Se Loco
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APOSTILA
O ROTEIRO NO CINEMA
O ROTEIRO NO CINEMA
PRIMEIRAS REFLEXÕES
A IDEIA, A HISTÓRIA
A SINOPSE
Vejamos alguns dos tipos de ideias mais comuns que, com frequência, empregamos
no cinema documentário (usando uma lista de títulos conhecidos):
A INVESTIGAÇÃO PRÉVIA
Esta fase começa quando o/a realizador/a conhece todos/as personagens e lugares,
quando visita pela primeira vez o lugar dos acontecimentos e pode respirar, observar,
passear “por dentro” da história que deseja narrar. Aqui tudo muda. A realidade se
encarrega de confirmar o trabalho previamente escrito ou o supera, o nega e o
transforma. As premissas teóricas passam para um segundo plano quando aparecem,
pela primeira vez, os personagens reais de carne e osso, e os agentes narrativos
autênticos. Começa um processo bastante rápido para reacomodar situações,
personagens, cenários e os demais elementos não previstos. Às vezes, a obra
previamente concebida se transforma em uma coisa totalmente diferente.
OS RECURSOS NARRATIVOS
Os agentes narrativos são os elementos que o roteiro utiliza para contar a história. A
linguagem original do/a autor/a é sem dúvida o primeiro e o mais óbvio. Mas há muitos
tipos de recursos narrativos – a lista pode ser interminável – e por isso mesmo convém
classificá-los por ordem de importância e descartar os secundários. Estes são os que
eu utilizo: os personagens, os sentimentos, as emoções, a ação, a descrição, a voz
do/a narrador/a, a voz do/a autor/a, as entrevistas, as imagens de arquivo, as
ilustrações fixas, a música, o silêncio, os efeitos sonoros, a animação, os truques
óticos, e como já foi dito: a linguagem do/a autor/a.
OS PERSONAGENS, OS SENTIMENTOS
A maior parte das emoções, nos filmes de ficção, provém do trabalho que os atores e
as atrizes fazem. No entanto essa difícil tarefa dos/as intérpretes – um trabalho
ensaiado e planejado minuciosamente segundo as ordens do diretor – não existe, não
tem lugar nos filmes documentários. Nos documentários, a única maneira de transmitir
sentimentos é aproveitando as condições espontâneas dos/as personagens reais que
aparecem. De modo que se estas personagens se limitam a expor e repetir de maneira
mecânica nosso tema, não podemos extrair nenhuma emoção para os/as
espectadores/as. São insubstituíveis: quase todos os filmes documentários – hoje em
dia – se estruturam com a intervenção de personagens. Elas articulam a história,
expõem a ideia e concretizam o tema. São os agentes narrativos mais necessários.
Portanto, sua seleção é fundamental. É preciso não só ir buscar os sujeitos que mais
conheçam o tema, mas também os/as melhores expositores/as; aqueles/as que sejam
capazes de transmitir uma vivência, envolvendo-se, oferecendo um testemunho pouco
comum. Se os personagens não são capazes de mostrar sentimentos diante da
câmera, se convertem imediatamente em personagens secundários. Obrigam os
“outros” recursos narrativos fazerem um trabalho dobrado: contar a história
corretamente sem seus apoios naturais. A ausência de protagonistas desequilibra o
relato. É preciso repetir uma e outra vez: um filme documentário raras vezes funciona
sem emoção.
ESCOLHER OS E AS PERSONAGENS
É talvez a tarefa mais importante do/a diretor/a quando explora seus cenários. Não é a
busca acumulativa de algumas pessoas vinculadas ao tema, mas o árduo trabalho de
detectar, descobrir verdadeiros personagens e “construí-los” cinematograficamente. É
preciso localizá-los, fotografá-los e depois retratá-los em muitas dimensões da sua
vida: monologando, dialogando, trabalhando, viajando ou guardando silêncio. Os e as
personagens principais constituem o corpo dinâmico da ideia central. São os e as
porta-vozes do roteiro e quase sempre são muito melhores que o roteiro. É preciso
jogar com protagonistas e antagonistas, quer dizer, localizar pessoas que entrem em
conflito e se contradigam diante de nós, buscando sempre o contraponto, para que o
tema flua por si mesmo. Assim nos separamos de início – e para sempre – dos
documentários explicativos que tem um narrador onipoderoso. Uma última observação.
