Texto 7 - NEGREIROS, Valério Da Rosa. A Piauiensidade Escrita...
Texto 7 - NEGREIROS, Valério Da Rosa. A Piauiensidade Escrita...
Texto 7 - NEGREIROS, Valério Da Rosa. A Piauiensidade Escrita...
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Professora Doutora Giselle Martins Venancio
Universidade Federal Fluminense – Orientadora
__________________________________________________________
Professor Doutor Antônio Fonseca dos Santos Neto
Universidade Federal do Piauí – Arguidor
__________________________________________________________
Professora Doutora Márcia Regina Romeiro Chuva
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Arguidor
__________________________________________________________
Professora Doutora María Verónica Secreto de Ferreras
Universidade Federal Fluminense – Suplente Interno
__________________________________________________________
Professora Doutora Raquel França dos Santos Ferreira
Fundação Biblioteca Nacional– Suplente
Aos meus pais
AGRADECIMENTOS
Essa dissertação não seria hoje uma realidade se não fosse pela a ajuda de vários
colaboradores que possibilitaram torná-la matéria. Graças a eles, cravo neste espaço dedicado,
os nomes essenciais na construção desse trabalho.
Aos meus pais, por toda dedicação e empenho na minha educação, sempre dispostos a
contribuir cada vez mais na realização dos meus sonhos. Minhas conquistas são
principalmente frutos do amor de dona Ricardinha Rosa e seu Oginildo Negreiros.
Ao meu irmão Adriel Negreiros, que nesse tempo de mestrado, me presentou com a afilhada
mais linda e cativante, Mariana Negreiros.
Ao professor Antônio Fonseca dos Santos Neto, por ter aceito o convite de arguir sobre esse
trabalho.
Aos professores Daniel Aarão Reis, Jorge Ferreira, Cezar Honorato e Renan Silva.
À família Borges de Oliveira pelo fraterno acolhimento no Rio de Janeiro, mediado pela dona
Joana Rocha, amenizando as saudades do Piauí em terras fluminenses.
À querida amiga Maria Verônica Pereira Ribeiro, grande colaboradora desse trabalho.
Aos amigos (as) do Piauí: Anderson Miura, Ariane Lima, Camila Gonçalves, Fransuel Lima,
Janice Lima, Leôndidas Freire, Marta Lourenço, Maristella Rodrigues, Nayhd Barros e
Wirlanne Carvalho, que fizeram dos grupos do whtas app o espaço mais próximo dessa
amizade tão distante.
Aos amigos do Rio de Janeiro, sobretudo André Carlos Furtado e Mariana Tavares, ao
ajudarem na minha inserção no modus operandi da Universidade Federal Fluminense.
Aos entrevistados que enriqueceram a dissertação, com informações sobre o amigo “Noé”, de
modo especial a Edson Andrade, Francisco Aci Campelo e Aldenora Mesquita.
Aos funcionários das instituições de pesquisas, piauienses e cariocas, pelas quais passei.
A dissertação busca mostrar a trajetória intelectual de Noé Mendes de Oliveira e sua relação
com a construção de uma identidade piauiense, que chamamos de piauiensidade, marcada
durante as décadas de 1970 e 1980. Identificamos que a partir dessa trajetória, o intelectual
constituiu-se em espaços de sociabilidades que permitiram agenciar a identidade piauiense.
Observamos que enquanto funcionário público no Departamento de Assuntos Culturais do
Estado, professor da Universidade Federal do Piauí, folclorista ligado a Campanha de Defesa
do Folclore Brasileiro e Superintendente da Fundação Cultural Monsenhor Chaves na
prefeitura de Teresina, conseguiu construir uma ideia de patrimônio cultural do Piauí com
base nos monumentos arqueológicos e pinturas rupestres do Estado, bem como as
manifestações folclóricas representantes do homem piauiense. Ao passo em que incentivou e
defendeu esse conjunto representacional em quanto identidade. Naquele período da década de
1970 o campo do folclore buscou se reestruturar a partir de financiamento cultural de agências
do governo federal, ao congregar diversos folcloristas entorno de suas programações
editoriais. A pesquisa acompanha o processo de inserção do folclore do Piauí no debate do
Folclore Brasileiro mediado por Noé Mendes a partir da Comissão Piauiense de Folclore.
Observamos pela análise de sua obra Folclore Brasileiro: Piauí (1977) editada nesse
contexto, como Noé Mendes cria e faz apropriações da identidade do homem piauiense, sendo
inclusive divulgadas na mídia nacional.
This dissertation aims to show the intellectual trajectory of Noé Mendes de Oliveira and his
relation to the construction of a “Piauiense” identity - called “piauiensidade” - marked during
the 1970s and 1980s. We identified that from this trajectory, the intellectual was constituted in
sociability spaces that allowed intermediate the “Piauiense” identity. We noticed that as a
public servant in The Piauí Department of Cultural Affairs, professor at the Federal
University of Piauí, folklorist connected to the Brazilian Folklore Defense Campaign and
Superintendent of Monsignor Chaves Cultural Foundation in the city hall of Teresina, he
managed to build a Cultural heritage idea of Piauí, based on archaeological monuments and
cave paintings from the State as well as the folkloric manifestations representative of the
“Piauiense” man. In addition, he encouraged and defended this representational set as identity.
In the 1970s, folklore tried to restructure through cultural funding agencies from the federal
government by bringing together several folklorists to their editorial schedules. The research
follows Piauí folklore insertion process in the Brazilian Folklore debate mediated by Noé
Mendes, from “Piauiense” Folklore Commission. We observed by the analysis of his work
Brazilian Folklore: Piauí (1977), edited in that context, how Noé Mendes creates and makes
appropriations of the “Piauiense” man identity, disseminated even in the national media.
Keywords: Piauiense Culture; Noé Mendes de Oliveira; History and Folklore; Identity.
ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 14
INTRODUÇÃO
1
FOLCLORE: festa e agonia. Veja. São Paulo, ano 10, n. 440, 09 fev. 1977. p. 47.
2
Idem, p. 48.
3
CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2009, p 80.
4
I Festival Nacional de Folclore (1973); II Festa Nacional de Folclore – Brasília (1974); III Festa do Folclore
Brasileiro – Natal (1975); IV Festa do Folclore Brasileiro – Belo Horizonte (1976); V Festa do Folclore
Brasileiro – Maceió (1977); VI Festa do Folclore Brasileiro – João Pessoa (1978). Cf: Relatório de Atividades da
CDFB.
15
5
Publicações: Cadernos de Folclore com 28 volumes; Folcloristas Brasileiro 1 volume; Folclore Brasileiro (14
volumes); Bibliografia Folclórica (3 volumes), Edições Avulsas (4 volumes); Documentário Sonoro do Folclore
Brasileiro (28 discos); Documentários Cinematográficos (5 documentários), cf: Relatório de Atividades da
CDFB.
6
LEVI, Giovanni. O trabalho do historiador: pesquisar, resumir, comunicar. Tempo, vol. 20, n. 36, jan. dez.
2014.
16
7
CHARTIER, Roger. Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 08, nº16, 1995. CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa
entre os séculos XVI e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª Ed. 1998. CHARTIER, Roger.
Escribir las práticas: discurso, prática, representación. Cuadernos de trabajo, nº 2. Valencia: Fundación Cañada
Blanch, 1999; CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. 2ª Ed. Algés, Portugal:
Difel, 2002; CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
8
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007. BOURDIEU, Pierre. A
Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína (Org.). Usos e abusos da História oral.
8ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
18
9
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós – modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2006;
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis - RJ: Vozes, 2009.
19
10
VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão: o movimento folclórico brasileiro (1947 – 1964). Rio de Janeiro:
FUNARTE: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
20
Dentro desta discussão não podemos esquecer os processos editorias da Série Folclore
Brasileiro que envolveu 14 estados brasileiros, dentre eles o Piauí sendo representado por Noé
Mendes, tal obra o consagraria definitivamente enquanto folclorista. Com a publicação desta
Série, acreditava-se oferecer uma visão do folclore nacional, uma vez que apresentava as
singularidades específicas de cada estado. Centramos nossa reflexão no processo de
construção editorial do conjunto das obras da série Folclore Brasileiro compreendendo que o
folclore nas concepções da Campanha de Defesa do Folclore Nacional, essa categoria não se
configurava como um elemento somente regional, mas se encontra de maneira expansiva,
como um projeto de cultura nacional.
Por último analisamos as propostas de intervenção a partir da experiência de reunir
diversos folcloristas em todo o Brasil em suas comissões em ação integrada com outras
instituições, como o Projeto Rondon, as Universidades Federais, através de seus estudantes e
a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro na coleta e pesquisa das manifestações
folclóricas brasileiras e do artesanato. Tal proposta visava a elaboração do Atlas Folclórico do
Brasil, no entanto o projeto fracassa, de modo que somente as pesquisas são realizadas, vindo
a ser publicada somente um Atlas, correspondente ao Estado do Espírito Santo.
No terceiro capítulo A Piauiensidade Escrita: cultura popular, ecologia e cidade em
Noé Mendes, apresentamos os aspectos que compõe a escrita folclórica de Mendes, bem como
os processos de edição de seu livro “Folclore Brasileiro: Piauí”. Considerar a posição de Noé
Mendes como “intelectual regionalista”, caracterizado por Albuquerque como aquele que
esteve longe do centro irradiador de poder e cultura e fez da denúncia da distância, da
carência de poder, da vitimização, o motivo de seu discurso, podemos perceber que o campo
folclórico nacional conseguiu operar para além das estruturas nacionais estabelecidas. Assim
esse capítulo apresenta a escrita folclórica de Noé Mendes ao situar o contexto de produção
em relação a produção da ideia de homem piauiense dialogando com a produção escrita sobre
o vaqueiro do Piauí, como signo da piauiensidade, inventada a partir da formação histórica e
social do Estado.
Tomamos como análise também, os artigos da Revista Geográfica Nacional com
reportagens sobre o Piauí nas décadas de 1970 e 1980, tendo em vista que as publicações
ocorreram através da mediação de Mendes em contato com membros da equipe Bloch
Editores, e como era representado nessa Revista, o homem piauiense.
Por fim analisamos a sua escrita etnográfica ao descrever a cidade de Santa Cruz dos
Milagres no estado do Piauí e o povoado de Nazaré do Bruno no estado do Maranhão. E a
proposta de desenvolvimento do artesanato para os problemas enfrentados pelos pobres
21
urbanos da cidade de Teresina, ao apontar caminhos para o debate sobre o homem comum no
nordeste brasileiro.
O último capítulo, que tem o título, Em busca da democratização política e cultural de
Teresina (1986-1989) analisamos as propostas de democratização da cultura na cidade de
Teresina a partir da formação da Fundação Cultural Monsenhor Chaves tendo Noé Mendes
como superintendente.
Com a redemocratização e as decorrentes eleições municipais, foram grandes as
manifestações de intelectuais que reivindicaram uma instituição cultural para a cidade de
Teresina. Aliado aos esforços de desenvolver uma democratização da cultura proposta pela
prefeitura, Noé Mendes implanta definitivamente seu projeto de integração cultural, ao passo
que verificamos que era um projeto maior, ou seja, que englobava uma visão maior de
desenvolvimento cultural, não só para a cidade de Teresina, mas para o próprio estado do
Piauí, na tentativa de inseri-lo na região nordeste enquanto produtor cultural. No entanto o
choque de projetos entre a Prefeitura de Teresina e a FCMC, levará a desistência e o
desmantelo idealizado pelo o intelectual, que retomará o debate do homem piauiense
enquanto produtor da cultura a partir dos espaços rurais no campo. É nesse momento que
identificamos a posição ou pelo menos a estratégia cultural de Noé Mendes, enquanto
vereador de Teresina.
Para não ficarmos somente na análise dos documentos oficiais, recorremos a
entrevistas e relatos memorialísticos de pessoas que conviveram e trabalharam com Noé
Mendes. Tais testemunhos, embora sabemos que são frutos produzidos da memória,
enriquecem e ajudam a elaborar essa trajetória intelectual de Mendes, ao passo que
conseguimos identificar suas posições políticas. Tais relatos serão essenciais para a
construção do capítulo 04, onde especificamente analisamos a inserção do intelectual no
campo da ação cultural-política.
A finalidade é despontar as ambiguidades e contradições que a ilusão biográfica,
segundo Pierre Bourdieu, podem nos levar numa perspectiva de pluralizar abordagens que
levam em conta o indivíduo imerso em teias sociais. Em resumo, propomos com essa
dissertação contribuir para uma melhor compreensão da construção das identidades do
homem piauiense ao longo do período das décadas de 1970 e 1980, para tal, elegemos a
trajetória de Noé Mendes, por entendermos que ao ocupar uma posição variada em diversos
espaços, tanto regional quanto nacional, construiu-se um projeto de desenvolvimento para a
cultura do Piauí. A intenção é mostrar o processo de construção dessa piauiensidade.
22
CAPÍTULO 01
NOÉ MENDES DE OLIVEIRA: Um intelectual funcionário
1
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Confissões de um Teresinense adventício. Jornal da Manhã, Teresina, ano 7, nº
2131, 16 ago. 1987, Caderno Bom Dia Teresina, p. 02
2
Para mais detalhes conferir: FONTENELES, Claudia Cristina da Silva. O recinto do elogio e da crítica:
maneiras de durar de Alberto Silva na memória e na história do Piauí. 374 f. Tese (Doutorado em História)
UFPE, 2009; MONTE, Regianny Lima. Teresina sob os anos de chumbo: as interfaces de uma modernização
autoritária e excludente. Trabalho de Conclusão (Graduação) – Centro de Ciências Humanas e Letras.
Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2007; MOURA, Iara Conceição Guerra de Miranda. Historiografia
piauiense: relações entre escrita histórica e instituições político-culturais. 251 f. Dissertação (Mestrado em
História) - Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2010; RABELO, Elson de Assis A História entre Tempos e
Contratempos: Fontes Ibiapina e a obscura invenção do Piauí. 202 f. Dissertação (Mestrado em História)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.
3
Ver QUEIROZ, Teresinha. A importância da borracha de maniçoba na economia do Piauí 1900-1920.
Teresina: EDUFPI, Academia Piauiense de Letras, 1994.
23
É como parte integrante desse momento que o intelectual piauiense deu sua
contribuição, caracterizada principalmente na área cultural. Com uma trajetória dedicada à
cultura piauiense, em pesquisas, estudos e ensaios sobre o folclore, em sua militância na
defesa da cultura popular, ou ainda em sua participação na divulgação do patrimônio do
estado. Eram tempos do primeiro governo Alberto Silva (1971-1975), tempos de “milagre
econômico brasileiro”.
Daniel Aarão Reis situa o contexto inicial da década de 1970 no Brasil. Apresenta um
panorama desse período, afirmando que:
A previsão para aqueles anos iniciais da década de 1970 apontava para amplos
avanços na economia. Com o chamado “milagre econômico brasileiro” em razão das elevadas
taxas de crescimento da economia que se modernizava, houve uma “expressiva incorporação
de novos trabalhadores ao mercado formal de trabalho e a consolidação de um segmento
médio de consumidores”.5
No estado do Piauí não foi diferente. Com a indicação de Alberto Tavares Silva6 para
o cargo de governador do Estado, nomeado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici7 no
4
AARÃO REIS, Daniel. Ditadura e Democracia no Brasil. Do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de
Janeiro, J. Zahar, 2014, p. 91.
5
LUNA, Francisco. KLEIN, Herbert. In: AARÃO REIS, Daniel. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. RIDENTI,
Marcelo. A ditadura que mudou o Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 2014, p. 95-97.
6
Nasceu na cidade de Parnaíba-PI, em 10.11.1918, e faleceu em 28.09.2009, em Brasília. Cursou Engenharia em
Itajubá, Minas Gerais, com especialização em Engenharia Civil, Elétrica e Mecânica. Professor, prefeito de sua
cidade natal por duas vezes, deputado estadual, governador do Estado do Piauí também por duas vezes, a
primeira no mandato de 1971/1974 e a segunda em 1987/1990, sendo o primeiro governador piauiense eleito por
via direta após o regime militar. Senador da República, diretor da Estrada de Ferro Central do Piauí. Pertenceu à
24
Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 1 e à Academia Parnaibana de Letras. Livros publicados: Alguns livros
piauienses, Três momentos culturais e Minha luta por um Piauí melhor.
7
Em reação às derrotas eleitorais para os governos de Minas Gerais e da Guanabara em 1965, o Regime Militar
instituiu o Ato Institucional número 02 (AI – 2), que segundo Daniel Aarão Reis (2014), reinstaurou a dinâmica
do estado de exceção, da ditadura: entronização de eleições indiretas para presidente da República, dissolução
dos partidos existentes, com imposição de cima para baixo de um sistema bipartidário; milhares de novas
cassações, deposição de governadores eleitos; recesso temporário do Congresso Nacional; decretação de eleições
indiretas também para governadores.
8
PIAUÍ, Governador Alberto Tavares Silva. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa. 01 de março de
1971.
9
ALBERTO SILVA, apud. FONTINELES, Claudia Cristina da Silva. O recinto do elogio e da crítica: maneiras
de durar de Alberto Silva na memória e na história do Piauí. 374 f. Tese (Doutorado em História) UFPE, 2009, p.
62.
10
FONTINELES, Claudia Cristina da Silva. op. cit., 2009, p. 59.
25
11
MOURA, Iara. op. cit. 2010, p. 141.
12
FONTINELES, Claudia Cristina da Silva. op. cit. 2009, p. 109.
13
Tomamos como piauiensidade o conjunto de ações empreendidas por diversos setores da sociedade, entre eles,
agentes políticos e intelectuais, durante a segunda metade do século XX, que dão sentido a elaboração do ser
piauiense. A proposta para essa adjetivação encontra-se a partir do momento que percebemos como esses
agentes atuaram nos segmentos da sociedade piauiense (re)significando uma identidade. Tal metodologia de
análise histórica foi empreendida também no trabalho de Alcebíades da Costa Filho, que privilegiou o final do
século XIX como recorte temporal de sua investigação. Para maiores detalhes, conferir: COSTA FILHO,
Alcebíades. A gestação de Crispim: um estudo sobre a constituição histórica da piauiensidade. 2010. 194 fl. Tese
de doutorado em História Social. Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.
14
ELIAS, N. Envolvimento e distanciamento: estudos sobre sociologia do conhecimento. Lisboa: Publicações D.
Quixote, 1997.
26
15
Informações concedidas por José Inácio da Costa. Professor aposentado da UFPI, amigo de Noé Mendes de
Oliveira.
16
Nasceu em 13.06.1912 na cidade de Viçosa – AL e faleceu em 19.11.1986 Salvador – BA. Cardeal, orador
sacro e escritor. Foi Arcebispo de Teresina, Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil. Presidiu o Conselho
Episcopal Latino-Americano. Fundou a Rádio Pioneira de Teresina. Instalou a Ação Social Arquidiocesana.
Presidiu a CNEC do Piauí. Foi um dos fundadores da Faculdade Católica de Filosofia de Teresina. Pertenceu à
Academia Piauiense de Letras. Obras: “Orador aos Médicos”; “Amazônia: Esperança e Desafio”; “Filosofia e
Desenvolvimento” e “Prece que Brota da Vida”.
17
PLANO de Ação de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 16 ago. 1956, p. 1-4, Apud. CARVALHO, Sônia Maria
dos Santos. Dom Avelar Brandão Vilela: uma biografia Histórica. Dissertação (mestrado) – Universidade
Federal do Piauí, Centro de Ciências Humanas e Letras, Programa de Pós-Graduação em História do Brasil,
2010, p. 71.
18
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Entrevista. Jornal da Manhã, Teresina, ano 6, 20 mai. 1986, p 08.
19
O perfil de entusiasta cultural foi definido na pesquisa de iniciação científica produzida entre os anos de 2012-
2013, financiada com bolsa do CNPq, no projeto Memória, Cultura, Identidades e Patrimônio Cultural, sob
coordenação da professora Drª. Áurea da Paz Pinheiro, Universidade Federal do Piauí. Cf.: NEGREIROS,
Valério Rosa de; PINHEIRO, Áurea. Noé Mendes e o Patrimônio Cultural no Piauí (Relatório de Iniciação
Científica/CNPq). Teresina: UFPI, 2013.
20
Frederico de Freitas Mendes; Mario Henrique de Freitas Mendes; Olívia de Freitas Mendes; Valério de Freitas
Mendes; Noé de Freitas Mendes (faleceu criança).
27
Culturais na época dirigido por Aldenora, órgão vinculado à Secretária de Educação e Cultura
do Estado.21
A premissa estabelecida na qual indica que os intelectuais vão armando múltiplas
redes no interior do setor público, onde se alicerçam as instituições, os nichos
organizacionais, as redes de compromisso e os anéis burocráticos que os acolhem22, pode ser
percebida nas relações entre Noé Mendes e Aldenora Mesquita. Longe de afirmar que esta
relação se dá na forma de apadrinhamento, é preciso considerar a bagagem cultural carregada
por Noé Mendes, filósofo pelo Seminário Regional do Nordeste, teólogo de formação numa
das mais importantes instituições de ensino do mundo – a Universidade Gregoriana de Roma.
Além da curta experiência pela qual passou na Universidade Regional do Nordeste em
Campina Grande na Paraíba.
Entre os Curriculum Vitae de Noé Mendes analisados, constam as seguintes
experiências relacionadas a esse período: Coordenador da Diretoria de Pesquisa e Ensino da
Fundação Universidade Regional do Nordeste em Campina Grande na Paraíba; Assessor
técnico e artístico do Museu de Arte da URN; Secretário Executivo do Curso de Jornalismo
da mesma Universidade. Tais informações foram confirmadas pelo professor Francisco
Pereira, (atualmente professor da Universidade Federal da Paraíba) ao afirmar que Noé
“participou ativamente das primeiras ações culturais do Museu, logo após a inauguração,
especialmente uma feira de cultura popular”.23 Ambos atuaram juntos no corpo docente da
Universidade Regional, constituindo grande amizade.
A relação de Noé Mendes com o Estado, enquanto parte integrante do funcionalismo,
este na acepção da comunidade que expressa a ação política na totalidade do modo de vida,
segundo Max Weber, indica que, quando se trata da temática da cultura, se exige um
funcionalismo especializado. Sendo assim, a relação funcional pública no Estado se dá em
dois modos, o administrativo e o político. Para Weber o funcionário autêntico (segundo a sua
vocação) não se dedica à política, deve dedicar-se, de preferência à administração imparcial.24
Daí o envolvimento na cultura pela ação funcionalista, ou seja, de gestão da cultura,
administrativa digamos, ainda que a ação cultural também signifique uma ação política.
21
MESQUITA, Aldenora Vasconcelos. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de
2014.
22
MICELI, Sérgio. Intelectuais à Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
23
PEREIRA, Francisco. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. [E-mail] Teresina (PI), 03 jul. 2015.
João Pessoa (PB), 03 jul. 2015.
24
WEBER, Max. A política como vocação. Brasília: Editora UNB, 2003.
28
O primeiro trabalho de Noé Mendes como funcionário público do Estado do Piauí, foi
como diretor da Casa Anísio Brito25, entre os anos de 1971 e 1972, exercendo o cargo, por um
curto espaço de tempo. Entre as atividades constam como sua principal função a de assinar
despachos de documentos oficiais do Estado, certificando e vistoriando os editais, os decretos
de governadores, as certidões de posses de terras, atos dos Governos, ou seja, documentos
relacionados a administração pública, bem como documentos de propriedade privada e
pública.
Além dessa função burocrática, Mendes incumbiu-se de organizar a Semana Nacional
de Folclore em Teresina, como parte das comemorações cívicas do calendário oficial no
período militar.26 Desde 1968 realizava na cidade o evento comemorativo. A data fazia alusão
à carta do inglês William John Thoms publicada em The Atheneum de Londres, em 22 de
agosto de 1848, na qual propunha a palavra folk lore, empregada pela primeira vez para
designar as “antiguidades populares”.
No Brasil a data passou a ser oficial com o decreto do Presidente Castelo Branco em
1965, entretanto, já fazia parte do calendário das festividades da Comissão Nacional de
Folclore, que junto com a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro buscaram a
institucionalização do Folclore.27 O decreto assim elencava os motivos para instituir a data:
25
Biblioteca Pública do Estado, Arquivo Público e Museu Histórico do Estado. Instituição criada pela lei nº 51,
de 24 de dezembro de 1947, em homenagem ao seu criador e incentivador Anísio de Brito Melo.
26
Data instituída pelo decreto lei nº 56.747, de 17 de agosto de 1965, pelo presidente Humberto de Alencar
Castelo Branco.
27
Tema a ser discutido no próximo capítulo.
28
DECRETO lei nº 56.747, de 17 de agosto de 1965. Institui o Dia Nacional do Folclore.
29
PROGRAMAÇÃO:
DIA 22 de Agosto: Solene Abertura da Semana do Folclore com o Governador do
Estado Temas musicais do Folclore Piauiense, pelo Coral N. Senhora do Amparo;
Manifestações Folclóricas: Colégio Estadual Álvaro Ferreira; Apresentação do
Bumda-meu-boi “Melindre da Esperança”, campeão piauiense; Palavra do Sr.
Secretário de Educação e Cultura
DIA 23: Teatro 04 de setembro: danças folclóricas casa da Bahia – pelo conjunto
OLUDUMARÈ
DIA 25: Inauguração da Feira dos Municípios e Exposição de Arte Popular do
Serviço Estadual de Cultura.
DIA 26: Tarde Folclórica a cargo do Departamento de Ensino Primário. Grande
concentração de crianças e adultos das escolas primarias; No Palanque da FEIRA
DOS MUNICIPIOS: MARUJADA DE PARNAÍBA; Cantigas e Aboios de
Vaqueiros e Jaraguá do município de Demerval Lobão; Folclore Maranhense:
apresentação do CARNEIRO DE TIMON, sob a direção de Isac Passador; CULTO
AFRO BRASILEIRO: demonstração das Tendas de Umbanda São Jorge e Santa
Joana D’Arc; Quadrilha Junina do bairro Cabral. Às 20 horas: PAGODE E RODA
DE SÃO GONÇALO E CAVALO PIANCÓ, da cidade de Amarante. BAIÃO E
BALANDÊ de Água Branca DANÇAS CAIPIRAS de São Gonçalo do Piauí; BOI
DE CASTELO, da cidade de Castelo do Piauí.
DIA 28: BANDA DE PIFE DA BETANIA, da Cidade e Paulistana; FINALISSIMA
DO CONCURSO DE VIOLEIROS E CANTADORES DO NORDESTE sob o
Patrocínio da Rádio Pioneira de Teresina e da Secretaria de Educação.
DIA 29: NO TEATRO 4 DE SETEMBRO, às 20 horas: ENCENAÇÃO DA PEÇA
TEATRAL: “MAS LIVRAI-NOS DO MAL”, Pelo Serviço Estadual de teatro, sob
direção de Antônio Santana e Silva.31
29
ELABORADO o programa da Semana de Folclore. O Dia, Teresina, nº 3400, p.02, 19 ago. 1971.
30
ELIAS, Norbert. Envolvimento e distanciamento: estudos sobre sociologia do conhecimento. Lisboa:
Publicações D. Quixote, 1997.
31
CASA ANISIO BRITO, Programação Semana Nacional de Folclore. Arquivo Público do Estado do Piauí. Cx:
Casa Anísio Brito, 1971.
30
O jornal mostra-se vigilante com relação às ações do Estado, na medida em que critica
a falta de maior estrutura para a divulgação de atividades que possam beneficiar no
enriquecimento cultural da população. Se o Estado não cumprisse sua tarefa, cabia ao jornal
denunciar e sair em defesa, propondo medidas e anunciando as melhores estratégias na
preservação das manifestações do povo.
Já em 1972 Noé Mendes solicitava para o orçamento da Casa uma quantia de três mil
cruzeiros para a realização da Semana de Folclore daquele ano. As despesas segundo constam
se referia ao adiantamento com encargos, preparativos de: “exposições, reuniões, certames e
outras atividades a serem realizadas na Semana de Folclore”.33
As práticas que parecem anunciar o Piauí, são pensadas a partir do conjunto de sua
identidade, em suas manifestações e elementos encontrados no discurso do folclore. Esse
tema será retomado e tratado com mais detalhe adiante, mas cumpre a necessidade traçar
essas considerações previas, pois basta verificarmos as iniciativas do governo, bem como as
condições daquele momento que fizeram emergir uma identidade para o povo piauiense,
conforme as celebrações do folclore. Sendo assim, é preciso investigar as operações que
32
DEFESA DO FOLCLORE. O Dia, Teresina, 31 ago. 1971, p. 03.
33
CASA ANISIO BRITO. Requisição de Adiantamento. Nº 06. Departamento Estadual de Cultura, Teresina, 12
maio 1972. Cx: Casa Anísio Brito, 1972.
31
Desde o ano de 1970, o ministério da Educação e Cultura através do seu órgão criado
naquele ano, o Departamento de Assuntos Culturais (DAC) promovia um debate nacional
sobre a preservação do patrimônio histórico brasileiro. O primeiro debate denominado
“Encontro de Governadores sobre a Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico do Brasil”
realizado em Brasília em abril de 1970, reuniu além dos governadores, os secretários
estaduais da área cultural, prefeitos, presidentes e representantes de instituições culturais,
além da iniciativa privada. A ação era creditada ao próprio ministro Jarbas Passarinho.
O Estado do Piauí não enviou nenhum representante, o que não nos impede de situar
quando necessário o contexto e debate desse encontro, cujas noções e medidas de preservação
para o patrimônio nacional foram corroboradas no II Encontro realizado na cidade de
Salvador no ano seguinte. Este contando com maior representatividade34, bem como a
participação de Noé Mendes e do governador Alberto Silva representando o Estado do Piauí.
Jarbas Passarinho, então Ministro da Educação e Cultura em seu discurso de abertura
dos trabalhos, havia convocado os “homens de Estado” para o II Encontro de Governadores
em Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural do Brasil, objetivando
reunir os responsáveis políticos e confiar-lhes a missão de defender as riquezas da nação. Não
bastasse isso, sua contribuição à cultura e educação do país se firmaria em cima de um
fracasso quanto à vigilância do patrimônio, promovida desde as iniciativas pioneiras para
preservação dos bens nacionais na gestão de outro ministro no passado, ou seja, que remonta à
administração Gustavo Capanema. Assim se pronunciou:
34
Com exceção do estado do Mato Grosso e do Território Federal de Roraima.
