apresentado no


Método, que fora a princípio difundido sem título e sob forma mimeografada, em junho
de 1964, Lacan propunha fundar o modo como deveria...

[...] realizar-se um trabalho – que, no campo aberto por Freud,


restaure a sega cortante de sua verdade; que reconduza a práxis
original que ele instituiu sob o nome de Psicanálise ao dever que lhe
compete em nosso mundo que, por uma crítica assídua, denuncie os
desvios e concessões que amortecem seu progresso, degradando
seu emprego (LACAN, 1964c/2003, p. 235).

Dessa fundação como um ato, primordialmente, Lacan reforçou sua particular


relação com o ensino. Nesse sentido, propôs que, se necessário, dentre os impasses
de sua posição em tal Escola seriam incluídos somente aqueles que a própria indução
a que visava como ensino engendrariam o trabalho (1964c/2003, p. 237).

42
O texto, a princípio difundido sem título e sob forma mimeografada, em junho de 1964, foi impresso
pela primeira vez no Annuaire 1965 da Escola Freudiana de Paris, acompanhado pela "Nota adjunta"
e um "Preâmbulo". A nota, datada de 1971, e o Preâmbulo foram publicados no Annuaire 1977 da
Escola Freudiana de Paris.
142

Daí estabeleceu três subseções: a doutrina da Psicanálise pura, a crítica


interna de sua práxis como formação e a supervisão dos psicanalistas em formação.
Assim estabeleceu, de modo preciso, que o ensino da Psicanálise só pode ser
transmitido de um sujeito para outro pelas vias de uma transferência de trabalho na
fundação de sua Escola.

Em seguida, Lacan apresenta sua Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre


o psicanalista da Escola43 (1967e/2003, p. 248), considerando de início que ela
deveria ser lida juntamente com o seu artigo Situação da Psicanálise e formação do
psicanalista em 195644 (1956/1998, p. 461), onde começara a tratar de estruturas
asseguradas na Psicanálise e de garantir sua efetivação no psicanalista. Ali, escreve
sobre a fórmula da metáfora, o algoritmo significante da transferência:

Figura 31 - Fórmula do Sujeito Suposto Saber.

FONTE: Lacan (1967/2003, p. 253).

E ainda pergunta “como sequer ter esperança de situar o que se


desloca para além, sem conhecer a construção com que ela constitui
esse além suposto como tal?... quando a fala é instrumento, o único
de que se serve essa prática?” (LACAN, 1967/2003, p. 341).

Com isso, Lacan institui duas formas que correspondem à garantia que a
Escola daria: o AME, ou analista membro da Escola e o AE, analista da Escola – esse
a quem se imputa estar entre os que podem dar testemunho dos problemas cruciais,
nos pontos nodais em que se acham eles no tocante à análise, na medida em que
eles próprios estão investidos nesta tarefa, o que se chama de dispositivo do passe
(LACAN, 1967/2003, p. 249).

Afirma explicitamente que “o ensino da psicanálise só pode transmitir-se de


um sujeito para o outro pelas vias de uma transferência de trabalho” (p. 242) e que

43 Extraído de Scilicet, nº.1, Paris, Seuil, 1968. E sua primeira versão, extraído de Analytica, no. 8,
Paris, Lyse, abril de 1978.
44 A segunda versão foi publicada em Les Études Philosophiques, número especial de outubro-

dezembro de 1956, para a comemoração do centenário do nascimento de Freud. A primeira versão


existe apenas como separata.
143

"desta fundação, podemos destacar, antes de mais nada, a questão de sua relação
com o ensino, que não deixa sem garantia a decisão de seu ato.” (p. 242).

Nesse ínterim, não dispomos das publicações dos seminários décimo


segundo, Problèmes cruciaux pour la psychanalyse (1964-65, não publicado), décimo
terceiro, L’objeto de la psychanalyse (1965-66), o décimo quarto, La logique du
fantasme (1966-667), e o décimo quinto, L’acte psychanalytique (1967-68).

Até se encontram transcrições chamadas de piratas na internet atualmente,


no entanto, como são publicações não-oficiais, o autor decidiu não trabalhar com
essas. Por mais que existam estudos oriundos desses textos, mesmo na
Universidade ou em outras instituições psicanalíticas para além da Escola Brasileira
de Psicanálise – e mesmo dentro dela, parece que o corpus teórico, segundo a
definição tomada neste trabalho, acaba por esbarrar nesse limite bibliográfico. Daí
decorre que os seminários utilizados se restringem aos publicados sob o
estabelecimento de Jacques Alain-Miller.

A Segunda

Desde Roma 1953, quando Lacan lá esteve pela primeira vez, ele reencontra
o grupo italiano em 15 de dezembro de 1967: A psicanálise. Razão de um fracasso
(LACAN, 1967d/2003, p. 341-349), quatorze anos depois. Na ocasião de seu
seminário sobre o ato psicanalítico (não publicado), Lacan retorna: “Função da fala,
campo da linguagem, isso equivalia a interrogar a prática e renovar o estatuto do
inconsciente” (LACAN, 1967/2003, p. 342).

Diz ele “[...] sabemos que se admite que o trabalho de uma Psicanálise o
prepara para isso, razão porque ela é qualificada de didática...”, porém “como se
haveria de passar de uma para a outra, se o término de uma não se ligasse ao
apuramento de um desejo que leva à outra?” (LACAN, 1967/2003, p. 346). Qual seja,
o desejo do analista. Afinal, “[...] eles (os analistas) não sabem nada de seu ato, e
menos ainda que o ato que fazem entrar em jogo das causas é o de se darem como
razão dele.” (LACAN, 1967/2003, p. 348). E finaliza:

Jogo, pois, a regra do jogo, como fez Freud, e não tenho razão de me
surpreender pelo fracasso de meus esforços para desatar a
estagnação do pensamento psicanalítico. Mas eu assinalaria que foi
144

de um momento de demarcação entre o imaginário e o simbólico que


partiram nossa ciência e seu campo” (LACAN, 1967/2003, p. 349).

E assim segue:

[...] quanto ao inconsciente, como não destacar nesta data (1953)


essa dimensão esquecida justamente por ser evidente? Sua
estrutura, tão claramente isomórfica ao discurso desde seu
aparecimento: um isomorfismo tão impressionante na medida em que
sua forma antecipou a descoberta pela qual ele se estabeleceu que
foi na linguagem. (LACAN, 1967/2003, p. 342).

Sua “incumbência preliminar: ou seja, tirar a crosta de ignorância” (LACAN,


1967/2003, p. 344), segundo ele mesmo, e destacou “[...] a ignorância docente [...]
que é corrente como valor nos bastidores intelectuais em razão da besteira [bêtise]
acadêmica” (LACAN, 1967/2003, p. 344). E “sendo o tráfico de autoridade a norma
de seu mercado”, Lacan se refere ao episódio chamado por ele de Excomunhão, em
1963, afirmando o paradoxo do que diante disso teria sido o seu fracasso, bem como,
deu sua razão:

[...] que eu tenha feito ontem, em Nápoles, uma conferência sobre o


‘engano do sujeito suposto saber’, deixará aparentemente, o ‘sujeito
suposto saber absoluto’ menos seguro de recuperar seu equilíbrio.
Aliás, um artigo de 1960, precisamente ‘A subversão do sujeito’, põe
os pingos nos is. (LACAN, 1967/2003, p. 345).

Com isso, propõe Lacan que “essa divergência em sua suposição mereça ser
uma questão formulada a seu sujeito, quando esse sujeito tem que se encontrar em
seu ato” (LACAN, 1967/2003, p. 345). Diz ainda: “[...] o patético de meu ensino é que
ele opera nesse ponto” e assim também para o analista: “o ato é aquilo mediante o
qual o psicanalista se compromete a responder por ela (a Psicanálise)” (LACAN,
1967/2003, p. 346), como sua razão.

Ademais, como retificar a análise propriamente selvagem que o


psicanalista de hoje faz da transferência, senão demonstrando...
partindo do Banquete de Platão... que não há nenhum de seus efeitos
que não seja estimado, mas para também se sustentar nisso, pelo que
aqui chamaremos... de postulado do sujeito suposto saber? Ora esse
é o postulado que sucede o inconsciente abolir (foi isso que
demonstrei ontem): portanto, será que o psicanalista é... servo de um
deus enganador? (LACAN, 1967/2003, p. 345).
145

Seu Seminário de número 16, De um outro ao outro (LACAN, 1968-69/2008),


é apresentado por Jacques Alain-Miller, em sua contracapa, comentando a
“evacuação”, dita excomunhão de Lacan em sua resposta imediata de responder não
somente aos psicanalistas, mas também, a uma juventude ainda exaltada com os
acontecimentos de Maio, que revolucionaram uma nova versão da dialética do senhor
e do escravo, e ainda dos fundamentos da teoria dos conjuntos.

Da mais-valia, conceito marxista, Lacan extraiu a função do mais-de-gozar,


defendeu uma prática lógica na Psicanálise, tomando Freud como um acontecimento
na história do pensamento ocidental. Tratava diretamente da fricção dos conceitos de
saber, poder, verdade e, sobretudo, do gozo postulado como absoluto.

Esse seminário é uma preciosidade no que se refere ao uso da matemática


com fins de ensinar. Lacan avança sobre a demonstração da inconsistência do Outro,
definindo sua topologia. Nessa ocasião, toma as séries de Fibonacci ( φ), chamada
por ele de “proporção maravilhosa” (1968-69/2008, p. 137), para definir um valor
numérico para o objeto a ( a = 0,618 e assim sucessivamente).

Diz Lacan:

Nós o escolhemos porque estávamos colocados diante do problema


preciso de saber como calcular o que se perde no fato de postular
arbitrariamente o 1 inaugural, reduzido a sua função de marca. Em
contrapartida, o que acabo de lhes dizer demonstra que a escolha do
a, por sua vez, nada tem de arbitrária, porquanto ele é a relação-limite
de um termo da série de Fibonacci com o que se segue.
(LACAN, 1968-69, p. 137)

Para Lacan, dá-se com o objeto a o mesmo que com a perda que visamos,
que está no horizonte do discurso analítico, aquela que constitui o mais-de-gozar –
como efeito da postulação do traço unário.

Já no ano de 1969, Lacan vai construindo a base que determinará sua Teoria
dos Quatro Discursos, apresentada no seminário 17, O avesso da Psicanálise (Lacan,
1969-70/1992), já citado neste trabalho, na Introdução, sobre a relação de avesso
entre os discursos do mestre e do psicanalista.

Em eixos de subversão analítica define o Campo Lacaniano (1969-70/1992,


p. 65) e, para além do complexo de Édipo, faz sua leitura pelo avesso da vida
contemporânea. Apresentou o esquema tetrápode, produzido a partir dos quatro
146

improvisos: o discurso do mestre, da histérica, da universidade e do analista, como


apresentado no Capítulo sobre o ensino da Psicanálise, neste trabalho, a partir do
escrito Alocução sobre o ensino (1970a/2003, p. 304), dos Outros Escritos (2003).

Assim, Lacan vai adentrando em uma discussão extremamente potente a


partir do Movimento Estudantil e o Movimento de 1968. O mês de maio de 1968 ficou
internacionalmente conhecido por ter sido um período de efervescência social que se
iniciou a partir de protestos estudantis em Paris. Esse movimento ficou também
internacionalmente conhecido por ter motivado a continuidade de movimentos
revolucionários em outras partes do mundo.

Segundo Miller, o Seminário 18, intitulado De um discurso que não fosse


semblante (LACAN, 1970-71/2009), traz um título enigmático, à primeira vista. Trata-
se de fornecer uma lógica para a ordem sexual, por meio da articulação algébrica do
semblante, segundo seus aparelhos de discurso, pela via de questionar o campo da
verdade.

Sua sétima aula, Lição sobre Lituraterra (1970-71/2009, p. 105), trata


diretamente das consequências de sua viagem ao Japão e aproximação com a escrita
chinesa, tratando diretamente da diferença sexual. Desde aí, já formula seu aforisma
“Não há relação sexual”, anunciando sua Teoria das Quatro Fórmulas a partir da
lógica modal – que aparecerá no Seminário 20, Mais Ainda (1972-73/1982).
Sobretudo, a partir da noção de contingência, uma vez que se trata apenas de letras,
esse seria o único aparelho por meio do qual designamos o que é real.

O Seminário 19, ...ou pior (1971-72/2012) se aprofunda na questão da


diferença sexual, em função da castração e do impossível de se simbolizar tratado
como furo no real, determinando seu conceito de Um-sozinho. Aqui começa o último
ensino de Lacan, deslocando a primazia do Outro na ordem da verdade e na do
desejo, para a primazia do Um na dimensão do real. Promovendo o gozo, ultrapassa
os grafos e as superfícies topológicas em favor dos nós, feitos de rodinhas de
barbante que são Uns encadeados.

Aqui, Lacan é magistral: apresenta articulações entre a Teoria dos quatro


discursos, preparando sua Teoria das quatro fórmulas, bem como já apresenta
inicialmente o famoso Nó Borromeano.
147

Figura 32 – Quatro fórmulas e Discurso do Analista

FONTE: Lacan (1971-72/2012, p. 108).

Figura 33 – O Nó Borromeano.

FONTE: Lacan (1971-72/2012, p. 88).

Miller aponta na contracapa do Seminário que, se o Seminário 18 suspirava


por um discurso que não fosse semblante, pois bem, com o 19 Lacan alcançava um
discurso que partiria do real.

Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de seminários mensais,


destinados aos internos de psiquiatria, Lacan escolheu como título "O saber do
psicanalista". De fato, se as três primeiras dessas "conversas", como as chamou
Lacan, corresponderam mais ou menos à sua ideia inicial, as quatro seguintes, em
contra partida, gravitaram em torno das questões abordadas no grande Seminário
que ele conduzia na praça do Panthéon, nos espaços da Faculdade de Direito, sob o
título ...ou pior (1971-72/2012), o Seminário de número 19.
148

Respeitando essa cesura, Miller inseriu as quatro em seu lugar cronológico,


no livro 19 do Seminário, onde fariam falta. As três primeiras, ao contrário,
constituíram nele uma digressão e foram publicadas no quinto volume da Coleção
Paradoxos, Estou falando com as paredes (2011). Elas foram pronunciadas na capela
do hospital nos dias 4 de novembro de 1971, 2 de dezembro do mesmo ano e 6 de
janeiro de 1972, respectivamente.

Dentre elas, no escrito Da incompreensão e outros temas (1971b/2011, p.


43), Lacan sublinha de imediato que essa é uma fala de ensino, e que a falava da
posição de analisando. E se pergunta se a incompreensão de Lacan é um sintoma
aproximando da incompreensão matemática, cuja insatisfação experimentada pelo
sujeito se dá no manejo do valor de verdade, justamente. Afirma que “[...] a
incompreensão matemática provém justamente da questão de saber se verdade ou
semblante não são uma coisa só” (p. 51), dimensão do patético que, segundo Lacan,
fez Cantor chegar à ameaça da loucura.

Daquela estrutura discursiva, trabalhada desde o Seminário 16, De um outro


ao outro (LACAN, 1968-69/2008), Lacan afirma que ela teria a forma de um tetraedro,
um dos sólidos de Platão, e que os giros dos quais tratam as mudanças de discurso,
em sua combinatória tem direção e sentido. Propõe, portanto, que o matema, não é
pelo fato de o abordarmos pelas vias do simbólico que não se trata de real (p. 56). É
por isso que Lacan, em seu escrito O aturdito (1972/2003, p. 448) rebatiza seu projeto
de ensino de “ficção e canto da fala e da linguagem” (1972/2003, p. 261).

Lacan toma a imagem de Bernini, em sua capa, de Santa Tereza em seu gozo
místico, perguntando se esse gozo que se experimenta e do qual não se sabe nada
não seria ele o que colocaria os psicanalistas na via da ex-sistência. Assim, Lacan dá
outra consistência em relação aos demais discursos, pelo fato de a análise se tratar
de um laço a dois, sendo isso que se encontra no lugar da falta de relação sexual. E,
sobre a função de sua Escola, aponta:

É por isso, inclusive, que não há uma verdadeira sociedade fundada


no discurso analítico. Há uma Escola, que justamente não se define
por ser uma Sociedade. Ela se define pelo fato de que nela ensino
alguma coisa. (LACAN, 1974b/2011, p. 19).
149

Em sua lição intitulada Uma carta de amor (1972-73, p. 105), Lacan apresenta
suas Tábuas da Sexuação, formalizando a posição feminina em termos lógicos, bem
como a posição de termos mais estabelecidos, tais como o objeto a, o sujeito barrado
($), o significante de A barrado (S(Ⱥ)) e o ϕ, como representante da significação fálica,
de um lado e do outro, dos sexos (homem, direito; e mulher, esquerdo).

Figura 34 – Tábuas da Sexuação

FONTE: Lacan (1972-73, p. 105).

O então chamado Ultimíssimo Ensino, ocorre a partir do Seminário 20, Mais


Ainda (1972-73/1982), quando passa a avançar a partir da lógica e da topologia,
culminando no seu famoso uso do Nó Borromeano, tão determinante para a sua
teoria. Lacan ainda participou da fundação do Departamento de Psicanálise, na
Universidade Paris 8.

Em se tratando de um seminário que versa profundamente sobre o amor, em


sua proposição de que a face do Outro, a face de Deus, como suportada pelo gozo
feminino, Lacan curiosamente dá diversas indicações sobre o uso dos matemas,
quando em sua décima lição, Rodinhas de Barbante (1972-73/1982, p. 160), já trata
da construção dos nós que posteriormente deflagarão um ponto culminante em seu
ensino. E segue desenvolvendo que o gozo do Outro é fora da linguagem, para falar
do gozo da suposta A mulher que não existe - aforisma que gera muita questão com
as feministas ainda hoje.

O Seminário 21, Les non-dupes errent (1972-73, não publicado), apresenta


em seu título os efeitos de seu estudo sobre a homofonia e a escrita, uma vez que se
ouve Os nomes do pai, em francês Les noms du pére. Já o Seminário 22, RSI (1973-
150

74, não publicado) constitui a apresentação completa da topologia do nó Borromeano


de três.

A Terceira

Sete anos depois, o tema do fracasso, O triunfo da religião (LACAN,


1974a/2005, p. 55-83) provém de uma ‘entrevista coletiva’, realizada em Roma em 29
de outubro de 1974, no Centro Cultural Francês, por ocasião do VII Congresso da
Escola Freudiana de Paris. Nesse momento, Lacan proferia seu Seminário 21 (não
publicado), sobre a tríade RSI. Essa entrevista antecipara, em alguns dias, temas
apresentados no mesmo congresso, em sua intervenção supracitada, nomeada A
terceira (LACAN, 1974b/2011, p. 11-36).

Inquirido sobre a posição insustentável do analista, ele diz: “analisar’,


‘governar’, Freud acrescenta ainda ‘educar” (LACAN, 1974a/2005, p. 55). Não
obstante, para essas tarefas, os candidatos inquietam-se com algo muito particular,
que só os analistas para a conhecerem bem, isto é, a angústia. E, para ela, há um
monte de remédios, em particular certo número de ‘concepções do homem’ (LACAN,
1974a/2005, p. 58). Diz Lacan:

Dediquei um ano de Seminário [17] a explicar a relação que irrompe


em virtude da existência dessa função completamente nova que é a
função analítica, e em que ela ilumina as outras [...] Eu revelei como
isso pode se manipular, e de uma forma muito simples, graças a
quatro pequenos elementos que mudam de lugar e giram.
(LACAN, 1974a/2005, p. 56).

Sobre a angústia dos cientistas, portanto, Lacan profere o que seria o triunfo
da ciência: um flagelo mundial digno de uma ficção científica, e acrescenta que falar
da posição do cientista era um tabu para Freud. De todo modo, afirma que, se da
ciência podemos ter um pequeno vislumbre, é pela análise – função ainda mais
impossível do que as outras, por se ocupar muito especialmente do que não funciona:
“O que funciona é o mundo. O real é o que não funciona [...] basta observar que há
coisas que fazem que o mundo seja imundo [...]” (LACAN, 1974a/2005, p. 55). Assim,
segundo Lacan, já é alguma coisa os analistas poderem falar da angústia.
151

Sobre a ciência, prevê Lacan que ela introduziria um monte de coisas


perturbadoras na vida de todos, e que a religião virá dar sentido a todas as reviravoltas
introduzidas pela ciência. No que se refere a essa ‘secreção de sentido’, afirma: “[...]
eles (os religiosos) conhecem um bocado”, “são capazes de dar sentido realmente a
qualquer coisa”, “são formados nisso”, sobretudo a religião cristã – nomeada por ele
como ‘a verdadeira religião’. Essa afirmação paradoxal nos convoca a pensar na
encarnação dessa verdade.

Finalmente, A terceira (LACAN, 1974b/2011, p. 11), é a última ocasião em


que Lacan chega a Roma e aponta que ela retorna, é sempre a primeira. Parte de um
aforisma que deve ser entendido como o que dissera acerca da foraclusão, isto é,
rejeitado, o gozo reaparece no real. Do ‘Penso, logo se goza’, Lacan rejeita o ‘logo’
usual, e propõe aquele que diz “Eu go(z)sou” (p. 12). Assim abre sua discussão entre
o ser e o semblante, propondo a posição do analista como semblante de objeto a,
uma vez que não há nenhum discurso em que o semblante não conduza o jogo.

Se Lacan propunha inicialmente que “[....] o real é o que retorna sempre ao


mesmo lugar” (1974b/2011, p. 16), um segundo momento o define como o impossível
de uma modalidade lógica que buscou demarcar, via matemática topológica.

Na Primeira, portanto, aquela que retorna, Função e campo da fala e da


linguagem (LACAN, 1953c/1998, p. 238), a interpretação fora estabelecida pela via
da equivocidade sobre o significante, designado como instância da letra, por Lacan.
Depois, acrescentado que é em lalíngua que opera a interpretação – o que não
impede que o inconsciente seja estruturado como uma linguagem, porém aponta que:

[...] o sujeito suposto saber que é o analista na transferência não é


suposto erroneamente se sabe em que consiste o inconsciente, em
ser um saber que se articula com lalíngua, o corpo que aí fala só está
enlaçado a ele pelo real do qual se goza (1974/b/2001, p. 21).

Indica que o nó borromeano reúne as três dimensões que imputamos no


espaço, produzido exatamente quando o situamos nesse espaço, em sua função de
mostração no ensino. Em função disso, acrescento que procurei orientar minha leitura
do tesauro a partir de um algoritmo de solução do Cubo de Rubik, o cubo mágico, que
tem sua própria álgebra, por sinal!
152

Seu Seminário 23, Joyce, o sinthoma (1975-76/2007), avança sobre um


quarto elemento que atuaria em sua função de nome próprio, enlaçando o imaginário
de um modo diferente, o Sinthoma, no Nó Borromeano.

Figura 35– O Nó Borromeano [enlaçado], os três anéis separados e,


depois, ligados pelo sinthoma, o quarto.
FONTE: Lacan (1975-76/2007, p. 21).

Representado pela relação que James Joyce estabelece com sua escrita em
Finegans Wake, bem como de diversas modalidades de nós, do uso lógico do
sinthoma, Lacan extrai uma nova escrita para o ego, na dimensão da invenção do
real. Lacan é ousado em posicionar elementos algébricos dentro dos campos entre
os nós, definindo precisamente a distinção entre o o gozo fálico (Jϕ), do gozo do Outro
(JȺ) e o sentido, nas interseções entre os pares de registros: (Jϕ entre Real e
Simbólico; JȺ, entre Imaginário e Real e o sentido, entre Simbólico e Imaginário). Mais
além, na interseção dos três registros, RSI, coloca o objeto a.
153

Figura 36– O Nó Borromeano, Jϕ; JȺ e; o sentido


FONTE: Lacan (1975-76/2007, p. 54.

Miller, na contracapa do seminário, compara Lacan a Dante, de mão dada


com Virgílio, avançando pelos círculos do Inferno, na trilha de Joyce. Assim, esse
seminário todo é uma fantástica aventura, carregado de ilustrações e exemplos de
nós, tal como o próprio nó criado por Lacan:

Figura 37– Nó de Lacan


FONTE: Lacan (1975-76/2007, p. 90).

Os quatro seminários finais também não foram ainda publicados, deixando a


sinalização de que esses seminários, tais como os demais igualmente não
publicados, demarcam um limite do campo teórico da Psicanálise lacaniana, bem
como, do estudo de sua obra, no Brasil. São eles: Seminário 24, L’insu que sait de
l’une bévue s’aile à mourre (1976-77, não publicado), Seminário 25, Le moment de
concluire (1977-78, não publicado), Seminário 26, La topologie e les temps (1978-79,
não publicado) e Seminário 27, Dissolution (1979-1980), não publicado.
154

Um tema, particularmente importante, se refere à dissolução de sua Escola.


Lacan escreve uma carta, em 5 de janeiro de 1980, Carta de dissolução (1980/2003,
p. 320), apontando um problema na Escola a ser entendida como da Associação que
a ela confere estatuto jurídico. Era preciso que fosse ele mesmo em sua Escola,
mantendo seu objetivo, qual seja: “por um trabalho, como disse – que, no campo
aberto por Freud, restaure a sega cortante de sua verdade; que reconduza a práxis
original que ele instituiu sob o nome de Psicanálise, ao dever que lhe compete em
nosso mundo que, por uma crítica assídua, denuncie os desvios e concessões que
amortecem seu progresso, degradando seu emprego.” (1980, 2003, p. 319). E, por
isso mesmo, a dissolveu, tirando proveito de seu precioso ensino, concluindo que é
daí que provém sua obstinação no caminho dos matemas.
155

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Momento de concluir.

Recordo-me da primeira lição escolar, cuja sentença dizia: “escreva como se


lê”. Penso que, culminando no fim deste trabalho, vale pontuar o que se alcançou
com a pesquisa, dos pontos vislumbrados no início.

Para falar do Início do tratamento (FREUD, 1913/2010, p. 163), outro dos


textos denominados técnicos, Freud afirma que no jogo de xadrez, somente as
aberturas e os finais permitem uma descrição sistemática e exaustiva. Aproxima
assim a experiência analítica ao nobre jogo, em consequência de sua lógica. Nesse
texto, Freud orienta sobre os usos do tempo e do dinheiro, enquanto pontos
importantes no começo de uma Psicanálise. Oferece uma determinação a ser
rigorosamente observada, sobre a importância de seguir em sua escuta – com pouca
tolerância, tendo como única exceção a associação livre.

Freud declara como princípio básico da Psicanálise que se faça a análise


pessoal e que quem não quiser ignorar uma verdade fará bem em desconfiar de suas
antipatias e analisar primeiramente a si mesmo, se, do mesmo modo, pretende
submeter ao exame crítico a teoria da Psicanálise.

Tendo dito isso, vamos aos resultados.

No que se refere ao método, foram apresentadas as motivações que


determinaram o objeto de pesquisa, das condições particulares da pesquisa em
Psicanálise, da constituição do pesquisador e da função da escrita em seus desafios,
do tesauro, como instrumento e do corpus teórico, delimitado como campo de
pesquisa:

O recenseamento apresentado parte do significante, constituinte para o


sujeito, por onde podemos acompanhar, pela via de seus desfilamentos, o processo
da transformação (da mutilação) que do homem faz um sujeito, por intermédio do
narcisismo. Que o tempo lógico dessa história não é linear – o que as propriedades
da sobredeterminação simbólica explicam. Em seguida, nota-se que a topologia do
sujeito só encontra seu status ao ser relacionada com a geometria do Eu. Assim, fica-
se em condição de captar o funcionamento da comunicação e, de sua estrutura é que
156

se deduzirá qual é o poder da análise, com que ouvido escutar o inconsciente e que
formação dar aos analistas. Finalmente, centra-se no significante eminente do desejo
e sua aparição na clínica.

Quanto ao debate entre Psicanálise e Educação tomado neste trabalho:

Tornar a fechar a interrogação freudiana, reduzi-la ao campo da


psicologia, conduz ao que eu chamaria, sem mais formalismos, de
uma psicogênese delirante. Essa psicogênese, vocês a veem
desenvolver-se a cada dia, implicitamente, à maneira como os
psicanalistas encaram os fatos e os objetos com que têm de lidar. O
simples fato de que ela sobreviva é tão paradoxal, tão estranho a
todas as conceitualizações vizinhas, tão chocante e, ao mesmo
tempo, finalmente, tão tolerado, que deve ser acrescido ao principal
problema, e deve ser resolvido ao mesmo tempo na solução que
vamos trazer ao problema da dimensão freudiana, isto é, do
inconsciente (LACAN, 1956-57/1995, p. 426).

Freud que esteve atento ao mal-estar do ser humano, chegou à elaboração


do desencontro entre o corpo biológico e o corpo erógeno, do mesmo modo como
entre o homem e um pretenso objeto de satisfação ideal existe uma impossibilidade,
entre o que se ensina e o que se aprende se perfila um abismo. Não há uma
correspondência biunívoca entre ensino e aprendizagem. Essa é sua real contribuição
para o conceito de ensino neste trabalho. A pesquisa teórica e as decorrentes leituras
demonstraram pertinência para a criticidade e sustentação do texto como promotoras
de maior compreensão da intersecção entre Psicanálise e Educação.

Em seus procedimentos investigativos e resultados, essa averiguação pôde


embasar certa defesa da mobilização do conhecimento operada pela Psicanálise,
encontrando esclarecimentos, explicações e orientações. Para além da dimensão
epistêmica, tão logo foi se esboçando desde Freud os impasses relativos ao processo
pedagógico e educacional, juntamente com as dificuldades no ensino da Psicanálise,
bem como a dimensão ética indicando a análise pessoal e supervisão da prática
clínica, como as três vias principais da transmissão da Psicanálise.

Para o ensino da Psicanálise, Lacan deu provas de que esteve interessado


na inclusão dessa no debate científico, fazendo da crítica da técnica uma profunda
revisão dos conceitos freudianos, todo o tempo. Posteriormente, avançando sobre os
impasses de uma ciência que sutura a experiência subjetiva, passou a investir na
noção de pensamento formal. Desde o início, Lacan esteve voltado para o ensino e
para a formação dos analistas e isso permaneceu até o fim de sua vida.
157

Por outro lado, a demanda de formação técnica da parte dos aspirantes se


fez perpetuamente imperiosa. A expectativa caracterizada pela busca por uma
aprendizagem instrumental, no sentido da eficácia terapêutica, tão logo se desfaz,
limitada, carecendo de dedicação ao estudo, bem como, à análise pessoal. Então, é
tomada a experiência da formação como algo mais íntimo, de estatuto ético e, na
relação com a análise pessoal, para além de sintetizar tal conteúdo.

Uma vez que as mais diversas aplicações da Psicanálise, mesmo nos casos
da terapêutica, não completam a formação: tanto para as demandas de cura quanto
para as de formação, não há distinção possível entre a análise pessoal e a análise
didática. Portanto, essas implicações colocam em evidência o caráter ético e subjetivo
da experiência analítica, situando a formação para além de sua face epistêmica.

Consequentemente, se mostrou necessário que se deixasse de lado a


perspectiva de uma ‘psicologia das profundezas’ do inconsciente em favor do estudo
da teoria dos números, dos jogos, dos conjuntos, bem como, dos exercícios de
combinatória – na busca das relações do inconsciente com as estruturas linguísticas.

Para além, que a objetivação em matéria de Psicologia está sujeita, em seu


princípio, a uma lei de desconhecimento que rege o sujeito, não apenas como
observado, mas como observador. Entender o eu como noção operacional implica
que a história da língua e das instituições, bem como, as ressonâncias, atestadas ou
não da memória, da literatura e das significações implicadas nas obras de arte, são
necessárias ao entendimento do texto de nossa experiência.

Esse é um fato que Freud, por ter ele próprio buscado nelas sua inspiração,
seus métodos de pensamento e suas armas técnicas, atesta tão maciçamente, que
ele não julgou supérfluo colocá-las como condição a qualquer instituição de ensino
da Psicanálise.

Sobre o impossível de ensinar, no sentido da ética, foi como porta-voz do


sentido da experiência analítica que Lacan sofreu recriminações e consequências,
justamente por apontar a hiância constitutiva da subjetividade na sua articulação com
a necessidade de atualização dos conceitos freudianos.

Assim, o ensino é a concretização do que Lacan nomeou como ensino


verdadeiro: “[...] aquele que consegue despertar uma insistência naqueles que
escutam” (1954-55/1985, p. 280). O psicanalista ainda caracteriza esse ensino como
158

aquele que ensina o sujeito a “[...] nomear, a argumentar, a fazer passar para a
existência, este desejo que está, literalmente, para aquém da existência, e por isso
insiste” (Lacan, 1954-55/1985, p. 309). Nas palavras de Lacan,

[...] só é ensino verdadeiro aquele que consegue despertar uma


instância naqueles que escutam, este desejo de saber que só pode
surgir quando eles próprios tornaram a medida da ignorância como tal
– naquilo em que ela é, como tal, fecunda […] (1954-55/1985, p. 260).

A partir daí, podemos conceber que, caso um professor, em sua ação, dê


testemunho de sua curiosidade e entusiasmo a respeito do que ensina, deixando, de
maneira não deliberada, que o aluno vislumbre a presença de seu inconsciente, as
consequências do seu trabalho serão sempre da ordem do imprevisível, excedendo
ao que ele havia planejado.

O percurso, em seu primeiro ensino, determinou os objetivos, as interrupções


e a continuidade de seus seminários. Isto significa que, a partir do trabalho de Retorno
a Freud é que Lacan delimitou os quatro conceitos fundamentais e são exatamente
esses conceitos que fundamentam a Psicanálise como práxis.

Assim, a pergunta latente sobre como se poderia ser analista é respondida


por Lacan com base no significante tomado como rudimento que fundamenta a práxis
psicanalítica. E, desse modo, ao tomar a verdade como inapreensível, ou seja, é na
sua falta-a-ser que o analista deve se firmar.

O presente trabalho indicou que o tema da formação do analista foi presente


em todo o ensino de Lacan. Suas intervenções, nesse sentido, foram significativas,
tal como tiveram grandes consequências para o pensamento de sua época.
Efetivamente, para além de precisar os conceitos freudianos e forjar outros de modo
perspicaz, Lacan comprometeu-se com o ensino da Psicanálise de modo significativo:
no retorno aos termos de Freud, na atualização dos conceitos, desde suas críticas à
técnica e para além da fundação da Escola Freudiana de Paris, em 1964.

Portanto, convém caracterizar o presente trabalho como uma passagem


semelhante à que Lacan faz, ao longo do seu ensino, da crítica à didática de uma
sociedade de Psicanálise para uma formalização do ensino e da formação, em
Psicanálise, sustentada por uma escola.
159

O ensino da Psicanálise, segundo Lacan, desde que atravessada por


questões do real da ciência, tem função de alavanca, justamente quando mediada
pelo tema do uso dos matemas (que se incumbiriam da transmissão integral). Lacan,
orientado à demonstração do Real por meio de sua álgebra e de sua topologia/lógica,
se confronta com a difícil tarefa de realizar a suficiência com que o discurso analítico
se mantivesse e fosse ensinado de modo tão rigoroso quanto a ciência.

Para Lacan, a associação livre tem sua estrutura a partir do significante, ou


seja, é propriamente da cadeia simbólica que determina o lugar da interpretação,
diante das formações do inconsciente. Igualmente, para além da nosologia médica,
situar os afetos e as referências imaginárias em relação à palavra foi o que também
permitiu a Lacan definir a ação da transferência na experiência analítica e para a
questão do ensino na Escola, determinando como via fundamental a transferência de
trabalho.

Para a nossa disciplina, é a estrutura do inconsciente e o circuito da pulsão


que nos indicam que as dimensões do simbólico e do imaginário não vagueiam ao
sabor do nominalismo, mas convergem em direção a um referente real. Essa íntima
relação com uma prática interessada no sofrimento que o analisando nos endereça
nos distingue das discursividades filosóficas, literárias, políticas ou ideológicas sobre
o real. Nossa política é a do sintoma. Ela é presidida por uma ética do desejo
rigorosamente freudiana e por uma responsabilidade pelo gozo pulsional. Não se
pode alcançá-las senão por meio de uma análise levada até o fim.

A diferença da clínica descritiva e fenomenológica da psiquiatria clássica é


que a abordagem estrutural desloca, no nível do sujeito e a partir do significante como
rudimento e algoritmo fundamental, o entendimento de sua relação com a linguagem,
para além de sua função de comunicação mais restrita, até uma topologia do gozo e
nos fenômenos de primazia do signo, possível a partir da escrita e da letra, para além
da fala. Nesse sentido, a Psicanálise traz contribuições surpreendentes ao
entendimento sobre a retenção dos objetos – e no autismo, especialmente o objeto
voz, bem como no que, do gozo, isso implica: desde a primazia do signo até as
ultimíssimas elaborações sobre o ensino da Psicanálise, onde os usos da letra no
nível do algoritmo – dos matemas aos nós – nos permitem conceber o parlêtre/
falasser.
160

No artigo A terceira (LACAN, 1974a/2005, p. 75), Lacan diz também que não
acha que a psicanálise detenha alguma chave do futuro, mas que a ocasião de seu
surgimento não é fortuita: a Psicanálise surgira correlativamente a certo avanço do
discurso da ciência. E o analista permanece aí, só podendo durar a título de sintoma
e esse terá sido o momento privilegiado para tomar uma medida bem correta do que
Lacan chama em seu discurso de parlêtre:

O falasser é uma forma de exprimir o inconsciente. O fato totalmente


imprevisto e inexplicável, segundo o qual o homem é um animal
falante, saber o que é, com que se fabrica essa atividade da fala – eis
sobre o que tento lançar algumas luzes no que vou lhes contar nesse
Congresso. É muito ligado a certas coisas que Freud considerou
vinculadas à sexualidade. Com efeito, tem uma relação, mas liga-se
à sexualidade de forma bem particular. (LACAN, 1974a/2005, p. 72).

