(Faces Da Leitura e Da Escrita) Na Teoria e Na Prática - O Ensino de Leitura

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Faces da Leitura e da Escrita:

teorias & práticas - vol. 1


CONSELHO EDITORIAL
Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista
(Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)

Profa. Dra. Angela Kovachich de Oliveira-Reis


(Doutora em Letras Clássicas/USP)

Profa. Ma. Lúcia Maria dos Santos


(Mestra em Educação/UNINOVE)

Profa. Dra. Luana de França Perondi Khatchadourian


(Doutora em Linguística Aplicada/UNICAMP)

Profa. Dra. Lídia Spaziani


(Doutora em Letras Clássicas/USP)

Prof. Dr. Marcello Ribeiro


(Doutor em Letras Clássicas/USP)

Profa. Dra. Márcia Fusaro


(Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)

Profa. Dra. Maria Célia Lima-Hernandes


(Doutora em Linguística/UNICAMP)

Profa. Dra. Maristela Juchum


(Doutora em Linguística Aplicada/UFRGS)

Profa. Dra. Patrícia Gimenez Camargo


(Doutora em Estudos da Tradução/USP)

Profa. Dra. Rosane Maria Cardoso


(Doutora em Teoria Literária/PUCRS)

Os conceitos emitidos nos textos são de responsabilidade


exclusiva do(s) autor(es), não refletindo obrigatoriamente a
opinião dos Organizadores e/ou do Conselho Editorial.
Lídia Spaziani
Patrícia Gimenez Camargo
Roger Henrique Pozza
(Organizadores)

Faces da Leitura e da Escrita:


teorias & práticas - vol. 1

Even3 Publicações
1a. edição
2020
Diagramação: Roger Henrique Pozza
Capa: Roger Henrique Pozza
Revisão: Autores

Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou


processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos,
fotográficos, reprográficos, fonográficos ou videográficos sem
a prévia autorização dos autores.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ......................................................................................... 9
Os organizadores

BNCC E A LEITURA DE TEXTOS EM LÍNGUA INGLESA: UMA


VISÃO A PARTIR DA ANÁLISE DO DISCURSO ............................... 13
Profa. Dra. Patrícia Gimenez Camargo

LEITURA E ESCRITA: PRÁTICAS DO LER E DO ESCREVER EM


RELATOS REFLEXIVOS PESSOAIS .................................................... 29
Prof. Dr. Josenildo Barbosa Freire

NA TEORIA E NA PRÁTICA – O ENSINO DE LEITURA AMPARADO


NUMA CONCEPÇÃO DIALÓGICO-INTERACIONISTA E NA
APRENDIZAGEM COOPERATIVA: APRESENTAÇÃO DE UMA
PROPOSTA DE ATIVIDADE ................................................................. 53
Prof. Me. Francisco Rogiellyson da Silva Andrade
Profa. Ma. Priscila Sandra Ramos de Lima
Profa. Dra. Dannytza Serra Gomes

A LEITURA NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA DA


7ª SÉRIE, DO ENSINO BÁSICO MOÇAMBICANO ........................... 85
Prof. Dr. Enísio Guilhermina Cuamba
Prof. Me. Brain Daniel Tachiua
Prof. Me. Maurício Bernardo Cigarros

A REPRESENTATIVIDADE E VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL NA


LEITURA E NA ESCRITA DOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA
PORTUGUESA PARA O ENSINO MÉDIO PÓS-LEIS 10639/03 E
11645/08 ............................................................................................... 111
Prof. Dr. Alex Santana França

AS PRÁTICAS DE LEITURA NO ENSINO SUPERIOR


TECNOLÓGICO: UM ESTUDO DE CASO NO IFRS-CAMPUS BENTO
GONÇALVES ........................................................................................... 143
Profa. Dra. Carina Fior Postingher Balzan
ESTRATÉGIAS COGNITIVAS E METACOGNITIVAS DE LEITURA
OBSERVADAS EM CRIANÇAS EM PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO................................................. 175
Profa. Ma. Jacilda de Siqueira Pinho
Profa. Ma. Lenir Maria de Farias Rodrigues

OS MOVIMENTOS SOCIAIS DA METADE DO SÉCULO XX E AS


SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A POLÍTICA BRASILEIRA DE
ALFABETIZAÇÃO .................................................................................. 205
Prof. Me. Iago Pereira dos Santos
Profa. Dra. Eliana Crispim França Luquetti
Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura

REFLETINDO SOBRE A LEITURA EXTENSIVA NO ENSINO-


APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
(PLE) NA CHINA: O CASO DO INSTITUTO POLITÉCNICO DE
MACAU (IPM) ........................................................................................ 223
Prof. Me. Xiang Zhang

SOBRE OS ORGANIZADORES ............................................................. 239

SOBRE OS AUTORES ............................................................................. 241


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APRESENTAÇÃO

A coletânea Faces da Leitura e da Escrita: teorias & práticas


é um projeto inaugurado em 2020, que tem como principal objetivo
ser um espaço de reflexão sobre as teorias e as práticas da leitura e
da escrita a partir da vivência e das pesquisas de professores e
pesquisadores que se dedicam à produção do conhecimento sobre
essas duas temáticas em específico.
Pensar sobre esses dois temas na educação
contemporânea possibilita uma reflexão mais efetiva da educação
como forma de contribuição para o desenvolvimento da sociedade
por meio do compartilhamento de saberes, conhecimentos e
descobertas propiciados pelas pesquisas e relatos de experiência,
geradores dos artigos aqui apresentados.
Reunir pesquisadores de diversos lugares, de diferentes
realidades em torno de um foco em comum, permitiu um debate
amplo a cada capítulo, fazendo deste livro um repositório de ideias,
de relatos e de múltiplas facetas da leitura e da escrita.
A seguir, discorreremos um pouco sobre os artigos
elaborados pelos professores e pesquisadores reunidos neste
primeiro volume.
No primeiro, a Profa. Dra. Patrícia Gimenez Camargo traz
reflexões importantes a respeito da BNCC, da leitura e da análise do
discurso. A autora defende um modo de se pensar a leitura a partir
dos pressupostos da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) –
eixo leitura, e os conhecimentos da AD, sem deixar de lado a
discussão sobre a formação de professores de língua inglesa.
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Prof. Dr. Josenildo Barbosa Freire, no segundo artigo,


brinda-nos com relatos reflexivos pessoais relacionados ao ler e ao
escrever a partir de uma experiência desenvolvida na escola
pública. A pesquisa, de abordagem qualitativa, apresenta
considerações sobre a relação função-autor e efeito-leitor por meio
da prática de jornal mural, que auxilia na reflexão-ação-reflexão
proposta pelo PCN (BRASIL, 1997) de usos da língua.
A apresentação de proposta de atividade pode ser
encontrada no terceiro artigo, que integra este volume. De autoria
dos professores Me. Francisco Rogiellyson da Silva Andrade, Ma.
Priscila Sandra Ramos de Lima e Dra. Dannytza Serra Gomes, a
proposta pretende, sob uma concepção dialógico-interacionista e
na aprendizagem cooperativa, discutir leitura a partir de uma visão
bakhtiniana. A formação de sujeitos habilidosos na análise crítica
das construções linguístico-discursivas com as quais interagem é
preocupação dos autores.
Uma perspectiva de leitura no livro didático de língua
portuguesa em Moçambique é o tema de nosso quarto artigo.
Escrito pelos professores Dr. Enísio Guilhermina Cuamba, Me.
Brain Daniel Tachiua e Me. Maurício Bernardo Cigarros, a
contribuição nos traz uma visão panorâmica das políticas públicas
educacionais moçambiquenses e as implicações no ensino de
leitura em língua portuguesa.
O livro didático continua sendo o elemento focal no artigo
apresentado pelo professor Dr. Alex Santana França. Ele analisa a
valorização étnico-racial na leitura e na escrita dos livros didáticos
de língua portuguesa para o ensino médio pós-leis 10639/03 e
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11645/08 a partir da análise de onze livros didáticos. O autor nos


apresenta uma ampla reflexão sobre preconceito e
representatividade necessários aos livros didáticos.
As práticas de leitura no ensino superior tecnológico é
assunto do artigo elaborado pela professora Dra. Carina Fior
Postingher Balzan. A perspectiva adotada por ela é a da Sociologia
da leitura. A discussão gira em torno das diferentes práticas de
leitura e como estas podem colaborar na formação de leitores a
partir de um estudo de caso no IFRS-campus Bento Gonçalves.
As professoras Ma. Jacilda de Siqueira Pinho e Ma. Lenir
Maria de Farias Rodrigues assinam o artigo intitulado Estratégias
cognitivas e metacognitivas de leitura observadas em crianças em
processo de alfabetização e letramento. Ao longo do artigo, as
autoras analisam algumas estratégias de compreensão leitora
observadas em duas crianças em processo de alfabetização e
letramento, que frequentam escolas públicas.
Apresentar como os movimentos sociais que estiveram em
atividade no Brasil em meados do século XX e sua respectiva
contribuição para o desenvolvimento das primeiras políticas
públicas educacionais de alfabetização é a temática que se dedicam
os professores Me. Iago Pereira dos Santos, Dra. Eliane Crispim
França Luquetti e Dr. Sérgio Arruda de Moura. Evidenciando que os
movimentos sociais abriram caminhos para a efetivação de
políticas públicas governamentais que pudessem atender às
camadas menos privilegiadas.
Em nosso último artigo, o professor Me. Xiang Zhang,
reflete sobre os aspectos mais recorrentes na disciplina Leitura
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Extensiva no ensino-aprendizagem de português como língua


estrangeira (PLE), levando em consideração a atuação no curso de
licenciatura em Português, na China. A leitura extensiva tem por
objetivo fornecer aos alunos espaços de interação reflexiva e
intercultural permitindo tratar as questões culturais e desenvolver
as práticas reflexivas de conhecimentos mais variáveis em relação
das línguas portuguesas.
Por fim, esperamos que todos esses escritos sejam
apreciados e possam contribuir de forma positiva para a atuação de
futuros professores e para o pensamento crítico do leitor.
Desejamos uma boa leitura, permeada pela curiosidade e recheada
de descobertas, no mínimo, interessantes e perspicazes.

Os organizadores
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BNCC E A LEITURA DE TEXTOS EM LÍNGUA INGLESA:


UMA VISÃO A PARTIR DA ANÁLISE DO DISCURSO

Profa. Dra. Patrícia Gimenez Camargo

RESUMO: O presente artigo apresenta uma revisão panorâmica da BNCC (Base


Nacional Comum Curricular), no que tange ao eixo da leitura a partir de uma visão
da análise do discurso de linha francesa - AD. O objetivo principal é apontar os
pressupostos do documento para o ensino de língua inglesa – eixo leitura - em uma
perspectiva global, apresentando elementos da análise do discurso que dialogam
com as competências elencadas na BNCC e, que podem, de certa maneira, orientar
professores para a escolha de atividades de leitura a serem aplicadas em sala de
aula.

Palavras-chave: BNCC, análise do discurso, eixo leitura.

ABSTRACT
This article presents a panoramic review of BNCC (National Curriculum for Brazil),
related to the reading axis from a view of the French line discourse analysis - DA.
The main objective is to point out the document's assumptions about the English
language teaching - reading axis - in a global perspective, presenting elements of
discourse analysis that dialogue with the skills listed in the BNCC and that, in a
certain way, can guide teachers about reading activities to be applied in the
classroom.

Keywords: BNCC, discourse analysis, reading axis.

A BNCC (BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR)


A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é um
documento que elenca os conhecimentos necessários à educação
em todos os estados do Brasil. Estão contempladas todas as etapas
da educação básica. Assim posto, todos os alunos no Brasil devem
aprender as mesmas habilidades e competências ao longo de sua
vida escolar, independentemente de sua classe social, raça ou
condição econômica.

Nesse sentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a


fragmentação das políticas educacionais, enseje o
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fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas


de governo e seja balizadora da qualidade da educação. Assim,
para além da garantia de acesso e permanência na escola, é
necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar
comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a
qual a BNCC é instrumento fundamental. (INEP, online)

O objetivo fundamental da BNCC é reduzir as


desigualdades em um país continental como o Brasil, permitindo
que a educação brasileira seja orientada “(...) para a formação
humana integral e para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva” (BNCC, 3ª versão, p. 7)
O texto destaca dez competências gerais a serem
desenvolvidas através dos componentes curriculares ao longo da
escolarização, a saber:

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente


construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital
para entender e explicar a realidade, continuar
aprendendo e colaborar para a construção de uma
sociedade justa, democrática e inclusiva.

2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem


própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a
análise crítica, a imaginação e a criatividade, para
investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e
resolver problemas e criar soluções (inclusive
tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes
áreas.
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3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e


culturais, das locais às mundiais, e participar de práticas
diversificadas da produção artístico cultural.

4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-


motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e
digital –, bem como conhecimentos das linguagens
artística, matemática e científica, para se expressar e
partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos
em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao
entendimento mútuo.

5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de


informação e comunicação de forma crítica, significativa,
reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as
escolares) para se comunicar, acessar e disseminar
informações, produzir conhecimentos, resolver problemas
e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva.

6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e


apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe
possibilitem entender as relações próprias do mundo do
trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da
cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade,
autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
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7. Argumentar com base em fatos, dados e informações


confiáveis, para formular, negociar e defender ideias,
pontos de vista e decisões comuns que respeitem e
promovam os direitos humanos, a consciência
socioambiental e o consumo responsável em âmbito local,
regional e global, com posicionamento ético em relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e


emocional, compreendendo-se na diversidade humana e
reconhecendo suas emoções e as dos outros, com
autocrítica e capacidade para lidar com elas.

9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a


cooperação, fazendo se respeitar e promovendo o respeito
ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e
valorização da diversidade de indivíduos e de grupos
sociais, seus saberes, identidades, culturas e
potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.

10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia,


responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação,
tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Para que as competências e habilidades acima apresentadas


sejam desenvolvidas, as políticas públicas devem ser repensadas de
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forma a garantir o desenvolvimento almejado ao final do ciclo de


aprendizagem. Para além das competências, o documento orienta a
elaboração e a articulação de currículos e propostas pedagógicas, a
elaboração de material didático e a reorganização das matrizes de
referência de avaliações internas e externas.
A definição das competências na BNCC faz parte do
reconhecimento de que a

educação deve afirmar valores e estimular ações que


contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a
mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a
preservação da natureza” (BRASIL, 2013).

É importante salientar que a BNCC não deve ser vista como


um currículo, mas como um conjunto de orientações que irá
nortear as equipes pedagógicas na elaboração dos currículos locais.
O documento norteia o ensino público e o particular, desta forma,
todos os professores de língua inglesa devem ampliar seus
repertórios e repensar as atividades a serem aplicadas em sala de
aula de língua inglesa, a fim de permitir que as competências e
habilidades elencadas no documento sejam atingidas.

A BNCC E O ENSINO DE LÍNGUAS


No que tange ao ensino de línguas, a BNCC estabelece a
língua inglesa como a língua a ser ensinada durante a escolarização,
uma vez que tem um papel de fundamental importância na
comunicação mundial. O ensino da língua inglesa aparece como
obrigatório nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano).
O enfoque não é mais do ensino da língua inglesa como língua
estrangeira, mas como língua franca.
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Nessa proposta, a língua inglesa não é mais aquela do


“estrangeiro”, oriundo de países hegemônicos, cujos falantes
servem de modelo a ser seguido, nem tampouco trata-se de
uma variante da língua inglesa. Nessa perspectiva, são
acolhidos e legitimados os usos que dela fazem falantes
espalhados no mundo inteiro, com diferentes repertórios
linguísticos e culturais, o que possibilita, por exemplo,
questionar a visão de que o único inglês “correto” – e a ser
ensinado – é aquele falado por estadunidenses ou britânicos.

O conceito da língua inglesa ensinada como língua franca


aponta para a interculturalidade, permitindo o reconhecimento das
diferenças, abordando diversas práticas sociais de linguagem. A
reflexão que se procura estabelecer é a crítica em relação ao mundo
e ao uso social da língua.
O conceito de interculturalidade em nível de práticas
educacionais estabelece a busca da construção de identidades
sociais, conforme lemos em Fleuri (2001, p. 113)

[...] em nível das práticas educacionais, a perspectiva


intercultural propõe novas estratégias de relação entre sujeitos
e entre grupos diferentes. Busca promover a construção de
identidades sociais e o reconhecimento das diferenças
culturais. Mas, ao mesmo tempo, procura sustentar a relação
crítica e solidária entre elas.

Desta forma, o ensino obrigatório da língua inglesa nos


anos finais do ensino básico busca estabelecer habilidades e
competências a serem desenvolvidas ao longo do processo bem
como conferir à língua um caráter de uso da linguagem como
prática social, pois é através destas que as atividades humanas se
consolidam, conforme aponta o documento:

As atividades humanas realizam-se nas práticas sociais,


mediadas por diferentes linguagens verbal (oral ou visual-
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motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e,


contemporaneamente, digital. Por meio dessas práticas, as
pessoas interagem consigo mesmas e com os outros,
constituindo-se como sujeitos sociais. (BNCC, p.61)

Deste modo, a interação permite maior compreensão do


outro e das práticas que circulam na sociedade. A linguagem e a
interação pressupõem a língua em uso, uma vez que “é a língua em
uso, sempre híbrida, polifônica e multimodal que leva ao estudo de
suas características específicas, não devendo ser nenhum dos eixos,
sobretudo o de conhecimentos linguísticos e gramaticais, tratado
como pré-requisito para esse uso” (BNCC, 3ª versão, p. 202)
O uso da língua em um mundo globalizado e plural é a base
do aprendizado. A ampliação da identidade cultural, da
importância política do idioma e de seu uso altera a forma como se
ensina a língua na escola, com afastamento do modelo eurocêntrico
por muito tempo privilegiado.
A BNCC estabelece quatro eixos no ensino dos idiomas, são
eles: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e
dimensão intercultural. Cada um dos eixos, apesar de suas
particularidades, se relaciona aos demais a fim de estabelecer uma
compreensão ampla do idioma e de seu uso relacionado ao mundo
globalizado.
Neste artigo, nos interessa discutir o ensino do eixo leitura
conforme preconizado pela BNCC (2017, p.69):

O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que


decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com
os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua
interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética
de textos e obras literárias; pesquisa e embasamento de
trabalhos escolares e acadêmicos; realização de
procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas
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sociais relevantes; sustentar a reivindicação de algo no


contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento
que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre
outras possibilidades.

Ao citarmos o texto escrito não podemos nos esquecer de


que a BNCC determina a leitura de diferentes tipos de texto, textos
escritos, textos verbo-visuais e textos multimodais. Desta forma, há
de se ampliar o repertório dos alunos, expandir a orientação
cultural e proporcionar contato e entendimento de diferentes
modalidades, permitindo assim o letramento e o multiletramento
em língua inglesa.
Ainda que nosso foco seja discutir o eixo leitura, não
podemos deixar de ressaltar a expansão do eixo oralidade na BNCC,
que envolve práticas de linguagem com foco na compreensão
(escuta) e na produção oral (fala), desenvolvendo competências
que vão além de ler, interpretar e resolver problemas.
As técnicas de leitura não devem ser abandonadas, mas
sim ressignificadas a ponto de permitir que funcionem como forma
de mobilização do conhecimento na resolução de problemas tanto
em textos escritos quanto em textos multimodais.
A exposição aos textos multimodais permitirá que os
alunos tenham contato com a produção de sentidos que levam à
compreensão e a interpretação de textos de diferentes naturezas.
Os professores devem permitir que os alunos tenham na
leitura a ideia de fruição como ato de aproveitar satisfatória e
prazerosamente dos momentos de leitura aos que são expostos.
Estabelecer atividades lúdicas e significativas, tais como rodas de
conversa e clubes de leitura são algumas das atividades elencadas
como possíveis ao se elaborar o currículo, ou seja, quando
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pensamos na execução de meios e propostas a serem oferecidas aos


estudantes.
O conhecimento de mundo será importante na elaboração
de atividades, a fim de permitir que os estudantes articulem
informações conhecidas às novas. A exploração de textos
narrativos diversificados levará à valorização do patrimônio
produzido em língua inglesa. Abre-se, desta forma, a oportunidade
de apreensão de um mundo mais amplo, mais recheado de
oportunidades e conhecimentos.
A criticidade ao ler um texto é objeto do eixo leitura, a ser
abordado em atividades que permitam a identificação de
elementos gráficos, de elementos de persuasão e de qualidade de
informações veiculadas, é fator a se explorar no último ano do
ensino básico.
A análise detalhada das atividades e dos pressupostos
mencionados no eixo leitura permitirão aos estudantes uma visão
mais ampla em relação aos comportamentos sociais, aos elementos
culturais e ao respeito às questões éticas envolvidas no processo de
leitura e de comunicação, uma vez que os eixos não atuam de forma
independente, mas estão relacionados uns aos outros.

O EIXO LEITURA A PARTIR DE UMA VISÃO DA ANÁLISE DO


DISCURSO
À luz da análise do discurso, nos interessa analisar a
materialidade discursiva presente nos textos. Desta forma, há um
duplo sentido, nas palavras de Orlandi (2007):
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A análise do discurso trabalha com a materialidade da


linguagem, considerando-a em seu duplo aspecto: o linguístico
e o histórico, enquanto indissociáveis no processo de produção
do sujeito do discurso e dos sentidos que (o) significam. O que
me permite dizer que o sujeito é um lugar de significação
historicamente constituído.

A citação nos leva a refletir sobre os textos a serem


apresentados no processo de ensino – são representantes da
materialidade linguística, uma vez que são constituídos
linguisticamente e, em sua constituição, trazem a historicidade
como um dos elementos fundantes.
Koch (2006) teoriza que

“(...) a língua não existe fora dos sujeitos sociais que a falam e
fora dos eventos discursivos nos quais eles intervêm e nos
quais mobilizam suas percepções, seus saberes quer de ordem
linguística quer de ordem sociocognitivas, ou seja, seus
modelos de mundo”.

As atividades a serem propostas devem estar ancoradas


em um modelo de mundo que pertence ao global, ao socializado, ao
cidadão como detentor de um modo de se comunicar, que é
mundial, que é amplo e possível de alcançar um mundo plurilíngue
e multicultural.
A partir da orientação para o ensino de língua inglesa
presente na BNCC, a formação de professores deve ser repensada,
a fim de englobar não somente as questões puramente linguísticas,
conforme preconizou Fernandes (2005, p.24): “É preciso sair do
especificamente linguístico, dirigir-se a outros espaços, para
procurar descobrir, descortinar, o que está entre a língua e a fala.”
Ao analisarmos as palavras do autor, podemos ponderar a
orientação constante na BNCC de que o ensino da língua inglesa
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deve abandonar a competência puramente gramatical e se valer de


outros espaços (dos eixos, dos textos multimodais, das atividades
reflexivas) para permitir aos alunos identificar semelhanças e
diferenças entre a sua língua materna e a língua inglesa, não como
línguas estanques, mas como parte de práticas sociais, culturais e
identitárias que se relacionam e complementam.
O ensino adquire uma dimensão mais ampla, e, portanto,
mudanças nas formações de futuros professores são necessárias
para que a prática de sala de aula atenda aos princípios norteadores
indicados nos documentos oficiais.
Há, portanto, que se pensar na compreensão. Para Orlandi
(1988, p.101), “a compreensão é a apreensão das várias
possibilidades de um texto.” Assim, compreender um texto deve
levar em consideração as várias possibilidades apresentadas a
partir de uma concepção multiforme, uma vez que o texto
apresenta diferentes processos de significação ancorados na
história dos sujeitos e nos sentidos do texto (discurso).
Os docentes devem ter em mente de que “na perspectiva
do discurso, o texto é lugar de jogo de sentidos, de trabalho da
linguagem, de funcionamento da discursividade” (ORLANDI, 1983,
p. 204-205). Essa afirmação faz com que docentes tenham maior
clareza de suas escolhas textuais, a fim de suscitar nos estudantes
a tarefa da compreensão, que relaciona-se à produção do sentido
duplamente: sentidos presentes na constituição do texto e
desejados pelo autor e os sentidos presentes e construídos a partir
de como um texto pode ser lido.
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A leitura de um texto “deve se ater a mostrar a articulação


entre o intradiscursivo e o extradiscursivo, a imbricação entre uma
representação do mundo e uma atividade enunciativa”
(MAINGUENEAU, 2008, p. 40).
Cumpre-se lembrar de que estudantes têm um papel de
autonomia e de construção de sentido ao lerem um texto, podendo,
inclusive, atribuir valores diferentes dos previamente indicados a
partir das palavras e das formações discursivas presentes.
A interpretação textual “não é mero gesto de decodificação,
de apreensão do sentido” (Orlandi, 2007, p. 67), é para além disto,
uma forma de inscrição na historicidade e no interdiscurso. Assim
dito, escolher materiais para a prática de leitura em aulas de língua
inglesa necessitará, por parte do professor, de uma oferta que
priorize as funções sociais e políticas de uso da língua.
Permitir o acesso aos diferentes gêneros textuais, a partir
da exposição aos textos autênticos, de natureza interdisciplinar e
que, acima de tudo, permitam a fruição estética que acompanha os
textos criados e veiculados nacionalmente, porém que permitam
uma leitura acompanhada de um viés crítico deve ser a busca do
professor de língua inglesa.
Ao estudarmos o eixo leitura conforme se apresenta na
BNCC, a organização metodológica pressupõe:

a apresentação de situações de leitura organizadas em pré-


leitura, leitura e pós-leitura deve ser vista como
potencializadora dessas aprendizagens de modo
contextualizado e significativo para os estudantes, na
perspectiva de um (re) dimensionamento das práticas e
competências leitoras já existentes, especialmente em língua
materna.
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Ao analisarmos a organização metodológica, há, em grande


medida, uma relação do discurso, do interdiscurso e das
(inter)compreensões possíveis no intervalo da língua inglesa e na
relação com a língua materna e nas práticas leitoras previamente
estabelecidas.
O conhecimento por parte do professor de língua inglesa
de noções elementares da análise do discurso permitirá aos
estudantes ressignificarem suas práticas leitoras, a atender às
competências específicas para língua inglesa estabelecidas na
BNCC, uma vez que auxiliará o estudante a criar repertórios
linguísticos-discursivos em língua inglesa com base em textos
multimodais emergentes na sociedade.
Busca-se, conforme escrito na BNCC, “[...] a superação da
fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimento, o
estímulo à sua aplicação na vida real, o protagonismo do aluno em
sua aprendizagem e a importância do contexto para dar sentido ao
que se aprende [...]” (BNCC, 2017, p. 17).
Formar cidadãos éticos, críticos e responsáveis é
compromisso da escola e de todos os atores educacionais
envolvidos no processo independentemente da disciplina
ministrada. No entanto, permitir que a educação se amplie em
língua não materna é fornecer a possibilidade de o aluno identificar
o lugar de si e o do outro em um mundo globalizado, multicultural,
mas que também é coletivo e plural.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A BNCC tem como objetivo fundamental a diminuição das
desigualdades em relação ao ensino oferecido em um país
continental como o Brasil. No entanto, o desenvolvimento das
habilidades e competências apresentadas no documento
dependerá da atuação do professor e em sua capacidade de
selecionar atividades e vivências, e de promover sequências
didáticas que permitam aos alunos o desenvolvimento das
habilidades e competências ao longo de sua vida acadêmica.
Os conceitos e pressupostos da AD poderão auxiliar os
professores na diminuição da fragmentação no ensino de línguas,
na ampliação do repertório cultural e na apropriação de uma língua
que não é a sua materna, mas que comunica e que garante a
comunicação em um mundo globalizado e multicultural.
No entanto, há de se pensar a formação de professores de
língua inglesa em uma perspectiva multicultural para atender aos
eixos propostos no documento.

REFERÊNCIAS
Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base.
Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da


República. Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação
em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais. Brasília: Coordenação
Geral de Educação em SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria
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P á g i n a | 29

LEITURA E ESCRITA: PRÁTICAS DO LER E DO ESCREVER EM


RELATOS REFLEXIVOS PESSOAIS

Prof. Dr. Josenildo Barbosa Freire

RESUMO: A leitura e a produção de textos no ambiente escolar constituem práticas


centrais do processo de ensino-aprendizagem. A escola pode criar situações
comunicativas que favoreçam o desenvolvimento de práticas sociais de leitura e de
escrita. Este estudo visa apresentar e descrever uma experiência de ensino-
aprendizagem de leitura e de escrita com estudantes de uma escola pública. A
experiência tratou especificamente da prática de leitura e de produção de texto
intitulada de Jornal Mural (Jornal Escolar), como uma estratégia favorecedora do
desenvolvimento de habilidades e de competências de leitura e de escrita e, também,
como uma prática que ocorre em um processo de interface. O referencial contempla
estudos vinculados à leitura e à escrita como práticas ativas e que demandam
sujeito/leitor/escritor responsivo (SOLÉ, 1998; BRASIL, 1998; CAFIERO, 2005;
KLEIMAN, 2009; BAKHTIN, 2003; ALVES, 2014, dentre outros). A pesquisa utilizou
uma abordagem qualitativa de análise e descrição dos dados, os quais foram
coletados de 19 (dezenove) relatos pessoais de experiência de aprendizagem
produzidos por alunos do 9º Ano do Ensino Fundamental. Os resultados apontam a
pertinência de se trabalhar com a noção de gênero discursivo como forma de
produção sócio-histórica que permite compreender como a língua funciona em uma
situação de interação verbal; também, possibilitam que o aluno/sujeito saia de uma
prática mecanizada e insuficiente de leitura e escrita e adentre em novos formatos
de produção, circulação e recepção e de leitura de textos, dando conta de parte da
relação função-autor e efeito-leitor; ainda, permitem constatar que a prática de
jornal mural auxilia na prática de reflexão – ação – reflexão proposta pelo PCN
(BRASIL, 1997a) de usos da língua. Assim, reconhecemos que esse eixo pode
direcionar o trabalho metodológico e pedagógico do professor, sobretudo ao
orientar a atividade de produção de textos. E essa direção pode representar uma
mudança conceitual no trabalho escolar.

PALAVRAS-CHAVE: leitura; escrita; ensino-aprendizagem; sujeito.

INTRODUÇÃO
Os sujeitos, ao realizarem as práticas sociais de leitura e de
escrita, partem de um lugar social e de um tempo específicos a fim
de usar a linguagem/língua como forma de interagir entre os seus
interlocutores nas mais diversas experiências vivenciadas por eles
nesses processos.
P á g i n a | 30

Ler e escrever devem, necessariamente, se tornar


atividades sociocognitivas significativas tanto para quem as
produzem quanto para seus destinatários. Assim, veremos que as
definições de leitura e de escrita têm sofrido reformulações no
decorrer do tempo, sobretudo, para se adequarem às novas
exigências das sociedades modernas.
Desse modo, entendemos que leitura e escrita não são
atividades que se restringem à prática de decodificação ou
codificação como técnicas isoladas, reducionistas dos atos de dizer
e/ou de escrever, mas práticas sociais que os sujeitos assumem
para interagir, isto é, promover ação entre indivíduos a partir de
objetivos comuns estabelecidos na interação verbal.
Neste trabalho, visamos descrever e analisar a produção de
relatos reflexivos pessoais (doravante RRP) como uma estratégia
de ensino favorecedora do desenvolvimento de leitura e de escrita,
no ambiente escolar, e como forma significativa de realizar
socialmente essas atividades. Para tanto, apoiamo-nos nos
trabalhos que vinculam leitura e escrita como práticas ativas e que,
portanto, demandam um sujeito/leitor/escritor responsivo (SOLÉ,
1998; BRASIL, 1997a, 1998, 2016; BAKHTIN, 2003 [1979];
CAFIERO, 2005; KLEIMAN, 2008; ALVES, 2014, dentre outros).
O capítulo está, assim, organizado: na primeira seção,
situamos a perspectiva teórico-metodológica que assumimos como
ancoragem e fundamentação; na segunda, por sua vez,
apresentamos alguns aspectos do nosso objeto de estudo; na
terceira seção, descrevemos e analisamos os dados e, por fim,
assinalamos algumas considerações finais.
P á g i n a | 31

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A noção de leitura e de escrita assumida pelo professor é
central para sua realização, visto que isso norteará todo o fazer
pedagógico desse professor, imputando consequências sobre o
modo de praticar leitura e escrita. Essa orientação está
inevitavelmente ligada à noção de linguagem assumida pelo
professor. Desde Freire (2019, p. 23), já tínhamos assumido que a
definição de linguagem que respalda o trabalho do professor

[...] implica necessariamente em um formato de trabalho


pedagógico, na medida em que as experiências de ensino-
aprendizagem são norteadas pelo uso de uma noção de
língua/linguagem. Elas passam a orientar a produção,
circulação e recepção dos gêneros textuais/discursivos tanto
no contexto escolar como em outras esferas discursivas
(FREIRE, 2019, p. 23).

Não é nosso objetivo polemizar essa temática, mas,


refletindo sobre esses conceitos, encontrar algumas dimensões que
tornem os atos relacionados à leitura e à escrita como verdadeiras
formas de interação social entre os indivíduos. Neste sentido,
compreenderemos, neste trabalho, que tanto leitura quanto escrita
constituem práticas sociais ou, atividades sociointeracionistas que
devem contemplar simultaneamente dimensões históricas,
culturais, cognitivas e contextuais dos sujeitos nelas envolvidos.
De acordo com os PCN (BRASIL, 1997a), leitura pode ser
compreendida como

[...] um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de


construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos,
do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o
que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador,
do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de extrair
P á g i n a | 32

informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra


por palavra. Trata-se de uma atividade que implica,
necessariamente, compreensão na qual os sentidos começam a
ser constituídos antes da leitura propriamente dita. Qualquer
leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura
constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos
que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de
outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e
verificação, sem as quais não é possível rapidez e proficiência.
É o uso desses procedimentos que permite controlar o que vai
sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de
compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no
texto a comprovação das suposições feitas, etc. (BRASIL,
1997a, p. 41).

Kleiman (2009), por sua vez, assinala que leitura e escrita


constituem um “[...] conjunto de processos, atividades, recursos e
estratégias mentais próprios do ato de compreender” (KLEIMAN,
2009, p. 9). Assim, portanto, são práticas cognitivas e sociais, e,
desse modo, vão além da realização das técnicas tradicionais
desenvolvidas no interior de algumas redes de ensino.
Para Cafiero (2005), leitura

[...] é uma atividade ou um processo cognitivo de construção de


sentidos realizado por sujeitos sociais inseridos num tempo
histórico, numa dada cultura. Entender a leitura como processo
de construção de sentidos significa dizer que quando alguém lê
um texto não está apenas realizando uma tradução literal
daquilo que o autor do texto quer significar, mas que está
produzindo sentidos, em um contexto concreto de
comunicação, a partir do material escrito que o autor fornece.
Nesse processo, o leitor busca no texto um ponto de partida,
um conjunto de instruções, relaciona essas instruções com as
informações que já fazem parte de seu conhecimento, com o
que já aprendeu em outras situações, produzindo sentidos ou
construindo coerência para o texto (CAFIERO, 2005, p. 17).

A autora também defende que essa atividade envolve a


realização de estratégias. Desse modo, conceber que leitura e
escrita necessariamente envolvem estratégias é fundamental para
as práticas de ensino-aprendizagem. Primeiro, porque permitem
P á g i n a | 33

distanciar-se da concepção que ainda paira sobre elas: a de serem


entendidas com “dom”, algo que o sujeito traz impresso no seu
código genético ou, é um resultado sobrenatural; e, em segundo,
passam a requerer construção ativa dos envolvidos nesse processo,
demandando planeamento, execução de etapas, avaliação, por
exemplo.
Sendo leitura e escrita práticas socioculturais, a promoção
de estratégias constitui um passo metodológico central. Nesse
sentido, Solé (1998) fala em estratégias necessárias antes, durante
e depois da leitura; os PCN (BRASIL, 1998), por sua vez, assinalam
as estratégias de seleção, antecipação, inferências e verificação e
Cafieiro (2005) propõe decodificação e construção da coerência. A
compreensão dessa dimensão já permite mudanças significativas
na prática pedagógica de qualquer professor.
Gadotti (1982, Apud VARGAS 2000, p. 14) também
sublinha que:

[...] o ato de ler é incompleto sem o ato de escrever. Um não


pode existir sem o outro. Ler e escrever não apenas palavras,
mas ler e escrever a vida, a história. Numa sociedade de
privilegiados, a leitura e a escrita são um privilégio. Ensinar o
trabalhador apenas a escrever o seu nome ou assiná-lo na
Carteira Profissional, ensiná-lo a ler alguns letreiros na fábrica
como 'perigo', 'atenção', 'cuidado', para que ele não provoque
algum acidente e ponha em risco o capital do patrão, não é
suficiente.

Nesse sentido, vamos percebendo que os pesquisadores


anteriormente retomados, cada um a seu modo, assinalam que
leitura e escrita são admitidas como práticas sociais. Desse modo,
não há mais espaço para concepções/práticas de leitura e escrita
como atividades mecânicas, vinculadas, exclusivamente, ao
P á g i n a | 34

processo de alfabetização escolar. Não que a alfabetização seja


desnecessária, mas o fato é que não se pode permanecer numa
perspectiva apenas cognitiva e individual de leitura e de escrita
numa sociedade atualmente tão complexa como a nossa.
É evidente que essas mudanças conceituais, metodológicas
e práticas não são tão recentes no interior dos estudos linguísticos
e na área da educação. Há um percurso que envolve a história da
leitura e da escrita. Para tanto, retomemos Alves (2014), que
descreve parte desse itinerário.
Segundo a pesquisadora paraibana, esse percurso envolve,
pelos menos, quatro modelos teóricos que subjazem os atos de
dizer/escrever ao se realizar leitura e escrita: modelo ascendente,
modelo descendente, perspectiva interacionista e perspectiva
discursiva. Esses modelos ocorreram em momentos distintos,
assumindo ênfases também diferentes no que diz respeito à leitura
e à escrita.
De acordo com Alves (2014), no modelo ascendente, que
predominou nos anos 60 e 70 do século XX, leitura era concebida
como um processo de decodificação do texto e, desse modo, a
ênfase recaía sobre o texto como um produto pronto e acabado.
Podemos aqui, também, chamar a atenção para as práticas de
alfabetização realizada nos moldes tradicionais da escola
tradicional, baseada na educação bancária, nos termos de Freire
(1975c). Segundo Mizukami (1986), essa abordagem de ensino é
“[...] uma educação que se caracteriza por ‘depositar’, no aluno,
conhecimentos, informações, dados, fatos etc.” (MIZUKAMI, 1986,
p. 10).
P á g i n a | 35

Já no modelo descendente, que alcançou maior expressão


nos estudos linguísticos nos anos 80 e início dos anos 90 do século
XX, assume que leitura consiste no “[...] ato cognitivo de
compreensão que envolve conhecimento de mundo, de práticas
sociais e conhecimentos linguísticos [...]” (ALVES, 2014, p. 76) e,
assim, o destaque dado está centrado no leitor.
A partir da perspectiva interacionista, percebemos um
avanço substancial nas concepções de leitura e de escrita, fato que
passa a ocorrer a partir dos anos 90 do século XX, sobretudo ao
tomar a leitura como uma interação verbal, na qual o leitor
participa ativamente do processo de construção de sentidos, além
de envolver os dois modelos anteriores. O foco agora é sobre
interação/significação como práticas sociais e culturais dos usos da
linguagem humana.
Assim,

Do ponto de vista interacionista (interação sujeito-objeto), o


conhecimento é considerado como uma construção contínua e,
em certa medida, a invenção e a descoberta são pertinentes a
cada ato de compreensão. A passagem de um nível de
compreensão para o seguinte é sempre caracterizada por
formação de novas estruturas, que não existiam anteriormente
no indivíduo [...] (MIZUKAMI, 1986, p. 3).

No que diz respeito à perspectiva discursiva, que também


ganha espaço no cenário dos estudos linguísticos a partir dos anos
90 do século XX, leitura necessariamente se torna uma “[...] reflexão
histórica dos processos de significação [...]” (ALVES, 2014, p. 83), e
o interesse central volta-se para o discurso. Nessa concepção de
ensino-aprendizagem de leitura e de escrita, como assinalam os
P á g i n a | 36

PCN (BRASIL, 1997a), leitura fornece matéria-prima para escrita.


Assim,

[...] a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem


na prática de leitura, espaço de construção da
intertextualidade e fonte de referências modalizadoras. A
leitura, por um lado, nos fornece matéria prima para a escrita:
o que escrever. Por outro lado, contribui para a construção de
modelos: como escrever (BRASIL, 1997a, p. 53).