32
35
Discurso do ministro Jarbas Passarinho na cerimônia de abertura dos trabalhos do II Encontro de
Governadores para Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico do Brasil, realizado em Salvador entre os dias 25
e 29 de outubro de 1971. In: ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES para preservação do
patrimônio histórico, artístico, arqueológico e natural do Brasil realizado em Salvador, Bahia de 25 a 29 de
outubro de 1971. Rio de Janeiro: Departamentos de Assuntos Culturais – MEC/IPHAN, nº 26, 1973, p. 17-18.
36
Como o I Encontro de Governadores realizado em Brasília em 1970, também uma iniciativa proposta por
Jarbas Passarinho In: CONSELHO FEDERAL DE CULTURA. Cultura. Rio de Janeiro: MEC, ano III, n. 34,
abr. 1970.
33
37
ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES, 1973, p. 28.
38
MAIA, Tatyana de Amaral. Os cardeais da cultura nacional: o Conselho Federal de Cultura na ditadura civil-
militar (1967-1975) São Paulo: Itaú Cultural; Iluminuras, 2012, p. 165.
39
Idem., p. 95.
40
Objetivos propostos já no Compromisso de Brasília (1970), seguido pelo Compromisso de Salvador nestes
termos, ainda que sejam percebidos nas falas dos participantes do segundo, os adjetivos “bens culturais” e
“patrimônio cultural”.
34
41
ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES, 1973, p. 51.
42
Idem., p. 19.
35
43
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo:
Edusp, 2000, p. 160.
44
Para além dessa temática, ver: AARÃO REIS, Daniel. Ditadura e Democracia no Brasil. Do golpe de 1964 à
Constituição de 1988. Rio de Janeiro, J. Zahar, 2014; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o Regime
Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária, Rio de Janeiro, J. Zahar. 2014; AARÃO REIS,
Daniel. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. RIDENTI, Marcelo. A ditadura que mudou o Brasil. Rio de Janeiro, Zahar,
2014.
36
[...] em nome do mais alto interesse do país, suas gestões ficarão vinculadas
a defesa de nosso patrimônio cultural [...] não só confirmarão, com ação, o
45
ORTIZ, Renato. Cultura Popular: Românticos e Folcloristas. Editora Olho d’água, 1987.
46
MICELI, Sérgio (Org.). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo, Difel, 1984, p.68.
47
No I Encontro privilegiou-se o patrimônio de pedra e cal, seguido dos acervos artísticos e documentais. Cf:
Cultura. Rio de Janeiro: MEC, ano III, n. 34, abr. 1970.
48
BARROS, Pedro Motta de. A Contribuição da FINEP ao desenvolvimento do turismo In: ANAIS DO II
ENCONTRO DE GOVERNADORES, 1973, p. 288.
37
Ainda faltam estudos que sistematizem as ações efetivas propostas pelos I Encontro e
II Encontro de Governadores, na qual deram origem respectivamente ao Compromisso de
Brasília (1970) e o Compromisso de Salvador (1971). O segundo Encontro de Governadores,
procurava ratificar o Compromisso assinado em Brasília, dando foco para questões mais
precisas no que se refere à preservação, a defesa, a conservação e revalorização do patrimônio
histórico, artístico, arqueológico e natural, tudo isso a partir de um amplo debate, realizado
com base no levantamento de questões, depoimentos e conclusões a respeito do patrimônio do
Brasil.
De acordo com Tatyana Maia que investigou a importância do civismo na elaboração
das políticas culturais entre os anos de 1967 e 197550, o Compromisso de Brasília não tratava
do problema das fontes orçamentárias; não mencionava a necessidade de convênios entre os
órgãos federais, estaduais e municipais; e não previa a criação de órgãos regionais dedicados
exclusivamente à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
Quanto a esta questão, o Compromisso de Salvador mencionaria em suas
recomendações as seguintes sugestões, com relação à captação de dinheiro e convênios para o
financiamento de gestão dos bens naturais e de valor cultural brasileiros:
49
SOEIRO, Renato. Relatório do diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. In: ANAIS
DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES, 1973, p. 46.
50
MAIA, Tatyana de Amaral. op. cit., 2012, p. 170.
38
A autora não aponta dados e nem fontes que comprove a ligação direta entre o PCH e
as medidas recomendadas pelos Encontros de Governadores nos anos antecedentes a
implementação do Programa. No entanto, em outro trabalho, Sandra Correâ54 apontou a
51
Compromisso de Salvador In: ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES, 1973, p. 375-378.
52
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: EDUFRJ; MINC-IPHAN, 2005, p. 141-142.
53
Idem., p. 143.
54
CORRÊA, Sandra Rafaela Magalhães. O Programa de Cidades Históricas (PCH): por uma política integrada
de preservação do patrimônio cultural – 1973/1979. 343 f. 2012. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo – Universidade de Brasília.
39
articulação entre o ministro Jarbas Passarinho (MEC) e João dos Reis Veloso (MiniPLAN)
para a viabilização dessa proposta.
No Piauí os primeiros estudos para o Programa Integrado de Reconstrução das
Cidades Históricas tiveram início em 1973, a partir de uma visita técnica de um grupo de
Trabalho formado para averiguar a situação das cidades recomendadas para o Programa.
Inicialmente as cidades de Teresina, Oeiras, Piracuruca (Sete Cidades) foram recomendadas
para apreciação do GT do PCH, no entanto, somente Oeiras e Piracuruca foram apreciadas na
Exposição de Motivos 076-B – 1973, segundo tal documento, essas cidades se enquadravam
na divisão realizada pelos técnicos, na qual eram “monumentos e cidades sem infraestrutura
adequada, mas em condições não tão precárias quanto às localidades de segundo grupo,
podendo ser ‘reestruturados’ e conservados tão logo seja instalada a infraestrutura
necessária”.55
Segundo Corrêa, somente os Estados do Maranhão e Paraíba não firmaram acordo
com o PCH, do Nordeste.56 De modo que o ano de 1973 foi de preparação da burocracia para
iniciar os projetos e obras. No Piauí a autora cita que 04 projetos foram aprovados para
contemplar o PCH. Ainda sobre esse assunto, Viviane Pedrazani57, corrobora ao informar que
tais projetos contemplados se referem aos das cidades de Oeiras, Amarante, Parnaíba e
Piracuruca. Retomaremos esse assunto mais à frente.
Ao final do seu relatório Renato Soeiro convocava os governadores e representantes
estaduais ali presentes a colaborarem na defesa do patrimônio atestando o tom conciliatório
entre preservação versus economia, como uma fórmula para orientação política a ser adotada.
Acreditando e fazendo acreditar que o investimento no patrimônio era investir na nação
brasileira:
55
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL, 1973, p. 7, Apud CORRÊA, Sandra
Rafaela Magalhães. op. cit. 2012, p. 132.
56
Idem.
57
PEDRAZANI, Viviane. Patrimônio cultural de Teresina-Pi: O processo de preservação nas décadas de 1980 e
1990. 138 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas), Universidade Federal do Piauí. 2005.
58
SOEIRO, Renato. Relatório do diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. In: ANAIS
DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES, 1973, p. 52.
40
É uma honra para a Cidade de Salvador ter sido escolhida pelo Sr. Ministro
da Educação para sede deste grande conclave [...] também é verdade que a
escolha por parte do Sr. Ministro da Educação impõe, a nós outros,
compromissos os mais solenes e os mais importantes, para que lutemos cada
vez mais para preservar o patrimônio histórico que temos. As presenças
ilustres, neste certame, de representantes de todos os governos, a começar
pelo ilustre Governador Alberto Tavares da Silva e dos Secretários de
Estado, tudo isso cria para nós, baianos, responsabilidades imensas. Mas, por
outro lado, também é uma demonstração inequívoca de que se forma no País
um consenso indispensável da necessidade de se preservar o patrimônio
histórico e cultural do Brasil. Isto porque, Sr. Ministro, já se chega a um
consenso, e, embora se chegue talvez um pouco tarde, ainda se chega a
tempo de compreender-se que nenhum país poderá projetar-se para o
futuro, mesmo nos grandes meios desenvolvimentistas, se não soubermos
preservar, sobretudo, a conduta do seu passado. Este é o objetivo
certamente maior deste certame. 59 (Grifos nossos)
59
Discurso do Sr. Governador do Estado da Bahia In: ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES,
1973, p. 53.
41
61
FONTINELES. op. cit. 2009, p. 59.
62
Após a passagem pela Universidade Regional do Nordeste na Paraíba, quando do retorno ao Piauí, Noé
Mendes passou a ministrar aulas na Faculdade Católica de Filosofia em Teresina.
63
PASSOS, Guiomar de Oliveira. A Universidade Federal do Piauí e suas marcas de nascença: conformação da
Reforma Universitária de 1968 à sociedade piauiense. 302 f. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, 2003.
64
MOTTA. op. cit., 2014, p. 108.
43
Esse parecer ser o caso de Noé Mendes, ainda mais nesse projeto grandioso de
constituição de uma instituição federal de ensino, a primeira no estado. Por isso o intelectual
em seu discurso, inflama as ações, sendo otimista quanto ao período em que vivenciava essas
experiências.
A Universidade Federal do Piauí, criada com o intuito de formar técnicos e intelectuais
para as ações de desenvolvimento do Estado, contou com a formação das faculdades já
existentes, tanto que o corpo docente dessas faculdades integrou em sua quase totalidade aos
da UFPI.65 O Centro de Ciências Humanas e Letras, implantado em 1973 foi constituído a
partir da integração de cursos dos departamentos da Faculdade Católica de Filosofia (FAFI)
formada pelos cursos de História, Filosofia e Letras e das cadeiras de Sociologia e Economia
Política da Faculdade de Direito, “abrangendo recursos materiais e humanos destas
faculdades”.66
No Piauí, algumas das ações recomendadas a partir do Encontro de Salvador, já
estavam na pauta administrativa do governo de Alberto Silva. Noé Mendes enuncia em seu
discurso as obras na área cultural como um dos elementos para emergir o Piauí daquele
momento em diante:
O nosso estado procura sair, sobretudo com a nova geração que está
surgindo e que quer ser a consciência crítica de nossa cultura, desse
65
Criada pela Lei n.º 5.528 em 1968, pelo então presidente Artur da Costa e Silva, a Universidade Federal do
Piauí incorporou as faculdades já existentes no estado, a Faculdade de Direito, fundada em 1931, a Faculdade
Católica de Filosofia em 1957, a Faculdade de Odontologia em 1960, e a Faculdade de Medicina em 1966.
66
PASSOS. op. cit. 2003, p. 200.
67
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1973, p. 97.
44
Se havia um clima de otimismo para aquele momento, Noé Mendes como piauiense,
tinha consciência de fazer parte da nova geração de pessoas compromissadas com o
desenvolvimento cultural de seu Estado. Assumindo o posto num departamento importante
para a realização de atividades ligadas à cultura, ele se insere numa rede que começa a tecer
fios de ligação para o processo de constituição da sua personalidade pública, se situando como
parte consciente da “criticidade” no desenvolvimento cultural daquele momento.
O Compromisso assinado pelos participantes do encontro recomendava a criação do
Ministério da Cultura, Secretárias e Fundações Culturais no âmbito estadual. Embora o
ministério só viesse a ser criado em 1985, muitos estados e municípios seguiram as
recomendações de criarem em seus respectivos territórios as secretárias ou fundações
culturais.
Esse foi o caso do Piauí, A Secretaria de Cultura do Estado foi criada através da Lei nº
3.262, de 6 de dezembro de 1973, desmembrando a Secretaria de Educação e Cultura. Como
também criou a Fundação Cultural do Piauí instituída pela lei nº 3320 de 04 de abril de 1974,
com o objetivo de executar a política cultural do governo e preservar o patrimônio natural,
histórico e cultural do estado, tendo como presidente o secretário de cultura, o professor
Wilson Brandão do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí.
Ainda no compromisso de Salvador, recomendou-se neste documento, a convocação
dos órgãos responsáveis pelo planejamento turístico, no sentido que voltassem suas atenções
para os problemas de divulgação e utilização de bens culturais e de valor cultural protegido
especialmente por lei. Recomendou-se também o desenvolvimento de uma indústria do
turismo com especial atenção para os planos que visassem à preservação e valorização dos
monumentos naturais e de valor culturais protegidos por lei. O ideal “turismo -
desenvolvimento” estava em questão para as ações políticas propostas pelo o Encontro,
podemos considerar esta como a principal.
Os governos estaduais deveriam promover, através de órgão competente, a elaboração
de calendário das diferentes festas tradicionais e folclóricas, dando igualmente inteiro às
realizações festivas, exibições ou apresentações para a difusão e preservação das tradições
folclóricas de seus respectivos estados.
No Piauí, Noé Mendes publicou seu primeiro livro Folclore no Piauí em 1972, pela
Secretaria de Educação e Cultura e pela Empresa Piauiense de Turismo (PIEMTUR) - criada
68
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1973, p. 97.
45
ainda em 1971, iniciativa da gestão de Alberto Silva - divulgando nessa obra, o primeiro
calendário folclórico piauiense, como sugerido pelo Compromisso de Salvador, reforçada pela
Semana Nacional de Folclore, comemorada em agosto, nos eventos promovidos pela Casa
Anísio Brito dirigida por Mendes, em Teresina
Ficou ainda sugerida entre outras ações, pelas administrações estaduais e municipais, a
publicação de livros e documentos referentes à história da independência brasileira, nas suas
respectivas áreas, por ocasião do transcurso do sesquicentenário da Independência do Brasil.
No Piauí, o Conselho Estadual de Cultura, foi o responsável pela organização das festividades
na inauguração do monumento da Batalha do Jenipapo.69
O governo de Alberto Silva também incentivou a publicação de obras, instituindo um
concurso sobre a participação do Estado nas lutas da independência do país. As obras
ganhadoras do concurso foram publicadas pela Companhia Editora do Piauí – COMEPI.70
Foram ainda reeditadas obras como A guerra do Fidié, de Abdias Neves e os quatro volumes
de Pesquisas para a História do Piauí, de Odilon Nunes.
Em meio a esse boom editorial supomos que a visibilidade das obras publicadas pelo
concurso editado pelo Estado através da COMEPI foi maior que a obra Folclore no Piauí, de
Mendes, publicada pela Secretaria de Educação e Cultura e PIEMTUR. Alguns autores,
entretanto, foram mais expressivos do que outros, como por exemplo, os historiadores Odilon
Nunes e Monsenhor Chaves, que tiveram destaque por se dedicarem à pesquisa de temas
pouco explorados da história do Piauí.71
69
A batalha foi o resultado de embates entre o poder português e a população sertaneja piauiense, que se uniu a
cearenses e maranhenses a fim de expulsar do Piauí o major João José da Cunha Fidié (?-1856), comandante das
Armas e governador da capitania. Fidié havia sido enviado pelo rei de Portugal, D. João VI, para garantir a
manutenção do sistema colonial e impedir a Independência. Devido ao seu poderoso exército, o major ganhou a
batalha, mas perdeu a guerra da independência graças às táticas de guerrilha dos sertanejos: após o combate do
Jenipapo, num assalto de surpresa ao acampamento militar, eles se apoderaram dos armamentos e da munição,
de dinheiro e bagagem do comandante português, e cercaram o caminho para Oeiras, a capital da província, que
já tinham aderido à Independência no mês de janeiro. Diante dessa situação e enfrentando deserções constantes,
que reduziram consideravelmente suas tropas, o major Fidié se viu forçado a se retirar do Piauí. Levantou
acampamento e atravessou o Rio Parnaíba para o Maranhão, refugiando-se na cidade de Caxias, onde buscou
reforços militares e recursos financeiros. O Maranhão foi literalmente invadido, e após 15 dias de um audacioso
cerco à cidade de Caxias pelas forças independentes de aproximadamente 6.000 homens do Piauí, do Maranhão
e do Ceará, ocorreu o combate no Morro das Tabocas, com a rendição do major Fidié, faminto e desarmado.
Preso, foi enviado para o Rio de Janeiro e depois para Portugal, onde foi recebido como herói. A oficialização da
independência do Piauí, do Ceará e do Maranhão ocorreu em 6 de agosto de 1823, por uma Junta Militar das três
capitanias. Na memória dos piauienses, a batalha do Jenipapo é o mais notável episódio das lutas no Piauí pela
independência do Brasil. In: DIAS, Claudete Miranda Dias. Entre foices e facões. Dossiê Batalhas. Revista de
História da Biblioteca Nacional. Rio de janeiro, nº 70, julho de 2011.
70
CHAVES, Joaquim. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. Teresina: COMEPI, 1975; BRANDÃO,
Wilson de Andrade. História da independência no Piauí. Teresina: COMEPI, 1973; BRITTO, Bugyja. O Piauí e
a unidade nacional. Rio de Janeiro: Folha Carioca Editora, 1976.
71
QUEIROZ, Teresinha. Historiografia piauiense. In: Do Singular ao Plural. Recife: Bagaço, 2006, p. 153.
46
Logo após o governo de Alberto Silva, Noé Mendes viria a ser assessor de Cultura do
governo seguinte, Dirceu Mendes Arcoverde (1976-1979), e é nesse momento que
encontramos ligações prévias, ou melhor, conexões na atuação cultural do governo,
estabelecidas a partir do Plano de Governo com o Programa de Cidades Históricas (PCH).
No Plano nos deparamos novamente com a ideia de integração, ou cultura integrada,
como estamos localizando esse conceito desenvolvido em sua concepção, nas atuações do
Estado e de intelectuais. Entre os planos especiais da gestão, a cultura tinha assim definida
seus objetivos:
A fonte do recurso para pôr em prática tais planos estavam no orçamento do Governo
do Estado e da Secretária do Planejamento do governo federal. Além dessas obras, a
construção do Centro Artesanal e de Artes Populares, contaria com o financiamento da
SEPLAN, com o objetivo de valorizar o artesanato piauiense. Para isso seria reformado o
antigo prédio da Penitenciaria localizada na cidade de Teresina, conservando suas linhas
arquitetônicas originais, a fim de transformá-la em Centro Artesanal e local de preservação
das artes populares, como proposto no governo anterior de Alberto Silva, mas retomado a
ideia no seguinte. Assim era justificada no plano de governo, a criação do Centro:
72
ARCOVERDE, Dirceu Mendes. Plano de Governo (1976-1979), Governo do Piauí.
73
Idem.
74
Idem.
47
75
ARCOVERDE, Dirceu Mendes. Plano de Governo (1976-1979), Governo do Piauí.
76
PEDRAZANI. op. cit. 2005, p. 59.
77
DIÁRIO Oficial do Estado do Piauí, nº 143, p 61-67, 31/07/1978.
48
necessário, o Conselho Estadual de Cultura”. Ou seja, esforços conjunto em defesa dos bens.
Segundo Viviane Pedrazani:
O que de fato se sabe é que o IPHAPI não passou por processo de maturação
e não teve força política capaz de uma consolidação orgânica, o que o levou
a uma vida curta, pois a função que exercia, de proteger os bens culturais do
Estado do Piauí, foi novamente atribuída à Fundação Cultural do Piauí e ao
seu Departamento de Defesa do Patrimônio Natural, Histórico e Cultural
pela lei estadual nº 3742 de 02 de julho de 1980.78
78
PEDRAZANI. op. cit. 2005, p. 63.
79
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
49
1.3 Na Universidade Federal do Piauí em defesa dos bens de natureza arqueológica como
Patrimônio
[Noé Mendes de] Oliveira vagava pela região, há cerca de um ano, em busca
de inscrições rupestres, quando entrou em contato com os moradores das
cavernas. Oliveira presume que haja alguma relação entre as locas habitadas
e as inúmeras ossadas milenares e os desenhos rupestres já descobertos
naquela área. E trabalha no momento em um projeto para a transformação da
região em campus avançado da Universidade Federal do Piauí [...] ‘Naquele
sítio’, afirma entusiasmado o pesquisador, ‘existe material para estudos de
Sociologia, Antropologia e Arqueologia a justificarem anos de investigação’.
80
80
CASAS na pedra. Veja. São Paulo, ano 11, n. 522, 06 set. de 1978, p. 89-90.
81
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Relatório A Arte Rupestre do Piauí. Rio de Janeiro, Funarte, 1978.
50
documentação, pelo valor cultural que elas representavam, mostrando assim a deficiência de
pessoal qualificado no Estado, o que viria a ser remediado com a implantação da UFPI.
No ano seguinte, em 1973, nova missão de estudo foi realizada, agora em parcerias
integrada por equipes da UFPI, sob o comando do professor Noé Mendes e do Museu Paulista
da USP sob direção de Niède Guidon, juntamente com as arqueólogas Sílvia Maranca e
Águeda Vilhena. Já em 1974, outra missão, comandada pelo Museu Paulista com as
arqueólogas Silvia Maranca e Águeda Vilhena e Lina Kneip do Museu Nacional do Rio de
Janeiro.82
No ano de 1975 a Secretaria de Cultura e a Universidade Federal do Piauí firmaram
um convênio com a Universidade de São Paulo, através do Museu Paulista, para se fazer um
estudo e pesquisas na região sul do Estado. Os estudos e resultados dessas missões
precisavam ser divulgados, com fundamentação e conhecimento científico, de maneira que o
Piauí possuidor de uma imensa riqueza arqueológica carecia de recursos humanos e materiais
para o manuseio de informações, materiais e dados que fossem estudados e divulgados.
Noé Mendes classificou como patrimônio pré-histórico do Piauí as “pinturas parietais
e inscrições rupestres, sítios arqueológicos, terrenos fossilíferos e monumentos geológicos
espalhados de Norte a Sul do Estado”.83 Embora a lei 3.924 de 1961, que regulamentava os
bens arqueológicos desse tipo, denominasse como “monumentos arqueológicos e pré-
históricos brasileiro”.84 Ao tentar incentivar que os piauienses se interessassem por suas
riquezas, destacou que este “patrimônio” deveria ser conhecido e recolhido pelos piauienses, e
não por cientistas de outras regiões e até do exterior.
Não obstante, o desejo fosse de que o piauiense pudesse conhecer e pesquisar o seu
patrimônio, Mendes tinha consciência da realidade do Estado naquele momento, ainda mais
por não possuírem sozinhos, o aparato técnico-científico necessários para realizar tamanho
empreendimento. Sendo assim, anunciava:
82
Nos anos de 1974 e 1975 Niède Guidon não veio ao Brasil por estar preparando sua tese de 3º Cycle na
França. Informações concedidas pela professora Águeda Vilhena.
83
OLIVEIRA, Noé Mendes de. O Patrimônio pré-histórico do Piauí: perspectivas de preservação e estudos.
Presença, Teresina. Ano 2, n. 04, dez. 1975.
84
LEI nº 3.924, de 26 de julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3924.htm.
51
A fala de Noé Mendes alertava para alguns aspectos relevantes para a conservação dos
bens recém descobertos, ameaçados pelo próprio homem, desconhecedor do significado que
as riquezas pré-históricas poderiam beneficiar na imagem do estado. Não menos importante, o
local de divulgação dessas ações, na Revista Presença87, sendo assim, Mendes propôs um
convênio entre a UFPI e o Museu Paulista da Universidade de São Paulo, por meio do qual,
em 1976, formaram um Curso de Aperfeiçoamento em Arqueologia: Iniciação a Pré-História
e Técnicas Arqueológicas, participando alunos dos cursos de História, Geografia e Biologia
da Universidade Federal do Piauí, inclusive o próprio professor Noé Mendes.88
O curso constituiu os primeiros e principais esforços de formar e orientar para a
pesquisa arqueológica no estado, além é claro de despertar um público piauiense para esta
área. Sobre o início dos estudos de arqueologia no Piauí, diretamente ligados ao professor
Noé Mendes, a arqueóloga Águeda Vilhena89 que participou das missões na primeira metade
da década de 1970, assim nos informa:
85
OLIVEIRA, Noé Mendes de, Op. Cit. 1975, p. 46.
86
Idem.
87
Editada pela Secretaria de Cultura do Estado, Noé Mendes foi colaborador, publicando seus principais artigos
na década de 1970.
88
Informações concedidas por Verônica Ribeiro, participante do curso em 1976.
89
Doutora em Arqueologia brasileira, atualmente é professora associada do Museum National D’Histoire
Naturelle (França) e professora convidada do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
52
Meu contato com o professor Noé Mendes ocorreu quando fui convidada,
como arqueóloga do Museu Paulista da USP, a dar curso de Arqueologia na
Universidade [Federal] do Piauí em Teresina e que na minha lembrança teria
sido em março ou abril de 1976.
Professor Noé Mendes, personagem distinta, cordial, afável e acolhedora, era
o Chefe do Departamento de História da UF do Piauí. Motivado pelas
descobertas dos abrigos rupestres do Estado do Piauí em Várzea Grande, São
Raimundo Nonato, além das já bem conhecidas de Sete Cidades, mostrou-se
aberto a introduzir essa nova área, a Arqueologia, nas disciplinas de
Antropologia-História.
Após a semana de aulas do curso que ministrei sobre Arte Rupestre,
organizamos juntos (Professor Noé Mendes e eu) para os alunos do curso,
uma expedição aos abrigos rupestres que eu conhecia pelas missões de
pesquisas de 1973 e 1974. A professora Margarida Andreatta, também do
Museu Paulista da USP, que me havia precedido no curso da Universidade
Federal, permaneceu em Teresina durante minha temporada de professora
convidada pela Universidade para em seguida poder nos acompanhar e
conhecer assim a região dos abrigos recentemente por nós prospectados.
Vieram também a essa excursão repórteres da National Geografic Magazine
do Brasil. Uma bela notícia saiu nessa ocasião, após esses dias de visitas aos
abrigos da Serra da Capivara: Toca do Paraguaio, Toca da Entrada do
Baixão da Vaca, Toca do Pajaú, Toca do Boqueirão da Pedra Furada, Toca
do Caldeirão do Rodrigues. Ao retornar a Teresina, eu deixei meu filme de
slides a ser revelado ao próprio professor Noé Mendes para que ele pudesse
documentar a viagem com os estudantes. 90 (Grifos nossos)
Que povo terá sido esse? As respostas deverão começar a surgir com a
publicação da monografia com a análise do levantamento efetuado pelas três
missões empreendidas entre os anos de 1973 e 1975. As três autoras dessa
monografia – as arqueólogas Niède Guidon, do Centre National de la
Recherche Scientifique, da França, Síliva Maranca e Águeda Vilhena de
Morais, do Museu Paulista -, juntamente com a etnóloga Vilma Chiara e a
arqueóloga Lina Maria Kneip, do Museu Nacional do Rio de Janeiro,
participaram ativamente das missões, num trabalho considerado como o de
maior rigor científico entre as inúmeras realizações da arqueologia brasileira.
A divulgação dos resultados desse trabalho tem levado autoridades como o
professor francês Leroi-Gouhran a defender a ideia da criação de uma
entidade oficial para preservar, com recursos da UNESCO, todo o enorme
acervo descoberto.92
90
VIALOU, Agueda Vilhena. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros [E-mail]. Niterói (RJ)16 de
agosto de 2014, Paris (França), 18 ago. 2014.
91
LEITÃO, Luiz Ricardo. Arte Rupestre nas Serras do Piauí. Revista Geográfica Nacional. Rio de Janeiro:
Bloch Editores, nº 25, outubro de 1976, p. 53.
92
Idem, p. 58.
53
93
Segundo o decreto-lei nº 25 de 1937 que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional,
considera os bens arqueológicos “monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e
proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana
[...] e ainda parte integrante do Patrimônio Histórico Nacional, após sua inscrição no Livro do Tombo
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, como “as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica,
etnográfica, ameríndia e popular” (Art. 04, § 1º).
94
Para mais detalhes conferir: FUNARI, Pedro Paulo; GONZÁLEZ, Erika M. Robrahn. Ética,
capitalismo e arqueologia pública no Brasil. História (São Paulo), v.27, n.2, 2008, p.15; FARIA, Luiz
de Castro. O problema da proteção aos sambaquis In: Antropologia – escritos exumados 2: Dimensões
do conhecimento antropológico. Niterói: EDUFF, 1999, p. 237-296.
95
Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos.
Conferir também: FUNARI; GONZÁLEZ. op. cit. 2008, p. 17.
54
também que o estado piauiense não possuía uma sede do Instituto do Patrimônio Histórico,
Artístico e Nacional (IPHAN), colaborando para o protagonismo uspiano e francês em terras
piauienses. Uma crítica contundente de Noé Mendes, como observamos.
Enquanto lócus institucional, a UFPI inauguraria naquela época o tripé: pesquisa,
ensino e extensão, proposto pela reforma universitária de 1968, que definiu um novo modelo
de ensino superior brasileiro. Sendo assim, pesquisas, extensões, além do ensino, fizeram
parte do contexto social piauiense, em que Mendes integrou como professor e pesquisador.
Como apontou Sônia Magalhães96, o destaque às incursões arqueológicas na primeira
metade da década de 1970 impulsionou o delegado regional do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal – IBDF, Raimundo Nonato de Medeiros a solicitar à UFPI um
novo levantamento da área do Parque Nacional de Setes Cidades, na região da cidade de
Piracuruca, norte do estado. Trabalho no qual se integraria à área rupestre como os aspectos
ambientais, envolvendo parcerias multidisciplinares. Em entrevista a professora Verônica
Ribeiro, amiga de Noé Mendes, assim relata sobre a equipe:
mobilizou estudiosos de todo o Brasil para que apresentassem projetos sobre temáticas
relacionadas à cultura artística brasileira.
Intitulado “A arte rupestre do Piauí” o relatório devia ter sido publicado em formato de
livro, como resultado do prêmio concedido. Entretanto não foi, embora o material tenha sido
enviado à Funarte para esse fim, como demonstrado em carta redigida por Noé Mendes ao
diretor da FUNARTE, Roberto Parreira, vejamos:
Aparentemente supomos que por questões que envolveram as próprias instituições que
concederam o prêmio, o impasse legou à obra “ao limbo dos arquivos”. A amiga e professora
Verônica comenta esse episódio relatando que parte do material ficou retido com o reitor da
99
CARTA do Professor Noé Mendes de Oliveira. [Recife], ao Diretor Executivo da FUNARTE, Roberto
Parreira, [Rio de Janeiro]. 20/04/1980. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do
Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas.
CNFCP/IPHAN.
56
UFPI após Noé entregá-lo, “quando ele se encontrava em estudos em Paris e nunca devolveu
o material [...] sobrou muito pouco”.100
Independentemente dessa questão, vale apena passarmos pelo relatório para que
tenhamos noção do que seria essa arte rupestre do Piauí para o professor Noé Mendes,
considerando-a um “patrimônio artístico-cultural”, de modo que possamos perceber quais as
intenções desse discurso ao empregar tão logo nesse período a categoria de patrimônio a essa
arte, ainda que não registrada no livro do Tombo do IPHAN, condição necessária para a
salvaguarda enquanto patrimônio.
