DESCONCI, JP.O Que A Psicanálise Ensina? Como Ensiná-Lo? PDF
DESCONCI, JP.O Que A Psicanálise Ensina? Como Ensiná-Lo? PDF
DESCONCI, JP.O Que A Psicanálise Ensina? Como Ensiná-Lo? PDF
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
São Paulo
2022
JOÃO PAULO DESCONCI
São Paulo
2022
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins
de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação da Publicação
Ficha elaborada pelo Sistema de Geração Automática a partir de dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Bibliotecária da FE/USP: Nicolly Soares Leite - CRB-8/8204
Aprovado em:
Banca examinadora
São Paulo
2022
Para Nalu.
AGRADECIMENTOS
Agradeço carinhosamente a Professora Leny Mrech, por orientar meu caminho, pela
confiança, pela oportunidade de compartilhar minhas dúvidas e inseguranças e, sobretudo,
pela sua amizade.
Aos colegas da CLIPP, que sempre estiveram disponíveis para a conversa, bem
como, aos colegas da Escola Brasileira de Psicanálise, pela inspiração e pelo trabalho
incessante. Ao desafio insistente colocado a partir da transferência de trabalho que angustia,
mas convoca a não renunciar ao desejo.
À minha analista, Carmen Silvia Cervelatti que, de sua posição, sempre me convidou
radicalmente ao ato de reconhecer o meu desejo.
À Aline Allain, doce amiga que trago comigo desde o primeiro encontro com o texto
freudiano.
Ao cunhado Carlos Renato Braga, meu irmão que sempre torce por mim.
À minha mãe e melhor amiga, Luzia Levandoski Arce - este é seu presente de
aniversário!
À minha tia Laura Arce Pante, que, junto com minha mãe, foram minhas primeiras
professoras.
Dedico com entusiasmo este trabalho a Nalu Desconci Braga, minha afilhada e
sobrinha. Escrevi isso tudo visando transmitir-lhe a alegria de viver.
Aproveito para declarar meu amor a cada uma delas, mulheres da minha vida, com
todo o meu coração.
Ao meu querido avô Romualdo Arce (in memorian), modelo em sua simplicidade para
ensinar.
“Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca”.
Dom Quixote
Jean Cocteau
RESUMO
DESCONCI, João Paulo. What does Psychoanalysis teach? How to teach it? Thesis (Master's
degree). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2022.
The research investigated the contributions on the concept of teaching from the
Freudian discovery of the unconscious. The resulting subversion of reason, from a knowledge
that is foreign to consciousness and that, therefore, is not known, implies the impossibility of
teaching it. The study revealed how education can be moralized and repressive, contributing
to neurotic illness and dispensing with a discussion about the articulation between norms and
individual particularities.
Advancing in the scientific debate, starting from structural linguistics, and later, making
use of logic, mathematics and topology, the analytical discourse proposes a distinction
between teaching and transmission, from the significant function and the instance of the letter,
reaching a doctrinal of science itself that aims at the integral transmission of psychoanalysis,
not without the care of the subject.
This study is justified for the University and for Education, in the search for updating
the theme, based on what Psychoanalysis teaches, and how to teach it, especially in Escola
Brasileira de Psicanálise.
Cette étude est justifiée pour l'Université et pour l'Éducation, dans la recherche d'une
mise à jour du thème, sur la base de ce qu'enseigne la psychanalyse, et comment l'enseigner,
en particulier à Escola Brasileira de Psicanálise.
INTRODUÇÃO...........................................................................................................1
MÉTODO....................................................................................................................9
Corpus teórico..............................................................................................19
Tesauro.........................................................................................................35
A Escola Brasileira de Psicanálise.............................................................40
Capítulo 1: Painel geral..........................................................................................55
Capítulo 2: FREUD e a Educação..........................................................................65
Capítulo 3: O impossível de ensinar.....................................................................84
A Ciência.......................................................................................................90
O Ensino.......................................................................................................95
A Universidade...........................................................................................104
Capítulo 4: LACAN e seu ensino.........................................................................109
A Primeira...................................................................................................113
A Segunda..................................................................................................145
A Terceira....................................................................................................150
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................167
Anexos
Corpus teórico
Tesauro
1
INTRODUÇÃO
O desdobramento dessa hipótese é o de que aquele que fala não sabe o que
diz e, como o que se transmite é a falta daquele que ensina, o desejo é condição sine
qua non para que a transmissão aconteça, uma vez que é justamente ele que é
transmitido. A angústia é incluída, funcionando como combustível que alimenta o
desejo de saber.
Nesse sentido, Mrech, em seu livro, Mas afinal, o que é educar? (2005, p. 13),
ao se perguntar como atingir o real da Educação, indica que a Psicanálise traz outra
resposta que pode nos servir de orientação a partir do curso de Jacques-Alain Miller,
A Orientação Lacaniana – O lugar e o laço (2000-2001). Na lição publicada na revista
Opção Lacaniana, Psicanálise pura, Psicanálise aplicada & psicoterapia (MILLER,
2017), ele aponta as premissas dessa distinção:
Os termos estabelecidos por Miller (2017) visam ecoar a diferença das três:
Psicanálise pura e Psicanálise aplicada (à terapia) em relação à Psicoterapia. A
Psicanálise pura é a noção de uma Psicanálise como uma prática que toma seu ponto
de partida na transferência que Lacan apresentou como um algoritmo do saber e que,
sendo levada às suas últimas consequências, encontra um princípio de parada –
condição para especificar a relação com o real. Sendo assim, a Psicanálise pura, com
o seu objetivo de passe, sustenta-se numa confiança dada ao saber: se há saber no
real, é claro que um acontecimento de saber sustenta-se.
Durante muitos anos, Sigmund Freud foi o único psicanalista. Sua perspicácia
e habilidade na escrita permitiram-lhe dar início à Psicanálise, bem como apresentar
suas constatações teóricas. Assim, conquistou adeptos, fundou uma instituição que
visava manter a unidade de sua prática e, ao longo de sua obra, indicou condições e
conteúdos necessários para a difusão da Psicanálise. Como pioneiro, tinha sua
maneira particular de analisar, tirando da experiência o domínio da transferência e
das resistências, por exemplo.
Freud conta que os psicanalistas, médicos ou leigos, seus colegas, eram “[...]
pessoas de educação acadêmica, doutores em filosofia, educadores, juntamente com
algumas mulheres de grande experiência na vida e marcante personalidade.”
(1926/2014, p. 185). E, indicando a importância de não restringir a Psicanálise à
medicina, em favor de Theodor Reik, Freud responde a seu interlocutor a seguinte
pergunta: “Como e onde se pode aprender o que é necessário para praticar-se a
Psicanálise?” (FREUD, 1926/2014, p. 170).
• dos aprendizados pela participação ativa nas aulas das disciplinas cursadas
no Programa de Pós-Graduação da FEUSP e do IPUSP, bem como, de
eventos acadêmicos afins;
• da disciplina ministrada pela minha orientadora, Leny Magalhães Mrech,
sobre Autismo, na FEUSP, donde surgiu uma publicação pessoal minha,
intitulada Clínica e desconexão no autismo (2019, p. 114), na Carta de São
Paulo, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Texto esse apresentado
na ocasião das VIII Jornadas da Seção São Paulo da Escola Brasileira de
Psicanálise, Amor e Sexo em tempos de (des)conexões, em 2018.
• da experiência de monitoria de duas disciplinas ministradas pelo Professor
Doutor Rinaldo Voltolini, proveniente do estágio de docência, no Programa de
Aperfeiçoamento do Ensino – PAE;
• do procedimento de leitura integral das referências bibliográficas
fundamentais e complementares exigidas nas disciplinas cursadas e
monitoradas;
• e, especialmente, da submissão regular às análises críticas da professora
orientadora Leny Magalhães Mrech, tendo contado ainda com ensinamentos
e sugestões da Banca de Qualificação (em março de 2019), a partir das quais
a pesquisa também adquiriu maior criticidade e orientação.
Nesse sentido, o autor aponta dois registros distintos: por um lado, aquele do
estudo das disciplinas necessárias ao saber do psicanalista; por outro, a transmissão
propriamente dita da maneira como é preciso ler o inconsciente, não como coisa
morta, uma significação completa, um manual de Psicologia, mas como uma coisa
viva. Partir desse ponto não foi sem consequências para a presente pesquisa,
revelando-se constantemente como uma experiência de enfrentamento do impossível
de ensinar.
MÉTODO
a) O objeto
Assim, de sua álgebra fundada nos matemas, passando pelos grafos até a
composição do nó borromeano, encontramos em Lacan um esforço de sustentação
de um ponto de incompletude como via para a própria transmissão do real em jogo
na experiência psicanalítica. Partindo de seu aforisma de que “[...] não há
metalinguagem.” (1972/2003, p. 449), Lacan afirma que, a partir da teoria dos
13
Não há outro estofo a lhe dar senão esta linguagem de puro matema,
com o que me refiro àquilo que é o único a poder ser ensinado: isso,
sem recorrer a nenhuma experiência, a qual, por ser sempre, tenha o
que ela tiver, fundada num discurso, permite as locuções que, em
última instância, não visam outra coisa senão estabelecer esse
discurso. (LACAN, 1972/2003, p. 473).
É como limite à ideia de uma transmissão integral que Lacan nos levará de
um suporte a outro, com seu recurso à matemática, em suas diversas modalidades
de escrita, de certa forma passando por uma desilusão quanto à concepção do
matema na perspectiva de uma possibilidade de transmissão integral (MILLER, 2016).
Milner, em seu livro A obra clara (1996, p. 99), trata do matema como um pivô
do segundo classicismo lacaniano, considerando que apenas tal noção “permite
articular umas às outras as proposições relativas ao doutrinal de ciência, à letra, a
matemática e à filosofia.”. Além do O aturdito (1972/2003, p. 448), o Seminário XX –
Mais ainda – é repleto de fontes sobre o tema. É ali, inclusive que Lacan profere
porque a formalização matemática era seu objetivo e ideal: “[...] porque só ela é
matema, isto é, capaz de se transmitir integralmente” (1972-73/1985, p. 108).
uma tese que concerte à matemática, no entanto a distinção permanece, uma vez
que existem referências de Lacan que não derivam da doutrina do matema. Por outro
lado, o surgimento de uma doutrina explícita do matema modificou a relação que
Lacan tinha com a matemática e, por essa razão, com a matematização. Trata-se do
princípio do doutrinal de ciência que determina a transmissibilidade da Psicanálise, o
que se distingue do ensino.
Portanto, a topologia lacaniana não é uma substância que situe além do real
aquilo que motiva a prática e não é também uma teoria. É importante que a
impossibilidade de dizer a verdade do real se motive por um matema, mas pelo qual
se situe a relação do dizer com o dito. Consequentemente, deve-se dar conta de que
haja cortes do discurso (como a interpretação, por exemplo) que modifiquem a
estrutura e é por isso também que o analista deve ser, antes de tudo, o analisado,
sendo justamente por essa ordem que se traça sua carreira.
3
Redação do discurso proferido por ocasião da apresentação do relatório "Função e campo da fala e
da linguagem em Psicanálise" no I Congresso da Sociedade Francesa de Psicanálise, realizado em
Roma, em 26 e 27 de setembro de 1953. Publicado na revista La Psychanalyse, PUF, vol. I, 1956, p.
202-11, e 241-55.
16
b) O pesquisador
desconstrução de um ideal que visava dar conta de todo o saber sobre o ensino, e
que foi se deparando com um real que escapa, ao fundamento da castração e do
encontro com os furos no saber. Uma vez orientado pelo inconsciente e, sobretudo,
pela angústia ao lidar com o impossível, e em concordância com os referenciais
teóricos adotados, trata-se de uma pesquisa implicada na empreitada interpretativa
desse ponto opaco.
Dessa forma, tem-se que a hipótese originária da pesquisa mantém seu vigor
como um motor das investigações, mesmo tendo passado por contundentes
questionamentos. Se, por um lado, os efeitos de verdade passíveis de serem
produzidos a partir da aplicação do método de pesquisa só podem ser recolhidos por
cada um no particular de sua experiência, por outro, as condições e as premissas
para que tais efeitos possam ocorrer devem fazer parte da própria estrutura do
método. Confirma-se, desse modo, uma das premissas fundamentais da Psicanálise:
o universal que regula sua prática de investigação e tratamento é não-absoluto, ainda
que algo de uma universalização do saber deva ser obtido visando à transmissão.
Por outro lado, tais considerações nos permitem afirmar que, se nada nos
garante a priori que um atendimento clínico é analítico em seus efeitos – como no
caso da psicoterapia –, também nada nos permite dizer que uma pesquisa que se
desenvolve em interlocução com o universo acadêmico deixa, por isso, de ser regida
pelos princípios mais rigorosamente analíticos.
c) O texto
Corpus teórico
• A primeira delas diz respeito aos artigos que foram selecionados em favor da
pesquisa sobre a intersecção entre Psicanálise e Educação.
• O segundo caso, textos freudianos que se orientam mais diretamente ao
método, em suas lições elementares, recomendações, princípios, interesses,
contribuições e dificuldades na transmissão e ensino da Psicanálise. Desses,
textos históricos e que tratam de questões técnicas e conceituais foram
privilegiados os fundamentais para que, de sua leitura, fossem extraídas
indicações diretas de Freud, no que se refere à teoria e ao ensino.
• Em terceiro, como o ensino de Lacan se apoia firmemente no texto freudiano
– sendo essa uma das condições mais repetidas por ele para tanto, em
diversos escritos lacanianos, se fez necessária a apresentação dos textos de
Freud comentados por Lacan.
Porém, Milner aponta que é nos Scripta que se consuma o movimento, apesar
de os dois conjuntos conterem proposições de saber: isso quer dizer que Lacan
confiou integralmente na escrita (não no transcrito) para transmitir sua doutrina.
Sobretudo, vinculando-se às proposições que derivam da transmissibilidade do saber,
sua diferença salta aos olhos quando Lacan recorre às escritas matemáticas
(MILNER, 1996, p. 22). De todo modo, desde antes do matema propriamente dito, a
proposição transmissível deixa-se reconhecer, segundo o autor.
monádico e unitário em sua apresentação escrita, embora isso não deva ser tomado
para sugerir que seja completo, finalizado e definitivo. Colocado de outra maneira,
embora o título Escritos sugira claramente sua pluralidade quando escrito, e Lacan se
referiu, ele mesmo, a esse trabalho como uma coleção.
Somente cinco desses sete textos estão incluídos no índice do livro, onde
eles foram colocados em itálico, quais sejam: Abertura desta coletânea4 (LACAN,
1966/1998, p. 9); De nossos antecedentes (LACAN, 1966/1998, p. 69); Do sujeito
enfim em questão (LACAN, 1960/1998, p. 229); De um desígnio LACAN, 1960/1998,
p. 365); e De um silabário a posteriori (LACAN, 1960/1998, p. 725). Importa destacar
aqui que não estou me referindo aos apêndices, os quais devem ser considerados
separadamente.
sobre a teoria psicanalítica, no romance policial de Edgar Allan Poe (2008), para além
do imaginário, caracterizam a lógica simbólica do inconsciente, dentro da trama
dramática (1955b/1998, p. 13).
Figura 2 – Esquema L.
FONTE: Lacan (1955b/1998, p. 58).
No outro eixo, (S – A), Lacan aponta que, para além das relações narcísicas
e duais, existe o sujeito do inconsciente (S) que, por sua relação com a estrutura da
linguagem (A), funciona nessa ambiguidade. O esquema evidencia que a relação dual
do eu com sua projeção, a – a’ (indiferentes, sua imagem e a do outro) cria um
obstáculo ao advento do sujeito no lugar de sua determinação significante. A simetria
ou reciprocidade pertencente ao registro imaginário, e a posição de terceiro (A)
implica a do quarto, que recebe, conforme os níveis da análise, o nome do sujeito
26
6
Seminário de técnica freudiana de 10 de fevereiro de 1954, realizado na clínica da Faculdade do
Hospital Sainte-Anne e dedicado, durante o ano de 1953-54, aos Escritos Técnicos de Freud.
Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol. 1, 1956, p. 17 a 28 e 41 a 49.
27
pensamento de Freud sempre foi aberto à revisão: seria um erro reduzi-lo a palavras
gastas, já que cada uma das noções da Psicanálise possuía vida própria. Assim era
porque, ao longo de toda sua vida, Freud transformou os conceitos com base na
experiência clínica.
Não por acaso, a metáfora utilizada é “an ocean of false learning”, de autoria
de Berkeley e Lacan, ao contrário de Perelman, demonstra que não se trata de
analogia porque "Learning, ensino, na verdade, não é ciência, o que confirma que
esse termo [ensino] tem tão pouco a ver com o oceano quanto a mosca com a sopa.”
(LACAN, 1966/1998, p. 905).
935), em sua edição em português. Essa nota indica que o estilo de Lacan traz
dificuldades especiais à tradução, não só no sentido da compreensão, convocando o
leitor à decifração, mas também, por seu uso particular da língua francesa e suas
referências na cultura. Ali são apresentados os impasses e as soluções encontradas,
bem como se segue um glossário de termos, cuja tradução foi adotada na versão
brasileira.
Assim, no passo de seu título, o Escritos não continha nem sintetizava uma
teoria psicanalítica da escrita que Lacan havia desenvolvido com os anos, mas esse
mesmo título reforçou sua atenção. A partir dessa atenção, ele inaugurou reflexões
33
Para Lacan, o que escrevera, com a ajuda das letras, sobre as formações do
inconsciente, para recuperá-las de como Freud as formulara, por serem o que são,
efeitos de significante, não autoriza a fazer da letra um significante, nem a lhe atribuir
primazia em relação a ele. Pelo contrário, como ponto crucial, é sobre tomar a letra
como consequência decaída da linguagem habitada pela fala, numa economia.
8Escrito para o número dedicado ao tema "Literatura e psicanálise", da revista Littérature, Larousse,
nº 3, out. 1971, p. 3-10.
34
Miller conta ainda no prólogo que, anos depois, Lacan já não via no escrito
nada além de um dejeto e propõe que o objeto a, portanto, seria o alfa dos Outros
Escritos, mas não seu ômega.
Na ocasião, tendo sido perguntado sobre o motivo pelo qual disse que o
psicanalista estaria numa posição insustentável, define que uma posição
insustentável é justamente aquilo em direção ao qual todo mundo se lança: ‘analisar’,
‘governar’, Freud acrescenta ainda ‘educar’ – apontada por Lacan como uma posição
inclusive reputada como vantajosa, para a qual não apenas faltam candidatos, como
não faltam pessoas que são autorizadas a educar, “o que não quer dizer que tenham
a mínima ideia do que seja educar” (LACAN, 1974/2005, p. 58). Para o autor, mesmo
sem perceber muito bem o que querem fazer quando educam, os candidatos tentam
assim mesmo ter uma ideia, mas que raramente refletem sobre ela e, finalmente,
quando o fazem são acometidos pela angústia.
Nessa entrevista, Lacan conta que se interessou por um excelente livro que
tem relação com a educação, uma antologia dirigida por Jean Château, Os Grandes
Pedagogistas (1978) e, ao lê-lo, segundo sua crítica, percebe-se o que é o cerne da
educação: certa ideia do que é preciso para fazer homens, como se fosse a educação
que os fizesse (LACAN, 1974/2005, p. 59). Portanto, para ele, os educadores são
pessoas que julgam poder ajudar, considerando inclusive que há um mínimo a ser
dado para que os homens sejam homens.
Tesauro
dos seminários (datas, temas abordados e lugares) que serviram como tecido para o
último capítulo da dissertação, num exercício de entrelaçamento de quatro eixos:
O Bibliô Referências, por sua vez, foi uma iniciativa coordenada pela
psicanalista Mirta Zbrun – membro da Escola Brasileira de Psicanálise – e teve como
propósito oferecer ao leitor ferramentas de estudo, de reflexão e de pensamento na
psicanálise de Orientação Lacaniana, contribuindo desse modo para a atualização da
prática analítica, de seu contexto, de suas condições, de suas coordenadas inéditas
no século XXI. O livro Lacan, Referências do seminário 19… ou pior (1971-72, 2013),
edição bilíngue, é uma ferramenta de trabalho imprescindível para o prosseguimento
da elaboração coletiva que tem como marco o Seminário Internacional da Escola
Brasileira de Psicanálise - haun - Leituras do Seminário 19… ou pior, de Jacques
Lacan, realizado em Buenos Aires em novembro de 2013, com concomitante
publicação em português e espanhol do Seminário 19... ou pior (1971-72/2013). Ali,
se encontra o conjunto de elementos de uma obra escrita, onde se deverão destacar
título, autor, editora, local de publicação e outros dados que permitam ao leitor a
identificação da referida obra.
A Escola de Psicanálise
Essa noção de que um ensino ocorre numa afirmação que não é anônima,
invoca que ele seja localizado numa comunidade epistêmica real e, por isso, se fez
necessária uma retificação no sentido dessa conclusão da autora. Durante todo o
percurso, senti-me endividado para com a Educação, entendendo que, por estar
dentro de um departamento tal, precisava falar sobre o que fazia eu ali. Se não ‘o que
fazia ali?’ ou ‘o que poderia fazer?’.
Sabemos que Freud criou uma instituição para garantir a difusão de sua
teoria, no entanto Lacan, desde antes do início de seu ensino fazia críticas à técnica,
buscando elaborar as condições em que Freud inventou a Psicanálise. Como no caso
do O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada11 (1945/1998, p. 197-213),
Segundo Leite (2000) ainda, “[...] em 1953, Lacan rompeu com a Sociedade
Psicanalítica de Paris, por motivos ligados à formação do psicanalista: um ponto ao
qual se opunha era a exigência de que os candidatos a analista fossem médicos.”
(2000, p. 24).
12 A segunda versão foi publicada em Les Études Philosophiques, número especial de outubro-
dezembro de 1956, para a comemoração do centenário do nascimento de Freud. A primeira versão
existe apenas como separata.
42
espera de um psicanalista”. Afinal, fazendo dos termos freudianos não preceitos, mas
conceitos, “como se pode ser psicanalista?” (1956/1998, p. 461).
Lacan conta que foi com a vulgarização dos termos psicanalíticos, que o real
problema foi levantado. A partir do momento em que o paciente conhecia as
interpretações, quaisquer metáforas, largamente utilizadas na imaginação da
experiência analítica, passaram a inundar os manuais de modo que as formas do
ritual técnico se valorizavam proporcionalmente à degradação dos objetivos –
introduzindo “[...] no ensino uma exigência inédita: o inarticulado” (LACAN,
1956/1998, p. 465). Se o trabalho inicialmente parecia hercúleo, passa a ser absurdo,
tal como o de Sísifo.
Em sua primeira lição do que seria seu décimo primeiro seminário, intitulada
Excomunhão (LACAN, 1964b/2008, p. 9), segue sua investigação, sobretudo, a partir
desse evento: “Em que estou eu autorizado?”, no caso a dar continuação ao seu
ensino.
Dessa fundação como um ato, antes de qualquer coisa, Lacan reforçou sua
particular relação com o ensino. Nesse sentido, propôs que, se necessário, dentre os
impasses de sua posição em tal Escola, seriam incluídos somente aqueles que a
própria indução a que visava como ensino engendrariam o trabalho (1964b/2003, p.
237).
13
O texto, a princípio difundido sem título e sob forma mimeografada, em junho de 1964, foi impresso
pela primeira vez no Annuaire 1965 da Escola Freudiana de Paris, acompanhado pela "Nota adjunta"
e pelo "Preâmbulo". A nota, datada de 1971, e o Preâmbulo foram publicados no Annuaire 1977 da
Escola Freudiana de Paris.
45
14 vide https://clipp.org.br.
46
Desde então, o exercício que vai desde o passe até a formação de cartéis, é
complementada por Jornadas anuais em cada uma de suas seções ao longo do
Brasil, e suas atividades preparatórias, um encontro nacional a cada dois anos,
alternando com o Encontro Latino-americano de Orientação Lacaniana – ENAPOL,
igualmente bienal, sem deixar de acompanhar o Congresso da Associação Mundial
de Psicanálise, a cada quatro anos. Acrescento que o X Congresso, ocorrido em
2016, cujo tema era O Corpo Falante, foi no Rio de Janeiro e mobilizou especialmente
a participação dos membros, aderentes e psicanalistas não-membros em sua
preparação e execução, além da apresentação de produções de psicanalistas
brasileiros dentre diversos outros participantes dos demais países.
15Extraído de Scilicet, nº 1, Paris, Seuil, 1968. E sua primeira versão, extraído de Analytica, n. 8,
Paris: Lyse, abril de 1978.
48
Miller dá o pontapé inicial, com seu artigo A psicanálise, seu lugar entre as
ciências (MILLER, 2009, pg.13), junto com ele a Profa. Doutora Leny Magalhães
Mrech, orientadora deste trabalho, fala sobre A cientifização da educação: novas
encarnações do discurso científico? (MRECH, 2012, p. 155), ambos trabalhados
nesta dissertação, no capítulo 3 e 1, respectivamente.
Tânia Coelho dos Santos se pergunta: Existe uma nova doutrina da ciência
na Psicanálise de orientação lacaniana? (MARRELLO; SANTIAGO; COELHO DOS
SANTOS, 2012, p. 35) e a Profa. Dra Ana Lydia Santiago discorre sobre O saber da
ciência na educação, o sujeito da psicanálise e a pesquisa - intervenções sobre casos
de fracasso escolar (SANTIAGO; SANTIAGO, 2012, p. 319).
Márcia Maria Rosa Vieira, levanta a questão Psicanálise: uma ciência das
intimidades? (VIEIRA, 2012, p. 231) e Antônio Márcio Ribeiro Teixeira escreve sobre
A prudência do psicanalista (TEIXEIRA, 2012, p. 65). Esses últimos, também são
psicanalistas membros da Escola Brasileira de Psicanálise e atuam também na
orientação de pesquisas de pós-graduação no programa Teoria Psicanalítica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Psicologia da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), respectivamente.
Escrito a quatro mãos, Jésus Santiago e Ana Lydia Santiago, essa publicação
apresentam outro texto, justamente voltado para a Educação, intitulado Psicanálise
aplicada ao campo da Educação: Intervenção na desinserção social na escola
(SANTIAGO, A. L.; SANTIAGO, J., 2009, p. 66).