Nessa nova direção que as práticas de leitura e de escrita


vão assumindo, também, reconhecemos que “[...] ler e escrever de
forma mecânica é condição insuficiente para responder
adequadamente às demandas contemporâneas [...]” (SOARES,
2012, p. 261). Assim, a prática envolvendo a produção de RRP
constitui, no nosso entender, uma possibilidade significativa de
desenvolver leitura e escrita como formas portadoras de sentido
entre os interlocutores do ato de dizer/escrever, sobretudo, ao
deslocar a dimensão mecânica, tradicional e reducionista que ainda
encontramos no contexto escolar ao se discutir questões voltadas
para leitura e escrita.
Essa nova postura requer do professor um olhar sobre as
condições de produção de qualquer gênero de texto produzido no
seio escolar, e não apenas sobre o produto final da atividade de ler
e de escrever. Esse novo parâmetro orientador vai possibilitar que
o professor entenda que qualquer produção de gêneros de texto
deve estar consoante o projeto de querer-dizer dos enunciadores e
não consiste numa amontado de sentenças em uma dada
materialidade textual.
Na seção seguinte, delineamos como ocorre a produção
dos RRP, objetos desta pesquisa.
P á g i n a | 37

2 PRODUÇÃO DE RRP
A atividade de produção de RRP é uma metodologia
frequente no meu ato de ensinar/desenvolver as práticas de leitura
e de escrita no meu ofício de professor da Educação Básica e, além
de considerá-las práticas socioculturais, portanto, passíveis de
ensino-aprendizagem, auxiliam no ato de forjar leitores e escritores
críticos, conforme se espera das redes de ensino no atual contexto
de nossas sociedades.
Assim, desde o primeiro contato, já na primeira semana de
aula com meus alunos, proponho que produzam RRP, os quais
inicialmente são do ano letivo anterior e, no decorrer do ano
escolar, são relatos dos períodos/bimestres que existem no ano
escolar. Portanto, cada aluno, em média, produz quatro RRP por
ano na disciplina de língua portuguesa por mim ministrada.
Para os alunos das séries concluintes, o último RRP a ser
produzido no ano escolar é bastante especial. Primeiro, porque já
estão imersos na prática regular de produção, leitura e
apresentação dos RRP, o que se configura, portanto, como um fazer
cotidiano desses alunos enquanto desenvolvem suas habilidades e
competências de língua portuguesa, inseridos como sujeitos de sua
aprendizagem escolar; segundo, nesse caso, porque os alunos-
sujeitos vão retomar parte de sua experiência estudantil durante os
quatro anos dos anos finais do Ensino Fundamental.
Neste trabalho, nossa atenção se volta para a produção de
RRP realizados por uma turma de estudantes concluintes do 9º ano
do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública. A escola
investigada é de número identificador pelo INEP (Instituto
P á g i n a | 38

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) pelo código INEP


24062405, situada na zona urbana do estado do Rio Grande do
Norte.
O protocolo geral consiste na solicitação de um RRP sobre
a vida estudantil do educando, relatando os detalhes vivenciados
pelos alunos-sujeitos dessa interação verbal, avaliando-se e
avaliando os outros sujeitos. Em relação à abordagem de ensino de
gêneros de textos, assumimos a perspectiva explícita de ensino, isto
é, optamos por um trabalho que permitisse o contato da produção
do RRP de forma direta, possibilitando, desse modo, aos alunos
identificar as dimensões da estrutura composicional, conteúdo
temático e estilística do gênero textual em análise, bem como
outras questões discursivas específicas desse gênero discursivo.
Assim, nos associamos à perspectiva bakhtiniana de
estudo de gêneros de discurso, sobretudo quando o autor postula
que

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais


e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes
desse ou daquele campo da atividade humana. Esses
enunciados refletem as condições específicas e as finalidades
de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e
pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de
tudo, por sua construção composicional. Todos esses três
elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção
composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do
enunciado e são igualmente determinados pelas
especificidades de um determinado campo da comunicação.
Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas
cada campo de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos
gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 261).
P á g i n a | 39

Nesse sentido, Bakhtin (2003 [1979]) mostra como os


gêneros do discurso estão caracterizados em seus elementos
integrantes e indissociáveis (os conteúdos, a estrutura
comunicativa e o estilo). Essas práticas sócio-históricas se
constituem, na esfera escolar, como instrumento central de
desenvolvimento das habilidades e das competências de leitura e
escrita.
A coleta dos dados seguiu as seguintes etapas de produção:

Etapas Descrição da atividade


realizada
Apresentação dos objetivos das Exposição oral.
atividades. Exposição oral e exemplificação
Orientações quanto ao gênero no retroprojetor (contato com
discursivo RRP. os modelos exemplares do
Primeira produção textual. gênero em estudo).
Reescritura textual. Atividade feita pelos alunos
Formatação/Digitação. individualmente.
Publicação no mural da escola. Atividade feita pelo professor
regente e os alunos (Atividades
de análise linguística).
Atividade feita pelos alunos.
Atividade feita pelos alunos.
Atividade feita pelo professor
regente e os alunos.
Fonte: Própria do autor.

A seguir descrevemos e analisamos parte de um RRP.


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3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS


Para ilustrar nossa discussão, apresentamos na íntegra um
exemplar de um RRP produzido por uma das alunas envolvidas
nesta pesquisa.

Relato Reflexivo Pessoal nº 01/2019


Meus anos escolares no JT
Comecei a estudar na Escola Municipal XXXXX XXXXX por
influência da minha irmã, pelo fato dela já ter estudado aqui e minha
família já saber como a escola funcionava.
Meu primeiro ano escolar, frequentando a 6ª série, em 2016,
foi regular. Tive a primeira experiência com mais de um professor em
sala, contato com pessoas fora do meu convívio normal e conhecimentos
mais amplos sobre as disciplinas etc. Durante esse ano, conheci diversas
pessoas, dentre elas, professores, colegas e melhores amigos que estão
comigo até hoje. Um dos melhores momentos que me recordo sobre esse
ano, foi nossa primeira feira de ciências, com a professora XXXXXX.
Nossa turma, juntamente a ela, fez o sistema solar, bem ilustrado com
planetas pendurados no teto, e explicou o surgimento e funcionamento
dele.
Em 2017, frequentei a 7ª série, sendo ele um ano normal,
desconsiderando as trocas de professores e maneiras diferentes de
ensinamento dos novos professores. Um fato marcante desse ano foi
nossa professora XXXXX. Ela, a professora de língua portuguesa, teve um
convívio um pouco conturbado com os alunos. Essa convivência gerou
problemas, relacionados a seu comportamento e as formas “rígidas” de
ensino que ela usava. A situação não proporcionou uma boa impressão,
tornando-a muito criticada por todos, em principal, familiares dos
estudantes, alunos e algumas pessoas de fora do meio estudantil. Ela era
legal, porém, tinha um jeito difícil de se entender.
Na 8ª série, em 2018, foi um período legal. Fomos conhecer
um museu em Natal. Eu fui à praia com uma amiga num passeio, tivemos
P á g i n a | 41

saraus poéticos e gincanas culturais, dentre outras atividades escolares.


Minha melhor recordação sobre esse ano foi nossa ida ao museu de
Câmara Cascudo, em Natal. Conhecemos muitas coisas nessa viagem,
principalmente, sobre quem foi ele: um escritor, jornalista, historiador...
e, como seu museu foi fundado. Fizemos, ainda, um sarau sobre ele, que
foi muito importante para nosso conhecimento estudantil, pois nos
proporcionou um olhar maior sobre um potiguar que se dedicou à
cultura popular brasileira.
2019, 9ª série. Esse ano, está tendo de tudo: passeios, saraus,
jornais murais, aulas de campo e festas escolares. Tivemos um sarau
poético da nossa turma muito importante, pois os artistas
homenageados foram pessoas do nosso convívio: 5 professores de nossa
escola, que além de ensinarem, fazem suas artes, como cordéis, crônicas
e artesanatos. Fizemos entrevistas para conhecer melhor os trabalhos
que eles fazem, eu e meu grupo de trabalho visitamos a arte do nosso
professor Genival; tivemos contato com alguns cordéis de outros
artistas, entre outras coisas. Está sendo um ano importante, de
conhecimentos novos e despedidas.
Minhas metas futuras são: conseguir minha formação técnica,
em administração no IFRN, me formar em Biologia, pela UFRN, assim
como também em administração, ter especializações nessas duas áreas,
ajudar minha família, me estabilizar economicamente, ingressar bem no
meio de trabalho e conseguir um emprego em algumas dessas áreas.

Autora: XXXXXXXX
Fonte: Banco de textos do autor.

A atividade de leitura e de escrita envolvendo a realização


de RRP apresenta diversas vantagens para o processo de ensino-
aprendizagem de língua portuguesa. Examinemos algumas delas.
Por exemplo, é possível reconhecer marcas de autoria, de sujeito;
dimensões tanto de avaliação geral do processo de ensino-
P á g i n a | 42

aprendizagem quanto autoavaliação; aspectos da formação de


leitor/escritor crítico, por exemplo.
A primeira consiste na marcação de autor-leitor, portanto,
sujeito da ação de ler e de escrever fazendo uso de um gênero
textual específico. Essa realidade pode ser vista no uso da marcação
da 1ª pessoa do singular e/ou do plural feito pela autora do RRP em
tela, por meio das expressões linguísticas “Comecei a estudar, meu
primeiro ano escolar, tive a primeira experiência, frequentei a 7ª
série”; “tivemos um sarau, fomos conhecer, fizemos entrevistas”
dentre outras tantas no texto que marcam a intenção do escrevente
na materialidade do texto, inserindo-se como participante/sujeito
da ação. Praticamente em todo o texto não há referências às marcas
de 2ª e 3ª pessoas do discurso, mas o uso de quem produziu: eu e
nós.
Outro aspecto importante na produção de RRP está
justamente na ressignificação da prática docente, atitude altamente
desejável nos atuais contextos de ensino-aprendizagem e, também,
respaldado pelos documentos oficiais do Governo (BRASIL, 1997a,
1998, 2016, por exemplo). Assim, escrever e ler são vistas como
práticas significativas tanto para quem escreve quanto para quem
ler, saindo de uma perspectiva mecânica e adentrando nas
condições reais da produção do RRP.
Nesse sentido, assinalamos outra contribuição: essa nova
perspectiva insere-se no que classicamente chama-se nos estudos
linguísticos de abordagem enunciativo-pragmática, isto é,
considera-se o uso da língua pelos sujeitos de sua produção. Essa
nova dimensão linguística, então, entende que “As linguísticas
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enunciativas têm por fundamento comum uma crítica à linguística


da língua e um desejo de estudar os fatos da ‘fala’: a produção de
enunciados por locutores na situação real de comunicação”
(PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 173).
Ainda, é possível destacar outra vantagem de se trabalhar
com RRP: a formação crítica e reflexiva de leitor/produtor de
gêneros variados de textos. Ao assumir a posição/função de autor,
o aluno deixa de ser visto como um mero reprodutor/receptor de
textos, mas torna-se responsável pelos atos de dizer, de escrever a
partir da utilização de um gênero discursivo. É exatamente isso que
queremos nas aulas de língua portuguesa: alunos-sujeitos das suas
próprias ações de linguagens.
Desse modo, a produção de RRP constitui, por diversas
razões, uma atividade significativa no contexto escolar.
Maiormente, porque, por um lado, permite a inserção do aluno-
sujeito nas práticas sociais de leitura e de escrita; por outro, porque
pode possibilitar a autoconsciência sobre si, que “[...] é uma pré-
condição para processos sociais de identificação, ou seja, a
construção de identidade sociais, incluindo a identificação em
discurso, em textos” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 160). Assim, o aluno-
sujeito se apropria da língua escrita para ocupar um lugar social e
não apenas para falar de si mesmo, mas para falar, também, do
outro, realizando avaliações e valorações, tal como vimos no RRP
nº 01/2019, exemplar dessa prática.
No RRP analisado, percebemos que a autora demonstra ter
consciência das ações que constituíram seu percurso de vida
escolar, avaliando-se e também avaliando os outros agentes
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públicos do processo de ensino-aprendizagem, detalhando


paulatinamente as ações que se desdobraram no seu fazer
escolar/estudantil. O texto em discussão está permeado de
detalhes, avaliações e valorações. Podemos ilustrar essa realidade
por meio de expressões linguísticas que estão no RRP em questão:

(i) Meu primeiro ano escolar, frequentando a 6ª série, em


2016, foi regular (...);
(ii) Em 2017, frequentei a 7ª série, sendo ele um ano
normal, desconsiderando as trocas de professores e
maneiras diferentes de ensinamento dos novos
professores (...);
(iii) Na 8ª série, em 2018, foi um período legal (...);
(iv) 2019, 9ª série. Esse ano, está tendo de tudo: passeios,
saraus, jornais murais, aulas de campo e festas
escolares (...).

Estas expressões linguísticas, dentre outras, por exemplo,


funcionam como marcas que indicam que o enunciador tem
consciência das ações que se sucederam na descrição realizada. E
isso traz implicações diversas para a construção da escrita e da
leitura como processos de atribuição de sentidos, visto que eles não
estão prontos no texto, é por meio do uso de expressões linguísticas
e itens lexicais diversos, por exemplo, que os sujeitos interagindo
atribuem sentidos aos textos produzidos.
Signorini (2006, p. 55), ao tratar de relatos reflexivos, assume
que esses gêneros do discurso podem “[...] através da interlocução
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mediada pela escrita, criar mecanismos e espaços de reflexão sobre


teorias e práticas que constituem os modos individuais e coletivos
de compreensão e produção desse campo de trabalho [...]”. Assim
sendo, o uso da escrita não pode ficar restrito a uma visão
insuficiente de língua, por exemplo, para ser meio de verificação de
aprendizagem escolar de conteúdos e/ou de aspectos gramaticais.
Não se usa a língua só porque se sabe usar, mas, sobretudo, para
alcançar determinados objetivos e desencadear efeitos específicos
de sentidos entre os envolvidos na interlocução.
Essa realidade está presente no RRP em discussão. A autora
delineia, em seu texto, ações já experimentadas na vivência escolar
e assinala outras que pretende alcançar e, tudo isso em conjunto,
corrobora para alcançar o objetivo de sua produção textual. O
excerto a seguir ilustra parte dessa realidade:

Minhas metas futuras são: conseguir minha formação técnica,


em administração no IFRN, me formar em Biologia, pela UFRN,
assim como também em administração, ter especializações
nessas duas áreas, ajudar minha família, me estabilizar
economicamente, ingressar bem no meio de trabalho e
conseguir um emprego em algumas dessas áreas (RRP nº
01/2019).

Assim, como Reichmann (2019) propõe diários reflexivos


em contextos de letramento e formação docente, nós também
admitimos que os RRP de nossa pesquisa podem articular
simultaneamente diferentes componentes, como por exemplo, os
(meta) funcionais e semânticos, respectivamente, exibidos nas
produções dos diários reflexivos por meio das funções ideacional,
interpessoal e textual.
P á g i n a | 46

De acordo com Halliday (1978), em relação às estruturas


das expressões linguísticas produzidas nos RRP pelos alunos-
sujeitos da escola mencionada, elas têm as seguintes funções:
ideacional, interpessoal e textual, de modo que elas desempenham,
respectivamente, as funções de organização da experiência
humana, mostrar como ocorre a interação e o modo e a organização
do discurso (PEZATTI, 2005).
Assim sendo, a produção dos RRP sinaliza para as
dimensões da interação e da língua como práticas sociais, nas quais
os sujeitos envolvidos não realizam leitura e escrita de forma
mecânica e técnica, mas de forma solidária com os outros parceiros
da interlocução. Neste sentido, leitura e escrita ocorrem numa
relação entre autor-texto-leitor e não de forma hierarquizada,
gerando soberanias entre os envolvidos nesse processo.
A atividade envolvendo o RRP aponta que, para que a
produção de textos alcance seu fim, é necessário que haja
conhecimentos linguístico-textual e enunciativo-discursivo. Neste
sentido, nos associamos a Leitão (2012) quando sublinha que o
trabalho do professor

[...] é extremamente importante [...] no processo de apreensão


e todo e qualquer gênero, permitindo que o aluno tenha
contato com diferentes modelos e, sobretudo, auxiliando-o no
processo de construção e reescrita dos gêneros a serem
trabalhados, centrando-se, especialmente, nos sentidos a
serem construídos (LEITÃO, 2012, p. 15).

É sobre esse olhar que a prática de leitura e de escrita, no


contexto escolar, deve-se voltar, saindo de uma abordagem
reducionista e adentrando nos usos sociais da linguagem. A
P á g i n a | 47

produção de RRP pode, portanto, constituir uma ferramenta


auxiliar nesse processo de formação de leitores e de escritores.
Também, é possível realizar atividades de análise
linguística com os RRP, a qual não consiste em “higienização do
texto do aluno”, mas em uma perspectiva de reflexão sobre os usos
da língua, dos recursos expressivos, auxiliando na leitura e na
produção dos textos, estabelecendo estratégias de sentido nos
textos e enfatizando a prática de refacção textual.
Assim, entendemos que a linguagem é subjetificada e
demanda, portanto, o outro. Nesse sentido, ao usá-la, construímos
realidade discursiva, e a produção de RRP enquadra-se nessa
direção que possibilita aos sujeitos desencadear diferentes efeitos
de sentidos ao se usar as diversas formas de língua escrita.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões aqui empreendidas em volta do binômio
leitura e escrita, considerando a produção de RRP como uma
prática significativa no contexto escolar, a partir dos estudos de
Solé (1998); Brasil (1997a, 1998, 2016), Bakhtin (2003 [1979]),
Cafiero (2005), Kleiman (2008), Alves (2014), que, permitem que
assinalemos algumas considerações finais.
A primeira é a de que o texto não é apenas uma unidade
pronta, acabada e fechada em si mesmo, mas, sobretudo, um lugar
de produção de sentidos, visto que leitura e escrita são
compreendidas como atividades socialmente engajadas. Assim,
constituem processos de interlocução entre autor-texto-leitor e
não uma relação de hierarquias.
P á g i n a | 48

Essa posição desemboca no trabalho com as teorias da


linguagem voltadas para perspectivas enunciativo-discursivas em
detrimento de abordagens que estão centradas na linguística da
língua (Linguística do significante, do sistema, por exemplo). Isto é,
essa postura teórico-metodológica demanda que leitura e escrita
constituem uma realidade discursiva.
Nesse contexto, reconhecemos que a atividade verbal é
predominantemente textual e, por consequência, o texto deve ser a
unidade básica de ensino de língua materna. Caso contrário, corre-
se o risco de se não alcançar o desenvolvimento pleno das
competências e habilidade propostas para o ensino de língua
portuguesa tal como propõem os documentos oficiais (BRASIL,
1997a, 1998, 2016, por exemplo).
Outra constatação que queremos assinalar diz respeito ao
fato de que a noção de gênero do discurso pode subsidiar o ensino
de língua no contexto escolar, tornando-se uma categoria central
na análise e na produção de atos discursivos realizados pela
comunidade discursiva escolar. Contudo, trabalhar com essa noção
não implica em atividades de identificação de gêneros de textos,
mas em atividades que incentivem nos estudantes a busca pela
identificação dos efeitos de sentidos que desencadeiam nas
interações verbais realizadas pelos falantes.
A nosso ver, o trabalho com gêneros discursivos implica
necessariamente voltar o olhar para as condições de produção das
materialidades textuais-discursivas, como por exemplo, focar nos
conteúdos, nos objetivos, nos destinatários, nos estilos utilizados,
P á g i n a | 49

nos gêneros discursivos realizados, dentre outras condições


enunciativo-pragmáticas da produção textual/discursiva.
Nesse sentido, a prática pedagógica deve ainda considerar
uma perspectiva textual-interativa que conjugue,
concomitantemente, sistema (forma) e aspectos sociais, cognitivos,
culturais, discursivos, históricos, entre outros, dos variados textos
produzidos pelos alunos em diferentes cenas da enunciação.
Ainda, queremos ressaltar que o trabalho articulado entre
leitura e escrita, tomando diferentes gêneros de textos, pode
também articular-se com outro eixo básico do ensino de língua
materna: a análise linguística/análise semiótica, possibilitando, por
exemplo, a realização de atividades metalinguísticas, de refacção
textual, dentre outras, que tornaram as produções linguísticas
unidades plenas de sentido entre os interlocutores.
As atividades de análise linguística/análise semiótica
envolvem diferentes níveis. Assim, em relação à produção de RRP,
assinalamos que, no nível sintático, por exemplo, os enunciadores
produzem seus textos conforme seu projeto de querer-dizer e não
amontoam frases, sentenças, parágrafos, mas realizam uma
atividade discursiva.
De modo geral, vinculamos a realização da experiência de
ensino-aprendizagem aqui denominada de RRP aos objetivos do
ensino de língua portuguesa, sobretudo, ao auxiliar no
desenvolvimento das competências discursivo-textuais,
considerando o texto como unidade básica de ensino e tomando a
gramática em função da atividade verbal.
P á g i n a | 50

REFERÊNCIAS
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docente. In: PEREIRA, R. C. M. (Org.). Prática de Leitura e Escrita
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P á g i n a | 53

NA TEORIA E NA PRÁTICA – O ENSINO DE LEITURA


AMPARADO NUMA CONCEPÇÃO DIALÓGICO-INTERACIONISTA
E NA APRENDIZAGEM COOPERATIVA: APRESENTAÇÃO DE
UMA PROPOSTA DE ATIVIDADE

Prof. Me. Francisco Rogiellyson da Silva Andrade


Profa. Ma. Priscila Sandra Ramos de Lima
Profa. Dra. Dannytza Serra Gomes

RESUMO: Este trabalho discute sobre leitura e seu ensino a partir de dois objetivos
principais: refletir sobre o processo de interação entre produtor e leitor via texto
escrito e apresentar uma proposta de atividade com base nessa reflexão. Para isso,
assumimos os pressupostos teóricos elaborados pelo Círculo de Bakhtin acerca de
linguagem e interação, em torno dos quais, com base em Andrade (2020), podemos
pensar em uma proposta bakhtiniana de leitura, intitulada dialógico-interacionista.
Como abordagem metodológica para o ensino de leitura na educação básica,
defendemos o uso da aprendizagem cooperativa, abordagem que, segundo
discutimos, permite a troca de conhecimentos entre os sujeitos aprendizes com foco
em uma interação da qual todos participam responsivamente. Articulando a
concepção dialógico-interacionista de leitura com a metodologia aprendizagem
cooperativa, apresentamos uma proposta de atividade de leitura voltada para o
ensino médio, em torno do tema demarcação de terras indígenas. Concluímos que,
para além de pensar a leitura com base numa proposta dialógico-interacionista, é
necessário lançar propostas de ensino que auxiliem docentes a efetivarem, na
prática, essa abordagem. Isso é importante por defendermos que somente uma
concepção teórico-metodológica como essa é capaz de formar sujeitos habilidosos
na análise crítica das construções linguístico-discursivas com as quais interagem, já
que se perfila na formação de um leitor que percebe que toda construção de
linguagem é estrategicamente elaborada por um sujeito que arquiteta ideologias
para efetivar a adesão de seu(s) interlocutor(es).

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Ensino de leitura. Aprendizagem cooperativa.


Abordagem dialógico-interacionista de leitura.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Neste texto, buscamos refletir sobre leitura, apresentando
uma discussão teórica e uma proposta de abordagem em sala de
aula. A atividade apresentada visa o desenvolvimento do
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letramento crítico em ambientes digitais no que se refere à análise


dos discursos que se imiscuem nos textos circulantes nas diferentes
redes sociais. Acreditamos ser isso importante porque, muitas
vezes, os sujeitos são ludibriados por construções discursivas de
linguagem, desconsiderando os posicionamentos defendidos pelos
produtores desses textos. Dessa maneira, é necessário discutir na
escola que sujeito de discurso enuncia determinado dizer, uma vez
que seus valores, suas posições sociais, seus interesses e sua
cultura estarão imbricados em suas enunciações.
Para desenvolvimento da oficina, levamos em
consideração alguns princípios da aprendizagem cooperativa, a fim
de permitir que os estudantes se engajem mais ativamente nas
atividades propostas, enquanto sujeitos responsivos. Além disso,
essa metodologia permite que os alunos possam organizar melhor
o tempo de cada etapa e, principalmente, dividir com os colegas
suas aprendizagens e questionamentos.
Como premissa teórica, nossa inspiração parte das
considerações teóricas de Bakhtin, autor que considera a
linguagem como interação, evento por meio do qual os sujeitos,
demarcados sócio-histórica e culturalmente, defendem seus
posicionamentos, evocam discursos e digladiam-se.
Com base nisso, organizamos esta discussão da seguinte
maneira: afora esta introdução e as considerações finais,
apresentamos, a seguir, os pressupostos bakhtinianos acerca de
linguagem e de interação, com base nos quais, a partir de Andrade
(2020), podemos pensar o ato de ler numa concepção dialógico-
interacionista; depois, discutimos como a metodologia
P á g i n a | 55

aprendizagem cooperativa possibilita uma abordagem alteritária


da leitura em sala de aula da educação básica; com base nessas
discussões teóricas, apresentamos uma proposta de atividade para
o ensino de leitura, com o fito de auxiliar o professor da educação
básica a poder concretizar, em sua realidade, abordagens teóricas
que viabilizem o engendramento de leitores mais críticos e
engajados em sua leitura, afastando-os de uma posição passiva e
acética de análise textual.

O PRINCÍPIO DIALÓGICO DA LINGUAGEM E SUA RELAÇÃO COM


A LEITURA
Neste texto, assumimos os pressupostos bakhtinianos
acerca de linguagem e de interação. Na perspectiva de Bakhtin
(1993) e dos autores vinculados ao que se convencionou chamar
Círculo de Bakhtin, o estudo da linguagem deve ser sempre
vinculado à vida, sob pena de estarmos adotando uma separação
este esta e a ciência, quando, na verdade, o estudo científico
necessita apegar-se à vida, à dinâmica das interações sociais.
Desse modo, a linguagem é vista como fenômeno ideológico por
excelência. Ou seja, um estudo da oração estaria vinculado ao nível
da abstração, do formal; o estudo do enunciado, por seu turno,
permitiria a análise da linguagem em uso. Isso porque o sujeito, ao
semiotizar a realidade por via do enunciado, entra no elo da cadeia
discursiva. Significa dizer, nessa conjuntura, que não há álibi para
o sujeito. Ao tomar a palavra, ele a carrega de ideologia, tomando
um posicionamento frente aos discursos convocados, conferindo
ao enunciado sua tonalidade valorativa. O sujeito, nessa medida,
P á g i n a | 56

não é alguém assujeitado, que é atravessado pelos discursos; na


verdade, ele é responsivo-ativo, pois arquiteta, de maneira
estratégica, ideologias que presentificará em sua enunciação com
base no contexto de interação e nos interlocutores com quem
interage (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2006).
Desse modo, o estudo do enunciado sinaliza para a análise
dos vários discursos que por ele são convocados. Ou seja, o signo
verbal tomado pelo sujeito reflete e refrata diferentes
posicionamentos ideológico-discursivos que a ele estão
imbricados. Ao assumir uma posição axiológica, o sujeito, ao
mesmo tempo que silencia discursos, também torna outras vozes
discursivas audíveis, atualizando-as conforme sua valoração
ideológica. A linguagem, por isso, nessa dimensão, nunca é o
fenômeno do repetível, mas o da singularização, já que os discursos
são redimensionados e atualizados na dinâmica das interações
(BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2006; BAKHTIN, 1997).
Assume-se, com essa visão, que a linguagem é dialógica por
excelência. O diálogo, nessa interpretação, não é tomado tão
somente no sentido da troca de turno entre os falantes, mas em sua
dimensão ecoante de discursos e de ideologias que se dinamizam
na interação. Inclusive, o evento interativo passa, assim, a ser uma
arena, em que posicionamentos axiológicos se enfrentam num
embate ideológico de negociação e de produção de efeitos de
sentido (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2006; BAKHTIN, 1997).
O dialogismo, por isso, diz respeito aos relacionamentos
entre os enunciados, que nem sempre ocorrem no âmbito da
concordância, mas, na verdade, no espaço de tensão entre os
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valores pré-estabelecidos. Amorim (2018, p. 107) elucida que o


diálogo, no sentido bakhtiniano, nada tem de harmônico, pois, ao
contrário, ele explicita “muito mais uma arena. Discussões,
discordâncias, mas também um profundo entendimento. Mas é um
entendimento que altera.”
Essa alteração ocorre em função de o dialogismo, com base
ainda em Amorim (2018), ser o enquadre que permite e faz
funcionar a produção de sentido(s), permitindo que, mesmo no
âmbito da concordância, alterações recíprocas entre os sujeitos
ocorram nesse evento único e irrepetível que é a interação, o qual
é mediado pela linguagem, dialógica por excelência.
Vale ressaltar que essa tensão, instaurada pelo dialogismo,
nas palavras de Amorim (2018, p. 111), “não é algo negativo nem
algo a ser superado. Ao contrário, ela é constitutiva da criação
humana, porque ela é o que atesta a presença do outro, daquele que
não se identifica comigo, daquele que me escapa e a quem minha
palavra se dirige”. Em corroboração a essa percepção, Marchezan
(2018, p. 123) acrescenta que o dialogismo, nessa visada, é
entendido “como reação do eu ao outro, [...] como ponto de tensão
entre o eu e o outro, entre círculos de valores, entre forças sociais”.
Por isso, o sujeito está sempre valorando a realidade em função
daquele para quem enuncia, na tentativa não de que este assuma
seu posicionamento tal como enunciado, mas que adira aos
discursos confrontados na interação.
Assumindo os pressupostos bakhtinianos acerca da
linguagem, Andrade (2020) apresenta o que, em sua proposta, se
configura como uma abordagem dialógico-interacionista de leitura.
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Para o autor, é importante pensar o ato de ler no enquadre da


interação tal como propõe o Círculo de Bakhtin, pois uma proposta
bakhtiniana de leitura é a base para o que se concebe como
(multi)letramentos.
Assim, Andrade (2020) elabora algumas reflexões sobre
leitura partindo do pressuposto de que o texto escrito é o lugar
através do qual ocorre o processo de negociação de sentidos entre
produtor e leitor. Ao fim desse evento, sempre único e irrepetível,
texto e leitor emergem transformados, pois evocam sentidos que,
somente nessa enunciação, são produzidos.

[...] o sentido de um texto é construído na interação texto-


sujeitos e não algo que preexista a essa interação. A leitura é,
pois, uma atividade interativa altamente complexa de
produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base
nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na
sua forma de organização, mas requer um conjunto de saberes
no interior do evento comunicativo. (KOCH; ELIAS, 2012, p. 11,
grifos das autoras)

Na perspectiva dessa abordagem, enquanto o produtor


revela seus discursos e ideologias por meio, por exemplo, de
escolhas linguísticas e estruturas gramaticais, o leitor recupera
esses construtos com vistas à compreensão. Por isso, no evento
leitura, assim como em qualquer outro construto interativo, devem
ser levados em consideração, além dos conhecimentos
enciclopédicos e linguísticos do leitor, a relação entre produtor e o
seu público-alvo, o gênero que engendra o enunciado/texto, o
enquadre cronotópico de produção e de leitura, bem como
elementos sociais, ideológicos e histórico-culturais. Ocorre, por
isso, um contrato enunciativo entre os interlocutores, cujas
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cláusulas, na produção de sentidos, serão negociadas ao longo da


interação.
Assume-se, nessa dimensão, um conceito de texto não
somente como algo do verbal, mas como dos diferentes modos
semióticos que produzem a valoração do enunciado. Ainda,
aspectos tomados como extratextuais, na verdade, são vistos como
incorporados ao enunciado, pois, sem eles, a produção de sentidos
não tomaria seu aspecto singular e irrepetível.
O leitor, numa proposta como essa, deve ser alguém que
“[...] concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa,
adapta, apronta-se para executar [...]” (BAKHTIN, 1997, p. 291),
pois, na concepção de Bakhtin (1997, p. 292), o que o escritor
espera não é uma recepção passiva que apenas duplicaria seu
pensamento, mas “[...] uma resposta, uma concordância, uma
adesão, uma objeção, uma execução [...]”, ou seja, o ato de ler revela
a tensão discursiva intrínseca ao processo de interação, justamente
por seu caráter fundamentalmente dialógico.
Para alcançar essa atitude responsivo-ativa do leitor, o
produtor de texto, a partir da manifestação de sua subjetividade e
de sua visão de mundo, realiza uma influência didática sobre o
leitor, a fim de levá-lo à adesão dos discursos mobilizados pelo
texto. Nesse construto, as palavras do autor ressoam
dialogicamente com as visões de mundo do leitor e, por isso,
provocam a transformação deste:

É por isso que a experiência verbal individual do homem toma


forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente
com os enunciados individuais do outro. É uma experiência que
se pode, em certa medida, definir como um processo de
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assimilação, mais ou menos criativo, das palavras do outro (e


não das palavras da língua). Nossa fala, isto é, nossos
enunciados (que incluem as obras literárias), estão repletos de
palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela
alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também em
graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As
palavras dos outros introduzem sua própria expressividade,
seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos,
modificamos. (BAKHTIN, 1997, p. 315).

Em Bakhtin (1993), a questão da responsabilidade ativa do


sujeito no ato de compreender fica ainda mais clara, quando o autor
afirma que não se trata de o leitor injetar em si o discurso lido, como
se afirmaria numa concepção que entende o leitor como alguém
que deve captar as ideias do produtor. Na verdade, o que ocorre é
uma identificação, uma empatia. Assim, uma vez que a interação é
um evento único e irrepetível, a empatia se constrói ao longo desse
processo, de modo que tanto texto quanto leitor são enriquecidos.
Ainda segundo Bakhtin (1993), esse enriquecimento do leitor
ocorre porque ele não é um ser imutável, mas se constrói e se
reconstrói a partir de suas interações, portanto também por meio
de suas leituras. Ou seja, o Ser, conforme essa proposta, só é na
enunciação, só manifesta sua realidade na interação com o outro.
Sua consciência, por isso, não é algo do cognitivo, da inteligência
abstrata, mas do domínio do discurso, semioticamente
concretizada pela linguagem.
Nessa direção, portanto, evidencia-se que a leitura,
enquanto interação e, consequentemente, eivada de discursos,
também deve ser compreendida na esteira do que propõe o
pensamento bakhtiniano. Com base nisso, Silva (1999) sintetiza
que 1 – ler é interagir, pois o leitor interage com o autor, de modo a
confirmar e refutar informações; 2 – ler é produzir sentidos, pois,
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nesse processo de interação, os leitores produzem sentidos ao que


leem, de modo que o sentido não é único e estável, mas, pelo
contrário, modelável e nunca repetível; 3 – ler é compreender e
interpretar, pois, para Silva (1999), ao ler, o leitor realiza um
projeto de compreensão que se realiza num processo de
interpretação, ou seja, “o processo de interpretação demarca a
abordagem do texto pelo leitor de modo que a compreensão vá se
constituindo ao longo da leitura em si (Leio sempre a partir das
lentes paradigmáticas ou teóricas que foram sedimentadas no meu
repertório)” (SILVA, 1999, p. 17).
Para Braggio (1992), assumindo essa proposta como
pressuposto da leitura, “leitor e texto não apenas se tocam, mas no
[e pelo] processo se transformam” (BRAGGIO, 1992, p. 69). Nesse
entendimento, a interação é vista como um processo pelo qual texto
e leitor, à medida que interagem, seja num espaço de convergência
seja num espaço de divergência, se transformam, numa dinâmica
cooperativa em que participam “de uma situação organicamente
inter-relacionada” (BRAGGIO, 1992, p. 69). Isso provoca a
percepção de que um modelo bakhtiniano de leitura se focaliza no
encontro entre texto e leitor, o que resulta em um novo evento, uma
vez que “o significado é sempre uma relação entre o texto e o
contexto (sócio-histórico-cultural) e não existe à parte da
interpretação de alguém daquela relação” (BRAGGIO, 1992, p. 69).
Com base nessa discussão, Andrade (2020) apresenta uma
síntese do que seria a proposta dialógico-interacionista de leitura:
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Quadro 1: Proposta dialógico-interacionista de leitura


Abordagem dialógico-interacionista
Concepção de Dialógica
língua(gem)
Concepção de leitura Dialógico-interacionista

Fluxo de informação Dialógico


Papel do leitor Responsivo-ativo

Emerge na e pela interação, a partir do


diálogo entre os valores ideológica e
Significado
culturalmente (re)produzidos pelas
experiências do leitor.

Fonte: Andrade (2020, p. 61).

Visto nessa concepção, o ato de ler revela um total


protagonismo do leitor, pois é este quem traz toda a bagagem pela
qual transformará o texto e irá se transformar via leitura. Nesse
pensamento, ressalta Braggio (1992), apresenta-se o caráter
demasiadamente complexo e multifacetado da leitura. Segundo a
autora, partindo desse pressuposto, evita-se o perigo de se cair no
que ela chama de uma concepção de leitor ingênuo, que seria
aquele que decodifica, mas não descodifica, ou seja, que entende
que a linguagem é monovalente e que apenas repete os discursos,
as crenças e os valores da classe dominante, sem criticá-los. “Tanto
textos como leitores estão já escritos quando se encontram, mas
ambos podem emergir do encontro modificados em certos aspectos
cruciais” (SCHOLES, 1991, p. 106). Chega-se, assim, ao processo de
interação de maneira concreta, e não como uma abstração, mas
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como a realidade que fundamenta a leitura, tal como ocorre com


qualquer evento comunicativo mediado por via da linguagem.

A APRENDIZAGEM COOPERATIVA COMO METODOLOGIA


ALTERITÁRIA NO ENSINO DA LEITURA
Podemos definir a aprendizagem cooperativa como uma
metodologia de ensino que busca a promoção do aprendizado, a
solução de problemas, o desenvolvimento de competências sociais
e a construção do conhecimento através da ajuda, da participação,
do engajamento, do compartilhamento de ideias, de
responsabilidades e do trabalho em equipe dos envolvidos, com o
fito de atingir um objetivo comum: a realização das tarefas e dos
desafios propostos. Na aprendizagem cooperativa, “os alunos se
ajudam no processo de aprendizagem, atuando como parceiros
entre si e com o professor, visando adquirir conhecimentos sobre
um dado objeto” (LOPES; SILVA, 2009, p. 4).

Como é um modelo estrutural, a aprendizagem cooperativa


funciona como um pano de fundo para aplicação de diversas
estratégias que buscam e envolvem interação social,
relacionamento interpessoal, performance acadêmica,
desenvolvimento de competências e habilidades,
envolvimento em dinâmica de grupos, interdependência
positiva, responsabilidade individual e do grupo, formação de
valores, hábitos de estudo e participação igualitária.
(CARVALHO, 2015, p. 46).

Diferentemente das metodologias de ensino tradicionais,


que, de acordo com Lopes e Silva (2009), privilegiam o
individualismo, a competitividade, o aprendizado de conceitos, a
hierarquização da relação professor/aluno e, por conseguinte, a
desigualdade na sala de aula, a aprendizagem cooperativa é
P á g i n a | 64

baseada em pilares como a interação, a colaboração, o respeito


mútuo, a diversidade, a tolerância, a união, a solidariedade e a
divisão de responsabilidades. Cooperar, na verdade, significa ter “a
convicção plena de que ninguém pode chegar à meta se não
chegarem todos” (LOPES; SILVA, 2009, p. 3).

A cooperação consiste em trabalhar juntos para alcançar


objetivos comuns. Em uma situação cooperativa, os indivíduos
buscam obter resultados que são benéficos para si e para todos
os outros membros do grupo. A aprendizagem cooperativa é o
uso didático de pequenos grupos em que os alunos trabalham
juntos para maximizar a sua própria aprendizagem e a dos
outros. (JOHNSON; JOHNSON; HOLUBEC, 1999, p. 5).

Nessa perspectiva, os alunos possuem a oportunidade de


aprender conceitos, conteúdos científicos e, também, de
desenvolver competências sociais que contribuam para a sua
formação, o seu pensamento crítico, a autonomia e o protagonismo,
transformando-se em agentes de mudança e de intervenção social.

(...) A par do domínio de conhecimentos e de preparação


técnica, a sociedade em geral, e o mercado de trabalho, em
particular, esperam que a escola habilite os jovens com
competências que lhes possibilitem trabalhar em equipe,
intervir de uma forma autónoma e crítica e resolver problemas
de uma forma colaborativa (LOPES; SILVA, 2009, p. 9).