Noé Mendes apontou o Piauí como o possuidor do mais extenso acervo de arte pré-
histórica do Brasil. O projeto contemplou estudos e documentação cine fotográfico “de um
fenômeno artístico e cultural de dimensão quantitativa e qualitativa tão evidente”.101 Para
Mendes, o Piauí era merecedor e fazia-se necessário que um trabalho sobre o “patrimônio
arqueológico” - como ressalta em seu discurso - dessa espécie, viesse à tona, pois não seria
justo não socializar aquela riqueza, tomada apenas de conhecimento pelos pesquisadores
especializados no assunto. Justificava, pois, pelo fato do Piauí não possuir uma documentação
visual desse “patrimônio rico e vasto”.102
O financiamento da pesquisa pela Funarte possibilitaria a realização de novos
trabalhos que segundo Mendes, permitia a divulgação para além do mundo acadêmico, de São
Paulo a Paris. Os trabalhos de investigação e catalogação se deram na região sudeste do Piauí,
na cidade de São Raimundo Nonato e imediações, e no Parque Nacional de Sete Cidades.103
Os resultados alcançados foram permitidos pelo o uso de metodologias comuns a área
da arqueologia, utilizando métodos e abordagem científica tradicionais da época, assim
descritos por Noé Mendes:
100
RIBEIRO, Verônica Maria. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina (PI), outubro de
2014.
101
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit., 1978, p. 05.
102
Idem, p. 06.
103
O parque foi criado em uma área de 6 304 hectares, próximo nas imediações da cidade de Piracuruca, através
do Decreto Nº 50.744, de 5 de junho de 1961.
57
104
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1978, p, 06.
105
Noé Mendes cita os trabalhos de historiadores como Odilon Nunes e Monsenhor Chaves, que dão conta da
ocupação piauiense no século XVIII, bem como o processo de dizimação da população indígena que ocupava as
terras que compreendem as áreas da Serra da Capivara e do Parque Nacional de Sete Cidades.
106
Pesquisas recentes dão conta de novas datações. Segundo Niède Guidon, após 35 anos de pesquisas
arqueológicas, pode-se inferir que na região existem evidências de presença humana que remontam há 100.000
anos B.P (Before Present). Cf. GUIDON, Niède; BUCO, Cristiane de Andrade. “O estado da arte”: as pesquisas
arqueológicas e o desenvolvimento regional na região do Parque Nacional Serra da Capivara In: PINHEIRO, A.
P.; PELLEGRINI, Sandra (Org.). Tempo, Memória e Patrimônio Cultural. Teresina: EDUFPI, 2010.
107
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit., 1978, p. 25.
58
Raimundo Nonato. O professor da UFPI, ressalta as questões místicas que envolvem o lugar,
de maneira que algumas notícias apontavam a localização do Parque como “lugar de
concentração mágica”. As primeiras notícias que se tem registradas sobre aquele lugar, foram
datadas oficialmente na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1887 por
Alencar Araripe tratando com o título “Cidades petrificadas e inscrições lapidares no Brasil”
108
. No estudo também são apontadas as impressões de Ludwig Scwenhager, onde este afirma
que Sete Cidades fora construída como sede do Império Fenício no Brasil. No entanto
Mendes contrapõe:
O certo é que este suposto reino de pedras encantadas não são restos de
civilizações antigas, nem cidades petrificadas outrora povoadas por fenícios,
deuses, astronautas ou vikings como querem outros autores. Constituem uma
área situada sobre uma formação de arenitos impuros, laminados e
maciços, modelados, primeiramente, pela erosão pluvial e,
secundariamente, pela erosão eólica, causada pelos ventos carregados de
partículas sólidas e arrancados do solo pelo movimento de turbilhonamento.
Em termos de toda a área, esse modelamento se viu condicionado por
sistemas de fraturamentos regulares, daí a formação de verdadeiras ruas
cavadas na rocha, deixando isolados monumentos geológicos pitorescos. 109
(Grifos nossos).
108
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit., 1978, p. 28.
109
Idem.
110
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Apud: MAGALHÃES, Sônia Maria Campelo. op. cit. 2011, p. 126.
59
MÔNICA TEIXEIRA (TV Cultura): Quem eram esses homens, o que eles
pintavam na rocha?
NIÈDE GUIDON: o que eles pintavam na rocha, justamente esse livro que
eu trouxe que acabou de sair, e explica. Era o meio de comunicação deles,
era um sistema de comunicação extremamente avançado, aonde eles então
não tinham alfabeto – através disso, porque você ver uma repetição de várias
cenas, que deviam ser cenas ligadas a mitos, a ritos deles que ficaram e são
repetidos.
ANA LÚCIA AZEVEDO (O Globo): A pintura era religião, ela tinha função
de caça?
NIÈDE GUIDON: era um meio de comunicação.
MÔNICA TEIXEIRA (TV Cultura): [...] era pra deixar [um] recado?
NIÈDE GUIDON: dentro da sociedade deles, para passar de uma geração a
outra, aquilo que era importante. Agora o que acontece, era um código, para
eles, vocês têm que imaginar o seguinte [...] nós não temos o código do que
isso significava para eles. 112 (Grifos nossos).
O livro ao qual Niède faz referência, provavelmente seja o da arqueóloga Anne Marie
Pessis, Imagens da pré-história: Parque Nacional Serra da Capivara113, publicado em 2003,
pela Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), dirigida pela própria Niède
Guidon. Em recente artigo a mesma afirmação se repete, de modo que parece ser consenso a
ideia de “uma comunicação” empregada pelo o homem primitivo, vejamos:
111
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit., 1978, p. 38.
112
GUIDON, Niède. [Entrevista concedida ao programa Roda Viva, TV CULTURA, 17 nov. de 2003]
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R1Uu6xjN5nU Acesso em: 25 de novembro de 2015.
113
PESSIS, A M. Imagens da pré-história: Parque Nacional Serra da Capivara. São Paulo: FUMDHAM-
Petrobras. 2003.
60
Apesar das discussões em torno dessa questão sobre a “comunicação” que a arte
rupestre representava e ainda representa, sejam semelhantes nas pesquisas apresentadas no
relatório de Noé Mendes em 1978, e nas pesquisas das arqueólogas Niède Guidon e a Anne
Marie Pessis, aquela afirmou desconhecer tal relatório:
Embora ambos tenham tomados rumos diferentes, ou seja, Niède Guidon se instalara
definitivamente na Serra da Capivara, logo após sua defesa de tese do doutorado na França, e
Noé Mendes particularmente em Teresina, os esforços conjuntos foram fundamentais para a
questão arqueológica no Piauí.
O homem primitivo e sua arte tanto na Serra da Capivara e no Parque Nacional de
Setes Cidades, bem como de outros sítios arqueológicos, concedeu ao estado do Piauí e ao
Brasil um rico patrimônio incalculável. Era preciso tornar isso representativo para o próprio
estado que buscava sua identidade, garantir meios de sua representação. O professor Noé
Mendes não desconsiderava as pesquisas empreendidas pelos “estrangeiros”, destacava a
importância de Niède Guidon, pois sua pesquisa desenvolvida no Piauí tinha reconhecimento
internacional, revelando ao mundo científico brasileiro e europeu toda a riqueza artística e
cultural que o estado possuía, “pela qualidade do acervo com estilo inconfundível de
representação pictográfica, do estado de conservação”, 116 claro que as condições encontradas
permitiam fazer tal afirmação.
114
GUIDON; BUCO, op. cit., 2010.
115
GUIDON, Niède. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros [E-mail]. Rio de Janeiro (RJ), 25 de
novembro de 2015, São Raimundo Nonato (PI), 30 de novembro. 2015.
116
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1978, p. 45.
61
A preservação, no entanto, não se limitaria a isso ainda mais por outros problemas
sendo avistados pelo professor da UFPI, que se mostrou bastante preocupado com algumas
iniciativas desenvolvimentistas do governo que podiam prejudicar a integridade da região:
Mesmo com essa providencial solução, temem-se alguns perigos que pairam
sobre as pinturas. A construção da antiga estrada Fortaleza – Brasília (BR –
020) foi reativada. As máquinas já trabalham a menos de 30 km da serra da
Capivara, no meio do qual passará a estrada. Teme-se também, que o grande
lago da Hidrelétrica de Sobradinho, cuja represa se estende a menos de 100
km da área arqueológica possa trazer mudanças climáticas que venham
comprometer o estado de conservação das pinturas. Além desses fatores,
fala-se na instalação de um grande complexo de exploração e transformação
de minérios de cobre e amianto não muito distante da área. Isso acarretará,
certamente, grande fluxo de gente para essa região. Tudo poderá recair com
sérias ameaças para o patrimônio artístico e arqueológico, até agora livre de
maiores perigos.118 (Grifos nossos).
117
Idem.
118
Idem., p. 46.
62
Esse reconhecimento é essencial para percebermos como nossa personagem agiu nas
suas escolhas, nos seus posicionamentos, e como isso poderia ser uma estratégia quanto aos
objetivos finais de tornar os bens conhecidos e preservados. Em outras palavras, estimular o
desenvolvimento da cidade de Teresina e do Estado, sobretudo cultural, como foi a
administração de Alberto Silva (1971-1975), como tática cotidiana para promover os estudos
da arqueologia, pois seria de grande importância para a imagem do Piauí, enquanto
divulgação de sua cultura e ser reconhecido como o detentor da “chave que desvendaria as
origens do homem americano”, atestada pela mídia nacional.
O patrimônio “artístico e cultural” representado pela pintura rupestre no estado do
Piauí significava a expressão e um potencial, pela ampliação de pesquisas, estudos e
desenvolvimento via turismo. Desse modo, as expectativas se acumulavam, e a defesa pela
preservação ficava cada vez mais recorrente:
Que esse nosso trabalho sirva como um subsídio para se criar uma
consciência da importância cultural e artística do acervo arqueológico do
Sudeste piauiense. Que proporcione oportunidade de chamar a atenção das
instituições públicas e privadas para um maior empenho e defesa desse
patrimônio. A estrada, as mudanças socioeconômicas, o fluxo turístico tudo
haverá de chegar, mas encontrará a salvo uma milenar herança cultural e
artística que pertence a toda humanidade.120
119
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1975, p. 47.
120
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1978, p, 46.
63
121
MOTTA. op. cit. 2014.
122
ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES para preservação do patrimônio histórico, artístico,
arqueológico e natural do Brasil realizado em Salvador, Bahia de 25 a 29 de outubro de 1971. Rio de Janeiro:
Departamentos de Assuntos Culturais – MEC/IPHAN, nº 26, 1973.
123
Como exemplo podemos citar a tese de doutorado defendida em 1975 na Université Paris 1 Pantheon-
Sorbonne, pela arqueóloga paulista Niède Guidon intitulada: Les Peintures Rupestres de Varzea Grande – Piauí,
Brésil, publicada em Paris em 1991 pelas edições Recherches sur les Civilisation, uma coleção do ministério das
Relações Estrangeiras da França. Além de outros trabalhos como a dissertação de mestrado em antropologia,
defendida na USP por Silvia Maranca, “Estudo do sítio aldeia da Queimada Nova – Estado do Piauí” publicada
na Coleção Museu Paulista em 1976, e o artigo “Indústria Lítica do Sítio Aldeia da Queimada Nova, município
de São Raimundo Nonato, PI” publicado na Revista do Museu Paulista pela arqueóloga Águeda Vilhena. Noé
Mendes continuou publicando artigos sobre as pinturas na Revista Presença.
64
124
No Parque Nacional Serra da Capivara e seu entorno, há uma concentração de sítios arqueológicos,
totalizando 1158 sítios, a maioria com registros rupestres. Mais de 100 sítios estão preparados para visitação. Foi
inscrito pela UNESCO, na Lista do Patrimônio Mundial a título cultural em 1991, como consequência de uma
solicitação oficial do governo do Brasil. Foi tombado como Patrimônio Nacional pelo IPHAN em 1993, com
registro no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Cf. GUIDON; BUCO. op. cit., 2010.
125
GUIDON, Niède. [Entrevista concedida ao programa Roda Viva, TV CULTURA, 17 nov. de 2003]
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R1Uu6xjN5nU Acesso em: 25 de novembro de 2015.
126
CARTA de Niède Guidon. [São Raimundo Nonato], a Noé Mendes de Oliveira, [Teresina]. 13/06/1988.
Arquivo Pessoal de Noé Mendes de Oliveira.
65
Na carta de Niède Guidon observamos como ela ressalta a sua falta de tempo, sempre
“metida” em São Raimundo Nonato. Residente em Teresina, Noé Mendes se ocuparia de
outras atividades, na própria UFPI assumindo outros projetos. Cabe, entretanto, destacar
como Mendes ao longo do que foi apresentado até aqui, declarou seu interesse pela cultura do
Piauí a partir de suas intenções e realizações. Pretendeu caracterizar um estado, que era
ridicularizado à época pela sua pobreza, passando para a história como um dos mais
importantes berços de grandes pesquisas e estudos sobre as origens do homem pré-histórico,
tendo o homem primitivo manifestado sua cultura através das pinturas rupestres em terras
piauienses, importante patrimônio a ser divulgado, preservado e estudado.
A sua inserção como pesquisador na área da arqueologia demonstra sua capacidade
interdisciplinar, entre homem de estado, funcionário público, professor, pesquisador e
intelectual. Todavia essa construção de si, não pode nos direcionar a uma ilusão biográfica127
de acreditar que a biografia reconstitui um destino, mas pensar que, o indivíduo constrói a si
próprio e sua época, tanto quanto é construído por ela, eis a premissa para pensarmos Noé
Mendes como um intelectual, produtor cultural defensor das pinturas rupestres como
patrimônio.
127
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína (Orgs.).
Usos e abusos da História oral. 8 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
66
CAPÍTULO 02
NAS REDES INTELECTUAIS E POLÍTICAS CULTURAIS DO FOLCLORE OU
DE COMO NOÉ MENDES SE TORNOU UM FOLCLORISTA
1
ABRANTES, Antônio Carlos Souza de; AZEVEDO, Nara. O Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e
Cultura e a institucionalização da ciência no Brasil, 1946-1966. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum.
Belém, v. 5, n. 2, mai. ago. 2010, p. 469-489
2
Para mais detalhes sobre o processo de institucionalização dos folcloristas, cf. VILHENA, Luís Rodolfo.
Projeto e Missão: o movimento folclórico brasileiro (1947 – 1964). Rio de Janeiro: FUNARTE: Fundação
Getúlio Vargas, 1997.
3
ORTIZ, Renato. Cultura Popular: Românticos e Folcloristas. Editora Olho d’água, S.D.
67
temporalmente entre os anos de 1947 e 1964. Para o autor esse tempo se constituiu como “o
período em que se alcançou o seu maior prestígio e sua maior publicidade [...] marcado por
um engajamento de um expressivo contingente de intelectuais na valorização da cultura
popular, concebida por eles não apenas como um objeto de pesquisa, mas principalmente
como o lastro para a definição de nossa identidade nacional”.4
A saída para o problema que estigmatizava o perfil do folclorista, seria por meio da
consolidação nos espaços acadêmicos, onde, legitimados no campo de produção de saber,
estariam garantidos para atuarem na pesquisa e divulgação da cultura popular. No entanto,
devemos observar o relativo impasse ocorrido entre os intelectuais da Escola Sociológica
Uspiana e os principais ideólogos da CNFL, dentre eles contamos com o expressivo destaque
de Edison Carneiro.
Durante a década de cinquenta se condensaram as tensões entre os folcloristas da
Comissão e os sociólogos da USP, tendo à frente Florestan Fernandes. O principal debate
marcava o lugar científico do Folclore, pois a posição Uspiana consolidava-se contrária à
concepção que tomava os estudos de folclore como "científicos", garantida através do
processo empírico folclórico, assegurado pelos integrantes da CNFL.
Para Vilhena a posição de ataque de Florestan Fernandes, que via o folclorista como
um colecionador, garantia uma única e grande contribuição a dar, “na medida em que
assimilasse as técnicas científicas modernas, sem pretender caracterizar-se propriamente
como cientista”.5
Para os teóricos da CNFL, o caráter sistemático do estudo folclórico permitiria sua
adoção no currículo universitário e seu amplo uso na educação básica. Entretanto, se
observarmos a trajetória do folclore no Brasil, sobretudo a partir da década de 1930,
percebemos o quanto estiveram longe de atingir esse processo institucional via universidade.6
O apogeu desta institucionalização seria a criação de um órgão independente, pois a CNFL
estava submissa à estrutura burocrática do IBECC.
A ideia de criação deste órgão governamental surgiu no I Congresso Brasileiro de
Folclore, realizado no Rio de Janeiro em agosto de 1951, no qual os folcloristas reunidos
4
VILHENA, Luís Rodolfo. op. cit., 1997, p. 22.
5
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luís Rodolfo da Paixão. Traçando fronteiras:
Florestan Fernandes e a Marginalização do Folclore. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 3, n. 5, 1990, p. 75-
92.
6
Sobre a institucionalização do Folclore no Brasil e as Ciências Sociais quando Amadeu Amaral tenta criar a sua
Sociedade Demológica; Mário de Andrade criando a Sociedade de Etnografia e Folclore em São Paulo; Luís da
Câmara Cascudo, a Sociedade Brasileira de Folclore no Rio Grande do Norte, ou seja, estas instituições pouco
têm a ver com o modelo universitário, privilegiado por Florestan Fernandes na USP. Cf: CAVALCANTI;
VILHENA. op. cit. 1990.
68
7
O grupo constituído por Renato Almeida como presidente, Manuel Diégues Júnior, Édison Carneiro, Joaquim
Ribeiro e José Simeão Leal, sugeriram a formação da Campanha, como parte das atividades do Ministério da
Educação e Cultura. No ano seguinte, em 22 de agosto de 1958 foi instalada. Cf.: VILHENA. op. cit., 1997, p.
94.
8
Idem.
9
Junto com Edson Carneiro, outros funcionários da CDFB foram afastados, como exemplo citemos Bráulio
Nascimento, no entanto este voltará como diretor-executivo da Campanha a partir da década de 1970. Cf:
VILHENA. op. cit., 1997, nota 29, p.115.
10
VILHENA. op. cit., 1997, p. 33.
69
conjunto. É evidente que um único trabalho não daria conta de analisar todo esse percurso do
folclore na história brasileira, mas o que constatamos nesta investigação é o fato de Vilhena
ter se eximido dessa tarefa, em razão da documentação com a qual ele trabalhou, que acabou
por beneficiar mais a “rede” como um todo do que os “fios” de que era composta. A própria
prática do folclore que não se institucionalizou nas Universidades,11 percorreu os institutos
culturais, museus, órgãos do governo federal e estadual, cabendo assim um estudo dessas
ações.
O presente capítulo tenta assim, inicialmente, direcionar algumas dessas atividades
que marcaram a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, no período pós-golpe militar,
nas suas programações editoriais que envolveram principalmente os seus correspondentes
estaduais. Assim, elencamos para análise o projeto editorial das Séries Folclore Brasileiro,
em seguida tomamos o empreendimento do Atlas Folclórico do Brasil, que também viria
contar com a participação dos Secretários-gerais das Comissões estaduais, como propostas
que buscavam dar sentido nacional a um folclore eminentemente brasileiro, ou seja, que
configuraria a nação a partir de suas particularidades, representada pelo conjunto de seus
estados.
É interessante demarcarmos esse rápido processo de construção histórica da instituição
CDFB, pois nos será válido para situarmos como se pretendeu institucionalizar o folclore no
Brasil, estabelecendo uma conexão com o nosso principal objeto da investigação, o intelectual
e professor Noé Mendes de Oliveira. Ele foi secretário-geral da Comissão Piauiense de
Folclore, responsável pelo empreendimento que introduziu o Piauí no conjunto folclórico
nacional, através da obra Folclore Brasileiro: Piauí12, lançada pela Campanha em 1977,
projeto editorial que o consagrou como folclorista, reconhecido e referenciado em seu estado.
Para isso situamos Noé Mendes como folclorista ligado a uma rede nacional de folclore.
O perfil que traçaremos aqui para o folclorista será aquele que assume o papel de
coletar e divulgar as manifestações populares de uma determinada localidade, estando
11
Mas que acolheu alguns dos folcloristas em seus departamentos, como veremos mais adiante o caso de alguns
nomes importantes para esse estudo, sobretudo o professor Noé Mendes de Oliveira secretário geral da Comissão
Piauiense de Folclore e professor na UFPI.
12
OLIVEIRA, Noé Mendes de Oliveira. Folclore Brasileiro: Piauí. Rio de Janeiro: MEC, DAC, FUNARTE,
CDFB, 1977.
70
diretamente ligado aos espaços institucionais que legitimam a sua ação. Além de autor de
obras sobre a temática folclórica, a participação em congressos, encontros e festivais de
natureza folclórica e também a reunião em órgãos que caracterizam esse sujeito como
indivíduo ligado à temática do povo.
No Estado do Piauí, antes do período que envolveu a participação do folclorista Noé
Mendes de Oliveira na Comissão Piauiense de Folclore, houveram outras tentativas,
frustradas, de inclusão do estado na rede nacional que institucionalizaria o folclore pela
Comissão Nacional de Folclore (CNFL), a partir do final da década de 1940 e ao longo dos
anos de 1950.
Podemos verificar o caso piauiense, a partir da análise da documentação do Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, encontrada na Biblioteca
Amadeu Amaral, no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, através das
correspondências trocadas entre Renato Almeida e alguns intelectuais do Estado do Piauí no
final da década de 1940.
Destacamos mais precisamente uma carta de 1948, na qual Renato Almeida fora
informado pelo Desembargador Cromwell de Carvalho, aquele secretário-geral do IBECC,
este presidente da Comissão Piauiense do IBECC, da nomeação do Dr. Álvaro Alves Ferreira
para constituir a “subcomissão” piauiense de Folclore na qualidade de Secretário-Geral.13
A formação de uma Comissão Estadual partia sempre de um convite da CNFL para
um intelectual do Estado que seria seu secretário-geral. Com a aceitação do convidado, cabia
à diretoria do IBECC designá-lo oficialmente. Segundo Rodolfo Vilhena:
13
CARTA de Cromwell Barbosa de Carvalho a Renato Almeida. Teresina, 17 de julho de 1948. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na
Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP/IPHAN.
14
VILHENA, Luís Rodolfo. op. cit.1997, p. 97.
71
15
Advogado e professor universitário piauiense. Foi assessor de Planejamento da Secretaria de Educação.
Pertenceu a Conselho Estadual de Educação. In: ADRIÃO NETO. Dicionário Biográfico Escritores Piauienses
de Todos os Tempos. Teresina: Halley, 1995.
16
PORTARIA da Secretaria Geral de Estado do Piauí. S. [nª]/[data]/. Departamento de Educação, 25 de junho
de 1951.
17
Ofício CNFL, 569, 10 de julho de 1951.
18
VILHENA, Luís Rodolfo. op. cit.1997, p. 98.
72
membros Orisvaldo Bugija Brito, Joel Oliveira, Pedro Brito, Artur Passos, Alárico Cunha,
José Camilo da Silveira Filho, Raimundo Rocha e Nicanor Barreto.19
É interessante notarmos o grande desenvolvimento que a Comissão Nacional de
Folclore teve, expandindo-se em quase todo o território nacional, de norte a sul do país,
superando o caráter local do eixo carioca, lugar privilegiado de circulação de ideias e pessoas
para os debates nacionais. Principalmente quando estão agregados nessa causa, intelectuais
que são agentes de uma definição de cultura e identidade, determinando a construção de um
campo. A CNFL no Rio de Janeiro seria uma espécie de “Quartel General”, segundo Vilhena,
“articulada a uma imensa rede de comissões constituídas em vários estados da federação”.20
A tomada nacional de um debate em torno da causa do folclore reflete a necessidade
de se “constituir o campo intelectual (por mais que seja sua autonomia, ele é determinado em
sua estrutura e em sua função pela posição que ocupa no interior do campo do poder) como
sistema de posições predeterminadas”.21
Como nos sugere Pierre Bourdieu nesse passo, é necessário que “se possa indagar o
que as diferentes categorias” e aqui situamos a dos folcloristas, representa do ponto de vista
do habitus socialmente constituído, para que lhes seja possível ocupar as posições que lhes
sejam oferecidas por um determinado estado do campo intelectual e, ao mesmo tempo, adotar
as tomadas de posição estéticas ou ideológicas objetivamente vinculadas a estas posições,
levando em consideração a formação nacional de uma rede de folcloristas.
Nesse aspecto, temos a realização dos congressos de folclore promovidos pela CNFL.
O Piauí foi representado no I Congresso Brasileiro de Folclore, realizado no Rio de Janeiro
em agosto de 1951, por Antônio de Sousa Bugija Brito22 piauiense bacharel em direito, poeta,
historiador, romancista, jornalista e folclorista, que residia no Rio de Janeiro.
O caso notável dessa representatividade piauiense nos leva a acreditar na mobilidade
de se ter um piauiense residente no local da realização do Congresso, bem como, da
proximidade da temática abordada naquele evento com os interesses do intelectual, radicado
no Rio de Janeiro. Depois dessa participação verificamos uma inexistente atuação do Piauí
19
Nota divulgada pela Rádio Pioneira Local. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências
Recebidas. CNFCP/IPHAN.
20
VILHENA, Luís Rodolfo. op. cit.1997, p. 33.
21
BOURDIEU, Pierre. Campo do Poder, campo intelectual e habitus de classe In: A economia das trocas
simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
22
CARTA de Renato Almeida ao governador do Piauí, Pedro Freitas. Rio de Janeiro, 25 de junho de 1951.
Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado
na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Expedidas. CNFCP/IPHAN.
73
nas questões nacionais do Folclore, pois não há registro da participação do estado nos anais
dos Congressos de Folclore, até a década de 1970.
Os Congressos de Folclore representaram segundo Vilhena, “o local em que o
movimento folclórico procurou estabelecer definições mais específicas que fornecessem os
parâmetros que orientariam um programa de investigações nos moldes científicos desejados
por seus participantes”.23 Tanto é que logo no primeiro Congresso foi aprovada a “Carta do
Folclore Brasileiro”, documento que determinava os conceitos, a pesquisa e o ensino do
folclore.
Em outubro de 1951 o professor José Camilo da Silveira Filho assumiu o posto de
secretário-geral da Comissão Piauiense, substituindo Itamar Sousa Brito, entretanto, as
informações e contatos entre a Comissão Estadual e a Comissão Nacional são desencontradas
no que se refere às correspondências, principalmente com relação à demora por parte da
Comissão Piauiense em responder as cartas enviadas pelo secretário-geral da CNFL.
Em maio de 1952 Renato Almeida comunicava ao secretário José Camilo, a
realização do II Congresso Brasileiro de Folclore, que seria realizado em Curitiba no ano
seguinte. Cobrava notícias da Comissão Piauiense, sendo respondido somente em setembro
daquele ano.24
Em sua última correspondência trocada com Renato Almeida, o professor José Camilo
informava “ter acertado junto ao governador do estado o convênio a ser assinado entre o
Estado e a Comissão no aniversário de um ano da mesma”, confirmava ainda uma futura
publicação do Boletim Informativo da Comissão Piauiense para novembro daquele ano. Dava
destaque a sua passagem por Londres, onde teria se deparado com “a repercussão da
Comissão Nacional de Folclore na 5ª Assembleia Geral da International Folk Music
Council”.25
Esta foi a última correspondência arquivada e encontrada na Biblioteca Amadeu
Amaral referente à Comissão Piauiense de Folclore deste período. Por fim, em resposta,
Renato Almeida dizia-se contente com as informações recebidas de José Camilo e enviava-lhe
23
VILHENA, Luís Rodolfo. op. cit. 1997, p. 184.
24
CARTA de Renato Almeida a José Camilo da Silveira Filho. Rio de Janeiro, 05 de maio de 1952. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na
Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Expedidas. CNFCP/IPHAN.
25
CARTA de José Camilo da Silveira Filho a Renato Almeida. Teresina, 01 de setembro de 1952. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na
Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP/IPHAN.
74
“em anexo, o doc. 234”, no qual constavam as diretrizes que deveriam ser reorganizadas as
Comissões Estaduais, a fim de executarem convênios.26
Não sabemos os motivos que levaram a Comissão Piauiense de Folclore a não
progredir nesse período, nem sua atuação e desenvolvimento para o folclore local, mas essa
prévia apresentação dos pioneiros da CPF é válida para tratarmos de sua reestruturação na
década de 1970, momento em que a própria Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro se
adequava ao projeto político cultural do Regime Militar.
A Comissão Piauiense de Folclore teve uma atuação um pouco tímida se comparada às
outras Comissões de maior destaque. No entanto, não menos importante quando envolveu
entre seus membros o professor Noé Mendes de Oliveira como secretário-geral da Comissão e
como diretora-executiva a advogada Aldenora Maria de Vasconcelos Mesquita, na divulgação
da cultura popular piauiense durante a década de 1970.
A retomada da Comissão Piauiense de Folclore aconteceu em meados dos anos de
1970, entre diálogos proporcionados pela advogada Maria Aldenora Mesquita, coordenadora
do DAC, na época conhecida do “doutor” Bráulio Nascimento, diretor-executivo da CDFB,
como nos afirmou em depoimento.27
Com um Boletim divulgado pela CDFB em 1973, convocando folcloristas e órgãos de
cultura estaduais para participar da Festa Nacional de Folclore e do sétimo Congresso
Brasileiro de Folclore a ser realizado em Brasília no ano seguinte, Noé Mendes viu a
necessidade da institucionalização do folclore no estado do Piauí e um meio para inserir o
estado no debate nacional.
Embora houvesse a iniciativa da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro na
reestruturação das Comissões Estaduais desativadas, no Piauí também havia um movimento
de organização em torno do folclore, promovido pelas atividades culturais e pelas Semanas de
Folclore, organizadas por Noé Mendes desde o final da década de 1960. O que confirma que
havia condições locais propícias para a difusão da rede nacional de folcloristas neste
momento. Assim sendo, o quadro que se apresentava era bastante diferente do que havia
acontecido na década de 1950, em que somente houve uma iniciativa concreta da CNFL.
26
CARTA de Renato Almeida a José Camilo da Silveira Filho. Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1952. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na
Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Expedidas. CNFCP/IPHAN.
27
MESQUITA, Aldenora Vasconcelos. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de
2014.
75
28
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Convocatória de criação da Associação Piauiense de Folclore. Teresina, 22 de
agosto de 1973. Arquivo Pessoal de Noé Mendes de Oliveira.