16 vide https://www.scielo.br/j/agora.
17 vide http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_serial&pid=1983-0769.
53
passe serve como mola propulsora, este trabalho sugere ainda dois exemplos da
novação que acontece nesse circuito. São eles:
Mrech, em seu artigo Mas afinal, o que é educar? (2005, p. 13), aponta que
a maior parte das políticas públicas contemporâneas se veem diante de impasses ao
se apoiarem numa concepção prévia do que seja a sociedade e a educação, e que
tendem a se direcionar por vertentes universalistas. Desse modo, alguns educadores
buscam ir além da crença na transmissão única e total para propostas que evidenciam
cada vez mais a complexidade de metodologias, estratégias e técnicas,
especialmente, dirigidas a cada aluno, considerando-o de modo particular.
Para Karl Popper, em seu livro Conhecimento Objetivo (1975), nem o mundo
físico nem o mundo de nossas percepções conscientes, de nossas sensações e
intuições subjetivas, podem servir de base a um conhecimento objetivo. Assim, a
subjetividade comprometeria a construção do conhecimento, que somente poderia
ser confiável na medida em que se objetivasse, tornando-se independente do sujeito
conhecedor e consubstanciando-se em teorias em sentido lógico. Com isso, os
aspectos psicológicos relacionados com a construção de tais teorias não seriam, em
sua visão, passíveis de um estudo verdadeiramente científico.
Para dar maior rigor a essa hipótese, Lacan, em seu escrito Subversão do
sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano18 (1960c/1998, p. 807-842),
considerou a distinção entre o enunciado (a representação concreta da língua) e a
enunciação (constitutiva do sentido do enunciado, a atualização da língua no
discurso). Trata-se de entender, portanto, que não existe uma correlação ou simetria
entre o que alguém enuncia e o que ele faz.
18 Comunicação feita num congresso reunido em Royaumont, por obséquio dos "Colóquios filosóficos
internacionais", sob o título "A dialética", a convite de Jean Wahl, 19 a 23 de setembro de 1960.
59
na fala do “eu”. O psicanalista foi explícito ao afirmar que, com relação ao sujeito do
inconsciente, não existe um modo de responder à pergunta “Quem está falando”, isso
porque “ele não sabe o que diz e nem sequer que está falando” (Lacan, 1960/1996,
p. 815).
Mrech (2005), lembra que Freud privilegiava uma crítica ao modelo moderno,
que reduzia o sujeito a um simples apêndice da sociedade, norteado por ideais sociais
e culturais gerais. Segundo a pesquisadora, a Educação, tanto na obra de Sigmund
Freud quanto na de Jacques Lacan, passou por severas críticas, até mesmo sendo
entendida como: “[...] um dos grandes fatores de alienação do sujeito, por sua
constante conexão com o ego, pela crença no saber instituído, pela ênfase na
tradição, pela adaptação pura e simples ao contexto institucional.” (MRECH, 2005, p.
143).
Não foi à toa que esse mesmo objeto – que eu, por outro lado,
designara como aquele em torno do qual se organiza toda a dialética
da frustração – que eu o tenha chamado, no ano passado, de mais-
de-gozar (LACAN, 1969-70/1992, p. 17).
De acordo com Freud, qualquer que seja a pergunta que uma criança faça,
ela será sempre a das origens. “De onde vêm os bebês?” é para ele a grande
pergunta, pois é a que põe em marcha o pensamento infantil. Para ele, a chegada de
um novo bebê na família, por exemplo, produz grande angústia na criança, a ponto
de impulsioná-la a pensar, determinando o movimento da criança rumo ao
conhecimento.
prazer que se destaca o princípio da realidade, servindo não para encontrar, para
além da alucinação, o referente objeto inicialmente perdido, pela tendência do
princípio do prazer, mas para reencontrá-lo.
Com base nesse princípio, Voltolini (2011) diz que Freud formula então uma
educação para a realidade e, de fato, que a relação do ser humano com a realidade
tem a ver com uma perspectiva dinâmica e até mesmo econômica do prazer. Nesse
mesmo texto, Freud descreve a educação como “[...] um incentivo à superação do
princípio do prazer, à substituição dele pelo princípio da realidade.” (1911/2010, p.
121), com a pretensão de ajudar no processo de desenvolvimento do Eu.
Voltolini (2011) aponta que Freud até então acreditava ainda que essa
anarquia da sexualidade infantil poderia encontrar uma hierarquização quando da
instalação da pulsão genital que, supostamente, realizaria a síntese de todas as
outras pulsões na direção da finalidade reprodutiva, na ocasião da puberdade.
Freud aponta que, por mais estranho que pareça, a possibilidade de que algo
no próprio instinto sexual não seja favorável à plena satisfação, graças ao duplo
encetamento da escolha de objeto, com interposição da barreira do incesto, o objeto
71
definitivo do instinto sexual nunca mais é o original, mas apenas substituto. Segundo
Freud, a Psicanálise nos ensina que, quando um objeto original de um desejo é
perdido em consequência da repressão, frequentemente é representado por uma
série interminável de objetos substitutos, nenhum dos quais chega a satisfazer
plenamente. Em segundo, os instintos decompõem-se em diversos elementos, alguns
dos quais têm que ser suprimidos ou empregados de outra maneira.
Para ele, "A veemente supressão externa dos instintos fortes jamais obtém
que eles sejam extintos ou dominados, apenas promove uma repressão que
estabelece a tendência para um futuro adoecimento neurótico" (FREUD, 1913/2012,
p. 362). Assim é que Freud propõe uma possível profilaxia individual das neuroses,
dependente de uma educação psicanaliticamente esclarecida.
pelos intelectuais, mais pela vida inconsciente do que pela consciente e assim
destaca o vínculo implicado na relação com os educadores. Graças à transferência,
esse processo inconsciente que faz com que uma dada pessoa se vincule com
alguém, mais de acordo com uma suposição que temos dela do que a partir de seus
atos ou intenções reais.
Por outro lado, indica que o exercício da Psicanálise tem seu aval para o uso
dos educadores e, num único ponto, a responsabilidade do educador excederia à do
médico: o educador trabalha com material plástico, sensível a toda impressão, e deve
impor-se a obrigação de não formar a jovem psiquê de acordo com seus ideais
próprios, mas conforme as predisposições e possibilidades inerentes ao objeto. Por
fim, Freud afirma seu desejo de que o emprego da Psicanálise na Educação cumpra
as esperanças e apresenta o livro de Pfister como um que terá reconhecimento no
futuro nesse sentido.
É que a incitação a formar o ideal do Eu, cuja tutela foi confiada à consciência
moral, partiu da influência crítica dos pais intermediada pela voz, aos quais se
juntaram no curso dos tempos educadores, instrutores e, como uma hoste inumerável
e indefinível, todas as demais pessoas do meio (o próximo, a opinião pública etc.). A
instituição da consciência moral seria, no fundo, uma corporificação inicialmente da
crítica dos pais, depois da crítica da sociedade, e, assim, a autocrítica da consciência
moral coincide no fundo com a auto-observação.
caso (em que a utilização da libido é sintonizada com o Eu), amar é visto como
qualquer outra atividade do Eu.
Por outro lado, o amar em si, como ansiar, carecer, rebaixa o amor-próprio, e
ser amado, achar amor em troca, possuir o objeto amado, eleva-o novamente. Sendo
a libido reprimida, o investimento amoroso é sentido como grave diminuição do Eu, a
satisfação amorosa é impossível, o enriquecimento do Eu torna-se possível apenas
retirando-se a libido dos objetos. O retorno da libido objetal ao Eu, sua transformação
em narcisismo, representa como que um amor feliz novamente, e por outro lado, um
real amor feliz corresponde ao estado primordial em que a libido de objeto e a libido
do Eu não se distinguem uma da outra.
Assim é que se pode dizer que a teoria psicanalítica é uma tentativa de tornar
inteligíveis a transferência e a resistência, quando se relacionam os sintomas de um
neurótico e suas fontes no passado. Freud destaca que...
Por outro lado, Freud aponta que, enquanto ocorre o desenvolvimento do Eu,
as pulsões sexuais se destacam deles sendo detidas sob o domínio do princípio do
prazer até a puberdade, ocasionando maior proximidade delas com a fantasia, por
um lado e, por outro, entre o Eu e as atividades da consciência. Assim o Eu-de-prazer
não pode senão desejar enquanto o Eu-realidade necessita buscar o que é útil e
proteger-se dos danos.
Por outro lado, Freud aponta que a percepção de que a maioria das crianças
passa por uma fase neurótica no seu desenvolvimento traz consigo o gérmen de uma
questão higiênica no uso da Psicanálise como uma medida de prevenção, mesmo
81
quando não se mostra sinais de transtorno. Uma tal profilaxia da doença nervosa, que
provavelmente seria muito eficaz, mas que pressupõe uma constituição inteiramente
outra da sociedade. Segundo ele “[...] a senha para que a Psicanálise seja aplicada à
educação deve ser hoje buscada em outro lugar.” (FREUD, 1933/2010, p. 310): a
menos que isto seja insolúvel, deve ser encontrado um optimum para a Educação,
em que ela possa realizar o máximo e prejudicar o mínimo.
Para Freud, toda educação é facciosa, portanto, uma vez que busca inserir a
criança na ordem social vigente, sem considerar o quanto esta é valiosa ou
sustentável em si mesma. Quando se está convencido dos defeitos de nossas
instituições sociais, não é justificável pôr a serviço delas também a educação
82
De todo modo, esse outro objetivo será parcial e não é trabalho do analista
decidir entre as partes, isto é, a educação psicanalítica toma para si uma
responsabilidade que não lhe foi requerida, se se propõe a transformar seus alunos
em revolucionários. Ela terá feito a sua parte se deixá-los os mais sadios e capazes
possível, pois nela já existem fatores suficientemente revolucionários para assegurar
que o indivíduo por ela educado não se porá de lado da reação e da repressão na
sua vida futura.
83
Como conduta correta, para o analista: passar de uma atitude psíquica para
outra conforme a necessidade de não especular e não cogitar enquanto analisa, e
submeter o material reunido ao trabalho sintético do pensamento apenas depois que
a análise for concluída. Tais regras convergiriam para o objetivo de criar a
contrapartida da regra fundamental da associação livre.
84
Nesse momento Freud enfatiza que, tal como o cirurgião, que se deixem os
afetos e até mesmo sua compaixão humana, e concentrar num único objetivo: levar
a termo a operação do modo mais competente possível, sem esquecer a ameaça do
furor sarandi, a ambição terapêutica apoiada no convencimento. Outra tentação vem
da atividade pedagógica, diz Freud (1912/2010, p. 280) que, no tratamento analítico,
recai sobre o psicanalista, sem que haja a intenção por parte dele.
A partir dela, Freud indicou que devemos considerar a objeção de que, não
seguindo essa orientação, o estudante jamais aprenderia a psicanálise propriamente
dita – também indicada por ele como a 'verdadeira prática'.
puramente psicológicos – tal como o de pulsão, e é por essa mesma razão que há
certo estranhamento.
Freud vai além quando fala sobre outra dificuldade (1916-17/2014, p. 110),
afirmando que, em duas de suas formulações, a Psicanálise ofende o mundo inteiro
e atrai aversão, apontando que não devemos subestimá-las, uma vez que são
poderosas. Adianta que forças afetivas operam em sua manutenção e a luta contra
elas é dura.
negue a tal emprego ou mesmo que ela acabe por contribuir para o adoecimento
neurótico.
Não é fortuito que essa segunda formulação seja justificada a partir do sentido
suposto aos atos falhos, por exemplo: a censura da intenção de dizer algo é condição
imprescindível para que o lapso verbal ocorra. Eles não ocorrem somente a partir da
interferência mútua de duas intenções distintas, mas também que, em sua execução,
uma dessas intenções precisa experimentar certo rechaço para que, mediante a
perturbação da outra, possa manifestar-se.
É preciso que ela tenha sofrido perturbação antes que possa se transformar
em intenção perturbadora, revelando que não é o caso de que ela seria
completamente rechaçada, mas que o ato falho é uma solução de compromisso, e
significa a um só tempo sucesso e insucesso parciais. Isso revela condições especiais
necessárias para o surgimento de um ato falho como formação substitutiva,
determinantes para o jogo de forças na psiquê, como manifestações de tendências
dotadas de metas, que trabalham em consonância ou dissonância umas com as
outras, em sua concepção dinâmica dos sintomas.
Mais além, Freud afirma que o real significado dessas descobertas está na
contribuição que os mecanismos da formação dos sonhos são modelares para a
forma como surgem os sintomas neuróticos.
Quando Freud toma o aspecto simbólico dos sonhos, traz uma lista extensa
de significados a partir dos elementos oníricos sobre os quais o próprio sonhador dá
informação nenhuma ou insuficiente. De todo modo, indica que a interpretação
desses elementos pode ser extraída das mais diversas fontes, dos contos de fadas e
dos mitos, dos contos burlescos e chistes, do folclore – isto é, do conhecimento das
tradições, dos costumes, dos provérbios e das cantigas populares – do uso poético e
do uso cotidiano da língua. A partir daí, aponta o quão rica e interessante seria uma
tal coletânea de exemplos colhida da mitologia, antropologia, linguística ou folclore.
A partir do estudo dos atos falhos, portanto, Freud extraiu uma concepção do
elemento do sonho e uma técnica interpretativa. Resultou disso que o sonho como
um todo é sucedâneo deformado de outra coisa, inconsciente, e que a tarefa da
interpretação do sonho consiste em encontrar esse algo inconsciente.
A Ciência
Para Miller, em seu artigo A psicanálise, seu lugar entre as ciências” (2012),
primeiramente, é importante que partamos do lugar da Psicanálise nas ciências, uma
vez que seu lugar aí é bastante incerto. Segundo ele, os cientistas e os epistemólogos
concordam que Freud foi, talvez, há muito tempo, um dos seus, mas eles estimam
que isso não tenha durado.
aproximando-se das Ciências Sociais, de tal forma que sua conferência intitulada O
mito individual do neurótico19 (LACAN, 1952//1998, p. 11), assinala “[...] o início de
uma referência estruturalista da forma”. Essa expressão encontra-se no artigo de
1949, A eficácia simbólica (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 201). No tratamento
psicanalítico, explica Lévi-Strauss, "[...] é um mito individual que o paciente constrói
com a ajuda de elementos de seu passado", ao passo que "[...] no tratamento
xamanístico”, ele recebe "um mito social" (LEVI-STRAUSS, 1958/2008, p. 230).
Vê-se, assim, tudo o que uma análise estrutural do conteúdo do mito poderia,
por si só, obter: regras de transformação que permitem passar de uma variante a
20
Estenografia da aula inaugural do seminário realizado no ano de 1965-1966 na École Superieure
(rua d'Ulm), sobre "O objeto da Psicanálise", em 1º de dezembro de 1965. Publicado no primeiro
número dos Cahiers pour l'Analyse pelo Círculo de Epistemologia da École Normale Superieure, em
janeiro de 1966.
94
Lacan apontou assim que o alcance metafísico que tal fenômeno revela não
é separável do problema da significação para o ser em geral, isto é, da linguagem
para o homem em sua relação com a verdade (LACAN, 1965/1998, p. 166).
estruturais, permitindo que tal perspectiva de investigação exija uma formação que
reserve à linguagem seu papel substancial.
O Ensino
Maria Cecília Galetti Ferretti, que fez seu doutoramento nessa mesma
Faculdade de Educação e é membro da Seção São Paulo da Escola Brasileira de
Psicanálise, em seu texto sobre O Sujeito na Psicanálise e na Educação (FERRETTI,
1997), indica que Lacan endereça uma severa crítica à ciência ao afirmar que ela
sutura o sujeito. De acordo com a autora, Lacan propõe para a Psicanálise uma
formalização que lhe é própria. Afinal, as mudanças provocadas no sujeito por meio
do tratamento analítico, embora em tudo se distancie de uma transferência de
conhecimento, são efeitos de um elo social estruturado pelo discurso analítico.
Assim, a noção de ensinar – que pode ser correlacionada com o que ocorre
entre um eu que se dirige a um tu, a quem busca passar a mensagem a respeito do
conteúdo a ser aprendido, segundo Jakobson (1970), muda de estatuto, pois ao incluir
a dimensão do inconsciente, o conceito de transmissão aponta para o que excede ao
que se passa nesse âmbito.
96
Desse modo, Lacan apresenta nesse escrito algumas declarações feitas pelo
presidente da Associação Psicanalítica Norte-Americana, Dr. Knight, no ano de 1952,
descritivas do atual recrutamento dos candidatos à formação:
Lacan aponta especialmente que foi por recusarem como imprópria essa
interrogação de Freud – sobre o instinto de morte, que os psicanalistas de então
retornaram ao mais “primário egocentrismo, em contradição com a contingência que
Freud atribuiu ao objeto no destino das tendências psíquicas do eu” (LACAN,
1957a/1998, p. 443). Segundo ele, a imensa literatura em que essa contradição se
denuncia poderia compor uma casuística útil para demonstrar onde se situa a
resistência: nos efeitos imaginários da relação a dois, cujas fantasias fazem tomar
sua consequência como consistente, uma vez que o verdadeiro trabalho da análise
deve-se à sua natureza oculta.
Tal condição paradoxal nos convoca a responder a um ensino que lida com o
que não se sabe e para além da perspectiva da transmissão do conhecimento. Se,
para a Educação, o que se ensina costuma estar associado ao que se sabe e se
transmite de maneira mais ou menos organizada – do professor ao aluno, isto é: o
conhecimento – o que se chama aprendizagem; para a Psicanálise, como ensinar o
que não se sabe e que não se pode saber?
São apenas cinco as vezes em que, nos títulos, Lacan se refere diretamente
ao seu ensino, um desses escritos já foi apresentado acima – ele se chama A
Psicanálise e seu ensino (1957a/1998, p. 440), ponto de partida. Outras três ocasiões
são, especificamente: Então vocês terão escutado Lacan (LACAN, 1967a/2005),
Lugar, origem e fim do meu ensino (LACAN, 1967b/2005) e Meu ensino, sua natureza
e seus fins (LACAN, 1968/2005) – agrupados no terceiro volume da coleção
Paradoxos, publicada pela Editora Zahar, intitulado Meu Ensino (LACAN, 2005). Na
contracapa, Miller aponta que cada uma dessas intervenções de Lacan se tratava de
uma ação de comando, nas quais ele visava dizer quem ele é e o que faz. No primeiro
caso, Então vocês terão escutado Lacan23 (1967a/2005), nem sequer está a palavra
ensino, no entanto, seria impossível ler esse título sem ter escutado isso. Essa é a
definição de transmissão que compete à Psicanálise.
Essa conferência, sobre seu curso, trata da ideia de que as camadas que se
depositaram ao longo da história constituiriam aquisições que se adicionam e que ao
mesmo tempo podem se juntar para fazer a Universidade, no princípio da organização
do ensino. Contrariando essa ideia Lacan afirma que ela, a Universidade, é feita para
dar a ilusão de que as diversas etapas do pensamento se engendram numa
totalidade.
Afirma que exerce uma posição de ensino bem particular, pois ela consiste
em partir de novo sobre um certo ponto de surgimento da Psicanálise, com o
surgimento da ciência, mas que vai contra o brainstrust. Sobretudo com Freud, a
mensagem enigmática trazida pelos Escritos é a de que “[...] não passam de alguns
fios, flutuadores, ilhotas, pontos de referência que apresentei de tempos em tempos
às pessoas a quem ensinava.” (LACAN, 1967a/2005, p. 116), derrocando assim
aquela perspectiva acumulativa de saber.
Terminando sua fala, Lacan faz crítica aos usos de seus textos como aporias
ao saber que se ensina, uma vez que a ele interessa mais certo “desmuniciamento”
23
10 de junho de 1967 na Faculdade de Medicina de Estrasburgo. Havia em Estrasburgo um
importante grupo lacaniano, desenvolvido a partir da segunda metade dos anos 1950 em torno de
Lucien Israel, professor de psiquiatria e psicanalista. Este foi o incentivador do convite feito a Lacan.
100
Lacan diz que o psicanalista deve ser capaz, no nível de sua prática, de se
presentificar a todo instante como aquele que sabe qual é sua dependência em
relação à sua própria fantasia – isto é, “o que é para cada um o que ele não quer
radicalmente saber” (LACAN, 1967a/2005, p. 121).
Isto significa que ele acaba representando para o sujeito aquilo que o
progresso analítico deve enfim fazer este renunciar, a saber, o objeto
ao mesmo tempo privilegiado e o ob’jeto-dejeto a que ele mesmo
colocou em si. Posição dramática, uma vez que, no fim, o próprio
analista precisa saber eliminar-se desse diálogo como alguma coisa
que cai dele, e cai pra sempre. (LACAN, 1967a/2005, p.121).
No mesmo ano, mais no fim, na conferência Lugar, origem e fim do meu
ensino24 (1967b/2005, p. 10), Lacan apresenta seu ensino a partir de uma tríade de
significantes: lugar, origem e fim.
No que diz respeito à origem de seu ensino, Lacan indica que é a linguagem
e ressalta que Freud se apoiava na palavra e propõe o inconsciente como
24Em Lyon, a conferência é seguida por um diálogo com o filósofo Henri Maldiney. Realizada em
outubro de 1967, no Centre Hospitalier du Vinatier, em Lyon; posteriormente transcrita.
101
“estruturado como uma linguagem” (p. 37). Nada a ver como uma gênese. Portanto,
é dos algarismos e pequena letras que tem sua organização própria, a organização
da ciência.
Em seus fins, caberia ao ensino fazer psicanalistas à altura dessa função que
se chama “sujeito”, porque se verifica que só a partir desse ponto de vista se enxerga
bem aquilo de que se trata na Psicanálise. Finalmente, no que se refere à teoria da
psicanálise didática, “[...] já não seria má a preparação, se os psicanalistas
praticassem um pouco de matemática.” (LACAN, 1967b/2005, p. 53). Assim, o mínimo
seria que os psicanalistas percebessem que são poetas, diz Lacan.
O terceiro texto, Meu ensino, sua natureza e seus fins25 (LACAN, 1968/2005,
p. 69), conta que seu ensino fizera barulho de fato na ocasião da publicação de seus
Escritos (LACAN, 1966/1998), à guisa de seus escritos como marcadores de etapas,
o ponto alcançado em tal ano ou em tal época de tal ano, ajuntados. Mais além, até
considerados ilegíveis.
2520 de abril de 1968, em Bordeaux. Lacan foi a Bordeaux a convite de um grupo de residentes do
Hospital Psiquiátrico (CHS) Charles-Perrens.
102
• Isso sonha;
• Isso rateia, falha; e
• Isso ri.
Assim define que, para o professor, basta procurá-lo além de sua tarefa
quanto ao saber, tomá-lo como efeito do ensino, e isso depende de onde o discurso
lhe dá lugar:
Essa produção um tanto estranha por não ser ensinável, nem por isso nos
liberta da hipoteca do saber (S2), diz Lacan. Tal discurso não se sustentaria, se o
saber exigisse a intermediação do ensino. Assim, pode ser que o ensino seja feito
para estabelecer uma barreira ao saber, numa relação antagônica entre os dois
termos.
Este é o núcleo de onde procede o ensino de Lacan: dali onde o ato ordena
que a causa do desejo seja o agente do discurso (LACAN, 1970/2003, p. 308). Assim,
ao se oferecer ao ensino, o discurso psicanalítico leva o psicanalista à posição do
psicanalisante, isto é, a não produzir nada que se possa dominar, malgrado a
aparência, a não ser a título de sintoma. Lacan finaliza esse escrito com a seguinte
afirmação: “A verdade pode não convencer, o saber passa em ato.” (LACAN,
1970/2003, p. 310).
A Universidade
Quando pergunta Deve-se ensinar a Psicanálise nas universidades?
(1919/2010, p. 377), Freud já discernia sobre a conveniência desse ensino sob dois
pontos de vista, a saber:
105
O autor, aponta diretamente que a tese que distingue o impossível que toca
à Psicanálise do que toca o discurso do mestre e o que toca ao ensino, mais além do
que chama de “triunfo da universidade” (LAURENT, 2011, p. 268) – instituição
construída na cultura ocidental para dar lugar ao ensino, conforme apresentado no
Capítulo anterior.
27Constituiu a abertura do nº1 do Ornicar?, boletim periódico do "Champ Freudien”, janeiro de 1975,
p.3-5; o texto indicava, sob o título dado pela redação, “Proposição de Lacan”.
108
28
Texto publicado em: Ornicar? Paris, 17-18, p. 278. Tradução inédita em português, publicada pela
Correio, n. 65, revista semestral da Escola Brasileira de Psicanálise, na ocasião dos quinze anos da
escola.
109
Em seu escrito Nota italiana29 (LACAN, 1973/2003, p. 71), Lacan afirma que,
para assentar o discurso psicanalítico, se fazia necessário colocá-lo à prova. Sugere
ali que sua partida acontece com a proposição do passe e do analista da Escola, uma
vez que “[...] o analista só se autoriza de si mesmo” (1973/2003, p. 311). Isso não
quer dizer uma auto autorização, no entanto. Sua tese inaugural, ao romper com a
prática mediante a qual as Sociedades fazem da análise uma agregação, afirma que
é do não-todo que depende o analista.
Para isso, é preciso levar em conta um saber no real, ainda que não seja o
analista que tem de alojá-lo, mas sim, o cientista.
O analista aloja um outro saber, num outro lugar, mas que deve levar
em conta o saber no real. O cientista produz o saber a partir do
semblante de se fazer sujeito dele. Condição necessária, mas não
suficiente. Se ele não seduzir o mestre, ocultando-lhe que nisso está
sua ruína, esse saber permanecerá enterrado como esteve durante
vinte séculos, nos quais o cientista se julgou sujeito, mas apenas de
dissertação mais ou menos eloquente.
(Nota italiana, 1973/2003, p. 71).
Por outro lado, Lacan diz que seria preciso que a isso se juntasse “[...] o
clamor de uma pretensa humanidade, para quem o saber não é feito, já que ela não
o deseja” (1973/2003, p. 313) e que só existe analista se esse desejo lhe advier,
sendo por isso um certo rebotalho dela. É a suposição de outro saber elaborado de
antemão, do qual o saber científico forneceu modelo e pelo qual tem a
responsabilidade de haver transmitido unicamente aos rebotalhos da douta
ignorância um desejo inédito: a verdade não serve para nada senão para criar o lugar
onde se denuncia esse saber. Acreditar que a ciência é verdadeira a pretexto de que
é transmissível (matematicamente) é um delírio, existindo apenas a descoberta de
um saber no real, coisa que se verifica no dispositivo do passe.
