Sobre o Direito À Autodeterminação Das Nações: Lênin e Trotsky

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Fundamentos e princípios

do marxismo-leninismo-trotskismo

Sobre o direito
à autodeterminação
das nações
Coletânea de Textos
Lênin e Trotsky

PARTIDO OPERÁRIO
REVOLUCIONÁRIO
Índice

Apresentação.............................................................3
Lênin.........................................................................7
Os Kadetes e o problema da Ucrânia............................7
Como o bispo Nikon defende os ucranianos?................9
Socialismo e a Guerra . .............................................11
Ucrânia.....................................................................12
Ucrânia e a derrota dos partidos governantes
da Rússia..................................................................14
Manifesto ao povo da Ucrânia, com um ultimato
à Rada da Ucrânia.....................................................17
Resolução do CC do PC(b)R sobre o poder soviético
na Ucrânia................................................................19
Carta aos operários e camponeses da Ucrânia
em função das vitórias sobre Denikin........................23
Trotsky....................................................................31
A Questão Nacional...................................................31
A Questão Ucraniana.................................................37
Stalin, administrador interino da Ucrânia..................45



Apresentação

Este folheto faz parte da campanha do Comitê Enla-


ce pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI), da
qual o POR é uma de suas seções. Diante de uma guerra,
principalmente envolvendo duas potências militares, evi-
dencia-se o internacionalismo proletário, contraposto ao
imperialismo e as tendências nacionalistas burguesas e
pequeno-burguesas. A questão da autodeterminação da
Ucrânia, no momento, concentra o fundamental das for-
mulações do marxismo-leninismo-trotskismo.
Está claro que se trata de uma questão mais ampla,
que emergiu plenamente com a desintegração da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), concluída
em 1991. Na base da degeneração estalinista da URSS,
estiveram presentes as relações conflituosas entre a Repú-
blica Soviética Russa e as demais Repúblicas, em particu-
lar, as da Geórgia e Ucrânia.
Neste folheto, publicamos três documentos de Trotsky
– um de 1927, e dois de1939, sobre a necessidade de os
marxista-leninistas combaterem a existência da opressão
nacional nos marcos da URSS. Nota-se o completo alinha-
mento da Oposição de Esquerda e da IV Internacional com
as formulações de Lênin e com as práticas do bolchevismo.
Os demais escritos são de Lênin.

Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

Seguimos a ordem cronológica, começando pelos breves


textos de Lênin “Os Kadetes e o problema da Ucrânia” e
“Como o bispo Nikon defende os ucranianos”, ambos de
1913, portanto, redigidos quatro anos antes da Revolução
de Outubro. Consideramos de excepcional importância
histórica o documento “Carta aos operários e camponeses
da Ucrânia em função das vitórias sobre Denikin”, de de-
zembro de 1919.
O fundamento da autodeterminação e do direito democrá-
tico da nação oprimida de se separar desde sempre integrou
o programa da revolução proletária e do internacionalismo.
Ocupou um fundamental lugar na luta revolucionária, tan-
to contra a reação interna, quanto contra a intervenção do
imperialismo na Ucrânia. A unidade operária-camponesa
venceu o combate, e permitiu a libertação da Ucrânia e a
sua livre decisão de compor a nascente URSS.
Na presente guerra, a Ucrânia ocupa o epicentro do con-
fronto do imperialismo com a Rússia. É clara a contradi-
ção que desencadeou a invasão militar do país. Sem a real
independência, a Ucrânia se tornou instrumento dos Esta-
dos Unidos, da aliança europeia e da OTAN, para avançar
o cerco econômico e militar à Rússia. E, consequentemen-
te, motivo para a Rússia desfechar a guerra, pisoteando
o direito à sua autodeterminação. O povo ucraniano, que
não pode ser confundido com a oligarquia burguesa, que
auxiliou as forças de destruição da URSS, é vítima tanto
da opressão norte-americana-europeia, quanto da russa.
Qualquer que seja o desfecho da guerra, continuará vi-
gente a principal tarefa do povo ucraniano, em particular
do proletariado, de manter a luta pela autodeterminação e
integralidade territorial do país.
Esse fundamento programático tem guiado a campa-
nha internacionalista do CERQUI, concentrada nas ban-
deiras: desmantelamento da OTAN e das bases militares
dos Estados Unidos, revogação das sanções econômicas à
Rússia; autodeterminação, integralidade territorial e reti-
rada das tropas russas da Ucrânia.


Partido Operário Revolucionário

Lutar por essas bandeiras, de conjunto, significa lutar


pela unidade internacionalista do proletariado e dos de-
mais explorados. Somente por meio da luta de classes e
da organização independente dos explorados, é possível
transformar essa guerra de dominação em guerra de liber-
tação da Ucrânia, bem como de todas as nações oprimi-
das; e em guerra de emancipação dos explorados do capi-
talismo putrefato e de retomada das conquistas socialistas
da Revolução de 1917, entre elas, a fundação da URSS.

7 de abril de 2022
Atílio de Castro


Lênin

Os Kadetes e o problema da Ucrânia


Lênin, julho de 1913
Há muito tempo, a imprensa e a tribuna da Duma (por
exemplo, no discurso do social democrata Petrovski) referem-
se à completa indecência, o caráter reacionário e a insolên-
cia das manifestações de certos influentes kadetes (com o sr.
Struve à frente), em torno ao problema ucraniano.
Alguns dias atrás, encontramos no Riech, órgão oficial
do partido kadete, um artigo do sr. Mijaíl Moguilianski, co-
laborador regular do jornal, que não se pode passar por alto.
O artigo é uma verdadeira fustigação chauvinista contra os
ucranianos, por seu “separatismo”. “arriscado aventureiris-
mo”, “delírio político”, “aventura política”, são algumas das
expressões que abundam no artigo do sr. Mijaíl Moguilianski,
partidário imaculado de Nóvoie Vremia, que se oculta sob o
manto da “democracia”! Não obstante, o partido “democrata”
constitucionalista cobiça descaradamente este artigo, publi-
ca-o com simpatia e, com seu silêncio, aprova esse descarado
chauvinismo.
O próprio sr. Mijaíl Moguilianski assinala que o Congresso
de Estudantes de toda Ucrânia, realizado em Lvov, alguns


Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

social democratas ucranianos, emigrados ucranianos da Rús-


sia, falaram também contra a consigna de independência po-
lítica da Ucrânia, falaram contra o social democrata Dontsov,
que propôs a resolução sobre “uma Ucrânia independente”,
aprovada no Congresso pela maioria dos presentes, com dois
votos contra.
Assim, se deduz que nem todos os social-democratas
coincidiram com Dontsov. Mas os social-democratas que po-
lemizaram com ele esgrimiram argumentos próprios, discu-
tiram na mesma tribuna, e procuraram convencer o mesmo
auditório.
O sr. Mijaíl Moguilianski perdeu todo o sentido da elemen-
tar decência política, quando lançou contra Dontsov e contra
o Congresso de Estudantes ucranianos sua grosseira inves-
tida, tomada do léxico dos centurionegristas, sabendo perfei-
tamente que, a seus adversários, lhes era impossível refutar
as opiniões do Riech, que lhes era impossível falar diante de
um auditório russo, da mesma tribuna e com igual energia,
clareza e liberdade.
Nossos kadetes são democratas de fachada. E também
são aqueles que toleram, sem um irado protesto, semelhan-
tes impertinências dos kadetes. Os marxistas não se deixarão
levar jamais por consignas nacionalistas, sejam grã-russas,
polacas, judias, ucranianas e outras. Os marxistas não se
esquecem tampouco o dever elementar que tem qualquer de-
mocrata, de combater qualquer perseguição a qualquer nação
por seu “separatismo”, o dever de lutar pelo reconhecimento
da igualdade plena incondicional das nações, e de seu direito
à autodeterminação.
Podem defender opiniões diferentes acerca do que deve ser
essa autodeterminação em cada caso concreto, do ponto de
vista do proletariado. Pode e deve discutir-se com social–na-
cionalistas, como Dontsov, mas a nefasta perseguição ao “se-
paratismo”, a perseguição a pessoas que não podem defen-
der-se, é o cúmulo da sem-vergonhice da parte dos kadetes.
(Extraído das Obras Completas,
Lênin, tomo XX, Akal Editor)


Partido Operário Revolucionário

Como o bispo Nikon defende os ucranianos?


Lênin, 13 de setembro de 1913
Klevskaia Misl noticia que o bispo Nikon, direitista, depu-
tado da Duma do Estado, foi o primeiro a assinar o projeto
de lei, apresentado na Duma, sobre a escola e as associações
ucranianas.
O projeto de lei diz: “autoriza-se o ensino em idioma ucra-
niano nas escolas primárias, designar-se-á professores ucra-
nianos; implantar-se-á o ensino do idioma ucraniano e da
história da Ucrânia; não se perseguirão as associações ucra-
nianas, nem se as fecharão ´à vontade das autoridades, que
com frequência cometem uma descarada arbitrariedade´”.
Assim, pois, o bispo Nikon, membro do partido de Pu-
rishkiévich não gosta, em certos casos, da arbitrariedade.
O bispo Nikon tem toda a razão em supor que o problema
que coloca é “de extraordinária importância, e que afeta gra-
vemente os 37 milhões de ucranianos´, ao dizer que a ´rica,
bela, talentosa, florescente e poética Ucrânia está condenada à
degeneração, ao embotamento paulatino e à lenta extinção”.
O protesto contra a opressão dos ucranianos pelos grão-
russos é perfeitamente legítimo. Mas vemos com que argu-
mentos o bispo Nikon defende as reivindicações ucranianas:
“O povo ucraniano não procura essa decantada autono-
mia, a restauração de Siech Zaporózhkaia (nota do editor –
organização cossaca dos séculos XI e XVIII) ou algo do estilo;
os ucranianos não são separatistas (...). Os ucranianos não
são gente de origem estrangeira; são dos nossos, irmãos de
sangue, e como tais não devem sofrer nenhuma limitação a
respeito de seu idioma e do desenvolvimento de sua cultura
nacional. De outro modo, nós equiparamos a nossos irmãos
com eles, os judeus, polacos, georgianos e outros que são re-
almente de origem estrangeira”.
Assim, tudo se reduz a isso: o bispo ucraniano Nikon e ou-
tros que pensam como ele pedem aos latifundiários grão-rus-
sos que concedam privilégios aos ucranianos, baseando-se
em que eles são seus irmãos, enquanto os judeus são gente de


Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

origem estrangeira! Ou seja, falando simples e francamente:


porque os judeus e outros são de origem estrangeira, estamos
de acordo em oprimi-los, se vocês nos fazem concessões.
É o conhecido quadro de defesa da “cultura nacional” por
todos os nacionalistas burgueses, dos centurionegristas aos
liberais, e ainda, aos nacionalistas democratas burgueses!
O bispo Nikon se nega a compreender que não se pode
proteger da opressão os ucranianos, se não se protege de toda
a opressão, sem exceção, os demais povos, se não se apaga
por completo da vida do Estado o conceito de “gente de origem
estrangeira”, e se não se apoia na plena igualdade de direitos
de todas as nacionalidades. Não se pode proteger ninguém
da opressão nacional, se não se põe em prática, de maneira
consequente, a mais ampla autonomia local e regional, e o
princípio de que todos os assuntos do Estado devem solucio-
nar-se de acordo com a vontade da maioria da população (isto
é, o princípio da democracia consequente).
Para o bispo Nikon, a consigna de “cultura nacional” para
os ucranianos não significa outra coisa que a difusão das
ideias dos centurionegristas em idioma ucraniano; é a con-
signa da cultura ucraniana clerical.
Os operários politicamente conscientes compreenderam
que a consigna de “cultura nacional” é um engano clerical ou
burguês, tanto se se refere à cultura grã-russa, como à ucra-
niana, judia, polaca, georgiana, ou qualquer outra. Faz 125
anos, quando a nação não se havia dividido ainda em burgue-
sia e proletariado, a consigna da cultura nacional podia ser
um chamamento unitário e integral à luta contra o feudalis-
mo e o clericalismo. Mas, desde então, a luta de classes entre
a burguesia e o proletariado teve impulso em todas as partes.
A divisão da nação “unida” em exploradores e explorados se
converteu em um fato consumado.
Da cultura nacional em geral somente podem falar os cle-
ricais e a burguesia. Os trabalhadores somente podem falar
da cultura internacional do movimento operário mundial.
Essa é a única cultura que implica a plena, efetiva e since-
ra igualdade das nações, a inexistência da opressão nacional

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Partido Operário Revolucionário

e o exercício da democracia. Somente a unidade e a fusão


dos operários de todas as nações, em todas as organizações
operárias, na luta contra o capital, conduzirá à “solução do
problema nacional”.
(Extraído das Obras Completas,
Lênin, tomo XX, Akal Editor)

Socialismo e a Guerra
Lênin, julho-agosto de 1915

2) Direito das nações à autodeterminação.


“(...)
“Os socialistas não podem alcançar o seu grande objetivo,
sem lutar contra toda a opressão das nações. Por isso, devem
exigir obrigatoriamente que os partidos social-democratas dos
países opressores (particularmente os das chamadas ´gran-
des´ potências) reconheçam e defendam o direito das nações
oprimidas à autodeterminação, e precisamente no sentido po-
lítico da palavra, isto é, o direito à separação política. Um so-
cialista de uma grande potência ou de uma nação detentora
de colônias que ¬não defenda esse direito é um chauvinista.
A defesa desse direito, longe de estimular a criação de pe-
quenos Estados, leva, pelo contrário, à formação mais livre,
mais ousada e, portanto, mais ampla e extensa de grandes
Estados e de federações de Estados, mais vantajosas para as
massas e em consonância com o desenvolvimento econômico.
Os socialistas das nações oprimidas, por sua vez, devem
lutar, incondicionalmente, pela plena unidade (incluindo a
unidade orgânica) dos operários das nacionalidades oprimi-
das e das nações opressoras. A ideia da separação jurídica de
uma nação de outra (a chamada ´autonomia nacional cultu-
ral`, preconizada por Bauer e Renner) é uma concepção rea-
cionária.
O imperialismo é a época de crescente opressão das nações
de todo o mundo por um punhado de ´grandes´ potências, em
virtude do qual a luta pela revolução socialista internacional

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Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

contra o imperialismo é impossível, se não se reconhece o


direito das nações à autodeterminação. `Um povo que oprime
outros povos não pode ser livre´ (Marx e Engels). Um pro-
letariado que aceite a menor violência de ´sua´ nação sobre
outras nações não pode ser socialista”.

Ucrânia
Lênin, 15 de junho de 1917
O fracasso da política do novo governo provisório, de coa-
lizão, se destaca cada vez mais claramente. A ´Ata Universal`,
relativa à organização da Ucrânia, publicada pela
Rada Central da Ucrânia, aprovada em 11 de junho de
1917, pelo congresso do exército de toda a Ucrânia, é uma
revelação direta dessa política, e uma prova documental de
seu fracasso.
Sem separar-se da Rússia, sem desprender-se do Estado
russo – se diz na referida Ata – o povo ucraniano deve ter
direito a dispor de sua própria vida em sua própria terra...
Todas as leis pelas quais se determine a ordem na Ucrânia,
somente poderão ser promulgadas por essa Assembleia ucra-
niana. Por sua vez, as leis que determinam a ordem de todo
o Estado russo, deverão ser promulgadas pelo Parlamento de
toda a Rússia.
São palavras perfeitamente claras. Nelas se declara, com
toda precisão, que o povo ucraniano não quer separar-se da
Rússia no momento atual. Exige a autonomia, sem negar a
necessidade da autoridade suprema de um ´Parlamento de
toda a Rússia´. Nenhum democrata, e muito menos um so-
cialista, se atreverá a negar o direito da Ucrânia de separar-
se livremente da Rússia. Somente o reconhecimento absoluto
deste direito nos permite defender a livre união entre os ucra-
nianos e os grão-russos, pela associação voluntária dos dois
povos em um só Estado. Somente o reconhecimento absoluto
desse direito pode romper, na prática, completa e irrevogavel-
mente, com o maldito passado czarista, em que se fez de tudo
para causar o distanciamento mútuo dos dois povos tão afins

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Partido Operário Revolucionário

pelo seu idioma, seu território, seu caráter e sua história. O


maldito czarismo transformou os grão-russos em verdugos do
povo ucraniano, e fomentou este o ódio contra os que chega-
ram até a proibir as crianças ucranianas de falar e estudar
em sua língua materna.
Os democratas revolucionários da Rússia, se querem ser
verdadeiramente revolucionários e verdadeiramente demo-
cratas, devem romper com esse passado, devem reconquistar
para si mesmos, para os operários e camponeses da Rússia, a
confiança fraternal dos operários e camponeses ucranianos.
E isso não pode se conseguir sem o pleno reconhecimento dos
direitos da Ucrânia, inclusive o direito da livre separação.
Nós não somos partidários dos Estados pequenos. Esta-
mos pela mais estreita união dos operários do mundo contra
os ´próprios´ capitalistas e dos demais países. Mas precisa-
mente para que a união seja voluntária, o operário russo, que
não confia por um minuto na burguesia russa ou na burgue-
sia ucraniana, defende hoje o direito dos ucranianos à sepa-
ração, sem impor-lhes sua amizade, sem esforçar-se por con-
quistar sua amizade ao trata-los como iguais, seus aliados e
irmãos na luta pelo socialismo.
***
Riech, o jornal dos enfurecidos contrarrevolucionários
burgueses, que estão quase loucos de raiva, ataca selvage-
mente os ucranianos por sua ´arbitrária´ resolução. Diz que
´a conduta dos ucranianos ´é um atentado direto contra a
lei, que exige a aplicação imediata de rigorosos e legítimos
castigos´. Voltar todo comentário contra esse ataque dos sel-
vagens contrarrevolucionários burgueses. Abaixo a burguesia
contrarrevolucionária! Viva a livre união dos camponeses e
operários livres da livre Ucrânia com os operários e campone-
ses da Rússia revolucionária!
(Extraído das Obras Completas,
Lênin, tomo XXVI, Akal Editor)

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Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

Ucrânia e a derrota dos partidos governantes da Rússia


Lênin, 17 de junho de 1917
Os partidos governantes da Rússia, isto é, os Kadetes, que
possuem a maioria no governo e o poder total do capital na
economia, e os Socialistas Revolucionários (eceristas) e Men-
cheviques, que possuem atualmente a maioria indiscutivel no
país (mas que são impotentes dentro do governo e na eco-
nomia capitalista do país), todos eles sofreram uma derrota
evidente na questão ucraniana, mais ainda uma derrota em
escala nacional em um importantíssimo problema.
Os eseristas e os mencheviques toleraram que o governo
provisório dos Kadetes, isto é, da burguesia contrarrevolucio-
nária, não cumprisse o seu dever democrático elementar, não
declarando que está pela autonomia da Ucrânia e seu direito
de se separar livremente. Os ucranianos, segundo informa
hoje o ministro Chernov no Dielo Naroda, exigiram muitíssi-
mo menos. Somente queriam `que o governo provisório procla-
masse em um documento especial que não se opõe ao direito
do povo ucraniano à autonomia´. Uma exigência que não pode
ser mais modesta, nem mais legítima. Igualmente modesta
são as outras duas exigências: 1) A Ucrânia elegerá, por meio
de seu povo, um representante diante do governo central da
Rússia. Mostra a modéstia dessa exigência o fato de que, em
1897, os grão-russos formaram 43 por cento da população da
Rússia, e os ucranianos, 17 por centro; isto é, que os ucrania-
nos poderiam pedir, não um dos 16 ministros, mais seis! 2) a
Ucrânia terá “um representante do governo central da Rússia,
eleito pela população local”. Pode existir algo mais legítimo?
Com que direito se atreve um democrata a infringir esse prin-
cípio, provado pela teoria e confirmado pela experiência das
revoluções democráticas, segundo o qual `nenhum funcioná-
rio para a população local deve ser designado desde cima?´
Ao se opor a essas exigências, tão modestas e legítimas,
o governo provisório deu prova de um descaramento inédito,
de uma insolência selvagem por parte dos contrarrevolucio-
nários, de uma verdadeira manifestação da política grã-russa

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Partido Operário Revolucionário

´de Derzhinmorda´ (nome de uma polícia da comédia El ins-


petor, de N. Gógol – nota). Os eseristas e mencheviques zom-
baram de seus próprios programas partidários, ao tolerarem
semelhante conduta do governo, e agora o defendem em seus
jornais! Até que ponto de degradação chegaram os eseristas
e mencheviques! Que deploráveis são hoje os subterfúgios de
seus órgãos Dielo Naroda e Rabóchaia Gazeta!
Caos, confusão, ´leninismo no problema nacional´, anar-
quia: tal é a gritaria, própria de um proprietário de terra de-
saforado, que ambos os jornais lançam aos ucranianos.
Deixemos a gritaria. Qual é a essência de seu argumento?
Até que se convoque a Assembleia Constituinte, não é
possível determinar, “formalmente”, as fronteiras da Ucrânia,
nem sua liberdade, nem seu direito de receber impostos, etc.
etc.: eis aqui o seu único argumento. Exigem uma ´garantia
de normalidade´: nessa expressão do editorial de Rabóchaia
Gazeta reside toda a essência do argumento.
Mas isso, senhores, é uma evidente mentira, uma expres-
são do descaramento da parte dos contrarrevolucionários; es-
grimir semelhante argumento significa praticamente ajudar
os verdadeiros traidores e renegados da revolução!
´Garantias de normalidade´... Pensem somente um segun-
do nessas palavras, em nenhuma parte da Rússia, nem no
governo central, nem em nenhuma instituição local (prescin-
dindo de uma pequena instituição: as dumas do distrito de
Petrogrado) existem garantias de normalidade. Na ciência, cer-
tamente, não há normalidade. Na ciência, certamente, não há
normalidade na existência da Duma do Estado, nem do Con-
selho de Estado. Na ciência, certamente, não há normalidade
na composição do governo provisório, pois, sua composição é
uma burla à vontade e à consciência da maioria dos campone-
ses, operários e soldados da Rússia. Na ciência, certamente,
não há normalidade na composição dos sovietes (de deputados
operários, camponeses e soldados), pois, até hoje, estas insti-
tuições não estabeleceram garantias para a estrita plenitude
e a estrita democracia das eleições. Sem dúvida, isso não im-
pede que nosso partido e a massa de operários e camponeses