Portanto, 'O Verbo faz gozar':

Sou por São João e o seu ‘No começo era o Verbo...’, mas esse é um
começo enigmático. Isso quer dizer o seguinte: para esse ser carnal,
esse personagem repugnante que é um homem mediano, o drama só
começa quando o Verbo está na jogada, quando ele se encarna –
como diz a religião, a verdadeira. É quando o Verbo se encarna que
a coisa começa a ir muito mal. Ele não é mais feliz de forma alguma
[...] Não se parece com mais nada. Está devastado pelo Verbo.
(LACAN, 1974a/2005, p. 74).

Entre parênteses, não deixo de notar o surgimento de meu nome próprio,


João, aqui representado na figura do apóstolo, cujo evangelho é o mais poético. Não
é por acaso que a grande maioria das piadas escolares tem um Joãozinho indicando
os paradoxos escolares (risos).

Seguindo, para Lacan em 1974, “[...] tudo o que temos até o presente de real
é pouca coisa perto do que não se consegue sequer imaginar, porque, justamente o
próprio do real é não ser imaginado.” (LACAN, 1974a/2005, p. 75). Ele diz também:
“[...] o sintoma não é ainda verdadeiramente o real”, “é a manifestação do real em
nosso nível de seres vivos” e, finalmente, “[...] o ser falante é um animal doente, ‘No
começo era o Verbo’ diz a mesma coisa.” (LACAN, 1974a/2005, p. 76).

Mas o real real, o verdadeiro real, é aquele ao qual podemos ter


acesso por um caminho bem preciso, que é o caminho científico. É o
caminho das pequenas equações. Este real é justamente aquele que
nos falta por inteiro. Em virtude de uma coisa a cujo termo nunca
chegaremos a cabo. Nunca chegaremos ao cabo da relação entre
esses falasseres que sexuamos como macho e esses falasseres que
sexuamos como mulher. Daí o pulular dos sintomas.
161

(LACAN, 1974a/2005, p. 76-77).

Em sua política, Lacan afirma que o sintoma vem do real e seu sentido é o
real, uma vez que ele se põe de través para impedir que as coisas caminhem de
acordo com o discurso do mestre. Consequentemente, daí extrai que o sentido do
sintoma depende do futuro do real e do sucesso da Psicanálise. E, quando fala sobre
a angústia dos cientistas, Lacan a figura como uma pandemia que eliminaria o
falasser, admitindo que “toda a vida enfim reduzida à infecção que ela realmente é
segundo qualquer verossimilhança, é o cúmulo do ser pensante.” (LACAN,
1974a/2005, p. 20).

Para a Psicanálise, portanto, seria preciso somente descobrir que ela é um


sintoma – esse apontado como o que há de mais real. Para Lacan, ela faz nitidamente
parte desse mal-estar da civilização de que Freud falou. E afirma: “você verá que a
humanidade será curada da Psicanálise, por força de mergulhá-la no sentido, no
sentido religioso naturalmente, acabarão recalcando esse sintoma.” (LACAN,
1974a/2005, p. 67).

Finalmente, no que se refere ao psicanalista, o ser do analista como elemento


não-desprezível nos efeitos da análise, o que deve inclusive ser exposto em sua
conduta no fim da partida, trata do comprometimento com a descoberta freudiana e
sua letra – isso leva o problema da contratransferência até a questão do desejo do
analista.

Confome Lacan (1955/1998), em seu escrito A coisa freudiana ou o Sentido do


Retorno a Freud, à altura de Copérnico, como lugar eterno da descoberta de Freud,
o verdadeiro centro do ser humano já não está no mesmo lugar que lhe atribuiu toda
a tradição humanista, a ponto de a palavra de ordem de um Retorno a Freud significar
uma reviravolta. Que a descoberta de Freud questiona a verdade, e não há ninguém
que não seja pessoalmente afetado pela verdade, inscreve-se no cerne da prática
analítica, já que essa sempre refaz a descoberta do poder da verdade em nós, e até
em nossa carne.

Tudo partiu de uma verdade particular, de um desvelamento


que fez com que a realidade já não seja para nós como era
antes, e é isso que a cacofonia absurda da teoria continua a
pespegar no âmago das coisas humanas, como que para
impedir a prática de se degradar até o nível dos desgraçados
que não conseguem livrar-se dos apuros.
(LACAN, 1955/1998, p. 409).
162

De um lado, portanto, o discurso do erro, sua articulação com o ato que


testemunha a verdade contra a própria evidência e, de outro, o “vago senso de
história” e os peritos que visam garantir “o mercado mundial da mentira, o comércio
da guerra total e a nova lei da autocrítica” (LACAN, 1955/1998, p. 411). Em suas
palavras, a renegação da Psicanálise em seus fundamentos implica o deslocamento
quanto ao objeto, inversão contra o sujeito, regressão da forma.

Então, como ordem da coisa, Lacan retoma: a distinção fundamental entre o


significante e o significado. Uma primeira rede, do significante, estrutura sincrônica
do material da linguagem, à medida que cada elemento adquire nela sem emprego
exato por ser diferente dos outros e, uma segunda, do significado, como conjunto
diacrônico dos discursos concretamente proferidos, que reage historicamente à
primeira, assim como a estrutura dessa determina os caminhos da segunda.

Aqui, o que domina é a unidade de significação que revela jamais se resumir


a uma indicação do puro real, como verdade, mas sempre remeter a outra
significação, sem que a redundância que lhe é própria encubra os excessos.

De todo modo, apenas o significante, como rudimento, garante a coerência


teórica do conjunto como conjunto. Para Lacan ainda, “essa suficiência confirma-se
pelo recente desenvolvimento da ciência, assim como, pensando bem, vamos
encontrá-la implícita na experiência linguística primária.” (1955/1998, p. 416).

Seriam essas, segundo o autor, as bases que distinguem uma nova


concepção de linguagem para além do signo e que, a partir delas, uma nova dialética.
Reservado a Freud apontar a desordem evidenciada, qual seja, a pseudototalidade
do organismo, pela hiância congênita que o homem apresenta em suas relações
naturais, através da determinação simbólica e sua implicação no ser do homem, de
modo algum individualista.

O que a concepção linguística que deve formar o trabalhador (o


analista), em sua iniciação básica, lhe ensinará é a esperar que o
sintoma comprove sua função de significante, isto é, aquilo pelo qual
ele se distingue do indício natural que esse mesmo termo comumente
designa na medicina (LACAN, 1998[1955], p. 419).
163

Para além ainda, que a objetivação em matéria de Psicologia está sujeita, em


seu princípio, a uma lei de desconhecimento que rege o sujeito não apenas como
observado, mas como observador. Entender o eu como noção operacional implica
que a história da língua e das instituições, bem como as ressonâncias atestadas ou
não da memória, da literatura e das significações implicadas nas obras de arte, são
necessárias ao entendimento do texto de nossa experiência. Esse é um fato que
Freud, por ter ele próprio buscado nessas sua inspiração, seus métodos de
pensamento e suas armas técnicas, atesta tão maciçamente, que ele não julgou
supérfluo colocá-las como condição a qualquer instituição de ensino da Psicanálise.

Retomo o começo, portanto, para ilustrar a saga lacaniana, a partir do ensino


e, especialmente, na elaboração do projeto inicial que visava estudar os matemas,
para colocar em relevo a distância percorrida:

É de uma iniciacão nos métodos do linguista, do historiador e, diria


eu, do matemático que se deve tratar agora, para que uma nova
geração de clínicos e pesquisadores resgate o sentido da experiência
freudiana e seu motor (LACAN, 1998[1955], p. 436).

Finalizo com algumas sugestões de uso deste material oriundo da minha


pesquisa:

1. O volume total de informações, dados históricos, conceitos, textos, grafos


esquemas e matemas, sem dúvida, ficariam infinitamente mais acessíveis à
outras pesquisas, se dispostos num formato tal como na plataforma
Wikipedia.com. Uma alternativa seria também a produção de um Aplicativo
com essa base de dados;
2. Penso também que, para a escrita de sua álgebra em meios eletrônicos, seria
muito valioso o desenvolvimento de um teclado ou fonte de texto que
contivesse algumas de suas letras e operadores lógicos como caracteres, tais
como o Ⱥ e o ϕ, por exemplo.

Gostaria de acrescentar apenas um detalhe teórico de suma importância. Éric


Laurent, em seu livro A sociedade do sintoma – a Psicanálise, hoje (2007), traz uma
discussão igualmente pertinente sobre os encaminhamentos do mal-estar na
civilização.
164

Lacan faz referências a uma construção na qual descreve um efeito particular


do discurso do mestre contemporâneo, isto é, o discurso do capitalista – como
exemplificado no caso da educação na primeira parte desta introdução.

Nesse sentido, “[...] o programa de ação do psicanalista pode ser nomeado


com a fórmula: fazer acreditar no sintoma” (LAURENT, 2007, p. 176), visando
encontrar a forma de endereçar-se à angústia do sujeito, fazendo-o entender que os
sintomas inéditos de nossa civilização são legíveis. Sobretudo, eles o são a partir do
estranho uso que o discurso psicanalítico faz do significante mestre.

Os analistas têm de passar da posição de especialistas da


desidentificação para a de analista cidadão. Um analista cidadão no
sentido que esse termo pode ter na moderna teoria democrática. Os
analistas precisam entender que há comunhão de interesses entre o
discurso analítico e a democracia, e precisam entendê-lo
verdadeiramente! (LAURENT, 2007, p. 143).

Assim, esse trabalho me levou a formular um pensamento sobre As funções


do professor, bem próxima do que propõe Bertrand Russel (2000):

Desde que viver em comunidade nos exige abdicar dos objetivos individuais,
a condição humana – essencialmente social, nos permitiu compartilhar os recursos
da natureza. Para além do mal-estar imanente relativo à perda de liberdade, a História
avançou das comunidades primitivas até as grandes cidades, inventando soluções
para a precariedade do mundo. Tal condição nos levou a formar estruturas sociais e
instituições que dão sentido à vida e nos permitiu criar laços afetivos desde a família
até com os ideais mais abstratos.

Do homem civilizado espera-se que tenha consciência da sua própria


insignificância e do seu microcosmo em relação ao mundo. E que ele seja capaz de
situar sua época em relação ao passado e ao futuro, entendendo que as controvérsias
de hoje serão estranhas às de amanhã como as de ontem nos parecem agora. Deverá
compreender as profundidades oceânicas e a vastidão astronômica, porém, sem que
isso seja capaz de esmagar o homem individual, mas ao invés, que alargue o espírito
de quem o contempla.

Se, por um lado, não há prazer mais complexo que o do pensamento, do lado
das emoções, para que o homem seja verdadeiramente civilizado, é necessário que
sua perspectiva integral sofra o mesmo alargamento. Senão, a ignorância cautelosa
produz uma virtude frágil que se perde ao primeiro contato com a realidade. É daí que
165

surge a inteligência e o conhecimento, bem como, a solução. E essas cumprem a


mais sublime função, reconhecida nas ciências e nas artes, por exemplo.

Das mais diversas formas de conhecer o mundo, hoje vivemos certa distorção
disciplinar onde o conhecimento específico presta consultoria, fragmenta a
experiência discente e confunde os meios e os fins, aos olhos do professor. Sob o
domínio de programas pré-determinados, o professor disciplina ao invés de tornar
competente o aluno, privando-o de ser capaz de mobilizar o que se sabe para realizar
o que se projeta.

Medíocre, portanto, ao perder a visão de conjunto, o conhecimento é


fundamental, mas decididamente, não basta. Sabendo de seu valor, acabamos por
vendê-lo e, assim, não sabemos o preço que pagamos ao preterir a dádiva, preferindo
o negócio. Assim é que se ensina o medo e a desilusão de que, talvez, seja preferível
esperar por dias mais tranquilos, antes que as exigências da civilização possam de
novo vencer, caso contrário, o que há de melhor no homem acabará por ser
esmagado.

Há que se garantir autonomia ao professor, uma vez que é ele quem está em
contato direto com os alunos. A ele é designado manter o brilho nos olhos do mundo,
ao mediar os conflitos, tecer os significados, mapear os valores e construir narrativas
fabulosas. Desde cedo e constantemente, deve assumir compromisso com a verdade
dos fatos e com a investigação, bem como decolar, voar e aterrissar nas suas ficções.
Dia após dia, deve manter o interesse por tudo o que possa lhe interessar e, até
mesmo, ensinar o que não sabe.

Finalmente, não existe ensino sem aprendizagem e é essa heteronomia do


professor que possibilita a autonomia do aluno. Portanto, se cabe ao professor certa
autoridade é a de permitir que o aluno se expresse, tolerando para que seja
compreendido pelo aluno; tece para que seja argumentado; medeia para se
contextualizar; e mapeia para que o aluno decida aonde deseja chegar.

Do nascimento à morte, felizes e infelizes, generosos e mesquinhos, heroicos


ou servis, alguns homens foram inspirados pelo amor da humanidade, outros
ajudaram com superioridade intelectual a compreender o mundo, outros ainda, de
uma excepcional sensibilidade, criaram beleza. Autêntico é aquele que, quando não
pode admirar e acolher, aspira mais compreender do que reprovar. Se assim for, tudo
isso poderá ser transmitido durante o ensino.
166

Desejo profundamente que este trabalho esteja inscrito nesse projeto,


fantástico e real, de um verdadeiro ensino em Psicanálise. Do mesmo modo que
entendo que este trabalho desenhou um caminho para minha candidatura à admissão
na Escola Brasileira de Psicanálise, como um ato possível.
167

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Cleyton. Lacan chinês: Poesia, ideograma e caligrafia chinesa de uma


psicanálise. Maceió: EDUFAL, 2016.
BASTOS, Angélica. Psicanálise e políticas públicas de pós-graduação. In: CALDAS,
H. & DALTOÉ, Sonia. Psicanálise. Universidade e Sociedade. Rio de Janeiro: Cia de Freud:
PGPSA/IP/UERJ, 2011, p. 199.
CALDAS, Heloisa & DALTOÉ, Sonia. Psicanálise, Universidade e Sociedade. Rio de
Janeiro: Cia de Freud: PGPSA/IP/UERJ, 2011.
CALDAS, Heloisa. Psicanálise, saber e transmissão do objeto a. In: CALDAS, H. & DALTOÉ,
S. Psicanálise, Universidade e Sociedade. Rio de Janeiro: Cia de Freud: PGPSA/IP/UERJ,
2011, p. 57.
CHÂTEAU, Jean. Os grandes pedagogistas. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1978.
COELHO DOS SANTOS, Tania. Inovações no ensino e na pesquisa em Psicanálise
aplicada. Editor José Nazar. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, 2009.
CUSA, Nicolau de. A douta ignorância. Trad. João Maria André. Lisboa: Edição da
Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 248.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. 3ª. Ed. São Paulo: Editora WMF/Martins
Fontes: 2011.
DESCONCI, João Paulo. Clínica e desconexão no autismo. In: Carta de São Paulo, ano 26,
n. 1, março de 2019, p. 114.
FERENCZI, Sándor. (1908) Psicanálise e pedagogia. In: FERENCZI, S. Obras Completas,
Psicanálise 1, São Paulo: Martins Fontes, 1991.
FERRETTI, Maria Cecília Galletti. O sujeito na Psicanálise e na Educação. In: Estilos clín...
São Paulo, v. 2, n. 3, p. 58-63, 1997.
FOUCAULT, Michel. Naissance de la clinique. Paris: PUF, 1964.
FREUD, Sigmund. Projeto de uma psicologia. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
______. Obras completas, volume 4: A interpretação dos sonhos (1900). Trad. Paulo C.
Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
______. Psicopatologia da vida cotidiana (1901). In: FREUD, Sigmund. Obras completas,
volume 5: Psicopatologia da vida cotidiana e sobre os sonhos (1901), Trad. Paulo C.
Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
______. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: ______. Obras completas,
volume 6: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma
histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2016.
______. Análise fragmentária de uma histeria (O caso Dora, 1905 [1901]) (1905). In: ______.
Obras completas, volume 6: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise
fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). Trad. Paulo
C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
______. Obras completas, volume 7: O chiste e sua relação com o inconsciente (1905).
Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
168

______. Análise da fobia de um garoto de cinco anos (“O pequeno Hans, 1909). In:
______. Obras completas, volume 8: O delírio e os sonhos na Gradiva, análise da fobia
de um garoto de cinco anos e outros textos (1906-1909). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
______. O esclarecimento sexual das crianças (1907). In: ______. Obras completas, volume
8: O delírio e os sonhos na Gradiva, análise da fobia de um garoto de cinco anos e
outros textos (1906-1909). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2015.
______. A moral sexual cultural e o nervosismo moderno (1908). In: ______. Obras
completas, volume 8: O delírio e os sonhos na Gradiva, análise da fobia de um garoto
de cinco anos e outros textos (1906-1909). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015.
______. Sobre as teorias sexuais infantis (1908). In: ______. Obras completas, volume 8: O
delírio e os sonhos na Gradiva, análise da fobia de um garoto de cinco anos e outros
textos (1906-1909). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
______. Observações sobre um caso de neurose obsessiva (“O Homem dos Ratos”, 1909).
In: ______. Obras completas, volume 9: Observações sobre um caso de neurose
obsessiva (“O homem dos ratos”), uma recordação de infância de Leonardo Da Vinci e
outros textos (1909-1910). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2013.
______. Cinco lições em Psicanálise (1910). In: ______. Obras completas, volume 9:
Observações sobre um caso de neurose obsessiva (“O homem dos ratos”), uma
recordação de infância de Leonardo Da Vinci e outros textos (1909-1910). Trad. Paulo
C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
______. Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci (1910). In: ______. Obras
completas, volume 9: Observações sobre um caso de neurose obsessiva (“O homem
dos ratos”), uma recordação de infância de Leonardo Da Vinci e outros textos (1909-
1910). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
______. Sobre a mais comum depreciação na vida amorosa (1912). In: ______. Obras
completas, volume 9: Observações sobre um caso de neurose obsessiva (“O homem
dos ratos”), uma recordação de infância de Leonardo Da Vinci e outros textos (1909-
1910). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
______. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranóia (Dementia Paranoides)
Relato de uma autobiografia (“O Caso Schreber”, 1911). In: ______. Obras completas,
volume 10: Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em
autobiografia (O caso Schreber”), artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913). Trad.
Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (1911). In: ______.
Obras completas, volume 10: Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia
relatado em autobiografia (O caso Schreber”), artigos sobre técnica e outros textos
(1911-1913). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______. Recomendações ao médico que pratica a Psicanálise (1912). In: ______. Obras
completas, volume 10: observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado
em autobiografia (O caso Schreber”), artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913).
Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______. Prefácio a O Método Psicanalítico, de Oskar Pfister (1913). In: ______ Obras
completas, volume 10: Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado
em autobiografia (O caso Schreber”), artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913).
Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
169

______. O início do tratamento (1913). In: ______. Obras completas, volume 10:
Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (O
caso Schreber”), artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913). Trad. Paulo C.
Souza. 1a.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______. Contribuição à história do movimento psicanalítico (1914). In: ______. Obras
completas, volume 11: Totem e tabu, contribuição à história do movimento psicanalítico
e outros textos (1912-1914). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2012.
______. O interesse da Psicanálise (1913). In: ______. Obras completas, volume 11: Totem
e tabu, contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos (1912-1914).
Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
______. Sobre a psicologia do colegial (1914) In: ______. Obras completas, volume 11:
Totem e tabu, contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos (1912-
1914). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
______. Introdução ao narcisismo (1914). In: ______. Obras completas, volume 12:
introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Trad.
Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
______. Os instintos e seus destinos (1915). In: ______. Obras completas, volume 12:
Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Trad.
Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
______. A repressão (1915). In: ______. Obras completas, volume 12: Introdução ao
narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Trad. Paulo C.
Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
______. O inconsciente (1915). In: ______. Obras completas volume 12: Introdução ao
narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Trad. Paulo C.
Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
______. Obras completas, volume 13: Conferências introdutórias em psicanálise (1916-
1917). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
______. História de uma neurose infantil (“O Homem dos Lobos”, 1918[1914]). In: ______.
Obras completas, volume 14: História de uma neurose infantil (“O homem dos lobos”),
além do princípio do prazer e outros textos (1914-1916). Trad. Paulo C. Souza. 1a.ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______. Deve-se ensinar a Psicanálise nas universidades? (1919). In: ______. Obras
completas, volume 14: História de uma neurose infantil (“O homem dos lobos”), além
do princípio do prazer e outros textos (1914-1916); Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______. Além do princípio do prazer (1920). In: ______. Obras completas, volume 14:
História de uma neurose infantil (“O homem dos lobos”), além do princípio do prazer e
outros textos (1914-1916). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2010.
______. Psicologia das massas e análise do eu (1921). In: ______. Obras completas,
volume 15: Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). Trad.
Paulo C. Souza. 1a.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______. Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina (1920). In: ______.
Obras completas, volume 15: Psicologia das massas e análise do eu e outros textos
(1920-1923). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
170

______. A negação (1925). In: ______. Obras completas, volume 16: O eu e o id,
"autobiografia” e outros textos (1923-1925). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
______. Prólogo a Juventude Abandonada, de August Aichhorn (1925). In: ______. Obras
completas, volume 16: O eu e o id, "autobiografia” e outros textos (1923-1925). Trad.
Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
______. A questão da análise leiga: Um diálogo com um interlocutor imparcial (1926). In:
______. Obras completas, volume 17: Inibição, sintoma e angústia, o futuro de uma
ilusão e outros textos (1926-1929). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2014.
______. O mal-estar na civilização (1930). In: ______. Obras completas, volume 18: O mal-
estar na civilização, novas conferências à Psicanálise e outros textos (1930-1936). Trad.
Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
______. Esclarecimentos, explicações, orientações. (1933). In: ______. Obras completas,
volume 18: O mal-estar na civilização, novas conferências à Psicanálise e outros textos
(1930-1936). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
______. Acerca de uma visão de mundo (1933). In: ______. Obras completas, volume 18:
O mal-estar na civilização, novas conferências à Psicanálise e outros textos (1930-
1936). Trad. Paulo C. Souza. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
______. Análise terminável e interminável (1937). In: ______. Obras completas, volume 19:
Moisés e o monoteísmo, compêndio de Psicanálise e outros textos (1930-1936). Trad.
Paulo C. Souza. 1a.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
FREUD, Sigmund; PFISTER, Oscar. Cartas entre Freud & Pfister (1909-1939). Um diálogo
entre a Psicanálise e a fé cristã. Viçosa (MG): Ultimato, 1998.
HYPPOLITE, Jean. Comentário falado sobre a “Verneinung” de Freud, por Jean Hyppolite.
In: LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1949/1998, p. 893.
JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1970.
KRUTZEN, Henry. Jacques Lacan: Séminaire 1952-1980. Index référenciel. Paris: Ed.
Anthropos, 2000.
______. Índex de referências dos seminários de Jacques Lacan 1952-1980. São Paulo:
Toro Editora, 2022.
LACAN, Jacques. Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade. Rio de
Janeiro: Forense-Universitária, 1932/1987.
______. Tempo lógico e a asserção de uma certeza antecipada. In: ______. Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1945/1998, p.197.
______. Formulações sobre a causalidade psíquica. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1946/1998, p.152-194.
______. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na
experiência psicanalítica. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1949/1998, p.
96-103.
______. O mito individual do neurótico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1952/2007.
______. Seminário -1 – O homem dos ratos (1951-52) NÃO PUBLICADO
______. Seminário 0 – O homem dos lobos (1952-53) NÃO PUBLICADO
171

______. O simbólico, o imaginário e o real. In: ______. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1953a/2005.
______. Discurso de Roma. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1953b/2003, p. 139-172.
______. Função e campo da fala e da linguagem em Psicanálise. In: ______. Escritos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1953c/1998, p. 238-324.
______. O Seminário. Livro I: Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1953-54/1994.
______. Introdução ao comentário de Jean Hyppolite sobre a “Verneinung” de Freud. In:
______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1954a/1998, p. 370-382.
______. Resposta ao comentário de Jean Hyppolite sobre a “Verneinung” de Freud. In:
______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1954b/1998, p. 383-401.
______. O Seminário. Livro II: O eu na teoria de Freud e na técnica da Psicanálise. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 4ª. ed., 1954-55/1985.
______. Variantes do tratamento padrão. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1955a/1998, p. 325-364.
______. Seminário sobre “A carta roubada”. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1855b/1998, p. 13-66.
______. A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em Psicanálise. In: ______.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1955c/1998. p. 402-460.
______. O Seminário. Livro III: As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2ª. ed., 1955-
56/2008.
______. O Seminário. Livro IV: A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1956-
57/1995.
______. Situação da Psicanálise e formação do psicanalista em 1956. In: ______. Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1956/1998, p. 461.
______. A Psicanálise e seu ensino. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1957a/1998, p. 438.
______. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: ______. Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1957b/1998, p. 496-533.
______. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: ______.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1957c/1998, p. 537-590.
______. O Seminário. Livro V: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1957-58/1999.
______. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: ______. Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1958a/1998, p. 591-652.
______. Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: Psicanálise e estrutura de
personalidade. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1958b/1998, p. 653-691.
______. O Seminário. Livro VI: O desejo e sua interpretação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1958-59/1988.
______. O Seminário. Livro VII: A ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2ª. ed.,
1959-60/201988.
172

______. A metáfora do sujeito. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1960b/1998, p .903-907.
______. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In: ______.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1960c/1998, p. 807-842.
______. Posição do inconsciente. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1960d/1998, p. 843-864.
______. O Seminário. Livro VIII: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2ª. ed., 1960-
61/2010.
______. O Seminário. Livro IX: A Identificação (1961-62) NÃO PUBLICADO
______. O Seminário. Livro X: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1962-63/2005.
______. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1963/2005.
______. Introdução aos Nomes-do-Pai. In: ______. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1963/2005.
______. O Seminário. Livro XI: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Texto
estabelecido por J.-A. Miller. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Zahar, 1963-64/2008.
______. O Seminário. Livro XVII: Problème cruciaux de la psichanalyse (1964-65) NÃO
PUBLICADO
______. Do “Trieb” de Freud e do desejo do psicanalista. In: AUTOR?? ______. Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1964a/1998, p. 865-868.
______. Ato de fundação. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1964b/2003, p. 235-247.
______. O Seminário. Livro XIII: L’objet de la Psychanalyse (1965-66) NÃO PUBLICADO
______. A ciência e a verdade. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1965/1998,
p. 869-892.
______. O Seminário. Livro XIV: La logique du fantasme (1966-67) NÃO PUBLICADO
______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966/1998.
______. Abertura desta coletânea. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1966/1998, p. 9.
______. De nossos antecedentes. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1966/1998, p. 69.
______. Do sujeito enfim em questão. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1966/1998, p. 229.
______. De um desígnio. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966/1998, p.
365.
______. De um silabário a posteriori. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1966/1998, p. 725.
______. Quadro comentado das representações gráficas. In: ______. Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1966/1998, p. 917.
______. Termos de Freud em alemão. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1966/1998, p. 923.
173

______. Índice dos nomes citados. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1966/1998, p. 926.
______. Referências bibliográficas em ordem cronológica. In: ______. Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1966/1998, p. 930.
______. O Seminário. Livro XV: L’acte de la psychanalyse (1967-68) NÃO PUBLICADO
______. Então vocês terão escutado Lacan. In: ______. Meu ensino. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1967a/2006, p. 101.
______. Lugar, origem e fim do meu ensino. In: ______. Meu ensino. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1967b/2006, p. 9.
______. Talvez em Vincennes. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1967c/2003, p. 341-316.
______. A psicanálise. Razão de um fracasso. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1967d/2003, p. 341-349.
______. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: ______.
Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1967e/2003, p. 248.
______. O Seminário. Livro XVI: De um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2ª ed.,
1968-69/2008.
______. Meu ensino, sua natureza e seus fins. In: ______. Meu ensino. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1968/2006, p. 67.
______. O Seminário. Livro XVII: O Avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2ª
ed., 1969-70/1992.
______. Alocução sobre o ensino. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1970a/2003, p. 302.
______. O Seminário. Livro XIX: ...ou pior. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2ª ed., 1971-
72/2013.
______. Estou falando com as paredes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1971/2011.
______. Lituraterra. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1971a/2003,
p. 15.
______. Da incompreensão e outros temas. In: ______. Estou falando com as Paredes. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1971b/2011.
______. O Seminário. Livro XX: Mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2ª ed., 1972-
73/1985.
______. O aturdito. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1972/2003, p.
448-497.
______. Nota italiana. In: ______. Outros Escritos. 1973/2003. São Paulo: Zahar Editora, p.
71.
______. O Seminário. Livro XXI: Les non-dupes errent (1972-73) NÃO PUBLICADO
______. O Seminário. Livro XXII: RSI (1973-74) NÃO PUBLICADO
______. O triunfo da religião. In: ______. O triunfo da religião. Rio de Janeiro: Zahar,
1974a/2005.
______. A terceira. In: Opção Lacaniana, nº 62. São Paulo; Edições Eolia, 1974b/2011.
174

______. O Seminário. Livro XXIII: Joyce, o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975-
76/2007.
______. Radiofonia. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975/2003, p.
404.
______. Transferência para Saint Denis, Lacan a favor de Vincennes. In: Correio, n.65,
1978/2010. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise.
______. Seminário XXVII - Lições de 1980 + Seminário de Caracas (1980) NÃO
PUBLICADO
______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001/2003.
______. Anexos. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001/2003, p.
570.
______. Índice dos nomes citados. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001/2003, p. 591.
______. Referências bibliográficas em ordem alfabética. In: ______. Outros Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001/2003, p. 595.
______. Inventário de notas. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001/2003, p. 602.
LAURENT, Éric. “Reflexões sobre a forma atual do impossível de ensinar”. In: Opção
Lacaniana: Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo, nº 29, p. 3-7.
dez/2000.
LAURENT, Éric. Lo impossible de enseñar. In: MILLER, J.-A. Del Édipo a la sexuación.
Buenos Aires: Paidós, 2011, p. 267.
LEITE, Márcio Peter Souza. Psicanálise Lacaniana, cinco seminários para analistas
kleinianos. São Paulo: Editora Iluminuras, 2000.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo: Editora Cosac Naif.
1958/2008.
______. A eficácia simbólica. In: ______. Antropologia Estrutural. São Paulo: Editora Cosac
Naif. 1945/2008, p. 201.
______. Análise estrutural em Linguística e Antropologia. In: ______. Antropologia
Estrutural. São Paulo: Editora Cosac Naif: 1958/2008, p. 43.
______. Estrutura e dialética. In: ______. Antropologia Estrutural. São Paulo: Editora
Cosac Naif. 1958/2008, p. 252.
LIMA, Marcia Mello de. Formação do analista e universidade: algumas dissimetrias. In:
CALDAS, H.; DALTOÉ, Sonia Psicanálise, Universidade e Sociedade. Rio de Janeiro: Cia
de Freud: PGPSA/IP/UERJ, 2011, p. 125.
MARRELLO, A.; SANTIAGO, J.; SANTOS, T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica
psicanalítica? Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de
Janeiro: Cia. de Freud, 2012.
MILLER, Jacques-Alain. Index ponderado dos principais conceitos. In: LACAN, Jaques.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966/1998, p. 908.
______. Prólogo. In: LACAN, Jaques. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001/2003, p. 11.
175

______. Percurso de Lacan. In: ______. Percurso de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.
11, 1988.
______. Carta de Jaques-Alain Miller à Escola Brasileira de Psicanálise. Disponível em
https://www.ebp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/22Carta-de-Jacques-Alain-Miller-
a%CC%80-Escola-Brasileira-de-Psicana%CC%81lise22-Jacques-Alain-Miller.pdf. Acessos
em 14 jul. 2022.
______. Un rêve de Lacan. In: CARTIER, Pierre; CHARRAUD, Nathalie (dir). Le réel en
mathématiques : Psychanalyse et mathématiques. Actes du colloque de Cerisy de 3 a 10
de septempre 1999. Paris: Agalma / Seuil, p. 10-133, 2004.
______ Elementos de epistemologia. In: ______. Percurso de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1988.
______. A Psicanálise, seu lugar entre as ciências. In: COELHO DOS SANTOS, Tânia. De
que real se trata na clínica psicanalítica? Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência.
(orgs Andréa Marrello, Jésus Santiago e Tania Coelho dos Santos). Editor José Nazar. Rio
de Janeiro: Cia. de Freud, 2012.
______. Habeas Corpus. Intervenção pronunciada por ocasião do encerramento do X
Congresso da Associação Mundial de Psicanálise: O corpo falante. Sobre o inconsciente
no século XXI, Rio de Janeiro, 25-28 de abril de 2016. disponível em:
https://congresoamp2018.com/pt-pt/textos/habeas-corpu. acessos em 25 jun. 2022.
______. Psicanálise pura, psicanálise aplicada & psicoterapia. Orientação Lacaniana online
nova série. Ano 8, N. 22, março de 2007.
______. Del Édipo a la sexuación. Buenos Aires: Paidós, 2011.
______ Prólogo de Guitrancourt. Cuaderno de Atividades 2016-17. (publicação interna).
______. El baquete de los analistas. Buenos Aires: Paidós, 2010.
______. De la naturaleza de los semblantes. Buenos Aires: Paidós, 2009.
______. O triângulo dos saberes. In: Opção Lacaniana online nova série. Ano. 8, n. 24,
novembro de 2017.
______. A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. Trad. Procópio Abreu, revisão técnica,
Marco Antonio Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
MILNER, Jean-Claude. Linguística e Psicanálise. Rev. Estud. Lacan, Belo Horizonte, v. 3, n.
4, 2010. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
07692010000100002&lng=pt&nrm=isso. acessos em 25 jun. 2022.
MRECH, Leny Magalhães. Mas, afinal, o que é educar? In: ______. O Impacto da
Psicanálise na Educação. São Paulo: Editora Avercamp, 2005.
______. O futuro de uma ilusão, impasses da sociedade contemporânea. IN: COELHO
DOS SANTOS, Tania. Inovações no ensino e na pesquisa em Psicanálise aplicada. Editor
José Nazar. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, 2009.
______. A cientifização da educação: novas encarnações do discurso científico? In:
MARRELLO, A.; SANTIAGO, J.; SANTOS, T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica
psicanalítica? Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de
Janeiro: Cia. de Freud, 2012.
______. A cientifização da educação: Novas encarnações do discurso científico? In:
MARRELLO, A.; SANTIAGO, J.; SANTOS, T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica
psicanalítica? Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de
Janeiro: Cia. de Freud, 2012.
176

______. A construção do pesquisador. Curitiba: CRV, 2019.


PLATÃO. Menon. Trad. Maura Iglesias. Rio de Janeiro/ PUC-Rio/ Loyola, 2001.
______. O Banquete. In: ______. Diálogos. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1950, p. 109.
POE, Edgar Alan. Histórias extraordinárias. Trad: José Paulo Paes. São Paulo, Companhia
das Letras: 2008.
Polanyi, Michel. Personal knowledges: Towards a post-critical philosophy. Chicago (Ill): The
University of Chicago Press, 1958.
POPPER, Carl. Conhecimento objetivo. Belo Horizonte: Itatiaia/ São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1975.
SANTIAGO, Jésus. Inovações no ensino e na pesquisa em psicanálise aplicada. In:
MARRELLO, A.; SANTIAGO, J.; SANTOS, T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica
psicanalítica? Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de
Janeiro: Cia. de Freud, 2012.
SANTIAGO, Ana Lydia; SANTIAGO, Jésus. Psicanálise aplicada ao campo da educação:
intervenção na desinserção social na escola. In: MARRELLO, A.; SANTIAGO, J.; SANTOS,
T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica psicanalítica? Psicanálise, Ciência &
Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, 2012.
SANTIAGO, Ana Lydia. A inibição intelectual na Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2005.
SANTIAGO, Ana Lydia. O saber da ciência na educação, o sujeito da Psicanálise e a pesquisa
- intervenções sobre casos de fracasso escolar. In: MARRELLO, A.; SANTIAGO, J.; SANTOS,
T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica psicanalítica? Psicanálise, Ciência &
Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, 2012.
SANTOS, Tania Coelho dos. Existe uma nova doutrina da ciência na Psicanálise de
orientação lacaniana? In: MARRELLO, A.; SANTIAGO, J.; SANTOS, T. C dos. (orgs). De que
real se trata na clínica psicanalítica? Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência. (orgs.
MARRELLO, Andréa; SANTIAGO, Jésus; SANTOS, Tania C. dos.) Editor José Nazar. Rio
de Janeiro: Cia. de Freud, 2012, p. 35.
SOUZA, Paulo Cesar. de. As palavras de Freud. O vocabulário freudiano e suas versões.
São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. Organização de Charles Bally e Albert
Sechehaye com a colaboração de Albert Riedlinger. Trad. de Antônio Chelini, José Paulo
Paes e Izidoro Blikstein. 24ª ed. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2002
TEIXEIRA, Antonio Marcio Ribeiro. A prudência do psicanalista. I In: MARRELLO, A.;
SANTIAGO, J.; SANTOS, T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica psicanalítica?
Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de Janeiro: Cia. de Freud,
2012.
VERAS, Marcelo Frederico Augusto. A loucura entre nós: A teoria psicanalítica das psicoses
e a saúde mental. Rio de Janeiro: Tese (Doutorado em Psicologia). Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, 2009.
VIEIRA, Marcia Maria Rosa. Psicanálise: uma ciência das intimidades? In: MARRELLO, A.;
SANTIAGO, J.; SANTOS, T. C dos. (orgs). De que real se trata na clínica psicanalítica?
Psicanálise, Ciência & Discursos da Ciência. Editor José Nazar. Rio de Janeiro: Cia. de Freud,
2012.
VOLTOLINI, Rinaldo. Psicanálise e Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
177