Para Johnson, Johnson e Holubec (1999) existem cinco


elementos que norteiam e caracterizam a aprendizagem
cooperativa: a interdependência positiva; a responsabilidade
individual; a interação frente a frente; o desenvolvimento de
competências interpessoais e grupais; e a avaliação do processo do
trabalho da célula.
P á g i n a | 65

Na interdependência positiva, são firmadas e acordadas


uma parceria e uma dependência mútua entre os participantes. O
fato de os integrantes das células dependerem um do outro nada
retira deles o seu protagonismo; pelo contrário, este, na verdade, é
potencializado, já que, a partir do acordo definido pelo grupo, cada
praticante terá funções a serem concretizadas, as quais, se mal
realizadas, prejudicarão toda a célula. Nessa fase inicial, são
definidos: os objetivos a serem alcançados, as regras, a recompensa
e/ou o modo de celebração das metas atingidas, a divisão de
tarefas, de papéis e de responsabilidades, bem como são listados os
recursos necessários para a execução das atividades, criando,
assim, uma atmosfera de compromisso, unidade e
corresponsabilidade (JOHNSON; JOHNSON; HOLUBEC, 1999). Tais
cláusulas são documentadas no que, em aprendizagem cooperativa,
se convencionou chamar de contrato cooperativo, que é um texto
produzido pelos alunos através do qual concretizam o acordo entre
si. Ao fim, esse texto é revisitado, com o fim de que seja
empreendida uma autoavaliação do grupo, a qual também é, por
escrito, documentada pela equipe.
O segundo elemento constitutivo, a responsabilidade
pessoal, implica, como o próprio nome explicita, no trabalho, no
envolvimento e no desempenho de cada um no processo. Pojulàs
(2001) aponta que o compromisso individual permite que cada
participante tome consciência de seus deveres, direitos, ações e
responsabilidades. Essa tomada de consciência auxiliará o
indivíduo a desempenhar e completar sozinho, com mais sucesso,
coerência e segurança, tarefas e desafios futuros (JOHNSON;
P á g i n a | 66

JOHNSON; HOLUBEC, 1999), sem deixar de perceber a importância


de sua responsabilidade na concretização dos objetivos de seu
grupo.
A interação face a face, terceiro elemento da metodologia,
é essencial para o aperfeiçoamento de habilidades sociais,
cognitivas e linguísticas. Johnson, Johnson e Holubec (1999)
afirmam que tais habilidades só podem ser aprimoradas no
processo de interação entre os participantes, pois, nessas situações,
o indivíduo verbaliza e partilha ideias, explicações, orientações, tira
dúvidas, ensina e ajuda os companheiros, analisa conceitos e
possibilidades, entre outras ações.
O quarto elemento objetiva ensinar aos estudantes algumas
competências sociais e grupais. Para Pojulàs (2001), a construção
da confiança, do diálogo, do respeito às diferenças e a resolução de
conflitos são competências que não são inatas, por isso precisam
ser desenvolvidas e aprimoradas, devendo a escola construir
situações que levem os estudantes a se engajarem em contextos em
que necessitam dessas competências. Quanto mais complexa a
competência social exigida, maior será o aproveitamento, o
rendimento e o aprendizado do grupo. “O grupo é mais do que a
soma de suas partes, e todos os alunos têm um melhor desempenho
do que se tivessem trabalhando sozinhos” (JOHNSON; JOHNSON;
HOLUBEC, 1999, p.7).
Por fim, o quinto e último elemento é a avaliação grupal.
Johnson, Johnson e Holubec (1999) dizem que, nessa fase, os
participantes avaliam e analisam em que medida as tarefas foram
realizadas e os objetivos alcançados, considerando as regras, os
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papéis, as responsabilidades e a participação de cada um no todo.


A avaliação precisa ser sistemática e periódica para mensurar
qualitativamente o desempenho de cada um, avanços, erros,
acertos, aprendizados e nortearem comportamentos e mudanças,
caso sejam necessários. É importante ressaltar que, nessa proposta,
a avaliação não é realizada como uma espécie de castigo ou
julgamento entre os participantes, mas, na verdade, um
empreendimento diagnóstico através do qual os estudantes
possam analisar sua aprendizagem, com vistas a se perceber como
protagonistas desse processo.
É importante ressaltar, ainda, como brevemente
comentado, que as atividades que se desenvolvem com base na
aprendizagem cooperativa são amparadas num contrato
cooperativo. Esse documento é elaborado quando os estudantes, já
divididos em equipes, firmam um acordo entre si, estipulando
comportamentos e regras pelos quais o grupo serão norteados para
que se cumpram os objetivos da atividade. O contrato serve de base
para que eles dividam suas funções, estabeleçam metas a serem
alcançadas, organizem ideias e escrevam seus sucessos e
dificuldades. Obviamente, nas primeiras produções, é possível que
nem sempre os estudantes cumpram as cláusulas elaborados por
eles, mas, conforme se acostumam com a metodologia, perceberão
a importância do documento para o cumprimento das atividades.
Nessa realidade, na tentativa de desfavorecer a
metodologia, muitos críticos afirmar que, na aprendizagem
cooperativa, o professor não tem função, sendo um personagem
marginal. Pelo contrário, o docente assume papel também
P á g i n a | 68

protagonista, pois é ele que deverá oferecer condições


metodológicas necessárias para que os estudantes possam se
engajar nas atividades propostas, concretizando uma experiência
cooperativa com a aprendizagem. Também cabe ao professor
mediar discussões, fazer intervenções, levantar hipóteses, ajudar
na solução de conflitos, questionar posturas, tirar dúvidas. Na
verdade, o que faz a aprendizagem cooperativa, tal como elaboram
Johnson, Johnson e Holubec (1999), é, como já vem sendo
ressalvado em concepções histórico-críticas do processo de ensino
e aprendizagem, horizontalizar as interações que permitem a
construção dos conhecimentos curriculares, centralizando, nessa
realidade, a figura do aluno na tensão interativa em que acontecem
as relações sociais.
É óbvio que, como uma metodologia que quebra
paradigmas e inverte as relações/papéis sociais que já estão
cristalizados na instituição escolar, construir situações didáticas
totalmente embasadas na aprendizagem cooperativa torna-se
desafiador, já que o professor pode ser questionado pelos pares e,
inclusive, pelos próprios pais e alunos. Em decorrência disso, as
instituições que adotam a metodologia cooperativa como recurso
têm preferido realizar uma espécie de contrato com pais e alunos
quando da matrícula destes na escola, a fim de que, mesmo ainda
não acostumado com essa maneira de aprender, o estudante esteja
ciente de seu papel e, de fato, se habilite a participar das dinâmicas
promovidas.
Nessa medida, entendemos que a aprendizagem
cooperativa dialoga com uma perspectiva dialógica de ensino, nos
P á g i n a | 69

moldes discutidos por Bakhtin (2006) e Freire (2014). Segundo


pode-se inferir do pensamento desses autores, os sujeitos se
formam e se entendem via linguagem, num processo de alteridade
incessante, ou seja, é no/pelo/a partir do outro que nos
reconhecemos. A aprendizagem cooperativa, por construir uma
interação calcada nas diferentes relações mediadas pela linguagem,
em que cada sujeito terá que assumir uma postura responsivo-ativa
no processo, ao mesmo tempo em que exerce papéis sociais que
efetivam relações de poder horizontais entre os estudantes,
instaura esse processo que desverticaliza a aprendizagem,
expurgando um viés autoritário, dando vez a uma perspectiva
alteritária. Por isso, acredita-se que a aprendizagem cooperativa,
na direção do que viemos discutindo, permite a assunção de um
sujeito que, ao mesmo tempo que é responsivo, sabe da
necessidade do(s) outro(s) para se entender, se engajar e analisar
criticamente as práticas sociais de que participa.
No que se refere ao ensino de leitura, percebemos que a
aprendizagem cooperativa oportuniza o compartilhamento de
pontos de vista entre os alunos, o que, no processo de produção de
sentidos, angaria o levantamento de hipóteses e proporciona o
entendimento de que o texto não possui um sentido estável, mas
que é o concurso tensivo de compreensões que o faz funcionar
como objeto de interação. Desse modo, acreditamos e defendemos
que a adoção da aprendizagem cooperativa no ensino de leitura
permite ampliar as diferentes compreensões que podem ser
articuladamente somadas e negociadas pelos estudantes com base
nos diferentes conhecimentos que mobilizam no evento interativo.
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Tendo esses pressupostos em vista, a partir de agora,


delineamos um diálogo entre o ensino de leitura numa proposta
dialógico-interacionista e a aprendizagem cooperativa, apostando
na crença de que esta potencializa e concretiza os objetivos
daquele. Realizamos isso apresentando uma proposta de atividade
que assume os pressupostos de ambas, com vistas a efetivar um
ensino de leitura mais calcado na formação de leitores cada vez
mais responsivo-ativos.

PROPOSTA DE ATIVIDADE: CONFLITOS DE INTERESSES


(RE)VELADOS EM REDES SOCIAIS
A presente proposta de atividade, voltada para estudantes
de ensino médio, considera os abaixo referidos objetos de
conhecimento e habilidades da Base Nacional Comum Curricular –
BNCC (BRASIL, 2018) no que se refere ao campo de atuação na vida
pública:

Quadro 2: Objetos de conhecimento e habilidades contemplados


pela atividade
OBJETOS DE
HABILIDADES
CONHECIMENTO
(EM13LP01) Relacionar o texto [...] na
leitura/escuta, com suas condições de
produção e seu contexto sócio-histórico de
circulação (leitor/audiência previstos,
objetivos, pontos de vista e perspectivas,
papel social do autor, época, gênero do
Participação em discurso etc.), de forma a ampliar as
discussões de temas
P á g i n a | 71

controversos de possibilidades de construção de sentidos e


interesse da turma e/ou de análise crítica [...].
de relevância social. (EM13LP03) Analisar relações de
Relação do texto com o intertextualidade e interdiscursividade que
contexto de produção e permitam a explicitação de relações
experimentação de dialógicas, a identificação de
papéis sociais posicionamentos ou de perspectivas [...],
entre outras possibilidades.
(EM13LP06) Analisar efeitos de sentido
decorrentes de usos expressivos da
Procedimentos e linguagem, da escolha de determinadas
gêneros de apoio à palavras ou expressões e da ordenação,
compreensão combinação e contraposição de palavras,
Reconstrução das dentre outros, para ampliar as
condições de produção, possibilidades de construção de sentidos e
circulação e recepção de uso crítico da língua.
(EM13LP11) Fazer curadoria de informação,
tendo em vista diferentes propósitos e
projetos discursivos.
Curadoria de (EM13LP12) Selecionar informações, dados
informação e argumentos em fontes confiáveis,
impressas e digitais, e utilizá-los de forma
referenciada, para que o texto a ser
produzido tenha um nível de
aprofundamento adequado (para além do
senso comum) e contemple a sustentação
das posições defendidas.
(EM13LP27) Engajar-se na busca de solução
para problemas que envolvam a
coletividade, denunciando o desrespeito a
direitos, organizando e/ou participando de
discussões, campanhas e debates,
produzindo textos reivindicatórios,
normativos, entre outras possibilidades,
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como forma de fomentar os princípios


democráticos e uma atuação pautada pela
ética da responsabilidade, pelo consumo
consciente e pela consciência
socioambiental.
Fonte: elaboração dos autores, a partir da BNCC (2018).

Considerando essas habilidades, partimos, então, para as


etapas que compõem a atividade. Ressaltamos que as indicações de
tempo são apenas sugestivas, uma vez que o professor deve
considerar o ritmo de sua turma. É importante considerar que, por
necessitar de pesquisas, a atividade deve ser realizada na sala de
informática ou, pelo menos, os estudantes precisarão ter acesso a
smartphones através dos quais possam fazer essas pesquisas.

1ª Etapa – 20 minutos
• Em papéis, considerando o número de alunos da turma,
escreva as seguintes funções sociais: Índio, Ambientalista,
Ruralista – a favor da PEC, Político 1 – a favor da PEC e
Político 2 – contra a PEC. Se sua turma tiver 30 alunos, por
exemplo, faça 6 papeizinhos com cada função, para formar
5 equipes representativas. Esse sorteio viabiliza que os
estudantes se unam não somente com aqueles com quem
tem mais intimidade, mas também com outros colegas, os
quais também podem contribuir com a construção de
conhecimento.
• Depois, solicite aos alunos que puxem um papel e se unam
com quem foi contemplado com a mesma função.
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• Peça aos alunos que construam o contrato cooperativo.


Nele, deve ser escrito aquilo que acreditam ser importante
para o cumprimento das atividades que serão propostas
(ex.: não conversar sobre assuntos paralelos, respeitar a
vez de falar dos colegas, não se ausentar, usar celular
principalmente para cumprir as atividades, respeitar o
tempo etc.). Além disso, no contrato, deve haver o nome e
as funções cooperativas de cada estudante da equipe.
Considere as seguintes funções:
a) controlador do silêncio – aquele que deve impedir que
sua equipe debata em tom muito alto, atrapalhando as
outras equipes;
b) controlador do tempo – aquele que cronometrará quanto
tempo deve ser dedicado para o cumprimento das
atividades, inclusive orientando os colegas acerca do ritmo
que empreendem para cumprir as atividades;
c) coordenador – aquele que deve solicitar a presença do
professor para tirar as dúvidas que surgirem e cuidará do
cumprimento das atividades e das cláusulas do contrato;
d) secretário – aquele que deve escrever o contrato, bem
como as atividades escritas que forem propostas;
e) organizador dos materiais – aquele que receberá os
materiais e os entregará ao professor.

Ressaltamos que, a depender do número de alunos de sua


turma, as equipes poderão variar em quantidade, de modo que é
possível um mesmo integrante realizar mais de uma função ou uma
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mesma função ser dividida entre dois alunos. Comente com eles a
importância de que considerem suas habilidades para assumir a
função.
• Certifique-se de que todo o processo cooperativo foi
realizado para poder partir para a etapa seguinte.

2ª etapa – 30 minutos
• Pergunte aos alunos o que sabem sobre demarcação de
terras indígenas. Debata com a turma e construa com eles
alguma bagagem prévia acerca desse tema.
• Leia com eles a notícia abaixo:

Primeira indígena eleita deputada federal alerta para perigo de


retrocessos

Marcela Diniz
13/11/2018, 17h25 - ATUALIZADO EM 13/11/2018 - 18h10

Primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, Joênia Wapixana


falou em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa (CDH) do Senado que um de seus desafios será
fazer frente a projetos como a PEC 215, que transfere da FUNAI para o
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Congresso a decisão sobre demarcações em terras indígenas. A


presidente da CDH, senadora Regina Sousa (PT-PI), reafirmou o
compromisso do colegiado com as questões indígenas.

Adaptado de https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/primeira-
mulher-indigena-eleita-para-a-camara-dos-deputados-alerta-para-o-
perigo-de-retrocessos-nos-direitos-dos-indios. Acesso em 13 abr. 2019.

• Apresente a eles também o texto da PEC 215 citada no


texto. Ao longo dessa discussão, você pode perguntar a eles
se sabem o que é uma PEC e, caso a maioria não saiba,
pode-se orientar a pesquisa acerca do assunto. Quando
todos souberem o que é uma PEC, é interessante discutir o
que significa a proposta apresentada pelo texto. Também,
sugerimos que os estudantes pesquisem em sítios da
internet quais os possíveis benefícios e malefícios da PEC.

[...]
Inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de
demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação
das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e
procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.
[...].
Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao
=14562. Acesso em 4 out. 2020.
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3ª etapa – 50 minutos
• Após um debate inicial com os estudantes, solicite que eles,
considerando as funções sociais e, por isso, os devidos
posicionamentos que defendem, produzam o rascunho de
uma publicação a ser realizada no Facebook emitindo uma
opinião acerca da notícia que leram.
• Para que produzam o texto e melhor entendam os
discursos evocados pela função social a eles imbuída, peça
ao organizador dos materiais que pesquise textos que
possam ajudá-los a construir suas opiniões. Por exemplo, a
equipe que está imbuída pela função social ruralista pode
procurar, em sítios da internet, quais as opiniões
defendidas por esses atores acerca do assunto tratado.
• Ressalte aos estudantes que, mesmo não concordando com
a função social sorteada, é necessário que, ao longo da
atividade, valorem o tema em acordo com os discursos
defendidos pela função a eles atribuídas.
• Acompanhe sempre a produção dos rascunhos e a
pesquisa dos estudantes, fazendo intervenções e
fomentando discussões.

4ª etapa – 75 minutos
• Crie um grupo no Facebook ou uma página no Instagram
com o nome Discutindo sobre a demarcação de terras
indígenas e adicione os estudantes ou peça para que eles
entrem/sigam.
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• Solicite aos alunos que façam uma nova divisão na equipe,


que deve ser anotada no contrato cooperativo: postador,
comentarista, curtidor, replicador. Ressalte a eles que
considerem suas habilidades na realização da divisão. À
semelhança da atividade anterior, a depender da
quantidade de alunos de sua turma, mais de um aluno pode
assumir uma mesma função ou duas funções diferentes
podem ser exercidas por um mesmo aluno.
• Solicite que eles postem no grupo/na página o texto que
produziram.
• Depois da postagem, peça que os comentaristas façam um
comentário em, pelo menos, duas postagens realizadas por
outras equipes, discutindo a opinião dos colegas. Eles
podem, ainda, compartilhar charges, notícias, trechos de
documentos oficiais (como a Constituição Federal),
discursos proferidos por pessoas engajadas na questão, a
fim de amparar suas discussões.
• Além disso, peça que reajam às postagens de todas as
equipes, considerando o posicionamento que defendem.
Por exemplo, é estranho que o latifundiário reaja com

(reação de coração) a uma postagem de um


indígena, já que ambos defendem posicionamentos
diferentes. Lembramos, porém, que, como sujeitos
responsivos, é sempre interessante analisar o objetivo da
reação do estudante, já que sua escolha sempre será
estratégica.
P á g i n a | 78

• Aos replicadores, solicite que respondam a, pelos menos,


dois comentários realizados nas postagens, a fim de
fomentar ainda mais a discussão.
• Lembre os estudantes de considerarem uma linguagem
adequada ao ambiente virtual, bem como de serem
respeitosos ao interagirem com os colegas.
• Acompanhe a discussão dos alunos e, se possível, fomente
o engajamento deles, a fim de que as interações não fiquem
mecânicas.

5ª etapa – 25 minutos
• Por fim, solicite aos estudantes que debatam entre si as
cláusulas do contrato e marquem com x aqueles que foram
bem realizadas pela equipe. Caso haja alguma que não
tenha sido cumprida satisfatoriamente, peça que
expliquem por que não conseguiram concretizá-la,
ressaltando que isso não os prejudicará. A intenção é
apenas que eles autoavaliem suas atitudes.
• Peça, ainda, que eles escrevam as dificuldades que
encontraram ao longo do desenvolvimento das atividades.
Isso servirá para que você, professor ou professora, faça
um diagnóstico da atividade e possa planejar outras aulas.
• Receba os contratos cooperativos e, em momento
oportuno, dê sugestões de como os estudantes poderiam
sanar os problemas que tiveram.
P á g i n a | 79

Avaliação
A atividade poderá ser avaliada com base no engajamento
dos alunos ao longo do processo. O professor pode, também,
utilizar-se do contrato cooperativo para analisar como os
estudantes organizaram-se para cumprir as propostas. Pode-se
utilizar os seguintes critérios:

Quadro 3: Possíveis critérios de avaliação da atividade


Engajamento nas atividades;
Leitura crítica dos textos, com base nos contextos de produção e nos
propósitos comunicativos dos gêneros que arquitetam o enunciado;
Pesquisa de fontes para acurácia de informações/fontes;
Interação respeitosa com os colegas;
Adequação linguística às situações comunicativas propostas ao longo
das atividades;
Aprofundamento discursivo nas discussões via redes sociais;
Participação nas atividades cooperativas propostas.
Fonte: elaboração dos autores.

COMENTÁRIOS E IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS


Esta atividade permite que os alunos evidenciem a leitura
crítica dos textos lidos e analisem os conflitos de interesse que se
revelam pelos discursos evocados via linguagem. Além disso,
objetivamos, com isso, que eles interajam, também via leitura,
debatendo um tema caro à sociedade brasileira. Além disso, é
necessário que, a partir da compreensão da postagem, eles
evidenciem letramentos digitais críticos no momento de reagirem
aos textos lidos.
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Como sugestão, você pode trabalhar outras temáticas,


inclusive alguma que seja pertinente ao espaço da comunidade dos
estudantes ou à escola. Isso pode promover uma discussão ainda
mais engajada.
Caso não disponha do aparato necessário para realizar a
atividade, você pode imprimir os textos necessários à leitura.
Quanto à produção das publicações, imprima uma folha que se
assemelhe ao espaço que o Facebook dispõe para publicações. As
folhas escritas podem circular pela sala, a fim de que as postagens
sejam comentadas, replicadas e curtidas pelos demais estudantes.
Você pode, ainda, caso não queira artificializar a discussão
do Facebook, promover um debate oral. Se optar por isso,
considere o tempo de fala de cada representante, bem como de cada
replicador. Faça sorteios para definir quem debate com quem, a fim
de tornar a discussão bem sólida e amistosa. Elabore, para isso,
uma sequência didática que viabilize a elaboração desse gênero
oral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo norteador deste trabalho foi apresentar a leitura
em sua face dialógica e, por isso, como interação em função da qual
se tensionam pontos de vista, discursos e ideologias. Em função
dessa defesa, acreditamos ser urgente trabalhar com uma
abordagem como essa nas atividades escolares, uma vez que os
estudantes já estão imersos em práticas sociais em que, muitas
vezes, discursos de ódio são proclamados. É necessário, por isso, se
adotamos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996)
P á g i n a | 81

como documento norteador da prática pedagógica, formar


cidadãos capazes de analisar criticamente ideologias e adotar um
ponto de vista ético e humanitário em sua ação social.
Para apresentar uma proposta de ensino que foque a
leitura conforme essa ótica, mobilizamos as concepções
bakhtinianas acerca do processo de interação e, a partir de Andrade
(2020), vimos como a leitura é pensada à luz da Teoria Dialógica do
Discurso. Em correlação com essa proposta, articulamos a
metodologia aprendizagem cooperativa, por acreditarmos que ela
engaja os alunos em situações interativas que visam resolver
problemas ao mesmo tempo que, em cooperação com os colegas,
elaboram conhecimentos com base em suas capacidades.
Articulando essas teorizações, apresentamos uma
proposta de atividade de leitura em ambientes digitais que parte do
tema demarcação de terras indígenas. A escolha dessa temática é
providencial por ela concretizar uma arena discursiva em função
da qual diversos atores sociais defendem pontos de vista e
ideologias, com base em seus interesses. Em função disso, orienta-
se que os estudantes assumam a posição desses atores, fazendo
pesquisas e acurando fontes/informações, não para introjetar
discursos em si mesmos – até porque não acreditamos que os
alunos sejam massa de manobra –, mas a fim de
desenvolver/refinar a percepção de que toda construção de
linguagem é estrategicamente elaborada por um sujeito que não é
atravessado por ideologias, mas, na verdade, que as arquiteta a fim
de conseguir a adesão de seu(s) interlocutor(es). Se assim o é,
P á g i n a | 82

portanto, é necessário um leitor que saiba fazer essa complexa


análise dos enunciados.
Acreditamos, assim, que, para além de pensar a leitura com
base numa proposta dialógico-interacionista, é necessário,
também, tal como aqui fizemos, lançar propostas de ensino que
auxiliem os docentes a efetivarem seu ensino conforme essa
abordagem teórica. Isso é importante por defendermos que
somente uma concepção teórico-metodológica como essa ser capaz
de formar sujeitos habilidosos na análise crítica das construções
linguístico-discursivas com as quais interagem.

REFERÊNCIAS
AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin:
outros conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2018, p. 95-
114.

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proposta dialógico-interacionista. Línguas e Letras, Cascavel, v. 21,
n. 49, p. 48-66, 2020.

BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato. Tradução de Carlos


Alberto Faraco e Cristovão Tezza da edição americana Toward a
philosophy of the act. Austin: University of Texas Press, 1993.
(tradução destinada exclusivamente para uso didático e
acadêmico).

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Maria


Ermantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.

BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem.


Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São
Paulo: Huditec, 2006.
P á g i n a | 83

BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de


Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

BRAGGIO, S. L. B. Leitura e alfabetização: da concepção


mecanicista à sociopsicolinguística. Porto Alegre: Artes Médicas,
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<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular.


Brasília: MEC/SEF, 2018. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 31 jul. 2019.

CARVALHO, F. Trabalho em Equipe, Aprendizagem Cooperativa e


Pedagogia da Cooperação. São Paulo: Scortecci, 2015.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


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KOCH, I. V. G.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto.


3. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

LOPES, J; SILVA, H.S. A aprendizagem cooperativa na sala de aula:


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Perspectiva, Florianópolis, v. 17, n. 31, p. 11-19, jan./jun. 1999.
P á g i n a | 85

A LEITURA NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA DA


7ª SÉRIE, DO ENSINO BÁSICO MOÇAMBICANO

Prof. Dr. Enísio Guilhermina Cuamba


Prof. Me. Brain Daniel Tachiua
Prof. Me. Maurício Bernardo Cigarros

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar as questões de leitura


propostas no livro didático de Língua Portuguesa da 7ª série do ensino básico
moçambicano. A partir dele, serão discutidos os procedimentos de leitura, isto é, as
etapas de leitura, designadamente: decodificação, compreensão, interpretação e
retenção. A escolha de textos a serem lidos em sala de aulas tem sido uma tarefa
complexa para os professores neste nível de ensino, pois algumas atividades
propostas nos manuais não abarcam as etapas sobreditas e as escolas carecem de
materiais de apoio ao processo de ensino e aprendizagem (MEC, 2011). A
metodologia usada para a concepção do presente estudo foi a consulta bibliográfica
e a análise documental. O aporte teórico usado basea-se nas abordagens inerentes
a leitura no campo de ensino e aprendizagem, segundo autores como: Dionísio
(2000); Kaufman (1995); Kleiman (2002); Lakatos e Marconi (1992); Marcuschi
(2001); Menegassi (1995); Santos (2006); Soares (1998); Solé (1998); Sousa
(2007); Leffa (1996); e Valadares (2003). Chegou-se à conclusão que, as atividades
de leitura analisadas privilegiam a concepção de leitura que concede foco no texto,
ou seja, processamento de leitura ascendente. Nesse modelo, a leitura corresponde
à decodificação do texto.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura, concepções de leitura, etapas da leitura.

INTRODUÇÃO
Está presente nas Políticas Públicas de Educação, em
Moçambique a ideia segundo a qual a educação desempenha um
papel fulcral na dinâmica das componentes crescimento econômico
e desenvolvimento social, promovendo o bem-estar dos cidadãos e
garantindo que os mesmos desfrutem dos benefícios do progresso
científico e tecnológico. E mais, a Política Nacional de Educação em
Moçambique tem, entre outras atribuições, a missão de avaliar,
monitorar e supervisionar os projectos políticos-pedagógicos e
P á g i n a | 86

gerir as instituições educacionais, procurando adequar o sistema


educativo às mudanças sociais, económicas, políticas e culturais.
Essa dimensão importante do desenvolvimento humano
pode ser avaliada recorrendo a fusão de dois indicadores de
crescimento presentes no Relatório Nacional de Desenvolvimento
Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD, 2001), nomeadamente: alfabetização de jovens e adultos e
a taxa de escolarização conjunta do primeiro, segundo e terceiro
níveis de ensino. Assim, o ensino da leitura constitui um dos
elementos centrais para a materialização desses interesses, como
sustentam Martins e Sá (2008) ao destacarem que, compete à
escola, por meio da ação dos professores e de outros agentes que
nela se integram e da influência dos manuais (…) colmatar as
graves lacunas detectadas em estudos sobre a literacia.
Este artigo discute as questões de leitura do manual de
Língua Portuguesa da 7ª série com vista a analisar as etapas do
processo de leitura. Partimos do pressuposto segundo o qual a
leitura naquele contexto de ensino e aprendizagem está
centralizada no texto como elemento preponderante sobre o qual
toda a produção de sentidos deve se guiar.
O Plano Curricular do Ensino Básico, que apresenta as
perspetivas e as diretrizes do currículo do ensino fundamental e
obrigatório de nove classes, preconiza que este nível de ensino é de
importância capital para a estratégia de desenvolvimento do país,
garantindo o efetivo exercício da cidadania e o desenvolvimento
dos recursos humanos.
P á g i n a | 87

Dessa forma, a leitura escolar torna-se um dos vetores


centrais do processo de ensino e aprendizagem, permitindo que ela
seja objeto de conhecimento e instrumento para a aquisição de
novas aprendizagens. Assim, o professor precisa de ser capaz de
selecionar os melhores materiais de apoio à leitura em sala de aula,
ao mesmo tempo que saiba aplicar os textos por si adotados
(BARROS; TAMANINI, 2009), partindo sempre do pressuposto de
que existe um programa a ser cumprido e um livro didático imposto
pelo sistema.
Para Kaufman (1995, p. 45),

a tarefa de selecionar materiais de leitura para os alunos é, em


todos os níveis e modalidades de educação, uma das tarefas
mais árduas que o professor tem de assumir em sua atividade
pedagógica. Selecionar implica avaliar e, portanto, acatar o
caráter de objeto passível de avaliação de todos os materiais de
leitura: os objetos a selecionar passam a estar sujeitos a juízos
racionais em função de diversos critérios a determinar.

A selecão de materiais a serem usados nas aulas de leitura


exige do professor uma certa competência que muitos professores
primários carecem em função do contexto de sua formação breve e
da carência de materiais de apoio à lecionação e aprendizagem, isto
é, nas escolas, grosso modo, não há espaços com recursos
bibliográficos disponíveis para os alunos e professores. Aliás, quem
seleciona materiais deve se guiar por uma série de critérios
aprioristicamente viáveis, o que corresponderia a ter não só a
capacidade de escolher textos, mas também a capacidade de avaliar
continuamente a fiabilidade das atividades daí decorrentes. E isto
só pode ser viável se, na escola, for inserida na programação das
aulas de língua portuguesa , sistematicamente, um momento
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dedicado a atividades de leitura e escrita centradas em livros ou


textos propostos pelos professores ou sugeridos pelos alunos
(LAKATOS; MARCONI, 1992).
Noutras vezes, os professores sentem-se inibidos na
escolha de materiais auxiliares à leitura porque a escola impõe que
sejam usados os livros adotados pelo Ministério de Educação e
Desenvolvimento Humano, primeiro, porque todos os alunos têm
acesso a eles sob forma de distribuição gratuita e segundo, porque
os gestores escolares utilizam mecanismos de controlo dos
materiais usados, penalizando os que não respeitam às normas
internas. Assim, o professor sente-se condenado a usar os livros
didáticos disponíveis.

1. A LEITURA NO ENSINO BÁSICO


Na educação básica moçambicana, a leitura é concebida
como uma componente da alfabetização e da literacia. A
alfabetização é entendida como a “aquisição e aplicação de
habilidades básicas de leitura, escrita e cálculo” enquanto a
literacia é a “comunicação básica por meio da leitura e escrita no
domínio da vida” (CM, 2011, p. 4-5).
Para Marcushi (2001), a alfabetização é um aprendizado
mediante o ensino e compreende o domínio ativo e sistemático das
habilidades de leitura e escrita. Tais habilidades podem ser
adquiridas em contexto escolar ou familiar. Por exemplo, em
Moçambique, a alfabetização pode ocorrer em escolas básicas ou
fora delas mediante o Programa de Alfabetização e Educação de
Adultos. Na mesma senda, Santos (2006, p. 47) sugere que, o
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professor de Português ao ensinar a leitura/compreensão de textos


didáticos, deve ter a consciência de estar a atuar no domínio da
alfabetização e o seu procedimento tem de ser de âmbito de
construção de sentidos. Por isso, continua o mesmo autor, é
recomendável que o professor utilize nas suas aulas textos de
outras disciplinas programáticas, de forma a que o aluno ao
aprender a língua, aprenda outras matérias de ensino.
Desde a época colonial, a existência de pessoas que não
sabem ler nem escrever foi notória, por isso o combate ao
analfabetismo está em pauta em todas as matrizes curriculares
moçambicanas. Tal fato, revela a preocupação constante em
alfabetizar as pessoas, mas não basta apenas aprender a ler e a
escrever. As pessoas precisam de adquirir competências para usar
a leitura e a escrita para fins utilitários, ou seja, por meio da
alfabetização as pessoas deveriam se envolver em práticas sociais
de escrita (SOARES, 1998). Nesses casos, estaríamos a falar de um
fenômeno diferente da alfabetização, a literacia. Na literacia, a
leitura e a escrita devem se tornar uma ponte pela qual os
indivíduos se descobrem ou sejam capazes de resolver as mais
diversas questões cotidianas.
Em Moçambique, o conceito de literacia tem sido usado,
muitas vezes, como sinônimo de alfabetização (aquisição de
códigos alfabético e numérico), talvez seja por isso que,
recentemente, tenha entrado para o vocabulário das pesquisas
sobre a educação básica o conceito de letramento escolar como
efeito direto de estudos que alguns moçambicanos têm feito no
Brasil, em programas de pós-graduação.
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Nesse sentido, o conceito de letramento escolar deve ser


tratado com alguma cautela. O letramento escolar não é
alfabetização, mas depende desse processo para o seu
aprimoramento, pois assegura que o indivíduo aprenda a ler e a
escrever para depois se apropriar da escrita para usá-la
socialmente.
No contexto extra-escolar, as pessoas crêem que ler
consiste, exclusivamente, em oralizar a grafia, por meio da
codificação e decodificação do texto, isto é, devolver a voz à letra
silenciosa, sem buscar os sentidos veiculados pelo texto. Trata-se
de uma concepção tradicional que dá privilégio ao reconhecimento
do material linguístico do texto. Porém, atualmente, a leitura é vista
como sendo um ato que vai muito além da decodificação. Para Solé
(1998, p. 18), a leitura é um processo em que “o leitor é um sujeito
ativo que processa o texto e lhe proporciona seus conhecimentos,
experiências e esquemas prévios”. Nessa orientação, o leitor atribui
sentido ao texto servindo-se da articulação ente a informação
presente no texto e os seus conhecimentos prévios.
De acordo com Sousa, (2007, p. 53), a leitura “é atividade
de reconstrução da significação por um leitor que lê o texto à luz do
seu universo de referência”. Essa autora, privilegia a relação que se
estabelece entre o sentido e o universo de referência de que fazem
parte o domínio de experiência e os conhecimentos prévios.
Na 7ª série, que é o nível sobre o qual incidem as nossas
reflexões, a leitura deve ser compreendida como sendo a interação
entre o leitor, o texto e o autor, como Solé (1998) sublinha ao referir
que a leitura é um processo de compreensão textual no qual
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intervêm quer o texto, a sua forma e conteúdo, quer o leitor, suas


expectativas e conhecimentos prévios. Em suma, a leitura é um
processo de (res)significação de textos sempre feita mediante uma
finalidade.

1.1. Concepções de Leitura


No cenário educacional moçambicano, as concepções de
leitura são pouco problematizadas talvez porque sejam noções
recentes para aquele contexto no qual a língua(gem) é concebida
como um sistema normativo e não uma prática social em torno da
qual as pessoas vêem o mundo. Com isso, deve-se romper o
conceito de que a leitura é difícil e desgastante, para isso o
professor jamais deve obrigar os alunos a lerem o que ele achar
mais conveniente, visto que, se a prática de leitura não for vista
como algo afável, dificilmente conseguiremos levar os alunos a
considerarem-na como importante para a sua vida escolar e social.
Segundo Solé (1998, p. 22) a leitura “é um processo de
interação entre o leitor e o texto;” no qual o leitor se orienta por
uma série de objetivos. Assim, o leitor deverá ser ativo,
processando e examinado o texto em função de um propósito.
Neste âmbito, Valadares (2003, p. 35) afirma que a leitura permite
a apropriação da informação veiculada pela escrita e o
desenvolvimento desta competência induz o enriquecimento do
potencial comunicativo e a expansão dos interesses individuais.
“Na sequência, Valadares (2003), citando Sim-Sim (1997, p. 28),
avança ao abordar a questão da leitura, que compete efectivamente
a escola fazer de cada aluno, um leitor fluente e crítico, capaz de
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usar a leitura para obter informação, organizar o conhecimento e


usufruir o prazer recreativo que a mesma pode proporcionar.
Na verdade, os propósitos que levam o aluno a ler são
vários, desde o preenchimento de momentos de lazer, informar-se
sobre um fato, ampliar um determinado conhecimento e aplicar a
informação em um contexto concreto de aprendizagem. Por
exemplo, a leitura da Bíblia Sagrada pode ser feita sob vários
enfoques a saber, o lazer – nas circunstâncias em que lemos como
forma de diversão para passar os tempos livres. Nesse contexto, o
exercício mental solicitado é menor do que quando fazemos uma
leitura para nos informarmos sobre um determinado versículo.
Aliás, se fizermos uma leitura aprofundada cujo objetivo central
seria ampliar um certo conhecimento, o esforço mental será maior,
por conseguinte, a fixação nos objetivos também (um estudo
bíblico).
Para Leffa (1996), a leitura é concebida sob duas
perspetivas distintas: a extração do significado e a atribuição de
significado ao texto. No primeiro caso, dá-se centralidade ao texto
como repositório de sentidos que deverão ser “buscados” pelo
leitor. Assim, o texto assume-se como o guia/fonte do significado,
isto é, a leitura é vista como um processo de transferência unilateral
de sentidos do texto para o leitor.
Esta definição corresponde ao modelo estruturalista (foco
no texto) cuja essência reside na descodificação, ou seja, “ o leitor,
perante o texto, processa seus elementos componentes, começando
pelas letras, continuando com as palavras, frases em um processo
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ascendente, sequencial e hierárquico que leva a compreensão do


texto.” (SOLÉ, 1998, p. 23)
No segundo caso, dá-se privilégio ao leitor enquanto
entidade cosmopolita, pois ele se serve dos indícios que o texto
apresenta e os seus conhecimentos prévios para construir o
sentido do texto. Deste modo, estaríamos a dizer que quanto maior
for o domínio de experiência do leitor, maior será a possibilidade
de construção do sentido.
Este seria o modelo descendente no qual o leitor utiliza o
seu conhecimento prévio e os seus recursos cognitivos para
estabelecer antecipações sobre o conteúdo do texto, fixando-se
neste para verificá-las. Este modelo é sequencial e hierárquico à
semelhança do primeiro, no entanto, diferem-se pelo levantamento
de hipóteses e antecipações prévias que não ocorrem naquele.
Diante das limitações dos dois modelos anteriores, Solé
(1998) sugere o modelo interativo cuja concepção do sentido se dá
na interlocução entre o autor, texto e leitor. Desse modo, tanto o
texto quanto o leitor são relevantes para o processo de leitura
desde que haja afinidade entre ambos, ou seja, para além da atitude
dialógica do leitor perante o texto, recomenda-se que este se sirva
dos conhecimentos prévios e das estratégias de leitura,
designadamente: predição e inferências para dar conta do sentido.
Assim, exige-se que o leitor seja uma figura ativa e capaz de
proceder constantemente a emissão e a verificação de hipóteses
que o conduzam à construção e ao controlo da compreensão.
Sob tal perspetiva, a educação básica moçambicana
deve(ria) adoptar esta visão de leitura porque faz dos seus agentes
P á g i n a | 94

elementos ativos e hábeis. A formação de leitores hábeis exige


mudança de práticas por parte dos professores, alunos e pais. Aos
professores cabe(ria) a missão de selecionar materiais de apoio à
leitura, com foco nas quatro etapas que abordaremos mais adiante.
Aos pais, cabe(ria) a responsabilidade de monitorar as atividades
complementares de leitura e aos alunos fica(ria) a tarefa de
resolver os questionários com entusiasmo e resolver as atividades
complementares de leitura.
De acordo com Kleiman (2002, p. 9) a compreensão textual
sugere um certo grau de complexidade como sendo a
“multiplicidade de processos cognitivos que constituem a atividade
em que o leitor se engaja para construir o sentido de um texto
escrito”, destacando-se as relações que o leitor estabelece com o
seu domínio de experiência e os indícios que o autor vai dando ao
longo do texto. É relevante que frisemos que as habilidades de
leitura são preponderantes para que o leitor possa construir o
sentido em função dos objetivos que o guião apresenta. Aliás, a falta
de habilidades de leitura pode, de certa forma, comprometer a sua
progressão , dificultando a mobilização das estratégias de
inferência e de predição.
Menegassi (1995) aborda sobre as quatro etapas da
leitura, a partir da visão de Cabral (1986): decodificação,
compreensão, interpretação e retenção.
Na decodificação, dá-se a ligação entre o reconhecimento
linguístico e o significado que ele fornece. Comumente, a
descodificação limita-se a identificação visual do material
linguístico. Esta etapa da leitura não é muito produtiva pois, no
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contexto escolar, o aluno não consegue construir o sentido a partir


do que lê, limitando-se a identificação de símbolos gráficos.
Em Moçambique, a decodificação é frequentemente
designada de “análise”, tendo em vista a sua incidência em questões
superficiais do texto como a mancha gráfica e os itens constitutivos
do texto (o material linguístico). No entanto, no Manual em análise
considera-se que toda a atividade de leitura é sinónima de
compreensão, o que não é correto.
A compreensão corresponde a uma etapa que vai mais
além do reconhecimento do material linguístico e dos aspetos
gramaticais, até à construção do sentido a partir desse material.
Nessa fase, sugere-se que o leitor mobilize o seu domínio de
experiência, ou seja, os seus conhecimentos prévios que serão
responsáveis pela compreensão textual se articulados com o
conteúdo do texto. Por outras palavras, podíamos dizer que a
compreensão exige que o leitor desenvolva afinidades com o texto,
caso contrário a compreensão ficará comprometida. Vale dizer, que
quanto maior for a relação entre o leitor e o texto, maior será a
possibilidade de compreensão textual.
A interpretação é o ato de extensão do conhecimento
anterior do leitor e do conteúdo do texto a situações concretas e em
conformidade com a capacidade crítica do leitor, ou melhor, seria a
capacidade que o leitor tem de interiorizar oconhecimento
construído a partir do texto, aproximando-a do seu dia-a-dia ou do
seu vocabulário.
A interpretação pode ser dirigida quando o autor delimita,
no texto, as suas intenções, mostrando os indícios do que é
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relevante no seu ponto de vista, ou não-dirigida, quando o conteúdo


do texto sugere múltiplas interpretações (MENEGASSI, 1995).
Assim, o leitor deve procurar identificar as pistas oferecidas pelo
texto para que não caia nos embaraços gerados pela polissemia.
No contexto escolar moçambicano, as etapas de
compreensão e da interpretação equivalem à mesma etapa
(compreensão) cuja essência seria a construção do sentido do
texto. Essa falta de distinção entre as etapas de compreensão e
interpretação tem as suas implicações a saber: a ausência de um
exercício de ampliação do sentido apreendido no texto; a falta de
aplicação da capacidade crítica; e a emissão de juízos de valor. Por
exemplo, perdemos a oportunidade de formar leitores capazes de
reagir aos mais variados temas em debate no quotidiano.
No nosso ponto de vista, a capacidade interpretativa
oferece autonomia ao leitor, pois é na etapa de interpretação que o
leitor desenvolve a crítica lhe faz responder ao que leu demarcando
o seu posicionamento.
A quarta e última etapa da leitura designa-se por retenção.
Consiste na memorização do que se leu. Há que reter a informação
essencial construída no dialogismo entre o texto, o leitor e o autor.
O fundamental dessa etapa é a capacidade de aplicação que o leitor
deve desenvolver, relacionando o que leu com as mais
diversificadas situações da vida. Para tal, no âmbito escolar, o
professor deve mediar atividades que conduzam ao
estabelecimento dessas relações. Qualquer processo de leitura
deve ser útil para o aluno na medida em que ele lê guiado por uma
série de interesses. Desta forma, o professor tem de capitalizar esse
P á g i n a | 97

interesse, fazendo com que, por exemplo, a leitura seja um ponto de


partida para a escrita direcionada e utilitária. Afinal, depois de uma
boa leitura escolar, pretende-se que o leitor seja um bom
escrevente.