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Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

considerem os sovietes, até agora, como a melhor expressão


da vontade da maioria da população. Não há, em nenhuma
parte da Rússia, nem pode haver, nem haverá jamais, em mo-
mentos revolucionários como os atuais, ´garantias de normali-
dade´. Todos entendem assim, e não pode ser de outro modo:
todo mundo compreende que é inevitável que seja assim.
Somente para a Ucrânia, ´nós´ exigimos ´garantias de nor-
malidade´.
O medo, senhores eseristas e menhcheviques, os parali-
sa e faz ceder diante dos alaridos contrarrevolucionários dos
proprietários de terra e capitalistas grão-russos, capitanea-
dos por Rodzzianko, Miliukov, Lvov, Teréschenko, Nekrásov,
Shingariov e Cia. São já a imagem perfeita de gente intimida-
da pelos nascentes (´e ascendentes´) Cavaignaic.
Não há nada de terrível, não há nem sombra de anarquia,
nem de caos nas resoluções e exigências dos ucranianos.
Atendam essas exigências perfeitamente legítimas e modes-
tas, e na Ucrânia terá uma autoridade tão efetiva como nas
demais partes da Rússia, onde a única autoridade são os so-
vietes (que não possuem ´garantias de normalidade´!). A ´ga-
rantia de normalidade´, diante de todos os problemas, e não
somente diante dos problemas ucranianos, se dará a vocês e
a todos os povos da Rússia os futuros parlamentos, a futura
Assembleia Constituinte, pois, hoje, com toda segurança, não
existe na Rússia ´normalidade´ diante de nenhum problema.
Atendam o pedido dos ucranianos, ordene a razão, pois, de
outro modo, as coisas piorarão; pela força, não conseguirão
conter os ucranianos, mas somente irritá-los. Atendam o pe-
dido dos ucranianos, e aplainarão o caminho para a mútua
confiança entre ambas nações, para sua aliança fraternal so-
bre a base da igualdade!
Os eseristas e os mencheviques, como partidos governan-
tes, têm sofrido uma derrota no problema ucraniano, porque
se deixaram levar pelos Kadetes contrarrevolucionários, tipo
Cavaignac.
(Extraído das Obras Completas,
Lênin, tomo XXVI, Akal Editor)

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Partido Operário Revolucionário

Manifesto ao povo da Ucrânia, com um ultimato


à Rada da Ucrânia
Lênin, 3 de dezembro de 1917
Levando em conta os interesses da unidade e da união
fraternal dos operários e das massas trabalhadoras e explo-
radas, que lutam pelo socialismo; e levando em conta o reco-
nhecimento destes princípios em numerosas resoluções dos
organismos da democracia revolucionária, dos sovietes e, em
particular, do II Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, o
Conselho de Comissários do Povo, governo socialista da Rús-
sia, confirma, mais uma vez, o direito à autodeterminação de
todas as nações que foram oprimidas pelo czarismo e pela
burguesia grã-russa, inclusive o direito destas nações de se
separarem da Rússia.
Por isso, nós do Conselho de Comissários do Povo reco-
nhecemos à República Popular da Ucrânia o direito de se-
parar-se, por completo, da Rússia, ou de estabelecer com a
República da Rússia um pacto, no qual se fixe, entre ambas,
relações federativas, ou outras semelhantes.
Nós, do Conselho de Comissariado do Povo, desde já, reco-
nhecemos, sem restrições nem reservas, tudo quanto se refira
aos direitos nacionais e à independência nacional do povo
ucraniano.
Não demos um só passo contra a república burguesa da
Finlândia, que, no momento, continua sendo burguesa, que
equivalha a restringir os direitos nacionais ou a independên-
cia nacional do povo finlandês; tampouco não daremos ne-
nhum passo que restrinja a independência nacional de ne-
nhuma nação – seja esta qual for – daquelas que integram ou
desejam integrar a República russa.
Acusamos a Rada de uma falsa política burguesa, que aco-
berta, com frases nacionalistas, a política que se expressa há
tempo no desconhecimento dos sovietes e do poder soviético
da Ucrânia (entre outras coisas, a Rada se negou a convocar
imediatamente um congresso regional dos sovietes ucrania-
nos, como haviam exigido os sovietes da Ucrânia). Essa falsa

17
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

política, que não nos permite reconhecê-la como represen-


tante com plenos poderes das massas trabalhadoras e ex-
ploradas da República da Ucrânia, fez com que, nos últimos
tempos, a Rada tomasse medidas que anulam qualquer pos-
sibilidade de acordo.
Foram em primeiro lugar medidas para a desorganização
da frente. A Rada transfere e retira da frente as unidades
ucranianas, mediante ordens unilaterais, destruindo assim
a frente única comum, diante da delimitação das fronteiras,
o que somente pode fazer-se por meio de um acordo formal
entre os governos de ambas as repúblicas.
Em segundo lugar, a Rada começou a desarmar as tropas
soviéticas que se encontram na Ucrânia.
Em terceiro lugar, a Rada presta apoio ao complô e à re-
belião kadete-kaledinista, contra o poder soviético. Alegando,
falsamente, supostos direitos de autonomia do “Don e do Ku-
bán”, e, com isso, ocultando as ações contrarrevolucionárias
de Kaledin, que se chocam com os interesses e as reivindica-
ções da enorme maioria da população trabalhadora cossaca,
a Rada permite que passem por seu território as tropas que
vão se unir a Kaledin, e se nega deixar passar as que vão
combatê-lo.
Dado que a Rada se coloca neste terreno de traição indes-
critível à revolução, no terreno de apoio aos kadetes e kale-
dinistas, os piores inimigos da independência nacional dos
povos da Rússia, os inimigos do poder soviético e das massas
trabalhadoras e exploradas, ainda que fosse o órgão indiscu-
tível do poder estatal supremo de uma república burguesa in-
dependente da Ucrânia, total e formalmente reconhecido, nos
obrigaria a declarar-lhe a guerra sem nenhuma vacilação.
Neste momento, portanto, diante das circunstâncias ex-
postas, o Conselho de Comissários do Povo coloca à Rada,
diante dos povos das repúblicas da Ucrânia e da Rússia, as
seguintes perguntas:
1. A Rada se compromete a abandonar as tentativas de
desorganizar a frente comum?
2. A Rada se compromete, em seguida, a não deixar passar

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Partido Operário Revolucionário

unidades militares de nenhum tipo com destino ao Don,


aos Urais e outras partes, sem que haja o consentimento
do comandante em chefe?
3. A Rada se compromete a ajudar as tropas revolucionárias
em sua luta contra a rebelião contrarrevolucionária
kadete-kaledinista?
4. A Rada se compromete a cessar suas tentativas de
desarmar os regimentos soviéticos e a Guarda Vermelha
Operária da Ucrânia, e a devolver imediatamente as
armas de quem foram confiscadas?
5. No caso de não receber resposta satisfatória a essas
perguntas, em 48 horas, o Conselho de Comissários do
Povo considerará a Rada em estado de guerra declarada
ao poder soviético da Rússia e da Ucrânia.
(Extraído das Obras Completas,
Lênin, tomo XXVIII, Akal Editor)

Resolução do CC do PC(b)R sobre o poder soviético


na Ucrânia
Lênin, 2 de dezembro de 1919
Depois de discutir o problema das relações com os traba-
lhadores da Ucrânia, agora libertados da ocupação transitó-
ria dos bandos de Denikin, o CC do PCR da Ucrânia resolve:
1) Para aplicar consequentemente o princípio de autode-
terminação das nações, considera necessário reafirmar,
uma vez mais, que o PCR mantém firmemente o ponto de
vista do reconhecimento da independência da República
Socialista Soviética da Ucrânia;
2) Considerando incontestável, para todo comunista e para
todo operário politicamente consciente, a necessidade de
estabelecer a mais estreita união entre todas as repúbli-
cas soviéticas, em sua luta contra as forças ameaçado-
ras do imperialismo mundial, o PCR defende que a forma
dessa união deverá ser determinada, em último caso, pe-
los próprios operários e camponeses trabalhadores ucra-
nianos;
19
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

3) Atualmente, as relações entre a República Socialista So-


viética da Ucrânia (RSSU) e a República Socialista Fede-
rativa Soviética da Rússia (RSFSR) estão determinadas
pelo vínculo federativo, baseado nas resoluções do Comi-
tê Executivo Central de toda a Rússia, de 1º de julho de
1919, e do Comitê Executivo Central da Ucrânia, de 18 de
maio de 1919;
4) Levando em conta que a cultura ucraniana (idioma, edu-
cação, etc.) foi oprimida, durante séculos, pelo czarismo
russo e pelas classes exploradoras, o CC do PCR impõe,
como um dever a todos os membros do partido, contri-
buir com todos os meios a eliminar quantos obstáculos
se interponham ao livre desenvolvimento do idioma e
da cultura ucranianos. Posto que os muitos séculos de
opressão deram lugar ao surgimento de tendências na-
cionalistas entre os setores mais atrasados da população,
os membros o PCR deverão atuar com a maior prudência
em relação a essas tendências, e combatê-las explicando
fraternalmente a identidade de interesses entre os traba-
lhadores da Ucrânia e da Rússia. Os membros do PCR re-
sidentes em território ucraniano deverão pôr em prática
o direito das massas trabalhadoras a estudar no idioma
ucraniano, e falar sua língua nativa em todos os organis-
mos soviéticos; devem opor-se, com todos os meios, às
tentativas de russificação, que relegam a segundo plano
o idioma ucraniano, e devem tornar esse idioma em um
instrumento para a educação comunista das massas tra-
balhadoras. Deverão adotar imediatamente medidas para
garantir que, em todos os organismos soviéticos, haja
um número suficiente de empregados, cujo idioma seja o
ucraniano, e que, no futuro, todos os empregados saibam
falar na língua ucraniana;
5) É preciso garantir as relações mais estreitas entre os
organismos soviéticos e a população camponesa nativa,
para o que deverá estabelecer-se como norma que, in-
clusive nos primeiros momentos, ao constituírem-se os
comitês revolucionários e os sovietes, sejam maioria ne-