______. Do contrato pedagógico ao ato analítico: Contribuições à discussão da questão do


mal-estar na educação. Estilos clín.., São Paulo, v. 6, n. 10, p.101-111, 2001. Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71282001000100009&lng=pt&nrm=iso. acessos em 12 jan. 2017.
______. O discurso do capitalista, psicanálise e educação. In: LEITE, N. V. de L. (org.).
Linguagem e Gozo. Campinas: Ed. Mercado de Letras, 2007, p. 197-212.
______. A Pedagogia como técnica: Psicanálise e a rentabilização dos saberes. Revista
Espaço Acadêmico (UEM), v. 11, p. 17-24, 2012.
______. O conhecimento e o discurso capitalista: A despsicologização do cotidiano social.
Estilos clín.., São Paulo, v. 17, n. 1, p. 106-121, 2012. Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71282012000100008&lng=pt&nrm=iso. acessos em 22/nov/2017.
ZBRUN, Mirta. A formação do analista. Rio de Janeiro: KBR, 2014.
______. Org. BIBLIO ESPECIAL. Referências Seminário Livro 19 ... Ou pior (1971-1972).
2013. Edição Bilíngue. KBR – Editora Digital Ltda.
______. O imaginário no ensino de Jacques Lacan: Referências (publicação interna)
ANEXO 1 - CORPUS TEÓRICO
data título p. publicação parte referências bibliográficas e dados históricos
1936-08-03 O estádio do espelho como formado da função do eu 96 Escritos II Produzido pela primeira vez no XIV Congresso Internacional de Psicanálise, realizado em Mariembad entre 2 e 8 de agosto de 1936, sob a presidência de Ernest Jones. A
comunicação foi feita na 2º sessão científica, em 3 de agosto, às 15:40 h. Cf. The International Journal of Psycho-analysis, vol.18, parte I, janeiro de 1937, p.78, onde essa comunicação
está inscrita sob o título "The looking-glass phase". /Comunicação feita no XVI Congresso Internacional de Psicanálise, em Zurique, em 17 de julho de 1949. Publicado na Revue
Française de Psychanalyse, nº 4, outubro-dezembro de 1949, p.449 a 455.
1936-08-31 Para-além do "Princípio de realidade" 77 Escritos II Marienbad-Noirmoutier, agosto-outubro de 1936. Publicado em Évolution Psyquitrique , 1936, fascículo III, número especial de estudos freudianos, p.67 a 86.
1938-12-31 Os complexos familiares na formação do indivíduo 29 OutrosEscritos II A edição publicada desse texto em 1984, na editora Navarin, abria-se com a seguinte nota, assinada por J.-AM.: "Esse texto foi escrito por Jacques Lacan para o volume VIII da
Encyclopédie française , dedicado à 'vida mental' e lançado em 1938; ocupa, em sua segunda parte, 'Circunstânciase objetos da atividade psíquica', a seção A: 'A família', título pelo
qual é comumente designado. Para esta edição, resgatei po título dado por Lacan; resgatei também a continuidade do texto, rompida pela paginação da Encyclopédie por iniciativa do
editor, em razão de sua extensão."
1945-03-01 O tempo lógico e asserção de certeza antecipada 197 Escritos III Redigido em março de 1945. Publicado em Les Cahiers d'Art : "1940-1945".
1945-12-31 O número treze e a forma lógica da suspeita 91 OutrosEscritos II Contribuição para os Cahiers d'Art , 1945-46, p.383-93.
1946-09-28 Formulações sobre a causalidade psíquica 152 Escritos II Pronunciado em 28 de setembro de 1946 nas Jornadas Psiquiátricas de Bonneval. Publicado em Le Problème de psychogène des névroses et des psychoses , de Lucien Bonnafé,
Henry Ey, Sven Follin, Jacques Lacan e Julien Rouart, Paris, Desclée de Brouwer, 1950, p.123 a 165.
1947-12-31 A psiquiatria inglesa e a guerra 106 OutrosEscritos II Publicado em L'Évolution Psychiatrique , vol.I, 1947, p.293-312 e 313-8, e em La Querelle des diagnostics , Navarin, 1986.
1948-05-01 A agressividade em psicanálise 104 Escritos II Relatório teórico apresentado no XI Congresso de Psicanalistas de Língua Francesa, reunido em Bruxelas em meados de maio de 1948. Publicado na Revue Française de
Psychanalyse , nº 3, julho-setembro de 1948, pg.367 a 388.
1950-05-29 Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia 127 Escritos II Comunicação para a XIII Conferência dos Psicanalistas de Língua Francesa (29 de maio de 1950), em colaboração com Michel Cénac. Publicado na Revue Française de
Psychanalyse , vol.IV, nº 1, janeiro-março de 1951, p.7 a 29.
1950-05-29 Premissas a todo desenvolvimento possível da ciminologia 127 OutrosEscritos II Trata-se do resumo, redigido por J. Lacan, de suas respostas durante o debate sobre seu relatório "Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia", Écrits , Paris,
Seuil, 1966, p.125-50 [Escritos , Rio de Janeiro, Zahar, 1998, p.127-51]. Esse resumo fou publicado no mesmo número da Revue Française de Psychanalyse, vol.IV, n.1, jan-mar 1951,
p.84-8.
1950-12-31 Intervenção no I Congresso Mundial de Piquiatria 132 OutrosEscritos II Publicado em 1952 nas atas do Congresso de 1950, vol.V: Psychothérapie-Psychanalyse/Médecine psycho-somatique , Hermann, col. "Actualités scientifique et industrielles", 1172,
p.103-107.
1951-05-02 Algumas reflexões sobre o ego 6 Opção Lacaniana 24 Comunicação feita na Sociedade Inglesa de Psicanálise em 2 de maio de 1951, publicada no International Journal of Psychoanalysis, 3, 1953. Texto extraído de uno por Uno, nº41,
invierno 94-95.
1951-12-31 Intervenção sobre a transferência 214 Escritos III Pronunciado no chamado Congresso dos Psicanalistas de Língua Românica de 1951. Publicado na Revue Française de Psychanalse , vol.XVI, nº 1-2, janeiro-junho de 1952, p.154 a
163.
1952-12-31 O mito individual do neurótico ou Poesia e verdade na neurose 9 Paradoxos azul 1952. A conferência... foi proferida Collège Philosophique "onde se cruzavam, a convite de Jean Wahl, as febris agitações de então", diz Lacan. (Escritos, p.76) Um texto mimeografado
dessa conferência foi difundido em 1953, s.d., sem o consetimento do autor e sem ter sido corrigido por ele. A presente versão é aquela que estabeleci e publiquei na época na revista
Ornicar? , nº17-18, Seuil, 1978, p.290-307. Esse "mito individual", assinala Lacan, marca nele "o início de uma referência estruturalista emforma". A expressão encontra-se em seu
artigo de 1949, "A eficácia simbólica" (in Antropologia estrutural , Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, p.215-36). No tratamento psicanalítico, explica Lévi-Strauss, p.230, "é um mito
individual que io paciente constrói com a ajuda de elementos de seu passado", ao passo que "no tratamento xamanístico", ele recebe "um mito social". Mais adiante, ele escreve (p.232;
"os complexos, esses mitos individuais...".
1953-07-08 O simbólico, o imaginário e o real 9 Paradoxos verde PG7...precede imediatamente a redação, durante o verão, do relatório de Roma sobre "Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise", que marcava o início público do
"ensino de Lacan", como diríamos mais tarde. A conferência constitui a apresentação temática inaugural da famosa tríade que sustentará de ponta a ponta a elaboração de Lacan ao
longo das três décadas seguintes, até se tornar seu objeto essencial nãoapenas coneitual, mas matemático e mterial, sob a forma do nó borromeano e seus derivados. PG90 O título é
o original; a conferência havia sido estenografada, depois datilografada; o texto aqui publicado foi estabelecido por mim; indicada no texto, permanece uma lacuna (p.32),
possivelmente de pouca extensão. Esta foi a primeira comunicação dita científica da nova Sociedade Francesa de Psicanálise, recém-oriunda da cisão ocorrida no movimento
psicanalítico francês. O conflito devia repercutir dez anos mais tarde, conduzindo dessa vez à "excomunhão" de Lacan e à fundação por este de sua própria Escola, que batizará de
Escola Freudiana de Paris. A fonte de inspiração da tríade lacaniana encontra-se no artigo de Lévi-Strauss, "A eficácia simbólica" (publicado em 1949, retomado em Antropoliogia
Estrutural , 1958), que propõe a definição sucinta, prém inédita, de um inconsciente vazio, sem conteúdo, puro órgão da função simbólica, impondo leis de estrutura a um material de
elementos inarticulados proveniente tanto da realidade como do reservatório de imagens acumuladas por cada um (ver p.223-5 da ed.fr.). O conceito de "mito individual", que figura
nessas mesmas páginas, fora retomado por Lacan em sua conferência de 1952 intitulada "O mito individual do neurótico". Na esteira de sua conferência de julho de 1953, Lacan
lançou-se à redação do relatório que devia apresentar dos meses mais tarde em Roma, no primeiro Congresso da nova Sociedade, e que marcará época ("Função e campo da fala e
da linguagem em psicanálise", in Escritos , Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p.23-324; "Discurso de Roma", in Outros Escritos , Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p.139-72). Lacan refere-se ao
seminario que acaba de concluir, sobre o Homem dos Ratos, e ao do ano precedente, sobre o Homem dos Lobos. Esses seminários eram realizados em sua casa, rua de Lille, e ão
eram estenografados; ao que eu saiba, subsistem apenas alguma notas de ouvintes; não podiam prtanto figurar na lista dos seminários cuja publicação foi prevista e anunciada.
1953-09-26 Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise 238 Escritos IV Relatório do Congresso de Roma, realizado no Istituto de Psicologia della Universitá di Roma, em 26 e 27 de setembro de 1953. Publicado em La Psichanalyse, Paris, PUF, vol.I,
1956, p.81 a 166.
1953-09-26 Discurso de Roma 139 OutrosEscritos III Redação do discurso proferido por ocasião da apresentação do relatório "Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise" (Écrits , Paris, Seuil, 1966, p.237-322 [Escritos , Rio
de Janeiro, Zahar, p.238-324]), no I Congresso da Sociedade Francesa de Psicanálise, realizado em Roma em 26 e 27 de setembro de 1953. Publicado na revista La Psychanalyse,
PUF, vol.I, 1956, p.202-11 e 241-55.
1953-11-01 SEM1 - Os escritos técnicos de Freud Seminário 1
1953-12-31 Variantes do tratamento-padrão 325 Escritos IV Redigido na Páscoa de 1955. Publicado na Encyclopédie médico-chirurgicale, Psychiatrie , vol.III, 2-1955, fascículo 37812-C10. Suprimido em 1960. No início do texto, 1953.
1954-02-10 Introdução e Resposta ao comentário de Jean Hyppolite sobre a "Verneinung" de 370 Escritos IV Seminário de técnica freudiana de 10 de fevereiro de 1954, realizado na clínica da Faculdade do Hospital Sainte-Anne e dedicado, dirante o ano de 1953-54, aos Escritos Técnicos de
Freud Freud . Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.1, 1956, p.17 a 28 e 41 a 49.
1954-09-01 Do símbolo e de sua função religiosa 45 Paradoxos azul A exposição... É a contribuição de Lacan ao Congresso de Psicologia Religiosa, realizado em Paris em setembro de 1954. O título e o estabelecimento são meus. O zelo com que
Lacan foi acolhido pelo reverendo padre Bruno dá uma idéia do clima: em certos meios católicos, esperav-se muito da cisão de 1953.
1954-11-01 SEM2 - O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise Seminário 2
1955-04-26 Seminário sobre "A carta roubada" 13 Escritos I Pronunciado em 26 de abril de 1955. Escrito (e datado de Guitrancourt-San Casciano) em meados de maio e meados de agosto de 1956. Publicado em La Psychanalyse , Paris, PUF,
vol.2, 1957, p.1 a 44.
1955-11-01 SEM3 - As psicoses Seminário 3
1955-11-07 A coisa freudiana ou o Sentido do retorno a Freud em psicanálise 402 Escritos Ampliação de uma conferência proferida na Clínica Neuropsiquiátrica de Viena em 7 de novembro de 1955. Publicado em Évolution Psychiatrique , nº 1, 1956, p.225 a 252.
1956-05-26 Intervenção depois de uma exposição de Claude Lévi-Strauss na Sociedade Francesa 83 Paradoxos azul O texto da intervenção depois da comunicação de Lévi-Strauss perante a Société Française de Philosophie em 26 de maio de 1956..., está reproduzido tal como foi publicado no
de Filosofia, Sobre as relações entre a mitologia e o ritual, com uma resposa dele Bulletin de la Société Française de Philosophie , 1956, t.XLVIII, p.113-9. Lacan, por sua vez, será o convidado dessa Sociedade científica no ano seguint (ver Escritos , p.438).
1956-10-01 Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956 461 Escritos IV A segunda versão foi publicada em Les Études Philosophiques, número especial de outubro-dezembro de 1956, para a comemoração do centenário do nascimento d Freud. A
primeira versão existe apenas como separata.
1956-11-01 SEM4 - As relações de objeto Seminário 4
1957-02-23 A psicanálise e seu ensino 438 Escritos IV Comunicação apresentada à Sociedade Francesa de Filosofia em sua sessão de 23 de fevereiro de 1957. Publicado no Bulletin de la Societé Française de Philosophie , vol.XLIX,
1957, p.65 a 85.
1957-05-09 A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud 496 Escritos IV Pronunciado em 9 de maio de 1957 no anfiteatro Descartes, na Sorbonne, a pedido do Grupo de Filosofia daFederação dos Estudantes de Letras. Redação datada de 14-16 de maio
de 1957. Publicado no volume 3 de La Psychanalyse (sobre o tema "Psicanálise e ciências humanas"), Paris, PUF, 1957, p.47 a 81.
1957-11-01 SEM5 - As formações do inconsciente Seminário 5
1957-12-01 De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose 537 Escritos V Remissão ao seminário dos dois primeiros semestres do ano de 1955-1956. Redação: dezembro de 1957-janeiro de 1958. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.4, 1959, p.1
a 50.
1958-04-01 Juventude de Gide ou a letra e o desejo 749 Escritos VI Publicado no nº 131 da revista Critique , abril de 1958, p.1958, p.291 a 315.
1958-05-09 A significação do falo (Die Bedeutung des Phallus) 692 Escritos V Conferência proferida em alemão em 9 de maio de 1958, no Instituto Max Plank de Munique, a convite do professor Paul Matussek.
1958-07-10 A direção do tratamento e os princípios de seu poder 591 Escritos V Primeiro relatório do Colóquio Internacional d Royaumont, reunido de 10 a 13 de julho de 1958, a convite da Sociedade Francesa de Psicanálise. Publicado em La Pschanalyse, vol.6,
Paris, PUF, 1961, p.149 a 206.
1958-07-10 Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: "Psicanálise e estrutura da 653 Escritos V Relatório do Colóquio de Royaumont, 10-13 de julho de 1958. Redação definitiva: Páscoa de 1960. Publicado emLa Psychanalyse, vol.6, Paris, PUF, 1961, p.111 a 147.
personalidade"
1958-09-01 A psicanálise verdadeira e a falsa 173 OutrosEscritos III Texto redigido para um congresso realizado em Barcelona em setembro de 1958; permaneceu inédito em françês até sua publicação na revista L'Ane , n.51, julho-setembro de 1992,
p.24-7.
1958-11-01 SEM6 - O desejo e sua interpretação Seminário 6
1959-11-01 SEM7 - A ética da psicanálise Seminário 7
1959-12-31 À memória de Ernst Jones: Sobre sua teoria do simbolismo 704 Escritos V Guitrancourt, janeiro-março de 1959. Publicado em La Psychanalyse, vol.5, Paris, PUF, 1960, p.1 a 20.
1960-03-09 Discurso aos católicos 9 Paradoxos laranja PG7 compreende as duas conferências pronuncuadas em 9 e 10 de março de 1960 em Bruxelas, a convite da Faculdade Universitária Saint-Louis, e anunciadas como "aulas
públicas". Lacan se refere a elas nos ca´pitulos XIII e XV do Seminário A ética da psicanálise. PG85 ...ao evocar em seu Seminário, em 23 de março de 1960, as aulas que acabava de
dar em Bruxelas,Lacan as designa com estas palavras: "meu discurso aos católicos" (Seminário 7, p.211, Seuil, 1986). Duas versões sucessivas foram publicadas em Quarto , ógão da
Escola da Casa Freudiana na Bélgica (nºVI, 1982, p.5-24, e nº50, inverno 1992, p.7-20).
1960-06-23 A metáfora do sujeito 903 Escritos APÊNDICE II Intervenção proferida em 23 de junho de 1960 na Sociedade de Filosofia.
1960-09-05 Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina 734 Escritos V Colóquio Internacional de Psicanálise, de 5 a 9 de setembro de 1960, na Universidade Municipal de Amsterdam. Escrito dois anos antes do Congresso. Publicado no n.7 de La
Psychanalyse, Paris, PUF, 1962, p.3 a 14.
1960-09-19 Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano 807 Escritos VII Comunicação feita num congresso reunido em Royaumont, por obséquio dos "Colóquios filosóficos internacionais", sob o título "A dialética", a convite de Jean Wahl, 19 a 23 de
setembro de 1960.
1960-10-30 Posição do inconsciente 843 Escritos VII Congresso reunido no hospital de Bonneval sobre o tema do inconsciente freudiano, entre 30 de outubro e 2 de novembro de 1960. Intervenções condensadas em março de 1964, a
pedido de Henri Ey, para o livro sobre o congresso, L'Inconscient, publicado em Paris pela Desclée de Brower em 1966.
1960-11-01 SEM8 - A transferência Seminário 8
1960-11-16 No início era o amor Jornal Brasileiro de Psicanálise
2 Primeira lição do Seminário 8 - A transferência.
1961-10-01 Maurice Merleau-Ponty 183 OutrosEscritos III Contribuição para o número de homenagem publicado por Les Temps Modernes após o falecimento do filósofo, n.184-5, out 1961, p.245-54.
1961-11-01 SEM9 - A identificação Seminário 9 NÃO PUBLICADO
1962-11-01 SEM10 - A angústia Seminário 10
1963-09-01 Kant com Sade 776 Escritos VI Deveria servir de prefácio a La Philosophie dans le boudoir (Paris, Cercle du livre précieux, 1963, 15 vols.) R.G. setembro de 1962. Publicado na revista Critique, nº 191, abril de 1963.

1963-11-01 SEM11 - Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise Seminário 11


1963-11-20 Introdução aos Nomes-do-Pai 55 Paradoxos verde PG7... A primeira e única lição do Seminário sobre os Nomes-do-Pai. Interrompido em circusntâncias dramáticas - a perda de sua função de "didata" (na época, psicanalista habilitado a
formar psicananalistas) -, o Seminário deveria ter um novo ponto de partida em janeto de 1964, na rua d'Ulm, nas dependências da École Normale Superieure, sob o título Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise. Lacan sempre se recusou a retomar o tema do Semiário subitaente abortado, e até mesm em publicar em vida o texto da única lição
pronunciada. Ao concluir, em função de seus dissabores, que o credenciamento do "discurso psicanalitico" nnao lhe havua dado para erguer, como tinha a intenção, o véu com que
Freud recobrira o verdadeiro fundamento da psicanálise, e que tinha sido punido por se mostrar sacrílego, assinalou, para bom entendedor - sobretudo com o titulo irônico que deuao
Seminário posterior, Les non-dupes errent [nota de rodapé do tradutor: Literalmente, "Os não-tolos erram", expressão, em françês, homófona a "Os nomes-do-pai". (N.T) Mais discreto, o
questionamento dos limites do complexo edipiano e do mito paerno nem por isso deixou de continuar a correr através de seminários e escritos, até a depreciação do Nome-do-Pai em
sintoma e utensílio (cf. o Seminário Le Sinthome). PG91 Ao descobrir a estenografia dessa lição no dossiê dos Quatro conceitor fundamentais da psicanálise que Lacan me dera,
propus-lhe colocá-la na abertura desse Seminário, que foi o primeiro a ser publicado, em 1973. LAcan concordou, ajudou-me a estabelecer o texto, depois, in extremis , reconsiderou:
não, disse-me ele, não chegou o tempo de seler isso, ficará para mais tarde. Manteve ess aposição até a morte, a despeito das reapresentaçoes que lhe fazia de tempos e tempos...
Lacan começa sua conferência evocando a notícia que lhe fora dada "na noite passada, bem tarde": acabava de ser riscado da lista dos didatas da Sociedade Francesa de Psicanálise
pela "comissão de ensino" da qual fazi aparte; depois de anos de transações sórdidas, sua cabeça revelara-se efetivamente o preço a ser pago pelos colegas a gim de obterem seu
reconhecimento internacional como "French Study Group". Era o que Lacan chamaria alguns meses mais tarde sua "excomunhão" (ver primeira lição do Seminário 11, Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise , Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979, p.9-20). Ele voltaria a esse assunto por diversas vezes. Vou me contentar em retomar aqui os termos de sua
conferência em Nápolise em dezembro de 1967 ("O engano do sujeito suposto saber", in Outros Escritos , p.329-40). Citando Pascal, como na "Introdução aos Nomes-do Pai, ele opõe
o Deus dos filósofos (em outros termos, o sujeito suposto saber) e o Deus de Abraão, Isaac e Jacó (Deus-Pai), e escreve: "Esse lugar do Deus Pai é aquele que designei como Nome-
do-Pai e que me propus ilustrar no que deveria sermeu décimo terceiro seminário (o décimo primeiro em Sainte-Anne), quando uma passagem ao ato de meus colegas psicanalistas
forçou-me a pôr um fim nele, depois da primeira lição. Nunca mais retomarei esse tema, vendo nisso o sinalde que esse lacre ainda não pode ser retirado para a psicanálise."
1964-01-07 Do "Trieb" de Freud e do desejo do psicanalista 865 Escritos VII Resumo das intervenções num colóquio convocado pelo professor Enrico Castelli, sob o título de "Técnica e casuística", de 7 a 12 de janeiro de 1964, na Universidade de Roma.
Publicado em Atti del colloquio internazionale su "Tecnica e casuistica", Roma, 1964.
1964-06-01 Ato de fundação 235 OutrosEscritos V O texto, a princípio difundido sem título e sob forma mimeografada, em junho de 1964, foi impresso pela primeira vez no Annuaire 1965 da Escola Freudiana de Paris, acompanhado
pela "Nota adjunta" e pelo "Preâmbulo". A nota, datada de 1971, o Preâmbulo foram publicados no Annuaire 1977 da Escola Freudiana de Paris.
1964-11-01 SEM12 - Os problemas cruciais para a psicanálise Seminário 12 NÃO PUBLICADO
1965-11-01 SEM13 - O objeto da psicanálise Seminário 13 NÃO PUBLICADO
1965-12-01 A ciência e a verdade 869 Escritos VII Estenografia da aula inaugural do seminário realizado no ano de 1965-1966 na École Superieure (rua d'Ulm), sobre "O objeto da psicanálise", na posição de chargé de ceonferénces
da École Pratique des Hautes Études (Viª seção), em 1º de dezembro de 1965. Publicado no primeiro número dos Cahiers pour l'Analyse pelo Círculo de Epistemologia da École
Normale Superieure, em janeiro de 1966.
1965-12-31 Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein 198 OutrosEscritos IV Publicado nos Cahiers Renaud-Barrault , n.5, dez 1965, p.3-10 e 15.
1965-12-31 Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise 195 OutrosEscritos IV Excerto do Annuaire 1965 da École Pratique des Hautes Études, p.249-251; publicado adendo do Seminário 11 .
1966-10-01 Abertura desta coletânea 9 Escritos I Ao final do texto, outubro de 1966.
1966-10-01 Do sujeito enfim em questão 229 Escritos IV 1966
1966-10-01 De nossos antecedentes 69 Escritos II
1966-10-01 De um desígnio 365 Escritos IV
1966-11-01 SEM14 - A lógica da fantasia Seminário 14 NÃO PUBLICADO
1966-12-02 Pequeno discurso no ORTF 226 OutrosEscritos IV Publicado no primeiro número de Recherches , n.3/4, p.5-9, com autorização da ORTF. O texto foi precedido por uma nota da redação: "Essa entrevista foi ao ar em 2 de dezembro de
1966, no contexto das Manhãs da France-Culture, durant o programa de Georges Charbonnier, 'Sciences et techniques', por ocasião da publicação dos Escritos de Jacques Lacan pela
editora Seuil. Agradecemos ao Dr. Lacan, assim como a Georges Charbonier, a gentileza de nos autorizarem a publicação em Recherches ."
1966-12-14 Entrevista sobre a psicanálise Opção Lacaniana 50 A gravação desta entrevista, dada por J. Lacan no dia 14 de dezembro de 1966 na Radio-Télevision belga (RTB III) foi datilografada por Ph. De Villers; ela foi relida e ligeiramente
corrigida por mim. O estilo dessas proposições indica, a meu ver, que Lacan lia um texto redigido anteriormente.
1966-12-31 Acerca da estrutura como imisção de uma alteridade prévia a um sujeito qualquer Opção Lacaniana 77 Conferência em Baltimore, 1966.
1966-12-31 O lugar da psicanálise na medicina 8 Opção Lacaniana 32 PG8 Lacan toma a palavra aqui em um Coló-quio organizado por Jeanne Aubry sobre "O lugar da psicanálise na medicina". PG14 Texto de 1966, Publicado inicialmente em Cahiers
du Collége de Médicine , vol. 12, 1966 e mais tarde em Bloc-notes de la psychanalyse , nº. 7, Georg, Genebra, 1987. Traduzido por Marcus André Vieira.
1966-12-31 Apresentação das Memórias de um doente dos nervos 219 OutrosEscritos IV Cahiers pour l'Analyse , n.5, 1966, p.69-72. Texto redigido para apresentar a primeira tradução francesa do livro do presidente Schreber, lançada como folhetim da revista antes de ser
publicada na coleção Champ Freudien (trad. De Paul Duquenne) pela Seuil. Publicado sob o título de "Présentation", fornecido pela redação.
1966-12-31 Problemas cruciais para a psicanálise 206 OutrosEscritos IV Annuaire 1966 da École Pratique de Hautes Études, p.270-3.
1966-12-31 Respostas a estudantes de filosofia 210 OutrosEscritos IV Publicado no Cahiers pour l'Analyse , boletim do Círculo de Epistemologia da ENS, n.3, 1966, p.5-13, sob o título, fornecio pela redação de "Réponses à des étudiants em philosophie
sur l'objet de a psychanalyse" ["Respostas a estudantes de filosofia sobre o objeto da psicanálise"]. Uma nota da redação esclarecia: "As perguntas aqui reproduzidas foram dirigidas
ao Dr. Lacan por um grupo de alunos da Faculdade de Letras de Paris. O texto foi redigido pelo Sr. G. Contesse. Agradecemos a este pr haver concordado em que o retomássemos."
1967-03-01 A lógica da fantasia Opção Lacaniana 58 Lições do Seminário 14 - A Lógica da fantasia.
1967-07-10 Então, vocês terão escutado Lacan 101 Paradoxos roxo PG7... Na Faculdade de Medicina de Estrasburgo; o título é extraído do início da conferência. PG126 em 10 de junho de 1967 na Faculdade de Medicida de Estrasburgo. Havia em
Estrasburgo um importante grupo lacaniano, desenvolvido a partir da segunda metade dos anos 1950 em torno de Luien Israel, professor de psiquiatria e psicanalista. Este foi o
incentivador do covite feito a Lacan.
1967-10-01 Lugar, origem e fim do meu ensino 9 Paradoxos roxo PG7... No Vinatier, emLyon, asilo fundado sob a monarquia de Julho; a conferência é seguida por um diálogo com o filsósofo Henri Maldiney. PG125 A primeira conferência foi
realizada em outubro de 1967 no Centre Hospitalier du Vinatier, em Lyon; Uma transcrição da conferência lionesa foi reproduzida em 1981 em uma publicação fotocopiada do CES de
psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lyon-I; esta foi reproduzida com minha autorização na revista Essaim . O Asile du Vinatier, criado pela lei de 30 de junho de 1838 que previa
um asilo de alienados em cada departamento da França, foi pr muito tempo vítima de uma "imagem negativa" sob o nome de "Asile de Bron". Renovado após a Libertação, já havia se
tornado o Centre Hospitalier du Vinatier quando Lacan lá esteve. O estabelecimento é desde então o primeiro centropsiquiátrico da região de Rhône-Alpes. O filósfo Henri Maldiney,
nascido em 1912, por muito tempo professor na Universiade de Lyon, é vinculado à corrente fenomenológica. Dedicou-se a estética, escrevendo principalmente sobre poseia, belas-
artes, a paisagem ocidental e a paisagem chinesa.
1967-10-09 Propsição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola Opção Lacaniana 17 Extraído de Scilicet, nº1, Paris, Seuil, 1968.
1967-10-09 Propsição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola - primeira versão Opção Lacaniana 16 Extraído de Analytica, n' 8, Paris, Lyse, abril de 1978.
1967-10-09 Um procedimento para o passe 5 Opção Lacaniana 18 PG5 A efetivação da "Proposição de 9 de outubro de 1967" exigia um regulamento preciso. O texto aqui publicado reproduz um documento datilografado em circulação na antiga
Escola, como anexo à "Proposição", em sua versão oral. Ele não pode ser considerado como um escrito de Lacan, por ser, sem dúvida um esboço. O procedimento adotado em 1969
(cf. Scilicet nº 2/3) difere sob diversos pontos, deste aqui. PG8 Extraído de Ornicar?, nº 37, Paris, Navarin, 1986.
1967-10-09 Propsição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola 248 OutrosEscritos V Publicada em Scilicet , n.1, Paris, Seuil, 1968, p.14-30.
1967-11-01 SEM15 - O ato psicanalítico Seminário 15 NÃO PUBLICADO
1967-12-31 O objeto da psicanálise 224 OutrosEscritos IV Annuaire 1967 da École Pratique de Hauts Études, p.211-2.
1968-04-20 Meu ensino, sua natureza e seus fins 67 Paradoxos roxo PG7... Em Bordeaux, par residentes de psiquiatria. PG126 em 20 de abril de 1968, em Bordeux. Lacan foi a Bordeaux a convite de umgrupo de residentes do Hosptal Psiquátrico (CHS)
Charles-Perrens. A conferênia foi realizada numa sala municipal situada em frente ao stabelecimento.
1968-10-01 Duas notas sobre a criança Opção Lacaniana 21 Estas duas notas, entregues manuscritas por Jacques Lacan à Sra Jenny Aubry, em outubro de 1969, foram publicadas por esta, pela primeira vez, com minha autorização, no seu livro
editado em 1983.
1968-10-12 Nota sobre o pai Opção Lacaniana 71 Comentário sobre a apresentação de Michel de Certeau: "O que Freud faz da história". Nota sobre "Uma neurose demoní-aca do século VII", de Freud, no congresso de Strasbourg, em
12 de outubro de 1968, publicada originalmente em 1969, em Lettres de l'École Freudienne, (7): 84.
1968-11-01 SEM16 - De um Outro ao outro Seminário 16
1968-12-31 A psicanálise. Razão de um fracasso 341 OutrosEscritos VI Publicados em Scilicet, nº1, Paris, Seuil, 1968, p.31-41, 42-50 e 51-9. Uma nota final do autor trazia os seguintes esclarecimentos: "estes textos não foram lidos, a isso se opondo o
número e a diversidade das platéias (de estudantes, na maioria) com que fui honrado. Distinguem-se, pois, do que efetivamente pronunciei, e do qual resta a gravação. "Tiveramlugar
dois outros encontros que eu não havia preparado. Um no dia 16, em Pisa, sede da Escola Normal Superior da Itália, que devo à amizade de Jean Roudaut; ali procedi por uma
maiêutica à qual meus ouvintes se mostraram propícios, diálogo este igualmente gravado. "No dia 18, o Instituto Psicanalítico de Milão foi ocenário d outro, onde não consegui uma
platéia informada. "Agradeço seu diretor, o professor Fornari, por me havê-la fornecido numresa, para um debate de melhor tom. O professor Musatti esteve presente. "Os serviços dos
Assuntos Culturais de que fui hóspede estão acima de qualquer elogio: que os Srs. Vallet e Dufour, dentre todos aqueles a quem sou grato, recebam aqui a homenagem por isso".
1968-12-31 Alocução sobre as psicoses da criança 359 OutrosEscritos VI Publicado sob o título de "Discours de clôture des Journées sur les psychoses de l'enfant" [Discurso de encerramento das Jornadas sobre as psicoses infantis"] em Recherches ,
número especial, "Enfance Alienée", dez 1968, II, p.143-52; reproduzido em Enfance Alienée , UGE, col. 10/18, 1972, e mais tarde, sob o mesmo título, na editora Denoël, na coleção
L'Espace Analytique, em 1984. O texto transcrito tinha sido corrigido pelo autor.
1968-12-31 Da psicanálise em suas relações com a realidade 350 OutrosEscritos VI Publicados em Scilicet, nº1, Paris, Seuil, 1968, p.31-41, 42-50 e 51-9. Uma nota final do autor trazia os seguintes esclarecimentos: "estes textos não foram lidos, a isso se opondo o
número e a diversidade das platéias (de estudantes, na maioria) com que fui honrado. Distinguem-se, pois, do que efetivamente pronunciei, e do qual resta a gravação. "Tiveramlugar
dois outros encontros que eu não havia preparado. Um no dia 16, em Pisa, sede da Escola Normal Superior da Itália, que devo à amizade de Jean Roudaut; ali procedi por uma
maiêutica à qual meus ouvintes se mostraram propícios, diálogo este igualmente gravado. "No dia 18, o Instituto Psicanalítico de Milão foi ocenário d outro, onde não consegui uma
platéia informada. "Agradeço seu diretor, o professor Fornari, por me havê-la fornecido numresa, para um debate de melhor tom. O professor Musatti esteve presente. "Os serviços dos
Assuntos Culturais de que fui hóspede estão acima de qualquer elogio: que os Srs. Vallet e Dufour, dentre todos aqueles a quem sou grato, recebam aqui a homenagem por isso".
1968-12-31 Introdução a Scilicet como título da revista da Escola Freudiana de Paris 288 OutrosEscritos V Publicado em Scilicet, n.1, Paris, Seuil, 1968, p.3-13.
1968-12-31 O ato psicanalítico 371 OutrosEscritos VI Annuaire 1968-69 da École Pratique des Hautes Études, p.213-20.
1968-12-31 O engano do sujeito suposto saber 329 OutrosEscritos VI Publicados em Scilicet, nº1, Paris, Seuil, 1968, p.31-41, 42-50 e 51-9. Uma nota final do autor trazia os seguintes esclarecimentos: "estes textos não foram lidos, a isso se opondo o
número e a diversidade das platéias (de estudantes, na maioria) com que fui honrado. Distinguem-se, pois, do que efetivamente pronunciei, e do qual resta a gravação. "Tiveramlugar
dois outros encontros que eu não havia preparado. Um no dia 16, em Pisa, sede da Escola Normal Superior da Itália, que devo à amizade de Jean Roudaut; ali procedi por uma
maiêutica à qual meus ouvintes se mostraram propícios, diálogo este igualmente gravado. "No dia 18, o Instituto Psicanalítico de Milão foi ocenário d outro, onde não consegui uma
platéia informada. "Agradeço seu diretor, o professor Fornari, por me havê-la fornecido numresa, para um debate de melhor tom. O professor Musatti esteve presente. "Os serviços dos
Assuntos Culturais de que fui hóspede estão acima de qualquer elogio: que os Srs. Vallet e Dufour, dentre todos aqueles a quem sou grato, recebam aqui a homenagem por isso".
1969-01-25 Comunicado ao júri de acolhida para a Assembléia antes da votação (do dia 25 de 6 Opção Lacaniana 25 Texto extraído de Scilicet, nº 2/3, Paris, Seuil, 1970, p. 49.
janeiro de 1969)
1969-01-25 Pronunciamento na Escola 299 OutrosEscritos V Publicado sob o título de "Adresse dujury d'accueil à l'assemblée avant son vote (le 25 janvier 1969)" [Pronunciamento do júri de recepção na assembléia, antes de sua votação (em 25
de janeiro de 1969)"], em Scilicet, n.2/3, Paris, Seuil, 1970, p.49-51.
1969-10-31 Nota sobre a criança 369 OutrosEscritos VI Esse texto, entregue à Sra. Jenny Aubry sob a forma de duas folhas manuscritas, foi publicado por ela pela primeira vez em seu livro Enfance abandonnée , lançado pela editora
Scarabée & Cia. em 1983, e reproduzido em Orinicar? , n.37, 1986, sob o título de "Deux notes sur l'enfant" [Duas notas sobre a criança]. Um exame mais atendo permitiu concluir que
se tratava de um texto único. Ao final do texto, outubro de 1969.
1969-11-01 SEM17 - O avesso da psicanálise Seminário 17 NÃO PUBLICADO
1969-12-31 A lógica da fantasia 323 OutrosEscritos VI Annuaire 1969 da Escola Prática de Estudos Superiores, p.189-94.
1970-04-19 Alocução sobre o ensino 302 OutrosEscritos V Publicado em Scilicet, n.2/3, Paris, 1970, p.391-9. No início do texto, "proferido no encerramento do Congresso da Escola Freudiana de Paris, em 19 de abril de 1970, por seu diretor.