76
Ao que tudo indica não havia ainda uma coerência a ser adotada entre Associação ou
Comissão como previam os estatutos da CDFB, embora os objetivos da Associação
estivessem amplamente dialogando com os princípios do movimento folclórico, mais
precisamente com as programações da Campanha. Meses depois Noé Mendes participou do
Sétimo Congresso Brasileiro de Folclore, o que podemos caracterizar como um dos primeiros
passos para a construção da personalidade do folclorista se integrando à nova rearticulação do
folclore promovida nesse período no Brasil.
O Sétimo Congresso Brasileiro de Folclore foi uma convocação do Ministro Jarbas
Passarinho juntamente com a Campanha Brasileira de Defesa do Folclore Brasileiro, tendo
verba financiada pelo Programa de Ação Cultural (PAC) do Ministério da Educação e
Cultura.30
Na abertura do Congresso, o ministro Jarbas Passarinho foi enfático afirmando que
nenhum plano de ação cultural poderia ser realizado “sem que se respeite a liberdade criadora
do artista”. O que ocorria segundo o ministro graças ao “apoio que o governo Médici está
dando à área cultural, através de substancial ajuda financeira”. Para Jarbas Passarinho “o
ministério antes de ser da Cultura é da Educação, mas pelo desejo de enfatizar o seu aspecto
cultural é que se traçou uma política nacional de cultura no Brasil e, a partir daí um Plano
Nacional de Cultura”. 31
O ministro manifestava a esperança de que após aquele Congresso, o folclore passasse
a receber dos órgãos governamentais o apoio que a ele estava sendo dado pelo Ministério da
Educação e Cultura. Para ele o PAC era um instrumento para “trazer ao povo aquilo a que ele
não tem oportunidade de assistir, sobretudo pela limitação de natureza econômica. Enfim
devolver ao povo aquilo que nasceu do povo”, ou seja, para Jarbas Passarinho o MEC estava
cumprindo um papel de levar cultura às diversas camadas sociais.
A fala autorizada do MEC, órgão máximo que geria os assuntos e recursos da
Educação e da Cultura no país, nos lembra da divisão categórica que Roger Chartier faz da
29
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Convocatória de criação da Associação Piauiense de Folclore. Teresina, 22 de
agosto de 1973. Arquivo Pessoal de Noé Mendes de Oliveira.
30
NASCIMENTO, Bráulio do. Relatório de Atividades da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (1974 –
1978). Rio de Janeiro: CDFB, 1978.
31
Passarinho, Jarbas. Festa Nacional do Folclore. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE.
Brasília,DF: [s.n.]. Jan.1974. 1 disco digital (ca.60min): estéreo; comentários. Gravação original em fita rolo
Scotch 7 1/2ips realizada na Festa Nacional do Folclore ocorrida em Brasília em 1974.
77
cultura popular enquanto dois grandes modelos de descrição e interpretação. O primeiro que
tenta “abolir um etnocentrismo cultural, e concebe a cultura popular como um sistema
simbólico coerente e autônomo, que funciona segundo a lógica absolutamente alheia e
irredutível à cultura letrada”. Já o segundo, em que nos lembra da existência das “relações de
dominação que organizam o mundo social, e percebe a cultura popular em suas dependências
e carências em relação à cultura dos dominantes”.32
Isso é enfatizado largamente na fala do ministro que destacou o aspecto nacional
daquele Encontro, relatando que, com exceção do Acre e do Ceará, os demais estados
apresentaram um representante. Tal fato chamou a atenção de Jarbas Passarinho, que
reclamou a ausência daqueles dois estados. Essa preocupação é tão marcante, pois “desde o
final do século XIX no Brasil, a expressão “cultura popular” esteve presente numa vertente do
pensamento intelectual formada por folcloristas, antropólogos, sociólogos, educadores e
artistas preocupados com a construção de uma determinada identidade nacional”.33
Sob essa perspectiva nos deparamos com a organização do VII Congresso Brasileiro
de Folclore tendo sido realizado juntamente com a Festa Nacional do Folclore, contando
ainda com I Exposição de Artes e Técnicas Populares e X Festival Folclórico do Distrito
Federal.34 Nessa composição fica claro como o elemento da cultura popular se torna
agregador de agentes que buscam definir, organizar, agenciar uma cultura.
O Congresso desenvolveu-se na forma de painéis, apenas os relatores, debatedores e
membros inscritos apresentaram seus trabalhos ou relatórios de atividades. Como relatores no
Congresso, os folcloristas encarregados foram José Calazans com a fala sobre as “Diretrizes
para a defesa e preservação do Folclore”; Rossini Tavares de Lima abordando os aspectos do
ensino e da pesquisa para o folclore; Alfredo João Rabaçal falando sobre “Museus de
Folclore”; o mineiro Saul Martins com a “Arte e o Artesanato Folclóricos” e por fim
Guilherme Schultz Filho sobre as danças e folguedos populares.
Como debatedores dos Painéis, destacamos alguns folcloristas, como Domingos Vieira
Filho35, Téo Brandão36, Hildegardes Viana37, Veríssimo de Melo38 e Regina Lacerda39.
32
CHARTIER, Roger. “Cultura Popular” revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 08, nº16, 1995, p. 179.
33
ABREU, Martha. Cultura popular: um conceito e várias histórias. In: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel.
Ensino de História, Conceitos, Temáticas e Metodologias. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003.
34
Os eventos contaram com apoio e o patrocínio do MEC, Governo do Distrito Federal e da Rede Globo.
35
Domingos Vieira Filho, foi presidente da Comissão Maranhense de Folclore. Advogado, funcionário público,
membro da Academia Maranhense de Letras. Professor de direito internacional público na Universidade Federal
do Maranhão. Foi colaborador da Revista Cultura (MEC). Obras: Uma bibliografia maranhense de folclore
(1948); A linguagem popular no Maranhão (1958); Folclore Brasileiro: Maranhão (1977), Folclore do
Maranhão (1978).
78
Tomamos para a nossa análise três falas, com as quais desenvolveremos melhor as
características que marcariam os propósitos daquele Congresso. A do folclorista Rossini
Tavares Lima, a do folclorista Saul Martins, professor da UFMG e a do professor Noé
Mendes da UFPI. Abordando a temática do “ensino e pesquisa do folclore”, o primeiro assim
afirmou:
Um dos maiores desafios para os folcloristas ainda era o debate da cientificidade, tão
requerida para a legitimidade do folclore e sua difusão. Para tanto, podemos observar ao
longo das experiências retratadas que o folclore conseguiu tornar-se um item significativo da
agenda político-cultual do país, nas esferas federal, estadual e mesmo municipal.
Além dessa discussão sobre pesquisa e ensino, era preciso tornar funcional a prática
folclórica como elemento da vida do povo. Como podemos observar na fala do folclorista
Saul Martins, professor da UFMG, ao abordar sobre o artesanato, apresentando metas para a
elaboração de uma “Frente de Proteção do Artesanato”:
36
Theotônio Vilela Brandão, médico e folclorista brasileiro. Foi um dos fundadores da Comissão Nacional do
Folclore, e participou de sociedades e congressos sobre folclore e antropologia no Brasil e no exterior. Obras:
Folclore de Alagoas (1949); O reisado alagoano (1953); Duas raras formas de poesia folclórica (1979)
37
Membro da Academia de Letras da Bahia, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia; colunista do jornal A
Tarde. Foi assessora de folclore na Superintendência de Turismo de Salvador. Professora do Instituto de Música
da Universidade Católica do Salvador e da Universidade Federal da Bahia. Obras: A Bahia já foi assim (1973);
antigamente era assim (1979)
38
Veríssimo de Melo do Rio Grande do Norte foi um dos folcloristas mais destacados daquele estado, além de
sua obra, referência no campo do folclore nordestino, se distingue como um dos seguidores de Câmara Cascudo,
tendo sido aluno deste. O destaque para este folclorista se refere a sua participação na Comissão Nacional de
Folclore, tendo sido indicado pelo próprio Cascudo para assumir tal função, representando o Rio Grande do
Norte.
39
Membro da Comissão Goiana de Folclore. Membro da Academia Goiana de Letras. Obras: Papa Cela;
Cantigas e Cantares (1985).
40
Lima, Rossini Tavares de; Bordallo, Armando; Diniz, Napoleão. Congresso Brasileiro de Folclore. 7. Brasília,
DF: [s.n.]. 1974. 1 disco digital (ca.60min): estéreo; congresso. CD0491/ v.1.
79
Saul Martins apontou as atividades artesanais como um meio de emprego para a mão
de obra ociosa representada por pessoas aposentadas ou de idade avançada, portadores de
deficiência físicas ou mentais. Segundo ele “essas pessoas, devidamente assistidas, poderiam
se dedicar ao artesanato, atividade ao mesmo tempo rendosa e profilática”. 42
Embora esse
reconhecimento da atividade artesanal como fonte de elemento para a vida do povo apresente-
se como uma inscrição positiva, uma vez que, como evidencia Peter Burke43, o folclore não é
movido [apenas] pela poesia, ele tem uma função objetiva que retrata valores da
‘coletividade’, e deve ser, por um lado, estudado cientificamente, e por outro, objeto de uma
política objetivamente orientada de proteção. Isso pode ser aplicado no objeto do artesanato
como uma forma simbólica em que são expressos ou encarnados no povo.
Daí a valorização atribuída ao artesanato como instrumento mais próximo dessa
categoria definida como popular “produzido por uma categoria erudita destinada a
circunscrever e descrever produções e condutas situadas fora da cultura erudita”.44
A defesa do popular e seu embate no VII Congresso Brasileiro de Folclore estão
carregados de uma ambivalência, pois a sua defesa também representa uma distinção. De
acordo com essa visão, podemos entender o poder simbólico dessa divisão, consonante aquilo
que Bourdieu afirma quando “a cultura que une é também a cultura que separa e que legitima
as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela
sua distância à cultura dominante”.45
Contrariando algumas propostas, ou respondendo às provocações dos debatedores,
Noé Mendes, a personagem desta investigação, expôs no Sétimo Congresso Brasileiro de
Folclore as experiências piauienses de pessoas que estavam agregadas em torno da causa
41
MARTINS, Saul. Congresso Brasileiro de Folclore. 7. Brasília, DF: [s.n.]. 1974. 1 disco digital (ca.60min):
estéreo; congresso. CD0491/ v.02.
42
Idem.
43
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna: Europa, 1500 – 1800. São Paulo: Companhia das Letras,
2010.
44
CHARTIER. op. cit. 1995, p. 179.
45
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
80
A equipe a qual Mendes se referia seriam aqueles que se juntariam para compor a
Comissão Piauiense e Folclore, como a advogada Aldenora Mesquita e outros. Ao elaborar
essa fala, Noé Mendes inscreve o Piauí no debate nacional do Folclore, via educação, nas
propostas discutidas naquele Congresso como medidas a serem adotadas nos Estados.
Portanto, o caso piauiense representa uma singularidade de antemão, pois ao invés de se
submeter apenas ao critério estabelecido – que era adotar o folclore no ensino, como já previa
a Carta do Folclore Brasileiro do I Congresso e a exigência daquele momento – o Piauí
destacaria as ações já a caminho da concretização.
Não queremos aqui dizer que o Piauí assim se destacava exclusivamente com um
pioneirismo na frente folclórica. Para melhor compreender esse cenário é preciso também
observar as condições de elaboração do folclore no próprio estado, bem como da valorização
da identidade piauiense nesse período, como abordado no capítulo anterior, e a mobilização
de seus agentes.
Os debates nacionais do folclore juntamente com o debate de produzir uma identidade
local se encontram na produção de “sentidos com os quais podemos nos identificar”. 47 No
46
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Preservação do folclore no Piauí In: 7º Congresso Brasileiro de Folclore.
Brasília, DF: [s.n.], jan.1974. 1 disco digital, 42 min.: estéreo, congresso. CD0491/ v.09.
47
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós – modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2006, p.
51.
81
Piauí o folclore assumirá a produção desses sentidos, como nas datas cívicas, nas semanas de
Folclore, nos currículos da educação básica e na própria Universidade Federal do Piauí.
O VII Congresso Brasileiro de Folclore expôs com apresentações de manifestações
folclóricas como o Bumba-meu-boi, o Tribo do Amazonas, Afoxé, Danças Gauchas, Escolas
de Samba do Rio e Janeiro. Contou ainda com o estabelecimento das diretrizes para a defesa e
preservação do Folclore, que foram elaboradas pelo professor José Calazans da Bahia, junto
com os debatedores Domingos Vieira Filho do Maranhão e Théo Brandão 48 de Alagoas. Eram
diretrizes de uma política para o Folclore no Brasil, levando em conta os estudos, a pesquisa,
a defesa, a preservação e divulgação, sendo encaminhados ao Ministério da Educação e
Cultura.
Os novos caminhos da Comissão Piauiense de Folclore e de seus integrantes seriam
assim definidos. A busca pela institucionalização via criação da própria Comissão, bem como
a participação de Encontros da temática folclórica a nível nacional.
A Comissão Piauiense de Folclore foi fundada em outubro de 1975, constando nos
Arquivos da Campanha a ata de sua criação. Fato ocorrido após a participação de Noé
Mendes no 7º Congresso Brasileiro de Folclore em janeiro de 1974. Se observarmos a ata,
podemos perceber como estavam estabelecidas e rigorosamente firmadas as normas que
regimentariam aquela instituição em diálogo, é claro, com o órgão nacional:
48
Théo Brandão, nascido em Alagoas, em 1907, publicou o seu primeiro livro sobre folclore em 1949, Folclore
de Alagoas, obra que situou o lugar de folclorista, segundo Durval Muniz (2013, p. 147). Foi o representante em
seu Estado junto à Comissão Nacional de Folclore quando da criação desta em 1948.
49
REUNIÃO DE CRIAÇÃO DA COMISSÃO PIAUIENSE DE FOLCLORE. Teresina, 01 de outubro de 1975.
Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado
na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
82
integrada à Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), portanto, com recursos garantidos para
execução de seus projetos a nível estrutural de divulgação do folclore.
Neste mesmo ano, o diretor-executivo da CDFB enviava uma carta à Secretária-geral
da Comissão Baiana de Folclore informando das mudanças ocorridas com a incorporação da
CDFB à FUNARTE, além é claro das expectativas criadas com essa mudança institucional:
[...] a notícia boa deste fim de ano é que a Campanha está passando para a
Fundação [FUNARTE] terá assim bastante ampliado o campo de atuação,
obtenção de fundos, e uma estrutura maleável, possibilitando planejamento
diversificado.50
50
Carta de Bráulio Nascimento a Hildegardes Viana. Rio de Janeiro, dezembro de 1975. Arquivo Institucional
da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca
Amadeu Amaral. Correspondências Enviadas. CNFCP /IPHAN.
51
REUNIÃO DE CRIAÇÃO DA COMISSÃO PIAUIENSE DE FOLCLORE. Teresina, 01 de outubro de 1975.
Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado
na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
83
52
O TEMA DESTE DEBATE: preservar o folclore. Folha de São Paulo. São Paulo, ano 56, n. 17.353, 07 out.
1976, p. 42.
53
FOLCLORE: festa e agonia. Veja. São Paulo, ano 10, n. 440, 09 fev. 1977. p. 47 – 50.
84
Os livros de que se dispõe são velhos de pelo menos dez anos e as bancas
das universidades brasileiras ignoram a existência de especialistas em cultura
popular. E até a Revista de Folclore, vade-mécum dos estudiosos, chegou a
ter sua circulação suspensa por vários meses- retornando precariamente
agora.54 (Grifos no original)
54
FOLCLORE: festa e agonia. Veja. São Paulo, ano 10, n. 440, 09 fev. 1977. p. 47 – 50.
55
YPIRANGA, Mario. In: O TEMA DESTE DEBATE: preservar o folclore. Folha de São Paulo. São Paulo, ano
56, n. 17.353, 07 out. 1976, p. 42.
85
pesquisas de folclore no Brasil. Desse modo, a participação de Mendes indicou uma presença
marcada com os debates nacionais, de maneira que tal experiência não comprova a afirmação
de Elson Rabelo – em estudo onde analisa os discursos de folclore na literatura regionalista
piauiense que procuravam dar ao Piauí uma nordestinidade através da sua participação
histórica, cultural e política nos temas e estereótipos do Nordeste – quando assegurou que
“Noé Mendes produzia de forma totalmente independente, sem relações com outros
folcloristas [...]”.56
Durante os anos de 1975 e 1977 as atividades da Comissão Piauiense foram
caracterizadas, a princípio, pela preocupação com o resgate do folclore piauiense. Deste
modo, a Comissão emplacou na gravação do reisado do Mestre Jorge lançado em disco pela
Campanha Nacional ainda naquele ano com elaboração de texto e fotografia, encaminhado à
CDFB em maio de 1976. Contou ainda com a preparação de Grupos Folclóricos para
apresentações em congressos e solenidades oficiais como os grupos “Bumba-meu-boi é terror
do Nordeste” e o de reisado de Mestre Severo. Filmagem de grupos folclóricos da cidade de
Teresina, Amarante (dança Cavalo Piancó) e da cidade de Campo Maior (danças Burrinha e
Marujada) pelo Instituto Nacional de Cinema, numa promoção da Campanha, tendo sido
realizado em dezembro de 1975; o levantamento de um cadastro dos artesãos de Teresina;
além de gravações de todos os grupos folclóricos do Estado, tendo sido realizadas no Teatro
04 de Setembro, sob a responsabilidade do sonoplasta Luís Cláudio Pitta.57
Parte desse material fora aproveitado na elaboração do documentário Reisado do
Piauí, no conjunto da Série Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro, elaborado pela
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro entre os anos de 1974 a 1978.
Essas ações da Comissão Piauiense foram bem demarcadas em seus anos iniciais,
entretanto a atuação da Comissão se confunde em meio às próprias atividades de seus
dirigentes, tanto antes, como depois de sua organização.
Ainda em 1976, Aldenora Mesquita sairia do DAC, em razão da mudança de governo
do Estado e da mudança do corpo técnico da Secretaria de Educação, a cargo do novo
secretário Luís Gonzaga Pires. Com essa mudança, a advogada comunicava o caso ao diretor-
executivo da CDFB:
56
RABELO, Elson de Assis. A História entre Tempos e Contratempos: Fontes Ibiapina e a obscura invenção do
Piauí. 200 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008, p.
152.
57
MESQUITA, Aldenora. Relatório de Atividades da Comissão Piauiense de Folclore. Teresina, 13 junho de
1976. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore
alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
86
Meu prezado e amigo Dr. Bráulio, hoje lhe escrevo para de modo especial
agradecer as distinções, integral apoio, estímulo e exemplo que recebi do
senhor durante todo período em que trabalhamos juntos, unidos pelos
mesmos objetivos e metas que desejamos alcançar. Neste período tive o
privilégio de muito aprender e conhecer pessoas tão dinâmicas e sinceras nos
seus propósitos como o senhor. Por motivos superiores, circunstâncias
especiais, me afastei da Direção do DAC-PI, realmente uma decisão muito
amadurecida, mas também sofrida. Infelizmente, nem sempre nos é possível
continuar tentando fazer aquilo que gostamos ou queremos [...] espero,
porém, ter contribuído de alguma forma para o desenvolvimento daquelas
áreas as quais me dediquei [...].58
Ele [Noé Mendes] foi sempre muito interessado pela cultura popular
juntamente com a Aldenora, que foi diretora do DAC, que era o
Departamento de Assuntos Culturais, o órgão mais forte da Secretaria de
Cultura. O Noé já era muito curioso quanto essa questão de cultura popular e
quando a Aldenora saiu do governo [DAC], o professor Camilo que era o
reitor da Universidade, fez um convite para que ela viesse para cá [UFPI], e
mesmo tendo uma pró-reitoria de extensão foi criada uma Coordenação de
Assuntos Culturais, que até hoje funciona ali no espaço que é denominado
“Noé Mendes”. Na CAC a Aldenora foi a primeira coordenadora, o Noé foi
coordenador de cultura popular, a Maria do Carmo Veloso que era
professora do [curso] ciências sociais, era a coordenadora de museologia, e a
professora Cléa Coutinho que era do Departamento de Educação Artística
era a coordenadora de artes plásticas. Nessa Coordenação eles pensaram
muito a questão da cultura e conseguiram através da FUNARTE diversos
patrocínios para publicações, montagem de peças de teatro, pesquisa de
cultura popular, nessa época inclusive foi montado um coral na UFPI sob a
regência do maestro Emanuel Coelho Maciel, com temática folclórica, era o
58
POSTAL de Aldenora Mesquita à Bráulio Nascimento. Teresina, 18 de junho de 1976. Arquivo Institucional
da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca
Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
59
MESQUITA, Aldenora Vasconcelos. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de
2014.
87
60
RIBEIRO, Verônica Maria Pereira. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de
2014.
61
RIBEIRO, Pedro Mendes. Segredos do Repente. Teresina: MEC, DAC, FUNARTE, UFPI, CAC, 1977.
62
GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais, São Paulo: Ateliê Editorial, 2009, p. 12.
88
de que se reveste este campus no sistema das relações de concorrência e de conflito entre
grupos situados em oposições diferentes no interior de um campo intelectual”.63
Na CAC seria ainda desenvolvido o Encontro Cultural de Folclore na cidade de
Amarante, no ano de 1983, o que fez com que Noé Mendes elaborasse um projeto de resgate
das danças folclóricas no Piauí, a partir desse festival, uma iniciativa promovida inicialmente
no ano de 1977, pela prefeitura municipal daquela cidade no estado. Sobre esse encontro a
professora Verônica Ribeiro assim declarou:
Todo esse pessoal [CAC] pensou no Encontro Cultural de Amarante, que foi
um marco aqui no Piauí. O encontro reunia todos aqueles municípios do
médio Parnaíba, e toda a população de Amarante sempre envolvida [...]
Neste encontro várias atividades eram realizadas, uma semana de oficinas,
de mini-cursos, todas as noites grandes apresentações, e foi ai onde
aconteceu o grande resgate das danças e folguedos daquela região [...] Eram
encontros belíssimos, era um verdadeiro show, com muita iluminação
levados daqui de Teresina, participavam grupos de fora, de teatro, de teatro
de bonecos. A Universidade enviava alunos e professores.64
características típicas daquela região como lugar de guarda das tradições dos tempos da
colonização, onde predominavam os elementos da dança popular, marcados pela origem
portuguesa:
Sendo assim, além do ensino e das atividades que desenvolvia, o conjunto coordenado
por Noé Mendes buscava nas pesquisas e também na extensão fazer parte do contexto social
piauiense, que ele integrava como professor e pesquisador, movimentando a cultura no estado.
Para finalizar nossa análise da transição entre a Comissão Piauiense de Folclore e as
atividades da Coordenação de Assuntos Culturais da Universidade Federal do Piauí, tendo
como centro da investigação Noé Mendes de Oliveira, analisamos por fim, o Projeto
“Pesquisa do folclore de Amarante”.68
O projeto teve sua execução a partir de um trabalho de pesquisa de campo realizado na
cidade de Amarante e no interior do município. Participaram da pesquisa o coordenador,
professor Noé Mendes de Oliveira e mais três estudantes, selecionados do curso de História
da UFPI. Tendo sido realizadas 05 viagens de campo, com um total de 28 dias de duração, no
período de novembro de 1983 a março de 1984.
67
OLIVEIRA, Noé Mendes de. A cidade de Amarante. In: II Encontro Cultural de Amarante. Teresina: UFPI,
PROEX, CAC, MEC, SEC, FUNARTE, 1983.
68
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Relatório Projeto “Pesquisa do Folclore de Amarante. Teresina: UFPI; CAC,
1984. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore
alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
90
69
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Relatório. Teresina: UFPI; CAC, 1984. Arquivo Institucional da Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral.
Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
70
CHARTIER, op. cit., 1995, p. 179.
91
Por que defender e preservar? Eis a grande questão. Segundo Chartier 71 é preciso considerar
em cada época, como são elaboradas as complexas relações entre as formas impostas de
cultura sob as identidades afirmadas.
O popular não está contido em conjuntos de elementos que bastaria identificar,
repertoriar e descrever. Ele qualifica, antes de tudo, um tipo de relação, um modo de utilizar
objetos ou normas que circulam na sociedade, mas que são recebidos, compreendidos e
manipulados de diversas maneiras. Tal constatação desloca necessariamente o trabalho do
historiador, já que o obriga a caracterizar, não conjuntos culturais dados como ‘populares’ em
si, mas as modalidades diferenciadas pelas quais eles são apropriados, ou seja, como as
danças folclóricas de Amarante representam uma identidade para o piauiense nessa
elaboração segundo os empreendimentos do folclorista.
Noé Mendes tinha motivos próprios para querer preservar as manifestações folclóricas
de seu Estado, pois percebera como os caminhos percorridos pelas instituições aqui elencadas
seria fator de contribuição para o seu projeto. O modo de ser folclorista foi se construindo,
ganhando sentido nesse contexto.
Tomada por uma nova conjuntura a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro seria
agregada junto a Fundação Nacional de Artes como estratégia político-cultural para o
desenvolvimento de atividades ligadas à temática folclórica. Nesse contexto, como situamos,
faz parte de uma modernização cultural imposta pelo Ministério da Educação e Cultura no
início da década de 1970, tendo como principal regulador das atividades, a organização do
Plano de Ação Cultural (PAC).
O financiamento assegurado pelo PAC do Ministério da Educação e Cultura
possibilitou à CDFB realizar uma série de ações, retomando o “fôlego” perdido daquele
movimento que segundo Vilhena entraria em colapso com o golpe militar.
Elencamos para esta análise alguns empreendimentos que dão conta dessa proposta
modernizadora da cultura durante a década de 1970, sobretudo no campo do folclore, a partir
do desenvolvimento de uma programação editorial mobilizando vários estados a partir de seus
representantes, ou seja, os secretários-gerais das Comissões Estaduais de Folclore. Para ser
mais preciso, tomamos para essa discussão o empreendimento das Séries Folclore Brasileiro
71
CHARTIER, op. cit., 1995, p. 179.
92
e Atlas Folclórico do Brasil, duas propostas que ficariam sob responsabilidade dos
representantes estaduais do folclore.
Lançamos a hipótese de que tais empreendimentos buscaram imprimir uma
organização folclórica nacional dos costumes e tradições encontrados em todo o território do
país, como forma de dar visibilidade ao popular “autenticamente” brasileiro. Essa
caracterização de autenticidade predomina nos discursos dos folcloristas, como uma base de
definição do caráter nacional, ou seja, imprimir a verdadeira marca da nacionalidade via
folclore.
Além do mais, encontramos novamente a personagem central deste trabalho, o
folclorista Noé Mendes de Oliveira, representante do Piauí responsável por elaborar a obra
Folclore Brasileiro: Piauí (1977) e o estudo e levantamento do material para elaboração do
Atlas Folclórico do Brasil: Piauí.
A Série Folclore Brasileiro foi organizada apresentando um panorama do folclore de
14 estados brasileiros. As primeiras publicações saíram no ano de 1977, planejada sob uma
forma sistematizada, com “o objetivo de possibilitar o conhecimento e estudos comparativos
das diversas manifestações, das mais variadas regiões do país”.72
A partir dessa perspectiva, buscamos identificar os elementos que compõe a estrutura
dessa Série, ou seja, os agentes promotores do empreendimento - o Ministério da Educação e
Cultura (MEC); o Departamento de Assuntos Culturais (DAC), a Fundação Nacional de Arte
(FUNARTE) e a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB) -, de modo que
possamos comparar os projetos institucionais definidos a partir da publicação. Perceber ainda
as tramas de produção das obras envolvendo diretamente seus autores e finalmente apontar os
resultados alcançados por essa iniciativa.
Como ponto de partida, definimos a proposta teórico-metodológica de analisar a Série
Folclore Brasileiro sob o ponto de historicizar os critérios de sua classificação, ou seja, as
maneiras de ler, as representações da destinação e dos destinatários das obras e, as intenções
institucionais dos agentes promotores das obras.
O sequencial de análise da Série nos direciona para uma reflexão da produção dos
livros sobre folclore editado no período aqui estudado, em que buscamos seguir a proposição
de Roger Chartier, segunda a qual nos leva a “distinguir os próprios efeitos dos diferentes
modos de representação, de transmissão e de recepção dos textos, como uma condição
72
NASCIMENTO, Bráulio do. op. cit. 1978.
93
necessária para evitar todo o anacronismo na compreensão das obras”.73 Portanto, não só
buscar entender o processo de construção, mas também a sua recepção, sobretudo entre esses
agentes envolvidos na trama editorial.
A partir da leitura específica sobre a temática desta investigação, identificamos que a
série Folclore Brasileiro fez parte de uma idealização ainda prematura, gestada na
administração de Renato Almeida, quando a Campanha não possuía recursos suficientes para
tamanho empreendimento.
Segundo Vilhena, havia a proposta de se fazer “um inquérito folclórico nacional”
seguindo um pressuposto dos folcloristas ao confessar sua convicção de que “a cultura
popular brasileira [possui] uma grande homogeneidade e em todas as suas áreas se encontram
idênticos valores folclóricos embora com uma maior ou menor acentuação, derivada da
confluência de fatores diversos e ocasionais”.74
O financiamento dos projetos para a cultura assegurados junto ao Ministério da
Educação e Cultura no Plano de Ação Cultural permitiu assim nas décadas de 1970 e 1980 o
empreendimento de caracterização do folclore através de projetos editorias, audiovisuais,
cursos, concursos, e organização de Encontros folclóricos. Nessa nova reconfiguração
institucional, foram lançadas as séries aqui estudadas, de modo que entendemos nessa
iniciativa a tentativa de se comparar as manifestações de cada estado brasileiro, para a
compreensão da heterogeneidade de uma nacionalidade sob o aspecto do popular, ou seja,
uma identidade folclórica brasileira.
A história do folclore no Brasil é longa e remonta as tradicionais publicações de Sílvio
Romero, quando este buscou na matriz portuguesa as manifestações populares brasileiras. Os
mitos de origem para os estudos de folclore e cultura popular estiveram atrelados a duas
tradições influenciadoras pelos estudos do folclore nordestino. Uma inspiração romântica que,
segundo Durval Muniz75, estabeleceu a relação entre a cultura nacional e cultura popular,
dando origem ao conceito de povo.
Em seu estudo sobre a fabricação do folclore e da cultura popular no Nordeste no
século XX, Albuquerque apresenta um conjunto de intelectuais responsáveis pela criação da
cultura popular identificada como nordestina. Dentre estes encontra o folclorista Juvenal
Galeno como um dos precursores ao fazer uma genealogia dos estudos em torno da cultura
73
CHARTIER, Roger. Escribir lãs práticas: discurso, prática, representación. Cuadernos de trabajo, nº 2.
Valencia: Fundación Cañada Blanch, 1999.
