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DESIGN E SOCIEDADE
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Adorno e Horkheimer (2006), a partir de uma análise sobre a sociedade técnica, entendem
por Iluminismo o itinerário da razão, que pretende racionalizar o mundo, tornando-o manipulável
pelo homem.
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Segundo Marx (2006), a alienação é uma condição objetiva, historicamente situada,
resultante do processo de divisão social do trabalho sob o capitalismo e da condição da
propriedade privada. É também uma condição subjetiva em relação à condição do homem sobre
ele mesmo. A condição do homem depende do trabalho e vice-versa, é alheia a ele.
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Design e sociedade
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Cenários panoramáticos: uma metodologia para projetação em design estratégico
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premissa equivale a uma visão de que o homem, pela racionalidade, não domina
a natureza e não domina o objeto. À luz da Teoria Estética, proposta por Adorno
e Horkheimer (2006), entende-se que o design, que surge como produto dessa
Indústria Cultural, de algum modo pode ser emancipado pela arte. A intenção,
como alerta Benjamin (2017, não é de uso da arte, pois implicaria a estetização
do design. A arte não pode ser vista como finalidade ou pela sua função social.
Por outro viés, Rancière (2005) entende a arte pela sua forma libertadora,
como um regime de partilha. O autor critica a visão de arte como um regime
figurativo, que educa e ensina pelo padrão figurado, e concebe-a como um modo
de ser (ethos) ou, ainda, como um regime poético ou representativo que organiza
as maneiras de fazer na sociedade. Para contrapor essa visão de arte como
regime figurativo ou representativo, Rancière (Ibid.) propõe um regime estético
da arte no qual a estética apresenta-se como um modo de ser específico da arte,
relativo ao modo de ser dos seus objetos. A estética, para Rancière (Ibid.), não
corresponde ao gosto ou ao prazer, mas é relativa ao sensível. Para esse autor, o
regime estético é o paradoxo da forma da própria arte, pois atenta contra todas as
formas. Portanto, a arte, como o design, poderia não ser somente a imitação ou
representação da realidade, como também poderia ser a criação e, sendo assim,
ela não representa o mundo, mas cria o seu mundo. Benjamin (2017), ao criticar
a estetização da política na arte, aponta para o regime figurativo e representativo,
para um regime que provoca o modo de ser, que ensina pela mimesis. Rancière
(2005) se contrapõe a essa premissa com a proposta de um regime estético, o que
marca a diferença da arte enquanto fim e meio. A arte na sua forma libertadora,
deve-se ser compreendida pelo regime estético, viés crítico adotado por Rancière
(Ibid.). Ou seja, o autor não alicerça sua perspectiva de arte sobre o uso que
faz dela, mas pela sua forma e os regimes que as sustentam.
Acrescenta-se que a arte tem na faculdade da imaginação a possibilidade
de criar aquilo que não existe, pois ela representa aquilo que não foi submetido
ao estado de dominação imposto pela racionalidade técnica (ADORNO, 1970).
Adorno (2004) observa que a arte, ao apresentar a imagem daquilo que não
equivale à realidade, cria no sujeito uma experiência estética que ultrapassa os
limites da racionalidade, permite a ele negar aquilo que o domina (a realidade),
portanto, o liberta. Nesse sentido, Benjamin (1992) propõe uma relação entre
Erfahrung (experiência) e Erlebnis (vivência) com os conceitos freudianos de
memória e consciência. A experiência é associada a uma memória, a um tipo de
produção de sentido, uma marca inscrita no sujeito. E a vivência cria no sujeito
uma consciência, um modo para lidar com o mundo moderno.
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Cenários panoramáticos: uma metodologia para projetação em design estratégico
Para Adorno (2004), a arte é a instância crítica que possibilita uma experiência
diferente daquilo que é imposto pela Indústria Cultural. A arte moderna é abstrata,
aponta para aquilo que não existe, para o novo, escapando a qualquer tentativa de
instrumentalização. Adorno (1970), então, confere à arte um caráter social, uma
forma de conhecimento e também de crítica à razão absoluta e ao totalitarismo.
Diferente da perspectiva de função da arte com caráter utilitário, objeto da crítica
de Benjamin (2017).
Desse modo, aproximar a arte e os processos de projetação em design pode
ser transformador, colocando o design no campo da imaginação e não somente
da representação. Essa proposta parte do princípio de que uma sociedade pautada
exclusivamente pela racionalidade técnica opera entre o pensar e agir e que, por
outro viés, pensar e sentir, ou sentir e pensar, seriam próprios de uma sociedade
pautada não apenas por essa racionalidade. O design implicado pela arte encontra
caminhos para alcançar uma sociedade humana além do Iluminismo, além da
dominação resultante da doutrina do Esclarecimento.
Nesse sentido, a projetação envolve uma ação reflexiva que critica a realidade
e, com potencial prático, age sobre essa realidade. Ao apontar a relevância da
relação entre arte e design, evidencia-se a possibilidade da transformação da
realidade em que a técnica prevalece para uma nova sociedade que a incorpora,
mas que não é dominada por ela. Se o design opera, por vezes, em uma lógica de
mercado, na qual sua autonomia é limitada pelos interesses econômicos, então ele
corre o risco de também tornar-se um produto da Indústria Cultural. Todavia, o
design pode ser emancipado dessa Indústria Cultural quando se aproxima da arte.
A arte é livre, emancipatória. Pela arte, resgata-se a estética, a ética e a política no
projeto de design. Ou seja, deve-se pensar em uma sociedade na qual o projeto de
design não seja orientado somente pela lógica de mercado, em que o lucro está na
centralidade das demandas, mas em uma sociedade na qual o sujeito sente, pensa
(sobre a própria realidade) e age (com ferramentas, tecnologias).