20
Partido Operário Revolucionário

les os camponeses trabalhadores, e que os camponeses


pobres exerçam uma influência decisiva;
6) Tendo em conta que na Ucrânia, em maior proporção
ainda que na Rússia, a população é predominantemen-
te camponesa, é tarefa do poder soviético na Ucrânia
ganhar a confiança, não só dos camponeses pobres,
mas também de amplos setores do campesinato médio,
cujos autênticos interesses os vinculam estreitamente
ao poder soviético. Em particular, ainda que manten-
do o princípio da política de abastecimento de víveres
(armazenamento de cereais pelo Estado a preços fixos,
requisição de excedentes), devem modificar-se os méto-
dos de sua aplicação, adaptando-os cuidadosamente às
condições do campo ucraniano. O objetivo imediato da
política de abastecimento de víveres na Ucrânia deve
ser a requisição de excedentes de cereais somente na
medida estritamente limitada, que seja indispensável
para abastecer os pobres da Ucrânia, os operários e o
Exército Vermelho. Ao se fazer a requisição de exceden-
tes, deve prestar-se especial atenção aos interesses dos
camponeses médios, diferenciando-os cuidadosamente
dos elementos kulacs. É imprescindível desmascarar,
diante dos camponeses ucranianos, a demagogia con-
trarrevolucionária que procura convencê-los de que o
objetivo da Rússia soviética é retirar cereais e outros
produtos alimentares da Ucrânia para levar à Rússia.
Todos os representantes do poder central, todos os mi-
litantes do partido, os instrutores do partido, etc., deve-
rão considerar como seu dever incorporar amplamente
nas tarefas de governo os camponeses pobres e médios.
Com o mesmo objetivo (a instalação de autêntico poder
dos trabalhadores), deverão tomar-se imediatamente
medidas para impedir que os organismos soviéticos
sejam inundados por elementos da pequena burgue-
sia urbana da Ucrânia, que não tenham conhecimento
das condições de vida das amplas massas campone-
sas, e que frequentemente se disfarçam de comunistas.

21
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

A condição para admitir esses elementos nas fileiras


do partido e nos organismos soviéticos deverá ser uma
verificação prática preliminar de sua capacidade e de
sua fidelidade aos interesses dos trabalhadores, prin-
cipalmente na linha de frente, nas fileiras do exército.
Em toda a parte e em qualquer circunstância, esses
elementos deverão ser colocados sob o rigoroso contro-
le de classe do proletariado. Sabemos, por experiência,
que, devido à falta de organização dos pobres, a maior
parte das armas que se acham em poder da população
rural ucraniana está concentrada, inevitavelmente, nas
mãos dos kulacs e dos contrarrevolucionários, o que,
na realidade, conduz, não à ditadura dos trabalhado-
res, mas à dominação dos bandidos kulacs. Em vista
disso, é tarefa primordial para a organização da Ucrâ-
nia soviética, confiscar todas as armas e concentrá-las
nas mãos do Exército Vermelho, operário e camponês;
7) Do mesmo modo, a política agrária deverá realizar-se
prestando especial atenção à agricultura do campesinato
pobre e médio. As tarefas da política agrária na Ucrânia
são: a) Total abolição da propriedade latifundiária, que foi
restabelecida por Denikin, e entrega das terras aos cam-
poneses com pouca ou nenhuma terra; b) as explorações
agrícolas estatais deverão organizar-se em número estri-
tamente limitado, e deverão ser de uma dimensão limita-
da, em consonância, em cada caso, com os interesses dos
camponeses da região; c) ao organizar os camponeses em
comunas, em cooperativas de diversos tipos, etc. se deve
aplicar estritamente a política do partido, que não permi-
te neste sentido coerção alguma, deixando que os campo-
neses decidam livremente por si mesmos, e punindo com
severidade qualquer tentativa de implantar o princípio da
coerção.

(Extraído das Obras Completas,


Lênin, tomo XXXII, Akal Editor)

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Partido Operário Revolucionário

Carta aos operários e camponeses da Ucrânia


em função das vitórias sobre Denikin
Lênin – Publicado em 4 de janeiro de 1920, no Pravda, nº 3
Camaradas, faz quatro meses, em fins de agosto de 1919,
tive a oportunidade de dirigir uma carta aos operários e cam-
poneses em função da vitória sobre Kolchak.
Agora volto a redigir essa carta especialmente para os ope-
rários e camponeses da Ucrânia, pelo motivo das vitórias so-
bre Denikin.
As tropas vermelhas ocuparam Kiev, Poltava e Járkov e
avançam vitoriosamente para Rostov. Na Ucrânia, fermenta a
insurreição contra Deniken. É preciso reunir todas as forças
para derrotar definitivamente o exército de Denikin, que pro-
curou restabelecer o poder dos latifundiários e capitalistas.
Temos de destruir Denikin para pôr a salvo a mínima possi-
bilidade de uma nova invasão.
Os operários e camponeses da Ucrânia devem conhecer
os ensinamentos que todos os operários russos extraíram da
conquista da Sibéria por Kolchak e de sua libertação pelas
tropas vermelhas, depois de longos meses de tirania latifun-
diária e capitalista.
A dominação de Denikin na Ucrânia foi uma prova tão dura
como a dominação de Kolchak na Sibéria. Não resta dúvida de
que as lições dessa dura prova permitirão aos operários e cam-
poneses da Ucrânia compreenderem – como ocorreu com os
operários e camponeses dos Urales e Sibéria – as tarefas do po-
der soviético, o que os levará a defendê-lo com maior firmeza.
Na Grande Rússia ficou totalmente abolida a propriedade
latifundiária. O mesmo tem de fazer na Ucrânia; e o poder so-
viético dos operários e camponeses ucranianos deve liquidar
totalmente a propriedade latifundiária, libertar completamen-
te os operários e camponeses ucranianos da opressão dos pró-
prios latifundiários. Mas, além dessa tarefa e de outras que se
colocarão e ainda se colocam, tanto pelas massas trabalhado-
ras da Grande Rússia quanto as da Ucrânia, o poder soviético
na Ucrânia tem suas tarefas específicas. Uma dessas tarefas

23
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

específicas merece, na atualidade, a maior atenção. É o pro-


blema nacional ou, em outras palavras, o problema de se a
Ucrânia será uma República Socialista Soviética da Ucrânia,
separada e independente, ligada por uma aliança (federação)
à República Socialista Federativa Soviética Russa, ou se a
Ucrânia se fundirá com a Rússia, formando uma República
Soviética única. Todos os bolcheviques, todos os operários e
camponeses politicamente conscientes devem analisar aten-
tamente esse problema.
A independência da Ucrânia foi reconhecida, tanto pelo
Comitê Executivo Central da RSFSR (República Socialista Fe-
derativa Soviética Russa) como pelo Partido Comunista dos
bolcheviques da Rússia. É, portanto, evidente e por todos re-
conhecido que somente os próprios operários e camponeses
da Ucrânia podem decidir e decidirão em seu Congresso de
Sovietes da Ucrânia, se a Ucrânia se fundirá com a Rússia ou
se será uma república separada e independente e, nesse úl-
timo caso, que vínculos federativos terão de estabelecer entre
essa república e a Rússia.
Como deve se resolver este problema no que toca aos in-
teresses dos trabalhadores e ao êxito de sua luta pela total
emancipação do trabalho do jugo do capital?
Em primeiro lugar, os interesses do trabalho exigem a
confiança mais absoluta e a união mais estreita entre os
trabalhadores dos diferentes países e diferentes nações. Os
partidários dos latifundiários e capitalistas, da burguesia, se
esforçam por dividir os operários, por avivar as discórdias e
antagonismos nacionais, com o objetivo de debilitar os operá-
rios e fortalecer o poder do capital.
O capital é uma força internacional. Para vencê-lo é neces-
sária uma união internacional de operários, uma fraternidade
internacional de operários.
Nós somos inimigos dos antagonismos e das discórdias
nacionais, do isolamento nacional. Somos internacionalistas.
Estamos pela união estreita e a fusão completa dos operários
e camponeses de todas as nações do mundo em uma Repú-
blica Soviética mundial única.

24
Partido Operário Revolucionário

Em segundo lugar, os trabalhadores não devem esquecer


que o capitalismo dividiu as nações em um pequeno número
de grandes potências opressoras (imperialistas), nações livres
e soberanas, e uma imensa maioria de nações oprimidas, de-
pendentes e semidependentes, não soberanas. A criminosa e
reacionária guerra de 1914-1918 acentuou esta divisão, in-
flamando com ela os ódios e rancores. Durante séculos foi se
acumulando a indignação e a desconfiança das nações não
soberanas e dependentes para com as nações dominantes e
opressoras, como tal a Ucrânia diante de nações como a Grã-
Rússia.
Queremos uma união voluntária de nações – uma união
que exclua toda coerção de uma nação sobre outra – uma
união que se baseia na mais plena confiança, em um claro
reconhecimento da unidade fraternal, em um consentimento
absolutamente voluntário. Uma união assim não pode reali-
zar-se por golpe; para chegar a ela devemos atuar com enor-
me paciência e maior cuidado, para não malograr as coisas
e não despertar desconfiança, e para que a desconfiança dei-
xada por séculos de opressão latifundiária e capitalista, da
propriedade privada e dos antagonismos provocados pela sua
distribuição e redistribuição, possam desaparecer.
Devemos, portanto, nos empenhar firmemente em conse-
guir a unidade das nações e nos opor implacavelmente a tudo
o que tende a dividi-las, e ao fazê-lo, devemos ser prudentes
e pacientes, e fazer concessões às sobrevivências da descon-
fiança nacional. Devemos ser firmes e inexoráveis diante de
tudo o que afeta os interesses fundamentais do trabalho em
sua luta por emancipar do jugo do capital. O problema da de-
marcação de fronteiras, agora, no momento – pois nós aspira-
mos a completa abolição das fronteiras – não é um problema
fundamental, importante, mas secundário. Em relação a esse
assunto, podemos esperar, e devemos esperar, pois a des-
confiança nacional pode ser muito tenaz nas amplas massas
de camponeses e pequenos proprietários, e toda precipitação
pode acentuá-la, em outras palavras, comprometer a causa
da unidade total e definitiva.