74
ALMEIDA, Renato apud. VILHENA, Rodolfo. Os intelectuais regionais. [s.d] [s.p].
75
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A feira dos mitos: a fabricação do folclore e da cultura popular
(nordeste 1920 – 1950). São Paulo: Intermeios, 2013.
94
76
DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes literários da República: história e identidade nacional no Almanaque
Brasileiro Garnier (1903 – 1914). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p, 125.
95
para o regional e vice-versa. É o caso do folclore, como buscamos demonstrar nesse estudo
com as experiências dialogadas entre várias instituições, sejam elas nacionais ou regionais.
O diretor-executivo da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Bráulio
Nascimento, no momento do golpe foi juntamente com Edson Carneiro e outros funcionários
afastados de seus cargos na Campanha, retornando como diretor apenas na década de 1970.
Neste cargo, dispôs de um contexto de financiamento cultural, com recursos e condições para
execução dos planos de trabalho para esta Instituição, como reivindicado no contexto de antes
do golpe civil-militar. Sendo assim ele afirmou:
77
NASCIMENTO, Bráulio do. op. cit. 1978, p. 05.
78
Diretrizes para o Folclore: ensino, pesquisa, defesa, preservação e divulgação. VII Congresso Brasileiro de
Folclore. Brasília, janeiro de 1974.
79
NASCIMENTO, Bráulio do. op. cit. 1978, Idem. p. 05.
96
80
Não identificamos os motivos que levaram o fracasso do empreendimento editorial.
81
Lançado anualmente por edital, confere ao primeiro e segundo colocados prêmios pagos em dinheiro,
prevendo-se, ainda, até três menções honrosas, selecionadas por comissão de especialistas indicados pelo Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular. Disponível em: < http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=52>
Acesso em: 07.05.2014.
82
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Política Nacional de Cultura. Brasília: Departamento de
Documentação e Divulgação, 1975.
97
Nascimento pôs em prática os contatos entre a CDFB e os Estados através de cartas, ofícios e
postais enviadas diretamente aos Secretários Gerais das Comissões Estaduais de Folclore.
Para analisar detalhadamente esta série levantamos três questionamentos que
entendemos serem importantes para compreender as relações entre os intelectuais, a sociedade
e o Estado durante os anos de 1970. Quais eram os objetivos da série? Quem eram esses
folcloristas? Como se deu o processo de construção destes livros?
Para responder a essas questões, consultamos cada obra publicada da série Folclore
Brasileiro, buscando observar os elementos constituintes dos livros, quais sejam: a forma, o
conteúdo, a composição, os autores e os ano de publicação. A partir dessa análise preliminar
seguiu-se para a documentação disponibilizada no Arquivo Institucional da Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca
Amadeu Amaral.
Munido das questões e do levantamento preliminar obtido nas obras, analisamos a
documentação da Campanha, sendo elas os ofícios e as cartas trocadas entre o presidente
Manuel Diegues Júnior, o diretor–executivo Bráulio Nascimento e os secretários gerais das
Comissões Estaduais, no período que corresponde os anos de 1976 a 1982, um ano anterior da
publicação dos primeiros volumes da série, e o último ano correspondente ao último volume
da Série Folclore Brasileiro.
Embora a proposta inicial da Série tenha sido a de publicar sobre o folclore de todos os
estados, e comparar as manifestações poulares do Brasil, somente foram editados os livros de
14 estados, quais sejam: de Alagoas – José Maria Tenório (1977); Maranhão – Domingos
Vieira Filho (1977); Rio Grande do Norte – Veríssimo de Melo (1977); Piauí – Noé Mendes
de Oliveira (1977); Goiás – Regina Lacerda (1977); Ceará – Florival Serraine (1978); Espírito
Santo – Guilherme Santos Neves (1978); Pernambuco – Waldemar Valente (1979); Santa
Catarina – Doralécio Soares (1979); Rio de Janeiro – Cáscia Frade (1979); São Paulo – Helio
Damante (1980); Bahia – Hildegardes Vianna (1981); Paraná – Roselys Velloso Roderjan
(1981); Minas Gerais – Saul Martin (1982).
A primeira carta que corresponde a Série Folclore Brasileiro pouco nos informa sobre
os detalhes de como foi pensada, mas nos dá dicas possíveis da sua elaboração, conforme uma
publicação iniciada pela Comissão Espírito-Santense de Folclore. Em ofício dirigido a
Guilherme Santos Neves, secretário-geral desta, Bráulio Nascimento encaminhou cópia de
textos publicados no livro “Folclore” da Comissão Espírito-Santense, dando sugestões para
elaboração da Série que seria publicada em todo o país:
98
O prazo estabelecido aos secretários para o lançamento da Série ficou para a Semana
de Folclore daquele ano, evento celebrado em todos os meses de agosto85. No entanto o
projeto desenvolveu-se com atrasos e alguns incômodos, de ordem estrutural até mesmo de
conceitos sobre categorias que compunham o padrão estabelecido pela Campanha, por meio
do qual cada folclorista deveria escrever seu trabalho seguindo um sumário enviado aos
secretários estaduais das Comissões, com a seguinte forma: uma Introdução Histórico–
83
OFÍCIO nº 313/76. Do Diretor-executivo da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro [Bráulio
Nascimento]. Rio de Janeiro, ao Secretário da Comissão Espírito-Santense de Folclore [Guilherme Santos
Neves]. Folclore Capixaba. Vitória. 04 jun. 1976.
84
OFÍCIOS enviados aos Secretários Gerais das Comissões Estaduais de Folclore. Arquivo Institucional da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu
Amaral. Correspondências Enviadas. CNFCP/IPHAN.
85
Agosto foi a data de criação da Campanha em 1958, decretada como dia do Folclore Nacional em 1965 pelo
Presidente Castelo Branco.
99
86
Com exceção do Folclore Brasileiro: Alagoas, que inicia com uma apresentação escrita por Théo Brandão cujo
fora encomendado a escrita da monografia, embora por motivos de saúde passasse a tarefa ao amigo José Maria
Tenório.
87
Ofício nº 38/77. De Bráulio Nascimento a José Brandão da Silva Calazans. Rio de Janeiro, 28 jan. 1977.
Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado
na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Enviadas. CNFCP/IPHAN.
88
Agradecemos à professora Márcia Romeiro Chuva por nos ter alertado para tal fato, na banca de qualificação.
89
OFÍCIO nº 600/77. Do diretor-executivo da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro [Bráulio Nascimento]
ao Presidente da Comissão Piauiense de Folclore [Noé Mendes de Oliveira]. Folclore de todos os Estados. Rio
de Janeiro, 27 abr. 1977.
100
que se percebe uma imposição estrutural pela Campanha sobre a localização do trabalho
quanto ao seu espaço regional, produtor de uma cultura popular que seria evidenciada também
na bibliografia da obra. Em resposta aos ofícios de Bráulio, a Secretária-geral da Comissão
Baiana, Hildegardes Viana respondeu da seguinte maneira, aos prazos e exigências colocados
pela CDFB:
90
Empresa de Turismo da Bahia S.A. - BAHIATURSA, responsável pela divulgação e promoção turística da
Bahia no Brasil e no exterior.
91
Carta de Hildegardes Viana a Bráulio Nascimento. Salvador, 16 mai. 1977. Arquivo Institucional da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu
Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
101
QUADRO 01
Estados Folcloristas Ocupação
Como um texto só existe se houver leitor para lhe dar um significado 94 podemos
levantar o debate a respeito da divulgação e leitura desta Série, visto que, enquanto análise
histórica é preciso reconstruir as variações que diferenciam os espaços legíveis, ou seja, as
92
Carta de Veríssimo de Melo a Bráulio Nascimento. Natal, 21 jun. 1977. Arquivo Institucional da Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral.
Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
93
Carta nº 59/77. De Bráulio Nascimento a. Rio de Janeiro, 27 jun. 1977. Arquivo Institucional da Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral.
Correspondências Enviadas. CNFCP/IPHAN.
94
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XVI e
XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª Ed. 1998, p. 11.
103
95
Melo, Veríssimo de. Resenha. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do
Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Enviadas.
CNFCP/IPHAN.
104
Se o folclore não pudesse ser do Brasil, deveria pelo menos ser do Nordeste. Neste
ponto, podemos perceber que, de acordo com a reflexão proposta por Durval Muniz, há “uma
necessidade de reterritorialização que pudesse servir de base para a sua instituição como
região”97, nada melhor do que o folclore como esse elemento constituidor das
territorialidades.
Ainda em sua resenha sobre as obras, Veríssimo destaca um dos problemas causados
pela quantidade limitadora de páginas, prejudicando em seu conteúdo e proposta a forma
como deveria ser lida o empreendimento editorial do folclore:
96
Melo, Veríssimo de. Carta enviada a Bráulio Nascimento. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do
Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências
Enviadas. CNFCP/IPHAN.
97
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. op. cit. 2013.
98
Melo, Veríssimo de. Resenha. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do
Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Enviadas.
CNFCP/IPHAN
99
OFÍCIO nº 1058/78. Do diretor-executivo da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro [Bráulio
Nascimento] ao Presidente da Comissão Piauiense de Folclore [Noé Mendes de Oliveira]. Comunicado. Rio de
Janeiro, 13 nov. 1978.
105
Foto 01. Capas dos títulos estaduais da Série Folclore Brasileiro. Fonte: Acervo Particular do Autor.
Prezado amigo Noé, li seu trabalho sobre o Folclore do Piauí: muito bom.
Exatamente o que eu desejava nessa série de panorama da cultura popular
dos Estados. Felizmente e finalmente você atendeu ao meu pedido e temos
um informe global do folclore do Piauí. Mais do que um roteiro, o seu
trabalho oferecerá indicações e sugestões para pesquisas e estudos no sentido
de ampliar e aprofundar os vários aspectos do rico folclore piauiense. A
bibliografia folclórica está enriquecida com o seu trabalho, e o Estado de
parabéns, pela primeira visão de conjunto de sua cultura popular, E você terá
novas tarefas daqui por diante. Como lhe disse, pretendo lançá-lo em agosto.
Recebi a minuta do contrato de direitos autorais e está sendo providenciado
o pagamento. 100
A obra viria a ser publicada em agosto daquele ano, como previsto no calendário das
programações da CDFB.
Já o livro do folclore de Santa Catarina, escrita por Doralécio Soares não se adequou
às exigências da Série, relacionadas à quantidade de páginas, - problema já levantado por
Veríssimo de Melo. Para a publicação integral do texto enviado à CDFB, Soares afirmou
então que abriria mão dos direitos autorais do exemplar correspondente ao estado de Santa
Catarina. Entretanto não foi possível aceitar essa sua proposição, como podemos observar
pela resposta de Bráulio Nascimento:
100
Carta nº 63 do Diretor do Instituto Nacional do Folclore [Bráulio Nascimento] ao Presidente da Comissão
Piauiense de Folclore [Noé Mendes de Oliveira]. Rio de Janeiro, 27 de junho de 1977.
101
OLIVEIRA, Noé Mendes de. [Carta] [S.d], 1977. Teresina, [para] NASCIMENTO, Bráulio. Rio de Janeiro.
01 p.
107
série, seguido dos cinco volumes já publicados. A sua proposta de abrir mão
dos direitos autorais para a publicação integral do texto evidentemente não
poderia ser aceita: ele seria editado integralmente com o pagamento integral
dos direitos autorais, não fossem as características da série. 102
Para Hélio Damante de São Paulo, aquele empreendimento representava uma primeira
sistematização do folclore paulista, fato destacado, já que serviria como fonte de comparação
entre as manifestações de todo o Brasil:
102
NASCIMENTO, Bráulio do. [Carta] 30 jun. 1978, Rio de Janeiro [para] Doralecio Soares, Florianópolis, 01
p. Encaminha o texto Folclore Brasileiro: Santa Catarina.
103
Carta de Hélio Damante a Bráulio Nascimento. São Paulo, 17 fev. 1979. Arquivo Institucional da Campanha
de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral.
Correspondências Recebidas. CNFCP /IPHAN.
108
104
Carta de Bráulio Nascimento a Hildegardes Viana. Rio de Janeiro, 09 jun. 1980. Arquivo Institucional da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu
Amaral. Correspondências Enviadas. CNFCP/IPHAN.
105
Carta de Veríssimo de Melo a Bráulio Nascimento. Rio de Janeiro, 12 jul. 1978. Arquivo Institucional da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu
Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP/IPHAN.
106
Carta de Hildegardes Viana a Bráulio Nascimento. Salvador, 25 set. 1980. Arquivo Institucional da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu
Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP/IPHAN.
109
107
Carta de Hildegardes Viana a Bráulio Nascimento. Salvador, 06 ago. 1981. Arquivo Institucional da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu
Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP/IPHAN.
110
Não tenho material algum, nesse sentido, além do que registrei – São
Gonçalo (um resumo, pois tenho um livro sobre o tema) [...] acho que não
seria capaz (talvez o fizesse com muito esforço) de romper a unidade
cultural da Congada com o fim de dividi-la em duas partes: dança e
folguedo. Então preferi jogar todo o fato, unificado, em folguedo, com
registro, também de duas embaixadas recolhidas de lugares diferentes no
Estado. Peço que leve isto em conta [...] O livro cresceu 12 páginas, chegou
a 100, contando com as ilustrações. Segundo Bráulio me escrevera, estas
podem ser enriquecidas com fotografias do arquivo do Instituto. 108 (Grifos
no original).
108
MARTINS, Saul Alves. [Carta] 18 mar. 1981, Belo Horizonte [para] NASCIMENTO, Bráulio, Rio de
Janeiro, 01 p. Informa a entrega da versão final do livro Folclore Brasileiro: Minas Gerais
109
Ofício do Serviço Editorial da UFMG em resposta ao ofício de número 350/82, expedido pelo INF. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na
Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP/IPHAN.
111
integrar esse folclore como brasileiro, assegurando-lhe um padrão, gerando uma rede de
comunicação, que passa pelo o autor, pelo o editor, até chegar ao leitor.
Com efeito, podemos perceber a materialização desse projeto, mas nos deparamos
com problemáticas em sua condução. Embora tenha sido uma proposta que partiu da CDFB, a
construção da Série se deu em colaboração com esses folcloristas. A análise demonstra, na
verdade, disputas em torno da elaboração da Série, como a definição do folclore nacional e
regional, “um folclore nordestino!”, assim ressaltado pelo folclorista Verissimo de Melo. Ao
congregar a produção desses folcloristas e as manifestações regionais, se tentou forjar o
folclore brasileiro como fator de comparação, ao enquadrar sob a perspectiva de um folclore
nacional.
2.4 “Integrar para não Entregar”: A Operação Nacional Projeto Rondon e o Atlas
Folclórico do Brasil
Em 1978, depois de ter passado pelo Rio de Janeiro, Noé Mendes informava ao
diretor-executivo da CDFB de um encontro com o Reitor da UFPI e com o diretor executivo
regional do Projeto Rondon afirmando que: “já estão sabendo do Atlas Folclórico e estão
entusiasmados com a sua realização no Piauí. Brevemente enviarei o relatório prometido.”110
Apesar da promessa, de tão breve enviar os relatórios para o Atlas Folclórico do Brasil, em
1978, Mendes pediria desculpas pelo atraso em enviar o relatório da pesquisa folclórica
realizada para o programa editorial daquela Série. A justificativa seria seu processo de
mudança de Teresina para a cidade de Recife, onde iniciaria o mestrado em Antropologia na
Universidade Federal de Pernambuco o que tornava sua vida, naquele ano, um pouco
conturbada:
A reviravolta em que entrei foi a minha mudança para o Recife. Tive que
estudar durante o mês de fevereiro e parte de março para enfrentar as provas
de seleção do curso de Mestrado [...] O curso teve início no dia 19 de março
e eu passei aquela fase de adaptação, de reconhecimento de terreno, etc. O
senhor não imagina o quanto a minha vida mudou aqui em Recife. Eu que
vivia em Teresina correndo dia e noite, viajando, pesquisando, me vi de uma
hora para outra, entre quatro paredes e entre muitos livros e tarefas escolares.
Agora que já estou ‘ambientado, recomecei a escrever os textos. Espero não
Esperamos aprofundar esse debate em pesquisas posteriores, a partir do projeto de tese “VARAR O
TERRITÓRIO NACIONAL DE PONTA A PONTA: Atlas Folclórico do Brasil, Projeto Rondon e as políticas
de integração cultural” a ser desenvolvido no doutorado do Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal Fluminense, período (2016-2019).
110
OLIVEIRA, Noé Mendes de. [Carta] 30 de março de 1978. Teresina, [para] NASCIMENTO, Bráulio. Rio
de Janeiro. 01 p.
112
ter causado aborrecimentos. Afinal de contas fui bem pago para isto, não
foi? 111
111
OLIVEIRA, Noé Mendes de. [Carta] 08 mai. 1979. Recife, [para] NASCIMENTO, Bráulio. Rio de Janeiro.
01 p.
112
Termo cunhado aos estudantes que se envolviam na realização das atividades do Projeto Rondon.
113
Embora os objetivos reais não fossem explícitos pelos seus organizadores, a ideia
primordial de tamanha iniciativa seria a “de atender as populações carentes e levar os jovens a
conhecer de perto os problemas das fronteiras e das áreas carentes do interior do país”.114
Independente das reais intenções assumidas ou não pelos militares organizadores, o fato é que
destacamos a participação de folcloristas brasileiros em duas missões do Projeto Rondon, a
primeira a Operação Nacional Projeto Rondon XIX realizada no ano de 1977 e a segunda, a
Operação Nacional Projeto Rondon XX realizada em 1978.
Aqui podemos perceber alguns pontos complexo da relação entre os folcloristas e os
interesses do Estado. O ponto de vista e intenção dos folcloristas era de promover uma
catalogação geral das manifestações populares, de modo a integrar o povo brasileiro. Assim
Bráulio Nascimento, nos informa:
Tentar incluir interesses do Estado para viabilizar a tarefa de coleta das manifestações,
essa era a proposta antiga nos quadros da Campanha. Os meios se dariam através de uma
integração que envolvia sociedade e instituições, contando com o financiamento da Fundação
113
MOTTA, op. cit. 2014, p. 88-89.
114
Idem. p. 92
115
NASCIMENTO, Bráulio. RELATÓRIO DE ATIVIDADES CDFB – 1974/1978.
114
116
COMPETENCIAS DA CDFB. In: Operação Pesquisa Folclórica Paraíba: Relatório Final. Ministério do
Interior, Fundação Projeto Rondon, Diretoria Executiva da Paraíba, UFPB, 1977.
117
COMPETENCIAS DA INTERVENIENTE FUNDAÇÃO PROJETO RONDON. In: Operação Pesquisa
Folclórica Paraíba: Relatório Final. Ministério do Interior, Fundação Projeto Rondon, Diretoria Executiva da
Paraíba, UFPB, 1977.
115
O cadastramento seria realizado em janeiro de 1979.
116
As supervisões das Operações eram feitas por um grupo de técnicos das direções
executivas de origem e atuação, definidas após a elaboração dos planos de trabalho, cabendo a
elaboração dos cronogramas de trabalho e viagens. As normas de inscrição, seleção e
treinamento obedeciam às regras estabelecidas no documento “Sistema Nacional de
Treinamento” 119 que foram adotadas desde o Pro XIX.
A elaboração do Atlas Folclórico do Brasil era uma ideia adormecida desde os tempos
de formação do movimento folclórico nas décadas de 1950, quando foi elaborada a I Carta do
Folclore Brasileiro, estabelecendo os parâmetros da pesquisa folclórica no Brasil. Embora o
movimento de organização das instituições tivesse se deslanchado ao longo das décadas de
1950, por fatores financeiros e a desmobilização com o golpe de 1964, já apresentados
anteriormente, a proposta de realização do inquérito folclórico nacional foi deixada de lado,
retomando com essa operação e o financiamento promovido pelo PAC na década de 1970.
Para Bráulio do Nascimento, o objetivo desse trabalho, que ele classificou como de
“um tanto louco e muito extenso”, é o da “obtenção de um panorama o mais fiel possível de
todas as manifestações populares brasileiras, além de fornecer subsídios para pesquisas e para
o governo nos programas de proteção ao artesanato e folclore nacional”.120
118
ANDRANDE, Edson. Entrevista concedida à Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de 2014.
119
OPERAÇÃO NACIONAL PROJETO RONDON XX (PRo XX). Arquivo Institucional da Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral.
120
BRÁULIO acha mudança benéfica ao folclore. Diário do Grande ABC. Santo André, São Paulo. 08 fev.
1979.
117
Embora a promessa tenha sido feita, não se cumpriu. Não sabemos os reais motivos
que levaram ao “fracasso” desse grande empreendimento. Apostamos em duas possibilidades,
uma relacionada ao fator financeiro, pois com grandes proporções, recorreria uma maior fonte
de financiamento, e outra, a dispersão do material coletado, já que tivemos contanto apenas
com o relatório da Operação realizada no estado da Paraíba.
Na introdução do Atlas Folclórico do Brasil: Espírito-Santo, Bráulio Nascimento
retoma as origens daquela ideia de se catalogar o folclore brasileiro. Ao ser elaborado um
121
FUNARTE documenta o folclore brasileiro. Luta democrática. Rio de Janeiro, 22 set. 1979.
122
Mário Brockmann Machado. Apresentação In: Atlas Folclórico do Brasil: Espírito-Santo. Rio de Janeiro:
Instituto Nacional de Folclore, Funarte, 1982.
118
123
NASCIMENTO, Bráulio. Introdução. Atlas Folclórico do Brasil: Espírito-Santo. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional de Folclore, Funarte, 1982.
124
NASCIMENTO, Bráulio. op. cit. 1982, p. 08.
119
125
OPERAÇÃO PESQUISA FOLCLÓRICA PARAÍBA: Relatório Final. Ministério do Interior, Fundação
Projeto Rondon, Diretoria Executiva da Paraíba, UFPB, 1977.
126
ROLLEMBERG, Denise. História, Memória e Verdade: em busca do universo dos homens In: Cecília
MacDowell Santos; Edson Luís de Almeida Teles; Janaína de Almeida Teles (Org.). Desarquivando a Ditadura:
Memória e Justiça no Brasil. Vol. 2. São Paulo: Hucitec, 2009.
127
CÓDIGO RONDONIANO In: OPERAÇÃO PESQUISA FOLCLÓRICA PARAÍBA: Relatório Final.
Ministério do Interior, Fundação Projeto Rondon, Diretoria Executiva da Paraíba, UFPB, 1977.
128
MOTA, Rodrigo Patto Sá. op. cit. 2014, p. 94.
120
129
Idem, p. 95.
121
Após situarmos o contexto de produção da Série Folclore Brasileiro, que contou com
a colaboração do folclorista Noé Mendes na escrita do exemplar correspondente ao estado do
Piauí, e termos apresentado as tramas editoriais que envolveram uma retomada na “rede
folclórica” nacional, neste capítulo nos detemos em apreciar de modo mais particular a obra
Folclore Brasileiro: Piauí e os elementos por meio dos quais ela insere o estado no debate
sobre o folclore e cristaliza as manifestações como populares, ou seja, como parte significante
de um povo, o piauiense.
Nesse contexto não há uma produção isolada de textos que afirmam a cultura
piauiense. Podemos situar também outras produções desde o final do século XIX, até a
período privilegiado para a nossa discussão, que são as décadas de 1970 e 1980. Reunimos
para este capítulo, um conjunto de textos escritos pelo o intelectual, além de produções
escritas que dialogam com os círculos sociais de Noé Mendes, suas várias abordagens, desde
a cultura popular, passando pela arte, a história, a religiosidade e a ecologia. O objetivo é
apresentarmos os marcadores que o folclorista indica como próprio da cultura dos piauienses
ou aquilo que chamamos de piauiensidade, a partir da apreciação de sua escrita e de seus
espaços de sociabilidades.
1
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Folclore Brasileiro: Piauí. Rio de Janeiro: MEC, DAC, FUNARTE, CDFB.
1977, p. 05.
122
Nas terras em que “tudo emanava do curral, inclusive o comércio e as finanças”, como
afirmou o historiador Odilon Nunes, o Piauí teve em sua formação o devassamento de
populações indígenas e o desenvolvimento de um sistema econômico marcado pelo setor de
subsistência, ou seja, uma área de criatório extensivo de gado entre os séculos XVII e XVIII,
cuja economia “assegurasse a satisfação das necessidades dos que viviam na fazenda”. 2 Essa
caracterização, torna exclusivo o processo de formação histórico do estado, configurando lhe
um contorno geográfico específico, bem como sua constituição econômica e social, já
discutidas em outros trabalhos,3 além da passagem acima citada por Noé Mendes.
O que singulariza Mendes e o destaca na sua aposta é que essa marca geográfica
constitui uma das definições propícias para o desenvolvimento de uma cultura piauiense,
como veremos mais adiante. Tendo essa definição-limite sido apontada pelo historiador
Raimundo Santana, que caracterizou o Piauí como uma área de transição administrativa em
razão das terras terem pertencido à Capitania do Maranhão e a de Pernambuco, e que,
segundo ele, “dentro desse quadro, bastou que o homem tangesse o gado e se fizesse
vaqueiro”.4 Nestes termos, continua o historiador:
O Piauí teria sido marcado por uma “época do couro” que para Santana foi a síntese da
economia de subsistência ou economia de necessidade, bem como a gestora do “complexo
rural” base da sociedade e, consequentemente, formadora da cultura na qual se originariam os
costumes tradicionais do entorno das fazendas.
Enquanto a formação social do Piauí era apresentada pela via econômica para Santana,
Noé Mendes apresenta a síntese do piauiense como a mistura das três raças, nos moldes da
formação do brasileiro, ao afirmar que:
2
SANTANA, R. N. Monteiro de. Evolução Histórica da Economia Piauiense. 2ª Ed. Teresina: APL, Banco do
Nordeste. 2001, p. 44.
3
BAPTISTA, João Gabriel. Geografia física do Piauí. Teresina: COMEPI, 1971. BRANCO, Renato Castelo. O
Piauí: a terra, o homem, o meio. São Paulo: Quatro Artes Editora, 1970. NUNES, Odilon. Devassamento e
conquista do Piauí. Teresina: COMEPI, 1972. NUNES, Odilon. Pesquisas para história do Piauí. 2 ed. Rio de
Janeiro: Artenova, 1975; SANTANA, R. N. Monteiro de. Perspectiva histórica do Piauí. Teresina: Edições
Cultura, 1965.
4
SANTANA. op. cit. 2001, p. 21.
5
Idem., p. 44.
123
A obra na qual Noé Mendes apresenta esta definição - Folclore Brasileiro: Piauí – é
formada por um conjunto de textos elaborados por ele ao longo da primeira metade da década
de 1970, sobretudo como parte de seu livro de estreia, Folclore no Piauí, publicado em 1972,
pela Secretaria de Educação e Cultura em parceria com a Empresa Piauiense de Turismo
(PIEMTUR). Completamente esquecida, esta não fora reeditada, garantindo assim que aquela
ganhasse destaque, sobretudo pelo caráter nacional em razão das finalidades que a Série
organizada pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro objetivava, em dar conhecimento
e comparar o folclore do país.
Podemos ler a obra de Noé Mendes como um compilado de textos que apresenta os
componentes da cultura piauiense em seu caráter tido como popular7. Mas é preciso ir além
desse simples olhar, é necessária uma exegese desses textos, reunidos em formato de livro
para percebermos como Mendes apresenta uma ideia de povo e cultura encontrados no Piauí,
como parte da brasileira. Para isso é preciso identificar os diálogos intertextuais percebidos na
obra, sobretudo aqueles que durante a década de 1970 foram sendo retomados, apropriados, e
(re) construídos sob novos aspectos na escrita desse folclorista.8
O primeiro diálogo que percebemos é a caracterização do Piauí como “sub-região” e
as suas “condições mesológicas” assinaladas pelo folclorista nas citações anteriores. Tais
6
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 07 - 08.
7
O conceito de popular já apresentados nos capítulos anteriores, retorna ainda sob a ideia de adjetivo que
qualifica uma grande quantidade de coisas pertencentes ao povo ou relativas a ele.
8
Entendemos a apropriação segundo o conceito utilizado por Roger Chartier, no qual estabelece os processos de
recepção de obras, ao criar práticas que se apropriam de modo diferente dos materiais que circulam em
determinada sociedade. Segundo o historiador, as práticas que deles se apoderam são sempre criadoras de uso ou
de representações que não são de forma alguma redutíveis à vontade dos produtores de discursos e normas.
Podendo ser compreendido ainda nas diferenças de uso partilhado daquilo que for apropriado, organizadas pelas
estratégias de distinção ou de imitação e que os empregos diversos dos mesmos bens culturais (ou marcadores
aqui trabalhados por nós), se enraízam nas disposições do habitus de cada grupo. Para mais detalhes conferir:
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. 2ª Ed. Algés, Portugal: Difel, 2002.
124
Em sua obra, Renato Castelo Branco nos apresenta a matriz de seu pensamento ao
definir o homem piauiense conforme as representações do sertanejo de Euclides da Cunha na
obra Os Sertões:
9
CASTELO BRANCO, Renato. A Civilização do Couro. Teresina: DEIP. 1942, p. 13.
10
Idem. p. 41,56.
125
11
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984, p. 47,56.
12
BORGES, João Carlos de Freitas. A construção d’A Civilização do Couro: Renato Castelo Branco e o Piauí
em tempos de Estado Novo. 178 f. Dissertação de Mestrado em História do Brasil, Universidade Federal do
Piauí, 2014, p. 81.
13
Idem. p. 82.
14
ROMERO, Silvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio. Tomo 5, 1954, p. 1941.
126
Nessa concepção o Piauí, por ser uma terra de transição, conforme indicado por
Raimundo Santana, Noé Mendes e outros, tornou-se palco de conflitos em decorrência da
ocupação de terras, e conforme afirma Claudete Dias, esse palco de disputas, não esteve
isolado do restante das outras capitanias, “sendo um importante elo de ligação com vários
pontos do país, desde os tempos colônias”.18
Essa narrativa sucessiva encarna construções imaginárias de um espaço, o Piauí,
seguido de um tipo étnico que é visto como o sertanejo, especificamente o vaqueiro piauiense.
15
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 08.
16
DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaios e Bem-te-vis: a guerrilha sertaneja. Teresina: FCMC, 1995.
17
Idem., p. 51.
18
Idem, p. 73-75.
127
Não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há
compreensão de um escrito, qualquer que seja que não dependa das formas
através das quais ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois
tipos de dispositivos os que decorrem do estabelecimento do texto; das
estratégias de escrita, das intenções do autor; e os dispositivos que resultam
da passagem a livro ou a impresso produzido pela decisão editorial [...] tendo
em vista leitores ou leituras que podem não estar de modo nenhum em
conformidade com os pretendidos pelo autor.19
19
CHARTIER. op. cit. 2002, p. 127.