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Design e sociedade
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Essa dimensão estética da política, não é correlata à estetização da política, que Benjamin
critica, uma vez que a perspectiva de Rancière sobre a arte não é sobre o uso da arte, seu fim, mas
relativo ao regime estético que é um modo de ser da arte.
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Cenários panoramáticos: uma metodologia para projetação em design estratégico
a estética não está na forma, nem no objeto, mas no modo como percebemos o
mundo e também remete ao modo de ser específico da arte, à matéria do sensível
(RANCIÈRE, 2005). A estética, pela compreensão da partilha do sensível,
sustenta o modo de funcionamento da sociedade. A partir disso, Rancière (2009)
propõe pensar a estética pelo ato estético que, em particular, é caracterizado pela
introdução de objetos novos e heterogêneos ao campo social da percepção, no
comum. O ato estético é uma ação em que o sujeito percebe o mundo pelo sensível,
assim como o ato projetual é uma ação de projetação. Ao fazê-lo, o ato estético
afeta a experiência do sujeito de certa maneira: reorienta o espaço da percepção e
rompe as formas de pertencimento sociocultural arraigadas no mundo cotidiano.
Enquanto ato, ele representa a sua realização, sua ação, sua existência no mundo.
Sobre política, Rancière (1996, p. 372) a define como “o conjunto das atividades
que vêm perturbar a ordem [...]. Manifesta-se apenas pelo dissenso, no sentido mais
originário do termo: uma perturbação no sensível, uma modificação singular do
que é visível, dizível, contável”. Nesse sentido, a política que envolve um tipo de
ação está presente na projetação em design, assim como a estética, que envolve
a percepção do mundo sensível. Além disso, “antes de ser um conflito de classes
ou de partidos, a política é um conflito sobre a configuração do mundo sensível
na qual podem aparecer atores e objetos desses conflitos” (RANCIÈRE, 1996, p.
372). A realização da promessa política é o ato político e ambos (ato estético e ato
político) têm consequências que não são controladas ou programadas, segundo o
mesmo autor. Logo, o debate se torna profícuo para o design quando ganha o status
da prática, não apenas conceitual, e é ressignificado nos processos de projetação.
Ainda nessa reflexão, a ética, segundo Rancière (2005), equivale ao comum, à
maneira de ser do sujeito e do coletivo, relativa às formas de discursos e de práticas,
sob um ponto de vista consensual. Assim, o autor apresenta a ética enquanto ethos:
como modo de ser e viver, o que garante ao sujeito um vínculo com o entorno; e
ainda a ética enquanto princípio de ação, pelo viés social. A ética diz respeito ao
modo como a partilha do sensível se realiza, pela maneira como os sujeitos rela-
cionam-se. Por outro viés, a ética, em uma perspectiva kantiana, está relacionada
àquilo que se manifesta como uma exigência moral, como o homem deve agir.
Para Kant (1995), a ética não é determinada pelo princípio da motivação do sujeito,
mas é externa a ele, como lei universal. Assim como na estética, Adorno (1993)
contrapõe-se à perspectiva da ética kantiana; na obra Minima moralia, explica
que se deve aprender a lidar com a moralidade, a senti-la e, assim, a se apropriar
dela. Para Adorno (1993), a consciência moral interna no sujeito é despertada
pela experiência do corpo, pela sensibilidade. Por isso, ética, estética e política
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Design e sociedade
estão intimamente relacionadas, não pela noção de dever, como diria Kant, mas
pela dimensão do sensível, o que está de acordo com a proposta de Rancière. E
a ética é um modo de agir, sem dúvida, mas atrelado à percepção da dimensão
sensível. E mais: diferentemente do sujeito kantiano, que age motivado pelo dever
moral (externo a ele), o sujeito, em Adorno, é enfraquecido pela sociedade, no
entanto, pela experiência estética, e experiência com outros sujeitos, ele retoma
à sua subjetividade. Nesse resgate, a moral passa a ser uma operação interna do
sujeito, na relação entre o corpo (do sujeito) e o mundo.
Se o ato político representa a ação que perturba pela sensibilidade, o ato
estético é um modo de percepção do mundo pela dimensão sensível, e o ato ético
é um modo de agir despertado pela sensibilidade. Logo, os atos ético, estético e
político são emancipatórios, pois podem libertar o sujeito. A proposta não é dis-
sociar tais atos, mas, a partir da sua concepção como tal, colocá-los no horizonte
dos processos de projetação. Essa proposição é sintetizada pela Figura 2.
3/10/2021
Figura 2 – AtoDiagramas
projetualtese 2020.drawio
ÉTICA
EXPERIÊNCIA ESTÉTICA LIBERTA O SUJEITO
AÇÃO DESPERTADA
ATO ESTÉTICO
ATO POLÍTICO
PELO SENSÍVEL
ATO ÉTICO
DIMENSÃO SENSÍVEL
ESTÉTICA
ARTE
MODO DE SENTIR O
ATO PROJETUAL
MUNDO
POLÍTICA
AÇÃO QUE
PERTURBA O
SENSÍVEL
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Cenários panoramáticos: uma metodologia para projetação em design estratégico
Não se deve propor uma estética para o design ou uma política para o design,
pois há o risco de acabar em uma estética para a política do design, ou uma política
para a ética do design. A relação entre a arte e o design ocorre então pela implicação
dos atos éticos, estéticos e políticos com o ato projetual, em uma dimensão sensível.
Esse tipo de projetação é motivado pelo desejo de transformação sociocultural
que, pela imaginação, pode atuar na construção de novas realidades.
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