1.2. Classificação de Perguntas e Respostas


No contexto escolar, a leitura deve ser ensinada com
objetivos claros para que não seja vista pelos alunos como um
elemento “opressivo” na medida em que o professor adote para
preencher os horários vagos ou para sancionar os que lêem mal. Há
necessidade do professor mostrar aos seus alunos que ela é útil
para a ampliação do conhecimento e abertura de horizontes
mentais a partir das relações que eles farão com o seu dia-a-dia.
Também caberá ao professor a missão de avaliar o processo de
leitura por meio de perguntas e respostas que permitirão conhecer
a evolução da sua classe. Daí que Solé (1998) apresenta
classificações em torno das relações entre perguntas e respostas
que podem ocorrer nos manuais escolares ou em atividades de
leitura.
- Perguntas de resposta literal: são aquelas cujas respostas
encontram-se literal e diretamente no texto. Este tipo de pergunta
não exige grande esforço mental pois o leitor vai buscá-la
simplesmente no texto, estimulando a preguiça dos alunos.
- Perguntas para buscar e pensar: são perguntas cujas
respostas podem ser deduzidas, realizando algum tipo de
inferência. Como podemos ver, neste caso, a complexidade mental
P á g i n a | 98

aumenta, pois o leitor é convidado a estabelecer relações entre os


diversos elementos disponíveis no texto.
- Perguntas de elaboração pessoal: são perguntas que
tomam o texto como referencial, mas cujas respostas não podem
ser deduzidas do mesmo, pois exigem a intervenção do
conhecimento e/ou a opinião do leitor. Neste caso, o grau de
complexidade é mais amplo, necessitando de um nível de maior
concentração e o uso de conhecimentos do leitor.
Menegassi (1995) aponta que é possível estabelecer
relações entre as etapas e a classificação de perguntas e respostas.
Assim, as perguntas de resposta literal equivalem ao processo de
decodificação; as perguntas para buscar e pensar relacionam-se à
compreensão do texto; enquanto as perguntas de elaboração
pessoal correspondem ao processo de interpretação, pois vão além
do limite do texto, apelando sobretudo ao conhecimento do leitor.
Em suma, os professores devem procurar desenvolver
atividades que considerem estes níveis, de tal modo que, os seus
alunos possam olhar para a leitura como algo proveitoso e não se
manter alheios aos processos, como pode acontecer se eles
utilizarem cegamente os manuais escolares, designadamente o de
Língua Portuguesa da 7ª série.

1.3. Análise de Dados


Neste artigo, analisamos o Manual de Língua Portuguesa
da 7ª série, tendo como objeto as atividades voltadas para a leitura.
O Manual em estudo foi aprovado pelo Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano e está sendo usado nas escolas de todo
P á g i n a | 99

o território nacional. Nas escolas públicas os livros são distribuídos


gratuitamente pelo Estado.
As atividades que acompanham os textos, de um modo
geral, distribuem-se em três áreas, nomeadamente: Compreensão
do texto, Funcionamento da língua e Oralidade e Escrita. A nossa
análise vai incidir exclusivamente na primeira área, tendo em vista
às questões de leitura. Daí que identificamos quatro textos da
unidade temática 1, designada, “A Família” e suas respetivas
atividades.

1.4. Análise das questões de leitura na unidade temática 1


“A Família”
Começamos a nossa análise pelo texto “Desculpas…”, que
se enquadra no género conversa direta em presença, no qual a
Dulce Conversa com a Gilda sobre a sua ausência às aulas nas
semanas anteriores.
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Figura 1: atividade de leitura

Fonte: (MUHATE, S. et al., 2008).

A questão 1.) é de resposta literal que está expressa no


texto. Assim, podemos afirmar que ela incide sobre o processo de
decodificação, pois o leitor se limita a fazer o reconhecimento do
material linguístico e o sentido daí resultante.
A questão 2.) é de elaboração pessoal, pois a resposta tem
em conta o texto, porém, exige a opinião do leitor. Esta pergunta
procura avaliar a habilidade de interpretação, no entanto, ela não
explora convenientemente a capacidade do leitor porque antes se
devia garantir que o leitor compreendesse o texto para depois
interpretá-lo.
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A questão 3.) é de resposta literal, pois a resposta está


exposta literalmente no texto. O leitor precisaria de apelar pela sua
capacidade de decodificação.
Finalmente, a questão 4.) que tem uma relação intrínseca
com a pergunta anterior, é uma pergunta ligada à decodificação
pois se exige que o leitor faça o reconhecimento de características
linguístico - estruturais do texto. Em síntese, podemos dizer que as
atividades vinculadas ao texto “Desculpas…” recaem
fundamentalmente sobre a decodificação. Quando a interpretação
ocorre, é apenas para que o aluno emita uma opinião. Deste modo,
podemos dizer que se privilegia uma abordagem de leitura
estruturalista centrada no texto, na qual o leitor recebe o sentido
do texto.
Um outro aspecto que podemos realçar nestas atividades é
que elas são bastante reduzidas o que não permite que, no contexto
escolar, o professor saiba se o seu aluno compreendeu o texto, por
conseguinte, se ele está em condições de criticar e refletir sobre
situações do dia-a-dia, como se sugere no preâmbulo: “No fim desta
lição, serás capaz de estabelecer uma conversa direta em presença,
usando corretamente os atos de fala e tendo em conta a situação de
comunicação” (MUHATE, et al, p. 2).
A segunda atividade de leitura está vinculada ao texto
“Bom Programa!” que apresentamos a seguir:
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Figura 2: Atividade de leitura

Fonte: (MUHATE, S. et al, 2008).

A questão 1.) relativa ao texto “Bom Programa!”, incide


sobre a etapa de decodificação, pois a resposta está expressa no
texto. O leitor não precisaria de fazer nenhuma inferência para
chegar a ela. Trata-se de uma pergunta de resposta literal que não
assegura que o leitor tenha compreendido suficientemente o texto,
afinal ele alcança a resposta sem nenhum esforço cognitivo. Diga-
se, de passagem, que os autores deste manual não tiveram “tempo”
para explorar o texto, pois podiam ter sido colocadas outras
questões antes da primeira. Aliás, geralmente, questiona-se sobre o
assunto principal do texto depois de ter colocado outras perguntas
antecedentes.
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A questão 2.) também recai sobre a descodificação, uma


vez que a sua resposta está diretamente no texto, não modificando
nada na visão do mundo do leitor. Podíamos designar de pergunta
de resposta literal.
A questão 3.) corresponde a compreensão, dado que exige
do leitor que relacione os seus conhecimentos anteriores com a
informação do texto. Trata-se de uma pergunta para buscar e
pensar, obrigando o leitor a fazer deduções.
As atividades de leitura sugeridas para o texto “Bom
Programa!” são muito reduzidas consequentemente não seguem as
quatro etapas de leitura. O texto é concebido como sendo um
repositório de sentido que deve ser buscado pelo leitor.
A terceira atividade de leitura é a do texto “O Postal” que
apresentamos a seguir.
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Figura 3: Atividade de Leitura.

Fonte: (MUHATE, S. et al., 2008).

A questão 1.), que é composta por duas solicitações: uma


sobre o remetente e outra sobre o receptor do postal, é do âmbito
da decodificação, visto que a sua resposta está expressa
explicitamente no texto. Por outras palavras, a pergunta é de
resposta literal. Portanto, o texto é o centro do sentido, significando
que estamos perante um modelo de leitura designado de
ascendente ou com foco no texto.
A questão 2.) é de natureza interpretativa, porque
contrariando o cenário anterior, ela exige que o leitor exerça um
trabalho cognitivo mais amplo, recorrendo à relação entre o seu
P á g i n a | 105

conhecimento do mundo e os dados textuais. Trata-se de uma


pergunta de elaboração pessoal.
A questão 3.) também corresponde à interpretação, pois
exige-se ao leitor que relacione os seus conhecimentos anteriores
com a informação veiculada pelo texto. Assim, diríamos que se trata
de uma pergunta de elaboração pessoal.
Um dos aspectos negativos desta atividade é que não se
respeita à hierarquia das etapas de leitura. Assim, nada prova ao
professor que os alunos tenham compreendido o texto, por
conseguinte, estejam em condições de retê-lo.
A seguir, apresentamos a atividade 4 construída sobre o
texto “Relato”.
P á g i n a | 106

Figura 4: atividade de leitura

Fonte: (MUHATE, S. et al. 2008).

A questão 1.) incide sobre a etapa de decodificação, dado


que a resposta ocorre de forma explícita no texto, cabendo ao leitor
a simples missão de transcrevê-la. Do ponto de vista da tipificação
da pergunta, diríamos que se trata de uma pergunta de resposta
literal decorrente da visão segundo a qual o texto tem o significado
que o leitor deve buscar de maneira integral.
A questão 2.) também incide sobre a etapa de
decodificação, porque o leitor encontra a sua resposta no texto, sem
necessidade de fazer grandes exercícios cognitivos. Trata-se de
uma pergunta de resposta literal.
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A questão 3.) corresponde a etapa de interpretação, uma


vez que o leitor constrói a sua resposta por meio da ampliação dos
seus conhecimentos, ou seja, se na etapa de compreensão ele
estabelece a ligação entre os seus conhecimentos prévios e o
conteúdo do texto, então na fase subsequente ele deverá expandir
esse conhecimento, emitindo juízos de valor ou estabelecendo
críticas. Porém, a interpretação “sobrevive a reboque da
compreensão”, isto é, para que o leitor possa criticar ele deve ter
compreendido o texto. Neste caso particular, os alunos correm o
risco de apresentar respostas diferenciadas, pois ele é obrigado a
interpretar um texto sem que se tenha garantido a compreensão do
mesmo.
Em suma, as atividades de leitura apresentadas no Manual
de Língua Portuguesa da 7ª série do ensino básico moçambicano
não permitem ao professor avaliar a leitura, porque as tarefas são
incipientes e feitas tendo em conta apenas, a dimensão textual.
Quando se focalizam as atividades no texto não se dá a
oportunidade para o aluno desenvolver as habilidades de leitura.
Deste modo, sugerimos que os professores adotem materiais de
apoio a leitura que perfaçam as quatro etapas e olhem para a leitura
na sua dimensão conciliatória. Deste modo, Dionísio (2000)
argumenta que, podemos ver a escola, no seu todo como
responsável pela criação de condições favoráveis aos diferentes
modos de leitura, como espaço que deve proporcionar situações
onde as experiências de leitura não sejam “dolorosas”, isto é, que
não associem o livro exclusivamente ao estudo imposto por outros
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e, em consequência, possam ser avaliadas como dignas de serem


repetidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades enfatizam a decodificação, o que significa, de
certo modo, que a leitura é entendida como o ato de “extrair o
significado do texto”(LEFFA, 1996). Nessa perspectiva, o leitor faz
o reconhecimento do material linguístico e do significado que ele
fornece. Esta tendência compromete a formação de leitores pois a
leitura não vai mais além da identificação visual das palavras, por
um lado. Por outro, o leitor torna-se passivo, por conseguinte,
devendo responder conforme a perspetiva do professor,
bloqueando toda a sua criatividade.
Seguidamente, não há clareza sobre o conceito de
compreensão, isto é, comumente, no Manual, todas as questões que
incidem sobre o texto são consideradas de compreensão, mesmo
que sejam de outra natureza. Por isso, sugerimos que façam
melhoramentos nas atividades de leitura presentes no Manual e se
adote uma perspetiva de leitura interativa com vista a se formar
leitores hábeis e ativos. Por exemplo, o título do manual: “Regras
de Comunicação”, que estamos analisando, ilustra a visão da língua
sob a perspetiva estrutural.
Portanto, Morais (2006), apud Martins & Sá (2008, p.243),
destaca que, os manuais escolares, particularmente os de Língua
Portuguesa, devem constituir um contributo para ajudar a formar
leitores. As autoras destacam ainda que, o manual escolar, como
promotor da compreensão leitora, deve permitir criar uma
P á g i n a | 109

atmosfera propícia à leitura, apresentando finalidades, objetivos a


atingir e competências aquando da prática da leitura. Isso
possibilitaria também por meio do manual escolar a criação de
leitores críticos e que sejam capazes de analisar os diversos
contextos que se apresentam em meio as situações sociais,
oportunizando uma aprendizagem que seja inclusiva e que abre
espaço para o aluno partilhar os seus conhecimentos de mundo,
hábitos e habilidades em benefício de toda a comunidade.

REFERÊNCIAS

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Boas Práticas.” In: AZEVEDO, F. Formar Leitores. Das teorias às
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P á g i n a | 111

A REPRESENTATIVIDADE E VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL


NA LEITURA E NA ESCRITA DOS LIVROS DIDÁTICOS DE
LÍNGUA PORTUGUESA PARA O ENSINO MÉDIO PÓS-LEIS
10639/03 E 11645/08

Prof. Dr. Alex Santana França

RESUMO: Apesar dos avanços tecnológicos e da enorme variedade de materiais


curriculares, atualmente disponíveis no mercado, o livro didático continua sendo o
recurso mais utilizado no ensino de Língua Portuguesa. Essa centralidade confere
ao livro didático estatuto e funções privilegiadas na medida em que é através dele
que o professor organiza, desenvolve e avalia seu trabalho pedagógico de sala de
aula. Para os estudantes, ele é um dos elementos determinantes no processo de
aprendizagem deles e na relação com este componente curricular. Entretanto, não é
difícil constatar que, de um modo geral, ele ainda omite ou apresenta, de uma
maneira simplificada e deturpada, o cotidiano, as experiências e o processo
histórico-cultural de povos africanos, afro-brasileiros e indígenas. Pretende-se
nesse artigo apresentar os resultados de recente investigação sobre obras para o
ensino de Língua Portuguesa para o Ensino Médio, publicadas entre 2000 e 2010, na
abordagem de conteúdos, imagens, representações e discursos sobre as populações
negras e indígenas. Infelizmente constatei que nos onze livros selecionados e
analisados há pouquíssimos textos que abordam questões relacionadas a esses
povos e muito menos aqueles produzidos por eles. Em relação às imagens, além da
quase ausência dessas pessoas, as poucas ilustrações presentes muitas vezes
reproduzem e reforçam a visão estereotipada, construída e disseminada
historicamente. Como referencial teórico, foram utilizados os estudos de François
Richaudeau sobre legibilidade e produção de livros didáticos, Cristiane Maria
D’Ávila e Ana Célia da Silva. Diante desses resultados, pretende-se reforçar a
necessidade do livro didático não só apresentar qualidade e veracidade dos
conteúdos, mas principalmente, atender às necessidades de um público
diversificado, dedicando-se a temas e questões multiculturais e pluridiscursivas.

PALAVRAS-CHAVE: Livro didático. Ensino de Língua Portuguesa. Diversidade


étnico-cultural. Lei 11645/08.

1. INTRODUÇÃO
O livro didático ainda é um dos materiais pedagógicos mais
utilizados pelos professores na educação básica, principalmente
nas escolas públicas, mesmo com a advento das novas tecnologias
de comunicação e informação. Na maioria das vezes, ele constitui-
P á g i n a | 112

se na principal fonte de estudo para os estudantes oriundos das


classes mais populares, servindo como recurso de leitura e de
aprendizagem nas suas casas, onde não se costumam comprar
jornais e revistas ou se têm dificuldades de acessar à internet.
Entretanto, sua importância não se restringe apenas aos seus
aspectos pedagógicos e às suas possíveis influências na
aprendizagem e no desempenho dos alunos no contexto atual. Ele
também é importante por seu aspecto político e cultural, na medida
em que reproduz e representa os valores da sociedade em relação
à sua visão da ciência, da história, da interpretação dos fatos e do
próprio processo de transmissão do conhecimento.
Diante dessa importância, é fundamental que esses
manuais, além da qualidade e veracidade dos conteúdos, atendam
às necessidades de um público diversificado, dedicando-se a temas
e questões multiculturais e pluridiscursivas. Entretanto, não é
difícil constatar que, de um modo geral, o livro didático ainda omite
ou apresenta, de uma maneira simplificada e deturpada, o
cotidiano, as experiências e o processo histórico-cultural de povos
negros e indígenas. De fato, o apagamento da importância da África
e do legado histórico das pessoas negras no Brasil, assim como a
histórias e culturas dos povos originários, é um processo longo que
fortaleceu a chamada supremacia branca no Ocidente. Como afirma
Ana Célia Silva (2004),

a ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial


parecem ter como causa fundamental o medo que a minoria
branca brasileira tem da maioria negra e mestiça, e do possível
antagonismo a ser gerado a partir da exigência de direitos de
cidadania e de respeito às suas diferenças étnico-culturais. Isso
porque a aceitação democrática das diferenças pressupõe
P á g i n a | 113

igualdade de oportunidades para os segmentos que


apresentam padrões estéticos e valores sócio-culturais
diferentes (SILVA, 2004, p. 47).

Assim, africanos, afro-brasileiros e indígenas foram


destituídos de valor e lugar de existência na historiografia brasileira
de diversas formas. A deturpação da história da África e dos
africanos, com faraós de narizes quebrados e embranquecimento do
Egito, o apagamento de figuras negras importantes da história
brasileira, como André Rebouças e Luiz Gama, a história dos povos
originários invisibilizada e sequer mencionada em currículos
escolares, o genocídio e a homogeneização das etnias indígenas.
Todos esses sujeitos foram descentrados pela perspectiva
eurocêntrica que avançou com o processo de colonização, ou seja,
eles passaram a se posicionar a partir de uma experiência que não
está alicerçada em sua própria história. Além das diversas formas
de apagamento, tem-se o estereótipo, que pode ser definido como

uma visão simplificada e conveniente de um indivíduo ou


grupo qualquer, utilizada para estimular o racismo. Ele
constrói ideia negativa a respeito do outro, nascida da
necessidade de promover e justificar a agressão, constituindo
um eficaz instrumento de internalização da ideologia do
branqueamento (SILVA, 2004, p. 47).

De fato, os povos africanos escravizados e indígenas foram,


ao longo da história, rotulados por diversos estereótipos, como
selvagem, primitivo e sem alma, acrescentando aos homens negros,
os qualificatios de mau, instintivo, demonizado, imoral e rebelde, no
intuito de justificarem sua sujeição e maus tratos, e, mais
especificamente, em relação às mulheres negras, foram também
caracterizadas como exóticas, lascivas e sedutoras, termos
P á g i n a | 114

utilizados para colocá-las como as causadoras da dissolução dos


lares e da corrupção moral dos homens brancos:

Desde a chegada do negro ao Brasil, o colonizador tenta


justificar a escravidão, a opressão e a marginalização a que é
submetido esse povo, através da atribuição de uma pretensa
inferioridade, e mesmo de uma não-humanidade. Mais tarde,
no século XIX, a classe dominante, apoiada nas teorias
científicas da época, desenvolvidas com o objetivo de expandir
ideologias inferiorizantes divulgadas por cientistas
estrangeiros e intelectuais brasileiros, procurou internalizar
no próprio negro e na sociedade em geral a noção de
inferioridade “natural” do negro, ao tempo em que promovia a
raça branca como o modelo de humanidade e perfeição (SILVA,
2004, p. 31).

Estudos sobre a estereotipia e caricatura de povos


afrodescendentes e indígenas no livros didáticos realizados por
diversos pesquisadores nas últimas décadas, como Norma Abreu
Telles, Regina Paim Pinto, Nelson Pretto, Luis Alberto Gonçalves,
Jonatas Conceição da Silva e Ana Célia da Silva, comprovam que,
como nos outros âmbitos sociais, os negros e os indígenas também
não estão satisfatoriamente contemplados nos espaços formais de
educação, onde muitas vezes eles não se enxergam e não se
reconhecem. Ainda segundo Ana Célia da Silva (2004),

o respeito às diferenças implica numa reciprocidade na


igualdade de relações. Como não é possível estabelecer
relações recíprocas de direitos e respeito em um sistema
baseado na exploração do outro, desenvolve-se toda uma
ideologia justificadora da opressão e inferiorização, objetivando
a destruição da identidade, da autoestima e do reconhecimento
dos valores e potencialidades do oprimido, com fins de
subordinação (SILVA, 2004, p. 31).

Por isso, o apagamento e presença de estereótipos desses


sujeitos nos livros didáticos podem contribuir ainda mais na
exclusão e na cristalização deles a funções e papéis estigmatizados
P á g i n a | 115

pela sociedade, na auto-rejeição e na baixa autoestima, que


dificultam a organização política desses grupos estigmatizados. O
professor também pode vir a ser um mediador inconsciente desses
discursos, se formado por uma visão acritíca das instituições e
práticas pedagógicas, e por uma ciência tecnicista e positivista, que
não contempla outras formas de ação e reflexão.
Como afirma Eliane Cavalleiro (2001), as práticas e
discursos racistas, comuns na sociedade brasileira, uma vez
consolidados de forma significativa no âmbito escolar, podem
gerar graves consequências na sociabilidade das pessoas
estigmatizadas:

A ausência de iniciativas diante dos conflitos raciais entre


alunos mantém o quadro de discriminação. Diante desses
conflitos o “silêncio” revela conivência com tais
procedimentos. Para a criança discriminada, indica
menosprezo pelo seu sofrimento. E principalmente, explicita
que ela não pode contar com nenhum apoio em outras
situações semelhantes (CAVALLEIRO, 2001, p. 153).

Além disso, ao veicular estereótipos que expandem uma


representação negativa do negro e do indígena e uma
representação positiva do branco, o livro didático está

expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta


das ideologias, das teorias e estereótipos de inferioridade/
superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação
pelo Estado, dos processos civilizatórios indígena e africano,
entre outros, constituintes da identidade cultural da nação
(SILVA, 2005, p. 23).

Nesse sentido, reconhecendo o compromisso que o Estado


brasileiro tem na construção de um ensino democrático e
atendendo antigas pautas dos movimentos negros e indigenistas
P á g i n a | 116

para a educação ao longo da história, no início de 2003 o então


presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alterou a lei n. 9394, de 1996
(que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional),
sancionando a lei n. 10639, que determina o ensino de história e
cultura da África e dos afro-brasileiros nas instituições de educação
básica públicas e particulares. Em 2008, o mesmo presidente
sancionou a lei n. 11.645, que altera a anterior, incluindo no
currículo comum do Ensino Fundamental e Médio, história e
cultura dos povos indígenas, o que representou outra conquista
importante desses movimentos sociais organizados, no que diz
respeito ao reconhecimento, à valorização e à afirmação de direitos
na educação. Este advento criou a imperiosa necessidade de
produção de material didático específico, adaptado aos vários
graus e às diversas faixas etárias da população escolar brasileira.
Entretanto, a atual lei não estabeleceu metas concretas
para a sua implementação, não previu ações mais efetivas para que,
por exemplo, as universidades reformulassem seus programas de
ensino dos cursos de graduação, especialmente os de licenciatura,
para formarem professores aptos a ministrarem esses conteúdos.
A impressão é de que as ações para esse ensino dependem apenas
do interesse e dos esforços de professores e de instituições
educacionais, muitas vezes restritas a projetos transdisciplinares
em períodos específicos, como os meses de abril e novembro. Em
relação ao livro didático, parece que não há um acompanhamento
satisfatório e fiscalização para que as editoras se adequem para
garantir a abordagem correta desses assuntos.
P á g i n a | 117

Assim, a proposta deste trabalho é investigar a veiculação


de conteúdos, imagens, representações e discursos voltados às
populações negras e indígenas nos livros didáticos de Língua
Portuguesa para o Ensino Médio. Nesta primeira etapa, foram
consultadas e analisadas oito edições destas obras, publicadas
entre os anos de 2000 e 2010, em volumes completos ou parciais:
Português: linguagens, de autoria dos professores William Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães (São Paulo, Atual Editora,
2009); Novas palavras: volume único, produzida pelos professores
Emília Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite e Severino Antônio
(São Paulo, Editora FTD, 2003); Novas palavras: volume 1,
produzida pelos professores Emília Amaral, Mauro Ferreira,
Ricardo Leite e Severino Antônio (São Paulo, Editora FTD, 2005);
Novas palavras: volume 2, produzida pelos professores Emília
Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite e Severino Antônio (São
Paulo, Editora FTD, 2005); Português: ensino médio, de Ricardo
Gonçalves Barreto (São Paulo, Edições SM, 2010); Viva português:
ensino médio, de Elizabeth Marques Campos, Paula Marques
Cardoso e Silvia Letícia de Andrade (São Paulo, Editora Ática,
2010); Português: volume único, de João Domingues Maia (São
Paulo, Editora Ática, 2005) e Linguagem em movimento: volume 1,
de Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchilo (São Paulo,
Editora FTD, 2010). Os critérios de seleção das obras levaram em
consideração a diversidade de autores, edições e editoras.
O interesse pelo objeto de investigação deste artigo surgiu,
justamente, em decorrência de minha atividade profissional como
docente na rede pública de ensino e como formador de novos
P á g i n a | 118

docentes em cursos de graduação e de pós-graduação em Letras e


Pedagogia. O contato com jovens estudantes, principalmente negros,
em sala de aula permitiu-me identificar, em muitos deles, um
comportamento de auto-rejeição e rejeição ao seu outro
assemelhado étnico, assim como uma atitude de superioridade e
desvalorização em relação a eles por parte dos seus colegas de pele
mais clara. Muitos desses estudantes negros constituem a maioria
dos repetentes, ampliando o número daqueles fora da faixa etária
correspondente à série escolar cursada, bem como a maioria dos
que evadem durante o ano letivo. O próprio autoconceito de muitos
desses estudantes evidencia que eles identificam-se como feios e de
pouca inteligência, assumem não gostar da cor da sua pele, nem de
seus traços fenotípicos, como os cabelos, e negam o fato de ser
negros, optando pela denominação de morenos. Esse processo de
auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo etnicorracial é
extremanete danoso, ainda mais na juventude como já alertava,
desde a década de 1960, o psiquiatra Frantz Fanon, no livro Pele
negra, máscaras brancas. Cabe ao professor compartilhar e mediar
o conhecimento de forma a ser reestruturado e recriado pelo
conjunto de estudantes ao seu redor, assumindo junto a eles o
compromisso de desmitificar discursos e romper os entraves que
impedem o desenvolvimento desses sujeitos ainda
subalternizados.
Assim, a constatação dessa problemática em contextos
atuais de vivência em sala de aula levou-me a procurar diferentes
ações para reverter essa situação. Além disso, como sempre
repenso minhas práticas docentes, analiso todos os conteúdos e
P á g i n a | 119

materiais educativos que utilizo em sala, não poderia ser


indiferente a forma como o livro didático tem se isentado do
compromisso por uma educação justa e democrática. Assim,
pretendo, dentro do possível reparar essa situação, possibilitando
que tanto as histórias e culturas dos povos africanos e
afrodescendentes no Brasil e as histórias e culturas dos povos
originários sejam abordadas dentro do processo de ensino-
aprendizagem, como prevê os documentos oficiais que regem a
educação do país, através do livro didático.

2 O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL


No Brasil, até 1808, a imprensa praticamente inexistia, o
que dificultou a disseminação de práticas de leitura mais intensas
e consistentes. Contudo, quando D. João transferiu-se para o Rio de
Janeiro, a Administração Real precisou de instrumento para
publicar seus atos e proclamações, o que propiciou a origem da
imprensa oficial no país. Com a instalação da Imprensa Régia,
particular atenção foi dada por ela ao livro didático, que tinha como
causa, a urgência em fornecer material escolar compatível para as
instituições de ensino superior criadas por D. João. Em um primeiro
momento, recorreu-se a traduções para abastecer o mercado local;
depois, como forma fácil de sanar a falta de material didático e até
mais prática que a dos livros necessários, estimulou-se a
importação deles; em seguida, exigiram-se autores nativos para
produzir os textos, pois, marcados pelo ferrenho nacionalismo da
época, consideravam inadequados os livros portugueses para a
juventude brasileira, já que os manuis estrangeiros ignoravam,
P á g i n a | 120

inclusive, a Independência de 1822. Assim, o abrasileiramento dos


livros didaticos só se tornou realidade no fim do século XIX.
No início do século XX, desencadeada pela Revolução de
1930, livro didático brasileiro se expandiu no país. Com a queda da
moeda nacional, conjugada com o encarecimento do livro
estrangeiro provocado pela crise econômica mundial, o compêndio
brasileiro, antes mais caro, passou a competir comercialmente com
os importados. A partir de 1938, os livros didáticos passaram a ser
controlados pelo Estado, que se constituiu em censor deles através
do Decreto-lei n.° 1.006, atividade consolidada em 1945 pelo
Decreto n.° 8.460. Desde então, eles só podiam ser adotados em
todo o território nacional com autorização prévia do Ministério da
Educação (MEC). Os livros que, por exemplo, questionassem o
regime político do país, as autoridades e as instituições não
receberiam autorização para uso. Eles deveriam justamente
valorizar a família, defender as instituições políticas e religiosas e o
espaço individual.
A partir da década de 1960, com a sua crescente ênfase no
desenvolvimento e expansão das redes escolares, organismos
internacionais, como o Banco Mundial, começaram a se preocupar
com questões do livro didático. Na sua política de empréstimos ao
setor educação dos países em desenvolvimento, esta instituição
financeira internacional passou a assumir um papel considerável
para atividades de investimento e custeio relativas a materiais
escolares e para o livro em particular. Os países da América Latina,
por exemplo, ainda despendem poucos recursos nas suas políticas
de livros didaticos e material escolar. No caso específico do Brasil,
P á g i n a | 121

os recursos federais alocados ao setor do livro didático não são


significativos, quer em comparação com o orçamento global do
MEC, em termos de alocação per capita ou em comparação com
outros programas educacionais. Mesmo adicionando-se as
contrapartidas e esforços estaduais e municipais, a situação não
seria muito diferente.
Neste mesmo período, a Comissão Nacional do Livro
Didático foi substituída por equipes técnicas, em 1969, com o objetivo
de aprovar os livros a serem adotados nos estados. Essas comissões
tiveram vigência até 1976. A partir daí, a tarefa passou a ser
executada pela Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME),
atual Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que tem
atividades de co-edição, com a finalidade de aumentar a tiragem e
distribuir parte dos livros gratuitamente para as escolas e
bibliotecas públicas. Os mecanismos de seleção e distribuição eram
idealizados por especialistas da própria FENAME. Esses critérios
eram meros indicadores que garantiam a padronização do livro
gratuito, cuja seleção cabia ao Estado definir para co-editar.
Em 1985, o governo federal criou o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), que consiste na distribuição gratuita de
livros didáticos, incialmente, para estudantes das escolas públicas
de ensino fundamental de todo o país. Ele é de responsabilidade do
Ministério da Educação (MEC) e gerenciado pelo Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), baseando-se nos
princípios da livre participação das editoras privadas e da livre
escolha por parte dos professores. O PNLD foi aperfeiçoado em
1995, adquirindo um componente novo: a análise e a avaliação
P á g i n a | 122

prévia do conteúdo pedagógico através do Guia de Livros


Didáticos, que apresenta uma sinopse de cada publicação,
classificada de acordo com a qualidade do conteúdo, no qual o
professor pode avaliar o livro mais adequado às características de
sua região, de seus alunos e ao processo pedagógico de sua escola.
Para tal, as editoras devem se inscrever para participar do
programa em prazos definidos pelo FNDE e divulgados em edital.
As obras inscritas passam por triagem técnica, física e pedagógica
nas mãos de especialistas que, posteriormente, escrevem resenhas
críticas para compor o guia, a ser disponibilizado para ajudar os
professores em sua análise.
A partir de 2005, os alunos do Ensino Médio também
passaram a receber livro didático, inicialmente, de forma gradual,
com a distribuição de obras de Língua Portuguesa e de Matemática
aos estudantes matriculados na 1a série da rede pública de ensino
das regiões Norte e Nordeste para, em seguida, contemplar as
outras séries, disciplinas e regiões. Para a Língua Portuguesa,
optou-se principalmente pelo volume único, a ser utilizado durante
os três anos de duração do Ensino Médio, mas é disponibilizado
também volumes parciais. O MEC também passou a avaliar e
distribuir dicionários de Língua Portuguesa aos estudantes do
Ensino Fundamental, através do PNLD/2001, como forma de
fornecer a eles um instrumento de leitura e de escrita voltado para
a ampliação do repertório linguístico e para o desenvolvimento da
autonomia no que se refere à busca de novos conhecimentos. Hoje
o programa contempla quatro níveis do ensino público brasileiro:
Educação infantil; Anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º
P á g i n a | 123

ano); Anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano); Ensino


médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para o Ensino
Fundamental 2 (6º ao 9º ano), todos os livros são reutilizáveis. Os
livros reutilizáveis são aqueles que devem ser devolvidos ao fim de
cada ano letivo para que sejam companheiros de outros alunos no
ano seguinte. Já os consumíveis ficam de forma definitiva com os
estudantes, pois o material conta com espaço próprio para
exercícios e demais anotações.
Com a evolução que teve, e diante do papel de realce como
veículo de reciclagem de conhecimentos dos professores, possível
instrumento indispensável para o desenvolvimento das aulas e que
pode representar para o estudante como o prolongamento da ação
do professor torna-se fundamental refletir sobre a escolha e o uso
deste livro nas escolas. O livro didático não é colocado nas escolas
de forma aleatória, como pode parecer ao primeiro momento. Ele
não é apenas o veículo de um pensamento sobre a educação e a
sociedade, mas pode transmitir o pensamento da própria escola.
Isso reforça ainda mais a discussão acerca do papel do livro
didático na escola, suas implicações pedagógicas, a necessidade de
avaliação, o estabelecimento dos critérios de avaliação para o
desenvolvimento de um trabalho de qualidade em sala de aula e a
importância de uma escolha consciente e autônoma por parte dos
professores. Nesse ponto, a discussão do livro didático não pode
escapar ao exame da própria função da escola e de como ela vem
sendo expressa, das modificações por que vem passando em seu
conteúdo e formato e da própria função que desempenha no
processo de ensino.
P á g i n a | 124

2.1 A AVALIAÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS NO BRASIL


A partir de 1993, evidenciou-se a necessidade de uma
análise do material distribuído, com vistas a garantir a qualidade
desses livros e, por conseguinte, a qualidade do ensino nas escolas
públicas brasileiras. Em sua proposta inicial o Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD) previa, apenas, a escolha dos livros pelo
professor, com a consequente distribuição pelo MEC. Assim, em
1995, pela primeira vez, os professores passaram a escolher seus
livros com base em análises elaboradas por especialistas nas
diversas áreas do conhecimento - Matemática, Ciências, Estudos
Sociais (que conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional foi desmembrado em Geografia e História), Língua
Portuguesa e livros de Alfabetização – e publicadas sob a forma de
resenhas, no Guia de Livros Didáticos. O PNLD tem períodos
alternados para escolha dos livros de didáticos. Cada nível do
ensino público é atendido pelo programa de quatro em quatro
anos. A escolha dos livros é feita no ano que antecede a entrega do
material. Por exemplo, os livros que serão utilizados de 2020 a
2024 serão escolhidos em 2019 e assim por diante. Nos anos em
que não há processo de compra regular, o FNDE distribui somente
materiais para reposição.
A avaliação das obras didáticas pelo PNLD teve reflexos
importantes na escola e no mercado editorial. A análise dos dados
referentes à escolha dos livros pelos professores mostra que a
escolha inicialmente recaía sobre os livros menos qualificados e,
posteriormente, passou a incidir sobre os mais bem qualificados,
P á g i n a | 125

apontando o comprometimento dos professores e da escola com a


qualidade do material didático oferecido ao aluno. O mercado
editorial também passou por alterações bastante positivas, e a mais
significativa delas é a melhoria da qualidade do material enviado
para avaliação. Essa melhoria pôde ser verificada pelo aumento de
coleções e de livros recomendados e a redução de obras excluídas.
Evidenciou-se, também, uma renovação da produção didática
brasileira, isto é, a inclusão de novas obras para avaliação.
O impacto positivo do PNLD levou o MEC à ampliação das
ações de avaliação e de distribuição de livros didáticos para o
Ensino Médio. Essa avaliação em comum com o Ensino
Fundamental a visão de que, sendo o livro didático uma importante
ferramenta para professores e alunos, ele deve ter características
que permitam sua utilização em diferentes contextos e realidades.
Para tanto, é necessário contar com um material de apoio
diversificado, flexível e abrangente, justamente levando em
cosideração fatores diversos, como o respeito ao contexto social, à
diversidade e à pluralidade, fundamentais para a formação dos
estudantes desse nível: deve promover o desenvolvimento das
capacidades de inferir, argumentar, pesquisar, produzir e deve
estar em consonância com as múltiplas finalidades do Ensino
Médio, estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(artigo 35): I - a consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o
prosseguimento dos estudos; II - a preparação básica para o
trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de
modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade às novas
P á g i n a | 126

condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o


aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico; e IV - a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a
teoria e a prática, no ensino de cada disciplina.

2.1.1 Critérios de avaliação do livro didático


Para cumprir adequadamente a função didático-
pedagógica, o livro didático precisa atender, inicialmente, a uma
tripla exigência: a) correção de informações, conceitos e
procedimentos que integram o componente curricular; b)
adequação de sua proposta didático- pedagógica em relação à
situação de ensino-aprendizagem e aos objetivos visados; e c)
sintonia com a legislação e os demais instrumentos oficiais que
regulamentam e orientam a Educação Nacional. Assim, a avaliação
dos livros que consta no Catálogo do Programa Nacional do Livro
para o Ensino Médio, realizada por equipes de especialistas na área
de Língua Portuguesa, deve analisar, detalhadamente, em cada uma
das obras, suas qualidades, suas deficiências e as possibilidades de
trabalho que oferecem aos professores da rede pública. Além disso,
foram definidos critérios comuns e específicos, detalhados a seguir.
Entre os principais critérios comuns eliminatórios estabelecidos
que, ao serem violados, implicam na eliminação de um livro
didático estão: 1 - correção dos conceitos e das informações
básicas; 2 - respeito aos princípios de construção da cidadania. Em
consequência disso, estas obras não poderão: formular
P á g i n a | 127

erroneamente os conceitos que veiculem; fornecer informações


básicas erradas ou desatualizadas; mobilizar de forma inadequada
esses conceitos e informações, levando o aluno a construir de forma
incorreta conceitos e procedimentos (todos estes relativos ao
primeiro critério); privilegiar um determinado grupo, camada
social ou região do país; veicular preconceitos de origem, cor,
condição econômico-social, etnia, gênero, identidade sexual,
linguagem ou qualquer outra forma de discriminação; divulgar
matéria contrária à legislação vigente para a criança e para o
adolescente, no que diz respeito a fumo, a bebidas alcoólicas, a
medicamentos, a drogas e a armamentos, entre outros; fazer
publicidade de artigos, de serviços ou de organizações comerciais,
salvaguardadas, entretanto, a exploração estritamente didático-
pedagógica do discurso publicitário; fazer doutrinação religiosa
(relativos ao segundo critério). O desrespeito a qualquer um desses
critérios ou compromete a construção e exercício da cidadania, ou
afigura-se discriminatório, resultado socialmente nocivo, além de
contrário aos objetivos do Ensino Médio e da Educação Nacional.
Ainda na base de qualquer proposta didático-pedagógica,
está um conjunto de escolhas teóricas e metodológicas, conjunto
esse responsável pela coerência interna da obra, quanto pela sua
posição relativa no confronto com outras propostas ou outras
possibilidades. Nesse sentido, algumas outras exigências também
se impõem ao livro didático: que explicite suas escolhas teórico-
metodológicas; que articule, quando for o caso, as diferentes
opções a que recorra, evidenciando a compatibilidade entre elas;
que apresente coerência entre as opções declaradas e a proposta
P á g i n a | 128

efetivamente f'ormulada; que as opções efetuadas contribuam, no


seu conjunto, para a consecução dos objetivos, quer da educação
em geral, quer da disciplina e do nível de ensino em questão; que a
proposta pedagógica propicie tanto a construção de conhecimentos
relevantes, quanto o desenvolvimento de diferentes capacidades
cognitivas, como compreensão e memorização, análise e síntese,
observação, generalização e formulação de hipóteses, previsão e
planejamento, entre outras.
Referente ao livro do professor, de acordo com o Programa
Nacional do Livro Didático, um livro didático não será capaz de
explicitar adequadamente sua fundamentação se não apresentar,
em seção ou livro dirigido ao professor, os objetivos e pressupostos
teórico-metodológicos que nortearam sua elaboração. Entretanto,
o livro do professor não deve ser apenas uma cópia do livro do
aluno com os exercícios resolvidos. Para cumprir suas funções, ele
deve: descrever a estrutura geral da obra, explicitando a
articulação pretendida entre suas unidades e os objetivos
específicos de cada uma delas; orientar, com formulações claras e
precisas, os manejos pretendidos ou desejáveis do material em sala
de aula; sugerir atividades complementares, como projetos,
pesquisas, jogos etc.; fornecer respostas ou padrões de respostas
para parte das atividades propostas aos estudantes; discutir o
processo de avaliação da aprendizagem e mesmo sugerir
instrumentos, técnicas e atividades; informar e orientar o professor
a respeito de conhecimentos atualizados ou especializados,
indispensáveis à adequada compreensão de aspectos específicos de
P á g i n a | 129

uma determinada atividade ou mesmo da proposta pedagógica do


livro.