Nesse escrito, Lacan indica que cabe ao grupo italiano um ponto favorável, o
fato de ser trípode (LACAN, 1973/2003, p. 311) e, uma vez que naquele momento
29
Esse texto, deixado inédito por J. Lacan, foi publicado em Ornicar?, nº 25, 1982, p. 7-10, precedido
por uma nota que esclarecia que "as pessoas implicadas não deram continuidade às sugestões aqui
expressas".
110
Para Lacan, enganam-se aqueles que, por encontrarem “já presentes” nos
Escritos (1966/1998) aquilo que depois o levou ao ensino. Nisso se desenha uma
26-27 de setembro de 1953. Publicado em La Psichanalyse, Paris, PUF, vol. I, 1956, p. 81-166.
32 Publicados em Scilicet 1, Paris: Seuil, 1968, p. 31-41, 42-50 e 51-59.
33 Intervenção no VII Congresso da Escola Freudiana de Paris, Roma.
111
Segundo Leite (2000), ainda “[...] em 1953, Lacan rompeu com a Sociedade
Psicanalítica de Paris, por motivos ligados à formação do psicanalista: um ponto ao
qual se opunha era a exigência de que os candidatos a analista fossem médicos”
(2000, p. 24). Em decorrência dessa ruptura, Lacan, junto com Lagache, formou a
Sociedade Francesa de Psicanálise, grupo que não obteve o reconhecimento da IPA,
uma vez que só seria reconhecido, caso Lacan se afastasse (LEITE, 2000, p. 25).
rS – sI – iR – iS – sS – SI – SR – rR – rS –
A Primeira
Ou seja, é como veículo que, em carne e osso, nós habitamos nesse lugar, o lugar
da linguagem. De todo modo, do outro lado, também o analista deveria remeter-se ao
papel que assume na ação da fala: “ouçamos o ‘eu’ [je] hesitante a partir do momento
em que ele precisa colocar-se à frente dos verbos... mediante os quais tem de fazer
com que seu desejo seja reconhecido em sua identidade.” (LACAN, 1953b/2003, p.
143). A distinção entre o sujeito do enunciado e o sujeito da anunciação se expressa
nisso diretamente.
Seguindo Lacan, “[...] pois essa revelação do sentido exige que o sujeito já
esteja pronto para ouvi-la, isto é, ele não esperaria se já não tivesse encontrado.”
(LACAN, 1953b/2003, p. 142).
Para ele, portanto, trata-se não mais de uma passagem para a consciência,
mas da passagem para a fala: “[...] é preciso que a fala seja ouvida por alguém ali
onde não podia nem sequer ser lida por ninguém – uma mensagem cujo código
perdeu-se ou cujo destinatário morreu.” (LACAN, 1953b/2003, p. 146). Ainda mais:
“E, para nos encaminhar do polo da palavra para o da fala, definirei o primeiro como
a confluência do material mais vazio de sentido no significante com o efeito mais real
do simbólico, lugar ocupado pela senha.” (LACAN, 1953b/2003, p. 158).
115
Partir da ação da fala por ela ser aquilo que funda o homem em sua
autenticidade, ou apreendê-la na posição original absoluta do ‘No
começo era o Verbo’, do quarto evangelho... significa... ir diretamente,
para além da fenomenologia do alter ego na alienação imaginária, ao
116
Assim, é que seu ensino apontava para certo questionamento sobre o magistério e a
mestria de um ensino de Psicanálise.
Segundo Miller, em seu livro Percurso de Lacan (1988), a partir daí “[...] seu
ensino toma a forma de um seminário de textos freudianos” (p. 17). E, de fato, cada
ano é dedicado a um conceito ou obra de Freud, bem como “[...] a validade das
estruturas de linguagem é verificada em toda extensão da Psicanálise” (1988, p. 18).
obscurantismo das leis que definiam a ciência de seu tempo: “Não é por nada que
lhes faço jogar o jogo do par ou ímpar”, diz Lacan (1954-55/1995, contracapa).
como tal, e sim, como “Máximo Absoluto”, Cusa propõe uma reflexão centrada na
ideia do saber que provém do não saber.
Aqui, ele aproximou da teoria freudiana uma leitura cuja estrutura é simbólica
e permitiu certos avanços na compreensão e formalização da técnica, sugerindo uma
articulação entre o primeiro esquema do aparelho psíquico em seu Projeto de uma
Psicologia (FREUD, 1995), o aparelho psíquico no A interpretação dos sonhos
(FREUD, 1900/2019), o Esquema L construindo seu Esquema óptico para a teoria do
narcisismo, para figurar a função imaginária do eu e o discurso do inconsciente
(LACAN, 1954-55/1995, p. 142).
A palavra pode exprimir o ser do sujeito, mas, até certo ponto, não
chega nunca a isso. Eis-nos agora tendo chegado a um momento em
que nos colocamos a questão – como se situar, em relação à palavra,
todos esses afetos, todas essas referências imaginárias que são
comumente evocadas quando se quer definir a ação da transferência
na experiência analítica? (LACAN, 1953-54/1994, p. 129).
Porém, se a associação livre que, por meio dos atos falhos, nos dá acesso
ao inconsciente, como conceber que se estruture em termos de linguagem? É por
volta do fim de seu terceiro seminário, As psicoses (1955-56/2008), que Lacan
estabeleceu a noção do Pai como ponto de basta, por meio da definição de signo
linguístico, segundo Saussure (2002), representada na Metáfora paterna.
Essa fórmula apresenta de que modo a dimensão simbólica do pai morto, isto
é, seu nome, metaforiza o enigma do desejo materno, permitindo a metonimização
do desejo. Isso tem um sentido preciso na economia do significante, aplicado à
metáfora que coloca o Nome-do-Pai, em substituição ao lugar primeiramente
simbolizado pela operação da ausência da mãe. Essa formalização teve efeito no
entendimento da função da metáfora na constituição do sujeito, para além da figura
de linguagem.
Figura 17 - Esquema R.
FONTE: Lacan (1957c/1998, p. 559).
37Remissão ao seminário dos dois primeiros semestres do ano de 1955-1956. Redação: dezembro
de 1957-janeiro de 1958. Publicado em La Psychanalyse, Paris: PUF, vol. 4, 1959, p. 1-50.
126
Figura 18 – Esquema I.
FONTE: Lacan (1957c/1998, p. 578.
Há nesse desenho uma relação de simetria entre falo, que está aqui
no vértice superior do ternário imaginário, pai, no vértice inferior do
ternário simbólico. Veremos que não há aí uma simples simetria, mas
uma ligação. Como é que já se faz possível eu adiantar que essa
ligação é de ordem metafórica? (LACAN, 1957-58/1999, p. 189).
Assim, Lacan mostrou que a relação da criança (C) com o falo se estabelece
na medida em que o falo é objeto do desejo da mãe (M). Segundo ele, o falo
desempenha papel essencial nas relações que o filho mantém com o casal parental.
Ainda mais longe, para Lacan, o pai é aquele que priva a mãe do objeto de seu desejo
– o objeto fálico. Lacan nomeia, então, o ponto de privação real da mãe, como ponto
nodal (1957-58/1999, p. 191), caracterizando o pai como aquele que castra, não o
sujeito, mas a mãe, a partir de sua função simbólica.
O primeiro deles foi apresentado por Lacan como “uma seleta de nosso
ensino” (1958a/1998, p. 649). Porém, mesmo pedindo desculpas aos que o
acompanhavam, já que ali se encontram “exemplos um tanto repisados” (1958a/1998,
p. 604), em nota de rodapé, afirmou que suas ideias já penetravam num grupo onde
eram obedecidas ordens que proibiam seu ensino, por serem malditas (1958a/1998,
p. 607). Apontou então que aqueles psicanalistas de sua época agiam com base num
princípio autoritário dos educadores de sempre e fiavam-se apenas na análise
didática, quando se fazia necessário reinventar a Psicanálise.
Lacan afirmou também que o analista é ainda menos livre em sua política,
onde ele faria melhor situando-se em sua falta-a-ser do que em seu ser. Isso tem
como efeito que tais diretrizes veicularão a doutrina com as quais o analista se
constitui no ponto de consequência que ela atingiu para ele.
A análise, portanto, refere-se a uma situação a dois, mas que Lacan alerta:
“não nos enganemos com a metáfora do espelho” (1958a/1998, p. 595), a questão
avançaria, segundo ele, no sentido de a transferência vir a ser tratada como uma
forma particular de resistência.
Isso quer dizer que, até então, era preciso desentulhar o imaginário como
demasiadamente valorizado pela técnica, o que teria sido uma fase preliminar e já
ultrapassada de seu ensino (LACAN, 1958b/1998, p. 688). Portanto, por mais
contemporâneo que fosse o termo estrutura – no que se referiu à investigação sobre
o homem naquele momento, está definido pela articulação significante como tal, ou
seja, pelos efeitos que a combinatória pura e simples do significante determina na
realidade em que se produz.
É também por volta desse momento de seu percurso, seu quinto seminário,
que Lacan elabora o Grafo do desejo, uma configuração que supõe relações entre
pares de lugares: esses se representam por pontos, e as relações que os unem, por
segmentos ou arcos de curva. Lacan elaborou esse esquema especialmente com
base na estrutura do chiste, tomada como ponto de partida.
Segundo Lacan, “[...] essa contribuição doutrinal tem um nome: trata-se muito
simplesmente, do espírito científico, que falha por completo nos locais de
recrutamento dos psicanalistas” (1960c/1998, p. 851).
40
Congresso reunido no hospital de Bonneval sobre o tema do inconsciente freudiano, entre 30 de
outubro e 2 de novembro de 1960. Intervenções condensadas em março de 1964, a pedido de Henri
Ey, para o livro sobre o congresso, L'Inconscient, publicado em Paris pela Desclée de Brower em 1966.
135
Figura 29 – Toro.
FONTE: Lacan (1962-63/2005, p. 149).
Depois de dez anos a retomar os textos freudianos com rigor, Lacan foi alvo
de certa negociação sobre seu ensino dentro da Sociedade Francesa de Psicanálise
e, nessas conjecturas, deu a primeira e única aula daquele seminário. Tendo
anunciado no seu seminário anterior a pluralização da noção de Nome-do-Pai, contou
que seu seminário inexistente seria um progresso do trabalho sobre a psicose,
apontando a função do nome próprio a se encadear ao seminário sobre a angústia,
como passo seguinte.
139
Nessa aula, retomou mais uma vez o sentido de seu ensino: “que a verdade,
sua verdadeira apreensão, é que não a agarraremos jamais.” (1963/2005, p. 86).
41
Resumo das intervenções num colóquio convocado pelo professor Enrico Castelli, sob o título de
"Técnica e casuística", de 7 a 12 de janeiro de 1964, na Universidade de Roma. Publicado em Atti del
colloquio internazionale su "Tecnica e casuistica", Roma, 1964.
140
definiu que é a pulsão que divide o sujeito e o desejo, a qual se sustenta pela relação,
que o sujeito desconhece, dessa divisão com um objeto que a causa. É nessa lógica
que se define também a estrutura da fantasia.
Nesse seminário, Lacan anunciou sua fala buscando indicar o sentido àquilo
que intitula de Fundamentos da Psicanálise e o modo como se propunha a dar conta
disso. Em função de ter sido posto em posição de ter que se demitir do seu seminário
– o que denomina ‘excomunhão’, afirmou que é na formação de psicanalistas que
estava implicada desde o início.
141
42
O texto, a princípio difundido sem título e sob forma mimeografada, em junho de 1964, foi impresso
pela primeira vez no Annuaire 1965 da Escola Freudiana de Paris, acompanhado pela "Nota adjunta"
e um "Preâmbulo". A nota, datada de 1971, e o Preâmbulo foram publicados no Annuaire 1977 da
Escola Freudiana de Paris.
142
Com isso, Lacan institui duas formas que correspondem à garantia que a
Escola daria: o AME, ou analista membro da Escola e o AE, analista da Escola – esse
a quem se imputa estar entre os que podem dar testemunho dos problemas cruciais,
nos pontos nodais em que se acham eles no tocante à análise, na medida em que
eles próprios estão investidos nesta tarefa, o que se chama de dispositivo do passe
(LACAN, 1967/2003, p. 249).
43 Extraído de Scilicet, nº.1, Paris, Seuil, 1968. E sua primeira versão, extraído de Analytica, no. 8,
Paris, Lyse, abril de 1978.
44 A segunda versão foi publicada em Les Études Philosophiques, número especial de outubro-
"desta fundação, podemos destacar, antes de mais nada, a questão de sua relação
com o ensino, que não deixa sem garantia a decisão de seu ato.” (p. 242).
A Segunda
Desde Roma 1953, quando Lacan lá esteve pela primeira vez, ele reencontra
o grupo italiano em 15 de dezembro de 1967: A psicanálise. Razão de um fracasso
(LACAN, 1967d/2003, p. 341-349), quatorze anos depois. Na ocasião de seu
seminário sobre o ato psicanalítico (não publicado), Lacan retorna: “Função da fala,
campo da linguagem, isso equivalia a interrogar a prática e renovar o estatuto do
inconsciente” (LACAN, 1967/2003, p. 342).
Diz ele “[...] sabemos que se admite que o trabalho de uma Psicanálise o
prepara para isso, razão porque ela é qualificada de didática...”, porém “como se
haveria de passar de uma para a outra, se o término de uma não se ligasse ao
apuramento de um desejo que leva à outra?” (LACAN, 1967/2003, p. 346). Qual seja,
o desejo do analista. Afinal, “[...] eles (os analistas) não sabem nada de seu ato, e
menos ainda que o ato que fazem entrar em jogo das causas é o de se darem como
razão dele.” (LACAN, 1967/2003, p. 348). E finaliza:
Jogo, pois, a regra do jogo, como fez Freud, e não tenho razão de me
surpreender pelo fracasso de meus esforços para desatar a
estagnação do pensamento psicanalítico. Mas eu assinalaria que foi
144
E assim segue:
Com isso, propõe Lacan que “essa divergência em sua suposição mereça ser
uma questão formulada a seu sujeito, quando esse sujeito tem que se encontrar em
seu ato” (LACAN, 1967/2003, p. 345). Diz ainda: “[...] o patético de meu ensino é que
ele opera nesse ponto” e assim também para o analista: “o ato é aquilo mediante o
qual o psicanalista se compromete a responder por ela (a Psicanálise)” (LACAN,
1967/2003, p. 346), como sua razão.
Diz Lacan:
Para Lacan, dá-se com o objeto a o mesmo que com a perda que visamos,
que está no horizonte do discurso analítico, aquela que constitui o mais-de-gozar –
como efeito da postulação do traço unário.
Já no ano de 1969, Lacan vai construindo a base que determinará sua Teoria
dos Quatro Discursos, apresentada no seminário 17, O avesso da Psicanálise (Lacan,
1969-70/1992), já citado neste trabalho, na Introdução, sobre a relação de avesso
entre os discursos do mestre e do psicanalista.
Figura 33 – O Nó Borromeano.
Lacan toma a imagem de Bernini, em sua capa, de Santa Tereza em seu gozo
místico, perguntando se esse gozo que se experimenta e do qual não se sabe nada
não seria ele o que colocaria os psicanalistas na via da ex-sistência. Assim, Lacan dá
outra consistência em relação aos demais discursos, pelo fato de a análise se tratar
de um laço a dois, sendo isso que se encontra no lugar da falta de relação sexual. E,
sobre a função de sua Escola, aponta:
Em sua lição intitulada Uma carta de amor (1972-73, p. 105), Lacan apresenta
suas Tábuas da Sexuação, formalizando a posição feminina em termos lógicos, bem
como a posição de termos mais estabelecidos, tais como o objeto a, o sujeito barrado
($), o significante de A barrado (S(Ⱥ)) e o ϕ, como representante da significação fálica,
de um lado e do outro, dos sexos (homem, direito; e mulher, esquerdo).
A Terceira
Sobre a angústia dos cientistas, portanto, Lacan profere o que seria o triunfo
da ciência: um flagelo mundial digno de uma ficção científica, e acrescenta que falar
da posição do cientista era um tabu para Freud. De todo modo, afirma que, se da
ciência podemos ter um pequeno vislumbre, é pela análise – função ainda mais
impossível do que as outras, por se ocupar muito especialmente do que não funciona:
“O que funciona é o mundo. O real é o que não funciona [...] basta observar que há
coisas que fazem que o mundo seja imundo [...]” (LACAN, 1974a/2005, p. 55). Assim,
segundo Lacan, já é alguma coisa os analistas poderem falar da angústia.
151
Representado pela relação que James Joyce estabelece com sua escrita em
Finegans Wake, bem como de diversas modalidades de nós, do uso lógico do
sinthoma, Lacan extrai uma nova escrita para o ego, na dimensão da invenção do
real. Lacan é ousado em posicionar elementos algébricos dentro dos campos entre
os nós, definindo precisamente a distinção entre o o gozo fálico (Jϕ), do gozo do Outro
(JȺ) e o sentido, nas interseções entre os pares de registros: (Jϕ entre Real e
Simbólico; JȺ, entre Imaginário e Real e o sentido, entre Simbólico e Imaginário). Mais
além, na interseção dos três registros, RSI, coloca o objeto a.
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Momento de concluir.
se deduzirá qual é o poder da análise, com que ouvido escutar o inconsciente e que
formação dar aos analistas. Finalmente, centra-se no significante eminente do desejo
e sua aparição na clínica.
Uma vez que as mais diversas aplicações da Psicanálise, mesmo nos casos
da terapêutica, não completam a formação: tanto para as demandas de cura quanto
para as de formação, não há distinção possível entre a análise pessoal e a análise
didática. Portanto, essas implicações colocam em evidência o caráter ético e subjetivo
da experiência analítica, situando a formação para além de sua face epistêmica.
Esse é um fato que Freud, por ter ele próprio buscado nelas sua inspiração,
seus métodos de pensamento e suas armas técnicas, atesta tão maciçamente, que
ele não julgou supérfluo colocá-las como condição a qualquer instituição de ensino
da Psicanálise.
aquele que ensina o sujeito a “[...] nomear, a argumentar, a fazer passar para a
existência, este desejo que está, literalmente, para aquém da existência, e por isso
insiste” (Lacan, 1954-55/1985, p. 309). Nas palavras de Lacan,
No artigo A terceira (LACAN, 1974a/2005, p. 75), Lacan diz também que não
acha que a psicanálise detenha alguma chave do futuro, mas que a ocasião de seu
surgimento não é fortuita: a Psicanálise surgira correlativamente a certo avanço do
discurso da ciência. E o analista permanece aí, só podendo durar a título de sintoma
e esse terá sido o momento privilegiado para tomar uma medida bem correta do que
Lacan chama em seu discurso de parlêtre:
Sou por São João e o seu ‘No começo era o Verbo...’, mas esse é um
começo enigmático. Isso quer dizer o seguinte: para esse ser carnal,
esse personagem repugnante que é um homem mediano, o drama só
começa quando o Verbo está na jogada, quando ele se encarna –
como diz a religião, a verdadeira. É quando o Verbo se encarna que
a coisa começa a ir muito mal. Ele não é mais feliz de forma alguma
[...] Não se parece com mais nada. Está devastado pelo Verbo.
(LACAN, 1974a/2005, p. 74).
Seguindo, para Lacan em 1974, “[...] tudo o que temos até o presente de real
é pouca coisa perto do que não se consegue sequer imaginar, porque, justamente o
próprio do real é não ser imaginado.” (LACAN, 1974a/2005, p. 75). Ele diz também:
“[...] o sintoma não é ainda verdadeiramente o real”, “é a manifestação do real em
nosso nível de seres vivos” e, finalmente, “[...] o ser falante é um animal doente, ‘No
começo era o Verbo’ diz a mesma coisa.” (LACAN, 1974a/2005, p. 76).
Em sua política, Lacan afirma que o sintoma vem do real e seu sentido é o
real, uma vez que ele se põe de través para impedir que as coisas caminhem de
acordo com o discurso do mestre. Consequentemente, daí extrai que o sentido do
sintoma depende do futuro do real e do sucesso da Psicanálise. E, quando fala sobre
a angústia dos cientistas, Lacan a figura como uma pandemia que eliminaria o
falasser, admitindo que “toda a vida enfim reduzida à infecção que ela realmente é
segundo qualquer verossimilhança, é o cúmulo do ser pensante.” (LACAN,
1974a/2005, p. 20).
Desde que viver em comunidade nos exige abdicar dos objetivos individuais,
a condição humana – essencialmente social, nos permitiu compartilhar os recursos
da natureza. Para além do mal-estar imanente relativo à perda de liberdade, a História
avançou das comunidades primitivas até as grandes cidades, inventando soluções
para a precariedade do mundo. Tal condição nos levou a formar estruturas sociais e
instituições que dão sentido à vida e nos permitiu criar laços afetivos desde a família
até com os ideais mais abstratos.
Se, por um lado, não há prazer mais complexo que o do pensamento, do lado
das emoções, para que o homem seja verdadeiramente civilizado, é necessário que
sua perspectiva integral sofra o mesmo alargamento. Senão, a ignorância cautelosa
produz uma virtude frágil que se perde ao primeiro contato com a realidade. É daí que
165
Das mais diversas formas de conhecer o mundo, hoje vivemos certa distorção
disciplinar onde o conhecimento específico presta consultoria, fragmenta a
experiência discente e confunde os meios e os fins, aos olhos do professor. Sob o
domínio de programas pré-determinados, o professor disciplina ao invés de tornar
competente o aluno, privando-o de ser capaz de mobilizar o que se sabe para realizar
o que se projeta.
Há que se garantir autonomia ao professor, uma vez que é ele quem está em
contato direto com os alunos. A ele é designado manter o brilho nos olhos do mundo,
ao mediar os conflitos, tecer os significados, mapear os valores e construir narrativas
fabulosas. Desde cedo e constantemente, deve assumir compromisso com a verdade
dos fatos e com a investigação, bem como decolar, voar e aterrissar nas suas ficções.
Dia após dia, deve manter o interesse por tudo o que possa lhe interessar e, até
mesmo, ensinar o que não sabe.
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176
p. 15-16
“Essas observações são periodicamente objeto de um interesse O simbólico, o imaginário e o real
renovado no ensino o que não impediu um de nossos eminentes colegas PARADOXOS verde
8 de julho de 1953. Precede imediatamente a redação, durante o
de manifestar recentemente a seu respeito - ouvi-o de sua própria boca -
verão, do relatório de Roma sobre "Função e campo da fala e da
uma espécie de desprezo. A técnica, dizia ele, é nelas tão inepta quanto linguagem em psicanálise", que marcava o início público do
arcaica. Isso quem sabe se sustenta se pensarmos nos progressos que "ensino de Lacan", como diríamos mais tarde. A conferência
fizemos ao tomar consciência da relação intersubjetiva e só interpretar constitui a apresentação temática inaugural da famosa tríade que
através das relações que se estabelecem entre o sujeito e nós na sustentará de ponta a ponta a elaboração de Lacan ao longo das
atualidade das sessões. Mas será que meu interlocutor deveria levar as três décadas seguintes, até se tornar seu objeto essencial não
coisas até o ponto de dizer que os casos de Freud eram mal escolhidos? apenas conceitual, mas matemático e material, sob a forma do nó
Pode-se decerto dizer que estão todos incompletos, que para muitos são borromeano e seus derivados.
O título é o original; a conferência havia sido estenografada, depois
psicanálises que pararam no meio do caminho, pedaços de análise. Porém,
datilografada; o texto aqui publicado foi estabelecido por mim;
justamente isso deveria nos incitar a refletir e a nos perguntar por que indicada no texto, permanece uma lacuna (p.32), possivelmente de
Freud fez tal escolha. Isso, bem entendido, se confiarmos em Freud. E é pouca extensão. Esta foi a primeira comunicação dita científica da
preciso confiar nele”. nova Sociedade Francesa de Psicanálise, recém-oriunda da cisão
ocorrida no movimento psicanalítico francês. O conflito devia
p. 38-39 repercutir dez anos mais tarde, conduzindo dessa vez à
“O sistema quaternário, tão fundamental nos impasses, nas "excomunhão" de Lacan e à fundação por este de sua própria
insolubilidades da situação vital dos neuróticos, tem uma estrutura bem Escola, que batizará de Escola Freudiana de Paris. A fonte de
diferente daquela dada tradicionalmente - o desejo incestuoso pela mãe, a inspiração da tríade lacaniana encontra-se no artigo de
Lévi-Strauss, "A eficácia simbólica" (publicado em 1949, retomado
interdição do pai, seus efeitos de barreira e, em torno disso, a proliferação
em Antropologia Estrutural, 1958), que propõe a definição sucinta,
mais ou menos luxuriante de sintomas. Creio que essa diferença deveria porém inédita, de um inconsciente vazio, sem conteúdo, puro órgão
nos levar a discutir a antropologia geral que se depreende da doutrina da função simbólica, impondo leis de estrutura a um material de
analítica tal como foi ensinada até agora. Numa palavra, todo o esquema elementos inarticulados proveniente tanto da realidade como do
do Édipo deve ser criticado. Não posso me pôr a fazer isso hoje à noite, reservatório de imagens acumuladas por cada um (ver p.223-5 da
ed.fr.). O conceito de "mito individual", que figura nessas mesmas
páginas, fora retomado por Lacan em sua conferência de 1952
intitulada "O mito individual do neurótico". Na esteira de sua “Uma verdade de fato é o centro único em que meu discurso
conferência de julho de 1953, Lacan lançou-se à redação do encontra sua coerência interna, e pelo qual pretende ser para vocês o que
relatório que devia apresentar dos meses mais tarde em Roma, no será, se fizerem o obséquio de recorrer a ele em nossos trabalhos futuros:
primeiro Congresso da nova Sociedade, e que marcará época esse ABC, esse rudimento cuja falta às vezes se faz sentir num ensino
("Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise", in sempre comprometido com algum problema atual, e que concerne aos
Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p.23-324; "Discurso de conceitos dialéticos – fala, sujeito, linguagem – nos quais esse ensino
Roma", in Outros Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p.139-72). encontra suas coordenadas, suas linhas e seu centro de referência. Isso,
Lacan refere-se ao seminário que acaba de concluir, sobre o não para lhes propor esses conceitos em definições formais nas quais
Homem dos Ratos, e ao do ano precedente, sobre o Homem dos vocês encontrariam oportunidade para renovas as entificações que eles
Lobos. Esses seminários eram realizados em sua casa, rua de Lille, almejam desfazer, mas colocando-os a seu alcance no universo de
e não eram estenografados; ao que eu saiba, subsistem apenas linguagem em que eles se inscrevem a partir do momento em que eles
algumas notas de ouvintes; não podiam portanto figurar na lista dos pretendem reger o movimento desse universo, pois é ao se referirem à
seminários cuja publicação foi prevista e anunciada. articulação deles nesse discurso que vocês perceberão o emprego exato
em que poderão retomá-los, na nova significação em que lhes será
p. 11 facultado servirem-se deles”.