20
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PIAUÍ. Decreto nº 1416, de 17 de janeiro de 1972. Cria a Comissão
para elaboração do Plano Editorial do Estado.
128
21
Idem.
22
Obras publicadas pelo Plano Editorial do Estado: Obras Literárias Canções de hoje-Canções de outrora, de
Cristina Leite; Lira sertaneja, de Hermínio Castelo Branco; Tombador, Fontes Ibiapina; Epopeia camoniana,
Martins Napoleão; Antologia de sonetos piauienses, Félix Aires; O Piauí na poesia popular, Félix Aires; Vila de
Jurema, William Palha Dias; Nas ribas do Gurguéia, Artur Passos; Viagem ao Dicionário, A. Tito Filho;
Esmaragdo de Freitas, homens e episódios, Tito Filho; Deus e a Natureza em José Coriolano, Tito Filho; Zito
Baptista, o poeta e o prosador, Tito Filho; Lima Rebelo, o homem e a substância, Tito Filho; Perfis, J. Miguel de
Matos; Antologia poética Piauiense, J. Miguel de Matos; A Província deserta, H. Dobal; e Cem anos depois,
José Carlos de Santana Cruz e Margarida Leite. Os livros históricos: Pesquisas para a História do Piauí,
Odilon Nunes; Devassamento e conquista do Piauí, Odilon Nunes; O Piauí, seu povoamento e seu
desenvolvimento, Odilon Nunes; Os primeiros currais, Odilon Nunes; Economia e finanças (Piauí Colonial),
Odilon Nunes; História da Independência do Piauí, Wilson de Andrade Brandão; Roteiro do Piauí, Carlos
Eugênio Porto; Cronologia histórica do Estado do Piauí, F. A. Pereira da Costa; Governos do Piauí em duas
edições, A. Tito Filho; Praça Aquidabã, sem número, Tito Filho; A guerra do Fidié, Abdias Neves, História da
imprensa no Piauí, Celso Pinheiro Filho; Depoimento para a História da Revolução no Piauí, Moysés Castello
Branco Filho; e Soldados de Tiradentes, Celso Pinheiro Filho e Lina Celso Pinheiro. Ficaram no prelo:
Deslumbrado, José Newton de Freitas; A casa de Lucídio Freitas, J. Miguel de Matos; O Piauí no folclore
nacional, Pedro Silva; Passarelas de marmotas, Fontes Ibiapina; Poesias, R. Petit. Cf: MOURA, Iara Conceição
Guerra de Miranda. Historiografia piauiense: relações entre escrita histórica e instituições político-culturais. 251
f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2010, p. 170.
23
MOURA, Iara. op. cit. 2010, p. 167.
24
PINHEIRO FILHO, Celso. Biografia de Hermínio Castelo Branco In: Lira Sertaneja. 10ª Ed. Teresina:
COMEPI, 1972.
129
jornal Correio de Teresina no ano de 1917, buscando assim legitimar um caráter à cultura do
homem piauiense que a obra empregaria, sendo retomado depois por Pinheiro Filho. Ao
analisarmos o texto de Freitas, identificamos tais elementos:
Seu tio Teodoro, com as reviravoltas sofridas pela família, já havia comido o
pão que o diabo amassou quanto mais Hermínio. Contudo, não havendo
conhecido os dias de fartura da família, não estranhou Hermínio o
desconforto e o léu das cousas em que foi criado. Para ele que não
participara dos áureos dias, tudo aquilo que via parecia-lhe normal, com a
senzala quase limpa de escravos, afeiçoou-se aos caboclos, vaqueiros e
lavradores, já então tipos etnicamente definidos.26
25
FREITAS, Clodoaldo. Hermínio Castelo Branco In: Biografia e Crítica. Imperatriz - MA: Ética, 2009.
26
PINHEIRO FILHO, Celso. Prefácio. Lira Sertaneja. 12ª Ed. Teresina: APL, 2010, p. 07.
130
no estado, sua obra talvez seja a única do século XIX, que tenha chegado aos dias atuais com
tantas edições.27
Embora Celso Pinheiro Filho tenha afirmado que os impactos da crise econômica não
tenham sido reparados pelo poeta-popular, é fato que Hermínio Castelo Branco fazia parte de
uma elite agrária decadente, tendo assumido novas posições sociais que o fizeram partir de
sua terra, quando fez da saudade sua fonte de inspiração para os versos, assim declarado na
apresentação da 5ª edição de seu livro pelo próprio autor:
27
Lira Sertaneja foi publicada pela primeira vez em Teresina sob o título “Echos do Coração” em 1881. As
edições posteriores foram sendo preenchidas por novos versos elaborados pelo autor, ainda em vida, segundo
Celso Pinheiro Filho e Arimatea Tito Filho, quando em 1887 teria sido publicada a 7ª edição com o novo título
“Lyra Sertaneja”. O curioso é que conseguimos examinar um exemplar da 5ª edição, datada de 1905 pela
Tipografia Militão Bivar da cidade de Fortaleza, quando o autor se refere a mudança de seu título. Até o presente
estudo Lira Sertaneja encontra-se em sua 12ª edição, lançada pela Academia Piauiense de Letras, na coleção
Grandes Textos.
28
BRANCO, Hermínio Castelo. A Lyra Sertaneja. 5ª edição. Fortaleza: Tipografia Militão Bivar. 1905.
131
29
ALBURQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A feira dos mitos: a fabricação do folclore e da cultura
popular (nordeste 1920 – 1950). São Paulo: Intermeios, 2013, p. 34.
30
BOLLEME, Genevieve. O Povo Por Escrito. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1986, p. 49, 56.
31
GREENBLATT, Stephen. O novo historicismo: ressonância e encantamento. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, 1991.
132
As conexões aqui estabelecidas podem ser caracterizadas como o que Georg Simmel
considera como a influência do número das unidades sociais sobre as características das
sociedades.32 Em outras palavras, o cruzamento de círculos sociais, que em nossa análise
identificamos na elaboração de marcadores identitários aqui apresentados como
piauiensidade, foi sendo apropriado por Noé Mendes em sua obra Folclore Brasileiro: Piauí.
Este livro se apropriou da noção de homem piauiense elaborada desde o final do século XIX
como o vaqueiro do Piauí em Lira Sertaneja de Hermínio Castelo Branco, ou ainda o
vaqueiro euclidiano identificado como o vaqueiro piauiense, resgatados por Renato Castelo
Branco na década de 1940.
Podemos considerar Lira Sertaneja, como uma das principais obras reeditadas pelo
Plano Editorial no governo Alberto Silva, na década de 1970. Noé Mendes foi membro da
Comissão que elaborou e executou este Plano, considerado como o grande “movimento
editorial” da época33. Além disso, esta obra é marcada, desde o final do século XIX até o
momento de sua escolha para reedição pela Comissão, como aquela que definiu o homem
piauiense, sobretudo como vaqueiro, em seu modo de vida rural, apresentado pelo “poeta-
popular” e sendo (re) apropriado pelos intelectuais no século XX.
A apropriação do vaqueiro piauiense, como marcador da cultura do Piauí, se situa no
palco das ações, atitude consoante à referida por Durval Muniz ao afirmar que “os discursos
dos agentes culturais e de boa parte das elites políticas e acadêmicas da região (Nordeste)
continuam sendo presididos pela síndrome do resgate, pela ideia de que se deve preservar uma
cultura regional e popular que estaria prestes a morrer, que sempre é anunciada como morta,
mas que como um espectro, teima em voltar, em retornar”.34
Talvez possamos situar o caso de Noé Mendes neste palco do resgate. Porém,
diferentemente de Renato Castelo Branco, que buscou identificar só o homem piauiense, ao
distinguir o Piauí e sua civilização dos demais Estados brasileiros, Noé Mendes assumiu
posição oposta, agregando ao “vaqueiro piauiense” elementos nordestinizadores, ou seja, que
permitem identificar esse homem num contexto regional e não só local, acrescentando
marcadores que permitem identificar o homem nordestino. Afirma ele:
32
SIMMEL, G. O cruzamento de círculos sociais. In: CRUZ, M.B. (Org.). Teorias sociológicas: os fundadores
e os clássicos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p.573-578.
33
QUEIROZ, Teresina. Historiografia piauiense In: Do Singular ao Plural. Recife: Bagaço, 2006, p. 153.
34
ALBURQUERQUE JÚNIOR. op. cit. 2013, p. 34.
133
Noé Mendes faz parte de uma geração de folcloristas, a exemplos de Ademar Vidal,
Théo Brandão, Veríssimo de Melo e Mário Souto Maior36, que tomou o espaço estadual como
o recorte geográfico de sua produção, para não só identificar o homem sertanejo, mas sim o
homem nordestino e, no caso de Mendes, o homem piauiense como um nordestino.
Os componentes básicos da cultura piauiense, tipicamente associados à nordestina
podem ser encontrados em três marcadores identitários, caracterizados por Mendes em sua
obra Folclore Brasileiro: Piauí, quais sejam: a linguagem popular, a literatura oral e os
folguedos folclóricos.
Quando Elson Rabelo afirmou que Noé Mendes, na obra Folclore Brasileiro: Piauí,
“faz uma leitura própria, um tanto desencontrada em termos temáticos e enunciativos”37 acaba
por desconsiderar os processos e regras editoriais pelas quais passou a escrita do autor. Para a
elaboração desta obra, como vimos no capítulo anterior, o folclorista teve que seguir um
sumário previamente elaborado pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.38
Consideramos que foi por meio do processo de escrita derivado a partir deste sumário que ele
forjou o homem piauiense como nordestino, segundo seus componentes folclóricos. Diz
Mendes:
35
OLIVEIRA. Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 08.
36
ALBURQUERQUE JÚNIOR. op. cit. 2013, p. 149.
37
RABELO, Elson de Assis. A História entre Tempos e Contratempos: Fontes Ibiapina e a obscura invenção do
Piauí. 202 f. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008, p.
143.
38
Para conferir tal sumário novamente, volte à página 97 do capítulo 02 desta dissertação.
134
39
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 09,15.
40
OLIVEIRA, Noé Mendes. op. cit., 1977, p. 29.
41
Como nos alerta Michel de Certeau sobre a operação historiográfica, em que nos serve para associar o lugar
institucional e seus pares, bem como a legitimidade de sua produção. Cf: CERTEAU, Michel de. A escrita da
história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p.71.
135
Noé Mendes retoma o caráter mítico do povo piauiense, já discutidos nas obras de
Artur Passos e Fontes Ibiapina,45 como marca de “essência” desse povo. Além disso reforça
na sua descrição as cantigas de vaqueiro, como a imagem forjada do vaqueiro piauiense:
Vaqueiro que se preza tem que aboiar bonito [...] O Piauí todo é lugar de
vaqueiro cantador. Nosso povo é uma descendência de vaqueiros. Na solidão
das fazendas e dos campos sem fim, enquanto labuta com o gado, ele vai
42
Para mais detalhes sobre a produção discursiva do Nordeste conferir: ALBURQUERQUE JÚNIOR, Durval
Muniz de. Invenção da cultura popular: uma história da relação entre eruditos, intelectuais e as matérias e formas
de expressão populares na península ibérica e Brasil (1870-1940). ANPUH – XXII SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA – João Pessoa, 2003; ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 3
ed. Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2006. ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. Nordestino:
uma invenção do falo. Maceió: Catavento, 2003.
43
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. 4ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 34.
44
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 08.
45
PASSOS, Artur. Folclore piauiense. Teresina, Edições Cultura; Movimento de Renovação Cultural, 1965.
IBIAPINA, Fontes. Congresso de duendes. Teresina Caderno de Letras Meridiano, 1969.
136
46
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 19.
137
Essa riqueza natural denota, em sua visão, uma marca identitária, pois todo o
comprimento do rio está compreendido no interior do estado, desde o sul do Piauí - da sua
nascente - até o norte piauiense, onde desemboca no Atlântico através de seu delta, o “o único
delta das Américas que deságua em mar aberto”. A tomada de consciência dessa importância,
para Noé Mendes, é reflexo de uma das experiências mais inusitadas de sua vida, assim
testemunhada pela a amiga Verônica Ribeiro:
47
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 05.
48
RIBEIRO, Verônica Maria Pereira. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, out. 2014.
49
Para uma referência mais detalhada sobre as relações homem e meio-ambiente conferir: ALONSO, Ângela;
COSTA, Valeriano. Por uma sociologia dos conflitos ambientais. ENCONTRO DO GRUPO MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DA CLACSO. Rio de Janeiro, 2000; PÁDUA, José Augusto. As bases
teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, n. 24, p. 81- 101, 2010.
50
O também folclorista piauiense Fontes Ibiapina debateu em suas publicações as relações entre homem, cultura
popular e meio ambiente, nas publicações Congresso de duendes (1969) e Passarela de Marmotas (1982).
51
ALONSO, Angela; COSTA, Valeriano. op. cit., 2000.
138
52
OLSON, David Louis. Legendas das fotografias do Projeto Nascentes do Rio Parnaíba. Universidade Federal
do Piauí. Arquivo pessoal de Noé Mendes de Oliveira, setembro de 1977.
139
O Noé [Mendes] foi a pessoa que mais divulgou o Piauí a custo zero, porque
nós tínhamos na época um amigo que era repórter da Revista Manchete que
era uma publicação da editora Bloch e que inventava as reportagens no Piauí
para vir para cá conhecer o Piauí e descobrir as belezas do Piauí. Então tinha
reportagens na Revista Geográfica Universal publicadas sobre a Serra da
Capivara, sobre os cânions do Rio Poti, que estão aí né, sobre a Pedra do
Castelo, sobre o Vale do Gurguéia, eram grandes reportagens sobre o Delta
do Parnaíba. Tudo o Noé conseguiu sem nunca o governo do estado ter
gasto. Eram reportagens de dez, doze páginas, a custo zero. O Noé já
pensava nessa coisa de ecologia, quando não se falava em ecologia.55
53
PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, n. 24, 2010, p.
83.
54
SIMMEL, George. op. cit. 2004, p. 577.
55
RIBEIRO, Verônica Maria Pereira. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, out. 2014.
140
A “propaganda” gratuita do Piauí para o Brasil nos anos de 1980, segundo afirma a
professora Verônica Ribeiro, se resume a partir dos títulos das matérias que se focavam no
estado, ao buscar apresentar marcadores identitários a partir de espaços geográficos, como os
citados pela entrevistada. Deste modo, nos perguntamos, como esses marcadores geográficos,
acabam por construir localidades em cidades “turísticas”, segundo a concepção de sua
elaboração destinada à divulgação de uma imagem de Piauí para os de fora?
Os artigos da Revista Geográfica Universal que têm matérias sobre o Piauí da década
de 1980 estão pautados em divulgar uma imagem do Estado, indicando boas condições
naturais e ambientais, com apelo às imagens que chamam a atenção do leitor para conhecer as
belezas piauienses.56 É preciso considerar – além da relação de amizade que envolvia os
jornalistas e fotógrafos da Geográfica Universal e o professor Noé Mendes de Oliveira – o
público alvo da Revista. Uma classe média e segmentos de poder aquisitivo alto, como
consumidores de “informação e cultura” segundo ressaltava as capas da Revista.
Basta observarmos as indicações que confirmam nosso argumento. Por exemplo, na
edição de 1981 que traz a matéria As Terras e Águas do Delta do Parnaíba, afirma-se ser um
exemplar exclusivo de “agências e anunciantes”. Ou ainda na edição sobre as Pedras
Encantadas do Norte do Piauí, de 1982, diz ser uma “edição especial, destinada à classe
médica”, ou seja, direcionada aos médicos, aquela edição não deveria ser vendida e circular
para qualquer um, mas ser destinada a um público bem específico.
Sob esse ponto, devemos considerar o momento histórico do pós-guerra, ou a segunda
metade do século XX, quando houve aumento do número de turistas no mundo e uma
“disponibilidade dos meios de transporte, e pela quantidade de pessoas que ganharam o
direito a férias renumeradas”, como afirma Herman Venegas. Houve então um “incremento
do número de turistas, em grande escala, [que] correspondeu ao crescimento da classe média,
público alvo desse turismo de massa”57. Este foi um movimento que se espalhou pelo mundo.
O apelo para o desenvolvimento do turismo é uma constante na escrita das matérias da
Revista Geográfica Universal. Uma atividade que por muito tempo, e ainda hoje, é
considerada como elemento de desenvolvimento social, cultural, econômico, ao levar
benefícios a determinados lugares propícios à atividade turística. Tais elementos
transformaram o Turismo, como constata Leila Aguiar, a “fonte de empregos e riqueza, como
56
Pelos títulos das matérias, percebemos as marcas geográficas que enunciam o espaço piauiense: Terras e
Águas do Delta do Parnaíba (1981); As Pedras Encantadas do Norte do Piauí (1982); A Promessa da Terra no
Vale do Gurguéia (1983); As Águas Prometidas do Delta do Parnaíba (1989).
57
VENEGAS, Hernán. Patrimônio Cultural e Turismo no Brasil em perspectiva histórica: Encontros e
desencontros na cidade de Paraty. 268 f. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, 2011.
141
um caminho para produzir mudanças sociais positivas, como garantia de conservação das
belezas do mundo e como mecanismo de intercâmbio cultural”.58 No Brasil, a atividade
turística, após a década de 1960, se tornou, segundo ela, um empreendimento capitalista com
alta lucratividade, pelo o qual se construiu um discurso sobre a geração de recursos oriundos
dessa atividade para a preservação do patrimônio cultural no Brasil. De tal modo, a autora
considera essa atividade como “um empreendimento capitalista organizado”.59
A evocação do passado, como por exemplo, da cidade de Parnaíba no tempo áureo do
comércio marítimo de charque e de gado, interligando o Norte do Brasil com a Europa, é
destacada nas matérias da revista:
58
AGUIAR, Leila Bianchi. Estado, turismo, cultura e desenvolvimento: organização empresarial e a construção
do consenso sobre a importância do turismo para o Brasil (1966-1988). Disponível em:
http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT1/GT1-LEILA.pdf Acesso em: 05.01.2016.
59
Idem., p. 05.
60
VASCONCELOS, Laércio. Terras e Águas do Delta do Parnaíba. Revista Geográfica Universal. Rio de
Janeiro: Bloch Editores, nº 77, abr. 1981, p. 53.
61
Sobre a concepção de “cidade-monumento” e cidade turística, Hernán Venegas acredita que essas
classificações se tornam elementos definidores para o processo de patrimonialização de cidades históricas.
142
62
Sobre o desenvolvimento do turismo no Piauí conferir: CORREIA, José de Anchieta. História da fundação da
PIEMTUR e a evolução do Turismo do Piauí. O Dia, 27 set. 2009. Disponível em:
http://www.portalodia.com/blogs/turismologia/historia-da-fundacao-da-piemtur-e-a-evolucao-do-turismo-do-
piaui-120068.html Acessado em: 07.11.2015.
63
AGUIAR; Leila. op. cit., [s.d], p. 08.
143
Ao voltarmos para concepção folclórica de Noé Mendes – que se centra nos elementos
básicos da estrutura social do piauiense, quando indica que estes se expressavam numa
“mentalidade dominante por demais mítica e nas manifestações do inconsciente coletivo de
maneira geral” 64 -, percebemos que essas características eram reforçadas pelas descrições das
cidades como enunciadas na edição de nº 77 da Revista Geográfica Universal:
Muitas são as histórias – ou lendas – que se ouvem por estes lados. Conta-se,
por exemplo, que foi em Tutóia que os fenícios desembarcaram, e daí
partiram para o Piauí, onde construíram as famosas e misteriosas Sete
Cidades. No entanto, todo esse potencial turístico de um Brasil ainda pouco
conhecido aguarda até agora o seu momento de ser explorado.65
Foi, justamente, nesse período, segundo observa Leila Aguiar, que houve uma
apropriação pelos setores turísticos, dos discursos de sustentabilidade dos estudos sobre
64
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit., 1977, p. 08.
65
VASCONCELOS, Laércio. Terras e Águas do Delta do Parnaíba. Revista Geográfica Universal. Rio de
Janeiro: Bloch Editores, nº 77, abr. 1981, p. 66.
66
VASCONCELOS, Laércio; LUBAMBO, Tadeu. As Pedras Encantadas do Norte do Piauí. Revista Geográfica
Universal. Rio de Janeiro: Bloch Editores, nº 95, out. 1982, p. 36-47.
144
ecologia, quando este “passou a ser utilizado inclusive com objetivos de promoção de
localidades turísticas onde estaria sendo realizado um turismo com responsabilidade em
detrimento do que ocorria, como aproveitamento econômico de forma racional para o
benefício das gerações futuras”.67 Nas páginas da Revista Geográfica Universal, o Piauí
aparece como exemplo de desenvolvimento preocupado com a preservação do meio-
ambiente:
67
AGUIAR, Leila Bianchi. op. cit. [S.d], p. 10.
68
VASCONCELOS, Laércio. op. cit. 1981, p. 51,54.
69
VASCONCELOS, Laércio; LUBAMBO, Tadeu. A Promessa da Terra no Vale do Gurguéia. Revista
Geográfica Universal. Rio de Janeiro: Bloch Editores, nº 100, mar. 1983, p. 68.
145
Deste modo, podemos inferir que se tratava de uma invenção que contemplava
subjetividades, possibilidades conjunturais e projetos de grupos específicos frutos da
história.71 É preciso percebemos os inventários históricos e sociais desse período que fazem
emergir uma imagem de cultura piauiense, de homem nordestino, com base nos elementos da
natureza ao reforçar a aproximação entre eles. Condições e possibilidades que fazem emergir,
nas páginas da Revista, características que chamam a atenção e são destacadas nas
tradicionais imagens do Nordeste como reservatório da natureza idílica e mais próxima do
tradicional homem do sertão, o vaqueiro.
70
NERY, Marina; LEITÃO, Ricardo. As Águas Prometidas do Delta do Parnaíba. Revista Geográfica Universal.
Rio de Janeiro: Bloch Editores, nº 172, mar. 1989, p. 89.
71
Sobre o conceito de invenção no campo da História, conferir: ALBURQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de.
História: a arte de inventar o passado: Ensaios de teoria da História. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2007;
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
146
Foto 02. Delta do Parnaíba. Revista Geográfica Universal, nº 172, mar. 1989, p. 87,90. Acervo
particular.
Foto 03. Noé Mendes apontando pinturas rupestres encontradas na região da cidade de Castelo.
Revista Geográfica Universal, nº 95, out. 1982, p 47. Acervo Particular.
147
Foto 04. Vaqueiros na Pedra do Castelo. Revista Geográfica Universal, nº 95, out. 1982, p. 36. Acervo
Particular.
Foto 05. Pedra do Castelo. Revista Geográfica Universal, nº 95, out. 1982, p. 39. Acervo Particular.
148
Foto 06. Plantação de algodão na região do vale do Gurguéia. Revista Geográfica Universal, nº 100,
mar. 1983, p. 69. Acervo Particular.
Foto 07. Vaqueiros no vale do Gurguéia. Revista Geográfica Universal, nº 100, mar. 1983, p. 71.
Acervo Particular.
149
Os detalhes na explicação feitas pelo folclorista se dão em razão de sua paixão pela a
arte dita “popular”. Noé Mendes foi um grande conhecedor e colecionador da arte piauiense.
Tamanho envolvimento com o tema, em finais da década de 1970, o estimulou a escrever um
72
VASCONCELOS, Laércio. op. cit. 1981, p. 55.
73
ALBURQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. op. cit. 2013, p. 49.
74
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1977, p. 35.
150
[...] tive o privilégio de visitar sua casa – verdadeiro museu de arte piauiense
– ouvindo-o contar e comentar a história de cada peça recolhida em suas
andanças. O mais emocionante era ver o brilho do olhar do Mestre do
Folclore piauiense, sentindo sua paixão por tudo o que faz parte de nossa
identidade cultural. Cada visita, cada conversa era uma lição. Noé me
contagiou com seu entusiasmo e estou certa, a muito outros amigos,
admiradores e alunos. A prova disto é a demanda por este livro.
Frequentemente aparece gente buscando ‘o livro do Noé’, uma das raras
coletâneas do folclore piauiense, feita com amor e fruto de pesquisa séria.76
O livro chegaria a sua 3ª edição graças a organização e atualização pelo filho mais
velho de Noé, o advogado Frederico de Freitas Mendes. A segunda edição tinha ficado a
75
Sua esposa, Maria Amélia Freitas Mendes de Oliveira, também professora do Departamento de Geografia e
História da UFPI, ingressaria no Mestrado de História da UFPE, com um projeto sobre as lutas do movimento da
Balaiada no Piauí, importante trabalho para a historiografia piauiense, dando continuidade as pesquisas já
iniciadas pelo historiador Odilon Nunes.
76
MENDES, Maria Cecília. Apresentação In: OLIVEIRA, Noé Mendes de. Folclore Brasileiro: Piauí. 3ª ed.
Teresina: Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves, 1999, p. 07.
151
cargo da amiga Verônica Maria Pereira Ribeiro, reeditado pela Universidade Federal do Piauí
em 1996. Sobre a coleção de arte do folclorista, Ribeiro nos informa:
Ele tinha uma grande coleção, era um grande colecionador, eu acho que os
meninos tiveram até problemas de como manter isso, de preservar isso, e
com a criação da Casa da Cultura, o acervo, uma parte do acervo dele, está
lá, na Casa da Cultura, é acervo pessoal dele como aqui na CAC também
tem, em regime de comodato.77
Noé Mendes como folclorista e grande colecionador da arte piauiense se inteirou nos
assuntos e debates pelo qual o artesanato foi sendo discutido no âmbito das instituições tanto
federal quanto estadual. Foi quando assumiu um projeto junto ao governo do estado, na gestão
de Lucídio Portella (1979 – 1983), para o estudo e divulgação do artesanato no Piauí. Sobre
esse momento, Edson Andrade na época colaborador de Mendes, assim se pronuncia:
Em 1979 e 1980 nós fizemos parte de um grupo, por indicação dele [Noé
Mendes], de um levantamento de artesanato, que era para a criação do
Programa de Desenvolvimento do Artesanato Piauiense (PRODART) no
governo do Lucídio Portella [...] e esse resultado gerou, dentro do Plano de
Governo do Lucídio Portella, que foi a criação do Programa de Artesanato
[...] esse trabalho foi desenvolvido no âmbito do Sistema Nacional de
Emprego (SINE). Essa equipe do SINE terminou por alguns colegas
trabalhando na criação do PRODART.78
77
RIBEIRO, Verônica Maria Pereira. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, out. 2014.
78
ANDRADE, Edson. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, out. 2014.
79
OLIVEIRA, Noé Mendes de. O Artesanato. Teresina: Secretaria do Trabalho e Promoção Social do Piauí,
[198?], p. 06.
152
O panfleto escrito por Mendes indica todas os locais do estado onde poderiam ser
encontrados os artesãos piauienses, suas oficinas, bem como os postos e locais de venda da
“arte popular”. Parte dessa ação em promover o artesanato dentro de Programa de emprego,
nos quadros do PRODART, desenvolvido pela Secretaria do Trabalho e Promoção Social do
Piauí está diretamente ligada ao Plano Nacional de Desenvolvimento do Artesanato – PNDA,
promovido pelo Ministério do Trabalho.
Embora as discussões do PNDA tenham sido gestadas e consolidadas na década de
1970, no Piauí suas ações seriam desenvolvidas somente na década de 1980, tendo à frente
diversas pessoas e intelectuais na área do trabalho e desenvolvimento social e especialistas do
assunto como o professor Noé Mendes, responsável pela divulgação dessa atividade dentro da
Secretaria de Trabalho no governo de Lucídio Portella, além de outros nomes, como Edson
Andrade, nos quadros do PRODART.
A visão do PNDA sobre o artesanato era de organizá-lo, enxergando-o como uma
“pequena indústria”81 que potencialmente deveria ser explorada. Para tanto buscava-se definir
o artesanato e promover profissionalmente ao artesão. O decreto que institucionalizou o
PNDA assim situava o Programa:
80
Idem.
81
PEREIRA, Carlos José da Costa. Artesanato: definições, evolução e ação do Ministério do Trabalho, o
Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato. Brasília: Mtb, 1979.
82
Diário Oficial. Decreto nº 80.098, de 08 de agosto de 1977.
153
Tal política buscava dar expressão nacional ao artesanato com enfoque para além da
artística cultural, mas como transformadora de rendas com geração de condições de trabalho,
como a promoção de aspectos turísticos e folclóricos “com reflexos, quer no congraçamento
quer na promoção de outros setores da economia, como o setor turístico; ordenação de
aspectos tributários, para uma atividade da qual participa significativa parcela da população,
com significativa renda potencial”.83 O PNDA operacionalizou uma lógica de
comercialização do artesanato, tentando organizá-lo em um sistema nacional, pelo potencial
de recursos que a atividade gerava.
O Panfleto sobre o artesanato do Piauí, seguiu o mesmo padrão de uma publicação
bilíngue do panfleto do PNDA sobre o artesanato brasileiro, ao tomar os elementos comuns
desenvolvidos pela prática dos artesãos. Assim era dividida a publicação: cerâmica; madeira;
rendas e bordados; metal; tapeçaria; cestaria e trançados; pedras; tecelagem; couro;
modelagem.84
Outra publicação de destaque sobre o artesanato brasileiro, foi o livro Artesanato
Brasileiro, editado pela FUNARTE em parceria com o Instituto Nacional do Folclore em
1978, com objetivos claros de se integrar ao debate nacional sobre o artesanato promovidos
naquele momento pelo Ministério do Trabalho. Essa foi uma das publicações de maior
sucesso promovida por aquelas instituições, sobretudo pelo padrão de qualidade do trabalho,
que contou com um rigoroso projeto gráfico e técnico. Os principais objetivos da obra eram:
83
GIUSTINA, Osvaldo Della. Concepções e diretrizes operacionais do PNDA In: PEREIRA, Carlos José da
Costa. op. cit. 1979, p. 138.
84
MINISTÉRIO DO TRABALHO. Artesanato Brasileiro. Brasília PNDA, 1980.
85
FUNARTE. Projeto do livro Artesanato Brasileiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, MEC, CDFB, 1978. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore. Biblioteca
Amadeu Amaral. Rio de Janeiro.
154
O trabalho teve um forte apelo imagético. O trabalho gráfico era de alta qualidade.