25
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

A experiência da revolução operária e camponesa da Rús-


sia, a Revolução de Outubro-Novembro de 1917 e dos dois
anos de luta vitoriosa contra a agressão dos capitalistas in-
ternacionais e russos, demonstrou com clareza meridiana
que os capitalistas conseguiram, por algum tempo, explorar a
desconfiança nacional dos camponeses e dos pequenos pro-
prietários poloneses, lituanos, estônicos e finlandeses diante
do Grã-russo que conseguiram, por um tempo, semear discór-
dia entre eles e entre nós, apoiando-se nessa desconfiança. A
experiência demonstrou que essa desconfiança se desvanece
e desaparece muito lentamente, e que quanto mais cuidado
e paciência tenham os Grã-russos, que durante tanto tempo
foram uma nação opressora, com tanta e maior segurança se
dissipará essa desconfiança. Foi precisamente por ter reco-
nhecido a independência dos Estados polonês, lituano, letão,
estônio e finlandês, que estamos ganhando lenta, mas firme-
mente, a confiança das massas trabalhadoras dos pequenos
Estados vizinhos, mais atrasadas e mais ludibriadas e opri-
midas pelos capitalistas. Este caminho é mais seguro para
arrancá-las da influência de “seus” capitalistas nacionais e
conduzi-las com plena confiança para a futura República So-
viética internacional unida.
Enquanto a Ucrânia não se libertar completamente de
Denikin e não se reunir ao Congresso de toda a Ucrânia de
Sovietes, seu governo é o Comitê Militar Revolucionário da
Ucrânia. Além dos comunistas bolcheviques ucranianos estão
os comunistas borotbistas ucranianos, que trabalham nesse
Comitê Revolucionário como membros do governo. Os boro-
tbistas se distinguem dos bolcheviques, entre outras coisas,
porque defendem a independência incondicional da Ucrânia.
Os bolcheviques não farão disso um objeto de divergências e
desunião, não consideram que isso seja obstáculo para um
trabalho proletário harmônico. Deve haver unidade na luta
contra o jugo do capital e pela ditadura do proletariado, e não
deve haver rompimento entre comunistas pelo problema das
fronteiras nacionais ou de se os vínculos entre os Estados
devem ser federativos ou outros. Entre os bolcheviques, há

26
Partido Operário Revolucionário

partidários da independência total da Ucrânia, partidários de


uma união federativa mais ou menos estreita e partidários da
fusão total da Ucrânia com a Rússia.
Não deve haver divergências por esses problemas. O Con-
gresso de Sovietes da Ucrânia os resolverá.
Se um comunista Grã-russo insiste na fusão da Ucrânia
com a Rússia, os ucranianos podem muito bem suspeitar que
defende essa política, não por levar em conta a unidade dos
proletários na luta contra o capital, mas pelos preconceitos
do velho nacionalismo Grã-russo, imperialista. Essa descon-
fiança é natural e até certo ponto inevitável e legítima, já que
os Grã-russos, sob o jugo dos latifundiários e capitalistas,
difundiram durante séculos o infame e odioso preconceito do
chovinismo Grã-russo.
Se um comunista ucraniano insiste na independência na-
cional incondicional da Ucrânia, se presta a que se suspeite
que ele defenda essa política, não em função dos interesses
momentâneos dos operários e camponeses ucranianos em
sua luta contra o jugo do capital, mas por causa dos precon-
ceitos nacionais pequeno burgueses do pequeno proprietá-
rio. A experiência tem apresentado centenas de exemplos de
“socialistas” pequeno burgueses de diferentes países – todos
os diversos pseudosocialistas poloneses, letões e lituanos, os
mencheviques georgianos, os esseristas, etc. – que se disfar-
çam de partidários do proletariado com o único objetivo de
promover de forma fraudulenta uma política de conciliação
com “sua” burguesia nacional contra os operários revolucio-
nários. Vimos isso no caso do governo de Kerenski na Rússia,
fevereiro-outubro de 1917; vimos e continuamos vendo em
todos os demais países.
Assim, pois, é muito fácil que surja a desconfiança mútua
entre os comunistas Grã-russos e ucranianos. Como com-
bater essa desconfiança? Como vencê-la e estabelecer uma
confiança mútua?
A melhor maneira de conseguir é trabalhando em comum
para defender a ditadura do proletariado e o poder soviético
na luta contra os latifundiários e capitalistas de todos os pa-

27
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

íses e contra suas tentativas de restabelecer sua dominação.


Essa luta comum demonstrará claramente na prática que,
qualquer que seja a solução que se dê ao problema da inde-
pendência nacional ou das fronteiras, deve existir uma estrei-
ta aliança militar e econômica entre os operários Grã-russos e
ucranianos, pois de outro modo os capitalistas da “Entente”,
isto é, da “aliança” dos países capitalistas mais ricos – Ingla-
terra, França, Estados Unidos, Japão e Itália – nos esmaga-
rá e nos estrangulará estando separados. Nossa luta contra
Kolchak e Denikin, a quem estes capitalistas proporcionaram
dinheiro e armas, é um claro exemplo desse perigo.
Aquele que socava a unidade e a aliança mais estreita en-
tre os operários e camponeses Grã-russos e ucranianos ajuda
aos Kolchak e aos Denikin, aos bandidos capitalistas de todos
os países.
Por isso, nós, os comunistas Grã-russos, devemos repri-
mir rigorosamente a menor manifestação de nacionalismo
Grã- russo que surja entre nós, pois essas manifestações,
que são em geral uma traição ao comunismo, causam um
dano enorme ao nos separar dos camaradas ucranianos, e
com isso fazem o jogo de Denikin e de seu regime.
Assim, nós, os comunistas Grã-russos, devemos fazer con-
cessões quando existem diferenças com os comunistas bolche-
viques e borotbistas ucranianos, e quando essas diferenças
se referem à independência nacional da Ucrânia, às formas
de sua aliança com a Rússia e, em geral, ao problema nacio-
nal. Mas todos nós, os comunistas Grã-russos, os comunistas
ucranianos e os comunistas de qualquer outra nação, devemos
ser inflexíveis e intransigentes nas questões básicas e funda-
mentais, que são as mesmas para todas as nações, nas ques-
tões da luta do proletariado, da ditadura do proletariado; não
podemos admitir compromissos com a burguesia nem a menor
divisão das forças que nos defendam contra Denikin.
Denikin tem de ser vencido, aniquilado, e deve se impedir
a repetição de invasões como as suas. Esse é o interesse fun-
damental tanto dos operários e camponeses Grã-russos como
dos ucranianos. A luta será longa e difícil, pois os capitalistas

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Partido Operário Revolucionário

do mundo interior ajudam Denikin e ajudarão aos Denikins


de todo gênero.
Nessa luta longa e difícil, nós, os operários grã-russos e
ucranianos, devemos marchar estreitamente unidos, pois se-
parados não poderemos certamente fazer frente à nossa tare-
fa. Sejam quais forem as fronteiras da Ucrânia e Rússia, se-
jam quais forem as formas de suas relações estatais mútuas,
isso não é tão importante.
É um problema no qual se podem e se devem fazer conces-
sões, no qual pode ensaiar isto, aquilo e o outro; a causa dos
operários e camponeses, da vitória sobre o capitalismo, não
sucumbirá por causa disso.
Mas se não sabermos marchar estreitamente unidos, úni-
cos contra Denikin, unidos contra os capitalistas e os kulaks
de nossos países e de todos os países, a causa do trabalho
sucumbirá certamente, por longos anos, no sentido de que
os capitalistas possam derrotar e estrangular tanto a Ucrânia
soviética como a Rússia soviética.
E o que a burguesia de todos os países, e toda sorte de
partidos pequeno burgueses – isto é, partidos “conciliadores”
que se aliam com a burguesia contra os operários – mas se
esforçaram por conseguir é a divisão dos operários das dife-
rentes nacionalidades, suscitar a desconfiança e desbaratar a
estreita união internacional e a fraternidade internacional dos
operários. Se a burguesia conseguir, a causa dos operários
está perdida. Os comunistas da Rússia e Ucrânia, portanto,
devem, mediante um esforço coletivo, paciente, perseverante
e tenaz, frustrar as maquinações nacionalistas da burguesia
e vencer os preconceitos nacionalistas de toda índole, e dar
aos trabalhadores do mundo inteiro um exemplo de aliança
verdadeiramente firme entre os operários e camponeses de
diferentes nações na luta pelo poder soviético, pela derrocada
do jugo dos latifundiários e capitalistas e pela República So-
viética Federativa Mundial.
Lênin, 29 de dezembro de 1919
(Extraído das Obras Completas, tomo XXXII, V.
Lênin, pág.280)

29
30
Trotsky

A Questão Nacional
Trotsky, setembro de 1927
O atraso no ritmo geral da construção socialista; o de-
senvolvimento da nova burguesia na cidade e no campo; o
fortalecimento da intelectualidade burguesa; o aumento do
burocratismo nos órgãos do Estado; a péssima direção do
Partido; e, somado a tudo, isso a agudização de um chau-
vinismo de Grã-Potência e, em geral, de um espírito nacio-
nalista, encontram sua expressão mais doentia no proble-
ma das nacionalidades e das Repúblicas autônomas dentro
da União Soviética. As dificuldades crescem, em função de
existir, em algumas Repúblicas, resíduos de cultura pré-
capitalista.
Sob a Nova Política Econômica (NEP), a influência do capi-
tal privado cresce com especial rapidez nas regiões industrial-
mente atrasadas. Ali, os organismos econômicos baseiam, a
miúdo, sua atuação inteiramente sobre o capital privado. Eles
fixam os preços, sem levar em conta a situação real da massa
camponesa pobre e da classe média; baixam artificialmente os
salários da mão-de-obra do campo; difundem excessivamente
o sistema burocrático dos intermediários privados entre os

31
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

industriais e os camponeses, que fornecem a matéria-prima;


orientam as cooperativas, no sentido de que prestem maio-
res serviços às camadas mais ricas das aldeias; não levam
em conta os interesses daquele grupo especialmente atrasado
que se dedica à criação de gado. O problema essencial – a
realização de um plano de construção industrial, especial-
mente o plano de industrialização dos produtos derivados da
agricultura – foi completamente postergado.
O burocratismo, levado por um espírito de exaltado chau-
vinismo de Grã-Potência, se destacou, ao transformar a cen-
tralização dos Sovietes em uma fonte de disputas, no que diz
respeito à distribuição dos postos oficiais entre as naciona-
lidades (a Federação do Cáucaso meridional). Devido a isso,
as relações entre o centro e as fronteiras foram relaxadas.
O significado do Soviete das nacionalidades ficou reduzido a
nada. As repúblicas autônomas foram submetidas a uma tu-
tela burocrática, ao ponto de ficarem despossuídas do direito
de resolver as desavenças entre a população local e a popula-
ção russa. Até agora, o chauvinismo, especialmente tal qual
se manifesta por meio do aparato do Estado, continua sendo
o principal inimigo da solidariedade e união dos trabalhado-
res de diferentes nacionalidades.
Um apoio positivo para os pobres, uma situação conjunta
da massa geral da classe média camponesa com os pobres e
os assalariados, uma organização dos últimos em uma força
de classe independente, tudo isso é de grande importância
nos territórios e repúblicas nacionais. Sem uma real organi-
zação dos trabalhadores agrícolas, sem a criação de coopera-
tivas e a organização dos pobres, corremos o perigo de deixar
as atrasadas regiões orientais, em seu tradicional estado de
servidão, e nossos Partidos locais naquelas regiões, desprovi-
dos em absoluto de representantes genuinamente operários.
A tarefa dos comunistas, nas mais atrasadas nacionalida-
des, deve ser a de orientar o desenvolvimento desse desper-
tar nacional para as causas do socialismo soviético. Devemos
atrair as massas trabalhadoras para o construtivo trabalho
econômico e cultural, fomentando especialmente o desenvol-