“Assim, começarei em primeiro lugar por me desculpar por isso,
pedindo-lhes que considerem esta comunicação ao mesmo tempo como p. 167
um resumo de pontos de vista que aqueles que são meus alunos aqui “O primado da técnica não é questionado aqui, mas sim as mentiras
conhecem bem, com os quais já estão familiarizados há dois anos por de seu ensino. Não se trata de reintroduzir nela o devaneio, mas de
intermédio do meu ensino, e também como uma espécie de prefácio ou afastar seus mistérios. Ora, o mistério é solidário de privilégios de que todo
introdução a certa orientação de estudo da psicanálise. o mundo tira partido, sem o que não se faria tanta questão dele, e cuja
desmistificação é inoportuna por atentar contra isso”.
Com efeito, creio que o retomo aos textos freudianos, que são objeto
do meu ensino há dois anos, proporcionou-me, ou melhor, proporcionou a
Função e campo da fala e da linguagem em
todos nós que trabalhamos em conjunto, a idéia cada vez mais clara de que
psicanálise
não há apreensão mais completa da realidade humana que a feita pela
experiência freudiana, e que não podemos deixar de retomar às fontes e ESCRITOS
Relatório do Congresso de Roma, realizado no Instituto di
apreender esses textos em todos os sentidos da palavra”.
Psicologia della Università di Roma, em 26 e 27 de setembro de
1953. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol 1. 1956, p.17
a 28 e 41 a 49.
Discurso de Roma
p. 238-239
OUTROS ESCRITOS “Contudo, não pareceu àqueles que desde então haviam fundado a
Redação do discurso proferido por ocasião da apresentação do nova Sociedade Francesa de Psicanálise que eles devessem privar da
relatório “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise
anunciada exposição a maioria estudantil que aderia a seu ensino, nem
(Écrits, Paris, Seuil, 1966, p.237-322 [Escritos, Rio de Janeiro,
tampouco que devessem abdicar do lugar eminente em que ela fora
Jorge Zahar, p.238-324], mo I Congresso da Sociedade Francesa
prevista”.
de Psicanálise, realizado em Roma em 26 e 27 de setembro de
1953. Publicado na revista La Psychanalyse, PUF, vol.1, 1956,
p. 241
p.202-11 e 241-55.
“É essa, sem dúvida, a função de quem ensina, da qual todas as
p. 140 outras dependem, e é nela que melhor se inscreve o valor da experiência”.
“É que, embora seja aludida quase sempre por um dos interlocutores
no obscuro sentimento de poupar ao outro sua dificuldade, nem por isso p. 242
uma pergunta fica menos presente, essencialmente, em todo o ensino “Sem dúvida, essa última novidade nos parece inspirar-se no
respeito devido àqueles que efetivamente sofreram o que chamaremos,
analítico, e se deixa transparecer na forma intimidada das perguntas em
que é cunhada a aprendizagem técnica. ‘Senhor (subentenda-se: que sabe moderando nosso pensamento, uma pressão sobre o ensino que os
o que acontece com estas realidades veladas - a transferência, a submeteu a uma rude prova, mas também podemos indagar-nos, ao ouvir o
resistência), o que se deve fazer, o que se deve dizer (entenda-se: que faz trêmolo na boca dos mestres, se os limites do infantilismo não terão sido
o senhor, que diz o senhor) num caso assim?” recuados, sem aviso prévio, até a parvoíce”.
p. 150 p. 242
“De fato, não é com a psicologia que Freud se preocupa, nem em “Método de verdade e de desmistificação das camuflagens
subjetivas, manifestaria a psicanálise uma ambição desmedida ao aplicar
reforçar o eu de sua paciente, nem em lhe ensinar a suportar a frustração seus princípios à sua própria corporação, isto é, à concepção que têm os
ao ser cobrado por Dora a propósito da situação escandalosa em que a má psicanalistas de seu papel junto ao doente, de seu lugar na sociedade dos
conduta do pai dela a prostitui. Muito pelo contrário, é a essa mesma espíritos, de suas relações com seus pares e de sua missão de ensino?”
situação que Freud a remete para obter dela a confissão do apoio ativo e
constante que ela lhe dá, sem o qual essa situação não poderia ter se p. 247
perpetuado nem por um instante”. “É que, se a incomunicabilidade dos motivos pode sustentar um
magistério, ela não se equipara à mestria, ao menos àquela exigida por um
p.153 ensino. Aliás, percebemos isso quando foi preciso, no passado, para
sustentar sua primazia, dar, quanto à forma, ao menos uma lição”.
p. 296
“Poderíamos obter uma referência disso no que a tradição hindu
ensina sobre o dhvani* por distinguir a propriedade que tem a fala de
p. 258 fazer ouvir o que ela não diz. Assim é que ela a ilustra com uma historieta
“É justamente essa assunção de sua história pelo sujeito, no que ela cuja ingenuidade, que parece ser a regra nesses exemplos, mostra um
é constituída pela fala endereçada ao outro, que serve de fundamento ao humor suficiente para nos induzir a penetrar na verdade que ela contém”.
novo método a que Freud deu o nome de psicanálise, não em 1904 - como
antigamente ensinava uma autoridade que, por ter rejeitado o manto de *Trata-se do ensinamento de Abhinavagupta, no século X. Cf. a
um silêncio prudente, pareceu nesse dia só conhecer de Freud o título de obra do dr. Kanti Chandra Pandey, " Indian aesthetics",
suas obras -, porém em 1895. Chowkhamba Sanskrit Series, Studies, vol.II, Benares, 1950.
p. 261 p. 296
“O estudante que tiver a ideia – tão rara, é verdade, que nosso “Essa técnica exigiria, tanto para ser ensinada quanto para ser
ensino se empenha em difundi-la – de que, para compreender Freud, a aprendida, uma profunda assimilação dos recursos de uma língua, e
leitura de Freud é preferível à do Sr. Fenichel, poderá aperceber-se, ao especialmente dos que se realizaram concretamente em seus textos
empreendê-la, de que o que acabamos de exprimir é tão pouco original, poéticos. Sabemos que foi esse o caso de Freud quanto às letras alemãs,
mesmo em sua verve, que não aparece nisto uma única metáfora que a incluindo-se nelas o teatro de Shakespeare, em virtude de uma tradução
obra de Freud não repita com a freqüência de um motivo onde transparece ímpar. Toda a sua obra é testemunho disso, ao mesmo tempo que do
sua própria trama”. recurso que ele encontra incessantemente ali, não menos em sua técnica
do que em sua descoberta. E sem prejuízo do apoio de um conhecimento
p. 263 clássico dos Antigos, de uma iniciação moderna no folclore e de uma
“O que ensinamos o sujeito a reconhecer como seu inconsciente participação interessada nas conquistas do humanismo contemporâneo no
é sua história - ou seja, nós o ajudamos a perfazer a historicização atual campo etnográfico”
dos fatos que já determinaram em sua existência um certo número de
"reviravoltas" históricas. Mas, se eles tiveram esse papel, já foi como fatos p. 300
históricos, isto é, como reconhecidos num certo sentido ou censurados “Sabemos do uso que é feito, nas tradições primitivas, dos nomes
numa certa ordem”. secretos em que o sujeito identifica sua pessoa ou seus deuses, a tal ponto
que revelá-los é se perder ou traí-los, e as confidências de nossos sujeitos,
p. 269 senão nossas próprias lembranças, ensinam-nos que não é raro a criança
“Mas isso ainda é apenas a decifração do instrumento. É na versão encontrar espontaneamente a virtude desse uso”.
do texto que o importante começa, o importante que Freud nos diz ser
dado na elaboração do sonho, isto é, em sua retórica. Elipse e pleonasmo, p. 306
hipérbato ou silepse, regressão, repetição, aposição, são esses os “Seria impossível dizer melhor, com efeito. A análise transforma- se
deslocamentos sintáticos, e metáfora, catacrese, antonomásia, alegoria, na relação de dois corpos entre os quais se estabelece uma comunicação
metonímia e sinédoque, as condensações semânticas em que Freud nos fantasística, onde o analista ensina o sujeito a se apreender como objeto;
ensina a ler as intenções ostentatórias ou demonstrativas, dissimuladoras a subjetividade só é admitida no parêntese da ilusão, e a fala é excluída de
ou persuasivas, retaliadoras ou sedutoras com que o sujeito modula seu uma investigação da vivência que se torna a meta suprema, mas o
discurso onírico”. resultado dialeticamente necessário disso aparece no fato de que, sendo a
subjetividade do psicanalista livre de qualquer freio, livra o sujeito a todas
p. 270 as intimações de sua fala”.
“Pois se, para admitir um sintoma na psicopatologia psicanalítica,
seja ele neurótico ou não, Freud exige o mínimo de sobredeterminação
constituído por um duplo sentido, símbolo de um conflito defunto, para-além
de sua função, num conflito presente não menos simbólico, e se ele nos Introdução e Resposta ao comentário de Jean
ensinou a acompanhar, no texto das associações livres, a ramificação Hyppolite sobre a “Verneinung”de Freud.
ascendente dessa linhagem simbólica, para nela detectar, nos pontos em ESCRITOS
que as formas verbais se cruzam novamente, os nós de sua estrutura, já Quinta lição, homônima, do Seminário 1.
está perfeitamente claro que o sintoma se resolve por inteiro numa análise Seminário de técnica freudiana de 10 de fevereiro de 1954,
linguageira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a realizado na clínica da Faculdade do Hospital Sainte-Anne e
linguagem cuja fala deve ser libertada”. dedicado, durante o ano de 1953-54, aos Escritos técnicos de
Freud. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.1, 1956,
p. 289 p.17 a 28 e 41 a 49.
“O conjunto dessas matérias, que determina o cursus de um ensino
técnico, inscreve-se normalmente no triângulo epistemiológico que já p. 370
descrevemos, e que nos forneceria seu método a um ensino superior de “Seminário de técnica freudiana*...
sua teoria e sua técnica”.
*Fornecemos aqui o texto colhido de um dos colóquios do
p. 293-294 seminário realizado na clínica da Faculdade, no hospital
“Ao que parece, isso já não poderia ser esquecido, não fosse Sainte-Anne, e dedicado, durante o ano de 53-54, aos escritos
precisamente o ensino da psicanálise que é passível de esquecimento - técnicos de Freud e à atualidade a que a concernem. Ele foi
coisa da qual se verifica, por um retorno mais legítimo do que se supõe, apenas ampliado com algumas remissões, que pareceram úteis, a
que a confirmação nos vem dos próprios psicanalistas, pelo fato de suas " lições anteriores, sem que por isso tenha sido possível eliminar a
novas tendências" representarem esse esquecimento”. dificuldade de acesso inerente a todo e qualquer fragmento
escolhido de um ensino”.
Variantes do tratamento-padrão
p. 374 ESCRITOS
“Seja como for, é na medida em que o sujeito chega ao limite do que Dias antes da aula XVI – A carta roubada, do Seminário 2 – O eu
o momento permite a seu discurso efetuar com a fala que se produz o na teoria de Freud e na técnica da Psicanálise.
fenômeno no qual Freud nos mostra o ponto de articulação entre a Redigido na Páscoa de 1955 (10 de abril). Publicado na
resistência e a dialética analítica. Pois esse momento e esse limite Encyclopédie médico-chirurgicale, Psychiatrie, vol.III, 2-1955,
equilibram-se na emergência, fora do discurso do sujeito, do traço que pode fascículo 37812-C10. Suprimido em 1960.
dirigir-se mais particularmente a vocês naquilo que ele está dizendo. E essa
conjuntura é promovida à função de pontuação de sua fala. Para tornar p. 330
apreensível esse efeito, servimo-nos da imagem de que a fala do sujeito “Esse fundamento de tempo é aquele com que Freud a inaugurou e
báscula para a presença do ouvinte* que nós modulamos: retorno ou memorial? Outros se detêm na coisa neste
ponto ultrapassado: será real ou irreal? Lagache indaga quanto ao conceito:
*Aí se há de reconhecer a fórmula pela qual introduzimos, nos necessidade de repetição ou repetição de necessidade?*”.
primórdios de nosso ensino, aquilo de que se trata aqui. O
sujeito, dizíamos, começa a análise falando de si sem falar com *Em 1966, não há quem siga nosso ensino sem ver nele que a
vocês, ou falando com vocês sem falar de si. Quando puder falar transferência é a imisção do tempo de saber. Esse texto, apesar de
de si com vocês, a análise estará terminada. reescrito, segue escrupulosamente nossos enunciados de então.
p. 377 p. 332-333
“O humor obsidional que se deixa trair na morosidade da análise das “No caminho da que é verdadeira, não é preciso procurar muito pela
defesas daria, portanto, com certeza frutos mais encorajadores para os que ambigüidade insustentável que se propõe à psicanálise; ela está ao alcance
nela se fiam, se ao menos eles a pusessem na escola da luta real mínima, de todos. É ela que se revela na questão do que falar quer dizer, e todos a
que lhes ensinaria que a resposta mais eficaz a uma defesa não é encontram ao simplesmente acolher um discurso. Pois a própria locução
fazer-lhe uma demonstração de força. em que a língua recolhe sua intenção mais ingênua - a de entender o que
ele " quer dizer" - já deixa claro que ele não o diz. Mas o que quer dizer
p. 384 esse " quer dizer" pode ainda ser entendido de duas maneiras, e compete
“Eis por que os textos de Freud revelam ter, no final das contas, um ao ouvinte que seja uma ou outra: ou o que o falante quer lhe dizer através
verdadeiro valor formativo para o psicanalista, ao habituá-lo, como ele deve do discurso que lhe dirige, ou o que esse discurso lhe ensina sobre a
estar - nós o ensinamos expressamente -, ao exercício de um registro condição do falante. Assim, não apenas o sentido desse discurso reside
fora do qual sua experiência não é mais nada”. naquele que o escuta, como é também de sua acolhida que depende quem
o diz, ou seja, ou é o sujeito a quem ele dá sua confiança e autorização, ou
p. 391-392 é esse outro que lhe é dado por seu discurso como constituído”.
“As correlações do fenômeno nos ensinarão mais, quanto ao que
p. 358
nos interessa, do que o relato que o submete às condições de
“Não menos nos interessará o mal-estar reinante em tudo o que
transmissibilidade do discurso. Que seu conteúdo se dobre a este tão
concerne à formação do analista, e, para colhermos apenas seu último eco,
facilmente, que chegue até a se confundir com os temas do mito ou da
deter-nos-emos nas declarações feitas em dezembro de 1952 pelo Dr.
poesia, decerto levanta uma questão, que se formula prontamente, mas
Knight, em sua mensagem presidencial à Associação Psicanalítica
que talvez exija ser reformulada num segundo tempo, nem que seja por
Norte-Americana. Dentre os fatores que tendem a “alterar o papel da
sabermos, logo de saída, que a solução simples não é suficiente aqui”.
formação analítica”, ele aponta, ao lado do aumento do número de
candidatos em formação, a “forma mais estruturada do ensino” nos
institutos que o dispensam, opondo-o ao tipo anterior de formação por um
Do símbolo e de sua função religiosa mestre (“the earlier preceptorship type of training”).
PARADOXOS azul
Contribuição de Lacan ao Congresso de Psicologia Religiosa, p. 358
realizado em Paris, em setembro de 1954. O título e o “Vê-se muito bem, nesse discurso inteiramente público, como o
estabelecimento são meus. O zelo com que Lacan foi acolhido pelo problema se afigura grave, e também como é pouco ou nada apreendido. O
reverendo padre Bruno dá uma ideia do clima: em certos meios desejável não é que os analisados sejam mais " introspectivos" , mas que
católicos, esperava-se muito da cisão de 1953. compreendam o que fazem; e o remédio não é que os institutos sejam
menos estruturados, mas que não se ensine neles um saber pré-digerido,
p. 80-81 mesmo que resuma os dados da experiência analítica”.
“Não espere de mim que lhe explique a emergência da
surpreendente inspiração que faz com que, no plano dos símbolos, o Cão p. 361
celeste seja um cão tanto quanto o cão terrestre. É assim. Chegamos “E como haveria ele de se surpreender com isso, ele cuja ação, na
solidão em que tem que responder por seu paciente, não depende apenas,
dentro disso, e imediatamente nos ensinam a falar. Pelo simples fato de como se diz do cirurgião, de sua consciência, já que sua técnica lhe
nos ensinarem a falar, Do símbolo e de sua função religiosa somos ensina que a própria fala que ela revela é obra de um sujeito
introduzidos no universo do símbolo. Conforme os vários acidentes de inconsciente? Por isso, o analista, mais do que outros, deve saber que ele
nossa vida, seremos ou não levados a nos indagar sobre isso, ou mesmo a não pode ser em suas palavras senão ele mesmo”.
não abordá-lo de jeito nenhum, não importa”
p. 363-364
“Mas é propriamente a teoria do símbolo, retomada da faceta de
curiosidade em que ela se oferece no que podemos chamar de período
paleontológico da análise, e sob o registro de uma pretensa " psicologia das nome mais apropriado para enganar um principiante será aquele que, em
profundezas" , que a análise deve reintroduzir em sua função universal. letras grandes, largamente espaçadas no campo do mapa, fornecer, muitas
Nenhum estudo será mais adequado a isso que o dos números inteiros, vezes sem que o olhar sequer se detenha nele, a denominação de um país
sobre cuja origem não empírica lhe é impossível meditar demais. E, sem inteiro…”
chegar aos exercícios fecundos da moderna teoria dos jogos, ou às
formalizações muito sugestivas da teoria dos conjuntos, ele encontrará p. 46
matéria suficiente para fundamentar sua prática simplesmente aprendendo, “Os rodeios dessa aventura, ou mesmo seus acidentes, levaram-nos
como se empenha em ensinar o signatário destas linhas, a contar a uma posição de ensino”.
corretamente até quatro (isto é, a integrar a função da morte na relação
ternária do Édipo)”. p. 58
“Foi por haverem confundido esses dois pares que os legatários de
p. 364 uma práxis e de um ensino – o qual ressaltou, tão decisivamente quanto
“Não se trata aí de definir as matérias de um programa, mas de podemos ler em Freud, a natureza fundamentalmente narcísica de todo
indicar que, para situar a análise no lugar eminente que os responsáveis enamoramento (Verliebtheit) – puderam divinizar a quimera do amor genital,
pelo ensino público têm a obrigação de reconhecer-lhe, é preciso abrir-lhe à a ponto de lhe atribuir a virtude da oblatividade, de onde saíram tantos
crítica de seus fundamentos, sem o que ela se degrada em efeitos de descaminhos terapêuticos”.
suborno coletivo”.
p. 61-62
“Mas apenas estamos, neste momento, no lançamento de um arco
O seminário sobre “A carta roubada” cuja ponte somente os anos edificarão*.
ESCRITOS *O texto de 1955 é aqui retomado. A introdução, através desses
Lição XVI – A carta roubada, do Seminário 2 – O eu na teoria de exercícios, do campo de abordagem estrutural na teoria
Freud e na técnica da Psicanálise. psicanalítica foi acompanhada, com efeito, por importantes
Pronunciado em 26 de abril de 1955. Escrito (e datado de
desenvolvimentos em nosso ensino. O progresso dos conceitos
Guitrancourt – San Casciano) em meados de maio e meados de
referentes à subjetivação caminhou de mãos dadas com uma
agosto de 1956. Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.2,
referência à analysis situs, onde pretendemos materializar o
1957, p.1 a 44.
processo subjetivo”.
p. 13
p. 65
“O ensino deste seminário serve para sustentar que essas
“Mas reação fundamentada, se pensarmos que nada os ensinou a
incidências imaginárias, longe de representarem o essencial de nossa
se desvencilhar da opinião comum, distinguindo o que ela ignora, ou seja, a
experiência, nada fornecem que não seja inconsistente, a menos que sejam
natureza da sobredeterminação freudiana, isto é, da determinação
relacionadas à cadeia simbólica que as liga e orienta”.
simbólica, tal como a promovemos aqui”.
p. 20
“Se é patente, com efeito, que cada uma das duas cenas do drama
real nos é narrada ao longo de um diálogo diferente, basta estar munido A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em
das noções que estipulamos em nosso ensino para reconhecer que isso psicanálise
não se dá pelo simples prazer da exposição, mas que esses próprios
LACAN, Jacques. ESCRITOS
diálogos adquirem, no uso oposto que neles é feito das virtudes da fala, a
Ampliação de uma conferência proferida na Clínica
tensão que os transforma num outro drama: aquele que nosso vocabulário
Neuropsiquiátrica de Viena em 7 de novembro de 1955. Publicado
distingue do primeiro como sustentando-se na ordem simbólica”.
no Évolution Psychiatrique, nº1, 1956, p.225 a 252.
p. 33
p.404
“Isso é justamente o que acontece no automatismo de repetição. O
“Não lamentaremos com vocês esse esquecimento, se ele nos deixa
que Freud nos ensina, no texto que comentamos, é que o sujeito segue o mais à vontade para lhes apresentar o projeto de um retorno a Freud, tal
veio do simbólico, mas isso cuja ilustração vocês têm aqui é ainda mais
como alguns o propõem no ensino da Sociedade Francesa de
impressionante: não é apenas o sujeito, mas os sujeitos, tomados em sua
Psicanálise. Não é de um retorno do recalcado que se trata para nós, mas
intersubjetividade, que se alinham na fila - em outras palavras, nossos
de onde nos apoiarmos na antítese constituída pela frase percorrida desde
avestruzes, aos quais eis-nos de volta, e que, mais dóceis que carneiros,
a morte de Freud no movimento psicanalítico, para demonstrar o que a
modelam seu próprio ser segundo o momento da cadeia significante que os
psicanálise não é e, junto com vocês, buscar o meio de recolocar em vigor
está percorrendo”.
aquilo que não cessou de sustentá-la em seu próprio desvio, ou seja, o
sentido primeiro que Freud preservava nela por sua simples presença, e
p. 39
que se trata aqui de explicar”.
“Que isso seja um artifício, Dupin com efeito não deixa de salientá-lo,
falando-nos, por trás desse falso quilate, da vigilância do animal predador
p. 405-406
prestes a dar o bote. Mas, seja isso o próprio efeito do inconsciente, no
“Estaria eu lhes ensinando alguma coisa, ao lhes dizer que esses
sentido exato em que ensinamos que o inconsciente é que o homem
textos - aos quais dedico há quatro anos um seminário de duas horas,
seja habitado pelo significante, como encontrar-lhe imagem mais bela do
todas as quartas-feiras, de novembro a julho, sem haver ainda empregado
que a forjada pelo próprio Poe para nos fazer compreender a proeza de
mais de um quarto deles, supondo-se que meu comentário pressuponha
Dupin? Pois para tanto ele recorre a esses topônimos que um mapa
seu conjunto - nos deram, a mim e aos que me seguem, a surpresa de
geográfico, por não ser mudo, superpõe a seu desenho, e que se podem
verdadeiras descobertas? Elas vão de conceitos que se mantiveram
transformar no objeto de um jogo de adivinhação para quem conseguir
inexplorados a detalhes clínicos deixados ao sabor de nossa exploração, e
descobrir aquele que um parceiro escolheu - assinalando desde logo que o
que atestam a que ponto o campo de que Freud teve a experiência colocá-las como condição a qualquer instituição de ensino da
ultrapassava as vias que ele se encarregou de nos abrir, e a que ponto sua psicanálise”.
observação, que às vezes dá a impressão de ser exaustiva, pouco se p. 437
suscitava ao que ele tinha que demonstrar. Quem não se comoveu, dentre “Mas tal direção só se manterá através de um ensino verdadeiro,
os técnicos de disciplinas alheias à análise que levei a ler esses textos, com isto é, que não pare de se submeter ao que se chama novação. Pois o
essa investigação em ação - seja a que ele nos faz seguir na pacto que institui a experiência deve levar em conta o fato de que ela
Traumdeutung, seja a da observação do "Homem dos Lobos" ou de instaura os próprios efeitos que a capturam para afastá-la do sujeito”.