1970-11-01 SEM18 - De um discurso que não seria um semblante Seminário 18


1970-12-31 Discurso na Escola Freudiana de Paris 265 OutrosEscritos V Publicado em Scilicet , n.2/3, Paris, 1970, p.9-29.
1970-12-31 Prefácio à edição dos Escritos em livro de bolso 383 OutrosEscritos VII Redigido para Écrits I, Paris, Seuil, col. Point Essas, 1970, p.7-12. Igualmente publicado em Écrits II , texto integral, col. Points, Paris, Seuil, 1999, p.364-369.
1970-12-31 Prefácio a uma tese 389 OutrosEscritos VII Publicado sob o título de "Préface" na abertura do livro de Anika Rifflet-Lemaire, Jacques Lacan , Bruxelas, Charles Dessart, 1970, p.9-20. O livro foi reeditado com o mesmo título pela
editora Pierre Mardaga, Bruxelas, 1977, incluindo o prefácio (p.5-16).
1970-12-31 Radiofonia 400 OutrosEscritos VII Publicado em Scilicet , nº2/3, Paris, Seuil, 1970, p.55-99. Lacan havia concordado em responder, para a rádio belga, as perguntas do Sr. Robert Georgin.
1971-10-01 Lituraterra 15 OutrosEscritos I Escrito parao número dedicado ao tema "Literatura e psicanálise", da revista Littérature, Larousse, nº3, out 1971, p.3-10; publicado na abetura do número.
1971-11-01 SEM19 - ...ou pior Seminário 19
1971-11-01 SEM19* - O saber do psicanalista Seminário 19 NÃO PUBLICADO
1971-11-04 Saber, ignorância, verdade e gozo 9 Paradoxos amarelo Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de seminários mensais, destinados aos internos de psiquiatri, Lacan escolheu como título "O saber do psicanalista". É que alguns
de seus alunos, talvez inspirados pela leitura de Bataille, havian, na época, levantado a bandeira do "não saber". De fato, se as três primeiras dessas "conversas", como as chamou
Lacan, corresponderam mais ou menos à sua idéia inicial, as quatro seguintes, em contra partida, gravitaram em torno das questões abordadas no grande Seminário que ele conduzia
na praça do Panthéon, nos espaçøs da Faculdade de Direito, sob o título de "...ou pior". Respeitei essa cesura, inserindo as quatro em seu lugar cronológico, o livro 19 do Seminário*,
onde fariam falta. As três primeiras, ao contrário, constituíram nele uma digressão. Foram estas que reuni neste pequeno volume. Elas foram pronunciadas na capela do hospital nos
dias 4 de novembro de 1971, 2 de dezembro do mesmo ano e 6 de janeiro de 1972.
1971-12-02 Da incompreensão e outros temas 39 Paradoxos amarelo Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de seminários mensais, destinados aos internos de psiquiatri, Lacan escolheu como título "O saber do psicanalista". É que alguns
de seus alunos, talvez inspirados pela leitura de Bataille, havian, na época, levantado a bandeira do "não saber". De fato, se as três primeiras dessas "conversas", como as chamou
Lacan, corresponderam mais ou menos à sua idéia inicial, as quatro seguintes, em contra partida, gravitaram em torno das questões abordadas no grande Seminário que ele conduzia
na praça do Panthéon, nos espaçøs da Faculdade de Direito, sob o título de "...ou pior". Respeitei essa cesura, inserindo as quatro em seu lugar cronológico, o livro 19 do Seminário*,
onde fariam falta. As três primeiras, ao contrário, constituíram nele uma digressão. Foram estas que reuni neste pequeno volume. Elas foram pronunciadas na capela do hospital nos
dias 4 de novembro de 1971, 2 de dezembro do mesmo ano e 6 de janeiro de 1972.
1972-01-06 Estou falando com as paredes 71 Paradoxos amarelo Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de seminários mensais, destinados aos internos de psiquiatria, Lacan escolheu como título "O saber do psicanalista". É que
alguns de seus alunos, talvez inspirados pela leitura de Bataille, havian, na época, levantado a bandeira do "não saber". De fato, se as três primeiras dessas "conversas", como as
chamou Lacan, corresponderam mais ou menos à sua idéia inicial, as quatro seguintes, em contra partida, gravitaram em torno das questões abordadas no grande Seminário que ele
conduzia na praça do Panthéon, nos espaçøs da Faculdade de Direito, sob o título de "...ou pior". Respeitei essa cesura, inserindo as quatro em seu lugar cronológico, o livro 19 do
Seminário*, onde fariam falta. As três primeiras, ao contrário, constituíram nele uma digressão. Foram estas que reuni neste pequeno volume. Elas foram pronunciadas na capela do
hospital nos dias 4 de novembro de 1971, 2 de dezembro do mesmo ano e 6 de janeiro de 1972.
1972-10-13 Conferência de Lovaina 7 Opção Lacaniana 78 Texto estabelecido por Jacques-Alin Miller. Esta conferência foi pronunciada no dia 13 de outubro de 1972, na Grande Rotunda da Universidade Católica de Lovaina. Até onde sei, ela
foi filmada pela RTBF sem a autorização de Lacan.
1972-11-01 SEM20 - Mais ainda Seminário 20
1973-11-01 SEM21 - Les non-dupes errent Seminário 21 NÃO PUBLICADO
1973-12-31 Nota italiana 311 OutrosEscritos V Esse texto, deixado inédito por J. Lacan, foi publicado em Ornicar? , nº25, 1982, p.7-10, precedido por uma nota que esclarecia que "as pessoas implicadas não deram continuidade às
sugestões aqui expressas". Ao final do texto, 1973.
1973-12-31 O aturdito 448 OutrosEscritos VII Publicado em Scilicet, nº4, Paris, Seuil, 1973, p.5-52.
1973-12-31 Posfácio ao Seminário 11 503 OutrosEscritos VIII Publicado no fim do primeiro volume lançado no Seminário de Jacques Lacan, livre XI: Les Quatre Concepts fondamentaux de la psychanalyse, Parius, Seuil, 1973 [Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise, Rio de Janeiro, Zahar, 1979].
1974-08-29 O triunfo da religião 55 Paradoxos laranja PG7 ...provém de uma "entrevista coletiva" realizada em Roma em 29 de outubro de 1974, no Centro Cultural Francês, por ocasião de um congresso [onde pronunciou A Terceira].
Lacan foi interrogado por jornalistas italianos. PG85 tanto o título como os subtítulo são de J.-A. Miller. Uma primeira versão foi publicada no boletim interno da Escola da Causa
Freudiana, Les Lettres de l'École , nº16, 1975, p.6-26.
1974-11-01 SEM22 - R.S.I. Seminário 22 NÃO PUBLICADO
1974-11-01 A terceira Opção Lacaniana 62 Intervenção no VII Congresso da Escola Freudiana de Paris, Roma.
1974-11-30 O fenômeno lacaniano Opção Lacaniana 68,69 Conferência realizada no dia 30 ele novembro ele 1974, no Centre Universitaire Méditerranéen de Nice, e publicada originalmente nos Cahiers Cliniques de Nice nº1, em 1998. Uma
nova edição foi publicada em setembro de 2011 nessa mesma revista, e foi esse texto que traduzimos.
1974-12-31 O despertar da primavera Opção Lacaniana 29 Circunstâncias: Brigitte Jaques, cujo Elvirel/Jouvet 40 triunfa nestes dias no palco, encenara entâo O Despertar da Primavera, de Wedekind. Fui tradutor para ela de uma passagem das
Minutas da Sociedade Psicológica de quartafeira, a sessão do dia 13 de fevereiro de 1907, consagrada à peça e pedi a Jacques I.acan um texto. Escreveu este, que foi publicado
encabeçando o programa, e depois retomado na edição da peça (Gallimard 1974).
1974-12-31 Prefácio a O despertar da primavera 557 OutrosEscritos VIII Escrito para o espetáculo montado por Brigitte Jacques no teatro Récamier, durante o Festival de Outono de 1974; publicado no programa; reproduzido como prefácio da edição da
peça de Wedekind, em tradução francesa de François Regnault, Gallimard, 1974, p.9-12.
1974-12-31 Televisão 508 OutrosEscritos VIII Esse texto foi publicado num volume da coleção Champ Freudien, Éd. Du Seuil, 1974 [Rio de Janeiro, Zahar, col. Campo Freudiano no Brasil, 1993].
1975-04-13 Religiões e o real Opção Lacaniana 73 Textopublicado em La Cause Freudienne nº90. Trecho do discurso de encerrmento das Journées d'études des cartels da Escola Freudiana de Paris, em 13 de abril de 1975.
1975-10-04 Conferência em genebra sobre o sintoma 6 Opção Lacaniana 23 PG6 Segundo as indicações que me foram fornecidas, a conferência, anunciada sob o título "O sintoma'Joi pronun-ciada no dia 4 de outubro de 1975, no Centro Raymond de
Saussure, num fim de semana de trabalho organizado pela Sociedade Suíça de Psicanálise, perante uma audi-ência composta por membros da dita Sociedade e de con-vidados; o Sr.
Olivier Flournoy fez a abertura. PG16 Extraído de Le Bric:Notes de la psychanalyse, nº 5, 1985.
1975-11-01 SEM23 - Joyce, o sinthoma Seminário 23
1975-12-31 ... ou pior 544 OutrosEscritos VIII Publicado em Scilicet, nº5, Paris, Seuil, 1975, p.5-10.
1975-12-31 Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos 550 OutrosEscritos VIII Publicado em Scilicet , nº5, Paris, Seuil, 1975, p.11-7; o título original esclarecia, ntre parênteses, o nome da editora: Walter Verlag. A edição alemã do primeiro volume dos Escritos foi
lançada em 1973 pela Walter Verlag, sob o título de Schriften I .
1975-12-31 Talvez em Vincennes... 316 OutrosEscritos V Constituiu a abertura do nº1 de Ornicar? , boletim periódico do "Champ Freudien", jan 1975, p.3-5; o textoindicava, sob t´ˆtulo dado pela redação "Proposição de Lacan".
1976-02-13 Uma psicose lacaniana 5 Opção Lacaniana 26,27 Texto extraído de El Analiticón , n°1, Campo Freudiano da Espanha-Barcelona, Editorial Correo Paradiso.
1976-11-01 SEM24 - L´insu que sait de l´une-bevue s´aile a mourre Seminário 24 NÃO PUBLICADO
1976-11-16 Nomina non sunt consequentia rerum 6 Opção Lacaniana 28 Os textos "As identificações" (16/11/1976) e "O sistema tórico e a contra-psicanálise'' (14/12/1976) foram extraídos de Ornicar? n° 12/13; "Efeitos de significantes" (11/01/1977) de
Ornicar' n° 14; "O real continua o imaginário" (18/01/1977) de Ornicar? n° 15 e "Nomína non sunt conse-quentia rerum" (08/03/1977) de Ornicar' n° 16. Todos foram traduzidos por Mário
Almeida. As quatro aulas subsequentes a estas estão publicadas em Opção Lacaniana, n° 22 sob o título "Rumo a um significante novo".
1977-02-04 Entrevista sobre a ficção científica 9 Opção Lacaniana 80,81 Em janeiro de 1976, Igor e Grichka Bogdanoff pediram a Jacques Lacan, no final de uma seção de seu Seminário, que lhes falasse a respeito da ficção científica. Lacan os recebu em 4
de fevereiro de 1977. Esta entrevista foi oublicada no livro: O efeito de ficção científica (Paris, Robert Laffont, 1979, p.280-281). Reproduzimos essas páginas com a autorização de
Jacques-Alain Miller.
1977-05-17 Rumo a um novo significante 6 Opção Lacaniana 22 Extraído de Ornicar?, Reme du Champ freudien, nº 17/18, p. 7 a 23.
1977-11-01 SEM25 - Le moment de concluire Seminário 25 NÃO PUBLICADO
1977-12-31 Abertura da sessão clínica 6 Opção Lacaniana 30 1977
1977-12-31 Prefácio à edição inglesa do Seminário 11 567 OutrosEscritos VIII Publicado em Ornicar? , nº12/13, 1977, p.124-6. A edição em língua inglesa do Seminário 11 foi lançada em 1977, sob o título The Four Fundamental Concepts of Psychoanalysis , pela
Hogart Press (The Random House Group, Ltd.) e, mais tarde, em 1979, pela editora Penguin. Com o mesmo título, a editora norte-americana Norton também publicou esse seminário
em 1978.
1978-11-01 SEM26 - La topologie e le temps Seminário 26 NÃO PUBLICADO
1978-12-31 O sonho de Aristóteles 8 Opção Lacaniana 79
1979-11-01 SEM27 - Disolution Seminário 27 NÃO PUBLICADO
1979-12-31 Joyce, o Sintoma 560 OutrosEscritos VIII Publicado em 1979 na coletânea Joyce & Paris, 1902... 1920-1940... 1975 , em co-edição da editora do CNRS e das Publications de l'Université Lille-3, das atas do V Simpósio
Internacional James Joyce, realizado em Paris de 16 a 20 de junho de 1975, p.13-7. Igualmente publicado em Joyce avec Lacan , pela editora Navarin, na coleção Bibliotèque des
Analytica, 1987,p.3-7.
1980-01-08 Carta de dissolução 319 OutrosEscritos V Essa carta, dirigida sob forma mimeografada aos membros da Escola Freudiana de Paris, foi lida no seminário de 8 de janeiro de 1980; foi impressa no Annuaire 1982 da Escola da
Causa Freudiana.
1980-06-10 O mal entendido Opção Lacaniana 72 Ornicar? , (22/23):11-14. Pronunciado cm 10/06/1980.
1981-12-31 Considerações sobre a histeria 17 Opção Lacaniana 50 Este texto foi estabelecido a partir de uma primeira transcrição publicada com minha autorização no segundo número de Quarto em 1981: esta transcrição utiliza\'a notas manuscritas
de M. Cornet e Gilson-JAM.
1981-12-31 Aviso ao leitor japonês 498 OutrosEscritos VII Lançado em françês na Lettre Mensuelle, publicada pela Escola da Causa Freudiana, nº3, 1981, p.2-3.
ANEXO 2 - TESAURO
A palavra Ensino nos Escritos e Outros Escritos
de Jacques Lacan

João Paulo Desconci

Método: foram localizadas as ocorrências da palavra ensino nas seguintes


publicações brasileiras de Jacques Lacan: Escritos, Outros Escritos, coleção
Paradoxos (Editora Zahar) e Revista Brasileira Internacional de Psicanálise - Opção
Lacaniana, somando aproximadamente 398 citações ao todo. Devido ao grande
número de citações da palavra ensino na Obra de Lacan, foram selecionadas as
que foram consideradas articuladas especificamente ao ensino da psicanálise nesta
pesquisa.
Dando início, tomamos os textos de conexão, datados explicitamente de
1966, escritos quando o Escritos estava em construção. De nossos antecedentes
(LACAN, 1998, pg.69); Do sujeito enfim em questão (LACAN, 1998, pg.229); De um
desígnio LACAN, 1998, pg.365); e De um silabário a posteriori (LACAN, 1998,
pg.725). Estes que funcionam como pontes conceituais entre e junto com as seções
iniciais do livro, fazem parte do cimento que mantém o edifício coeso. Antecipo
igualmente a ocorrência no Índice ponderado dos principais conceitos (LACAN,
1966/1998) e em seguida os demais escritos.
A apresentação das citações obedece à cronologia aproximada das
aparições do termo ensino, sempre indicada a paginação dos textos referenciados,
bem como para cada título são apresentados os dados históricos e informações
oficiais de publicações anteriores localizadas nas Referências Bibliográficas na
ordem cronológica (Escritos, pg.930; Outros Escritos, pg.595 e nos demais
encontrados no início ou final de cada publicação). No caso das ocorrências em
Notas de Rodapé, isto é, acrescentadas na publicação dos Escritos ou Outros
Escritos, elas foram identificadas com recuo e preenchimento em cinza.
De nossos antecedentes Para além do “Princípio de realidade"
p.71 ESCRITOS
“Sucede a nossos alunos enganarem-se em nossos escritos, por Marienbad-Noirmoutier, agosto-outubro de 1936. Publicado em
encontrarem “já presente” aquilo a que depois nos levou nosso ensino. Évolution Psychiatrique, 1936, fascículo III, número especial de
Não será o bastante que o que ali se encontra não lhe tenha bloqueado o estudos freudianos, p.67 a 86.
caminho? Que se possa ver, no que aqui se desenha de uma referência à
linguagem, o fruto da única imprudência que nunca nos enganou: a de não p. 86-87
nos fiarmos a nada senão à experiência do sujeito que é a matéria única do “Mas o psicanalista, por não desvincular a experiência da linguagem
trabalho analítico”. da situação que ela implica, a do interlocutor, toca no fato simples de que a
p.76 linguagem, antes de significar alguma coisa, significa para alguém. Pelo
“A bem da verdade, nenhum ensino, afora o apressado de rotina, simples fato de estar presente e escutar, esse homem que fala dirige-se a
veio à luz antes que, em 1951, inaugurássemos o nosso a título privado”. ele, e, já que ele impõe a seu discurso não querer dizer nada, resta o que
esse homem quer lhe dizer. O que ele diz, com efeito, pode "não ter
nenhum sentido" , mas o que ele lhe diz contém um sentido. É no
Do sujeito enfim em questão movimento de responder que o ouvinte o sente; é suspendendo esse
p. 236 movimento que ele compreende o sentido do discurso. Então, reconhece
“É necessário o restabelecimento do status idêntico da psicanálise neste uma intenção, dentre aquelas que representam uma certa tensão da
didática e do ensino da psicanálise, na abertura científica de ambos”. relação social: intenção reivindicatória, intenção punitiva, intenção
propiciatória, intenção demonstrativa, intenção puramente agressiva. Sendo
essa intenção assim compreendida, que se observe como a transmite a
p. 236-237
linguagem. De duas maneiras, das quais a análise é rica em
“Se o leitor pode surpreender-se aqui com o fato de essa questão lhe
chegar tão tardiamente – e com o mesmo caráter que faz com que tenha ensinamentos: ela se exprime, mas sem ser compreendida pelo sujeito,
tido que haver duas repercussões das mais improváveis de nosso ensino, naquilo que o discurso relata do vivido, na medida em que o sujeito assume
o anonimato moral da expressão: é a forma do simbolismo; ela é
recebendo de dois estudantes da Universidade nos EUA a tradução
concebida, mas negada pelo sujeito, no que o discurso afirma do vivido, na
cuidadosa (e bem feita) que mereceram dois de nossos artigos (dentre eles
medida em que o sujeito sistematiza sua concepção: é a forma da
o presente) –, saiba ele que pusemos no quadro de nossa ordem
denegação. Assim, a intenção revela-se, na experiência, inconsciente
preferencial: antes de mais nada, que haja psicanalistas.
enquanto expressa, consciente enquanto reprimida. Ao passo que a
linguagem, por ser abordada por sua função de expressão social, revela ao
De um desígnio mesmo tempo sua unidade significativa na intenção e sua ambigüidade
constitutiva como expressão subjetiva, depondo contra o pensamento,
p. 365
sendo mentirosa com ele. Note-se de passagem que essas relações, que a
As duas amostras que se seguem de nosso seminário incitam-nos a
experiência oferece aqui ao aprofundamento fenomenológico, são ricas em
transmitir ao leitor alguma ideia do desígnio de nosso ensino. diretrizes para qualquer teoria da " consciência", especialmente a mórbida,
p. 365 vindo seu reconhecimento incompleto tomar caduca a maioria dessas
“A essa tarefa em andamento, juntemos as dificuldades pessoais que teorias”.
podem criar obstáculo ao acesso de um sujeito a uma noção como a
Verwerfung, em exata proporção ao fato de ele estar mais interessado nela. p. 91
Drama cotidiano onde se lembra que este ensino, que a todos abre sua “Essas relações podem ser opostas às que constituem, no sentido
teoria, tem por desafio prático a formação do psicanalista”. estrito, o conhecimento, como relações de co-naturalidade: queremos
evocar com esse termo sua homologia com as formas mais imediatas, mais
De um silabário a posteriori globais e mais adaptadas que caracterizam em seu conjunto as relações
p.726 psíquicas do animal com seu meio natural, e pelas quais estas se
“Ora, é aí mesmo que a estocada certeira que Jones tenciona distinguem das mesmas relações no homem. Voltaremos a falar do valor
desferir-lhe, por ser o defensor de Freud, adquire o valor que faz com que desse ensinamento da psicologia animal. De qualquer modo, no
lhe dediquemos nosso interesse aqui: por ela confirmar ab ovo, quer dizer, homem, a idéia de um mundo unido a ele por uma relação harmoniosa
no tempo de germinação da análise, a opção inflexível de nosso ensino. deixa adivinhar sua base no antropomorfismo do mito da natureza; à
Jones adianta-se aí, expressamente, para enunciar o princípio pelo qual medida que se realiza o esforço que impulsiona essa idéia, a realidade
Jung se exclui da psicanálise”. dessa base revela-se na subversão cada vez mais vasta da natureza que é
p. 731 a hominização do planeta: a " natureza" do homem é sua relação com o
“Seu preconceito é baconiano. Recebemos sua marca na escola, homem”.
onde nos ensinam que a vertente decisiva da ciência é o recurso ao
sensorium, qualificado de experimental”.
Complexos familiares na formação do indivíduo
Índice ponderado dos principais conceitos OUTROS ESCRITOS
p. 908 A edição publicada desse texto em 1984, na editora Navarin,
“Esteja esse ponto do lado de dentro, isto é, dali de onde a abria-se com a seguinte nota, assinada por J.-AM.: "Esse texto foi
psicanálise é aplicada, a mediação se inverte, portanto, mas resta ainda escrito por Jacques Lacan para o volume VIII da Encyclopédie
française, dedicado à 'vida mental' e lançado em 1938; ocupa, em
distinguir os praticantes que seguem nosso ensino daqueles que se sua segunda parte, 'Circunstâncias e objetos da atividade
abstêm de fazê-lo. Ela será, para os primeiros, uma provável oportunidade psíquica', a seção A: 'A família', título pelo qual é comumente
de avaliar o excesso de um texto do qual eles sabem qual é a experiência. designado. Para esta edição, resgatei o título dado por Lacan;
E oportunidade, para os últimos, de ter o que fazer com ele na sua.
resgatei também a continuidade do texto, rompida pela paginação disposição das próprias aptidões, sua taxa utilizável no papel do líder e nas
da Encyclopédie por iniciativa do editor, em razão de sua condições de combate, do que suas aptidões técnicas, seu quociente de
extensão." inteligência ou mesmo, mais precisamente, o que a análise de Spearman
p. 32 nos ensinou a isolar no famoso fator g como o pivô da função intelectual.
“Por outro lado, se a extensão e a estrutura dos grupos familiares Todas as provas centralizavam-se, portanto, na detecção dos fatores da
primitivos não excluem a existência, em seu seio, de famílias limitadas a personalidade”.
seus membros biológicos - fato tão incontestável quanto o da reprodução
bissexuada -, a forma assim arbitrariamente isolada nada nos pode
ensinar sobre sua psicologia, e não podemos assimilá-la à forma familiar
atualmente existente”.
A agressividade em psicanálise
ESCRITOS
Relatório teórico apresentado no XI Congresso de Psicanalistas de
Língua Francesa, reunido em Bruxelas em meados de maio de
O número treze e a forma lógica da suspeita 1948. Publicado na Revue Française de Psychanalyse, nº 3,
OUTROS ESCRITOS julho-setembro de 1948, p.367 a 388.
Contribuição para os Cahiers d'Art, 1945-46, p.383-93.
p. 125
p. 97-98
“O Sr. Le Lionnais, quer por haver obedecido ao preceito tradicional “Além do mais, não parece que o indivíduo humano, como material
de tal luta, seja absolutamente infalível. E a detecção dos " maus objetos
que ordena que, quando alguém sabe dez coisas, só deve ensinar nove,
internos" , responsáveis pelas reações (que podem ser muito caras em
quer por benevolência ou malícia, mostra ter-nos facilitado demais as
equipamentos) de inibição e escalada dos acontecimentos, detecção à qual
coisas”.
recentemente aprendemos a proceder mediante os elementos das tropas
de choque, da aviação de caça, do pára-quedas e dos grupos de assalto,
prova que a guerra, depois de muito nos haver ensinado sobre a gênese
Formulações sobre a causalidade psíquica das neuroses, mostra-se talvez exigente demais em matéria de sujeitos
ESCRITOS cada vez mais neutros numa agressividade cujo patético é indesejável”.
Pronunciado em 28 de setembro de 1946 nas Jornadas
Psiquiátricas de Bonneval. Publicado em Le Problème de la
psychogenèse des névroses et des psychoses, de Lucien Bonnafé, Intervenção no I Congresso Mundial de Psiquiatria
Henri Ey, Sven Follin, Jacques Lacan e Julien Rouart, Paris
Desclée de Brouwer, 1950, p.123 a 165. OUTROS ESCRITOS
Publicado em 1952 nas atas do Congresso de 1950, vol.V:
p. 152-153 Psychothérapie-Psychanalyse/Médecine psycho-somatique,
“Eis por que me inclinarei, primeiramente, perante um esforço de Hermann, col. "Actualités scientifique et industrielles", 1172,
p.103-107
pensamento e de ensino que é a honra de uma vida e o fundamento de
uma obra, e, se lembro a nosso amigo Henry Ey que, por nossas
sustentações teóricas primeiras, entramos juntos do mesmo lado da iça, p. 135
não é apenas por me surpreender por nos encontrarmos tão opostos hoje”. “Essa teoria nos interessa por evidenciar que toda ciência dita
psicológica deve estar impregnada dos ideais da sociedade em que se
produz, não, certamente, porque a relacionemos com o que a literatura
A psiquiatria inglesa e a guerra especializada nos ensina sobre as manifestações do sexo na América,
OUTROS ESCRITOS porém, sobretudo, pelo que se deduz dela ao tomá-la ao pé da letra, ou
Publicado em L'Évolution Psychiatrique, vol.I, 1947, p.293-312 e seja: que os animais mecânicos que vêm sendo montados, mais ou menos
313-8, e em La Querelle des diagnostics, Navarin, 1986. por toda parte, impulsionados pelo feedback, uma vez que já vêem,
agitam-se e sofrem por suas necessidades, não deixarão de manifestar,
p. 118
“Eles tinham de ser submetidos, durante esses três dias, a uma série dentro em pouco, uma nova vontade de fazer amor”.
de exames que visavam antes e sobretudo ressaltar a personalidade deles,
isto é, especialmente o equilíbrio das relações com os outros que domina a
disposição das próprias aptidões, sua taxa utilizável no papel do líder e nas Introdução teórica às funções da psicanálise em
condições de combate, do que suas aptidões técnicas, seu quociente de criminologia
inteligência ou mesmo, mais precisamente, o que a análise de Spearman ESCRITOS
nos ensinou a isolar no famoso fator g como o pivô da função intelectual. Comunicação para a XIII Conferência dos Psicanalistas de Língua
Todas as provas centralizavam-se, portanto, na detecção dos fatores da Francesa (29 de maio de 1950), em colaboração com Michel
personalidade”. Cénac. Publicado na Revue Française de Psychanalyse, vol.IV, nº
1, janeiro-março de 1951, p.7 a 29.
p. 119
p. 141-142
“Eles tinham de ser submetidos, durante esses três dias, a uma série
”Observe-se que um dos primeiros elementos cuja autonomia
de exames que visavam antes e sobretudo ressaltar a personalidade deles,
psíquica essa experiência o ensinou a apreender, ou seja, o que a teoria
isto é, especialmente o equilíbrio das relações com os outros que domina a aprofundou progressivamente como representando a instância do eu, é
também aquilo que, no diálogo analítico, é declarado pelo sujeito como mas nem por isso posso deixar de tentar introduzir aqui o quarto elemento
sendo dele mesmo, ou, mais exatamente, aquilo que, tanto por seus atos de que se trata.
quanto por suas intenções, possui a declaração do sujeito. Ora, dessa
declaração Freud reconheceu a forma que é mais característica da função
que ela representa: é a Verneinung, a denegação”. Algumas considerações sobre o ego
Opção Lacaniana 24 junho de 1999
Comunicação feita na Sociedade Inglesa de Psicanálise em 2 de
O mito individual do neurótico ou Poesia e verdade na maio de 1951, publicada no International Journal of Psychoanalysis,
3, 1953. Texto extraído de Uno por Uno, nº41, inverno 94-95.
neurose
PARADOXOS azul p. 07
1952. A conferência foi proferida Collège Philosophique "onde se “Este era exatamente o processo envolvido no Diálogo Socrático:
cruzavam, a convite de Jean Wahl, as febris agitações de então",
abordando a ciência, a política, ou o amor, Sócrates ensinava os mestres
diz Lacan. (Escritos, p.76) Um texto mimeografado dessa
conferência foi difundido em 1953, s.d., sem o consentimento do de Atenas a se tomarem o que deviam desenvolvendo sua consciência do
autor e sem ter sido corrigido por ele. A presente versão é aquela mundo e de si mesmos através de formas que eram constantemente
que estabeleci e publiquei na época na revista Ornicar?, nº17-18, redefinidas. O único obstáculo que ele encontrou foi a atração do prazer”.
Seuil, 1978, p.290-307. Esse "mito individual", assinala Lacan,
marca nele "o início de uma referência estruturalista em forma". A pg. 12
expressão encontra-se em seu artigo de 1949, "A eficácia Não queremos complicar as questões nos afastando muito de nosso
simbólica" (in Antropologia estrutural, Rio de Janeiro, Tempo
Brasileiro, p.215-36). No tratamento psicanalítico, explica assunto principal, e assim nos limitaremos a mencionar o que a
Lévi-Strauss, p.230, "é um mito individual que o paciente constrói antropologia comparativa nos ensinou quanto às funções, em outras
com a ajuda de elementos de seu passado", ao passo que "no culturas, das ditas "técnicas corporais" as quais o sociólogo Mauss dedicou
tratamento xamanístico", ele recebe "um mito social". um pormenorizado estudo. Estas técnicas corporais podem ser encontradas
por toda pane, podemos vê-las sustentando o estado de transe em um
p. 11
indivíduo, assim como as cerimônias de grupo, que estão presentes nos
“A dificuldade dessa exposição não lhe é tão intrínseca. Deve-se ao
fato de ela tratar de algo novo de que pude me aperceber tanto por minha rituais funerários e nas experiências iniciáticas. Tais ritos nos parecem hoje
experiência analítica quanto pela tentativa que faço, ao longo de um em dia misteriosos. Nos surpreende que manifestações que entre nós
ensino chamado seminário, de aprofundar a realidade fundamental da seriam consideradas patológicas possam ter em outras culturas uma função
análise. Extrair essa parte original para fora desse ensino e dessa social na promoção da estabilidade mental. Deduzimos que tais técnicas
experiência, para fazer vocês sentirem seu alcance, comporta dificuldades ajudam o indivíduo a atravessar fases críticas do desenvolvimento, o que
muito específicas na exposição”. as revela como obstáculos para nossos pacientes.

p. 15-16
“Essas observações são periodicamente objeto de um interesse O simbólico, o imaginário e o real
renovado no ensino o que não impediu um de nossos eminentes colegas PARADOXOS verde
8 de julho de 1953. Precede imediatamente a redação, durante o
de manifestar recentemente a seu respeito - ouvi-o de sua própria boca -
verão, do relatório de Roma sobre "Função e campo da fala e da
uma espécie de desprezo. A técnica, dizia ele, é nelas tão inepta quanto linguagem em psicanálise", que marcava o início público do
arcaica. Isso quem sabe se sustenta se pensarmos nos progressos que "ensino de Lacan", como diríamos mais tarde. A conferência
fizemos ao tomar consciência da relação intersubjetiva e só interpretar constitui a apresentação temática inaugural da famosa tríade que
através das relações que se estabelecem entre o sujeito e nós na sustentará de ponta a ponta a elaboração de Lacan ao longo das
atualidade das sessões. Mas será que meu interlocutor deveria levar as três décadas seguintes, até se tornar seu objeto essencial não
coisas até o ponto de dizer que os casos de Freud eram mal escolhidos? apenas conceitual, mas matemático e material, sob a forma do nó
Pode-se decerto dizer que estão todos incompletos, que para muitos são borromeano e seus derivados.
O título é o original; a conferência havia sido estenografada, depois
psicanálises que pararam no meio do caminho, pedaços de análise. Porém,
datilografada; o texto aqui publicado foi estabelecido por mim;
justamente isso deveria nos incitar a refletir e a nos perguntar por que indicada no texto, permanece uma lacuna (p.32), possivelmente de
Freud fez tal escolha. Isso, bem entendido, se confiarmos em Freud. E é pouca extensão. Esta foi a primeira comunicação dita científica da
preciso confiar nele”. nova Sociedade Francesa de Psicanálise, recém-oriunda da cisão
ocorrida no movimento psicanalítico francês. O conflito devia
p. 38-39 repercutir dez anos mais tarde, conduzindo dessa vez à
“O sistema quaternário, tão fundamental nos impasses, nas "excomunhão" de Lacan e à fundação por este de sua própria
insolubilidades da situação vital dos neuróticos, tem uma estrutura bem Escola, que batizará de Escola Freudiana de Paris. A fonte de
diferente daquela dada tradicionalmente - o desejo incestuoso pela mãe, a inspiração da tríade lacaniana encontra-se no artigo de
Lévi-Strauss, "A eficácia simbólica" (publicado em 1949, retomado
interdição do pai, seus efeitos de barreira e, em torno disso, a proliferação
em Antropologia Estrutural, 1958), que propõe a definição sucinta,
mais ou menos luxuriante de sintomas. Creio que essa diferença deveria porém inédita, de um inconsciente vazio, sem conteúdo, puro órgão
nos levar a discutir a antropologia geral que se depreende da doutrina da função simbólica, impondo leis de estrutura a um material de
analítica tal como foi ensinada até agora. Numa palavra, todo o esquema elementos inarticulados proveniente tanto da realidade como do
do Édipo deve ser criticado. Não posso me pôr a fazer isso hoje à noite, reservatório de imagens acumuladas por cada um (ver p.223-5 da
ed.fr.). O conceito de "mito individual", que figura nessas mesmas
páginas, fora retomado por Lacan em sua conferência de 1952
intitulada "O mito individual do neurótico". Na esteira de sua “Uma verdade de fato é o centro único em que meu discurso
conferência de julho de 1953, Lacan lançou-se à redação do encontra sua coerência interna, e pelo qual pretende ser para vocês o que
relatório que devia apresentar dos meses mais tarde em Roma, no será, se fizerem o obséquio de recorrer a ele em nossos trabalhos futuros:
primeiro Congresso da nova Sociedade, e que marcará época esse ABC, esse rudimento cuja falta às vezes se faz sentir num ensino
("Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise", in sempre comprometido com algum problema atual, e que concerne aos
Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p.23-324; "Discurso de conceitos dialéticos – fala, sujeito, linguagem – nos quais esse ensino
Roma", in Outros Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p.139-72). encontra suas coordenadas, suas linhas e seu centro de referência. Isso,
Lacan refere-se ao seminário que acaba de concluir, sobre o não para lhes propor esses conceitos em definições formais nas quais
Homem dos Ratos, e ao do ano precedente, sobre o Homem dos vocês encontrariam oportunidade para renovas as entificações que eles
Lobos. Esses seminários eram realizados em sua casa, rua de Lille, almejam desfazer, mas colocando-os a seu alcance no universo de
e não eram estenografados; ao que eu saiba, subsistem apenas linguagem em que eles se inscrevem a partir do momento em que eles
algumas notas de ouvintes; não podiam portanto figurar na lista dos pretendem reger o movimento desse universo, pois é ao se referirem à
seminários cuja publicação foi prevista e anunciada. articulação deles nesse discurso que vocês perceberão o emprego exato
em que poderão retomá-los, na nova significação em que lhes será
p. 11 facultado servirem-se deles”.
“Assim, começarei em primeiro lugar por me desculpar por isso,
pedindo-lhes que considerem esta comunicação ao mesmo tempo como p. 167
um resumo de pontos de vista que aqueles que são meus alunos aqui “O primado da técnica não é questionado aqui, mas sim as mentiras
conhecem bem, com os quais já estão familiarizados há dois anos por de seu ensino. Não se trata de reintroduzir nela o devaneio, mas de
intermédio do meu ensino, e também como uma espécie de prefácio ou afastar seus mistérios. Ora, o mistério é solidário de privilégios de que todo
introdução a certa orientação de estudo da psicanálise. o mundo tira partido, sem o que não se faria tanta questão dele, e cuja
desmistificação é inoportuna por atentar contra isso”.
Com efeito, creio que o retomo aos textos freudianos, que são objeto
do meu ensino há dois anos, proporcionou-me, ou melhor, proporcionou a
Função e campo da fala e da linguagem em
todos nós que trabalhamos em conjunto, a idéia cada vez mais clara de que
psicanálise
não há apreensão mais completa da realidade humana que a feita pela
experiência freudiana, e que não podemos deixar de retomar às fontes e ESCRITOS
Relatório do Congresso de Roma, realizado no Instituto di
apreender esses textos em todos os sentidos da palavra”.
Psicologia della Università di Roma, em 26 e 27 de setembro de
1953. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol 1. 1956, p.17
a 28 e 41 a 49.
Discurso de Roma
p. 238-239
OUTROS ESCRITOS “Contudo, não pareceu àqueles que desde então haviam fundado a
Redação do discurso proferido por ocasião da apresentação do nova Sociedade Francesa de Psicanálise que eles devessem privar da
relatório “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise
anunciada exposição a maioria estudantil que aderia a seu ensino, nem
(Écrits, Paris, Seuil, 1966, p.237-322 [Escritos, Rio de Janeiro,
tampouco que devessem abdicar do lugar eminente em que ela fora
Jorge Zahar, p.238-324], mo I Congresso da Sociedade Francesa
prevista”.
de Psicanálise, realizado em Roma em 26 e 27 de setembro de
1953. Publicado na revista La Psychanalyse, PUF, vol.1, 1956,
p. 241
p.202-11 e 241-55.
“É essa, sem dúvida, a função de quem ensina, da qual todas as
p. 140 outras dependem, e é nela que melhor se inscreve o valor da experiência”.
“É que, embora seja aludida quase sempre por um dos interlocutores
no obscuro sentimento de poupar ao outro sua dificuldade, nem por isso p. 242
uma pergunta fica menos presente, essencialmente, em todo o ensino “Sem dúvida, essa última novidade nos parece inspirar-se no
respeito devido àqueles que efetivamente sofreram o que chamaremos,
analítico, e se deixa transparecer na forma intimidada das perguntas em
que é cunhada a aprendizagem técnica. ‘Senhor (subentenda-se: que sabe moderando nosso pensamento, uma pressão sobre o ensino que os
o que acontece com estas realidades veladas - a transferência, a submeteu a uma rude prova, mas também podemos indagar-nos, ao ouvir o
resistência), o que se deve fazer, o que se deve dizer (entenda-se: que faz trêmolo na boca dos mestres, se os limites do infantilismo não terão sido
o senhor, que diz o senhor) num caso assim?” recuados, sem aviso prévio, até a parvoíce”.