32
Partido Operário Revolucionário

vimento dos idiomas e escolas locais, e a “nacionalização” do


aparato soviético.
Nas regiões que estão em imediato contato com outras
nacionalidades ou minorias nacionais, o nacionalismo, que
acompanha o desenvolvimento dos elementos burgueses,
chega a ser geralmente agressivo. Nessas circunstâncias, a
“nacionalização” do aparato local se realiza à custa das mi-
norias nacionais. A questão das fronteiras comparece como
uma causa dos rancores nacionais. A atmosfera do Partido,
do Soviete e dos sindicatos está infectada de nacionalismo.
A ucranização, a turquificação, etc. podem começar unica-
mente após ter varrido das instituições e órgãos da União os
hábitos burocráticos e chauvinistas de Grã-Potência. Podem
começar unicamente no caso de que o predomínio do prole-
tariado na república nacional esteja devidamente garantido,
unicamente no caso de nos apoiarmos nas classes mais hu-
mildes e afirmarmos uma contínua e irreconciliável luta com
os Kulaks e os elementos chauvinistas.
Essas questões revestem especial importância nos centros
manufatureiros, tais como na bacia do Don ou Bakú, cuja po-
pulação proletária pertence em sua maioria a uma nacionali-
dade distinta das regiões vizinhas. Nesses casos, uma correta
relação cultural e política entre a cidade e o campo exige: 1)
uma atitude extremamente cortês e genuinamente fraterna
das cidades, diante das necessidades materiais e espirituais
do distante interior; 2) uma resistência decidida contra toda
tentativa burguesa de romper a união entre a cidade e o cam-
po, contra a manutenção da arrogância burocrática diante
dos distritos rurais, contra a fomentação reacionária do ini-
migo Kulaks, voltada à cidade.
Nosso regime burocrático confiou a redação do estatuto de
seu superficial projeto de “nacionalização” aos funcionários,
especialistas e professores pequeno-burgueses, que estão uni-
dos com os inumeráveis vínculos sociais e culturais às esferas
mais elevadas da cidade e do campo. Eles acomodam sua po-
lítica aos interesses dessas classes mais elevadas. Com isso,
não fazem senão alijar do Partido e dos poderes soviéticos os

33
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

pobres, empurrando-os aos braços dos comerciantes, dos usu-


rários, dos sacerdotes e dos elementos feudal-patriarcais. Ao
mesmo tempo, nosso regime burocrático deixa de lado um dos
elementos genuinamente comunistas, denunciando-os fre-
quentemente como “perturbadores”, e perseguindo-os de todas
as formas imagináveis. Isso ocorreu, por exemplo, a um impor-
tante grupo de velhos bolcheviques georgianos, ao qual o grupo
de Stalin olhava com desagrado. Grupo esse que Lênin teve de
defender calorosamente, no último momento de sua vida.
A ascensão da massa trabalhadora das repúblicas e territó-
rios nacionais, que deu lugar à Revolução de Outubro, é a razão
pela qual essas massas aspiram uma livre e imediata partici-
pação no trabalho construtivo da vida do país. Nosso regime
burocrático trata, no entanto, de sufocar essa aspiração, ame-
drontando as massas com o espantalho do nacionalismo local.
O XII Congresso de nosso Partido reconheceu a necessida-
de de uma luta contra “os vestígios do chauvinismo de Grã-
Potência”, contra a desigualdade econômica e cultural das
nacionalidades dentro da União Soviética, contra “os vestígios
de nacionalismo em uma série de regiões onde ocorreu o pe-
sado jugo da opressão russa”. A IV Conferência do Partido
(1923), com os funcionários qualificados das repúblicas e ter-
ritórios nacionais, declarou que “um dos problemas básicos
do Partido é a educação e desenvolvimento das organizações
comunistas entre os elementos proletários e semiproletários
da população compreendida naquelas repúblicas e territórios
nacionais”. A Conferência aprovou por unanimidade que os
Comunistas que se dirigissem às Repúblicas e territórios mais
atrasados devem desempenhar o papel “não de pedagogos e
mentores, mas sim de auxiliares”. Durante os recentes anos,
os fatos têm mostrado uma direção oposta. Os dirigentes do
aparato nacional do partido, designados pelo Secretário do
Comitê Central, fazem por conta própria os acordos de todo o
Partido e dos Sovietes. Eles agrupam os trabalhadores ativos
das nacionalidades, considerando-os como uma espécie de
comunistas de segunda categoria, os que devem intervir nos
assuntos unicamente para que tenham uma mera “função re-

34
Partido Operário Revolucionário

presentativa” (Crimeia, Cazaquistão, Turquestão, Tartária, as


montanhosas províncias do Cáucaso do Norte, etc. Por cima
de todos os partidos operários locais, se estabelece sistema-
ticamente a divisão de seus componentes em “direita” e “es-
querda”, a fim de que o secretário nomeado pelo órgão central
possa arbitrariamente dirigir ambos os grupos.
Na esfera de nossa política nacional, exatamente como em
outras esferas, é necessário novamente adotar a atitude de
Lênin, ou seja:
1. Realizar um esforço incomparavelmente mais sistemáti-
co, mais doutrinário, mais insistente, a fim de evitar as
divisões nacionalistas entre os trabalhadores de diferentes
nacionalidades, adotando especialmente uma atitude res-
peitosa para com os operários “nacionais” recém chegados,
contribuindo para aumentar sua capacidade, melhorando
suas condições de vida, e elevando seu nível de cultura;
lembrando tenazmente que a base verdadeira para pôr os
distritos nacionais mais atrasados em condições de colabo-
rar com a obra construtiva dos Sovietes consiste em criar e
fomentar muitos núcleos proletários na população local;
2. Revisar o plano econômico quinquenal, com o objetivo de
acelerar o curso da industrialização nas regiões atrasadas,
e elaborar um plano quinquenal que leve em consideração
os interesses das repúblicas e territórios nacionais; orientar
nossa política econômica para o desenvolvimento de cul-
tivos especiais entre os sitiantes pobres e de classe média
(o algodão na Ásia Central, o tabaco na Crimeia, Abkha-
zia, etc.). O projeto de cooperativas de crédito e também o
projeto de melhorias e reformas (na Ásia Central, na região
do Cáucaso, etc.) devem ser executados atendendo estrita-
mente a uma política de classe, e em consonância com os
problemas fundamentais da construção socialista; é, pois,
indispensável que se preste a maior atenção ao desenvol-
vimento das cooperativas dedicadas à indústria de carne,
e que se leve a cabo a exploração industrial das matérias-
primas da agricultura, de forma adequada às condições das
distintas localidades. Além disso, convém revisar nosso pla-

35
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

no de distribuição de terras de cultivo, desenvolvendo-o es-


tritamente de acordo com as necessidades que impõe uma
acertada política, no que se refere à questão nacional;
3. Levar conscienciosamente a cabo a política de nacionaliza-
ção do Soviete, e também do aparato do Partido, dos sindi-
catos e das cooperativas, dentro de um espírito genuíno de
classe e internacionalista, e salvaguardando as relações en-
tre as nacionalidades; empreender uma luta decidida contra
a atitude dos colonos a respeito das atividades do Estado,
das cooperativas e de outros órgãos; abolir toda mediação
burocrática entre o centro e as fronteiras; estudar o expe-
rimento da Federação Caucasiana meridional, do ponto de
vista de seus êxitos e fracassos, ao fomentar o desenvolvi-
mento industrial e cultural daquelas nacionalidades;
4. Varrer sistematicamente todo obstáculo que se oponha
à máxima união e fortalecimento possíveis dos operários
das diferentes nacionalidades dentro da União soviética,
sobre a base de uma construção socialista e da revolu-
ção internacional; empreender uma enérgica luta contra a
mecânica imposição do idioma nacional predominante aos
operários e camponeses de outras nacionalidades. Nessa
questão, as massas trabalhadoras devem poder manifes-
tar-se com absoluta liberdade de eleição. Os direitos de
cada uma das minorias nacionais dentro dos departamen-
tos de suas respectivas repúblicas devem ser garantidos.
Em relação a esse particular, é preciso prestar especial
atenção àquelas circunstâncias excepcionais subsistentes
entre as nacionalidades primitivamente oprimidas e as na-
cionalidades opressoras;
5. Uma firme implantação da democracia que vigore no in-
terior do Partido, em todas as repúblicas e territórios na-
cionais; repúdio absoluto de toda atitude de mando aos
não-russos, repúdio da política encaminhada a dividir os
comunistas não-russos em direita e esquerda; uma cuida-
dosa promoção e instrução dos proletários mais humildes,
dos semiproletários, dos proletários do campo, e dos cam-
poneses anti-Kulaks, membros do Partido;

36
Partido Operário Revolucionário

6. Repúdio da tendência de Ustrialof, e de todo tipo de ten-


dências de Grã-Potência, especialmente nos comissaria-
dos centrais e no aparato do Estado em geral. Um esforço
educativo para se contrapor ao nacionalismo local, sobre
a base de uma clara e consistente política de classe na
questão nacional;
7. Transformação dos Sovietes de nacionalidade em órgãos
realmente atuantes, em conexão com a vida das repúbli-
cas e territórios nacionais, e realmente capazes de defen-
der seus interesses;
8. Cuidadosa atenção sobre a influência do problema na-
cional na atuação dos sindicatos e sobre o problema da
constituição de uniões proletárias nacionais. Os assuntos
dentro dessas uniões devem ser tratados no idioma local,
e os interesses de todas as nacionalidades e das minorias
nacionais devem ser cuidadosamente protegidos;
9. Sob nenhuma circunstância, não conceder direitos civis
aos exploradores;
10.Convocar a V Conferência das nacionalidades sobre a base
da representação real das classes “inferiores”;
11.Publicação na Imprensa da carta de Lênin acerca da ques-
tão nacional, que contém uma crítica à atuação de Stalin
a propósito desse assunto.
(Traduzido do livro “A Situação na Rússia
depois da revolução”, Leon Trotsky, Distribuidora Baires
S.R.L, Argentina)

A Questão Ucraniana
Leon Trotsky – 22 de abril de 1939
A questão ucraniana, que muitos governos e tantos “so-
cialistas” e mesmo “comunistas” têm procurado esquecer ou
relegar às profundezas da história, acha-se novamente na or-
dem do dia, desta vez com força redobrada. O recente agrava-
mento da questão ucraniana relaciona-se intimamente com
a degeneração da União Soviética e do Comintern, os êxitos
do fascismo e a iminência de uma nova guerra imperialista.