Para-além do princípio do prazer? Que exercício para formar espíritos, e
que mensagem à qual emprestar sua voz! Que controle, também, do valor
metódico dessa formação e do efeito de verdade dessa mensagem, quando
os alunos a quem vocês as transmitem trazem-lhes o testemunho de uma Situação da psicanálise e formação do psicanalista
transformação, às vezes sobrevindos da noite para o dia, de sua prática, em 1956
simplificada e tornada mais eficaz antes mesmo de se lhes tornar mais
transparente. Seria impossível eu lhes oferecer uma exposição extensa ESCRITOS
desse trabalho na palestra que devo à amabilidade do prof. Hoff estar-lhes A segunda versão foi publicada em Les ètude Philosophiques,
fazendo neste lugar de dileta memória, que devo à concordância de minhas número especial de outubro-dezembro de 1956, para a
visões com a do dr. Dozent Arnold, por ter tido a idéia de produzi-la comemoração do centenário do nascimento de Freud. A primeira
perante vocês, e que devo às minhas relações excelentes e já antigas com versão existe apenas como separata.
o sr. lgor Caruso, sabendo a acolhida que ela teria em Viena”.
p. 465
p. 410 “Não mais acreditando em seus dois ouvidos, eles quiseram
“Mas eis que a verdade, na boca de Freud, pega o dito touro à unha: recuperar o para-além que de fato o discurso sempre possuíra, mas sem
"Sou para vós, portanto, o enigma daquela que se esquiva tão logo que soubesse o que era isso. Eis por que inventaram para si um terceiro
aparece, homens que tanto consentis em me dissimular sob os ouropéis de ouvido, supostamente convocado a percebê-lo sem intermediação. E, para
vossas conveniências. Nem por isso deixo de admitir que vosso embaraço designar esse imediatismo do transcendente, nada se poupou das
seja sincero, pois, mesmo quando fazeis de vós meus arautos, não valeis metáforas a partir do compacto: o afeto, a vivência, a atitude, a descarga, a
mais ao portar minha bandeira do que essas roupas que vos pertencem e necessidade de amor, a agressividade latente, a armadura do caráter e o
que se parecem convosco, fantasmas que sois. Por onde, afinal, irei passar ferrolho da defesa – deixemos a cartola e passemos ao coelho - , cujo
em vós, onde estava eu antes dessa passagem? Será que um dia vo-lo reconhecimento, a partir daí, já não era acessível senão a esse não-sei-quê
do qual um estalido da língua é a prova suprema, e que introduz no
direi? Mas, para que me encontreis onde estou, vou ensinar-vos por que
sinal reconhecer-me. Homens, escutai, eu vos dou o segredo! Eu, a ensino uma exigência inédita: a do inarticulado”.
verdade, falo”.
p. 470
p. 419 “Esse rudimento é a distinção entre o significante e o significado,
“O que a concepção lingüística que deve formar o trabalhador em pela qual se rendem justificadas homenagens a Ferdinand de Saussure,
sua iniciação básica lhe ensinará é a esperar que o sintoma comprove pelo fato de, em virtude de seu ensino, ela estar hoje inscrita no
sua função de significante, isto é, aquilo pelo qual ele se distingue do fundamento das ciências humanas. Note-se apenas que, mesmo feita uma
indício natural que esse mesmo termo comumente designa na medicina. E, menção a precursores como Baudoin de Courtenay, essa distinção era
para satisfazer a essa exigência metódica, ele se comprometerá a perfeitamente clara para os antigos e é atestada em Quintiliano e santo
reconhecer-lhe o emprego convencional nas significações suscitadas pelo Agostinho”.
diálogo analítico. (Diálogo cuja estrutura tentaremos formular.) Mas essas
mesmas significações, ele as tomará como só podendo ser apreendidas p. 475
com certeza em seu contexto, ou seja, na seqüência constituída, para cada “Pois o erro teórico que apontamos na doutrina coloca-nos na falha
uma, pela significação que remete a ela e por aquela a que ela remete no do ensino, que lhe corresponde reciprocamente. Ou seja, no segundo
discurso analítico”. tema de nossa formulação, no qual entramos há pouco”.
p. 431 p. 484
“Por isso ensinamos que não há na situação analítica apenas dois “É por essa razão que, da enorme quantidade de experiência que
sujeitos presentes, mas dois sujeitos providos, cada um deles, de dois atravessou a análise (pois aqui não se pode dizer que nada se tenha tirado
objetos, que são o eu e o outro, tendo esse outro o índice de um a do bode por ordenar), seu ensino não conseguiu reter quase nada em
minúsculo inicial. Ora, em razão das singularidades de uma matemática sua peneira...”
dialética com as quais será preciso nos familiarizar, a reunião deles no par
de sujeitos S e A conta, ao todo, com apenas quatro termos, em razão de p. 484-485
que a relação de exclusão que opera entre a e a ' reduz os dois pares “É por essa razão que, da enorme quantidade de experiência que
assim notados a um só no confronto dos sujeitos”. atravessou a análise (pois aqui não se pode dizer que nada se tenha tirado
do bode por ordenhar), seu ensino não conseguiu reter quase nada em
p. 436 sua peneira. Observação de que nos dispensará, em seu foro íntimo,
“Que a história da língua e das instituições, bem como as qualquer um que tenha tido que travar conhecimento com ele, nem que
ressonâncias, atestadas ou não na memória, da literatura e das tenha precisado buscar, contra nossa diatribe, o refúgio cujo segredo uma
significações implicadas nas obras de arte, são necessárias ao dessas naturezas a quem a covardia ensina tanto quanto conduz deixou
entendimento do texto de nossa experiência, esse é um fato que Freud, por escapar um dia diante de nós, nos seguintes termos: " Não há campo em
ter ele próprio buscado nelas sua inspiração, seus métodos de pensamento que alguém se exponha mais totalmente do que ao falar da análise."
e suas armas técnicas, atesta tão maciçamente que é possível tocá-lo ao
simples folhear das páginas de sua obra. Mas ele não julgou supérfluo p. 485
“O de que os programas nele impostos à docência tomam “Sem dúvida, as lições de uma mulher de talento que revolucionou
essencialmente por objeto o que chamaremos de matérias de ficção, nada nosso conhecimento das formações imaginárias na criança, e cujos temas
se encontrando ali de positivo senão um ensino médico que, por não qualquer iniciado há de reconhecer, se eu tiver a extravagância de
passar de repeteco, é do ensino público uma cópia supérflua, o que é de chamá-la de tripeira, nos ensinarão a dizer à criança que as
admirar que seja tolerado”; uvas-objetos-maus devem realmente ser arrancadas das tripas da cegonha,
e que é por isso que ela tem medo da raposa. Não digo que não. Mas tenho
p. 486 mais confiança na fábula de La Fontaine para nos introduzir nas estruturas
“Sucedeu a uma Beatitude do tipo 2 julgar-se intimada pelas do mito, isto é, naquilo que exige a intervenção desse inquietante quarto
circunstâncias a mostrar sua capacidade num ensino do tipo 1, cuja elemento cujo papel, como significante na fobia, parece-me muito mais
promoção devia trazer-lhe grande lustro”. instável”.
p. 492 p. 458
“Se, por outro lado, as variações que mostramos nas abordagens “Para responder a essa pergunta, mencionemos primeiro que
teóricas da psicanálise dão a impressão externa de uma progressão nenhum " instituto" atualmente patrocinado no mundo por essa instituição
conquistadora, sempre na fronteira de novos campos, é ainda mais sequer tentou, até hoje, montar o ciclo de estudos cuja intensão e extensão
impressionante constatar como é estacionário o que se articula de Freud definiu, tantas e tantas vezes e em detalhes, como exclusivas de
ensinável, para uso interno dos analistas, em relação à enorme todo e qualquer substituto, mesmo político, de uma integração no ensino
quantidade de experiência que, por assim dizer, passou por suas mãos”. médico oficial, tal como ele podia vê-lo em sua época, por exemplo.
p. 438
“A PSICANÁLISE, O QUE ELA NOS ENSINA …” A instância da letra no inconsciente ou a razão desde
Freud
p. 439 ESCRITOS
“... COMO ENSINÁ-LO?” Um dia depois da XVIII lição, Circuitos, do Seminário 4 – A relação
de objeto.
p. 440 Pronunciado em 9 de maio de 1957 no anfiteatro Descartes, na
“Sem interromper para me perguntar se o texto de meu argumento Sorbonne, a pedido do Grupo de Filosofia da Federação dos
partiu ou não de uma ideia correta quanto à plateia que me espera, Estudantes de Letras. Redação datada de 14-16 de maio de 1957.
esclarecerei ao indagar isto: “O que a psicanálise nos ensina, como Publicado no volume 3 de La Psychoanalyse (sobre o tema
ensiná-lo?”, não pretendi dar uma ilustração do meu modo de ensino. “Psicanálise e ciências humanas”), Paris, PUF, 1957, p.47 a 81.
Esse argumento instaura, para que nelas se situe a discussão, como alertei
no final, as teses sobre a ordem que institui a psicanálise como ciência e, p. 496-497
depois, extrai delas os princípios por onde manter nessa ordem o programa “Pois a urgência de que agora extraio como pretexto para deixar de
de seu ensino. Ninguém, penso eu, se tal afirmação se aplicasse à física lado esse propósito só faz encobrir a dificuldade de que, ao sustentá-lo na
moderna, qualificaria o uso discreto de uma fórmula algébrica para indicar a escala em que devo aqui apresentar meu ensino, ele não se distancie
ordem de abstração que ela constitui: por que, então, se haveria aqui de demais da fala, cujas medidas diferentes são essenciais para o efeito de
mantê-lo frustrado de uma experiência mais suculenta?” formação que procuro”.
p. 442 p. 500
“Não obstante, suponho que os defensores de disciplinas muito “O signo assim redigido merece ser atribuído a Ferdinand de
diversas, por quem hoje tenho que me fazer entender, tenham vindo até Saussure, embora não se reduza estritamente a essa forma em nenhum
aqui, visto o local, como filósofos o bastante para que eu possa abordá-los dos numerosos esquemas em que aparece na impressão das diversas
com esta pergunta: qual é, em sua opinião, esse algo que a psicanálise nos aulas dos três cursos, dos anos de 1906-7, 1908-9 e 1910-11, que a
ensina ser-lhe próprio, ou o mais próprio, o verdadeiramente próprio, devoção de um grupo de seus discípulos reuniu sob o título de Curso de
verdadeiramente o máximo, o mais verdadeiramente?” linguística geral: publicação primordial para transmitir um ensino digno
desse nome, isto é, que só pode ser detido em seu próprio movimento”.
p. 449
p. 531 p. 602
“Ou melhor, o isto que ele nos propõe atingir não é o que possa ser “Primum vivere, sem dúvida: há que evitar o rompimento. Que se
objeto de um conhecimento, mas isto - acaso ele não o diz? - que constitui classifique com o nome de técnica a civilidade pueril e honesta que
meu ser, e sobre o qual ele nos ensina que eu testemunho tanto ou mais ensina com tal finalidade, ainda passa. Mas, quando se confunde essa
em meus caprichos, minhas aberrações, minhas fobias e meus fetiches necessidade física da presença do paciente na hora marcada com a
quanto em meu personagem vagamente policiado”. relação analítica, comete-se um engano e se desencaminha o novato por
muito tempo”.
p. 604
De uma questão preliminar a todo tratamento da “Que nos perdoem aqueles que nos lêem e os que acompanham
psicose nosso ensino, se eles encontram aqui exemplos um tanto repisados por
ESCRITOS mim em seus ouvidos”.
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. p. 604-605
Remissão ao seminário dos dois primeiros semestres do ano de “O que se pode dizer é que as novas vias em que se pretendeu
1955-1956. Redação: dezembro de 1957 - janeiro de 1958. legalizar a marcha aberta pelo descobridor demonstram uma confusão nos
Publicado em La Psychanalyse, Paris, PUF, vol.4, 1959, p.1 a 50. termos, que requer a singularidade para se revelar. Retomaremos, pois, um
exemplo que já contribuiu para o nosso ensino; naturalmente, ele foi
p. 562 escolhido de um autor qualificado e que é especialmente sensível, por sua
“É justamente isso que demonstra que a atribuição da procriação ao origem, à dimensão da interpretação. Trata-se de Ernst Kris e de um caso
pai só pode ser efeito de um significante puro, de um reconhecimento, não que ele não nos dissimula haver retomado de Melitta Schmideberg”.
do pai real, mas daquilo que a religião nos ensinou a invocar como o
Nome-do-Pai”. p. 607
“Tomar partido do objetivo, é um abuso, nem que seja pelo fato de o
p. 581-582 plágio ser relativo aos costumes vigentes.*
“Ensinamos, seguindo Freud, que o Outro é o lugar da memória
que ele descobriu pelo nome de inconsciente, memória que ele considera *Eis um exemplo: nos EUA, onde acabou Kris, publicação tem valor
como objeto de uma questão que permanece em aberto, na medida em que de título, e um ensino como o meu deveria, toda semana, garantir
condiciona a indestrutibilidade de certos desejos. A essa questão sua prioridade contra a pilhagem a que não deixaria de dar ensejo.
respondemos com a concepção da cadeia significante, na medida em que, Na França, é à maneira da infiltração que minhas ideias penetram
uma vez inaugurada pela simbolização primordial (que o jogo do Fort! Da!, num grupo onde são obedecidas as ordens que proíbem meu
evidenciado por Freud na origem do automatismo de repetição, torna ensino. Por serem malditas ali, as ideias só podem servir de
manifesta), essa cadeia se desenvolve segundo ligações lógicas cuja adorno para alguns dândis. Não importa: o vazio que elas fazem
influência sobre o que há por significar, ou seja, o ser do ente, se exerce ressoar, quer me citem ou não, faz ouvir uma outra voz”.
pelos efeitos de significante descritos por nós como metáfora e metonímia”.
p. 608
“Tal trabalho, a acreditamos haver sabido em nosso ensino extrair
Juventude de Gide ou a letra e o desejo as consequências que ele acarreta, torna bem evidente, pela ordenação
ESCRITOS que introduz, a que ponto são frequentemente parciais os aspectos em que
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no se concentram os debates e, em especial, o quanto o emprego comum do
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. termo, na própria análise, continua aderido à sua abordagem mais
Publicado no nº 131 da revista Critique, abril de 1958, p.1958, discutível, se bem que mais vulgar: fazer dela a sucessão ou a soma dos
p.291 a 315. sentimentos positivos ou negativos que o paciente volta a seu analista”.
p. 762 p. 614
“Por três vezes o menino ouviu-lhe a voz pura. Não foi a angústia “Sendo desconhecida,, não sem motivo, a natureza da incorporação
que o acolheu, mas um tremor vindo do fundo do ser, um mar que tudo simbólica, e não havendo possibilidade de que se consuma seja o que for
inundava, o Schaudern em cuja significação alofônica Jean Delay se pauta de real na análise, evidencia-se, pelas balizas elementares de meu
para confirmar sua significação de aloctonia - ensinando-nos semiologia, ensino, que nada mais pode ser reconhecido senão de imaginário naquilo
especialmente a relação com a " segunda realidade" , e também o que se produz. Pois não é necessário conhecer a planta de uma casa para
sentimento de ser excluído da relação com o semelhante, pelo qual esse bater a cabeça contra as paredes: para isso, aliás, prescinde-se muito bem
estado se distingue da tentação ansiosa”. dela”.
p. 617
“Meus alunos hão de aqui deplorar que o ensino de meu seminário
A direção do tratamento e os princípios de seu poder não tenha podido ajudá-la na época, já que eles sabem com base em que
ESCRITOS princípios lhes ensinei a distinguir o objeto fóbico como significante para
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no todo uso, para suprir a falta do Outro, e o fetiche fundamental de toda
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. perversão como objeto percebido no corte do significante”.
Primeiro relatório do Colóquio Internacional de Royaumont, reunido
de 10 a 13 de julho de 1958, a convite da Sociedade Francesa de p. 622
Psicanálise. Publicado em La Psychanalyse, vol.6, Paris, PUF, “Não pretendemos ensinar aos psicanalistas o que é pensar. Eles o
1961, p.149 a 206. sabem. Mas não é que o tenham compreendido por si. Aprenderam essa
lição com os psicólogos. O pensamento é uma tentativa de ação, repetem
eles gentilmente. (O próprio Freud cai nessa esparrela, o que não o impede “É da própria rotina de nosso ensino fazer a distinção entre o que a
de ser um pensador rigoroso e cuja ação se consuma no pensamento.)” função do Eu impõe ao mundo em suas projeções imaginárias e os efeitos
de defesa que elas retiram de mobilizar o lugar onde se produz o juízo”.
p. 628
“A metonímia, como lhes ensino, é o efeito possibilidade por não p. 679
haver nenhuma significação que não remeta a outra significação, e no qual “Sabemos que um espelho esférico pode produzir, de um objeto
se produz o denominador mais comum entre elas, ou seja, o pouco de situado no ponto do seu centro de curvatura, uma imagem que lhe é
sentido (comumente confundido com o insignificante), o pouco de sentido, simétrica, mas sobre a qual o importante é que ela é uma imagem real. Em
que se revela no fundamento do desejo e lhe confere o toque de perversão certas condições – como as de uma daquela experiências que só tinham
que é tentador denunciar na histeria atual”. valor por um interesse ainda inocente pelo domínio do fenômeno, relegadas
que estão hoje à categoria da física de entretenimento –, essa imagem
p. 630 pode ser fitada pelo olho em sua realidade, sem o médium comumente
“Um sonho, portanto, é apenas um sonho. Pode-se até ler, na pena empregado de uma tela. É o caso da chamada ilusão do buquê invertido,
de um psicanalista que se mete a ensinar, que ele é uma produção do que encontraremos descrita, para lhe dar uma referência séria, em
Eu. Isso prova que não se corre grande perigo ao querer despertar os L’Optique et photométrie dites géométriques (eis de novo nossa geometria),
homens do sonho: ei-lo que prossegue à luz do dia, e entre aqueles que de Bouasse, personagem aliás curioso da história do ensino, e obra a ser
nem se comprazem em sonhar”. consultada na página 86, para o que diz respeito a nosso objeto, restando
nas outras alguns dispositivos que, apesar de menos inúteis, seriam
p. 639 igualmente propícios ao pensamento (4ª.ed., Delagrave, 1947)”.
“Mas isso lhe ensinaria menos do que o que lhe diz sua amante:
que, em seu sonho, ter esse falo não fez com que o desejasse menos. Com p. 680-681
o que, é sua própria falta-a-ser que é tocada”. “É que as ligações que ali irão aparecer, à maneira analógica,
relacionam-se claramente, como veremos, com estruturas (intra-) subjetivas
p. 649 como tais, representando a relação com o outro e permitindo distinguir nela
“Este relatório é uma seleta de nosso ensino”. a dupla incidência do imaginário e do simbólico. Distinção cuja importância
ensinamos para a construção do sujeito, a partir do momento em que é
preciso pensarmos o sujeito como o sujeito em que isso pode falar, sem
que ele nada saiba a respeito (e do qual até convém dizer que nada sabe a
Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: seu respeito enquanto fala).
“Psicanálise e estrutura da personalidade”
ESCRITOS p. 685-686
Alguns dias depois da lição XXV, A significação do falo no “Se nossos analistas de hoje desconhecem, com essa dimensão, a
tratamento, do Seminário 5 – As formações do inconsciente. experiência que retiram de Freud, a ponto de só encontrarem nela pretexto
Relatório do Colóquio de Royaumont, 10-13 de julho de 1958. para renovar um genetismo que só pode ser sempre o mesmo, já que é um
Redação definitiva: Páscoa Ed 1960. Publicado em La erro, sua falha se denuncia pelo simples ressurgimento, em suas teorias, de
Psychanalyse, vol.6, Paris, PUF, 1961, p.111 a 147. velhos estigmas, como a famosíssima cenestesia, onde se assinala a falta
do ponto terceiro naquilo que, afinal, nunca é mais do que um recurso
p. 659 canhestro à noese. Mas, sem dúvida, nada pode ensinar-lhes coisa
“Mas, por ora, não estará Daniel Lagache professando a mesma alguma, já que eles nem sequer acusam o golpe que sua idéia do
coisa que o que ensino, quando defino o inconsciente como discurso do desenvolvimento recebe das chamadas realidades do hospitalismo, onde,
Outro? Pois, para que Daniel Lagache possa, com base na experiência da no entanto, os cuidados prestados aos bebês não conseguem revelar outra
criança “em si, por si e para si”, conferir a “essa existência por e para carência senão o anonimato em que eles se distribuem”.
outrem”, senão a precedência, ao menos uma precessão lógica, sua
relação inteiramente futura com o círculo de semelhantes que a espera e p. 688
que a destina ao lugar que ela ocupa nos projetos dele não é suficiente. É “Isso quer dizer que nosso modelo destacou-se numa fase preliminar
que, na dimensão imaginária que aí se manifesta, essa relação de de nosso ensino em que nos era preciso desentulhar o imaginário como
existência é inversa, na medida em que o não nascido permanece demasiadamente valorizado na técnica. Já passamos deste ponto”.
basicamente fechado à visão dela. Mas o lugar que a criança ocupa na
linhagem segundo a convenção das relações de parentesco, o prenome,
talvez, que já a identifica com o avô, os funcionários do registro civil e até o A psicanálise verdadeira, e a falsa
que nela denotará seu sexo, aí está algo que se preocupa muito pouco com
o que ela é em si: ela que apareça hermafrodita, pra ver só!”. OUTROS ESCRITOS
Texto redigido para um congresso realizado em Barcelona em
p. 669 setembro de 1958; permaneceu inédito em francês até sua
“Admite-se relevar que o pai Freud se contentasse com o juízo de publicação na revista L’Ane, nº51, junho-setembro de 1992, p.24-7
atribuição e com o juízo de existência, e até desse ao primeiro a vantagem
de uma antecedência lógica em relação à negação em que se basearia o p. 176-177
segundo. Não somos nós, na psicanálise, que iremos nos oferecer à “As posições aqui expostas sob forma radical resumem o duplo
trabalho de um comentário de textos a que vimos dando seguimento há
chacota dos lógicos, nem tampouco nos arriscarmos no ensino de
sete anos, num seminário semanal, cobrindo por ano cerca de trezentas
Brentano, o qual, no entanto, sabemos que brilhava em Viena e que até
Freud o frequentou”. páginas de Freud, e de um ensino de apresentação clínica e supervisão
terapêutica que é feito há cinco anos, sob a égide da Clínica de Doenças
p. 677 Mentais e do Encéfalo (prof. Jean Delay) da Faculdade de Medicina de
Paris”.
p. 179 “Quando o cônego Van Camp veio me pedir, com as formas de
“Ensino tão árduo que os áugures da psicanálise de hoje acabaram cortesia refinada que lhe são próprias, para que falasse na Universidade
dizendo a si mesmos: ‘Um sonho, afinal, é apenas um sonho’, e até Saint-Louis sobre alguma coisa relacionada ao meu ensino, não
fazendo disso uma senha com que se saúdam”.
encontrei, meu Deus, nada mais simples a dizer senão que falaria do
próprio assunto que havia escolhido para o ano que começava - estávamos
À memória de Ernest Jones: Sobre sua teoria do então em outubro - a saber, sobre a ética da psicanálise”.
simbolismo
ESCRITOS p. 14
Guitrancourt, janeiro-março de 1959 “Meu ensino deste ano, portanto, está focalizado precisamente
sobre o tema, em geral evitado, das incidências éticas da psicanálise, da
p. 712
“Esse rigor lógico, acaso o mínimo que se pode exigir do analista não moral que esta pode sugerir, pressupor, conter e, talvez, de um passo
é que ele o mantenha nessa angústia, ou, dito de outra maneira, que ele adiante, grande audácia, que ela nos permitiria efetuar referente ao domínio
não poupe da angústia aqueles a quem ensina, nem mesmo para moral”.
assegurar sobre eles seu poder?”
p. 16
p. 713 “Sim, sei que segundo a fórmula de Hegel tudo o que é real é
“Perde-se, ao contrário, repetindo uma falsa lei do deslocamento do racional. Mas sou daqueles que pensam que a recíproca não deve ser
semantema, segundo a qual este sempre iria de uma significação particular
depreciada - que tudo o que é racional é real. Há apenas um pequeno
para uma mais geral, de uma concreta para uma abstrata, de uma material
para outra mais sutil, chamada de figurada ou até moral. Como se o incômodo, é que vejo a maioria daqueles que são capturados entre um e
primeiro exemplo a pescar nas notícias do dia não mostrasse sua outro, o racional e o real, ignorar essa combinação tranqüilizadora.
caducidade: a palavra lourd [pesado], porquanto é esta que se nos oferece, Chegaria eu a dizer que isso é culpa dos que raciocinam? Uma das mais
atestada como havendo a princípio significado lourdeau [rude] 16, ou até preocupantes aplicações dessa famosa recíproca é que aquilo que os
étourdi [aturdido] 17 (no século XIII), e portanto, ter tido um sentido moral, professores ensinam é real e, como tal, tem efeitos como qualquer real,
antes de ser aplicada, em época não muito anterior ao século XVIII, como
nos ensinam Bloch e Wartburg, a uma propriedade da matéria - a qual, efeitos intermináveis, indetermináveis, ainda que esseensino seja falso.
para não nos determos em tão belo caminho, convém notar que é Eis sobre o que me interrogo”.
enganosa, na medida em que, por se opor ao leve, conduz à tópica
aristotélica de uma gravidade qualitativa. Iremos nós, para salvar a teoria, p. 18
creditar ao uso comum das palavras um pressentimento da pouca realidade “O desejo não é coisa simples. Não é nem elementar, nem animal,
de uma física assim?” nem especialmente inferior. É a resultante, a composição, o complexo de
toda uma articulação cujo caráter decisivo tentei demonstrar no
antepenúltimo termo do meu ensino - do que digo lá, onde absolutamente
Discurso aos católicos
não me calo -, e talvez seja preciso que lhes diga em algum momento por
PARADOXOS laranja que o faço”.