Os e as personagens do cinema documentário não são pagos. Para “tomar-lhes” algo
é preciso previamente convencê-los/as, persuadi-los/as. Muito raramente se constrói
um personagem com suas imagens roubadas. Ainda quando o diretor ou diretora
diverge de alguém, tem a obrigação de respeitar seu ponto de vista. O e a autor/a
documentarista deve ter um olhar que compartilhe com eles/as. Esta generosidade em
ambos sentidos não se dá na ficção. No cinema documentário, se estabelece um
compromisso ético do/a autor/a com seus e suas personagens. Naturalmente, isto não
quer dizer que o/a diretor/a assuma como suas as opiniões alheias. Mas cada
personagem tem o direito de ser “o que é” dentro da tela (e não fora). O diretor pode
exercer pressão, discutir, calar, mostrar desconfiança, ironia, sarcasmo, etc., com
eles/as, mas sempre dentro do quadro, jamais fora, e, portanto, diante do/a
espectador/a.
A AÇÃO
Nem sempre os personagens principais oferecem uma rica ação para mostrar na tela.
Muitas vezes narram sua história sem abandonar seu assento, estáticos, sem mover-
se um centímetro. Nestes casos deve-se tomar nota das ações implícitas que estão
nos contando – ações no passado ou no presente – para visualizá-las mais tarde com
ajuda de imagens complementares ou fotos, desenhos, ilustrações fixas em geral, ou
com imagens de arquivo. Desta maneira o e a personagem abandona o assento e
começa a viajar pelo “interior do relato”, criando assim um pouco de ação para o nosso
filme. Precisamente, uma forma de avaliar a qualidade do personagem é anotando as
ações, feitos e situações que nos apresenta. É uma forma de medir sua eloquência
cinematográfica. Um sujeito com muita parcimônia ou que se cala o tempo todo pode
converter-se em algo interessante, singular, mas o habitual é que fale – pouco ou muito
– do assunto, mesmo quando tenha dificuldades de expressar-se. Os e as
personagens mais desejáveis são aqueles/as que não só lembram e evocam uma
determinada história, mas que começam a reconstruí-la, a revivê-la diante de nós,
diante da equipe, deslocando-se de um lugar a outro, movendo-se e, portanto, gerando
ações (e reforçando sua credibilidade). Em uma oportunidade, Chris Marker me
confessou que, para ele, não existia nada tão importante, dentro de um documentário,
como “a ação”; por exemplo, dizia ele, se estamos fazendo um filme sobre o corpo de
bombeiros temos que mostrar com detalhes um incêndio completo, no mínimo. Nunca
terá o mesmo efeito para os/as espectadores/as filmar a posteriori os restos de uma
casa destruída. A equipe de documentaristas deve saber estar próxima dos
acontecimentos, das ações. Entretanto, não somos jornalistas. Estamos dispostos/as a
trabalhar muito tempo em uma determinada história, sem a urgência, superficialidade
ou rapidez a que estão obrigados/as os/as jornalistas. Interessam-nos as emoções e
sentimentos que emanam das pessoas junto de suas ações, acompanhando-os/as
durante semanas, meses – ou anos – se for necessário.
PREPARAÇÃO DA FILMAGEM
O NARRADOR, AS ENTREVISTAS
A VOZ DO AUTOR
Antes do aparecimento do 'ao vivo', um grande número de diretores utilizou sua própria
voz para contar a história que nos propunham: François Reichenbach em "América
Insólita", Henri-Georges Clouzot em "O mistério de Picasso", e mesmo Perrault em
"Cabeça de Baleia". Outros utilizaram textos de grande intensidade, lidos por atores,
controlados pelo realizador, como "Morrer em Madrid" de Fréderic Rossif. Eram as
vozes dos autores, que buscavam uma comunicação mais dramática ou mais de
acordo com sua própria linguagem. Na realidade passavam a formar parte do material
do documentário. Mais tarde – com a implantação definitiva da subjetividade nos anos
de 1980 e 1990 – a voz do autor ocupou um espaço cada vez mais protagônico.