p. 150 p. 242
“De fato, não é com a psicologia que Freud se preocupa, nem em “Método de verdade e de desmistificação das camuflagens
subjetivas, manifestaria a psicanálise uma ambição desmedida ao aplicar
reforçar o eu de sua paciente, nem em lhe ensinar a suportar a frustração seus princípios à sua própria corporação, isto é, à concepção que têm os
ao ser cobrado por Dora a propósito da situação escandalosa em que a má psicanalistas de seu papel junto ao doente, de seu lugar na sociedade dos
conduta do pai dela a prostitui. Muito pelo contrário, é a essa mesma espíritos, de suas relações com seus pares e de sua missão de ensino?”
situação que Freud a remete para obter dela a confissão do apoio ativo e
constante que ela lhe dá, sem o qual essa situação não poderia ter se p. 247
perpetuado nem por um instante”. “É que, se a incomunicabilidade dos motivos pode sustentar um
magistério, ela não se equipara à mestria, ao menos àquela exigida por um
p.153 ensino. Aliás, percebemos isso quando foi preciso, no passado, para
sustentar sua primazia, dar, quanto à forma, ao menos uma lição”.
p. 296
“Poderíamos obter uma referência disso no que a tradição hindu
ensina sobre o dhvani* por distinguir a propriedade que tem a fala de
p. 258 fazer ouvir o que ela não diz. Assim é que ela a ilustra com uma historieta
“É justamente essa assunção de sua história pelo sujeito, no que ela cuja ingenuidade, que parece ser a regra nesses exemplos, mostra um
é constituída pela fala endereçada ao outro, que serve de fundamento ao humor suficiente para nos induzir a penetrar na verdade que ela contém”.
novo método a que Freud deu o nome de psicanálise, não em 1904 - como
antigamente ensinava uma autoridade que, por ter rejeitado o manto de *Trata-se do ensinamento de Abhinavagupta, no século X. Cf. a
um silêncio prudente, pareceu nesse dia só conhecer de Freud o título de obra do dr. Kanti Chandra Pandey, " Indian aesthetics",
suas obras -, porém em 1895. Chowkhamba Sanskrit Series, Studies, vol.II, Benares, 1950.

p. 261 p. 296
“O estudante que tiver a ideia – tão rara, é verdade, que nosso “Essa técnica exigiria, tanto para ser ensinada quanto para ser
ensino se empenha em difundi-la – de que, para compreender Freud, a aprendida, uma profunda assimilação dos recursos de uma língua, e
leitura de Freud é preferível à do Sr. Fenichel, poderá aperceber-se, ao especialmente dos que se realizaram concretamente em seus textos
empreendê-la, de que o que acabamos de exprimir é tão pouco original, poéticos. Sabemos que foi esse o caso de Freud quanto às letras alemãs,
mesmo em sua verve, que não aparece nisto uma única metáfora que a incluindo-se nelas o teatro de Shakespeare, em virtude de uma tradução
obra de Freud não repita com a freqüência de um motivo onde transparece ímpar. Toda a sua obra é testemunho disso, ao mesmo tempo que do
sua própria trama”. recurso que ele encontra incessantemente ali, não menos em sua técnica
do que em sua descoberta. E sem prejuízo do apoio de um conhecimento
p. 263 clássico dos Antigos, de uma iniciação moderna no folclore e de uma
“O que ensinamos o sujeito a reconhecer como seu inconsciente participação interessada nas conquistas do humanismo contemporâneo no
é sua história - ou seja, nós o ajudamos a perfazer a historicização atual campo etnográfico”
dos fatos que já determinaram em sua existência um certo número de
"reviravoltas" históricas. Mas, se eles tiveram esse papel, já foi como fatos p. 300
históricos, isto é, como reconhecidos num certo sentido ou censurados “Sabemos do uso que é feito, nas tradições primitivas, dos nomes
numa certa ordem”. secretos em que o sujeito identifica sua pessoa ou seus deuses, a tal ponto
que revelá-los é se perder ou traí-los, e as confidências de nossos sujeitos,
p. 269 senão nossas próprias lembranças, ensinam-nos que não é raro a criança
“Mas isso ainda é apenas a decifração do instrumento. É na versão encontrar espontaneamente a virtude desse uso”.
do texto que o importante começa, o importante que Freud nos diz ser
dado na elaboração do sonho, isto é, em sua retórica. Elipse e pleonasmo, p. 306
hipérbato ou silepse, regressão, repetição, aposição, são esses os “Seria impossível dizer melhor, com efeito. A análise transforma- se
deslocamentos sintáticos, e metáfora, catacrese, antonomásia, alegoria, na relação de dois corpos entre os quais se estabelece uma comunicação
metonímia e sinédoque, as condensações semânticas em que Freud nos fantasística, onde o analista ensina o sujeito a se apreender como objeto;
ensina a ler as intenções ostentatórias ou demonstrativas, dissimuladoras a subjetividade só é admitida no parêntese da ilusão, e a fala é excluída de
ou persuasivas, retaliadoras ou sedutoras com que o sujeito modula seu uma investigação da vivência que se torna a meta suprema, mas o
discurso onírico”. resultado dialeticamente necessário disso aparece no fato de que, sendo a
subjetividade do psicanalista livre de qualquer freio, livra o sujeito a todas
p. 270 as intimações de sua fala”.
“Pois se, para admitir um sintoma na psicopatologia psicanalítica,
seja ele neurótico ou não, Freud exige o mínimo de sobredeterminação
constituído por um duplo sentido, símbolo de um conflito defunto, para-além
de sua função, num conflito presente não menos simbólico, e se ele nos Introdução e Resposta ao comentário de Jean
ensinou a acompanhar, no texto das associações livres, a ramificação Hyppolite sobre a “Verneinung”de Freud.
ascendente dessa linhagem simbólica, para nela detectar, nos pontos em ESCRITOS
que as formas verbais se cruzam novamente, os nós de sua estrutura, já Quinta lição, homônima, do Seminário 1.
está perfeitamente claro que o sintoma se resolve por inteiro numa análise Seminário de técnica freudiana de 10 de fevereiro de 1954,
linguageira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a realizado na clínica da Faculdade do Hospital Sainte-Anne e
linguagem cuja fala deve ser libertada”. dedicado, durante o ano de 1953-54, aos Escritos técnicos de
Freud. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.1, 1956,
p. 289 p.17 a 28 e 41 a 49.
“O conjunto dessas matérias, que determina o cursus de um ensino
técnico, inscreve-se normalmente no triângulo epistemiológico que já p. 370
descrevemos, e que nos forneceria seu método a um ensino superior de “Seminário de técnica freudiana*...
sua teoria e sua técnica”.
*Fornecemos aqui o texto colhido de um dos colóquios do
p. 293-294 seminário realizado na clínica da Faculdade, no hospital
“Ao que parece, isso já não poderia ser esquecido, não fosse Sainte-Anne, e dedicado, durante o ano de 53-54, aos escritos
precisamente o ensino da psicanálise que é passível de esquecimento - técnicos de Freud e à atualidade a que a concernem. Ele foi
coisa da qual se verifica, por um retorno mais legítimo do que se supõe, apenas ampliado com algumas remissões, que pareceram úteis, a
que a confirmação nos vem dos próprios psicanalistas, pelo fato de suas " lições anteriores, sem que por isso tenha sido possível eliminar a
novas tendências" representarem esse esquecimento”. dificuldade de acesso inerente a todo e qualquer fragmento
escolhido de um ensino”.
Variantes do tratamento-padrão
p. 374 ESCRITOS
“Seja como for, é na medida em que o sujeito chega ao limite do que Dias antes da aula XVI – A carta roubada, do Seminário 2 – O eu
o momento permite a seu discurso efetuar com a fala que se produz o na teoria de Freud e na técnica da Psicanálise.
fenômeno no qual Freud nos mostra o ponto de articulação entre a Redigido na Páscoa de 1955 (10 de abril). Publicado na
resistência e a dialética analítica. Pois esse momento e esse limite Encyclopédie médico-chirurgicale, Psychiatrie, vol.III, 2-1955,
equilibram-se na emergência, fora do discurso do sujeito, do traço que pode fascículo 37812-C10. Suprimido em 1960.
dirigir-se mais particularmente a vocês naquilo que ele está dizendo. E essa
conjuntura é promovida à função de pontuação de sua fala. Para tornar p. 330
apreensível esse efeito, servimo-nos da imagem de que a fala do sujeito “Esse fundamento de tempo é aquele com que Freud a inaugurou e
báscula para a presença do ouvinte* que nós modulamos: retorno ou memorial? Outros se detêm na coisa neste
ponto ultrapassado: será real ou irreal? Lagache indaga quanto ao conceito:
*Aí se há de reconhecer a fórmula pela qual introduzimos, nos necessidade de repetição ou repetição de necessidade?*”.
primórdios de nosso ensino, aquilo de que se trata aqui. O
sujeito, dizíamos, começa a análise falando de si sem falar com *Em 1966, não há quem siga nosso ensino sem ver nele que a
vocês, ou falando com vocês sem falar de si. Quando puder falar transferência é a imisção do tempo de saber. Esse texto, apesar de
de si com vocês, a análise estará terminada. reescrito, segue escrupulosamente nossos enunciados de então.

p. 377 p. 332-333
“O humor obsidional que se deixa trair na morosidade da análise das “No caminho da que é verdadeira, não é preciso procurar muito pela
defesas daria, portanto, com certeza frutos mais encorajadores para os que ambigüidade insustentável que se propõe à psicanálise; ela está ao alcance
nela se fiam, se ao menos eles a pusessem na escola da luta real mínima, de todos. É ela que se revela na questão do que falar quer dizer, e todos a
que lhes ensinaria que a resposta mais eficaz a uma defesa não é encontram ao simplesmente acolher um discurso. Pois a própria locução
fazer-lhe uma demonstração de força. em que a língua recolhe sua intenção mais ingênua - a de entender o que
ele " quer dizer" - já deixa claro que ele não o diz. Mas o que quer dizer
p. 384 esse " quer dizer" pode ainda ser entendido de duas maneiras, e compete
“Eis por que os textos de Freud revelam ter, no final das contas, um ao ouvinte que seja uma ou outra: ou o que o falante quer lhe dizer através
verdadeiro valor formativo para o psicanalista, ao habituá-lo, como ele deve do discurso que lhe dirige, ou o que esse discurso lhe ensina sobre a
estar - nós o ensinamos expressamente -, ao exercício de um registro condição do falante. Assim, não apenas o sentido desse discurso reside
fora do qual sua experiência não é mais nada”. naquele que o escuta, como é também de sua acolhida que depende quem
o diz, ou seja, ou é o sujeito a quem ele dá sua confiança e autorização, ou
p. 391-392 é esse outro que lhe é dado por seu discurso como constituído”.
“As correlações do fenômeno nos ensinarão mais, quanto ao que
p. 358
nos interessa, do que o relato que o submete às condições de
“Não menos nos interessará o mal-estar reinante em tudo o que
transmissibilidade do discurso. Que seu conteúdo se dobre a este tão
concerne à formação do analista, e, para colhermos apenas seu último eco,
facilmente, que chegue até a se confundir com os temas do mito ou da
deter-nos-emos nas declarações feitas em dezembro de 1952 pelo Dr.
poesia, decerto levanta uma questão, que se formula prontamente, mas
Knight, em sua mensagem presidencial à Associação Psicanalítica
que talvez exija ser reformulada num segundo tempo, nem que seja por
Norte-Americana. Dentre os fatores que tendem a “alterar o papel da
sabermos, logo de saída, que a solução simples não é suficiente aqui”.
formação analítica”, ele aponta, ao lado do aumento do número de
candidatos em formação, a “forma mais estruturada do ensino” nos
institutos que o dispensam, opondo-o ao tipo anterior de formação por um
Do símbolo e de sua função religiosa mestre (“the earlier preceptorship type of training”).
PARADOXOS azul
Contribuição de Lacan ao Congresso de Psicologia Religiosa, p. 358
realizado em Paris, em setembro de 1954. O título e o “Vê-se muito bem, nesse discurso inteiramente público, como o
estabelecimento são meus. O zelo com que Lacan foi acolhido pelo problema se afigura grave, e também como é pouco ou nada apreendido. O
reverendo padre Bruno dá uma ideia do clima: em certos meios desejável não é que os analisados sejam mais " introspectivos" , mas que
católicos, esperava-se muito da cisão de 1953. compreendam o que fazem; e o remédio não é que os institutos sejam
menos estruturados, mas que não se ensine neles um saber pré-digerido,
p. 80-81 mesmo que resuma os dados da experiência analítica”.
“Não espere de mim que lhe explique a emergência da
surpreendente inspiração que faz com que, no plano dos símbolos, o Cão p. 361
celeste seja um cão tanto quanto o cão terrestre. É assim. Chegamos “E como haveria ele de se surpreender com isso, ele cuja ação, na
solidão em que tem que responder por seu paciente, não depende apenas,
dentro disso, e imediatamente nos ensinam a falar. Pelo simples fato de como se diz do cirurgião, de sua consciência, já que sua técnica lhe
nos ensinarem a falar, Do símbolo e de sua função religiosa somos ensina que a própria fala que ela revela é obra de um sujeito
introduzidos no universo do símbolo. Conforme os vários acidentes de inconsciente? Por isso, o analista, mais do que outros, deve saber que ele
nossa vida, seremos ou não levados a nos indagar sobre isso, ou mesmo a não pode ser em suas palavras senão ele mesmo”.
não abordá-lo de jeito nenhum, não importa”
p. 363-364
“Mas é propriamente a teoria do símbolo, retomada da faceta de
curiosidade em que ela se oferece no que podemos chamar de período
paleontológico da análise, e sob o registro de uma pretensa " psicologia das nome mais apropriado para enganar um principiante será aquele que, em
profundezas" , que a análise deve reintroduzir em sua função universal. letras grandes, largamente espaçadas no campo do mapa, fornecer, muitas
Nenhum estudo será mais adequado a isso que o dos números inteiros, vezes sem que o olhar sequer se detenha nele, a denominação de um país
sobre cuja origem não empírica lhe é impossível meditar demais. E, sem inteiro…”
chegar aos exercícios fecundos da moderna teoria dos jogos, ou às
formalizações muito sugestivas da teoria dos conjuntos, ele encontrará p. 46
matéria suficiente para fundamentar sua prática simplesmente aprendendo, “Os rodeios dessa aventura, ou mesmo seus acidentes, levaram-nos
como se empenha em ensinar o signatário destas linhas, a contar a uma posição de ensino”.
corretamente até quatro (isto é, a integrar a função da morte na relação
ternária do Édipo)”. p. 58
“Foi por haverem confundido esses dois pares que os legatários de
p. 364 uma práxis e de um ensino – o qual ressaltou, tão decisivamente quanto
“Não se trata aí de definir as matérias de um programa, mas de podemos ler em Freud, a natureza fundamentalmente narcísica de todo
indicar que, para situar a análise no lugar eminente que os responsáveis enamoramento (Verliebtheit) – puderam divinizar a quimera do amor genital,
pelo ensino público têm a obrigação de reconhecer-lhe, é preciso abrir-lhe à a ponto de lhe atribuir a virtude da oblatividade, de onde saíram tantos
crítica de seus fundamentos, sem o que ela se degrada em efeitos de descaminhos terapêuticos”.
suborno coletivo”.
p. 61-62
“Mas apenas estamos, neste momento, no lançamento de um arco
O seminário sobre “A carta roubada” cuja ponte somente os anos edificarão*.
ESCRITOS *O texto de 1955 é aqui retomado. A introdução, através desses
Lição XVI – A carta roubada, do Seminário 2 – O eu na teoria de exercícios, do campo de abordagem estrutural na teoria
Freud e na técnica da Psicanálise. psicanalítica foi acompanhada, com efeito, por importantes
Pronunciado em 26 de abril de 1955. Escrito (e datado de
desenvolvimentos em nosso ensino. O progresso dos conceitos
Guitrancourt – San Casciano) em meados de maio e meados de
referentes à subjetivação caminhou de mãos dadas com uma
agosto de 1956. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.2,
referência à analysis situs, onde pretendemos materializar o
1957, p.1 a 44.
processo subjetivo”.
p. 13
p. 65
“O ensino deste seminário serve para sustentar que essas
“Mas reação fundamentada, se pensarmos que nada os ensinou a
incidências imaginárias, longe de representarem o essencial de nossa
se desvencilhar da opinião comum, distinguindo o que ela ignora, ou seja, a
experiência, nada fornecem que não seja inconsistente, a menos que sejam
natureza da sobredeterminação freudiana, isto é, da determinação
relacionadas à cadeia simbólica que as liga e orienta”.
simbólica, tal como a promovemos aqui”.
p. 20
“Se é patente, com efeito, que cada uma das duas cenas do drama
real nos é narrada ao longo de um diálogo diferente, basta estar munido A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em
das noções que estipulamos em nosso ensino para reconhecer que isso psicanálise
não se dá pelo simples prazer da exposição, mas que esses próprios
LACAN, Jacques. ESCRITOS
diálogos adquirem, no uso oposto que neles é feito das virtudes da fala, a
Ampliação de uma conferência proferida na Clínica
tensão que os transforma num outro drama: aquele que nosso vocabulário
Neuropsiquiátrica de Viena em 7 de novembro de 1955. Publicado
distingue do primeiro como sustentando-se na ordem simbólica”.
no Évolution Psychiatrique, nº1, 1956, p.225 a 252.
p. 33
p.404
“Isso é justamente o que acontece no automatismo de repetição. O
“Não lamentaremos com vocês esse esquecimento, se ele nos deixa
que Freud nos ensina, no texto que comentamos, é que o sujeito segue o mais à vontade para lhes apresentar o projeto de um retorno a Freud, tal
veio do simbólico, mas isso cuja ilustração vocês têm aqui é ainda mais
como alguns o propõem no ensino da Sociedade Francesa de
impressionante: não é apenas o sujeito, mas os sujeitos, tomados em sua
Psicanálise. Não é de um retorno do recalcado que se trata para nós, mas
intersubjetividade, que se alinham na fila - em outras palavras, nossos
de onde nos apoiarmos na antítese constituída pela frase percorrida desde
avestruzes, aos quais eis-nos de volta, e que, mais dóceis que carneiros,
a morte de Freud no movimento psicanalítico, para demonstrar o que a
modelam seu próprio ser segundo o momento da cadeia significante que os
psicanálise não é e, junto com vocês, buscar o meio de recolocar em vigor
está percorrendo”.
aquilo que não cessou de sustentá-la em seu próprio desvio, ou seja, o
sentido primeiro que Freud preservava nela por sua simples presença, e
p. 39
que se trata aqui de explicar”.
“Que isso seja um artifício, Dupin com efeito não deixa de salientá-lo,
falando-nos, por trás desse falso quilate, da vigilância do animal predador
p. 405-406
prestes a dar o bote. Mas, seja isso o próprio efeito do inconsciente, no
“Estaria eu lhes ensinando alguma coisa, ao lhes dizer que esses
sentido exato em que ensinamos que o inconsciente é que o homem
textos - aos quais dedico há quatro anos um seminário de duas horas,
seja habitado pelo significante, como encontrar-lhe imagem mais bela do
todas as quartas-feiras, de novembro a julho, sem haver ainda empregado
que a forjada pelo próprio Poe para nos fazer compreender a proeza de
mais de um quarto deles, supondo-se que meu comentário pressuponha
Dupin? Pois para tanto ele recorre a esses topônimos que um mapa
seu conjunto - nos deram, a mim e aos que me seguem, a surpresa de
geográfico, por não ser mudo, superpõe a seu desenho, e que se podem
verdadeiras descobertas? Elas vão de conceitos que se mantiveram
transformar no objeto de um jogo de adivinhação para quem conseguir
inexplorados a detalhes clínicos deixados ao sabor de nossa exploração, e
descobrir aquele que um parceiro escolheu - assinalando desde logo que o
que atestam a que ponto o campo de que Freud teve a experiência colocá-las como condição a qualquer instituição de ensino da
ultrapassava as vias que ele se encarregou de nos abrir, e a que ponto sua psicanálise”.
observação, que às vezes dá a impressão de ser exaustiva, pouco se p. 437
suscitava ao que ele tinha que demonstrar. Quem não se comoveu, dentre “Mas tal direção só se manterá através de um ensino verdadeiro,
os técnicos de disciplinas alheias à análise que levei a ler esses textos, com isto é, que não pare de se submeter ao que se chama novação. Pois o
essa investigação em ação - seja a que ele nos faz seguir na pacto que institui a experiência deve levar em conta o fato de que ela
Traumdeutung, seja a da observação do "Homem dos Lobos" ou de instaura os próprios efeitos que a capturam para afastá-la do sujeito”.
Para-além do princípio do prazer? Que exercício para formar espíritos, e
que mensagem à qual emprestar sua voz! Que controle, também, do valor
metódico dessa formação e do efeito de verdade dessa mensagem, quando
os alunos a quem vocês as transmitem trazem-lhes o testemunho de uma Situação da psicanálise e formação do psicanalista
transformação, às vezes sobrevindos da noite para o dia, de sua prática, em 1956
simplificada e tornada mais eficaz antes mesmo de se lhes tornar mais
transparente. Seria impossível eu lhes oferecer uma exposição extensa ESCRITOS
desse trabalho na palestra que devo à amabilidade do prof. Hoff estar-lhes A segunda versão foi publicada em Les ètude Philosophiques,
fazendo neste lugar de dileta memória, que devo à concordância de minhas número especial de outubro-dezembro de 1956, para a
visões com a do dr. Dozent Arnold, por ter tido a idéia de produzi-la comemoração do centenário do nascimento de Freud. A primeira
perante vocês, e que devo às minhas relações excelentes e já antigas com versão existe apenas como separata.
o sr. lgor Caruso, sabendo a acolhida que ela teria em Viena”.
p. 465
p. 410 “Não mais acreditando em seus dois ouvidos, eles quiseram
“Mas eis que a verdade, na boca de Freud, pega o dito touro à unha: recuperar o para-além que de fato o discurso sempre possuíra, mas sem
"Sou para vós, portanto, o enigma daquela que se esquiva tão logo que soubesse o que era isso. Eis por que inventaram para si um terceiro
aparece, homens que tanto consentis em me dissimular sob os ouropéis de ouvido, supostamente convocado a percebê-lo sem intermediação. E, para
vossas conveniências. Nem por isso deixo de admitir que vosso embaraço designar esse imediatismo do transcendente, nada se poupou das
seja sincero, pois, mesmo quando fazeis de vós meus arautos, não valeis metáforas a partir do compacto: o afeto, a vivência, a atitude, a descarga, a
mais ao portar minha bandeira do que essas roupas que vos pertencem e necessidade de amor, a agressividade latente, a armadura do caráter e o
que se parecem convosco, fantasmas que sois. Por onde, afinal, irei passar ferrolho da defesa – deixemos a cartola e passemos ao coelho - , cujo
em vós, onde estava eu antes dessa passagem? Será que um dia vo-lo reconhecimento, a partir daí, já não era acessível senão a esse não-sei-quê
do qual um estalido da língua é a prova suprema, e que introduz no
direi? Mas, para que me encontreis onde estou, vou ensinar-vos por que
sinal reconhecer-me. Homens, escutai, eu vos dou o segredo! Eu, a ensino uma exigência inédita: a do inarticulado”.
verdade, falo”.
p. 470
p. 419 “Esse rudimento é a distinção entre o significante e o significado,
“O que a concepção lingüística que deve formar o trabalhador em pela qual se rendem justificadas homenagens a Ferdinand de Saussure,
sua iniciação básica lhe ensinará é a esperar que o sintoma comprove pelo fato de, em virtude de seu ensino, ela estar hoje inscrita no
sua função de significante, isto é, aquilo pelo qual ele se distingue do fundamento das ciências humanas. Note-se apenas que, mesmo feita uma
indício natural que esse mesmo termo comumente designa na medicina. E, menção a precursores como Baudoin de Courtenay, essa distinção era
para satisfazer a essa exigência metódica, ele se comprometerá a perfeitamente clara para os antigos e é atestada em Quintiliano e santo
reconhecer-lhe o emprego convencional nas significações suscitadas pelo Agostinho”.
diálogo analítico. (Diálogo cuja estrutura tentaremos formular.) Mas essas
mesmas significações, ele as tomará como só podendo ser apreendidas p. 475
com certeza em seu contexto, ou seja, na seqüência constituída, para cada “Pois o erro teórico que apontamos na doutrina coloca-nos na falha
uma, pela significação que remete a ela e por aquela a que ela remete no do ensino, que lhe corresponde reciprocamente. Ou seja, no segundo
discurso analítico”. tema de nossa formulação, no qual entramos há pouco”.

p. 431 p. 484
“Por isso ensinamos que não há na situação analítica apenas dois “É por essa razão que, da enorme quantidade de experiência que
sujeitos presentes, mas dois sujeitos providos, cada um deles, de dois atravessou a análise (pois aqui não se pode dizer que nada se tenha tirado
objetos, que são o eu e o outro, tendo esse outro o índice de um a do bode por ordenar), seu ensino não conseguiu reter quase nada em
minúsculo inicial. Ora, em razão das singularidades de uma matemática sua peneira...”
dialética com as quais será preciso nos familiarizar, a reunião deles no par
de sujeitos S e A conta, ao todo, com apenas quatro termos, em razão de p. 484-485
que a relação de exclusão que opera entre a e a ' reduz os dois pares “É por essa razão que, da enorme quantidade de experiência que
assim notados a um só no confronto dos sujeitos”. atravessou a análise (pois aqui não se pode dizer que nada se tenha tirado
do bode por ordenhar), seu ensino não conseguiu reter quase nada em
p. 436 sua peneira. Observação de que nos dispensará, em seu foro íntimo,
“Que a história da língua e das instituições, bem como as qualquer um que tenha tido que travar conhecimento com ele, nem que
ressonâncias, atestadas ou não na memória, da literatura e das tenha precisado buscar, contra nossa diatribe, o refúgio cujo segredo uma
significações implicadas nas obras de arte, são necessárias ao dessas naturezas a quem a covardia ensina tanto quanto conduz deixou
entendimento do texto de nossa experiência, esse é um fato que Freud, por escapar um dia diante de nós, nos seguintes termos: " Não há campo em
ter ele próprio buscado nelas sua inspiração, seus métodos de pensamento que alguém se exponha mais totalmente do que ao falar da análise."
e suas armas técnicas, atesta tão maciçamente que é possível tocá-lo ao
simples folhear das páginas de sua obra. Mas ele não julgou supérfluo p. 485
“O de que os programas nele impostos à docência tomam “Sem dúvida, as lições de uma mulher de talento que revolucionou
essencialmente por objeto o que chamaremos de matérias de ficção, nada nosso conhecimento das formações imaginárias na criança, e cujos temas
se encontrando ali de positivo senão um ensino médico que, por não qualquer iniciado há de reconhecer, se eu tiver a extravagância de
passar de repeteco, é do ensino público uma cópia supérflua, o que é de chamá-la de tripeira, nos ensinarão a dizer à criança que as
admirar que seja tolerado”; uvas-objetos-maus devem realmente ser arrancadas das tripas da cegonha,
e que é por isso que ela tem medo da raposa. Não digo que não. Mas tenho
p. 486 mais confiança na fábula de La Fontaine para nos introduzir nas estruturas
“Sucedeu a uma Beatitude do tipo 2 julgar-se intimada pelas do mito, isto é, naquilo que exige a intervenção desse inquietante quarto
circunstâncias a mostrar sua capacidade num ensino do tipo 1, cuja elemento cujo papel, como significante na fobia, parece-me muito mais
promoção devia trazer-lhe grande lustro”. instável”.

p. 492 p. 458
“Se, por outro lado, as variações que mostramos nas abordagens “Para responder a essa pergunta, mencionemos primeiro que
teóricas da psicanálise dão a impressão externa de uma progressão nenhum " instituto" atualmente patrocinado no mundo por essa instituição
conquistadora, sempre na fronteira de novos campos, é ainda mais sequer tentou, até hoje, montar o ciclo de estudos cuja intensão e extensão
impressionante constatar como é estacionário o que se articula de Freud definiu, tantas e tantas vezes e em detalhes, como exclusivas de
ensinável, para uso interno dos analistas, em relação à enorme todo e qualquer substituto, mesmo político, de uma integração no ensino
quantidade de experiência que, por assim dizer, passou por suas mãos”. médico oficial, tal como ele podia vê-lo em sua época, por exemplo.

p. 492-493 O ensino nesses institutos não passa de um ensino profissional


“Entretanto, na negligência em que um método, apesar de e, como tal, não mostra em seus programas nem planejamento nem metas
revolucionário na abordagem dos fenômenos, deixou a nosografia que ultrapassem aqueles, sem dúvida louváveis, de uma escola de
psiquiátrica, já não se sabe se é de surpreender que seu ensino nesse dentistas (referência que foi não apenas aceita mas proferida pelos próprios
domínio se limite a alinhavar a sintomatologia clássica ou que venha assim interessados): na matéria em questão, no entanto, isso não vai além da
formação do enfermeiro qualificado ou do assistente social, e os que nela
a costurar como uma duplicação o ensino oficial”.
introduzem uma formação, de hábito e felizmente mais elevada, pelo
menos na Europa, sempre extraem de uma origem diferente”.

A psicanálise e seu ensino p. 460


“Qualquer retorno a Freud que dê ensejo a um ensino digno desse
LACAN, Jacques. ESCRITOS nome só se produzirá pela via mediante a qual a verdade mais oculta
Comunicação apresentada à Sociedade Francesa de Filosofia em manifesta-se nas revoluções da cultura. Essa via é a única formação que
sua sessão de 23 de fevereiro de 1957. Publicado no Bulletin de la podemos pretender transmitir àqueles que nos seguem. Ela se chama: um
Société Française de Philosophie, vol.XLIX, 1957, p.65 a 85. estilo”.

p. 438
“A PSICANÁLISE, O QUE ELA NOS ENSINA …” A instância da letra no inconsciente ou a razão desde
Freud
p. 439 ESCRITOS
“... COMO ENSINÁ-LO?” Um dia depois da XVIII lição, Circuitos, do Seminário 4 – A relação
de objeto.
p. 440 Pronunciado em 9 de maio de 1957 no anfiteatro Descartes, na
“Sem interromper para me perguntar se o texto de meu argumento Sorbonne, a pedido do Grupo de Filosofia da Federação dos
partiu ou não de uma ideia correta quanto à plateia que me espera, Estudantes de Letras. Redação datada de 14-16 de maio de 1957.
esclarecerei ao indagar isto: “O que a psicanálise nos ensina, como Publicado no volume 3 de La Psychoanalyse (sobre o tema
ensiná-lo?”, não pretendi dar uma ilustração do meu modo de ensino. “Psicanálise e ciências humanas”), Paris, PUF, 1957, p.47 a 81.
Esse argumento instaura, para que nelas se situe a discussão, como alertei
no final, as teses sobre a ordem que institui a psicanálise como ciência e, p. 496-497
depois, extrai delas os princípios por onde manter nessa ordem o programa “Pois a urgência de que agora extraio como pretexto para deixar de
de seu ensino. Ninguém, penso eu, se tal afirmação se aplicasse à física lado esse propósito só faz encobrir a dificuldade de que, ao sustentá-lo na
moderna, qualificaria o uso discreto de uma fórmula algébrica para indicar a escala em que devo aqui apresentar meu ensino, ele não se distancie
ordem de abstração que ela constitui: por que, então, se haveria aqui de demais da fala, cujas medidas diferentes são essenciais para o efeito de
mantê-lo frustrado de uma experiência mais suculenta?” formação que procuro”.

p. 442 p. 500
“Não obstante, suponho que os defensores de disciplinas muito “O signo assim redigido merece ser atribuído a Ferdinand de
diversas, por quem hoje tenho que me fazer entender, tenham vindo até Saussure, embora não se reduza estritamente a essa forma em nenhum
aqui, visto o local, como filósofos o bastante para que eu possa abordá-los dos numerosos esquemas em que aparece na impressão das diversas
com esta pergunta: qual é, em sua opinião, esse algo que a psicanálise nos aulas dos três cursos, dos anos de 1906-7, 1908-9 e 1910-11, que a
ensina ser-lhe próprio, ou o mais próprio, o verdadeiramente próprio, devoção de um grupo de seus discípulos reuniu sob o título de Curso de
verdadeiramente o máximo, o mais verdadeiramente?” linguística geral: publicação primordial para transmitir um ensino digno
desse nome, isto é, que só pode ser detido em seu próprio movimento”.
p. 449
p. 531 p. 602
“Ou melhor, o isto que ele nos propõe atingir não é o que possa ser “Primum vivere, sem dúvida: há que evitar o rompimento. Que se
objeto de um conhecimento, mas isto - acaso ele não o diz? - que constitui classifique com o nome de técnica a civilidade pueril e honesta que
meu ser, e sobre o qual ele nos ensina que eu testemunho tanto ou mais ensina com tal finalidade, ainda passa. Mas, quando se confunde essa
em meus caprichos, minhas aberrações, minhas fobias e meus fetiches necessidade física da presença do paciente na hora marcada com a
quanto em meu personagem vagamente policiado”. relação analítica, comete-se um engano e se desencaminha o novato por
muito tempo”.

p. 604
De uma questão preliminar a todo tratamento da “Que nos perdoem aqueles que nos lêem e os que acompanham
psicose nosso ensino, se eles encontram aqui exemplos um tanto repisados por
ESCRITOS mim em seus ouvidos”.
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. p. 604-605
Remissão ao seminário dos dois primeiros semestres do ano de “O que se pode dizer é que as novas vias em que se pretendeu
1955-1956. Redação: dezembro de 1957 - janeiro de 1958. legalizar a marcha aberta pelo descobridor demonstram uma confusão nos
Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.4, 1959, p.1 a 50. termos, que requer a singularidade para se revelar. Retomaremos, pois, um
exemplo que já contribuiu para o nosso ensino; naturalmente, ele foi
p. 562 escolhido de um autor qualificado e que é especialmente sensível, por sua
“É justamente isso que demonstra que a atribuição da procriação ao origem, à dimensão da interpretação. Trata-se de Ernst Kris e de um caso
pai só pode ser efeito de um significante puro, de um reconhecimento, não que ele não nos dissimula haver retomado de Melitta Schmideberg”.
do pai real, mas daquilo que a religião nos ensinou a invocar como o
Nome-do-Pai”. p. 607
“Tomar partido do objetivo, é um abuso, nem que seja pelo fato de o
p. 581-582 plágio ser relativo aos costumes vigentes.*
“Ensinamos, seguindo Freud, que o Outro é o lugar da memória
que ele descobriu pelo nome de inconsciente, memória que ele considera *Eis um exemplo: nos EUA, onde acabou Kris, publicação tem valor
como objeto de uma questão que permanece em aberto, na medida em que de título, e um ensino como o meu deveria, toda semana, garantir
condiciona a indestrutibilidade de certos desejos. A essa questão sua prioridade contra a pilhagem a que não deixaria de dar ensejo.
respondemos com a concepção da cadeia significante, na medida em que, Na França, é à maneira da infiltração que minhas ideias penetram
uma vez inaugurada pela simbolização primordial (que o jogo do Fort! Da!, num grupo onde são obedecidas as ordens que proíbem meu
evidenciado por Freud na origem do automatismo de repetição, torna ensino. Por serem malditas ali, as ideias só podem servir de
manifesta), essa cadeia se desenvolve segundo ligações lógicas cuja adorno para alguns dândis. Não importa: o vazio que elas fazem
influência sobre o que há por significar, ou seja, o ser do ente, se exerce ressoar, quer me citem ou não, faz ouvir uma outra voz”.
pelos efeitos de significante descritos por nós como metáfora e metonímia”.
p. 608
“Tal trabalho, a acreditamos haver sabido em nosso ensino extrair
Juventude de Gide ou a letra e o desejo as consequências que ele acarreta, torna bem evidente, pela ordenação
ESCRITOS que introduz, a que ponto são frequentemente parciais os aspectos em que
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no se concentram os debates e, em especial, o quanto o emprego comum do
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. termo, na própria análise, continua aderido à sua abordagem mais
Publicado no nº 131 da revista Critique, abril de 1958, p.1958, discutível, se bem que mais vulgar: fazer dela a sucessão ou a soma dos
p.291 a 315. sentimentos positivos ou negativos que o paciente volta a seu analista”.

p. 762 p. 614
“Por três vezes o menino ouviu-lhe a voz pura. Não foi a angústia “Sendo desconhecida,, não sem motivo, a natureza da incorporação
que o acolheu, mas um tremor vindo do fundo do ser, um mar que tudo simbólica, e não havendo possibilidade de que se consuma seja o que for
inundava, o Schaudern em cuja significação alofônica Jean Delay se pauta de real na análise, evidencia-se, pelas balizas elementares de meu
para confirmar sua significação de aloctonia - ensinando-nos semiologia, ensino, que nada mais pode ser reconhecido senão de imaginário naquilo
especialmente a relação com a " segunda realidade" , e também o que se produz. Pois não é necessário conhecer a planta de uma casa para
sentimento de ser excluído da relação com o semelhante, pelo qual esse bater a cabeça contra as paredes: para isso, aliás, prescinde-se muito bem
estado se distingue da tentação ansiosa”. dela”.