Compreende as duas conferências pronunciadas em 9 e 10 de
março de 1960 em Bruxelas, a convite da Faculdade Universitária
Saint-Louis, e anunciadas como "aulas públicas". Lacan se refere a p. 23-24
elas nos capítulos XIII e XV do Seminário A ética da psicanálise. “Sem dúvida é um progresso, refletido na tolerância, a coexistência
Ao evocar em seu Seminário, em 23 de março de 1960, as aulas de dois ensinos que se separam, um por ser e o outro por não ser
que acabava de dar em Bruxelas,Lacan as designa com estas confessional. Minha má vontade em contestar isso é ainda maior na medida
palavras: "meu discurso aos católicos" (Seminário 7, p.211, Seuil,
em que nós mesmos, na França, optamos bem recentemente por caminho
1986). Duas versões sucessivas foram publicadas em Quarto,
órgão da Escola da Causa Freudiana na Bélgica (nºVI, 1982, similar. Acho, porém, que tal separação desemboca numa espécie de
p.5-24, e nº50, inverno 1992, p.7-20). mimetismo dos poderes que nela se representam, daí resultando o que
chamaria de uma curiosa neutralidade, acerca da qual parece-me menos
p. 11 importante saber em benefício de que poder ela joga do que ter certeza de
“A perspectiva aberta por Freud sobre a determinação, pelo que, em todo caso, não joga em detrimento de todos aqueles pelos quais
inconsciente, do homem em sua conduta afetou quase todo o campo de esses poderes se afirmam”.
nossa cultura. Restringir-se-á ela na prática analítica aos ideais de uma
normatização, curiosos em seguir em sua difusão vulgar? Sabemos que o p. 30
dr. Jacques Lacan propõe à comunidade dos psicanalistas a experiência de “O que Totem e tabu nos ensina é que o pai só proíbe o desejo
um ensino bastante exigente quanto aos princípios de sua ação. No com eficácia porque está morto, e, eu acrescentaria, porque nem ele
seminário em que formou uma elite de clínicos e que ele conduz há sete próprio sabe disso - ou seja, que está morto. Tal é o mito que Freud propõe
anos no serviço do professor Jean Delay, trouxe à baila este ano as ao homem moderno, considerando que o homem moderno é aquele para
incidências morais do freudismo, julgando dever ultrapassar o abrigo de um quem Deus está morto - isto é, que julga sabê-lo”.
falso objetivismo para apresentar objetivamente a ação a que dedicou sua
vida”. p. 34
p. 13
“A moral, como a tradição antiga nos ensina, tem três níveis, o do “Learning, ensino, na verdade não é ciência, o que confirma que
soberano bem, o da honestidade e o da utilidade”. esse termo tem tão pouco a ver com o oceano quanto a mosca com a sopa.
p. 52
“Não seria esta a chave da função da sublimação em que estou em Subversão do sujeito e dialética do desejo no
vias de deter aqueles que me seguem em meu ensino? Sob diversas inconsciente freudiano
formas o homem tenta compor com a Coisa - na arte fundamental, que a ESCRITOS
faz representar no vazio do vaso em que se fundou a aliança de sempre - Comunicação feita num congresso reunido em Royaumont, por
obséquio dos “Colóquios filosóficos internacionais”, sob o título “A
na religião, que lhe inspira o medo da Coisa e o fato de se manter à
dialética”, a convite de Jean Wahl, 19 a 23 de setembro de 1960.
distância correta - na ciência, que não acredita nisso, mas que vemos agora
confrontada com a maldade fundamental da Coisa”.
p. 53 p. 807
“Ensino algo cujo termo é obscuro. Devo desculpar-me aqui- fui “Foi a data deste texto, anterior ao Congresso de Bonneval do qual
saiu o que o sucede, que nos fez publicá-lo: para dar ao leitor uma ideia do
levado a isso por uma necessidade premente, da qual a que me fez
avanço em que sempre se manteve nosso ensino em relação ao que dele
aparecer aqui diante de vocês não passa de um pequeno momento, que os
podíamos dar a conhecer”.
ajudará, espero, a compreender”.
p. 815
“Qual seja, a maneira certa de responder à pergunta "Quem está
A metáfora do sujeito falando?" , quando se trata do sujeito do inconsciente. Pois essa resposta
não poderia provir dele, se ele não sabe o que diz e nem sequer que está
ESCRITOS falando, como nos ensina a experiência inteira da análise”.
Este texto é a reescrita, feita em junho de 1961, de uma
intervenção proferida em 23 de junho de 1960 e resposta ao Sr.
p. 819
Perelman, que arguia a ideias de racionalidade e da regra de
“É portanto preciso levar muito mais longe, diante de vocês, a
justiça perante a Sociedade de Filosofia.
topologia que elaboramos para nosso ensino neste último lustro, ou seja,
p.905 introduzir um certo grafo que prevenimos garantir apenas, entre outros, o
emprego que faremos dele, tendo sido construído e ajustado a céu aberto
para situar, em sua disposição em patamares, a estrutura mais amplamente
prática dos dados de nossa experiência. Ele nos servirá aqui para p. 857-858
apresentar onde se situa o desejo em relação a um sujeito definido por sua “Separare, se parare: para se enfeitar com o significante sob o qual
articulação pelo significante”. sucumbe, o sujeito ataca a cadeia, que reduzimos à conta exata de um
binarismo, em seu ponto de intervalo. O intervalo que se repete, estrutura
mais radical da cadeia significante, é o lugar assombrado pela metonímia,
p. 827 veículo, ao menos como o ensinamos, do desejo”.
“– É o Pai morto – responde Freud, mas ninguém o escuta, e, quanto
ao que Lacan retoma disso sob a rubrica do Nome-do-Pai, é lamentável p. 864
que uma situação pouco científica continue a deixá-lo privado de seu “Um resultado disso, não obstante, foi que a ordem de silêncio dessa
público normal.* borda oposta a nosso ensino neles se rompeu”.
*Que nessa digressão tenhamos ligado tal característica àquela
época, ainda que em termos mais vigorosos, assume um valor de
encontro, por ter sido precisamente com base no Nome-do-Pai que, Maurice Merleau-Ponty
três anos depois, recebemos a sanção de pôr em banho-maria as OUTROS ESCRITOS
teses que havíamos prometido a nosso ensino, em razão da Contribuição para o número de homenagem publicado por Les
permanência dessa situação”. Temps Modernes após o falecimento do filósofo, nº184-5, outubro
1961, p.245-54.
p. 837
“Se assim lhe é dado estabelecer a proibição do gozo, não é, p.190
contudo, por essas razões de forma, mas porque a ultrapassagem delas “Tais efeitos são, como o ensino, os efeitos do inconsciente, aí
expressa o que reduz qualquer gozo cobiçado à brevidade do encontrando a posteriori, pelo rigor que se restabelece na estrutura da
auto-erotismo: as vias completamente traçadas pela conformação linguagem, a confirmação de tê-las dela extraído foi bem fundado”.
anatômica do ser falante, ou seja, a mão mais aperfeiçoada do macaco, na
verdade não foram desprezadas, numa certa ascese filosófica, como vias
de uma sabedoria abusivamente qualificada de cínica. Alguns, na
atualidade, sem dúvida obcecados com essa lembrança, acreditaram, Kant com Sade
falando conosco, poder fazer o próprio Freud derivar dessa tradição: OUTROS ESCRITOS
técnica do corpo, como diz Mauss. Mas o fato é que a experiência analítica Deveria servir de prefácio a La Philosophie dans le boudoir (Paris,
nos ensina o caráter original da culpa gerada por sua prática”. Cercle du livre précieux, 1963, 15 vols.) R.G. setembro de 1962.
Publicado na revista Critique, nº 191, abril de 1963.
p. 850
“É nisso que todo discurso tem o direito de se considerar, por esse Introdução aos Nomes-do-Pai
efeito, irresponsável. Todo discurso, exceto o daquele que ensina, quando
PARADOXOS verde
ele se dirige a psicanalistas”.
A primeira e única lição do Seminário sobre os Nomes-do-Pai.
Interrompido em circunstâncias dramáticas - a perda de sua função
p.851
de "didata" (na época, psicanalista habilitado a formar
“Eis por que somente um ensino que abale essa Koiné traça a via psicanalistas) -, o Seminário deveria ter um novo ponto de partida
da análise que se intitula didática, uma vez que os resultados da em janeiro de 1964, na rua d'Ulm, nas dependências da École
experiência são falseados pelo simples fato de se registrarem nessa Koiné. Normale Supérieure, sob o título Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise. Lacan sempre se recusou a retomar o tema do
Essa contribuição doutrinal tem um nome: trata-se, muito Seminário subitamente abortado, e até mesmo em publicar em vida
simplesmente, do espírito científico, que falha por completo nos locais de o texto da única lição pronunciada. Ao concluir, em função de seus
recrutamento dos psicanalistas. dissabores, que o credenciamento do "discurso psicanalítico" não
lhe havia dado para erguer, como tinha a intenção, o véu com que
Nosso ensino é anátema por se inscrever nessa verdade”. Freud recobrira o verdadeiro fundamento da psicanálise, e que
tinha sido punido por se mostrar sacrílego, assinalou, para bom “O que escapa a quem recebe esse ensino é o efeito de
entendedor - sobretudo com o título irônico que deu ao Seminário obscurantismo que ele sofre por isso. Sabemos aonde esse efeito
posterior, Les non-dupes errent [nota de rodapé do tradutor:
desemboca - nos empreendimentos cada vez mais intencionais de uma
Literalmente, "Os não-tolos erram", expressão, em francês,
homófona a "Os nomes-do-pai". (N.T) Mais discreto, o tecnocracia, na padronização psicológica dos sujeitos desajustados no
questionamento dos limites do complexo edipiano e do mito paterno trabalho, no ingresso nos quadros da sociedade existente, na cabeça
nem por isso deixou de continuar a correr através de seminários e curvada sob a norma do psicólogo.
escritos, até a depreciação do Nome-do-Pai em sintoma e utensílio
(cf. o Seminário Le Sinthome). Isto é para fazê-los perceber sentir que os primeiros passos do meu
Ao descobrir a estenografia dessa lição no dossiê dos Quatro
conceitos fundamentais da psicanálise que Lacan me dera, ensino caminharam nas vias da dialética hegeliana. Era uma etapa
propus-lhe colocá-la na abertura desse Seminário, que foi o necessária para investir contra o mundo dito da positividade”.
primeiro a ser publicado, em 1973. Lacan concordou, ajudou-me a
estabelecer o texto, depois, in extremis, reconsiderou: não, p. 65
disse-me ele, não chegou o tempo de se ler isso, ficará para mais “Mas esse mesmo Agostinho, que pode formular essa coisa contra
tarde. Manteve essa posição até a morte, a despeito das toda piedade intelectual, abranda-se contudo a ponto de traduzir Ehyeh
reapresentações que lhe fazia de tempos em tempos... Lacan
começa sua conferência evocando a notícia que lhe fora dada "na acher ehyeh, que há tempos ensinei-os a ler, por Ergo sum qui sum, Sou
noite passada, bem tarde": acabava de ser riscado da lista dos aquele que sou, com que Deus afirma-se idêntico ao Ser. Este ano eu
didatas da Sociedade Francesa de Psicanálise pela "comissão de pretendia articular para vocês todo tipo de exemplos de outras fórmulas
ensino" da qual fazia parte; depois de anos de transações análogas nos textos hebreus, que lhes teriam mostrado que, tanto em latim
sórdidas, sua cabeça revelara-se efetivamente o preço a ser pago como em francês, soam falsos e claudicantes, ao passo que Agostinho era
pelos colegas a fim de obterem seu reconhecimento internacional
excelente escritor. O Sou aquele que sou com que Deus afirma-se idêntico
como "French Study Group". Era o que Lacan chamaria alguns
meses mais tarde sua "excomunhão" (ver primeira lição do ao Ser motiva um puro absurdo quando se trata do Deus que fala a Moisés
Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, na sarça ardente”.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979, p.9-20). Ele voltaria a esse
assunto por diversas vezes. Vou me contentar em retomar aqui os p. 67
termos de sua conferência em Nápoles em dezembro de 1967 ("O
“Em contrapartida, é no nível genital que o ensino de Freud, e a
engano do sujeito suposto saber", in Outros Escritos, p.329-40).
Citando Pascal, como na "Introdução aos Nomes-do Pai, ele opõe o tradição que dele se conserva, situa a hiância da castração.
Deus dos filósofos (em outros termos, o sujeito suposto saber) e o
Deus de Abraão, Isaac e Jacó (Deus-Pai), e escreve: "Esse lugar Os psicofisiologistas contemporâneos de Freud reduzem o obstáculo
do Deus Pai é aquele que designei como Nome-do-Pai e que me ao que chamaram de mecanismo da falsa detumescência, ao passo que
propus ilustrar no que deveria ser meu décimo terceiro seminário (o Freud, por sua vez, desde o início de seu ensino, articula o que, do
décimo primeiro em Sainte-Anne), quando uma passagem ao ato
de meus colegas psicanalistas forçou-me a pôr um fim nele, depois orgasmo, representa exatamente a mesma função que a angústia em
da primeira lição. Nunca mais retomarei esse tema, vendo nisso o relação ao sujeito. Acho que lhes mostrei isso ano passado. O orgasmo é
sinal de que esse lacre ainda não pode ser retirado para a em si mesmo angústia, na medida em que o desejo está para sempre
psicanálise." separado do gozo por uma falha central”.
p. 58 p. 85
“Uma vez que hoje está decidido que ficarei por aqui, serei talvez
“São, entretanto, alguns deles que agora voltam essa marca contra
mais cuidadoso do que jamais o fui ao assinalar, no meu ensino passado,
mim, alimentados por palavras e conceitos que lhes ensinei,
as balizas nas quais vocês poderão fundar os delineamentos do meu
Seminário deste ano. Gostaria este ano de amarrar para vocês os
ensinando pelas vias e caminhos por onde os levei”.
seminários dos dias 15, 22, 29 e 5 de fevereiro de 1958, referentes ao que
chamei de metáfora paterna, os meus seminários de 20 de dezembro de p. 86
1961 e os que se seguem, referentes à função do nome próprio, os “Num desses debates confusos durante os quais um grupo, o nosso,
seminários de maio de 1960 referentes ao que, do drama do pai está mostrou-se verdadeiramente em sua função de grupo, arrastado, daqui,
implicado na trilogia claudeliana e, finalmente, o seminário de 20 de dali, por turbilhões cegos, um de meus alunos - peço-lhe desculpas por ter
dezembro de 1961, seguido pelos seminários de janeiro de 1962, referentes depreciado seu esforço, que seguramente teria sido capaz de carregar um
ao nome próprio”. eco e reconduzir a discussão a um nível analítico - achou por bem dever
dizer que o sentido do meu ensino seria que a verdade, sua verdadeira
p. 59 apreensão, é que não a agarraremos jamais”.
“Esse passo seguinte encadeia-se ao meu seminário sobre a
angústia. Eis por que eu tinha a intenção - e vou manter minha afirmação -
de lhes mostrar em que era necessário que fosse desenhado o relevo que
meu ensino introduziu no ano passado”.
p. 62
se deu em detrimento de apenas um grupo, mas à custa de todos aqueles
que se sustentam num ensino, na França, naturalmente”.
p.242 p.880
“Trata-se de A Coisa Freudiana, discurso cujo texto é o de um
“O ensino da psicanálise só pode transmitir-se de um sujeito para
discurso segundo, por ser o da vez em que o repeti. Preferido pela primeira
outro pelas vias de uma transferência de trabalho”. vez (possa esta insistência fazê-los sentirem, sem sua trivialidade, o
contrapé temporal gerado pela repetição) ele o foi para uma Viena em que
p.242 meu biógrafo há de situar meu primeiro contato com o que realmente se
“Desta fundação podemos destacar, antes de mais nada, a questão deve chamar de a escória mais rasteira do mundo psicanalítico.
de sua relação com o ensino, que não deixa sem garantia a decisão de Especialmente com um personagem cujo nível de cultura e
seu ato. responsabilidade correspondia ao que se exige de um soldado da guarda
real*, mas isso não me importava, eu estava falando por falar. Tinha apenas
Diremos que, por mais qualificados que sejam o que estiverem em querido que fosse ali, no centenário do nascimento de Freud, que minha
condições de discutir esse ensino, a Escola não depende dele, nem voz se fizesse ouvir como homenagem. E isto, não para marcar o lugar de
tampouco o dispensa, já que ele se desenrola fora dela. um lugar deserto, mas deste outro agora delimitado por meu discurso.
Se para esse ensino, com efeito, a existência de uma plateia que *Agente, mais tarde, da operação de destruição de nosso ensino,
ainda não tomou sua medida revelou-se no mesmo momento decisivo que cuja maquinação, conhecida pelo auditório presente, só interessa
impôs a Escola, é ainda mais importante marcar aquilo que os separa”. ao leitor pelo desaparecimento da revista La Psychanalyse e por
nossa promoção à tribuna de onde esta lição é proferida”.
p. 244
“Não, em absoluto, que a Escola não disponha do que lhe assegura p.882
não romper nenhuma continuidade - ou seja, de psicanalistas “É por isso mesmo que o inconsciente que a diz, o verdadeiro sobre
irreprocháveis, seja qual for o ponto de vista em que nos coloquemos, posto o verdadeiro, é estruturado como uma linguagem, e é por isso que eu,
que lhes teria bastado, como aconteceu com o resto dos sujeitos formados quando ensino isso, digo o verdadeiro sobre Freud, que soube deixar,
sob o nome de inconsciente, que a verdade falasse”.
por Lacan, que renegassem o ensino deste para serem reconhecidos por
uma certa " Internacional" , e que é notório que eles devem apenas a sua
escolha e a seu discernimento haverem renunciado a esse
A lógica da fantasia
reconhecimento”.
Opção Lacaniana 58, outubro de 2010.
p.246 Lições do Seminário 14 - A Lógica da fantasia, 1966-67.
“Quaisquer que tenham sido os agentes pelos quais ganhou corpo o
que por seis nos lhe criara um obstáculo, convém reconhecer que isso não p. 25
“Uma revirada é um sentido. Antes dela, é possível não haver
nenhum sentido subjetivável. Afinal, talvez seja a isso que se deva reportar
o fato, chocante, do qual lhes falei há pouco, a saber: as psicanalistas não “Seja como for, esse seminário, o quinto de nosso ensino e o
nos ensinaram nada a mais sobre seu gozo do que o que os terceiro sob o teto do Sainte-Anne, mostra-nos, como nos acontece aos nos
psicanalistas foram capazes de elucubrar Ou seja, pouca coisa. Mas, a reportamos aos textos gravados, muitos temas não apenas necessários
naquele momento à ampliação das categorias aceitas em nosso auditório,
partir de uma revirada, há uma orientação. Por pouco que seja, se for tudo
mas também, quanto a alguns dentre esses temas, a data a partir da qual
o que possa orientar o gozo da mulher no ato sexual, então compreende-se eles deveriam seguir a carreira que agora os fazem correrem as revistas –
que, até nova ordem, é com isso que temos de nos contentar”. isto é, as de belo aspecto, ou, se preferirmos, de belo espírito”.
p. 222
Problemas cruciais para a psicanálise “Foi preciso que a insuficiência do ensino psicanalítico eclodisse na
luz para que nos empenhássemos na tarefa de exercê-lo. Os anos de
OUTROS ESCRITOS 1956-1966 marcaram a mesma distância. Ainda nos restam dois anos para
Annuaire 1966 da École Pratique de Hautes Études, p.270-3. dar à ‘questão preliminar’ sua sequência plena”.
p. 208 p. 222-223
“É precisamente a dimensão que desconcerta, em nosso ensino, “É nesse campo, concebe-se, que a prova é mais delicada; mas
pôr à prova essa fundação, na medida em que ela está em nossa platéia”. como não ver uma prova na estranha indiferença ao texto das Memórias do
Presidente Schreber que faz com que, em inglês, ele tenha sido publicado
por uma pessoa de fora do grupo (a Sra. Ida Macalpine, a título de aluna de
Edward Glover, apegando-se muito vivamente a certas exigências
Respostas a estudantes de filosofia científicas, não está inscrita, salvo alguma novidade, na sociedade de
OUTROS ESCRITOS Londres), e faz com que na França seja uma zona muito sensível, mas
Publicado nos Cahiers pour l’Analyse, boletim do Círculo de periférica em relação a um grupo (aquele garantido por nosso ensino),
Epistemologia da ENS, nº3, 1966, p.5-13, sob o título, fornecido zona essa representada pelo Cahiers pour l’Analyse, que enfim vêm à luz
pela redação, de “Réponses à des étudiants en philosophie sur as Memórias a que consagramos tanto cuidado?”.
l’objet de la psychanalyse" [Respostas a estudantes de filosofia
sobre o objeto da psicanálise”]. Uma nota da redação esclarecida:
“As perguntas aqui reproduzidas foram redigidas ao Dr. Lacan por
um grupo de alunos da Faculdade de Letras de Paris. O texto foi
Pequeno discurso no Office de Radiodiffusion
redigido pelo Sr. G. Contesse. Agradecemos a este por haver Télévision Française
concordado em que o retomássemos”. OUTROS ESCRITOS
Publicado no primeiro número de Recherches, nº 3/4, p.5-9, com
p.211 autorização da ORTF. O texto foi precedido por uma nota da
“É por isso que o que ensino não se dirige primeiramente aos redação: “Essa entrevista foi ao ar em 2 de dezembro de 1966, no
filósofos. Não é, se assim posso dizer, em seu front que eu combato”. contexto das Manhãs da France-Culture, durante o programa de
Georges Charbonnier, ‘Sciences et techniques’, por ocasião da
p. 212 publicação dos Escritos de Jacques Lacan pela editora Seuil.
“Índice aparentemente insuficiente: os psicanalistas rara vez Agradecemos ao Dr. Lacan, assim como a Georges Charbonnier, a
souberam servir-se de uma chave, quando Freud não lhes ensinou de gentileza de nos autorizarem a publicação em Recherches.”
que maneira ela abria. Talvez o avanço que empreendo este ano, rumo a
um certo objeto chamado a, com minúscula, permita algum progresso a p.226
“Fui chamado, pelas condições difíceis com que se deparou o
esse respeito”..
desenvolvimento dessa prática na França, e assumir nela uma posição que
é uma posição de ensino”.
p.217
“ – Como no âmbito do ensino da filosofia, concebe o senhor o da p.231
psicanálise?... “E eu ainda não teria publicado esta coletânea de meus Escritos, se
o que neles se emite – especialmente há quinze anos, por ter sido recebido
Não sei o que se pode esperar do âmbito do ensino da filosofia, por mim do lugar do Outro em que se inscreve o discurso daqueles que
mas tive recentemente uma experiência que me deixou tomado por uma escuto, e nos termos em que cada psicanalista reconhece justamente os
dúvida: a de que a psicanálise não possa contribuir para a chamada termos que a cada semana meu seminário lhes fornece – não tivesse
hermenêutica senão reduzindo a filosofia a seus laços de obscurantismo”. acabado correndo sozinho para fora do campo onde se pode controlá-lo. A
despeito de mim mesmo, devo dizer, mas não sem uma certa razão, já que
nesse ensino se joga o desatino a todos reservado pelo futuro da ciência
Apresentação das Memórias de um doente dos nervos - a qual também corre, e muito à frente da consciência que temos de seus
progressos”.
OUTROS ESCRITOS
Cahiers pour l’analyse, nº5, 1966, p.69-72. Texto redigido para
apresentar a primeira tradução francesa do livre do presidente
Schreber, lançada como folhetim da revista antes de ser publicada Entrevista sobre a psicanálise
na coleção Champ Freudien (trad. De Paul Duquenne) pela Seuil. Opção Lacaniana 50, dezembro de 2007
Publicado sob o título de “Présentation”, fornecido pela redação. A gravação desta entrevista, dada por J. Lacan no dia 14 de
dezembro de 1966 na Radio-Télévision belga (RTB III) foi
p. 219 datilografada por Ph. De Villers; ela foi relida e ligeiramente
corrigida por mim. O estilo dessas proposições indica, a meu ver,
que Lacan lia um texto redigido anteriormente. p. 10
“Em primeiro lugar, permitam-me começar por uma advertência
relativa à estrutura, que é o tema deste encontro. Pode acontecer que
p. 11-12 vocês verem se produzir erros, confusões, usos cada vez mais
“Digo essas coisas em alto e bom som agora que trouxe soluções
aproximativos dessa noção e acho que haverá logo uma espécie de
prestes a começar a tarefa para que elas mudem. Foi por respeitar esta
embaraço em torno dessa palavra. Para mim é diferente, pois já utilizo esse
miséria escondida que me obstinei tanto em retardar a publicação de meus
termo há bastante tempo - desde o início ele meu ensino”.
tratados até que sua reunião fosse suficiente. Talvez, seja ainda esperar
demais do que de meu ensino passou para o domínio comum. Qual o p. 11
quê! Foi para que ele não se perdesse nisso que consagrei toda a minha “Quando comecei a ensinar algo sobre a psicanálise, perdi uma
paciência. Vez em quando, preciso fazer tal esforço”. parte de meu público, pois havia percebido muito tempo antes esse simples
fato de que, quan 10 se abre um livro ele Freud, e sobretudo os textos que
p. 13 tratam propriamente do inconsciente, pode-se estar absolutamente certo -
“Um apaixonado com o retomo da filosofia, pelo menos é assim que não se trata de probabilidade, mas de certeza - de deparar-se com uma
ele se anuncia, leva-nos a intuição do ser sem encontrar nada melhor agora página em que não se trata apenas de uma questão de palavras -
do que atribuí-lo a Bergson, que teria se enganado de ensino e não de naturalmente, em um livro, há sempre palavras, várias palavras impressas
porta, tal como o mesmo, entretanto, lhe havia significado outrora. Não nos -, mas de palavras que são O objeto mesmo através do qual buscamos um
fiemos até o fim na intuição do ser. isto jamais é sua última fífia. Apenas meio de abordar o inconsciente. Nem sequer O sentido das palavras, mas
indicamos aqui, com um tom que não é o nosso, mas daquele que evoca as palavras na sua carne, em seu aspecto material. Grande parte das
um doutor Pantalon na transformação que nos detém, todo o coitejo de especulações de Freud referem-se a jogos de palavras em um sonho, ou a
irnpasses manifestos que se desenvolvem a este respeito com uma lapsos, ou isto que em francês se chama calembour, homonímia, ou ainda
coerência, é preciso dizer, conservada; será feito dito o balanço ao qual se a divisão ele uma palavra em várias partes das quais cada uma tem um
deve reportar. Esta dissimulação para nós recobre simplesmente a sentido novo depois do recorte”.
ausência, ainda na lógica, de uma negação adequada. Escuto daquela que
seria própria para ordenar um "vel" - escolhi "vel' e não "aut', em latim - um p. 12-13
"vel”, para colocar a estrutura nestes termos: ou eu não sou, ou eu não “A questão diante da qual a natureza do inconsciente nos situa é, em
penso - dos quais o cogito cartesiano seria a intersecção. Penso que os poucas palavras, que algo pensa o tempo todo. Freud nos ensinou que o
lógicos nie ouvem, e o equívoco da palavra "ou" em francês é o único inconsciente são sobretudo pensamentos e que isto que pensa está
propício para enganchar a estrutura nesta indicação topológica: penso onde barrado da consciência. Essa barra tem várias aplicações, ela oferece
- aí onde- não posso dizer que sou, onde- aí onde - preciso colocar no seu inúmeras possibilidades em relação ao sentido. A principal é que se trata
enunciado o sujeito da enunciação como separado do ser por uma barra. realmente de uma barreira, barreira que é preciso saltar ou atravessar. É
Mais do que nunca, evidentemente, surge de novo aí não a intuição; mas a importante, pois se não destaco essa barreira, tudo vai bem para vocês.
exigência do ser E é com isto que se contentam aqueles que não vêem 'Isto lhes convém' (ça vous arrange), como se diz em francês. Com efeito,
além do próprio nariz. O inconsciente permanece no âmago do ser, para se a barreira não existe e algo pensa no andar ele baixo ou no subsolo, as
alguns, e outros vão crer que me seguem fazendo dele o "outro" da coisas são simples o pensamento está sempre ali e tudo de que
realidade. A única maneira de sair disto é situar que ele é real, o que não precisamos é ter um pouco de consciência do pensamento de que o ser
designa realidade alguma”. vivo pensa naturalmente e tudo vai bem. Se fosse esse o caso, o
pensamento seria preparado pela vida, pensando naturalmente, um pouco
p. 15-16 à maneira pelo instinto, por exemplo se o pensamento é um processo
“Isto para dizer que Racine, assim como Sartre, foi sem dúvida natural, então inconsciente não tem dificuldade. Mas o inconsciente não
ultrapassado em suas intenções. Mas, eles não têm que responder pelo tem nada a ver com o instinto nem com um saber primitivo, nem com a
que ultrapassa a intenção e, sim, por este gênero chamado teatro, esforço preparação do pensamento em um subsolo qualquer. É um pensamento
vendido por demonstrar a assistência de um modo muito cru, como com palavras, com ideias que escapam à sua vigilância, a seu estado de
representá-la. Também sou ultrapassado por minha intenção quando atenção. A questão da vigilância é importante. É como se um demônio
escrevo, mas, quando se está em análise comigo, é legítimo interrogar-me jogasse com sua atenção. A questão é encontrar um estatuto preciso para
como analista sobre meu esforço de ensino, em relação ao qual todos, esse outro sujeito que é exatamente o tipo ele sujeito que podemos
sem exceção, arrancam os cabelos, não é para nenhum crítico, para determinar tomando a linguagem como ponto de partida.
nenhum modo inicialmente legítimo de meus enunciados, nem de meu
estilo, exceto para situar que eles são do gênero do qual são provenientes. p. 15
É tudo o que há de mais regular na didática!” “Após quinze anos de ensino, ensinei meus alunos a contar, pelo
menos até cinco, o que é difícil - quatro é mais fácil - e eles entenderam até
aí. Mas esta noite, permitam-me ficar no dois. É claro que o que está em
Acerca da estrutura como imisção de uma alteridade
jogo aqui é a questão do número inteiro e, como penso que grande parte de
prévia a um sujeito qualquer vocês sabe disto, a questão dos números inteiros não é simples. Contar,
Opção Lacaniana 77, agosto de 2017 evidentemente, não é difícil. Basta ter, por exemplo, certo número de séries
Conferência em Baltimore, 1966. e uma correspondência biunívoca. Assim, é verdade que há neste cômodo
tantas pessoas sentadas quanto são as cadeiras. Mas é necessário que certo terreno, como se nada houvesse sido feito. A psicanálise quer dizer
haja uma coleção composta de números inteiros para constituir um número isso.
inteiro, também chamado de número natural. Um número desses é,
evidentemente, em parte natural, no sentido em que não entendemos por Não é a isso que meu ensino serve, mas de que é servo. Ele está a
que ele existe. O fato de contar não tem nada de empírico, e é impossível serviço, serve para valorizar alguma coisa que aconteceu e que tem um
deduzir o ato de contar unicamente dos dados empíricos. Hume tentou, nome, Freud”.
mas Frege demonstrou perfeitamente a inépcia dessa tentativa”.
p. 108
p. 16 “O ponto de vista "fontes" também pode servir no ensino corrente,
“Contudo, debrucemo-nos mais precisamente sobre o que é o que chamei ainda há pouco de gênero "conferência". Só que de tempos
necessário ao segundo para repetir o primeiro a fim ele obter uma em tempos há fissuras, há pessoas que, com efeito, souberam pegar
repetição. Não se pode responder rápido demais a esta questão. Se vocês emprestadas coisinhas aqui e ali para alimentar seu discurso, é
a respondem rápido demais, dirão que é necessário que sejam os mesmos. tão-somente a essência desse discurso que parte de um ponto de ruptura.