37
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

Crucificada por quatro estados, a Ucrânia ocupa, agora, no


destino da Europa, a mesma posição que uma vez ocupou
a Polônia, com a diferença de que as relações mundiais são
atualmente muito mais tensas e os ritmos do processo mui-
to mais acelerados. No futuro imediato, a questão ucraniana
está destinada a jogar um importante papel na vida europeia.
Por isso, Hitler propôs tão ruidosamente a criação de uma
“Grande Ucrânia”; e foi também por isso que arrumou esta
questão com tão cuidadosa rapidez.
A Segunda Internacional, exprimindo os interesses da bu-
rocracia e a aristocracia operária dos estados imperialistas,
ignorou completamente a questão ucraniana. Inclusive a sua
ala esquerda não lhe dedicou a necessária atenção. Basta
lembrar como Rosa Luxemburgo, apesar do seu brilhante in-
telecto e do seu espírito genuinamente revolucionário, julgou
admissível afirmar que a questão ucraniana era a invenção
de uma plêiade de intelectuais. Esta posição deixou uma pro-
funda marca até no próprio Partido Comunista Polonês. Os
dirigentes oficiais da seção polonesa do Comintern viram a
questão ucraniana mais como um empecilho do que como um
problema revolucionário. Daí as constantes tentativas opor-
tunistas de desviar a questão, suprimi-la, passá-la silencio-
samente por alto ou adiá-la para um futuro indefinido.
O Partido Bolchevique, não sem dificuldade e só gradual-
mente, sob a constante pressão de Lênin, pôde adquirir uma
focagem correta da questão ucraniana. O direito à autodeter-
minação, quer dizer, à separação, foi estendido igualmente
por Lênin, quer para os poloneses, quer para os ucranianos.
Ele não reconhecia nações aristocráticas. Toda tentativa de
evadir ou adiar o problema de uma nacionalidade oprimida
considerava a expressão do chauvinismo grão-russo.
Após a tomada do poder, teve lugar no partido uma séria
luta pela solução dos numerosos problemas nacionais her-
dados da velha Rússia czarista. No seu caráter de comissário
do povo para as nacionalidades, Stálin representou invaria-
velmente a tendência mais burocrática e centralista. Isto se
tornou especialmente evidente na questão da Geórgia e na

38
Partido Operário Revolucionário

da Ucrânia. Até hoje, a correspondência não tem sido pu-


blicada. Esperamos poder editar a pequena parte de que
dispomos. Cada linha das cartas e propostas de Lênin vibra
com a urgência de conformar, na medida do possível, aquelas
nacionalidades que tinham sido oprimidas no passado. Ao
contrário, nas propostas e declarações de Stálin, salientava
invariavelmente a tendência para o centralismo burocrático.
Com o fim de garantir “necessidades administrativas”, quer
dizer, os interesses da burocracia, as mais legítimas reclama-
ções das nacionalidades oprimidas foram declaradas mani-
festações de nacionalismo pequeno burguês. Estes sintomas
já podiam perceber-se bem cedo, em 1922-1923. Desde esse
momento, tiveram um monstruoso crescimento, levando a
uma completa asfixia qualquer tipo de desenvolvimento na-
cional independente dos povos da URSS.
Na concepção do velho Partido Bolchevique, a Ucrânia So-
viética estava destinada a se converter no poderoso eixo à
volta do qual adeririam as outras seções do povo ucraniano.
Durante o primeiro período da sua existência, é indiscutível
que a Ucrânia Soviética foi uma poderosa força de atração
em relação às nacionalidades, além de estimular a luta dos
operários, os camponeses e a intelectualidade revolucioná-
ria da Ucrânia Ocidental, escravizada pela Polônia. Mas, du-
rante os anos da reação termidoriana, a posição da Ucrânia
Soviética e, com ela, a reclamação da questão ucraniana no
seu conjunto, mudou bruscamente. Quanto mais profundas
foram as esperanças despertadas, mais tremendas foram as
desilusões.
A burocracia também estrangulou e saqueou o povo da
Grande Rússia. Mas, nas questões ucranianas, as coisas
complicaram-se ainda mais pelo massacre das esperanças
nacionais. Em nenhuma outra parte, as restrições, pur-
gas, repressões e, em geral, todas as formas de brutalida-
de burocrática assumiram dimensões tão assassinas como
na Ucrânia, ao tentar esmagar poderosos anseios de maior
liberdade e independência profundamente arraigados nas
massas. Para a burocracia totalitária, a Ucrânia Soviética

39
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

tornou-se numa divisão administrativa da unidade econômi-


ca e de uma base militar da URSS. Que não fique qualquer
dúvida: a burocracia de Stálin ergue estátuas à memória de
Shevchenko, mas o faz apenas com fim de esmagar mais mi-
nuciosamente o povo ucraniano sob o seu peso, e obrigá-lo
a cantar hinos à camarilha violadora do Kremlin, no idioma
do Kobzarii.
A respeito das partes da Ucrânia que hoje estão fora das
suas fronteiras, a atitude atual do Kremlin é a mesma que
com todas as nacionalidades oprimidas, as colônias e semi-
colônias: são moedas de troca nas suas combinações inter-
nacionais com os governos imperialistas. No recente Décimo
oitavo Congresso do “Partido Comunista”, Manuilski, um
dos mais repugnantes renegados do comunismo ucraniano,
explicou com bastante franqueza que não só a URSS, como
também o Comintern (a “falsa-união” segundo a formulação
de Stálin) se recusavam a solicitar a emancipação dos povos
oprimidos, quando os seus opressores não eram inimigos da
camarilha moscovita no poder. Stálin, Dimitrov e Manuilski
defendem atualmente a Índia contra o Japão, mas não contra
Inglaterra. Os burocratas do Kremlin estão prontos a ceder
de vez a Ucrânia Ocidental à Polônia, em troca de um acordo
diplomático que lhes pareça proveitoso.
Estão longe os dias em que só se atreviam a episódicas
combinações. Não resta rastro da anterior confiança e sim-
patia das massas ucranianas pelo Kremlin. Desde a última
“purga” assassina na Ucrânia, ninguém no ocidente quer
passar a fazer parte da satrápia do Kremlin, que continua
a levar o nome da Ucrânia Soviética. As massas operárias
e camponesas da Ucrânia Ocidental, da Bukovina, dos Cár-
patos ucranianos, estão confusas: a quem recorrer? O que
pedir? Esta situação desvia naturalmente a liderança para
as camarilhas ucranianas mais reacionárias, que exprimem
o seu “nacionalismo”, tentando vender o povo ucraniano a
um ou outro imperialismo, em pagamento de uma promessa
de independência fictícia. Sobre esta trágica confusão, Hitler
baseia a sua política na questão ucraniana. Temos dito numa

40
Partido Operário Revolucionário

ocasião: se não fosse por Stálin (por exemplo, a fatal política


do Comintern na Alemanha), não haveria Hitler. A isso pode
acrescentar-se agora: se não fosse pela violação da Ucrânia
Soviética por parte da burocracia estalinista, não haveria po-
lítica hitlerista na Ucrânia.
Não é preciso estender a análise sobre os motivos que le-
varam Hitler a descartar, sequer por um tempo, a palavra de
ordem da “Grande Ucrânia”. Estes motivos devem procurar-
se, de um lado, nas fraudulentas ligações com o imperialismo
alemão e, de outro, no temor de evocar um espírito maligno
que poderia ter resultado difícil de exorcizar. Hitler presen-
teou os sanguinários húngaros com os Cárpatos ucranianos.
Embora não o fizesse com a aprovação expressa de Moscou, e
sim pelo menos com a segurança de que esta aprovação have-
ria de chegar no futuro. É como se Hitler tivesse dito a Stálin:
“Se me estivesse preparando para atacar amanhã a Ucrânia
Soviética, teria mantido os Cárpatos nas minhas mãos”. Em
resposta, Stálin, no Décimo Oitavo Congresso, saiu aberta-
mente em defesa de Hitler, contra as calúnias das “democra-
cias ocidentais”: Hitler tenta atacar a Ucrânia? Nada disso!
Lutar contra Hitler? Não há a menor razão para fazer isso.
Obviamente, Stálin interpreta como um ato de paz a entrega
à Hungria dos Cárpatos ucranianos.
Isto significa que parte do povo ucraniano se tornou mo-
eda de troca para os cálculos internacionais do Kremlin. A
Quarta Internacional deve compreender com clareza a enor-
me importância da questão ucraniana, não apenas no destino
do leste e sudeste europeus, mas da Europa no seu conjunto.
Trata-se de um povo que demonstrou a sua viabilidade, nu-
mericamente igual à população da França, e que ocupa um
território excepcionalmente rico e, aliás, da maior importân-
cia estratégica. A questão da sorte da Ucrânia está colocada
em todo o seu alcance. Cumpre uma palavra de ordem clara
e definida, que corresponda à nova situação. Em minha opi-
nião, há na atualidade uma única palavra de ordem: Por uma
Ucrânia Soviética de operários e camponeses, unida, livre e
independente.

41
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

Este programa está, antes de tudo, em irreconciliável con-


tradição com os interesses das três potências imperialistas:
Polônia, Romênia e Hungria. Só pacifistas irrecuperavelmente
imbecis são capazes de julgar que a emancipação e unifica-
ção da Ucrânia pode levar-se a termo por meio de pacíficas
conversas diplomáticas, referendos ou decisões da Liga das
Nações, etc. Com certeza, não são melhores as soluções que
propõem os “nacionalistas”, que consistem em se colocarem
a serviço de um imperialismo contra o outro. A tais aventu-
reiros, Hitler lhes deu uma impagável lição, entregando (por
quanto tempo?) os Cárpatos aos húngaros, que imediatamen-
te exterminaram não poucos ucranianos leais. Enquanto a
questão depender do poderio militar dos estados imperialis-
tas, a vitória de um bando ou outro só pode significar um
novo desmembramento, e uma vassalagem ainda mais brutal
do povo ucraniano. O programa de independência da Ucrâ-
nia na época do imperialismo está direta e indissoluvelmente
ligado ao programa da revolução proletária. Seria criminoso
alimentar alguma ilusão sobre isso.
Mas – gritarão em coro os “amigos” do Kremlin – a inde-
pendência da Ucrânia Soviética significaria a sua separação
da URSS? O que tem isso de terrível? – contestamos. É-nos
alheio o culto apaixonado pelas fronteiras estatais. Não sus-
tentamos a posição de uma totalidade “unida e indivisível”.
Depois de tudo, inclusive a Constituição da URSS reconhece
o direito dos seus povos federados à autodeterminação, quer
dizer, à separação. Assim, nem sequer a própria oligarquia do
Kremlin ousa negar tal princípio, embora só tenha vigência no
papel. A mais mínima tentativa de apresentar abertamente a
questão de uma Ucrânia independente significaria a imedia-
ta execução, sob a acusação de traição. Mas é precisamente
este desprezível equívoco, esta desapiedada perseguição de
todo pensamento nacional livre, o que tem levado as massas
trabalhadoras da Ucrânia, em grau muito maior do que as
da Grande Rússia, a considerar monstruosamente opressivo o
domínio do Kremlin. Perante uma tal situação interna, é natu-
ralmente impossível falar que a Ucrânia Ocidental se una vo-