3 ANALISANDO A ABORDAGEM ÉTNICORRACIAL E CULTURAL


AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA DO LIVRO DIDÁTICO
Em 1997, o Ministério da Educação elaborou e adotou os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para orientar os
professores das redes estaduais e municipais na montagem de
currículos adequados às peculiaridades regionais e culturais do
Brasil, o que representou um marco na introdução do
multiculturalismo na educação brasileira. A partir dos PCN, eles
podem desenvolver em sala de aula temas, os chamados temas
transversais, que possibilitam ao estudante ampliar seu horizonte
existencial, cultural e crítico por meio dos próprios componentes
regulares do currículo. Enquanto aprendem História, Geografia ou
Língua Portuguesa, por exemplo, eles recebem informações sobre
assuntos como Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e
Orientação Sexual. Assim, os estudantes são orientados a
compreender a cidadania enquanto participação social e política; a
posicionar-se de modo crítico e construtivo; a conhecer
características sociais, materiais e culturais do país; a identificar e
valorizar a pluralidade cultural; a posicionar-se contra a
discriminação cultural, social, religiosa, de gênero, de etnia, dentre
outras. Em relação ao livro didático, isso que dizer que ele deve ser
isento de erros conceituais ou preconceitos, deve incentivar o
debate e estimular o trabalho do professor dentro e fora da sala de
aula. Além disso é fundamental que sua proposta seja flexível
P á g i n a | 130

permitindo sua utilização em diversos contextos socioculturais e


regionais, já que as informações contidas neles são construídas a
partir de específicas conjunturas históricas, sociais, culturais,
políticas, econômicas e geográficas peculiares, no intuito de
atender a interesses que impõem um determinado modo de se
divulgar esses fatos e informações ao longo do tempo.
Entre 2003 e 2008, a LDB foi alterada pelas leis 10639 e
11645, que tornam obrigatórias o ensino de história e cultura
africana, afro-brasileira e indígenas na educação básica. Contudo,
mesmo com o advento destas leis, os livros didáticos ainda não
representam satisfatoriamente esses povos, suas histórias e
culturas, de modo expressivo e não-estereotipado,
desconsiderando, por exemplo, o fato de que as populações não
brancas constituem a maioria da população brasileira, segundo
dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Um exemplo disso está nos conteúdos referentes à história
da literatura no Brasil, conteúdo bastante explorado nos
compêndios de Língua Portuguesa do Ensino Médio. A destacar a
produção literária do século XIX, o sujeito negro aparece ora
submisso e usurpado pela escravidão, ora submetido ao estado de
coisas em que resultou a Abolição, seja no romance, seja na poesia,
nem sempre com uma contextualização dessa condição adequadas
e estímulo a reflexões críticas. Essas formas de representação
restritas, além de não garantir ao negro uma real visibilidade, no
que se refere à escravidão, a exemplo das lutas empreendidas em
fugas arriscadas, a construção de sociedades solidárias, as fusões
religiosas, as manifestações culturais dentro das senzalas, a
P á g i n a | 131

edificação de quilombos, as estratégias para conquista da alforria e


as produções literárias que passaram despercebidas, esses
discursos ainda reforçam teorias que questionam a humanidade
dos negros africanos e afrodescendentes. Neste mesmo período da
história, houve uma valorização do indígena como símbolo da
brasilidade. Na tentativa de definir uma etnia genuinamente
brasileira, os escritores mais consagrados constataram que o
indígena era o verdadeiro representante da nação, mais que o
branco (identificado com o colonizador português) e o negro
(vindo de outro continente). Dentre os escritores brasileiros desta
época que se utilizaram deste recurso está José de Alencar.
Entretanto, ainda hoje, as literaturas indígenas são pouco
conhecidas no Brasil, desconhecimento que se reflete nos manuais
de ensino, reforçando a negação e invisibilização da autoria desses
sujeitos.
A recente investigação realizada comprova que a
abordagem de assuntos relacionados a esses povos, suas histórias
e suas culturas, no livro didático de Língua Portuguesa ainda não se
livrou do prisma etnocêntrico. Foram consultadas e analisadas oito
publicações de obras para o Ensino Médio, em volumes completos
ou parciais, em edições publicadas entre os anos de 2000 e 2010:
Português: linguagens, de autoria dos professores William Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães (São Paulo, Atual Editora,
2009), Novas palavras: volume único, produzida por Emília Amaral,
Mauro Ferreira, Ricardo Leite e Severino Antônio (São Paulo,
Editora FTD, 2003); Novas palavras: volume 1, de Emília Amaral,
Mauro Ferreira, Ricardo Leite e Severino Antônio (São Paulo,
P á g i n a | 132

Editora FTD, 2005); Novas palavras: volume 2, de Emília Amaral,


Mauro Ferreira, Ricardo Leite e Severino Antônio (São Paulo,
Editora FTD, 2005); Português: volume único, de João Domingues
Maia (São Paulo, Editora Ática, 2005); Português: linguagens, de
William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (São Paulo,
Atual Editora, 2009), Português: ensino médio, de Ricardo
Gonçalves Barreto (São Paulo, Edições SM, 2010); Viva português:
Ensino Médio, de Elizabeth Marques Campos, Paula Marques
Cardoso e Silvia Letícia de Andrade (São Paulo, Editora Ática,
2010); e Linguagem em movimento: volume 1, de Izeti Fragata
Torralvo e Carlos Cortez Minchilo (São Paulo, Editora FTD, 2010).
Em relação à estrutura das publicações, de uma maneira
geral, há um destaque maior justamente ao estudo da literatura. A
conteúdo é abordado em uma perspectiva tradicional, pautada pela
evolução cronológica dos estilos e época das literaturas portuguesa
e brasileira, figurando, em segundo plano, a experiência de leitura
do texto literário. Quanto aos capítulos, há os que introduzem o
estudo de um movimento literário e os que focalizam os autores.
Ambos os tipos se iniciam com uma reprodução de obras das artes
plásticas (principalmente da cultura europeia), produzida no
período estudado, seguida de um texto sobre o movimento literário
em questão, no Brasil ou em Portugal, ou de um texto sobre a
geração à qual pertencem alguns dos autores.
A seção dedicada à leitura apresenta fragmentos de textos
originais, muitas vezes introduzidos por um resumo do enredo;
outras vezes, são reproduzidos textos completos, como poemas e
contos. Após o texto, há questões de interpretação e outras que
P á g i n a | 133

focalizam as características do movimento estudado, detectáveis


no texto. Muitos dos textos apresentados são de relevante
qualidade, mas não representam adequadamente a diversidade
cultural brasileira, nem estão atualizados com as produções mais
recentes da literatura nacional. Mais uma vez são privilegiados, em
todos os exemplares, escritores brasileiros canônicos, incluindo os
poucos ecritores negros que integram esse panteão, Machado de
Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto.
Os livros também apresentam outros modos de
manifestação artística, como a música popular, coerente com seu
projeto de relacionar a história literária com a cultura corrente, e
os exercícios, nem sempre na seção específica de literatura,
exploram o papel dos recursos estilísticos ou a relevância da
organização do texto para a apreensão de suas possibilidades
significativas. De uma maneira geral também há, no interior dos
capítulos e seções, quadros informativos e de referências a filmes,
peças de teatro, CDs de música que recriam, adaptam ou dialogam
com as obras literárias do período estudado.
Quanto aos conhecimentos linguísticos, os livros transitam
entre o ensino tradicional e o renovado: ao lado da gramática
tradicional, recorre-se à Linguística Textual, à Análise do Discurso
e à Semântica Enunciativa, principalmente para atualizar a teoria
dos gêneros discursivos que, de uma maneira geral, fundamenta a
proposta didático-pedagógica apresentada nos manuais. A
sistematização se faz em capítulos específicos ou intercalada com
outras seções. Os livros não discutem, explicitamente, o conceito de
norma, mas reconhecem a variação linguística e trabalha com ela.
P á g i n a | 134

As noções de “certo” e “errado” são relativizadas, mobilizando a


noção de adequação, assim como a oposição “norma padrão versus
não padrão” para tratar da relação entre língua e sociedade. Essa
temática perpassa em diversos momentos das obras,
especialmente a partir de situações e atividades envolvendo a
relação oralidade-escrita. Já os exercícios recorrem à práticas
tradicionais de reconhecimento de classes e funções,
preenchimento de lacunas, substituição de palavras por seus
sinônimos etc. Entretanto, colaboram para a compreensão do
conteúdo apresentado e agregam informações importantes para a
apreensão do conhecimento linguístico trabalhado, permitindo a
apropriação adequada das regularidades em jogo. Nos livros
dedicados ao professor, além das sugestões de respostas aos
exercícios, há uma série de materiais de apoio ao docente, a teoria
dos gêneros discursivos que os fundamentam; propostas de
avaliação dos textos produzidos pelos alunos; sugestões para
abertura dos capítulos; e referências bibliográficas.
Finalmente, a proposta pedagógica apresentada nos
manuais, de uma maneira geral, visa propiciar a descoberta do
conhecimento e o desenvolvimento da criatividade e
expressividade do aluno, aproximando-se da teoria sócio-
construtivista que traz em si uma convergência das ideias de Piaget
e Vygotsky enfatizando a construção do conhecimento em uma
visão social, histórica e cultural. Piaget centra seus estudos a partir
dos níveis maturacionais; Vygotsky, com relação à aprendizagem/
desenvolvimento. Também norteam as obras, indicações da
proposta psicogenética da língua escrita, desenvolvida por Emília
P á g i n a | 135

Ferreiro e Ana Perosky, que possibilita desviar o centro do trabalho


do professor para o ser que aprende e a sua relação com o objeto
de aprendizagem.
Especificamente sobre a abordagem de conteúdos
dedicados às populações negras e indígenas e as formas de
representação desses povos, verificou-se que há pouca ou nenhuma
abordagem nas ilustrações e textos, e quando isso acontece, estão
sempre representados em situação social inferior ao branco,
estereotipados em seus traços físicos ou animalizados; praticamente
não existem ilustrações relativas às famílias afro-brasileiras e
sociedades indígenas; é como se eles não tivesse famílias ou se
organizassem socialmente. Também foram identificadas algumas
imagens consideradas preconceituosas, no sentido de que reforçam
as estereotipias do negro e do indígena.
Boa parte das imagens presentes no livro, no geral, está
atrelada a propagandas publicitárias. Sabe-se que ela deve ser
veiculada nos livros didáticos de Língua Portuguesa como exemplo de
gênero textual a ser reconhecido e explorado. Entretanto, ao veicularem
excessivamente esses conteúdos, eles podem contribuir na
formação de consumidores compulsivos, já que a presença de marcas
comerciais pode ser considerada uma espécie de merchandising
camuflado. Nos livros foram identificados um número excessivo de
anúncios publicitários, inclusive, sem qualquer presença de pessoas
negras e indígenas nestes anúncios ou outra referência a esses povos, o
que reforça ainda mais o caráter segregador. Nos textos escritos, a
situação é semelhante, ausências e estereótipos, em passagem sobre
a formação étnica do Brasil são destacados o indígena e o negro; o
P á g i n a | 136

branco não é mencionado (em alguns casos), ou seja, já é


pressuposto; indígenas e negros são mencionados sempre no
passado, como se já não existissem; os textos referentes à história e a
estudos sociais limitam-se a poucas referências informativas sobre as
contribuições tradicionais dos povos africanos;
Para discutir melhor essa situação, sintomática do
problema do racismo no Brasil, é preciso falar sobre o processo
editorial. A vendabilidade do livro didático é certa, conta com o
apoio do sistema de ensino e abrigo do Estado e é aceita por pais e
educadores, por isso nenhum editor o ignora, embora nem sempre
o tenha alcance. Provavelmente todos os livros que constam no
Catálogo Nacional do Livro Didático (CNLD) são produzidos no eixo
Rio-São Paulo ou em estados do Sul do Brasil. No caso dos livros
selecionados, todos eles foram produzidos e publicados em São
Paulo, por quatro editoras diferentes (Ática, FTD, Edições SM e
Atual Editora). A regionalização, inclusive, é um dos assuntos mais
discutidos atualmente em relação ao livro didático, justamente pela
ausência de informações e conteúdos que ressaltem a pluralidade
geográfica e cultural do país. Assim, o próprio livro didático deve
apresentar e valorizar características culturais, históricas, entre
outras, de cada região do país, seja em um único manual, ou em
manuais específicos ou complementares. Por exemplo, no caso do
Estado da Bahia, incluir assuntos como história da Bahia, cultura
baiana, escritores baianos contemporâneos e não-canônicos,
questões de vocabulário local, narrativas e festas populares etc.
Outro aspecto considerável é a autoria, pois os autores, imbuídos
de poder, tendem a retratar nos materiais sua própria cultura
P á g i n a | 137

ou um padrão hegemônico cultural. Imagine um único conteúdo


tratado sob a ótica de diferentes autores. Faz diferença se o ponto
de vista for o de um homem ou o de uma mulher? De uma pessoa
branca ou negra? A nacionalidade de quem escreve pode
influenciar? A idade? A condição social? Se o autor morar no estado
do Amazonas ou no Rio Grande do Sul?

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os livros didáticos costumam circulam em todos os
ambientes educacionais das instituições brasileiras e nas
residências de estudantes e professores. Podem ser diferentes no
assunto de que tratam, no formato, uso de cores, espessura, tipo de
acabamento, preço, mas todos têm algo em comum: trazerem
informação e conhecimento, colaborando no trabalho docente e na
formação dos estudantes. Longe de ser a única possibilidade de
trabalho em sala de aula, o livro didático ainda é um dos principais
materiais de apoio do professor para a formação dos estudantes, e
que, inclusive, deve contribuir em promover a reflexão e a
autonomia dos alunos, assegurando-lhes em aprendizagem efetiva
e possibilitando torna-los cidadãos participativos.
Para tanto, o livro didático deve ser isento de erros
conceituais ou preconceitos, deve incentivar o debate e estimular o
trabalho do professor dentro e fora da sala de aula. Além disso é
fundamental que sua proposta seja flexível permitindo sua
utilização em diversos contextos socioculturais e regionais, já que
as informações contidas neles são construídas a partir de
específicas conjunturas históricas, sociais, culturais, políticas,
P á g i n a | 138

econômicas e geográficas peculiares, no intuito de atender a


interesses que impõem um determinado modo de se divulgar esses
fatos e informações ao longo do tempo. Entretanto, as histórias das
populações negras e indígenas, que foram e ainda vêm sendo
construídas a partir de vários fatores e sob várias óticas, ainda não
foram satisfatoriamente reconhecidas e visibilizadas nesses
manuais.
De modo geral, quando o negro e o indígena são
representados (de forma vaga e esporádica, no geral) ainda o
trazem relacionado apenas à colonização portuguesa e escravidão,
em tempos passados, ou assumindo funções subalternas na
sociedade brasileira, retratando-o como lavador de carro, babá,
empregado doméstico etc., o que não representa a realidade. Isso
esconde toda uma riqueza de outros aspectos dos universos afro-
brasileiro e indígena na história do país e na contemporaneidade.
A presença do negro nesses livros, frequentemente como
escravizado, sem referência ao seu passado de homem livre antes
da escravidão e às lutas de libertação que desenvolveu no período
da escravidão hoje por direitos de cidadania, também pode ser
corrigida ao se incluir a história de Zumbi dos Palmares, dos
quilombos, das revoltas e insurreições ocorridas durante a
escravidão; enfatizar como era a organização sócio-político-
econômica e cultural na África pré-colonial; e também sobre a luta
das organizações negras, hoje, no Brasil e nas Américas.
Concebendo a literatura como um lugar de existência e
reterritorializando as lacunas do contexto literário brasileiro, os
escritores negros e indígenas têm cada vez mais inserido estes
P á g i n a | 139

corpos ausentes substituindo-os por corpos presentes ou


ressignificando estes corpos estereotipados (levando-se em
consideração a representação comum do negro e do indígena na
literatura brasileira tradicional hegemônica escrita
majoritariamente por não-negros). Há uma série de autores
indígenas, afro-brasileiros e africanos contemporâneos, a exemplo
de Daniel Munduruku, Ailton Krenak, Eliane Potiguara, Manoel Rui,
Paula Tavares e Ondjaki, em Angola, José Craveirinha, Noêmia de
Souza e Luís Bernardo Honwana, em Moçambique, Solano
Trindade, Oliveira Silveira, Geni Mariano Guimarães, Cuti, Éle
Semog, Mãe Stella de Oxóssi, que podem e devem estar inseridos
nessas publicações.
Antologias como Os Cadernos negros, que surgiram em São
Paulo em 1978, um dos importantes espaços para publicação da
literatura negra brasileira, reúnem escritores oriundos dos
diversos estados do país e possui, até o momento, mais de quarenta
volumes, sendo os números ímpares dedicados aos poemas e os
números pares, aos contos. Sua proposta inicial era difundir uma
expressão literária que se fortalecia com as lutas por liberdade das
nações africanas colonizadas por Portugal, na década de 1970. Os
primeiros textos da coletânea buscavam justamente desconstruir
uma tradição literária que excluía a produção literária
marcadamente política. Os Cadernos negros, na contramão da
literatura legitimada, assumiam a rebeldia de segmentos da
população negra em sua luta contra a chamada democracia racial.
Os escritores que aderiram ao projeto sempre tiveram a
preocupação de refletir sobre o lugar ocupado pela literatura
P á g i n a | 140

produzida por eles no cenário literário brasileiro, interrogando-se


sobre a produção, circulação e recepção de seus textos, em um
momento em que defendiam a legitimação da literatura afro-
brasileira produzida no Brasil. Eles também buscaram dar
visibilidade à sua produção e ampliaram a reflexão sobre a
condição de trabalho dos escritores negros, sobre a circulação de
seus textos, a marginalidade dessa produção e a linguagem com que
se expressam. Em uma criação literária mais preocupada com a
função social do texto, interessa-lhes, sobretudo, a vida dos
excluídos por razões de natureza étnico-racial. A relação entre raça
e exclusão passa a ser recorrente nestas produções literárias. Além
da questão identitária misturam-se nestas produções outros temas,
como a memória e as lembranças de fatos do passado que
percorrem os espaços da intimidade dos enunciadores para trazer
à escrita modos diversificados de apreensão do mundo.
As experiências de leitura e escrita nas comunidades afro-
brasileiras, que normalmente se orientam por uma outra lógica,
descentradas dos grafocentrismos, logocentrismo e etnocentrismo
que normatizam a constituição dos saberes tradicionais ocidentais,
também devem ser levadas em consideração. Observando que as
subjetividades, sentimentos e situação sociocultural dos escritores
negros e das escritoras negras não está desapartada da sua escrita,
isto é, as suas histórias de vida configuram-se como um dos
elementos intensificadores na sua crítica-escritura, levando em
conta a história de seu povo, tanto as especificidades quanto as
particularidades da literatura afro-brasileira devem ser
respeitadas em suas diferenças. A escritora Conceição Evaristo, por
P á g i n a | 141

exemplo, refletindo sobre o conceito de “escrevivência”, considera


que o sujeito da literatura negra tem a sua existência marcada por
sua relação e por sua cumplicidade com outros sujeitos. Assim, esse
processo se dá em um espaço aberto entre a invenção e o fato,
utilizando-se dessa profundidade para construir uma narrativa
singular, mas que aponta para uma coletividade.
O estudo realizado sobre o livro didático de Língua
Portuguesa para o Ensino Médio, com base na primeira década do
século XXI, mostrou que ainda há muito o que se fazer para reverter
essa situação, e alcançar, de fato, uma educação democrática,
apesar de algumas conquistas dos movimentos negros e
indigenistas na educação brasileira, diante de séculos de
segregação. Para isso, a invisibilidade da diversidade dos papéis e
funções exercidos pelos homens e mulheres negros e indígenas, por
exemplo, nas ilustrações e textos dos livros didáticos deve ser
corrigida, assim como outras questões que incentivem a
abordagem das relações étnico-raciais na escola.

REFERÊNCIAS
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FTD, 2003. (Coleção Novas Palavras, v. 1).

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Médio: Português. Brasília: MEC, SEMTEC, FNDE, 2004.

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único. 3 ed. reform. São Paulo: Atual, 2009.

D’AVILA, C. M. Decifra-me ou te devorarei: o que pode o professor


frente ao livro didático? Salvador: EDUNEB; EDUFBA, 2008.

FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da


Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

MAIA, J. D. Português: volume único. 2 ed. São Paulo: Ática, 2005.

MUNANGA, K. (org.). Superando o racismo na escola. 2 ed. rev.


Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

SILVA, A. C. A desconstrução da discriminação do negro no livro


didático. In: Munanga, Kabengele (org.). Superando o racismo na
escola. 2 ed. rev. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
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Salvador: EDUFBA, 2004.

TORRALVO, I. F; MINCHILO, C. C. Linguagem em movimento. São


Paulo: FTD, 2010. (Coleção Linguagem em movimento, v. 1).
P á g i n a | 143

AS PRÁTICAS DE LEITURA NO ENSINO SUPERIOR


TECNOLÓGICO: UM ESTUDO DE CASO NO IFRS-CAMPUS
BENTO GONÇALVES

Profa. Dra. Carina Fior Postingher Balzan

RESUMO: O artigo analisa as praticas de leitura de estudantes do Ensino Superior


Tecnologico de uma instituiçao publica especializada em Educaçao Profissional no
Rio Grande do Sul, sob a perspectiva teorica da Sociologia da Leitura. Os resultados
evidenciam que as praticas de leitura dos estudantes atendem a necessidades
pragmaticas do cotidiano, priorizando textos curtos de tipologia expositiva, e
ocorrendo principalmente em suportes digitais, alem da leitura com vistas a atender
as exigencias dos componentes curriculares do curso, com destaque para o genero
artigo científico. A leitura de literatura nao constitui uma atividade consolidada e
perene entre as praticas socioculturais dos estudantes, sendo que o proprio curso
nao favorece ou estimula essa pratica. Alem disso, a característica de estudantes-
trabalhadores dos sujeitos pesquisados implica nao apenas menor disposiçao para
os estudos, como tambem menos tempo disponível para as leituras academicas e de
lazer, compreendida aí a literatura.

PALAVRAS-CHAVE: Praticas de leitura; Ensino Superior Tecnologico; Literatura.

INTRODUÇÃO
A leitura tornou-se tema recorrente de pesquisas,
principalmente nos ultimos quarenta anos, em diversas areas das
Ciencias Humanas, interessando, por exemplo, a Linguística, a
Literatura, a Historia, a Educaçao, a Sociologia. Seja enquanto
processo cognitivo, seja enquanto açao individual ou enquanto
pratica coletiva, a pesquisa em torno da tematica da leitura esta
longe de esgotar-se. Justamente por ser um processo dinamico,
interligado ao contexto material e sociocultural de cada momento
historico, o estudo das praticas de leitura exige constante revisao e
atualizaçao.
P á g i n a | 144

Kleiman (2004) aponta que, a partir dos anos 1990, ocorre


uma mudança significativa em relaçao ao papel do leitor. Desloca-
se o polo de interesse da açao do indivíduo sobre o texto para a
inserçao do sujeito na sociedade e no contexto de interpretaçao
ligado a realidade sociocultural, dando menos enfase ao texto em si,
as faculdades mentais e aos conhecimentos previos. Ao valorizar-se
a atuaçao do leitor no processo de significaçao do texto, e
entendendo esse sujeito como parte integrante de uma
comunidade, cujos comportamentos sao afetados social e
culturalmente, a expressao “praticas de leitura” passa a
caracterizar, entao, as atuais pesquisas. Essas praticas de leitura
englobam uma multiplicidade de atitudes, habilidades e
competencias, uma diversidade de suportes de textos e condiçoes
de leitura (quem le, por que, quando, o que), compreendendo, na
escrita da historia da leitura, seus atores (escritores, livreiros,
editores, leitores), seus espaços (livrarias, bibliotecas, gabinetes de
leitura, escolas), seus objetos (pergaminhos, livros manuscritos,
impressos, telas de computador).
Este artigo objetiva, portanto, analisar as praticas de leitura
de estudantes de Cursos Superiores de Tecnologia (CST) inseridos
em uma instituiçao publica especializada na oferta de Educaçao
Profissional. A pesquisa tem carater descritivo, e a perspectiva
teorica da Sociologia da Leitura (HORELLOU-LAFARGE; SEGRE,
2010) ampara a analise dos dados e as discussoes, complementada
por outros estudos sobre a leitura e a formaçao de leitores, como os
de Kleiman (2004), Paviani (2006; 2013), Witter (1997), Carlino
(2017), entre outros. O estudo de caso foi realizado no Instituto
P á g i n a | 145

Federal de Educaçao, Ciencia e Tecnologia do Rio Grande do Sul


(IFRS) - Campus Bento Gonçalves, com aplicaçao de questionario a
estudantes de cinco cursos do Ensino Superior Tecnologico.
A ampliaçao da oferta, na ultima decada, do Ensino Superior
Tecnologico, tanto em instituiçoes publicas como privadas,
confirma sua importancia nao so para a inserçao de novos
profissionais no mundo do trabalho, como tambem para a
reprofissionalizaçao dos trabalhadores nas organizaçoes onde
desempenham suas funçoes. Esses cursos representam uma
possibilidade para o crescimento, em curto prazo, dos processos
produtivos de uma regiao, pelo desenvolvimento crescente de
setores da industria, comercio e serviços, como e o caso da Serra
Gaucha, espaço onde se situa esta pesquisa. Assim, pensar nos
estudantes de CST como sujeitos que buscam uma qualificaçao
profissional em curto prazo, que procuram se instrumentalizar com
as novas tecnologias para dar conta das atuais necessidades da
sociedade da informaçao, que ja estao inseridos no mundo do
trabalho, dividindo seu tempo entre as atividades laborais e as
academicas, remete a um perfil diferenciado de aluno.
O artigo traz, inicialmente, uma breve contextualizaçao dos
CST no sistema educacional brasileiro. Em seguida, aborda a leitura
no Ensino Superior para, posteriormente, apresentar as praticas de
leitura dos sujeitos pesquisados. Os resultados obtidos levam a uma
reflexao sobre a importancia da literatura para a formaçao plena do
estudante e o papel das Instituiçoes de Ensino Superior (IES) para
alem da formaçao academica e profissional.
P á g i n a | 146

OS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA


Os CST sao cursos regulares de graduaçao, com
características especiais, e correspondem a um nível da Educaçao
Profissional e Tecnologica. Regulamentados pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais (BRASIL, 2002) estabelecidas pelo
Conselho Nacional de Educaçao, voltam-se para o domínio e a
aplicaçao de conhecimentos científicos e tecnologicos em
diferentes campos do saber relacionados a areas profissionais.
A implantaçao desses cursos no Brasil foi impulsionada,
em grande parte, pelos avanços tecnologicos e pelas
transformaçoes políticas e economicas que afetaram diretamente o
mundo do trabalho, o que exigiu do profissional uma maior
capacitaçao em termos de conhecimentos formais, mas tambem
uma mudança de perfil, conscientizando-o da necessidade
constante de aperfeiçoamento. Assim, as universidades,
instituiçoes por excelencia formadoras das elites e responsaveis
pela produçao do conhecimento científico e pelo desenvolvimento
cultural em geral, sentiram a necessidade de dirigir-se a um publico
mais heterogeneo, capacitando-o para um mercado cada vez mais
competitivo, o que levou a oferta de cursos em novos campos
profissionais, focados nas transformaçoes tecnologicas.
Nesse contexto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao de
1996, Lei n. 9.394, representou o marco legal de uma política
educacional preocupada em atender a demanda por formaçao
profissional de nível superior. Iniciando um processo de
reformulaçao profunda no Ensino Superior, equiparou em mesmo
nível os Cursos Superiores Tecnologicos e os de Bacharelado e
P á g i n a | 147

Licenciatura. Como diretriz basica, propos que a Educaçao


Profissional devia ser integrada as diferentes formas de educaçao,
ao trabalho, a ciencia e a tecnologia, com vistas ao permanente
desenvolvimento do país (BRASIL, 1996).
A partir da valorizaçao e da ressignificaçao da Educaçao
Profissional iniciada pela LDB 9.394/96, foram elaboradas
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Superiores de
Tecnologia e criados os Centros de Educaçao Tecnologica,
instituiçoes especializadas em Educaçao Profissional e Tecnologica,
com o proposito de formar e qualificar profissionais nos varios
níveis e modalidades de ensino para os diversos setores da
economia, alem de realizar pesquisas e desenvolvimento
tecnologico de novos processos, produtos e serviços em articulaçao
com os setores produtivos e a sociedade, oferecendo mecanismos
para a educaçao continuada.
Conforme a Resoluçao CNE/CP 003, de 18 de dezembro de
2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para
a organizaçao e o funcionamento dos Cursos Superiores de
Tecnologia, em seu Art. 1º:

A educação profissional de nível tecnológico, integrada às


diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à
tecnologia, objetiva garantir aos cidadãos o direito à aquisição
de competências profissionais que os tornem aptos para a
inserção em setores profissionais nos quais haja utilização de
tecnologia. (BRASIL, 2002).

Ou seja, nao se trata de preparar os estudantes para atender


aos interesses do mercado de trabalho exclusivamente, como foi o
objetivo ao longo da historia da Educaçao Profissional no Brasil,
mas de elevar seu nível de escolarizaçao e capacita-los para
P á g i n a | 148

mobilizar, articular e colocar em açao conhecimentos, habilidades,


atitudes e valores necessarios para o desempenho eficiente e eficaz
de atividades relacionadas ao contexto profissional e ao
desenvolvimento tecnologico, características fundamentais para a
inserçao do indivíduo na sociedade contemporanea e para o
exercício da cidadania.

A LEITURA NO ENSINO SUPERIOR


Grande parte do conhecimento que circula no meio
academico apresenta-se sob a forma de textos escritos. A leitura,
entao, confirma-se como condiçao indispensavel para a plena
formaçao academica e profissional do estudante de um curso de
nível superior. Cada etapa da formaçao escolar implica diferentes
exigencias de leitura e habilidades de ler. No Ensino Superior, a
leitura de textos mais complexos e de narrativas com
interpretaçoes mais profundas exige um conhecimento amplo de
vocabulario, alem de uma desenvolvida capacidade de
compreensao e interpretaçao. Somado a isso, o aluno,
progressivamente, deve apropriar-se do vocabulario tecnico
relacionado a area de conhecimento do seu curso, a estrutura e aos
recursos linguísticos proprios dos textos de genero academico e
científico. De acordo com Paviani (2006), espera-se, pois, do
estudante desse nível determinadas habilidades de leitura, como
identificar e selecionar informaçoes de forma crítica e reflexiva,
transformando informaçoes em conhecimento a fim de elaborar e
construir novos conceitos.
Segundo Paviani (2006), entretanto, a maioria dos
P á g i n a | 149

estudantes que ingressa nos cursos superiores nao e leitor. Alguns


poucos, ao chegarem ao fim do curso, por força das circunstancias,
acabam tornando-se leitores. Outros leem estritamente o
necessario desde o início do curso e, muito provavelmente,
permanecerao com esse comportamento em relaçao a leitura,
mesmo depois de formados, quando profissionais. Esses
estudantes nao percebem a leitura como forma de entretenimento,
informaçao e desenvolvimento pessoal, limitando-se a ler apenas
aquilo que e solicitado nas disciplinas cursadas, como textos, livros
e apostilas disponibilizados pelos professores. Pode-se dizer, entao,
que realizam uma leitura com fins eminentemente pragmaticos.
E contraditorio o fato de a leitura nao estar presente no
cotidiano academico, mas o que as pesquisas apontam e que muitos
estudantes demonstram desinteresse pela leitura dos textos,
participando das aulas sem ao menos realizar as leituras solicitadas
pelos professores. As bibliotecas tambem registram uma circulaçao
baixa de estudantes, ja que eles nao costumam frequentar essas
instituiçoes em busca de livros ou outros materiais de sua area para
estudo, recorrendo muito mais a Internet como fonte unica de
pesquisa (ALVES, 2007).
Witter (1997), em uma reflexao sobre a relaçao entre leitura
e universidade, salienta a importancia de considerarem-se as
historias de leitura dos estudantes, as motivaçoes e preferencias e
os fatores sociais e culturais que facilitam ou dificultam a relaçao
com a leitura. Todavia, ha que se levar em conta tambem as
condiçoes oferecidas pelas instituiçoes de Ensino Superior, que
P á g i n a | 150

podem viabilizar ou dificultar o desenvolvimento do estudante


como leitor. Segundo a autora:

Certamente as contingências de vida anterior ao ingresso na


Universidade, o nível de desempenho em leitura com que nela
ingressa e as condições atuais de vida do estudante são
variáveis que influem na leitura do universitário. [...] É de se
esperar que, mesmo o bom leitor, ao longo dos anos
universitários, melhore suas características como leitor. Para
isso é necessário um exemplo pessoal na busca de
desenvolvimento e um esforço institucional para assegurar
condições de ensino, de biblioteca, de estímulo e mesmo de
exigência no que concerne à leitura (WITTER, 1997, p. 11).

As IES, muitas vezes, deixam a desejar em relaçao a formaçao


de estudantes com bagagem de leituras. Em determinadas areas de
conhecimento, como as ciencias exatas e as tecnologicas, essa falta
pode ser ainda mais evidente, ja que nao se exige ou nao se
incentiva a leitura de textos mais extensos, mais complexos e,
principalmente, de textos literarios. Alem disso, bibliotecas
precarias em termos de literatura em geral e falta de espaços dentro
da instituiçao destinados a leitura acabam nao contribuindo para a
formaçao de um aluno leitor ou desestimulam aquele que ja e leitor.
Para Paviani (2006, p. 28), “o ato de estudar implica o ato de
aprender a ler”. Mas, obviamente, a leitura nem sempre e algo
simples, e nem toda leitura e prazerosa. O gosto pela leitura pode
nao ocorrer de imediato no encontro entre leitor e texto; e, antes,
algo a ser construído. Depende de habilidades, de tecnicas, de
procedimentos, de estrategias, de lidar com operaçoes logicas como
definir, classificar, descrever, analisar, interpretar, entre tantas
outras, que o estudante precisa desenvolver. Se, por um lado, como
aponta Paviani (2006), o estudante universitario tem o
P á g i n a | 151

compromisso de ler, sendo esse compromisso ao mesmo tempo


etico (formaçao capaz de atender as exigencias sociais) e
profissional (formaçao que corresponda as exigencias tecnicas e
científicas), por outro, nao se pode negar a responsabilidade da
propria Instituiçao de Ensino Superior na formaçao de leitores.
Mais do que atribuir a Educaçao Basica a culpa pelas falhas
na competencia leitora dos estudantes, cabe, portanto, a
universidade perceber os problemas relacionados a leitura e
atende-los com vistas a soluciona-los. Se, como afirma Witter
(1997, p. 11), “a leitura e um comportamento essencial para o
ensino-aprendizagem no ensino superior”, o ingresso no curso
superior talvez seja, “a ultima oportunidade para tornar o cidadao
um leitor competente, crítico, frequente, criativo, que compreende
e usa de forma adequada as informaçoes obtidas via texto.”.
A leitura no ambito academico, cada vez mais, e perpassada
pela era digital, pela Internet. A geraçao que se apresenta a
universidade, hoje, convive com diferentes aparatos eletronicos,
como notebooks, tablets, smartphones, e os tem utilizado como
principais suportes de leitura, o que implica novas relaçoes entre
texto e leitor, alem de estabelecer novos processos de ensino e
aprendizagem. Pode ocorrer, nesse sentido, o encontro de geraçoes
que manuseiam esses recursos tecnologicos e daquelas que nao os
dominam, levando os professores a repensar as metodologias de
ensino e os proprios trabalhos de pesquisa solicitados aos alunos.
Embora a informaçao esteja disponível na rede mundial de
computadores, cabe tambem a universidade o papel de mediadora
entre a Internet e os alunos, orientando-os para a pesquisa, para a
P á g i n a | 152

seleçao e organizaçao das informaçoes, enfim, para o que pode ou


nao ser utilizado para fins academicos e científicos.

AS PRÁTICAS DE LEITURA NOS CURSOS SUPERIORES DE


TECNOLOGIA
A pesquisa de carater descritivo desenvolveu-se a partir de
um estudo de caso1 realizado no IFRS-Campus Bento Gonçalves.
Foram aplicados questionarios a noventa e seis (96) estudantes
matriculados no terceiro semestre dos cinco CST oferecidos pela
Instituiçao. Definiu-se esse corpus por entender que, depois de
terem cursado dois semestres, os estudantes ja estavam
familiarizados com as praticas de leitura desenvolvidas no
ambiente academico. Alem disso, como a duraçao media dos cursos
e de seis semestres, os alunos que estavam finalizando o terceiro
semestre encontravam-se praticamente na metade do curso.
Entendemos a atividade de leitura dos sujeitos
investigados como elemento constituinte de suas praticas sociais e
culturais. Tratamos, em um primeiro momento, da leitura em geral,
ou seja, considerando todos os generos textuais, literarios ou nao, e
os diferentes suportes, impressos ou digitais, para, em um segundo
momento, aprofundar a reflexao sobre a leitura de textos literarios
e a leitura para fins de estudo, chamada aqui de leitura academica.
Em relaçao a leitura em geral, 83,3% dos estudantes
pesquisados afirmaram que, de uma maneira geral, gostam de ler.

1 Como o presente estudo envolve seres humanos, obedecendo a Resoluçao


n.466/2012, do Conselho Nacional de Saude, o projeto de pesquisa foi submetido e
aprovado pelo Comite de Etica em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul, e os
participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
P á g i n a | 153

Convem mencionar, por outro lado, que a intensidade desse gosto


varia de pessoa para pessoa. Enquanto alguns adoram ler e mantem
a pratica da leitura como um hobby, outros, mesmo gostando de ler,
preferem realizar outras atividades. Ha, ainda, um percentual de
16,7% de estudantes que declararam nao gostar de ler, mesmo
sabendo que ao ingressarem no curso superior teriam que,
obrigatoriamente, realizar atividades de leitura.
Em relaçao as preferencias de leitura (Figura 1), as mais
citadas pelos estudantes foram jornais, websites e literatura. Ja em
relaçao a leitura que realizam com mais frequencia (Figura 2),
independentemente da preferencia, os estudantes apontaram
websites, textos academicos e jornais.

Figura 1 – Preferencias de leitura

Fonte: elaborado pela autora.

Figura 2 – Tipo de leitura mais frequente


P á g i n a | 154

Fonte: elaborado pela autora.