Neste caso o princípio do dois seria o dos gêmeos - e por que não
triplicados ou mesmo quintuplicados? Na minha época, ensinava-se às Se meu ensino serve para valorizar Freud, e se declara a serviço
crianças que não se deve somar microfones com dicionários. Mas isto é disso, nesse caso o que querem dizer as fontes? Querem dizer
perfeitamente absurdo porque a adição não existiria se não pudéssemos precisamente que o que me interessa não é reduzir Freud às suas fontes”.
somar microfones com dicionários ou, como escreve Lewis Carroll,
couves-flores e reis. A mesmidade não está nas coisas, mas na marca que p. 109-110
possibilita somá-las sem considerar suas diferenças. A marca tem por efeito “Freud nos ensinou que, dentre esses doentes, há doentes do
apagar a diferença e aí está a chave do que acontece com o sujeito, o pensamento. Só que é preciso prestar atenção à função assim designada.
sujeito do inconsciente, na repetição”. Será que se fica doente do pensamento no sentido em que se diz "ele está
pirado", no sentido em que isso se passa no nível do pensamento? Será
que é isso que isso quer dizer?”
Para dizer a verdade, seu próprio ensino não tem outra finalidade Foi, portanto, a um grupo para o qual meu ensino era tão precioso
senão trazer para essa experiência a correção, e para essa comunidade, a ou tão essencial que cada um, deliberando, marcou preferir a vantagem
disciplina a partir da qual se promove, por exemplo, a questão teórica de oferecida - e isto sem enxergar adiante, tal como, sem enxergar adiante,
situar a psicanálise em relação à ciência. interrompi meu seminário em seguida à referida votação -, foi a esse grupo
em dificuldade de encontrar uma saída que ofereci a fundação da Escola.
Todos sabem, com efeito, que foi por uma votação, em que estava
em jogo apenas permitir ou proibir a presença de meu ensino, que foi Por essa escolha, decisiva para os que aqui estão, marca-se aqui o
suspensa a aceitação deles na IPA, sem outra consideração extraída da que está em jogo. Pode haver algo que está em jogo que vale para alguns
formação recebida e, especialmente, sem objeção a que ela fosse recebida a ponto de lhes ser essencial, e este é meu ensino.
de mim. Uma votação, uma votação política, bastava para que se fosse
aceito na Associação Psicanalítica Internacional, como mostraram os Se o referido ensino é sem rival para eles, ele o é para todos, como
acontecimentos subseqüentes”. provam os que aqui se comprimem sem haverem pago o preço, ficando
suspensa para eles a questão do lucro que lhes é permitido.
p. 571-572
Daí resulta que os que se agrupam em minha fundação não atestam Sem rival, aqui, não significa sem avaliação, mas um fato: nenhum
outra coisa, através disso, senão o valor que conferem a um ensino – o ensino fala do que é a psicanálise. Em outros lugares, e de maneira
meu, que é de fato sem rival – para sustentar sua experiência. Esse apego declarada, cuida-se apenas de que ela seja conforme”.
é de pensamento prático, digamos, e não enunciados conformistas: foi pelo
p.251
sopro – chegaremos até mesmo a essa metáfora – que nosso ensino leva
“Podemos encontrar os tempos idos e revolvidos em que aquilo a
para o trabalho que houve quem preferisse ser excluído a vê-lo
que se tratava de não causar dano era a entidade mórbida. Mas o tempo do
desaparecer, ou mesmo a separar-se dele. Isso é fácil de concluir, por não
médico está mais implicado do que se supõe nessa revolução – pelo
dispormos até o momento de nenhuma outra vantagem com que possamos
menos, a exigência, tornada mais precária, do que torna médico ou não um
compensar a oportunidade assim declinada”.
ensino. Digressão”.
p.572
p. 253
“Assinalo que nada fiz, ao produzir o ensino que me foi confiado
num grupo, para extrair dele uma luz para mim, em especial por um apelo “Suposto, ensinamos nós, pelo significante que o representa para
qualquer ao público, nem tampouco para enfatizar demais a arestas que outro significante”.
poderiam contrariar o reingresso na comunidade, a qual, durante esses
anos, continuou a ser a única preocupação verdadeira daqueles a quem me p. 255
havia reunido um infortúnio anterior (ou seja, a sanção dada pela Srta. “A razão disso encontra-se na confusão a respeito do zero, onde se
Anna Freud a uma besteira de manobra, cometida, por sua vez, sob a fica num campo em que ela não tem vez. Não há ninguém que se
instrução de que eu não fosse alertado)”.
preocupe, no gradus, em ensinar o que distingue o vazio do nada - o que,
no entanto, não é a mesma coisa -, nem entre o traço referencial da medida
p. 576 e o elemento neutro implicado no grupo lógico, nem tampouco entre a
“Mas um psicanalista, pelo menos daqueles a quem ensinamos a nulidade da incompetência e o não-marcado da ingenuidade, a partir do
refletir, deve reconhecer aqui a razão da prevalência de pelo menos um que muitas coisas assumiriam seu lugar”.
texto, o de Freud, em sua cogitação”.
p. 256
p.578 “Mas, quem sabe melhor do que Sócrates que ele só detém a
“Essa ordenação da ordem do saber que funciona no processo significação que gera por reter esse nada, o que lhe permite remeter
analítico, eis aquilo em torno do qual deve girar a admissão na Escola. Ela
Alcibíades ao destinatário presente de seu discurso, Agatão (como que por
implica toda sorte de aparelhos, cuja alma deve ser encontrada nas funções
já delegadas na diretoria – Ensino, Direção dos Trabalhos, Publicação. acaso)? Isto é para lhes ensinar que, ao se obcecarem com o que lhes
concerne no discurso do psicanalisante, vocês ainda não chegaram lá”.
p.586
Trata-se, no que ensino, de coisa completamente diferente, de
Meu ensino, sua natureza e seus fins procedimentos técnicos e precisões formais referentes a uma experiência,
que ou bem é séria ou então é uma incrível errância, uma coisa louca,
PARADOXOS roxo
delirante. Aliás, tem todo o aspecto disso quando a vemos do exterior. O
20 de abril de 1968, em Bordeaux. Lacan foi a Bordeaux a convite
de um grupo de residentes do Hospital Psiquiátrico (CHS) Charles-Perrens. traço fundamental da análise é que as pessoas acabam se dando conta de
A conferência foi realizada numa sala municipal situada em frente ao que trombetearam besteiras anos a fio”.
estabelecimento.
p. 84-85
p. 70 “Isso, isso é interessante, e não se deve descartar que interessar-se
“É de fato completamente inverossímil, mas é a requisição que faço, por isso tenha valor formador para alguém como o psicanalista. Mas por ora
como sempre que me acontece de falar, o que não é tão freqüente, num é sem saída, porque há aí um problema bem particular que eu chamaria de
contexto que, cabe dizer, me é estranho, pois não creio que haja muitos a questão da idade. Para fazer lógica seriamente, assim como para tudo o
dentre vocês que tenham acompanhado o que eu ensino. que, de resto, existe na ciência moderna, é preciso instalar-se nela antes de
ter sido completamente cretinizado, e precisamente pela cultura.
O que eu ensino fez um certo barulho”. Evidentemente, cretinizados o somos sempre um pouquinho, não
escapamos ao ensino secundário. Decerto isso talvez também tenha o
p. 70-71 seu valor, pois aqueles que sobrevivem a isso com uma verdadeira
“Reuni sob esse título as coisas que havia escrito, à guisa de
vivacidade científica são verdadeiros casos, cada um deles lhe dirá. Por
estabelecer alguns pontos de referência, alguns marcos, como estacas que
exemplo, meu bom amigo Leprince-Ringuet, que se cretinizava ao mesmo
enfiamos na água para amarrar os barcos, para o que eu ensinara de tempo que eu no colégio em que usei calças curtas, logo escapuliu de
forma hebdomadária durante cerca de vinte anos. Não julgo haver-me forma viva e brilhante. Já eu precisei da psicanálise para cair fora. Convém
repetido muito. Tenho inclusive bastante certeza disso, pois dei-me como dizer que não há muitos que se aproveitaram dela como eu”.
linha, como imperativo, nunca dizer de novo as mesmas coisas. Mesmo
assim isso causou certa sensação”.
A lógica da fantasia
Introdução de Scilicet como título da revista da EFP OUTROS ESCRITOS
OUTROS ESCRITOS Annuaire 1969 da Escola Prática de Estudos Superiores, p.189-94.
Publicado em Scilicet, nº1, Éd. Du Seuil, 1968, p.3-13.
p. 327
p. 288 “A fantasia, para tomar as coisas no nível da interpretação,
“Scilicet: tu podes saber, eis o sentido deste título. Podes saber desempenha nisso a função do axioma, isto é, distingue-se das leis de
agora que fracassei num ensino que por doze anos dirigiu-se apenas a dedução variáveis, que especificam em cada estrutura a redução dos
psicanalistas, e que, por obra deles, há quatro anos encontrou aquilo a que, sintomas, por figurar neles de um modo constante. O menor dos conjuntos,
em dezembro de 1967, na Escola Normal Superior onde falo, prestei
no sentido matemático do termo, ensina o bastante a esse respeito para
homenagem como ao número”.
que um analista, exercitando-se, encontre nele seu germe”.
p. 292
“Não lembrarei aqui o que resulta, ali onde um sistema simbólico
ganha ser por necessitar que o falemos, em se operar nele uma Alocução sobre o ensino
Verwerfung, ou seja, a rejeição de um elemento que lhes é substancial. A OUTROS ESCRITOS
fórmula é pedra angular de meu ensino: ele reaparece no real”. Publicado em Scilicet, nº2/3, Paris, Seuil, 1970, p.391-9.
p. 293 p.302
“Essa formulação lacaniana é a de uma transcrição tal que, depois “Numa palavra, este congresso foi para mim um ensino. Talvez
de haver reunificado o campo da psicanálise, confere ao ato que a sustenta
pareça muito apropriado dizer isso de um congresso sobre o ensino.
o status cujo ápice culmina nos últimos traços de meu ensino”.
Pois observemos, segundo Nemo, que por sua juventude nos dá
p. 294
esperança, que nosso congresso se anunciou como: ensino. Nada
“A cada inverno a passar, portanto, coloca-se a questão do que há de
negociável em ser aluno de Lacan. Trata-se de uma ação, no sentido da menos: não ensino da psicanálise, mas ensino puro e simples.
bolsa de valores, que se concebe que seja mantida, quando se sabe (é
“Que algo seja para vocês, ao nos exprimirmos assim, um ensino
não significa que com ele vocês tenham aprendido alguma coisa, que dele Dizer por qual receita se organiza essa produção não seria nada
resulte um saber”. além de deixar a atual crise da Universidade revelar-se como estrutura,
para fazer a seu respeito um refrão que é o nosso: é um ensino.
p.303
“Dou a isso uma reflexão, balística, entendam-na, ao me espantar de p. 306-307
que a todo instante tenha parecido evidente que o ensino era a “É evidente que é no que o mais-de-gozar, que se encarna nos
transmissão de um saber, tomando-se por horizonte o pêndulo que vai e aluninhos-de-professor, se mantém em nada ensinado, exceto
vem entre aquele que ensina e o ensinado*: a relação entre eles – por utilizando-se do professor, que aqueles que têm de família essa receita
que não? – é o barco que convém, ao encontrar, na grande feira de nossa destacarão os significantes-mestres que são não a produção, mas a
época, seu impulso, não mais disparatada do que a relação verdade da Universidade (cf. S 1 no quadrípode). Isso, por ser difundido por
médico-paciente, por exemplo.
Oxford e Cambridge, ou seja, exageradamente estendido para não ter se
*Traduz-se via de regra o par enseignant-enseigné como distendido, guarda ímpeto igualmente vivo em lugares de não menor
"professor-aluno". Fugimos aqui a esse uso para esvaziar sua impudência”.
oposição, como faz Lacan. (N.E.)
p.307
Uma observação para sanear nosso caso: pode ser que o ensino “Mas convém notar aqui que, para chegar ao ensino, o saber deve,
seja feito para estabelecer uma barreira ao saber. O mais humilde dos por algum aspecto, ser um saber de mestre, ter algum significante-mestre
pedagogos, como diríamos sem rir, pode dar a qualquer um essa suspeita. que constitua verdade. Essa é a marca das chamadas artes liberais na
Universidade medieval. A liberalidade que lhes confere seu mandato não é
Donde brota a pouca evidência, digamos, da relação saber-ensino. outra coisa... Podemos deter-nos nos exemplos em que a usura do tempo
permite discernir muito bem os fios da estrutura, ali onde eles já não têm
interesse por não conduzirem mais nada. Um saber que passa pelo
Talvez pareça exagerado postular que o saber é a coisa mais
companheirismo faz da mestria outra função”.
disseminada no mundo do que imagina o ensino?
p.308
Se parece que o psicanalista poderia ter atentado mais cedo para “Pela relação do saber com a verdade adquire verdade aquilo que se
aquilo em que o implica quase todo o que ele diz, não caberá também levar produz de significantes-mestres no discurso analítico, e fica claro que a
em conta que ensino cria aí obstáculo a que ela saiba o que diz? ambivalência daquele que ensina para o ensinado reside onde, por
nosso ato, criamos caminho para o sujeito, ao lhe pedir que se associe
Basta ver que, por esse viés, é o instinto que o desorienta, ideia que livremente (o que significa: que os faça mestres) aos significantes de seu
decorre apenas da fabricação do ensino. percalço.
Naturalmente, está em meus princípios não esperar nada do fato de Essa produção, a mais louca por não ser ensinável, como muito
meu discurso ser tomado como um ensino. Mas não passemos de
bem experimentamos, nem por isso nos libera da hipoteca do saber.
imediato a esse ponto, que gerou debate...”
p.305 Uma vez que, em suma, trata-se apenas disso: do embaraço que
“Resta saber se isso se ensina. É aí que convém voltar à meu ensino causa na Escola”.
observação de Nemo. Para o professor, procurá-lo além de sua tarefa, de
sua tarefa quanto ao saber, isto é: ele é efeito do ensino”. p. 308-309
“No que Kaufmann está bem servido para ventilar que, afinal, não
p.306 faço um “curso de psicanálise” (é justamente o que reivindico, e vê-se o
“O saber serve de agente, convergindo com nossa formulação, por mal-entendido) e que o melhor daquilo que inspiro satisfaz ao discurso
universitário – prova disso é que o grafo é de bom-tom e até de bom uso
se revelar como ensino. O ensino é o saber que é descaracterizado, em
suma, pelo lugar de onde ele impera. Perdoem-me aí o sumário, mas esse em muitos campos de ensino enquadrados pela Universidade.
em suma é também o saber colocado como Suma, com S maiúsculo, e – p. 309
por que me privar nessa via? – a suma, por estar presente, equivale à O que me salva do ensino é o ato, e o que atesta o ato é que
soma. O sono do saber gera monstros, na verdade civilizados: seguindo o nunca tive dia seguinte para meu abrigo, nem abrigo que eu tenha daquilo
guia de meu $ barrado, vocês podem ver que o professor encontra-se aqui que, permanecendo surdo a minha contribuição, dá-se ao luxo de ostentar
no registro da produção, o que não sai do verossímil.
que pode prescindir da falta dele para subsistir essencialmente: o que é λέκτοѵ viu-se traduzido a meu gosto, sem que me gabe disso, sendo mais
evidente quanto à Universidade, sendo visível, de resto, para todo mundo”. estoico do que estoicólogo diante do que se possa censurar nele”.
p.310
“O que realmente me cabe acentuar é que, ao se oferecer ao
Prefácio a uma tese
ensino, o discurso psicanalítico leva o psicanalista à posição do
psicanalisante, isto é, a não produzir nada que se possa dominar, malgrado OUTROS ESCRITOS
a aparência, a não ser a título de sintoma”. Publicado sob o título de “Préface” na abertura do livro de Anika
Rifflet-Lemaire, Jacques Lacan, Bruxelas, Charles Dessart, 1970,
p.9-20. O livro foi reeditado com o mesmo título pela editora Pierre
Mardaga, Bruxelas, 1977, incluindo o prefácio (p5-16).
Discurso na Escola Freudiana de Paris
OUTROS ESCRITOS p. 390
Publicado em Scilicet, nº2/3, Paris, Seuil, 1970, p.9-29. “Discurso impensável, por só ser possível sustentá-lo no que se é
ejetado dele. Perfeitamente ensinável, no entanto, a partir de um
p.274 meio-dizer: ou seja, a técnica que leva em conta que a verdade só se diz
“Isso me faz lembrar um certo pateta (em inglês) de quem tive de
pela metade. Isso supõe que o psicanalista só se manifeste por um
suportar, em julho de 1962, as propostas sujas, antes que uma comissão de
inquérito de que ele era o intermediário pusesse em ação seu capanga. No discurso assintomático, o que é, de fato, o mínimo que se espera dele”.
dia previsto para o veredito, combinado desde o início da negociação, ele
saldou sua dívida para com meu ensino, então com mais de dez anos, p. 391
outorgando-me o papel de sargento-recrutador, parecendo surdos os “Não se trata, nesta data, de nada menos do que fazer com que se
ouvidos dos que com ele colaboravam, já que, por essa via, lhes competia, ouça meu ensino, que é enunciado do lugar mais eminente da psiquiatria
da história inglesa, bancar recrutas bêbados”. francesa a cada oito dias, já se vão sete anos, numa aula inédita, para seus
destinatários explícitos, psiquiatras e psicanalistas, que, no entanto,
p. 278 deixam-na à margem.
“Pois afinal não está o psicanalista sempre à mercê do
psicanalisante, ainda mais que o psicanalisante de nada pode poupá-lo O campo do psicanalista, se pensarmos bem, é muito mais na
configuração política do que na conexão praticante que se motiva o hábitat
quando ele tropeça como psicanalista, e menos ainda quando ele não
que ele encontrou na psiquiatria. Ele foi obrigado a isso por sua antipatia
tropeça? Pelo menos, é isso o que nos ensina a experiência”. pelo discurso universitário, antipatia esta que, apesar de só ter recebido de
meu ensino a sua razão, não tem menos eficácia quando, como sintoma,
p.279 traduz-se em instituições que veiculam ganhos secundários”.
“Ou ainda então, imaginem-me em 1961 sabendo que eu servia a
meus colegas para que voltassem à International, ao preço de meu
ensino, que dela seria proscrito. Continuei esse ensino, no entanto, eu, Radiofonia
ao preço de cuidar exclusivamente dele, sem querer me opor ao trabalho
de separarem dele meu auditório”. OUTROS ESCRITOS
Publicado em Scilicet, nº2/3, Paris, Seuil, 1970. P.55-99. Lacan
havia concordado em responder, para a rádio belga, às perguntas
do Sr. Robert Georgin.
Prefácio à edição dos Escritos em livro de bolso
OUTROS ESCRITOS p.404
Redigido para Écrits I, Paris, Seuil, col. Points Essais, 1970. P.7-12. “Se eu fraquejasse agora, não deixaria outra obra senão esses
Igualmente publicado em Écrits II, texto integral, col. Points, Paris, resíduos [rebuts] selecionados de meu ensino dos quais fiz trave para a
Seuil, 1999, p.364-369. informação, sobre a qual diz-se tudo ao afirmar que ela a difunde”.
p. 385 p. 408
“Em suma, ler-se-á meu chamado discurso de Roma de 1953 sem “Qualificar essa particularidade de arbitrária é um lapso que
que mais possa importar eu ter sido rigorosamente impedido – desde o Saussure cometeu, por se haver - decerto a contragosto, porém, com isso,
término imposto na França aos prazeres de uma Ocupação cuja nostalgia ainda mais exposto aos tropeços - "emuralhado" (já que me ensinaram
ainda iria assombrá-la durante vinte anos pela pluma de Sartre, tão precisa que essa é uma palavra minha) no discurso universitário, cujo abrigo
em seu refinamento –, rigorosamente barrado, dizia eu, de toda e qualquer mostrei ser justamente o significante que domina o discurso do mestre - o
tarefa, por menor que fosse, de ensino. A oposição a isso me foi do arbítrio”.
notificada como sendo proveniente de um certo Sr. Piéron, de quem, aliás,
não tive nenhum sinal direto a mim, a pretexto de minha
incompreensibilidade”.