Barbara Kopple, Robert Kramer, Susan Meiselas, Johan Van Der Keuken e muitos
outros/as relatam suas obras. Também surgiram documentários contados em Off por
seus diferentes personagens. Significa dizer que, enquanto víamos alguma ação, suas
vozes em Off nos falavam de qualquer coisa, às vezes sem nenhum vínculo com o que
estavam fazendo, anulando desta maneira o que há de lugar comum no aúdio
sincrônico ("Only the Brave" e "Lágrimas Negras", de Sonia Herman Dolz; "Moscow X",
de Ken Kobland, etc.). Todo o anterior nos indica que o emprego da voz Off como
recurso superou o abuso e maneirismo a que foi submetido durante tanto tempo –
como as lentes angulares ou o zoom no campo da óptica – e que hoje em dia está
mais livre, mais próximo dos autores (e da forma) para que contem sua história.
STORY LINE
“O roteiro, arte e técnica da escrita para cinema e televisão” Doc Comparato Eudeba
1998 Story Line é o termo que usamos para designar, com o mínimo de palavras
possíveis o conflito original de uma história. Não dedicaria mais de cinco ou seis linhas
ao story, pois é justamente a síntese da história. Uma story line deve conter o
essencial da história, isto é:
A apresentação do conflito;
O desenvolvimento do conflito;
A solução do conflito.
Ocorre algo.
Há de fazer alguma coisa.
Se faz alguma coisa.
Assim, “inicio, meio e fim”, “estado das coisas, conflito e resolução”, “exposição, nó e
desfecho”, “preparação, desenvolvimento e clímax” guardam certos paralelos
metodológicos e certas diferenças conceituais. Em sua universalidade deve haver algo
de razão. Se seguimos esta ordem, teremos uma story line; se boa ou ruim dependerá
do talento do autor. Com isso não queremos dizer que devemos deixar de lado
totalmente o que havíamos imaginado no início. Muitas vezes, ao avançar sobre outras
etapas do roteiro, a história muda de rumo, e inclusive tudo pode acabar de maneira
diferente. Na realidade, um story line serve de base, de ponto de partida; não deve ser
rígido no seu desenvolvimento. O conceito de story line não é unívoco. De acordo com
as Escolas de Dramartugia, é possível trocar com o termo “plotprincipal” ou “story
sinopse”; e os/as roteiristas devem saber adaptar-se a todos os contextos.
Neste livro, definimos a story line como a mínima expressão do conflito e a sinopse
mais breve. Tratando-se somente da explicitação do conflito original não é preciso falar
do tempo, nem do espaço, nem da composição dos personagens. Insisto que a story
line representa qual dos possíveis conflitos humanos escolhemos para dar fundamento
ao drama ou comédia que contaremos ou desenvolveremos no roteiro.
Fazer uma story line pode parecer uma história difícil, mas na realidade é um processo
mental muito fácil. Se na saída do cinema ou do teatro perguntamos a um espectador o
que é que viu, ele seria capaz de contar-nos em poucas palavras o conflito básico da
história. O processo de criação da story line é esse mesmo, mas ao contrário: contar o
resumo de uma história que ainda não existe. Agora quero especificar o que não é um
story line:
Vejamos um exemplo de story line oferecido por Graham Greene, o famoso novelista e
roteirista inglês:
Ideia - “Fui ao enterro de um amigo. Três dias depois, ele caminhava pelas ruas
de Nova York”. Daí surgiu o seguinte story line, que deu lugar ao filme O terceiro
homem. “Jack vai ao enterro de seu amigo em Viena. Não se resigna, investiga e
termina descobrindo que seu amigo não morreu; está vivo e fingiu seu próprio enterro
porque era procurado pela polícia. Descoberto pela curiosidade de Jack, o amigo é
abatido pelas balas da polícia”. Não são necessárias mais explicações, pois, do
contrário, em vez de uma story line teríamos um argumento. O desenho do conflito
deve ser muito conciso. Para pôr à prova um story line podemos responder
mentalmente a uma série de perguntas:
Não é preciso entrar em polêmica, porque é uma situação inevitável. Parece razoável
usar um termo para cada conceito, e as definições deste livro são tão válidas como as
de qualquer outro e se apresentam como uma forma coerente. Vejam algumas
variações, por exemplo, em Gerald Kelsey, Writing for Television, Londres, A.& C.
Black, 1990, pp. 67 y ss.
Produção, Edição, Elaboração e Revisão de Texto:
ESCON - Escola de Cursos Online
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