E interessante notar que jornais e websites, alem de terem


sido apontados como as leituras mais frequentes, tambem foram
citados como preferencias de leitura. No entanto, ganha
importancia aqui, como era de se esperar, a leitura de textos
academicos, devido as exigencias do Ensino Superior. A leitura de
literatura, que tambem estava entre as preferencias (22,9%),
juntamente com jornais e websites, tem sua frequencia diminuída
drasticamente (5,2%). Ou seja, dentre as escolhas realizadas pelos
estudantes, nas quais estao implicados inumeros fatores como
interesse, tempo, necessidade ou obrigaçao, a literatura e preterida
em relaçao a outros tipos de leitura.
Ao perguntar aos estudantes sobre as maiores barreiras para
aumentar a frequencia na leitura, a falta de tempo desponta como
principal motivo (72,9%). Em seguida, os motivos foram:
P á g i n a | 155

preferencia por outras atividades que nao a leitura (18,8%); falta


de interesse (10,4%); lentidao na leitura (8,3%); e condiçoes
financeiras e dificuldade de acesso a biblioteca, ambas com
percentual de 1%. Percebe-se, na analise desses dados, que nao e a
dificuldade de acesso ao livro o principal motivo para justificar a
pouca leitura ou a falta dessa pratica. Na verdade, a leitura nao e
eleita entre as tarefas que devem ser realizadas, sendo preterida em
relaçao a outras atividades. Vargas Llosa (2005), em ensaio
sobre a importancia da literatura na constituiçao do sujeito, reflete
sobre essa questao. Segundo ele, a modernidade impoe um ritmo
de vida acelerado, existem tantas coisas importantes a resolver,
tantas obrigaçoes e responsabilidades no dia a dia, que nao se pode
perder tempo com coisas “dispensaveis”. Assim, a leitura de textos
literarios nao ocupa posiçao na lista das atividades indispensaveis.
Llosa afirma que, segundo essa concepçao,

[...] a literatura é uma atividade prescindível, um


entretenimento seguramente elevado e útil para o cultivo da
sensibilidade e das maneiras, um adorno que pode se permitir
quem dispõe de muito tempo para a recreação, e que deveria
ser afiliado entre os esportes, o cinema, o bridge ou o xadrez,
porém, que pode ser sacrificado sem escrúpulos na hora de
estabelecer uma ordem de prioridades nos afazeres e nos
compromissos indispensáveis da luta pela vida. (LLOSA, 2005,
p. 377).

Indagamos os sujeitos, entao, sobre as maiores dificuldades


encontradas por eles na leitura de um texto. Os itens assinalados
foram: falta de concentraçao (37,5%); dificuldades de compreensao
(10,4%); vocabulario (7,3%); e limitaçoes físicas (visao) (1%).
Cabe registrar que 44,8% dos estudantes disseram nao terem
dificuldades na leitura em geral.
P á g i n a | 156

A leitura ainda e, independentemente do suporte, uma açao


solitaria e realizada em silencio. A leitura de um texto um pouco
mais extenso necessita de atençao e concentraçao, obriga o leitor a
desligar-se do mundo exterior, dos sons e ruídos a volta, para um
mergulho mais aprofundado no texto. A parcela de estudantes que
associou suas dificuldades na leitura a falta de concentraçao talvez
nao consiga conviver com a solidao, mesmo que momentanea, nem
resistir aos apelos de um mundo conectado, em que chamadas,
mensagens, e-mails, imagens, informaçoes, etc. chegam a todo
momento por meio dos aparatos eletronicos. O tempo dedicado a
uma leitura mais demorada pode parecer, para esses estudantes,
um tempo roubado, de privaçao da liberdade, de exclusao de suas
redes sociais.
Ja entre as motivaçoes para a leitura, 40,6% dos estudantes
afirmaram que leem principalmente para atualizaçao cultural ou
para obter conhecimentos gerais; 28,1%, por prazer, gosto ou
necessidade espontanea; 14,6%, por exigencia academica; 12,5%,
pela atualizaçao profissional. Motivos religiosos e exigencias de
trabalho somaram 2,1% cada.
O tipo de suporte utilizado pelos sujeitos da pesquisa
tambem e bastante relevante para entender melhor suas praticas
de leitura, onde e quando ocorrem. O suporte mais utilizado para a
leitura, de acordo com 64,6% dos estudantes, e o digital, em relaçao
aos 35,4% que leem em suportes impressos. Em relaçao ao tipo de
suporte digital mais utilizado para a leitura, o notebook foi o mais
citado (52,6%), seguido do computador (24,2%) e
P á g i n a | 157

smartphone/Iphone (21,1%). Foram ainda mencionados por uma


minoria tablet/Ipad e leitor digital (e-reader).
Dos livros que os estudantes costumam ler, 37,5% sao
comprados, 29,2% sao retirados em bibliotecas, 24% sao baixados
da Internet, 8,3% sao emprestados de outras pessoas, e 1% e
presenteado. Chama a atençao o percentual significativo de livros
baixados diretamente da Internet, evidenciando um acesso cada
vez maior a cultura digital. A compra do livro e a obtençao do
arquivo diretamente na Internet podem levar, consequentemente, a
uma menor frequencia as bibliotecas e livrarias físicas. Alem disso,
como mostram os dados, nao e uma pratica comum entre os
sujeitos da pesquisa serem presentados com livros.
A Internet e as livrarias físicas foram apontadas como
principais locais para a compra de livros (Figura 3):
P á g i n a | 158

Figura 3 – Locais de compra de livros

Fonte: elaborado pela autora.

Analisando esses resultados, chama a atençao o dado de


30,2% dos estudantes nao ter o costume de comprar livros. E
indiscutível que a Internet constitui, hoje, uma fonte inesgotavel de
informaçao, sendo a principal ferramenta de pesquisa entre os
estudantes. Deve-se considerar, tambem, que as bibliotecas das
universidades e Instituiçoes de Ensino Superior possuem em seus
acervos, em maior ou menor quantidade, as bibliografias exigidas
pelos cursos. Mas passar pelo curso superior sem adquirir pelo
menos os livros basicos e essenciais de determinada area do
conhecimento, sem montar uma biblioteca, por mínima que seja, de
livros específicos para o desempenho da profissao, e um tanto
desanimador, se pensarmos na qualidade da formaçao academica
desses estudantes. Isso sem falar nos livros de literatura, cujo valor
economico nao pode ser usado como justificativa para nao adquiri-
P á g i n a | 159

los, pois nas feiras de livros, por exemplo, pode-se comprar boa
literatura por um preço muito acessível. Por outro lado, percebe-se
que a maioria dos estudantes pesquisados apropria-se de livros, e
o faz principalmente pela Internet, comprando-os ou baixando os
arquivos digitais. Mais uma vez aqui, evidenciam-se os efeitos das
Tecnologias Digitais de Informaçao e Comunicaçao (TDICs) na
formaçao academica, seja mediando o acesso aos livros, seja
substituindo os suportes impressos pelos digitais.
Perguntamos, em seguida, a opiniao dos estudantes em
relaçao a influencia da Internet sobre a leitura. Dos pesquisados,
71,9% consideram que a Internet contribuiu para uma diminuiçao
da frequencia da leitura de livros. Em uma primeira analise, ao
facilitar o acesso as informaçoes, a Internet poderia reduzir a
leitura de livros em geral (tecnicos, científicos, de literatura,
religiosos, etc.), visto que as informaçoes poderiam ser obtidas a
partir de outras fontes. No caso dos textos academicos, ganha cada
vez mais relevancia a leitura de artigos científicos, disponibilizados
por periodicos vinculados a universidades de todo o mundo, cuja
busca e facilitada atraves de apurados mecanismos que filtram os
resultados de acordo com o interesse específico do pesquisador.
Por outro lado, nos ultimos anos, houve um crescimento de livros
digitais (e-books), em todas as areas do conhecimento e de acesso
livre.
Passamos, agora, a analisar dados referentes
especificamente a literatura. Em relaçao a frequencia de leitura, dos
sujeitos pesquisados, 42,7% apontaram nao ter o habito de ler
literatura (romance, conto, poesia). Dos que leem, 10,4% disseram
P á g i n a | 160

ler um livro por mes; 16,7% disseram ler um livro a cada tres
meses; 11,5% leem um 1 livro a cada seis meses; e 18,8% disseram
ler um livro a cada ano (Figura 4).

Figura 4 – Frequencia de leitura de literatura ficcional

Fonte: elaborado pela autora.

Ou seja, menos de um terço do total de estudantes


pesquisados le literatura com alguma frequencia (um livro por mes
ou a cada tres meses). Falta de tempo, desinteresse, preferencia por
outras leituras, varios motivos foram apontados pelos estudantes
para justificar esse comportamento.
Indagamos, entao, qual era a importancia da literatura, na
visao deles, para a formaçao academica. Pouco mais da metade dos
sujeitos (58,1%) considera que a literatura e importante para a
formaçao do estudante, independentemente do nível e da area de
conhecimento; 36,6% consideram que a literatura nao tem tanta
P á g i n a | 161

importancia para a formaçao do estudante de CST; e 5,4%


consideram que a literatura e importante apenas para a formaçao
do estudante das areas de Ciencias Humanas e Letras. Ao
declararem que a literatura e relevante para a formaçao academica
de determinadas areas, como Ciencias Humanas e Linguística,
Letras e Artes, e que nao teria tanta importancia para os CST,
percebe-se a concepçao de um grupo significativo de estudantes a
respeito do Ensino Superior e da propria formaçao academica: uma
formaçao tecnica estritamente vinculada a profissionalizaçao.
De acordo com Paviani (2013), os estudantes universitarios,
de uma maneira geral, elegem como criterios de escolha de um
curso de nível superior apenas a garantia de um emprego imediato
e rentavel. Isso decorre, segundo a autora, porque os estudantes
possuem atitudes e comportamentos equivocados em relaçao a
questao do conhecimento, da formaçao e da atuaçao profissional,
decorrentes da concepçao que a propria sociedade tem de Ensino
Superior. Essa concepçao traduz uma visao utilitarista de
universidade, a qual considera tao somente a capacitaçao de
profissionais para atender as necessidades do mercado de trabalho,
sem preocupar-se com a formaçao do sujeito em sentido lato,
preparando-o para a cidadania, para as inter-relaçoes sociais e
profissionais. Decorre daí que os estudantes acabam limitando suas
leituras para fins de estudo, para a realizaçao de provas e trabalhos
academicos, buscando mais os textos teoricos e científicos em
detrimento de outras leituras, justamente porque trazem
informaçoes relacionadas especificamente a sua area de formaçao.
No entanto, adverte a autora: “Sao leituras necessarias, porem, as
P á g i n a | 162

vezes, demais setorizadas e concentradas em especificidades, nao


permitindo ao estudante uma visao global do fenomeno, das inter-
relaçoes do objeto de estudo com as demais areas do
conhecimento.” (PAVIANI, 2013, p. 52). Assim, ao excluírem a
literatura de sua formaçao, os estudantes negam a si proprios a
oportunidade de uma formaçao global, plena e humanizadora. Ao
nao incluir a literatura em seus programas de ensino,
independentemente do curso, a propria universidade contribui
para essa falta.
Dada a importancia da literatura para a formaçao de sujeitos
críticos e reflexivos, cuja visao integradora auxiliaria na resoluçao
de problemas de toda ordem, independentemente da area de
conhecimento, o que se esperaria do estudante em termos de
leitura literaria, segundo Paviani (2013), e que ele fizesse essa
leitura naturalmente, como um complemento a sua formaçao. Nao
se trata, necessariamente, de uma leitura-estudo, ja que a leitura
literaria e realizada com outros propositos. Na leitura-estudo, o
aluno esta exposto as informaçoes; na leitura literaria, ele depara-
se com situaçoes e experiencias de vida inimaginaveis.
Em relaçao ao contexto academico, a leitura mais solicitada
pelos professores nas disciplinas dos cinco CST, conforme os
estudantes, e de artigos científicos (71,9%), seguida de capítulos de
livros (11,5%), apostilas (10,4%) e livros (6,3%). Ainda segundo os
estudantes, 63,5% dessas leituras sao realizadas por eles em
suporte digital. Esses dados apontam para a ampla circulaçao de
artigos científicos no contexto dos CST e para o baixo índice de
leitura de livros na íntegra. A facilidade de acesso aos periodicos e
P á g i n a | 163

revistas de pesquisa nacionais e internacionais proporciona aos


docentes do Ensino Superior trazer esse genero textual para a sala
de aula. O artigo científico, assim, pode ser utilizado como recurso
didatico com finalidades diversas: como fonte primaria de
informaçao para a realizaçao de atividades solicitadas aos
estudantes nas disciplinas, como maneira de familiarizar os alunos
com a linguagem científica e os processos de pesquisa, como
tambem para desenvolver habilidades de leitura, localizaçao de
informaçoes e interpretaçao, levando, posteriormente, a
elaboraçao de textos de carater tecnico e científico, e apresentaçoes
orais sobre os conteudos por eles veiculados.
Pode-se dizer que a propagaçao de artigos científicos entre
os estudantes de nível superior, geralmente disponibilizados pelos
professores em formato digital, fez diminuir a leitura de capítulos
ou partes de livros fotocopiados, que, muitas vezes, sem as
referencias completas, originavam uma leitura fragmentada.
Carlino (2017) fala mais sobre isso:

Geralmente, em nosso meio, os alunos não acessam os livros


originais, mas os textos acadêmicos fotocopiados. Além da
escassa qualidade dessas duplicações, que dificulta a
visualização do impresso, é frequente que esses materiais
sejam lidos fora da obra completa, sem os capítulos
precedentes nem posteriores, sem índice, sem prólogos ou
introduções, sem a apresentação dos autores, nem contracapas
que comentem o texto, sem referências bibliográficas
completas, nem data de publicação original e, às vezes, sem
sequer o título e/ou nome do autor! (CARLINO, 2017, p. 105).

Por um lado, o artigo científico, devido as suas


características, permite que os profissionais de determinada area
do conhecimento mantenham-se atualizados, dada a grande
P á g i n a | 164

rapidez com que os conhecimentos sao renovados e divulgados. Por


outro lado, a leitura prioritaria de artigos científicos pode
desestimular a leitura de livros, incluindo os livros de referencia
dos componentes curriculares, cujos conhecimentos constituem a
base teorica da formaçao academica. Alem disso, a baixa procura
por livros leva, consequentemente, a uma diminuiçao da frequencia
a biblioteca universitaria.
Em relaçao a maior dificuldade encontrada na leitura
academica (Figura 5), a maioria dos estudantes dos CST apontou
dificuldades de compreensao e falta de concentraçao. Alegaram nao
possuir dificuldades na leitura academica 22,9% dos sujeitos.

Figura 5 – Dificuldades na leitura academica

Fonte: elaborado pela autora

Problemas na compreensao dos textos tecnicos e científicos


e falta de concentraçao sao as principais dificuldades apontadas
pelos estudantes em relaçao a leitura academica. Esses fatores,
P á g i n a | 165

entretanto, podem estar relacionados entre si, pois a dificuldade de


compreensao pode gerar falta de concentraçao e vice-versa.
Perguntamos aos estudantes, em seguida, o que
representava para eles a leitura academica. Para 55,3% dos
estudantes, a leitura de textos tecnicos e científicos representa uma
fonte de conhecimento para a formaçao profissional; 22,3%
consideram-na uma atividade imprescindível para a formaçao
academica; 8,5% consideram a leitura academica uma atividade
cansativa, que exige muito esforço; 7,4% consideram-na uma
atividade entediante; e 6,4%, uma atividade obrigatoria.
Os dados mostram que mais da metade dos estudantes
(55,3%) vinculam a leitura academica a profissionalizaçao que
estao buscando no curso. Entendem que o conhecimento adquirido
por meio da leitura vai alem do simples cumprimento das tarefas
exigidas pelas disciplinas do Ensino Superior, constituindo a base
para sua formaçao profissional. De outro modo, os que consideram
a leitura imprescindível para a formaçao academica (22,3%),
percebem-na bastante ligada as exigencias do curso superior, para
a realizaçao de trabalhos e avaliaçoes, e ao seu desempenho
enquanto estudantes, mas sem diminuir sua importancia. Ja os que
consideram a leitura academica uma atividade cansativa,
entediante ou obrigatoria (que juntos somam 22,3% dos sujeitos)
nao entendem a leitura como meio importante de aquisiçao de
conhecimentos, seja para a formaçao profissional, seja para a
formaçao academica. Para esses, a leitura academica significa uma
exigencia, mais uma atividade a ser cumprida, muitas vezes sem
uma finalidade definida. Cabe mencionar que nenhum sujeito da
P á g i n a | 166

pesquisa escolheu a opçao “uma atividade prazerosa”, tambem


presente na questao.
Em relaçao ao espaço físico em que os estudantes dos CST
realizam as leituras academicas, 68,8% dos sujeitos costumam
realizar as leituras academicas em casa; 13,5%, na sala de aula; e
11,5%, no ambiente de trabalho. Tambem foram citados como
locais de leitura a biblioteca, outros espaços publicos como centro
de convivencia, bar, restaurante, e durante o transporte. Chama a
atençao o percentual significativo de estudantes que realizam a
leitura academica em casa (68,8%). Essa preferencia pode estar
associada ao fato de 79,2% de estudantes declararem que precisam
de um ambiente tranquilo e silencioso para concentrar-se na leitura
para fins de estudo. Alem disso, chama atençao a baixa utilizaçao da
biblioteca da instituiçao para as atividades de leitura (2,1%),
embora a estrutura da biblioteca disponibilize salas individuais
para essa atividade. Pode-se dizer, com isso, que a biblioteca nao e
percebida pela maioria dos estudantes como um espaço de leitura
e estudos.
Em relaçao ao tempo semanal dedicado a leitura dos textos
relacionados a formaçao academica, mais de 80% dos estudantes
dedicam menos de 1 hora por dia da semana (ate 5 horas semanais)
para a leitura de textos tecnicos/científicos. Sabe-se que o tempo
que o aluno atribui aos estudos fora da sala de aula e tao importante
quanto o tempo que ele passa dentro dela, por isso, pensando-se
nas exigencias do Ensino Superior, os momentos dedicados a leitura
academica da maioria dos estudantes dos CST sao muito restritos.
Grande parte dos estudantes (61,5%) tem consciencia disso, pois
P á g i n a | 167

consideraram que o tempo semanal disponibilizado por eles para a


leitura academica e insuficiente.
A condiçao de estudantes-trabalhadores da grande maioria
dos sujeitos de nossa pesquisa (76%) tem implicaçoes diretas no
tempo dedicado por eles para a leitura academica fora da sala de
aula. Ao conciliar a jornada de trabalho com a realizaçao do CST, o
tempo que poderia ser destinado a leitura fica bastante reduzido,
fracionado entre as atividades de lazer e os períodos de descanso.
Ha, contudo, que se levar em conta o empenho de cada estudante
em relaçao ao cumprimento das tarefas academicas, aproveitando
o tempo livre, seja nos dias em que nao tem aula, seja nos finais de
semana, para a leitura com a finalidade de estudo, realizaçao de
trabalhos, pesquisas, etc.
Buscamos saber, em seguida, como os estudantes
organizavam-se para a realizaçao das leituras academicas. Dos
livros e textos propostos pelos professores das disciplinas, 37,5%
dos estudantes leem aqueles que, pela dinamica da aula,
obrigatoriamente precisam ser lidos; 34,4% leem
preferencialmente aqueles que os professores trabalham nas aulas;
12,5% leem todos os textos propostos pelos professores, 9,4% nao
leem nem os textos obrigatorios, 4,2% leem os textos que nao sao
discutidos pelo professor em aula; e 2,1% leem todos os textos
propostos pelos professores mais a bibliografia complementar. De
maneira geral, pode-se dizer que a grande maioria dos estudantes
pesquisados realiza as leituras propostas pelos professores das
disciplinas, pelo menos as leituras principais, dos conteudos que
P á g i n a | 168

sao trabalhados em sala de aula ou que sao necessarios para as


avaliaçoes.
Quanto a utilizaçao da biblioteca do IFRS - Campus Bento
Gonçalves, 9,4% dos estudantes dos CST apontaram, por meio do
questionario, utilizar a biblioteca sempre, para estudos e atividades
de lazer e cultura; 47,9% costumam utilizar a biblioteca
frequentemente para estudos relacionados ao curso; 37,5%
raramente utilizam a biblioteca; e 5,2% disseram nunca utilizar a
biblioteca. Os dados mostram que a biblioteca da instituiçao, na
concepçao dos estudantes, esta bastante vinculada as atividades
academicas, como a consulta ao acervo e a retirada de livros para
fins de estudo. Poucos alunos (9,4%) percebem-na como um espaço
cultural, de lazer ou entretenimento, disponível para atividades nao
associadas as tarefas academicas, como exposiçoes artísticas e
outros eventos culturais oferecidos com certa frequencia pela
biblioteca do IFRS, ou para a leitura em geral.
Utilizar a biblioteca como um espaço de lazer, percorrer sem
pressa seus corredores e, nesse passeio, encontrar livros
interessantes, deparar-se com leituras inesperadas, ou sentar-se
em uma de suas poltronas e concentrar-se em um romance, em um
livro de poesia, parece nao ser um comportamento frequente nos
estudantes pesquisados. A biblioteca e encarada, antes, sob uma
perspectiva utilitaria, como lugar de armazenamento de livros, em
que os estudantes entram, retiram os materiais de que precisam,
dispensando muitas vezes o auxílio do bibliotecario, e rapidamente
deixam o espaço, sem usufruí-lo enquanto lugar de leitura.
P á g i n a | 169

Perguntamos, entao, a preferencia dos estudantes pelo tipo


de suporte para a leitura academica. Das respostas, 53,1% dos
estudantes preferem ler textos impressos para fins de estudo,
27,1% preferem textos digitais, e 19,8% nao tem preferencia por
um ou outro. Dos que marcaram preferir textos impressos, 46,3%
consideram que o texto impresso e melhor para fazer anotaçoes;
29,6% alegaram que a leitura na tela cansa muito a visao; 16,7%
disseram que preferem o texto impresso porque podem ler em
qualquer lugar, sem depender de computador ou acesso a Internet;
e 7,4% disseram que nao conseguem se concentrar ao ler em
suportes digitais.
No cruzamento de dados entre a faixa etaria dos estudantes
e a preferencia por tipo de suporte, verificou-se que, em todas as
faixas de idade, houve preferencia pelo suporte impresso. Ou seja,
mesmo os estudantes mais jovens, com idade ate 20 anos, os quais,
se pressupoe, estejam mais habituados ao uso dos suportes digitais,
indicaram a preferencia pelo suporte impresso em relaçao a leitura
academica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A analise dos resultados da pesquisa reitera, sobretudo, a
complexidade que envolve a leitura e suas praticas, ja que as
maneiras de ler, de apropriar-se dos textos, variam de um grupo
social para outro de acordo com sua cultura, seus objetivos,
interesses e expectativas. Os resultados revelam que as praticas de
leitura dos estudantes dos CST do IFRS-Campus Bento Gonçalves
voltam-se, prioritariamente, a necessidades pragmaticas, como
P á g i n a | 170

manter-se informado ou resolver situaçoes imediatas do dia a dia,


sem a exigencia de grande esforço cognitivo por parte do leitor,
como tambem para atender as exigencias do curso superior,
dedicando-se a leitura de textos tecnicos e científicos.
A leitura academica realizada pelos estudantes contempla
prioritariamente artigos científicos. No entanto, essa leitura nem
sempre ocorre de maneira completa, aprofundada e crítica, visto
que um percentual significativo de estudantes alegou apresentar
dificuldades, principalmente de compreensao textual. A leitura de
textos tecnicos e científicos e percebida pelos estudantes em geral
como fonte de conhecimento para a formaçao profissional e
academica, mas nem por isso deixa de estar associada as exigencias
do curso superior, a realizaçao de trabalhos e avaliaçoes. Vinculada
a essa concepçao utilitarista de leitura esta a constataçao que a
maioria dos estudantes realiza apenas as leituras solicitadas pelos
professores dos componentes curriculares ou aquelas que, pela
dinamica da aula, obrigatoriamente precisam ser feitas em virtude
das avaliaçoes. Isto e, poucos sao os estudantes que apresentam
uma postura autonoma e crítica capaz de motiva -los a aprofundar
as leituras atraves da pesquisa a outras fontes alem das fornecidas
pelos professores. Outro fator associado a essa postura e o pouco
tempo dedicado pelos estudantes as leituras academicas, sendo
este inferior a uma hora semanal. A condiçao de estudantes-
trabalhadores de 76% dos sujeitos pesquisados pode ajudar a
explicar esse comportamento, mas nao pode ser tomada como
justificativa, ja que outros fatores estao envolvidos na intensidade
P á g i n a | 171

de leitura, como a motivaçao em relaçao ao Ensino Superior e as


prioridades de vida de cada estudante.
A constataçao de que a leitura de literatura nao constitui
uma atividade consolidada e perene entre as praticas socioculturais
dos sujeitos pesquisados, sendo preterida em funçao de outros
interesses, sugere que a família, a escola, o grupo social que
integram e, atualmente, a propria Instituiçao de Ensino Superior,
nao ofereceram condiçoes favoraveis ou nao valorizaram
suficientemente a leitura a ponto de os estudantes se apropriarem
efetivamente dessa pratica. Isso reitera as ideias de Horellou-
Lafarge e Segre (2010), de que o valor simbolico atribuído ao livro,
enquanto objeto cultural, e a leitura, enquanto pratica, e construído
dentro de um processo educativo, ambientado no grupo social a que
pertence o indivíduo e influenciado pelas instituiçoes as quais
integra.
De fato, a literatura nao e contemplada nos componentes
curriculares que formam a estrutura dos CST analisados, ao menos
de maneira formal. Algum professor, por iniciativa propria, pode
eventualmente fazer uso da literatura em suas aulas, mas constitui
uma açao isolada. Dada a importancia da literatura para o
desenvolvimento do senso crítico e da capacidade de reflexao, ao
restringir as leituras dos estudantes a textos tecnicos e científicos,
o Ensino Superior Tecnologico acaba nao contribuindo para a
formaçao plena do leitor. Essa reflexao nos remete a propria funçao
das Instituiçoes de Educaçao Profissional, as quais, mais que
oferecer um curso profissionalizante para a aquisiçao de
conhecimentos e habilidades com imediata aplicaçao em algum
P á g i n a | 172

tipo de trabalho, deveriam estar comprometidas com a formaçao


humana do estudante.
Ressalta-se, assim, a importancia de existirem projetos de
promoçao da leitura e da literatura no espaço da universidade,
como clubes de leitura, saraus e concursos literarios, murais com
dicas de leitura, alem de açoes desenvolvidas no ambito da
blibioteca academica, como divulgaçao de novas aquisiçoes para o
acervo, listas de livros mais lidos, destaques de leitores. Essas
açoes, que poderiam envolver estudantes, docentes e servidores,
contribuiriam para aproximar os leitores dos livros, consolidar a
pratica da leitura para os que ja a realizam e oportunizar a formaçao
de novos leitores.
Enfim, ao promover o acesso a literatura, em ultima
instancia, a instituiçao de ensino estaria atendendo as proprias
Diretrizes do Ensino Superior Tecnologico, descritas no Parecer
CNE/CP n. 29, de 03 de dezembro de 2002, segundo as quais “a nova
educaçao profissional, especialmente a de nível tecnologico, requer
muito mais que a formaçao tecnica específica para um determinado
fazer”, ela requer uma formaçao em que haja a “valorizaçao da
cultura do trabalho e com a mobilizaçao dos valores necessarios a
tomada de decisoes profissionais e ao monitoramento dos seus
proprios desempenhos profissionais, em busca do belo e da
perfeiçao”. (BRASIL, 2002, p. 19). Isso quer dizer que os CST nao
devem ter como proposito, como foi por muito tempo o objetivo da
Educaçao Profissional no Brasil, a formaçao de mao de obra
qualificada e disciplinada para o mercado de trabalho, atendendo
aos interesses da sociedade capitalista, pautada pelos valores
P á g i n a | 173

economicos. Mais do que o “saber fazer”, ha que se formar cidadaos


pensantes, profissionais capazes de produzir conhecimento, com
criatividade e autonomia para a tomada de decisoes, com
sensibilidade para administrar as relaçoes interpessoais e para
compreender o proprio estar-no-mundo. E nada melhor que a
literatura para desenvolver essas habilidades, proporcionando a
formaçao do sujeito em sentido amplo.

REFERÊNCIAS
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leitura na formação do pedagogo da UFPA. In: Simpósio
Brasileiro/V Congresso Luso-Brasileiro/I Colóquio Ibero-
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p. 1-15. Disponível em:
http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2007/22
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diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso
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BRASIL. Resolução CNE/CP n. 3, de 18 de dezembro 2002. Institui as


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funcionamento dos cursos superiores de tecnologia. Brasília, DF:
CNE/CP, 2002. Disponível em:
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Acesso em: 01 fev. 2018.

BRASIL. Parecer CNE/CP n. 29, de 03 de dezembro de 2002. Trata


das diretrizes curriculares nacionais gerais para a organização e o
funcionamento dos cursos superiores de tecnologia. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/cp29.pdf. Acesso
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P á g i n a | 174

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introdução à alfabetização acadêmica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

HORELLOU-LAFARGE, Chantal; SEGRÉ, Monique. Sociologia da


Leitura. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2010.

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WITTER, G. P. (Org.). Leitura e universidade. Campinas: Alínea,


1997.
P á g i n a | 175

ESTRATÉGIAS COGNITIVAS E METACOGNITIVAS DE LEITURA


OBSERVADAS EM CRIANÇAS EM PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Profa. Ma. Jacilda de Siqueira Pinho


Profa. Ma. Lenir Maria de Farias Rodrigues

RESUMO: A leitura é uma habilidade muito valorizada nas sociedades letradas, nela,
estão implicadas várias operações de natureza cognitiva e metacognitiva,
indispensáveis para a construção de sentidos. Assim, o presente artigo objetiva
analisar algumas estratégias de compreensão leitora observadas em duas crianças
em processo de alfabetização e letramento, que frequentam escolas públicas. Este
estudo se fundamenta nos constructos teóricos de Solé (1998), Kleiman (1995,
2016), Leffa (1996); Davis et al (2005) entre outros. Para tanto, adota- se a técnica
de análise de protocolos verbais como instrumento de investigação, a partir da obra
digitalizada de Valéria Belém (2012): “O cabelo de Lelê”, envolvendo os dois
estudantes em situações diferentes de interação com as professoras-pesquisadoras.
Os resultados do estudo revelaram que ambas as crianças acionam algumas
operações estratégicas de cunho cognitivo e metacognitivo antes, durante e depois da
leitura; no entanto, necessitam de mediação para poder ativá-las e realizar
inferências, sobretudo, implícitas. O contexto sociocultural e a vivência dos
estudantes constituem fatores relevantes para a compreensão de conteúdos e
assuntos veiculados nas obras literárias.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; estratégias; protocolos verbais; letramento

INTRODUÇÃO
A leitura é alvo de pesquisas de diferentes campos
epistemológicos: Psicologia, Linguística, Neurologia, Sociologia e a
Educação, que se imbricam na tentativa de explicar e compreender
os mecanismos implicados nesse fenômeno. De fato, o ato de ler “é
um processo de integração de diversas operações” (COSCARELLI;
NOVAIS, 2010, p. 36), que exigem do leitor o acionamento de
estratégias sociocognitivas e metacognitivas, indispensáveis à
construção de sentidos.
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Nessa perspectiva, o presente artigo objetiva analisar


algumas estratégias de leitura observadas em crianças que se
encontram em processo de alfabetização e letramento dos anos
iniciais do Ensino Fundamental I (doravante, E.F.), procurando
relacioná-las à compreensão de textos multimodais, que já fazem
parte do repertório literário infantil, proposto pela escola; e a
suportes tecnológicos diferentes (impresso e digital), que estão
inseridos no cotidiano delas.
Portanto, este estudo será apresentado em quatro seções:
Estratégias de compreensão leitora; Metodologia: métodos e
instrumentos; Análises de protocolos verbais e Resultados e
conclusões.

1 ESTRATÉGIAS DE COMPREENSÃO LEITORA


Antes de decorrermos sobre as estratégias de
compreensão leitora, é preciso pontuar o que entendemos por
leitura. Para tanto, nos fundamentaremos na corrente
sociointeracionista da linguagem, na qual se filiam estudiosas como
Solé (1998), Koch e Elias (2015), Kleiman (2016), que concebem a
leitura como um processo de construção de sentidos, efetivado pela
interação ativa entre leitor, texto e autor. Deveras, “Essa concepção
de leitura, põe em foco o leitor e seus conhecimentos em interação
com o autor e o texto para a construção de sentidos” (KOCH; ELIAS,
2015, p. 13). Destarte, é relevante que o leitor tenha uma relação de
afinidade com o texto a ser lido e adote uma atitude responsiva
diante dele.
No contexto educacional, Solé alerta para a necessidade de
P á g i n a | 177

se ensinar estratégias de leitura aos estudantes, pois “a aquisição


da leitura é imprescindível para agir com autonomia nas
sociedades letradas, e ela provoca uma desvantagem profunda nas
pessoas que não conseguiram realizar essa aprendizagem” (SOLÉ,
1998., p. 32).
Diante do exposto, um questionamento se impõe: em que
consistem as estratégias de leituras (ou de compreensão leitora)?
Elas podem ser ensinadas já nos primeiros anos do E. F. I?
Segundo Solé (1998, p 70), estratégias: “são
procedimentos de caráter elevado, que envolvem a presença de
objetivos a serem realizados, o planejamento das ações que
desencadeiam para atingi-los, assim como sua avaliação e possível
mudança”. Elas podem ser de ordem cognitiva e metacognitiva. As
de ordem cognitiva se configuram em comportamentos
automáticos, inconscientes do leitor, que servem para construir os
sentidos locais do texto (KLEIMAN, 2016). Já as de ordem
metacognitiva se caracterizam como processos mentais
reguladores, que agem no plano consciente do leitor de forma
reflexiva (DAVI et al, 2005; JOU e SPERB, 2006;). Assim, o estudante,
ao empregar estratégias metacognitivas, monitora sua leitura, logo,
os processos cognitivos, antes despercebidos, passam a ser alvo de
reflexão.
Em mérito aos aspectos metacognitivos implicados na
leitura, é relevante salientar que muitos estudos científicos
chegaram aos seguintes resultados: a metacognição é uma
capacidade que se desenvolve com a idade; está correlacionada
com o grau de proficiência do leitor; melhora com a instrução e sua
P á g i n a | 178

eficácia depende dos objetivos da leitura. (LEFFA; 1996). Assim, é


plausível que “as crianças pequenas mostram maiores dificuldades
para avaliar o próprio conhecimento [...], isto é, para controlar o
conhecimento ou refletir sobre ele” (KLEIMAN, 2016, p. 37).
Com ênfase, Solé (1998) sugere que tais procedimentos
sejam ensinados antes, durante e após a leitura, desde as séries
iniciais. Entre as estratégias, apontadas pela pesquisadora
espanhola, podemos destacar as seguintes: motivação; ativação do
conhecimento prévio; formulação de hipóteses (antes da leitura);
ler, esclarecer, prever, recapitular (durante a leitura); resumir e
avaliar (depois da leitura).
Davis et al (2005, p. 205) coadunam com Solé, advogando a
favor da implementação de uma cultura do raciocínio, que
privilegie o ensinamento de operações metacognitivas como forma
de promover a autonomia do sujeito em frente ao processo de
ensino-aprendizagem:

Um aspecto central na implementação de uma cultura do


pensamento é desenvolver habilidades metacognitivas, pois é
por meio delas que se torna possível a elaboração de
conhecimentos e formas de pensar que assegurem maior
possibilidade de sucesso e generalização, bem como a aquisição
da autonomia na gestão da aprendizagem e na construção de
uma auto-imagem de aprendiz competente.

Essas estratégias de compreensão leitora servem de


andaimes2 para que o aluno se torne um leitor proficiente e devem
ser ensinadas pelo professor, que vai, paulatinamente, auxiliando o

2Bruner e colaboradores (1976) utilizam a metáfora de andaime para


explicar o papel do ensino em relação à aprendizagem do estudante. (Cf.
SOLÉ, 1998, p. 76).
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aluno até que ele se torne autônomo nesse processo.


No que concerne à multimodalidade textual, a literatura
infantil por tradição é permeada de multissemioses. As crianças nas
primeiras fases do E. F. I já estão familiarizadas com livros que
mesclam ilustrações, texturas, palavras, independente do suporte
utilizado (impresso, digital, analógico). De fato, muitas aprendem a
“ler” as imagens muito antes de decifrarem o código linguístico
escrito.
Entende-se por texto multimodal ou multissemiótico,

aquele que recorre a mais de uma modalidade de linguagem ou


a mais de um sistema de signos ou símbolos (semiose) em sua
composição. Língua oral e escrita (modalidade verbal),
linguagem corporal (gestualidade, danças, performances,
vestimentas- modalidade gestual), áudio (música e outros sons
não verbais –modalidade sonora) e imagens estáticas em
movimento (fotos, ilustrações, grafismos, vídeos, animações-
modalidades visuais) compõem hoje os textos da
contemporaneidade, tanto em veículos impressos como,
principalmente, nas mídias analógicas e digitais. (ROJO;
BARBOSA, 2015, p. 108 - Destaque das autoras).

Esses textos multimodais da literatura infantil circulam


deliberadamente pelo ciberespaço em forma digitalizada,
facilitando, de certa forma, o acesso às obras desse repertório
literário, que podem ser lidas e apreciadas seja por um suporte
digital que impresso.
Conforme Chartier (1995, p. 220) “é fundamental lembrar
que nenhum texto existe fora do suporte que lhe confere
legibilidade; qualquer compreensão de um texto, não importa de
que tipo, depende das formas com as quais ele chega até seu leitor.”
Nessa perspectiva, algumas pesquisas assinalam que a
leitura feita por um artefato eletrônico mobiliza mais saberes “Nos
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processos de navegação que o meio digital materializa, por


exemplo, o leitor precisa identificar o que é link, botão, janela, aba,
ícone, etc., e integrar essa informação ao conteúdo verbal do texto”
(COSCARELLI; NOVAIS, 2010, p. 39).
Situação bastante observável na contemporaneidade, se
pensarmos que crianças pequenas já possuem uma compreensão
intuitiva de que deslizando os dedos pelas telas (touch screen) ou
clicando um determinado ícone mudam de páginas ou acessam
outras janelas (links). Nesse sentido, optamos por diferentes
suportes, uma vez que ambas as tecnologias (impressa e digital),
presentes no cotidiano familiar e escolar dos nossosestudantes,
destacam- se como ferramentas úteis no processo de ensino-
aprendizagem da leitura nas aulas de Língua Portuguesa e demais
disciplinas.

2 METODOLOGIA: MÉTODOS E INSTRUMENTOS


A metodologia que apresentamos neste artigo é de tipo
interpretativa, quanto análise dos resultados, e se se enquadra no
grande rol das pesquisas qualitativas. Adotamos a análise de
protocolos3 como técnica para a identificação de alguns esquemas
cognitivos e metacognitivos implicados no processo de leitura.
Leffa (1996, p. 51) explica que tal técnica “envolvendo uma
entrevista em que o pesquisador tenta através de perguntas
indiretas obter dados sobre os processos usados pelo leitor, tem
sido uma das mais usadas na pesquisa metacognitiva”. Acreditamos

3 Entende-se por protocolo “aquilo que as pessoas entrevistadas dizem ou


escrevem” (KLEIMAN, 2016, P.24).
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também que seja um procedimento bastante idôneo para apurar os


mecanismos cognoscitivos.
Utilizamos como instrumento, mesmo que sumariamente,
um roteiro de leitura baseado na obra infantil de Valéria Belém, “O
cabelo de Lelê” (2012), na forma digitalizada que daria a
possibilidade se ser lida mediante um suporte digital ou impresso.
Os critérios de inclusão dos sujeitos da pesquisa: alunos de
escolas públicas, de etnias e gêneros diferentes, com 7 anos
completos e que estão cursando as séries iniciais do Ensino
Fundamental I, considerados bons leitores para a idade e nível de
escolarização, segundo as professoras regentes das turmas que
frequentam.
As perguntas que colocamos são: as crianças na fase de
alfabetização acionam o conhecimento prévio no ato de leitura? Elas
costumam formular inferências implícitas com base em outros
repertórios de leitura, experiência de vida, crenças e valores
(conhecimento de mundo) ou se baseiam apenas nas ideias aferidas
no texto? As crianças que se encontram ainda nos primeiros anos
do E.F. já conseguem identificar os elementos textuais/linguísticos
que constituem percalços para a própria compreensão leitora? Elas
conseguem acionar estratégias metacognitivas de “reparação” para
essas dificuldades encontradas? O artefato tecnológico (digital ou
impresso) pode acionar esquemas cognitivos diferenciados no
leitor?
Para tanto foram realizados 2 protocolos de leitura. As
crianças serão identificadas pelas iniciais A1 (7anos, branca, gênero
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feminino, cursa o 1° ano do E.F) e A24 (7anos, negro, gênero


masculino, cursa o 2° ano do E. F.) Vale dizer que ambas as crianças
vivem em municípios diferentes, localizados no Estado de Mato
Grosso.

3 ANÁLISES DE PROTOCOLOS VERBAIS


Os protocolos 5 foram aplicados por duas professoras 6 (P1
e P2) e serão analisados por meio de recortes. Neles, observaremos
as seguintes estratégias cognitivas e metacognitivas: acionamento
do conhecimento prévio; formulação de conclusões implícitas no
texto; aspectos metacognitivos acionados para a “reparação” dos
entraves para a compreensão textual.
O protocolo de leitura 1 foi dividido em duas partes: um
antes e outro após a leitura silenciosa, realizada por A1 na Sala da
Biblioteca. O material usado foi um livro impresso em tinta
colorida, de uma versão digitalizada, em folhas de A4. A obra
original contém 32 páginas, mas, para a impressão, utilizamos 17
folhas A4 (incluindo a capa frontal e final).
Vale dizer que os áudios de ambos os protocolos, 1 e 2,
foram registrados por um aparelho celular tipo Android
(smartphone).