p. 617
“Meus alunos hão de aqui deplorar que o ensino de meu seminário
A direção do tratamento e os princípios de seu poder não tenha podido ajudá-la na época, já que eles sabem com base em que
ESCRITOS princípios lhes ensinei a distinguir o objeto fóbico como significante para
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no todo uso, para suprir a falta do Outro, e o fetiche fundamental de toda
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. perversão como objeto percebido no corte do significante”.
Primeiro relatório do Colóquio Internacional de Royaumont, reunido
de 10 a 13 de julho de 1958, a convite da Sociedade Francesa de p. 622
Psicanálise. Publicado em La Psychanalyse, vol.6, Paris, PUF, “Não pretendemos ensinar aos psicanalistas o que é pensar. Eles o
1961, p.149 a 206. sabem. Mas não é que o tenham compreendido por si. Aprenderam essa
lição com os psicólogos. O pensamento é uma tentativa de ação, repetem
eles gentilmente. (O próprio Freud cai nessa esparrela, o que não o impede “É da própria rotina de nosso ensino fazer a distinção entre o que a
de ser um pensador rigoroso e cuja ação se consuma no pensamento.)” função do Eu impõe ao mundo em suas projeções imaginárias e os efeitos
de defesa que elas retiram de mobilizar o lugar onde se produz o juízo”.
p. 628
“A metonímia, como lhes ensino, é o efeito possibilidade por não p. 679
haver nenhuma significação que não remeta a outra significação, e no qual “Sabemos que um espelho esférico pode produzir, de um objeto
se produz o denominador mais comum entre elas, ou seja, o pouco de situado no ponto do seu centro de curvatura, uma imagem que lhe é
sentido (comumente confundido com o insignificante), o pouco de sentido, simétrica, mas sobre a qual o importante é que ela é uma imagem real. Em
que se revela no fundamento do desejo e lhe confere o toque de perversão certas condições – como as de uma daquela experiências que só tinham
que é tentador denunciar na histeria atual”. valor por um interesse ainda inocente pelo domínio do fenômeno, relegadas
que estão hoje à categoria da física de entretenimento –, essa imagem
p. 630 pode ser fitada pelo olho em sua realidade, sem o médium comumente
“Um sonho, portanto, é apenas um sonho. Pode-se até ler, na pena empregado de uma tela. É o caso da chamada ilusão do buquê invertido,
de um psicanalista que se mete a ensinar, que ele é uma produção do que encontraremos descrita, para lhe dar uma referência séria, em
Eu. Isso prova que não se corre grande perigo ao querer despertar os L’Optique et photométrie dites géométriques (eis de novo nossa geometria),
homens do sonho: ei-lo que prossegue à luz do dia, e entre aqueles que de Bouasse, personagem aliás curioso da história do ensino, e obra a ser
nem se comprazem em sonhar”. consultada na página 86, para o que diz respeito a nosso objeto, restando
nas outras alguns dispositivos que, apesar de menos inúteis, seriam
p. 639 igualmente propícios ao pensamento (4ª.ed., Delagrave, 1947)”.
“Mas isso lhe ensinaria menos do que o que lhe diz sua amante:
que, em seu sonho, ter esse falo não fez com que o desejasse menos. Com p. 680-681
o que, é sua própria falta-a-ser que é tocada”. “É que as ligações que ali irão aparecer, à maneira analógica,
relacionam-se claramente, como veremos, com estruturas (intra-) subjetivas
p. 649 como tais, representando a relação com o outro e permitindo distinguir nela
“Este relatório é uma seleta de nosso ensino”. a dupla incidência do imaginário e do simbólico. Distinção cuja importância
ensinamos para a construção do sujeito, a partir do momento em que é
preciso pensarmos o sujeito como o sujeito em que isso pode falar, sem
que ele nada saiba a respeito (e do qual até convém dizer que nada sabe a
Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: seu respeito enquanto fala).
“Psicanálise e estrutura da personalidade”
ESCRITOS p. 685-686
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no “Se nossos analistas de hoje desconhecem, com essa dimensão, a
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. experiência que retiram de Freud, a ponto de só encontrarem nela pretexto
Relatório do Colóquio de Royaumont, 10-13 de julho de 1958. para renovar um genetismo que só pode ser sempre o mesmo, já que é um
Redação definitiva: Páscoa Ed 1960. Publicado em La erro, sua falha se denuncia pelo simples ressurgimento, em suas teorias, de
Psychanalyse, vol.6, Paris, PUF, 1961, p.111 a 147. velhos estigmas, como a famosíssima cenestesia, onde se assinala a falta
do ponto terceiro naquilo que, afinal, nunca é mais do que um recurso
p. 659 canhestro à noese. Mas, sem dúvida, nada pode ensinar-lhes coisa
“Mas, por ora, não estará Daniel Lagache professando a mesma alguma, já que eles nem sequer acusam o golpe que sua idéia do
coisa que o que ensino, quando defino o inconsciente como discurso do desenvolvimento recebe das chamadas realidades do hospitalismo, onde,
Outro? Pois, para que Daniel Lagache possa, com base na experiência da no entanto, os cuidados prestados aos bebês não conseguem revelar outra
criança “em si, por si e para si”, conferir a “essa existência por e para carência senão o anonimato em que eles se distribuem”.
outrem”, senão a precedência, ao menos uma precessão lógica, sua
relação inteiramente futura com o círculo de semelhantes que a espera e p. 688
que a destina ao lugar que ela ocupa nos projetos dele não é suficiente. É “Isso quer dizer que nosso modelo destacou-se numa fase preliminar
que, na dimensão imaginária que aí se manifesta, essa relação de de nosso ensino em que nos era preciso desentulhar o imaginário como
existência é inversa, na medida em que o não nascido permanece demasiadamente valorizado na técnica. Já passamos deste ponto”.
basicamente fechado à visão dela. Mas o lugar que a criança ocupa na
linhagem segundo a convenção das relações de parentesco, o prenome,
talvez, que já a identifica com o avô, os funcionários do registro civil e até o A psicanálise verdadeira, e a falsa
que nela denotará seu sexo, aí está algo que se preocupa muito pouco com
o que ela é em si: ela que apareça hermafrodita, pra ver só!”. OUTROS ESCRITOS
Texto redigido para um congresso realizado em Barcelona em
p. 669 setembro de 1958; permaneceu inédito em francês até sua
“Admite-se relevar que o pai Freud se contentasse com o juízo de publicação na revista L’Ane, nº51, junho-setembro de 1992, p.24-7
atribuição e com o juízo de existência, e até desse ao primeiro a vantagem
de uma antecedência lógica em relação à negação em que se basearia o p. 176-177
segundo. Não somos nós, na psicanálise, que iremos nos oferecer à “As posições aqui expostas sob forma radical resumem o duplo
trabalho de um comentário de textos a que vimos dando seguimento há
chacota dos lógicos, nem tampouco nos arriscarmos no ensino de
sete anos, num seminário semanal, cobrindo por ano cerca de trezentas
Brentano, o qual, no entanto, sabemos que brilhava em Viena e que até
Freud o frequentou”. páginas de Freud, e de um ensino de apresentação clínica e supervisão
terapêutica que é feito há cinco anos, sob a égide da Clínica de Doenças
p. 677 Mentais e do Encéfalo (prof. Jean Delay) da Faculdade de Medicina de
Paris”.
p. 179 “Quando o cônego Van Camp veio me pedir, com as formas de
“Ensino tão árduo que os áugures da psicanálise de hoje acabaram cortesia refinada que lhe são próprias, para que falasse na Universidade
dizendo a si mesmos: ‘Um sonho, afinal, é apenas um sonho’, e até Saint-Louis sobre alguma coisa relacionada ao meu ensino, não
fazendo disso uma senha com que se saúdam”.
encontrei, meu Deus, nada mais simples a dizer senão que falaria do
próprio assunto que havia escolhido para o ano que começava - estávamos
À memória de Ernest Jones: Sobre sua teoria do então em outubro - a saber, sobre a ética da psicanálise”.
simbolismo
ESCRITOS p. 14
Guitrancourt, janeiro-março de 1959 “Meu ensino deste ano, portanto, está focalizado precisamente
sobre o tema, em geral evitado, das incidências éticas da psicanálise, da
p. 712
“Esse rigor lógico, acaso o mínimo que se pode exigir do analista não moral que esta pode sugerir, pressupor, conter e, talvez, de um passo
é que ele o mantenha nessa angústia, ou, dito de outra maneira, que ele adiante, grande audácia, que ela nos permitiria efetuar referente ao domínio
não poupe da angústia aqueles a quem ensina, nem mesmo para moral”.
assegurar sobre eles seu poder?”
p. 16
p. 713 “Sim, sei que segundo a fórmula de Hegel tudo o que é real é
“Perde-se, ao contrário, repetindo uma falsa lei do deslocamento do racional. Mas sou daqueles que pensam que a recíproca não deve ser
semantema, segundo a qual este sempre iria de uma significação particular
depreciada - que tudo o que é racional é real. Há apenas um pequeno
para uma mais geral, de uma concreta para uma abstrata, de uma material
para outra mais sutil, chamada de figurada ou até moral. Como se o incômodo, é que vejo a maioria daqueles que são capturados entre um e
primeiro exemplo a pescar nas notícias do dia não mostrasse sua outro, o racional e o real, ignorar essa combinação tranqüilizadora.
caducidade: a palavra lourd [pesado], porquanto é esta que se nos oferece, Chegaria eu a dizer que isso é culpa dos que raciocinam? Uma das mais
atestada como havendo a princípio significado lourdeau [rude] 16, ou até preocupantes aplicações dessa famosa recíproca é que aquilo que os
étourdi [aturdido] 17 (no século XIII), e portanto, ter tido um sentido moral, professores ensinam é real e, como tal, tem efeitos como qualquer real,
antes de ser aplicada, em época não muito anterior ao século XVIII, como
nos ensinam Bloch e Wartburg, a uma propriedade da matéria - a qual, efeitos intermináveis, indetermináveis, ainda que esseensino seja falso.
para não nos determos em tão belo caminho, convém notar que é Eis sobre o que me interrogo”.
enganosa, na medida em que, por se opor ao leve, conduz à tópica
aristotélica de uma gravidade qualitativa. Iremos nós, para salvar a teoria, p. 18
creditar ao uso comum das palavras um pressentimento da pouca realidade “O desejo não é coisa simples. Não é nem elementar, nem animal,
de uma física assim?” nem especialmente inferior. É a resultante, a composição, o complexo de
toda uma articulação cujo caráter decisivo tentei demonstrar no
antepenúltimo termo do meu ensino - do que digo lá, onde absolutamente
Discurso aos católicos
não me calo -, e talvez seja preciso que lhes diga em algum momento por
PARADOXOS laranja que o faço”.
Compreende as duas conferências pronunciadas em 9 e 10 de
março de 1960 em Bruxelas, a convite da Faculdade Universitária
Saint-Louis, e anunciadas como "aulas públicas". Lacan se refere a p. 23-24
elas nos capítulos XIII e XV do Seminário A ética da psicanálise. “Sem dúvida é um progresso, refletido na tolerância, a coexistência
Ao evocar em seu Seminário, em 23 de março de 1960, as aulas de dois ensinos que se separam, um por ser e o outro por não ser
que acabava de dar em Bruxelas,Lacan as designa com estas confessional. Minha má vontade em contestar isso é ainda maior na medida
palavras: "meu discurso aos católicos" (Seminário 7, p.211, Seuil,
em que nós mesmos, na França, optamos bem recentemente por caminho
1986). Duas versões sucessivas foram publicadas em Quarto,
órgão da Escola da Causa Freudiana na Bélgica (nºVI, 1982, similar. Acho, porém, que tal separação desemboca numa espécie de
p.5-24, e nº50, inverno 1992, p.7-20). mimetismo dos poderes que nela se representam, daí resultando o que
chamaria de uma curiosa neutralidade, acerca da qual parece-me menos
p. 11 importante saber em benefício de que poder ela joga do que ter certeza de
“A perspectiva aberta por Freud sobre a determinação, pelo que, em todo caso, não joga em detrimento de todos aqueles pelos quais
inconsciente, do homem em sua conduta afetou quase todo o campo de esses poderes se afirmam”.
nossa cultura. Restringir-se-á ela na prática analítica aos ideais de uma
normatização, curiosos em seguir em sua difusão vulgar? Sabemos que o p. 30
dr. Jacques Lacan propõe à comunidade dos psicanalistas a experiência de “O que Totem e tabu nos ensina é que o pai só proíbe o desejo
um ensino bastante exigente quanto aos princípios de sua ação. No com eficácia porque está morto, e, eu acrescentaria, porque nem ele
seminário em que formou uma elite de clínicos e que ele conduz há sete próprio sabe disso - ou seja, que está morto. Tal é o mito que Freud propõe
anos no serviço do professor Jean Delay, trouxe à baila este ano as ao homem moderno, considerando que o homem moderno é aquele para
incidências morais do freudismo, julgando dever ultrapassar o abrigo de um quem Deus está morto - isto é, que julga sabê-lo”.
falso objetivismo para apresentar objetivamente a ação a que dedicou sua
vida”. p. 34

p. 13
“A moral, como a tradição antiga nos ensina, tem três níveis, o do “Learning, ensino, na verdade não é ciência, o que confirma que
soberano bem, o da honestidade e o da utilidade”. esse termo tem tão pouco a ver com o oceano quanto a mosca com a sopa.

p. 39 A catedral submersa do que se ensinou até aqui, no tocante a


“Nada de surpreendente no fato de ser nada mais que eu mesmo essa matéria, decerto também não ressoará em vão em nossos ouvidos por
se reduzir à alternância de sino surdo e sonoro pela qual a frase nos
que amo em meu semelhante. Não apenas na devoção neurótica, se indico penetra - lear-ning, lear-ning -, porém não das profundezas de uma camada
o que a experiência nos ensina, mas igualmente na forma extensiva e líquida, e sim da falácia de seus próprios argumentos”.
utilizada do altruísmo, seja ele educativo ou familiar, filantrópico, totalitário
ou liberal, à qual freqüentemente almejaríamos ver corresponder algo como p. 906
a vibração da garupa magnífica do animal desafortunado, o homem só faz “Não digamos que é aí que escolho meus termos, não importa o que
eu tenha a dizer. Embora não seja inútil, neste ponto, lembrar que o
passar seu amor próprio. Provavelmente esse amor já foi há muito tempo
discurso da ciência, na medida em que reivindica a objetividade, a
detectado em suas extravagâncias, mesmo gloriosas, pela investigação neutralidade, a monotonia ou até o gênero sulpiciano*, é tão desonesto e
moralista de suas pretensas virtudes. Mas a investigação analítica do eu mal-intencionado quanto qualquer outra retórica”.
permite identificá-lo com a forma do odre [outre], com o excesso [outrance]
da sombra cuja vítima será o caçador, com a vaidade de uma forma visual. *Da ordem de Saint-Sulpice, dedicada ao ensino; o adjetivo
Eis a face ética do que articulei, para ser compreendido, sob a expressão também dá em francês a idéia de objeto " de mau gosto" . (N.E.)
"estádio do espelho".

p. 39-40 Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade


“O eu é feito, Freud nos ensina, das identificações superpostas à feminina
maneira de casca, espécie de armário cujas peças trazem a marca do ESCRITOS
tudo-pronto, embora a combinação não raro seja bizarra. Nas identificações Colóquio Internacional de Psicanálise, de 5 a 9 de setembro de
com suas formas imaginárias, o homem julga reconhecer o princípio de sua 1960, na Universidade Municipal de Amsterdam. Escrito dois anos
unidade sob a aparência de um domínio de si mesmo da qual ele é o tolo antes do Congresso. Publicado no n.7 de La Psychanalyse, Paris,
PUF, 1962, p.3 a 114.
necessário, seja ou não ela ilusória, pois essa imagem de si mesmo não o
contém em nada. Embora seja imóvel apenas seu esgar, sua flexibilidade, p. 736
sua desarticulação, seu desmembramento, sua dispersão aos quatro “Imaginário, real ou simbólico, no que concerne à incidência do falo
ventos esboçam indicar qual é seu lugar no mundo. Ser-lhe-á necessário na estrutura subjetiva em que se acomoda o desenvolvimento, não são aqui
ainda muito tempo para que abandone a idéia de que o mundo foi fabricado palavras de um ensino específico, mas justamente aquelas em que se
à sua imagem e para que reconheça que o que ele encontrava, dessa assinalam, na redação dos autores, os deslizes conceituais que, por não
imagem, sob a forma dos significantes que sua indústria começara a terem sido criticados, conduziram à atonia da experiência depois da pane
espalhar pelo mundo, era, desse mundo, a essência”. do debate”.

p. 52
“Não seria esta a chave da função da sublimação em que estou em Subversão do sujeito e dialética do desejo no
vias de deter aqueles que me seguem em meu ensino? Sob diversas inconsciente freudiano
formas o homem tenta compor com a Coisa - na arte fundamental, que a ESCRITOS
faz representar no vazio do vaso em que se fundou a aliança de sempre - Comunicação feita num congresso reunido em Royaumont, por
obséquio dos “Colóquios filosóficos internacionais”, sob o título “A
na religião, que lhe inspira o medo da Coisa e o fato de se manter à
dialética”, a convite de Jean Wahl, 19 a 23 de setembro de 1960.
distância correta - na ciência, que não acredita nisso, mas que vemos agora
confrontada com a maldade fundamental da Coisa”.
p. 53 p. 807
“Ensino algo cujo termo é obscuro. Devo desculpar-me aqui- fui “Foi a data deste texto, anterior ao Congresso de Bonneval do qual
saiu o que o sucede, que nos fez publicá-lo: para dar ao leitor uma ideia do
levado a isso por uma necessidade premente, da qual a que me fez
avanço em que sempre se manteve nosso ensino em relação ao que dele
aparecer aqui diante de vocês não passa de um pequeno momento, que os
podíamos dar a conhecer”.
ajudará, espero, a compreender”.
p. 815
“Qual seja, a maneira certa de responder à pergunta "Quem está
A metáfora do sujeito falando?" , quando se trata do sujeito do inconsciente. Pois essa resposta
não poderia provir dele, se ele não sabe o que diz e nem sequer que está
ESCRITOS falando, como nos ensina a experiência inteira da análise”.
Este texto é a reescrita, feita em junho de 1961, de uma
intervenção proferida em 23 de junho de 1960 e resposta ao Sr.
p. 819
Perelman, que arguia a ideias de racionalidade e da regra de
“É portanto preciso levar muito mais longe, diante de vocês, a
justiça perante a Sociedade de Filosofia.
topologia que elaboramos para nosso ensino neste último lustro, ou seja,
p.905 introduzir um certo grafo que prevenimos garantir apenas, entre outros, o
emprego que faremos dele, tendo sido construído e ajustado a céu aberto
para situar, em sua disposição em patamares, a estrutura mais amplamente
prática dos dados de nossa experiência. Ele nos servirá aqui para p. 857-858
apresentar onde se situa o desejo em relação a um sujeito definido por sua “Separare, se parare: para se enfeitar com o significante sob o qual
articulação pelo significante”. sucumbe, o sujeito ataca a cadeia, que reduzimos à conta exata de um
binarismo, em seu ponto de intervalo. O intervalo que se repete, estrutura
mais radical da cadeia significante, é o lugar assombrado pela metonímia,
p. 827 veículo, ao menos como o ensinamos, do desejo”.
“– É o Pai morto – responde Freud, mas ninguém o escuta, e, quanto
ao que Lacan retoma disso sob a rubrica do Nome-do-Pai, é lamentável p. 864
que uma situação pouco científica continue a deixá-lo privado de seu “Um resultado disso, não obstante, foi que a ordem de silêncio dessa
público normal.* borda oposta a nosso ensino neles se rompeu”.
*Que nessa digressão tenhamos ligado tal característica àquela
época, ainda que em termos mais vigorosos, assume um valor de
encontro, por ter sido precisamente com base no Nome-do-Pai que, Maurice Merleau-Ponty
três anos depois, recebemos a sanção de pôr em banho-maria as OUTROS ESCRITOS
teses que havíamos prometido a nosso ensino, em razão da Contribuição para o número de homenagem publicado por Les
permanência dessa situação”. Temps Modernes após o falecimento do filósofo, nº184-5, outubro
1961, p.245-54.
p. 837
“Se assim lhe é dado estabelecer a proibição do gozo, não é, p.190
contudo, por essas razões de forma, mas porque a ultrapassagem delas “Tais efeitos são, como o ensino, os efeitos do inconsciente, aí
expressa o que reduz qualquer gozo cobiçado à brevidade do encontrando a posteriori, pelo rigor que se restabelece na estrutura da
auto-erotismo: as vias completamente traçadas pela conformação linguagem, a confirmação de tê-las dela extraído foi bem fundado”.
anatômica do ser falante, ou seja, a mão mais aperfeiçoada do macaco, na
verdade não foram desprezadas, numa certa ascese filosófica, como vias
de uma sabedoria abusivamente qualificada de cínica. Alguns, na
atualidade, sem dúvida obcecados com essa lembrança, acreditaram, Kant com Sade
falando conosco, poder fazer o próprio Freud derivar dessa tradição: OUTROS ESCRITOS
técnica do corpo, como diz Mauss. Mas o fato é que a experiência analítica Deveria servir de prefácio a La Philosophie dans le boudoir (Paris,
nos ensina o caráter original da culpa gerada por sua prática”. Cercle du livre précieux, 1963, 15 vols.) R.G. setembro de 1962.
Publicado na revista Critique, nº 191, abril de 1963.

Posição do inconsciente p. 796


LACAN, Jacques. ESCRITOS “O qual só podemos introduzir, aqui, relembrando o que
Congresso reunido no hospital Bonneval sobre o tema do ensinamos sobre o desejo, a ser formulado como desejo do Outro, por
inconsciente freudiano, entre 30 de outubro e 2 de novembro de ser, originalmente, desejo de seu desejo. O que torna concebível a
1960. Intervenções condensadas em março de 1964, a pedido de harmonia dos desejos, mas não sem perigo. Pela simples razão de que, ao
Henri Ey, para o livro sobre o congresso, L’Inconscient, publicado se ordenarem numa cadeia que se assemelha à procissão dos cegos de
em Paris pela Desclée de Brouwer em 1966. Bruegel, cada um, sem dúvida, tem a mão na mão daquele que o precede,
mas ninguém sabe para onde todos estão indo”.
p. 846-847
“Dado que não se pode manter afastado do exame do tema em p. 797
pauta. Não mais do que este outro: o de dever-se a nosso ensino que “A nos atermos à alcova, para um bosquejo bem incisivo dos
este colóquio tenha derrubado tal corrente. E não apenas para assinalar sentimentos de uma jovem para com sua mãe, o fato é que a maldade, tão
esse aspecto - muitos o fizeram -, mas pelo tanto que isso nos obriga a justamente situada por Sade em sua transcendência, não nos ensina aqui
prestar contas das vias que tomamos”. muito de novo sobre suas modulações amorosas”.

p. 850
“É nisso que todo discurso tem o direito de se considerar, por esse Introdução aos Nomes-do-Pai
efeito, irresponsável. Todo discurso, exceto o daquele que ensina, quando
PARADOXOS verde
ele se dirige a psicanalistas”.
A primeira e única lição do Seminário sobre os Nomes-do-Pai.
Interrompido em circunstâncias dramáticas - a perda de sua função
p.851
de "didata" (na época, psicanalista habilitado a formar
“Eis por que somente um ensino que abale essa Koiné traça a via psicanalistas) -, o Seminário deveria ter um novo ponto de partida
da análise que se intitula didática, uma vez que os resultados da em janeiro de 1964, na rua d'Ulm, nas dependências da École
experiência são falseados pelo simples fato de se registrarem nessa Koiné. Normale Supérieure, sob o título Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise. Lacan sempre se recusou a retomar o tema do
Essa contribuição doutrinal tem um nome: trata-se, muito Seminário subitamente abortado, e até mesmo em publicar em vida
simplesmente, do espírito científico, que falha por completo nos locais de o texto da única lição pronunciada. Ao concluir, em função de seus
recrutamento dos psicanalistas. dissabores, que o credenciamento do "discurso psicanalítico" não
lhe havia dado para erguer, como tinha a intenção, o véu com que
Nosso ensino é anátema por se inscrever nessa verdade”. Freud recobrira o verdadeiro fundamento da psicanálise, e que
tinha sido punido por se mostrar sacrílego, assinalou, para bom “O que escapa a quem recebe esse ensino é o efeito de
entendedor - sobretudo com o título irônico que deu ao Seminário obscurantismo que ele sofre por isso. Sabemos aonde esse efeito
posterior, Les non-dupes errent [nota de rodapé do tradutor:
desemboca - nos empreendimentos cada vez mais intencionais de uma
Literalmente, "Os não-tolos erram", expressão, em francês,
homófona a "Os nomes-do-pai". (N.T) Mais discreto, o tecnocracia, na padronização psicológica dos sujeitos desajustados no
questionamento dos limites do complexo edipiano e do mito paterno trabalho, no ingresso nos quadros da sociedade existente, na cabeça
nem por isso deixou de continuar a correr através de seminários e curvada sob a norma do psicólogo.
escritos, até a depreciação do Nome-do-Pai em sintoma e utensílio
(cf. o Seminário Le Sinthome). Isto é para fazê-los perceber sentir que os primeiros passos do meu
Ao descobrir a estenografia dessa lição no dossiê dos Quatro
conceitos fundamentais da psicanálise que Lacan me dera, ensino caminharam nas vias da dialética hegeliana. Era uma etapa
propus-lhe colocá-la na abertura desse Seminário, que foi o necessária para investir contra o mundo dito da positividade”.
primeiro a ser publicado, em 1973. Lacan concordou, ajudou-me a
estabelecer o texto, depois, in extremis, reconsiderou: não, p. 65
disse-me ele, não chegou o tempo de se ler isso, ficará para mais “Mas esse mesmo Agostinho, que pode formular essa coisa contra
tarde. Manteve essa posição até a morte, a despeito das toda piedade intelectual, abranda-se contudo a ponto de traduzir Ehyeh
reapresentações que lhe fazia de tempos em tempos... Lacan
começa sua conferência evocando a notícia que lhe fora dada "na acher ehyeh, que há tempos ensinei-os a ler, por Ergo sum qui sum, Sou
noite passada, bem tarde": acabava de ser riscado da lista dos aquele que sou, com que Deus afirma-se idêntico ao Ser. Este ano eu
didatas da Sociedade Francesa de Psicanálise pela "comissão de pretendia articular para vocês todo tipo de exemplos de outras fórmulas
ensino" da qual fazia parte; depois de anos de transações análogas nos textos hebreus, que lhes teriam mostrado que, tanto em latim
sórdidas, sua cabeça revelara-se efetivamente o preço a ser pago como em francês, soam falsos e claudicantes, ao passo que Agostinho era
pelos colegas a fim de obterem seu reconhecimento internacional
excelente escritor. O Sou aquele que sou com que Deus afirma-se idêntico
como "French Study Group". Era o que Lacan chamaria alguns
meses mais tarde sua "excomunhão" (ver primeira lição do ao Ser motiva um puro absurdo quando se trata do Deus que fala a Moisés
Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, na sarça ardente”.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979, p.9-20). Ele voltaria a esse
assunto por diversas vezes. Vou me contentar em retomar aqui os p. 67
termos de sua conferência em Nápoles em dezembro de 1967 ("O
“Em contrapartida, é no nível genital que o ensino de Freud, e a
engano do sujeito suposto saber", in Outros Escritos, p.329-40).
Citando Pascal, como na "Introdução aos Nomes-do Pai, ele opõe o tradição que dele se conserva, situa a hiância da castração.
Deus dos filósofos (em outros termos, o sujeito suposto saber) e o
Deus de Abraão, Isaac e Jacó (Deus-Pai), e escreve: "Esse lugar Os psicofisiologistas contemporâneos de Freud reduzem o obstáculo
do Deus Pai é aquele que designei como Nome-do-Pai e que me ao que chamaram de mecanismo da falsa detumescência, ao passo que
propus ilustrar no que deveria ser meu décimo terceiro seminário (o Freud, por sua vez, desde o início de seu ensino, articula o que, do
décimo primeiro em Sainte-Anne), quando uma passagem ao ato
de meus colegas psicanalistas forçou-me a pôr um fim nele, depois orgasmo, representa exatamente a mesma função que a angústia em
da primeira lição. Nunca mais retomarei esse tema, vendo nisso o relação ao sujeito. Acho que lhes mostrei isso ano passado. O orgasmo é
sinal de que esse lacre ainda não pode ser retirado para a em si mesmo angústia, na medida em que o desejo está para sempre
psicanálise." separado do gozo por uma falha central”.

p. 58 p. 85
“Uma vez que hoje está decidido que ficarei por aqui, serei talvez
“São, entretanto, alguns deles que agora voltam essa marca contra
mais cuidadoso do que jamais o fui ao assinalar, no meu ensino passado,
mim, alimentados por palavras e conceitos que lhes ensinei,
as balizas nas quais vocês poderão fundar os delineamentos do meu
Seminário deste ano. Gostaria este ano de amarrar para vocês os
ensinando pelas vias e caminhos por onde os levei”.
seminários dos dias 15, 22, 29 e 5 de fevereiro de 1958, referentes ao que
chamei de metáfora paterna, os meus seminários de 20 de dezembro de p. 86
1961 e os que se seguem, referentes à função do nome próprio, os “Num desses debates confusos durante os quais um grupo, o nosso,
seminários de maio de 1960 referentes ao que, do drama do pai está mostrou-se verdadeiramente em sua função de grupo, arrastado, daqui,
implicado na trilogia claudeliana e, finalmente, o seminário de 20 de dali, por turbilhões cegos, um de meus alunos - peço-lhe desculpas por ter
dezembro de 1961, seguido pelos seminários de janeiro de 1962, referentes depreciado seu esforço, que seguramente teria sido capaz de carregar um
ao nome próprio”. eco e reconduzir a discussão a um nível analítico - achou por bem dever
dizer que o sentido do meu ensino seria que a verdade, sua verdadeira
p. 59 apreensão, é que não a agarraremos jamais”.
“Esse passo seguinte encadeia-se ao meu seminário sobre a
angústia. Eis por que eu tinha a intenção - e vou manter minha afirmação -
de lhes mostrar em que era necessário que fosse desenhado o relevo que
meu ensino introduziu no ano passado”.

p. 62
se deu em detrimento de apenas um grupo, mas à custa de todos aqueles
que se sustentam num ensino, na França, naturalmente”.

Do “Trieb” de Freud e do desejo do psicanalista


ESCRITOS
Homenagem a Marguerite Duras
Resumo das intervenções num colóquio convocado pelo professor OUTROS ESCRITOS
Enrico Castelli sob o título de “Técnica casuística”, de 7 a 12 de Publicado nos Cahiers Renaud-Barrault, nº5, dezembro 1965, p.3-10
janeiro de 1964, na Universidade de Roma. Publicado em Atti del e 15.
colloquio Internazionale su “Técnica e casistica”, Roma, 1964.
p.200
p.868 “Foi precisamente isso que reconheci no arrebatamento de Lol V.
“Não somos mais inaptos nisso do que outros, mas, no campo da Stein, onde Marguerite Duras revela saber sem mim aquilo que ensino”.
formação analítica, esse processo de deslocamento cria a cacofonia do
ensino”. p. 203
“Eu ensino que a visão se cinde entre a imagem e o olhar, que o
primeiro modelo do olhar é a mancha de onde deriva o radar, que o corte do
olho oferece a extensão”.
Ato de fundação
OUTROS ESCRITOS
21 de junho de 1964, parte anexada em 28 de fevereiro de 1971.
A ciência e a verdade
p.236 ESCRITOS
“Serão propostos para o estudo assim instaurado os aspectos pelos Estenografia da aula inaugural do seminário realizado no ano de
quais eu mesmo rompo com os Standards afirmados na prática didática, 1965-1966 na École Normale Supérieure (rua d’Ulm), sobre “O
assim como os efeitos imputados a meu ensino sobre o curso de minhas objeto da psicanálise”, na posição de charge de conférences da
análises, quando sucede a meus analisantes, a título de alunos, assistir a École Pratique dês Hautes Études (VIº seção), em 1ª de dezembro
eles. Incluiremos nisso, se necessário, os únicos impasses a serem de 1965. Publicado no primeiro número dos Cahiers pour l’Analyse
destacados de minha posição em tal Escola, ou seja, aqueles que a própria pelo Círculo de Epistemologia da École Normale Supérieure, em
indução a que visa meu ensino engendraria em seu trabalho”. janeiro de 1966.

p.242 p.880
“Trata-se de A Coisa Freudiana, discurso cujo texto é o de um
“O ensino da psicanálise só pode transmitir-se de um sujeito para
discurso segundo, por ser o da vez em que o repeti. Preferido pela primeira
outro pelas vias de uma transferência de trabalho”. vez (possa esta insistência fazê-los sentirem, sem sua trivialidade, o
contrapé temporal gerado pela repetição) ele o foi para uma Viena em que
p.242 meu biógrafo há de situar meu primeiro contato com o que realmente se
“Desta fundação podemos destacar, antes de mais nada, a questão deve chamar de a escória mais rasteira do mundo psicanalítico.
de sua relação com o ensino, que não deixa sem garantia a decisão de Especialmente com um personagem cujo nível de cultura e
seu ato. responsabilidade correspondia ao que se exige de um soldado da guarda
real*, mas isso não me importava, eu estava falando por falar. Tinha apenas
Diremos que, por mais qualificados que sejam o que estiverem em querido que fosse ali, no centenário do nascimento de Freud, que minha
condições de discutir esse ensino, a Escola não depende dele, nem voz se fizesse ouvir como homenagem. E isto, não para marcar o lugar de
tampouco o dispensa, já que ele se desenrola fora dela. um lugar deserto, mas deste outro agora delimitado por meu discurso.

Se para esse ensino, com efeito, a existência de uma plateia que *Agente, mais tarde, da operação de destruição de nosso ensino,
ainda não tomou sua medida revelou-se no mesmo momento decisivo que cuja maquinação, conhecida pelo auditório presente, só interessa
impôs a Escola, é ainda mais importante marcar aquilo que os separa”. ao leitor pelo desaparecimento da revista La Psychanalyse e por
nossa promoção à tribuna de onde esta lição é proferida”.
p. 244
“Não, em absoluto, que a Escola não disponha do que lhe assegura p.882
não romper nenhuma continuidade - ou seja, de psicanalistas “É por isso mesmo que o inconsciente que a diz, o verdadeiro sobre
irreprocháveis, seja qual for o ponto de vista em que nos coloquemos, posto o verdadeiro, é estruturado como uma linguagem, e é por isso que eu,
que lhes teria bastado, como aconteceu com o resto dos sujeitos formados quando ensino isso, digo o verdadeiro sobre Freud, que soube deixar,
sob o nome de inconsciente, que a verdade falasse”.
por Lacan, que renegassem o ensino deste para serem reconhecidos por
uma certa " Internacional" , e que é notório que eles devem apenas a sua
escolha e a seu discernimento haverem renunciado a esse
A lógica da fantasia
reconhecimento”.
Opção Lacaniana 58, outubro de 2010.
p.246 Lições do Seminário 14 - A Lógica da fantasia, 1966-67.
“Quaisquer que tenham sido os agentes pelos quais ganhou corpo o
que por seis nos lhe criara um obstáculo, convém reconhecer que isso não p. 25
“Uma revirada é um sentido. Antes dela, é possível não haver
nenhum sentido subjetivável. Afinal, talvez seja a isso que se deva reportar
o fato, chocante, do qual lhes falei há pouco, a saber: as psicanalistas não “Seja como for, esse seminário, o quinto de nosso ensino e o
nos ensinaram nada a mais sobre seu gozo do que o que os terceiro sob o teto do Sainte-Anne, mostra-nos, como nos acontece aos nos
psicanalistas foram capazes de elucubrar Ou seja, pouca coisa. Mas, a reportamos aos textos gravados, muitos temas não apenas necessários
naquele momento à ampliação das categorias aceitas em nosso auditório,
partir de uma revirada, há uma orientação. Por pouco que seja, se for tudo
mas também, quanto a alguns dentre esses temas, a data a partir da qual
o que possa orientar o gozo da mulher no ato sexual, então compreende-se eles deveriam seguir a carreira que agora os fazem correrem as revistas –
que, até nova ordem, é com isso que temos de nos contentar”. isto é, as de belo aspecto, ou, se preferirmos, de belo espírito”.