42
Partido Operário Revolucionário

luntariamente à URSS, do modo como esta é atualmente. Por


consequência, a unificação da Ucrânia pressupõe a libertação
da Ucrânia Soviética da bota estalinista. Também nesta ques-
tão a camarilha bonapartista colherá o que tem semeado.
Mas, não significaria isto o enfraquecimento militar da
URSS? – uivarão com horror os “amigos” do Kremlin. Res-
pondemos que o enfraquecimento da União Soviética se deve
às tendências centrífugas em permanente crescimento, que
gera a ditadura bonapartista. Em caso de guerra, o ódio das
massas à camarilha governante pode levar ao colapso das
conquistas de Outubro. A fonte dos sentimentos derrotistas
acha-se no Kremlin. Em troca, uma Ucrânia Soviética inde-
pendente se converteria, embora apenas fosse por interes-
se próprio, num poderoso baluarte sul ocidental da URSS.
Quanto mais depressa for socavada, derrubada, esmagada e
varrida a atual casta bonapartista, mais firme se tornará a
defesa da República Soviética, e mais seguro estará o seu fu-
turo socialista.
Naturalmente, uma Ucrânia independente de operários e
camponeses poderia, a seguir, unir-se à Federação Soviéti-
ca; mas voluntariamente, sobre condições em que ela mesma
julgasse aceitáveis, o que por sua vez pressupõe uma regene-
ração revolucionária da URSS. A autêntica emancipação do
povo ucraniano é inconcebível sem uma revolução ou uma sé-
rie de revoluções no ocidente, que possam conduzir em última
instância à criação dos estados unidos soviéticos da Europa.
Uma Ucrânia independente poderia unir-se a esta federação
como membro igualitário e indubitavelmente o faria. A revo-
lução proletária na Europa, por seu turno, não deixaria em
pé nem uma pedra da repugnante estrutura do bonapartismo
estalinista. Nesse caso, seria inevitável a estreita união dos
estados unidos soviéticos da Europa e a regenerada URSS, e
representaria infinitas vantagens para os continentes euro-
peu e asiático, incluindo, com certeza, a Ucrânia. Mas aqui
estamos desviando-nos para questões de segunda ou terceira
ordem. A questão de primeira ordem é a garantia revolucio-
nária da unidade e independência da Ucrânia de operários

43
Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

e camponeses, na luta contra o imperialismo, de um lado, e


contra o bonapartismo moscovita, de outra.
A Ucrânia é especialmente rica em experiências de falsos
caminhos de luta para atingir a emancipação nacional. Ali
tudo foi testado: a Rada [governo] pequeno burguesa e Skoro-
padski, Petlura, uma “aliança” com os Hohenzollern e combi-
nações com a Entente. Após estes experimentos, só cadáveres
políticos podem continuar a depositar esperanças em qual-
quer fração da burguesia ucraniana como líder da luta nacio-
nal pela emancipação. Unicamente o proletariado ucraniano
é capaz, não só de realizar esta tarefa – revolucionária em
essência–, como também de tomar a iniciativa para conseguir
a sua solução. O proletariado, e só o proletariado, pode con-
gregar à sua volta as massas camponesas e a intelectualidade
nacional genuinamente revolucionária.
Ao começo da última guerra imperialista, Melenevski (“Ba-
sok”) e Skoropis-Yeltujovski tentaram colocar o movimento
de libertação ucraniano sob a ala de Ludendorff, general dos
Hohenzollern. Para tal, disfarçaram-se de esquerdistas. Os
marxistas revolucionários expulsaram-nos com um pontapé.
Eis a forma como devem agir os revolucionários no futuro. A
iminente guerra criará uma atmosfera favorável a todo tipo de
aventureiros, caçadores de milagres e buscadores do velocino
de ouro. Estes cavalheiros, que têm especial preferência por
aquecer as mãos no fogo da questão nacional, não devem ser
admitidos nas fileiras do movimento operário. Nem o mais mí-
nimo compromisso com o imperialismo, seja fascista ou de-
mocrático! Nem a mais mínima concessão aos nacionalistas
ucranianos, sejam clerical-reacionários ou liberal-pacifistas!
Não à “frente popular”! Completa independência do partido
proletário como vanguarda dos trabalhadores!
Esta, acho eu, a política correta para a questão ucrania-
na. Falo aqui pessoalmente e em meu próprio nome. Cumpre
abrir a discussão internacional sobre o tema. O primeiro lu-
gar nesta discussão corresponderá aos marxistas revolucio-
nários ucranianos. Escutemo-los com grande atenção. Mas
lhes convém apressar! Resta pouco tempo para preliminares!

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Partido Operário Revolucionário

Stalin, administrador interino da Ucrânia


Trotsky, 18 de setembro de 1939
A guerra, como a revolução, se caracteriza por destruir de
um golpe as fórmulas idiotas, e por às claras a verdade que
escondem. A defesa da democracia é uma fórmula oca. A in-
vasão da Ucrânia é uma realidade sangrenta.
Hoje, está claro que, ao mesmo tempo em que a Comin-
tern faz uma clamorosa campanha em favor das democra-
cias e contra o fascismo, o Kremlin preparava o entendi-
mento militar com Hitler contra as supostas democracias.
Até um imbecil tem de compreender agora que os proces-
sos de Moscou, que serviram para destruir a velha guarda
bolchevique, acusando-a de colaboração com os nazistas,
não passaram de uma camuflagem para ocultar a aliança
estalinista com Hitler. O segredo foi revelado. Enquanto as
missões britânica e francesa discutiam com Voroshilov uma
defesa mais efetiva da Polônia, o mesmo Voroshilov discu-
tia com os representantes do estado-maior alemão a melhor
maneira de esmagar e dividir a Polônia. O Kremlin, não só
enganou a Chamberlain, Daladier e Beck, mas também, sis-
tematicamente, a classe operária da União Soviética e de
todo o mundo.
Alguns iluminados e esnobes me acusam de se deixar le-
var por meus horríveis prognósticos, devido a meu “ódio” a
Stalin. Como se as pessoas sérias se deixassem levar por seus
sentimentos pessoais, no que diz respeito aos problemas de
importância histórica! Os fatos demonstraram que a realida-
de é mais horrível que qualquer de meus prognósticos. Ao
entrar no território polaco, os exércitos soviéticos sabiam an-
tecipadamente até que ponto se confundiriam – como aliados,
não como inimigos – com os exércitos de Hitler. A operação se
decidiu sobre a base das cláusulas secretas do pacto germa-
no-soviético; a colaboração entre os estados-maiores de am-
bos os países seria contínua; a invasão estalinista não é mais
do que um complemento simétrico das operações hitlerianas.
Tais são os fatos.

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Sobre a autodetemrinação das nações - Textos de Lênin e Trotsky

O Kremlin, que até há pouco tempo procurava ganhar a


amizade de Varsóvia (para traí-la), declarava como crimi-
nosa a consigna de autodeterminação para a Ucrânia oci-
dental (Galícia oriental). Os expurgos e execuções na Ucrâ-
nia soviética foram provados fundamentalmente pelo fato
de que os revolucionários ucranianos aspiravam, contra
a vontade de Moscou, a libertação da Galícia da opressão
polaca. Agora, o Kremlin procura dissimular sua interven-
ção na Polônia com um pesaroso interesse na “libertação” e
“unificação” dos povos da Ucrânia e da Rússia Branca. Na
realidade, a Ucrânia soviética está mais amarrada do que
qualquer outra parte à União Soviética, pelas ferozes ca-
deias da burocracia de Moscou. A aspiração de vários seto-
res da nação ucraniana à sua libertação e independência é
totalmente legítima e muito intensa. Mas, estes anseios se
dirigem também contra o Kremlin. Se a invasão consegue
seu objetivo, o povo ucraniano se encontrará “unificado”,
não pela liberdade nacional, mas sim pela escravidão bu-
rocrática. Além disso, não haverá uma só pessoa honesta
que aprove a “emancipação” de oito milhões de ucranianos
e russos brancos ao preço da escravização de vinte milhões
de polacos! Inclusive, se o Kremlin eventualmente organi-
zar um plebiscito na Galícia ocupada, ao estilo de Göeb-
bels, não enganaria ninguém. Isso por que não se trata de
emancipar um povo oprimido, mas sim de estender o reina-
do da opressão burocrática e do parasitismo.
A imprensa nazista deu sua aprovação absoluta à “unifica-
ção” e “libertação” dos ucranianos sob as garras do Kremlin.
Com isso, Hitler cumpre dois objetivos: primeiro, arrastar a
União Soviética à sua órbita militar; segundo, avançar um pas-
so além na solução de seu programa de uma “Grã-Ucrânia”. A
política de Hitler é a seguinte: estabelecer uma ordem determi-
nada para suas conquistas, uma após outra, e criar, com cada

46
Partido Operário Revolucionário

nova conquista, um novo sistema de “amizades”. Na etapa atu-


al, Hitler concede a “Grã-Ucrânia” a seu amigo Stalin, na con-
dição de administrador interino. Na próxima etapa, colocará o
problema de quem é o proprietário da Ucrânia, ele ou Stalin.
Há aqueles que se aventuram a comparar a aliança Sta-
lin-Hitler com o tratado de Brest-Litovsk. Que falsificação! As
negociações de Brest-Litovsk foram realizadas abertamente,
à vista de toda a humanidade. A União Soviética, em fins de
1917 e início de 1918, não contava com um só batalhão em
condições de lutar. A Alemanha dos Hohenzollern atacou a
Rússia e tomou a província de depósitos militares soviéticos.
Ao governo soviético, não restou outra possibilidade, a não
ser assinar um tratado de paz. Definimos, abertamente, essa
paz como a capitulação de uma revolução desarmada, diante
de um inimigo poderoso. Não veneramos os Hohenzollern; de-
nunciamos publicamente a paz de Brest-Litovsk, como uma
extorsão e um roubo. Não enganamos os operários e cam-
poneses. O atual pacto Stalin-Hitler foi concluído, apesar da
existência de um exército de milhões de soldados, e seu obje-
tivo imediato foi facilitar a Hitler o esmagamento da Polônia e
a sua divisão entre Berlim e Moscou. Onde está a analogia?
As palavras de Molotov, de que o Exército Vermelho se co-
brirá de “glória” na Polônia, constituem uma inesquecível ver-
gonha para o Kremlin. O Exército Vermelho recebeu a ordem
de derrotar, na Polônia, aqueles que já haviam sido derrota-
dos por Hitler. Essa é a tarefa vergonhosa e criminosa que os
chacais do Kremlin determinaram para o Exército Vermelho.
(Extraído da obra Escritos, Leon Trotsky,
tomo XI, 1939-1940, vol. 1)

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