4A2 se encontra um ano adiantado em relação à A1, durante análise não levaremos
em conta esse aspecto, por estarem no mesmo ciclo de estudo.
5Protocolo 1: parte I- duração 4: 34; parte II- duração 28: 31. Protocolo 2: duração
aproximadamente 12:00.
6 P1- Lenir Maria de Farias Rodrigues; P2- Jacilda Siqueira Pinho.
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Protocolo 1, parte I
P1: Oi! Gostaria que você me ajudasse na leitura desse livro. Posso
contar contigo?
(1) A1: Sim
(2) P1: Pegue esse livro em mãos. Dê uma folheada. Em cada
página, dá uma olhadinha.
Aluna pega o material impresso e começa a folheá-lo com
delicadeza, sem se ater a nenhum detalhe ilustrativo. A atividade
dura aproximadamente 1min. 26seg.
(3) P1: Agora, observe com atenção a imagem da capa e o título
do livro. Qual é o título dolivro?
(4) A1: O cabelo de Lelê.
(5) P1: Isso! Do que você acha que vai falar esse livro?
(6) A1: Do cabelo.
(7) P1: Essa imagem aqui (apontando para a imagem da capa): é
de um menino, de uma menina?
(8) A1: Um menino. [Responde pouco convicta].
(9) P1: Você acha que é de um menino? Professora diz
apontando para o título do livro: “O cabelo de...”
(10) P1. e A1:Lelê”.
(11) P1: Você ainda não sabe se é de um menino ou de uma
menina?
(12) A1: Não.
(13) P1: E aqui? A professora mostra uma imagem. O que está
escrito ‘nesse’ livrinho aqui?
(14) A1: Países africanos? Países africanos.
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P1: Agora, eu vou te falar, Lelê (a professora mostra a ilustração


da protagonista da história) esse desenho aqui é de uma menina. E
‘me’ descreve como essa menina é? Olhe para essa imagem e fala
como você vê a Lelê?
A1: Cabelo grandão... Diz A1, falando baixinho. [A professora
solicita que ela aumente o volume da voz]
A1: Cabelo grandão (repete novamente em um tom mais forte,
como se estivesse pensando sobre o que falar e no final faz uma
pausa, sem saber o que dizer...)
(15) P1: A Lelê (apontando para a menina ilustrada na capa), de
que cor ela é?
(16) A1: Negra não, né?
(17) P1: Olha, você tem que olhar a imagem, ela é de que cor?
[Silêncio...]
(18) P1: Fala o que você quiser, não tem problema.
(19) A1: Negra.
(20) P1: Ela é negra (confirma a professora). Ela está fazendo o
quê?
(21) A1.: Leno.
(22) P1: Lendo, lendo... O que pode ser isso aí? (Fala a professora
apontando para o livro ilustrado na capa).
(23) A1: Livro
(24) P1: É um livro. Ela parece entusiasmada com a leitura?
(25) A1: Acho que sim.
(26) P1: O que será que ela vai descobrir com essa leitura?
(27) A1: Cidades ou países.
P á g i n a | 185

Como podemos observar no turno (1) a entrevistadora,


desde o primeiro momento que se relaciona com A1, opta por
uma variação linguística mais próxima da realidade da criança,
baseando-se na sua faixa etária, com um baixo grau de
monitoramento para deixar a aluna mais à vontade, haja vista
que as duas não se conheciam e era necessário criar um ambiente
mais acolhedor possível. De fato, “A variação linguística não é
uma deficiência da língua, é um recurso posto à disposição dos
falantes [...]. A escolha entre os modos de falar não é aleatória
[...]” (BORTONI-RICARDO; OLIVEIRA; 2013, p. 52).
No turno (7), A1 inferiu que o assunto da história estaria em
torno dos cabelos de Lelê; ideia bem explícita no título do texto.
No entanto, não se ateu muito às imagens da capa, pois ficou
bastante em dúvida quanto ao gênero da personagem, o qual
precisou ser confirmado pela professora, como demonstram os
turnos (9), (13) e (16).
Um fato interessante se refere à cor e etnia de Lelê, trata-
se de uma menina negra de cabelos compridos bem encaracolados
e isso é evidente na ilustração. No entanto, A1, nos turnos (20) e
(23) mostra-se receosa em afirmar que Lelê é negra. E só o faz
depois da insistência de P1.
A1, nos turnos (25) e (27), realiza algumas inferências se
pautando na ilustração. Nos turnos (29) e (31), formula hipóteses
sobre o que está fazendo Lelê e sobre o que a protagonista pretende
descobrir com a leitura.
A esse mérito Solé (1998, p. 108) elucida que
P á g i n a | 186

formular hipótese, fazer previsões, exige correr riscos, pois por


definição não envolvem exatidão daquilo que se previu ou
formulou. Para correr riscos é preciso ter certeza de que isso é
possível, ou seja, que ninguém vai ser sancionado por ter se
aventurado [...] as previsões feitas por alunos e alunas nunca
são absurdas, isto é, que com a informação disponível- título e
ilustrações- formulam expectativas que, ainda que não se
realizem [...] são pertinentes.

A1 realizou a leitura silenciosa por cerca de 10 minutos. A


menina leu seguindo sílabas, palavras e frase com o dedo indicador
e não se ateve às imagens ilustradas no material impresso. Nota-se a
que discente fez uma leitura silenciosa relativamente rápida, tendo
em vista que ainda está no primeiro ano do E.F I A entrevistada
parecia concentrada na decifração das palavras- marco
considerado fundamental para o desenvolvimento da competência
leitora, embora, segundo as ponderações de Solé (1998), a simples
decodificação não seja um fator quegaranta a formação do leitor: “o
bom leitor é aquele que utiliza simultaneamente os indicadores
contextuais, textuais e grafofônicos para construir o significado”
(SOLÉ, 1998, p. 60).
Após a leitura silenciosa, P1 continua a interagir com A1:

Protocolo 1, Parte II
(1) P1: Oi. Conseguiu ler? Você teve dificuldade em compreender
o texto?
(2) A1: Um pouco.
(3) P1: Teve dificuldades em ler alguma palavra?
(4) A1: Sim...

Pelas respostas de A1, nos turnos (2) e (4) (parte II),


P á g i n a | 187

notamos que a educanda já percebe e tem a sensação que não


compreendeu plenamente o texto, e já demonstra capacidade de
reflexão sobre o lido. Esse aspecto se refere à dimensão
metacognitiva.
A professora reforça positivamente o desempenho da
menina:

(5) P1: Por quê? O que ela acha do cabelo dela? [...]
(6) P1: Pode falar, fala o que você entendeu até agora.
(7) A1: Ela tem cachinhos.
A entrevistadora volta na página 7 da obra, em que a
narradora onisciente demonstra o sentimento da personagem em
relação ao cabelo: “Jeito não dá, jeito não tem”. E assim questiona
A1:
(8) P1.: Você acha que tem? O cabelo dela tem jeito?
(9) A1: Para tirar os cachinhos? Acho que não.

P1 segue a sugestões de Solé (1998, p 105) no sentido de


ajudar a aluna “a prestar atenção a determinados aspectos do texto
que podem ativar seu conhecimento prévio”. Neste caso, ao
perguntar sobre os cabelos a professora instiga a discente a buscar
soluções para o suposto “problema” de Lelê. Para isso, a
entrevistada deve articular todos os seus saberes de mundo,
socioculturais, isto é, ativar estratégias sociocognitivas para ajudar
a personagem da história. No final, A1 acha que não há como
modificar a estrutura do cabelo de Lelê. De fato, “O que caracteriza
a mentalidade estratégica é sua capacidade de representar e
P á g i n a | 188

analisar problemas e a flexibilidade de encontrar soluções” (SOLÉ;


1998, p. 70).
A professora retoma a leitura oral e indaga:

(19) P1: O que Lelê quer tanto saber? Porque ela pergunta “- De
onde vêm tantos cachinhos? a pergunta se mantém”. O que ela
quer saber? [...] Aqui não tem certo, nem errado!
(21) A1: Ela quer saber dos cachinhos.

Embora a pergunta da educadora possa parecer


redundante ela o faz para manter a atenção da aluna focada na
leitura, incentivando a criança a se posicionar e travar um diálogo
com a obra.
A leitura prossegue a partir da página 6 do material
impresso (página 10-11 da obra). A menina demonstra ter
dificuldades em pronunciar a palavra exige na oração: “Toda
pergunta exige resposta.” (, p. 10). Ao contrário do que a professora
imagina: que tal obstáculo serefere à letra “x”, pois há vários
fonemas, a aluna diz ter dificuldades em pronunciar a letra “g”.
(22) P1: Esta aqui que você ficou com dúvida? Mas você leu
certinho! Por que você ficou com dúvida?
(23) A1: Porque aqui tava o “g’, mas eu falava com “s”.
(24) P1: Tá falando do “x” ou do “g”?
(25) A1: Esse aqui, do “g’. Tá o “g” aqui, mas eu falava tipo assim:
“exisse”.
(26) P1.: Ahhh...entendi! Então o “g” te confundiu um pouco. Mas
você leu certo: exige!
P á g i n a | 189

Agora para um pouquinho aí. Observe bem o rosto da


menina. O que indica a sua expressão? O que você acha que a
menina está fazendo nesta imagem, nesta ilustração.

(27) A1: Pensando em um livro?


(28) P1: Pensando em um livro?
(30) A1: É.
(31) P1: Pode ser. Vamos depois conferir se é isso mesmo.
A professora relê a impressão n. 5, confirmando a resposta
da discente.
(32) P1: Mas será que ela vai conseguir encontrar essa resposta?
(33) A1: Do cabelo?
(34) P1: Ham, ham..
Depois de uma pausa a professora insiste pelo sim ou pelo
não. A1 afirma que sim.
(35) P1: Por quê? Você já fez uma leitura antes...

Como é possível verificar, nos turnos (29), (31) e (35), P1


tenta ensinar alguns procedimentos de leitura que comprovem a
compreensão leitora de A1 como ler, solicitar esclarecimentos,
recapitular e prever, de acordo com os ensinamentos de Solé
(1998).
A1. continua a leitura oral das palavras e frases
acompanhando com o indicador. Na página 6 do artefato impresso,
que corresponde a de n. 15 do livro, a discente apresenta
dificuldades na pronunciação das palavras: “Atlântico”, a qual
P á g i n a | 190

verbaliza sem o “n” (processo de desanalização) e enredo, a qual


simplifica suprimindo o “d”: “enreno”. A menina pede confirmação
se havia verbalizado corretamente, então a professora solicita que
ela pronuncie sílaba por sílaba, com a emissão correta dos fonemas
das sílabas. Não convicta ainda de haver falado corretamente, a
menina questiona a professora:

(36) A1: É en/r/edo aqui, né? [A1 pronuncia a consoante “r”


com o som vibrante como em“barato”].

A docente então pergunta se a menina está confundindo o


som do /r/ vibrante simples como em caro, e vibrante múltipla
como em carro. A1 confirma. Interessante que na palavra
enrolado, A1 não demonstrou dificuldades. A professora faz a
aprendiz notar que a sequência é a mesma, e-n-r, em “enredo” e
“enrolado”, que embora tenham só um “r”, o fonema é
pronunciado como se tivesse dois “erres”, pois, como explica a
professora, antes da letra “r” há uma consoante, no caso o “n”.
Nesses diálogos, fica claro a preocupação da estudante com a
pronunciação corretas das palavras, demonstrando que já possui
uma consciência fonológica 7 acerca do código linguístico.
Na impressão n. 9, é apresentada uma série de penteados
de cabelos de garotinhas que se parecem com Lelê, praticamente
retrata a imagem que supostamente Lelê encontra no livro

7 “A capacidade metalinguística que possibilita a análise consciente das


estruturas formais da língua” (SEARA, NUNES E LAZZAROTTO-VOLCÃO,
2015, p. 166).
P á g i n a | 191

intitulado: “Países africanos”. A professora indaga a discente sobre


essa imagem:
(37) P1: Onde ela encontrou essa imagem aqui?
(38) A1: No livro: “Países africanos”.
(39) P.1: Muito bem!
A professora solicita que A1 prossiga com a leitura até a
página 10 impressa e retorna no impresso n. 8 para questionar
acerca do Atlântico. Se a menina já ouviu falar sobre isso. Ela afirma
que já ouviu falar no desenho, mas não sabe o que é. A professora
prossegue:
(40) P1: O Atlântico é um oceano, que é um mar muito grande.
Você conhece o mar? Já foi no mar? Viu o mar?
(41) A1: Eu não sabia que era o mar. Responde com ar de
surpresa, mas não responde se conhece o mar de perto. A
professora continua:
(42) P1: É o oceano que separa o Brasil da África. Vou falar de
forma simples... [...] Você mora em qual país?
(43) A1: Brasil!
(44) P1: Existe um mar bem grande, Oceano Atlântico, que
separa o Brasil de outros países, de um continente bem grande
chamado África. Já ouviu falar da África?
(45) A1: Já!
(46) P1: O que você ouviu falar da África?
(47) A1: De animais...
(48) P1: Que tipo de animal tem na África?
(49) A1: Elefante, girafa, leão?
(50) P1: Pode ser. [...] Você acha que a África é um país igual ao
P á g i n a | 192

Brasil ou a África é feita de muitos países, de acordo com o que


você leu até agora?
(51) A1: Igual o Brasil, eu acho que é.
(52) P1: É um país? Ou quando se fala de África tem muitos
países lá dentro?
(53) A1: Não, não tem!
(54) P1: O que Lelê descobriu com aquela imagem que estava lá
dentro daquele livro?
(55) A1: Sobre cabelos?
(56) P1: Isso! Sobre cabelos! Você pode falar o que você está
vendo aqui?
(57) A1: Cabelo cacheado, cacheado, cacheado..., cabelo
curtinho...
(58) P1: O que você acha que essas pessoas têm em comum com
a Lelê?
(59) A1: Cachinhos.
(60) P1: Só os cachinhos que elas têm em comum com a Lelê?
(61) A1: Acho que é.

Nesses diálogos, P1 tenta acionar o conhecimento prévio


da aluna sobre o Atlântico, Brasil e África para tentar ajudá-la a
compreender a parte do texto, que reputa ser mais complexa, em
virtude da pouca idade da entrevistada. De fato, naquele fragmento
textual, a menina precisaria articular vários saberes
enciclopédicos8 Além disso, nessa interlocução a educadora já tenta

8 Terminologia usada por Koch e Elias (2015).


P á g i n a | 193

romper alguns estereótipos que permeiam o continente africano.


Um delesé “pensar” a África como um único país.

(75) P1: Primeiramente, você acha que Lelê puxou para quem?
Ela é parecida com quem? [...] Ela herdou esses cachinhos de
quem?
(76) A1: De toda a família, eu acho.
(77) P1: Você acha que a cultura brasileira é formada por só um
tipo de cultura ou [...] vários tipos culturas? [...] Você acha que no
Brasil tem muitas coisas misturadas?
(78) A1: Na minha é muito.
(79) P1: Você conhece uma pessoa parecida com Lelê, que tem a
mesma aparência dela? A1 balança a cabeça afirmativamente.
(75) P1: Na sua família tem gente que se parece com a Lelê? Hã?

Continuam com a leitura do livro. A professora reforça o que


está escrito no impresso n. 13.
A estudante se mostra relutante em associar a personagem
da história com pessoas conhecidas que fazem parte do seu dia -a –
dia. A sensação que tivemos foi que identificar uma pessoa como
negra seria quase uma ofensa. Certamente, as questões
etnicorraciais, veiculadas no texto, deveriam ser abertamente
discutidas em sala de aula desde a Educação Infantil.
A1 lê a página 26 do livro (impresso n. 14) e declara falta de
compreensão do trecho, questiona o que seria o tal “pedaço de sua
história”. A professora retoma a parte em que fala que Lelê herdou
o cabelo de alguém. E a questiona:
P á g i n a | 194

(76) P1: A gente se parece com quem? Você se parece com quem?
(77) A1: Sabrina Sato! Diz mostrando uma pinta entre os olhos.
(78) P1: Ah... Eu achei que você fosse falar com seu pai ou sua
mãe. (Risos das duas)

A professora explica que Lelê se parece com o pai, o avô e


também com as pessoas que vieram muito antes deles, desses
países africanos. E que todos esses cachinhos contam a história de
Lelê e de toda a sua família. Enquanto a professora falava, a menina
completava as falas da docente adequadamente, demonstrando
compreensão e realizando inferências. A educadora tece elogios à
aluna.
A1 segue com a leitura até o impresso n. 15 (BELÉM; 2012,
p. 28-29). A docente indaga sobre as três meninas ilustradas.

(79) P1: O que as diferencia?


(80) A1: A cor e esse negócio aqui (aponta para os cílios).
(81) P1: Cabelo? Iguais ou diferentes? Os cabelos...
(82) A1: Parece que esse aqui é igual esse (relaciona a Lelê
ilustrada e a menina do meio, clara de cabelos crespos acobreados,
que A1 afirma ser de cor amarela).
(83) P1: O que Lelê sente agora no final da história é igual ao
sentimento que ela sentia no início?
(84) A1: Não!
(85) P1: O que ela sentia no início?
(86) A1: Tristeza.
P á g i n a | 195

(87) P1: Por que ela sentia tristeza? De que ela não gostava?
(88) A1: Cabelo?
(89) P1: Você que tem que me dizer? A1 anui afirmativamente.
(90) P1: E agora ela gosta?
(91) A1: Sim!
(92) P1: Muito bem! A Lelê ama o que vê e você concorda com
ela?
(93) A1: Sim.
(94) P1: Você acha que a gente tem que se gostar do jeito que a
gente é?
(95) A1: Sim
(96) P1: E nós somos todos iguais ou somos diferentes?
(97) A1: Sim. Somos todos inguais.
(98) P1: Como assim, não entendi?
(99) A1: Inguais, tipo tem pernas, tem pés.

Percebemos nos turnos (91) ao (99) que a professora


solicitou que A1 recapitulasse história, ou seja, as diferenças
suscitadas no enredo: situação inicial e final. Os demais turnos
corroboram a verificação que A1 conseguiu compreender o texto,
acionando estratégias cognitivas e metacognitivas com o auxílio da
educadora. No entanto, ainda, a menina se mostra receosa em
encarar as diferenças etnicorraciais, presentes na cultura
brasileira.
Relativamente ao Protocolo 2 9, as estratégias

9 Este protocolo está disponível no ambiente virtual, link:


http://jacildasiqueirapinho.blogspot.com.br
P á g i n a | 196

desenvolvidas pretenderam ajudar o estudante a compreender e


desvendar o sentido do texto, utilizando capacidade crítica de
refletir sobre o que leu, fazer inferências e relacionar com os
conhecimentos prévios que traz do seu mundo ainda que pequeno,
porém, rico.

Protocolo 2, Parte I
(1) P2: Primeiramente você deslize o dedo pelo celular, veja bem
as imagens, até o final da página, agora volte para o início...
(2) A2: Desliza o dedo de forma rápida e sem medo em manusear
o objeto.
P2: Vamos para a capa? Agora pode ler. Está falando sobre? Você
acha que vai falar sobre o que o livro?
(3) A2: Não sei
(4) P2: Não sabe? Quem é Lelê...Descreva como que Lelê é...Como
é Lelê ? Lá onde você parou...
(5) A2: Ela tem cabelo grande
(6) P2: Ela tem o que?
(7) A2: Cabelo grande

Nesta parte procuramos ativar os conhecimentos prévios


do entrevistado relevantes para a compreensão da história, A2 a
priori diz que não sabe sobre o que o livro trata, mesmo após ter
efetuado a leitura visual.
Percebendo que o estudante precisava ativar os
conhecimentos, P2 começou a indagar sobre as características
descritivas da personagem. Pressupondo que o contato com o texto
P á g i n a | 197

faz ativar nossa memória a partir dos conhecimentos que já


possuímos, assim, A2, começou a observar melhor a figura da
personagem e atribuir sentidos ao texto.

Protocolo 2, Parte II
(8) P2 Você conhece alguém que tem o cabelo igual da Lelê?
Coleguinhas do bairro, da sala ou da cidade?
(9) A2: Sim...da cidade
(10) P2: Meninas ou menino?
(11) A2: Menina. Minha prima Iandra:
(12) P2: Quem mais se parece com o cabelo igual da Lelê?
(13) A2: Meus dois irmãos. O Giu e o Victor..
(14) P2: Parece?
(15) A2: E eu também.
(16) P2: Você acha que se parece com seus pais no que?
(17) A2: No cabelo, no rosto..
(18) P2: Qual é a cor da Lelê?
A2: Negra

Nesses diálogos o que podemos observar é que o aluno,


com base em seu cotidiano familiar, conseguiu inferir que existem
pessoas iguais a personagem, portanto, a leitura tornou- se
significativa para ele. Ainda conseguiu se identificar com a
personagem pela cor ecabelo.
A esta estratégia Solé define como formulação de
conclusões implícitas no texto, com base em outras leituras,
experiências de vida, crenças, valores. Com efeito, “se ensinamos
P á g i n a | 198

um aluno a ler compreensivamente e a aprender a partir da leitura,


estamos fazendo com que ele aprenda a aprender, isto é, com que
ele possa aprender de forma autônoma em uma multiplicidade de
situações” (SOLÉ, 1998 p.47).

Protocolo 2, Parte III


(19) P2: Você já leu outra história que tenha personagens
negras?
(20) A1: Não
(21) P2: Pensa bem... nenhuma historinha infantil? Que tem
personagem negra?
(22) A2: Tem A turma da Mônica que tem o amigo da Mônica, que
esqueci o nome dele, mas ele é negro.
Percebemos neste fragmento que conforme seu repertório
de leitura o estudante-leitor, após o incentivo de P2, conseguiu
ativar inferência a outra leitura, que Kleiman (1995) define como
“operações cognitivas de ordem superior”, no qual o leitor
deverá buscar na memória conhecimento de mundo, porém
baseado em seu repertório literário.

Protocolo 2, Parte IV
(23) A2: Toda pergunta existe..exige re..resposta e em um livro
vou procurar.[...]Depois do Atlântico, a África chama. E conta uma
trama de sonhos e medos. De guerra e vidas e mortes no
em..enredo(som vibrante)
(27 ) P2:Enredo?
P á g i n a | 199

(29) A2: Enredo.(som consoante pós vocálica)

Notamos que o estudante-leitor por si só fez a


autocorreção na palavra existe. No entanto, na palavra resposta,
primeiro ele pensou, observou e, após isso, proferiu-a. Percebemos
que o conhecimento e os dados que estavam armazenados na
memória de A2, no ato da leitura foram mobilizados.
Já na palavra enredo, P2 teve que construir andaime para
que ele percebesse que a pronúncia estava inadequada. Nas três
palavras observadas ocorreu o processo de metacognição.
Em mérito à temática do livro, que envolve questões
etnicorraciais, por mais que A2 tenha inferido relações com
personagem negra da turma da Mônica, percebemos ainda restrição
do repertório bibliográfico apresentado para as crianças, uma vez
que o aluno citou somente um personagem e uma história. No caso
de A1, por exemplo, a aluna preferiu desconsiderar essas questões.
De acordo com Freitas (2014, p.51), “pode-se dizer, no
entanto, que a literatura infantil, durante muito tempo insistiu em
um discurso monológico não preocupado com o desafio da
diferença”.

Para o pequeno leitor, as histórias infantis, como as fábulas, os


contos de fadas etc. propiciam o desenvolvimento cognitivo por
meio do processo de representação e construções simbólicas.
Já a literatura de temática afro-brasileira contribui para
reflexões que rompem com uma visão construída sob o
fundamento das desigualdades, construindo uma visão sob
uma base de valorização da diversidade (BARREIROS, 2015,
p.171).
P á g i n a | 200

Mas há que se considerar que A2 com base em sua pouca


experiência de vida soube contextualizar-se na história ao elencar
membros da família ou até ele mesmo como sendo identidade
negra a partir da literatura

4 RESULTADOS E CONCLUSÕES
A partir das questões norteadoras sobre as estratégias
cognitivas e metacognitivas realizadas pelas crianças antes,
durante e após a leitura e os resultados gerados das análises dos
protocolos verbais, foi possível inferir as seguintes ponderações:
- A1 e A2 acionam o conhecimento prévio no ato de leitura, mas
necessitam de ajuda para que consigam “reavivá-los” na
memória. Apenas a visualização de imagens não é o suficiente
para a compreensão textual e atribuição de sentidos.
- Durante a leitura, as duas crianças, embora ainda pequenas,
realizam algumas inferências implícitas baseadas em outros
repertórios de leitura (desenhos animados, por exemplo),
experiências vividas ou compartilhadas, valores e crenças.
- A2, por ser da mesma etnia da personagem do livro, impetrou
maiores inferências quanto a cor, cabelo e rosto. Além disso,
conseguiu identificar-se com a protagonista, relacionando-a com
pessoas da família.
- A1 e A2 já realizam algumas operações metacognitivas, mas
ainda necessitam de apoio de um par mais competente para
realizar ações de reparo para suprir as dificuldades de
compreensão leitora.
- Ambas as crianças já realizam, eficazmente, atividades
P á g i n a | 201

metalinguísticas, quando identificam dificuldades de


pronunciação de palavras e tentam superá-las com os recursos
cognitivos e linguísticos que já dispõem. Demonstram, assim, que
desenvolveram uma boa consciência fonológica do código
escrito.
- A2 acionou esquemas cognitivos diferenciados durante a leitura
pelo Smartphone (capacidade de “rolar” as páginas apenas pelo
toque da tela, por exemplo), embora tenha declarado preferência
pelo computador, devido sua maior familiaridade com este
artefato. Em acréscimo, o suporte digital contribuiu para que ele
aumentasse seu interesse pela história e ficasse mais à vontade
antes e durante o processo.

Para finalizar, ficou patente, nessa interlocução, que A1 e


A2 estão desenvolvendo, satisfatoriamente, suas habilidades
cognitivas e metacognitivas de leitura, tendo como base a faixa
etária e o ano de escolaridade de ambos. Outrossim, é prudente
enfatizar que essas habilidades se constituem pela interação com
um par mais competente (o professor, o pai, a mãe), o qual fornece
subsídios para que a criança amplie progressivamente sua
compreensão leitora, e, desta forma, se torne um leitor crítico-
reflexivo diante do texto.

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2015. Disponível em: <http://e-
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OS MOVIMENTOS SOCIAIS DA METADE DO SÉCULO XX E AS


SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A POLÍTICA BRASILEIRA DE
ALFABETIZAÇÃO

Prof. Me. Iago Pereira dos Santos


Profa. Dra. Eliana Crispim França Luquetti
Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura

RESUMO: O texto que aqui se inicia é um recorte da pesquisa de mestrado intitulada


“Práticas de Letramento Escolar no contexto do Ciclo de Alfabetização: reflexões
acerca do Agir Professoral na Educação Pública Municipal de Marataízes – ES” e tem
como objetivo apresentar como os movimentos sociais que estiveram em atividade
no Brasil em meados do século XX contribuíram para o desenvolvimento das
primeiras políticas públicas educacionais de alfabetização. Para tanto, fez-se
levantamento da literatura especializada e a leitura de documentos oficiais que
versam sobre a temática do estudo. Logo, a análise permitiu evidenciar que os
movimentos sociais em prol da educação, mesmo não atingindo o potencial de
erradicação do analfabetismo, abriram caminhos para a efetivação de políticas
públicas governamentais que pudessem atender às camadas menos privilegiadas.

INTRODUÇÃO
No âmbito da política linguística de uma nação está presente o
processo de aquisição da linguagem em seus aspectos linguísticos
e discursivos a serem transmitidos pela escola. É nesse contexto
que se instaura a alfabetização, momento em que a criança começa
a aprender o sistema alfabético e ortográfico da língua portuguesa,
e que também ela vai aperfeiçoando alguns aspectos da sua
oralidade à medida que interage com seus semelhantes durante o
processo de ensino-aprendizagem.
Sendo assim, um país que tem por princípios fundamentais a
soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, assume
constitucionalmente a sua responsabilidade social com as políticas
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públicas que visam à sustentação desses direitos. O direito a


Educação que é firmado no Artigo 205 da Constituição Federal de
1988, o qual reforça que “a educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho (BRASIL, 1988)”, necessita de investimento em
políticas públicas e leis focalizadas por parte dos legisladores.
Desse modo, a compreensão das políticas públicas e das
legislações para a Educação é um dos tipos de conhecimentos que
deve estar presente na formação dos futuros profissionais que
atuarão no contexto educacional, de modo que estes possam
posicionar-se criticamente e apontar caminhos na luta contra as
reiteradas desigualdades sociais que estão sujeitadas as pessoas
das camadas sociais menos privilegiadas.
Mas afinal, o que são Políticas Públicas? E como elas se
inserem no meio educacional?
As políticas públicas são medidas governamentais por
meio de programas e ações que tem por objetivo a melhoria de
determinada situação que produzirão resultados desejados no
plano cultural, econômico, educacional e social do país (SOUZA,
2002). No caso das políticas públicas educacionais, as quais são
foco desse estudo, pode-se depreender que elas são um conjunto de
ações viabilizadas por intermédio de programas que vão ao
encontro do sistema educacional. Essas políticas de cunho
educacional assumem uma postura de subsídio para atender as
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demandas municipais, estaduais e federais com fins de ofertar


educação de qualidade para todos.
As políticas educacionais estão situadas no campo das
políticas públicas de cunho social e representam as “escolhas e
decisões, que envolvem indivíduos, grupos e instituições e,
portanto, não são fruto de iniciativas abstratas, mas constroem-se
na correlação entre as forças sociais, que se articulam para
defender seus interesses (ARAÚJO e ALMEIDA, 2010, p. 107)”. Elas,
numa visão gramsciana, são produto de lutas intensivas da classe
dominante ou sociedade política (hegemonia10) versus a classe
dominada ou sociedade civil (contra-hegemonia11).
É nessa luta entre a hegemonia e a contra-hegemonia que
se encontram as políticas públicas educacionais de alfabetização na
perspectiva do letramento, tendo em vista que os ativistas dos
movimentos sociais lutaram contra a hegemonia existente, em
busca de construir uma nova hegemonia, na qual os cidadãos
desprovidos do atendimento educacional por parte do Estado
pudessem ser contemplados.
O conceito de letramento ao mesmo tempo em que é
disseminado nas pesquisas de educadores-linguistas (SOARES,
1998, 2002, 2004; KLEIMAN, 1995; TFOUNI, 1995) sendo como o
uso das habilidades de leitura e de escrita nas diversificadas
práticas sociais de comunicação, também é motivo de
desentendimento por parte dos profissionais da educação que
estão atuando nas classes de alfabetização.

10 Termo empregado por Gramsci (1978).


11 Termo empregado por Gramsci (1978).
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Na tocante ao letramento, a proposta de alfabetizar


pautado nas premissas do letramento surge na Conferência
Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida no ano de 1990, em
Jomtien, Tailândia, justamente no momento em que a alfabetização
passa a ser reconhecida como instrumento respeitável para que os
indivíduos possam participar ativamente na própria cultura e nas
culturas do mundo. Vê-se então, o caráter político-ideológico do
processo de aprendizagem da língua, em seus aspectos linguísticos
e sociais.
O ano de 1990 foi considerado o Ano Internacional da
Alfabetização (AIA). Todo o globo, a partir deste ano, passou-se a
comprometer-se com o combate ao analfabetismo, já que as
habilidades de ler e escrever eram domínio de poucos. À época toda
a política educacional estava voltada para a erradicação do
analfabetismo, como se o fato de pessoas não estarem plenamente
alfabetizadas fosse considerada uma doença a ser erradicada.
Consoante a Street (2014) os indivíduos que estavam
engajados com o AIA direcionavam a atenção:

a casos apavorantes sobre o número de ‘analfabetos’ tanto no


terceiro Mundo quanto em sociedades ‘avançadas’; a
pressupostos paternalistas sobre o que significa ter
dificuldades de leitura e escrita na sociedade contemporânea;
e à criação de falsas esperanças em torno do que significa a
aquisição do letramento para perspectivas de trabalho,
mobilidade social e realização pessoal (STREET, Op. Cit., p. 33).

Percebe-se que a mobilização mundial, para que a


alfabetização e o letramento estivessem na agenda das políticas
públicas educacionais, teve forte relação com os casos de exclusão
social que se davam devida as estatísticas de pessoas que até o
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começo da última década do século XX ainda não conheciam o


código linguístico.
Conforme o estudo de Ferraro (2002) desde a fundação da
escola enquanto disseminadora dos conhecimentos da cultura
geral, a sua relação com as pessoas oriundas da camada popular é
de fracasso e exclusão. Ele vai apontar um paradoxo que desde o
XIX até a última década do século XX estava acontecendo com as
taxas percentuais de alfabetização, assim, ao mesmo tempo em que
a taxa porcentual de analfabetismo decrescia, acontecia o seu
acréscimo, como mostra a tabela 1:

Tabela 1: Evolução do número de analfabetos e da taxa de


analfabetismo entre a população de 5 anos ou mais, 10 anos ou
mais e 15 anos ou mais, segundo os censos demográficos. Brasil,
1872 a 2000.12

POPULAÇÃO
ANO DO CENSO NÃO ALFABETIZADA
TOTAL Nº %
a) População de 5 anos e mais

12Retirada de Ferraro (2002, p. 34): Fontes: Para 1872, 1890 e 1920, ver: Brasil,
Recenseamento Geral do Brasil 1920, v. IV, 4ª parte - População, e IBGE, Censo 1940,
os quais reproduzem os dados dos censos anteriores. Para os demais censos, ver:
IBGE, Censo demográfico, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000. O Censo de
1900 não foi considerado em razão das distorsões sobre o analfabetismo resultantes
do subrecenseamento de extensas áreas ruais em alguns estados. Sobre isto ver:
Brasil, Receseamento Geral 1920, e Ferrari (1985).
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1872 8.854.774 7.290.293 82,3


1890 12.212.125 10.091.566 82,6
1920 26.042.442 18.549.085 71,2
1940 34.796.665 21.295.490 61,2
1950 43.573.517 24.907.696 57,2
1960 58.997.981 27.578.971 46,7
1970 79.327.231 30.718.597 38,7
1980 102.579.006 32.731.347 31,9
1991 130.283.402 31.580.488 24,2
2000 153.423.442 25.665.393 16,7

b) População de 10 anos ou mais

1940 29.037.849 16.452.832 56,7


1950 36.557.990 18.812.419 51,5
1960 48.839.558 19.378.801 39,7
1970 65.867.723 21.638.913 32,9
1980 87.805.265 22.393.295 25,5
1991 112.860.254 21.330.966 18,9
2000 136.881.115 17.552.762 12,8
c) População de 15 anos ou mais

1920 17.557.282 11.401.715 64,9


1940 23.709.769 13.242.172 55,9
1950 30.249.423 15.272.632 50,5
1960 40.278.602 15.964.852 39,6
1970 54.008.604 18.146.977 33,6
1980 73.542.003 18.716.847 25,5
1991 95.810.615 18.587.446 19,4
2000 119.533.048 16.294.889 13,6

Acredita-se que a diminuição e a elevação da taxa


porcentual de analfabetos no país, deram-se devido às mudanças
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de concepção do que seria uma pessoa alfabetizada, pois há de se


convir que conforme se dão os avanços no cerne da sociedade, as
concepções de sujeito letrado também vão se modificando a fim de
atender o progresso. Por exemplo, durante décadas, no Brasil, o
simples fato de saber assinar o nome era sinônimo de alfabetizado.
Essa perspectiva de alto índice de pessoas não
escolarizadas, desprovidas dos sentidos da leitura e da escrita,
levaram o Estado Nacional a tomar providências políticas
educacionais para que o quadro não se agravasse de tal forma que
os números aumentassem e fugissem do controle dos órgãos
governamentais responsáveis pela implementação, manutenção e
avaliação das políticas públicas.
No que tange as políticas públicas educacionais, destaca-se
que estas começaram a aparecer no cenário brasileiro após o ano
de 1930, como medidas para a promoção e sustentação do
desenvolvimento nacional (MORTATTI, 2010). Contudo, a sua
sistematização político-legislativa foi desenrolando-se após a
década de 1990, quando as nações estreitaram suas relações
econômica, política, cultural e social. É que com o processo de
globalização chegou-se à conclusão de que para que um país
pudesse avançar economicamente, este deveria promover
educação de qualidade para todos os seus cidadãos,
consequentemente o letramento desses sujeitos. A economia e a
educação passaram a caminhar juntas.
Tfouni (1995) alega que a partir das discussões que
ocorreram em Jontiem, tanto a alfabetização quanto o letramento
passaram a ultrapassar a questão da aquisição da leitura e da
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escrita por crianças em tenra idade, e direcionam-se as


preocupações concernentes a políticas de inclusão e justiça sociais
dos adultos que por motivos da vida em sociedade, principalmente
o trabalho em idade escolar, não foram alfabetizados.
Nesse sentido, a leitura e a escrita passam a ser vistas como
mecanismos preponderantes para que alavanque a situação
socioeconômica do país, já que à medida que houvesse mais
pessoas fazendo uso da leitura e da escrita em suas práticas sociais,
maior seria o contingente de pessoas assumindo posições no
mercado de trabalho.
Na concepção de Maria do Rosário Longo Mortatti (2010)
a fase de alfabetização é vista como “um processo complexo e
multifacetado que envolve ações especificamente humanas e,
portanto, políticas, caracterizando-se como dever do Estado e
direito constitucional do cidadão (p. 329)”. Então, conceber a
aprendizagem da leitura e da escrita como direito de todos os
cidadãos legitimado constitucionalmente, requer refletir sobre as
políticas públicas para a Educação Básica, mais especificamente,
para os anos iniciais de escolarização que compreendem a fase em
que a criança se apropria dos mecanismos da leitura e da escrita.
Posto isso, no plano formal, com a finalidade de atingir o
plano material, se inserem diversificadas políticas públicas
voltadas para o processo de alfabetização e letramento. Essas ações
vão desde medidas que afetam a formação do profissional da
educação que trabalha com alfabetização, passando por
mecanismos de avaliação da proficiência em leitura e escrita dos
sujeitos alfabetizandos, até proposições de práticas educativas que
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envolvem na relação professor versus aluno situações linguageiras


que partam da noção de letramento.
As palavras da professora da Universidade Federal
Fluminense Maria Teresa em artigo publicado na Revista Brasileira
de Educação, no ano de 2012, ajudam-nos a refletir sobre as lutas
que foram travadas para a efetivação de uma consciência social de
que a educação de qualidade faz-se necessária nas sociedades
contemporâneas. Assim, ela menciona que:

os processos que produzem a democratização do acesso à


escola se vinculam à histórica luta das classes populares por
escolarização. Portanto, as conquistas obtidas são em parte
tributárias dos movimentos populares e constituem-se nos
marcos das disputas e dos acordos socialmente produzidos. É
preciso atenção permanente para as conquistas não se
diluírem em processos pouco favoráveis a esses grupos sociais
(ESTEBAN, 2012, p. 575).

Realizando uma pequena digressão histórica, certamente


ouviu-se falar pela primeira vez, no Estado brasileiro, de política
educacional que abarcasse a alfabetização ainda no período de
redemocratização das relações políticas e sociais após o Estado
Novo. No decorrer do período de 1945 a 1964, pelo fato da
população brasileira começar a sair do campo para os centros
urbanos, fator que marca o período de urbanização, houve o
crescimento do número de pessoas da camada popular no
ambiente escolar, o que ocasionou o surgimento de propostas
educacionais para acabar com os altos índices de analfabetismo no
país, visando à promoção e sustentação do desenvolvimento
nacional.
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Deste modo, a efervescência política brasileira fez surgir às


campanhas com viés de alfabetização em massa de jovens e adultos,
que primeiramente partiram de iniciativas dos movimentos sociais
que estavam em pleno exercício e, posteriormente, foi tomada
como medida estatal, pelo Ministério da Educação e Saúde, o qual
era responsável pela Educação Nacional.
O Decreto nº. 19.513, de 30 de Agosto de 1945, previa
disposições regulamentares destinadas a reger a concessão do
auxílio federal para o ensino primário, regulamentou o Fundo
Nacional do Ensino Primário (FNEP). Assim, em seu artigo 4º,
inciso II, o decreto discorre que “a importância correspondente a
25% de cada auxílio federal será aplicada na educação primária de
adolescentes e adultos analfabetos, observados os termos de um
plano geral de ensino supletivo, aprovado pelo Ministério da
Educação e Saúde (BRASIL, 1945)”. Essa disposição fez surgir no
ano de 1947 a Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e
Adultos (CEAA), organizada e coordenada pelo educador, militante
e integrante do movimento dos pioneiros da Escola Nova Lourenço
Filho. Esta campanha perdurou até meados de 1950 e tinha por
objetivo diminuir significativamente o índice de analfabetos do
país, com fins de integrá-los à vida social e política do país.
As discussões acerca da situação da leitura e da escrita no
país conduziram o debate para a necessidade de promover, em
1958, o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, o qual teve
por finalidade fazer um balanço de como se encontrava a educação
de adultos do país, já que devido ao lastro histórico de desigualdade
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na partilha da bonança da educação, era nessa faixa etária que


estava o maior número de pessoas não escolarizadas.
Foi nesse mesmo congresso que se chegou à conclusão de
que os projetos de alfabetização que haviam sido implementados
no país até o presente ano, contribuíram somente para que os
sujeitos aprendessem a assinar o nome, portanto, sendo necessária
estipular novas políticas para atender a alfabetização de adultos.
Assim, discutiu-se a necessidade de encontrar um novo método de
alfabetização para sanar as defasagens em leitura e escrita que
estavam sendo apresentadas pelos indivíduos.
Em virtude dos dados assombrosos de analfabetismo na
sociedade brasileira, os quais foram delatados durante o Congresso
de 1958, fator que impedia os cidadãos de votarem e, em
consequência, exercerem a sua plena cidadania, o Presidente da
República Juscelino Kubitschek (1956 – 1961), por intermédio do
Decreto nº. 47.251, de 17 de Novembro de 1959, normatizou as
campanhas extraordinárias de educação no Ministério da Educação
e Cultura. Essa legislação corroborou a CEAA, bem como fez vir a
lume a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e a
Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA).
No que tange a CNER, esta teve como finalidade difundir a
Educação de Base no meio rural brasileiro, uma vez que as pessoas
que estavam em situação de analfabetismo no Brasil eram
provenientes da zona rural. Em seu artigo 4º, alíneas a e b, o
documento versa que a campanha terá por objetivos:

a) o aperfeiçoamento e o desenvolvimento dos meios de


educação das populações rurais; e
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b) a formação e a preparação pedagógica, em caráter de


emergência, dos professores primários leigos das áreas rurais
(BRASIL, 1959).