Lituraterra
p. 387 OUTROS ESCRITOS
“Eu disse ‘para quem quiser ouvir’, pois tal articulação pressupõe um Escrito para o número dedicado ao tema “Literatura e psicanálise”,
discurso que já tenha surtido efeitos, efeito de λέκτοѵ precisamente. Pois é da revista Littérature, Larousse, nº3, out 1971, p.3-10; publicado na
por prática de ensino, na qual se demonstra que a insistência do que é abertura do número.
enunciado não deve ser tida como secundária na essência do discurso, que
ganha corpo, embora eu o tenha assinalado por essa qualidade desde seu
primeiro aparecimento, um termo meu: o ponto de basta. Com o qual o
p.16 comunicação recente na Sociedade de Filosofia, passou-me um artigo
“Aqui, meu ensino pode ser situado numa mudança de sobre o fundamento da matemática a respeito do qual observei ser de um
configuração que ostenta um lema de promoção do escrito, mas do qual nível dez ou vinte vezes mais elevado do que o que ele apresentara nessa
outros testemunhos – por exemplo, que seja em nossos dias que finalmente Sociedade. Ele me respondeu que eu não devia me espantar com isso, em
se lê Rabelais – mostram um deslocamento de interesses com que me vista das respostas que havia obtido. Como obtive respostas da mesma
afino melhor.
ordem no mesmo local, foi justamente isso que me tranquilizou, por ter
Estou ali, como autor, menos implicado do que se imagina, e meus articulado no mesmo nível certas coisas que vocês podem encontrar nos
Escritos são um título mais irônico do que se supõe, já que se trata seja de meus Escritos”.
relatórios, função de congressos, seja, digamos, de “cartas abertas” em que
faço um apanhado de uma parte de meu ensino”. p. 47
“Foi em torno do que é o sintoma que giraram os primeiros tempos
p.21 do meu ensino. De fato, os analistas se encontravam em tamanho
“Como dizer o que me fascina nessas coisas que pendem, nevoeiro quanto a esse ponto que o sintoma se articulava em sua boca
kakémono, como são chamadas, que pendem das paredes de qualquer
como recusa do citado valor de verdade. No fim das contas, talvez se deva
museu nesses lugares, trazendo inscritos caracteres chineses de formação,
que conheço um pouco, mas que, por menos que os conheça, ao meu ensino que isso já não se exiba com tanta facilidade. Mas a
permitem-me avaliar o que deles se elide na escrita cursiva, na qual o verdade não tem nenhuma relação com a equivalência, num único sentido,
singular da mão esmaga o universal, ou seja, propriamente aquilo que lhes do sintoma com o valor de verdade. A verdade faz entrar em jogo o ser do
ensino só ter valor pelo significante? Não o encontro mais ali, mas é por ente”.
eu ser novato. Não é nisso, aliás, que está o importante, pois, mesmo no
que esse singular apóia uma forma mais firme, e lhe acrescenta a p. 48
dimensão, a dizmansão, já disse eu, a diz-mansão do nãomaiskium “Seria um erro ironizarmos, porque, se ela deixou nervosos os
[papeludun], aquela pela qual se evoca o que instauro do sujeito no filósofos, é porque eles enervam todo mundo. É isso que se mostra na
Hum-dePlus, para que ele preencha a angústia d' Acoisa, ou seja, aquilo
denúncia, por parte dos analistas, do que eles chamam de resistência. Se
que conoto com o pequeno a, é aqui objeto por ser o cacife de qual aposta
a ganhar com tinta e pincel?” briguei durante toda uma etapa desse ensino do qual meus Escritos
carregam o vestígio, foi exatamente para interrogá-los sobre o que sabiam
do que estavam fazendo, ao introduzirem o ser desse maldito ente de que
Da incompreensão e outros temas falavam, não inteiramente a torto e a direito. De vez em quando, eles dão a
PARADOXOS amarelo isso o nome de homem, porém, ele é cada vez menos chamado assim,
Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de desde que passei a ser um dos que fazem algumas reservas a isso. Esse
seminários mensais, destinados aos internos de psiquiatria, Lacan ser não tem um tropismo especial com relação à verdade. Não falemos
escolheu como título "O saber do psicanalista". É que alguns de mais nisso”.
seus alunos, talvez inspirados pela leitura de Bataille, haviam, na
época, levantado a bandeira do "não saber". De fato, se as três
primeiras dessas "conversas", como as chamou Lacan,
corresponderam mais ou menos à sua idéia inicial, as quatro Estou falando com as paredes
seguintes, em contrapartida, gravitaram em torno das questões PARADOXOS amarelo
abordadas no grande Seminário que ele conduzia na praça do Convidado a fazer no Hospital Sainte-Anne uma série de
Panthéon, nos espaços da Faculdade de Direito, sob o título de seminários mensais, destinados aos internos de psiquiatria, Lacan
"...ou pior". Respeitei essa cesura, inserindo as quatro em seu lugar escolheu como título "O saber do psicanalista". É que alguns de
cronológico, o livro 19 do Seminário, onde fariam falta. As três seus alunos, talvez inspirados pela leitura de Bataille, haviam, na
primeiras, ao contrário, constituíram nele uma digressão. Foram época, levantado a bandeira do "não saber". De fato, se as três
estas que reuni neste pequeno volume. Elas foram pronunciadas primeiras dessas "conversas", como as chamou Lacan,
na capela do hospital nos dias 4 de novembro de 1971, 2 de corresponderam mais ou menos à sua idéia inicial, as quatro
dezembro do mesmo ano e 6 de janeiro de 1972. seguintes, em contrapartida, gravitaram em torno das questões
abordadas no grande Seminário que ele conduzia na praça do
p. 43 Panthéon, nos espaços da Faculdade de Direito, sob o título de
“Sublinho, de imediato, que esta fala é uma fala de ensino. O "...ou pior". Respeitei essa cesura, inserindo as quatro em seu lugar
ensino, no caso, eu o distingo do discurso. Como estou falando aqui no cronológico, o livro 19 do Seminário*, onde fariam falta. As três
primeiras, ao contrário, constituíram nele uma digressão. Foram
Sainte Anne - e talvez tenham podido sentir o que isso significa para mim,
estas que reuni neste pequeno volume. Elas foram pronunciadas
através do que eu disse da vez passada-, optei por tomar as coisas no na capela do hospital nos dias 4 de novembro de 1971, 2 de
nível, digamos, do elementar. Isso é completamente arbitrário, mas é uma dezembro do mesmo ano e 6 de janeiro de 1972.
escolha”.
p. 73
p. 43-44 “Não se sabe se a série é o princípio da seriedade. Entretanto,
"Quando foi à Sociedade de Filosofia fazer uma comunicação sobre encontro-me diante dessa pergunta. Ela se propõe a mim pelo fato de que,
o que eu chamava na época de meu ensino, fiz a mesma opção. Falei evidentemente, não posso dar continuidade aqui ao que se define noutro
lugar do meu ensino, chamado de meu Seminário, até porque nem todo
como se me dirigisse a pessoas muito atrasadas. Elas não estavam, não
mundo está informado de que faço aqui uma conversinha por mês. E como
mais do que vocês, mas foi antes a ideia que tenho da filosofia que quis
há pessoas que às vezes se dão o trabalho de vir de muito longe para
assim. E não sou o único. Um de meus melhores amigos, que fez uma
acompanhar o que digo alhures sob o nome de Seminário, não seria correto O aturdito
continuá-lo aqui”.
OUTROS ESCRITOS
Publicado em Scilicet, nº4, Paris, Seuil, 1973, p.5-52.
p. 75-76
“Do nosso ponto de vista de sujeitos, o que é que pode começar em
p. 473
três para o próprio Deus? Essa é uma velha pergunta que formulei muito
“Não há outro estofo a lhe dar senão esta linguagem de puro
depressa na época em que iniciei meu ensino, e depois não a renovei. Eu
lhes direi logo a resposta - é somente a partir de três que ele pode acreditar materna, com o que me refiro àquilo que é o único a poder ser ensinado:
nele mesmo”. isto, sem recorrer a nenhuma experiência, a qual, por ser sempre, tenha ela
o que tiver, fundada num discurso, permite as locuções que, em última
p. 79-80 instância, não visam outra coisa senão estabelecer esse discurso”.
“Vocês ouviram? Estou falando com a capela. É esta a resposta.
Estou falando com a capela, quer dizer, com as paredes. Tem cada vez p. 480
mais sucesso o ato falho. Agora sei com quem vim falar, é com aquilo com “É nisso que os matemas com que se formula em impasses o
que sempre falei no Sainte Anne - com as paredes. Faz um bom tempo.
Uma vez ou outra voltei aqui com um títulozinho de conferência sobre o que matematizável, ele mesmo a ser definido como o que de real se ensina
estava ensinando, e depois com alguns outros, não vou fazer a lista. de real, são adequados para se coordenar com essa ausência tomada do
Sempre falei com as paredes. real”.
p. 483
“Não podemos negar que há nisso um progresso em relação ao que,
Conferência de Lovaina
no Ménon, fica por questionar sobre o que constitui o ensinável.
Opção Lacaniana 78.
Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Esta conferência foi Certamente, a última coisa a dizer é que existe um mundo entre eles dois: o
pronunciada no dia 13 de outubro de 1972, na Grande Rotunda da que se trata é de que nesse lugar vem o real, do qual o mundo é apenas
Universidade Católica de Lovaina. Até onde sei, ela foi filmada pela um decaído derrisório”.
RTBF sem a autorização de Lacan.
p.484
p. 8 “Assim, um dizer como o meu, é por ex-sistir ao dito que ele permite
“Nunca tive a menor intenção de fazer-lhes uma conferência. Tenho o materna, mas não constitui materna para mim e, assim, coloca-se como
um ensino. Faço isto há ... sim, há muito tempo. Enfim, fiz isto durante não-ensinável antes que o dizer se tenha produzido, e como ensinável
dezessete anos e acreditem que preparo essas aulas. Mas é diferente vir apenas depois de eu o haver matematizado segundo os critérios
falar com pessoas que, a princípio, não têm disso tudo necessariamente menonianos, os quais, no entanto, não me haviam certificado disso.
mais do que esta coisa curiosa, não é mesmo? Esta coisa que se propaga
Do não-ensinável criei um materna por assegurá-lo pela fixão da
por meios impessoais, por meios imperceptíveis e, certamente, por mim
opinião verdadeira - fixão escrita com x, mas não sem recorrer ao equívoco.
desconhecidos, aquilo que faz com que eu tenha visto sobretudo crescer o
que se denomina minha audiência”.
Daí procedeu minha fixão desse ponto δόξα – o que eu não disse –;
eu não o conheço e, portanto assim como Freud, não posso dar conta
p. 17
‘daquilo que ensino” a não ser acompanhado seus efeitos no discurso
“Entre nós, quem busca o gozo? Resposta: o perverso. Isto é o
analítico: efeitos de sua matematização, que não vem de uma máquina,
ensino de Freud. Há alguns que são fãs do gozo e por ele estão prestes a mas que revela algo de troço, uma vez que ele a produziu.
fazer qualquer coisa. Isto os leva longe, sem dúvida, mas não os conduz
por um certo caminho com o qual se poderia imaginar que mesmo assim p. 486
tenham alguma relação, a via do gozo sexual. Inicialmente, há em Freud “O que a topologia ensina é o vínculo necessário que se estabelece
isto, que consiste em mostrar que o gozo sexual é o ponto ideal em relação entre o corte e o número de voltas que ele comporta, para que se obtenha
ao qual se referenciam os diversos gozos perversos, isto de um lado, e de uma modificação da estrutura ou d'asfera (com d e apóstrofo), único acesso
outro que todos os tipos de comportamento que lidam com o desejo concebível ao real, e concebível pelo impossível no que ele o demonstra”.
colocam-no em jogo de tal maneira que o de que se trata é que em nenhum
caso se atinge o gozo, e isto se chama neurose. Estes são os dois Televisão
avanços, as duas lacunas que Freud introduz. Os Três ensaios sobre a
OUTROS ESCRITOS
teoria da sexualidade, é isto que isso quer dizer”. Esse texto foi publicado num volume da coleção Champ Freudien,
Éd. Du Seuil, 1974 [Rio de Janeiro, Jorge Zahar, col. Campo
p. 30 Freudiano no Brasil, 1993].
“É a revelação dessa estrutura que é aquilo sobre o que - em casos
privilegiados que são precisamente aqueles que defini há pouco pela p.509
neurose - se funda , gira e se edifica o discurso analítico. Por isso, é “Irei mais longe: nada mais espero dos analistas supostos senão que
evidente que é preciso acentuar, precisar quais são os membros situáveis sejam o objeto graças ao qual aquilo que ensino não é uma auto-análise.
pela atividade linguageira, no âmbito mais elementar da função da Com certeza, quanto a esse ponto, é apenas por eles, aqueles que me
escutam, que serei ouvido. Mas, mesmo não ouvindo nada, um analista
linguagem. É isto que a análise nos ensina a situar, é isto que define o
analista”.
desempenha esse papel que acabo de formular, e a televisão, portanto, o prevíamos. Isso fará talvez com que tenhamos um dia uma noção sobre a
desempenha tão bem quanto ele”. evolução das leis”.
p. 515
p. 83
" Eu não o amo" , ensina Freud, vai longe nessa série, ao se “O que mais me espanta é ter tantos ainda ao meu lado. Não posso
repercutir ali”. dizer que nada fiz para retê-los. Não ando pendurado nos casacos deles.
Não temo absolutamente que as pessoas partam. Ao contrário, alivia-me
p.520
quando se vão. Mas, enfim, sou grato aos que ali estão por me devolverem
“É que, como o senhor sabe, pelo menos na SAMCDA de Paris, os
únicos elementos com que as pessoas se sustentam provêm de meu alguma coisa de tempos em tempos, o que me dá a sensação de que não
ensino. Ele se infiltra por toda parte, é um vento que se torna cortante, sou completamente supérfluo no que ensino, que lhes ensino algo que
quando sopra com muita força. Então elas voltam aos velhos gestos, vão se lhes presta serviço”.
reaquecer amontoando-se em Congressos.
p. 535
“Será possível dizer, por exemplo, que, quando O homem quer A A terceira
mulher, ele só a alcança ao encalhar no campo da perversão? É o que se Opção Lacaniana 62, dezembro de 2011
formula a partir da experiência instituída pelo discurso psicanalítico. Se isso outubro de 1974. Intervenção no VII Congresso da Escolha
Freudiana de Paris, Roma.
se confirmar, acaso será ensinável a todo o mundo, isto é, será
científico, já que a ciência abriu caminho partindo desse postulado?” p. 19
“É por isso, inclusive, que não há uma verdadeira sociedade fundada
no discurso analítico. Há uma Escola, que justamente não se define por ser
O triunfo da religião uma Sociedade. Ela se define pelo fato de que nela ensino alguma
PARADOXOS laranja coisa”.
Provém de uma "entrevista coletiva" realizada em Roma em 29 de
outubro de 1974, no Centro Cultural Francês, por ocasião de um
congresso [onde pronunciou A Terceira]. Lacan foi interrogado por
jornalistas italianos. O fenômeno lacaniano
Tanto o título como o subtítulo são de J.-A. Miller. Uma primeira Opção Lacaniana 68 e 69, dezembro de 2014
versão foi publicada no boletim interno da Escola da Causa Conferência realizada no dia 30 de novembro de 1974, no Centre
Freudiana, Les Lettres de l'École, nº16, 1975, p.6-26. Universitaire Méditerranéen de Nice, e publicada originalmente nos
Cahiers Cliniques de Nice nº1, em 1998. Uma nova edição foi
p. 73-74 publicada em setembro de 2011 nessa mesma revista, e foi esse
“Na Escritura judaica, a Escritura sagrada, vê-se muito bem para que texto que traduzimos.
serve que o Verbo tenha sido não no começo, mas antes do começo. É
que, como ele era antes do começo, Deus se julga no direito de fazer todo p. 13
tipo de reprimenda às pessoas, a quem dá um pequeno presente, do “Isto não tem nada a ver com o fenômeno no sentido, digamos, o
mais sério que é dado a esse termo. Como há aqui, suponho, algumas
gênero "perit-petit-perit", como se dá às galinhas. Ele ensinou Adão a
pessoas para desconfiar disso, é aquele que se opõe ao noumenon. São
nomear as coisas. Não lhe deu o Verbo, porque seria um negócio grande
questões filosóficas, dessas coisas que se arrastam no ensino”.
demais, ensinou-o a nomear. Não é grande coisa nomear, está
totalmente na medida humana. Os seres humanos não pedem mais que p. 14
isso, que as luzes sejam moderadas. A luz em si é absolutamente “O que eu queria era fazer com que o discurso analítico se
insuportável. Por sinal, nunca se falou de luz no século das Luzes, falou-se mantivesse suficientemente para que fosse ensinado de modo tão
de Aufklärung. "Tragam-me uma Luzinha, por favor." Isso já é muito. Mais rigoroso quanto a ciência. O que, no entanto, faz desse meu desígnio algo
até do que podemos suportar”. difícil ele realizar, é que, ainda que pense a respeito, a ciência ainda não
estabeleceu o seu próprio estatuto”.
p. 80
“Claro que aí ficamos completamente sem rumo. Como estamos
situados num ponto preciso do tempo, como dizer o que quer que seja a Conferência em Genebra sobre o sintoma
propósito de uma lei que, no dizer de Poincaré, não seria mais uma lei? Opção Lacaniana 23, dezembro de 1998
Mas, afinal de contas, por que não pensar também que um dia talvez Segundo as indicações que me foram fornecidas, a conferência,
anunciada sob o título "O sintoma” foi pronunciada no dia 4 de
saibamos um pouquinho mais sobre o real? - graças a cálculos, sempre.
outubro de 1975, no Centro Raymond de Saussure, num fim de
Auguste Comte dizia que nunca se saberia nada da química das estrelas, e semana de trabalho organizado pela Sociedade Suíça de
eis que, coisa curiosa, chega um troço chamado espectroscópio que nos Psicanálise, perante uma audiência composta por membros da dita
ensina coisas bem precisas sobre a composição química das estrelas. Sociedade e de convidados; o Sr. Olivier Flournoy fez a abertura.
Então, convém desconfiar, acontecem coisas, lugares de passagem Extraído de Le Bloc:Notes de la psychanalyse, nº 5, 1985.
absolutamente insensatos, que sequer imaginávamos e de forma alguma
p. 6-7
de sua própria análise, isto é, saber não tanto para que ela serviu, mas de
“Escrever não é, de modo algum, a mesma coisa, não se parece em que se serviu.
nada com o dizer, como ilustrarei mais adiante. Sucede que, durante a
época em que eu estava em Sainte-Anne, desejei que algo do que eu dizia Não há discussão aqui sobre o que ensino a esse respeito. Até os
permanecesse. Nessa época, eu editava uma revista para a qual, que lhe erguem obstáculos são forçados a levá-los em conta”.
propriamente falando, escrevia. Recolhi um certo número de artigos
publicados nessa revista. Como eu também havia escrito bastante coisas
antes, a metade dessa coletânea constitui-se desses escritos anteriores - Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos
que, estritamente falando, são escritos, e é simplesmente a isso que se
deve meu título, Escritos. Esse título escandalizou um pouco uma pessoa Escritos
de minhas relações, uma charmosa moça japonesa. É provável que a OUTROS ESCRITOS
ressonância da palavra Escritos não seja a mesma em japonês e em Publicado em Scilicet, nº5, Paris, Seuil, 1975, p.11-7; o título
francês. Por Escritos, eu queria apenas assinalar que era, de algum modo, original esclarecia, entre parênteses, o nome da editora: Walter
o resíduo de meu ensino”. Verlag. A edição alemã do primeiro volume dos Escritos foi lançada
em 1973 pela Walter Verlag, sob o título de Schriften I.
p. 7
“É pela via do olhar, à qual Olivier Flournoy, há pouco, se ~. referiu, p. 552-553
que o corpo ganha sua importância. A maior pane - mas não tudo - do que “Nada lhes ensina - nem mesmo o fato de Freud ter sido médico e
o homem pensa enraíza-se aí. É, de fato, muito difícil para um analista, de que o médico, tal como a apaixonada, não enxerga muito longe - que é a
visto o que ele tem a fazer, não ser aspirado - no mesmo sentido a que outro lugar, portanto, que eles precisam ir para ter o talento dele:
notadamente, fazendo-se sujeitos não de um repisamento, mas de um
aludi agora mesmo - pelo gluglu dessa fuga, dessa coisa que o capta, em
discurso, de um discurso sem precedentes, pelo qual sucede às
última instância, narcisicamente, no discurso daquele que Olivier Flournoy apaixonadas tornarem-se geniais, ao se orientarem nele - que estou
denominou, há pouco - lamento - o analisado. Lamento, pois já faz algum dizendo? -, ao inventá-lo muito antes que Freud o estabelecesse, sem que
tempo que o termo analisante, que proferi, um dia, em meu seminário, quanto ao amor, aliás, ele lhes sirva para nada, o que é patente.
adquiriu o direito de cidadania. Não somente na minha Escola - eu só
outorgaria a isso uma importância relativa, relativa a mim - mas também
porque esse analisante produziu uma espécie de efeito relâmpago na Nomina non sunt consequentia rerum
mesma semana em que o articulei. O Instituto Psicanalítico de Paris, que Opção Lacaniana 28, julho de 2000
está informado de tudo que falo - diria, inclusive mais, que o que digo é o Os textos "As identificações" (16/11/1976) e "O sistema tórico e a
principal do que ali se ensina, esse instituto deleitou- se com esse contra-psicanálise'' (14/12/1976) foram extraídos de Ornicar? n°
analisante que lhe serviu como um anel no dedo, mesmo que fosse 12/13; "Efeitos de significantes" (11/01/1977) de Ornicar' n° 14; "O
real continua o imaginário" (18/01/1977) de Ornicar? n° 15 e
somente para desincumbir o analista de ser o responsável, na ocasião, pela
"Nomína non sunt consequentia rerum" (08/03/1977) de Ornicar' n°
análise”. 16. Todos foram traduzidos por Mário Almeida. As quatro aulas
subsequentes a estas estão publicadas em Opção Lacaniana, n° 22
p. 12 sob o título "Rumo a um significante novo".
“É um nome que não me é desconhecido. O Dr. Bovet fez-me uma
pergunta que acho muito boa, por assim dizer. Até que ponto, disse-me, p. 11
você se leva a sério? Não é nada mal e espero que isso encoraje vocês. “O que é que regra o contágio de certas fórmulas? Não acho que
Esse é o tipo de pergunta para a qual não estou nem aí. Continuar a ponto seja a convicção com a qual se as pronuncia, porque não se pode dizer que
de estar no vigésimo segundo ano de meu ensino implica que me levo a esteja aí o suporte do qual propaguei meu ensino. Cabe a Jacques-Alain
sério. Se não respondi foi porque ele tinha de tomar um trem. De todo Miller testemunhar a esse respeito - considera ele que o que tagarelei ao
modo, porém, já respondi a essa pergunta, implicitamente, identificando o curso desses vinte e cinco anos de seminário traz esta marca?”
sério com a série. Uma série matemática, seja ela convergente ou
divergente, quer dizer algo. O que enuncio é absolutamente dessa ordem. p. 13
“Tem uma coisa que me surpreende ainda mais que a difusão, a qual
Tento delimitar cada vez mais, tento fazer uma série convergente. Será que
consegui? Naturalmente, quando se está cativado... Contudo, mesmo uma se sabe que se faz a partir do que se chama meu ensino ou minhas
série divergente tem seu interesse, a sua maneira, ela também converge - idéias, nesta coisa que caminha sob o nome de Instituto de Psicanálise e
digo isso para as pessoas que teriam alguma idéia das matemáticas. Por se que é o outro extremo dos agrupamentos analíticos. O que me surpreende
tratar do Dr. Bovet, que se lhe transmitia esta resposta”. ainda mais, é que (...) o tal Jacques Derrida fez para esse "palavreado" um
prefácio fervoroso, entusiasta, (...). Eu não acho, devo dizê-lo, apesar de
que empenhei as coisas nesta via, que este livro nem este prefácio sejam
Talvez em Vincennes...
de muito bom tom. No gênero delírio, é um extremo. E estou assustado por
OUTROS ESCRITOS isso, de me sentir mais ou menos responsável por ter aberto as comportas.
Constituiu a abertura do nº1 do Ornicar?, boletim periódico do
"Champ Freudien”, janeiro de 1975, p.3-5; o texto indicava, sob o
título dado pela redação, “Proposição de Lacan”. Poderia também fechá-la. Poderia também reservar completamente
só para mim a satisfação de jogar com o inconsciente sem explicar a farsa,
p.316 sem dizer que é por esse truque dos efeitos de significante que se opera.
“Talvez em Vincennes venham a se reunir os ensinamentos em que Em suma, se não houvessem verdadeiramente me forçado, jamais teria
Freud formulou que o analista deveria apoiar-se, reforçando ali o que extrai feito ensino. Ao ler o que Jacques-Alain Miller publicou sobre a cisão de
53, não se pode dizer que seja com entusiasmo que tomei o resgate
(relève) sobre o assunto do inconsciente”. O mal entendido
Opção Lacaniana 72, março de 2016
Pronunciado em 10 de junho de 1980.
p. 15
“Sr Z - Também acredito, mas a via não passa pelo processo do p. 9
“Interessa-me ver o que se passa quando minha pessoa não serve
simbólico. Não é para pôr em dúvida ou em falta seu ensino.. .
ele anteparo para o que ensino. É possível que meu matema ganhe com
isso”.
Dr Lacan - Não há nenhuma razão para que não se ponha meu
ensino em falta. Eu tento dizer que a arte está além do simbólico. A arte é
um savoir-faire, o simbólico está no princípio do fazer. Acredito que há mais
verdade no dizer que é a arte que em qualquer blá-blá-blá. Não é dizer que
Considerações sobre a histeria
isso se faça por qualquer via. E não é pré-verbal - é um verbal a segunda Opção Lacaniana 50, dezembro de 2007
potência”. Essa carta, dirigida sob a forma mimeografada a partir de uma
primeira transcrição publicada com minha autorização no segundo número
de Quarto, em 1981.
Em janeiro de 1976, Igor e Grichka Bogdanoff pediram a Jacques Tentamos provocar nos outros o saber haver-se aí, quer dizer, saber
Lacan, no final de uma seção de seu Seminário, que lhes falasse a se virar neste mundo que absolutamente não é um mundo de
respeito da ficção científica. Lacan os recebu em 4 de fevereiro de representações, mas um mundo de escroqueria”.
1977. Esta entrevista foi oublicada no livro: O efeito de ficção
científica (Paris, Robert Laffont, 1979, p.280-281). Reproduzimos
essas páginas com a autorização de Jacques-Alain Miller.
CONTRACAPA
p. 10 OUTROS ESCRITOS
“O inconsciente é a constatação de um saber, na medida em que ele
chega, em grande parte, ao ser falante. A ficção científica é o que articula “Lacan resumia em uma frase a lição dos Escritos: "o inconsciente
coisas que vão muito mais longe do que a ciência suporta como saber decorre do puro lógico, em outros termos, do significante." Os Outros
enunciado: a ficção científica é o mistério do ser falante. Certamente esse
Escritos ensinam que o gozo também decorre do significante, mas em
discurso 'científico' tem algo a ver com o saber; a questão que ele coloca é
sua junção com o vivo; que ele se produz a partir de "manipulações" não
a da introdução, pelo outro (e não o outro), da diferença no campo do gozo.
genéticas mas linguageiras, afetando o vivo que fala, aquele que a língua
Falei em algum lugar sobre o que diz respeito ao outro e não arriscarei
traumatiza”.
dizê-lo novamente. Se o inconsciente nos ensinou algo, é que em algum
lugar no outro isso se sabe, mas só podemos recolher fragmentos desse
saber”.
Carta de dissolução
OUTROS ESCRITOS
Essa carta, dirigida sob forma mimeografada aos membros da
Escola Freudiana de Paris, foi lida no seminário de 8 de janeiro de
1980; foi impressa no Annuaire 1982 da Escola da Causa
Freudiana.
p.319
“É por isso que dissolvo. E não me queixo dos referidos “membros da
Escola Freudiana” – antes, agradeço-lhe por ter sido por eles ensinado,
donde eu, eu fracassei, ou seja, me enrolei.
p.320
“Eu os abandono a fim de que eles me mostrem o que sabem fazer,
afora me estorvarem e fazerem desandar um ensino em que tudo é
sopesado”.