p. 222
Problemas cruciais para a psicanálise “Foi preciso que a insuficiência do ensino psicanalítico eclodisse na
luz para que nos empenhássemos na tarefa de exercê-lo. Os anos de
OUTROS ESCRITOS 1956-1966 marcaram a mesma distância. Ainda nos restam dois anos para
Annuaire 1966 da École Pratique de Hautes Études, p.270-3. dar à ‘questão preliminar’ sua sequência plena”.
p. 208 p. 222-223
“É precisamente a dimensão que desconcerta, em nosso ensino, “É nesse campo, concebe-se, que a prova é mais delicada; mas
pôr à prova essa fundação, na medida em que ela está em nossa platéia”. como não ver uma prova na estranha indiferença ao texto das Memórias do
Presidente Schreber que faz com que, em inglês, ele tenha sido publicado
por uma pessoa de fora do grupo (a Sra. Ida Macalpine, a título de aluna de
Edward Glover, apegando-se muito vivamente a certas exigências
Respostas a estudantes de filosofia científicas, não está inscrita, salvo alguma novidade, na sociedade de
OUTROS ESCRITOS Londres), e faz com que na França seja uma zona muito sensível, mas
Publicado nos Cahiers pour l’Analyse, boletim do Círculo de periférica em relação a um grupo (aquele garantido por nosso ensino),
Epistemologia da ENS, nº3, 1966, p.5-13, sob o título, fornecido zona essa representada pelo Cahiers pour l’Analyse, que enfim vêm à luz
pela redação, de “Réponses à des étudiants en philosophie sur as Memórias a que consagramos tanto cuidado?”.
l’objet de la psychanalyse" [Respostas a estudantes de filosofia
sobre o objeto da psicanálise”]. Uma nota da redação esclarecida:
“As perguntas aqui reproduzidas foram redigidas ao Dr. Lacan por
um grupo de alunos da Faculdade de Letras de Paris. O texto foi
Pequeno discurso no Office de Radiodiffusion
redigido pelo Sr. G. Contesse. Agradecemos a este por haver Télévision Française
concordado em que o retomássemos”. OUTROS ESCRITOS
Publicado no primeiro número de Recherches, nº 3/4, p.5-9, com
p.211 autorização da ORTF. O texto foi precedido por uma nota da
“É por isso que o que ensino não se dirige primeiramente aos redação: “Essa entrevista foi ao ar em 2 de dezembro de 1966, no
filósofos. Não é, se assim posso dizer, em seu front que eu combato”. contexto das Manhãs da France-Culture, durante o programa de
Georges Charbonnier, ‘Sciences et techniques’, por ocasião da
p. 212 publicação dos Escritos de Jacques Lacan pela editora Seuil.
“Índice aparentemente insuficiente: os psicanalistas rara vez Agradecemos ao Dr. Lacan, assim como a Georges Charbonnier, a
souberam servir-se de uma chave, quando Freud não lhes ensinou de gentileza de nos autorizarem a publicação em Recherches.”
que maneira ela abria. Talvez o avanço que empreendo este ano, rumo a
um certo objeto chamado a, com minúscula, permita algum progresso a p.226
“Fui chamado, pelas condições difíceis com que se deparou o
esse respeito”..
desenvolvimento dessa prática na França, e assumir nela uma posição que
é uma posição de ensino”.
p.217
“ – Como no âmbito do ensino da filosofia, concebe o senhor o da p.231
psicanálise?... “E eu ainda não teria publicado esta coletânea de meus Escritos, se
o que neles se emite – especialmente há quinze anos, por ter sido recebido
Não sei o que se pode esperar do âmbito do ensino da filosofia, por mim do lugar do Outro em que se inscreve o discurso daqueles que
mas tive recentemente uma experiência que me deixou tomado por uma escuto, e nos termos em que cada psicanalista reconhece justamente os
dúvida: a de que a psicanálise não possa contribuir para a chamada termos que a cada semana meu seminário lhes fornece – não tivesse
hermenêutica senão reduzindo a filosofia a seus laços de obscurantismo”. acabado correndo sozinho para fora do campo onde se pode controlá-lo. A
despeito de mim mesmo, devo dizer, mas não sem uma certa razão, já que
nesse ensino se joga o desatino a todos reservado pelo futuro da ciência
Apresentação das Memórias de um doente dos nervos - a qual também corre, e muito à frente da consciência que temos de seus
progressos”.
OUTROS ESCRITOS
Cahiers pour l’analyse, nº5, 1966, p.69-72. Texto redigido para
apresentar a primeira tradução francesa do livre do presidente
Schreber, lançada como folhetim da revista antes de ser publicada Entrevista sobre a psicanálise
na coleção Champ Freudien (trad. De Paul Duquenne) pela Seuil. Opção Lacaniana 50, dezembro de 2007
Publicado sob o título de “Présentation”, fornecido pela redação. A gravação desta entrevista, dada por J. Lacan no dia 14 de
dezembro de 1966 na Radio-Télévision belga (RTB III) foi
p. 219 datilografada por Ph. De Villers; ela foi relida e ligeiramente
corrigida por mim. O estilo dessas proposições indica, a meu ver,
que Lacan lia um texto redigido anteriormente. p. 10
“Em primeiro lugar, permitam-me começar por uma advertência
relativa à estrutura, que é o tema deste encontro. Pode acontecer que
p. 11-12 vocês verem se produzir erros, confusões, usos cada vez mais
“Digo essas coisas em alto e bom som agora que trouxe soluções
aproximativos dessa noção e acho que haverá logo uma espécie de
prestes a começar a tarefa para que elas mudem. Foi por respeitar esta
embaraço em torno dessa palavra. Para mim é diferente, pois já utilizo esse
miséria escondida que me obstinei tanto em retardar a publicação de meus
termo há bastante tempo - desde o início ele meu ensino”.
tratados até que sua reunião fosse suficiente. Talvez, seja ainda esperar
demais do que de meu ensino passou para o domínio comum. Qual o p. 11
quê! Foi para que ele não se perdesse nisso que consagrei toda a minha “Quando comecei a ensinar algo sobre a psicanálise, perdi uma
paciência. Vez em quando, preciso fazer tal esforço”. parte de meu público, pois havia percebido muito tempo antes esse simples
fato de que, quan 10 se abre um livro ele Freud, e sobretudo os textos que
p. 13 tratam propriamente do inconsciente, pode-se estar absolutamente certo -
“Um apaixonado com o retomo da filosofia, pelo menos é assim que não se trata de probabilidade, mas de certeza - de deparar-se com uma
ele se anuncia, leva-nos a intuição do ser sem encontrar nada melhor agora página em que não se trata apenas de uma questão de palavras -
do que atribuí-lo a Bergson, que teria se enganado de ensino e não de naturalmente, em um livro, há sempre palavras, várias palavras impressas
porta, tal como o mesmo, entretanto, lhe havia significado outrora. Não nos -, mas de palavras que são O objeto mesmo através do qual buscamos um
fiemos até o fim na intuição do ser. isto jamais é sua última fífia. Apenas meio de abordar o inconsciente. Nem sequer O sentido das palavras, mas
indicamos aqui, com um tom que não é o nosso, mas daquele que evoca as palavras na sua carne, em seu aspecto material. Grande parte das
um doutor Pantalon na transformação que nos detém, todo o coitejo de especulações de Freud referem-se a jogos de palavras em um sonho, ou a
irnpasses manifestos que se desenvolvem a este respeito com uma lapsos, ou isto que em francês se chama calembour, homonímia, ou ainda
coerência, é preciso dizer, conservada; será feito dito o balanço ao qual se a divisão ele uma palavra em várias partes das quais cada uma tem um
deve reportar. Esta dissimulação para nós recobre simplesmente a sentido novo depois do recorte”.
ausência, ainda na lógica, de uma negação adequada. Escuto daquela que
seria própria para ordenar um "vel" - escolhi "vel' e não "aut', em latim - um p. 12-13
"vel”, para colocar a estrutura nestes termos: ou eu não sou, ou eu não “A questão diante da qual a natureza do inconsciente nos situa é, em
penso - dos quais o cogito cartesiano seria a intersecção. Penso que os poucas palavras, que algo pensa o tempo todo. Freud nos ensinou que o
lógicos nie ouvem, e o equívoco da palavra "ou" em francês é o único inconsciente são sobretudo pensamentos e que isto que pensa está
propício para enganchar a estrutura nesta indicação topológica: penso onde barrado da consciência. Essa barra tem várias aplicações, ela oferece
- aí onde- não posso dizer que sou, onde- aí onde - preciso colocar no seu inúmeras possibilidades em relação ao sentido. A principal é que se trata
enunciado o sujeito da enunciação como separado do ser por uma barra. realmente de uma barreira, barreira que é preciso saltar ou atravessar. É
Mais do que nunca, evidentemente, surge de novo aí não a intuição; mas a importante, pois se não destaco essa barreira, tudo vai bem para vocês.
exigência do ser E é com isto que se contentam aqueles que não vêem 'Isto lhes convém' (ça vous arrange), como se diz em francês. Com efeito,
além do próprio nariz. O inconsciente permanece no âmago do ser, para se a barreira não existe e algo pensa no andar ele baixo ou no subsolo, as
alguns, e outros vão crer que me seguem fazendo dele o "outro" da coisas são simples o pensamento está sempre ali e tudo de que
realidade. A única maneira de sair disto é situar que ele é real, o que não precisamos é ter um pouco de consciência do pensamento de que o ser
designa realidade alguma”. vivo pensa naturalmente e tudo vai bem. Se fosse esse o caso, o
pensamento seria preparado pela vida, pensando naturalmente, um pouco
p. 15-16 à maneira pelo instinto, por exemplo se o pensamento é um processo
“Isto para dizer que Racine, assim como Sartre, foi sem dúvida natural, então inconsciente não tem dificuldade. Mas o inconsciente não
ultrapassado em suas intenções. Mas, eles não têm que responder pelo tem nada a ver com o instinto nem com um saber primitivo, nem com a
que ultrapassa a intenção e, sim, por este gênero chamado teatro, esforço preparação do pensamento em um subsolo qualquer. É um pensamento
vendido por demonstrar a assistência de um modo muito cru, como com palavras, com ideias que escapam à sua vigilância, a seu estado de
representá-la. Também sou ultrapassado por minha intenção quando atenção. A questão da vigilância é importante. É como se um demônio
escrevo, mas, quando se está em análise comigo, é legítimo interrogar-me jogasse com sua atenção. A questão é encontrar um estatuto preciso para
como analista sobre meu esforço de ensino, em relação ao qual todos, esse outro sujeito que é exatamente o tipo ele sujeito que podemos
sem exceção, arrancam os cabelos, não é para nenhum crítico, para determinar tomando a linguagem como ponto de partida.
nenhum modo inicialmente legítimo de meus enunciados, nem de meu
estilo, exceto para situar que eles são do gênero do qual são provenientes. p. 15
É tudo o que há de mais regular na didática!” “Após quinze anos de ensino, ensinei meus alunos a contar, pelo
menos até cinco, o que é difícil - quatro é mais fácil - e eles entenderam até
aí. Mas esta noite, permitam-me ficar no dois. É claro que o que está em
Acerca da estrutura como imisção de uma alteridade
jogo aqui é a questão do número inteiro e, como penso que grande parte de
prévia a um sujeito qualquer vocês sabe disto, a questão dos números inteiros não é simples. Contar,
Opção Lacaniana 77, agosto de 2017 evidentemente, não é difícil. Basta ter, por exemplo, certo número de séries
Conferência em Baltimore, 1966. e uma correspondência biunívoca. Assim, é verdade que há neste cômodo
tantas pessoas sentadas quanto são as cadeiras. Mas é necessário que certo terreno, como se nada houvesse sido feito. A psicanálise quer dizer
haja uma coleção composta de números inteiros para constituir um número isso.
inteiro, também chamado de número natural. Um número desses é,
evidentemente, em parte natural, no sentido em que não entendemos por Não é a isso que meu ensino serve, mas de que é servo. Ele está a
que ele existe. O fato de contar não tem nada de empírico, e é impossível serviço, serve para valorizar alguma coisa que aconteceu e que tem um
deduzir o ato de contar unicamente dos dados empíricos. Hume tentou, nome, Freud”.
mas Frege demonstrou perfeitamente a inépcia dessa tentativa”.
p. 108
p. 16 “O ponto de vista "fontes" também pode servir no ensino corrente,
“Contudo, debrucemo-nos mais precisamente sobre o que é o que chamei ainda há pouco de gênero "conferência". Só que de tempos
necessário ao segundo para repetir o primeiro a fim ele obter uma em tempos há fissuras, há pessoas que, com efeito, souberam pegar
repetição. Não se pode responder rápido demais a esta questão. Se vocês emprestadas coisinhas aqui e ali para alimentar seu discurso, é
a respondem rápido demais, dirão que é necessário que sejam os mesmos. tão-somente a essência desse discurso que parte de um ponto de ruptura.
Neste caso o princípio do dois seria o dos gêmeos - e por que não
triplicados ou mesmo quintuplicados? Na minha época, ensinava-se às Se meu ensino serve para valorizar Freud, e se declara a serviço
crianças que não se deve somar microfones com dicionários. Mas isto é disso, nesse caso o que querem dizer as fontes? Querem dizer
perfeitamente absurdo porque a adição não existiria se não pudéssemos precisamente que o que me interessa não é reduzir Freud às suas fontes”.
somar microfones com dicionários ou, como escreve Lewis Carroll,
couves-flores e reis. A mesmidade não está nas coisas, mas na marca que p. 109-110
possibilita somá-las sem considerar suas diferenças. A marca tem por efeito “Freud nos ensinou que, dentre esses doentes, há doentes do
apagar a diferença e aí está a chave do que acontece com o sujeito, o pensamento. Só que é preciso prestar atenção à função assim designada.
sujeito do inconsciente, na repetição”. Será que se fica doente do pensamento no sentido em que se diz "ele está
pirado", no sentido em que isso se passa no nível do pensamento? Será
que é isso que isso quer dizer?”

Então, vocês terão escutado Lacan p. 115-116


“Isso ocorre para espanto daqueles que querem que a literatura
PARADOXO roxo
10 de junho de 1967 na Faculdade de Medicina de Estrasburgo. continue a ser feita para responder a certas necessidades. Eles se
Havia em Estrasburgo um importante grupo lacaniano, perguntam por que meus Escritos venderam bem. Quanto a mim, sou gentil
desenvolvido a partir da segunda metade dos anos 1950 em torno quando um jornalista vem me perguntar isso, ponho-me no meu lugar,
de Lucien Israel, professor de psiquiatria e psicanalista. Este foi o digo-lhe - "Sou como você, não sei." E depois lembro a ele que esses
incentivador do convite feito a Lacan. Escritos não passam de alguns fios, flutuadores, ilhotas, pontos de
referência que apresentei de tempos em tempos às pessoas a quem
p. 105
“A idéia de que as camadas que se depositaram ao longo da história, ensinava. Deixei de reserva num cantinho o comprimido, para que eles
com a superposição dos séculos, constituiriam aquisições que se adicionam se lembrassem que eu já havia dito aquilo em tal data”.
e que ao mesmo tempo podem se juntar para fazer esta Universidade -
Universidade das letras, Universitas litterarum, isso está no princípio da p. 116-117
“Meu ensino, se a visada for valorizar Freud, não está
organização do ensino que leva esse nome -, essa idéia é contrariada
evidentemente no nível do "grande público". O grande público não precisa
pelo mais simples exame da história.
de mim para isso. Isso funciona muito bem com o que fazem os outros, os
colegas. Como acabo de explicar a vocês, não importa o que se faça, e
Nessa palavra "história", peço-lhes, não ouçam o que lhes
inclusive deixando a responsabilidade das coisas para a corporação dos
ensinaram sob o nome de "história da filosofia" ou do que quer que seja, psicanalistas da qual sou um dos florões, não importa o que se faça,
que é uma remodelagem feita para lhes dar a ilusão de que as diversas entendam como quiserem, e mesmo como eu entendo, Freud está bem
etapas do pensamento engendram-se uma à outra. O menor exame prova presente”.
que não é nada disso, e que tudo procedeu, ao contrário, por fissura, por
uma sucessão de tentativas e aberturas, que deram a cada vez a ilusão de p. 117
que se podia começar a discorrer sobre uma totalidade”. “O esforço do meu ensino até aqui não consiste em valorizar Freud
no nível da grande imprensa. Não haveria motivo para isso, e na verdade
p. 106 não vejo por que eu próprio me teria imposto essa preocupação e esse
“Então, exerço um ensino que se refere a alguma coisa que nasceu esforço caso ele não se dirigisse aos psicanalistas”.
nesse momento da história e em séculos em que já se estava até o
pescoço no contexto da ciência, antes mesmo que se pudesse dizê-lo como p.123-124
acabo de dizer. Trata-se da psicanálise”. “Como é ridícula a voracidade com que alguns que escutam o que
ensino há tantos anos já se precipitam sobre minhas formulações para
p. 107 delas fazer artiguetes, ninguém pensa em outra coisa a não ser nisso, em
”Eu me exercitei para me colocar em uma posição de ensino bem se enfeitar com minhas plumas, e tudo isso para se atribuir o mérito de ter
particular, pois ela consiste em partir de novo sobre um certo ponto, um
feito um artigo que se sustenta de pé. Nada é mais contrário ao que se
trataria de obter deles, ou seja, que conquistassem a justa situação de “Isso nos conduz imediatamente ao meu segundo capítulo, a origem
despojamento, de "desmuniciamento" eu diria, que é a do analista enquanto do meu ensino”.
um homem entre outros, que deve saber que não é nem saber nem
consciência, mas dependente tanto do desejo do Outro quanto de sua fala”. p. 33
“Clérambault apontou-me algumas coisas. Ensinou-me
simplesmente a ver o que eu tinha à minha frente, um louco. Como convém
a um psiquiatra, ensinou-me interpondo, entre eu e isso, um louco, que
Lugar, origem e fim do meu ensino afinal é tudo o que há de mais preocupante no mundo. Um psiquiatra
PARADOXOS roxo sempre interpõe alguma coisa”.
No Vinatier, em Lyon, asilo fundado sob a monarquia de Julho; a
conferência é seguida por um diálogo com o filósofo Henri p. 34
Maldiney. “No que diz respeito à origem do meu ensino, bem, não se pode
A primeira conferência foi realizada em outubro de 1967 no Centre falar dela, assim como não se pode falar de nenhuma outra questão das
Hospitalier du Vinatier, em Lyon; Uma transcrição da conferência
origens.
lionesa foi reproduzida em 1981 em uma publicação fotocopiada do
CES de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lyon-I; esta foi
reproduzida com minha autorização na revista Essaim. O Asile du A origem do meu ensino é bem simples, está presente desde
Vinatier, criado pela lei de 30 de junho de 1838 que previa um asilo sempre, uma vez que o tempo nasceu com aquilo de que se trata. Com
de alienados em cada departamento da França, foi por muito tempo
efeito, meu ensino é muito simplesmente a linguagem, nada além disto”.
vítima de uma "imagem negativa" sob o nome de "Asile de Bron".
Renovado após a Libertação, já havia se tornado o Centre
Hospitalier du Vinatier quando Lacan lá esteve. O estabelecimento p. 53
é desde então o primeiro centro psiquiátrico da região de “O fim do meu ensino. Se empreguei a palavra "fim", não é que
Rhône-Alpes. O filósofo Henri Maldiney, nascido em 1912, por vamos fazer um drama aqui. Não se trata do dia em que isso fará vupt, não,
muito tempo professor na Universidade de Lyon, é vinculado à
fim é thelos, para que é feito. O fim do meu ensino, pois bem, seria fazer
corrente fenomenológica. Dedicou-se à estética, escrevendo
principalmente sobre poesia, belas-artes, a paisagem ocidental e a psicanalistas à altura dessa função que se chama "sujeito", porque se
paisagem chinesa. verifica que só a partir desse ponto de vista se enxerga bem aquilo de que
se trata na psicanálise”.
p.11
“Não penso entregar-lhes meu ensino sob a forma de um p. 57
comprimido, o que me parece difícil. Talvez alguém faça isso mais tarde. É “Vocês podem encontrar esse a posteriori nas primeiras páginas de
sempre assim que termina. Quando se está fora de cena há algum tempo, um certo vocabulário que foi lançado recentemente. Inútil dizer-lhes que
você se resume a três linhas nos manuais - no que me diz respeito, ninguém nunca teria posto esse a posteriori num vocabulário freudiano se
manuais não se sabe de quê. Não posso prever em que manuais serei eu não o houvesse lançado no meu ensino. Ninguém antes de mim
inserido pela razão de que não prevejo nada do futuro que se refira ao meu observara o alcance desse nachtraglich, embora ele esteja em todas as
ensino, isto é, a psicanálise. Não se sabe o que essa psicanálise se páginas de Freud. Não obstante, é importantíssimo destacar o a posteriori
tornará. Quanto a mim, almejo que se torne alguma coisa, mas não é certo neste caso”.
que tome esse caminho.
p. 63
Por aí vocês vêem que este título, "Lugar, origem e fim do meu “Digo que o sujeito, ao mesmo tempo em que é o sujeito, funciona
ensino", pode começar a assumir um sentido que não é apenas o de um como dividido. Aí reside, inclusive, todo o alcance do que instauro. Devo
inclusive dizer-lhe que essa divisão do sujeito, eu a consagro, denuncio,
resumo. Trata-se, para mim, de colocá-los no curso de uma coisa que está
demonstro por outras vias que não esta, reduzida, de que me sirvo aqui e
engajada, que está em vias, alguma coisa de não-finda, que só findará
que, aliás, não dá conta absolutamente da divisão em si. Eu precisaria ter
provavelmente comigo, caso eu não seja vítima de um desses lamentáveis
feito algo cuja referência me proibi taxativamente de trazer esta noite, pois
incidentes que nos fazem sobreviver a nós mesmos”.
não se deve pensar que falei daquilo que, se me permitem, eu chamaria,
para ir mais rápido, não apenas meu ensino, mas minha doutrina, e do
p. 12-13 que daí resultasse. Isso não pude absolutamente fazê-lo”.
“Certamente não irei muito longe esta noite, uma vez que não posso p. 64-65
simplesmente oferecer-lhes um comprimidinho do meu ensino. "Lugar" “Com minhas razões, as que estou em vias de articular para o
terá assim um alcance bem diverso na topologia, no sentido da estrutura, senhor. O senhor me fez, nessa linha, certo número de objeções ao fazer
em que se trata por exemplo de saber se uma superfície é uma esfera ou intervir alguns registros da doutrina freudiana, o recalque, a Verneinung e
um anel, pois o que se pode fazer com ambos não é em nada semelhante. muitas outras coisas. É muito evidente que tudo isso desempenhou seu
Mas não se trata disso. O lugar pode ter um sentido completamente papel e foi passado no crivo da minha reflexão ao longo dos dezessete
diferente. Trata-se simplesmente do lugar aonde cheguei, o que me põe na anos, desculpe, desde que dura o que vim apresentar aqui, ou antes
postura de ensinar, uma vez que ensino há”. evocar, em três referências que chamei sucessivamente de "lugar, origem e
fim do meu ensino". As objeções que o senhor pode erguer, e que detêm,
p. 32 claro, toda sua pertinência, vêm de uma certa perspectiva. Não ignoro nada
do que pretende preservar com isso, mas só para demonstrá-lo o senhor
necessitaria certamente de um diálogo bem mais longo do que o que “A saber, a ordem de inflação literária a que meu ensino se opôs,
podemos manter aqui”. até uma crise cujo sucesso se apreende melhor ao ver onde salta a tranca”.

Primeira versão da “Proposição de 9 de outubro de Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o


1967” psicanalista da Escola
OUTROS ESCRITOS e Opção Lacaniana 16, agosto de 1996. OUTROS ESCRITOS e Opção Lacaniana 17, novembro de 1996.
Publicada em Scilicet, nº1, Paris, Seuil, 1968, p.14-30.
p.571
“Ela pode e, portanto, deve fazê-lo, pois a Escola não o é apenas no p.250
sentido de distribuir um ensino, mas de instaurar entre seus membros “Encontram-se agrupados nela por não terem querido através de
uma votação aceitar o que esse voto pautaria: a pura e simples
uma comunidade de experiência cujo cerne é dado pela experiência dos
praticantes. sobrevivência de um ensino, o de Lacan.

Para dizer a verdade, seu próprio ensino não tem outra finalidade Foi, portanto, a um grupo para o qual meu ensino era tão precioso
senão trazer para essa experiência a correção, e para essa comunidade, a ou tão essencial que cada um, deliberando, marcou preferir a vantagem
disciplina a partir da qual se promove, por exemplo, a questão teórica de oferecida - e isto sem enxergar adiante, tal como, sem enxergar adiante,
situar a psicanálise em relação à ciência. interrompi meu seminário em seguida à referida votação -, foi a esse grupo
em dificuldade de encontrar uma saída que ofereci a fundação da Escola.
Todos sabem, com efeito, que foi por uma votação, em que estava
em jogo apenas permitir ou proibir a presença de meu ensino, que foi Por essa escolha, decisiva para os que aqui estão, marca-se aqui o
suspensa a aceitação deles na IPA, sem outra consideração extraída da que está em jogo. Pode haver algo que está em jogo que vale para alguns
formação recebida e, especialmente, sem objeção a que ela fosse recebida a ponto de lhes ser essencial, e este é meu ensino.
de mim. Uma votação, uma votação política, bastava para que se fosse
aceito na Associação Psicanalítica Internacional, como mostraram os Se o referido ensino é sem rival para eles, ele o é para todos, como
acontecimentos subseqüentes”. provam os que aqui se comprimem sem haverem pago o preço, ficando
suspensa para eles a questão do lucro que lhes é permitido.
p. 571-572
Daí resulta que os que se agrupam em minha fundação não atestam Sem rival, aqui, não significa sem avaliação, mas um fato: nenhum
outra coisa, através disso, senão o valor que conferem a um ensino – o ensino fala do que é a psicanálise. Em outros lugares, e de maneira
meu, que é de fato sem rival – para sustentar sua experiência. Esse apego declarada, cuida-se apenas de que ela seja conforme”.
é de pensamento prático, digamos, e não enunciados conformistas: foi pelo
p.251
sopro – chegaremos até mesmo a essa metáfora – que nosso ensino leva
“Podemos encontrar os tempos idos e revolvidos em que aquilo a
para o trabalho que houve quem preferisse ser excluído a vê-lo
que se tratava de não causar dano era a entidade mórbida. Mas o tempo do
desaparecer, ou mesmo a separar-se dele. Isso é fácil de concluir, por não
médico está mais implicado do que se supõe nessa revolução – pelo
dispormos até o momento de nenhuma outra vantagem com que possamos
menos, a exigência, tornada mais precária, do que torna médico ou não um
compensar a oportunidade assim declinada”.
ensino. Digressão”.
p.572
p. 253
“Assinalo que nada fiz, ao produzir o ensino que me foi confiado
num grupo, para extrair dele uma luz para mim, em especial por um apelo “Suposto, ensinamos nós, pelo significante que o representa para
qualquer ao público, nem tampouco para enfatizar demais a arestas que outro significante”.
poderiam contrariar o reingresso na comunidade, a qual, durante esses
anos, continuou a ser a única preocupação verdadeira daqueles a quem me p. 255
havia reunido um infortúnio anterior (ou seja, a sanção dada pela Srta. “A razão disso encontra-se na confusão a respeito do zero, onde se
Anna Freud a uma besteira de manobra, cometida, por sua vez, sob a fica num campo em que ela não tem vez. Não há ninguém que se
instrução de que eu não fosse alertado)”.
preocupe, no gradus, em ensinar o que distingue o vazio do nada - o que,
no entanto, não é a mesma coisa -, nem entre o traço referencial da medida
p. 576 e o elemento neutro implicado no grupo lógico, nem tampouco entre a
“Mas um psicanalista, pelo menos daqueles a quem ensinamos a nulidade da incompetência e o não-marcado da ingenuidade, a partir do
refletir, deve reconhecer aqui a razão da prevalência de pelo menos um que muitas coisas assumiriam seu lugar”.
texto, o de Freud, em sua cogitação”.
p. 256
p.578 “Mas, quem sabe melhor do que Sócrates que ele só detém a
“Essa ordenação da ordem do saber que funciona no processo significação que gera por reter esse nada, o que lhe permite remeter
analítico, eis aquilo em torno do qual deve girar a admissão na Escola. Ela
Alcibíades ao destinatário presente de seu discurso, Agatão (como que por
implica toda sorte de aparelhos, cuja alma deve ser encontrada nas funções
já delegadas na diretoria – Ensino, Direção dos Trabalhos, Publicação. acaso)? Isto é para lhes ensinar que, ao se obcecarem com o que lhes
concerne no discurso do psicanalisante, vocês ainda não chegaram lá”.
p.586
Trata-se, no que ensino, de coisa completamente diferente, de
Meu ensino, sua natureza e seus fins procedimentos técnicos e precisões formais referentes a uma experiência,
que ou bem é séria ou então é uma incrível errância, uma coisa louca,
PARADOXOS roxo
delirante. Aliás, tem todo o aspecto disso quando a vemos do exterior. O
20 de abril de 1968, em Bordeaux. Lacan foi a Bordeaux a convite
de um grupo de residentes do Hospital Psiquiátrico (CHS) Charles-Perrens. traço fundamental da análise é que as pessoas acabam se dando conta de
A conferência foi realizada numa sala municipal situada em frente ao que trombetearam besteiras anos a fio”.
estabelecimento.
p. 84-85
p. 70 “Isso, isso é interessante, e não se deve descartar que interessar-se
“É de fato completamente inverossímil, mas é a requisição que faço, por isso tenha valor formador para alguém como o psicanalista. Mas por ora
como sempre que me acontece de falar, o que não é tão freqüente, num é sem saída, porque há aí um problema bem particular que eu chamaria de
contexto que, cabe dizer, me é estranho, pois não creio que haja muitos a questão da idade. Para fazer lógica seriamente, assim como para tudo o
dentre vocês que tenham acompanhado o que eu ensino. que, de resto, existe na ciência moderna, é preciso instalar-se nela antes de
ter sido completamente cretinizado, e precisamente pela cultura.
O que eu ensino fez um certo barulho”. Evidentemente, cretinizados o somos sempre um pouquinho, não
escapamos ao ensino secundário. Decerto isso talvez também tenha o
p. 70-71 seu valor, pois aqueles que sobrevivem a isso com uma verdadeira
“Reuni sob esse título as coisas que havia escrito, à guisa de
vivacidade científica são verdadeiros casos, cada um deles lhe dirá. Por
estabelecer alguns pontos de referência, alguns marcos, como estacas que
exemplo, meu bom amigo Leprince-Ringuet, que se cretinizava ao mesmo
enfiamos na água para amarrar os barcos, para o que eu ensinara de tempo que eu no colégio em que usei calças curtas, logo escapuliu de
forma hebdomadária durante cerca de vinte anos. Não julgo haver-me forma viva e brilhante. Já eu precisei da psicanálise para cair fora. Convém
repetido muito. Tenho inclusive bastante certeza disso, pois dei-me como dizer que não há muitos que se aproveitaram dela como eu”.
linha, como imperativo, nunca dizer de novo as mesmas coisas. Mesmo
assim isso causou certa sensação”.

p. 71 O engano* do sujeito suposto saber


“Durante esses longos anos de ensino, de tempos em tempos eu LACAN, Jacques. OUTROS ESCRITOS
compunha um escrito que me parecia importante colocar como um pilono, a Publicado em Scilicet, nº1, Paris, Seuil, 1968, p.31-41, 42-50 e 51-9.
marca de uma etapa, o ponto alcançado em tal ano ou em tal época de tal
ano. Depois juntei tudo isso. Caiu num contexto em que as coisas já tinham
percorrido caminho desde o tempo em que eu começara no ensino”. p.329
*O termo méprise, que ocupa lugar importante no ensino de
p. 72-73 Lacan, será neste volume preferencialmente traduzido por ‘engano’.
“Essa frase, vocês poderiam me dizer, talvez carregue uma desculpa. Apostamos, assim, menos em uma multiplicidade de termos que o
Isso poderia querer dizer que digo a mim mesmo que deveria ter feito um traduziriam adequadamente em diferentes situações (equivocação,
para o consumo comum, ou mesmo que vou fazer um. Sim, é possível. tapeação, enganação, confusão), e mais na capacidade da própria
Talvez eu tente. Mas não tenho esse hábito. Não há certeza alguma de que língua portuguesa em engendrar a méprise a partir de um termo
comum. (N.E.)
isso vá dar certo. Talvez valesse mais a pena eu tentar não forçar o meu
talento. Tampouco julgo que isso seja muito recomendável em si, pois o que p. 340
ensino vai acabar entrando no consumo comum. Haverá pessoas que se “Por isso é que há toda uma parte de meu ensino que não é ato
envolverão com isso, que o farão circular. Não seria absolutamente a analítico, mas tese, e polêmica inerente a ela, sobre as condições que
mesma coisa, claro, será um pouquinho mais laminado. Tentarão dar um redobram o engano próprio do ato com um fracasso em sua recaída”.
tom sensacionalista. Tentarão o máximo possível ressituá-lo em relação a
certo número de convicções bem sólidas que formam a base de cada um
nesta sociedade, como em qualquer uma”.
A psicanálise. Razão de um fracasso
OUTROS ESCRITOS
p. 78 Publicados em Scilicet, nº1, Paris, Seuil, 1969, p.31-41, 42-50 e
“Esse mecanismo que lhes faço observar opera de uma forma 51-9. Uma nota final do autor trazia os seguintes esclarecimentos:
totalmente atual. Isso não é teoria, não estou aqui para encher a bola da "estes textos não foram lidos, a isso se opondo o número e a
diversidade das platéias (de estudantes, na maioria) com que fui
teoria. Vocês podem vê-lo diante dos olhos, sem irem à faculdade, onde
honrado. Distinguem-se, pois, do que efetivamente pronunciei, e do
aliás encontra-se grande parte do que lhes ensinam sob o nome de qual resta a gravação. "Tiveram lugar dois outros encontros que eu
"filosofia". não havia preparado. Um no dia 16, em Pisa, sede da Escola
Normal Superior da Itália, que devo à amizade de Jean Roudaut; ali
p. 81 procedi por uma maiêutica à qual meus ouvintes se mostraram
propícios, diálogo este igualmente gravado. "No dia 18, o Instituto
“O que eu ensino, salta aos olhos que se relaciona com o que se Psicanalítico de Milão foi o cenário de outro, onde não consegui
chama de experiência psicanalítica. uma platéia informada. "Agradeço seu diretor, o professor Fornari,
por me havê-la fornecido numerosa, para um debate de melhor
tom. O professor Musatti esteve presente. "Os serviços dos preciso saber disso, para seguir a mecânica aqui) que meu ensino é o
Assuntos Culturais de que fui hóspede estão acima de qualquer único que, pelo menos na França, deu a Freud alguma continuidade”.
elogio: que os Srs. Vallet e Dufour, dentre todos aqueles a quem
sou grato, recebam aqui a homenagem por isso".
p. 294-295
“Imagina, bacharel – pois é preciso que eu te ajude para que saibas
p. 344
o que acontece no lado do qual teria o direito de esperar um ar diferente da
“Sendo o tráfico de autoridade a norma de seu mercado, vi-me, dez
safadeza a que tudo te promete –, imagina o que quiseres da “formação” do
anos depois, negociado a seus cuidados, e, como isso se deu nas psicanalista, a partir da obediência obtida de uma sala dos plantonistas
condições soturnas próprias da gangue annafreudiana, foi simplesmente (sala dos plantonistas significava revolta permanente, em certa época), a
minha cabeça que foi entregue como propina para a conclusão de um obediência, dizia eu, obtida de uma sala dos plantonistas, da Sala dos
gentlemen's agreement com a IPA, do qual preciso indicar aqui a Plantonistas do Sainte-Anne, para explicitar seu nome, pela Sociedade que
incidência política no processo de meu ensino”. representava em Paris a dita International, para que se proferisso ali, em
nome desta, a proibição de se cruzar a porta em que se realizava, a cada
quarta-feira no horário do meio-dia a dois passos dali, um ensino, o meu,
O que compete a meu nome são as partes caducas de meu ensino
que por esse fato, é claro, era objeto de um comentário mais ou menos
que eu pensava que ficariam reservadas a uma propedêutica, posto que apropriado, porém permanente”.
elas nada mais são do que o que me recaiu de uma incumbência
preliminar: ou seja, tirar a crosta de ignorância com que não é desfavorável p.295
que sempre tenha procedido o recrutamento para a psicanálise, mas que “Podes conceber, creio eu, o poder de penetração assumido pelo
adquiriu valor dramático por predominar em suas instalações primárias - na dizer assim circunscrito, pois não basta esconder-se num buraco, é preciso
andar na linha, e como fazê-lo quanto não se sabe o que é proibido
medicina e na psicologia, nominalmente.
pensar? É que, ao ignorá-lo, não é impensável que se passe a pensá-lo
sozinho: torna-se até mais do que provável, admitindo-se que possa haver
p. 346
num ensino, aliás aberto a toda e qualquer crítica, nem que seja o grão
“O patético de meu ensino é que ele opera nesse ponto. E é isso único de verdade com que queria homenagear Freud, embora guardando o
que, em meus Escritos, em minha história e em meu ensino, retém um espinho de ter sido repelido por ele, o responsável por uma ‘formação’ –
público que está além de qualquer crítica. Ele sente que aí se desenrola que, afinal, corresponde a seu título numa certa finalidade”.
alguma coisa da qual todo o mundo terá seu quinhão”.
p.297
“Dessa cepa provieram rebentos excelentes, muito dignos de ser
p. 358
conservados e geralmente citados com proveito, se não sempre com
“Ele não lhe ensina nada a esse respeito, não fazendo mais do que
pertinência, pelos que tentam traduzir meu ensino para o exterior”.
espreitá-lo, quando lhe sucede transgredir um ou o outro”.

A lógica da fantasia
Introdução de Scilicet como título da revista da EFP OUTROS ESCRITOS
OUTROS ESCRITOS Annuaire 1969 da Escola Prática de Estudos Superiores, p.189-94.
Publicado em Scilicet, nº1, Éd. Du Seuil, 1968, p.3-13.
p. 327
p. 288 “A fantasia, para tomar as coisas no nível da interpretação,
“Scilicet: tu podes saber, eis o sentido deste título. Podes saber desempenha nisso a função do axioma, isto é, distingue-se das leis de
agora que fracassei num ensino que por doze anos dirigiu-se apenas a dedução variáveis, que especificam em cada estrutura a redução dos
psicanalistas, e que, por obra deles, há quatro anos encontrou aquilo a que, sintomas, por figurar neles de um modo constante. O menor dos conjuntos,
em dezembro de 1967, na Escola Normal Superior onde falo, prestei
no sentido matemático do termo, ensina o bastante a esse respeito para
homenagem como ao número”.
que um analista, exercitando-se, encontre nele seu germe”.
p. 292
“Não lembrarei aqui o que resulta, ali onde um sistema simbólico
ganha ser por necessitar que o falemos, em se operar nele uma Alocução sobre o ensino
Verwerfung, ou seja, a rejeição de um elemento que lhes é substancial. A OUTROS ESCRITOS
fórmula é pedra angular de meu ensino: ele reaparece no real”. Publicado em Scilicet, nº2/3, Paris, Seuil, 1970, p.391-9.

p. 293 p.302
“Essa formulação lacaniana é a de uma transcrição tal que, depois “Numa palavra, este congresso foi para mim um ensino. Talvez
de haver reunificado o campo da psicanálise, confere ao ato que a sustenta
pareça muito apropriado dizer isso de um congresso sobre o ensino.
o status cujo ápice culmina nos últimos traços de meu ensino”.
Pois observemos, segundo Nemo, que por sua juventude nos dá
p. 294
esperança, que nosso congresso se anunciou como: ensino. Nada
“A cada inverno a passar, portanto, coloca-se a questão do que há de
negociável em ser aluno de Lacan. Trata-se de uma ação, no sentido da menos: não ensino da psicanálise, mas ensino puro e simples.
bolsa de valores, que se concebe que seja mantida, quando se sabe (é
“Que algo seja para vocês, ao nos exprimirmos assim, um ensino
não significa que com ele vocês tenham aprendido alguma coisa, que dele Dizer por qual receita se organiza essa produção não seria nada
resulte um saber”. além de deixar a atual crise da Universidade revelar-se como estrutura,
para fazer a seu respeito um refrão que é o nosso: é um ensino.
p.303
“Dou a isso uma reflexão, balística, entendam-na, ao me espantar de p. 306-307
que a todo instante tenha parecido evidente que o ensino era a “É evidente que é no que o mais-de-gozar, que se encarna nos
transmissão de um saber, tomando-se por horizonte o pêndulo que vai e aluninhos-de-professor, se mantém em nada ensinado, exceto
vem entre aquele que ensina e o ensinado*: a relação entre eles – por utilizando-se do professor, que aqueles que têm de família essa receita
que não? – é o barco que convém, ao encontrar, na grande feira de nossa destacarão os significantes-mestres que são não a produção, mas a
época, seu impulso, não mais disparatada do que a relação verdade da Universidade (cf. S 1 no quadrípode). Isso, por ser difundido por
médico-paciente, por exemplo.
Oxford e Cambridge, ou seja, exageradamente estendido para não ter se
*Traduz-se via de regra o par enseignant-enseigné como distendido, guarda ímpeto igualmente vivo em lugares de não menor
"professor-aluno". Fugimos aqui a esse uso para esvaziar sua impudência”.
oposição, como faz Lacan. (N.E.)
p.307
Uma observação para sanear nosso caso: pode ser que o ensino “Mas convém notar aqui que, para chegar ao ensino, o saber deve,
seja feito para estabelecer uma barreira ao saber. O mais humilde dos por algum aspecto, ser um saber de mestre, ter algum significante-mestre
pedagogos, como diríamos sem rir, pode dar a qualquer um essa suspeita. que constitua verdade. Essa é a marca das chamadas artes liberais na
Universidade medieval. A liberalidade que lhes confere seu mandato não é
Donde brota a pouca evidência, digamos, da relação saber-ensino. outra coisa... Podemos deter-nos nos exemplos em que a usura do tempo
permite discernir muito bem os fios da estrutura, ali onde eles já não têm
interesse por não conduzirem mais nada. Um saber que passa pelo
Talvez pareça exagerado postular que o saber é a coisa mais
companheirismo faz da mestria outra função”.
disseminada no mundo do que imagina o ensino?
p.308
Se parece que o psicanalista poderia ter atentado mais cedo para “Pela relação do saber com a verdade adquire verdade aquilo que se
aquilo em que o implica quase todo o que ele diz, não caberá também levar produz de significantes-mestres no discurso analítico, e fica claro que a
em conta que ensino cria aí obstáculo a que ela saiba o que diz? ambivalência daquele que ensina para o ensinado reside onde, por
nosso ato, criamos caminho para o sujeito, ao lhe pedir que se associe
Basta ver que, por esse viés, é o instinto que o desorienta, ideia que livremente (o que significa: que os faça mestres) aos significantes de seu
decorre apenas da fabricação do ensino. percalço.