Já no que diz respeita ao CNEA, o mesmo documento


expedido no ano de 1959, em seu artigo 5º, alíneas a, b e c, alude
que os objetivos dessa campanha são:

a) o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do ensino primário


comum em áres municipais pré-estabelecidas;
b) a aplicação intensiva dos métodos e materiais utilizados
pelas outras duas Campanhas nas mesmas áreas municipais
pré-estabelecidas; e
c) a verificação experimental da validade sócio-econômica dos
métodos e processos de ensino primário, educação de base e
educação rural, utilizados no Brasil, com vistas à determinação
dos mais eficientes meios de erradicação do analfabetismo
(BRASIL, 1959).

A década de 1960 foi rica no surgimento de forças


intelectuais, como Paulo Freire (1921 – 1997), Florestan Fernandes
(1920 – 1995), Anísio Teixeira (1900 – 1971) dentre outros, os
quais se preocupavam com os rumos da educação brasileira. Esses
e outros intelectuais que estavam engajando-se na luta por uma
educação que atendesse a todos de forma equânime, eram
idealizadores de movimentos sociais em prol da conscientização da
população e disseminação de saberes.
A efervescência política social dessa década, fez com que
em maio de 1961 surgisse por iniciativa da Prefeitura de Recife, o
Movimento de Cultura Popular (MCP). Esse movimento composto
por estudantes, artistas e intelectuais engajados na luta por uma
Educação das classes populares, foi liderado pelo patrono da
educação Paulo Freire e, buscou combater o analfabetismo, levando
até a população práticas educativas vinculadas às artes e à cultura
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popular. Os integrantes do movimento pretendiam por meio do


ensino da leitura e da escrita para as classes populares fazer com
que os sujeitos adquirissem uma consciência com fins de
preservação da cultura popular.
Um ano após a criação do MCP, o Decreto nº. 50.370, de 21
de Março de 1961, expedido pelo Presidente da República Jânio
Quadros (1961), instituiu a criação do Movimento de Educação de
Base (MEB), programa que foi gerido pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), os quais adotaram medidas para o
atendimento educacional de cidadãos das regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste do Brasil.
Por outro lado, as intervenções educacionais e políticas de
Paulo Freire não paravam. Assim, no decorrer do ano de 1962, sob
a influência dos pensadores cristãos franceses e do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), ele sistematizou a sua
teoria educacional, em que o mesmo propôs o método dialógico de
ensino. Esse método possibilitaria aos sujeitos da classe popular
potencializar o seu senso crítico a fim de torná-los sujeitos de sua
própria história.
Paulo Freire acreditava que os sujeitos marginalizados
sofriam uma opressão por parte dos sujeitos pertencentes às
classes de alto prestígio popular, incumbindo à educação a missão
de torná-los conscientes da sua situação de oprimido, com fins de
que eles soubessem da sua opressão e libertassem por meio da
aprendizagem da leitura e da escrita e dos outros conhecimentos
ministrados pela escola. A educação dos indivíduos,
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principalmente, a aprendizagem da Língua Materna passa a


assumir uma perspectiva de ordem política,
O método dialógico de Freire inspirou as ações do
Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) o qual, embora
surgido em 1967, só começou as suas atividades de alfabetização
pautado na perspectiva crítica da aprendizagem da leitura e da
escrita no ano de 1970, uma vez que as circunstâncias políticas da
época ditatorial não lhe eram favoráveis. A metodologia cunhada
pelo educador nordestino conseguiu êxito na alfabetização de cerca
de 30 milhões de jovens e adultos em situação de vulnerabilidade
social no que tange a aprendizagem dos conhecimentos
linguísticos.
No que diz respeita ao Mobral, sabe-se que foi por
intermédio da Lei nº 5.379, de 15 de Dezembro de 1967, outorgada
em meio ao período ditatorial do governo do militar Artur Costa e
Silva (1967 – 1969), a qual em seu Artigo 4º aponta que:

fica o Poder Executivo autorizado a instituir uma fundação, sob


a denominação de Movimento Brasileiro de Alfabetização -
MOBRAL de duração indeterminada, com sede e fôro na cidade
do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, enquanto não fôr
possível a transferência da sede e fôro para Brasília (BRASIL,
1967).

Essa previsão do governo federal fez vir a lume o Decreto


nº. 62.484, de 29 de março de 1968, o qual aprovava o Estatuto da
Fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização. Esse movimento
utilizou o método dialógico de Paulo Freire em seus trabalhos de
alfabetização dos jovens, adultos e idosos.
No ponto de vista de especialistas, o método de
alfabetização preconizado por Paulo Freire pautado na consciência
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silábica, fonética e social, foi a primeira intervenção pedagógica que


incutia, ainda que de forma superficial, a noção de letramento, pois
buscava inculcar no aprendiz uma consciência crítica de modo que
este pudesse agir na sua realidade social. De nada valia aprender a
ler e escrever se o educando não se apropriasse desses
conhecimentos com a finalidade de atuar politicamente na vida
social.
No entanto, essas campanhas e movimentos foram
extinguindo-se devido ao seu potencial crítico em meio ao governo
ditatorial, dando abertura a novas proposições que atendessem as
condições adversas que enfrentava a sociedade brasileira no que
tange os usos sociais da leitura e da escrita.
Após a extinção do Mobral, os movimentos sociais que
tinham em seus objetivos a proposta de ofertar o ensino da leitura
e da escrita às crianças, jovens, adultos e idosos, foram extinguindo-
se, passando esta incumbência às escolas formais. Contudo, é
inegável que as organizações sociais e as campanhas promovidas
com a ajuda dos ativistas de movimentos sociais contribuíram,
sobremaneira, para que o Brasil começasse a atender os menos
favorecidos no que tange a aprendizagem da língua escrita.
Em suma, não podemos desprezar que ainda existem 11,5
milhões de cidadãos brasileiros sem o domínio pleno da leitura e
da escrita, como demonstram os dados da última Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) que foi divulgada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, mas,
também não se pode questionar que foi devido às duras críticas
lançadas pelos militantes dos movimentos em prol da educação,
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que o Estado começou a pensar em políticas públicas de cunho


educacional que pudessem mitigar os índices de fracasso em leitura
e escrita que eram delatados pelas estatísticas formuladas durante
as primeiras décadas do século XX.

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, D. S.; ALMEIDA, M. Z. C. M. de. Políticas Educacionais:
refletindo sobre seus significados. Revista Educativa. Goiânia –
Goiás, v. 13, nº. 1, p. 97 – 112, jan./jun., 2010.

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1988.

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do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília – DF, 22 de mar. 1961.
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P á g i n a | 221

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P á g i n a | 223

REFLETINDO SOBRE A LEITURA EXTENSIVA NO ENSINO-


APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA (PLE) NA CHINA: O CASO DO INSTITUTO
POLITÉCNICO DE MACAU (IPM)

Prof. Me. Xiang Zhang

Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre os aspectos mais
recorrentes na disciplina Leitura Extensiva no ensino-aprendizagem de português
como língua estrangeira (PLE), especificamente no curso de licenciatura em
português na China. Tendo repensado as concepções de língua, cultura e forma-uso,
que direcionam direta ou indiretamente a programação de uma aula de Leitura
Extensiva, e com base na nossa prática pedagógica no IPM, propomos uma unidade
didática orientada pela visão de que a leitura extensiva abre espaço amplo para
tratar línguas-culturas, além de desenvolver as capacidades interculturais e de
leitura-escrita integrada. Esperamos que este artigo pode inspirar a prática de
professores de PLE na China e em outras realidades, e também possibilitar aos
interessados conhecer um pouco mais o ensino de português como língua
estrangeira na China.

Palavras-chave: Leitura Extensiva, Português, Língua Estrangeira (PLE), Cultura,


China.

1. INTRODUÇÃO
Com base na nossa prática pedagógica da atualidade como
professor de PLE, em um mundo cada vez mais globalizado e de
superdiversidade, é nosso propósito refletir neste artigo sobre o
lugar da disciplina Leitura Extensiva no ensino-aprendizagem de
português para falantes nativos de chinês, incluindo os aspectos
teóricos-metodológicos. Iniciamos o texto com uma apresentação
do ensino desta matéria no curso de licenciatura em língua
portuguesa na China, dos 1960s ao presente, na qual explicitamos
a dicotomia forma-uso da língua. A seguir, fazemos algumas
reflexões teóricas acerca das concepções de língua, de cultura no
P á g i n a | 224

âmbito de PLE, particularmente relacionadas com esta unidade


curricular em causa. Depois apresentamos o caso do Instituto
Politécnico de Macau, onde o autor atua como professor de
português no curso de licenciatura de português e no curso de
licenciatura de tradução e interpretação chinês-
português/português-chinês, com uma proposta de unidade
didática da Leitura Extensiva I. Por fim, partilharemos algumas
considerações finais.

2. A LEITURA EXTENSIVA NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE


PLE NA CHINA: UM OLHAR REFLEXIVO
O ensino/aprendizagem de português como curso de
licenciatura na China iniciou-se nos anos de 1960 (YAN, 2017, p.
27). Desde então, a “Leitura Extensiva em Língua Portuguesa”, “葡
语泛读” (Pin Yin13: pú yǔ fàn dú) em chinês, fez-se uma disciplina
obrigatória no plano curricular14, oferecida nomeadamente no 3o e
4o semestres do curso, cujo objetivo principal era desenvolver a
competência de compreensão escrita em português dos alunos.
Talvez devido à influência da ex-União Soviética, com a qual a China
manteve relações amistosas no século passado, em termos do
ensino de línguas estrangeiras (ZHANG, 2019), ou por causa das

13 Pin Yin é o sistema de transcrição fonética do chinês mandarim mediante o


alfabeto latino, através do qual se realizam a alfabetização dos próprios falantes
nativos de chinês e a internacionalização da mesma língua no mundo.

14 Além da “Leitura Extensiva”, o tradicional plano curricular do curso de português


nas instituições superiores chinesas normalmente inclui também disciplinas de
Leitura Intensiva, Gramática, Tradução, Interpretação, Comunicação Oral,
Audiovisual, Estrita, História e Cultura etc. (cf. SONG, 2018, p. 28).
P á g i n a | 225

próprias características de ensino de línguas desse território de


confucionismo, nesta unidade curricular, focalizava-se
predominantemente na decodificação de textos. Dito em outra
forma, as explicações de aspectos linguístico-gramaticais, as
atividades mecânicas de localização de informações e memorização
de vocábulos, assim como as traduções de português para chinês
“enchiam” completamente a aula. Coerente com essa abordagem ou
perspectiva didática, os materiais de leitura foram elaborados,
tendo priorizado a forma estrutural da língua, no entanto, ignorado
o uso, que deveria ser essencial para aprendizagem de uma língua
estrangeira (TEIXEIRA E SILVA, 2011).
Nas últimas duas décadas, com o rápido desenvolvimento e
aprofundamento das relações entre a China e os países de língua
portuguesa, o número de cursos de licenciatura em português
aumentou significativamente. Alguns dados derivados do estudo
mais atualizado, referente ao ensino de português como língua
estrangeira na China (ZHANG, 2020), podem justificar esse
crescimento exponencial. De acordo com o autor, de 1960 a 2000,
só existiam três universidades que tinham o curso de português na
China continental15, sendo respectivamente, Universidade de
Comunicação da China, Universidade de Estudos Estrangeiros de
Beijing e Universidade de Estudos Internacionais de Shanghai;
todavia, atualmente há 42 instituições de ensino superior com

15A China continental (中国大陆, em chinês) refere-se geralmente à maior parte do


território da República Popular da China (RPC). Além da china continental, a RPC
possui duas regiões administrativas especiais, sendo respectivamente Macau e Hong
Kong, e a Região de Taiwan.
P á g i n a | 226

curso de licenciatura ou de outra natureza de língua portuguesa 16,


distribuídos geograficamente por quase toda China, inclusive a
Região Administrativa Especial de Macau (RAEM)17. A maioria
intitula o curso de licenciatura em Português/Estudos
Portugueses/Língua e Cultura Portuguesas, sendo português
lecionado/aprendido como uma língua estrangeira e os respectivos
planos curriculares muito parecidos, nas quais a Leitura Extensiva
encontra-se nas disciplinas obrigatórias. Porém, de acordo com os
relatos pedagógicos ou pesquisas dos próprios professores
atuantes da geração mais nova nesse contexto, a mesma disciplina
ainda se mantém centrada na abordagem tradicional como se
referiu logo no início do presente artigo, dando atenção limitda ao
uso da linguagem. Além disso, as habilidades de leitura e de escrita
são tratadas separadamente, ou seja, mesmo tenha considerado a
escrita como uma parte da leitura extensiva, a correção recaia
muitas vezes somente sobre aspectos gramaticais e ortográficos
(ZHANG, 2019, p. 1).
Diante desse cenário, o presente artigo busca colocar em
prática o ensino da leitura extensiva em língua portuguesa numa
perspectiva mais dinâmica – dando mais atenção ao uso da língua
em práticas sociais, a competência intercultural, bem como a

16Além do curso de licenciatura, a língua portuguesa também vem sendo lecionada


como Minor com diploma associado ou disciplina opcional (cf. ZHANG, 2020, p. 84,
Tabela 1: Instituições de ensino superior de português na China).
17 A Região Administrativa Especial de Macau (Macau) é uma das regiões
administrativas especiais da RPC desde 20 de dezembro de 1999, sendo a outra
Hong Kong. Antes desta data, Macau foi ocupado e administrada por Portugal
durante mais de 400 anos. Por essa razão, Macau costuma ser concebido um espaço
de língua portuguesa.
P á g i n a | 227

prática de escrita baseada na leitura reflexiva, o tema que vem


sendo discutido e defendido pelos acadêmicos da área de PLE tanto
para falantes nativos de chinês como para falantes de outras
línguas (GROSSO, 2007; BIZARRO, 2012; MENDES, 2015).
Passaremos agora discutir alguns conceitos relevantes para o
ensino da Leitura Extensiva no campo do PLE.

3. PROBLEMATIZAÇÃO DOS CONCEITOS DE LÍNGUA,


CULTURA E USO NA LEITURA EXTENSIVA
Nas últimas décadas, muitos estudos desenvolvidos no campo
de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, têm-se dedicado
a refletir a importância da cultura, do uso e das dimensões
interculturais no processo de aprendizagem. Mendes (2015, p.203)
afirma que “aprender uma língua é um processo muito mais amplo
e complexo do que a simples transmissão e apreensão de estruturas
formais e de regras de utilização dessas estruturas”. Como
professor de português para chineses, sintonizamo-nos com essa
ideia. Referimos, portanto, na seção anterior que, no contexto do
ensino-aprendizagem de português para universitários chineses,
ainda se vê muito frequentemente esse fenômeno nas aulas de
português. Por isso, é indispensável (re)pensarmos os conceitos
como a língua, a cultura e o uso para que as disciplinas dentro de
um curso de licenciatura em língua portuguesa como língua
estrangeira, por exemplo, a de Leitura Extensiva, sejam
efetivamente elaboradas e realizadas, isto é, os alunos conseguem,
através das aulas, desenvolver a sua capacidade linguística
compreensão-escrita e também a competência intercultural, as
P á g i n a | 228

quais são recorrentemente exigidas pelas referências de


aprendizagem de línguas estrangeiras, por exemplo, Quadro
Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR)18.
Para construir uma ideia mais dinâmica de cultura no campo
de ensino-aprendizagem de língua estrangeira, Mendes (2015,
p.217) traçou um quadro composto de cinco interpretações. De
acordo com a autora, compreende-se que a cultura é um conjunto
de significados que inclui as tradições, os valores, as crenças, as
atitudes e conceitos etc. e ela está presente em todos os produtos
da vivência, da ação e da interação dos indivíduos. Por isso, para
nós que atuamos no campo do ensino-aprendizagem de PLE é
fundamental entender que ao ensinarmos uma língua, estamos
ensinando uma língua-cultura. Deveríamos sempre lembrar que
não basta ensinar somente os aspectos linguísticos estruturais,
como fonética, sintaxe e gramática. Muitas vezes, a depender da
natureza da disciplina, devemos sempre dar atenção à cultura. No
caso da Leitura Extensiva, encontra-se um espaço muito fértil para
tratar a cultura, ou melhor, a língua-cultura, uma vez que ao
elaboramos os materiais de leitura precisaríamos levar as riquezas
culturais aos alunos para verdadeiramente estimular o seu gosto
pela leitura em língua estrangeira e a curiosidade para conhecer
mais a língua que está aprendendo e vivenciando.

18 Disponível em:
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/quadro_europeu
_comum_referencia.pdf
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Outro argumento essencial para se refletir particularmente no


ensino-aprendizagem do PLE também se encontra no Mendes
(2015, p.218).

“A língua portuguesa, como língua pluricêntrica, apresenta


diferentes normas de uso, de acordo com as diferentes
variedades que representam os diferentes países que a têm
como língua oficial. Desse modo, ao falarmos do português,
devemos compreendê-lo como uma língua comum, mas que
traz diferentes matrizes ideológicas, identitárias e culturais, ou
seja, uma mesma língua representada por diferentes línguas-
culturas.”

Nesse sentido, ao ensinarmos língua portuguesa, estamos


também ensinando diferentes modos de manifestação cultural,
deferentes modos de ser um falante de língua portuguesa e
diferentes frutos materiais e imateriais dos povos do mundo em
português. Porém, no contexto do ensino-aprendizagem de
português na China, inclusive Macau, por diversas crenças,
permanece até hoje imutavelmente o ensino de português europeu
– uma das variedades da língua portuguesa, sendo outras
variedades do português negligenciadas. A mesma percepção
também pode se verificar no Duarte (2016, p.217).
Além da discussão em torno da cultura no PLE, vale a pena
compreender uma visão “uso da língua”, aduzindo-se que a língua
é mais do que só um sistema abstrato de regras, uma vez que se
constitui fundamentalmente como um meio de interação real em
diferentes domínios da vida pessoal e profissional do aprendiz na
sociedade. Dessa forma, aprender uma língua estrangeira significa
aprender a usar essa língua de forma mais adequada a diversos
contextos e não apenas dominar as suas formas gramaticais e
P á g i n a | 230

estruturais. Como afirma Teixeira e Silva (2011, p.150) ao tratar a


dicotomia forma-uso, vai longe se nos livrarmos da ideia de que um
estudo linguístico se atém unicamente à descrição de estruturas.
No caso de Leitura Extensiva em língua portuguesa, os professores
devem também pensar em desenvolver as competências de uso,
por exemplo, a escrita dos alunos, a partir da experiência de leitura
reflexiva e de seu próprio conhecimento do mundo, levando assim
em conta as interações interculturais no processo de aprendizagem
de PLE.

4. O CASO DO IPM: UMA PROPOSTA DE UNIDADE DIDÁTICA


DA LEITURA EXTENSIVA I EM LÍNGUA PORTUGUESA
Alinhando-nos com os princípios norteadores de que a aula de
Leitura Extensiva no curso de PLE deve ser um espaço rico e
privilegiado para desenvolver as capacidades interculturais e de
uso da língua portuguesa, apresentamos nesta parte o caso do
Instituto Politécnico de Macau (IPM), baseado na prática
pedagógica do autor do presente artigo. Antes de expor a unidade
didática, é necessário apresentar o curso de português nessa
instituição superior em Macau, assim como o lugar da disciplina
Leitura Extensiva no seu plano curricular.

4.1 O curso de português no IPM e o lugar da disciplina Leitura


Extensiva no curso
P á g i n a | 231

No caso do IPM, o ensino-aprendizagem de PLE está realizado


na Escola Superior de Línguas e Tradução (ESLT) 19, em dois cursos:
um de licenciatura em tradução e interpretação chinês/português
e português/chinês e outro de licenciatura em português (com
duas especializações: uma em ensino, outro em língua e cultura
portuguesa). O curso de licenciatura em tradução e interpretação
chinês/português e português/chinês tem como objetivo formar
tradutores intérpretes de português dotados de competência
profissional. Depois de se formar em 4 anos, os alunos podem se
candidatar às vagas de tradutores e intérpretes da função pública
de Macau. E para o curso de licenciatura em português, o curso
criado mais recentemente, objetiva criar particularmente os
talentos em ensino de português como língua estrangeira. Para que
os alunos possam obter capacidades profissionais, nos primeiros
dois anos, eles precisam fazer disciplinas obrigatórias de língua
portuguesa. A Leitura Extensiva faz parte do bloco das disciplinas
obrigatórias, sendo duas seções, uma no 3º semestre e outra no 4º
semestre. Além dos próprios alunos, o IPM, em parceria com a
Universidade de Línguas e Cultura de Beijing (BLCU), cria talentos
em língua portuguesa, no âmbito do curso de licenciatura em
estudos portugueses, isto é, todos os anos, o IPM recebe os alunos
do segundo ano do curso da BLCU para ter aulas de português mais
intensas. Por isso, os alunos desse curso, ao fazer intercâmbio no
IPM, também cursam a Leitura Extensiva I e II.

19A ESLT desde a sua fundação tem sido responsável pela formação de tradutores e
intérpretes, especialmente tradutores e intérpretes chinês/português e
português/chinês, sendo estas as duas línguas, línguas oficiais de Macau.
P á g i n a | 232

Figura 1: a localização da disciplina Leitura Extensiva em língua portuguesa no


plano curricular do curso de licenciatura em tradução e interpretação
chinês/português e português/chinês.

4.2 Uma proposta de unidade didática da Leitura Extensiva II


Com base no que expomos ao longo do artigo, apresentamos a
seguir uma proposta de unidade curricular com o objetivo de
justificar as nossas visões para elaboração de uma aula de leitura
extensiva. Uma vez que essa disciplina foi desenhada para alunos
do segundo ano da BLCU, que estão fazendo intercâmbio no IPM,
tendo já cursado a Leitura Extensiva I, no segundo semestre do
curso, eles vão cursar Leitura Extensiva II no terceiro semestre. São
distribuídos 2 créditos para essa disciplina, por isso, cada semana
há duas horas de aula. Para melhor localizar a unidade didática que
apresentamos dessa sessão, evidenciamos os conteúdos principais
dessa disciplina, que são três blocos de leitura: textos narrativos,
textos jornalísticos e textos folclóricos sobre manifestações
P á g i n a | 233

culturais dos países de língua portuguesa. À sequência cronológica


da aula, nesta unidade didática, é aula para falarmos sobre a
capoeira do Brasil.
Na primeira secção, ao revisar o conteúdo da crónica “mudar
de vida” escrita por uma escritora portuguesa Margarida Pinto 20,
na qual a autora mencionou vários momentos de aventura e de
sonho, introduzimos aos alunos a capoeira que praticada
popularmente no Brasil e até em todo o mundo, com exposição de
um pequeno vídeo sobre os movimentos da capoeira. Trata-se de
uma etapa de “contextualização” ou “aquecimento”.
Em seguinte seção, apresentamos o texto “capoeira” para eles
lerem em 10 minutos e depois tentarem responder as perguntas.

20 Disponível em TAVARES, A. Português Século XXI 3. Lisboa: Lidel, 2018, p.107.


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P á g i n a | 235

Figura 2: Leitura de texto e as perguntas

Esta seção envolve atividades de compreensão do texto que


não somente promovem as práticas de recursos linguísticos, mas
também estimulam os alunos a refletir na sua experiência da vida,
por exemplo, a pergunta 5 na Figura 2. As perguntas são mais
abertas, esperando-se ter uma interação mais rica, compartilhando
entre os alunos a sua ideia em termos de questões listadas.
A próxima sessão trata-se de uma discussão com foco na
interculturalidade. O enunciado é seguinte: você conhece ou prática
outra arte marcial chinesa ou de outra origem nacional? Quais
diferenças e/ou similaridades tem comparada com a capoeira em
P á g i n a | 236

termos de natureza, formas de prática e sua popularização no


mundo? Nesta sessão, os alunos são estimados a refletir a sua
cultura comparada com a capoeira. E depois fazer uma comparação
considerando as diferenças e similaridades. Isto é tratado como
uma produção oral e uma interação em sala de aula, na qual
constrói o conhecimento conjunto.
A última sessão focaliza-se no uso da língua na prática. Trata-
se de uma composição: imagina que você trabalhe com a divulgação
cultural no Ministério da Cultura e Turismo da República Popular
da China e tenha uma missão de apresentar 中國武術 (Kung Fu
Chinês) em 20 minutos, no Encontro de Heranças Imateriais dos
Países de Língua Portuguesa em Macau. Prepare o seu discurso,
incluindo os aspectos mais relevantes, como a história e a forma de
prática, por exemplo.
Primeiramente, os alunos precisam entender o gênero do
texto lido nesta aula, que é uma apresentação da capoeira. Segundo,
pede-se para se fazer uma composição do mesmo tipo para se
apresentar no determinado contexto – um Encontro de Heranças
Imateriais dos Países de Língua Portuguesa em Macau. Aqui, a
tarefa integrada de leitura e escrita coloca os alunos em uma
situação comunicativa em que precisam se esforçar para identificar
o contexto, o interlocutor, o propósito etc. Nesse sentido, os alunos
estão incentivando para usar a língua estrangeira na prática, que
muito provavelmente acontece no seu futuro trabalho.
P á g i n a | 237

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, apresentamos a situação da Leitura Extensiva
como uma disciplina ou unidade curricular no curso de licenciatura
de português na China, de um olhar crítico, buscando refletir e
repensar os conceitos relacionados com esta matéria em causa,
como a língua, a cultura e a dicotomia forma-uso, para ter melhor
elaboração dos materiais didáticas para aprendizes chineses e
assim fornecer-lhe os espaços de interação reflexiva e intercultural.
Partindo da separação das habilidades de leitura e de escrita,
ocorrida ainda comumente no ensino-aprendizagem de PLE na
China, o que não satisfaz mais as necessidades atuais dos alunos
nem os requisitos das referências para aprendizagem de línguas
estrangeiras, apresentamos uma proposta de leitura-escrita
integrada na Leitura Extensiva. Ao pensar a importância da cultura,
baseada na nossa prática com os alunos chineses, concluímos que a
aula de Leitura Extensiva é e deve ser sempre um espaço
privilegiado para tratar as questões culturais, desenvolver as
práticas reflexivas de conhecimentos mais variáveis em relação das
línguas portuguesas, pois o português é uma língua pluricêntrica, e
assim como um campo fértil para construção de identidades.
Esperamos que esse artigo pode inspirar a prática de professores
de PLE na China e em outras realidades, e também possibilitar aos
interessados conhecer um pouco mais o ensino de português como
língua estrangeira na China.
P á g i n a | 238

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exemplos. Revista LINGVARVM ARENA, v.3, p.117-131, 2012.

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teóricas e práticas sobre o lugar da gramática no ensino-
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P á g i n a | 239

SOBRE OS ORGANIZADORES
Dedicam-se à organização das coletâneas Faces da Leitura e da
Escrita: teorias & práticas e MESCLAR - Matizes na Educação
Superior: conhecimentos, leituras, aplicações & reflexões.

Profa. Dra. Lídia Spaziani


Doutora e Mestra em Letras Clássicas pela Faculdade de Filosofia,
Letra e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP.
Desenvolve pesquisa no grupo de pesquisa Linguagem e Cognição
da USP.

Profa. Dra. Patrícia Gimenez Camargo


Doutora em Estudos da Tradução pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP e
Mestra em Linguística pela Universidade Cruzeiro do Sul -
UNICSUL. Desenvolve pesquisas como líder do grupo COMINTER –
Grupo de Pesquisa em Interpretação Comunitária. Coordenadora
dos cursos de Letras e Tradutor e Intérprete da Universidade Nove
de Julho - UNINOVE.

Prof. Esp. Roger Henrique Pozza


Especialista em Docência Universitária e Licenciado em Letras:
Língua Portuguesa/Literaturas pela Universidade Nove de Julho -
UNINOVE. Atualmente é licenciando em Pedagogia pelo Centro
Universitário Ítalo Brasileiro - UNIÍTALO.
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SOBRE OS AUTORES
Prof. Dr. Alex Santana França
Professor universitário, pesquisador e escritor. Possui graduação
(Licenciatura e Bacharelado) em Letras Vernáculas pela
Universidade Federal da Bahia (2002-2009), Especialização em
Metodologia do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Indígena pela Faculdade de Ciências Educacionais (FACE) e
Argumento Pós-graduação (2008-2010), Mestrado em Letras pelo
Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura pela
Universidade Federal da Bahia (2010-2012) e Doutorado em Letras
pelo Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da
Universidade Federal da Bahia (2014-2018). Desenvolve pesquisa
sobre literatura, fotografia e cinema de países africanos e
afrodiaspóricos. Tem poemas e textos acadêmicos publicados em
livros, revistas eletrônicas e impressas, e em anais de eventos
nacionais e internacionais. Possui experiência docente na educação
básica, técnica e superior (graduação e pós-graduação). Atua na
curadoria e crítica de cinema. (Texto informado pelo autor)

Prof. Me. Brain Daniel Tachiua


É Docente da Universidade Pedagógica Delegação de Quelimane
desde 2009 e trabalha nas disciplinas de Técnicas de Expressão em
Língua Portuguesa, Didáctica Geral, Língua Portuguesa I, II e III,
Mundo Lusófono e Práticas Pedagógicas. Possui mestrado em
Educação/Ensino do Português pela Universidade Pedagógica -
Moçambique (2014). Em 2008 concluiu a Licenciatura em Ensino
do Português na Universidade Pedagógica Delegação da Beira. Tem
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experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa.


Em 2012 participou no Seminário Inter-universitário subordinado
ao tema Universidade Africana Do Colonialismo ao Movimento
Popular. Em 2011 Apresentou, nas Jornadas Científicas
organizadas pela UPQ, o trabalho intitulado Τermos da Gíria
Futebolística Caso das Equipas da Cidade de Quelimane. Participou
também nas Jornadas Científicas de 2010, apresentando o tema A
Problemática da Leitura nas Escolas Secundárias . Já publicou entre
outros artigos: As Práticas Pedagógicas na Universidade
Pedagógica:- O dia-a-dia do Estudante Praticante/estagiário, no
Jornal Diário de Moçambique em 2010 e Português Europeu vs
Português Brasileiro no Contexto Escolar Moçambicano, também
no Jornal Diário de Moçambique em. (Texto informado pelo
autor)

Profa. Dra. Carina Fior Postingher Balzan


Possui graduação em Letras-Licenciatura Plena em Língua
Portuguesa e suas Literaturas (2004) e Mestrado em Letras e
Cultura Regional (2008) pela Universidade de Caxias do Sul,
Especialização em Educação de Jovens e Adultos - Proeja (2010)
pelo IFRS/UFRGS e Doutorado em Letras (2018) pela Universidade
de Caxias do Sul/UniRitter. É docente do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - Campus
Bento Gonçalves, atuando nas áreas de Língua Portuguesa,
Literatura, Leitura e Formação de leitores. Participa de projetos de
pesquisa e extensão voltados ao ensino de Língua Portuguesa para
imigrantes e refugiados. (Texto informado pelo autor)
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Profa. Dra. Dannytza Serra Gomes


Professora do Departamento de Letras Vernáculas (DLV) e do
Programa de Pós Graduação em Linguística (PPGL) da
Universidade Federal do Ceará (UFC). Fez Doutorado (2014) e
Mestrado em Linguística (2009), Especialização em Linguística e
Ensino do Português (2007) e Graduação em Letras- Português
(2005) na Universidade Federal do Ceará. Faz parte, desde 2010,
do Grupo de Estudos Linguísticos e Discurso Autobiográfico
(GELDA). Fez estágio pós doutoral (2018-2019), na Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (UP).
Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística
Aplicada, interessando-se, principalmente, pelos seguintes temas:
ensino de língua materna e de língua de sinais, com ênfase no
ensino e aprendizagem e na formação do professor. (Texto
informado pelo autor)

Profa. Dra. Eliana Crispim França Luquetti


Doutora e Mestra em Linguística pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Licenciada e Bacharela em Português/Latim,
também pela UFRJ. Atualmente é professora associada da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).
Tem experiência na área de Letras e Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: linguagem, mudança
linguística; sociolinguística, linguística aplicada ao ensino de
línguas, variação, formação de professores, alfabetização e
letramento, ensino de leitura, livro didático e seus usos, léxico e
gêneros textuais. Além disso, atua e coordena disciplinas das
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licenciaturas em EAD: Prática de Ensino III e Eduacação Infantil do


CECIERJ/ CEDERJ, na modalidade a distância (desde 2010). E,
também, atua como avaliadora do Sistema nacional de Avaliação da
Educação Superior (BASis). (Texto informado pelo autor)

Prof. Dr. Enísio Guilhermina Cuamba


Possui graduação em Ensino de Português pela Universidade
Pedagógica de Moçambique e mestrado em Educação/ Ensino de
Português pela mesma universidade, onde actua como Assistente
Universitário, desde 2006 e Professor Auxiliar, desde 2019.
Actualmente, é doutor em Letras pela Universidade Estadual de
Maringá (PEC-PG/CAPES) e exerce a função de Director do Centro
de Investigação em Educação e Humanidade - Universidade
Licungo. Tem experiência na área de Literatura Moçambicana,
Práticas Pedagógicas em Ensino de Português e Análise do discurso
de orientação francesa. É membro do Grupo de Estudos GEDUEM
(UEM/CNPq). (Texto informado pelo autor)

Prof. Me. Francisco Rogiellyson da Silva Andrade


Mestre e Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-
Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará,
Graduado em Letras: Língua Portuguesa e respectivas Literaturas
de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Ceará e
Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela
Universidade Cândido Mendes. Atualmente, também faz
especialização em Linguística Aplicada e Ensino de Línguas pela
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Atua como professor
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efetivo da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza da área de Língua


Portuguesa. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase nos
estudos de Linguística Aplicada ao ensino de língua materna, à
leitura e seu ensino, bem como ao ensino de produção textual,
oralidade e análise linguística/semiótica, à formação de
professores de língua materna e estrangeira, aos estudos do
letramento. Interessa-se, ainda, pelo estudo de narrativas
autobiográficas em sua vertente teórica e metodológica. (Texto
informado pelo autor)

Prof. Me. Iago Pereira dos Santos


Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Cognição e Linguagem
(PPGCL/UENF) - 2018-2020 e Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
- 2013-2017. (Texto informado pelo autor)

Profa. Ma. Jacilda de Siqueira Pinho


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato
Grosso (2005) e graduação em Letras pela Universidade do Estado
de Mato Grosso (2003). Atualmente é professora da Escola Estadual
Irmã Lucinda Facchini e professora da Escola Estadual João Batista
de Almeida. Possui especialização em Literatura e Linguística, pela
Faculdades Integradas Mato-Grossense de Ciências Sociais,
Coordenação pedagógica pela UFMT e especialização em Pedagogia
Empresarial pela União de Ensino Superior de Diamantino. Mestre
em Letras pela Universidade do Estado de Mato Grosso. Membro do
grupo de pesquisa e-Urbano: da constitutividade do espaço pelo
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digital (Unicamp-Universidade Estadual de Campinas) Laboratório


de Estudos Urbanos. (Texto informado pelo autor)

Prof. Dr. Josenildo Barbosa Freire


Possui graduação em Letras pela UEPB (2004) e Pós-Graduação, em
nível de Especialização, em Ensino-Aprendizagem de Língua
Portuguesa pela UFRN (2006) . Em 2011, concluiu o Mestrado no
Proling/UFPB na área de Concentração Teoria e Análise Linguística,
com pesquisa voltada para a Sociolinguística. Tem Doutorado em
Linguística (2016), pela UFPB . Atualmente é professor de Língua
Portuguesa da rede pública de Educação Básica no Estado do Rio
Grande do Norte. As áreas de interesses de pesquisas são: Variação,
Estilo, Atitude e Percepção Linguística, produção de textos e áreas
afins e Ensino. Nos últimos anos, voltou sua atenção, também, para
análise de textos escolares produzidos por alunos do Ensino
Fundamental, nos quais busca-se descrever e analisar diferentes
aspectos dessas produções escritas. (Texto informado pelo autor)

Profa. Ma. Lenir Maria de Farias Rodrigues


Mestre em Letras pela Universidade do Estado de Mato Grosso/
Câmpus Sinop (2018). Graduada em Letras pela Universidade
Federal de Mato Grosso (1997) e em Enfermagem - Università degli
Studi di Padova (2006). É professora efetiva de Língua Portuguesa da
rede pública de ensino de Mato Grosso, atualmente, lotada na Escola
Estadual Nilza de OIliveira Pipino, Sinop-MT. Tem experiência na
área de Letras, com ênfase no ensino de Língua Portuguesa e suas
literaturas, atuando principalmente nos seguintes temas: letramento
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literário, multiletramentos, literatura contemporânea e literaturas


africanas de língua portuguesa. (Texto informado pelo autor)

Prof. Me. Maurício Bernardo Cigarros


Possui mestrado em Jornalismo e Estudos Editoriais pela
Universidade Pedagógica - Moçambique (2016). Atualmente é
assistente estagiário da Universidade Pedagógica - Moçambique.
Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Ensino de Língua
Portuguesa. Licenciado em Ensino de Lingua Portuguesa e Bacharel
em Ensino de Língua Portuguesa pela Universidade Pedagógica de
Moçambique. (Texto informado pelo autor)

Profa. Dra. Patrícia Gimenez Camargo


Doutora em Estudos da Tradução pela Faculdade de Filosofia, Letra
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP e Mestra
em Linguística pela Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL.
Dedica-se à organização da coletânea MESCLAR – Matizes na
Educação Superior: conhecimentos, aplicações & reflexões e da
organização da coletânea Faces da Leitura e da Escrita: teorias &
práticas. Desenvolve pesquisas como líder do grupo COMINTER –
Grupo de Pesquisa em Interpretação Comunitária. Coordenadora
dos cursos de Letras e Tradutor e Intérprete da Universidade Nove
de Julho - UNINOVE. (Texto informado pelo autor)

Profa. Ma. Priscila Sandra Ramos de Lima


Mestra em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
2019. Especialista em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade
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Estadual do Ceará (UECE) 2018. Graduada em Letras/Inglês


Licenciatura pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) 2014.
Professora Efetiva de Língua Inglesa da Secretaria de Educação do
Governo do Estado do Ceará (SEDUC/CE). (Texto informado pelo
autor)

Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura


Possui graduação em Comunicação Social Jornalismo pela
Universidade Católica de Pernambuco (1982), graduação em Letras
Inglês e Português pela Universidade Federal de Pernambuco
(1980), graduação em Letras - Bacharelado Inglês pela Universidade
Federal de Pernambuco (1981), mestrado em Letras pela
Universidade Federal de Pernambuco (1986) e doutorado em Letras
(Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1992). Atualmente é professor associado I da Universidade Estadual
do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Tem experiência na área de
Lingüística, com ênfase em Análise de Discurso, atuando
principalmente nos seguintes temas: discurso, linguagem, análise de
discurso, educação e cognição. Coordeno a disciplina Português
Instrumental - EaD UENF/CEDERJ. (Texto informado pelo autor)

Prof. Me. Xiang Zhang


É doutorando em Letras (Filologia e Língua Portuguesa) pela
Universidade de São Paulo (USP). É mestre em letras (Língua
Portuguesa e Estudos Interculturais - Linguística Aplicada) pela
Universidade de Macau (UM). Possui licenciatura em Língua
Portuguesa pela Universidade Jiaotong de Lanzhou, China.
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Interessa-se por estudos de linguagem, cultura, interação e


cognição. Desenvolve trabalhos sobre PLE/PL2 para falantes língua
materna chinesa na China e em Macau, Português como Língua
Adicional e Chinês como Língua de Herança no contexto da
imigração chinesa no Brasil. Atualmente integra o grupo de
pesquisa "Linguagem e Cognição", com estudos no âmbito das
relações entre usos linguísticos e processos sociocognitivos.
(Texto informado pelo autor)

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