Contou com recursos da Funarte, do MEC e do Instituto Nacional do Folclore. A apresentação
da obra foi realizada pelo diretor da Funarte, Roberto Parreira. Os capítulos seguiram o
padrão das manifestações artesanais geralmente encontradas e catalogadas: cerâmica;
cestarias e trançados; madeira; rendas e bordados; metalurgia; tecelagem; aproveitamento de
outros materiais.86 Na especificação dos capítulos, o projeto sugeria que a edição deveria ser
assim organizada:
Ainda sobre esse debate do artesanato brasileiro, Noé Mendes representando a UFPI,
participou, em 1980, do I Simpósio Brasileiro de Artesanato, promovido pelo Programa
Nacional de Desenvolvimento do Artesanato (PNDA) e o Ministério do Trabalho. Outros
representantes do Piauí foram: Maria Noemy Sobreira Dias (Sistema Nacional de Emprego);
Padre Manuel Lira Parente (Fundação Ruralista); Iracy Freire Lopes e Elizabeth da Silva
Medeiros (Comissão de Assistência Comunitária).88 O discurso empregado pelo Ministro do
Trabalho, nesse Simpósio era o do artesanato como alternativa econômica:
86
FUNARTE. Artesanato Brasileiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, MEC, CDFB, 1978.
87
FUNARTE. Projeto do livro Artesanato Brasileiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, MEC, CDFB, 1978. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de Folclore. Biblioteca
Amadeu Amaral. Rio de Janeiro.
88
ANAIS DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DO ARTESANATO. Rio de Janeiro. 08 a 12 de setembro de 1980.
Brasília: MTB, 1980.
89
Pronunciamento do Ministro Murilo Macêdo. O artesanato como alternativa econômica In: ANAIS DO I
SIMPÓSIO BRASILEIRO DO ARTESANATO. Rio de Janeiro. 08 a 12 de setembro de 1980. Brasília: MTB,
1980, p. 39,40.
155
Apesar não ter concluído sua dissertação, Noé Mendes atuaria nesse debate
participando de encontros e publicando artigos e textos referentes ao aproveitamento do
artesanato para vencer a miséria do homem. Em 1985 outro encontro sobre temática, em
Teresina, organizado pela Secretaria de Industria e Comércio, Departamento de Promoção e
Comercialização Artesanal – DEPART e o PRODART, reuniu diversos representantes da
sociedade, congregados em torno do debate do artesanato e contou também com a sua
presença.90
Noé Mendes proferiu uma palestra cujo tema era “O artesanato e suas implicações
sócio, econômicas e culturais”91. Nesta fala, Noé distinguia a importância da produção
artesanal nos países superindustrializados como desempenho de seu desenvolvimento
econômico-social, enquanto nos países pobres o artesanato apresentava-se como alternativa
econômica de largos efeitos sociais. Esta era a principal ideia na qual centrava suas análises
sobre essa temática. O Encontro teve pouca repercussão, tendo concentrado ao todo somente
27 pessoas, das quais em suas propostas se esforçaram para apresentar as dificuldades em
trabalhar o artesanato pela falta de apoio dos órgãos institucionais responsáveis pela projeção
do artesanato no país, bem como nos estados e municípios.
Como entendedor da arte e do artesanato do Piauí, especialista dessa área, Mendes
participou também com um capítulo sobre a arte do Piauí, na publicação Brasil: arte do
Nordeste92, uma obra bilíngue, traduzida para o inglês, editada pela Spala Editora.93
O livro contemplou a arte de todos os estados do Nordeste. Sobre o Piauí, Noé não
fugiu do seu entusiasmo com a cultura piauiense. Ao longo do texto, percebemos um breve
relatório de suas pesquisas realizadas sobre o Piauí, desde a arte rupestre até a arte
considerada “erudita”, pois fica evidente a separação entre essa com a “popular” em sua
descrição, dividido nos tópicos “32 Mil Anos de Arte”; “Domínio do Fazer Popular”; “O
Domínio da Pintura” no qual privilegiava uma análise sobre as artes plásticas do piauiense.
90
Instituições representadas no encontro “Ouvir o fazer”: Secretaria de Industria e Comercio; Secretaria do
Trabalho e Ação Social; Sistema Nacional de Emprego; Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo, Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural- EMATER; Comissão de Assistência Comunitária – CAC, Fundação
Legião de Assistência – LBA; Fundação Projeto Rondon; Fundação Universidade Federal do Piauí; Centro de
Apoio à Pequena e Média Empresa do Piauí – CEAG; Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE e representantes de artesãos e lojistas instalados na Central de Comercialização do Artesanato
Piauiense.
91
ENCONTRO OUVIR O FAZER. Teresina: 29 a 31 de outubro de 1985. Arquivo de Noé Mendes de Oliveira.
92
OLIVEIRA, Noé Mendes de. A arte do Piauí/ The art of Piauí. In: Brasil: Arte do Nordeste/ Brazil: Art of the
Northeast. Rio de Janeiro: Spala Editora, 1986, p. 40-47.
93
Nos agradecimentos da obra observamos as seguintes instituições que colaboraram com o livro, no caso do
Piauí foram: Programa de Desenvolvimento do Artesanato do Piauí – Prodart e o Museu do Piauí, na pessoa da
Aurydéa Olympio de Mello. A obra agradece de modo especial ao Banco Bozano Simonsen e à Fundação Emílio
Odebrecht.
156
Neste texto, Mendes retomava a temática do meio-ambiente como marca que influencia a
produção artística do homem:
Este artigo, no geral, se trata de um resumo das produções textuais de Noé Mendes.
Aqui ele faz um balanço da arte do Piauí, ao apresentar inicialmente as pinturas rupestres e as
pesquisas iniciadas no sul do Piauí, na região de São Raimundo Nonato na década de 1970.
No texto Mendes destaca a importância do lugar por ter “revelado ao mundo um
incomensurável patrimônio cultural e artístico”.95 Enuncia os nomes mais importantes do
artesanato e destaca que estava se expressando, naqueles anos, como “um fenômeno
realmente inédito. São dezenas de artistas, homens simples com pouca ou nenhuma
escolaridade, geralmente de origem rural, mas capazes de extrair da madeira criações plásticas
de alto valor cultural”.96 Ao se referir à expressão artística do artesanato em madeira
produzidos no Piauí afirma:
94
Idem.
95
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1986, p. 41.
96
Ibidem.
97
Idem., p. 44.
157
fechada, como já vimos em sua análise na obra Folclore Brasileiro: Piauí. No texto “A arte
do Piauí”, Mendes reflete sobre o atraso que a “Província” gerou no desenvolvimento e
aprimoramento da pintura. Escreve um texto elaborando uma “história das artes” no Piauí,
relembrando os nomes e as experiências dessa expressão cultural:
98
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1986, p. 45.
99
Idem.
100
Idem, p. 46.
101
Idem.
158
A construção de Noé Mendes como crítico de arte “erudita” e popular do Piauí é uma
das formas que o caracteriza na memória de seus conterrâneos. O professor Felipe Mendes de
Oliveira ao observar a trajetória e a formação do seu irmão, assim afirma:
[...] ele tinha uma bagagem intelectual acima da média, falava vários
idiomas, italiano, alemão, francês, talvez espanhol, não sei, esses três pelo
menos ele sabia falar, como uma referência nessa área de cultura, não só
popular, mas também a clássica, ele que passou quatro anos na Europa, ele
deve ter tido oportunidades de conhecer a cultura clássica, enfim, da Itália, o
renascimento, onde ele morou muito tempo. Além de ele ter sido
seminarista, ter estudado no colégio Pio Brasileiro, com a oportunidade de
ter conhecido todas as obras de artes do Vaticano, que é um tesouro
incalculável.103
102
Idem.
103
OLIVEIRA, Felipe Mendes de. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, jul. 2013.
104
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1986, p. 46, 47.
159
do espaço geográfico e de elaboração de uma memória social, cultural e artística que pudesse
servir de base para a sua instituição como região, como afirma Durval Muniz.105
A última experiência de Noé Mendes em defesa do meio-ambiente, com relação a
preservação do Rio Parnaíba, se dá na década de 1980, novamente em uma expedição às
nascentes deste rio. Mendes recorre à iniciativa privada para a colaboração em seu
empreendimento:
A nossa balsa (aliás, de Alderaldo Corte dos Reis, o Seu Dé, 65 anos) tinha
doze metros de comprimento por três de largura e era composta por sete
feixes de talos e buriti, cada um com quarenta ou cinquenta toras. Estes
feixes são chamados de imbonos e ficam amarrados entre si por hastes de
madeira que recebem o nome de travessas. No centro da embarcação, sobre
as travessas, passa uma haste mais forte chamada espinhaço, e em cada lado
postam-se as costelas, elementos que completam a sua estrutura. Em cada
105
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. op. cit. 2006, p. 67.
106
OLIVERA, Noé Mendes. Carta à direção da FUJI. Teresina, 1985. Acervo pessoal de Noé Mendes de
Oliveira.
160
Os autores fazem menção ao nome antigo do rio Parnaíba, como rio Grande dos
Tapuios, uma referência histórica no Tratado Descritivo do Brasil, de Soares de Sousa
(1587), que foi rebatizado pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho com o nome de
sua vila natal Santana do Parnaíba.
Foto 08. Noé Mendes e os guias da expedição nas corredeiras do Parnaíba. Revista
Geográfica Universal, nº 192, nov. 1990, p. 107. Acervo Particular.
108
OLIVEIRA, Noé Mendes de; FILHO Alcide. As ameaças às nascentes do Grande Rio. Revista Geográfica
Universal. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1990, p. 118.
162
Foto 09. Registro do processo de desertificação no município de Gilbués (PI), denunciado pela “Expedição
Nascentes do Rio Parnaíba. Revista Geográfica Universal. Nº 192, ano 1990, p. 120-121.
A criação daquela área, pelo governo federal tornava “a esperança mais uma vez
renovada”, ainda que as medidas de proteção ainda permanecessem pouco claras, alertaram
para a necessidade de um acompanhamento técnico, pois a área estaria subordinada ao Ibama,
por ser uma área federal.
Notemos que muitas dessas medidas anunciadas pelos autores foram talvez o reflexo
de abertura política ocasionada na década de 1980, coincidindo com processo de
redemocratização no pais, um importante passo, na medida em que a sociedade civil se
organizou, quanto as reivindicações de proteção ambiental, como as ações da Associação
Piauiense de Defesa do Patrimônio da Comunidade, a Fundação Rio Parnaíba e a Associação
dos Biólogos. Este fato chama a atenção, como indica Angela Alonso, sobre os desafios que a
questão ambiental impõe à democracia, na medida em que o próprio processo de
109
OLIVEIRA, Noé Mendes de; FILHO Alcide. op. cit., p. 1990, p. 120.
163
Outra temática importante abordada por Noé Mendes em suas obras diz respeito a
percepção sobre o homem comum no seu espaço, a cidade. A reflexão do autor permite que
observemos alguns processos de condução da modernidade no Brasil e sua atipicidade,
especialmente, no que se refere às cidades rurais do sertão brasileiro, longe dos grandes
centros urbanos. Para abordar esse tema, Noé Mendes escolheu tratar as cidades de Santa
Cruz dos Milagres e Teresina, no estado do Piauí, e o povoado de Nazaré do Bruno,
localizado próximo a cidade de Caxias, no estado do Maranhão. Para narrar a cotidianidade
do homem comum no sertão do Brasil, Noé Mendes analisa as formas religiosas e culturais:
um catolicismo popular, distanciado dos dogmas da cúria apostólica romana para o caso
específico da cidade de Santa Cruz dos Milagres; a religião de matriz africana, expressa na
Umbanda e seus ritos, e o sincretismo religioso, na “cidade santa” de Nazaré do Bruno; e a
experiência do artesanato como uma forma de superar a miséria, no contexto de ocupação do
espaço urbano de Teresina.
Santa Cruz dos Milagres possui 3794 habitantes e está localizada a 180 km da capital
Teresina. A cidade é palco da maior romaria católica do Piauí, estado que é considerado o que
concentra a maior parte de católicos no Brasil. O fator que demarca essa tipicidade do
catolicismo local está reservado a adoração dos fiéis pela cruz em madeira, motivo de
devoção desde o século XIX. O folclorista Noé Mendes em visita a cidade, assim descreveu o
aspecto religioso do lugar, na década de 1980:
110
Tomamos o conceito de etnografia a partir da experiência de observação de Noé Mendes em comunidades
religiosas no Estado do Piauí e Maranhão e seu objeto de estudo do “artesanato como alternativa para vencer a
miséria”. Ambas as observações e registros do folclorista fazem parte de uma descrição da religiosidade
entendida como popular, bem como a prática do artesanato como elemento de sobrevivência dos pobres urbanos
na capital do Piauí.
164
Entre festa e peregrinação, podemos perceber a devoção dos romeiros à Santa Cruz
dos Milagres. O olhar e a descrição e representação do que vem a ser a cidade santa, para Noé
Mendes, o templo, a igreja, se constitui como um elemento forte de conexão entre a cidade, a
religião e os devotos. Santa Cruz dos Milagres se institui como centro que exerce um poder de
atração para diversas pessoas vindas de vários lugares, motivadas de modo principal, pelo
estimulo espiritual para compartilhar a crença do catolicismo popular típico no sertão
nordestino.
Há um capital simbólico em meio ao religioso, algo mediado entre o sagrado e o
profano ao passo em que o lugar sagrado é palco de peregrinação, purificação do corpo e da
alma e se constitui também como o espaço de comércio, venda e festa. Típicas feiras,
remontando a tradição colonial ainda no tempo presente. O lugar de que fala Noé Mendes, é
afirmado pelo historiador Durval Muniz representando “a balburdia, do falario [...] do
aglomerado de pessoas, pela multiplicidade de vozes [...] do mercado dos mais disparatados
artefatos para serem consumidos”. 112
111
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Santa Cruz dos Milagres In: O Piauí e a Cultura Popular. Teresina: Comissão
Piauiense de Folclore; FUNDAC, 1991, p. 33.
112
ALBUQUERQUE JÚNIOR, op. cit. 2013, p. 24.
165
A cidade de Santa Cruz dos Milagres se constitui como uma cidade santuário, onde
reflete em seus romeiros um objetivo particular, “pagar a promessa”, “reencontrar as amigas
distantes”, participar do festejo ao santo. Uma cidade santuário, que segundo Zeny Rosedahl
“são centros de convergência de peregrinos, que com suas práticas e crenças materializam
uma peculiar organização funcional e social do espaço. Este arranjo singular e/ou repetitivo
pode ser de natureza permanente ou apresentar uma periodicidade, marcadas pela
especificidade de cada centro de peregrinação”.113
A peregrinação nos moldes que Mendes apresenta em seu trabalho, é uma prática
religiosa que consiste em uma visita na qual o romeiro tem uma intenção particular,
constituída a partir da devoção.
O sentido de “pagar a promessa” do romeiro se caracteriza de forma bem ampla como
um ato de materialização do culto à Santa Cruz dos Milagres, no entanto, faz parte do
catolicismo popular, devendo ser compreendido em meio às injunções do tempo e das
segmentações socioculturais daquela sociedade. Neste sentido, a relação do devoto no
catolicismo popular se insere a partir da piedade e da “obrigação” pela graça alcançada. A
questão central dessa ritualização católica no sertão nordestino serve para explicar a relação
comercial proporcionada pela devoção.
Ao chegar à cidade santuário, o romeiro possibilita no em torno do espaço uma
movimentação de capital que sustenta a base econômica da localidade. Não só “paga” a sua
dívida com o santo, movimenta o comércio local a partir das feiras populares em torno da
113
ROSENDAHL, Zeny. O Sagrado e o Urbano: gênese e função das cidades. In: Espaço e Cultura. Rio de
Janeiro: UERJ, NEPEC, dez. 1996. p. 72
166
igreja, as pousadas e os hotéis ao hospedar grande contingente de devotos dos mais variados
lugares. Essa dimensão simbólica, religiosa e social foi analisada por Flavio Santos no âmbito
da relação comercial entre artigos de cultos africanos na Bahia do final do século XIX e início
do século XX. Afirma ele:
114
SANTOS, Flávio Gonçalves dos. Economia e Cultura do Candomblé na Bahia: o comércio de objetos
litúrgicos afro-brasileiros. 1850 / 1837. 289 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense,
Departamento de História, 2007. p. 219
115
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 2004.
116
SOUZA, Robério Américo do Carmo; SANTOS, Patrícia de Souza. Devoção, Festa e Mercado: Práticas de
Fé e Celebração em Santa Cruz dos Milagres, sertão do Piauí. Cadernos do Tempo Presente, Aracajú, n. 12, jun.
2013, p. 03.
167
Ainda nessa temática do sagrado, Noé Mendes tratou da “cidade santa” de Nazaré do
Bruno, uma comunidade rural localizada no município de Caxias (Maranhão), a 48 km da
cidade de Teresina. O folclorista apresenta as características do lugar, situando-a no espaço
que descreve como santo:
117
OLIVEIRA, Noé Mendes de. A Cidade Santa de Nazaré do Bruno. Teresina: [s.n.], [198?], p. 01
118
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. [198?], p. 02.
168
Na cidade existem grandes festas religiosas que reúnem multidões. Noé Mendes
aponta-nos algumas como as festas dedicadas à Nossa Senhora de Nazaré, no dia 15 de
setembro, a de Santa Barbara, no dia 4 de dezembro, a de Santo Antônio e São Pedro nos dias
12 e 19 de junho respectivamente. Cada festa se caracteriza pela devoção manifestada a partir
dos rituais e da forma como é celebrada:
Essas festas têm toda a estrutura tradicional: novenário com a reza do terço e
das ladainhas, com leilões do santo, terminando com a procissão. Em Nazaré
existe outro ingrediente: depois do leilão todos vão baiar no salão, ao som de
três grandes atabaques, triângulo e “pontos” (hinos). A festa de São Pedro
tem uma particularidade. No dia do santo, o povo se concentra logo cedo, no
grande pomar do Olho d´água dos Milagres para fazer o jejum e as orações
coletivas. Homens e mulheres, nos seus respectivos compartimentos fazem
as oblações rituais, para significar que estão se purificando de todos os
pecados. Ao meio dia, todos se sentam em esteiros ou sobre folhagens,
debaixo das mangueiras. As mães-de-santo servem a comida sagrada em
folhas de sambaíba. A comida é feita lá mesma no local e consiste em arroz
branco, batata doce e abobora. Depois desse almoço reza-se a ladainha e
todos podem se dispersar.120
119
Idem., p.07.
120
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. [198?], p.06.
169
Podemos observar que é na festa que se exprime o elemento que ajuda os homens a
suportar o trabalho, o perigo e a exploração, mas reafirma igualmente os laços de
solidariedade ou permite aos indivíduos marcar suas especificidades e diferenças, encontradas
na cidade Santa de Nazaré do Bruno como elementos desse mundo.
A leva migratória das décadas de 1960 e 1970 em Teresina originou-se não apenas do
interior do Piauí, mas também dos estados vizinhos do Maranhão e Ceará. Um movimento,
sobretudo campo – cidade, ocasionando um processo de urbanização conduzido pelo o Estado
170
População de Teresina
Ano Pop. Urb. % Pop. Rur. % Total
1970 181.062 82,12 39.425 17,88 220.487
1980 339.042 89,74 38.732 10,26 377.774
1991 556.911 92,93 42.361 7,07 599.272
Fonte: Censos Demográficos. IBGE, 1970, 1980, 1991.
121
LIMA, Antônia Jesuíta de. As multifaces da pobreza: formas de vida e representações simbólicas dos pobres
urbanos. Teresina: Halley, 2003, p. 46.
171
Enquanto esse mesmo povo usa a atividade artesanal como veículo de uma
comunicação cultural, onde se incluem valores estéticos, [há] uma nítida
afirmação de uma nacionalidade, de uma consciência regionalista. O
artesanato quer consciente ou inconsciente, deixa impresso nas peças que
produz traços de sua cultura. Tradições, crenças e toda uma simbologia
ficam marcadas em cada peça e é justamente nesta transposição que se
encontra o valor sempre procurado na peça artesanal: a marca da cultura
tradicional ou popular.124
122
OLIVEIRA, Noé Mendes de. O que é arte popular. Presença, Teresina, ano 04, n. 7, mar./jun. 1983, p.50.
123
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit., 1983, p.50.
124
Idem.
172
125
Idem.
126
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 51-52.
173
1
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Decreto nº 91.144, de 14 de março de 1985. Cria o Ministério da Cultura.
2
BOTELHO, Isaura. Romance de formação: FUNARTE e política cultural. 1976-1990. Rio de Janeiro: Edições
Casa de Rui Barbosa, 2001.
174
3
Raimundo Wall Ferraz nasceu em Teresina, 14 de março de 1932 — faleceu em São Paulo, 22 de março de
1995. Advogado, historiador e político brasileiro, foi vereador de Teresina (1955 – 1963); Deputado Federal
(1983 – 1985), e prefeito da cidade de Teresina por três mandatos (1975 até 1979, 1986 até 1989,1993 até 1995).
Foi professor do curso de História da Universidade Federal do Piauí.
4
FERRAZ, Eugênia. Entrevista. Cadernos de Teresina. Teresina, ano 10, n.24, p.71, dez. 1996.
5
Francisco Aci Campelo, presidente da Federação de Teatro Amador do Piauí nos informa que elaborou e
entregou ao candidato Wall Ferraz, em seu comitê de campanha, as reivindicações sugeridas por aquela entidade.
In: CAMPELO, Francisco Aci Gomes. Entrevista concedida à Valério Rosa de Negreiros. Teresina, out. 2014.
6
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Entrevista. Jornal da Manhã, ano 06, p. 08, 20 mai. 1986.
175
Criada sob o título de Fundação Cultural e não Secretaria de Cultura, o prefeito eleito
explicaria tal organização como uma estrutura “mais flexível e [...] sem os tramites
burocráticos que estrangulam qualquer órgão”.7 Além disso, propusera a instituição como um
campo aberto para todos que queriam fazer cultura na cidade. Posta sua denominação, o nome
era uma homenagem ainda em vida ao historiador Monsenhor Joaquim Chaves - pároco da
Igreja Nossa Senhora do Amparo - que havia prestado grande colaboração nas pesquisas e
produção historiográfica sobre o surgimento e formação da cidade de Teresina.8 A partir de
sua organização em regimento, se estabeleceram as finalidades da Fundação Cultural
Monsenhor Chaves:
7
FERRAZ, Raimundo Wall. Entrevista. Cadernos de Teresina. Teresina, ano 1, n. 2, p. 33, ago. 1987.
8
Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, mais conhecido como Monsenhor Chaves (Campo Maior, 9 de março de
1913 — Teresina, 8 de maio de 2007) foi um professor, historiador, religioso, escritor, biógrafo e sacerdote.
9
REGIMENTO Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Capitulo I, Da denominação, finalidade, sede e foro,
Art. 1º alíneas a- j, p. 01 e 02.
176
10
REGIMENTO Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Capítulo II, Art. 13.
11
REGIMENTO Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Capítulo III, Da Superintendência, Art. 14.
177
democratizar nossa cultura, fazer com que o povo, as associações dos bairros
sejam os próprios agentes de suas necessidades no plano cultural.12
Não é só ‘resgatar’, mas também dar condições para que esse patrimônio
cultural, depois de conhecido por mais pessoas, passe a ser estudado,
reelaborado. A documentação não deve ter somente a intenção de preservar,
mas também de documentar para conhecer melhor. Algumas dessas
manifestações estão a nível de extinção como é o caso do nosso ‘tambor-de-
12
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Entrevista. Jornal da Manhã. 20 mai. 1986, ano 06, p. 08.
13
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1986, p. 08.
14
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis - RJ: Vozes, 2009, p. 103-133.
178
Percebam que nesse contexto Noé Mendes toma o folclore como elemento do
patrimônio cultural. Uma associação comum desde as concepções de cultura popular
empregadas pelos estudos de Mário de Andrade nos anos de 1930, que contribuíram para o
debate do folclore e do patrimônio ao longo do século XX. Desse modo, essa concepção de
patrimônio enunciada por Noé Mendes, que observamos desde as descobertas das pinturas
rupestres na região da Serra da Capivara na década de 1970 até a implantação da FCMC em
1986, está ligada ao próprio processo histórico de construção do campo do patrimônio no
Brasil, bem como sua atuação nas políticas públicas “segundo a qual praticamente tudo pode
ser patrimonializado” como atesta Márcia Chuva.16 São ligações que consequentemente
associaram o patrimônio à cultura popular.
Conforme ainda esta autora, foi nas décadas de 1970 e 1980 – portanto, o mesmo
período histórico no qual essa investigação privilegia a trajetória intelectual de Noé Mendes -
que “a identidade nacional foi reconfigurada sofrendo transformações significantes. É nessa
conjuntura que ocorre a ampliação da noção de patrimônio cultural, em que novos objetos,
bens, práticas passam a ser incluídos ou a concorrer para se tornarem patrimônio cultural”17
portanto, dignos de serem preservados.
Retomar para a cidade de Teresina, o resgate do folclore como patrimônio, além dos
monumentos edificados, se insere no contexto apontado anteriormente. Especificamos, assim,
a partir da análise dessa democratização da cultura como foi proposta pela Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, quais foram as prioridades da cultura definidas pelo prefeito eleito Wall
Ferraz:
Fica claro para nós que gerir a cultura segundo as prioridades do então prefeito estava
intimamente ligada a um processo democrático, sem maiores “interferências”, ou seja, o
15
OLIVEIRA, Noé Mendes de. op. cit. 1986, p. 08.
16
CHUVA, Márcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. Revista do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, v. 34, p. 149, 2012.
17
Idem.
18
FERRAZ, Raimundo Wall. Entrevista. Cadernos de Teresina. Teresina, ano 1, n. 2, ago. 1987, p. 04.
179
19
PLANO DIRETOR FUNDAÇÃO CULTURAL MONSENHOR CHAVES (1986-1987).
20
Idem.
21
Idem.
180
22
Para mais detalhes conferir: MICELI, Sérgio. O processo de construção institucional na área cultural federal
(anos 70). IN: MICELI, Sérgio (org.). Estado e cultura no Brasil. São Paulo: Difel, 1984. p. 55 – 57.
23
Minuta apresentada pelo conselheiro Noé Mendes de Oliveira In PLANO DIRETOR DE CULTURA PARA O
ANO DE 1983. Conselho Estadual de Cultura: Teresina, 1983. Arquivo Pessoal de Noé Mendes de Oliveira.
181
cultural” em sua forma democratizada. Vejamos por exemplo o caso das artes plásticas, cujo
objetivo proposto pela FCMC era “despertar na comunidade a livre expressão criativa através
da pintura, desenho, escultura e gravura e promover iniciativas para estimular habilidades e
gosto pela arte”,24 ou ainda utilizar as danças “como meio de expressão e instrumento
pedagógico nas escolas e nas comunidades. Estimular os grupos de danças modernas e para-
folclóricas já existentes”.25 Segundo a concepção de reprodução cultural e reprodução social
conforme sugere Pierre Bourdieu, observadas nas relações da sociedade, podemos inferir que
a sistematização dessas atividades, agenciadoras de bens culturais em bens simbólicos:
[...] só podem ser apreendidos e possuídos como tais (ao lado das satisfações
simbólicas que acompanham tal posse) por aqueles que detêm o código que
permite decifrá-los. Em outros termos, a apropriação destes bens supõe a
posse prévia dos instrumentos de apropriação. Em suma, o livre jogo das leis
da transmissão cultural faz com que o capital cultural retorne às mãos do
capital cultural e, com isso, encontra-se reproduzida a estrutura de
distribuição do capital cultural entre as classes sociais, isto é, a estrutura de
distribuição dos instrumentos de apropriação dos bens simbólicos que uma
formação social seleciona como dignos de serem desejados e possuídos.26
Criar condições de acesso à cultura em seu plano de democratização era também dar
possibilidades à população de um desenvolvimento cultural, em que os agentes da cultura e do
poder político, mobilizam em sua prática os critérios aparentemente mais subjetivos, que
visam o modelo do “homem realizado” como sugere a lógica de Bourdieu.
Em 1987 aconteceu em Teresina o Encontro de Política Cultural no Piauí, nessa
reunião, Noé Mendes avaliou o primeiro ano de atividades da FCMC, demonstrando os
primeiros esforços de realização da cultura integrada como desencadeadora da
democratização da cultura. Neste momento, ele afirmou:
24
Plano Diretor Fundação Cultural Monsenhor Chaves. (1986-1987).
25
Idem.
26
BOURDIEU, Pierre. op. cit. 2007, p. 297.
182
31
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Entrevista. Jornal da Manhã. Teresina, ano 08, n 2344, 08 mai.1988.
32
Além da Construtora Poti que reformou o antigo Matadouro Municipal, outras empresas de Teresina
contribuíram em algumas ações de cultura da FCMC, tais como: VARIG, Antártica, Coca-Cola, Supermercados
Raul Lopes e Tatiaia, Software, Árvore Propaganda, Boutique Madona, Plug, Luxor Hotel e Servi-San. Cf:
Fundação Cultural Monsenhor Chaves – de onde vêm os recursos? Cadernos de Teresina, ano 1, nº 2, Teresina,
ago. 1987, p. 36.
33
LEI Nº 7.505, DE 2 DE JULHO DE 1986. Dispõe sobre benefícios fiscais na área do imposto de renda
concedidos a operações de caráter cultural ou artístico.
184
A Fundação Cultural Monsenhor Chaves era cadastrada, poderia assim receber esses
recursos. No entanto a lei era alvo de críticas quanto a sua aplicabilidade e burocratização,
pois também dependia muito do interesse das empresas em querer investir em ações culturais.
No caso particular do Nordeste, grandes empresas já recebiam incentivos fiscais através do
Fundo de Investimentos do Nordeste - FINOR, um benefício fiscal concedido na época do
Regime Militar, que apoiava financeiramente empreendimentos instalados ou que se
instalasse na área de atuação da SUDENE.34 A Lei Sarney foi revogada no governo seguinte,
do presidente Fernando Collor, assim como o próprio MinC, seria transformado em Secretária
de Cultura.
Além dos CIARTE’s, resumimos de maneira prática as atividades da FCMC desde sua
implantação em 1986 até 1988, ano em que Noé Mendes esteve à frente da Superintendência
da FCMC. Mapeamos as principais atividades, bem como as parcerias empregadas no
desenvolvimento dos projetos e ações:
I Festival de Música Popular 1986 FCMC / Clube de Jovens do bairro Lourival Parente
X Encontro de Folguedos 1986 Secretaria de Cultural, Desportos e Turismo;
Fundação Cultural do Piauí; Prefeitura de Teresina e
Fundação Cultural Monsenhor Chaves
I Festival de Quadrilhas da 1986 FCMC / Associação de Moradores de Teresina
cidade de Teresina
34
DECRETO-Lei nº 1.376, de 12/12/1974. Cria o Fundo de Investimentos do Nordeste – FINOR.