Naturalmente, está em meus princípios não esperar nada do fato de Essa produção, a mais louca por não ser ensinável, como muito
meu discurso ser tomado como um ensino. Mas não passemos de
bem experimentamos, nem por isso nos libera da hipoteca do saber.
imediato a esse ponto, que gerou debate...”

p. 304 É pois um lapso que, ao ensaiar o ensino, alguns cometem, ao


“Portanto, professores, vocês me fizeram. Não sem que um certo propor sabe-se lá que subversão do saber.
des-ser me agarrasse; isso já deve estar sendo notado há algum tempo.
Nosso discurso não se sustentaria se o saber exigisse a
Sou eu mais ensinado por vocês? Pois esse não é o par obrigatório com
intermediação do ensino. Daí o interesse do antagonismo que enfatizo
que acabam de lhes martelar os ouvidos”. aqui entre o ensino e o saber. Não obstante, é sobre a relação entre o
saber e a verdade que nosso discurso levanta a questão, por não poder
Só posso ser ensinado à medida de meu saber, e professor resolvê-la senão pelos caminhos da ciência, isto é, do saber do mestre.
[enseignant], já faz um tempão que todos sabem que isso é para eu me
instruir. É preciso saber se esse discurso cai nas malhas do ensino.

p.305 Uma vez que, em suma, trata-se apenas disso: do embaraço que
“Resta saber se isso se ensina. É aí que convém voltar à meu ensino causa na Escola”.
observação de Nemo. Para o professor, procurá-lo além de sua tarefa, de
sua tarefa quanto ao saber, isto é: ele é efeito do ensino”. p. 308-309
“No que Kaufmann está bem servido para ventilar que, afinal, não
p.306 faço um “curso de psicanálise” (é justamente o que reivindico, e vê-se o
“O saber serve de agente, convergindo com nossa formulação, por mal-entendido) e que o melhor daquilo que inspiro satisfaz ao discurso
universitário – prova disso é que o grafo é de bom-tom e até de bom uso
se revelar como ensino. O ensino é o saber que é descaracterizado, em
suma, pelo lugar de onde ele impera. Perdoem-me aí o sumário, mas esse em muitos campos de ensino enquadrados pela Universidade.
em suma é também o saber colocado como Suma, com S maiúsculo, e – p. 309
por que me privar nessa via? – a suma, por estar presente, equivale à O que me salva do ensino é o ato, e o que atesta o ato é que
soma. O sono do saber gera monstros, na verdade civilizados: seguindo o nunca tive dia seguinte para meu abrigo, nem abrigo que eu tenha daquilo
guia de meu $ barrado, vocês podem ver que o professor encontra-se aqui que, permanecendo surdo a minha contribuição, dá-se ao luxo de ostentar
no registro da produção, o que não sai do verossímil.
que pode prescindir da falta dele para subsistir essencialmente: o que é λέκτοѵ viu-se traduzido a meu gosto, sem que me gabe disso, sendo mais
evidente quanto à Universidade, sendo visível, de resto, para todo mundo”. estoico do que estoicólogo diante do que se possa censurar nele”.

p.310
“O que realmente me cabe acentuar é que, ao se oferecer ao
Prefácio a uma tese
ensino, o discurso psicanalítico leva o psicanalista à posição do
psicanalisante, isto é, a não produzir nada que se possa dominar, malgrado OUTROS ESCRITOS
a aparência, a não ser a título de sintoma”. Publicado sob o título de “Préface” na abertura do livro de Anika
Rifflet-Lemaire, Jacques Lacan, Bruxelas, Charles Dessart, 1970,
p.9-20. O livro foi reeditado com o mesmo título pela editora Pierre
Mardaga, Bruxelas, 1977, incluindo o prefácio (p5-16).
Discurso na Escola Freudiana de Paris
OUTROS ESCRITOS p. 390
Publicado em Scilicet, nº2/3, Paris, Seuil, 1970, p.9-29. “Discurso impensável, por só ser possível sustentá-lo no que se é
ejetado dele. Perfeitamente ensinável, no entanto, a partir de um
p.274 meio-dizer: ou seja, a técnica que leva em conta que a verdade só se diz
“Isso me faz lembrar um certo pateta (em inglês) de quem tive de
pela metade. Isso supõe que o psicanalista só se manifeste por um
suportar, em julho de 1962, as propostas sujas, antes que uma comissão de
inquérito de que ele era o intermediário pusesse em ação seu capanga. No discurso assintomático, o que é, de fato, o mínimo que se espera dele”.
dia previsto para o veredito, combinado desde o início da negociação, ele
saldou sua dívida para com meu ensino, então com mais de dez anos, p. 391
outorgando-me o papel de sargento-recrutador, parecendo surdos os “Não se trata, nesta data, de nada menos do que fazer com que se
ouvidos dos que com ele colaboravam, já que, por essa via, lhes competia, ouça meu ensino, que é enunciado do lugar mais eminente da psiquiatria
da história inglesa, bancar recrutas bêbados”. francesa a cada oito dias, já se vão sete anos, numa aula inédita, para seus
destinatários explícitos, psiquiatras e psicanalistas, que, no entanto,
p. 278 deixam-na à margem.
“Pois afinal não está o psicanalista sempre à mercê do
psicanalisante, ainda mais que o psicanalisante de nada pode poupá-lo O campo do psicanalista, se pensarmos bem, é muito mais na
configuração política do que na conexão praticante que se motiva o hábitat
quando ele tropeça como psicanalista, e menos ainda quando ele não
que ele encontrou na psiquiatria. Ele foi obrigado a isso por sua antipatia
tropeça? Pelo menos, é isso o que nos ensina a experiência”. pelo discurso universitário, antipatia esta que, apesar de só ter recebido de
meu ensino a sua razão, não tem menos eficácia quando, como sintoma,
p.279 traduz-se em instituições que veiculam ganhos secundários”.
“Ou ainda então, imaginem-me em 1961 sabendo que eu servia a
meus colegas para que voltassem à International, ao preço de meu
ensino, que dela seria proscrito. Continuei esse ensino, no entanto, eu, Radiofonia
ao preço de cuidar exclusivamente dele, sem querer me opor ao trabalho
de separarem dele meu auditório”. OUTROS ESCRITOS
Publicado em Scilicet, nº2/3, Paris, Seuil, 1970. P.55-99. Lacan
havia concordado em responder, para a rádio belga, às perguntas
do Sr. Robert Georgin.
Prefácio à edição dos Escritos em livro de bolso
OUTROS ESCRITOS p.404
Redigido para Écrits I, Paris, Seuil, col. Points Essais, 1970. P.7-12. “Se eu fraquejasse agora, não deixaria outra obra senão esses
Igualmente publicado em Écrits II, texto integral, col. Points, Paris, resíduos [rebuts] selecionados de meu ensino dos quais fiz trave para a
Seuil, 1999, p.364-369. informação, sobre a qual diz-se tudo ao afirmar que ela a difunde”.

p. 385 p. 408
“Em suma, ler-se-á meu chamado discurso de Roma de 1953 sem “Qualificar essa particularidade de arbitrária é um lapso que
que mais possa importar eu ter sido rigorosamente impedido – desde o Saussure cometeu, por se haver - decerto a contragosto, porém, com isso,
término imposto na França aos prazeres de uma Ocupação cuja nostalgia ainda mais exposto aos tropeços - "emuralhado" (já que me ensinaram
ainda iria assombrá-la durante vinte anos pela pluma de Sartre, tão precisa que essa é uma palavra minha) no discurso universitário, cujo abrigo
em seu refinamento –, rigorosamente barrado, dizia eu, de toda e qualquer mostrei ser justamente o significante que domina o discurso do mestre - o
tarefa, por menor que fosse, de ensino. A oposição a isso me foi do arbítrio”.
notificada como sendo proveniente de um certo Sr. Piéron, de quem, aliás,
não tive nenhum sinal direto a mim, a pretexto de minha
incompreensibilidade”.
Lituraterra
p. 387 OUTROS ESCRITOS
“Eu disse ‘para quem quiser ouvir’, pois tal articulação pressupõe um Escrito para o número dedicado ao tema “Literatura e psicanálise”,
discurso que já tenha surtido efeitos, efeito de λέκτοѵ precisamente. Pois é da revista Littérature, Larousse, nº3, out 1971, p.3-10; publicado na
por prática de ensino, na qual se demonstra que a insistência do que é abertura do número.
enunciado não deve ser tida como secundária na essência do discurso, que
ganha corpo, embora eu o tenha assinalado por essa qualidade desde seu
primeiro aparecimento, um termo meu: o ponto de basta. Com o qual o
p.16 comunicação recente na Sociedade de Filosofia, passou-me um artigo
“Aqui, meu ensino pode ser situado numa mudança de sobre o fundamento da matemática a respeito do qual observei ser de um
configuração que ostenta um lema de promoção do escrito, mas do qual nível dez ou vinte vezes mais elevado do que o que ele apresentara nessa
outros testemunhos – por exemplo, que seja em nossos dias que finalmente Sociedade. Ele me respondeu que eu não devia me espantar com isso, em
se lê Rabelais – mostram um deslocamento de interesses com que me vista das respostas que havia obtido. Como obtive respostas da mesma
afino melhor.
ordem no mesmo local, foi justamente isso que me tranquilizou, por ter
Estou ali, como autor, menos implicado do que se imagina, e meus articulado no mesmo nível certas coisas que vocês podem encontrar nos
Escritos são um título mais irônico do que se supõe, já que se trata seja de meus Escritos”.
relatórios, função de congressos, seja, digamos, de “cartas abertas” em que
faço um apanhado de uma parte de meu ensino”. p. 47
“Foi em torno do que é o sintoma que giraram os primeiros tempos
p.21 do meu ensino. De fato, os analistas se encontravam em tamanho
“Como dizer o que me fascina nessas coisas que pendem, nevoeiro quanto a esse ponto que o sintoma se articulava em sua boca
kakémono, como são chamadas, que pendem das paredes de qualquer
como recusa do citado valor de verdade. No fim das contas, talvez se deva
museu nesses lugares, trazendo inscritos caracteres chineses de formação,
que conheço um pouco, mas que, por menos que os conheça, ao meu ensino que isso já não se exiba com tanta facilidade. Mas a
permitem-me avaliar o que deles se elide na escrita cursiva, na qual o verdade não tem nenhuma relação com a equivalência, num único sentido,
singular da mão esmaga o universal, ou seja, propriamente aquilo que lhes do sintoma com o valor de verdade. A verdade faz entrar em jogo o ser do
ensino só ter valor pelo significante? Não o encontro mais ali, mas é por ente”.
eu ser novato. Não é nisso, aliás, que está o importante, pois, mesmo no
que esse singular apóia uma forma mais firme, e lhe acrescenta a p. 48
dimensão, a dizmansão, já disse eu, a diz-mansão do nãomaiskium “Seria um erro ironizarmos, porque, se ela deixou nervosos os
[papeludun], aquela pela qual se evoca o que instauro do sujeito no filósofos, é porque eles enervam todo mundo. É isso que se mostra na
Hum-dePlus, para que ele preencha a angústia d' Acoisa, ou seja, aquilo
denúncia, por parte dos analistas, do que eles chamam de resistência. Se
que conoto com o pequeno a, é aqui objeto por ser o cacife de qual aposta
a ganhar com tinta e pincel?” briguei durante toda uma etapa desse ensino do qual meus Escritos
carregam o vestígio, foi exatamente para interrogá-los sobre o que sabiam
do que estavam fazendo, ao introduzirem o ser desse maldito ente de que
Da incompreensão e outros temas falavam, não inteiramente a torto e a direito. De vez em quando, eles dão a
PARADOXOS amarelo isso o nome de homem, porém, ele é cada vez menos chamado assim,
Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de desde que passei a ser um dos que fazem algumas reservas a isso. Esse
seminários mensais, destinados aos internos de psiquiatria, Lacan ser não tem um tropismo especial com relação à verdade. Não falemos
escolheu como título "O saber do psicanalista". É que alguns de mais nisso”.
seus alunos, talvez inspirados pela leitura de Bataille, haviam, na
época, levantado a bandeira do "não saber". De fato, se as três
primeiras dessas "conversas", como as chamou Lacan,
corresponderam mais ou menos à sua idéia inicial, as quatro Estou falando com as paredes
seguintes, em contrapartida, gravitaram em torno das questões PARADOXOS amarelo
abordadas no grande Seminário que ele conduzia na praça do Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de
Panthéon, nos espaços da Faculdade de Direito, sob o título de seminários mensais, destinados aos internos de psiquiatria, Lacan
"...ou pior". Respeitei essa cesura, inserindo as quatro em seu lugar escolheu como título "O saber do psicanalista". É que alguns de
cronológico, o livro 19 do Seminário, onde fariam falta. As três seus alunos, talvez inspirados pela leitura de Bataille, haviam, na
primeiras, ao contrário, constituíram nele uma digressão. Foram época, levantado a bandeira do "não saber". De fato, se as três
estas que reuni neste pequeno volume. Elas foram pronunciadas primeiras dessas "conversas", como as chamou Lacan,
na capela do hospital nos dias 4 de novembro de 1971, 2 de corresponderam mais ou menos à sua idéia inicial, as quatro
dezembro do mesmo ano e 6 de janeiro de 1972. seguintes, em contrapartida, gravitaram em torno das questões
abordadas no grande Seminário que ele conduzia na praça do
p. 43 Panthéon, nos espaços da Faculdade de Direito, sob o título de
“Sublinho, de imediato, que esta fala é uma fala de ensino. O "...ou pior". Respeitei essa cesura, inserindo as quatro em seu lugar
ensino, no caso, eu o distingo do discurso. Como estou falando aqui no cronológico, o livro 19 do Seminário*, onde fariam falta. As três
primeiras, ao contrário, constituíram nele uma digressão. Foram
Sainte Anne - e talvez tenham podido sentir o que isso significa para mim,
estas que reuni neste pequeno volume. Elas foram pronunciadas
através do que eu disse da vez passada-, optei por tomar as coisas no na capela do hospital nos dias 4 de novembro de 1971, 2 de
nível, digamos, do elementar. Isso é completamente arbitrário, mas é uma dezembro do mesmo ano e 6 de janeiro de 1972.
escolha”.
p. 73
p. 43-44 “Não se sabe se a série é o princípio da seriedade. Entretanto,
"Quando foi à Sociedade de Filosofia fazer uma comunicação sobre encontro-me diante dessa pergunta. Ela se propõe a mim pelo fato de que,
o que eu chamava na época de meu ensino, fiz a mesma opção. Falei evidentemente, não posso dar continuidade aqui ao que se define noutro
lugar do meu ensino, chamado de meu Seminário, até porque nem todo
como se me dirigisse a pessoas muito atrasadas. Elas não estavam, não
mundo está informado de que faço aqui uma conversinha por mês. E como
mais do que vocês, mas foi antes a ideia que tenho da filosofia que quis
há pessoas que às vezes se dão o trabalho de vir de muito longe para
assim. E não sou o único. Um de meus melhores amigos, que fez uma
acompanhar o que digo alhures sob o nome de Seminário, não seria correto O aturdito
continuá-lo aqui”.
OUTROS ESCRITOS
Publicado em Scilicet, nº4, Paris, Seuil, 1973, p.5-52.
p. 75-76
“Do nosso ponto de vista de sujeitos, o que é que pode começar em
p. 473
três para o próprio Deus? Essa é uma velha pergunta que formulei muito
“Não há outro estofo a lhe dar senão esta linguagem de puro
depressa na época em que iniciei meu ensino, e depois não a renovei. Eu
lhes direi logo a resposta - é somente a partir de três que ele pode acreditar materna, com o que me refiro àquilo que é o único a poder ser ensinado:
nele mesmo”. isto, sem recorrer a nenhuma experiência, a qual, por ser sempre, tenha ela
o que tiver, fundada num discurso, permite as locuções que, em última
p. 79-80 instância, não visam outra coisa senão estabelecer esse discurso”.
“Vocês ouviram? Estou falando com a capela. É esta a resposta.
Estou falando com a capela, quer dizer, com as paredes. Tem cada vez p. 480
mais sucesso o ato falho. Agora sei com quem vim falar, é com aquilo com “É nisso que os matemas com que se formula em impasses o
que sempre falei no Sainte Anne - com as paredes. Faz um bom tempo.
Uma vez ou outra voltei aqui com um títulozinho de conferência sobre o que matematizável, ele mesmo a ser definido como o que de real se ensina
estava ensinando, e depois com alguns outros, não vou fazer a lista. de real, são adequados para se coordenar com essa ausência tomada do
Sempre falei com as paredes. real”.

p. 483
“Não podemos negar que há nisso um progresso em relação ao que,
Conferência de Lovaina
no Ménon, fica por questionar sobre o que constitui o ensinável.
Opção Lacaniana 78.
Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Esta conferência foi Certamente, a última coisa a dizer é que existe um mundo entre eles dois: o
pronunciada no dia 13 de outubro de 1972, na Grande Rotunda da que se trata é de que nesse lugar vem o real, do qual o mundo é apenas
Universidade Católica de Lovaina. Até onde sei, ela foi filmada pela um decaído derrisório”.
RTBF sem a autorização de Lacan.
p.484
p. 8 “Assim, um dizer como o meu, é por ex-sistir ao dito que ele permite
“Nunca tive a menor intenção de fazer-lhes uma conferência. Tenho o materna, mas não constitui materna para mim e, assim, coloca-se como
um ensino. Faço isto há ... sim, há muito tempo. Enfim, fiz isto durante não-ensinável antes que o dizer se tenha produzido, e como ensinável
dezessete anos e acreditem que preparo essas aulas. Mas é diferente vir apenas depois de eu o haver matematizado segundo os critérios
falar com pessoas que, a princípio, não têm disso tudo necessariamente menonianos, os quais, no entanto, não me haviam certificado disso.
mais do que esta coisa curiosa, não é mesmo? Esta coisa que se propaga
Do não-ensinável criei um materna por assegurá-lo pela fixão da
por meios impessoais, por meios imperceptíveis e, certamente, por mim
opinião verdadeira - fixão escrita com x, mas não sem recorrer ao equívoco.
desconhecidos, aquilo que faz com que eu tenha visto sobretudo crescer o
que se denomina minha audiência”.
Daí procedeu minha fixão desse ponto δόξα – o que eu não disse –;
eu não o conheço e, portanto assim como Freud, não posso dar conta
p. 17
‘daquilo que ensino” a não ser acompanhado seus efeitos no discurso
“Entre nós, quem busca o gozo? Resposta: o perverso. Isto é o
analítico: efeitos de sua matematização, que não vem de uma máquina,
ensino de Freud. Há alguns que são fãs do gozo e por ele estão prestes a mas que revela algo de troço, uma vez que ele a produziu.
fazer qualquer coisa. Isto os leva longe, sem dúvida, mas não os conduz
por um certo caminho com o qual se poderia imaginar que mesmo assim p. 486
tenham alguma relação, a via do gozo sexual. Inicialmente, há em Freud “O que a topologia ensina é o vínculo necessário que se estabelece
isto, que consiste em mostrar que o gozo sexual é o ponto ideal em relação entre o corte e o número de voltas que ele comporta, para que se obtenha
ao qual se referenciam os diversos gozos perversos, isto de um lado, e de uma modificação da estrutura ou d'asfera (com d e apóstrofo), único acesso
outro que todos os tipos de comportamento que lidam com o desejo concebível ao real, e concebível pelo impossível no que ele o demonstra”.
colocam-no em jogo de tal maneira que o de que se trata é que em nenhum
caso se atinge o gozo, e isto se chama neurose. Estes são os dois Televisão
avanços, as duas lacunas que Freud introduz. Os Três ensaios sobre a
OUTROS ESCRITOS
teoria da sexualidade, é isto que isso quer dizer”. Esse texto foi publicado num volume da coleção Champ Freudien,
Éd. Du Seuil, 1974 [Rio de Janeiro, Jorge Zahar, col. Campo
p. 30 Freudiano no Brasil, 1993].
“É a revelação dessa estrutura que é aquilo sobre o que - em casos
privilegiados que são precisamente aqueles que defini há pouco pela p.509
neurose - se funda , gira e se edifica o discurso analítico. Por isso, é “Irei mais longe: nada mais espero dos analistas supostos senão que
evidente que é preciso acentuar, precisar quais são os membros situáveis sejam o objeto graças ao qual aquilo que ensino não é uma auto-análise.
pela atividade linguageira, no âmbito mais elementar da função da Com certeza, quanto a esse ponto, é apenas por eles, aqueles que me
escutam, que serei ouvido. Mas, mesmo não ouvindo nada, um analista
linguagem. É isto que a análise nos ensina a situar, é isto que define o
analista”.
desempenha esse papel que acabo de formular, e a televisão, portanto, o prevíamos. Isso fará talvez com que tenhamos um dia uma noção sobre a
desempenha tão bem quanto ele”. evolução das leis”.

p. 515
p. 83
" Eu não o amo" , ensina Freud, vai longe nessa série, ao se “O que mais me espanta é ter tantos ainda ao meu lado. Não posso
repercutir ali”. dizer que nada fiz para retê-los. Não ando pendurado nos casacos deles.
Não temo absolutamente que as pessoas partam. Ao contrário, alivia-me
p.520
quando se vão. Mas, enfim, sou grato aos que ali estão por me devolverem
“É que, como o senhor sabe, pelo menos na SAMCDA de Paris, os
únicos elementos com que as pessoas se sustentam provêm de meu alguma coisa de tempos em tempos, o que me dá a sensação de que não
ensino. Ele se infiltra por toda parte, é um vento que se torna cortante, sou completamente supérfluo no que ensino, que lhes ensino algo que
quando sopra com muita força. Então elas voltam aos velhos gestos, vão se lhes presta serviço”.
reaquecer amontoando-se em Congressos.

p. 535
“Será possível dizer, por exemplo, que, quando O homem quer A A terceira
mulher, ele só a alcança ao encalhar no campo da perversão? É o que se Opção Lacaniana 62, dezembro de 2011
formula a partir da experiência instituída pelo discurso psicanalítico. Se isso outubro de 1974. Intervenção no VII Congresso da Escolha
Freudiana de Paris, Roma.
se confirmar, acaso será ensinável a todo o mundo, isto é, será
científico, já que a ciência abriu caminho partindo desse postulado?” p. 19
“É por isso, inclusive, que não há uma verdadeira sociedade fundada
no discurso analítico. Há uma Escola, que justamente não se define por ser
O triunfo da religião uma Sociedade. Ela se define pelo fato de que nela ensino alguma
PARADOXOS laranja coisa”.
Provém de uma "entrevista coletiva" realizada em Roma em 29 de
outubro de 1974, no Centro Cultural Francês, por ocasião de um
congresso [onde pronunciou A Terceira]. Lacan foi interrogado por
jornalistas italianos. O fenômeno lacaniano
Tanto o título como o subtítulo são de J.-A. Miller. Uma primeira Opção Lacaniana 68 e 69, dezembro de 2014
versão foi publicada no boletim interno da Escola da Causa Conferência realizada no dia 30 de novembro de 1974, no Centre
Freudiana, Les Lettres de l'École, nº16, 1975, p.6-26. Universitaire Méditerranéen de Nice, e publicada originalmente nos
Cahiers Cliniques de Nice nº1, em 1998. Uma nova edição foi
p. 73-74 publicada em setembro de 2011 nessa mesma revista, e foi esse
“Na Escritura judaica, a Escritura sagrada, vê-se muito bem para que texto que traduzimos.
serve que o Verbo tenha sido não no começo, mas antes do começo. É
que, como ele era antes do começo, Deus se julga no direito de fazer todo p. 13
tipo de reprimenda às pessoas, a quem dá um pequeno presente, do “Isto não tem nada a ver com o fenômeno no sentido, digamos, o
mais sério que é dado a esse termo. Como há aqui, suponho, algumas
gênero "perit-petit-perit", como se dá às galinhas. Ele ensinou Adão a
pessoas para desconfiar disso, é aquele que se opõe ao noumenon. São
nomear as coisas. Não lhe deu o Verbo, porque seria um negócio grande
questões filosóficas, dessas coisas que se arrastam no ensino”.
demais, ensinou-o a nomear. Não é grande coisa nomear, está
totalmente na medida humana. Os seres humanos não pedem mais que p. 14
isso, que as luzes sejam moderadas. A luz em si é absolutamente “O que eu queria era fazer com que o discurso analítico se
insuportável. Por sinal, nunca se falou de luz no século das Luzes, falou-se mantivesse suficientemente para que fosse ensinado de modo tão
de Aufklärung. "Tragam-me uma Luzinha, por favor." Isso já é muito. Mais rigoroso quanto a ciência. O que, no entanto, faz desse meu desígnio algo
até do que podemos suportar”. difícil ele realizar, é que, ainda que pense a respeito, a ciência ainda não
estabeleceu o seu próprio estatuto”.
p. 80
“Claro que aí ficamos completamente sem rumo. Como estamos
situados num ponto preciso do tempo, como dizer o que quer que seja a Conferência em Genebra sobre o sintoma
propósito de uma lei que, no dizer de Poincaré, não seria mais uma lei? Opção Lacaniana 23, dezembro de 1998
Mas, afinal de contas, por que não pensar também que um dia talvez Segundo as indicações que me foram fornecidas, a conferência,
anunciada sob o título "O sintoma” foi pronunciada no dia 4 de
saibamos um pouquinho mais sobre o real? - graças a cálculos, sempre.
outubro de 1975, no Centro Raymond de Saussure, num fim de
Auguste Comte dizia que nunca se saberia nada da química das estrelas, e semana de trabalho organizado pela Sociedade Suíça de
eis que, coisa curiosa, chega um troço chamado espectroscópio que nos Psicanálise, perante uma audiência composta por membros da dita
ensina coisas bem precisas sobre a composição química das estrelas. Sociedade e de convidados; o Sr. Olivier Flournoy fez a abertura.
Então, convém desconfiar, acontecem coisas, lugares de passagem Extraído de Le Bloc:Notes de la psychanalyse, nº 5, 1985.
absolutamente insensatos, que sequer imaginávamos e de forma alguma
p. 6-7
de sua própria análise, isto é, saber não tanto para que ela serviu, mas de
“Escrever não é, de modo algum, a mesma coisa, não se parece em que se serviu.
nada com o dizer, como ilustrarei mais adiante. Sucede que, durante a
época em que eu estava em Sainte-Anne, desejei que algo do que eu dizia Não há discussão aqui sobre o que ensino a esse respeito. Até os
permanecesse. Nessa época, eu editava uma revista para a qual, que lhe erguem obstáculos são forçados a levá-los em conta”.
propriamente falando, escrevia. Recolhi um certo número de artigos
publicados nessa revista. Como eu também havia escrito bastante coisas
antes, a metade dessa coletânea constitui-se desses escritos anteriores - Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos
que, estritamente falando, são escritos, e é simplesmente a isso que se
deve meu título, Escritos. Esse título escandalizou um pouco uma pessoa Escritos
de minhas relações, uma charmosa moça japonesa. É provável que a OUTROS ESCRITOS
ressonância da palavra Escritos não seja a mesma em japonês e em Publicado em Scilicet, nº5, Paris, Seuil, 1975, p.11-7; o título
francês. Por Escritos, eu queria apenas assinalar que era, de algum modo, original esclarecia, entre parênteses, o nome da editora: Walter
o resíduo de meu ensino”. Verlag. A edição alemã do primeiro volume dos Escritos foi lançada
em 1973 pela Walter Verlag, sob o título de Schriften I.
p. 7
“É pela via do olhar, à qual Olivier Flournoy, há pouco, se ~. referiu, p. 552-553
que o corpo ganha sua importância. A maior pane - mas não tudo - do que “Nada lhes ensina - nem mesmo o fato de Freud ter sido médico e
o homem pensa enraíza-se aí. É, de fato, muito difícil para um analista, de que o médico, tal como a apaixonada, não enxerga muito longe - que é a
visto o que ele tem a fazer, não ser aspirado - no mesmo sentido a que outro lugar, portanto, que eles precisam ir para ter o talento dele:
notadamente, fazendo-se sujeitos não de um repisamento, mas de um
aludi agora mesmo - pelo gluglu dessa fuga, dessa coisa que o capta, em
discurso, de um discurso sem precedentes, pelo qual sucede às
última instância, narcisicamente, no discurso daquele que Olivier Flournoy apaixonadas tornarem-se geniais, ao se orientarem nele - que estou
denominou, há pouco - lamento - o analisado. Lamento, pois já faz algum dizendo? -, ao inventá-lo muito antes que Freud o estabelecesse, sem que
tempo que o termo analisante, que proferi, um dia, em meu seminário, quanto ao amor, aliás, ele lhes sirva para nada, o que é patente.
adquiriu o direito de cidadania. Não somente na minha Escola - eu só
outorgaria a isso uma importância relativa, relativa a mim - mas também
porque esse analisante produziu uma espécie de efeito relâmpago na Nomina non sunt consequentia rerum
mesma semana em que o articulei. O Instituto Psicanalítico de Paris, que Opção Lacaniana 28, julho de 2000
está informado de tudo que falo - diria, inclusive mais, que o que digo é o Os textos "As identificações" (16/11/1976) e "O sistema tórico e a
principal do que ali se ensina, esse instituto deleitou- se com esse contra-psicanálise'' (14/12/1976) foram extraídos de Ornicar? n°
analisante que lhe serviu como um anel no dedo, mesmo que fosse 12/13; "Efeitos de significantes" (11/01/1977) de Ornicar' n° 14; "O
real continua o imaginário" (18/01/1977) de Ornicar? n° 15 e
somente para desincumbir o analista de ser o responsável, na ocasião, pela
"Nomína non sunt consequentia rerum" (08/03/1977) de Ornicar' n°
análise”. 16. Todos foram traduzidos por Mário Almeida. As quatro aulas
subsequentes a estas estão publicadas em Opção Lacaniana, n° 22
p. 12 sob o título "Rumo a um significante novo".
“É um nome que não me é desconhecido. O Dr. Bovet fez-me uma
pergunta que acho muito boa, por assim dizer. Até que ponto, disse-me, p. 11
você se leva a sério? Não é nada mal e espero que isso encoraje vocês. “O que é que regra o contágio de certas fórmulas? Não acho que
Esse é o tipo de pergunta para a qual não estou nem aí. Continuar a ponto seja a convicção com a qual se as pronuncia, porque não se pode dizer que
de estar no vigésimo segundo ano de meu ensino implica que me levo a esteja aí o suporte do qual propaguei meu ensino. Cabe a Jacques-Alain
sério. Se não respondi foi porque ele tinha de tomar um trem. De todo Miller testemunhar a esse respeito - considera ele que o que tagarelei ao
modo, porém, já respondi a essa pergunta, implicitamente, identificando o curso desses vinte e cinco anos de seminário traz esta marca?”
sério com a série. Uma série matemática, seja ela convergente ou
divergente, quer dizer algo. O que enuncio é absolutamente dessa ordem. p. 13
“Tem uma coisa que me surpreende ainda mais que a difusão, a qual
Tento delimitar cada vez mais, tento fazer uma série convergente. Será que
consegui? Naturalmente, quando se está cativado... Contudo, mesmo uma se sabe que se faz a partir do que se chama meu ensino ou minhas
série divergente tem seu interesse, a sua maneira, ela também converge - idéias, nesta coisa que caminha sob o nome de Instituto de Psicanálise e
digo isso para as pessoas que teriam alguma idéia das matemáticas. Por se que é o outro extremo dos agrupamentos analíticos. O que me surpreende
tratar do Dr. Bovet, que se lhe transmitia esta resposta”. ainda mais, é que (...) o tal Jacques Derrida fez para esse "palavreado" um
prefácio fervoroso, entusiasta, (...). Eu não acho, devo dizê-lo, apesar de
que empenhei as coisas nesta via, que este livro nem este prefácio sejam
Talvez em Vincennes...
de muito bom tom. No gênero delírio, é um extremo. E estou assustado por
OUTROS ESCRITOS isso, de me sentir mais ou menos responsável por ter aberto as comportas.
Constituiu a abertura do nº1 do Ornicar?, boletim periódico do
"Champ Freudien”, janeiro de 1975, p.3-5; o texto indicava, sob o
título dado pela redação, “Proposição de Lacan”. Poderia também fechá-la. Poderia também reservar completamente
só para mim a satisfação de jogar com o inconsciente sem explicar a farsa,
p.316 sem dizer que é por esse truque dos efeitos de significante que se opera.
“Talvez em Vincennes venham a se reunir os ensinamentos em que Em suma, se não houvessem verdadeiramente me forçado, jamais teria
Freud formulou que o analista deveria apoiar-se, reforçando ali o que extrai feito ensino. Ao ler o que Jacques-Alain Miller publicou sobre a cisão de
53, não se pode dizer que seja com entusiasmo que tomei o resgate
(relève) sobre o assunto do inconsciente”. O mal entendido
Opção Lacaniana 72, março de 2016
Pronunciado em 10 de junho de 1980.
p. 15
“Sr Z - Também acredito, mas a via não passa pelo processo do p. 9
“Interessa-me ver o que se passa quando minha pessoa não serve
simbólico. Não é para pôr em dúvida ou em falta seu ensino.. .
ele anteparo para o que ensino. É possível que meu matema ganhe com
isso”.
Dr Lacan - Não há nenhuma razão para que não se ponha meu
ensino em falta. Eu tento dizer que a arte está além do simbólico. A arte é
um savoir-faire, o simbólico está no princípio do fazer. Acredito que há mais
verdade no dizer que é a arte que em qualquer blá-blá-blá. Não é dizer que
Considerações sobre a histeria
isso se faça por qualquer via. E não é pré-verbal - é um verbal a segunda Opção Lacaniana 50, dezembro de 2007
potência”. Essa carta, dirigida sob a forma mimeografada a partir de uma
primeira transcrição publicada com minha autorização no segundo número
de Quarto, em 1981.

Entrevista sobre ficção científica p. 19


Opção Lacaniana 80-81 O que é ensinar?

Em janeiro de 1976, Igor e Grichka Bogdanoff pediram a Jacques Tentamos provocar nos outros o saber haver-se aí, quer dizer, saber
Lacan, no final de uma seção de seu Seminário, que lhes falasse a se virar neste mundo que absolutamente não é um mundo de
respeito da ficção científica. Lacan os recebu em 4 de fevereiro de representações, mas um mundo de escroqueria”.
1977. Esta entrevista foi oublicada no livro: O efeito de ficção
científica (Paris, Robert Laffont, 1979, p.280-281). Reproduzimos
essas páginas com a autorização de Jacques-Alain Miller.
CONTRACAPA
p. 10 OUTROS ESCRITOS
“O inconsciente é a constatação de um saber, na medida em que ele
chega, em grande parte, ao ser falante. A ficção científica é o que articula “Lacan resumia em uma frase a lição dos Escritos: "o inconsciente
coisas que vão muito mais longe do que a ciência suporta como saber decorre do puro lógico, em outros termos, do significante." Os Outros
enunciado: a ficção científica é o mistério do ser falante. Certamente esse
Escritos ensinam que o gozo também decorre do significante, mas em
discurso 'científico' tem algo a ver com o saber; a questão que ele coloca é
sua junção com o vivo; que ele se produz a partir de "manipulações" não
a da introdução, pelo outro (e não o outro), da diferença no campo do gozo.
genéticas mas linguageiras, afetando o vivo que fala, aquele que a língua
Falei em algum lugar sobre o que diz respeito ao outro e não arriscarei
traumatiza”.
dizê-lo novamente. Se o inconsciente nos ensinou algo, é que em algum
lugar no outro isso se sabe, mas só podemos recolher fragmentos desse
saber”.

Carta de dissolução
OUTROS ESCRITOS
Essa carta, dirigida sob forma mimeografada aos membros da
Escola Freudiana de Paris, foi lida no seminário de 8 de janeiro de
1980; foi impressa no Annuaire 1982 da Escola da Causa
Freudiana.

p.319
“É por isso que dissolvo. E não me queixo dos referidos “membros da
Escola Freudiana” – antes, agradeço-lhe por ter sido por eles ensinado,
donde eu, eu fracassei, ou seja, me enrolei.

Esse ensino me é precioso. Tiro dele proveito”.

p.320
“Eu os abandono a fim de que eles me mostrem o que sabem fazer,
afora me estorvarem e fazerem desandar um ensino em que tudo é
sopesado”.

Você também pode gostar