185
35
ABREU, Agenor Vieira de. Artesanato Rural: Técnicas preservadas. Cadernos de Teresina. Teresina, ano 2, n.
4, p. 51-52, abril de 1988.
186
Logo que implantada a Fundação Cultural Monsenhor Chaves, o prefeito Wall Ferraz
assinou sete decretos de tombamento de alguns prédios históricos da cidade, assim
distribuídos:
Nesse mesmo período, o Piauí já contava com um escritório do IPHAN iniciando suas
atividades no Estado. Este se tornou protagonista das ações de tombamento e salvaguarda,
além do próprio Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Cultural do Estado –
FUNDAC e seus tombamentos em nível estadual. No entanto, em nível municipal esse não foi
o momento para estabelecer uma política efetiva de preservação dos monumentos históricos
da cidade, o que ficou restrito somente aos decretos assinados pelo prefeito, associado ao
período de superintendência de Noé Mendes, frente à FCMC.
O Plano Diretor da FCMC, já estabelecia as ações a serem desenvolvidas no campo do
Patrimônio Cultural e Natural, como “promover exposições itinerantes de acervos
museológicos. Realizar exposições que possam reconstituir e valorizar a memória da cidade.
Realizar o cadastramento de monumentos arquitetônicos, artísticos e paisagísticos de Teresina
e do Município e seu consequente tombamento”.38
O único registro que conseguimos encontrar a respeito da relação memória e
patrimônio, foi a Exposição de aniversário de Teresina, realizada em agosto de 1987, com o
“Projeto Museu de Rua, exposição fotográfica da história da fundação de Teresina até o
presente”.39 A exposição contou com fotografias de Paulo Gutemberg e aquarelas de Heloisa
36
REGIMENTO Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Teresina. Art. 23.
37
Respectivamente: Decreto nº 700, de 08 de abril de 1986; Decreto nº 809, de 08 de maio de 1986; Decreto nº
810, de 08 de maio de 1986; Decreto nº 811 de 08 de maio de 1986; Decreto nº 812 de 08 de maio de 1986.
Decreto nº 813 de 08 de maio de 1986. Decreto nº 814 de 08 de maio de 1986.
38
PLANO DIRETOR DA FUNDAÇÃO CULTURAL MONSENHOR CHAVES (1986-1987)
39
UM museu na cidade em festa. Jornal da Manhã, 05 ago. 1987, ano 7, n. 2121, p. 05.
187
Cristina, cujas pesquisas foram realizadas por José Aírton Gonçalves e pela museóloga Selma
Duarte, e se constituiu numa retrospectiva da formação e evolução da cidade mostrando as
transformações paisagísticas que ela sofreu ao longo dos anos. Segundo a museóloga da
FCMC:
40
UM museu na cidade em festa. Jornal da Manhã, 05 ago. 1987, ano 7, n. 2121, p. 05.
41
ORGANIZAÇÃO da Estrutura Espacial de Teresina. Cadernos de Teresina, ano 1, nº 2, p. 14-16, Teresina,
ago. 1987.
188
42
ANDRADE, Edson. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de 2014.
43
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Mais um crime contra o patrimônio histórico de Teresina. [s.l.], 1986-1988[?].
189
A Fundação editou sua própria revista, batizada pelo professor Noé Mendes como
Cadernos de Teresina44, uma publicação quadrimestral, com o objetivo de “abrir o leque da
produção cultural aos teresinenses”.45 Lançada o primeiro número em abril de 1987, a
Cadernos de Teresina fazia parte do Plano Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves,
cujo propósito era incentivar a publicação de trabalhos literários e científicos de autores
novos, além de dinamizar a publicação de revistas e de boletins informativo.
Uma das primeiras revistas da cidade que contou com grande qualidade gráfica e de
editoração. Além de divulgar textos inéditos da produção intelectual de Teresina, também
divulgava as ações empregadas pela Fundação. A Cadernos de Teresina representou um novo
espaço de produção da intelectualidade de Teresina, principalmente de professores da
Universidade Federal do Piauí, que passaram a publicar resenhas e resumos das pesquisas
desenvolvidas naquela década de 1980, quando muitos deles, sobretudo do Departamento de
Geografia e História da UFPI, iniciavam suas pesquisas de pós-graduação, em nível de
mestrado e doutorado. Ainda naquele ano foram publicadas 03 obras46, tendo sido
posteriormente retomado o projeto na década de 1990, com o concurso “novos autores”,
publicando as dissertações e teses dos professores e alunos da UFPI.
Nós já vimos que o posicionamento de Noé Mendes com relação ao processo histórico
de formação do Piauí que legou, segundo o intelectual, o “complexo rural fechado” que
engendrou consequentemente o isolamento cultural ao longo do século XX. Quando pensou
em cultura integrada, Mendes queria inserir a cidade de Teresina nas atrações de destaques,
como acontecia nas outras capitais dessa região e, como exemplo, citava o Festival de Cinema
Brasileiro, realizado em Fortaleza no Ceará. No Maranhão havia uma presença bastante forte
nos eventos folclóricos e de corais. Em Sergipe comemorava-se o grande Festival de São
Cristóvão.
A medida que a FCMC foi se consolidando como produtora e gestora de cultura em
Teresina e abrindo novos espaços de diálogo entre as instituições da cidade, o trabalho da
equipe da Fundação ganhava respeitabilidade. Foi quando dentro dos quadros propostos de
realização dos eventos, pensou-se em realizar o I Festival Nordestino de Música Popular em
1988, na cidade.
44
O nome da revista Cadernos de Teresina pode ser associado à publicação da série Cadernos de Folclore
editada pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro no Rio de Janeiro.
45
FERRAZ, Eugênia. Apresentação. Cadernos de Teresina, ano 1, nº 1, p. 3, Teresina, abr. 1987.
46
ALBUM ARTISTICO COMERCIAL DO ESTADO DO PIAUÍ (1910). Teresina. FCMC, 1987; CHAVES,
Pe. Joaquim. Como nasceu Teresina. 2ª ed. Teresina: FCMC, 1987; NUNES, Odilon. Raízes do terceiro mundo.
Teresina: FCMC, 1987.
190
Noé Mendes acreditava que o isolamento cultural pelo qual passava Teresina em
relação às outras capitais do Nordeste, acabava por prejudicar as relações culturais do povo
teresinense, o que, portanto, deveria ser combatido como problema maior. Problemas
apontados já naquele Encontro de Política Cultural no Piauí realizado em 1987, em que uma
das propostas a ser debatidas em termos de Região Nordeste, esperava-se “maior interação
entre as instituições que administravam a cultura a nível de estado e da região nordeste
visando promoções conjuntas”.47
A diretriz da FCMC que funcionava como um roteiro de atuação da instituição, previa
ações que possibilitassem maior inserção de Teresina na cultura do Nordeste, ou seja, fazer
com que a cidade comungasse com aquilo que a identificava como pertencente também
àquela região. Desse modo foi proposto ao Superintendente Noé Mendes, o Festival
Nordestino de Música Popular - idealizado pela coordenadora de artes Janete Dias que
montara o projeto por meio do qual, pretendia tornar o festival uma atividade recorrente no
cenário cultural nordestino, a partir do momento em que iniciado em Teresina, percorreria ano
a ano todas as capitais da região, de maneira itinerante, até voltar a capital piauiense.48 Tal
projeto foi levado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Piauí, seguindo a
política de integração cultural entre as instituições do estado, de modo a viabilizar a proposta
e fazer um trabalho integrado a nível de região. O Festival contou com o incentivo do Banco
do Nordeste, que pela primeira vez financiava uma atividade daquele segmento no Piauí,
naquele período49. O apoio da UFPI possibilitou a aproximação com as outras universidades
da região, que aderiram a ideia do festival de música no Nordeste.
A proposta um tanto ousada para “pacata Teresina” não teve boa repercussão por parte
da Prefeitura, que naquele momento, achava prioritário permanecer com as atividades
culturais nos bairros da cidade, além da preocupação em gastar recursos com a realização do
Festival, o que de fato não aconteceria, em razão do patrocínio garantido pelo Banco do
Nordeste e o apoio da UFPI. Tal desencontro de interesses por parte da Prefeitura de Teresina
e a superintendência da FCMC, gerou desentendimentos.
Finalmente Noé Mendes conseguia pôr em prática a sua “política de cultura integrada”
- pensada desde sua primeira participação enquanto intelectual funcionário, no Departamento
de Assuntos Culturais do governo do estado na década de 1970 - e via essa como uma
47
Conclusões do Encontro, publicadas na revista Cadernos de Teresina, Ano I, nº 2, Teresina, ago. 1987, pag. 24
48
Informações obtidas nas entrevistas de Edson Andrade e Francisco Aci Campelo, concedidas a Valério Rosa
de Negreiros, Teresina, outubro de 2014.
49
ENTREVISTA Noé Mendes de Oliveira, Ana Monteiro e Edson de Andrade. Jornal da Manhã. Teresina, ano
08, n 2344, 08 mai.1988.
191
oportunidade de tirar o Piauí de seu isolamento cultural. No entanto foi desacreditado pela
prefeitura, particularmente com relação à realização do Festival. Este caso representou um
abalo para Noé Mendes, que via na Fundação um trabalho de grande importância de ação
cultural. De qualquer forma o evento não foi cancelado, recebendo o apoio da Secretaria de
Educação do Estado juntamente com os setores da Coordenação de Assuntos Culturais e pró-
reitoria de extensão da UFPI.
Para Noé, a única resposta que poderia justificar o posicionamento da Prefeitura
diante desse caso se resumiria talvez a um temor, devido às proporções que o Festival estava
tomando. Assim ele nos confessa:
50
ENTREVISTA Noé Mendes de Oliveira. A cultura é a base de todo desenvolvimento integrado de um povo.
Jornal da Manhã. Teresina, ano 08, n 2344, 08 mai. 1988.
51
Idem.
192
Festival, transferindo-o para a CAC na UFPI. A esse respeito, Aci Campelo, da coordenação
de artes, nos informa:
Aqui o artista tem que mendigar até uma ajuda oficial. Fruto dessa
defasagem estrutural. Nós aqui vivemos nessa dependência econômica do
primeiro mundo onde eles impõem padrões, que inclusive está destruindo a
nossa identidade cultural [...] O festival tem a sua parte passageira, mas tem
a parte que fica no sentido do intercambio, a reflexão que deixa uma letra de
música ou a própria situação da música no Nordeste atualmente. A pesquisa
que deve ser gerada em nível de discussão dos problemas nordestinos,
depois disso [...].54
52
ENTREVISTA de Francisco Aci Gomes Campelo concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro
de 2014.
53
ARTISTAS lançam nomes para a sucessão de Israel Correia. Jornal da Manhã. Teresina, ano 8, n. 2334.
54
ENTREVISTA Noé Mendes de Oliveira, Ana Monteiro e Edson de Andrade. Jornal da Manhã. Teresina, ano
08, n 2344, 08 mai.1988.
193
55
ENTREVISTA Noé Mendes de Oliveira, Ana Monteiro e Edson de Andrade. Jornal da Manhã. Teresina, ano
08, n 2344, 08 mai.1988.
56
O Festival contou com um corpo de jurados constituído por membros do corpo docente do Departamento de
Educação Artística e do Departamento de Letras da UFPI, na primeira fase da qual foram selecionadas 40
participantes, na segunda fase foram 20 classificados, resultando 10 para “finalíssima” a fase final, sendo
escolhidos os três primeiros colocados. Ao todo foram 225 músicas inscritas, dentre os 40 classificados 27 do
estado do Piauí e 13 dos demais estados, Sergipe, Ceará e Maranhão, além do Norte de Minas, que contou
também com participantes. Cf: DIVULGADAS relações de músicas selecionadas para o FENEMP. Jornal da
Manhã, agosto de 1988.
57
FERRAZ, Eugênia. Entrevista. Cadernos de Teresina. Teresina, ano 10, n.24, p.71, dez. 1996.
194
Noé Mendes se filiou ao Partido Democrático Social (PDS), sigla do irmão, deputado
federal Felipe Mendes. A partir desse fato, conseguimos apreender o posicionamento
partidário do intelectual, ainda que sua atuação no campo da cultura, tenha se configurado
como uma ação política, segundo a memória e os relatos daqueles que com ele trabalharam,
marcado na memória de seus amigos e assessores de campanha.
58
OLIVERA, Noé Mendes de. Panfleto de campanha para vereador da cidade de Teresina. Teresina, 1988.
Acervo Pessoal de Noé Mendes de Oliveira.
195
Logo depois disso haveria as eleições municipais e ele Noé saiu como
candidato a vereador. Já tinha um apoio da família. Nesse aspecto ele saiu
fortalecido, tanto que foi eleito vereador de Teresina, no ano seguinte. Foi
pelo PDS, que o irmão Felipe era deputado federal por esse partido. O Noé
até falou para o Felipe: “mas Felipe, eu não tenho nenhuma proximidade
com o PDS”, eram poucos os partidos. O Noé sempre esteve ligado a esse
processo oposicionista não é, e de uma hora para outra ele estava dentro de
um partido extremamente de direita, que era o PDS. Então o Felipe disse,
“mas comigo você já teria o apoio do Partido, da executiva e sairia
candidato” e foi o que ocorreu. Como vereador ele se voltou para os aspectos
da questão da zona rural. No aspecto eleitoral eu acho que foi ruim, pois na
zona rural parece que ele só teve 45 votos da zona rural, e a gente percorreu
essa zona rural toda, de Monsenhor Gil até Santa Teresa, mas isso não se
reverteu em votos. Nós temos que levar em consideração que aquela época o
59
CAMPELO, Francisco Aci. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de 2014.
60
Como nos aponta Elson Rabelo (2010), o folclorista e juiz Fontes Ibiapina foi um declarado defensor do golpe
e da ditadura em seus textos e contos.
196
voto ainda era de “cabresto”, então na zona rural tinha vereador que se elegia
só com os votos de determinado povoado. Para se ter ideia, tiveram alguns
colegas do Noé, por exemplo, colegas da Universidade que nem tinha
conhecimento que ele era candidato. Não se priorizou na campanha aqueles
segmentos da elite, intelectual de Teresina mesmo, de pedir voto.61
Noé foi eleito com 1080 votos, pelo Partido Democrático Social (PDS). Porém
esperava mais, em razão de uma campanha menos publicista e mais de contato pessoal com o
povo. Sua campanha se deu de maneira diferente das habituais. Não pregou cartaz pela
cidade, não apareceu no horário destinado ao seu partido na televisão, e nem tampouco
participou de comícios. Para ele tudo não passava de uma exposição desnecessária.62A
insatisfação com os números que o elegeram se justifica pelo fato de acreditar na sua
campanha que partiu principalmente de diálogos com a população, de bairro em bairro, nas
periferias e zona rural da cidade. As reuniões nos bairros com um número expressivo de
pessoas poderiam ter elegido com mais vantagens, porém Mendes declarou que entendia a
respostas das urnas:
Eu não participei de comícios, não subi em palanques, acho tudo isso uma
palhaçada ridícula [...] mas a gente não pode culpar a população. Ela já não
acredita mais nos políticos que passaram a vida prometendo, o resultado é
esse.63
Quando da sua rápida atuação como vereador, Noé Mendes se voltaria para as origens
do povo, ou seja, para o lado rural da “essência” que produzia as manifestações folclóricas,
aquelas vindas do campo. Sua preocupação com o crescimento populacional de Teresina,
ocasionado pelo êxodo rural, preocupava-o de maneira que suas prioridades seriam manter
esse homem no campo, e contribuir com ações que permitisse sua fixação na zona rural.
Assim Edson Andrade informa:
Então ele continuou, já eleito com essas ações na zona rural. Aqui na região
de Santa Teresa, ele tentou levar, era um grupo de pessoas que não tinha
água, ele deu apoio com canalização de água nas famílias. Ele tinha um
propósito muito grande para esses locais, que era voltado para o aspecto de
produção na zona rural, para manter o homem no campo, mas sobretudo
manter as manifestações culturais e que elas fossem disseminadas.
Infelizmente a doença o tirou disso. Um período muito curto enquanto
vereador e a maior parte do tempo ele esteve na enfermidade.64
61
ANDRADE, Edson. Entrevista concedida à Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de 2014.
62
CAMPANHA diferente elegeu Noé Mendes. Jornal da manhã. Teresina ano 08 nº 2519, 25 nov. 1988, p. 02.
63
Idem.
64
ANDRADE, Edson. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, outubro de 2014.
197
65
TERESINA. Projeto de Lei nº 11/89 reconhece de utilidade pública a Associação de Ação Comunitária do
Povoado São Francisco. Arquivo da Câmara Municipal de Teresina.
66
TERESINA. Projeto de Lei nº 23 de ago. de 1989 de autoria do vereador Noé Mendes de Oliveira. Reconhece
de utilidade pública a Cooperativa Mista Agropecuária da região de Teresina, Ltda., COMARTE. Arquivo da
Câmara Municipal de Teresina, 14 agosto de 1989.
67
CAMPANHA diferente elegeu Noé Mendes. Jornal da manhã. Teresina ano 08 nº 2519, 25 nov. 1988, p. 02.
198
proposta. Outras propostas encaminhadas e aprovadas por esta Comissão faziam parte de
assuntos semelhantes a esses, como o parecer favorável ao reconhecimento de utilidade
pública do Centro Educacional do Menor ‘ACEM’, o da Associação de Ação Comunitária do
Povoado São Francisco68 e projetos de lei orçamentários com aprovação para o orçamento
financeiro para a elaboração da Lei Orgânica do Município e contratação de serviços.
Quanto a experiência da vida política na memória de Felipe Mendes, a dinâmica e o
rigor político dos espaços institucionais na Câmara Municipal incomodavam Noé, que na
opinião do irmão, considerava que:
A experiência não foi boa para ele, não gostou da vida parlamentar de
vereador, ele agiu com independência, nas votações ele votava do jeito que
achava que tinha que votar, não por causa do partido, por sinal o meu
partido, e um partido que para ele era um pouco estranho, o PDS na época,
hoje o PP, mas ele se filiou ao PDS para me ajudar. Essa vida de vereador
para ele não foi prazerosa, eu tenho certeza que ele assumiu o mandato, mas
não era uma coisa do gosto dele, aquilo não era trabalho para uma pessoa
como ele, ficar no palanque, discursos, essas coisas [...] ele era maior que a
câmara, então ele não coube na câmara, de modo geral os vereadores
somados é que dão a câmara, ele sozinho era maior que a câmara.69
Portanto, mesmo com o curto espaço nessa experiência política, podemos perceber que
enquanto intelectual e funcionário autêntico da cultura, ele não coube nos espaços
institucionais políticos. Talvez a decepção ocasionada com sua demissão na Fundação
Cultural Monsenhor Chaves, tenha despertado a continuidade de desenvolver sua “ação-
cultura”, ainda que se voltando para os projetos sociais na zona rural. Esse momento nos
revela como o intelectual, na sua trajetória de folclorista, buscou no folclore a mediação entre
as estruturas e a prática das manifestações populares vinculadas a ideia de povo vinda do
campo. Enquanto agente cultural tentou mobilizar em sua prática os regimes que considerava
o piauiense.
Nessa questão da memória política de Noé Mendes, é curioso identificar os
posicionamentos nessa trajetória, pelos relatos e o reconhecimento dos amigos envolto da
atuação do folclorista enquanto oposicionista, mas em contradição, a afiliação de Mendes ao
partido de direita que foi o PDS.
Essa tensão entre memória e história exige de nós uma síntese, ao reconsiderar a
própria trajetória do indivíduo. O que demarca a sua principal característica ao se preocupar
com as camadas populares e suas manifestações culturais, envolto numa pauta mais
68
TERESINA. Projeto de Lei nº 11/89 reconhece de utilidade pública a Associação de Ação
Comunitária do Povoado São Francisco. Arquivo da Câmara Municipal de Teresina.
69
OLIVEIRA, Felipe Mendes de. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina, jul. 2013.
199
progressista, de modo que o dissociam da imagem de homem ligado aos setores da direita
institucional formada na década de 1980.
Após sua morte, foram concedidos espaços em memória da atuação do intelectual,
professor, folclorista, e entusiasta da cultura popular de Teresina e do Piauí. Ambientes que
que podemos definir como “lugares de memória” segundo o conceito de Pierre Nora 70, ao
considerar que para se tornar esse lugar da memória guardada, é necessário que haja uma
"vontade de memória", ou seja, na sua designação tenha uma intenção memorialista que
garanta sua identidade.
Nesse contexto, pós-mortem o antigo espaço dedicado à Coordenação de Assuntos
Culturais da Universidade Federal do Piauí, foi transformado em Espaço Noé Mendes –
UFPI, abrigando um teatro e salas dedicadas ao desenvolvimento de atividades culturais da
Universidade. Ainda nesta instituição, no Centro de Ciências Humanas e Letras – CCHL foi
dedicado o Auditório Noé Mendes – CCHL / UFPI, em homenagem pelas suas contribuições,
especialmente no departamento de Geografia e História desta Universidade.
No âmbito da cidade de Teresina, a prefeitura o homenageou com a Avenida Noé
Mendes no Bairro Dirceu Arcoverde, um dos bairros mais importantes da capital. Na sua
cidade natal, com a ajuda do irmão Felipe Mendes, foi construído o Centro Cultural Noé
Mendes da cidade de Simplício Mendes.
Neste sentido, consideramos as homenagens nos “lugares de memória” como uma
reconstrução seletiva feita a partir das necessidades do presente, a partir disso, se apresenta
como uma forma de luta contra o esquecimento da ação política-cultural de Noé Mendes de
Oliveira.
70
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, dez.
1993.
200
CONCLUSÕES
posição crítica quando o Estado que se distanciou do ideal de preservação dos bens
arqueológicos, ao promover o desenvolvimentismo, fato prejudicial para a cultura piauiense.
O destaque que observamos para a participação de Noé Mendes neste caso, ocorre pela
viabilização inicial desses estudos logo nos anos de 1970 e sua preocupação e estratégia de
agregar valor às pinturas, mesmo que não fosse inscrita no livro do tombo como patrimônio
arqueológico, caso que ocorreu posteriormente, já na década de 1990.
Pudemos observar ainda o processo de institucionalização do folclore no Piauí na
década de 1970 a partir da inserção de Noé Mendes de Oliveira nos debates propostos pela
CDFB no 7º Congresso Brasileiro de Folclore. Essa participação foi essencial para a inserção
do Piauí no debate nacional das discussões políticas e culturais do campo da cultura popular
na região nordestina.
A reorganização da Comissão Piauiense de Folclore foi possível a partir da inserção de
Mendes nesse campo enquanto secretário desta, ao passo em que se confunde no andamento
das atividades da Comissão a própria trajetória de seus membros, quando a diretora-executiva
da Comissão estadual sai do Departamento de Assuntos Culturais do Piauí, sendo criada a
Coordenação de Assuntos Culturais na Universidade Federal do Piauí, agregando Mesquita e
Mendes, ambos em torno da cultura popular, na UFPI. Essa mudança institucional rompe com
o andamento próprio da Comissão, a partir do momento em que atividades ligada ao folclore
serão desenvolvidas na CAC. Como observamos, o projeto de resgate do folclore da cidade de
Amarante, das danças folclóricas do Piauí, demonstra como a CAC assumiu as funções antes,
dedicadas pela Comissão Piauiense de Folclore.
Sobre a Série Folclore Brasileiro e sua organização, a análise da série permitiu
averiguarmos como o processo de elaboração editorial foi fundamental para tornar o folclore
uma manifestação preservada, a partir do momento em que são escritas e registradas as
manifestações da cultural popular. A definição de um sumário para a Série, conforme vimos,
fez parte de uma função regulada ao processo de construção histórica da Campanha de Defesa
do Folclore Brasileiro, ligada ao projeto de integração nacional pela cultura, estabelecida
entre as representantes estaduais do folclore.
Nesse processo identificamos o perfil dos folcloristas bem como as disputas entorno
da definição do folclore nacional e regional. Ao congregar a produção dos intelectuais autores
da Série e as manifestações regionais, se tentou forjar o folclore brasileiro como fator de
comparação, ao enquadrar sob a perspectiva de um folclore nacional. É nessa comparação
entre folclore nacional e regional que destacamos a presença de Noé Mendes, ao inserir o
202
Piauí no debate do folclore brasileiro e as disputas locais que fazem emergir uma noção de
folclore piauiense nordestino.
A piauiensidade enquanto característica pode ser percebida quando Noé Mendes em
sua obra Folclore Brasileiro: Piauí, se apropriou da noção de homem piauiense elaborada em
dois momentos. A primeira se estabelece a partir do vaqueiro do Piauí na obra Lira Sertaneja
de Hermínio Castelo Branco, obra do século XIX, ou ainda da imagem apropriada do
vaqueiro euclidiano retomada na obra A civilização do couro de Renato Castelo Branco, na
década de 1940. O folclorista buscou agregar ao “vaqueiro piauiense” os elementos típicos do
Nordeste, identificando esse homem num contexto nordestino.
Dessa forma, o folclorista buscou cristalizar uma identidade piauiense firmada
historicamente, sendo representada na literatura e (re) apropriada em sua obra editada pela
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro em 1977. As representações serão identificadas
também na década seguinte ao lançamento de sua obra, quando são mostradas nas páginas da
Revista Geográfica Universal, os marcadores geográficos que elucidam o piauiense numa
espacialidade identitária, definindo o que era o Piauí.
Outra marca que se sobressai na trajetória desse intelectual, é o seu constante interesse
pela defesa do rio Parnaíba, tendo realizado duas expedições exploratórias das margens das
nascentes desse rio. Tal fato permitiu identificarmos como Noé Mendes se constrói como um
defensor da causa ecológica no Estado do Piauí, a partir de seu envolvimento na preservação
das nascentes do “velho monge”.1
Não foge dessa construção da personalidade, a constituição de especialista da cultura
ao estabelecer definições e leituras da expressão artística piauiense. Para o intelectual era
necessário estabelecer novas formas de mostrar a arte piauiense, que por muito tempo foi
prejudicada pelo isolamento cultural do Piauí, marcado pelo processo histórico que formou
sua sociedade. Era preciso, segundo Mendes, se integrar à nação como forma de recuperar o
tempo perdido.
Já na década de 1980, podemos sugerir que a atuação de Noé Mendes na Fundação
Cultural Monsenhor Chaves buscou concretizar seu projeto de cultura integrada, no momento
de redemocratização política da cidade de Teresina. Essa atuação engendra um processo
cultural na cidade, sobretudo institucional de criação e difusão da cultura ao expandir
atividades culturais as populações mais carentes.
1
Outro topônimo comum ao rio Parnaíba.
203
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OLIVEIRA, Noé Mendes de Oliveira. Folclore Brasileiro: Piauí. 2ª ed. Teresina: UFPI,
1996.
OLIVEIRA, Noé Mendes de Oliveira. Folclore Brasileiro: Piauí. 3ª ed. Teresina: FCMC,
1999.
Cartas e Ofícios
CARTA de Bráulio Nascimento a Hildegardes Viana. Rio de Janeiro, dezembro de 1975.
Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional
de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Enviadas.
CNFCP/IPHAN.
CARTA de Bráulio Nascimento a Hildegardes Viana. Rio de Janeiro, 09 jun. 1980. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de
Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Enviadas.
CNFCP/IPHAN.
CARTA de Hélio Damante a Bráulio Nascimento. São Paulo, 17 fev. 1979. Arquivo
Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto Nacional de
Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Recebidas. CNFCP
/IPHAN.
CARTA de Niède Guidon. [São Raimundo Nonato], a Noé Mendes de Oliveira, [Teresina].
13/06/1988. Arquivo Pessoal de Noé Mendes de Oliveira.
CARTA de Renato Almeida a José Camilo da Silveira Filho. Rio de Janeiro, 05 de maio de
1952. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto
Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Expedidas.
CNFCP/IPHAN.
CARTA de Renato Almeida a José Camilo da Silveira Filho. Rio de Janeiro, 23 de setembro
de 1952. Arquivo Institucional da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e do Instituto
Nacional de Folclore alocado na Biblioteca Amadeu Amaral. Correspondências Expedidas.
CNFCP/IPHAN.
CARTA. Noé Mendes de Oliveira. [S.d], 1977, Teresina, [para] NASCIMENTO, Bráulio. Rio
de Janeiro.
CARTA. Noé Mendes de Oliveira. 08 mai. 1979. Recife, [para] NASCIMENTO, Bráulio. Rio
de Janeiro.
214
NASCIMENTO, Bráulio do. [Carta] 30 jun. 1978, Rio de Janeiro [para] Doralecio Soares,
Florianópolis, 01 p. Encaminha o texto Folclore Brasileiro: Santa Catarina.
OLIVERA, Noé Mendes. Carta à direção da FUJI. Teresina, 1985. Acervo pessoal de Noé
Mendes de Oliveira.
BRASIL. Decreto nº 50.744, de 5 de junho de 1961. Cria o Parque Nacional de Sete Cidades.
BRASIL. Decreto lei nº 56.747, de 17 de agosto de 1965. Institui o Dia Nacional do Folclore.
BRASIL. Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986. Dispõe sobre benefícios fiscais na área do
imposto de renda concedidos a operações de caráter cultural ou artístico.
PIAUÍ. Decreto nº 1416, de 17 de janeiro de 1972. Cria a Comissão para elaboração do Plano
Editorial do Estado.
Entrevistas
GUIDON, Niède. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros [E-mail]. Rio de Janeiro
(RJ), 25 de novembro de 2015, São Raimundo Nonato (PI), 30 de novembro. 2015.
OLIVEIRA, Felipe Mendes de. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina,
jul. 2013.
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Entrevista. Jornal da Manhã, Teresina, ano 6, p 08, 20 mai.
1986.
RIBEIRO, Verônica Maria. Entrevista concedida a Valério Rosa de Negreiros. Teresina (PI),
outubro de 2014.
OLIVEIRA, Noé Mendes de. Preservação do folclore no Piauí In: 7º Congresso Brasileiro de
Folclore. Brasília, DF: [s.n.], jan.1974. 1 disco digital, 42 min.: estéreo, congresso. CD0491/
v.09.
Jornais e Revistas
Cadernos de Teresina (1987 – 1996)
Cultura (1970)
Diário do Grande ABC (1979)
Folha de São Paulo (1976)
Jornal da Manhã (1986 – 1989)
O Dia (1970 – 1990)
Presença (1974 – 1988)
Revista Brasileira de Folclore (1970)
Revista Geográfica Universal (1975 – 1989)
Veja (1977, 1978)